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ECONOMIA PARA O DIREITO O SETOR PÚBLICO 1. AS FUNÇÕES DO SETOR PÚBLICO Muitas vezes, as economias de mercado não conseguem cumprir adequadamente suas funções. Por essa razão, o governo e o sistema de mercado passam a dividir a tarefa de responder às Três Questões Econômicas Fundamentais. Vamos, a seguir, apresentar as principais funções econômicas do setor público: a) fornecer infraestrutura institucional; promover a manutenção da concorrência; promover a realocação de recursos; promover a redistribuição de renda; manter a estabilidade da economia. 1.1 Fornecer Infraestrutura Institucional Cabe ao setor público fornecer parte da infraestrutura física (rodovias, aeroportos, pontes etc.), bem como a infraestrutura institucional do sistema de mercado, tais como leis, tribunais e órgãos reguladores. A existência de um sistema legal garante os direitos de propriedade privada e permite o estabelecimento e o cumprimento de contratos. Os Órgãos Reguladores, por sua vez, podem arbitrar relações econômicas, punir crimes e impor penalidades apropriadas. 1.2 Promover a Manutenção da Concorrência Vimos em estruturas de mercado que as estruturas menos concorrenciais são formadas por setores compostos por poucos produtores, de modo que cada produtor tenha algum grau de monopólio. Com maior poder de mercado, esses setores podem prejudicar potenciais compradores, pois estes acabam adquirindo bens a preços mais elevados que aqueles que prevaleceriam em mercados competitivos. Além de pagar mais pelo produto, nas estruturas com menor concorrência, o consumidor tem uma quantidade menos de produto à sua disposição. De fato, os mercados falham na presença da concorrência imperfeita. TEXTO II – O SETOR PÚBLICO Prof. Silvano

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ECONOMIA PARA O DIREITO

O SETOR PÚBLICO

1. AS FUNÇÕES DO SETOR PÚBLICO

Muitas vezes, as economias de mercado não conseguem cumprir adequadamente suas funções. Por essa razão, o governo e o sistema de mercado passam a dividir a tarefa de responder às Três Questões Econômicas Fundamentais. Vamos, a seguir, apresentar as principais funções econômicas do setor público: a) fornecer infraestrutura institucional; promover a manutenção da concorrência; promover a realocação de recursos; promover a redistribuição de renda; manter a estabilidade da economia.

1.1 Fornecer Infraestrutura Institucional

Cabe ao setor público fornecer parte da infraestrutura física (rodovias, aeroportos, pontes etc.), bem como a infraestrutura institucional do sistema de mercado, tais como leis, tribunais e órgãos reguladores. A existência de um sistema legal garante os direitos de propriedade privada e permite o estabelecimento e o cumprimento de contratos. Os Órgãos Reguladores, por sua vez, podem arbitrar relações econômicas, punir crimes e impor penalidades apropriadas.

1.2 Promover a Manutenção da Concorrência

Vimos em estruturas de mercado que as estruturas menos concorrenciais são formadas por setores compostos por poucos produtores, de modo que cada produtor tenha algum grau de monopólio. Com maior poder de mercado, esses setores podem prejudicar potenciais compradores, pois estes acabam adquirindo bens a preços mais elevados que aqueles que prevaleceriam em mercados competitivos. Além de pagar mais pelo produto, nas estruturas com menor concorrência, o consumidor tem uma quantidade menos de produto à sua disposição. De fato, os mercados falham na presença da concorrência imperfeita.

O poder monopólico se reflete em dois grandes grupos de mercados imperfeitos: monopólios naturais e oligopólios. Deve-se, portanto, limitar o poder de mercado, evitando, assim, que ele seja usado de maneira anticoncorrencial. De modo geral, tenta-se impedir os monopólios e os oligopólios de duas formas:

Propriedade e RegulaçãoEm alguns casos, as indústrias são monopólios naturais, em que o custo médio de produção diminui conforme aumenta a escala de operação da empresa, de tal sorte que uma firma já existente e de grandes dimensões pode suprir o mercado a custos mais baixos que qualquer outra empresa que deseje entrar na indústria. Exemplos de monopólios naturais são as companhias de energia elétrica, as companhias telefônicas e as companhias de gás. A forma de regulamentar o funcionamento de monopólios naturais é limitar a entrada de concorrentes. Uma maneira de se fazer isso é o estado assumir diretamente a operação dessas empresas. Outra forma de se limitar a entrada de concorrentes seria por meio de um regime de concessões monopolistas. Um contrato de concessões pode ser definido como o meio pelo qual a administração pública transfere a particulares a execução de uma obra por sua conta e risco, seja por remuneração direta e prazo certo, ou paga pelo usuário. Por se

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tratar de uma prestação de serviço público, é atribuição do Poder Público organizar tais serviços, regulamentando seus preços e fixando seus padrões de serviços.

Leis AntitrusteNo Brasil, a legislação que trata da manutenção e fortalecimento da concorrência é a lei 8.884, de 11 de junho de 1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Essa lei amplia os poderes do CADE (que já existia desde 1962) ao transformá-lo em Autarquia Federal, ao mesmo tempo em que define com maior precisão as práticas consideradas ofensivas à concorrência. Já em seu art. 1º. fica estipulada a finalidade da lei: tratar da prevenção e da repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.

1.3 Promover a Redistribuição de Renda

Nas economias de mercado, a renda das unidades familiares mais representativas é a que se origina do trabalho. O sistema de mercado, por sua vez, proporciona rendas salariais mais elevadas aos indivíduos que têm talento natural, instrução e habilidades adquiridas. Além disso, os salários não são a única fonte de renda das famílias. Existe ainda a renda da propriedade, derivada da oferta de capital, terra ou recursos naturais. Algumas famílias possuem capital e terra provenientes do trabalho ou de herança. Elas fornecem esses fatores de produção, recebendo renda de juros ou lucro do capital, ou renda de aluguel pela terra e recursos naturais.

Por outro lado, existem outros indivíduos na sociedade com menos talento natural, que tiveram pouco ou nenhum acesso à instrução, que têm pouca habilidade e que não herdaram recursos de propriedade. Isso faz que, nas economias de mercado, exista uma considerável desigualdade na distribuição de renda. Por essa razão, o governo age como um agente redistribuidor de renda, por meio de programas e políticas governamentais. Dentre eles, destacam-se:

TributaçãoO governo pode redistribuir renda por meio de uma tributação progressiva, em que os indivíduos mais ricos pagam uma alíquota maior do imposto. O governo estão retira recursos da camada mais rica da sociedade, transferindo-os para os indivíduos que fazem parte do segmento mais pobre da população.

TransferênciasMediante programas de transferência, tais como o programa da renda mínima, seguro desemprego, atendimento médico gratuito etc., o governo pode ajudar a diminuir a desigualdade na distribuição de renda.

Intervenção no MercadoO governo pode intervir nas forças de mercado, cobrando impostos sobre produtos adquiridos pelas famílias mais ricas e subsidiando produtos consumidos pelas famílias mais pobres.

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1.4 Promover a Realocação de Recursos

Uma das principais funções econômicas do governo é fornecer bens públicos que são bens que, por suas características, o mercado não pode e não deve prover. Para entendermos adequadamente a questão, vamos estabelecer as diferenças entre bens públicos e bens privados, caracterizando inicialmente o que são bens privados.

Os bens privados são aqueles fornecidos por empresas privadas no mercado. Apresentam duas características: são rivais e obedecem ao princípio da exclusão.

Um bem privado é caracterizado pela rivalidade se o fato de uma pessoa usá-lo eliminar a possibilidade de que alguém mais possa fazê-lo. Como exemplo, podemos citar o de uma barra de chocolate: se uma pessoa comer uma barra de chocolate, outra pessoa não poderá consumir o mesmo produto. Isso se aplica a todos os bens que podem ser comprados no mercado: computadores, comida e assim por diante. A segunda característica de um bem privado é a exclusão: a habilidade de excluir quem não paga para consumir um bem. Um indivíduo não tem o direito de consumir determinada pizza, a menos que pague por ela.

Os bens públicos, por sua vez, não são rivais nem excludentes. Isso significa que a utilização de um bem público por parte de uma pessoa não reduz a disponibilidade desse bem. Por essa razão, o bem pode ser utilizado por muitas pessoas sem que elas sejam prejudicadas. Como exemplo, podemos citar o da defesa nacional: uma vez que ela já esteja sendo fornecida, é impossível impedir alguém de se beneficiar dela. Outros exemplos de bens públicos são a polícia, os parques e assim por diante. Pelas características dos bens públicos, o governo fica responsável por seu fornecimento em quantidades suficientes.

Vimos que o princípio da exclusão diferencia os bens públicos dos bens privados. Existem, entretanto, vários outros bens que, embora satisfaçam o princípio da exclusão, são providos pelo governo. Esses bens, chamados semipúblicos, incluem saneamento, educação, saúde, estradas e assim por diante. São também denominados bens meritórios, e são bens que, embora possam ser explorados pelo setor privado, acabam sendo produzidos pelo governo, como forma de evitar que a população de baixa renda, por não poder pagar por eles, seja excluída de seu consumo.

Os gastos que o governo tem ao fornecer bens públicos e semipúblicos provem basicamente das receitas de impostos. A tributação libera os recursos da produção de bens de consumo (aparelhos de som, alimentos, livros) e de bens de capital (máquinas, tratores, colheitadeiras). O governo, por meio de seus gastos, desloca esses recursos para a produção de bens públicos e semipúblicos.

1.5 Manter a Estabilidade da Economia

Para manter a estabilidade, o governo deve intervir na economia de modo a evitar excessivas flutuações da economia, combatendo os efeitos de quedas no nível de atividade econômica. Nesse sentido, o governo deve utilizar-se de políticas econômicas, buscando o pleno emprego de recursos e manutenção de preços estáveis. Para tanto, o governo pode fazer uso da política fiscal, monetária, cambial, comercial e de rendas.

2. SISTEMA TRIBUTÁRIOTEXTO II – O SETOR PÚBLICO

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Dissemos, anteriormente, que, para desempenhar suas funções econômicas, o governo se utiliza das receitas tributárias. Vamos, neste segmento, nos deter na análise de alguns aspectos relativos à tributação.

2.1 Os princípios da Neutralidade e da Equidade

São dois os principais princípios que devem nortear um sistema tributário: o Princípio da Neutralidade e o da Equidade (Justiça).

Princípio da NeutralidadeDe acordo com o princípio da neutralidade, o sistema tributário deve interferir o menos possível nas decisões sobre alocação de recursos por parte do setor privado da economia. Por essa razão, a tributação não deve alterar os preços relativos, uma vez que é com base nesses preços que se dá a alocação de recursos na economia.

Princípio da EquidadeDe acordo com o princípio da equidade, um imposto, além de neutro, deve ser justo. A Justiça do sistema tributário pode ser analisada a partir de dois outros princípios: o Princípio do Benefício e o Princípio da capacidade de Pagamento.

Princípio do BenefícioDe acordo com o princípio do benefício, para o sistema tributário ser justo, o indivíduo deve contribuir para com o Estado, sob a forma de impostos, de maneira proporcional aos benefícios dele recebidos. Assim, quanto mais benefícios receber, mais impostos ele deve pagar ao Estado. Quanto à sua implementação, a natureza dos bens e serviços públicos frequentemente torna impossível a aplicação desse princípio. De fato, como os bens públicos são fornecidos coletivamente, fica difícil identificar os benefícios que cada indivíduo atribui às diferentes quantidades desses bens.

Princípio da Capacidade de PagamentoDe acordo com esse princípio, para a tributação ser justa, as famílias e as empresas devem contribuir com os impostos segundo a sua capacidade de pagamento. Se utilizarmos a renda como medida da capacidade de pagamento, então quanto maior a renda, maior a capacidade de pagamento, e quanto menor a renda, menor a capacidade de pagamento.

2.2 Classificação dos Impostos

Os impostos podem ser classificados em diretos e indiretos.

Impostos Diretos: são aqueles que afetam a riqueza dos contribuintes, incidindo diretamente sobre a renda e a riqueza (patrimônio). Como exemplos de impostos diretos temos o Imposto sobre a Renda (IR), Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Impostos Indiretos: decorrentes da produção e comercialização, geralmente incidente sobre vendas, produtos industrializados, importação etc. Como exemplo temos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Os impostos podem ainda se classificar da seguinte forma: Impostos Regressivos, Impostos Proporcionais e Impostos Progressivos.

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Impostos Regressivos: são aqueles em que o aumento da contribuição é proporcionalmente menos à

medida que a renda aumenta. O ônus do pagamento desse imposto recai mais sobre as classes menos privilegiadas. Como exemplo podemos citar o ICMS: suponha que o governo estabeleça uma alíquota de 10% para o ICMS incidente sobre o quilo do açúcar. Se o quilo de açúcar custar R$ 10,00, tanto as pessoas com renda mais baixa quanto aquelas com renda mais elevada pagarão, indistintamente, um imposto de R$ 1,00 sobre o quilo do açúcar. Por essa razão, quando o imposto é regressivo, o ônus do seu pagamento recai de forma mais acentuada sobre os mais pobres.

Impostos proporcionais: são aqueles em que a contribuição é um percentual constante, qualquer que seja o nível de renda. Como exemplo desse tipo de imposto, podemos citar o imposto de renda pessoa jurídica, que recai sobre o lucro da empresa.

Impostos progressivos: um imposto é considerado progressivo quando o percentual de contribuição se eleva à medida que aumenta a renda. O ônus desse tipo de imposto recai de forma mais acentuada sobre as pessoas de renda mais elevada. Como exemplo desse tipo de imposto, podemos citar o imposto de renda sobre a pessoa física.

3. CONCEITO E FORMAS DE FINANCIAMENTO DO DÉFICT PÚBLICO

3.1 Déficit Público

O déficit público acontece quando os gastos do governo são superiores à sua arrecadação. Ocorre o superávit quando a arrecadação do governo supera seus gastos. Veremos, a seguir, que existem vários conceitos de déficit público.

3.2 Déficit Total ou Nominal

O déficit também é chamado Necessidade de Financiamento do Setor Público Não Financeiro – conceito Nominal. Esse conceito indica o fluxo de novos financiamentos obtidos pelo setor público não financeiro nas três esferas de governo (União, estados e municípios), empresas estatais e Previdência Social. Inclui os juros e as correções monetárias e cambiais pagas sobre a dívida pública.

3.3 Déficit Primário (ou Fiscal)

Para se obter o déficit primário, exclui-se do déficit total a correção monetária e cambial e os juros da dívida anteriormente contraída. Na verdade, o déficit primário constitui-se dos gastos públicos menos o total da arrecadação tributária corrente. Esse conceito mostra a condução da política fiscal do governo ao apurar somente a arrecadação de impostos e os gastos correntes e de investimento, independente da dívida pública.

3.4 Déficit Operacional

O déficit operacional também é denominado Necessidades de Financiamento do Setor Público – Conceito Operacional. O déficit operacional constitui-se no déficit nominal menos as correções monetárias e cambiais pagas sobre a dívida pública. Constitui-se, portanto, do déficit primário acrescido dos juros reais da dívida contraída anteriormente.

4. FORMAS DE FINANCIAMENTO DO DÉFICT PÚBLICO

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Quando o governo se defronta com uma situação de déficit público, ele pode recorrer a medidas de política fiscal para cobrir tal déficit. Essas medidas envolveriam o aumento dos impostos ou a redução dos gastos do governo, ou ambos.

Além das medidas de política fiscal, o governo pode financiar seu déficit das seguintes formas:

Emissão de moeda: nesse caso, o governo (Tesouro Nacional) toma dinheiro emprestado ao Banco Central. Isso corresponde a uma emissão monetária, com a expansão da base monetária. Implica colocar em prática uma política monetária expansionista, o que poderia gerar pressões inflacionárias na economia;

Venda de títulos da dívida pública ao setor privado: nesse caso, o governo troca títulos por moeda que já está em circulação. Esse tipo de financiamento contribui para aumentar a dívida pública. Além disso, o governo pode ser obrigado a elevar os juros para atrair os interessados na compra de seus títulos, o que acabaria por elevar ainda mais a dívida pública.

Bibliografia

Passos, Carlos Roberto Martins e Otto Nogami. Princípios de Economia – 5ª. ed. Cengage Learning, 2009. São Paulo/SP. Apêndice do cap. XI.

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