Apostila Direitos Humanos - Damásio

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    CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA

    MDULO I

    DIREITOS HUMANOSConceito e Evoluo Histrica

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    Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br

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    DIREITOS HUMANOS

    Conceito e Evoluo Histrica

    1. A PESSOA HUMANA E SUA DIGNIDADE

    A dignidade humana, na linguagem filosfica, o princpio moral de que o serhumano deve ser tratado como um fim e nunca como um meio1 . , portanto, um direitoessencial.

    longa a caminhada empreendida pela humanidade para o reconhecimento eestabelecimento da dignidade da pessoa humana. De acordo com o Prof. Fbio KonderComparato, todos os seres humanos, apesar das inmeras diferenas biolgicas e culturaisque os distinguem entre si, merecem igual respeito, como nicos entes no mundo capazesde amar, descobrir a verdade e criar a beleza. Em razo desse reconhecimento universal,conclui: ningum nenhum indivduo, gnero, etnia, classe social, grupo religioso ounao pode afirmar-se superior aos demais2.

    Atualmente, no se discute, h o reconhecimento de que toda pessoa tem direitos

    fundamentais, decorrendo da a imprescindibilidade da sua proteo para preservao dadignidade humana.

    O conceito de Direitos Humanos muito amplo. Para o Prof. Fernando Sorondo, elepode ser considerado sob dois aspectos:

    constituindo um ideal comum para todos os povos e para todas as naes,seria ento um sistema de valores; e

    este sistema de valores, enquanto produto de ao da coletividade humana,acompanha e reflete sua constante evoluo e acolhe o clamor de justia dos

    povos. Por conseguinte, os Direitos Humanos possuem uma dimensohistrica3.

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos, aprovada em resoluo da III SeoOrdinria da Assemblia Geral das Naes Unidas proclama: A presente DeclaraoUniversal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos etodas as naes, com o objetivo de que cada indivduo e cada rgo da sociedade, tendosempre em mente esta Declarao, se esforcem, atravs do ensino e da educao, em

    promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoo de medidas progressivas decarter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observncia

    1 DINIZ, Maria Helena. Dicionrio Jurdico. So Paulo: Saraiva, 1998. Vol. 2,2 COMPARATO, Fbio Konder.A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. 2. ed. So Paulo: Saraiva.p.13 SORONDO, Fernando. Os Direitos Humanos atravs da Histria.

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    universais e efetivos, tanto entre os povos dos prprios Estados-membros quanto entre ospovos dos territrios sob a sua jurisdio4.

    Esta Declarao avalia vrios aspectos dos relacionamentos humanos.

    O tema dos direitos humanos de crescente relevncia na caracterizao damentalidade jurdica do sculo XXI. Possui, ao mesmo tempo, um toque de passado e uma

    projeo de futuro. Mas o que so esses direitos? Quais seus fundamentos? Comosurgiram? Para onde se dirigem? Perguntas como estas no so facilmente respondidas,necessitam de uma ampla anlise histrico-filosfica, alm de um profundo conhecimento

    jurdico. A doutrina apresenta distintos posicionamentos e ideologias que devem serobservados, visando ao mais completo entendimento da matria.

    Inicialmente, pergunta-se qual o fundamento desses direitos e qual a sua fontejustificativa? Os tericos se dividem em duas posies antagnicas, j muito trabalhadaspela Teoria Geral do Direito: o Positivismo e o Jusnaturalismo.

    A primeira, apresentada por Norberto Bobbio, afirma a inexistncia de um direitoabsoluto para esses direitos, j que a dogmtica jurdica se caracteriza pela historicidade,sendo o Direito passvel de constantes modificaes, advindas da sociedade, cultura, moral,economia, que se alteram dia aps dia. No se pode dar, assim, um fundamento eterno paraalgo que necessariamente sofrer modificaes.

    Um preceito s pode ser considerado jurdico quando nele estiver presente o carterrepressivo, que lhe concede eficcia, como bem ressaltava Hans Kelsen. Se a OrdemJurdica nada pode fazer para assegurar o cumprimento desses preceitos, eles no podemser denominados direito, pois so meras expectativas de conduta, meras expresses de

    boas intenes que orientam a ao para um futuro indeterminado, incerto.

    Atualmente, porm, h uma tendncia positivao dos direitos humanos, deforma a inseri-los nas Constituies Estatais, atravs da criao de novos mecanismos paragaranti-los, alm da difuso de sua regulao por meio de mecanismos internacionais,como os Tratados e Convenes Internacionais de Direitos Humanos.

    Com isso, j se pode falar num conceito positivo de direitos humanos, que seriamos direitos fundamentais, assegurados ao indivduo atravs da regulamentao eaplicao desses direitos, tanto no campo estatal como no campo supra-estatal.

    O Jusnaturalismo, amparado por doutrinadores como Dalmo de Abreu Dallari eFbio Konder Comparato, ressalta a Pessoa Humana como o fundamento absoluto,atemporal e global desses direitos. A pessoa a mesma em todos os lugares e,considerando as diversidades culturais, deve ser tratada igualmente, de forma justa esolidria. Ressalta-se a dignidade inerente a todo e qualquer ser humano como a razomxima do Direito e da Sociedade, devendo ser resguardada e cultivada por estes.

    4 LIMONGI, Ruben (Coordenador). Enciclopdia Saraiva do Direito. Vol. 22. So Paulo: Saraiva, 1977.p.470

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    Os direitos humanos seriam, assim, o conjunto de condies, garantias ecomportamentos, capazes de assegurar a caracterstica essencial do homem, a sua

    dignidade, de forma a conceder a todos, sempre, o cumprimento das necessidades inseridasem sua condio de pessoa humana.

    Dessa forma, esses direitos no so criados pelos homens ou pelos Estados, eles sopreexistentes ao Direito, restando a este apenas declar-lo, nunca constitu-los. O direitono existe sem o homem e nele que se fundamenta todo e qualquer direito, na pessoahumana que o Direito encontra o seu valor.

    H, pois, uma unio dessas duas teorias na caracterizao moderna dos direitoshumanos. Ressalta-se o artigo 1., inciso III, CF/88, que afirma ser fundamento daRepblica Federativa do Brasil a dignidade humana.

    Diz, em seu artigo 1., a Declarao Universal dos Direitos do Homem:

    Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotados derazo e conscincia e devem agir em relao uns aos outros com esprito de fraternidade.

    A Declarao afirma que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade(art. 1.) e garante a todos eles os mesmos direitos, sem distino de raa, cor, sexo, lngua,religio, opinio poltica ou de outra natureza, nascimento ou qualquer outra condio (art.2., I)5 .

    A boa doutrina ressalta algumas caractersticas prprias desses direitos, sendo:

    Universalidade: todo e qualquer ser humano sujeito ativo desses direitos,independente de credo, raa, sexo, cor, nacionalidade, convices;

    Inviolabilidade: esses direitos no podem ser descumpridos por nenhuma pessoaou autoridade;

    Indisponibilidade: esses direitos no podem ser renunciados. No cabe aoparticular dispor dos direitos conforme a prpria vontade, devem ser sempre

    seguidos;

    Imprescribilidade: eles no sofrem alteraes com o decurso do tempo, pois tmcarter eterno;

    Complementaridade: os direitos humanos devem ser interpretados em conjunto,no havendo hierarquia entre eles.

    Diz o Prof. Sorondo: Os Direitos Humanos julgam a ordem vigente, so umformador de opinio pblica nos mais diversos confins do planeta, e pem a descoberto os

    condicionamentos econmicos, sociais e polticos que impedem sua completa realizao6

    .

    5 LIMONGI, Ruben (Coordenador). op. cit. p.4726 SORONDO, Fernando. op. cit.

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    2. A EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS

    Apesar da falta de historicidade inerente a esses direitos, com a histria eseus grandes pensadores que se observa a evoluo da humanidade, no sentido deampliar o conhecimento da essncia humana, a fim de assegurar a cada pessoa seusdireitos fundamentais.

    Podemos destacar que a noo de direitos humanos foi cunhada ao longo dosltimos trs milnios da civilizao.

    O Prof. Fbio Konder Comparato, fazendo uma anlise histrica dessa evoluo,

    aponta que foi no perodo axial que os grandes princpios, os enunciados e as diretrizesfundamentais da vida, at hoje considerados em vigor, foram estabelecidos. Informa quenesse perodo, especialmente entre 600 e 480 a.C., coexistiram, sem se comunicarem entresi, alguns dos maiores doutrinadores de todos os tempos (entre eles, Buda, na ndia;Confcio, na China; Pitgoras, na Grcia e o profeta Isaas, em Israel) e, a partir da, ocurso da Histria passou a constituir o desdobramento das idias e princpios estabelecidosnesse perodo.

    Inclusive, foi nesse perodo que surgiu a filosofia, tanto na sia como na Grcia,quando ento substituiu-se, pela primeira vez na Histria, o saber mitolgico da tradio

    pelo saber lgico da razo7 .

    Em resumo, assinala que foi nesse perodo que nasceu a idia de igualdade entre osseres humanos: a partir do perodo axial que o ser humano passa a ser considerado, pela

    primeira vez na Histria, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razo,no obstante as mltiplas diferenas de sexo, raa, religio ou costumes sociais. Lanavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreenso da pessoa humana e para aafirmao de direitos universais, porque a ela inerentes8.

    Na seqncia, podemos destacar o Cristianismo, que em muito contribuiu para o

    estabelecimento da igualdade entre os homens. O Cristianismo, sem dvida, no planodivino, pregava a igualdade de todos os seres humanos, considerando-os filhos de Deus,apesar de, na prtica, admitir desigualdades em contradio com a mensagem evanglica(admitiu a legitimidade da escravido, a inferioridade da mulher em relao ao homem)9.

    Na Idade Mdia havia a noo de que os homens estavam submetidos a uma ordemsuperior, divina, e deviam obedincia s suas regras. Era incipiente, todavia, oreconhecimento da dualidade Estado-indivduo. Como disse Enrico Eduardo Lewandovski:...na ordem poltica medieval, jamais se aceitou, de fato ou de direito, a idia de que oindivduo possusse uma esfera de atuao prpria, desvinculada da polis. Desconhecia-se

    completamente a noo de direitos subjetivos individuais oponveis ao Estado

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    .7 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit. p.88 Ib. op. cit. p.19 Ib. op. cit. p.17-1810 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteo dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional.So Paulo: Forense, 1984. p.8

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    Aponta, contudo, que nesse perodo houve um avano, medida em que se passou areconhecer que o indivduo estava submetido a duas autoridades (secular e espiritual) e,

    com esse reconhecimento, o homem passou a ser considerado como um ser moral, e noapenas como um ser social, derivando da que enquanto seres morais, ou seja, enquantomembros da civitas Dei, todos os homens eram iguais, sem embargo das distines de

    status circunstancialmente registradas na cidade terrena11.

    A partir do sculo XIV, as transformaes que ocorreram abalaram toda a estruturaconcebida e que dava sustentao organizao social e poltica da poca, culminando, taismudanas, com o Iluminismo (perodo entre a Revoluo Inglesa de 1688 e a RevoluoFrancesa de 1789). Foi durante o Iluminismo e o Jusnaturalismo desenvolvidos na Europa,entre os sculos XVII e XVIII, que a idia de direitos humanos se inscreveu, inclusive

    estendendo-se aos ordenamentos jurdicos dos pases.A constatao tica da imperiosa necessidade de se resguardar certos direitos advm

    da fuso da doutrina Judaico-crist com o Contratualismo. Para a primeira, o homem foicriado imagem e semelhana de Deus, sendo a igualdade e liberdade caractersticasdivinas presentes em toda as pessoas.

    No Iluminismo, o princpio da igualdade essencial dos seres humanos foiestabelecido sob o prisma de que todo homem tem direitos resultantes de sua prprianatureza, ou seja, firmou-se a noo de que o homem possui certos direitos inalienveis eimprescritveis, decorrentes da prpria natureza humana e existentes independentemente doEstado12.

    A concepo, que espalhou-se pelos ordenamentos de vrios pases, era a de que osdireitos individuais eram preexistentes, portanto, no eram criaes do Estado e, assimsendo, deveriam ser respeitados, cabendo ao Estado zelar pela sua observncia.

    A evoluo da doutrina estica, que alegava a supremacia da natureza, culminouno Contratualismo, que teve como seus maiores representantes Hobbes, Locke e Rousseau.

    Hobbes cria que o homem em seu estado de natureza sofria com a guerra de todos

    contra todos, sendo imperiosa a necessidade de um rgo que lhes garantisse a segurana.Assim, eles alienaram sua liberdade ao estado, detentor de todo o poder. Esse poder sseria retirado do governante se ele no assegurasse aos cidados a segurana desejada.

    Locke afirmava a existncia de certos direitos fundamentais do homem, como avida, a liberdade e a propriedade. No estado natural, o homem era bom. A liberdadeindividual s foi transferida ao Estado para que este melhor garantisse os direitos doindivduo, podendo os cidados retirar o poder concedido ao governante, caso ele noatendesse aos anseios da comunidade, isto , eles tm o direito de retomar a liberdadeoriginria.

    Rousseau assevera que o homem natural seria instintivo.O Contrato Social foicriado, assim, como forma de garantir ao mesmo tempo a igualdade e a liberdadepor meio

    11 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. op. cit. p.812 Ib. op. cit. p.20

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    da soberania popular, pela qual os homens cediam parte de sua liberdade para a realizaodo bem comum.

    Pode-se inserir no contexto, ainda, a posio de Montesquieu que apresentava suateoria da tripartio do poder como forma de garantir o bom governo e controlar osarbtrios.

    Essa unio teolgica e racionalista originou o conceito de direito natural, queculminou com a doutrina de Kant, para quem o Estado era um instrumento fixador de leis,criadas pelos cidados, e a liberdade era um imperativo categrico fundamental para seconceber a figura humana.

    A contribuio de Kant foi muito valiosa para a construo do princpio dos direitos

    universais da pessoa humana. Kant observa que s o ser racional possui a faculdade deagir segundo a representao de leis ou princpios; s um ser racional tem vontade, que uma espcie de razo denominada razo prtica13, tambm observa que as regras jurdicas,s quais os homens passam a sujeitar-se, devem ser elaboradas pelos membros daassociao14. Sua viso, complementando, de que o ser humano no existe como meio

    para uma finalidade, mas existe como um fim em si mesmo, ou seja, todo homem temcomo fim natural a realizao de sua prpria felicidade, da resultando que todo homemtem dignidade. Isso implica, na sua concepo, que no basta ao homem o dever negativode no prejudicar algum, mas, tambm, e essencialmente, o dever positivo de trabalhar

    para a felicidade alheia.

    Essa concepo foi fundamental para o reconhecimento dos direitos necessrios formulao de polticas pblicas de contedo econmico e social15.

    Pode-se falar em trs pices da evoluo dos direitos humanos: o Iluminismo, aRevoluo Francesa e o trmino da Segunda Guerra Mundial.

    Com o primeiro foi ressaltada a razo, o esprito crtico e a f na cincia. Essemovimento procurou chegar s origens da humanidade, compreender a essncia das coisase das pessoas, observar o homem natural.

    A Revoluo Francesa deu origem aos ideais representativos dos direitos humanos,a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Estes inspiraram os tericos e transformaram todoo modo de pensar ocidental. Os homens tinham plena liberdade (apesar de empecilhos deordem econmica, destacados, posteriormente, pelo Socialismo), eram iguais, ao menos emrelao lei, e deveriam ser fraternos, auxiliando uns aos outros.

    Por fim, com a barbrie da Segunda Grande Guerra, os homens se conscientizaramda necessidade de no se permitir que aquelas monstruosidades ocorressem novamente, dese prevenir os arbtrios dos Estados. Isto culminou na criao da Organizao das NaesUnidas e na declarao de inmeros Tratados Internacionais de Direitos Humanos, comoA Declarao Universal dos Direitos do Homem, como ideal comum de todos os povos.

    13 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit. p.2014 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. op. cit. p.4115 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit. p.20-24

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    Os documentos de proteo aos direitos humanos foram surgindo progressivamente.O antecedente mais remoto pode ser a Magna Carta, que submetia o governante a um

    corpo escrito de normas, que ressaltava a inexistncia de arbitrariedades na cobrana deimpostos. A execuo de uma multa ou um aprisionamento ficavam submetidos imperiosa necessidade de um julgamento justo.

    A Petition of Rights tentou incorporar novamente os direitos estabelecidos pelaMagna Carta, por meio da necessidade de consentimento do Parlamento para a realizaode inmeros atos.

    OHabeas Corpus Act instituiu um dos mais importantes instrumentos de garantiade direitos criados. Bastante utilizado at os nossos dias, destaca o direito liberdade delocomoo a todos os indivduos.

    ABill of Rights veio para assegurar a supremacia do Parlamento sobre a vontade dorei.

    A Declarao de Direitos do estado da Virgnia declara que todos os homens sopor natureza igualmente livres e independentes e tm certos direitos inatos de que, quandoentram no estado de sociedade, no podem, por nenhuma forma, privar ou despojar de sua

    posteridade, nomeadamente o gozo da vida e da liberdade, com os meios de adquirir epossuir propriedade e procurar e obter felicidade e segurana. Assegura, tambm, todopoder ao povo e o devido processo legal (julgamento justo para todos).

    A Declarao de Independncia dos Estados Unidos da Amrica, assim como aConstituio Federal de 1787, consolidam barreiras contra o Estado, como tripartio do

    poder e a alegao que todo poder vem do povo; asseguram, ainda, alguns direitosfundamentais, como a igualdade entre os homens, a vida, a liberdade, a propriedade. Asdez Emendas Constitucionais americanas permanecem em vigor at hoje, demonstrando ocarter atemporal desses direitos fundamentais. Essas Emendas tm carter apenasexemplificativo, j que, constantemente, novos direitos fundamentais podem ser declaradose incorporados Lei Fundamental Americana.

    Com a Revoluo Francesa, foi aprovada a Declarao dos Direitos do Homem edo Cidado, que garante os direitos referentes liberdade, propriedade, segurana eresistncia opresso. Destaca os princpio da legalidade e da igualdade de todos perante alei, e da soberania popular. Aqui, o pressuposto o valor absoluto da dignidade humana, aelaborao do conceito de pessoa abarcou a descoberta do mundo dos valores, sob o

    prisma de que a pessoa d preferncia, em sua vida, a valores que elege, que passam a serfundamentais, da porque os direitos humanos ho de ser identificados como os valoresmais importantes eleitos pelos homens.

    A partir do sculo XX, a regulao dos direitos econmicos e sociais passaram a

    incorporar as Constituies Nacionais. A primeira Carta Magna, a revolucionar apositivao de tais direitos, foi a Constituio Mexicana de 1917, que versava, inclusive,sobre a funo social da propriedade.

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    A Constituio de Weimar de 1919, pelo seu captulo sobre os direitos econmicose sociais, foi o grande modelo seguido pelas novas Constituies Ocidentais.

    A partir da segunda metade do sculo XX, iniciou-se a real positivao dos direitoshumanos, que cresceram em importncia e em nmero, devido, principalmente, aosinmeros acordos internacionais. O pensamento formulado nesse perodo acentua o carternico e singular da personalidade de cada indivduo, derivando da que todo homem temdignidade individual e, com isto, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, em seuart. 6., afirma: Todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como

    pessoa perante a lei.

    Atualmente no se pode discutir a existncia desses direitos, j que, alm deamplamente consagrados pela doutrina, esto presentes tambm na lei fundamental

    brasileira: A Constituio Federal.

    Mesmo os mais pessimistas, que alegam a falta de eficcia dos direitosfundamentais, no podem negar a rpida evoluo, tanto no sentido normativo, como nosentido executivo, desses direitos, que j adquiriram um papel essencial na doutrina

    jurdica, apesar de apenas serem realmente reconhecidos por meio da Declarao Universaldos Direitos do Homem de 1948.

    Pode-se constatar, por estes apontamentos, que a evoluo dos direitos humanos foigradual; todavia, o pensamento moderno a convico generalizada de que o verdadeiro

    fundamento da validade do Direito em geral e dos direitos humanos em particular jno deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelao religiosa, nem tampouco numaabstrao metafsica a natureza como essncia imutvel de todos os entes do mundo. Se odireito uma criao humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O quesignifica que esse fundamento no outro, seno o prprio homem, considerado em suadignidade substancial de pessoa...16

    Mdulo elaborado pelos professores Vitor Kmpel e Luis Antonio de Souza.

    16 COMPARATO, Fbio Konder. Cultura dos Direitos Humanos. So Paulo: Ed. LTR. p.608

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    DIREITOS HUMANOS

    1. INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEO DOSDIREITOS HUMANOS

    1.1. Sistema Global

    A Prof. Flvia Piovesan declara que sempre se mostrou intensa a polmica sobre ofundamento e a natureza dos direitos humanos se so direitos naturais e inatos, oudireitos positivos e histricos ou, ainda, direitos que derivam de determinado sistemamoral.

    Para Norberto Bobbio, o problema no que tange aos direitos humanos no mais ode fundament-los, e sim o de proteg-los.

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial comearam os grandes questionamentossobre o Direito Humanitrio, foi a primeira expresso de que, no plano internacional, hlimites liberdade e autonomia dos Estados, ainda que na hiptese de conflito armado.Reforando este ponto de vista, foi criada a Liga das Naes, que apontava a necessidade

    de relativizao da soberania dos Estados. A seguir, foi introduzida a OrganizaoInternacional do Trabalho que colaborou, profundamente, a fim de tornar internacional osdireitos humanos1.

    Quer em conjunto, quer em separado, esses institutos foram a base para ainternacionalizao dos direitos humanos.

    O sistema internacional de proteo dos direitos humanos formado pordocumentos internacionais voltados garantia dos direitos humanos, tanto no mbito

    globalquanto no mbito regional.

    O sistema global de proteo composto de instrumentos de alcance geral (pactos)e instrumentos de alcance especial (convenes especficas), e sua incidncia no se limitaa uma determinada regio, podendo alcanar qualquer Estado integrante da ordeminternacional. Os Estados se aderem aos documentos internacionais no exerccio de sua

    soberania. Eles tm total liberdade para aceitar ou no o documento, mas se aderirem aoregramento internacional, ficam obrigados a cumprir o seu contedo, o que equivaleriadizer terem aberto mo de parte de sua soberania.

    H, no entanto, a real consolidao do Direito Internacional dos Direitos Humanosaps a Segunda Guerra Mundial. Diz o Prof. Buergenthal: O moderno DireitoInternacional dos Direitos Humanos um fenmeno do ps-guerra. Seu desenvolvimento

    pode ser atribudo s monstruosas violaes de direitos humanos da era Hitler e crena de

    1 PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3. ed. Ed. Max Lemonad,1997.

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    que parte destas violaes poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteointernacional de direitos humanos existisse.

    Acrescenta a Prof. Flvia Piovesan: A necessidade de uma ao internacional maiseficaz para a proteo dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalizaodesses direitos, culminando na criao da sistemtica normativa de proteo internacional,que faz possvel a responsabilizao do Estado no domnio internacional, quando asinstituies nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteo dos direitoshumanos2.

    As teses de que os Estados deveriam ter uma soberania absoluta e sem limites ecederam lugar a que os doutrinadores afirmassem que a soberania estatal no um

    princpio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitaes em prol dos direitos humanos.Os direitos humanos tornam-se uma legtima preocupao internacional com o fim daSegunda Guerra Mundial, com a criao das Naes Unidas, com a adoo da DeclaraoUniversal dos Direitos Humanos pela Assemblia Geral da ONU, em 1948 e, comoconseqncia, passam a ocupar um espao central na agenda das instituiesinternacionais. No perodo do ps-guerra, os indivduos tornam-se foco de atenointernacional. A estrutura do contemporneo Direito Internacional dos Direitos Humanoscomea a se consolidar. No mais poder-se-ia afirmar, no fim do sculo XX, que o Estado

    pode tratar de seus cidados da forma que quiser, no sofrendo qualquer responsabilizaona arena internacional. No mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king cando no wrong3.

    E, sem dvida, como declara a Prof. Flvia Piovesan: Neste contexto, o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, significou um poderoso impulso ao movimento deinternacionalizao dos direitos humanos. Ao final da Segunda Guerra e aps intensosdebates sobre o modo pelo qual poder-se-ia responsabilizar os alemes pela guerra e pelos

    brbaros excessos do perodo, os aliados chegaram a um consenso, com o Acordo deLondres de 1945, pelo qual ficava convocado um Tribunal Militar Internacional para julgaros criminosos de guerra.

    O Tribunal de Nuremberg aplicou fundamentalmente o costume internacional para

    a condenao criminal de indivduos envolvidos na prtica de crime contra a paz, crime deguerra e crime contra a humanidade, previstos pelo Acordo de Londres4.

    Ao lado do sistema global, surge o sistema regional de proteo, que buscainternacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa,Amrica e frica, e tambm formado por instrumentos de alcance geral e de alcanceespecial.

    Compem o sistema global de proteo os seguintes documentos internacionais,ratificados pelo Brasil:

    2 PIOVESAN, Flvia. op. cit.3 PIOVESAN, Flvia. op. cit.4 Ib. op. cit.

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    1. Carta das Naes Unidas, adotada e aberta assinatura pela Conferncia deSo Francisco em 26.6.1945 e assinada pelo Brasil em 21.9.1945;

    2. Declarao Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pelaResoluo n. 217 A (III) da Assemblia Geral das Naes Unidas em 10.12.1948 eassinada pelo Brasil nesta mesma data;

    3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, adotado pela Resoluo n.2.200 A (XXI) da Assemblia Geral das Naes Unidas em 16.12.1966, assinada peloBrasil em 24.1.1992;

    4. Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, adotadopela Resoluo n. 2.200-A (XXI) da Assemblia Geral das Naes Unidas em 16.12.1966,

    assinada pelo Brasil em 24.1.1992;

    5. Conveno contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruis,Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resoluo n. 39/46, da Assemblia Geral das

    Naes Unidas em 10.12.1984, assinada pelo Brasil em 28.9.1989;

    6. Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Contraa Mulher, adotada pela Resoluo n. 34/180 da Assemblia Geral das Naes Unidas em18.12.1979, assinada pelo Brasil em 1.2.1984;

    7. Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial,adotada pela Resoluo n. 2.106 A (XX) da Assemblia Geral das Naes Unidas em21.12.1965, assinada pelo Brasil em 27.3.1968;

    8. Conveno sobre ao Direitos da Criana, adotada pela Resoluo L.44(XLIV) da Assemblia Geral das Naes Unidas em 20.11.1989, assinada pelo Brasil em24.9.1990.

    Compem o sistema regional interamericano:

    1. Conveno Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta assinatura naConferncia Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San Jos da CostaRica, em 22.11.1969, assinada pelo Brasil em 25.9.1992;

    2. Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada pelaAssemblia Geral da Organizao dos Estados Americanos, em 9.12.1985, assinada peloBrasil em 20.7.1989;

    3. Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia

    contra a Mulher.

    3

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    Com todas estas disposies legais internacionais testemunha-se uma mudanasignificativa nas relaes interestatais, o que vem a sinalizar transformaes na

    compreenso dos Direitos Humanos que, a partir da, no mais poderiam ficar confinados exclusiva jurisdio domstica. So lanados, assim, os mais decisivos passos para ainternacionalizao dos direitos humanos5.

    2. PRECEITOS DA CARTA DAS NAES UNIDAS (1945)

    O Prof. Fabio K. Comparato declara que: A Guerra Mundial de 1939 a 1945

    costuma ser apresentada como a conseqncia da falta de soluo, na ConfernciaInternacional de Versalhes, s questes suscitadas pela Primeira Guerra Mundial e,

    portanto, de certa forma, como as retomadas das hostilidades, interrompidas em 1918. Essainterpretao plausvel, mas deixa na sombra o fato de que o conflito blico deflagradona madrugada de 1. de setembro de 1939, com a invaso da Polnia pelas foras armadasda Alemanha nazista, diferiu profundamente da guerra de 1914 a 1918.

    Diferiu no tanto pelo maior nmero de pases envolvidos e a durao maisprolongada do conflito seis anos, a partir das primeiras declaraes oficiais de guerra,sem contar, portanto, a ocupao da Manchria pelo Japo, em 1932, e a da Etipia pela

    Itlia, em 1935 , quanto pela descomunal cifra de vtimas. Calcula-se que 60 milhes depessoas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial, a maior parte delas civis, ouseja, seis vezes mais do que no conflito do comeo do sculo, em que as vtimas, em suaquase totalidade, eram militares. Alm disso, enquanto a guerra do incio do sculo

    provocou o surgimento de cerca de 4 milhes de refugiados, com a cessao dashostilidades na Europa, em maio de 1945, contavam-se mais de 40 milhes de pessoasdeslocadas, de modo forado ou voluntrio, dos pases onde viviam em meados de 1939.

    Continua: Mas, sobretudo, a qualidade ou ndole das duas guerras mundiais foibem distinta. A de 1914-1918 desenrolou-se, apesar da maior capacidade de destruio dos

    meios empregados (sobretudo com a introduo dos tanques e avies de combate), na linhaclssica das conflagraes anteriores, pelas quais os Estados procuravam alcanarconquistas territoriais, sem escravizar ou aniquilar os povos inimigos. A Segunda GuerraMundial, diferentemente, foi deflagrada com base em proclamados projetos de subjugaode povos considerados inferiores, lembrando os episdios de conquista das Amricas a

    partir dos descobrimentos. Ademais, o ato final da tragdia o lanamento da bombaatmica em Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente sooucomo um prenncio de apocalipse: o homem acabara de adquirir o poder de destruir toda avida na face da Terra.

    Conclui dizendo: As conscincias se abriram, enfim, para o fato de que asobrevivncia da humanidade exigia a colaborao de todos os povos na reorganizao dasrelaes internacionais, com base no respeito incondicional dignidade humana6.

    5 PIOVESAN, Flvia. op. cit.6 COMPARATO, Fbio Konder.A Afirmao Histrica dos Direitos Humanos. So Paulo: Saraiva, 1999.

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    A proteo dos direitos humanos surgiu como decorrncia do processo deinternacionalizao e universalizao desses direitos, e teve como principais precedentes o

    Direito Humanitrio, a Liga das Naes e a Organizao Internacional do Trabalho.Estes institutos rompem, assim, o conceito tradicional que concebia o Direito

    Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que sustentavaser o Estado o nico sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noo desoberania nacional absoluta, na medida em que admitem intervenes no plano nacional,em prol da proteo dos direitos humanos.

    Prenunciava-se o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seusnacionais era concebida como um problema de jurisdio domstica, restrito ao domnioreservado do Estado, decorrncia de sua soberania, autonomia e liberdade. Aos poucos,emerge a idia de que o indivduo no apenas objeto, mas tambm sujeito de direitointernacional. A partir desta perspectiva, comea a se consolidar a capacidade processualinternacional dos indivduos, bem como a concepo de que os direitos humanos no maisse limitam exclusiva jurisdio domstica, mas constituem interesse internacional7.

    Pouco a pouco, compreendeu-se que a proteo dos Direitos Humanos no seencerra na atuao do Estado, nem questo meramente nacional.

    Diante desse panorama, aps a Segunda Guerra Mundial, as conscincias se abrirampara o fato de que a sobrevivncia da humanidade exigia a colaborao de todos os Estados

    na reorganizao das relaes internacionais.

    Desse modo, as naes se aperceberam que era urgente a criao de um rgointernacional para a conteno das guerras. Na realidade, pode-se tomar como termo inicialefetivo da manifestao dessa vocao a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e1918. Com a derrota da Alemanha e de seus aliados, as naes vencedoras houveram por

    bem criar uma organizao internacional, que se denominou Liga das Naes, que noprosperou e dissolveu-se em 1946, com a criao das Naes Unidas ONU.

    A ecloso da Segunda Guerra Mundial trouxe tona a necessidade de criao de um

    rgo internacional de controle efetivo da paz mundial. Ento, representantes de 50 pases,entre os dias 25.4 e 26.6.1945, na cidade de So Francisco, Califrnia, redigiram a Cartadas Naes Unidas e, aos 24.10.1945, a Organizao das Naes Unidas (ONU) estavaoficialmente criada.

    A ONU difere da Liga das Naes, na mesma medida em que a Segunda GuerraMundial se distingue da Primeira Enquanto em 1919 a preocupao nica era a criao deuma instncia de arbitragem e regulao dos conflitos blicos, em 1945 objetivou-secolocar a guerra definitivamente fora da lei. Por outro lado, o horror engendrado pelosurgimento dos Estados totalitrios, verdadeiras mquinas de destruio de povos inteiros,

    suscitou em toda parte a conscincia de que, sem o respeito aos direitos humanos, aconvivncia pacfica das naes tornava-se impossvel.

    7 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit.5

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    Por isso, enquanto a Liga das Naes no passava de um clube de Estados, comliberdade de ingresso e retirada conforme suas convenincias prprias, as Naes Unidas

    nasceram com a vocao de se tornarem a organizao da sociedade poltica mundial, qual deveriam pertencer, portanto, necessariamente, todas as naes do globo empenhadasna defesa da dignidade humana8.

    Os objetivos principais da ONU so:

    a manuteno da paz e segurana internacionais;

    incremento de relaes amistosas entre naes;

    cooperao internacional para a soluo de problemas mundiais de ordem

    social, econmica e cultural, incentivando o respeito pelos direitos e liberdadesindividuais.

    A ONU se compe de seis rgos especiais, que so (Carta das Naes Unidas, art.7.):

    Assemblia Geral;

    Conselho de Segurana;

    Conselho Econmico e Social;

    Conselho de Tutela;

    Corte Internacional de Justia;

    Secretaria.

    Ao lado da preocupao de evitar a guerra e manter a paz e a seguranainternacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentes preocupaes. Acoexistncia pacfica entre os Estados, combinada com a busca de inditas formas decooperao econmica e social, caracterizam a nova configurao da agenda dacomunidade internacional.

    A Carta das Naes Unidas de 1945 consolida o movimento de internacionalizaodos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoo dessesdireitos ao propsito e finalidade das Naes Unidas. Definitivamente, a relao de umEstado com seus nacionais passa a ser uma problemtica internacional, objeto de

    instituies internacionais e do Direito Internacional, bastando, para tanto, examinar osarts. 1. (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3) da Carta das Naes Unidas.

    8 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit.6

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    Nos termos do art.1. (3), fica estabelecido que um dos propsitos das NaesUnidas alcanar a cooperao internacional para a soluo de problemas econmicos,

    sociais, culturais ou de carter humanitrio e encorajar o respeito aos direitos humanos eliberdades fundamentais para todos, sem distino de raa, sexo, lngua ou religio.

    Neste sentido, cabe Assemblia Geral iniciar estudos e fazer recomendaes, como propsito de promover a cooperao internacional para a soluo de problemaseconmicos, sociais, culturais ou de carter humanitrio e encorajar o respeito aos direitoshumanos e s liberdades fundamentais para todos, sem distino de raa, sexo, lngua oureligio, em conformidade com o art. 13 da Carta. Tambm ao Conselho Econmico eSocial cabe fazer recomendaes, com o propsito de promover o respeito e a observnciados Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, bem como preparar projetos de

    Convenes Internacionais para este fim, nos termos do art. 62 da Carta da ONU.O art. 55 refora o objetivo de promoo dos Direitos Humanos, quando determina:

    Com vistas criao de condies de estabilidade e bem estar, necessrias para a pacficae amistosa relao entre as Naes, e baseada nos princpios da igualdade dos direitos e daautodeterminao dos povos, as Naes Unidas promovero o respeito universal e aobservncia dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distino deraa, sexo, lngua ou religio. O art. 56 reafirma o dever de todos os membros das NaesUnidas em exercer aes conjugadas ou separadas, em cooperao com a prpriaorganizao, para o alcance dos propsitos lanados no art. 55.

    O Prof. Comparato diz que: No texto da Carta, como se v, da leitura dos artigos13 e 55, os direitos humanos foram concebidos como sendo, unicamente, as liberdadesindividuais. verdade que o tratado instituidor da ONU atribui s Naes Unidas aincumbncia de favorecer entre os povos nveis mais altos de vida, trabalho efetivo econdies de progresso e desenvolvimento econmico e social. Mas o efetivo direito aodesenvolvimento s veio a ser reconhecido mais tarde.

    Em contrapartida, a Carta das Naes Unidas afirma, inequivocamente, a existnciade um direito de autodeterminao dos povos.

    O Texto

    (Excertos)

    NS, OS POVOS DAS NAES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as geraesvindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espao de nossa vida, trouxe

    sofrimentos indizveis humanidade, e a reafirmar a f nos direitos fundamentais dohomem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens edas mulheres, assim como das naes grandes e pequenas, e a estabelecer condies sobas quais a justia e o respeito s obrigaes decorrentes de tratados e de outras fontes do

    direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhorescondies de vida dentro de uma liberdade mais ampla,

    7

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    E PARA TAIS FINS, praticar a tolerncia e viver em paz, uns com outros, comobons vizinhos, e unir nossas foras para manter a paz e a segurana internacionais, e a

    garantir, apela aceitao de princpios e a instituio de mtodos, que a fora armada noser usada a no ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional parapromover o progresso econmico e social de todos os povos,

    RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFOROS PARA A CONSECUODESSES OBJETIVOS.

    Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermdio de representantesreunidos na cidade de So Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foramachados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Naes Unidas eestabelecem, por meio dela, uma organizao internacional que ser conhecida pelo nomede Naes Unidas.

    Embora a Carta das Naes Unidas seja enftica em determinar a importncia de sedefender, promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais comodemonstram os dispositivos destacados ela no define o contedo dessas expresses,deixando-as em aberto. Da o desafio em se desvendar o alcance e significado da expressodireitos humanos e liberdades fundamentais, no definida pela Carta. Trs anos aps oadvento da Carta das Naes Unidas, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, em1948, veio a definir com preciso o elenco dos direitos humanos e liberdadesfundamentais a que fazia meno os arts. 1. (3), 13, 55, 56 e 62 da Carta9.

    Mdulo elaborado pelos Professores Vitor Kmpel e Luiz Antonio de Souza.

    9 PIOVESAN, Flvia. op. cit.8

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    CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA

    MDULO III

    DIREITOS HUMANOS

    Instrumentos Internacionais de Proteo

    dos Direitos Humanos

    __________________________________________________________________

    Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br

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    DIREITOS HUMANOS

    Instrumentos Internacionais de Proteo dos Direitos Humanos

    1. OS DIREITOS HUMANOS COMO TEMA GLOBAL

    Como se sabe, existe uma polmica muito grande sobre o fundamento e a naturezados direitos humanos, alguns reconhecendo-os como direitos naturais, portanto, inatos,outros entendendo-os como direitos positivos, alguns ainda os vendo como direitos

    histricos. Certo que os direitos humanos, hoje, so universais, cabendo, antes de maisnada, efetiv-los e proteg-los.

    A universalidade dos direitos humanos uma realidade. Como diz J. A. LindgrenAlves, (...) todas as Constituies nacionais redigidas aps a adoo da Declarao pelaAssemblia Geral da ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdadesfundamentais, pondo em evidncia, assim, o carter hoje universal de seus valores1.

    A consolidao dos direitos humanos, porm, ocorreu a partir de 1945, com o finalda II Guerra Mundial. Nesse perodo do ps-guerra, quando comeou a tarefa de

    reconstruo da dignidade humana, extremamente violada e aviltada num dos perodosmais negros da Histria, os direitos humanos passaram a ser considerados numa ticamundial, da derivando a sua internacionalizao.

    2. A DECLARAO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948)

    A Declarao Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 10.12.1948. O seu

    prembulo d conta do sentimento que dominava aquele momento histrico na medida emque reconhece a dignidade inerente a todas as pessoas, titulares de direitos iguais einalienveis.

    Assim, o resgate da dignidade humana o sentido maior dessa Declarao, uma vezque assinala que basta ser um humano para ter dignidade e ser titular dos direitos queenumera.

    Essa Declarao, portanto, uma reao, uma manifestao histrica contra asatrocidades cometidas na II Guerra Mundial, apontando o devido e necessrio respeito aos

    direitos humanos, entendidos como universais.A princpio, interessante destacar, a Declarao revive os princpios da Revoluo

    Francesa, uma vez que, no seu art. 1., destaca que todas as pessoas nascem livres e iguais1 ALVES, J. A. Lindgren. Os Direitos Humanos como tema global. Perspectiva, 1994. p. 4.

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    em dignidade e direitos. So dotadas de razo e conscincia e devem agir em relao umass outras com esprito de fraternidade.

    Esse dispositivo, pois, coloca em relevo os ideais da Revoluo Francesa(igualdade, liberdade e fraternidade), reconhecendo-os como valores universais de toda

    pessoa.

    Ainda interessante notar que, colocando esses ideais como valores supremos,universais, indissociveis, enfim, de igual valia para todas as pessoas, a Declaraoinstaura uma tica singular dos direitos.

    Com efeito, a Declarao relaciona em seu texto direitos civis e polticos (que so oschamados direitos de primeira gerao, que traduzem o valor da liberdade), como direitos

    sociais, econmicos e culturais (que so denominados direitos de segunda gerao, quetraduzem o valor da igualdade), e contempla, ainda, a fraternidade como valor universal(contempla, pois, os chamados direitos de terceira gerao, que compreendem o direito

    paz, ao meio ambiente, ao desenvolvimento, comunicao etc.).

    Como ressalta Flvia Piovesan, ao conjugar o valor da liberdade com o valor daigualdade, a Declarao demarca a concepo contempornea de direitos humanos, pelaqual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente eindivisvel2.

    A idia partilhada pela Declarao, pois, a idia de unio, cumulao e interaodos direitos humanos, e no, como ocorria anteriormente, de dicotomia entre os direitosrepresentativos da igualdade e os direitos representativos da liberdade.

    Flvia Piovesan lembra que essa diretriz refletiu na Resoluo n. 32/130 daAssemblia Geral da ONU, na qual encontramos que todos os direitos humanos, qualquerque seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e soindivisveis e interdependentes. Tambm refletiu na Declarao de Direitos Humanos deViena, de 1993, especificamente no art. 5.: Todos os direitos humanos so universais,indivisveis, interdependentes e inter-relacionados (...).

    Alguma discusso h sobre a natureza jurdica da Declarao, assim como sobre seuvalor jurdico.

    Carlos Weis, escrevendo a respeito, afirma que a Declarao no decorre dosurgimento de direitos subjetivos aos cidados, nem obrigaes internacionais aos Estados,uma vez tratar-se de recomendao. Assinala, todavia, sua contribuio, pelo fato de terinfluenciado vrios textos constitucionais, sustentando que refletiu e deu origem a vriostratados internacionais, os quais, sim, com fora vinculante3.

    Flvia Piovesan, sobre o tema, diz que a Declarao Universal no um tratado.

    Foi adotada pela Assemblia Geral das Naes Unidas sob a forma de resoluo, que, por

    2 PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Max Limonad, 2000. p.146.3 WEIS, Carlos. Direitos Humanos comtemporneos. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 69.

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    sua vez, no apresenta fora de lei4.

    Fbio Konder Comparato, por seu turno, professa que tecnicamente, a DeclaraoUniversal do Homem uma recomendao, que a Assemblia Geral das Naes Unidas fazaos seus membros (Carta das Naes Unidas), art. 105.

    Embora a Declarao Universal de 1948 no configure um tratado internacional,Flvia Piovesan e Fbio Konder Comparato, entre outros, entendem que a Declarao temfora jurdica obrigatria e vinculante, pelo qual os Estados, luz desse documento, tm ocompromisso de assegurar tais direitos s pessoas. Assim, entendem que a Declaraointegra o Direito Internacional, que, a par dos tratados e convenes, tambm recebe oinfluxo dos costumes e princpios gerais de direito.

    Arrematando o tema, J. A. Lindgren Alves elucida que as declaraes, emcontraposio aos tratados, convenes, pactos e acordos, no tm fora jurdicacompulsria. Assinala, todavia, o carter especial e peculiar da Declarao Universal.

    Nesse sentido, e tendo em conta que a Declarao Universal encarada como umainterpretao autorizada da Carta das Naes Unidas, a Declarao teria, para algunsintrpretes, os efeitos legais de um tratado internacional. Para outros, porm, a fora daDeclarao Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro documentocongnere, advm de sua converso gradativa em norma consuetudinria6.

    Embora os dois posicionamentos, o valor desse documento (Declarao Universal) inegvel, irrefutvel, residindo no fato de que, de forma definitiva, a Declarao resgatou,declarou e estabeleceu a universalidade dos direitos humanos, alm de transformar-se emfonte vinculante para todos os Estados, tanto que tais direitos vm sendo incorporados sconstituies das naes. Nesse sentido, J. A. Lindgren Alves: independentemente dadoutrina esposada, o que se verifica na prtica a invocao generalizada da DeclaraoUniversal como regra dotada dejus cogens, invocao que no tem sido contestada sequer

    pelos Estados mais acusados de violao de seus dispositivos7.

    Apreciando o contedo da Declarao Universal, Carlos Weis ilustra que esse

    documento inovou ao introduzir elementos humanos, como a universalidade, aindivisibilidade e a interdependncia8.

    Dalmo de Abreu Dallari acentua esse contedo, referindo que a DeclaraoUniversal exibe caractersticas muito prprias: o exame dos artigos da Declarao revelaque ela consagrou trs objetivos fundamentais: A certeza dos direitos, exigindo que hajauma fixao prvia e clara dos direitos e deveres, para que os indivduos possam gozar dosdireitos ou sofrer imposies; a segurana dos direitos, impondo uma srie de normastendentes a garantir que, em qualquer circunstncia, os direitos fundamentais serorespeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os

    4 PIOVESAN, Flvia. op. cit. p. 48.5 COMPARATO, Fbio Konder.A afirmao histrica dos Direitos Humanos. So Paulo: Saraiva, 2001. p.226-2276 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p.48.7 Idem. loc. cit.8 WEISS, Carlos. op. cit. p. 69.

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    indivduos os meios necessrios fruio dos direitos, no se permanecendo noformalismo cnico e mentiroso da afirmao de igualdade de direitos onde grande parte do

    povo vive em condies subumanas9

    .A Declarao, j enfatizamos, proclama, no art. 1., os ideais cunhados na

    Revoluo Francesa (a liberdade, a igualdade e a fraternidade), afirmando, tanto nesseartigo quanto no seguinte (art. 2.), a universalidade dos direitos humanos (considerandoque os direitos humanos so inerentes a toda pessoa) e, na seqncia, entre os arts. 3. e 21,declara os direitos liberais clssicos, tambm chamados liberdades pblicas, ou seja,enumera os direitos civis e polticos.

    Antonio Cassesse, citado por Flvia Piovesan, traz os ensinamentos de Ren Cassin,que examinou de forma aprofundada o contedo da Declarao Universal dos Direitos doHomem.

    Ren Cassin assinala que a Declarao:

    relacionou os direitos pessoais (direitos igualdade, vida, liberdade e segurana, entre outros) nos arts. 3. a 11;

    disps, nos arts. 12 a 17, os direitos que dizem respeito ao indivduo em suarelao com os grupos sociais dos quais participa (direitos privacidade da vidafamiliar e o direito ao casamento; o direito liberdade de movimento no mbito

    nacional ou fora dele; o direito nacionalidade; o direito ao asilo, na hiptese deperseguio; direitos de propriedade e de praticar a religio);

    estabeleceu, nos arts. 18 a 21, as liberdades civis e os direitos polticos(liberdade de conscincia, pensamento e expresso; liberdade de associao eassemblia; direito de votar e ser eleito; direito ao acesso ao governo e administrao pblica);

    finalmente estabeleceu, nos arts. 22 a 27, os direitos exercidos nos camposeconmico e social (direitos nas esferas de trabalho e relaes de produo;

    direito educao; direito ao trabalho, assistncia social e livre escolha deemprego; direito a justas condies de trabalho e ao igual pagamento para igualtrabalho; direito de fundar sindicados e participar; direito ao descanso e ao lazer;direito sade, educao e o direito de participar livremente na vida culturalda comunidade)10.

    Evidencia J. A. Lindgren Alves, todavia, que a melhor classificao feita por JackDonnelly. Diz Donnelly que os direitos foram definidos na Declarao Universal em setecategorias:

    9 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 16. ed. So Paulo: Saraiva, 1991. p.179.10 CASSESSE, Antonio. Human Rights in a changing world. Philadelphia: Temple University, 1990. p.38-39(cit. por Flvia Piovesan, op. cit. p. 145 rodap).

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    direitos pessoais: incluindo os direitos vida, nacionalidade, aoreconhecimento perante a lei, proteo contra tratamentos ou punies cruis,

    degradantes ou desumanas, e proteo contra a discriminao racial, tnica,sexual ou religiosa (arts. 2. a 7. e 15);

    direitos judiciais: incluindo o acesso aos remdios por violaes dos direitos bsicos, a presuno de inocncia, a garantia de processo pblico justo eimparcial, a irretroatividade das leis penais, a proteo contra priso, detenoou exlio arbitrrios, e contra a interferncia na famlia, no lar e na reputao(arts. 8. a 12);

    liberdades civis: especialmente as liberdades de pensamento, conscincia ereligio, de opinio e expresso, de movimento e residncia, e de reunio e deassociao pacfica (art. 13 e arts. 18 a 20);

    direitos de subsistncia: particularmente os direitos alimentao e a um padrode vida adequado, sade e ao bem-estar prprio e da famlia (art. 25);

    direitos econmicos: incluindo principalmente os direitos ao trabalho, aorepouso e ao lazer, e segurana social (arts. 22 a 26 proposital ouacidentalmente, Donnely omite o art. 27, sobre o direito propriedade, queacabaria excludo dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, conforme sever adiante);

    direitos sociais e culturais: especialmente os direitos instruo e participaona vida cultural da comunidade (arts. 26 e 28);

    direitos polticos: principalmente os direitos a tomar parte no governo e aeleies legtimas com sufrgio universal e igual (art. 21), mais os aspectos

    polticos de muitas liberdades civis11.

    Interessante destacar, afinal, as consideraes de Fbio Konder Comparato, quevislumbra, na Declarao, um trao de suma importncia, qual seja, a afirmao dademocracia como nico regime poltico compatvel com o pleno respeito aos direitoshumanos (arts. 21 e 29, alnea 2), com o que considera que o regime democrtico j no, pois, uma opo poltica entre muitas outras, mas a nica soluo legtima para aorganizao do Estado12.

    A essncia mxima da Declarao, aquela que a pedra de toque desse documento,reside em seu prembulo e no art. 1., portanto, no seu prtico, que a afirmao solene deque todas as pessoas tm dignidade e que essa dignidade acarreta , para todos, direitosuniversais, indivisveis, interdependentes, inalienveis, imprescritveis, ou seja, direitos

    que permitam ao gnero humano a sua plena realizao.

    11 DONNELLY, Jack. International Human Rights: a regime analysis. MIT, Summer, 1986. (cit. por J. A.Lindgren Alves. op. cit. p.46-47).12 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit. p. 234.

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    3. O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLTICOS

    3.1. Histrico

    Enquanto a Declarao Universal foi preparada e adotada em menos de dois anos, aelaborao e a aprovao dos pactos internacionais, que a complementariam, levaram vinteanos, e mais dez transcorreram para sua entrada em vigor. Assinala J. A. Lindgren Alvesque a razo de tal demora se encontra fundamentalmente em seu carter obrigatrio paraos Estados-partes. E todos os tipos de controvrsias se fizeram presentes, primeiro nosentido Leste-Oeste, depois no sentido Norte-Sul13.

    Com efeito, a formulao do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, bemassim o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, foi cercada deintenso debate. A discusso se prendia questo da convenincia de serem editados dois

    pactos ou um nico, contemplando todos esses direitos.

    Consoante expe Fbio Konder Comparato, as potncias ocidentais insistiam noreconhecimento, to-s, das liberdades individuais clssicas, protetoras da pessoa humanacontra os abusos e interferncias dos rgos estatais na vida privada. J os pases do bloco

    comunista e os jovens pases africanos preferiam pr em destaque os direitos sociais eeconmicos, que tm por objeto polticas pblicas de apoio aos grupos ou classesdesfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais14.

    Os pases ocidentais, sobre o tema, defendiam a adoo de dois pactos distintos,sustentando tal posicionamento no fato de que enquanto os direitos civis e polticos eramauto-aplicveis e passveis de cobrana imediata, os direitos sociais, econmicos e culturaiseram programticos e demandavam realizao progressiva. A contraposio dos pasessocialistas era no sentido de que no era em todos os pases que os direitos civis e

    polticos faziam-se auto-aplicveis e os direitos sociais, econmicos e culturais no auto-

    aplicveis. A depender do regime, os direitos civis e polticos poderiam ser programticos eos direitos sociais, econmicos e culturais auto-aplicveis15.

    Os pases ocidentais, que se opunham a uma formulao nica, viam nessa situaouma ameaa noo individualista dos direitos humanos, para o que arrolavam trsargumentos substanciais, relacionados por J. A. Lindgren Alves: O primeiro era o de queos direitos correspondiam a espcies distintas: os civis e polticos seriam jurisdicionados,

    passveis de cobrana, o que no se aplicaria aos direitos econmicos e sociais. O segundoera o de que os direitos civis e polticos seriam de aplicao imediata, enquanto oseconmicos, sociais e culturais somente poderiam ter realizao progressiva. O terceiro

    dizia respeito ao acompanhamento: para os direitos civis e polticos, o melhor mecanismoseria um comit que atendesse peties e queixas atravs de investigaes e bons-ofcios,

    13 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 49.14 COMPARATO, Fbio Konder. op. cit. p. 278.15 PIOVESAN, Flvia. op. cit. p. 162-163.

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    instrumento inadequado para os direitos econmicos e sociais. Para aqueles quedefendiam uma formulao nica, a preocupao era no sentido de que a separao

    poderia significar uma diminuio da importncia relativa dos chamados direitos desegunda gerao16.

    Predominou, nessa discusso, a orientao no sentido da edio de dois pactosinternacionais, que desenvolveram o contedo da Declarao Universal dos Direitos doHomem de 1948, todavia essa diviso foi artificial, pelo fato de que os documentoscontemplam direito humanos indissociveis, indivisveis, que formam um todo harmnico.

    Em relao, especificamente, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos,objeto de nosso estudo, este reconheceu, em relao Declarao Universal, uma listamuito maior de direitos civis e polticos. Esse tratado internacional, expe Carlos Weis,cuida dos direitos humanos relacionados liberdade individual, proteo da pessoacontra a ingerncia estatal em sua rbita privada, bem como participao popular nagesto da sociedade, ou seja, cuida dos denominados direitos humanos liberais ouliberdades pblicas17.

    Verificando esse Pacto, podemos assinalar seis partes, compreendendo dispositivosque dizem respeito:

    I. autodeterminao dos povos e livre disposio de seus recursos naturais eriquezas (art. 1.);

    II. ao compromisso dos Estados de garantir os direitos previstos e as hipteses dederrogao de certos direitos (arts. 2. ao 5.);

    III. aos direitos efetivamente reconhecidos (arts. 6. ao 27);

    IV. aos mecanismos de superviso e controle desses direitos (arts. 35 ao 39);

    V. integrao e interao com a Organizao das Naes Unidas (arts. 35 ao 39);

    VI. ratificao e entrada em vigor (arts. 40 ao 47).

    O Pacto, no art. 1., assinala o direito autodeterminao dos povos, reconhecendoque os Estados tm o direito de determinar livremente seu estatuto poltico e estabelecerlivremente seu desenvolvimento econmico, social e cultural. Assegura, ainda, que osEstados podem dispor livremente de suas riquezas e recursos naturais, em nenhum caso

    podendo os povos serem privados de seus meios de subsistncia.

    Nos arts. 2. e 3., na seqncia, o Pacto acentua o princpio da igualdade essencial

    de todos os seres humanos, e que todas as pessoas tm direito aos direitos nelereconhecidos, proclamando que dever dos Estados-partes assegurar a homens e mulheresigualdade no gozo dos direitos civis e polticos enunciados. Esse dever, assinale-se, inclui a

    16 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 4917 WEIS, Carlos. op. cit. p. 76.

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    obrigao de os Estados-partes garantirem, a todas as pessoas, cujos direitos foremviolados, recursos efetivos e oponveis contra as violaes de direitos civis e polticos,

    portanto, o estabelecimento de um sistema legal que possa enfrent-las. No art. 4., o Pacto disps sobre a possibilidade de suspenso temporria do

    exerccio dos direitos humanos, mas to-somente diante de situaes que ameacem aexistncia da nao e sejam proclamadas oficialmente. Convm destacar, todavia, que essedispositivo determina que a suspenso temporria no poder atingir os direitos previstosnos arts. 6., 7., 8. ( 1. e 2.), 11, 15, 16 e 18, isso por entender que tais direitos sointangveis, no podendo ser afastados por serem fundamentais para o atendimento dadignidade de toda pessoa.

    Na seqncia, o Pacto enuncia os direitos e liberdades que contempla, e que so osseguintes:

    direito vida;

    direito de no ser submetido tortura ou a tratamentos cruis, desumanos oudegradantes;

    direito de no ser escravizado, nem submetido servido;

    direitos liberdade e segurana pessoal e de no ser sujeito priso ou

    deteno arbitrrias; direito a julgamento justo;

    direito igualdade perante a lei;

    direito proteo contra interferncia arbitrria na vida privada;

    direito liberdade de movimento;

    direito a uma nacionalidade;

    direito de casar e de formar famlia;

    direito s liberdades de pensamento, conscincia e religio;

    direito s liberdades de opinio e de expresso;

    direito reunio pacfica;

    direito liberdade de associao e direito de aderir a sindicatos;

    direito de votar e de tomar parte no Governo18

    .

    18 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 52.8

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    importante destacar que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos reiterae pormenoriza direitos encontrveis na Declarao Universal, todavia avana em certos

    pontos, inclusive abrigando novos direitos e garantias no previstos na Declarao.Flvia Piovesan escreve nesse sentido: Constata-se que o Pacto abriga novos

    direitos e garantias no includos na Declarao Universal, tais como o direito de no serpreso em razo de descumprimento de obrigao contratual (art. 11); o direito da crianaao nome e nacionalidade (art. 24); a proteo dos direitos de minorias identidadecultural, religiosa e lingstica (art. 27); a proibio da propaganda de guerra ou deincitamento da intolerncia tnica ou racial (art. 20); o direito autodeterminao (art. 1.),dentre outros. Esta gama de direitos, insiste-se, no se v includa na DeclaraoUniversal19.

    Dois direitos, todavia, previstos na Declarao, no tiveram previso no Pacto: odireito de propriedade e o direito de procurar ou gozar asilo em outros pases em razo de

    perseguio.

    Em relao ao direito de propriedade, que, previsto no art. 17 da Declarao, noteve qualquer referncia no Pacto. J. A. Lindgren Alves assinala que os Estados Unidos

    propuseram a sua incluso, todavia cederam, pois o texto proposto remetia aregulamentao do direito legislao de cada pas e, tendo em conta o receio de que isso

    pudesse legitimar expropriaes sem compensao financeira, a delegao norte-americanaconcordou com a supresso daquele direito do texto final20.

    Quanto ao direito de procurar ou gozar asilo em outros pases, em razo deperseguio, direito esse reproduzido no art. 14 da Declarao Universal, ele no constou,de forma especfica, no Pacto.

    A ltima questo que merece ateno, ao analisarmos o Pacto, a que diz respeitoao mecanismo de sua implementao. O Pacto, para tal, instituiu um Comit de DireitoHumanos, composto por dezoito membros eleitos a ttulo pessoal, e os Estados-partes seobrigavam a apresentar relatrios sobre as medidas adotadas para dar efeito aos direitosreconhecidos e sobre os progressos realizados no gozo desses direitos (previso no art.

    40, 1.), sendo que esses relatrios, encaminhados ao Secretrio-Geral da ONU, sodepois encaminhados a esse Comit, que os analisa e se reporta aos Estados-partes.

    O art. 41 autoriza que, na seqncia, um Estado-parte informe ao Comit sobre ono cumprimento, por outro Estado-parte, das disposies do Pacto, desde que o Estadodenunciante reconhea expressamente tal direito em relao a ele prprio.

    Finalmente, vale lembrar, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos acompanhado de um Protocolo Facultativo, por meio do qual os Estados-partes, que oratificam, reconhecem a competncia desse Comit dos Direitos Humanos para receber e

    considerar comunicaes individuais quanto aos descumprimentos do Pacto.

    19 PIOVESAN, Flvia. op. cit. p. 167.20 Nesse sentido: ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 49-50; WEIS, Carlos. op. cit. p. 77-78.

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    Flvia Piovesan diz que a importncia do Protocolo est em habilitar o Comit deDireitos Humanos a receber e examinar peties encaminhadas por indivduos, que

    aleguem serem vtimas de violao de direitos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis ePolticos. Acrescenta que essa denncia individual s pode ser admitida se o Estadodenunciado tiver retificado o Pacto e o Protocolo, e que o Comit de Direitos Humanosrecentemente concluiu que as comunicaes podem ser encaminhadas por organizaes outerceiras pessoas, que representem o indivduo que sofreu a violao21.

    Importante considerar que, aps o procedimento previsto, essa comunicao merece umadeciso por parte do Comit, pelo voto da maioria dos membros presentes, e, por essa deciso, oComit de Direitos Humanos, alm de declarar a violao de direitos, poder determinar que oEstado-parte repare a violao, adotando as providncias necessrias para impedi-la.

    Diz Flvia Piovesan que no h sano prevista para o no antendimento a essadeciso, que no tem fora obrigatria, vinculante, porm esse no atendimento acarreta aoEstado violador conseqncias no plano poltico, redundando em constrangimento polticoe moral a ele22.

    J. A. Lindgren Alves, finalizando suas consideraes sobre o tema, diz que o Pacto eo Protocolo Facultativo respeitam as soberanias nacionais, mas o fato de sua aprovao

    pela Assemblia Geral da ONU e o fato de os Estados-partes aderirem a seus termos,portanto, admitirem que violaes sejam trazidas ao conhecimento do Comit de DireitosHumanos, traduzem a primeira afirmao, por foro que se prope universal, de queassuntos qualificados como de competncia interna podem ser objeto de acompanhamento

    internacional23.

    Mdulo elaborado pelos professores Vitor Kmpel e Luiz Antonio deSouza.

    21 PIOVESAN, Flvia. op. cit. p. 169-171.22 PIOVESAN, Flvia. op. cit. p. 172-173.23 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 53.

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    CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA

    MDULO IV

    DIREITOS HUMANOS

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    Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br

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    DIREITOS HUMANOS

    1. SISTEMA GLOBAL

    Os instrumentos internacionais dos direitos humanos comearam a ser aplicadosaps a II Guerra Mundial. O conceito de direitos humanos foi introduzido a partir daDeclarao Universal de Direitos Humanos de 1948.

    Na realidade, o Direito Internacional surge como conseqncia das violaes dos

    direitos humanos, da era Hitler, e, tambm, para evitar que essas violaes viessemnovamente a ocorrer no futuro. Para isso, seria necessrio o estabelecimento de um sistemalegislativo internacional.

    Declara Richard B. Bilder: O Direito Internacional dos Direitos Humanos consisteem um sistema de normas internacionais, procedimentos e instituies desenvolvidas paraimplementar esta concepo e promover o respeito dos direitos humanos em todos os

    pases, no mbito mundial. Embora a idia de que os seres humanos tm direitos eliberdades fundamentais que lhe so inerentes tenha h muito tempo surgido no

    pensamento humano, a concepo de que os direitos humanos so objeto prprio de uma

    regulao internacional, por sua vez, bastante recente (...). Muitos dos direitos que hojeconstam do Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiram apenas em 1945,quando, com as implicaes do holocausto e de outras violaes dos direitos humanoscometidas pelo nazismo, as naes decidiram que a promoo de direitos humanos eliberdades fundamentais deve ser um dos principais propsitos da Organizao das NaesUnidas.

    Entende-se, portanto, que a proteo dos direitos humanos no deve ficar adstrita aoEstado, no deve se restringir competncia nacional exclusiva ou jurisdio domsticaexclusiva, porque revela tema de legtimo interesse internacional. Por sua vez, esta

    concepo inovadora aponta para duas importantes conseqncias: a reviso da noo tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a

    sofrer um processo de relativizao, na medida em que so admitidasintervenes no plano nacional em prol dos direitos humanos, isto , permitem-se formas de monitoramento e responsabilizao internacional, quando osdireitos humanos forem violados;

    a cristalizao da idia de que o indivduo deve ter direitos protegidos naesfera internacional na condio de sujeito de Direito.

    Alm do carter universal dos Direitos Humanos, a Declarao de 1948 estabelece oconceito contemporneo de Direitos Humanos, declarando que eles compem uma unidadeindivisvel, interdependente e interrelacionada.

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    Civis e Polticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais, Culturais e asdemais Convenes Internacionais com instrumentos do sistema americano, europeu e

    africano de proteo aos direitos humanos.Os sistemas global e regional no so dicotmicos, mas complementares. (...) Em

    face desse complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivduo que sofreuviolao de direito a escolha do aparato mais favorvel, tendo em vista que, eventualmente,direitos idnticos so tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ouregional, ou ainda de alcance geral ou especial. Nesta tica, os diversos sistemas de

    proteo de direitos humanos interagem em benefcio dos indivduos protegidos.

    Qual a posio brasileira em face da aplicao das normas concernentes aosdireitos humanos?

    A CF de 1988, nos termos do art. 1., inc. III, impe o valor da dignidade humana.A dignidade humana e os direitos fundamentais vm a constituir os princpiosconstitucionais que incorporam as exigncias de justia e dos valores ticos, conferindosuporte axiolgico a todo o sistema jurdico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores

    passam a ser dotados de uma especial fora expansiva, projetando-se por todo universoconstitucional e servindo como critrio interpretativo de todas as normas do ordenamento

    jurdico nacional.

    O art. 5. da CF de 1988 afirma que os direitos e garantias nela expressos no

    excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte. Incluiu, pois, entre osdireitos protegidos pela CF, os direitos determinados nos tratados internacionais dos quaiso Brasil seja signatrio. De acordo com a Prof. Flvia Piovesan, ao efetuar talincorporao, a Carta est a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial ediferenciada, qual seja, a de norma constitucional. Esse tratamento jurdico se justifica, namedida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um carterespecial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns.

    Ao considerarem-se, portanto, os tratados internacionais, ratificados pelo Estado

    brasileiro, podemos listar inmeros direitos neles enunciados, que passam a fazer parte doDireito brasileiro. Esses direitos so declinados no de maneira taxativa, mas de formaexemplificativa. Logo, o Direito Internacional dos Direitos Humanos torna abrangente ouniverso dos direitos constitucionais assegurados.

    Conclui-se, pois, que os tratados internacionais de direitos humanos garantem suaimperatividade jurdica, ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos quesejam menos favorveis proteo dos direitos humanos. Em todas essas hipteses, osdireitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vm a aprimorare fortalecer, nunca restringir ou debilitar, o grau de proteo dos direitos consagrados no

    plano normativo constitucional.

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    2. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONMICOS, SOCIAIS ECULTURAIS (1966)

    A Carta da ONU de 1945, em seu art. 55, declara: Com o fim de criar condies deestabilidade e bem-estar, necessrias s relaes pacficas e amistosas entre as Naes,

    baseadas no respeito ao princpio da igualdade de direitos e da autodeterminao dospovos, as Naes Unidas favorecero:

    nveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condies de progresso edesenvolvimento econmico e social;

    a soluo dos problemas internacionais econmicos, sociais, sanitrios econexos; a cooperao internacional, de carter cultural e educacional; e

    o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdadesfundamentais para todos, sem distino de raa, sexo, lngua ou religio.

    Em 1948, a Declarao Universal define e fixa os direitos e liberdades fundamentaisa serem garantidos.

    Para a Prof. Flvia Piovesan, sob um enfoque estritamente legalista (no

    compartilhado por este trabalho) a Declarao Universal, em si mesma, no apresenta forajurdica obrigatria e vinculante. Nessa viso, assumindo a forma de declarao (e no detratado), vem a atestar o conhecimento universal de direitos humanos fundamentais,consagrando um cdigo comum a ser seguido por todos os Estados.

    luz desse raciocnio e considerando a ausncia de fora jurdica vinculante daDeclarao, aps a sua adoo em 1948, instaurou-se uma larga discusso sobre qual seriaa maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a observncia universal dos direitosnela previstos. Prevaleceu, ento, o entendimento de que a Declarao deveria serjuridicizada sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatrio e

    vinculante no mbito do Direito Internacional.Esse processo de juridicizao da Declarao comeou em 1949 e foi concludo

    em 1966 com a elaborao de dois tratados internacionais distintos o Pacto Internacionaldos Direitos Civis e Polticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais eCulturais , que passavam a incorporar os direitos constantes da Declarao Universal. Aotransformar os dispositivos da Declarao em previses juridicamente vinculantes eobrigatrias, esses dois Pactos Internacionais constituem referncias necessrias para oexame do regime normativo de proteo internacional dos direitos humanos.

    A partir da elaborao desses Pactos, forma-se a Carta Internacional dos Direitos

    Humanos (International Bill of Rights), integrada pela Declarao Universal de 1948 epelos dois Pactos Internacionais de 1966.

    Ambos os Pactos criaram um sistema prprio para a implementao dos direitoshumanos neles contidos.

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    O Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais foi criado paradar fora jurdica aos preceitos relacionados aos Direitos Econmicos, Culturais e Sociais

    estabelecidos na Declarao da ONU de 1948, que no passava de uma merarecomendao, e foi adotado pela ONU, em 1966, com o objetivo maior de incorporar osdispositivos da Declarao Universal de Direitos Humanos de 1948 sob a forma de

    preceitos juridicamente obrigatrios e vinculantes. Assim, para proteger tais direitos, foramestabelecidas obrigaes dos Estados-Membros, cuja violao importa em responsabilidadeinternacional.

    Esse Pacto expandiu o rol dos direitos econmicos, sociais e culturais determinados pela Declarao Universal de 1948. A finalidade desse Pacto foi a de adotar umalinguagem de direitos que implicasse obrigaes no plano internacional. Criou, assim,

    obrigaes legais para os Estados-Membros, permitindo a sua responsabilizaointernacional em caso de violao dos direitos ali enunciados.

    Segundo bem afirma Carlos Weis1 , o Pacto se divide em cinco partes, quais sejam,(1) a autodeterminao dos povos e a livre disposio de recursos naturais e riquezas; (2) ocompromisso dos Estados de implementarem os direitos previstos; (3) os direitos

    propriamente ditos; (4) o exerccio de superviso por meio de apresentao de relatrios aoECOSOC; (5) as normas referentes sua ratificao e entrada em vigor.

    Quanto aos direitos protegidos, esse Pacto visa a proteo das condies sociais,econmicas e culturais, destacando-se: o direito ao trabalho, o direito a condies justas efavorveis de trabalho; o direito a formar sindicatos e participar deles; o direito de greve,exercido em conformidade com as leis de cada pas; o direito segurana social, inclusiveaos seguros sociais; o direito proteo e assistncia familiar, especialmente s mes e scrianas; o direito educao e o direito a participar da vida cultural e dos benefcios dacincia2.

    A distino mais importante entre os direitos econmicos, sociais e culturais e osdireitos civis e polticos est na sua aplicabilidade. Para se compreender melhor essadistino necessria a caracterizao das normas quanto eficcia e aplicabilidade. Deacordo com esses parmetros, elas so divididas, segundo Jos Afonso da Silva3, em:

    normas de eficcia plena e aplicabilidade direta, imediata, integral;

    normas de eficcia contida e aplicabilidade direta e imediata, masprovavelmente no integral;

    normas de eficcia limitada:

    - declaratrias de princpios institutivos ou organizativos;

    - declaratrias de princpio programtico.1 O Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. In Direitos Humanos: Construo daLiberdade e Igualdade. Srie Estudos, n. 11. Out. 1998.2 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteo dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional.So Paulo: Forense, 1984.3Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Ttulo II, Captulo 1,

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    Assim, enquanto os direitos polticos individuais se caracterizam pelo exerccio imediatoe a efetividade de instrumentos que assegurem a sua plena realizao, os direitos sociais,

    econmicos e culturais se caracterizam pela no auto-aplicabilidade, enquadrando-se nas normasde eficcia limitada, declaratrias, de princpio programtico. Sendo assim, para se tornaremefetivos, dependem de uma ao progressiva, no sendo exigveis de imediato. Estocondicionados atuao do Estado, que deve adotar medidas econmicas e tcnicas,isoladamente ou atravs de assistncia e cooperao internacional, at o mximo de seus recursosdisponveis, com vista a alcanar progressivamente a completa realizao dos direitos previstos

    pelo pacto (art. 12, 1., do Pacto).Nesse sentido, importante a observao feita por Thomas Buergental: Ao ratificar

    este Pacto, os Estados no se comprometeram a atribuir efeitos imediatos aos direitos neleenumerados. Os Estados se obrigam meramente a adotar medidas, at o mximo dosrecursos disponveis, a fim de alcanar progressivamente a plena realizao destes

    direitos4.

    Para monitorar e implementar tais direitos, o Tratado prev o mecanismo derelatrios a serem encaminhados pelo Estado-Membro. Nestes, estaro medidas utilizadas

    para a concretizao de tais dispositivos. Alm disso, devem constar os obstculosencontrados para isso. Tais relatrios sero analisados pelo Conselho Econmico e Social.Cabe ressaltar que, se a implementao de tais direitos um processo progressivo, a ediode trs medidas nesse sentido deve ser feita em um curto espao de tempo, o quedemonstra o empenho em cumprir aquilo que foi acordado.

    Da ausncia de eficcia plena decorre a discusso doutrinria a respeito dacaracterizao desses direitos como direitos positivos reais ou apenas como sugestespolticas. Para a Teoria Clssica do Direito, encabeada por Hans Kelsen, o direito sexiste quando h uma sano referente ao seu no cumprimento, no existindo direito

    positivo sem esse mecanismo garantidor do seu mnimo de eficcia. Assim, faltaria a essesdireitos sociais caractersticas mnimas de todo e qualquer direito, como a praticabilidade,a punibilidade, a clareza.

    Norberto Bobbio ressalta: as exigncias que se concretizam na demanda de umainterveno pblica e de uma prestao de servios sociais por parte do Estado s podem

    ser satisfeitas num determinado nvel de desenvolvimento econmico e tecnolgico; e que,com relao prpria teoria, so precisamente certas transformaes sociais e certasinovaes tcnicas que fazem surgir novas exigncias, imprevisveis e inexeqveis, antesque essas transformaes e inovaes tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulteriorconfirmao da sociabilidade e da no naturalidade, desses direitos5.

    Contra essa teoria se opem inmeros tericos, que afirmam a obrigatoriedade enaturalidade desses direitos que, apesar da necessidade de apoio estatal, tm sua eficciagarantida pela democracia social e pela prpria estruturao de muitos Estados, como oEstado brasileiro, que se prope na CF a erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir

    as desigualdades sociais e regionais (art. 3., III).

    4 PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. So Paulo: Max Limonad,1996).5A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

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    _________________________________________________________________________ MDULO VII

    Vrios autores, ao constatarem a falta de eficcia e aplicabilidade imediata dessesdireitos, preferem utilizar-se do termo normas programticas, que seriam programas a

    serem realizados no futuro. Assim, caracterizariam-se como ideais a serem concretizadospelos Estados, a depender das condies scio-polticas.

    Essa posio no pode gerar uma posio de indolncia do Estado e de ausncia deproteo s pessoas humanas. Esses direitos, considerados como um ideal, acabam porenquadrar-se mais no campo da poltica do que no campo do Direito. E, nesse sentido,necessitariam de uma reforma, tendo em vista uma ao concreta do Estado visando aampliao das formas de exigncia, pelos particulares, desses direitos. Assim, vm sendocriados mecanismos de cidadania como a ao civil pblica, a iniciativa popular e omandado de injuno.

    Segundo David M. Trubek, os direitos sociais invocam o que mais bsico euniversal acerca dessa dimenso do direito internacional. Por trs dos direitos especficosconsagrados nos documentos internacionais e acolhidos pela comunidade internacional,repousa uma viso social do bem-estar individual. Isto , a idia de proteo a essesdireitos envolve a crena de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condieseconmicas, sociais e culturais, nas quais todos ns vivemos, bem como envolve a viso deque o governo tem a obrigao de garantir adequadamente tais condies para todos osindivduos6.

    Analisando o que ocorre na prtica, a comunidade internacional ainda toleraviolaes de tais direitos, o que no ocorre com os direitos civis e polticos, demonstrandoque, ainda hoje, estes so considerados mais importantes que os econmicos, sociais eculturais.

    Os direitos econmicos e sociais possuem apenas um sistema de relatrios, uma vezque sua implementao somente poder ser apreciada se forem observados o grau dedesenvolvimento especfico de cada Estado e a atuao da ONU por meio de suas agnciasespecializadas. Embora o Pacto dos Direitos Econmicos e Sociais tenha influenciadoalgumas Convenes Internacionais, como a Carta Social Europia, este ainda se apresentacom alto grau de dificuldade para implementao, uma vez que suas prescries so

    tomadas comostandards no obrigatrios, ficando sob a gide das autoridades nacionais opoder de transform-las em deveres coercitivos a serem respeitados pelo prprio Estado,pela sociedade ou pelos indivduos em relao a outros indivduos.

    Enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Polticos estabelece os direitos dosindivduos, o Pacto dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais determina os deveres dosEstados. Assim, os direitos civis e