CONSTITUCIONAL - Damásio

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__________________________________________________________________ _ CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA MÓDULO I DIREITO CONSTITUCIONAL Teoria Geral da Constituição

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CONSTITUCIONAL - Damásio

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO I

DIREITO CONSTITUCIONALTeoria Geral da Constituição

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Teoria Geral da Constituição

Professor Clever Vasconcelos

1. INTRODUÇÃO

O Direito é um todo. Sua divisão ocorre somente para fins didáticos. O Direito Constitucional, de acordo com tal subdivisão, pertence ao ramo do Direito Público, uma vez que regula e interpreta normas fundamentais do Estado.

Direito Constitucional é a ciência que propicia o conhecimento da organização fundamental do Estado. Ou seja, refere-se à estruturação do poder político, seus contornos jurídicos e limites de atuação (direitos humanos fundamentais e controle de constitucionalidade)1. O Direito Constitucional estuda a Constituição, sendo o ramo por excelência do Direito Público, abrangendo as seguintes disciplinas:

a) Direito Constitucional Positivo (particular ou especial) – sua análise recai sobre as normas fundamentais vigentes. Ou seja, seu objeto é a interpretação, crítica e sistematização das normas vigentes em certo Estado. Assim, fala-se em Direito Constitucional Particular quando se examinam as peculiaridades da organização jurídica de cada Estado, e em Direito Constitucional Positivo quando se ressalva a vigência e eficácia das normas que compõem o seu ordenamento jurídico.

b) Direito Constitucional Comparado – analisa diversas Constituições para obter da comparação dessas normas positivas dados sobre semelhanças ou diferenças que são úteis ao estudo jurídico, captando o que há de essencial na unidade e na diversidade entre elas. O Direito Constitucional Comparado assenta-se em sistemas jurídicos positivos, embora não necessariamente vigentes2. Finalidade:

Mostrar ao Estado a origem de um instituto nele introduzido.

Dissipar dúvidas quando à origem de determinado instituto explicando que, apesar de ser semelhante a um que se encontra noutro país, não pôde ser colhido neste.

1 Segundo Canotilho, o Direito Constitucional é um intertexto aberto, ou seja, deve muito a experiências constitucionais, nacionais e estrangeiras; no seu espírito transporta idéias de filósofos, pensadores e políticos. Contudo, não se dissolve na história, sendo vigente e vivo.

2 O trabalho comparativo pode consistir em: 1) microcomparação – exame de fragmentos jurídicos elementares que formam as ordens jurídicas; 2) macrocomparação – estudo das estruturas determinantes e das ordens jurídicas enquanto tais.

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c) Direito Constitucional Geral – utiliza normas positivas, peculiares ao Direito Constitucional daquele Estado, estabelecendo conceitos, princípios e apontando tendências gerais. Ou seja, é a própria teoria geral do Direito Constitucional (ex: conceito de Direito Constitucional, seu objeto, conteúdo, teoria da constituição, hermenêutica, interpretação e aplicação das normas constitucionais, teoria do poder constituinte etc.).

Considerando como critério a matéria, fala-se em:

a) Direito Constitucional Material – cuida da organização do Estado, de seu modo de ser, de sua estrutura, e que variam de Estado para Estado.

b) Direito constitucional Adjetivo – envolve regras pertinentes à aplicabilidade da Constituição (ex: preâmbulo, ato de promulgação, publicação, aplicação material propriamente dita e processo de modificação).

Direito político – para uns equivale ao Direito Constitucional, enquanto outros dizem ter maior amplitude, abrangendo a Teoria do Estado e a Sociologia Política (estrutura da organização política e suas relações com a sociedade, a ordem e a atividade política), sendo o Direito Constitucional apenas o setor estritamente jurídico do Direito Político.

1.1. Constituição

Constituição é a organização jurídica fundamental do Estado.

As regras do texto constitucional, sem exceção, são revestidas de supralegalidade, ou seja, possuem eficácia superior às demais normas. Por isso se diz que a Constituição é norma positiva suprema (positiva, pois é escrita).

A estrutura do ordenamento jurídico é escalonada. Essa idéia remonta a Kelsen, sendo que todas as normas situadas abaixo da Constituição devem ser com ela compatíveis. A isso se dá o nome de relação de compatibilidade vertical (RCV).

CF

Demais normas

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No ápice da pirâmide estão as normas constitucionais; logo, todas as demais normas do ordenamento jurídico devem buscar seu fundamento de validade no texto constitucional, sob pena de inconstitucionalidade.

Basta que a regra jurídica esteja na Constituição Federal para ela ser revestida de supralegalidade.

Metodologia, etimologicamente, significa o caminho que conduz a alguma parte. A metódica constitucional oferece ao intérprete e aplicador da Constituição ferramentas metodológicas para levar a efeito suas atividades. Ou seja, investigam-se os procedimentos de realização, concretização e cumprimento das normas constitucionais, através de uma metódica tridimensional:

a) Saber como se estruturam as regras e princípios da constituição positivamente vigentes. É a denominada teoria da norma constitucional.

b) Captar todo o ciclo de realização das normas constitucionais desde o estabelecimento do texto da norma (teoria do poder constituinte) até sua concretização pelo legislador ordinário e pelos órgãos de aplicação do direito – administração e juízes – pressupondo uma teoria da legislação, uma teoria da decisão administrativa e uma teoria da decisão judicial.

c) Oferecer princípios hermenêuticos e de argumentação de forma a possibilitar um procedimento concretizador racional e objetivamente controlável (teoria da interpretação, da argumentação e da hermenêutica)

Na Constituição Federal de 1988, existem regras formalmente constitucionais (RFC) e regras materialmente constitucionais (RMC).

1.2. Regras Materialmente e Formalmente Constitucionais

Modo de Aquisição Modo de Exercício

PODERElementos Limitativos (enunciação dos direitos fundamentais das pessoas. Sistema de Garantia das Liberdades)

Elementos Orgânicosou Organizacionais (são as regras que organizam o Poder)

Elementos Socioideológicos (princípios da ordem econômica e social)

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A palavra Constituição vem do verbo latino constituere (estabelecer definitivamente), contudo, é usada no sentido de Lei Fundamental do Estado. Em sentido político e jurídico, diz José Afonso que a Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental seria a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos e os limites de sua ação. Há ainda as chamadas Constituições:

a) Materiais – tratam das normas estruturadoras do Estado (forma de Estado, forma de governo, órgão do poder, limites de sua ação, dentre outras), não importando seu lugar na hierarquia, ou seja, estejam ou não no texto orgânico constitucional, sendo possível aparecerem em leis, decretos, usos, costumes etc. Materialmente constitucionais são os elementos orgânicos, limitativos, sócio-ideológicos, de estabilização constitucional e formais de aplicabilidade (veja abaixo os conceitos).

Ex: o art. 14 da CF é materialmente constitucional, pois, dentre outros assuntos, trata dos casos de inelegibilidade (forma de aquisição do poder). O § 9º delega à LC a tarefa de enumerar outros casos de inelegibilidade. Nesse diapasão veio a LC 64/90 e do Estatuto do Estrangeiro. Podemos concluir, portanto, que as regras desta lei são materialmente constitucionais (são normas fundamentais ao Estado), muito embora não estejam na constituição.

b) Formais – encerram quaisquer preceitos, sejam materialmente constitucionais ou não, justificando-se sua inserção no texto constitucional apenas pela circunstância de requererem um processo mais difícil ou solene para sua modificação.

Podemos citar o § 2º do artigo 242 da CF, que diz que “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Ou seja, tal dispositivo não é matéria a ser tratada por uma constituição, assim como também não é aquela relativa ao divórcio, entretanto, por estar na constituição é considerada constituição formal. Os elementos orgânicos, limitativos e sócio-ideológicos, anteriormente expostos, além de formalmente constitucionais (pois estão na constituição), são também materialmente constitucionais (são matérias a respeito das quais merecem tratamento constitucional).

c) Instrumentais (instrument os government) – é aquela lei fundamental entendida, essencialmente, como lei processual, e não como lei material.

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Estabelece competências, regula o processo e define os limites da ação política. Como instrumento de governo, contém as regulamentações necessárias para a vida política de uma comunidade.

Atualmente há um alargamento do campo constitucional, ou seja, da expansão da sua força normativa para abranger domínios em que anteriormente o texto constitucional não penetrava (ex: organização econômica e relações sociais). Adota-se, portanto, a idéia de constituição aberta.

1.4. Concepções sobre as Constituições

A Teoria da Constituição, como conhecimento jurídico, político e filosófico deve-se à doutrina alemã. Sua formação e autonomia decorreram da preocupação de se chegar a um conceito substantivo de Constituição. Ela examina, identifica e critica os limites, as possibilidades e a força normativa do Direito Constitucional, ocupando-se em estudar os diversos conceitos de Constituição, o Poder Constituinte e a legitimidade da Constituição; reforma constitucional; direitos fundamentais e separação de poderes, como elementos característicos do Estado de Direito etc.

O vocábulo “Constituição” tem muitos significados, mas há um sentido primário: a Constituição é Lei Fundamental ao Estado e ao seu povo, ditando ao primeiro os limites de atuação como forma de proteger ou tutelar o segundo. Vejamos algumas teorias em tre sentidos:

1.4.1. Sentido sociológico

Ferdinand Lassalle3 leciona que a Constituição corresponde ao somatório dos fatores reais de poder que vigoram em um país. Segundo o mestre alemão, " De nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais de poder". Esses fatores reais de poder, entre nós, estão identificados na força dos produtores rurais e dos movimentos de sem terra, no sistema financeiro e nas federações empresariais, nos sindicatos e nas centrais sindicais, nas corporações militares e civis, dentre outras forças que impõem a forma e o conteúdo da Constituição.

“ Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são”4

3 O que é uma Constituição?, Ed. Líder, Belo Horizonte, Minas Gerais, tradução Hiltomar Martins Oliveira, 2002, p. 684 Ferdinand Lassalle, A Essência da Constituição, Ed. Lúmen Júris, Rio de Janeiro, tradução Walter Stonner, 2001, p. 10/11.

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A doutrina de Lassalle é concebida como sendo sociológica por Jorge de Miranda5, que ao analisar a concordância das normas constitucionais com a realidade do processo de poder destaca a existência de Constituições normativas, Constituições nominais e Constituições semânticas.

Constituição normativa é aquela que efetivamente submete o processo de poder às suas regras. Ou seja, é respeitada e cumprida, pois reflete os princípios fundamentais do constitucionalismo e assim é legítima.

A Constituição nominal é aquela que embora tenha por pretensão representar os valores fundamentais da sociedade, não possui regras que representem a dinâmica do processo político, pelo que ficam sem realidade existencial.

Por fim temos a Constituição semântica (ou de fachada para Canotilho6), que serve apenas para beneficiar os detentores do poder de fato, instrumentalizando sua dominação sobre a sociedade.

1.4.2 Direito de resistência.

Direito de resistência é a denominação dada à legítima oposição de um povo a regras formais opressivas que não correspondam ao reais anseios de uma sociedade, podendo ser manifestado pela desobediência civil ou mesmo por uma revolução. Em síntese, é o direito de descumprir e combater determinações governamentais que afrontem as liberdades fundamentais da maioria do povo. Liberdades fundamentais, leciona Norberto Bobbio7, são aquelas que "cabem ao homem enquanto tal e não dependem do beneplácito do soberano (entre as quais, em primeiro lugar, a liberdade religiosa)".

1.4.3. Sentido político

Carl Schmitt concebe a Constituição no sentido político, pois para ele Constituição é fruto da “decisão política fundamental” tomada em certo momento. Para Schmitt há diferença entre Constituição e lei constitucional; é conteúdo próprio da Constituição aquilo que diga respeito à forma de Estado, à forma de governo, aos órgãos do poder e à declaração dos direitos individuais. Outros assuntos, embora escritos na Constituição, tratam-se de lei constitucional (observe-se que essas idéias estão próximas as de Constituição material e formal).

1.4.4. Sentido jurídico

5 Teoria do Estado e da Constituição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2002, p. 341.6 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1999, p. 1057.7 A Era dos Direitos, ed. Campus, Rio de Janeiro, 1996, p. 4

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Hans Kelsen (sentido lógico-jurídico ou formal) – a constituição consiste na norma fundamental hipotética, pressuposta e não posta pela autoridade. Hans Kelsen concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta na norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. O ordenamento jurídico é representado por uma pirâmide. De acordo com a Teoria Pura do Direito, Kelsen destaca vários significados de constituição:

Material – é o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração.

Formal – consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação destas normas.

Sentido amplo – compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o poder estatal.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

2.1. Quanto ao Conteúdo

Constituição material ou substancial: é o conjunto de regras materialmente constitucionais, que regula a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Tais regras podem ou não estar na Constituição. Há, por exemplo, regras materialmente constitucionais disciplinadas em lei ordinária, como o Estatuto dos Estrangeiros.

Constituição formal: é o conjunto de regras jurídicas, inseridas no texto unitário da Constituição escrita, diga ou não respeito à matéria constitucional. Exemplo: o artigo 14, § 4.º, da Constituição Federal, que trata da inelegibilidade, é regra formal e materialmente constitucional porque delineia o modo de aquisição e exercício do poder. Mas os casos de inelegibilidade não são apenas os previstos nesse dispositivo; a Lei Complementar n. 64, de 18.5. 1990 disciplina outras hipóteses, em consonância com o prescrito no § 9.º do próprio artigo 14.

2.2. Quanto à Forma

a) Escritas – suas normas se acham expressas em um ou vários documentos escritos8. É o próprio texto da constituição, ou seja, é o conceito formal de

8 Kildare Gonçalves Carvalho faz referência à classificação sistemática (quanto à unidade documenal), dizendo que a Constituição pode ser orgânica, quando contém toda a matéria constitucional sistematizada em um único texto, ou inorgânica, quando apresentam suas normas dispersas em vários documentos.

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constituição, e por se apresentarem em um único documento, são chamadas de constituição dogmática ou instrumental. É a única fonte do direito constitucional nos países que possuem constituição escrita. As constituições escritas, quanto à extensão (modelo, tamanho), podem ser:

Analítica (expansiva, abrangente ou prolixa) – quando o texto constitucional, além de dispor de normas materialmente constitucionais, trata de matérias que não deveriam ser tratadas pela constituição. É, por exemplo, a constituição brasileira, que possui 250 artigos, ADCT, várias emendas etc. Tais constituições são instáveis.

Sintética (concisa ou negativa) – traz apenas normas materialmente constitucionais, como a norte-americana, que possuía inicialmente 7 artigos e, após dois séculos de existência, foi modificada apenas 27 vezes9. São sumárias, breves, principiológicas e de grande estabilidade.

b) Não escritas (costumeiras ou históricas) – as normas constitucionais não constam de um documento único e solene, sendo formadas por usos e costumes válidos como fontes de direito. Mesmo sendo não escrita a constituição, ainda assim existem normas escritas. Isto porque a constituição não escrita possui várias fontes (costumes, decisões dos tribunais, práticas administrativas e textos escritos). A parte escrita da constituição não escrita é esparsa, ou seja, foi elaborada em épocas distintas, e não em um único momento, como a CFRB (05/10/88). Tais constituições são formadas através de um processo histórico, e adotam o sistema da common law10.

Existem autores classificam a constituição de forma diversa, distinguindo a classificação quanto à forma da classificação quando ao modo de elaboração. Quanto à forma a constituição seria escrita ou não escrita, enquanto que quanto ao modo de elaboração seria dogmática ou histórica. O professor entende ser

9 Podemos fazer um breve comentário sobre o sistema constitucional dos Estados Unidos: assenta-se, basicamente, na constituição de 1787, a primeira, a mais breve e a mais duradoura constituição escrita que hoje possui, com caráter rígido e sintética (contudo, as constituições dos Estados são longas e regulamentárias), sendo modelada pela jurisprudência, relacionada com o controle constitucionalidade (judicial review). Os EUA foram o primeiro Estado Federal, a primeira república instituída segundo o princípio democrático, e o primeiro sistema de governo presidencial a adotar a separação de poderes.

10 Sistema constitucional inglês (ou britânico) – é o único tem como fonte o costume. Tem no Parlamento, na Constituição consuetudinária e flexível e no rule of law as suas grandes instituições. Rule of law compreende os princípios, as instituições e os processos que a tradição e a experiência dos juristas e dos tribunais entendem ser indispensáveis para a garantia da dignidade da pessoa humana frente ao Estado, devendo o Direito dar aos indivíduos proteção contra o exercício arbitrário do poder.

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irrelevante tal distinção, pois as constituições dogmáticas são sempre escritas e as históricas sempre não escritas.

No livro “Curso de Direito Constitucional”, do professor Capez e outros, estão mencionadas as constituições legais, que são aquelas cujas normas são escritas, mas não estão codificadas, ou seja, estão espelhadas em diversos textos, e também as constituições orais, que são o conjunto de normas proclamadas solenemente pelos chefes máximos de um povo para reger a vida de todos, como ocorreu na Islândia, no século IX, quando os Vikings instituíram o primeiro parlamento livre na Europa.

2.3. Quanto ao Modo de Elaboração

Constituição dogmática: reflete a aceitação de certos dogmas, ideais vigentes no momento de sua elaboração, reputados verdadeiros pela ciência política.

Constituição histórica: é a Constituição não-escrita, resultante de lenta formação histórica. Não reflete um trabalho materializado em um único momento.

2.4. Quanto à Ideologia

Eclética, pluralista, complexa ou compromissória: possui uma linha política indefinida, equilibrando diversos princípios ideológicos.

Ortodoxa ou simples : possui linha política bem definida, traduzindo apenas uma ideologia.

2.5. Quanto à Origem ou ao Processo de Positivação

a) Constituição outorgada – são aquelas impostas por um grupo ou por uma pessoa, sem um processo regular de escolha dos constituintes. Nesse ponto podemos traçar a diferença entre Carta Constitucional, que é a expressão reservada às constituições outorgadas, e Constituição que objetiva designar as promulgadas.

b) Constituição promulgada (democrática ou popular) – são aquelas elaboradas por representantes eleitos pelo povo, de forma livre e consciente, para exercer o poder constituinte.

c) Constituição Cesarista (plebiscitária, referendária ou bonapartista) – recebe esse nome por ter sido um método utilizado por Napoleão Bonaparte nos denominados plebiscitos napoleônicos. Trata-se da constituição que, não obstante elaborada sem a participação do povo ou dos seus representantes, é submetida a um referendo popular antes de ganhar vigência.

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d) Constituição mista11 (pactuada, positivada por convenção ou dualista) – nessas constituições o diploma fundamental não é já uma Carta doada pela vontade do soberano, mas um pacto entre o soberano e a representação nacional, em regra entre o monarca e o Poder Legislativo.

O professor Cássio Juvenal Faria classifica a constituição, nesse aspecto, quanto ao modo de positivação (método pelo qual a constituição entra no mundo jurídico – critério objetivo). Diz o professor que o processo de positivação pode ser:

a) Por convenção (votada) – os representantes do povo, mediante assembléia convocada especificamente para tal fim, votam uma nova constituição.

b) Por outorga (outorgada) – quando uma nova constituição é imposta ao povo, assim como fez Getúlio Vargas em 1937. Também utiliza a expressão Carta Constitucional às constituições outorgadas.

O professor Cássio critica os manuais de direito constitucional, que dizem que as constituições votadas são democráticas. Para ele, fazer tal semelhança é confundir os dois conceitos. Para saber se uma constituição é democrática ou não, deve-se analisar se o seu processo de positivação é legítimo. É certo que na maioria das vezes uma constituição votada é democrática e uma outorgada não é democrática. Entretanto pode ocorrer de uma constituição ser votada e não democrática, como por exemplo, a de 1967 (fraude no sistema), assim como pode haver uma constituição outorgada e democrática, desde que atenda aos reclames sociais. Aliás, quanto à constituição de 1967, prevalece na doutrina o entendimento de que ela foi outorgada quanto à sua origem, já que o Congresso, convocado extraordinariamente pelo AI n. 4 para apreciar a proposta dos militares, não possuía liberdade suficiente para alterar de forma substancial o documento.

Os manuais também se referem à constituição votada como sinônima de promulgada. O professor também discorda, isto porque tanto a constituição votada quanto a outorgada, para que entrem no mundo jurídico, assim como todo ato legislativo, devem ser promulgadas.2.6. Quanto à Estabilidade, à Mutabilidade ou à Alterabilidade

a) Rígida (ou condicional) – demandam processo especial, mais solene e difícil para sua alteração do que o da formação das leis ordinárias. Não devemos associar rigidez constitucional com estabilidade constitucional, pois a CFRB, apesar de rígida, não possui estabilidade (constituição escrita, analítica).

11 Classificação contida no livro “Curso de Direito Constitucional” dos professores Capez, Chimenti, Márcio Fernando e Marisa (pag. 8).

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Alexandre de Moraes – a constituição brasileira é super-rígida, pois além de exigir um procedimento mais rigoroso para sua alteração, possui partes imutáveis pelo poder constituinte derivado (cláusulas pétreas).

b) Flexível (não condicional) – é a constituição que pode ser modificada livremente pelo constituinte derivado, utilizando-se do mesmo processo de elaboração das leis ordinárias. Não devemos associar flexibilidade com instabilidade, já que a constituição inglesa, apesar de flexível é bastante estável.

Constituição plástica – de acordo com a doutrina de Pinto Ferreira, constituição flexível também é chamada de constituição plástica. Todavia, na doutrina de Raul Machado Horta, constituição plástica possui outro significado, sendo, portanto, aquela que, para ter eficácia, necessita de grande regulamentação por parte do legislador infraconstitucional. Para ele, ainda, constituição plástica é aquela suscetível de adaptação a uma nova realidade social, por meio de integração normativa futura.

Constituição transitoriamente flexível – o texto constitucional é suscetível de reforma, em determinado período, com base no mesmo rito das leis comuns. Ultrapassado aquele período, passa a ser rígida.

c) Semi-rígida – contém uma parte rígida, para alteração das regras materialmente constitucionais e outra flexível, para a modificação das regras formalmente constitucionais. Foi o caso da constituição brasileira do império (art. 178).

O professor Kildare Gonçalves cita ainda a constituição fixa, que “somente pode ser alterada por um poder de competência igual àquele que a criou (poder constituinte originário)”, sendo também conhecida como constituição silenciosa, pois não estabelece, expressamente, o procedimento para sua reforma (tem valor apenas histórico). Cita ainda a constituição imutável (granítica ou intocável), que se pretende eterna, pois se fundam na crença de que não haveria órgão competente para proceder à sua reforma, sendo incomum na atualidade e normalmente relacionada a fundamentos religiosos.

2.7. Quanto à Função

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Esta classificação, apresentada pelo Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho12, tomando por base lições de José Joaquim Gomes Canotilho, não apresenta categorias que sejam logicamente excludentes, ou seja, a Constituição poderá receber mais de uma destas classificações: Verifica-se para que serve a constituição. Em geral, fala-se que a Constituição pode ser:

a) Garantia , quadro ou negativa – serve para garantir os direitos e liberdades entendidos como inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado. Os detentores do poder ficam subordinados aos titulares do poder, cumprindo aí a constituição o seu papel de limitação do poder. Originou-se a partir da reação popular ao absolutismo monárquico. É denominada quadro porque há um quadro de direitos definidos e negativa porque se limita a declarar os direitos e, por conseguinte, o que não pode ser feito.

b) Dirigente (abrangente, programática ou doutrinal)13 – além de organizar e limitar o poder, também preordena a atuação governamental num determinado sentido (não importa o partido político). Não se limita a organizar o poder, mas também preordena a sua forma de atuação por meio de “programas” vinculantes, por meio de programas (previstos em normas programáticas), que estabelecem as diretrizes políticas permanentes, que se impõem às diretrizes políticas contingentes (que são os programas dos partidos políticos). É a “Constituição do dever-ser”. A nossa Constituição Federal inspirou-se no modelo da Constituição portuguesa.

Função prospectiva – está consubstanciada na constituição dirigente, pois se o texto constitucional é voltado para o futuro, a sua finalidade é dirigir a ação política e de toda a sociedade, segundo um modelo proposto, e para a realização de determinados objetivos, gerais ou específicos, informados pela idéia de direito nela consignada.

Normas programáticas possuem eficácia limitada, pois dependem de lei. Para que a criação de tal lei não dependesse da boa vontade do legislador, o constituinte originário criou dois remédios constitucionais processuais para a desídia, quais sejam o mandado de injunção e a ADI por omissão.

12 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 2002, p.14/15, item 11, Cap. 2.13 Trata-se da Teoria da Constituição de Gomes Canotilho, que buscou dar efetividade à Constituição, a serviço da ampliação das tarefas do Estado e da incorporação de fins econômico-sociais normativamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. Canotilho referia-se à Constituição de Portugal de 1976, marcada por diversos preceitos programáticos, voltado para a implantação de um Estado socialista. Mas com a revisão de 1989 foram excluídos diversos preceitos de caráter socialista.

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Há ainda aqueles que destacam a função simbólica da constituição, considerando o aspecto normativo-político e a realidade social em que se insere o ordenamento constitucional. Pode ser extraída em especial das normas que, no contexto da CF, revelam-se puramente instrumentais, apontando para a ineficácia da CF14.

Observações:

1. Programas constitucionais: devem ser desenvolvidos por quem se encontre no exercício do poder.

2. Direção política permanente: é imposta pelas normas constitucionais.

3. Direção política contingente: imposta pelos partidos políticos que se encontram no governo.

3 - HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Resumidamente:

1824: positivada por outorga. Constituição do Império do Brasil. Havia um quarto poder: o Poder Moderador.

1891: positivada por promulgação. Primeira Constituição da República.

1934: positivada por promulgação.

1937: positivada por outorga (Getúlio Vargas). Apelidada de Constituição “Polaca”.

1946: positivada por promulgação. Restabeleceu o Estado Democrático.

1967: positivada por outorga. (há quem sustente ter sido positivada por convenção, pois o texto elaborado pelo Governo Militar foi submetido ao referendo do Congresso Nacional antes de entrar em vigor).

1988: positivada por promulgação (Constituição Cidadã).

14 Se por um lado a função simbólica aponta para a inefetividade de alguns dispositivos constitucionais (ex: esperança da realização de uma sociedade justa, ligada à justiça social e à erradicação da pobreza – art. 3º), por outro lado, não deve ser usada como fator de desoneração da responsabilidade do Legislativo e do Executivo para com seus deveres constitucionais.

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Observação: em 1969 foram efetivadas várias alterações por meio da Emenda Constitucional n. 1/69, que para alguns autores caracteriza uma Constituição outorgada.

Vamos estudar cada uma delas:

3.1. Constituição de 1824

É a constituição do Império, outorgada por Dom Pedro I em 1824, e teve por antecedente a declaração de independência do País, em 7 de setembro de 1822. Nossa primeira constituição foi outorgada pelo fato de o já Imperador do Brasil, D. Pedro I, ter determinado a dissolução da primeira Constituinte, em 12/11/1823. A Constituição foi submetida à manifestação de algumas das então denominadas Câmaras de Vilas, circunstância que não alterou seu conteúdo unilateral. Como principais pontos da Constituição Imperial, que se caracterizou pelo absolutismo na organização dos Poderes e acentuado liberalismo no tocante aos direitos individuais, destacam-se:

a) Poder Moderador (sistema quatripartite do poder) – era tido pela constituição como “chave de toda a organização política”, “delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante”.

b) Adotava-se, nos termos do art. 4º, a religião católica apostólica romana como religião oficial do Brasil, o que o tornava um Estado Confessional.

c) Foi a constituição que mais teve vigência em nosso país (de 1824 a 1889), quando então foi proclamada a República. A despeito de sua longa duração, teve pouca efetividade, pois foi a época em que o poder mais se afastou da Constituição formal.

d) Constituição semi-rígida quanto à sua alteração (art. 178).

3.2. Constituição de 1891

Com a proclamação da República, a 15 de novembro de 1889, por meio do Decreto nº 1, que também estabeleceu a federação, o Governo Provisório baixou posteriormente o Decreto nº 29, de 3 de dezembro de 1889, nomeando uma Comissão para elaborar o anteprojeto de Constituição, que seria enviado à futura constituinte (Comissão dos Cinco, instalada dois meses após a eleição geral de 15 de setembro de 1890)15. A CF de 1891, elaborada por um processo de

15 Esclarece Paulo Bonavides que com a proclamação da República, uma singularidade ocorre na História Constitucional do Brasil: a existência de dois poderes constituintes de primeiro grau. O primeiro é o poder constituinte do Governo Provisório, revolucionário e fático, na plenitude do exercício de todas as competências; o segundo, o poder constituinte soberano do Congresso Nacional, poder de direito, emanado do anterior com a tarefa precípua de fazer soberanamente a Constituição dentro das linhas mestras da revolução republicana e federativa.

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convenção (foi votada) continha 91 artigos na parte permanente e 8 nas disposições transitórias, sendo o texto mais breve de todas as nossas constituições. Características:

a) Determinou-se a separação de Estado e Igreja, passando o Brasil a se tornar um país laico ou leigo. Era sua neutralização, através do processo de laicização.

b) Foi adotada a forma federal de Estado16, com a distribuição dos Poderes entre a União e os Estados, consagrando-se a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse.

c) Houve ainda o seguinte: abolição das instituições monárquicas; os Senadores deixaram de ter cargo vitalício; sistema de governo presidencialista; o presidente da República passou a ser o chefe do Poder Executivo; as eleições passaram a ser pelo voto direto, a descoberto (voto aberto).

3.3. Constituição de 1934

A Revolução de 1930 promoveu a queda da Constituição republicana de 1891, que teve muitos de seus preceitos violados (ex: fraudes eleitorais, predomínio do coronelismo e das oligarquias locais etc.). Ainda, com a Revolução de 30, o Governo Provisório nomeou uma comissão para elaborar a nova Constituição, destacando-se o papel da Revolução Paulista de 1932, que exigia a restauração plena do regime democrático, pois era grande a resistência às aspirações ditatoriais de Getúlio Vargas, ao poder pessoal ilimitado e indefinido.

A Assembléia Constituinte reuniu-se no dia 15 de novembro de 1933, sendo elaborada a constituição em 1934, por um processo de votação (promulgada), tomando-se por base a Constituição de Weimar, de 1919, tendo os seguintes traços distintivos:

a) A CF/34 manteve a divisão de Poderes do federalismo, mas promoveu uma centralização legislativa em favor da União, mediante o deslocamento de matérias antes reservadas aos Estados (ex: legislação eleitoral).

b) Cria a Justiça Eleitoral, com o voto feminino, e a Justiça do Trabalho, sendo os direitos trabalhistas sua maior inovação (proibição do trabalho infantil, jornada de trabalho de 8 horas, repouso semanal remunerado etc.).

16 Adotamos o modelo federalista norte-americano, o que fez com que o Brasil se chama-se Estados Unidos do Brasil. Contudo, o federalismo norte-americano foi construído através de um processo federalista típico (por agregação), já que as 13 colônias existentes resolveram se unir. No Brasil o processo foi atípico (por desagragação), pois o Brasil era um Estado unitário e resolveu se desmembrar em unidades federativas.

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Aliás, foi no campo social onde se verificaram as maiores inovações do texto constitucional de 1934.

3.4. Constituição de 1937

Baseado na ditadura que vivia a Alemanha e Itália, Getúlio Vargas outorgou a nova constituição em 10 de novembro de 1937, ficando conhecida como polaca17. Na realidade, a CF/37 permaneceu na sua maior parte inaplicada, e Getúlio governou com base apenas nas disposições transitórias e finais do texto, as quais conferiam ao Presidente a plenitude dos poderes do Legislativo e do Executivo, pois não foi realizado o plebiscito para a eleição do Parlamento para a ratificação da Constituição. Vejamos algumas características desta constituição:

a) Exacerbação dos poderes do Presidente da Republica (é o Estado Novo), podendo emendar e suspender o texto constitucional a seu arbítrio. Ainda, restringiu as prerrogativas do Congresso Nacional e a autonomia do Judiciário, podendo, em certos casos, ir de encontro às decisões judiciais que declarassem a inconstitucionalidade de determinada lei. Não havia, portanto, separação de poderes, embora previstos o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

b) Eliminação da autonomia dos Estados-Membros, com a revogação de todas as constituições estaduais. Apesar da previsão de que novas constituições seriam outorgadas pelos governos estaduais, exercidos por prepostos (interventores) do governo central, a outorga ficara condicionada à realização do já mencionado plebiscito, o que jamais ocorreu, ficando assim os Estados privados de se auto-organizarem e ter governo próprio.

c) Instituição de serviços de informações que garantia ao Presidente controle da imprensa e do povo, acarretando a restrição aos direitos e garantias individuais, inclusive com pena de morte para todos os crimes políticos e de homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.

d) O nome de Deus foi suprimido da Constituição.

Segundo a classificação de Karl Loewenstein, trata-se de uma constituição semântica, pois esteve a serviço do detentor do poder, para seu uso pessoal, perdendo em normatividade, salvo naqueles casos em que conferia atribuição ao titular do poder.

3.5. Constituição de 1946

17 Recebeu este apelido por traduzir elementos do autoritarismo que assolava a Europa naquela época, sendo redigida por Francisco Campos, Ministro da Justiça de Getúlio Vargas.

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Com a reconstitucionalização do país, precedida da queda de Vargas em 29 de outubro de 1945, instalou-se a Assembléia Constituinte em 2 de fevereiro de 1946, sob o governo do General Eurico Gaspar Dutra, eleito no final de 1945. A nova constituição, que repunha instituições e preceitos que vinham das antigas formulações constitucionais, acentuou tendências já inauguradas na CF/34, e introduziu algumas inovações. A CF/46 foi uma das melhores que tivemos, seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista ideológico, pois ao mesmo tempo em que adota o pensamento libera no campo político, promove uma abertura para o campo social. Contudo, não se pode esquecer que a Assembléia Constituinte que a escreveu foi eleita por apenas 15% da população. Assim, diz-se que, mesmo democrática, nasceu do ventre da ditadura.

Contudo, vejamos algumas inovações importantíssimas:

a) Proclamação do povo como fonte tutelar de todos os poderes.

b) Declaração de direitos, incluindo preceitos sobre a nacionalidade e a cidadania, sobre o corpo eleitoral, e a declaração dos direitos e garantias individuais, extensa e minuciosa. Ainda, preceitos sobre a legislação do trabalho, a previdência social e direitos do trabalhador.

c) Poder Judiciário fundado na autonomia dos tribunais e em garantias individuais para os magistrados, com o STF como órgão de cúpula, com a dualidade de justiças paralelas, uma federal e outra estaudual.

3.6. Constituição de 1967

Juscelino Kubitschek é eleito em 1955, e proporciona ao Brasil um período de crescimento econômico e endividamento. Em 1960, é eleito Jânio Quadros, que renuncia em 1961 e é sucedido pelo então vice-presidente João Goulart (Jango). Mas em 31/03/64 os militares derrubam o presidente Jango, que havia chegado ao poder por processo legítimo, e tomam o poder. Vitorioso o movimento militar, o Congresso elegeu Presidente o Marechal Castelo Branco. Para dar legitimidade ao governo, elaboraram os chamados atos institucionais18, que estavam acima da constituição de 1946, muito embora o AI n. 1 a manteve.

Desfigurado o texto de 1946, cuidou-se então de consolidar, em nova constituição, a obra do movimento militar. Assim, o Presidente editou o AI n. 4, convocando o Congresso para reunir-se extraordinariamente (pois ele estava fechado). Foi então promulgada a CF/67 pelo processo de votação, entretanto era antidemocrática, já que o processo foi ilegítimo. Entendem alguns tratar-se de constituição semi-outorgada, mas prevalece na doutrina o entendimento de que a Carta de 1967 foi outorgada quanto à sua origem, já que o Congresso, 18 Manoel Gonçalves Ferreira Filho diz que “os atos institucionais são, em sua origem, típicas manifestações do Poder Constituinte Originário, pois apresentam os três caracteres deste: são iniciais, autônomos e incondicionados. Eles são verdadeiras constituições outorgadas.”

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convocado extraordinariamente pelo AI n. 4 para apreciar a proposta dos militares, não possuía liberdade suficiente para alterar de forma substancial o documento. Formalmente, contudo, o Congresso aprovou e promulgou a Constituição de 1967, razão por que alguns (minoria) classificam tal Carta como sendo uma constituição positivada por convenção, dualista.

3. 7. Constituição de 1969

Com a constituição de 67, o Brasil passou a ser organizado apenas por constituição, contudo, foi editado o AI n. 5, o que paralisou o funcionamento da CF, aniquilando o princípio da independência e da harmonia dos poderes, tudo submetendo ao arbítrio e à vontade incontrolável do Presidente, convertendo o regime presidencial em ditadura constitucional. Assim, descaracterizado pelos sucessivos atos institucionais, o texto de 67 foi unificado pela Emenda n. 1 de 17 de outubro de 1969, outorgada pela Junta Militar, que assumiu o poder durante o período de doença do Presidente Costa e Silva.

Alguns constitucionalistas dizem que não se trata de apenas uma emenda, mais sim de uma nova constituição, já que os governantes não tinham legitimidade de elaborar emenda. Tal constituição foi outorgada. Contudo, a maioria dos constitucionalistas não equipara a EC 1/69 a nova constituição, pois apenas consolidou o texto de 1967.

3.8. Constituição de 1988

Por fim, com a abertura política (que incluiu a anistia), a eleição direta dos governadores dos Estados em 1982, a campanha das “diretas-já” mobilizando milhões de brasileiros e a eleição indireta do civil Tancredo Neves para a Presidência da República, foi encaminhado ao Congresso (pelo Presidente José Sarney, sucessor do falecido Tancredo) a proposta que deu origem à emenda constitucional n. 26/8519, pela qual se deu a convocação da Assembléia Nacional Constituinte que, eleita em 1986, promulgou a CF/88. É a denominada constituição cidadã, por ter ampliado os direitos e garantias individuais e coletivos.

4. CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

De acordo com os critérios classificatórios, esmiuçados acima podemos dizer que a Constituição Federal de 1988 possui a seguinte classificação:

quanto ao conteúdo: formal;

quanto à forma: escrita;

19

? Para José Afonso da Silva a emenda 26, ao convocar a Assembléia Nacional Constituinte, constitui, nesse aspecto, um verdadeiro ato político e não uma emenda, pois esta visa manter a constituição vigente, e aquela emenda objetivava destruir esta.

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quanto à extensão: analítica;

quanto ao modo de elaboração: dogmática;

quanto à ideologia: eclética;

quanto à origem: promulgada;

quanto à estabilidade: rígida;

quanto à função: garantia e dirigente.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. A Constituição que, resultante dos trabalhos de um órgão constituinte, sistematiza as idéias e os princípios fundamentais de teoria política e do Direito dominante no momento, quanto ao modo de sua elaboração, denomina-se:

a) flexível;

b) formal;

c) dogmática;

d) outorgada;

e) semi-rígida.

2. A Constituição Federal vigente é considerada:a) material, escrita, analítica, dogmática, promulgada e rígida;

b) formal, escrita, sintética, dogmática, promulgada e rígida;

c) formal, escrita, analítica, dogmática, promulgada e rígida;

d) formal, escrita, analítica, histórica, promulgada e rígida;

e) material, escrita, analítica, histórica, promulgada e flexível.

3. Não são Regras Materialmente Constitucionais:a) as que organizam o Estado;

b) as que tratam da política de desenvolvimento urbano;

c) as que se relacionam com o Poder;

d) as que dispõem sobre as hipóteses de inelegibilidades para os cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo;

e) as que dispõem sobre a forma de Estado, a forma de governo e o regime de governo.

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4. Assinale a alternativa falsa:a) A Constituição de 1937 foi apelidada de Constituição Cidadã.

b) Constituição rígida é aquela que para ser modificada necessita de um processo mais complexo do que o exigido para a mudança das leis ordinárias.

c) A Constituição de 1934 foi positivada por promulgação.

d) Todas as regras dispostas no texto constitucional são formalmente constitucionais.

e) A Constituição do Reino Unido é um exemplo de Constituição não-escrita.

5. Assinale a alternativa correta:a) A Constituição garantia é aquela que garante poder ilimitado ao governante.

b) A Constituição garantia também é chamada Constituição quadro ou negativa.

c) A Constituição garantia também é chamada Constituição dirigente.

d) A Constituição Federal de 1988 é um exemplo de Constituição balanço.

e) n.d.a.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO II

DIREITO CONSTITUCIONAL

Elementos das ConstituiçõesFenômenos da Mutação Constitucional

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Elementos das Constituições

Fenômenos da Mutação Constitucional

Professor Clever Vasconcelos

1. ELEMENTOS DAS CONSTITUIÇÕES

As Constituições contemporâneas contêm normas que dispõem sobre matérias de naturezas e finalidades diversas. Conforme a conexão do conteúdo dessas normas, elas são agrupadas em títulos, capítulos e seções. Daí surgiu o tema elementos das Constituições.

Doutrinariamente, há um dissenso acerca da caracterização dos elementos das Constituições no que se refere à estrutura normativa. A classificação a seguir é apresentada por José Afonso da Silva.

1.1. Elementos Limitativos

São regras que enunciam os direitos e garantias fundamentais, limitando a ação do poder estatal. A Constituição Federal os posicionou no Título II, com exceção do Capítulo II.

1.2. Elementos Orgânicos ou Organizacionais

São regras que tratam da organização do Poder e do Estado. Na nossa Constituição encontram-se, predominantemente, nos Títulos III, IV, V (Capítulos II e III), e VI.

1.3. Elementos Sócio-Ideológicos

Constituem princípios da Ordem Econômica e Social (OES) e são indissociáveis da opção política da organização do Estado (regras materialmente constitucionais). Na Constituição Federal de 1988 apresentam-se nos Títulos II (Capítulo II), VII e VIII.

1.4. Elementos de Estabilização Constitucional

Regras destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa do Estado, da Constituição e das instituições democráticas. Exemplos desses elementos na nossa Constituição: artigo 102, inciso I, alínea a; artigo 34 a 36; artigo 59, inciso I; artigo 60; artigo 103; Título V (Capítulo I);

1.5. Elementos Formais de Aplicabilidade

Normas que estatuem formas de aplicação das constituições. Caracterizam esses elementos o preâmbulo, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

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(ADCT), o dispositivo que contém as cláusulas de promulgação, bem como o disposto no § 1.º do artigo 5.º.

1.5.1. Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

A Constituição Federal contém duas partes distintas:

disposições permanentes (artigos 1.º a 250);

disposições transitórias (artigos 1.º a 94 – EC42/03).

Embora apresente a divisão exposta, a Constituição é una. As disposições transitórias integram a Constituição, possuindo a mesma rigidez e a mesma eficácia das disposições permanentes, ainda que por um período limitado. Os atos transitórios podem ser alterados seguindo-se o mesmo procedimento de alteração dos dispositivos presentes no corpo da Constituição, por emenda constitucional.

A Constituição posterior ab-roga a anterior (vide item 2.3). As disposições transitórias exteriorizam-se por meio de um conjunto de normas que cuida do direito intertemporal. Assim, têm por finalidade, basicamente:

regular a transição entre a Constituição a ser ab-rogada e a Constituição que entrará em vigor;

regular transitoriamente matéria infraconstitucional até que sobrevenha lei.

Exemplo: O constituinte de 1988, preocupado com a inércia do legislador

ordinário, regulou transitoriamente, no artigo 10 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, a relação de dispensa sem justa causa disposta no

artigo 7.º, I, da Constituição Federal de 1988. Este artigo 10 ficará regulando o

artigo 7.º, I, até que seja promulgada a lei complementar, quando se dará o

exaurimento da norma transitória.

1.5.2. Preâmbulo Constitucional

Preâmbulo é a parte introdutória da constituição, consistindo numa declaração de propósitos que antecede o texto normativo da CF, enunciando de certos princípios, os fundamentos filosóficos, políticos, ideológicos, sociais e econômicos da constituição. A constituição se inicia com o preâmbulo e não

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com o art. 1º, sendo ele uma síntese do sistema constitucional, integrando-o1. Seu texto, assim como qualquer outra regra constitucional, foi votado, refletindo a vontade da maioria. Todas as constituições brasileiras contiveram preâmbulo.

O preâmbulo não apenas pode, como também deve ser utilizado como instrumento de interpretação e aplicação das regras constitucionais. Vale dizer: o preâmbulo é um valioso instrumento de interpretação, e segundo a classificação de José Afonso da Silva, o preâmbulo é um elemento formal de aplicabilidade.

A preferência pela inclusão do nome de Deus no preâmbulo é de tradição brasileira (só não foi incluído nas constituições de 1891 e 1937) e da maioria dos países que adotam a constituição escrita. Com a inclusão do nome de Deus foi reconhecida, oficialmente, sua existência. No império (1824) o Brasil era um estado confessional, e adotava a religião católica apostólica romana. Com a constituição de 1891, o Brasil passou a ser um Estado laico (ou leigo), separando o Estado da Igreja. Na CF/88 tal regra se encontra no art. 19, I (contudo, este dispositivo permite, na forma da lei, a colaboração de interesse público).

Pergunta: existe contradição entre o preâmbulo, que reconheceu a existência de Deus, e o art. 19, I, que reconhece que o Brasil é um estado laico? A resposta negativa se impõe. Isto porque o preâmbulo, embora reconheça a existência de Deus, é neutro em matéria confessional. Vale dizer, o preâmbulo não é sectário (não faz escolha por qualquer tipo de seita ou religião). Além disso, assegura-se, dentre os direitos fundamentais, a liberdade de crença (esta é a posição oficial do Estado). O preâmbulo reconhece o teísmo do Estado brasileiro (o monoteísmo é a nossa posição oficial), ou seja, reconhece que a sociedade política brasileira aceita a irradiação, em seus segmentos, do humanismo cristão.

O preâmbulo tem força normativa? Em primeiro lugar, é evidente o alcance filosófico e político do preâmbulo, já que ele reflete o projeto do qual a constituição retira sua força, adquirindo todo um valor literário e simbólico. Todavia, quando ao valor jurídico, três teses existem:

a) Eficácia do preâmbulo idêntica à de qualquer norma constitucional – parece ser majoritária esta tese, adotada inclusive por Kildare Gonçalves Carvalho. O preâmbulo é equiparado à qualquer outra norma da constituição, com todas as suas conseqüências, inclusive no que se refere à inconstitucionalidade por violação dos princípios nele contidos. Essa posição também se justifica pela constitucionalidade da determinação do Presidente em fazer constar em nossa moeda a expressão “Deus seja louvado”, pois está de acordo com o preâmbulo.

1 Contudo, de forma minoritária entendem Celso Bastos e Ives Gandra, afirmando que, sob o ponto de vista normativo e preceptivo, o preâmbulo não faz parte do texto constitucional, embora, do ângulo material, a Constituição não estaria completa sem ele.

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b) Relevância jurídica indireta ou específica – o preâmbulo, embora não se confunda com norma jurídica constitucional, contribui para a integração da constituição, ou seja, os princípios declarados no preâmbulo poderão ser invocados para a explicação de preceito normativo constitucional não suficientemente claro. Ou seja, o preâmbulo não pode ser invocado sozinho, pois não cria direitos e deveres, invocados só podem ser os seus princípios, mas apenas se o texto constitucional exigir classificação ou integração. Também não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo.

c) Irrelevância jurídica – o preâmbulo não ingressa no mundo jurídico, tendo valor meramente político. Embora essa posição pareça ser minoritária, deve ser adotada em concurso tendo em vista ser a tese do STF, que não reconhece a força normativa do preâmbulo2.Impetrou-se a ADI em relação ao preâmbulo da Constituição do Acre,

alegando-se a inconstitucionalidade por omissão da expressão “sob a proteção de Deus”, constante da CF/88. O STF disse a constituição do Acre não violou os princípios da CF, pois a invocação da proteção de Deus, no preâmbulo da CF não tem força normativa, não sendo, portanto, norma central (de reprodução obrigatória nas constituições estaduais).

Constituição Total – naquele julgamento o STF adotou a idéia de constituição total. Esta é apenas o conjunto de normas centrais que está na CF, devendo obrigatoriamente ser reproduzidas nas estaduais. Ou seja, constituição total é uma parte (normas centrais) da constituição formal.

Lei definidora de feriados religiosos – é certo que o teísmo do preâmbulo não é sectário, razão pela qual não se retira do Brasil a condição de Estado leigo ou laico. Mas como se explicar a constitucionalidade das leis que definem feriados religiosos? Tais leis são constitucionais, já que os feriados nelas definidos são da cultura do povo, não havendo o que se questionar a respeito de sua constitucionalidade. Entretanto a Lei 6.802/80 criou o feriado de 12 de outubro, estabelecendo em seu art. 1º que: “é declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil”. Neste caso, para o professor Cássio, a inconstitucionalidade é flagrante, pois não se pode estabelecer culto com caráter oficial, o que é absolutamente repelido num Estado laico (art. 19, I). Contudo, Kildare Gonçalves Carvalho assim não entende, pois no domínio da cultura, cabe à lei dispor sobre a fixação de datas comemorativas, incluídos os feriados religiosos, nos termos do art. 215, § 2º da CF.

2. FENÔMENOS DA RECEPÇÃO E DA DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

2 “Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa”. (ADI 2.074).

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2.1. Recepção

O fenômeno da recepção assegura a preservação do ordenamento jurídico inferior e anterior à nova Constituição, desde que, com esta, se mostre materialmente compatível (procedimento abreviado de recriação de normas jurídicas).

Assim, as leis infraconstitucionais editadas sob fundamento de validade da Constituição anterior, não necessitam de nova votação, tendo em vista que, se forem compatíveis com a nova Constituição, serão recepcionadas por esta, possuindo, então, um novo fundamento de validade.

O fato de uma lei se tornar incompatível com o novo texto constitucional dá ensejo a sua revogação (tácita), de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, uma vez que inexiste inconstitucionalidade superveniente. Destarte, uma lei não recepcionada está revogada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o artigo 233 do Código Civil de 1916 que estabelecia ser o marido o chefe da sociedade conjugal e foi tacitamente revogado pelo § 5.º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988.

O fenômeno da recepção, então, é uma questão de compatibilidade exclusivamente material, pois nada tem a ver com o aspecto formal. Tomemos, como exemplo, a exclusão dos Decretos-lei pela Constituição Federal de 1988. Todos os Decretos-lei preexistentes compatíveis com as novas normas constitucionais continuaram vigentes (exemplo: o Código Penal e o Código de Processo Penal; Decretos-lei que ainda estão em vigor)

Tratando-se de matéria reservada a lei complementar na Constituição anterior e a matéria reservada a lei ordinária na nova Constituição, haverá recepção; entretanto, será recepcionada como lei ordinária.

Um exemplo é a Lei Orgânica do Ministério Público, em que a Constituição Federal de 1969 reservava a matéria à lei complementar, sendo editada tal lei sob o n. 40/81 . Com o advento da Carta de 1988 a matéria não foi expressamente reservada à lei complementar, sendo, então, editada a Lei Ordinária n. 8.625/93. Assim, a Lei Complementar n. 40/81 foi recepcionada pela Constituição vigente com natureza de lei ordinária, apesar de estar rotulada como lei complementar, e por isso foi revogada pela Lei n. 8.625/93.

O Código Tributário Nacional foi elaborado na vigência da Constituição de 1946, a qual não previa a espécie normativa lei complementar. Com o advento da Constituição de 1967, que passou a prever a lei complementar, tornando, ainda, o rito de observância obrigatória à matéria tributária, pelo fenômeno da mutação constitucional, o Código Tributário ganhou natureza de lei complementar.

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Há quem conteste esse posicionamento, alegando que o referido diploma continua sendo lei ordinária e apenas para fins de modificação de seu conteúdo necessita seguir o modelo da lei complementar.

2.2. Repristinação

Repristinação é o restabelecimento de vigência da lei revogada pela revogação da lei dela revogadora (exemplo: lei B revoga a lei A; advém a lei C, que revoga a lei B; o fato de a lei C ter revogado a lei B restaura automaticamente a vigência da lei A).

No Brasil, salvo disposição expressa em sentido contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência (artigo 2.º, § 3.º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

2.3. Teoria da Desconstitucionalização

É a possibilidade de recepção pela nova ordem constitucional, como leis ordinárias (em processo de “queda de hierarquia”), de normas apenas formalmente constitucionais da Constituição anterior que não tenham sido repetidas ou contrariadas pela nova Constituição.

Essa teoria é inaplicável ao sistema jurídico brasileiro, tendo em vista que a Constituição nova ab-roga a anterior. A nova Constituição, entretanto, pode estabelecer expressamente que algum assunto da anterior continuará em vigor.

Hoje, também se denomina desconstitucionalização a retirada por emenda de uma matéria que não constitua cláusula pétrea do texto constitucional, a fim de que ela possa ser disciplinada e modificada por lei infraconstitucional. É denominação imprópria, pois o termo já tem um sentido técnico definido.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Como se classificam as Constituições quanto a sua origem?

2. A Constituição escrita é necessariamente rígida?

3. O preâmbulo tem alguma importância para o texto da CF/88?

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4. Como se classifica a nossa Constituição?

5. Qual o conceito de Constituição?

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO III

DIREITO CONSTITUCIONALAplicabilidade das Normas Constitucionais

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Aplicabilidade das Normas Constitucionais

Professor Clever Vasconcelos

1. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À EFICÁCIA JURÍDICA

1.1. Introdução

A doutrina clássica classificava as normas constitucionais em auto-executáveis (auto-aplicáveis) e não auto-executáveis. Assim, algumas normas seriam imediatamente aplicáveis e outras não.

O Professor José Afonso da Silva, ao contrário do que entendia a doutrina clássica, afirmou que todas as normas constitucionais, sem exceção, são revestidas de eficácia jurídica, ou seja, de aptidão à produção de efeitos jurídicos, sendo assim todas aplicáveis, em maior ou menor grau.

Na lição de Uadi Lamego Bulos, devemos “ observar os requisitos gerais de aplicabilidade, pois sem cogitá-los, uma norma não pode incidr sobre um fato social sem estar apta a produzir efeitos jurídicos. Sendo assim, recordemos:”

Vigência constitucional: período em que vai da entrada em vigor da carta maior até a sua revogação.

Vacacio constitutionis ou vacacio legis constitutinalis: período em que as normas constitucionais ficam esperando para entrar em vigência.

Validade Constitucional: conformidade fática entre o comportamento disciplinado na norma constitucional e as conseqüências jurídicas daí decorrentes.

Para graduar essa eficácia dentro de categorias lógicas, foi proposta a seguinte classificação:

norma constitucional de eficácia jurídica plena;

norma constitucional de eficácia jurídica limitada;

norma constitucional de eficácia jurídica contida.

1.2. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Plena

Também chamada norma completa, auto-executável (self-executing) ou bastante em si, é aquela que contém todos os elementos necessários para a pronta e integral aplicabilidade dos efeitos que dela se esperam. A norma é completa, não havendo necessidade de qualquer atuação do legislador (exemplo: artigo 1.º

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da Constituição Federal de 1988).

1.3. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Limitada

É aquela que não contém todos os elementos necessários à sua integral aplicabilidade, porque ela depende da interpositio legislatoris (interposição do legislador). Muitas vezes essas normas são previstas na Constituição com expressões como “nos termos da lei”, “na forma da lei”, “a lei disporá”, “conforme definido em lei” etc.

A efetividade da norma constitucional está na dependência da edição de lei que a integre (lei integradora). Somente após a edição da lei, a norma constitucional produzirá todos os efeitos que se esperam dela (exemplo: artigo 7.º, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, que só passou a produzir a plenitude de seus efeitos a partir do momento em que foi integrada pela Lei n. 10.101/00).

+ + =

A aplicabilidade da norma constitucional de eficácia jurídica plena é imediata. No caso da norma limitada, a aplicabilidade total é mediata.

O constituinte, prevendo que o legislador poderia não criar lei para regulamentar a norma constitucional de eficácia limitada, criou mecanismos de defesa dessa norma:

mandado de injunção;

ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Conforme já foi dito, somente após a edição da lei, a norma constitucional produzirá todos os efeitos que se esperam dela. Assim, a norma de eficácia limitada, antes da edição da lei integradora, não produz todos os efeitos, mas já produz efeitos importantes. Além de revogar as normas incompatíveis (efeito negativo, paralisante das normas contrárias antes vigentes), produz também o efeito impeditivo, ou seja, impede a edição de leis posteriores contrárias às diretrizes por ela estabelecidas.

A norma constitucional de eficácia limitada divide-se em:

Norma de Eficácia Jurídica Limitada

Interposição do legislador (Lei)

Plenitude dos efeitos

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Norma constitucional de eficácia jurídica limitada de princípio programático: todas as normas programáticas são de eficácia limitada. São normas de organização que estabelecem um programa constitucional definido pelo constituinte. Essas normas são comuns em Constituições dirigentes. Exemplo: artigo 215 da Constituição Federal.

Características, segundo Uadi Lamêego Bulos

o “ estabelecem o dever ao legislador ordinário de os regulamentar, criando situações jurídicas subjetivas de vantagens e desvantagens;

o vinculam a função legislativa, administrativa e jurisdicional (eficácia vinculante).

o Impedem que o legislador ordinário edite normas em sentido oposto ao direito nelas inserido;

o Condicionam, de modo pleno e integral, a produção legislativa futura, paralisando leis que venham a vulnerá-las (eficácia de bloqueio); e

o Apontam o regime político e os fins sociais que informam a ordem jurídica.

. Norma constitucional de eficácia jurídica limitada de princípio institutivo: aquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei.1

Exemplo: artigo 98 da Constituição Federal.

Tais normas (de princípio institutivo e programáticas) são de aplicação diferida (para o futuro) que se limitam a enunciar comandos-valores, as linhas diretoras que devem ser seguidas pelo Poder Público (daí serem denominadas também normas diretórias ou diretivas), mas que desde sua vigência devem ser observadas pelo legislador ordinário e pelo intérprete. Por fim, vejamos outros conceitos:

a) Normas constitucionais preceptivas (Jorge Miranda) – são aquelas de eficácia incondicionada ou não dependem de condições institucionais ou de fato.

b) Princípio da máxima efetividade (J. J. Gomes Canotilho) – a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê.

1 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 4.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

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c) Norma de eficácia exaurida, esvaída ou de aplicação esgotada (Uadi Lammêgo Bulos) – trata-se de classificação que abrange, sobretudo, as normas do ADCT, que já efetivaram seus mandamentos.

d) Norma de eficácia limitada e contida – alguns sustentam a possibilidade de, excepcionalmente, a norma constitucional ser, ao mesmo tempo, de eficácia limitada e contida, como ocorre com o art. 37, VII (“o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”).

1.4. Norma Constitucional de Eficácia Jurídica Contida (Redutível ou Restringível)

A norma de eficácia redutível é aquela que, desde sua entrada em vigor, produz todos os efeitos que dela se espera, no entanto, sua eficácia pode ser reduzida pelo legislador infraconstitucional. Note-se que enquanto o legislador não produzir a norma restritiva, a eficácia da norma constitucional será plena e sua aplicabilidade imediata.

Excepcionalmente, uma norma constitucional pode ao mesmo tempo ser de eficácia limitada e contida, a exemplo do inciso VII do artigo 37 da Constituição Federal.

Exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o inciso XIII do artigo 5.º da Constituição Federal, que assim dispõe: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. A esta ressalva, constante do dispositivo, a doutrina denomina cláusula expressa de redutibilidade. Destarte, é correto dizer que todas as normas que contêm cláusula expressa de redutibilidade são normas de eficácia contida.

Mas é preciso ressaltar que nem todas as normas de eficácia contida contêm cláusula expressa de redutibilidade. Com efeito, as normas definidoras de direitos não têm caráter absoluto, ou seja, em alguns casos, orientadas pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é permitido ao legislador criar exceções, ainda que a norma não tenha cláusula expressa de redutibilidade. Podemos citar como exemplo o artigo 5.º da Constituição Federal, que garante o direito à vida, entretanto esse direito foi reduzido quando o Código Penal admitiu a existência da legítima defesa. Se a norma garantidora do direito à vida fosse absoluta, não poderia uma norma infraconstitucional restringir esse direito, permitindo a legítima defesa. Outro exemplo que podemos citar de princípio consagrado constitucionalmente que não tem caráter absoluto é o da presunção de inocência (artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal). Se esse princípio tivesse caráter absoluto, a prisão preventiva seria inconstitucional.

Características das normas de eficácia Contida:

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o apresentam cláusula de redutibilidade, permitindo que leis subalternas componham seu significado;

o a própria Constituição pode suspender ou restringir sua eficácia e não apenas o legislador;

o abrigam conceitos genéricos, vagos, indeterminados que ao, restringir ou suspender situações subjetivas ativas ou de vantagem, atrelam a atuação do Poder Público;

o Na falta de Lei para regulamentar-lhes , devem ter aplicação imediata;

o Situam-se em qualquer parte da Constituição, principalmente dentre os seus elementos limitativos.

1.5. Resumo

Assim, de acordo com a melhor doutrina, as normas constitucionais podem ter:

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Eficácia Plena Eficácia Limitada Eficácia Contida

Aplicabilidade imediata Aplicabilidade mediata Aplicabilidade imediata

Não exige lei que integre ou modifique a eficácia

da norma.

Enquanto lei integradora não sobrevém, a norma

não produz seus efeitos principais.

Enquanto a lei não sobrevém, a norma

terá eficácia plena.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. A norma constitucional que garante a todos “o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, é norma:

a) de eficácia plena;

b) de eficácia limitada;

c) de eficácia redutível;

d) programática.

2. Aponte a alternativa em que se inclui norma constitucional de eficácia contida:

a) “A lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios” (art. 88).

b) “Aos juízes federais compete processar e julgar...nos casos determinados por lei, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira” (art. 109, VI).

c) “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.” (§ 1º do art. 9º) O caput do art. 9º dispõe que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

d) “A lei disciplinará a remoção ou a permuta de juízes dos Tribunais Regionais Federais e determinará sua jurisdição e sede.” (art. 107, parágrafo único).

3. O artigo 2.º da CF: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” é norma de:

a) eficácia plena;

b) eficácia limitada;

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c) eficácia contida;

d) eficácia semi-plena.

4. Assinale a alternativa falsa:

a) A norma constitucional de eficácia jurídica plena é também chamada auto-executável ou bastante em si;

b) A aplicabilidade da norma constitucional de eficácia limitada é mediata;

c) Uma norma constitucional pode ser ao mesmo tempo de eficácia limitada e contida;

d) A norma constitucional de eficácia jurídica limitada é também chamada redutível ou restringível.

5. Norma constitucional de eficácia limitada:

a) é aquela que não produz qualquer efeito, antes da norma integrativa infraconstitucional;

b) é aquela que produz todos os seus efeitos, mas restringe os direitos individuais e coletivos;

c) é aquela que produz todos os seus efeitos, podendo ser limitada pelo legislador infraconstitucional;

d) é aquela que não contém todos os elementos necessários à sua integral aplicabilidade, pois ela depende da interpositio legislatoris. Produz, entretanto, efeitos negativos.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Como se classificam as Constituições quanto a sua origem?Classificam-se em: promulgada, outorgada, cesarista ou bonapartista e dualista. Promulgada é a delineada por representantes eleitos pelo povo para exercer o Poder Constituinte; outorgada é a imposta por um grupo ou uma pessoa, sem a participação popular, cesarista ou bonapartista é aquela que passa por encenação de processo de consulta, para revesti-la de aparente legitimidade e, por fim, a dualista que é fruto de acordo entre o soberano e a representação nacional.

2. A Constituição escrita é necessariamente rígida?Não. A escrita composta por regras codificadas e sistematizadas num único documento, tratar de característica formal. Uma Constituição é rígida se apresentar como foco sua estabilidade. Neste caso, para ser modificada, depende de processo especial.

3. O preâmbulo tem alguma importância para o texto da CF/88?Sim, para o texto de qualquer Constituição, pois contém a enunciação de certos princípios caracterizando-se como elemento importante de interpretação de normas constitucionais.

4. Como se classifica a nossa Constituição?Nossa Constituição é formal, quanto ao conteúdo; escrita, quanto à forma; analítica, quanto à extensão; dogmática, quanto ao modo de elaboração; eclética, quanto à ideologia; promulgada, quanto à origem; rígida, quanto à estabilidade e garantia e dirigente, quanto à função.

5. Qual o conceito de Constituição?Constituição é a lei fundamental programada pelo país, na qual baseia-se a organização jurídica fundamental do Estado.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO IV

DIREITO CONSTITUCIONALPoder Constituinte

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Poder Constituinte

Professor Clever Vasconcelos

1. PODER CONSTITUINTE

1.1. Introdução

Os poderes “constituídos” da República são os Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário. Se eles são constituídos,

significa dizer que algo os constituiu. Logo, existe um Poder maior:

o Poder Constituinte.

Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “Poder Constituinte é a

potência que faz a constituição, e, ao mesmo tempo, a competência

que a modifica”.

O Poder Constituinte é aquele capaz de editar uma constituição, dar forma ao Estado e constituir Poderes.

Costuma-se distinguir a titularidade e o exercício do Poder Constituinte. Seu titular é o povo, mas quem exerce esse poder é um órgão colegiado (Assembléia Nacional Constituinte) ou uma ou mais pessoas que se invistam desse poder (é o caso das constituições outorgadas).

Mas qual a natureza do Poder Constituinte? Como se origina e se caracteriza? Quem é o seu titular? De que modo se exercita? Qual o teor de sua obra e o que nela deve conter?

São questões ainda discutidas, pois não há consenso entre elas. Daí as necessidade de estudar a concepção clássica do tema, que os doutores denominam fundamentos da constituição, preconizada por Emmanuel Joseph Sieyés.

Duas são as concepções quanto a Natureza do Poder Constituinte:

Poder de fato – para os positivistas (Kelsen, Celso Ribeiro Bastos, CABM), o poder constituinte se funda em si mesmo, não se baseia em regra de direito anterior1. A constituição é um fato, e o poder

1 Direito é apenas o Positivo, isto é, aquele posto pelo Estado. Ou seja, se o poder constituinte é quem cria o Estado e se é o Estado quem cria o Direito, segue que o poder constituinte não

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constituinte uma força social. Kelsen buscou na norma hipotética fundamental (grundnorm) a base para todo o ordenamento jurídico (embora a ele não pertença, é o pressuposto lógico da Constituição). Paulo Bonavides diz tratar-se de faculdade política.

Poder de direito – é a tese defendida pelos jusnaturalistas, que admitem a existência de um poder natural, de que resultam regras de Direito Natural, anteriores ao Direito Positivo, decorrentes da natureza humana e da própria idéia de justiça. O direito não se resume à sua vertente estatal2.

O mérito da Teoria de Sieyès foi indiscutível, Graças as suas idéias, formou-se a concepção de que poder constituinte é a fonte magnânima de todo o direito formal de um ordenamento jurídico.

Para Sieyès , povo e Nação não se confundiam. Sendo o primeiro o conjunto de pessoas reunidas e submetidas a um poder e o segundo, sendo mais que um conjunto, é a encarnação do interesse dos indivíduos como um todo na sua generalidade e permanência.

Foi a partir de Sieyès, que a distinção formal entre poder constituinte e poderes constituídos se consolidou em termos definitivos, sendo paradigma para todas as “escolas” que enfrentam esta temática.

São formas de manifestação do Poder Constituinte:

Poder Constituinte originário: poder de fato que estabelece a constituição, tem uma face formal e outra material;

Poder Constituinte secundário: Poder Jurídico que reformula a Constituição Federal;

Poder Constituinte decorrente: Poder jurídico que elabora e modifica a Constituição dos Estados-Membros, trata-se de uma espécie do gênero poder constituinte secundário; e

Poder Constituinte Difuso: poder de fato responsáveis pelas mutações constitucionais.

tem natureza jurídica. As normas expostas na forma de uma constituição ganham eficácia naturalmente (pela ausência de resistência capaz de afastá-las) ou são referendadas de maneira expressa pelo povo.

2 São Tomás de Aquino concebeu, na Idade Média, a existência de uma lei eterna, derivada da razão de Deus, de que o homem passa ater conhecimento e obedecer a seus postulados por influência da Igreja e por obra da razão (o direito natural).

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Pergunta-se: Existe um Poder Constituinte Municipal? Na lição de Uadi Lammêgo Bullos “Inexiste Poder Constituinte Municipal. O que há é uma competência legislativa, titularizada pela Câmara de Vereadores, cujo escopo é elaborar a lei orgânica do município . O mesmo raciocínio se faz para o Distrito Federal.

1.2. Poder Constituinte Originário

O poder capaz de editar a primeira ou uma nova constituição é chamado

Poder Constituinte Originário (Genuíno ou de 1º Grau). O Poder Constituinte

Originário é a expressão soberana da maioria de um povo em determinado

momento histórico, expressão (vontade) que pode ser manifestada por meio de

aceitação presumida do agente constituinte, por eleições (que geralmente

selecionam os membros de uma assembléia constituinte) ou mesmo por uma

revolução.

O Poder Constituinte Originário tem as seguintes características:

a) Inicial – trata-se de um poder de fato, pois não se funda em nenhum poder e não deriva de uma ordem jurídica que lhe seja anterior. É ele que inaugura uma ordem jurídica inédita.

b) Autônomo – não se subordina a nenhum outro poder.

c) Incondicionado – não se sujeita a condições nem a fórmulas jurídicas par sua manifestação. Ou seja, durante o seu exercício não se vincula a qualquer regra formal preestabelecida, pois ele as cria, a seu próprio modo.

d) Ilimitado – para os positivistas o poder constituinte originário não se subordina a nenhuma regra jurídica anterior, podendo desconsiderar de maneira absoluta o ordenamento constitucional preexistente, inclusive as cláusula pétreas. Todavia, para os jusnaturalistas, o poder constituinte originário encontra limites no direito natural, podendo ser:

Ideológicos – a nova constituição deve refletir a ideologia dominante, não podendo abrir mão de certos valores arraigados no âmago da sociedade a espelhar exigências do bem comum..

Institucional – deve-ser respeitar as instituições clássicas da sociedade.

Substanciais – são limites de conteúdo, podendo ser:

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1. Transcendentes – são os direitos fundamentais, decorrentes da natureza humana, de imperativos de direito natural, de valores éticos superiores, e de uma consciência coletiva.

2. Imanentes – decorrem da natureza do poder constituinte; ligam-se à configuração do Estado, à sua soberania etc. não se podendo distorcer a sua identidade. Ex: não se pode extinguir a soberania.

3. Heterônomos – a constituição deve assegurar o respeito à autonomia dos entes federados (limites heterônomos de direito interno), e ao ordenamento jurídico dos outros países (limites heterônomos de direito externo).

e) Permanente – por representar a vontade do povo, o poder constituinte originário é permanente, ou seja, não se esgota com a realização da constituição, pois seu titular pode, a qualquer momento, deliberar pela criação de outra ordem jurídica.

f) Extraordinário (invulgar) – a inauguração de uma nova ordem jurídica constitui fato incomum, embora o poder constituinte material permaneça latente em toda a existência do Estado, apto a emergir e a atualizar-se a qualquer instante.

1.3. Poder Constituinte Derivado

É visto sob duas óticas:

a) Poder constituinte reformador – é a possibilidade criada pelo constituinte originário, Congresso Nacional, de se alterar a constituição, através das emendas constitucionais.

b) Poder constituinte decorrente – é o poder no qual foram investidos os Estados para criarem sua constituição (arts. 25 da CF e 11 do ADCT).

Quando o Constituinte Originário exercita o poder de editar uma nova constituição, tem consciência de que, com o passar dos anos, haverá necessidade de modificações. Então, vislumbrando essa hipótese, a Assembléia Constituinte dispõe quando, por quem e de que maneira poderão ser feitas tais modificações, instituindo para tanto o Poder Constituinte Derivado.

O Poder Constituinte Derivado tem as seguintes características:

derivado: criado pelo poder originário e dele deriva;

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subordinado: sujeita-se a limitações de natureza material chamadas “cláusulas pétreas”;

condicionado: submete-se a condicionamentos formais.

Alguns autores distinguem a mutação da reforma constitucional. Mutação significa mudança na interpretação de texto que não sofreu alterações. Reforma significa a alteração, supressão ou inclusão de uma norma no corpo da Constituição por meio de emenda.

1.3.1. Poder Constituinte Derivado Decorrente

Além do Poder Constituinte Originário e do Poder Constituinte Derivado (ou Reformador), temos o Poder Constituinte Decorrente (artigo 11, caput, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Para alguns, aliás, o Poder Constituinte Decorrente é uma simples espécie do gênero Poder Constituinte Derivado, apresentando as mesmas limitações deste. Poder Constituinte Derivado Decorrente é o poder de que se acham investidos os Estados-membros de se auto-organizarem de acordo com suas próprias constituições (artigo 25 da Constituição Federal), respeitados os princípios constitucionais impostos (de forma explícita ou implícita) pelo Poder Constituinte Federal (originário ou derivado). O Distrito Federal também é um ente federativo autônomo regido por sua lei orgânica (artigo 32 da Constituição Federal). O Poder Legislativo do Distrito Federal chama-se Câmara Legislativa (o dos Estados-membros chama-se Assembléia Legislativa e o dos Municípios chama-se Câmara Municipal).

Os Municípios ganharam com a Constituição Federal de 1988 a capacidade de auto-organização. Regem-se e se organizam por meio das suas Leis Orgânicas Municipais, devendo observância à Constituição Federal e às Constituições Estaduais (artigo 11, parágrafo único, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Segundo alguns doutrinadores, a Lei Orgânica do Município é uma espécie de

Constituição e, portanto, é também manifestação do poder decorrente. Para

outros doutrinadores, o poder decorrente pertence somente aos Estados e ao

DF. (ver 1.1 parte final)

2. PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL (ARTIGO 60)

É o poder atribuído pelo poder constituinte originário a um órgão para alterar dispositivos da constituição nos limites por ele estabelecidos. O poder de reforma pode adaptar a constituição aos novos tempos, sem sacrificar sua estrutura essencial. Ainda, o poder de reforma pode ser exercido por meio de:

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a) Emendas pontuais – atingem dispositivos específicos da constituição.

b) Revisão – exigem-se formalidades menos rigorosas.

c) Mutação – o texto não é alterado formalmente, mas verificam-se mudanças na sua interpretação. É a alteração tácita.

Há quem admita a terminologia poder constituinte derivado (ou instituído), contudo, também existe corrente que não a aceita, pois reduzem o conceito de poder constituinte ao originário. O poder constituinte derivado seria o exercício da competência de reforma da constituição, ou seja, se é um poder derivado, é porque não é constituinte1.

Características:

a) Derivado – fundamenta-se no poder constituinte originário.

b) Subordinado – vincula-se ao poder constituinte originário.

c) Condicionado – existem limitações a serem observadas

2.1. Limites à Emenda Constitucional

O poder constituinte derivado tem os seguintes limites: 1) materiais; 2) circunstanciais; 3) procedimentais (ou formais); 4) temporais (para alguns); 5) implícitos. Quanto aos limites explícitos de reforma (os quatro primeiros), em especial os materiais, três teses principais procuram explicá-los:

a) São imprescindíveis, pois a função do constituinte derivado não é elaborar uma nova constituição, mas defendê-la, garantindo-lhe a identidade e a continuidade como um todo.

b) São ilegítimos, não havendo diferenças entre o constituinte originário e o derivado, já que ambos constituem expressão da soberania do Estado. Os limites materiais usurpam das gerações futuras a liberdade. Atualmente, menciona-se a Constituição da Índia, que declara expressamente não existir nenhum limite ao poder de reforma.

c) São válidos, mas as normas que o prevêem podem ser modificadas ou suprimidas pelo poder de reforma, admitindo-se, portanto, a dupla revisão. Ou seja, enquanto em vigor, as cláusulas devem ser cumpridas, mas como são normas constitucionais como quaisquer outras, podem ser objeto de emenda.

1 Kildare Gonçalves Carvalho usa um argumento final para descaracterizar o poder de reforma como constituinte: como admitir sua natureza constituinte se o poder de reforma é controlado por um poder constituído, o Judiciário, a quem cabe controlar a constitucionalidade de reforma da constituição?

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.

2.1.1. Limites procedimentais (ou formais)

a) Iniciativa (artigo 60, “caput”)

A Constituição poderá ser emendada mediante proposta de um terço (no mínimo) dos deputados federais ou um terço dos senadores, do Presidente da República, ou de mais da metade das Assembléias Legislativas. A iniciativa para os membros do Congresso Nacional é necessariamente coletiva, ou seja, para que uma proposta de emenda constitucional possa tramitar, deverá haver, no mínimo, assinatura de um terço dos deputados ou senadores. Não poderá haver iniciativa parlamentar individual. A única iniciativa individual é a do Presidente da República. As Assembléias Legislativas das unidades da Federação poderão apresentar um projeto de emenda constitucional se houver a adesão de, no mínimo, mais da metade delas. Em cada Assembléia Legislativa é necessário o quorum simples (maioria relativa) para adesão à proposta.

Resumindo:

A iniciativa do projeto pode ser (art. 60):

a) Coletiva – proposta de 1/3 dos deputados ou senadores. Vale lembrar que um único deputado ou senador não podem, por si só, apresentar projeto de emenda constitucional, devendo, portanto, a iniciativa ser coletiva.

b) Pessoal – proposta do Presidente da República.

c) Assembléia legislativa – é necessário, no mínimo, 14 assembléias (movimento corporativo). O RISF (regimento do senado) diz que esta proposta se inicia no senado (é a casa da federação), enquanto que a Câmara diz que nela se iniciará a proposta. As Assembléias manifestam-se por maioria relativa.

JOSÉ AFONSO DA SILVA2[1] admite a iniciativa popular também para projeto de emenda à Constituição Federal, posição que entretanto não está explicitada no art. 60 da CF (que define quem tem poder de iniciativa para uma emenda à Constituição).

b) Votação (artigo 60, § 2.º)

A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

2[1] Curso de Direito Constitucional Positivo, 2000, Malheiros 17ª edição, p. 64

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Observação: O poder anômalo de revisão, previsto no artigo 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, possibilitou alterações na Constituição Federal pelo quorum de maioria absoluta (voto favorável de mais da metade de todos os deputados e senadores, em sessão unicameral) e encerrou seus trabalhos em 1994, após a edição da Emenda Constitucional de Revisão n. 6. Trata-se, pois, de norma de eficácia exaurida.

c) Promulgação (artigo 60, § 3.º)

A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara e do Senado. Aprovada a emenda constitucional pelo Congresso, não irá para a sanção do Presidente da República.

2.1.2. Limites circunstanciais (artigo 60, § 1.º)

Durante a vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, o poder de reforma não poderá ser exercido. Essa limitação é chamada pela doutrina de limitação circunstancial, pois são circunstâncias que limitam o exercício do poder de reforma.

A norma constitucional decorrente do poder de reforma editada durante essas situações de anormalidade será inconstitucional.

2.1.3. Limites temporais (artigo 60, § 5.º)

A Constituição do Império (1824) instituía que o poder de reforma somente poderia ser exercido após quatro anos da vigência da Constituição. A Constituição Federal de 1988 não trouxe essa limitação temporal.

Vedam-se alterações durante certo tempo após a vigência da Constituição original. Para uns o § 5º do art. 60, ao estabelecer que a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa, pode ser considerado como limitação temporal. Uadi Lammêgo Bulos diz tratar-se de limitação procedimental.

.

2.1.4. Limites materiais

São limitações em razão da matéria, ou seja, a emenda constitucional não poderá dispor sobre determinadas matérias, que são aquelas previstas no § 4º do art. 60 (forma federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e periódico, separação de poderes e direitos e garantias individuais). São as chamadas cláusulas pétreas (cerne imodificável da Constituição).

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Conforme a própria redação daquele artigo, a emenda constitucional não pode ser tendente a abolir (suprimir) um daqueles preceitos, razão pela qual se conclui que a emenda constitucional pode, por exemplo, ampliá-los. Todavia, existe discussão em um ponto: se a emenda constitucional incluir um direito fundamental no art. 5º, por exemplo, pode esse direito ser excluído por outra emenda? Para parte da doutrina a exclusão é possível, porque a inclusão de cláusulas pétreas somente pode ser feita através do poder constituinte originário, pois do contrário as atividades de um poder de natureza transitória (a periodicidade dos mandatos dos agentes reformadores é cláusula pétrea) e limitada vinculariam as futuras gerações de legisladores (poder vinculante só concebido em favor do poder constituinte originário). Posição defendida por Fernando Capez, Ricardo Chimenti, Márcio Fernando Elias Rosa e Marisa Ferreira dos Santos.

No entanto, outros dizem ser impossível essa exclusão, pois ao incluir um direito no rol dos direitos fundamentais, ele adere a esse rol, e além disso, a possibilidade de exclusão criaria uma situação absurda, qual seja, dentre os direitos fundamentais existiram os realmente fundamentais (que não podem ser abolidos) e aqueles que não são tão fundamentais assim (que podem ser excluídos, pois lá constam em virtude de emenda).

Ainda conforme o próprio § 4º do art. 60, a emenda tendente a abolir uma das cláusulas pétreas não pode chegar a ser discutida (deliberada). Ou seja, a proibição não é em relação à aprovação da emenda, mas antes disso: ela não pode ser deliberada. Essa é uma das hipóteses autorizadoras do controle de constitucionalidade preventivo realizado pelo judiciário. Ou seja, tramitando uma proposta de emenda que fira cláusula pétrea, pode o parlamentar impetrar mandado de segurança para trancar sua tramitação, em virtude da inconstitucionalidade. Vale dizer que não se trata de Adin, pois esta não é cabível contra conteúdo de ato normativo em fase de formação.

Vejamos quais são as cláusulas pétreas:

Inciso I – refere-se à forma federativa de Estado, não se podendo transformar o Estado brasileiro em unitário, mesmo descentralizado. Trata-se da relação de verticalidade existente entre União, Estados e Municípios. Não se pode confundir com a separação de poderes, previstas no inciso III, que se refere à relação horizontal existente entre o Legislativo, Executivo e Judiciário.

Inciso II – não se admite emenda tendente a abolir o voto:

a) Direto – significa que toda eleição deve ser direta, ou seja, os eleitores escolhem o candidato sem intermediação. Nos EUA as eleições são indiretas, pois os eleitores votam num colégio, que elege o candidato.

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Exceção ao voto direto (art. 81) – o presidente, no Brasil, possui apenas um sucessor (que é o vice, que assumirá no caso de vaga do cargo) e vários substitutos (vice, presidente da câmara, do senado, presidente do STF, que assumirão em casos de impedimento). Havendo vacância dos cargos de presidente e vice, há nova eleição para completar o restante do mandato. Se esta dupla vacância ocorrer no primeiro biênio do mandato, a eleição será direta, tendo os eleitos mandatos próprios (mas apenas para cumprir o restante). Se a dupla vacância ocorrer no segundo biênio, a eleição será indireta, pois o presidente será escolhido pelo congresso nacional (§ 1º). O STF disse que esta regra não é de reprodução obrigatória nas constituições estaduais3.

b) Secreto – é a manifestação da liberdade de expressão. Como conseqüência, pode-se dizer que a cabine de votação não pode ser devassada pelas faculdades sensoriais, como a visão, por exemplo.

c) Universal – o voto é estendido a todos os nacionais, sem qualquer discriminação de qualquer natureza. A exigência de idade mínima para votar (16 anos) não é discriminatória, já que a regra do voto universal pode sofrer restrições dessa ordem, pois o constituinte entendeu que o menor de 16 não tem maturidade para votar, além de esta regra ser extensível a todos os menores.

d) Periódico – significa que todos têm o direito de dar um veredicto nas urnas no sentido de dizer se querem ou não continuar com determinado governante. O caráter da periodicidade do voto impede que haja investidura constitucional vitalícia.

Obrigatoriedade do voto – a obrigatoriedade do voto é uma regra constitucional (art. 14), mas que pode ser alterada (ou suprimida) por emenda constitucional, já que a cláusula pétrea (art. 60, § 4º, II) incide apenas sobre o voto direto, secreto, universal e periódico. É a aplicação do princípio “inclusio unios, alterios exclusio”, ou seja, se existem dois, e somente um é incluído, significa que o outro foi excluído (se somente foi incluída a proibição em relação ao voto direto, secreto, universal e periódico, significa que a obrigatoriedade foi excluída da proibição).

3 “O Estado-membro dispõe de competência para disciplinar o processo de escolha, por sua Assembléia Legislativa, do Governador e do Vice-Governador do Estado, nas hipóteses em que se verificar a dupla vacância desses cargos nos últimos dois anos do período governamental. Essa competência legislativa do Estado-membro decorre da capacidade de autogoverno que lhe outorgou a própria Constituição da República. As condições de elegibilidade (CF, art. 14, § 3º) e as hipóteses de inelegibilidade (CF, art. 14, § 4º a 8º), inclusive aquelas decorrentes de legislação complementar (CF, art. 14, § 9º), aplicam-se de pleno direito, independentemente de sua expressa previsão na lei local, à eleição indireta para Governadore Vice-Governador do Estado, realizada pela Assembléia Legislativa em caso de dupla vacância desses cargos executivos no último biênio do período de governo”. (ADI 1.057-MC)

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Inciso III – não se admite proposta tendente a abolir a separação dos poderes.

Inciso IV – não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e as garantias individuais. Apesar de o dispositivo falar apenas em direito individual, também está incluída a proibição de serem suprimidos direitos coletivos. Não há aplicação do princípio inclusio unios, alterios exclusios, mas sim o raciocínio a fortiori (ou seja, com mais razão). Vale dizer, se há proibição em relação aos direitos individuais, também existe a proibição, com mais razão, em relação aos direitos coletivos, que é a união de todos os direitos individuais. Sendo assim, todo o art. 5º está protegido pela cláusula pétrea. Vejamos outras questões quanto aos direitos e garantias individuais:

a) Direitos sociais (art. 7º) – o título II da CF estabeleceu, no capítulo I, os direitos individuais e coletivos, enquanto que, no capítulo II estão os direitos sociais. Nesse sentido, diz o professor Cássio que apenas o capítulo I está protegido pela cláusula pétrea, podendo EC alterar os direitos sociais, o que, inclusive, já ocorreu (EC 28, que alterou o art. 7º, XXIX). É a aplicação do inclusio unios. O STF ainda não se posicionou, pois nenhuma questão a ele não foi levada. Kildare Gonçalves admite a proteção dos direito sociais, pois eles estão incluídos, numa relação de continência, nos direitos individuais, pois também estão contidos no título II (garantias fundamentais).

b) Direitos individuais fora do art. 5º – existe direito individual fora do art. 5º e protegido pela cláusula pétrea. Inclusive, esta é a posição do STF. Isso ocorreu com a EC 3/93, que autorizou a criação de um imposto e que sua cobrança não se submetia à proibição do art. 150, III, “b”, afastando a anterioridade. O STF entendeu que o princípio da anterioridade é direito individual, protegido pela cláusula pétrea, declarando inconstitucional aquela emenda. O princípio da anterioridade é cláusula pétrea muito embora não esteja no art. 5º, pois não se trata de matéria para ser tratada naquele dispositivo4.

c) Pena de morte – não é uma proibição absoluta, pois a CF a permite em hipóteses de guerra declarada na forma do art. 84. Não basta o mero estado de guerra, mas deve ser declarada pelo Presidente da República (art. 84, XIX), ou seja, é uma formalização jurídica no caso de agressão estrangeira. Trata-se de ato composto, pois necessita de autorização do Congresso Nacional, que pode ser dispensada em certos casos (ex: recesso). Para a aplicação da pena de morte, necessário que, por se tratar

4 “A EC 3/93, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no § 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, b e VI’, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da anterioridade, que é garantia ‘individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV e art. 150, III, b da Constituição)”. (ADI 939)

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de pena, esteja prevista em lei anterior. A lei que prevê pena de morte é o código penal militar, como por exemplo, o art. 364, cuja execução se dará mediante fuzilamento. Ainda em relação à pena de morte, vale dizer que por emenda constitucional não é possível sua ampliação a outros casos, além da guerra declarada.

Considerações finais

a) Teoria da dupla revisão – não se aplica no sistema constitucional instaurado a partir de 1988. Esta teoria permite, em primeiro lugar, se revogar uma cláusula pétrea, para, em seguida, modificar aquilo que a cláusula pétrea protegia. A dupla revisão é um limite implícito (ou decorrente).

b) Direito aquirido – não cabe a invocação de direito adquirido em face do Poder Constituinte Originário (art. 17 do ADCT), todavia, quanto ao Poder Constituinte Derivado, há de se observar que o inciso XXXVI do art. 5º traduz garantia individual, daí estar protegido como cláusula pétrea. Todavia, alguns entendem que não se pode invocar o direito adquirido caso o prejuízo seja decorrente de emenda constitucional, argumentando que o constituinte vedou apenas que a lei nova prejudique o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

c) Alteração de cláusula pétrea via emenda – existem entendimentos no sentido da possibilidade, desde que a alteração seja aprovada em consulta popular prévia (plebiscito). Quem defende a possibilidade toma por fundamento o princípio da soberania popular e relembra que os cidadãos são os titulares do poder (arts. 1º, parágrafo único, e 14 da CF). Outros dizem que o art. 60, § 4º não fez qualquer exceção às cláusulas pétreas, e destacam que o exercício do poder originário por uma só emenda gera riscos de casuísmos incompatíveis com uma sociedade democrática, ou seja, as cláusulas pétreas somente devem ser alteradas após amplo debate nacional sobre todo o sistema constitucional do país, em típico exercício de poder originário.

d) Imputabilidade penal (art. 228) – podemos destacar duas correntes:

Para uns, o art. 228 da CF é direito individual análogo, ou seja, é aquele que, embora não esteja previsto no art. 5º, também é abarcado pela cláusula pétrea (art. 60, IV). Foi o que ocorreu com o princípio da anterioridade tributária, no qual o STF disse ser cláusula pétrea, pois se tratava de direito individual.

Para outros, pelo fato de os princípios do direito penal e do processo penal estarem no art. 5º, a regra do art. 228 também poderia lá estar, o que vedaria qualquer discussão em relação à sua alteração via EC.

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Sendo assim, como o constituinte originário não quis colocá-lo no art. 5º, a regra do art. 228 não ficou engessada, podendo ser alterada por EC. Dizem ainda que não se pode utilizar o argumento do princípio da anterioridade, já que esta regra (princípios tributários) não é cabível no art. 5º, enquanto que o conteúdo do art. 228 é perfeitamente enquadrável no rol do art. 5º.

e) Tratados internacionais sobre direitos humanos (art. 5º, § 3º) – esta regra foi acrescentada pela EC 45. O STF entende que os tratados internacionais, quando ratificados, entram em nosso ordenamento como norma infraconstitucional. A nova regra do § 3º corrobora tal entendimento, pois diz que se o tratado sobre direitos humanos for aprovado por maioria simples, continuará sendo norma infraconstitucional. Entretanto, se este mesmo tratado sobre direitos humanos for aprovado com o mesmo sistema das EC (3/5 em dois turnos em cada casa do CN), será ele tido como emenda constitucional. Essa regra não é automática em relação aos tratados sobre direitos humanos já em vigor, mas pode o Congresso reapreciar tais tratados e, sendo eles aprovados com 3/5 dos votos em dois turnos, serão considerados emendas constitucionais.

2.2. Revisão Constitucional

Não há unanimidade na doutrina brasileira quanto aos termos reforma, revisão e emenda à constituição. Mas parecer prevalecer o entendimento de que reforma é gênero do qual são espécies a revisão e a emenda. Assim, a revisão (poder revisional ou poder constituinte derivado revisional) foi previsto no art. 3º do ADCT, que permitiu uma revisão da CF após 5 anos da sua publicação, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral (a CF podia ser alterada de forma mais simplificada, com sistema diverso da emenda ordinária).

O art. 3º não pode ser lido sozinho, pois ele não nos esclarece em que oportunidade será realizada a revisão e por qual motivo. Deve-se observar, portanto, o art. 2º, que diz que no dia 07/09/93 o eleitorado definirá a forma e sistema de governos. Sendo assim, conclui-se que a instalação da assembléia revisional estava condicionada ao resultado do plebiscito, ou seja, mantido o presidencialismo e a república, a assembléia não se instalaria. Por outro lado, se o resultado do plebiscito fosse para alterar a forma e sistema de governo, cabível seria a revisão do texto constitucional.

Contudo, não foi essa a tese que prevaleceu, pois o resultado do plebiscito foi mantenedor, mas mesmo assim foi instalada a assembléia revisional, o que fez com que a questão fosse parar no STF, que decidiu politicamente, dizendo que a assembléia deveria continuar nos trabalhos, já que o art. 3º disse que “será realizada”. Também havia aqueles que entendiam que a revisão poderia alterar

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toda a constituição, ultrapassando inclusive as cláusulas pétreas. Contudo, o Regimento Interno da Assembléia Revisora vedou emendas que incidissem no cerne imutável.

Esse poder revisional não se submetia aos condicionantes formais exigidos às emendas constitucionais (3/5 em dois turnos etc.), necessitando apenas da maioria absoluta dos membros do Congresso, em sessão unicameral. Entretanto, a revisão estava limitada aos condicionantes materiais (cláusulas pétreas).

Entre 05/10/88 e 05/10/93 (5 anos) não havia qualquer proibição para que o CN utilizasse o poder reformador (procedimento ordinário das emendas), tanto é verdade que foram criadas 04 emendas nesse período (EC nº 1 a 4). Com a instalação da assembléia revisional, que foi encerrada em 07/06/94, foram editadas 6 emendas constitucionais revisionais (nº 1 a 6), e durante a assembléia de revisão não poderia ser exercido o poder reformador. Com o fim da assembléia revisional o CN estava autorizado a continuar editando emendas ordinárias (poder reformador), sendo que o número de emendas continuaria do 05 e não do 07. Por isso, para sabermos quantas emendas constitucionais existem no Brasil, necessário saber qual é o número atual de emendas ordinárias e adicionar 6 (seis), que são as de revisão.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Como se classificam as normas constitucionais quanto a sua eficácia?

2. Quais as principais características do Poder Constituinte Originário e do

Poder Constituinte Derivado?

3. Há limites ao exercício do Poder Reformador na Constituição Federal? Justifique.

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4. O que vem a ser o fenômeno da recepção? E da repristinação?

5. Discorra sobre a teoria da desconstitucionalização.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO V

DIREITO CONSTITUCIONALDireitos e Garantias Fundamentais

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Rua: da Glória, nº. 195 – Liberdade – São Paulo – SP – Cep: 01510-001Tel./ Fax: (11) 3164.6606 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Direitos e Garantias Fundamentais

Prof. Clever Vasconcelos

1. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

1.1. Direitos Individuais

Os direitos individuais, entendidos como inerentes ao homem e oponíveis ao Estado, surgiram em fins do século XVIII, com as declarações de direitos na França, de 1789, e nos Estados Unidos. Direitos fundamentais são os que visam tutelar valores básicos e fundamentais da pessoa humana. Segundo Canotilho, os direitos fundamentais são os que passam por um processo de fundamentalização, podendo ser entendidos como:

a) Direitos fundamentais formalmente constitucionais – são os enunciados e protegidos por normas com valor constitucional formal.

b) Direitos materialmente fundamentais – são os que a constituição admite como fundamentais, constantes de lei e das regras aplicáveis do direito internacional..

Assim, o só fato de o direito fundamental estar previsto na constituição já lhe garante a classificação de constitucional, ainda que não tenha a natureza intrínseca de fundamental (serão, portanto, apenas formalmente constitucional). Por outro lado, há outros direitos que além de revestirem a forma constitucional (estão na CF), devem considerar-se materiais quando à sua natureza intrínseca (serão direitos formal e materialmente constitucionais).

José Afonso da Silva anota que a expressão “direitos fundamentais do homem” são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Quanto à natureza jurídica dessas normas, afirma ser direitos constitucionais, pois constam da constituição. São direitos que nascem e se fundamentam no princípio da soberania popular.

A doutrina aponta diversas expressões para designar os direitos fundamentais:

Liberdades públicas

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Direitos humanos (inclusive foi utilizado pela EC 45 em relação aos tratados)

Direitos públicos subjetivos

Direitos do homem

São características dos direitos fundamentais:

a) Universalidade – os direitos fundamentais são aplicados a todos, ou seja, de forma universal. Todos estão protegidos pelos direitos fundamentais, não sendo, portanto, circunscrito a uma classe ou categoria de pessoas.

b) Inerência – os direitos humanos são inerentes a cada pessoa, pelo simples fato de existir, o que decorre do fundamento jusnaturalista racional adotado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.

c) Historicidade – os direitos fundamentais se formam no decorrer da história, tendo sua origem no Cristianismo e evoluíram de acordo com as condições concretas que se apresentaram ao longo da história. Tanto é assim que hoje já se classificam os direitos fundamentais segundo as suas gerações.

d) Limitabilidade – não existe direito absoluto, ou seja, os direitos fundamentais podem ser limitados, inclusive o direito à vida. Assim, dois direitos fundamentais podem chocar-se, hipótese em que o exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção de outro, exigindo-se, assim, um regime de cedência recíproca (ex: direito de propriedade e desapropriação; o direito à vida privada e direito à informação jornalística). Um direito fundamental pode ser limitado de três formas:

Um direito fundamental somente pode ser limitado por outro direito fundamental. Essa é a regra.

Excepcionalmente, um direito fundamental pode ser limitado por lei infraconstitucional. Isso se dá nos casos das normas constitucionais de eficácia contida, nas quais há expressa permissão à limitação (cláusula expressa de redutibilidade).

Norma constitucional somente pode limitar direito fundamental (que também é instituído por norma constitucional) se ela for decorrente do poder constituinte originário. Se decorrente de poder constituinte derivado (emenda constitucional), a limitação é inconstitucional. Vale dizer: somente existe norma constitucional inconstitucional decorrente de poder constituinte derivado.

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e) Cumulatividade (ou concorrência) – os direitos fundamentais são cumuláveis, ou seja, para se exercer um direito fundamental, não é preciso abrir não de outro. Uma mesma pessoa pode acumular vários direitos fundamentais.

f) Irrevogabilidade – os direitos humanos não podem ser revogados nem por EC. Existe, todavia, uma divergência: para uns, se determinado direito fundamental foi introduzido por emenda (ex: celeridade processual, trazida pela emenda 45), ele também pode ser revogado por emenda; para outros, isso é impossível.

g) Indisponibilidade (ou irrenunciabilidade) – o indivíduo não pode abrir mão de seu direito, ou seja, ainda que o indivíduo não queira, o Estado tutela o seu direito. Isso é o que fundamenta, por exemplo, o art. 146, § 3º do CP1, a eutanásia etc. Pode ocorrer de o indivíduo não exercer o direito em determinado momento, mas ele não pode renunciar ao direito.

h) Inalienabilidade – como são conferidos a todos, são indisponíveis, não se pode aliená-los por não terem conteúdo econômico-patrimonial.

i) Imprescritibilidade – a prescrição só atinge a exigibilidade dos direitos patrimoniais, não a exigibilidade dos direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Os direitos fundamentais são sempre exercíveis e exercidos, não havendo incoerência temporal de não-exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.

Tais características mostram que os direitos fundamentais não são somente aqueles enumerados no art. 5º da CF. Assim, por exemplo, o direito à anterioridade tributária, apesar de constar do art. 150, III, “b”, por preencher todas as características acima enumeradas, tem natureza de direito fundamental (STF – ADI 939). Carlos Weis também coloca as seguintes características:

a) Indivisibilidade e interdependência – pelo primeiro, busca-se garantir a dignidade do ser humano, não havendo meio-termo: só há vida verdadeiramente digna se os demais direitos forem respeitados (sejam civis, políticos etc.). Pela interdependência, um direito só alcança a eficácia plena com a realização simultânea de alguns ou de outros direitos.

b) Transnacionalidade – os direitos fundamentais são reconhecidos e protegidos em todos os Estados, independentemente da nacionalidade,

1 Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio.

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embora haja variações quanto à enumeração desses direitos, bem como a forma de protegê-los.

Abrangência

Os direitos e garantias fundamentais compreendem:

a) Direitos e deveres individuais e coletivos.

b) Direitos sociais.

c) Direitos da nacionalidade.

d) Direitos políticos

e) Partidos políticos.

Há quem reconheça na Constituição os direitos econômicos, que, contidos em normas de conteúdo econômico, visam proporcionar a realização dos demais direitos humanos, por meio de uma política econômica (ex: planejamento de metas e de financiamento para a consecução do pleno emprego). Assim, os direitos econômicos envolvem normas protetoras dos interesses individuais, coletivos e difusos2.

Parte da doutrina tem reconhecido ainda os direitos republicanos, entendidos como os direitos que todo cidadão tem a que o patrimônio público, histórico-cultural, ambiental ou econômico seja efetivamente público, isto é, de todos e para todos, evitando-se a apropriação privada do Estado ou sua captura por particulares. Embora sejam direitos coletivos, os direitos republicanos são também individuais, fazendo parte de cada um.

1.1.1. Direitos individuais homogêneos

Nos termos do artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, são aqueles que pertencem a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

1.1.2. Direitos coletivos

Direitos transindividuais ou metaindividuais que pertencem a vários titulares que se vinculam juridicamente, ou, segundo entendimento de Ada Pellegrini Grinover, que possuem uma relação jurídica base (exemplos:

2 Os direitos econômicos se classificariam em: direito ao meio ambiente, direito do consumidor, função social da propriedade rural e urbana, transporte (como meio de circulação de mercadorias), pleno emprego (direito ao trabalho) e outras normas caracterizadoras de direitos sócias, individuais e coletivos.

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condôminos, sindicalistas etc.).

1.1.3. Direitos difusos

São direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato (exemplos: usuários de uma praia, consumidores etc.)

O conceito de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é encontrado no artigo 81, parágrafo único, incisos I, II e III, da Lei n. 8.078/90.

1.2. Direitos Sociais

Os direitos sociais genericamente referidos no artigo 6.º da Constituição Federal estão espalhados por toda a Constituição, em especial nos artigos 7.º, 193 e 230.

Direitos sociais são direitos coletivos e não direitos individuais, embora algumas vezes possam ocupar as duas posições. Por isso, em regra são passíveis de modificação por emenda constitucional (apenas os direitos e garantias individuais estão previstos como cláusula pétrea).

Nos termos do artigo 6.º da Constituição Federal, são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia (Emenda Constitucional n. 26/00), o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, nos termos da Carta Magna.

1.3. Direito de Nacionalidade

Direito que tem o indivíduo de manter um vínculo jurídico com o Estado, de pertencer ao povo de um Estado e, em conseqüência, receber proteção deste.

1.4. Direito de Cidadania

Prerrogativa que tem o indivíduo de participar da tomada de decisão política do Estado (exemplos: direito de votar, de participar de plebiscito, de ingressar com uma ação popular etc.).

1.5. Direito de Organizar e Participar de Partido Político

Tem o objetivo de ascender ao poder, ou seja, de levar à sociedade a sua forma de administrar o Estado.

1.6. Observações

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Além dos Direitos Fundamentais expressos na Constituição Federal, admitem-se outros não explicitados, mas que decorrem dos princípios adotados pela Lei Fundamental.

1.7. Tratados Internacionais

O pacto entre duas ou mais nações normalmente é denominado Tratado.

No Brasil compete ao Presidente da República celebrar tratados internacionais e submetê-los ao referendo do Congresso Nacional (artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII, ambos da Constituição Federal). Assim, a assunção de um compromisso externo depende da vontade conjugada dos dois poderes políticos (Executivo e Legislativo).

Uma mensagem do Presidente da República, acompanhada da proposta de tratado, é encaminhada ao Congresso Nacional e lá pode ser aprovada (via decreto legislativo aprovado por maioria simples e promulgado pelo presidente do Senado Federal, que o faz publicar no Diário Oficial da União) ou rejeitada. Por fim, é necessária a promulgação e publicação por decreto do Presidente da República (é o decreto presidencial que dá força executiva ao tratado).

De acordo com a Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais, sobrepondo-se às normas infraconstitucionais, mas devendo respeito às cláusulas pétreas. Os demais tratados têm força de lei ordinária.

Antes mesmo da Emenda Constitucional 45/2004, parte da doutrina já sustentava tese diversa, afirmando que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ingressam em nosso ordenamento jurídico nacional com força de norma constitucional. A respeito do tema merece destaque o trabalho de Flávia Piovesan3.

1.8. Direitos Humanos e gerações.

Por direitos humanos (ou direitos do homem) hão de se entender as prerrogativas inerentes à dignidade da espécie humana e que são reconhecidas na ordem constitucional. Os direitos do cidadão, por sua vez, são inerentes à possibilidade de um homem participar dos negócios jurídicos de uma sociedade politicamente organizada, ter voz ativa nos destinos do Estado.

A doutrina classifica os direitos humanos em direitos de primeira, segunda e terceira gerações, já havendo autores que encontraram uma quarta geração. O critério utilizado é o lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e 3 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996.

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fraternidade). A classificação apenas facilita o estudo da matéria, mas não a esgota, porque novos direitos vão se somando aos já conquistados, numa demonstração da dinâmica social com reflexos no direito (característica da historicidade).

Devemos adotar o entendimento do STF (MS 22.164), que é utilizado como parâmetro para a doutrina e para a jurisprudência. Para o STF, existem três gerações de direitos fundamentais:

a) Direitos de 1ª geração (tutela dos direito da liberdade) – envolve uma não atuação do Estado. A partir dos direitos de 1ª geração surgiram os direitos civis e políticos. Trata-se do respeito pelo Estado aos direitos do indivíduo. São liberdades públicas negativas, que limitam o poder do Estado, de modo a não interferir na esfera individual (ex: direito à vida e à intimidade), também chamadas de liberdades clássicas ou formais.

b) Direitos de 2ª geração (tutela dos direitos de igualdade) – ou seja, fundamenta-se na igualdade. Os direitos fundamentais de segunda geração (ou direitos sociais, econômicos e culturais) impõem ao Estado o fornecimento de prestações destinadas ao cumprimento da igualdade e redução dos problemas sociais. Dá-se ao indivíduo direito subjetivo de exigir do Estado prestações positivas, também chamadas de liberdades reais ou concretas, como o direito subjetivo de assistência à saúde, independentemente de regulamentação por norma infraconstitucional. Os direitos à assistência social e à educação também estão incluídos entre os de segunda geração.

c) Direitos de 3ª geração (tutela dos direito de fraternidade ou coletivos) – fundamenta-se na solidariedade, pois não mais se pensa apenas no indivíduo, mas sim na coletividade (é a proteção do corpo social, do gênero humano). A doutrina aponta os direitos de fraternidade e solidariedade. A maioria da doutrina (e o STF) coloca aqui os direitos difusos e coletivos, mas o professor Vidal Serrano Junior discorda, pois o que define os direitos difusos e coletivos não é o momento em que surgem, mas sim a natureza da proteção. Segundo o STF, o bem ambiental, por ser difuso, é de 3ª geração (MS 22.164).

Existem posições isoladas dizendo que existe uma quarta geração dos direitos fundamentais4. Vejamos as duas posições:

4 Há ainda quem defenda uma quinta geração de direitos humanos: seriam direitos ainda a serem desenvolvidos e articulados, mas que tratam do cuidado, compaixão e amor por todas as formas de vida, reconhecendo-se que a segurança humana não pode ser plenamente realizada se não começarmos a ver o indivíduo como parte carente dos cosmos e carente de sentimentos de amor e cuidado.

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a) Paulo Bonavides – diz que os direitos de quarta geração possuem origem na globalização do Estado neoliberal. A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, segundo ele, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. São direitos de quarta geração o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.

b) Noberto Bobbio – para ele são direitos de quarta geração aqueles referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.

O reconhecimento de gerações de direitos não deve levar ao entendimento de que as categorias de direitos humanos se excluem. Ao contrário, elas se interagem e se complementam. Por isso, os direitos humanos são indivisíveis, pois eles são inerentes e convergentes para a pessoa humana, e a realização plena, por exemplo, dos direitos civis e políticos é impossível sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais.

1.9. Diferença Entre Direito e Garantia

A expressão “direitos e garantias fundamentais” do Título II da CF deixa clara a existência de institutos diversos, cada um com sentido próprio. Vejamos:

a) Direitos – são dispositivos declaratórios que imprimem existência ao direito reconhecido.

b) Garantias – são elementos assecuratórios, ou seja, são dispositivos que asseguram o exercício dos direitos, e ao mesmo tempo, limitam os poderes do Estado. Expressam-se nos enunciados de direitos, zelando por sua concretização.

c) Remédios (ou writs – ordens judiciais) – são instrumentos de caráter processual que podem ser utilizados quando a garantia se mostra ineficaz. É o caso do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, ação popular etc.

Segundo a doutrina, em todos os incisos do art. 5º encontramos os seguintes dispositivos: os que veiculam direitos, os que veiculam garantias, os que instituem o direito e a garantia correlata no mesmo inciso e os que veiculam os remédios. Assim, para melhor compreensão da distinção, vejamos os seguintes exemplos:

a) A liberdade de religião é um direito; o exercício deste direito é assegurado pela proteção aos locais de culto e suas liturgias (essa é a garantia do direito). Ainda, no art. 5º, IX, está expresso ser livre a expressão da

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atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (direito), independentemente de censura ou licença (garantia).

b) Art. 5º, LXI – ninguém será preso, salvo flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (direito de liberdade e de locomoção); de acordo com os incisos LXII e LXV, toda prisão que se execute deve ser comunicada ao Estado-Juiz, e a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (estas são as garantias do direito de liberdade). Caso tais garantias se mostrem ineficaz, utiliza-se o habeas corpus, que é o remédio.

Paulo Bonavides faz ainda a distinção entre:

a) Garantia institucional – é a proteção que a constituição confere a algumas instituições, cuja importância reconhece fundamental para a sociedade (ex: separação de poderes, funcionalismo público), bem como a certos direitos fundamentais providos de um componente institucional que os caracteriza (ex: direito de constituir família, ligado à proteção da família como instituição).

b) Garantia constitucional – é a garantia que disciplina e tutela o exercício dos direitos fundamentais, ao mesmo passo que rege, com proteção adequada, nos limites da constituição, o funcionamento de todas as instituições existentes no Estado.

Contudo, conforme leciona Walber de Moura Agra (Manual de Direito Constitucional, RT, p. 203), “As garantias constitucionais não se reduzem apenas às ações contidas na Constituição, como o mandado de segurança, a ação coletiva etc., com caráter nitidamente processual – elas também se expressam nos enunciados de direitos, zelando pela sua concretização. Podemos citar, como exemplo, o direito de liberdade de religião, que é assegurado pela proteção aos locais de culto e sua liturgia; a liberdade de expressão, que é assegurada pela proibição de censura ou licença”.

1.10. Destinatário

Nos termos do art. 5º, caput, os destinatários dos direitos fundamentais, segundo uma interpretação literal, são os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Todavia, essa interpretação não deve ser feita, pois chegaríamos à conclusão de que os brasileiros e estrangeiros não residentes não teriam proteção dos direitos fundamentais, o que não é correto. Ou seja, há uma limitação dos direitos aos estrangeiros residentes no País, mas é óbvio que os estrangeiros não domiciliados no Brasil também têm a garantia de inviolabilidade de seus direitos fundamentais.

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O que a CF disse é que ela só pode assegurar validade e gozo dos direitos fundamentais dentro do nosso território. Ou seja, o que determina se a pessoa tem ou não direito fundamental é o fato de o direito ser ou não exercitável em nosso território (há uma idéia de soberania, e não de nacionalidade ou residência). O STF já se manifestou nesse sentido, fixando a seguinte interpretação para a redação do caput do art. 5º:

“o qualificativo ‘residentes no País’ não é qualificativo do substantivo ‘estrangeiro’ e sim do sujeito composto ‘brasileiros e estrangeiros’. Desse modo, significa que a Constituição Federal assegura o exercício daqueles direitos, indistintamente, a brasileiros e estrangeiros nos limites da nossa soberania”.

O art. 5º destina-se principalmente às pessoas físicas, mas as pessoas jurídicas também são beneficiárias de muitos dos direitos e garantias ali arrolados (ex: princípio da isonomia, da legalidade, direito de resposta etc.). As empresas de capital estrangeiro, incluindo as multinacionais, podem sofrer tratamento diferenciado em favor de brasileiros e empresas nacionais, nos termos do art. 176, § 1º.

Quase-pessoas jurídicas – são coletividades despersonalizadas dotadas de estrutura orgânica (ex: câmara dos deputados, assembléias legislativas, senado) ou núcleos patrimoniais que gozam da capacidade processual, ativa e passiva, mas sem personalidade jurídica (ex: massa falida, espólio). Essas quase-pessoas jurídicas, embora sem personalidade, podem titularizar direitos e obrigações. Dessa forma, são também destinatários de alguns dos direitos e garantias fundamentais. São denominadas de partes formais.

1.11. Aplicabilidade e Interpretação

São dois os princípios que devem ser observados quando se trata da interpretação das normas constitucionais de direitos e garantias fundamentais:

serão interpretadas de forma ampla, extensiva, para abranger o maior número possível de sujeitos e de situações;

as normas excepcionadoras de direitos e garantias devem ser interpretadas restritivamente.

Este dispositivo diz que os direitos fundamentais possuem aplicação imediata. Vale dizer que esta é a regra, pois nem sempre os incisos do art. 5º têm aplicação imediata, pois somente aplicar-se-ão imediatamente os direitos e garantias que não estiverem obstaculizados por uma determinação legislativa posterior ou por uma menção explícita à lei. Ou seja, em princípio, as normas definidoras de direitos fundamentais possuem aplicação imediata, com exceção

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daquelas normas constitucionais de eficácia limitada, que dependem de lei para entrarem em pleno vigor.

Vale dizer, ainda, que os direitos e garantias fundamentais constituem o chamado núcleo constitucional intangível ou imodificável, uma vez que há uma limitação material explícita ao poder constituinte derivado de reforma (art. 60, § 4º, IV). Assim, só podem ser ampliados; do contrário, serão imodificáveis.

1.12. Artigo 5º, § 4º

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.

Foi acrescentado pela EC 45, que reconhece e submete o Brasil ao Tribunal Penal Internacional (com sede em Haia, na Holanda), trazido pelo Estatuto de Roma, promulgado pelo decreto 4.388/02. Este tribunal possui a competência, nos termos do art. 5º do estatuto, para julgar crimes contra a humanidade, genocídio e crimes de guerra, cometidos a partir de 1/07/2002, por pessoas dos países-membros ou que tenham cometido crimes nos Estados participantes.

A competência do Tribunal Penal Internacional é subsidiária, ou seja, ela somente prevalecerá caso o país onde o crime ocorreu não consiga julgá-lo, remetendo-o, neste caso, ao Tribunal. O reconhecimento deste Tribunal trouxe alguns problemas para o direito, como os seguintes:

a) O Estatuto de Roma prevê a aplicação de pena de prisão perpétua, o que é vedado por nossa constituição. Sendo assim, podemos dizer que o tratado firmado pelo Brasil tem força de lei infraconstitucional, razão pela qual não revogou a proibição de prisão perpétua. Mesmo que o tratado tivesse entrado como emenda constitucional, ainda assim prevaleceria a proibição de prisão perpétua, pois esta garantia é cláusula pétrea.

b) O Tribunal Penal Internacional prevê a entrega de nacionais natos, mas o Brasil veda a extradição de brasileiro nacional nato (art. 5º, LI). O problema se complica ainda mais quando o art. 112 do estatuto faz distinção entre extradição (entrega de um indivíduo a outro país, para que seja julgado por crime lá cometido) e entrega (apenas entrega-se o indivíduo ao Tribunal). Sendo assim, surgiu a pergunta: a proibição de extradição também se estende à entrega? Uns dizem que sim e outros dizem que não.

1.13. Suspensão (artigos 136, § 1.º, 138 e 139)

Nossa constituição deu enorme relevância aos direitos e garantias fundamentais, assegurando-os de maneira quase absoluta. No entanto, há

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situações em que o próprio constituinte autorizou exceção ao Estado Democrático de Direito (estado de normalidade constitucional). Fundamentalmente, são três as situações:

a) Intervenção federal (art. 34).

b) Estado de defesa (art. 136).

c) Estado de sítio (art. 137).

Não devemos nos esquecer que, no tocante às imunidades parlamentares, nos termos do art. 53, § 8º da CF, elas “subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.

1.13.1. Estado de defesa

Pode ser decretado sempre que houver instabilidade das instituições democráticas ou calamidade pública. Os direitos que podem ser suspensos são aqueles previstos no artigo 136, § 1.º, incisos I e II, da Constituição Federal. Para a decretação do estado de defesa, o Presidente da República não precisa de autorização prévia do Congresso Nacional, embora a subsistência da medida dependa do referendo deste.

1.13.2. Estado de sítio

Pode ser decretado em duas situações, previstas no artigo 137, incisos I e II, da Constituição Federal:

comoção grave de repercussão nacional ou se o estado de defesa se mostrou ineficaz para resolver o problema. Os direitos que podem ser excepcionados, nesse caso, estão previstos no artigo 139;

guerra externa ou resposta à agressão armada estrangeira. Todos os direitos estão sujeitos à restrição, inclusive o direito à vida (exemplo: em caso de guerra externa, pode-se aplicar pena de morte).

1.14. Limitação Material ao Poder de Reforma (artigo 60, § 4.º)

O artigo 60, em seu § 4.º, coloca limites para a reforma da Constituição Federal. Algumas matérias não se sujeitam à modificação por emenda. Somente o constituinte originário poderia modificar essas cláusulas, chamadas cláusulas pétreas.

Não estão sujeitos à emenda os direitos e garantias individuais previstos no artigo 5.º.

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1.15. Eficácia Horizontal Dos Direitos Fundamentais.

Os direitos fundamentais têm eficácia vertical, ou seja, são oponíveis contra o Estado, como direitos de defesa individual perante o arbítrio de poder. A eficácia horizontal é a que diz respeito às relações entre particulares. Pergunta-se: estariam os particulares ou as entidades privadas vinculadas aos direitos fundamentais5? A posição tradicional nega relevância aos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois aqueles são específicos das relações entre o indivíduo e o Estado (contudo, não se exclui a proteção dos direitos individuais, mas esta ocorre no âmbito do direito privado ou do direito penal). A doutrina da ineficácia horizontal é chamada de doutrina do state action, sustentada nos EUA (salvo a 13ª EC, que aboliu a escravidão).

Contudo, modernamente entende-se que não é apenas o Estado que pode ameaçar os direitos fundamentais, mas também outros cidadãos nas relações horizontais entre si. O Estado, portanto, se obriga não apenas a observar os direitos fundamentais, em face das investidas do Poder Público, mas também a garanti-los contra agressões propiciadas por terceiros. Assim, quanto maior for a desigualdade (fática entre as partes), mais intensa será a proteção do direito fundamental, e menor a autonomia privada. Por outro lado, havendo grande igualdade entre as partes, a autonomia privada prevalece, abrindo espaço para restrições mais profundas ao direito fundamental com ela em conflito.

Duas teorias consagram a eficácia horizontal dos direitos fundamentais:

a) Teoria da eficácia indireta ou mediata – primariamente, os direitos fundamentais são direitos de defesa da liberdade contra o Estado e não vinculam os particulares de modo imediato e absoluto. Contudo, os direitos fundamentais têm uma força conformadora das relações entre particulares, quer através da legislação civil ou criminal, quer através da interpretação das cláusulas gerais do direito civil suscetíveis de preenchimento valorativo (ex: arts. 187, 122, 113 do CC). Assim, os direitos fundamentais seriam aplicados às relações interprivadas se houver lei regulamentando o direito, pois do contrário, haveria violação à autonomia da vontade.

b) Teoria da eficácia direta ou imediata (Robert Alexi) – os direitos fundamentais aplicam-se obrigatória e diretamente (têm validade absoluta) nas relações entre particulares, podendo os indivíduos, sem necessidade de mediação legislativa do Estado, fazê-los valer contra atos de outros

5 Vejamos algumas indagações: até que ponto as liberdades religiosas ou de residência podem ser limitadas por contrato; se é lícito o apelo ao boicote de um filme ou livro; até que ponto é admissível a restrição da liberdade de jogadores de futebol; quais os poderes de sanção os pais têm sobre os filhos; é admissível a contratação de detetive para vigiar certa pessoa; se é lícito o empregador deixar de contratar empregado por razões religiosas ou políticas; se comerciantes podem impedir o acesso aos seus estabelecimentos a certas pessoas; se o locador pode despejar o locatário por falta de pagamento quando tolera a permanência de outro que também não paga o aluguel.

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indivíduos ou pessoas jurídicas. Ou seja, não se exigem pontos de infiltração, como as cláusulas gerais. Nada impede essa aplicação direta, a qual pode ter como fundamento o art. 5º, § 1º.

Contudo, esta eficácia horizontal ainda não assumiu contornos claros e definidos. A CF/88, embora tenha declarado que as “normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, não explicitou quais as relações jurídicas que sofrerão esse efeito, nem como seria a sua eficácia.

2.0 – Direitos Fundamentais em espécie:

2.1. Direito a Vida: A Vida como Objeto do DireitoSão decorrências do direito de não ser morto :

a) Proibição da pena de morte (em regra).

b) Proibição do aborto (o homem tem direito à vida embrionária).

c) Proibição da eutanásia.

d) Direito à legítima defesa.

2.1.1. Proibição da pena de morte (artigo 5.º, inciso XLVII, alínea “a”)

A Constituição Federal assegura o direito à vida quando proíbe a pena de morte. A aplicação desta só é permitida em caso de guerra externa declarada. O constituinte entendeu que a sobrevivência da Nação, em momento de guerra declarada, se sobrepõe à sobrevivência individual daqueles que se mostrem nocivos à coletividade.

Prevalece que não é possível a introdução da pena de morte por emenda constitucional, pois o direito à vida é direito individual e o artigo 60, § 4.º, inciso IV, dispõe que os direitos individuais não poderão ser modificados por emenda (cláusula pétrea, imutável).

2.1.2. Proibição do aborto

A Constituição Federal não se referiu ao aborto expressamente, mas simplesmente garantiu a vida, sem mencionar quando ela começa (com a concepção ou com o nascimento). Assim, o Código Penal, na parte que trata do aborto, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

O Código Penal prevê o aborto legal em caso de estupro (aborto sentimental) e em caso de risco de morte da mãe (aborto necessário ou terapêutico), independente de autorização judicial.

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O aborto eugênico, admitido em alguns países quando o feto apresenta graves deformidades, não está autorizado por nossa legislação. Parte da jurisprudência admite, no entanto, o aborto eugênico baseado no direito à vida da mãe, preservando-lhe sua saúde física e mental, mesmo não havendo risco de morte (exemplo: quando provada a anencefalia do feto). Ao apreciar pedido de liminar no HC 32.159, a 5ª Turma do C. STJ indicou posição contrária à possibilidade do aborto eugênico.

Ver no Informativo Jurisprudencial 354 (TítuloAnencefalia e Aborto) debate sobre tema.

2.1.3. Proibição da eutanásia

Significa “boa morte”, consistente na interrupção da vida biológica, tendo em conta o grande sofrimento físico ou mental a que alguém está submetido, e para o qual não há possibilidade científica de recuperação. No Brasil a prática da eutanásia é proibida, considerada homicídio. Para sua configuração exige-se que a pessoa tenha condições de continuar vivendo, ainda que com sofrimentos terríveis (ex: paciente em estado terminal de câncer, que, para ter seu sofrimento aliviado, é mantido à base de morfina).

A eutanásia não se confunde com aquela situação na qual a pessoa não tem mais vida autônoma, ou seja, só está sobrevivendo por meios artificiais, sendo lícito à família autorizar o desligamento dos aparelhos ou a suspensão de tratamentos ou procedimentos que prolongam sua vida (trata-se da chamada ortotanásia, pareeutanásia ou eutanásia por omissão). Neste caso, o desligamento dos aparelhos não configura eutanásia, pois se a pessoa não tem condições de continuar vivendo não há falar em interrupção da vida biológica6.

Distanásia – questão de difícil solução é a do prolongamento artificial da vida do idoso que para tanto passa por grande sofrimento físico. Aqui não há falar em omissão de socorro, na medida em que o paciente tem o tratamento ordinário preservado, devendo o tratamento extraordinário ser requerido pelo paciente, curador ou familiar

O suicídio assistido por médico, no Brasil, pode ser punido como auxílio ao suicídio.

2.1.4. Garantia da legítima defesa

O direito de a pessoa não ser morta legitima que se tire a vida de outrem que atentar contra a sua própria.

3. DIREITO À IGUALDADE

6 O Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução 1.805/06, que possibilita a ortotanásia.

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Todos são iguais perante a lei, sendo que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. A igualdade é dividida em material e formal. Igualdade material é a de conteúdo, devendo o Estado proporcionar meios para impedir desigualdades. A igualdade formal é relativa à aplicação da lei, ou seja, todos são iguais perante a lei, não interessando saber se, na prática, há efetiva igualdade ou não. Contudo, as pessoas são desiguais em diversos fatores, embora sejam iguais em dignidade, o que dificulta a efetivação do princípio. Daí estar incorreto o art. 5º, caput ao enunciar que todos são iguais sem distinção de qualquer natureza, pois prever simetria onde há desproporção visível não é garantir igualdade. Aristóteles dizia que igualdade significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

A igualdade prevista no art. 5º pode ser entendida de duas formas:

a) Regra de limitação ao legislador – é a igualdade na lei, proibindo o legislador de editar regras que estabeleçam privilégios, especialmente em razão da classe ou posição social, da raça, da religião, da fortuna ou do sexo.

b) Regra de interpretação – é a igualdade perante a lei, devendo o juiz dar sempre à lei o entendimento que não crie privilégios de espécie alguma. Deve proceder desta forma todo aquele que tiver de aplicar a lei.

É certo que a constituição pode discriminar (ex: arts. 12, § 2º, 222, § 1º etc.), mas pergunta-se: pode a lei fazer discriminações? É claro que sim, aliás, todas as leis discriminam (a lei é discriminatória por natureza). O mais importante, contudo, é saber quando a lei pode discriminar. Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, o princípio da isonomia será implementado quando forem transpostas as seguintes etapas:

a) Identificar na lei a circunstância discriminatória, chamada de “discrimen”.

b) Identificar o objetivo da norma.

c) Verificar se há nexo lógico entre a circunstância e o objetivo. Havendo nexo lógico a discriminação é constitucional.

Diante deste critério estabelecido por Celso Antônio, verifica-se que é claramente inconstitucional a exigência de altura mínima para inscrição em concurso público para o cargo de Procurador Municipal. Por outro lado, tal critério será constitucional se adotado em concurso para ingresso em carreira na qual o porte físico é essencial, como o de Policial. Ainda, nos termos da súmula 683 do STF, “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX da CF, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. Ainda, é possível conceder

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certas prerrogativas às pessoas jurídicas de direito público, como no caso do art. 188 do CPC.

Ações afirmativas – são medidas de desigualização, positivas, que visam corrigir desvantagens que as minorias teriam sofrido no passado. É um conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas públicas que têm por escopo favorecer grupos ou segmentos da sociedade que se encontram em piores condições de competição na sociedade. É o exemplo da quotas para deficientes físicos em universidades ou em concursos. Mas a quota só se justifica se aquela circunstância impedir o exercício de um direito. Por tal razão, é inconstitucional a reserva de vagas para negros em universidades.

4. DA LEGALIDADE

O inciso II do artigo 5.º da Constituição Federal estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. É o chamado princípio da legalidade, inerente ao “Estado de Direito”. Somente a lei – norma genérica abstrata expedida pelo Legislativo – e outros atos com força de lei admitidos pela Carta Magna criam direitos e obrigações, embora existam exceções nos períodos de estado de defesa e estado de sítio.

O decreto, espécie mais comum dos atos regulamentares, costuma ser definido como o ato administrativo de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal), destinado a dar eficácia a situações gerais ou especiais previstas de forma explícita ou implícita na lei. Não tem força, portanto, para criar direitos ou extinguir obrigações, ou seja: no que for além da lei, não obriga; no que for contra a lei, não prevalece.

Prevalece, então, que a Constituição Federal só admite o decreto regulamentar, também chamado decreto de execução; ou seja, aquele decreto que se limita a facilitar a execução da lei e a organizar o funcionamento da administração (artigos 5.º, inciso II, 49, inciso V, e 84, inciso IV, todos da Constituição Federal), ainda assim, com observância do princípio da reserva legal. Nesse sentido, as lições de José Afonso da Silva e Celso Antônio Bandeira de Mello.

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, admite o decreto denominado autônomo ou independente, que visa suprir a omissão do legislador, dispondo sobre matéria ainda não especificada em lei e que não esteja sujeita ao princípio da reserva legal.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que: “No direito brasileiro, a Constituição de 1988 limitou consideravelmente o poder regulamentar, não deixando espaço para os regulamentos autônomos, a não ser a partir de Emenda Constitucional n.º 32/01”. Para essa eminente administrativista a atual Constituição, no artigo 84, VI, prevê competência para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal. Assim, conclui: “Com

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a alteração do dispositivo constitucional, fica restabelecido o regulamento autônomo no direito brasileiro, para a hipótese específica inserida na alínea”.

4.1. Legalidade Administrativa (artigo 37, caput)

Não há atuação administrativa possível que não esteja prevista em lei.

O particular pode fazer tudo que não for proibido pela lei. O Estado só pode fazer o que a lei permite.

4.2. Legalidade Penal (artigo 5.º, inciso XXXIX)Protege o indivíduo contra a ação do Estado, impondo limites para:

repressão de condutas penalmente típicas; fixação da responsabilidade penal; a natureza da sanção penal; regime de cumprimento da sanção.

5. Do Devido Processo Legal

A prestação jurisdicional deve respeitar o devido processo legal. O princípio traz duas vertentes; por um lado, dispõe que o Estado, sempre que impuser qualquer tipo de restrição ao patrimônio ou à liberdade de alguém, deverá seguir a lei; por outro lado, significa que todos têm direito à jurisdição prestada nos termos da lei, ou seja, a prestação jurisdicional deve seguir o que está previsto em lei. O respeito à forma é uma maneira de garantir a segurança do devido processo legal.

Componentes do devido processo legal:

processo: instrumento pelo qual a jurisdição atua;

devido: compromisso ético e de justiça;

legal: que decorre da lei.

A cláusula do devido processo legal informa o processo judicial e o processo administrativo (artigo 5.º, inciso LV). Informa o direito administrativo ao regular o processo administrativo contencioso na administração federal e estadual.

6. DIREITO À LIBERDADE

Para José Afonso, liberdade é a possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. É também o poder da pessoa de adotar a conduta que bem lhe parecer, sem que deva obediência a outrem. Segundo Kildare Gonçalves, a liberdade pode ser vista sob dois aspectos: 1) negativo – liberdade de fazer o que a lei não proíbe nem obriga; 2) positivo – remoção dos impedimentos (sociais, políticos e econômicos) que possam obstruir a auto-realização da personalidade humana, o que implica na

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obrigação de o Estado assegurar os direitos sociais através de prestações positivas. A constituição estabelece diversas formas de liberdade:

a) Liberdade de ação (inciso II) – é o ponto de contato entre a liberdade e a legalidade, já que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei7. O dever de submissão à lei não é absoluto, podendo ser invocada a objeção de consciência, a vedação da auto-incriminação etc.

b) Manifestação do pensamento (inciso IV) – o indivíduo pode pensar o que quiser, não recebendo nenhuma punição por este ato. O pensamento é o ensaio do que vamos fazer ou dizer. Assim, pode-se falar o que quiser, na hora que quiser e o quanto quiser, desde que a pessoa não se mantenha no anonimato. A vedação ao anonimato objetiva garantir o direito de resposta, podendo, contudo, sofrer exceções, como no caso dos jornalistas que podem não divulgar a fonte de onde conseguiram a informação (é o sigilo da fonte).

Direito de resposta (inciso V) – o ofendido pela manifestação do pensamento tem direito de responder, proporcionalmente ao agravo, seja em caso de ofensa à honra ou à vida privada, seja nos casos de informação falsa. A resposta não pode ter conteúdo ilícito. Subsiste o direito à indenização. Trata-se de norma constitucional de eficácia plena.

c) Liberdade de consciência e crença (inciso VI) – a primeira é a liberdade do foro íntimo, em questão não religiosa, ao passo que a liberdade de crença é também a liberdade do foro íntimo, mas voltada para a religião. O Estado brasileiro é laico (ou leigo), deixando, portanto, de ser confessional (na constituição do império adotava-se a religião católica)8, tutelando, contudo, a liberdade religiosa (ex: imunidade fiscal). A liberdade religiosa é limitada, não podendo uma religião perseguir outra, assim como há dependência do culto para com a ordem social, não podendo ofender a moral pública e as leis. Há prestação de assistência religiosa ao preso, se quiser (inciso VII).

Escusa de consciência – é o direito de recusar-se a prestar determinada obrigação, imposta a todos, e que contrarie as convicções religiosas, políticas ou filosóficas. Tal atitude pode

7 Kildare Gonçalves Carvalho considera o termo “lei” apenas no sentido formal, emanada do Poder Legislativo, não se enquadrando naquela qualificação as medidas provisórias e as leis delegadas, muito embora elas obriguem o indivíduo. Por outro lado, há quem considere lei todas as espécies do art. 59 da CF, salvo os atos administrativos (resoluções, decretos, portarias etc.), que apenas dão cumprimento à lei.8 A liberdade de culto autoriza a exteriorização da fé religiosa mediante atos e cerimônias (missas, procissões etc.). Não há religião sem culto. No Império, a liberdade de culto era limitada, pois adotava-se a religião católica apostólica romana, e as outras religiões eram permitidas com cultos domésticos.

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acarretar a perda de direitos, na forma da lei, desde que haja recusa em cumprir prestação alternativa. Enquanto a lei não estabelecer quais direitos são perdidos, e enquanto não fixar a prestação alternativa a ser cumprida, não há nenhuma sanção para a escusa de consciência. No caso do serviço militar obrigatório a prestação alternativa está prevista na lei 8.239/91, que prevê suspensão dos direitos políticos no caso de não cumprimento. Quanto ao serviço obrigatório do juri, ainda não há lei estabelecendo a prestação alternativa.

Conflito entre a liberdade religiosa e o direito à vida – às vezes a crença religiosa tem sido utilizada por alguns para impedir determinada conduta médica (ex: testemunhas de Jeová, que não aceitam transfusão de sangue), sendo decorrente, inclusive, dos direitos da personalidade (art. 15 do CC – princípio da autonomia do paciente). Contudo, prevalece a tese de que o médico deve intervir quando a vida estiver em risco, pois a religião, assim como os demais direitos, existe para preservar a vida e não para exterminá-la. A vida é um pressuposto lógico dos demais direitos (fundamentais e da personalidade).

d) Manifestação artística, intelectual, científica e de comunicação (inciso IX) – é vedada a censura (inclusive pelo art. 220, § 2º), que é a licença prévia condicionada à análise do conteúdo, mas, obviamente, pode haver controle judicial posterior. É importante observar as restrições feitas pelos arts. 220, § 3º e 221, I a IV. Tratam-se de limitações extrínsecas aos direitos humanos, tendo em vista outros direitos de outros membros da coletividade. Ou seja, as restrições não incidem sobre a liberdade de expressão, mas sobre os meios de comunicação, que se inserem e devem sua existência à sociedade. Assim, objetiva-se defender não apenas um bem jurídico, mas também impedir a degradação dos costumes, a corrupção social etc.

e) Liberdade de ação profissional (inciso XIII) – significa que a pessoa tem liberdade para escolher a profissão que quiser. Mas essa liberdade é passível de sofrer restrições pela lei (compete à União legislar sobre condições para o exercício de profissões – art. 22, XVI). Trata-se de norma de eficácia contida. O critério para a restrição é a qualificação (conhecimentos necessários e suficientes para o exercício da profissão). Pode surgir discussão a respeito da quarentena dos juízes e promotores, instituída pela EC 45, já que foi imposta restrição de caráter temporal, e não qualificativa.

f) Liberdade de locomoção (inciso XV) – direito de entrar e sair do território, assim como o livre trânsito dentro dele, em tempo de paz. Se a circulação ocorrer com meio de transporte (automóveis etc.) caberá ao

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poder de polícia do Estado o seu controle, o que não importa restrição ao direito. Por não se tratar de direito absoluto, pode haver limitação nos casos de guerra (a limitação não pode exceder aquelas previstas para o estado de sítio).

g) Liberdade de reunião (inciso XVI) – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente, que não pode realizar análise de mérito. Divergência há quanto à indicação de data e local.

h) Liberdade de associação (inciso XVII) – é plena a liberdade de associação para fins lícitos (seu objeto não pode ser ilícito) vedada a de caráter paramilitar (é a entidade que dá a seus associados treinamento do tipo propiciado pelas forças armadas e seus oficiais e soldados – visa a ações bélicas). A criação de associação não depende de autorização, sendo vedada interferência estatal em seu funcionamento. Associações ilícitas terão as atividades suspensas (através de sentença), inclusive liminarmente, ou serão dissolvidas (extintas), dependendo, neste caso de trânsito em julgado da sentença. O Ministério Público poderá ser o autor de pedido de suspensão ou dissolução. A associação difere-se da reunião, pois aquela tem base contratual e estabilidade.

Liberdade de filiação – é decorrente da liberdade de associação, e possui dois aspectos: a) positivo – não há obrigatoriedade de filiação; b) negativo – ninguém é obrigado a permanecer filiado. A lei não pode condicionar determinado benefício apenas aos filiados. Vale dizer que a associação tem legitimidade para representar judicialmente os filiados, desde que haja expressa previsão estatutária (o STF declarou não haver necessidade de autorização específica, bastando a estatutária)9.

Súmulas do STF – a súmula 630 dispõe que “a entidade de classe tem legitimidade para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas uma parte da respectiva categoria”. A súmula 629, por sua vez, orienta que “a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização deste”.

7. DIREITO À INFORMAÇÃO

9 Nos termos do art. 2º, p. ú. da Lei 9.494/97, nas ações coletivas propostas contra U-E-DF-M e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e da indicação dos respectivos endereços. O caput do artigo estabelece que a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses de seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.

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Este direito possui dois aspectos:

a) Informação jornalística (arts. 5º, XIV e 220, § 1º) – é assegurado tanto ao jornalista quanto ao telespectador e ao leitor o direito de ser informado corretamente, pois a existência de opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos de democracia. A informação jornalística se compõe pela: 1) notícia – divulgação de um fato cujo conhecimento tenha importância para o indivíduo na sociedade (é uma informação de interesse público, mas não do público); 2) crítica – denota uma opinião que recai sobre a notícia. A liberdade de informar só existe diante de fatos cujo conhecimento seja importante para que o indivíduo possa participar do mundo em que vive, não se incluindo, portanto, os fatos sem importância, geralmente relacionados à vida íntima de uma pessoa.

b) Informação pública (art. 5º, XXXIII) – é a obrigação de o órgão público informar. Não se trata de direito absoluto, pois algumas informações são revestidas de sigilo, como no caso das informações que dizem respeito à segurança da sociedade e do Estado. Também há sigilo quando necessário para preservar a honra e a imagem das pessoas (ver Lei 11.111/05).

Havendo choque entre o direito à informação e o direito à honra, à imagem etc., deve prevalecer, por regra, o direito de informação jornalística (o direito à informação é mais forte do que o direito à honra). Ou seja, mesmo que haja violação da honra, da imagem, da vida privada etc., pode ser divulgada a notícia, mas desde que:

a) A notícia trate de aspecto relevante da vida social (interesse público).

b) A notícia deve corresponder à verdade (subjetiva)10.

c) Indispensabilidade da violação – a informação deve ser inevitável para passar a mensagem. Não havendo necessidade de violação, e ainda assim ela ocorrer, a notícia será ilícita.

d) Contraditório da informação – é o direito de resposta.

e) Não insidiosidade da notícia – mesmo que a notícia seja verdadeira, não deve ser veiculada de forma insidiosa e abusiva, trazendo contornos de escândalo. Trata-se de um dos limites do direito à informação, que não é, portanto, absoluto.

10 A verdade objetiva em si mesma não existe na liberdade de informação jornalística, já que o observador está sujeito apenas a expressar a verdade subjetiva, ou seja, a relacionada com o seu dever de diligência e vigilância em busca da idoneidade da fonte dos fatos e da seriedade da notícia de qualquer divulgação. É por isso que a veracidade da informação não constitui qualidade desta, mas se refere à atitude diligente daquele que divulga a notícia.

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8. DIREITO DA PERSONALIDADE

São aqueles direitos que conferem consistência, concretização e individualização da pessoa. Nos termos do art. 5º, X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. São direitos que definem nossa personalidade, ou seja, posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples fato de nascer e viver11, podendo ser das seguintes espécies:

a) Privacidade – é o conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob o seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem poder ser legalmente sujeito. Em outras palavras, direito de privacidade é o direito de toda pessoa tomar sozinha as decisões na esfera íntima de sua vida privada.

b) Intimidade – é a esfera secreta da vida do indivíduo, em que este tem o poder legal de evitar o conhecimento por parte dos demais, ou, ainda, o modo de ser da pessoa e tudo o que a ela se refira, cujo conhecimento pode ser excluído de qualquer outro homem12.

c) Honra – atributo pessoal e reputação. Doutrina subdivide a honra em: honra subjetiva (opinião que o indivíduo tem dele mesmo) e honra objetiva (opinião das pessoas sobre o indivíduo). Ambas ensejam dano moral, e a violação é punida penalmente (arts. 138, 139 e 140 do CP).

d) Imagem – envolve os seguintes conceitos: a) imagem retrato – é o retrato físico; b) imagem atributo – é o retrato social da pessoa. Existem duas hipóteses (exceções) em que a violação da imagem não acarretará em indenização:

11 Kildare Gonçalves não inclui os direitos da personalidade como espécie de direitos fundamentais. Isso porque, embora os direitos da personalidade possuam imediata relevância constitucional (nenhuma constituição os pode omitir), eles não se confundem com os direitos fundamentais. Estes pressupõem relações de poder, têm incidência publicística imediata e pertencem ao Direito Constitucional. Os direitos da personalidade pressupõem relações de igualdade, têm incidência privatística e são do direito civil.

12 O direito de intimidade não se confunde com o de privacidade, embora ambos sejam espécies derivadas da vida privada. A vida social do indivíduo divide-se em pública e privada. Aquela é o relacionamento com a sociedade (ex: freqüentar certos lugares). A vida privada pode ser vista como privacidade, que são os relacionamentos ocultados ao público em geral, como a vida familiar. Dentro da privacidade há relações entre cônjuges, pai e filho etc. Assim, na esfera da vida privada há um outro espaço que é o da intimidade, na qual o indivíduo deseja manter-se titular de direitos impenetráveis mesmo aos mais próximos (ex: pai que devassa o diário de sua filha adolescente ou o sigilo de suas ligações telefônicas).

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Consentimento na violação - a violação da imagem não ensejará dano moral quando houver consentimento na violação. Todavia, não havendo autorização para se violar a imagem, há dano moral, ainda não haja ofensa.

Personalidades públicas – não se quer dizer que tais pessoas não possuam proteção à imagem. Não há indenização pelo fato de o trabalho dessas pessoas já acarretar na exposição ao público. Ou seja, elas não gozam de proteção quanto à parte da vida pública exposta. Há relativização da proteção.

Decisões do STF:

"Constitucional. Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição Federal, art. 5º, X. I. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X." (RE 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28/06/02)

"Inexiste a alegada inconstitucionalidade do artigo 235 do CPM por ofensa ao artigo 5º, X, da Constituição, pois a inviolabilidade da intimidade não é direito absoluto a ser utilizado como garantia à permissão da prática de crimes sexuais." (HC 79.285, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 12/11/99). Dispõe o art. 235 do CPM: “Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar”

9. INVIOLABILIDADES

9.1. Inviolabilidade de Domicílio (Inciso XI)

A inviolabilidade do domicílio constitui manifestação do direito à privacidade, e o conceito de domicílio, para fins de proteção, é o mais amplo possível, não se equiparando, àquele dado pelo direito civil. Segundo o STF (HC 251.445), o conceito de domicílio abrange:

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a) Qualquer compartimento habitado ou qualquer aposento ocupado de habitação coletiva (ex: quarto de hotel – o STF decidiu ser ilícita a obtenção de documentos obtidos em diligência realizada em quarto de hotel sem autorização judicial – RHC 90.376).

b) Qualquer compartimento privado (não aberto ao publico) onde alguém exerça profissão ou atividade lícita (ex: escritório de advogado)13.

Não se trata de direito absoluto, razão pela qual existem exceções à inviolabilidade:

a) Durante o dia e a noite – o domicílio pode ser violado, independentemente de mandado judicial, a qualquer hora do dia, nos casos de flagrante delito, para a prestação de socorro ou no caso de desastre. Segundo o STF, “cuidando-se de crime de natureza permanente, a prisão do traficante, em sua residência, durante o período noturno, não constitui prova ilícita” (HC 84.772).

b) Durante o dia – para o cumprimento de ordem judicial. Neste caso só pode haver violação durante o dia, e quanto ao conceito de dia, existem as seguintes correntes:

É o período compreendido das 6 às 18 horas (José Afonso).

É o período entre a aurora e o crepúsculo (Min. Celso de Melo)

É o período das 6 às 18, iluminado pela luz do sol (Celso Bastos).

“Melhor est conditio prohibentis” – o ingresso em casa alheia pode ser validamente efetuado mediante consentimento do morador. O consentimento deve ser manifestado (de forma expressa ou tácita) por quem de direito, conforme prevê o art. 150, caput do CP. Em uma habitação familiar, havendo conflito entre os ocupantes da casa, prevalece a vontade daquele que administra os interesses familiares (pais ou patrões); em convento, colégio ou empresa, de seu dirigente; nas áreas comuns de um condomínio, do síndico ou do preposto. Nos casos de habitações coletivas, havendo divergência entre seus moradores, em regra, aplica-se o princípio melhor est conditio prohibents, ou seja, melhor é a condição de quem proíbe o ingresso, embora o juiz possa sopesar os interesses envolvidos.

13 Segundo o STF: “Prova: alegação de ilicitude da prova obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritório de empresa — compreendido no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio — e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de demonstração concreta de que os fiscais não estavam autorizados a entrar ou permanecer no escritório da empresa, o que não se extrai do acórdão recorrido (...).” (RE 331.303-AgR).

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9.2. Sigilo das Ligações Telefônicas

As pessoas possuem o direito de falar ao telefone sem que ninguém saiba do conteúdo da conversa. Todavia, a constituição, no inciso XII do art. 5º permitiu a possibilidade de interceptação em alguns casos. Para que se intercepte ligação telefônica, necessário que se observem os requisitos constitucionais e os requisitos legais.

A constituição prevê os seguintes requisitos:

a) Finalidade da interceptação – somente pode ser interceptação a ligação telefônica para a investigação criminal ou para a instrução processual penal, e jamais para qualquer outra finalidade (ex: processo civil). Contudo, o STF decidiu recentemente que a interceptação telefônica licitamente realizada contra agentes públicos pode ser usada para aplicação de sanção administrativa decorrente do mesmo fato14.

b) Depende de ordem judicial (reserva de jurisdição) – não pode quebrar o sigilo telefônico a CPI, muito embora tenha os poderes próprios da autoridade judicial.

c) Regulamentação por lei – a possibilidade de interceptação é uma norma de eficácia limitada, ou seja, só pode ocorre após sua regulamentação por lei. A lei foi criada em 1996. Assim, qualquer interceptação feita antes é inconstitucional, ainda que obtida com autorização judicial (STF, HC 81.154).

Podemos, agora, enumerar os seguintes requisitos legais, trazidos pela Lei 9.296/96:

a) Indícios suficientes de autoria ou participação

b) Impossibilidade de se obter a prova por outros meios

c) Que o crime seja apenado com reclusão – em tese, não poderia ser autorizada a quebra do sigilo para investigação de crime de ameaça, que é punido com detenção. A solução seria alegar que o objeto da investigação

14 (...) considerou-se não afrontar a CF ou a lei o entendimento de que a prova decorrente de interceptação lícita, autorizada e realizada em procedimento criminal, inquérito ou processo-crime, contra certa pessoa, na condição de suspeito, indiciado ou réu, possa ser-lhe oposta, na esfera própria, pelo mesmo Estado, encarnado por órgão administrativo ou judiciário a que esteja o agente submisso, como prova do mesmo ato visto sob a qualificação jurídica de ilícito administrativo ou disciplinar. Aduziu-se que outra interpretação do art. 5º, XII, da CF e do art. 1º da Lei 9.296/96 equivaleria a impedir que o mesmo Estado, que já conhece o fato na sua expressão histórica correspondente à figura criminosa e, como tal, já licitamente apurado na esfera penal, invocasse sua prova oriunda da interceptação para, sob as garantias do devido processo legal, no procedimento próprio, aplicar ao agente a sanção cabível à gravidade do eventual ilícito administrativo, em tutela de relevante interesse público e restauração da integridade do ordenamento jurídico.” (Inq 2.424-QO, 25-4- 07, Informativo 464)

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não é a própria ameaça, mas o delito mais grave que, por intermédio dela, seu autor está prometendo concretizar, por exemplo, o homicídio, no caso da ameaça de morte.

O prazo para a interceptação é de 15 dias, prorrogável por tantas vezes quanto forem necessárias. Ainda sobre ligações telefônicas, vejamos alguns conceitos:

a) Encontro fortuito – é o descobrimento de uma nova infração, diversa daquela inicialmente investigada. Ex: defere-se a interceptação para se apurar eventual crime de roubo e, durante as escutas, descobre-se a prática de um homicídio. A prova deste homicídio é perfeitamente admitida.

b) Histórico das ligações – não se confunde com a interceptação. O histórico das ligações significa quem ligou e para quem a pessoa ligou, ou seja, é um relatório das ligações efetuadas e recebidas, sem que se saiba o conteúdo das conversas. O levantamento do histórico não é ato privativo do juiz, podendo ser pedido, inclusive, por CPI.

c) Gravação telefônica – é também denominada, pela doutrina, de gravação clandestina. É a conversa gravada por um dos interlocutores, com ou sem ciência do outro. No caso de o outro interlocutor autorizar a gravação, a prova é perfeitamente admitida. No caso de a gravação ocorrer sem o conhecimento do outro, doutrina entende não ser possível a utilização dessa prova, todavia, o STF já a admitiu como legítima, seja para fins cíveis ou criminais, salvo se usada para incriminar o sujeito que não tem conhecimento da gravação (AP 307).

d) Gravação promovida por terceiros – duas situações se apresentam:

Gravação promovida por terceiro sem a ciência dos interlocutores – esta prova é inadmissível (é a chamada interceptação em sentido estrito).

Gravação promovida por terceiro com a ciência de um dos interlocutores (é a escuta telefônica) – para o STF, não pode, em regra, ser usada como meio de prova (HC 80.849), salvo se a gravação visar a demonstração de eventual excludente de ilicitude.

e) Gravação ambiental – é a gravação da conversa que se passa em um ambiente (ex: conversar com alguém e utilizar um gravador escondido para captar o diálogo). No direito do trabalho, o empregador tem todo o direito de fiscalizar os computadores e telefones utilizados como instrumentos de trabalho.

Entendimento do Professor Capez (Curso de Processo Penal – 12ª ed., pg. 284).

O termo “interceptação” se subdivide em:

a) Interceptação em sentido estrito – é a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores.

b) Escuta telefônica – é a captação da conversa por terceiro com o consentimento de um dos interlocutores. Geralmente utilizada pela polícia, nos seqüestros.

Tanto na interceptação em sentido estrito, como na escuta telefônica, é necessário, para a validade da prova, que se observem os requisitos da Lei 9.296/96. Coisa diversa ocorre no caso em que o próprio interlocutor grava a conversa, sem o conhecimento do outro, o que é chamado de gravação telefônica, a qual se encontra fora da garantia da inviolabilidade, o que já foi considerado válido pelo STF como prova, salvo se violar outra garantia (ex: inviolabilidade da intimidade) ou se usada para incriminar o sujeito que não tem conhecimento da gravação (STF, AP 307). Segundo o STJ (RMS 19.785), “a gravação de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, não configurando interceptação telefônica, e serve como suporte para o oferecimento da denúncia”.

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Vejamos algumas decisões do STF a respeito do tema:

“Quando o tráfico ilícito de drogas se estende por mais de uma jurisdição, é competente, pela prevenção, o Juiz que primeiro toma conhecimento da infração e pratica qualquer ato processual. No caso, o ato que fixou a competência do juiz foi a autorização da escuta telefônica das conversas do Paciente” (HC 82.009).

"O princípio constitucional da reserva de jurisdição — que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) — não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria CF (art. 58, § 3º), assiste competência à CPI, para decretar, sempre em ato motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas”. (MS 23.652 e 23.639).

“Se se cuida de obter a autorização para a interceptação telefônica no curso de processo penal, não suscita dúvidas a regra de competência do art. 1º da Lei nº 9.296/96: só ao juiz da ação penal condenatória - e que dirige toda a instrução -, caberá deferir a medida cautelar incidente. (...) Não induz à ilicitude da prova resultante da interceptação telefônica que a autorização provenha de Juiz Federal – aparentemente competente, à vista do objeto das investigações policiais em

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curso, ao tempo da decisão – que, posteriormente, se haja declarado incompetente, à vista do andamento delas”. (HC 81.260).

“Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido”. (HC 80.949).

“Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. Afastada a ilicitude de tal conduta, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da CF com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da CF)”. (HC 74.678).

9.3. Sigilo de Correspondências

A proteção à inviolabilidade de correspondência se dá em relação ao conteúdo, e não quanto ao envelope. Numa interpretação literal do inciso XII, a lei não poderia restringir a inviolabilidade das correspondências. Todavia, verifica-se que isso não é verdade, pois pelo art. 41, parágrafo único da LEP, o diretor do estabelecimento prisional pode suspender ou restringir, mediante ato motivado, o direito do preso consistente no contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita. Para o STF esse dispositivo foi recepcionado

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pela CF/88. Ainda, o pai pode violar a correspondência de seu filho, caso suspeite que ela está servindo para colocá-lo em risco (art. 227 da CF). Quanto ao e-mail, ele também goza de proteção.

9.4. Sigilo de Dados

Envolve a proteção ao sigilo bancário e fiscal. Segundo o STF a proteção aos dados bancários configura manifestação do direito à intimidade e ao sigilo de dados, garantido nos incisos X e XII. O sigilo bancário, por se tratar de matéria integrante do sistema financeiro, foi regulamentado pela LC 105/01, de acordo com o art. 192 da CF. A quebra dos sigilos bancário e fiscal podem ser determinadas por:

a) Juiz

b) CPI (federal, estadual ou municipal)

c) Fisco – o trato das informações fiscais é do próprio fisco, razão pela qual não há que se falar em quebra do sigilo fiscal (ele já tem as informações). O art. 6º da LC 105/01 permite às autoridades fiscais tributárias o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósito e aplicações financeiras, quando houver procedimento administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam indispensáveis.

Quebra indireta do sigilo – é o caso ocorrido com a CPFM, no qual o sujeito declara valores menores no imposto de renda, mas que recolhe grandes valores de CPMF, incompatíveis com o valor declarado. Neste caso a receita, segundo a doutrina, não pode cruzar as informações, quebrando indiretamente o sigilo bancário. Todavia, a LC 105/01 permite tal operação. O dispositivo dessa lei que permite a operação está sendo discutido no STF em 5 adins.

d) Ministério Público – a 2ª Turma do STF já decidiu que o Ministério Público não pode quebrar o sigilo bancário e fiscal. Todavia, mais recentemente, O Pleno do STF disse ser possível tal quebra (MS 21.729), conforme permitido pelo art. 8º, § 2º da LC 75, mas desde que seja para a investigação de desvio de verba pública. Aquela decisão em mandado de segurança referia-se à possibilidade de quebra do sigilo pelo Ministério Público Federal, já que tinha como autoridade coatora o PGR. Sendo assim, doutrina entende que, quanto ao Ministério Público Estadual, também pode haver a quebra, para a apuração de desvio de verbas públicas, já que o art. 80 da LONMP determina a aplicação subsidiária da LC 75.

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A quebra do sigilo bancário e fiscal pode se dar tanto na área cível como na área criminal. Todavia, no cível só é possível se não houver outro meio de prova. Na área penal deve haver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.

Decisões do STF:

"A discussão atinente à quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa, sem a participação da autoridade judiciária, já foi ventilada por esta Corte, pelo menos, nos seguintes julgamentos: MS 21.729-4, 23.851, PET n° 2790 AgR e RE n° 215.301. Em todos, assentou-se que a proteção aos dados bancários configura manifestação do direito à intimidade e ao sigilo de dados, garantido nos incs. X e XII do art. 5º da CF, só podendo cair à força de ordem judicial ou decisão de CPI, ambas com suficiente fundamentação. A exceção deu-se no julgamento do MS 21.729, em que se admitiu que o Ministério Público obtivesse diretamente os dados, por tratar-se de empresa com participação do erário (patrimônio e interesse público)”. (AC 415-MC). No mesmo sentido: RE 261.278.

“A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela CPI, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ”. (MS 23.639).

10. DIREITO À SEGURANÇA

A Constituição Federal, no caput do artigo 5.º, quando trata da segurança, está se referindo à segurança jurídica. Refere-se à segurança de que as agressões a um direito não ocorrerão. O Estado deve atuar no sentido de preservar as prerrogativas dispostas nas normas jurídicas.

Acesso ao Poder Judiciário (artigo 5.º, inciso XXXV). A competência para garantir a segurança jurídica é do Poder Judiciário. É

por meio do acesso ao Judiciário que as pessoas conseguem a segurança jurídica.

10.1.1. Direito à petição (artigo 5.º, inciso XXXIV, alínea “a”)

O inciso XXXIV do artigo 5.º da Constituição Federal estabelece que, independentemente do pagamento de taxas, a todos são assegurados o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Pode a petição ser dirigida a qualquer autoridade do Executivo, do

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Legislativo ou do Judiciário, devendo ser apreciada, motivadamente, mesmo que apenas para rejeitá-la, pois o silêncio pode caracterizar o abuso de autoridade por omissão.

O direito de petição, classificado como direito de participação política, pode ser exercido por pessoa física ou jurídica e não precisa observar forma rígida. Não se exige interesse processual, pois a manifestação está fundada no interesse geral de cumprimento da ordem jurídica.

O direito de petição não se confunde com o direito de ação, já que, por este último, busca-se uma tutela de índole jurisdicional e não administrativa.

10.1.2. Assistência judiciária (artigo 5.º, inciso LXXIV)

Conforme estabelece a Constituição Federal, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (Lei n. 1.060/50).

Ao contrário da justiça gratuita, que traduz a dispensa (provisória ou definitiva) das despesas normalmente incidentes para o exercício de um processo, a assistência judiciária costuma ser conceituada como a organização estatal ou paraestatal que tem por fim, ao lado da dispensa das despesas processuais, a indicação de um advogado para os necessitados.

A Constituição Federal de 1988 criou a Defensoria Pública como uma das funções essenciais à justiça, estando o órgão disciplinado pela Lei Complementar n. 80/94.

São gratuitas, entre outras, as ações de habeas corpus, habeas data e impugnação de mandato eletivo (Lei n. 9.265/96).

10.2. Segurança em Matéria Penal

Ao tratar de segurança em matéria penal, a Constituição Federal foi cautelosa, tendo em vista a competência punitiva do Estado. Essa competência punitiva tem limites porque a aplicação da pena vai restringir a liberdade física de locomoção e os demais direitos ligados a esta.

A pena somente poderá ser aplicada se estiver prevista anteriormente em lei e na forma prevista nesta. Portanto, a aplicação da pena está vinculada à disposição legal.

11. Princípios penais

a) Da retroatividade da Lei Penal. Nos termos do art. 5º, XXXVI da CF, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

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julgada. Em princípio, a lei regula atos e fatos jurídicos a partir de sua edição, mas não existe proibição absoluta à retroatividade da lei (a constituição apenas impede que as leis novas apliquem-se a determinados atos passados)15. Assim, uma lei poderá retroagir se não violar aquelas garantias, tendo efeitos extra-ativos (ultra-ativos e retroativos). A retroatividade é a exceção, e dependerá cláusula expressa de retroatividade, o que não é exigido no caso da lei penal benéfica.

Apesar de o preceito em comento ter utilizado a expressão “lei”, ela abrange tanto a lei em sentido estrito como qualquer outra norma legal. Nesse sentido, segundo o STF, “o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva”. Tratando-se de norma constitucional, devemos separar duas situações:

a) Norma constitucional originária – como o poder originário é ilimitado, não existe direito adquirido em face de uma nova constituição. Foi o que ocorreu com a atual constituição, que previu tetos salariais e, segundo a ciência constitucional, quem ganhasse acima do teto, teria os valores reduzidos, já que não há direito adquirido em face de uma nova constituição. Além de ser esse o entendimento da doutrina constitucional, o constituinte de 88 corroborou este entendimento (art. 17 do ADCT). Vale dizer, não se alega direito adquirido e ato jurídico perfeito em face de uma nova constituição.

A constituição proíbe a alegação de direito adquirido e ato jurídico perfeito em face de nova constituição, razão pela qual uns pretendiam que a coisa julgada que concedeu a incorporação de benefícios aos vencimentos, antes do art. 17 do ADCT, prevalecesse sobre este dispositivo. O STF refutou este argumento, dizendo que ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada são coisas diferentes, muito embora a constituição não tenha feito a diferença. Coisa julgada e ato jurídico perfeito são causas, enquanto que direito adquirido é efeito.

b) Norma constitucional derivada – pergunta-se: pode ela retroagir para atingir coisa julgada, ato jurídico perfeito e direito adquirido? O STF apreciou a questão quando da edição da EC 41, que criou a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos, entendendo, majoritariamente, que não houve violação a direito adquirido. Ou seja, não existe direito adquirido do servidor inativo para que por toda sua vida sua relação com o Estado seja regida por determinada lei. Não há direito

15 O princípio do direito adquirido não ingressou direta e imediatamente na Constituição. A ordem constitucional consagrou o princípio da irretroatividade, do qual deriva o princípio do direito adquirido.

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adquirido a regime jurídico16. Todavia, parte da doutrina entende que emenda constitucional não pode excluir ou modificar o direito adquirido.

Retroatividade do decreto legislativo que disciplina as relações tuteladas por uma medida provisória rejeitada – o decreto irá regulamentar situações pretéritas. É possível que ele avilte ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido? Ele retroage podendo ferir ato jurídico perfeito e direito adquirido, pois o direito está submetido à condição de aprovação da medida provisória. Se não for aprovada, o direito desaparece, mas se não for editado o decreto, a medida provisória continua regendo as relações jurídicas. Não há direito adquirido em face de medida provisória. Quanto à coisa julgada, podemos dizer que não pode ser rescindida pelo decreto.

A expectativa de direito não conta com a proteção do direito adquirido (não há direito adquirido a adquirir direitos). Todavia, a expectativa pode gerar efeitos, com base no princípio de que todos têm direito à segurança, regra genérica prevista no art. 5º, caput, denominada tese dos direitos acumulados, garantindo regras de transição.

O STJ já decidiu que, mesmo no tocante à norma infraconstitucional, admite-se aplicação imediata da lei, incidindo sobre contratos já formalizados, mas em andamento, quando se trata de regra econômica de ordem pública, como planos econômicos, sobretudo em relação a critérios de deflação, correção monetária etc17. Todavia, o STF já decidiu de forma diversa em relação aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), decidindo que as empresas estão obrigadas a oferecer aos seus futuros clientes um novo sistema; contudo, não aos atuais. O STF teve o mesmo entendimento no seguinte caso:

"Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos — que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215)

16 “Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta.” (ADI 3.105, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 18/02/05)

17 No mesmo sentido: “(...) 2. Nos contratos de trata sucessivo ou de execução continuada (como o de suplementação de aposentadoria), advindo norma de ordem pública, deve ser ela (norma) aplicada de imediato, inexistindo, em tal hipótese (contrato de trato sucessivo ou de execução continuada), violação a direito adquirido e a ato jurídico perfeito” (TJ/ES).

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— acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas."

Vejamos algumas decisões do STF:

“A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.” (Súmula 654).

"O FGTS, ao contrário das cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado. Assim, aplica-se a ele a jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico.

“Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação aos processos em curso, desconstituindo penhoras anteriores, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito: precedentes.”

“A coisa julgada a que se refere o artigo 5º, XXXVI, da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do artigo 6º da Lei de Introdução do Código Civil, a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada coisa julgada administrativa.”

“O princípio insculpido no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição (garantia do direito adquirido) não impede a edição, pelo Estado, de norma retroativa (lei ou decreto) em benefício do particular.”

“O entendimento desta Corte é firme no sentido de que a coisa julgada em matéria fiscal, inclusive quanto ao ICM, fica delimitada à relação jurídico-material em que debatida, não podendo, portanto, ser invocada em exercícios posteriores, a teor da Súmula 239 do STF.” Diz a súmula que “decisão que declara indevida a cobrança do

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imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.”

c) Da personalização da pena (artigo 5.º, inciso XLV): a pena não pode passar da pessoa do condenado. A obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, no entanto, podem atingir os sucessores e contra eles ser executadas, até o limite do patrimônio transferido, nos termos da lei.

c) Espécies de penas vedadas (artigo 5.º, inciso XLVII): há limitação à própria atividade do Estado. Existem penas que o legislador não poderá cominar: pena de morte (salvo em caso de guerra declarada, por agressão estrangeira), pena de caráter perpétuo, pena de trabalho forçado, pena de banimento (o banimento esteve previsto na Constituição do Império, retornou ao nosso sistema constitucional em 1969 e foi abolido pela Constituição Federal de 1988) e penas cruéis.

11.1- INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

Nos termos do art. 5º, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação pelo judiciário. Trata-se de norma destinada ao legislador, proibindo-o de editar qualquer lei que exclua do poder judiciário a apreciação de determinada causa. Como conseqüência, temos a inexistência de jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado. Ou seja, o cidadão não é obrigado a esgotar a via administrativa para submeter sua causa à apreciação do judiciário. Todavia, há exceções:

a) Habeas data – para o ajuizamento deve-se esgotar a via administrativa.

b) Reclamação constitucional – para impugnar ato da administração que contrariar súmula vinculante, deve-se esgotar as vias administrativas (art. 7º, § 1º da Lei 11.417/06).

c) Lides desportivas – para chegarem ao conhecimento do poder judiciário, necessitam do prévio esgotamento das vias da justiça desportiva (art. 217, § 1º).

Façamos algumas observações:

a) Duplo grau – o duplo grau de jurisdição não é decorrência da inafastabilidade da jurisdição, ou seja, não se trata de direito de natureza constitucional. Assim, tradicionalmente, o duplo grau é um direito legal (STF – MS 23.789), razão pela qual a lei pode trazer hipóteses em que o recurso será inadmissível. Contudo, o STF tem mudado sua orientação. No HC 88.420, disse que o direito ao devido processo legal (CF, art. 5º,

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LIV) abrange a possibilidade de revisão, por tribunal superior, de sentença proferida por juízo monocrático18.

b) Lei de arbitragem – o STF entendeu que é constitucional

c) Comissão de conciliação prévia do processo do trabalho – a doutrina se dividiu, entendendo uns que se trata de instância administrativa de curso forçado. Existem três ações diretas de inconstitucionalidade no STF pendentes de julgamento.

d) Taxa judiciária – o STF entende que não ofende a inafastabilidade, a não ser que ela não tenha teto. Vale dizer, será ela inconstitucional quando apenas for previsto o percentual, sem qualquer limite de teto. Nos termos da súmula 667 do STF: “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa”19.

e) Assistência judiciária gratuita – é decorrência da inafastabilidade do judiciário.

Encontra-se pendente de julgamento no STF a adin 1.194, na qual se requer a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, § 2º da Lei 8.906/94 (“os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados”), sob alegação de violação do art. 5º, XXXV. Já existe voto deferindo o pedido, sob o argumento de que o dispositivo impugnado tem caráter eminentemente corporativista e viola o princípio da proporcionalidade, porquanto a medida interventiva nele prevista mostra-se inadequada, haja vista a ausência de qualquer relação plausível entre o meio utilizado e objetivos pretendidos pelo legislador. (Verificar se ainda está pendente esta decisão!!!!)

Entendimentos do STF:

a) A garantia constitucional alusiva ao acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa, emitindo o Estado-juiz

18 O HC foi impetrado contra decisão que condicionou o processamento da apelação do condenado ao seu recolhimento à prisão, nos termos do art. 594 do CPP. Entendeu-se que “o acesso à instância recursal superior consubstancia direito que se encontra incorporado ao sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais. Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à promulgação CPP. A incorporação posterior ao ordenamento brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de modificar a legislação ordinária que lhe é anterior”.

19 No mesmo sentido: “Taxa judiciária e custas. Necessidade da existência de limite que estabeleça a equivalência entre o valor da taxa e o custo real dos serviços, ou do proveito do contribuinte. Valores excessivos: possibilidade de inviabilização do acesso de muitos à Justiça, com ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle judicial de lesão ou ameaça a direito”.

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entendimento explícito sobre as matérias de defesa veiculadas pelas partes.

b) A garantia do acesso à jurisdição não foi violada pelo fato de ter-se declarado a carência da ação, pois o art. 5º, XXXV não assegura o acesso indiscriminado ao Poder Judiciário. Da mesma forma, não há confundir negativa de prestação jurisdicional com decisão jurisdicional contrária à pretensão da parte. Assim, ainda que realmente seja errônea a decisão, não deixa de ser prestação jurisdicional, inexistindo, portanto, ofensa ao artigo 5º, XXXV, da CF.

c) Atenta contra a inafastabilidade da jurisdição a Avaliação de candidato com base em critérios subjetivos (ex: análise sigilosa sobre a conduta pública e privada do candidato), excluindo-o do concurso sem que sejam fornecidos os motivos. É que, se a lesão é praticada com base em critérios subjetivos, ou em critérios não revelados, fica o Judiciário impossibilitado de prestar a tutela jurisdicional, porque não terá como verificar o acerto ou o desacerto de tais critérios”.

11.2. Responsabilidade do Estado (artigo 5.º, inciso LXXV)

A Constituição Federal estabelece a responsabilidade do Estado por erro judiciário se a pessoa ficar presa por tempo superior àquele estabelecido na sentença. Trata-se de responsabilidade objetiva nos termos do artigo 37, § 6.º, da Constituição Federal.

Com relação ao juiz (artigo 133 do Código de Processo Civil e artigo 630 do Código de Processo Penal), poderá ser responsabilizado pelos prejuízos que vier a causar se comprovado dolo ou fraude de sua parte.

11.3. Artigo 5º, Inciso LXXVIII

Mencionado inciso foi acrescentado pela Emenda Constitucional 45/2004 e dispõe que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Trata-se de norma programática.

Importante constarmos que referida emenda acrescentou, ainda, novos e importantes parágrafos ao artigo 5º, a saber:

“§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

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   § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”

11.4. Observação

O § 2.º do artigo 5.º é expresso ao dizer que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (...)”, ou seja, os direitos expressos na Constituição Federal/88 não se restringem àqueles dispostos no artigo 5.º. Assim, pode-se dizer que o rol do artigo 5.º é meramente exemplificativo. Esse entendimento é o do Supremo Tribunal Federal, pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 939-7/DF, que analisava se o artigo 2.º, § 2.º da Emenda Constitucional n. 3/93 era ou não constitucional.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Direitos e suas garantias: os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma,enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles bens e vantagens. Assinale a alternativa em que não se verifica a correspondência entre o direito e sua garantia:

a) Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza – art. 5º (direito). A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei – art. 5º , XLII (garantia);

b) É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato – art. 5º, IV (direito). É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem – art. 5º, V (garantia).;

c) É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz – art. 5º, XV (direito). Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder – art. 5º, LXVIII (garantia);

d) É plena a liberdade de associação – art. 5º, XVII (direito). Conceder-se-á habeas data – art. 5º, LXXII (garantia);

2. As garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, são assegurados aos litigantes no processo:

a) Judiciais e administrativos;

b) Judiciais civis e criminais;

c) Judiciais de natureza criminal;

d) Judiciais e administrativos que tenham por objeto a demissão de servidor público.

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3. Assinale a alternativa correta:

a) A pena de morte não pode ser aplicada no Brasil, em nenhuma hipótese;

b) A pena de morte pode ser introduzida no Brasil por meio da emenda constitucional;

c) A pena de morte pode ser aplicada em caso de guerra declarada;

d) A pena de morte pode ser introduzida em processo de revisão constitucional;

4. O direito de propriedade goza de garantia constitucional. A autoridade competente, porém, no caso de iminente perigo público, poderá usar de propriedade particular:

a) Assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano em decorrência do uso;

b) Se tiver autorização do proprietário, que deverá ser indenizado antecipadamente;

c) Com ou sem autorização do proprietário, que não terá direito a indenização alguma, dada a função social que a propriedade deve observar;

d) Desde que a desaproprie, pagando ao proprietário prévia e justa indenização em dinheiro;

5. Constitui embaraço à plena liberdade de informação dos meios de comunicação:

a) O exercício do direito de resposta, proporcional ao agravo;

b) O ressarcimento pelos danos morais causados por informação que violou a vida privada;

c) Condenação judicial de jornalista que, em matéria assinada, pratica o crime de calúnia contra alguém;

d) Dispositivo de lei ordinária que obrigue a revelação da fonte das informações veiculadas por jornalistas;

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DIREITO CONSTITUCIONAL

3. Como se classificam as normas constitucionais quanto a sua eficácia? Em que pese alguma variação na doutrina, tradicionalmente classificam-se em: norma de eficácia jurídica plena, de eficácia jurídica limitada e de eficácia jurídica contida.

4. Quais as principais características do Poder Constituinte Originário e do Poder Constituinte Derivado?

O Poder Constituinte Originário (também denominado de 1º grau) é inicial, pois instaura uma nova ordem jurídica; autônomo, visto que a estrutura do Poder será determinada, autonomamente, por quem exerce o poder constituinte originário e incondicionado. Por sua vez, com relação ao Poder Constituinte Derivado (também denominado de 2º grau), é derivado, porque retira sua força do Poder Constituinte originário; subordinado, pois se encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional, às quais não poderá contrariar e condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas pela Constituição Federal.

3. Há limites ao exercício do Poder Reformador na Constituição Federal? Justifique.Sim. O Poder Reformador é condicionado pelas regras colocadas pelo poder originário, submetendo-se a algumas limitações impostas pela própria Constituição, ou decorrentes do sistema. São espécies de limitações: as expressas (circunstanciais, materiais e formais ou procedimentais) e as implícitas.

4. O que vem a ser o fenômeno da recepção? E da repristinação?O fenômeno da recepção assegura a preservação do ordenamento jurídico inferior e anterior à nova Constituição, desde que se mostre materialmente compatível. Repristinação é o restabelecimento da vigência da lei revogada pela revogação da lei revogadora.

5. Discorra sobre a teoria da desconstitucionalização.É a possibilidade de recepção pela nova ordem constitucional, como leis ordinárias, de normas apenas formalmente constitucionais da Constituição anterior que não tenham sido repetidas ou contrariadas pela nova Constituição.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO VI

DIREITO CONSTITUCIONALDireitos Sociais

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Direitos Sociais

Prof. Clever Vasconcelos

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal relaciona os direitos sociais em três grupos:

direitos sociais fundamentais (artigo 6.º);

direitos dos trabalhadores em suas relações individuais (artigo 7.º);

direitos coletivos dos trabalhadores (artigos 9.º a 11).

O artigo 6.º aponta os direitos sociais fundamentais, sendo todos voltados à garantia de melhores condições de vida:

saúde;

educação;

trabalho;

lazer;

segurança;

previdência social;

proteção à maternidade e à infância;

assistência aos desamparados;

moradia (Emenda Constitucional n. 26/2000).

Os direitos sociais, genericamente referidos no artigo 6.º da Constituição Federal, estão espalhados por toda a Constituição, em especial nos artigos 7.º, 193 e 230.

Os direitos sociais, às vezes, são apresentados como direitos econômicos, posto ser o trabalho componente das relações de produção e primado básico da ordem social – artigos 7.º e 193. No entanto, não se confundem:

Direitos Econômicos – possuem dimensão institucional.

Direitos Sociais – forma de tutela pessoal, disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto. O direito econômico é pressuposto de existência de direitos sociais.

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Direitos sociais são direitos coletivos e não direitos individuais, embora algumas vezes possam ocupar as duas posições. Por isso, em regra, são passíveis de modificação por emenda constitucional (apenas os direitos e garantias individuais estão previstos como cláusula pétrea).

Constituem direitos fundamentais do homem os que objetivam melhores condições de vida aos mais fracos, tendentes a diminuir as desigualdades sociais.

Para a doutrina, são direitos humanos de 2.ª geração.

Os direitos socias tem por finalidade beneficiar os hipossuficientes, garantindo-lhes segurança, a partir da realização da igualdade real.

2. CLASSIFICAÇÃO – ARTIGOS 6.º a 11

Direitos sociais relativos ao (à):

trabalhador;

seguridade; -direito à saúde

-direito à previdência social

- direito à assistência social

educação, cultura, lazer, segurança e moradia

família, criança, adolescente e idoso;

meio ambiente;

moradia

dos grupos –liberdade sindical

-direito de greve

-estipular contrato coletivo de trabalho

-co-gestão e autogestão

2.1. Direitos Sociais do Homem Produtor

Liberdade de instituição sindical, direito de greve, contrato coletivo de trabalho, direito ao emprego.

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2.2. Direitos Sociais do Homem Consumidor

Direitos relacionados à saúde, à segurança social, à formação profissional e à cultura.

2.3. Direitos Sociais Relativos aos Trabalhadores

São de duas ordens:

direitos em suas relações individuais de trabalho (direitos dos trabalhadores – artigo 7.º);

direitos coletivos dos trabalhadores (artigos 9.º a 11), exercitáveis coletivamente – associação sindical, greve, de substituição processual.

2.3.1. Destinatários dos direitos sociais dos trabalhadores (artigo 7.º):

Urbanos: exercem atividade industrial, comercial, prestação de serviços.

Rurais: atuam na exploração agropastoril.

Domésticos: são auxiliares da administração residencial de natureza não lucrativa, seus direitos estão descritos no parágrafo único do artigo 7.º.

Os trabalhadores urbanos e rurais gozam dos mesmos direitos, inclusive quanto ao prazo prescricional relativo aos créditos resultantes da relação de trabalho, que é de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato (artigo 7.º, inciso XXIX, modificado pela Emenda Constitucional n. 28/2000 e artigo 11, incisos I e II da Consolidação das Leis do Trabalho).

A expressão trabalhadores engloba aqueles que exercem trabalho com vínculo de subordinação, devidamente registrados, mais precisamente chamados de empregados, como também se aplica àqueles que exercem trabalho sem qualquer vínculo empregatício. Portanto, deve-se entender por trabalhadores qualquer pessoa que presta serviço para outra, formando uma relação jurídica, mediante o recebimento de uma contraprestação.

2.3.2. Direitos reconhecidos aos trabalhadores

São direitos reconhecidos aos trabalhadores os do artigo 7.º e outros compatíveis com a finalidade de melhoria da sua condição social.

O trabalho não é definido ou conceituado na Carta Constitucional, mas seu papel de relevo na vida do homem é destacado em todo o sistema constitucional:

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Artigo 6.º: trata-o como direito social.

Artigo 1.º, inciso IV: traz como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil os “valores sociais do trabalho”.

Artigo 170: a ordem econômica se funda na “valorização do trabalho”.

Artigo 193: a ordem social tem como base o “primado do trabalho”.

O homem tem direito social ao trabalho como condição de efetividade da existência digna (fim da ordem econômica), da dignidade da pessoa humana (fundamento da República). Tem-se, por exemplo: direito individual – liberdade de profissão ou ofício; direito social – acesso ao emprego, à formação profissional.

a) Direito ao trabalho

Proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa (lei complementar disciplinará a indenização compensatória, entre outros direitos). Até que venha a lei complementar, a indenização deve observar o disposto no artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê acréscimo de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço como indenização.

Seguro em caso de desemprego involuntário (artigo 239).

b) Direito ao salário

Salário mínimo nacionalmente unificado e capaz de atender às necessidades vitais básicas dos trabalhadores (artigo 7.º, inciso IV).

Pelo menos 30% do salário deve ser pago em dinheiro (artigo 82 da Consolidação das Leis Trabalhistas).

Irredutibilidade, salvo o disposto em convenção coletiva (acordo entre sindicato dos empregados e sindicato patronal) ou acordo coletivo (acordo entre a empresa e o sindicato dos empregados). A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 468, proíbe alterações prejudicais do contrato de trabalho.

Trabalho noturno com remuneração superior ao diurno (artigo 7.º, inciso IX, que repete norma do artigo 73, § 1.º, da Consolidação das Leis Trabalhistas).

Décimo terceiro salário com base na remuneração integral, ou no valor da aposentadoria.

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Horas extras remuneradas, no mínimo, em 50% acima das horas normais.

c) Direito ao repouso e à inatividade remunerada (artigo 7.º, incisos XV, XVII, XIX e XXIV, da Constituição Federal)

Repouso semanal remunerado.

Licença-maternidade (gestante – 120 dias).

Licença-paternidade (5 dias; artigo 10, § 1.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Férias anuais, que devem ser pagas antes do gozo com acréscimo de 1/3 (a Constituição Federal não fixa o número de dias, cabendo à lei disciplinar).

Aposentadoria.

d) Proteção dos trabalhadores

Proteção em face da automação, na forma da lei.

Proibição de distinção de salários ou de discriminação quanto à admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil. A Lei n. 9.029/95 proíbe a exigência de teste de gravidez ou prova de esterilização para fins de admissão.

Proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 7.º, inciso XX).

Igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso (artigo 7.º, inciso XXXIV).

Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos.

Proibição de qualquer trabalho ao menor de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (redação da Emenda Constitucional n. 20/98).

Seguro contra acidente de trabalho, sem exclusão da indenização decorrente de dolo ou culpa.

Ação por crédito trabalhista, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (redação do inciso XXIX do artigo 7.º da Constituição Federal, de acordo com a Emenda Constitucional n. 28/00).

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e) Direitos relativos aos dependentes

Salário-família para os dependentes de trabalhadores de baixa renda (artigo 7.º, inciso XII).

Assistência gratuita aos filhos e dependentes do trabalhador desde o nascimento até os 6 anos de idade em creches e pré-escolas (artigo 7.º, inciso XXV).

f) Participação nos lucros e co-gestão

O artigo 7.º, inciso XI (previsto desde a Constituição Federal de 1946, mas dependendo de lei que regulamente), assegura a participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, a participação na gestão da empresa. A Lei n. 10.101/00 disciplina a matéria.

2.3.3. Direitos coletivos dos trabalhadores

a) Associação e sindicato: a Constituição Federal prevê dois tipos de associação: profissional e sindical.

Profissional: atua na defesa dos interesses profissionais dos seus associados.

Sindical: defende os direitos coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, participa nas negociações coletivas de trabalho, elege representantes, recebe contribuições.

É livre a associação sindical. Essa liberdade significa: liberdade de fundação; liberdade de adesão; liberdade de atuação; liberdade de filiação.

O Estado não pode intervir ou interferir na organização sindical. Por outro lado, ninguém pode ser obrigado a se filiar ou a se manter filiado a sindicato.

Os aposentados filiados podem votar e ser votados nas organizações sindicais.

Assim como as associações, os sindicatos não necessitam de autorização do Estado para a sua fundação, embora seja exigível o registro dos estatutos no órgão competente.

Aos militares são proibidas a sindicalização e a greve (artigo 142, inciso IV, da Constituição Federal).

Além da contribuição social prevista no art. 149 da Constituição, de caráter nitidamente tributário e compulsório ( denominada contribuição sindical), é prevista também uma contribuição confederativa (art. 8º, IV, da CF), que não

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tem natureza tributária e cujo montante é fixado em assembléia geral da respectiva categoria (não incide o princípio da legalidade tributária).

 O art. 580 da CLT disciplina a importância devida a título de contribuição sindical por empregados ( sindicalizados ou não ), empregadores e autônomos. Para os empregados a importância corresponde à remuneração de 1 (um) dia de trabalho por ano.

De acordo com a Súmula 666 do STF, a contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.

A pluralidade sindical sofre restrição, pois é admissível apenas uma entidade, um sindicato, por base territorial (hoje correspondente a um Município) e para representação de uma categoria – artigo 8.º, inciso II. Vale ressaltar que há unicidade sindical e pluralidade de bases sindicais.

Nas negociações coletivas de trabalho é obrigatória a presença dos sindicatos.

b) Direito de greve: abstenção coletiva concentrada.

A greve pode ter caráter reivindicativo, de solidariedade, político, de protesto. Não há o exercício desse direito de forma individual, porque o direito de greve sempre pressupõe, para sua efetivação, a reunião de vontade de vários titulares (grupo de trabalhadores).

O artigo 9.º da Constituição Federal assegura o direito de greve e garante a soberania da decisão dos trabalhadores sobre a oportunidade e os interesses que a manifestação visa proteger.

Os §§ 1.º e 2.º, no entanto, demonstram que o direito de greve não é absoluto e que as necessidades inadiáveis da coletividade devem ser respeitadas.

A Lei n. 7.783/89, que disciplina a greve, traz como atividades essenciais o tratamento e o abastecimento de água, a assistência médica e hospitalar, a compensação bancária e outras atividades.

O lockout (paralisação das atividades pelos empresários, com finalidade de pressionar o Poder Público) é vedado pela Consolidação das Leis Trabalhistas.

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve (artigo 114, inciso II, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 45/2004). Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito (§ 3º do artigo 114, da Constituição Federal, na redação da EC 45/2004).

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a diferença entre liberdade de consciência e liberdade de crença?

2. O que significa dizer que é livre o exercício de qualquer trabalho ou função?

3. Direito de petição é direito de ação?

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4. Quais os requisitos para a interceptação telefônica?

5. O que é um tribunal de exceção?

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____________________________________________________________________CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO VII

DIREITO CONSTITUCIONALNacionalidade e Direitos Políticos

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Nacionalidade e Direitos Políticos

Prof. Clever Vasconcelos

1. NACIONALIDADE

Vejamos alguns conceitos básicos sobre o tema:

a) Nacionalidade – é o vínculo jurídico-político de direito público interno, que liga um indivíduo a determinado Estado, fazendo desse indivíduo integrante da dimensão pessoal daquele Estado, ou seja, integrante do povo. O termo “nacionalidade”, em seu enfoque jurídico, distancia-se do conceito de nação, pois serão nacionais todos aqueles unidos por um vínculo político com o Estado, independentemente de afinidades étnico-culturais.

b) Naturalidade – é o lugar físico de nascimento da pessoa.

c) Estrangeiro – é aquele que não é nacional, nato ou naturalizado (seu conceito é obtido por exclusão).

d) Nação – conjunto de pessoas nascidas num mesmo ambiente cultural, que partilham as mesmas tradições, costumes, história e idioma, possuindo plena identidade sócio e étnico-cultural. É definida por um critério étnico-cultural.

e) Povo – conjunto de pessoas que fazem parte do Estado (são os nacionais).

f) População – não se confunde com povo, pois população é definida por um critério demográfico, mais abrangente. População é o conjunto de pessoas que se submetem ao ordenamento jurídico de um Estado. Abrange inclusive os estrangeiros.

g) Polipátrida – é aquele com mais de uma nacionalidade, ou seja, se vincula a mais de um Estado. O direito constitucional brasileiro permite a dupla nacionalidade, mas repete a dupla cidadania.

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h) Apátrida (ou heimatlos) – é aquele que não se vincula, em determinado momento, e por determinada razão, a nenhum Estado1.

i) Cidadania – constitui um plus em relação à nacionalidade, pois esta é um pressuposto necessário, mas não o único, para a cidadania. A cidadania somente é atribuída ao nacional que faz o alistamento eleitoral, ou seja, cidadão é o nacional eleitor (é o nacional no gozo dos direitos políticos). Existe a exceção dos portugueses equiparados. Atenção: verifica-se que o art. 18, § 3º da CF utilizou a expressão “população” de forma equivocada, pois não é a população quem participa do plebiscito, mas sim os cidadãos, chamados de eleitores.

j) País – é a realidade história e geográfica. Sendo assim, “República Federativa do Brasil” é o nome do Estado. Brasil é o nome do país. Diante daquele nome, podemos dizer que ele é imutável, pois a forma federativa é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, da CF), assim como a forma de governo (república) também é imutável, pois, apesar de não haver cláusula expressa, ela está vinculada ao resultado do plebiscito de 1993.

1.1. Formas e Natureza Jurídica

Trata-se de direito material de ordem constitucional. A nacionalidade brasileira, ou seja, o vínculo jurídico-político que une a pessoa ao Estado brasileiro de forma primária ou secundária. Resulta de um fato natural, basicamente podendo ser do lugar do nascimento (critério da territorialidade – ius solis) ou da nacionalidade dos pais (consangüinidade – ius sanguinis).

1.1.1 Nacionalidade primária (originária ou involuntária)

Como regra, o Brasil adotou o critério ius solis (art. 12,I,”a”, CF). Possui nacionalidade primária o brasileiro nato.

Consideramos brasileiros natos:

1º) Critério ius solis - qualquer pessoa que nascer no território brasileiro e, ainda que de pais estrangeiros, desde que não estejam a serviço de seu país (artigo 12, I, “a”, da CF- regra formal e materialmente constitucional, não podendo a lei trazer outros casos de nacionalidade primária).

1 A apatrídia é um dos aspectos do Direito Internacional que se procura eliminar, pois viola o direito de todo homem ter uma nacionalidade. São apátridas os que nunca tiveram nacionalidade e os que já tiveram, mas a perderam. Diversos fatores podem ocasionar a apatrídia, como por exemplo, o conflito de legislações consagrando jus soli e jus sanguinis.

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Atenção: se os pais estrangeiros estiverem a serviço de seu país, ainda que o nascimento ocorra no Brasil, esta criança não será brasileira. Ou seja, não será brasileiro, ainda que nascido no Brasil, se ambos os pais forem estrangeiros e pelo menos um deles esteja a serviço do seu país. Pelo fato de a constituição trazer o pronome possessivo “seu” (seu país), entende-se que se os pais forem, por exemplo, franceses, e estiverem a serviço da Espanha, caso o nascimento se dê no Brasil, a criança será brasileira. Esta posição deve ser adotada no concurso, muito embora grande parte da doutrina assim não concorde. O mesmo ocorre no caso do estrangeiro que está a serviço de organismo internacional.

*Território brasileiro: a República Federativa do Brasil, ou simplesmente o Brasil, engloba as terras delimitadas pelas fronteiras geográficas, o espaço aéreo e o mar territorial; os navios mercantes brasileiros em alto-mar ou de passagem em mar territorial estrangeiro; as aeronaves civis brasileiras em vôo sobre o alto-mar ou de passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.

2º) Critério ius sanguinis e a serviço do Brasil - é considerado brasileiro nato o filho de brasileiros que nascer no estrangeiro estando qualquer um dos pais a serviço da República Federativa do Brasil (artigo 12, I, “b”, da CF).

Mas qual a amplitude de serviço? A expressão “a serviço da República Federativa do Brasil” deve ser entendida da forma mais ampla possível, tanto na Administração Direta quanto na Indireta, abrangendo, inclusive, as empresas públicas e sociedades de economia mista (ex: se o funcionário do Banco do Brasil vai trabalhar em agência no exterior, o filho lá nascido será brasileiro).

3º) Critério ius sanguinis e registro - são brasileiros natos os nascidos no estrangeiro filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira que sejam registrados em repartição brasileira competente (texto trazido pela EC 54/2007 - trata da aquisição da nacionalidade brasileira originária pelo simples ato de registro – artigo 12, I, “c”, 1ªparte, da CF).

4º) Critério ius sanguinis e opção confirmativa - por fim, a última possibilidade de aquisição de nacionalidade de brasileiro nato: os nascidos no estrangeiro filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira que venham a residir no Brasil, e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira (artigo 12, I, “c”, 2ª parte, da CF).

A opção ora analisada não pode ser recusada pelo Estado e por isso tal aquisição de nacionalidade é conhecida como potestativa, vale dizer, o efeito pretendido depende exclusivamente da vontade do interessado. Potestativo (poder), conforme consignado na obra Vocabulário Jurídico, do mestre DE

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PLÁCIDO E SILVA2, designa o ato ou qualquer outra coisa cuja prática ou execução dependa, simplesmente, da vontade da pessoa, podendo, assim, ser praticado ou feito, independentemente da intervenção ou da vontade de outrem.

A aquisição da nacionalidade se dá com a simples residência no Brasil, confirmando-se após a manifestação da opção perante a Justiça Federal (artigo 109, inciso X, da Constituição Federal). Assim, a condição de brasileiro nato fica suspensa até o implemento da condição (neste sentido, conforme, José Afonso da Silva).

A maioridade aqui referida é a civil, alcançada aos 18 anos ou com a emancipação.

1.1.2. Nacionalidade secundária (adquirida ou voluntária)

Conferida aos naturalizados, sempre dependendo de um requerimento sujeito à apreciação estatal. Decorre de fato voluntário do indivíduo, sendo, portanto, o caso de estrangeiros que, por sua vontade, adquirem a nacionalidade brasileira.

Tratam-se dos brasileiros naturalizados (hipóteses previstas no artigo 12, II, da CF). Aqui, diferentemente das hipóteses de nacionalidade primária, pode a lei prever outras situações de aquisição. O que é feito pela Lei 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro - artigo 112 - pois, a própria constituição assim o permite (art. 12, II, “a”).

A pessoa é livre para escolher sua nacionalidade, vetado o constrangimento a mantê-la (princípio da inconstrangibilidade), permitida a opção por outra (princípio da optabilidade).

1.1.2.1 Naturalização

A aquisição da nacionalidade secundária deve ser expressa (de forma ordinária ou extraordinária)

A naturalização tácita também já foi possível (a chamada “grande naturalização”), foi aquela concedida a todos os que se encontravam no Brasil à época da Proclamação da República e que não declararam o ânimo de conservar a nacionalidade de origem até seis meses após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1891. Hoje, apenas, reminiscência histórica.

As regras de naturalização previstas dependem, como dito, de requerimento expresso do interessado. A Constituição Federal/88 prevê suas formas:

2 Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

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a) Naturalização ordinária

1ª) Artigo 12, II, “a”, 1ª parte, da CF: “os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira” – é a chamada naturalização expressa ordinária (ou comum). O processo de naturalização é administrativo, devendo ser requerido perante o Ministro da Justiça. As condições para a naturalização estão previstas na lei 6.815/80 (art.112), que são, dentre outros: 1) capacidade civil segunda a lei brasileira; 2) situação regular no Brasil (visto permanente); 3) residência a pelo menos 4 anos; 4) saber ler e escrever em português. O art. 12 é a regra geral, aplicada a todos os estrangeiros. Vale dizer que, mesmo preenchendo o sujeito todos os requisitos, não tem ele direito subjetivo à naturalização ordinária, que é ato de soberania estatal, da mais absoluta discricionariedade (art. 121 da referida lei). Não significa, entretanto, que não exista direito subjetivo à naturalização, pois somente não existe na naturalização ordinária.

2ª) Artigo 12, II, “a”, parte final, da CF: “exigidas aos originários de países de língua portuguesa3, apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral” – também é caso de naturalização ordinária, razão pela qual não garante direito subjetivo ao estrangeiro.

3ª) Artigo 12, §1º, da CF: Estatuto da Igualdade (Quase Nacionalidade) - O Estatuto da Igualdade é decorrente do tratado entre Brasil e Portugal de 1971: quando são conferidos direitos especiais aos brasileiros residentes em Portugal são conferidos os mesmos direitos aos portugueses residentes no Brasil. O núcleo do Estatuto é a reciprocidade. Os portugueses que possuem capacidade civil e residência permanente no Brasil podem requerer os benefícios do Estatuto da Igualdade e, conseqüentemente, deve haver reciprocidade em favor dos brasileiros que residem em Portugal.

Essa nacionalidade chamada de Quase Nacionalidade pode ser restrita ou ampla.

- Quase nacionalidade restrita

Os portugueses terão direitos semelhantes aos dos brasileiros naturalizados, exceto o direito de participação política ativa e passiva.

- Quase nacionalidade ampla

Os portugueses adquirirão os direitos políticos se solicitarem junto à Justiça Eleitoral, preenchendo, para tanto, os seguintes requisitos:

demonstração da quase nacionalidade restrita;

3 Originários de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Açores, Cabo Verde, Príncipe, Goa, Gamão, Diu, Macau e Timor.

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cinco anos de residência permanente no Brasil;

inexistência de antecedentes criminais;

domínio sobre o idioma comum escrito;

demonstrar que gozam de direitos políticos em Portugal.

Obtida a quase nacionalidade ampla, os direitos políticos dos portugueses que a solicitaram ficarão suspensos em Portugal. Terão os mesmos direitos políticos dos brasileiros naturalizados.

O Estatuto da Igualdade poderá prever restrições, desde que também previstas nas normas portuguesas, entretanto, restrições a brasileiros naturalizados só podem ser feitas por meio de Emenda Constitucional.

b) Naturalização extraordinária

Também denominada naturalização quinzenária, prevista no artigo 12, II, “b”, da CF, exige quinze anos ininterruptos de residência no Brasil. Pode ser concedida para estrangeiro de qualquer país, inclusive para os apátridas. Exige, também, que o interessado não tenha condenação criminal nem no Brasil nem no exterior.

Ao contrário da naturalização ordinária, aqui há direito subjetivo, preenchidos os requisitos, deverá ser concedida a naturalização, não havendo discricionariedade do Executivo Federal.

A expressão “ininterrupta” se refere à residência e não à sua permanência, pois pode ocorrer de o estrangeiro possuir residência ininterrupta aqui e mesmo assim passar férias na Europa (ainda assim está configurada a residência ininterrupta). Ainda, a Portaria que concede a naturalização é meramente declaratória, retroagindo, à data do requerimento4.

Dentro da naturalização extraordinária existe a hipótese de naturalização fundada no princípio da reserva legal, a qual não está constitucionalmente prevista porque a lei pode disciplinar hipóteses de naturalização, desde que sejam secundárias.

A competência para legislar sobre nacionalidade é da União Federal (artigo 22, inciso XIII, da CF), permitida a delegação por lei complementar (artigo 22, parágrafo único, da CF) sobre questões específicas.

4 “O requerimento de aquisição da nacionalidade brasileira, previsto no art. 12, II, b, CF é suficiente para viabilizar a posse no cargo disputado mediante concurso público. Isto quando a pessoa requerente contar com quinze anos ininterruptos de residência fixa no Brasil, sem condenação penal. A Portaria de formal reconhecimento da naturalização, expedida pelo Ministro de Estado da Justiça, é de caráter meramente declaratório. Seus efeitos retroagem à data do requerimento do interessado”. (RE 264.848)

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A norma que disciplina essa naturalização é a Lei n. 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que estabelece requisitos próprios:

capacidade civil: só pode requerer a naturalização com base no princípio da reserva legal quem tiver capacidade civil;

o requerente deve ter visto permanente;

deve estar residindo no Brasil por quatro anos contínuos;

deve ler e escrever em português;

deve ter boa conduta, boa saúde e bom procedimento;

o requerente deverá exercer profissão ou possuir bens que garantam a sua subsistência e a da sua família;

inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou mesmo no exterior por crime doloso a que seja prevista pena mínima de um ano de prisão.

Existem, ainda, outras duas hipóteses de naturalização secundária, fundadas no princípio da reserva legal, previstas nos artigos 115, §2º, I e II e 116 da Lei n. 6.815/80:

radicação precoce: o nascido no estrangeiro, admitido no Brasil durante os primeiros cinco anos de vida, estabelecido definitivamente, deve manifestar-se pela nacionalidade até dois anos após a maioridade; entrementes sua naturalização será provisória (ex: estrangeiros que chegam ao Brasil com criança de colo), poderão os pais requerer ao Ministro da Justiça um certificado provisório. O certificado provisório lhe garante o direito de tirar título de eleitor aos 16 anos.

naturalização decorrente da conclusão, pelo estrangeiro, de curso superior no Brasil: o estrangeiro admitido no Brasil antes de atingida a maioridade e que conclui curso superior tem até um ano, após o término do curso, para requerer a sua nacionalidade brasileira.

1.2. DIFERENÇAS ENTRE BRASILEIROS NATOS E NATURALIZADOS

1.2.1. Cargos (art. 12, § 3º)

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Primeiramente, podemos dizer que somente a própria Constituição pode fazer distinções entre brasileiros natos e naturalizados (§ 2º). O rol do art. 12, § 3º é taxativo. São privativos de brasileiros natos os cargos de:

a) Presidente e Vice-Presidente da República

b) Presidente da Câmara dos Deputados

c) Presidente do Senado Federal

d) Ministro do Supremo Tribunal Federal – qualquer cargo do judiciário pode ser exercido por brasileiro naturalizado (ex: presidente do STJ, TRF), salvo o de Ministro do STF. Atenção: todos os 11 (onze) ministros devem ser brasileiros natos e não só o Presidente do STF.

e) Carreira Diplomática

f) Oficial da Forças Armadas

g) Ministro de Estado da Defesa – o único cargo de Ministro que é exclusivo de brasileiro nato é o de Estado da Defesa. Apesar de os cargos da carreira diplomática serem privativos dos brasileiros natos, o cargo de ministro das relações exteriores não o são.

Podemos fazer aqui algumas considerações sobre outros temas. O Presidente da República tem apenas um único sucessor, que é o vice-presidente; todavia, possui vários substitutos. Sucessor é aquele que continua a exercer o mandato, por inteiro, no caso de vacância. Substituto é aquele que exerce o mandato interinamente. O vice-presidente é o único sucessor e o primeiro substituto. Havendo dupla vacância, a substituição se dá na seguinte ordem: presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado e presidente do STF (tais cargos são privativos dos brasileiros natos, porque as pessoas que o ocupam podem chegar à Presidência da República). Havendo dupla vacância, sempre haverá eleição. Todavia, se ela ocorrer no primeiro biênio, a eleição será direta, e se ocorrer no segundo biênio a eleição será indireta (ver artigo 80, da CF).

1.2.2. Conselho da República (art. 89, da CF)

O inciso VII diz que, dentre os componentes do Conselho, haverá seis cidadãos brasileiros natos (estes são os vogais). Todavia, o Conselho da República pode ser composto por brasileiro naturalizado, já que dentre os integrantes estão os líderes da maioria e da minoria na Câmara (inciso IV) e no Senado (inciso V), e o Ministro da Justiça (inciso VI), e tais cargos podem ser exercidos por brasileiros naturalizados.

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1.2.3. Artigo 222, da CF

Nos termos deste artigo, “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País”. Ou seja, 70% do capital total e do capital votante deverão pertencer, direta ou indiretamente (por meio de pessoa jurídica constituída sob leis brasileiras e que tenha sede no País), a brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

A participação de estrangeiros e brasileiros naturalizados há menos de 10 anos poderá ser em até 30% do capital total votante dessas empresas, e somente ocorrerá de forma indireta, por intermédio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no País.

1.3. Perda da Nacionalidade

Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:a) Tiver cancelada sua naturalização

O que gera o cancelamento da naturalização é a prática de atividade nociva ao interesse nacional, reconhecida por sentença judicial transitada em julgado. A sentença tem efeitos ex nunc e a reaquisição ocorre se o cancelamento for desfeito em ação rescisória, nunca através de novo processo de naturalização. Atinge somente o brasileiro naturalizado, o nato não.

b) Aquisição voluntária e ativa de outra nacionalidade

Atinge tanto os brasileiros natos quanto os naturalizados. O instrumento que explicita a perda da nacionalidade nesta hipótese é o decreto do Presidente da República. Sucede por meio de um processo administrativo que culmina com o decreto que produz efeitos ex nunc. O que conduz à perda é a aquisição de outra nacionalidade. O decreto somente reconhecerá essa situação. A reaquisição também deve ser feita por decreto do Presidente da República.

Nem sempre a aquisição de outra nacionalidade implica a perda da nacionalidade brasileira. O Brasil, além de admitir a dupla nacionalidade, admite a múltipla nacionalidade, nas seguintes hipóteses, consoante art. 12, §4º, II, da CF:

Quando há o reconhecimento ao brasileiro, pela legislação estrangeira, da condição de nacional originário daquele país.

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Quando a pessoa estiver obrigada a adquirir outra nacionalidade para manter sua residência no país onde se encontra para lá poder exercer seus direitos civis (exemplo: receber herança, trabalhar etc.). Como é imposição da legislação estrangeira, a pessoa não perde a nacionalidade brasileira.

Jus comunicatio: a mulher brasileira ou o homem brasileiro podem adquirir a nacionalidade estrangeira em razão do casamento. Em diversos países, o fato de a mulher ou o homem casar com um nacional estrangeiro implica a aquisição automática da nacionalidade estrangeira (Itália, por exemplo).

2. SÍMBOLOS NACIONAIS

Bandeira Nacional

Hino Nacional

Selos Nacionais

Armas Nacionais

3. TEMAS CORRELATOS

3.1. Banimento

É o envio compulsório de um nacional para o exterior (exílio), com a imposição de lá permanecer durante prazo determinado ou indeterminado.

Quando o banimento é temporário (possui prazo certo), é conhecido como ostracismo.

O banimento, no Brasil, é expressamente vedado pelo inciso XLVII do artigo 5.º da Constituição Federal.

3.2. Extradição

Admite-se extradição de brasileiro naturalizado ou de estrangeiro. Extradição é a transferência compulsória de um indivíduo de um Estado para outro, que a requer, para que nele responda a processo ou cumpra pena.

Ex: alguém comete crime na Alemanha, vindo posteriormente para o Brasil. A Alemanha expede ordem de prisão e sabe que o indivíduo está aqui no Brasil, não podendo, portanto, executar a ordem, razão pela qual pede, por vias

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diplomáticas (e não por carta rogatória) ao Presidente da República, que o Brasil lhe entregue o indivíduo criminoso. Assim, a extradição pode ser: 1) Ativa – requerida pelo Brasil a outro Estado soberano; b) Passiva – requerida ao Brasil por outro Estado, sendo esta a referida na Constituição5. A doutrina coloca outras espécies6.

O processo de extradição é regulado, basicamente, pela Lei 6.815/80 (aliás, compete à União legislar sobre extradição – art. 22, XV, CF), a qual estabelece, em seu artigo 78, as seguintes condições para concessão de extradição:

a) ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; e

b) existir sentença final de privação de liberdade, ou estar a prisão do extraditando autorizada por Juiz, Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente, salvo, em caso de urgência, que poderá ser ordenada a prisão preventiva do extraditando desde que pedida, em termos hábeis, qualquer que seja o meio de comunicação, por autoridade competente, agente diplomático ou consular do Estado requerente.

Há interrogatório do extraditando, instaurando-se o contraditório, podendo ele defender sua não extradição. Mas, por regra, adotamos o sistema belga (de contenciosidade limitada), não cabendo ao STF fazer juízo de mérito, como por exemplo, a análise de provas, devendo se limitar a aspectos estritamente legais. Assim, ainda que não hajam provas, pode haver extradição7. A defesa pode

5 “O STF só dispõe de competência originária para processar e julgar as extradições passivas, requeridas ao Governo do Brasil por Estados estrangeiros. Não compete à Suprema Corte apreciar, nem julgar da legalidade de extradições ativas, pois estas deverão ser requeridas, diretamente, pelo Estado brasileiro, aos Governos estrangeiros, em cujo território esteja a pessoa reclamada pelas autoridades nacionais. Os pedidos de extradição, por envolverem uma relação de caráter intergovernamental, só podem ser formulados por Estados soberanos, falecendo legitimação, para tanto, a meros particulares”. (Ext 955).

6 A extradição pode ser: 1) de fato (comitas gentium) – não há procedimento jurídico instaurado para se efetivar a entrega; 2) instrutória – objetiva submeter o indivíduo a processo criminal; 3) executória – objetiva obrigar indivíduo ao cumprimento de pena a que foi condenado; 4) espontânea – é contrária ao próprio instituto de extradição, pois este pressupõe um pedido do Estado interessado. Pode ser confundida com a extradição de fato, em que também não existe verdadeiro pedido de extradição; 5) requerida – trata-se de pleonasmo, pois toda extradição é requerida; 6) reextradição – o indivíduo é extraditado para um Estado e este dá a sua extradição a um terceiro Estado.

7 RTJ 183/42-43: “O modelo extradicional vigente no Brasil (que consagra o sistema de contenciosidade limitada, fundado em norma legal – Estatuto do Estrangeiro, art. 85, § 1º – reputada compatível com a CF) não autoriza que se renove, no âmbito da ação de extradição passiva promovida perante o STF, o litígio penal que lhe deu origem, nem que se efetive o

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alegar a ausência dos pressupostos para a extradição (ex: dupla tipicidade – não basta ser contravenção –, prescrição, devendo esta ser verificada com base nas leis dos dois países etc.). O STF, no julgamento da Extradição 849 (02.04.2007), enumerou os requisitos da extradição8. É possível ainda observar o seguinte:

a) É inadmissível a renúncia do extraditando ao procedimento extradicional, pois ainda que ele esteja de acordo com o seu retorno ao país, o STF verificará a legalidade do pedido (Ext 643).

b) Aplica-se o princípio da especialidade, ou seja, o extraditando só poderá ser processado e julgado no estrangeiro pelo delito objeto do pedido de extradição, podendo, contudo, haver pedido de extensão. Neste caso o STF pode permitir, por solicitação do país estrangeiro, o processo de pessoa já extraditada por qualquer delito praticado antes da extradição e diverso daquele que motivou o pedido extradicional (imprescindível, contudo, a autorização do STF).

c) Quando o STF defere a extradição, a entrega do extraditando é feita pelo Presidente da República, que está autorizado a fazê-lo (a decisão de procedência do STF não vincula a atuação do Presidente). Mas se a decisão for de improcedência, o Presidente fica vinculado, não podendo haver extradição.

Impedimento constitucional à extradição – não se deferirá extradição por crime político ou de opinião (art. 5º, LII). Trata-se de direito público subjetivo (Ext 524). Crime político é definido exclusivamente pelo STF9, ao passo que crime de opinião é a manifestação de pensamento contrária aos valores que informam a ordem social e ética do país requisitante. Neste caso, o Brasil não defere a extradição porque o ato é lícito aqui. É preciso mencionar ainda que nos

reexame do quadro probatório ou a discussão sobre o mérito da acusação ou da condenação emanadas do órgão competente do Estado estrangeiro”.

8 “A concessão do pedido extradicional pressupõe: 1) a dupla tipicidade penal; 2) a inocorrência da prescrição; 3) pena superior a um ano (pela lei brasileira); 4) incompetência da Justiça Brasileira para julgar o crime; 5) não ter sido o extraditando condenado ou absolvido, no Brasil, pelo mesmo fato; 6) não ser o extraditando submetido, no exterior, a tribunal de exceção; 7) não se tratar de crime político ou de opinião; 8) a existência de sentença condenatória à pena privativa de liberdade ou prisão cautelar decretada pela autoridade competente do país estrangeiro; 9) existência de Tratado ou oferecimento de reciprocidade”.

9 STF, Ext 615: “Não havendo a Constituição definido o crime político, ao Supremo cabe, em face da conceituação da legislação ordinária vigente, dizer se os delitos pelos quais se pede a extradição constituem infração de natureza política ou não, tendo em vista o sistema da principalidade ou da preponderância”. STF, Ext 994: “Uma vez constatado o entrelaçamento de crimes de natureza política e comum, impõe indeferir a extradição. Precedentes: Extradições 493 e 694”. STF, Ext 855: “A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da CF — que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião — não se estende ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista”.

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termos do inciso LI, nunca haverá extradição de brasileiro nato. Quanto ao naturalizado, poderá ser extraditado quando:

a) Cometer crime comum antes da naturalização – assim, praticado o crime após a após a solene entrega do certificado de naturalização pelo Juiz, não há que se falar em extradição (STF, Ext 934), salvo o previsto no item seguinte.

b) Restar comprovado envolvimento em crime de tráfico de drogas a qualquer tempo (antes ou depois da naturalização), nos termos da lei – trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, pois a extradição, neste caso, depende de lei, que não existe. Verifica-se uma exceção ao sistema belga, pois uma vez editada a lei, o STF apreciará as provas do crime de tráfico, já que o dispositivo exige a comprovação do seu envolvimento no crime. Assim, como exceção, o Brasil adota o sistema da contenciosidade plena (Ext 541). Ver Ext 729.

Quanto ao português equiparado, que tem todos os direitos do brasileiro naturalizado, pode ser extraditado, mas de acordo com o Decreto Legislativo 70.391/72, sua extradição só é possível para Portugal. Finalmente, podemos observar que:

a) A previsão em abstrato, na legislação estrangeira, de pena de morte ou perpétua, não é impedimento à extradição, bastando que o país requerente se comprometa a comutar (trocar) aquelas penas por pena de prisão de 30 anos, que é o máximo permitido pelo Brasil. Não se exige a comutação na hipótese em que o Brasil autorize a pena de morte (caso de guerra declarada – art. 5º, inc. XLVI, a, da CF). Trata-se de entendimento pacífico no STF.

b) Não impede a extradição a existência de relações familiares (filhos brasileiros), ou a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência more uxório do extraditando com pessoa de nacionalidade brasileira (Súmula 421/STF).

Quanto à questão da dupla cidadania, ver HC 83.450 do STF.

3.3. Expulsão

Expulsão – é um modo coativo de se retirar o estrangeiro do território nacional por delito ou atos que o tornem inconveniente aos interesses nacionais (não pode ser expulso o português beneficiado pelo estatuto da igualdade). A iniciativa é do Brasil e a expulsão é decidida, de forma discricionária, pelo Presidente da República, por meio de decreto, embora tal ato esteja sujeito ao controle de legalidade pelo STF através do habeas corpus. Trata-se de ato

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soberano, motivo por que, ao contrário da extradição, não há regulamentação ou limitação imposta pelo ordem jurídica internacional. Outras observações:

Súmula 1/STF – É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.

O Ministério Público deve remeter (até 30 dias) ao Ministro da Justiça cópia da sentença condenatória de estrangeiro por crime doloso ou contra a segurança nacional, a ordem política ou social etc., após o trânsito em julgado, para que o Ministro instaure inquérito para a expulsão (art. 68, da Lei 6.815/80).

3.4. Deportação

A deportação verifica-se pelo simples ingresso do estrangeiro ou pela sua permanência no Brasil de forma irregular. É meramente documental, não tem como pressuposto o cometimento de crimes.

A competência para decretação da deportação, por ser um fato de menor gravidade, sem maiores conseqüências, é das autoridades locais (Polícia Federal).

Se o estrangeiro regularizar sua situação, poderá retornar ao Brasil, cabendo a exigência, como condição do retorno, do pagamento das despesas da sua deportação.

Observação: Não há deportação nem expulsão de brasileiro e o envio compulsório dele para o exterior, com a proibição (temporária ou permanente) de voltar ao Brasil, constitui banimento.

O banimento esteve previsto na Constituição do Império, retornou na CF/69 e foi abolido pela CF/88. Ostracismo é a denominação dada ao banimento temporário.

3.5. Asilo político

É o recebimento do estrangeiro no território nacional, para evitar punição ou perseguição, no país de origem, por delito político ou ideológico. O asilo político está vinculado às relações internacionais (art. 4º, X, CF). O asilado deve observar às normas que o governo estabelecer, não podendo deixar o país sem autorização. Segundo o STF, a condição de asilado político não impede o deferimento de extradição (desde que preenchidos os requisitos), pois o STF não está vinculado ao juízo formulado pelo Executivo quando da concessão administrativa do asilo (Ext 524).

3.6 Tribunal Penal Internacional

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O art.5º, §4º da CF dispõe que: “o Brasil se submete a jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

O Estatuto de Roma criou o TPI – Tribunal Penal Internacional, o qual foi subscrito pelo Brasil e, permite, em seu art. 89, § 2º, a entrega de qualquer pessoa a este Tribunal, o que abrangeria, inclusive, os brasileiros natos.

Como vimos o art. 5º, LI da CF proíbe, terminantemente, a extradição de brasileiro nato, em qualquer hipótese. Diante desse contexto contraditório surgiram duas orientações:

a) Não pode haver a entrega de brasileiro nato ao TPI, pois, há vedação expressa em nossa constituição (entendem que apesar de o estatuto referir-se à “entrega”, quis, na verdade, referir-se à extradição). Assim, sendo a extradição do brasileiro nato proibida advinda de cláusula pétrea, não pode ser suprimida, sequer, por emenda, muito menos por tratado.

b) Pode haver entrega, pois a entrega não se trata de extradição. Ou seja, a CF proíbe apenas a extradição de brasileiros natos, e não a entrega. Além disso, nos termos do § 4º do art. 5º, da CF, o TPI integra o poder judiciário brasileiro, razão pela qual a entrega não será feita a outro Estado, mas sim ao nosso próprio órgão jurisdicional. Afinal, o art. 102 do Estatuto de Roma deixa clara a diferença: "Por entrega, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal, nos termos do presente Estatuto; por extradição, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado, conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno".

O TPI trata-se de instituição permanente, com jurisdição para julgar genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão, e cuja sede se encontra em Haia, na Holanda. Os crimes de competência desse Tribunal são imprescritíveis, dado que atentam contra a humanidade como um todo.

Outra controvérsia surgiu com relação ao seguinte tema: como sabemos, nossa constituição não permite, de forma alguma, a pena de prisão perpétua, mas admite, em caso de guerra declarada, a pena de morte . Por outro lado, o Estatuto de Roma não permite a pena de morte, mas permite a prisão perpétua. Assim, discute-se se seria possível um brasileiro receber esta sanção no TPI. Duas posições:

a) Brasileiro nato não pode sofrer pena de prisão perpétua no TPI. Sabemos que o STF nunca negou extradição de estrangeiro mesmo que a pena do país requerente fosse de morte ou perpétua, desde que preenchida uma

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única condição: seja comutada a prisão para o máximo permitido aqui no Brasil (ext. 426). Assim, pode haver entrega de brasileiro nato, desde que haja comutação.

b) Pode haver prisão perpétua. A prisão perpétua é matéria de direito interno do Estado. Ou seja, quando a CF fala não haver prisão perpétua, essa proibição é válida apenas para o nosso país, tendo inclusive o STF já se manifestado nesse sentido (ext. 426). Nossa CF não proibiu e jamais poderia proibir a prisão perpétua no TPI, ao qual nós aderimos e aceitamos sua criação e jurisdição constitucionalmente. Assim, a proibição de prisão perpétua é aplicada aos crimes cometidos aqui no Brasil e que aqui devam ser julgados, não podendo nunca atingir os crimes praticados contra o direito internacional e contra a dignidade da comunidade internacional (os crimes do TPI não são crimes internos, mas contra todo o direito internacional).

4. DIREITOS POLÍTICOS

Direitos políticos são as regras que disciplinam o exercício da soberania popular (jus civitatis), a participação nos negócios jurídicos do Estado.

4.1. Regime Político (ou Regime de Governo) – O Estado Democrático de Direito

Regime de Governo ou Regime Político, leciona José Afonso da Silva, “é um complexo estrutural de princípios e forças políticas que configuram determinada concepção do Estado e da Sociedade, e que inspiram seu ordenamento jurídico” (Curso de Direito Constitucional Positivo).

A divisão essencial dos regimes políticos está na contraposição das estruturas autocráticas e democráticas. Enquanto na estrutura autocrática vigora a soberania do governante (princípio do chefe), na democracia verifica-se o governo do povo (regra da maioria).

Pinto Ferreira10 expõe dois conceitos de democracia. O primeiro, baseado nas idéias de Rousseau, dita que democracia é o regime do povo, pelo povo e para o povo. O segundo, apoiado no pensamento de Kelsen, fundamenta-se não só no voto do povo, mas também na liberdade de consciência, de culto, de religião e de trabalho. No conceito trazido por Kelsen, a democracia é uma técnica de liberdade. É quem melhor define a democracia, pois um povo sem liberdade de informação e de manifestação, ainda que vote, jamais terá um governo verdadeiramente voltado para o bem-estar da maioria.10 Manual de Direito Constitucional. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 206.

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Conforme ensina Celso Antonio Bandeira de Mello 11, “a democracia exige, para seu funcionamento, um minimum de cultura política, que é precisamente o que falta nos países apenas formalmente democráticos”. Bem leciona o mestre que, sem a consciência de cidadania (existente nos países substancialmente democráticos), o povo “é presa fácil das articulações, mobilizações e aliciamento da opinião pública, quando necessária sua adesão ou pronunciamento, graças ao controle que os setores dominantes detêm sobre a mídia, que não é senão um dos seus braços”.

É certo que a regra da maioria “é o instrumento técnico capaz de obter o grau máximo da liberdade”, conforme afirma Celso Fernandes Campilongo12. Há sempre que se observar, porém, se o objetivo da maioria não foi manipulado por uma minoria dominante. Citando Platão, o Prof. Celso Fernandes enriquece o debate sobre a efetiva legitimidade da regra da maioria com a indagação do objeto da escolha, nos seguintes termos :

“Já na Grécia clássica, em famosa passagem de Protágoras, Platão esclarecia: ‘Quando a Assembléia se reúne, se a questão é de deliberar sobre construções a serem realizadas, são chamados arquitetos para deliberarem... Se se trata, ao contrário, de interesses gerais da cidade, vê-se indiferentemente levantarem-se para tomar a palavra arquitetos, ferreiros, sapateiros, mercadores,... e ninguém os reprova’. Em outras palavras: questões técnicas devem ser decididas por especialistas, questões políticas, pelos cidadãos”.

Carmen Lúcia Antunes Rocha13 relembra que “a participação política é direito fundamental, ostentada na Declaração dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas, de 1948, em cujo art. 21 se tem:

1.º – Todo o homem tem direito de tomar parte no governo do seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

2.º – Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país.

3.º – A vontade do povo será a base da autoridade do governo, esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto equivalente que assegure a liberdade do povo”.

Estado de Direito é aquele em que todos estão igualmente submetidos à força das leis.

Estado Democrático de Direito é aquele que permite a efetiva participação do povo na administração da coisa pública, visando sobretudo alcançar uma sociedade livre, justa e solidária em que todos (inclusive os governantes) estão igualmente submetidos à força da lei.

11 Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros. 12 Direito e Democracia. Max Limonad.13 República e Federação no Brasil. Editora Del Rey.

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4.2. Espécies de Regimes Democráticos: Democracia Direta, Semidireta e Indireta

O parágrafo único do artigo 1.º da Constituição Federal reproduz o conceito de Rosseau de que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo, porque todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente.

O artigo 14 da Constituição Federal explicita que no Brasil a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (democracia indireta), e, nos termos da lei, mediante iniciativa popular, referendo e plebiscito, instrumentos da democracia direta (também denominada participativa). A esse exercício misto da soberania popular que representa nosso regime de governo (eleição direta dos parlamentares e dos chefes do executivo – democracia indireta ou representativa - e iniciativa popular, plebiscito e referendo – democracia participativa), dá-se o nome de democracia semidireta.

JOSÉ AFONSO DA SILVA14 também aponta a ação popular como um dos instrumentos da democracia participativa, regra que não está explicitada no art. 14 da CF.

4.3. Cidadão

Na linguagem popular, cidadão, povo, população e nacionalidade são expressões que se confundem. Juridicamente, porém, cidadão é aquele nacional que está no gozo de seus direitos políticos, sobretudo do voto. População é conceito meramente demográfico. Povo é o conjunto de nacionais.

Cidadania é conjunto de direitos fundamentais e de participação nos destinos do Estado. Tem sua face ativa (direito de escolher os governantes) e sua face passiva (direito de ser escolhido governante). Alguns, porém, por imposição constitucional, podem exercer a cidadania ativa (ser eleitor), mas não podem exercer a cidadania passiva (ser candidato), a exemplo dos analfabetos (artigo 14, § 4.º, da Constituição Federal). Alguns atributos da cidadania são adquiridos gradativamente, a exemplo da idade mínima exigida para alguém concorrer a um cargo eletivo (18 anos para Vereador, 21 anos para Deputado etc.).

4.4. O Sufrágio e o Voto

O sufrágio (do latim sufragium, apoio) representa o direito de votar e ser votado e é considerado universal quando se outorga o direito de votar a todos que preencham requisitos básicos previstos na Constituição, sem restrições derivadas de condição de raça, de fortuna, de instrução, de sexo ou de convicção religiosa.

O sufrágio restrito (qualificativo) é aquele só conferido a pessoas que preencham determinadas condições de nascimento, de fortuna etc. Pode ser

14 Op. cit. Curso de Direito Constitucional positivo. p. 146.

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restrito censitário (quando impõe restrições vinculadas à capacidade econômica do eleitor – as Constituições Federais de 1891 e 1934 vedavam o voto dos mendigos) ou restrito capacitário (pela Constituição Federal/67 e até a Emenda Constitucional n. 25/85, o analfabeto não podia votar).

O sufrágio identifica um sistema no qual o voto é um dos instrumentos de deliberação.

O voto, que é personalíssimo (não pode ser exercido por procuração), pode ser direto (como determina a atual Constituição Federal) ou indireto. É direto quando os eleitores escolhem seus representantes e governantes sem intermediários. É indireto quando os eleitores (denominados de 1.º grau) escolhem seus representantes ou governantes por intermédio de delegados (eleitores de 2.º grau), que participarão de um Colégio Eleitoral ou órgão semelhante.

Observe-se que há exceção ao voto direto no § 1.º do artigo 81 da Constituição Federal, que prevê eleição indireta para o cargo de Presidente da República se houver impedimento do Presidente e do Vice-Presidente nos dois últimos anos do mandato.

O voto é secreto para garantir a lisura das votações, inibindo a intimidação e o suborno. O voto com valor igual para todos é a aplicação do Direito Político da garantia de que todos são iguais perante a lei (cada eleitor vale um único voto – one man, one vote).

Não se confunde voto direto com democracia direta. Na verdade, a democracia direta em que os cidadãos se reúnem e exercem sem intermediários os poderes governamentais pode ser classificada como reminiscência histórica. Afinal, o tamanho dos Estados modernos e a complexidade de suas administrações já não permitem tal forma de participação (costuma-se citar como exceção alguns cantões suíços, com pequenas populações).

Os principais institutos da democracia representativa (indireta) são o voto (direto ou indireto) e o mandato político que o representante recebe.

4.5. A Iniciativa Popular, o Referendo e o Plebiscito

Os principais institutos da democracia direta (participativa) no Brasil são a iniciativa popular, o referendo popular e o plebiscito.

4.5.1. Iniciativa popular (artigos 14, inciso III; 27, § 4.º; 29, inciso XIII; e 61, § 2.º; todos da Constituição Federal; e artigo 22, IV, da Constituição Paulista)

Uma das formas de o povo exercer diretamente seu poder é a iniciativa popular, pela qual 1% do eleitorado nacional, distribuído por pelo menos cinco Estados-Membros, com não menos de três décimos dos eleitores de cada um

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deles, pode apresentar à Câmara dos Deputados um projeto de lei (complementar ou ordinária).

O Prof. José Afonso da Silva admite a iniciativa popular também para projeto de emenda à Constituição Federal, posição que, entretanto, não está explicitada no artigo 60 da Constituição Federal (que define quem tem poder de iniciativa para uma emenda).

Nos termos da Lei Federal n. 9.709, de 18.11.1998, o projeto de lei de iniciativa popular deve limitar-se a um só assunto e não poderá ser rejeitado por vício de forma (artigo 13). A tramitação do projeto de iniciativa popular observa as normas do regimento interno das casas legislativas.

No âmbito do Estado de São Paulo, a iniciativa popular deve ter por base matéria de interesse local e pode envolver desde proposta de emenda da Constituição Estadual (artigo 22, inciso IV, da Constituição Estadual, que exige a assinatura de 1% do eleitorado do Estado) até proposta de lei complementar ou ordinária (assinatura de 0,5% dos eleitores do Estado). Não se admite iniciativa popular se o tema do projeto de lei for previsto pela Constituição Estadual como de competência exclusiva de qualquer um dos três poderes. Há que se colher o apoio dos eleitores de pelo menos 5 dos 15 maiores Municípios do Estado, sendo que cada um deles deverá estar representado por no mínimo 0,2% dos seus eleitores.

Nos Municípios, a iniciativa popular também está restrita aos interesses locais, dependendo da assinatura de 5% dos seus eleitores (artigo 29, inciso XIII, da Constituição Federal, conforme renumeração feita pela Emenda Constitucional n. 1, de 1992).

4.5.2. O plebiscito e o referendo popular

O referendo é a forma de manifestação popular pela qual o eleitor aprova ou rejeita uma atitude governamental já manifestada (exemplo: quando uma emenda constitucional ou um projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo é submetido à aprovação ou rejeição dos cidadãos antes de entrar em vigor).

Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo (matéria constitucional, administrativa ou legislativa), bem como no caso do § 3.º do artigo 18 da Constituição Federal (incorporação, subdivisão ou desmembramento de um Estado), a autorização e a convocação do referendo popular e do plebiscito são da competência exclusiva do Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, inciso XV, da Constituição Federal, combinado com a Lei n. 9.709/98 (em especial os artigos 2.º e 3.º).

A aprovação da proposta é manifestada (exteriorizada) por decreto legislativo que exige o voto favorável da maioria simples dos Deputados Federais e dos Senadores (voto favorável de mais da metade dos presentes à sessão,

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observando-se que para a votação ser iniciada exige-se a presença de mais da metade de todos os parlamentares da casa).

O referendo deve ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação da lei ou da adoção de medida administrativa sobre a qual se mostra conveniente a manifestação popular direta (art. 11 da Lei 9.709/1998).

O plebiscito é a consulta popular prévia pela qual os cidadãos decidem ou demonstram sua posição sobre determinadas questões. A convocação de plebiscitos é de competência exclusiva do Congresso Nacional quando a questão for de interesse nacional.

Relembramos que a Constituição Federal permite a criação de Territórios Federais (hoje inexistentes) e até prevê, no artigo 12 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a formação de uma comissão para analisar a questão, sobretudo em relação à Amazônia Legal. Entre os primeiros passos está a aprovação da proposta pela população diretamente interessada, mediante plebiscito (artigo 18, § 3.º, da Constituição Federal).

Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o plebiscito e o referendo são convocados em conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica.

No Estado de São Paulo, a questão está disciplinada no § 3.º do artigo 20 da Constituição Estadual. Prevê o dispositivo que 1% do eleitorado do Estado poderá requerer à Assembléia Legislativa a realização de referendo. O plebiscito, por sua vez, deve ser requerido ao Tribunal Regional Eleitoral por 1% do eleitorado do Estado, ouvida a Assembléia Legislativa.

Os eleitores (1%) deverão estar distribuídos em, pelo menos, cinco entre os quinze maiores Municípios do Estado, com não menos de 0,2% dos eleitores em cada um deles.

O Prof. José Afonso da Silva também aponta a ação popular como um dos instrumentos da democracia participativa, regra que não está explicitada no artigo 14 da Constituição Federal.

4.5.3. Veto popular

O veto popular é um modo de consulta do eleitorado sobre uma lei existente, visando revogá-la pela votação direta. Foi aprovado em 1.º turno pela Assembléia Nacional Constituinte, mas acabou sendo rejeitado no 2.º turno, não sendo incluído na Constituição Federal de 1988.

4.5.4. Recall

É a chamada para votar, que também não está prevista em nosso sistema constitucional. É uma forma de revogação de mandato, de destituição, pelos

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próprios eleitores, de um representante eleito, que é submetido a uma reeleição antes do término do seu mandato.

4.5.5. Pluralismo político

Há que se relembrar inexistir uma democracia substancial sem a garantia do pluralismo político, caracterizado pela convivência harmônica dos interesses contraditórios. Para tanto, há que se garantir a ampla participação de todos (inclusive das minorias) na escolha dos membros das casas legislativas, reconhecer a legitimidade das alianças (sem barganhas espúrias) que sustentam o Poder Executivo e preservar a independência e a transparência dos órgãos jurisdicionais a fim de que qualquer lesão ou ameaça de lesão possa ser legitimamente reparada por um órgão imparcial do Estado.

O princípio do pluralismo político (inciso V do artigo 1.º da Constituição Federal/88) está desmembrado em diversos dispositivos constitucionais, entre eles os que garantem a livre manifestação do pensamento (artigo 5.º, inciso IV), a livre convicção política (artigo 5.º, inciso VIII) e o pluripartidarismo (artigo 17). Demonstra que nossa sociedade é pluralista (equilibra os interesses contraditórios com negociações constantes) e não monista.

4.6. Alistamento Eleitoral (Capacidade Eleitoral Ativa)

Cabe privativamente à União legislar sobre matéria eleitoral (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal). Tanto o Presidente da República (artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal) quanto o Tribunal Superior Eleitoral (artigo 23, inciso IX, do Código Eleitoral) podem expedir as instruções que julgarem convenientes à boa execução das leis eleitorais; poder regulamentar que excepcionalmente pode ser exercido também pelos Tribunais Regionais Eleitorais nas suas respectivas circunscrições (inciso XVII do artigo 30 do Código Eleitoral).

O alistamento eleitoral (integrado pela qualificação e pela inscrição) e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos. São facultativos, contudo, para o analfabeto, para os maiores de dezesseis anos (até a data do pleito, conforme prevê o artigo 12 da Resolução n. 20.132/98) e menores de dezoito, bem como para os maiores de setenta anos. Em seu artigo 6.º, o Código Eleitoral (Lei n. 4.737/65) também faculta o alistamento do inválido e dos que se encontram fora do país. Faculta, ainda, o voto dos enfermos, dos que se encontram fora do seu domicílio e dos servidores públicos em serviço que os impeça de votar. Conforme sustenta Joel José Cândido15 , “o indígena, capaz de exprimir-se na língua nacional, pode se alistar, desde que portador de documento, ainda que mero registro administrativo na FUNAI”.

O artigo 7.º do Código Eleitoral especifica as sanções para quem inobserva a obrigatoriedade de se alistar e votar. Sem a prova de que votou na

15 Direito Eleitoral Brasileiro. 8.ª ed. São Paulo: Edipro, 2000. p. 93.

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última eleição, pagou a respectiva multa ou se justificou devidamente, o eleitor não poderá obter passaporte ou carteira de identidade, inscrever-se em concurso público, receber remuneração dos entes estatais ou paraestatais, renovar matrícula em estabelecimento oficial de ensino etc.

Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, o conscrito (aquele que, regularmente convocado, presta o serviço militar obrigatório ou serviço alternativo, incluindo-se no conceito os médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que prestam o serviço militar obrigatório após o encerramento da faculdade – artigo 7.º da Lei n. 5.292, de 8.6.1967). O conscrito que se alistou e adquiriu o direito de voto antes da conscrição tem sua inscrição mantida, mas não pode exercer o direito de voto até que o serviço militar ou alternativo esteja cumprido (Resolução Tribunal Superior Eleitoral n. 15.072/89).

Aos portugueses com residência permanente no Brasil (independentemente de naturalização), se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes a estes, salvo os casos previstos na própria Constituição Federal (artigo 12, § 1.º, da Constituição Federal/88, nos termos da Emenda Constitucional de revisão n. 3/94). Conforme ensina José Afonso da Silva, quanto aos direitos conferidos aos portugueses, “seria muito mais simples se a Constituição houvesse dito claramente que seriam atribuídos a eles os direitos inerentes aos brasileiros naturalizados”. Antes da reforma constitucional, o texto era confuso, mas atribuía aos portugueses os direitos inerentes aos brasileiros natos, exceto quanto às ressalvas previstas na própria Constituição Federal. Francisco Rezek16observa que estes quase nacionais podem ser extraditados e não cumprem o serviço militar obrigatório, circunstâncias que os diferenciam dos naturalizados, mas é suficiente para rechaçar a tese de que a nacionalidade é pressuposto da cidadania.

4.7. Condições de Elegibilidade (Capacidade Eleitoral Passiva)

São condições de elegibilidade, na forma da lei:

a nacionalidade brasileira (observada a questão da reciprocidade, antes destacada quanto aos portugueses, e que apenas alguns cargos são privativos de brasileiros natos);

o pleno exercício dos direitos políticos;

o alistamento eleitoral (só pode ser votado quem pode votar, embora nem todos que votam possam ser votados – como o analfabeto e o menor de 18 e maior de 16 anos);

16 Direito Internacional Público. 7.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 191.

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o domicílio eleitoral na circunscrição (pelo prazo que a lei ordinária federal fixar e que hoje é de um ano antes do pleito, nos termos do artigo 9.º da Lei n. 9.504/97);

a filiação partidária (pelo menos um ano antes das eleições, nos termos do artigo 18 da Lei Federal n. 9.096/95);

a idade mínima de 35 anos para Presidente da República, Vice-Presidente da República e Senador; de 30 anos para Governador e Vice-Governador; de 21 anos para Deputado (Federal, Distrital ou Estadual), Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz (mandato de 4 anos – artigo 98, inciso II, da Constituição Federal) e a idade mínima de 18 anos para Vereador.

A aquisição da elegibilidade, portanto, ocorre gradativamente.

De acordo com o § 2.º do artigo 11 da Lei n. 9.504/97, a idade mínima deve estar preenchida até a data da posse. Há, contudo, entendimento jurisprudencial no sentido de que o requisito da idade mínima deve estar satisfeito na data do pleito.

Não há idade máxima limitando o acesso aos cargos eletivos.

4.8. Direitos Políticos Negativos

Direitos políticos negativos são as circunstâncias que acarretam a perda ou suspensão dos direitos políticos, ou que caracterizam a inelegibilidade, restringindo ou mesmo impedindo que uma pessoa participe dos negócios jurídicos de uma nação.

4.8.1. As inelegibilidades (que podem ser previstas pela Constituição Federal ou por lei complementar)

São absolutamente inelegíveis - para qualquer cargo eletivo em todo o território nacional - os inalistáveis (incluídos os conscritos e os estrangeiros) e os analfabetos. O exercício do mandato não afasta a inelegibilidade, conforme estabelece a Súmula n. 15 do Tribunal Superior Eleitoral.

São relativamente inelegíveis (só atinge a eleição para determinados cargos ou em determinadas regiões) os menores de 35 anos de idade (que não podem ser candidatos a Senador, Presidente da República ou Vice-Presidente da República) e, no território da jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins (parentes do cônjuge), até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador, de Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se o candidato já for titular de mandato eletivo e concorrer à reeleição (continuidade do mesmo cargo).

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A hipótese de inelegibilidade em razão de parentesco ou casamento é conhecida por inelegibilidade reflexa e, quanto à eleição para chefe do Poder Executivo, perdura a vedação mesmo que o titular do cargo renuncie seis meses antes da eleição (Súmula n. 6 do Tribunal Superior Eleitoral).

De acordo com resolução n. 20.931 do Tribunal Superior Eleitoral, de 20.11.01, o cônjuge e os parentes do chefe do Executivo são elegíveis para o mesmo cargo do titular, quando este for reelegível e tiver se afastado definitivamente até seis meses antes do pleito.

É possível a eleição de cônjuge ou parente até o segundo grau do Chefe do Executivo para cargo eletivo diverso, no mesmo território, desde que haja a desincompatibilização definitiva do chefe do Executivo seis meses antes do pleito (a Súmula n. 6 do Tribunal Superior Eleitoral veda candidatura ao mesmo cargo de chefe do Executivo, ainda que haja desincompatibilização do titular seis meses antes do pleito).

Aos Membros do Legislativo não se impõe qualquer desincompatibilização para que concorram a cargo do Legislativo ou do Executivo. Seus cônjuges, parentes e afins não estão sujeitos à inelegibilidade reflexa.

As Leis Complementares n. 64/90 e n. 81/94, autorizadas pela Constituição Federal/88 (§ 9.º do artigo 14), estabelecem outros casos de inelegibilidade a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, a normalidade e a legitimidade das eleições contra as influências do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na Administração direta ou indireta.

4.9. Os Militares

O militar alistável (excluído o conscrito) é elegível nos seguintes termos:

Se contar com menos de dez anos de serviço militar, deve afastar-se da atividade (passa automaticamente para a reserva – totalidade das pessoas que se conservam à disposição não remunerada das Forças Armadas);

Se contar com mais de dez anos de atividade, o militar será temporariamente agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade (artigo 14, § 8.º, da Constituição Federal), que será remunerada caso o militar eleito preencha os requisitos para ser reformado (espécie de aposentadoria do militar). Caso não seja eleito, o militar com mais de dez anos de serviço, ao lançar sua candidatura, voltará a exercer suas funções militares.

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Agregação é a inatividade provisória de um militar sem que ele deixe de pertencer aos quadros do efetivo das Forças Armadas.

Há precedente de que o militar com menos de 10 anos de serviço também fica afastado apenas provisoriamente, não importando em demissão de ofício (MS 596.253.468, Pleno do TJRS, j. de 25.05.99). Por ocasião do fechamento desta edição estava pendente de julgamento o RE n. 279.469-RS, no qual o Min. Maurício Corrêa proferiu voto no sentido de que mesmo o militar com menos de 10 anos de serviço pode ficar provisoriamente afastado para concorrer a cargo eletivo. O julgamento foi paralisado em razão do pedido de vista do Min. Carlos Velloso (Informativo STF n. 239).

Nesse sentido:

Consulta. Senador. À luz do art. 14, § 8°, I, da Constituição Federal, que diz: "o militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - Se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;" indaga: "Afastar-se da atividade, o que significa?" Respondida nos seguintes termos: O afastamento do militar, de sua atividade, previsto no art. 14, § 8°, I, da Constituição, deverá se processar mediante demissão ou licenciamento ex-officio, na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada força armada (Resolução – TSE nº 20.598).

O militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos (inciso V do § 3.º do artigo 142 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional n. 18/98). Assim, para poder candidatar-se, deve ser agregado (suspender o exercício do serviço ativo) desde o registro da candidatura até a diplomação (Resolução Tribunal Superior Eleitoral n. 19978/97).

Conforme consta do REsp n. 112.477/RS (não conhecido), j. 3.6.1997, 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, “o militar que conta com mais de dez anos de efetivo serviço, candidato a cargo eletivo, será agregado pela autoridade superior, pelo que tem direito à remuneração pertinente até a sua diplomação”. O entendimento apenas garante tratamento igualitário aos servidores militares e civis, mas não é pacífico, pois o artigo 98 do Código Eleitoral (parcialmente revogado pelo § 8.º do artigo 14 da Constituição Federal) equipara a agregação às licenças não remuneradas daqueles que se afastam do serviço para tratar de assuntos particulares.

O prazo de filiação partidária exigível do militar candidato é o mesmo da desincompatibilização: a partir do registro de sua candidatura, seis meses antes do pleito (Resolução Tribunal Superior Eleitoral n. 19.978/97).

As mesmas regras são aplicáveis aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (§ 1.º do artigo 42 da Constituição Federal/88).

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4.10. Impugnação do Mandato Eletivo (§ 10 do Artigo 14 da Constituição Federal)

4.10.1. Auto-aplicabilidade da norma

Dita o § 10 do artigo 14 da Constituição Federal que “O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude”.

Condição essencial para iniciarmos a análise do tema diz respeito à auto-aplicabilidade, ou não, da norma constitucional que dispõe sobre a impugnação do mandato eletivo. Conforme consta dos Acórdãos n. 108.451 e n. 111.129, ambos do Tribunal Regional Eleitoral/SP, e do Recurso n. 8.714 do Tribunal Superior Eleitoral (DJU de 30.4.1990), o § 10 do artigo 14 da Constituição Federal/88 é auto-aplicável. De qualquer forma, ainda que se definisse pela sua eficácia limitada, a solução estaria na recepção da legislação infraconstitucional anterior à Constituição Federal/88 e que já previa a ação de impugnação do mandato eletivo, conforme o artigo 23 da Lei n. 7.493/86 e Lei n. 7.664, de 29.6.1988.

4.10.2. O fundamento e o objeto da ação

O comprometimento objetivo de uma eleição, capaz de justificar a impugnação do mandato eletivo, ocorre com a constatação de vícios especificados pelo constituinte que deformem ou comprometam a legitimidade do mandato popular.

Conforme leciona o Min. Sepúlveda Pertence, no Acórdão n. 11.951 do Tribunal Superior Eleitoral, de 14.5.1991, a perda do mandato eletivo é “conseqüência do comprometimento objetivo da eleição por vícios de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude”. Poder é a capacidade de afetar o comportamento dos outros. Muitas vezes, até mesmo promessas de pequenos benefícios podem caracterizar o dolo de aproveitamento capaz de viciar o consentimento de um eleitor, de afetar seu comportamento e, ilicitamente, definir o seu voto.

Talvez por perceber que a legalidade de cada eleição exige a análise do caso concreto, o legislador não definiu o que é a corrupção, a fraude, ou o abuso do poder econômico, político ou de autoridade, garantindo uma fluidez ao conceito capaz de dotar de eficácia e operacionalidade o sistema jurídico eleitoral. Sobre o tema, merece destaque a seguinte exposição de Antonio Carlos Mendes17:

“É contrário à noção de operacionalidade estabelecer um rol de proibições, um rol conceitualmente estabelecido de situações de ordens fáticas

17 I Seminário Brasileiro de Direito Eleitoral – Anais do TRE do Rio Grande do Sul, 1990. p. 68.

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configuradoras do abuso de poder econômico. Por quê? Porque esta não é a melhor abordagem da teoria do abuso do poder econômico; porque com isso, ao se estabelecer em numerus clausulus as hipóteses de abuso de poder econômico, estar-se-ia, é certo, excluindo outras situações fáticas, juridicamente relevantes à configuração deste mesmo abuso”.

4.10.3. Legitimidade ativa

Conforme leciona Joel José Cândido18, “são partes legítimas para propô-la o Ministério Público, os Partidos Políticos e os candidatos, eleitos ou não”.

Tito Costa19 dá maior amplitude a este rol e aceita também que o eleitor, associação de classe e sindicatos figurem no pólo ativo da ação de impugnação de mandato eletivo.

A análise da evolução legislativa quanto à legitimidade ativa para a impugnação de registro de candidatura, instituto da mesma natureza jurídica da impugnação de mandato eletivo, mas que visa impedir que o impugnado participe do próprio certame (artigo 97 do Código Eleitoral e artigos 3.º e 22 da Lei Complementar n. 64/90), indica que, neste caso, está com razão o Prof. Joel José Cândido.

4.10.4. Produção antecipada de provas

A interpretação gramatical da parte final do § 10 do artigo 14 da Constituição Federal pode levar à conclusão de que a petição inicial da ação de impugnação de mandato eletivo necessariamente deve ser instruída com provas pré-constituídas. O entendimento, aliás, teria respaldo em precedentes relacionados ao recurso contra a expedição do diploma (previsto nas hipóteses do artigo 262 do Código Eleitoral), já que, em relação a este, o Tribunal Superior Eleitoral reiteradas vezes exigiu a prova pré-constituída (BE-TSE 422/555 e 434/508). Ao contrário, contudo, do recurso contra a expedição do diploma, a ação de impugnação de mandato eletivo comporta dilação probatória. Não se veda, portanto, a produção de provas no curso da ação, sendo facultativa a investigação prévia prevista na Lei Complementar n. 64/90.

4.10.5. Foro competente e o rito da ação

A ação de impugnação de mandato eletivo, em se tratando de mandatos de natureza municipal, deve ser processada e julgada pelo juiz eleitoral de 1.º grau, não se aplicando o disposto no artigo. 29, inciso X, da Constituição Federal (cf. Recurso TSE n. 9.453).

Cuidando-se de mandatos de Governador e Vice, e também Senador, Deputado Federal, Estadual e Distrital, a competência é do Tribunal Regional

18 Direito Eleitoral Brasileiro. 1.ª ed. Edipro, 1992. p. 126.19 Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Revista dos Tribunais, 639/17-21.

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Eleitoral. Quanto aos mandatos do Presidente da República e Vice, a competência é do Tribunal Superior Eleitoral. Nesse sentido, as lições de Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha20 e de Joel José Cândido. Tito Costa21 sustenta que a impugnação de mandatos de Senadores e Deputados Federais é de competência originária do Tribunal Superior Eleitoral.

Quanto ao rito inicial da ação, a partir das Resoluções TSE n. 21.634 e 21.635, ambas de 2004, prevalece que na fase de conhecimento deve ser observado o procedimento previsto nos artigos 3º a 6º da LC 64/90, e não mais o procedimento ordinário do Código de Processo Civil. Para os recursos o prazo é de três dias (artigo 258 do Código Eleitoral).

O recurso contra a sentença de primeira instância será de apelação e terá efeito devolutivo e suspensivo, aplicando-se a regra do artigo 216 do Código Eleitoral e não a norma prevista em seu artigo 257.

Quando a natureza do vício constatado permitir um cálculo preciso dos votos viciados, a sentença poderá determinar o recolhimento do diploma impugnado e a posse do segundo colocado no pleito. Inviabilizada a hipótese, deve assumir provisoriamente o Presidente da Câmara dos Deputados, da Assembléia Legislativa ou da Câmara Municipal, e novas eleições serão convocadas para o prazo de noventa dias.

A ação corre em segredo de justiça, é gratuita (Lei n. 9.507/97) e, segundo prevalece na jurisprudência, a perda do mandato só é efetivada após o trânsito em julgado da decisão final, tese que, na prática, tem fulminado a eficácia da ação e que deve ser revisitada ante o novo instituto da antecipação da tutela. Anote-se, ademais, que a Lei Complementar n. 86/96, na parte que permitia o exercício do mandato até o julgamento final da ação rescisória contra a decisão que impugnou o mandato eletivo, foi liminarmente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 1459) por violar o princípio da coisa julgada.

Na hipótese de captação irregular de sufrágio, prevista no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 (dispositivo decorrente de lei de iniciativa popular, apoiada pela CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - e por isso chamada Lei dos Bispos – Lei n. 9.840/99), a cassação do registro ou do diploma daquele que obtém voto em troca de vantagem decorre da primeira decisão judicial, independente do trânsito em julgado final, não se submetendo às regras dos artigos 216 do Código Eleitoral ou 15 da Lei Complementar n. 64/90. Nesse sentido o Mandado de Segurança n. 2125, TRE/SP, j. de 26/09/02 e a Questão de Ordem no Recurso Especial Eleitoral 19.528, TSE, j. de 13/12/01.

A condenação definitiva por abuso do poder econômico ou político gera a inelegibilidade para qualquer cargo eletivo, por três anos, contados da data da

20 Manual das Eleições. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 53.21 Recursos em Matéria Eleitoral. 4.ª ed. São Paulo: RT. p. 174.

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eleição em que se verificou (Súmula n. 19 do Tribunal Superior Eleitoral e alínea “d” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n. 64/90).

4.11. Perda e Suspensão dos Direitos Políticos

É vedada a cassação de direitos políticos (a cassação tem implícito um gesto de arbitrariedade), cuja perda (privação definitiva) ou suspensão (privação temporária) acontecerá nos casos previstos no artigo 15 da Constituição Federal/88.

A perda diferencia-se da suspensão porque nesta a reaquisição dos direitos políticos é automática, e naquela, depende de requerimento.

Trata-se de uma espécie de direitos políticos negativos, que abrange a perda e a suspensão dos direitos políticos. Nos termos do art. 15, é vedada a cassação dos direitos políticos, salvo nos casos lá previstos (rol taxativo). Doutrina se esforça para distinguir, dentre as hipóteses do art. 15, quais seriam perda e quais seriam suspensão22 . Grande divergência doutrinária paira sobre o tema. Mas, lembre-se: fato de se classificar como perda, não importa na impossibilidade de reaquisição dos direitos políticos. Vejamos as hipóteses:

a) Cancelamento da naturalização por sentença transitado em julgado – trata-se de dispositivo inócuo, pois se alguém perde sua naturalização, deixa de existir um dos pressupostos para o exercício dos direitos políticos: a nacionalidade (ele deixa de ser nacional – art. 12, § 4º, I) . É tão inócua esta regra que no caso do brasileiro nato que adquire, voluntariamente, outra nacionalidade, também há perda dos direitos políticos, embora essa hipótese não esteja prevista no rol do art. 15, por se tratar de conseqüência lógica do sistema. Cabe ao juiz federal a perda dos direitos políticos (art. 109, X, CF). A reaquisição dos direitos políticos só se dá por ação rescisória.

b) Incapacidade civil absoluta – com a decretação da incapacidade, pela interdição, o juiz nomeia um curador e comunica o fato ao TRE. Se a pessoa recuperar a capacidade, o juiz levanta a interdição, e como conseqüência automática, é feita a comunicação ao TRE, readquirindo a pessoa os seus direitos políticos.

c) Condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos – a norma possui eficácia plena, com aplicabilidade imediata e integral (STF), devendo o cartório criminal comunicar o fato ao TRE. Os efeitos da condenação criminal perduram até a extinção da pena (súmula 9/TSE – “a suspensão dos direitos políticos decorrente de condenação transitada em julgado cessa com o cumprimento ou extinção da pena, independentemente de reabilitação ou prova da reparação dos danos”).

22 Kildare diz que são de perda as hipóteses dos incisos I e IV.

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Assim, para a recuperação dos direitos político exige-se o efetivo pagamento da pena de multa, ressalvados os casos de prescrição e outras hipóteses de extinção da punibilidade.

A conseqüência do inciso III se aplica a qualquer condenação criminal, seja ela dolosa, culposa ou contravenção penal. Ainda, mesmo que o condenado se beneficie do sursis, do livramento condicional, da prisão domiciliar etc. continuará com seus direitos políticos suspensos, pois tais institutos não eliminam os efeitos secundários da condenação. O inciso III incide, inclusive, sobre os fatos praticados antes da CF/8823.

Juizados Especiais Criminais – Kildare Gonçalves sustenta que nos casos de reparação civil (art. 74) e de suspensão condicional do processo (art. 89), não há suspensão dos direitos políticos. Contudo, tratando-se de transação penal, incide o art. 15, III (não concordo).

Preso provisório – não há, ainda, privação dos direitos políticos, contudo, a liberdade física é um pressuposto para o exercício dos direito políticos, razão pela qual ficam impossibilitados de votar. O correto seria a implantação de seções eleitorais nos presídios.

Deputados e Senadores que forem, no exercício do mandato, condenados criminalmente, não perdem automaticamente, o mandato eletivo, pois se sujeitam à decisão da Casa respectiva (art. 55, VI, § 2º, CF), por maioria absoluta, por voto secreto. Embora não percam automaticamente o mandato, não podem disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da sentença condenatória. Contudo, esta regra só se aplica àqueles parlamentares, e tratando-se de outros cargos (ex: vereador, prefeito), há perda imediata da função24.

23 “À incidência do art. 15, III, da CF, sobre os condenados na sua vigência, não cabe opor a circunstância de ser o fato criminoso anterior à promulgação dela a fim de invocar a garantia da irretroatividade da lei penal mais severa: cuidando-se de norma originária da Constituição, obviamente não lhe são oponíveis as limitações materiais que nela se impuseram ao poder de reforma constitucional. Da suspensão de direitos políticos — efeito da condenação criminal transitada em julgado, ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2º, da Constituição, resulta por si mesma a perda do mandato eletivo ou do cargo do agente político”. (RE 418.876)24 “Perda dos direitos políticos: conseqüência da existência da coisa julgada. A Câmara de Vereadores não tem competência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos do processo criminal. Recebida a comunicação, o Presidente da Câmara, de imediato, declarará a extinção do mandato do Prefeito, assumindo o cargo o Vice-Prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não cabe ao Presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da extinção do mandato”. (RE 225.019).

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Tratando-se de capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), há de se observar que os condenados definitivos, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, por crimes eleitorais e por tráfico de entorpecentes, permanecerão inelegíveis por 3 anos após o cumprimento da pena (art. 1º, I, “c” da LC 64/90). O indulto não é suficiente para afastar a inelegibilidade. Inclusive esse é o entendimento do TSE.

d) Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa – trata-se da escusa (ou objeção) de consciência (art. 5º, VIII). Embora o art. 15, IV utilize a partícula “ou”, para haver a privação dos direitos políticos a pessoa deve se recusar a cumprir a obrigação a todos imposta e a prestação alternativa, ou seja, a conjunção é aditiva. O principal requisito para a privação é a existência de lei prevendo a prestação alternativa. O texto da CF não diz de quem é a competência para a decretação da perda. Cabe à União legislar sobre o assunto (art. 22, XIII), indicando, inclusive, a competência. A reaquisição dos direitos políticos depende de pedido ao Ministério da Justiça ou a outro órgão a que a lei der competência, devendo o indivíduo declarar que está pronto a suportar o ônus que recusou.

e) Improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º – trata-se de imoralidade caracterizada pelo uso indevido da administração pública, nos termos da Lei 8.429/90, vedando-se o administrador ímprobo a participar do processo democrático. A suspensão dos direitos políticos decorrente de improbidade não pode ser aplicada em procedimento administrativo, mas somente por processo judicial, exigindo-se, ainda, a menção expressa na sentença25.

A competência para decidir sobre perda ou suspensão de direitos políticos é do poder judiciário, uma vez que a constituição atual, ao contrário da revogada, não mais outorga expressamente competência ao Presidente da República. Ainda, o habeas corpus não é o remédio correto para impugnar a privação dos direitos políticos (STF, HC 81.003).

4.12. Dos Partidos Políticos

Estudamos o tema “partidos políticos” dentro do tema nacionalidade porque os direitos fundamentais, previstos no Título II da CF, se projetarem da seguinte forma: 1) Capítulo I – dos direitos e deveres individuais e coletivos; 2) Capítulo II – dos direitos sociais; 3) Capítulo III – da nacionalidade; 4) Capítulo 25 “Ato de improbidade. A aplicação das penas previstas na Lei 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão”. (RMS 24.699)

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IV – dos direitos políticos; 5) Capítulo V – dos partidos políticos. Ou seja, os partidos políticos estão tratados dentro dos direitos fundamentais. Além disso, existem outros dois grandes motivos: 1) pelo art. 1º, V da CF, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é o pluralismo político, mostrando-se os partidos políticos como instrumentos de acesso ao poder (por meio deles se organiza a vontade popular); 2) uma das condições de elegibilidade é a filiação partidária (não pode haver candidatura avulsa). Os partidos políticos destinam-se à garantia da autenticidade do sistema representativo e à defesa dos direitos fundamentais das pessoas, o que revela a importância do tratamento dentro do Título II da CF.

No Brasil, os partidos políticos foram institucionalizados com a CF/46, a qual marca a existência verdadeira do partido político em nosso país, existência que começa com o advento dos partidos nacionais. Contudo, no Brasil não há tradição partidária, isso devido ao exagerado personalismo que domina a vida política brasileira e dos próprios partidos, levando ao desapreço pelos programas e diretrizes partidárias.

4.13. Natureza Jurídica

Nos termos do art. 17, § 2º da CF, os partidos políticos adquirem personalidade jurídica de acordo com as regras da lei civil (os estatutos devem ser registrados no cartório de registro das pessoas jurídicas). Além disso, após adquirem personalidade, devem registrar os seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, que exerce certo controle nessa etapa. Verifica-se, portanto, que a natureza jurídica dos partidos políticos é de pessoa jurídica de direito privado, muito embora exerçam uma função pública. O art. 44 do CC (alterado pela Lei 10.825/03) é claro em dizer que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado.

4.14. Princípios

a) Princípio da liberdade – está previsto no “caput” do art. 17, que diz ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos. No entanto, não se trata de liberdade partidária absoluta, pois deverão ser resguardados o regime democrático de direito, a soberania nacional, os direitos fundamentais da pessoa humana e o pluripartidarismo.

b) Princípio da autonomia – de acordo com o § 1º do art. 17, os partidos políticos possuem autonomia de estruturação, organização e funcionamento, devendo os estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Atenção: Área de reserva estatutária – segundo o STF, significa que a matéria a ser tratada pelo estatuto não pode ser tratada pela lei. Trata-se da chamada tendência minimalista, que significa que, em nosso sistema a

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intervenção da lei nos estatutos é mínima, ou seja, aquilo que é de competência do estatuto não pode ser tratado pela lei. Contrapõe-se à tendência maximalista. Por tal razão foi declarada inconstitucional lei federal que garantia aos parlamentares em exercício o direito à reeleição, independentemente da vontade dos partidos políticos, desobedecendo-se os respectivos estatutos.

4.15. Observações finais

A EC 52/06 que alterou o §1º, do artigo 17, da CF, pôs fim à verticalização das coligações partidárias, ampliando a autonomia dos partidos, não havendo, portanto, obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal26.

Foi ajuizada Adin (n.º3.685) que visava a inconstitucionalidade da EC 52/06. O STF julgou procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no artigo 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência (apenas objetivou preservar o princípio da anterioridade da lei eleitoral), razão pela qual a nova regra, embora válida, não se aplicou às eleições de 2006.

A Lei n.º 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) instituiu a chamada cláusula de barreira, a qual “restringia o direito ao funcionamento parlamentar, o acesso gratuito de rádio e televisão e a distribuição dos recursos do Fundo Partidário”. O STF, nas Adins 1.351 e 1.354, julgou inconstitucional diversos dispositivos que procuravam condicionar: “o funcionamento parlamentar a determinado desempenho eleitoral, conferindo, aos partidos, diferentes proporções de participação no Fundo partidário e de tempo disponível para a propaganda partidária (direito de antena), conforme alcançados, ou não, os patamares de desempenho impostos para o funcionamento do parlamentar”. (Adin 1.351/DF e Adin 1.354 DF, rel. Min. Marco Aurélio, 07.12.2006- Inf. 451/STF).

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza

26 § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

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crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOSCurso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Pode ser extraditado o brasileiro naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. Esta afirmativa:

a) Mostra-se incompleta, porque não só o brasileiro naturalizado como também o nato pode ser extraditado;

b) Mostra-se compatível com o que dispôs a CF/88, no capítulo dos Direitos e Deveres Fundamentais;

c) Mostra-se incompatível com esse mesmo capítulo;

d) Mostra-se incorreta, porque importa o momento da prática do crime comum, se antes ou apo a naturalização.

e) Mostra-se incorreta, porque a prática de crime comum não autoriza a extradição.

2. A perda ou suspensão dos direitos políticos:

a) só ocorrerá em caso de incapacidade civil absoluta;

b) só ocorrerá em caso de improbidade administrativa;

c) só ocorrerá em caso de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

d) ocorrerá em todos os casos mencionados nas alternativas anteriores.

3. Assinale a afirmativa correta:

a) Todo eleitor é cidadão, embora nem sempre possa exercer todos os direitos políticos.

b) Os estrangeiros podem alistar-se como eleitores, desde que residentes no país há mais de dez anos.

c) O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios também para os analfabetos.

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d) É condição de elegibilidade, para Governador do Estado, a idade mínima de 25 anos.

4. Quanto aos partidos políticos, é correto afirmar que:

a) São definidos como pessoas jurídicas de direito público, ao teor da CF.

b) A aquisição de sua personalidade ocorre com o registro na Justiça Eleitoral.

c) Desfrutam de autonomia, sujeitando-se, entretanto, ao registro de seus estatutos no TSE.

d) A fidelidade e a disciplina partidárias são objetos de facultativa disposição estatutária.

e) Podem ter caráter regional e independem de prestação de contas à Justiça Eleitoral.

5. Ao dispor sobre os direitos sociais, a CF:

a) estabelece para os trabalhadores avulsos contratados os mesmos direitos que possuem os domésticos;

b) proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre aos menores de 16 anos;

c) considera a indenização por acidente de trabalho responsabilidade do empregador a título de dolo;

d) prescreve assistência gratuita aos filhos e dependentes dos trabalhadores, desde o nascimento até os seis anos de idade, em creches e pré-escolas.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a diferença entre liberdade de consciência e liberdade de crença?A liberdade de consciência é a liberdade de foro íntimo, sendo que ninguém pode obrigar outrem a pensar deste ou daquele modo. É, pois, facultado a cada um conscientizar-se da concepção ou diretriz de vida que melhor lhe aprouver. Na liberdade de crença entra a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, bem como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo.

2. O que significa dizer que é livre o exercício de qualquer trabalho ou função?Significa que é livre a opção da atividade a ser seguida por brasileiro ou estrangeiro residente no País, de acordo com suas aptidões, talentos e ideais de vida. Não obstante, determinadas profissões exigem habilitações especiais para o seu desempenho (como, por exemplo, a advocacia – é necessário o bacharelado em direito e a aprovação no exame de ordem) e outras condições materiais adequadas para seu funcionamento. O dispositivo assegura, ainda, o direito de exercer o que foi escolhido, longe das interferências do Poder Público.

3. Direito de petição é direito de ação?Não. A distinção indelével é que o direito de ação é o mecanismo pelo qual se ingressa em juízo para pleitear uma tutela jurisdicional, tratando-se de direito pessoal e, nesse caso, é necessário que se preencha uma das condições da ação: o interesse processual. Já no direito de petição não é necessário que o peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, uma vez que tal direito liga-se à participação política, nisto residindo o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica.

4. Quais os requisitos para a interceptação telefônica?A Lei n. 9.296/96 dispõe que a interceptação telefônica é possível para prova em investigação criminal ou instrução processual penal, mediante ordem judicial: a) de ofício, a requerimento do MP ou da autoridade policial; b) quando o fato for punido com reclusão; c) desde que imprescindível para a instrução processual penal, ou a investigação criminal; d) já existirem indícios suficientes de autoria ou participação.

5. O que é um tribunal de exceção?É o tribunal instituído com a exclusiva finalidade de julgar um ou vários casos concretos, após a sua ocorrência. É formado para julgar este fato ou pessoa determinada. Esta situação é incompatível com o Estado de Direito.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO VIII

DIREITO CONSTITUCIONALO controle de constitucionalidade das

leis e dos atos normativos

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DIREITO CONSTITUCIONAL

O Controle de Constitucionalidade das

Leis e dos Atos Normativos

Professor Clever Vasconcelos

1. CONCEITO E OBJETO

O controle de constitucionalidade, conforme bem lecionam Leda Pereira da Mota e Celso Spitzcovsky1, é o “exame da adequação das normas à Constituição, do ponto de vista material ou formal, de maneira a oferecer harmonia e unidade a todo o sistema”.

O objetivo do controle da constitucionalidade é preservar a supremacia da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico.

A idéia de rigidez revela a chamada supremacia (ou supralegalidade) constitucional, devendo todo o ordenamento jurídico conformar-se com os preceitos da constituição, tanto formal (competência, procedimento) quanto materialmente (conteúdo do ato). O controle da constitucionalidade, como garantia da constituição, está ligado com a concepção de constituição rígida, embora a concepção de supremacia da constituição seja inerente também à de constituição flexível, mas, nesse caso, trata-se de superioridade material. A superioridade formal é revelada pelo caráter rígido das constituições. Dessa supremacia decorre o princípio da compatibilidade vertical, segundo o qual a validade da norma inferior depende de sua compatibilidade com a constituição. Assim, controlar a constitucionalidade é verificar a adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, nos seus aspectos formais e materiais, garantindo a supremacia daquela2.

Michel Temer, também defende que “A idéia de controle está ligada, à de rigidez constitucional. De fato, é nas constituições rígidas que se verifica a superioridade da Norma Magna em relação àquela produzida pelo órgão constituído. O fundamento do controle, nestas, é o de que nenhum ato normativo – que necessariamente dela decorre – pode modificá-la”.

O conceito de lei inclui as emendas constitucionais e todas as outras normas previstas no artigo 59 da Constituição Federal (inclusive as medidas provisórias), ou seja, as espécies normativas.

1 Curso de Direito Constitucional. 5.ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 382 Acentua Kildare Gonçalves que da idéia de supremacia da constituição decorrem os seguintes princípios: 1) unidade – as normas inferiores devem adequar-se às normas superiores na constituição; 2) constitucionalidade – verificação da compatibilidade das normas infraconstitucionais com as normas superiores; 3) razoabilidade – as leis devem ser meios adequados aos fins estabelecidos na CF.

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Os atos normativos são os tratados internacionais devidamente inseridos na ordem jurídica nacional, as resoluções e os regimentos internos dos tribunais, as resoluções do Conselho Interministerial de Preços e outros atos do Poder Público de conteúdo obrigatório.

Os tratados internacionais são celebrados pelo Presidente da República. Contudo, para serem incorporados ao ordenamento jurídico nacional, dependem de referendo do Congresso Nacional, via decreto legislativo aprovado por maioria simples (artigo 49, inciso I, da Constituição Federal), e, por fim, de promulgação e publicação por decreto do Presidente da República (é o decreto presidencial que dá força executiva ao tratado). Um país pode assinar um tratado (se participou desde o início da formalização do pacto) ou aderir a ele (o aderente, em regra, é um país que não negociou nem assinou o pacto no momento de sua formalização), com ou sem reservas. Por reserva entende-se que, em razão da sua soberania, um país pode unilateralmente excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a ele próprio. Normalmente a reserva é incompatível com os tratados bilaterais e só se verifica em tratados multilaterais.

A partir de sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional (com o decreto presidencial), o tratado internacional, ainda que fundado no § 2.º do artigo 5.º da Constituição Federal, tem força de lei infraconstitucional ordinária e como tal está sujeito ao controle de sua constitucionalidade (cf. Supremo Tribunal Federal, HC n. 72.131, j. 23.11.1995). Portanto, entre nós adotou-se a teoria dualista e não a teoria monista (pela qual a ordem jurídica interna deve se ajustar ao Direito Internacional)

Quanto à solução para o conflito entre leis e tratados, devem ser utilizados dois critérios. Em primeiro lugar, o da especialidade, fazendo com que normas de natureza especial tenham prevalência sobre as normas gerais, inclusive aquelas que lhes são posteriores (HC n. 58.727, STF). Caso o conflito não seja solucionado pelo critério da especialidade, deve ser observado o critério temporal, garantindo-se a prevalência da última manifestação do legislador nacional (considerada a data da vigência da lei e do tratado, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por maioria, no julgamento do RE 80.004, RTJ, 1978, vol. 83, p. 809-848).

De acordo com a Emenda Constitucional 45/2004, Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às Emendas Constitucionais, sobrepondo-se às normas infraconstitucionais, mas devendo respeito às cláusulas pétreas e, portanto, sujeitando-se ao

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controle da constitucionalidade. Antes mesmo da Emenda Constitucional 45/2004 parte da doutrina já sustentava tese diversa, afirmando que os tratados internacionais de proteção aos Direitos Humanos ingressam em nosso ordenamento jurídico nacional com força de norma constitucional. A respeito do tema, merece destaque o trabalho de Flávia Piovesan3.

As medidas provisórias também estão sujeitas ao controle de sua constitucionalidade, inclusive por via de ação direta. Os conceitos de relevância e urgência decorrem de juízo discricionário do Presidente da República, só admitindo controle judiciário se houver evidente abuso de poder.

O decreto, espécie mais comum dos atos regulamentares, costuma ser definido como o ato administrativo de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal), destinado a dar eficácia a situações gerais ou especiais previstas de forma explícita ou implícita na lei.

Não tem força, portanto, para criar direitos ou extinguir obrigações, ou seja: no que for além da lei, não obriga; no que for contra a lei, não prevalece. Prepondera, portanto, que a Constituição Federal de 1988 só admite o decreto regulamentar, também chamado de decreto de execução, ou seja, aquele que se limita a facilitar a execução da lei e a organizar o funcionamento da Administração (artigos 5.º, inciso II; 49, inciso V, e 84, inciso IV, todos da Constituição Federal).

Algumas vezes a Constituição Federal traz expressões como “a lei disporá” ou “a lei regulará”, indicando que no caso vigora o princípio da reserva legal e que somente uma lei formal pode disciplinar determinada matéria, não sendo possível o emprego do decreto para regulamentar essas hipóteses. Nesse sentido, as lições de José Afonso da Silva, Celso Bastos e Celso Antônio Bandeira de Mello.

Alguns autores (doutrina minoritária), no entanto, admitem o decreto denominado autônomo ou independente, o decreto que visa suprir a omissão do legislador dispondo sobre matéria ainda não especificada em lei e que não esteja sujeita ao princípio da reserva legal. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles4. Eventualmente pode se verificar a irregular edição de decretos autônomos, independentes (que não regulamentam qualquer lei e criam obrigações), quando então poderá ser admitido o exame de sua constitucionalidade (RT 689/281 e RTJ 142/718, STF). O confronto com a Constituição Federal deve ser direto.

3 Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996

4 Direito Administrativo brasileiro. 25.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 169.

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Acrescente-se, ainda, as lições da eminente administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem, a partir da Emenda Constitucional nº 32/01, com a alteração do inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal foi restabelecido o regulamento autônomo no direito brasileiro, para a hipótese específica lá inserida.

Normalmente, porém, o que se verifica é uma verdadeira insubordinação executiva, com o decreto extrapolando ou afrontando a lei que deveria regulamentar. Nessa hipótese, o que se tem é uma ilegalidade (crise de legalidade) e não uma inconstitucionalidade, mostrando-se incabível a ação direta de inconstitucionalidade (RT 683/201).

Façamos algumas observações iniciais:

a) Norma constitucional inconstitucional – somente pode haver no exercício do poder reformador da constituição, ou seja, uma emenda constitucional pode ser objeto de controle. Não há norma constitucional inconstitucional decorrente do poder constituinte originário (essa também é a posição do STF, quando decidiu ADI contra o art. 45, § 1º da CF). Ou seja, em respeito ao princípio da unidade da constituição não há hierarquia entre normas constitucionais originárias.

Art. 45, § 1º – é norma decorrente do constituinte originário, e nunca foi modificada por emenda. Não há dúvidas de que este dispositivo quebra a proporcionalidade aritmética de representação, deixando os maiores estados sub-representados e os menores super-representados. Por isso, o Governador do RS ajuizou adin contra esse dispositivo, dizendo que na CF existem duas normas que são pilares (princípio da isonomia e norma do pacto federativo), e as outras normas da CF deviam obediência a estas duas, o que tornava aquele artigo inconstitucional. O STF indeferiu a petição inicial por impossibilidade jurídica do pedido. Ou seja, ele afirmou que não existe norma inconstitucional decorrente do poder originário. Vejamos ainda outra passagem do STF sobre o tema:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de não admitir, em sede de fiscalização normativa abstrata, o exame de constitucionalidade de uma norma constitucional originária, como o é aquela inscrita no § 3º do art. 226 da Constituição:

“- A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida.

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- Na atual Carta Magna, ‘compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição’ (artigo 102, ‘caput’), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição.

- Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida, por impossibilidade jurídica do pedido.” (RTJ 163/872-873, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno - grifei)

b) Impossibilidade de convalidação de norma inconstitucional em razão de emenda – se determinada lei era contrária à redação originária da constituição e agora, em razão de emenda, fica sendo conforme à nova norma constitucional, não será a referida lei convalidada ou sanada. Ferida de raiz, não pode apresentar-se agora como se fosse uma nova norma, sob pena de diminuir a função essencial da constituição.

c) Bloco de inconstitucionalidade – é o parâmetro dentro do qual se verificará a constitucionalidade de uma determinada norma. Ou seja, para saber se uma norma é ou não constitucional, deve-se, em primeiro lugar analisar à constituição. Com a emenda constituição 45, os tratados internacionais sobre direitos humanos que se submeterem ao processo de elaboração das emendas, incorporam em nosso ordenamento como se emenda constitucional fosse, razão pela qual está incluído no bloco de constitucionalidade. Também devem ser respeitados os direitos fundamentais decorrentes (ex: muito embora no art. 5º, LXIII esteja dito que o preso tem direito de ao advogado, é certo que o réu solto também o tem).

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Todavia, não cabe controle de constitucionalidade contra:

a) Súmulas dos tribunais.

b) Atos normativos secundários – são aqueles subordinados aos atos normativos primários (ex: decretos e instruções normativas). O que normalmente se verifica é uma verdadeira insubordinação executiva, com o decreto extrapolando ou afrontando a lei que deveria regulamentar. Nessas hipóteses, o que se tem é uma ilegalidade (crise de legalidade) e não uma inconstitucionalidade. Segundo o STF, trata-se de uma inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua (ADI-MC 1.347).

c) Decreto executivo (art. 84, IV, CF). Todavia, é perfeitamente admissível o exame da constitucionalidade do decreto autônomo, expedido com base no art. 84, VI da CF.

1.1 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE

A inconstitucionalidade pode ser:

a) Material (ou substancial) – ocorrerá quando a matéria tratada na lei for incompatível com a constituição, ou seja, quando o vício diz respeito ao conteúdo da norma. É chamada de inconstitucionalidade nomoestática, que também deve ser declarada quando a lei contiver limitações inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais (não-razoáveis).

b) Formal (orgânica, procedimental ou extrínseca) – ocorre quando o vício está na produção da norma, no processo de elaboração que vai desde a iniciativa até a sua publicação (arts. 59 a 69 da CF). É chamada de nomodinâmica. Pode ser:

Subjetiva – quando o vício procedimental envolve a propositura da norma, ou seja, quando ela é encaminhada por um órgão ou por uma pessoa que não possuía iniciativa para tanto.

Objetiva – haverá quando o vício procedimental ocorrer em qualquer das demais fases do processo legislativo, ou seja, há desrespeito ao procedimento ditado pela constituição para a elaboração da norma.

As competências do art. 61, § 1º são do chefe do executivo, razão pela qual haverá inconstitucionalidade formal subjetiva se membros do CN, deputados estaduais ou vereadores, tomarem a iniciativa das matérias lá tratadas no art. 61, § 1º. Ainda, a sanção do Chefe do Executivo não supre o vício de iniciativa, estando superada a súmula 5 do STF (ADI 1.963). Também será formal

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subjetiva a inconstitucionalidade se um Estado legislar sobre direito penal, por exemplo.

Haverá inconstitucionalidade formal objetiva quando a CF exigir LC para determinada matéria (ex: inelegibilidade) e ela for tratada por lei ordinária. Por outro lado, a inobservância de limitação circunstancial do poder de reforma (ex: estado de defesa) acarreta inconstitucionalidade formal subjetiva.

Pode haver dupla inconstitucionalidade, como no caso de lei estadual que diz ser proibido dois estabelecimentos comerciais, do mesmo ramo, ficarem a menos de 200 metros um do outro: a primeira inconstitucionalidade é formal subjetiva (a competência é do município); a segunda inconstitucionalidade é material (a matéria fere o princípio da livre concorrência – art. 170, IV e súmula 646 do STF).

Fala-se ainda em inconstitucionalidade:

a) Imediata (ou antecedente) – decorre de um juízo da violação direta e imediata, da norma constitucional, por uma lei ou um ato normativo inferior.

b) Derivada (conseqüente ou por arrastamento) – decorre de um efeito reflexo da inconstitucionalidade antecedente, razão pela qual será inconstitucional (por arrastamento) a norma dependente de outra declarada inconstitucional. Ex: se a lei é inconstitucional, o decreto que a regulamentou também o será.

c) Causal – o ato praticado não atente à situação fática que a constituição instituiu como pressuposto de sua existência.

2.CLASSIFICAÇÃO DO CONTROLE

2.1 Quanto ao Órgão que Realiza o ControleO controle pode ser:

a) Jurisdicional – o exame de compatibilidade da lei com a constituição é feito por órgão integrante do poder judiciário, por mecanismos processuais próprios. É o sistema adotado no Brasil, nos Estados Unidos e na Áustria. Quando na constituição não há previsão de um órgão para a efetivação do controle, considera-se o Judiciário o competente para tanto, como ocorreu nos EUA5.

5 Poder-se-ia pensar que o controle judicial poderia transformar o judiciário em superpoder, cabendo-lhe a interpretação definitiva, comprometendo a separação de poderes. Contudo, não é isso o que ocorre pois o Judiciário, pela natureza de suas funções, é o Poder que menor perigo causa aos direitos fundamentais.

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b) Político – é aquele efetivado por uma Corte Constitucional que não integra nenhum dos três poderes do Estado, desfrutando de ampla autonomia em relação a eles e, segundo seus defensores, de maior sensibilidade política. É o caso da França, cujo controle de constitucionalidade, instituído na Constituição de 1958, é político, a cargo do Conselho Constitucional. Como dito acima, o Brasil adotou o sistema do controle jurisdicional, todavia, vale lembrar que no caso do controle preventivo exercido pelo Legislativo (ex: pela CCJ) e Executivo (exercício do veto) o controle é político, todavia, não se trata de efetivo controle político, cujo conceito se expôs6.

c) Misto – é aquele em que algumas leis são submetidas ao controle do Poder Judiciário, e outras ao controle político, como na Suíça, em que as leis federais ficam sob o controle político e as leis locais sofrem o controle jurisdicional7.

2.2 Quanto ao Momento (Tempo)

O controle de constitucionalidade pode ser:

a) Preventivo – é um controle político, cujo objetivo é impedir que regras contrárias à constituição ingressem no ordenamento jurídico. Trata-se de controle exercido durante a elaboração da norma, o que pode ser feito tanto pelo legislativo (através da CCJ da Câmara e do Senado, cujos pareceres negativos, em regra, são conclusivos, salvo se o plenário os invalidar dando provimento a recurso apresentado por no mínimo 1/10 dos membros) quanto pelo executivo, através do veto (veto jurídico, decorrente de inconstitucionalidade). Assim, no Brasil, o controle preventivo é predominantemente político.

Controle preventivo exercido pelo judiciário – em regra, não pode ser feito. Todavia, excepcionalmente, admite-se que parlamentar (e não qualquer cidadão) envolvido no processo legislativo impetre mandado de segurança contra proposta de emenda à constituição que extrapole os limites do poder derivado ou contra projeto de lei que viole as regras constitucionais do processo legislativo. Como se vê o

6 Se o Legislativo, no Brasil, exercesse um verdadeiro controle político, seria possível a edição de lei para a declaração de inconstitucionalidade de outra lei com efeitos ex tunc. Isso não é admissível em hipótese alguma, pois do contrário não haveria sentido em se permitir o ajuizamento de ADI pela mesa da Câmara e do Senado. Contudo, é perfeitamente possível o controle político exercido pelo Poder Legislativo com declaração de inconstitucionalidade ex nunc, bastando a simples revogação do ato normativo. Mas lembre-se que não se trata de efetivo controle político.

7 Kildare Gonçalves diz que também pode haver controle misto quando o exame da constitucionalidade for entregue a um órgão especial constituído por membros do Poder Judiciário e outros estranhos a esse Poder. Lembra que também é possível falar em controle misto para explicar o Brasil, em que o controle jurisdicional pode ser difuso e concentrado.

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controle será exercido na via difusa. Mas é preciso ressaltar que o STF não admite mandado de segurança quando o pedido tem por fundamento violação a disposições regimentais, pois matéria relativa à interpretação, pelo Congresso Nacional, de normas do regimento legislativo, é imune à crítica judiciária, circunscrevendo-se no domínio interna corporis.

b) Repressivo (superveniente ou sucessivo) – incide sobre a lei promulgada para afastar sua incidência. De forma típica, o controle repressivo é exercido pelo poder judiciário, mas de forma atípica pode ser exercido pelo legislativo ou executivo. No Brasil, onde o controle repressivo típico é exercido pelo judiciário, adota-se o modelo misto, ou seja, a jurisdição constitucional é exercida tanto pela via difusa quanto pela via concentrada. Nos Estados Unidos o controle é feito apenas de forma difusa, enquanto na Áustria é concentrado.

Controle repressivo político exercido pelo Legislativo – é a possibilidade de o legislativo editar decreto sustando atos normativos do Presidente da República que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa (art. 49, V da CF), bem como pode rejeitar medida provisória inconstitucional. Ainda, os Tribunais de Contas (auxiliares do legislativo) podem, em casos concretos, deixar de aplicar leis ou atos normativos que reputarem inconstitucionais (súmula 347 do STF).

Controle repressivo político exercido pelo Executivo - ocorre com base no art. 23, I da CF, podendo o chefe do executivo (e não seus subalternos), por ato administrativo formal e expresso, negar cumprimento a uma lei ou ato normativo que entendam flagrantemente inconstitucional, até que a decisão seja apreciada pelo judiciário (uns negam tal possibilidade, pois tal controle pelo executivo feriria a presunção de constitucionalidade das leis e geraria insegurança jurídica).

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RTJ 151/331). No mesmo sentido:

“Tribunal de Justiça de São Paulo

MANDADO DE SEGURANÇA – Ato administrativo – Prefeito Municipal – Sustação de cumprimento de Lei Municipal – Disposição sobre reenquadramento de servidores municipais em decorrência do exercício de cargo em comissão – Admissibilidade – Possibilidade de a Administração negar aplicação a uma lei que repute inconstitucional – Dever de velar pela Constituição que compete aos três Poderes – Desobrigatoriedade do Executivo em acatar normas legislativas contrárias à Constituição ou a leis hierarquicamente superiores – Segurança denegada – Recurso não provido. Nivelados no plano governamental, o Executivo e o Legislativo praticam atos de igual categoria, e com idêntica

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presunção de legitimidade. Se assim é, não se há de negar ao chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste.” (Apelação Cível n. 220.155-1, Campinas, Rel. Gonzaga Franceschini, CCIV 3, v. u., 14 Juis Saraiva 21).

3.MÉTODOS DE CONTROLE JUDICIAL NO DIREITO COMPARADO E O CONTROLE NO BRASIL

No direito comparado o controle jurisdicional de constitucionalidade pode ser:

a) Reservado – o controle é feito por um órgão de cúpula do poder judiciário, sendo, portanto, concentrada a jurisdição constitucional. É o modelo austríaco, criado por Hans Kelsen em 1920, e introduzido no Brasil em 1965, pela EC 16.

b) Aberto – permite-se que todo e qualquer órgão do poder judiciário exerça o controle, sendo, portanto, difusa a jurisdição. É o modelo norte-americano, o qual foi introduzido no Brasil em 1891.

Quanto ao modelo adotado pelo Brasil, em princípio devemos nos reportar ao art. 97 da CF (princípio da reserva de plenário) que diz que quando os tribunais forem declarar a inconstitucionalidade de norma, devem fazê-lo pelo voto da maioria absoluta dos membros do tribunal, através do pleno ou do órgão especial. Este dispositivo não veda que qualquer juiz de 1º grau declare a inconstitucionalidade de norma, mas apenas que câmara ou turma de qualquer Tribunal (mesmo do STF) o faça, ainda que por via de exceção. Mas deve-se ressaltar que o art. 97 proíbe apenas a declaração de inconstitucionalidade e não de constitucionalidade (ver arts. 480 e 481 do CPC). Por isso, o Brasil possui um controle misto (sui generis), podendo ser aberto (difuso) ou reservado (concentrado). Em outras palavras, o Brasil possui duas vias de controle: uma via de exceção (controle aberto) e outra via de ação (controle reservado).

O art. 97 permite que o órgão especial do tribunal declare a inconstitucionalidade da norma. O órgão especial faz as vezes do tribunal pleno, e, nos termos do art. 93, XI pode ser criado nos tribunais com mais de 25 membros, cuja composição será de 11 a 25 julgadores. A EC 45 mudou o método de composição do órgão especial, dizendo que metade dos membros ingressará por antiguidade e outra metade por eleição do tribunal pleno. Ainda, a regra do quinto constitucional (art. 94) também deve ser observada quando da composição do órgão especial, de modo que 5 membros deverão ser entre membros do Ministério Público e da OAB. Finalmente, ao órgão especial só podem ser delegadas funções administrativas e jurisdicionais.

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Vejamos o quadro geral relativo aos controles de constitucionalidade passíveis de serem exercidos no Brasil:

VIA DE AÇÃO VIA DE EXCEÇÃO

Método concentrado – é feito pelo órgão de cúpula do judiciário (STF – art. 102, I, a).

Método difuso – feito por qualquer órgão do judiciário.

Controle abstrato – é instaurado um processo para se apurar a inconstitucionalidade.

Controle concreto – realizado em caso concreto.

Controle principal – a questão constitucional é o próprio objeto do processo, e não questão prejudicial.

Controle incidental (incidenter tantum) – a declaração não é objeto principal do processo, mas apenas sua causa de pedir.

Processo objetivo – o legitimado para a adin não tem interesses subjetivos, pois na adin pretende-se assegurar, objetivamente, a supremacia da CF.

Processo subjetivo – existem sujeitos (partes) com interesses em conflito, havendo, portanto, uma verdadeira lide.

Decisão com efeitos erga omnes – a declaração da inconstitucionalidade atinge a todos, indistintamente.

Decisão com efeitos inter partes – por ser um processo subjetivo, a decisão somente produz efeitos às partes.

DECISÃO DECLARATÓRIA – EFEITOS EX TUNC (a decisão retroage à data da promulgação da lei)

4. CONTROLE VIA DE EXCEÇÃO

4.1. Conceito

O controle difuso é denominado concreto1, aberto, incidental (incidenter tantum), via de defesa ou exceção, podendo qualquer juiz ou tribunal, num caso concreto, deixar de aplicar uma lei que considerar inconstitucional, de ofício ou por provocação de uma das partes. Essa decisão só é legítima se indispensável para o julgamento de mérito do processo, já que o reconhecimento da inconstitucionalidade não é o objeto principal da lide, mas a apreciação incidental se mostra essencial para que a lide concreta seja efetivamente julgada (no controle difuso o reconhecimento da inconstitucionalidade se faz incidenter tantum, ou seja, a questão é apreciada como incidente da ação e, após resolvê-la, o juiz aprecia o pedido principal).

1 Há quem faça a ressalva de que, embora seja correto chamar o controle difuso de concreto, estes conceitos não são sinônimos. Ex: na Áustria, o controle é concentrado, contudo, nesse controle pode ser feito o exame de um caso concreto. Ainda, no Brasil pode haver controle concentrado tendo em vista um caso concreto (ex: ADI interventiva). A ADPF, quanto autônoma, será controle concentrado e abstrato, contudo, se incidental, o controle será concentrado e concreto.

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Como visto no quadro acima, os efeitos são apenas inter partes (atinge apenas as partes do litígio em exame), valendo apenas para o caso concreto, muito embora sua eficácia seja retroativa (ex tunc), assim como ocorre no controle abstrato, atingindo a lei ou ato normativo inconstitucional desde o seu nascimento. Duas observações:

a) A inconstitucionalidade de lei federal, estadual, distrital ou municipal (o objeto no controle concreto é o mais amplo possível), reconhecida em controle concreto, pode chegar ao STF por meio de recuso extraordinário2 ou ordinário, podendo também este tribunal realizar o controle difuso no recurso. O controle difuso também pode ser realizado pelo STF nas ações de sua competência originária (desde que não seja, é lógico, a própria ADI).

b) Ação civil pública – é possível o controle difuso nesta ação, desde que o objeto principal da ação não seja a própria declaração de inconstitucionalidade, valendo a decisão apenas para o caso concreto. Inviável é a ação civil pública que tenha por objeto principal a própria declaração de inconstitucionalidade de lei, pois seria sucedâneo da ADI.

Kildare sustenta que o controle difuso em sede de ação civil pública só se justifica quando se trata de interesses individuais homogêneos, caso em que a decisão alcançará apenas um grupo de pessoas. Nesse sentido, para ele é inviável o controle difuso naquela ação quando a decisão judicial gerar efeitos erga omnes, pois haveria subtração da competência do STF. Isso porque, de acordo com a LACP, as decisões judiciais em sede de ação civil pública geram efeitos erga omnes, equiparando-se aos efeitos da ADI, alcançando a todos.

4.2. Cláusula de Reserva de Plenário (art. 97 da CF)

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão

2 Devemos nos lembrar que para a admissão do recurso extraordinário é imprescindível o prévio debate e decisão sobre a matéria constitucional na instância inferior (é o prequestionamento – diz a súmula 366 do STF: “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”). Além disso, o recorrente deve demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais decididas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos seus membros. Pela técnica da repercussão geral, questões constitucionais que no caso concreto são apenas do interesse do recorrente ou de um número reduzido de pessoas poderão ser consideradas insuficientes para o conhecimento do REXT.

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especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Pelo princípio da reserva de plenário (ou full bench), corolário do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, e aplicado segundo o incidente de argüição de inconstitucionalidade, os órgãos fracionários do tribunal (turma ou câmara) não podem declarar a inconstitucionalidade de lei ato normativo, o que só pode ser feito pelo voto da maioria absoluta do pleno ou do órgão especial (onde houver). O órgão fracionário só está impedido de declarar a inconstitucionalidade, e não a constitucionalidade. Há quem entenda que se trata de regra de quorum, como condição de eficácia do julgamento (Kildare). Contudo, parece majoritária a tese que considera o instituto como regra de competência3. O desrespeito ao art. 97 gera nulidade absoluta da decisão, salvo as exceções à cláusula. O incidente de argüição está nos art. 480 a 482 do CPC.

Art. 480. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara, a que tocar o conhecimento do processo.

Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).

Para melhor visualização desse instituto vejamos um exemplo: “A” ajuíza ação contra “B”, requerendo que este cumpra determinada obrigação estabelecida com base na lei federal “X”. “B”, em defesa, pede que o juiz reconheça, por via de exceção, a inconstitucionalidade da norma que fundamenta o pedido de “A”. O juiz, convencido das alegações de “B”, declara a norma inconstitucional, eximindo-o do cumprimento da obrigação. “A”, inconformado, apela ao Tribunal de Justiça, requerendo a declaração da constitucionalidade da norma, reformando-se, por conseguinte, a decisão de primeiro grau, para compelir “B” a cumprir a obrigação.

3 É a tese de Pontes de Miranda, Celso de Mello e do STF: “Pretendida modulação, no tempo, dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade — Não-incidência, no caso em exame — Utilização dessa técnica no plano da fiscalização incidental — Necessária observância do postulado da reserva de Plenário — Conseqüente incompetência dos órgãos fracionários do Tribunal” (AI 417.014-AgR-ED).

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Recebido o processo por uma turma ou câmara do tribunal, não pode o respectivo órgão fracionário indeferir no mérito do recurso de “A”, já que, assim agindo, estaria confirmando a decisão de primeiro grau, ou seja, estaria declarando inconstitucional a norma “X”, o que é vedado pelo princípio da reserva de plenário (art. 97, CF). Por outro lado, pode a turma ou câmara pode dar provimento ao recurso de “A”, pois estaria declarando a constitucionalidade da norma, o que é permitido.

Se a turma ou câmara acreditar que a norma é constitucional, continuará no julgamento do recurso, analisando seu mérito. Todavia, se acreditar que a norma é inconstitucional, não poderá assim declará-la, pois deverá, nos termos do art. 481 do CPC, suscitar incidente de inconstitucionalidade, lavrando-se o respectivo acórdão de encaminhamento (1º acórdão do processo), e remetendo o processo à apreciação do pleno ou do órgão especial, que se limitará à analise da inconstitucionalidade da norma.

No pleno a questão constitucional é julgada em abstrato, sem considerar o caso concreto (intra muros), podendo-se reconhecer a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei, oportunidade em que se lavrará outro acórdão (2º acórdão do processo), remetendo os autos novamente à turma ou câmara, para que se dê prosseguimento ao julgamento, cabendo ao órgão fracionário decidir a causa respeitando o que restou decidido pelo pleno ou pelo órgão especial quanto ao aspecto constitucional. Ou seja, a decisão da turma ou câmara deve se amoldar à decisão do pleno, ou seja, se este reconheceu a inconstitucionalidade, a turma deve indeferir o recurso. A turma ou câmara, ao decidir deve elaborar acórdão do julgamento, chamado de acórdão de complementação (3º acórdão do processo). Vale lembrar que o STJ admite a possibilidade de o Pleno ou o órgão especial do Tribunal completar o julgamento quando a questão de mérito estiver ligada unicamente à inconstitucionalidade, não se devolvendo, neste caso, o processo à turma ou câmara para que uma dessas complete o julgamento.

Mantida a inconstitucionalidade da norma e improvido o recurso, “A”, ainda inconformado, decide ajuizar no STF, com base no art. 102, III, “b” da CF, recurso extraordinário. Mas pergunta-se: o recurso será contra qual acórdão? A súmula 513 do STF diz que é contra o terceiro acórdão (de complementação), vejamos: “a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário ao é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento”.

Chegando o recurso ao STF, o processo vai para uma turma. Esta turma, assim como a turma do tribunal, não poderá indeferir o recurso de “A”, pois estaria declarando inconstitucional a lei “X”, o que, como já se sabe, é vedado a órgão fracionário fazê-lo, nos exatos termos do art. 97. Vale lembrar que a turma pode deferir o recurso, pois estaria declarando a constitucionalidade da norma, o que é permitido. Sendo assim, acreditando a turma que a norma é inconstitucional,

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deverá remeter o processo ao plenário (acórdão de encaminhamento), oportunidade em que poderá ser declarada a inconstitucionalidade da norma por maioria absoluta. Vale dizer que no STF, o plenário não devolve o processo à turma para que esta profira o acórdão de complementação, ou seja, o próprio plenário, ao decidir a questão acerca da questão constitucional, já decide o mérito da causa.

Os órgãos recursais de 2º grau dos juizados especiais (turmas recursais) não estão equiparados aos tribunais nem sujeitos à cláusula de reserva de plenário para o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei pelo sistema difuso (STF, RE 453.744-AgR).

Vejamos, ainda, três questões importantíssimas:

a) “Leading case” – se o processo que chegar ao STF, de acordo com o exemplo anterior, for o primeiro a respeito daquele caso, e sendo relevante a matéria constitucional, diz o RISTF que a turma do STF não poderá se manifestar sobre ele, nem mesmo para que declare a constitucionalidade, devendo ser remetido ao plenário. Objetiva-se com essa regra evitar decisões contraditórias, ou seja, pode ocorrer de naquele caso a 1ª turma declarar a constitucionalidade, e em outro caso semelhante, a 2ª entender ser inconstitucional a norma. Como já visto, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade incidenter tantum é inter partes e com efeitos ex tunc (retroativos).

b) Mitigação do princípio da reserva de plenário – está previsto no parágrafo único do art. 481 do CPC. Este dispositivo não afronta o art. 97 da CF porque está fundamentado no princípio constitucional da razoabilidade. Segundo aquele dispositivo, os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão, ainda que na via de exceção. Antes mesmo das exceções trazidas pela Lei 9.756/98, o STF já as aplicava, não prevalecendo, portanto, a tese da inconstitucionalidade.

c) Segundo o STF (RE 460.971), “interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma a que se refere o art. 97, CF”.

4.3. Intervenção de Terceiros

Art. 482 e parágrafos do CPC.

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.

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§ 1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.

§ 2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

§ 3º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

A Lei 9.868/99 acrescentou os §§ 1º, 2º e 3º ao art. 482 do CPC. O § 2º permite que, no controle via de exceção, antes de a questão ser submetida ao pleno, os legitimados para a ADI (legitimados universais ou aqueles com pertinência temática) se manifestem sobre o caso, podendo sustentar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade. Em sede de ADI, embora o art. 7º da Lei 9.868/99 proíba expressamente a intervenção de terceiros (mas admite o amicus curie - § 2º ), é reconhecida tal possibilidade por analogia ao CPC.

O § 3º cria a figura do “amicus curiae” (amigo da corte), ou seja, pode o relator do processo admitir, por despacho irrecorrível, outros órgãos ou entidades a se manifestarem, com o objetivo de maior debate sobre a causa. Com a inovação desses dispositivos em sede de controle difuso, sustenta-se que CF deveria ser alterada para dar à decisão proferida naquele processo efeito idêntico ao da ADI (erga omnes), já que houve manifestação, inclusive dos legitimados para a adin. Assim, fala-se, hoje, em abstrativização (ou objetivação) do controle difuso (veja abaixo).

4.4. Suspensão da Norma pelo Senado (Art. 52, X da CF)

Reconhecendo o STF, de forma definitiva4, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, deve comunicar sua decisão ao 4 Para Kildare Gonçalves, por definitiva deve-se entender uma série de decisões tomadas no mesmo sentido, embora não haja um número de acórdãos que tornem definitiva a decisão. Em regra geral, o STF não encaminha uma decisão para o Senado, a não ser que seja firme, isto é, que a jurisprudência da Corte seja pacífica em relação à inconstitucionalidade da norma.

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Senado (art. 178 do RISTF), o qual, no momento em que julgar oportuno (não está obrigado a fazê-lo)5, pode suspender (total ou parcialmente), por via de resolução, a execução de lei declarada inconstitucional pelo STF por via de exceção. Caso o STF não comunique sua decisão ao Senado, a notícia poderá ser dada pelo Procurador-Geral da República ou mesmo pela CCJ, podendo o Senado, inclusive, agir de ofício. O Senado pode suspender ato federal, estadual ou municipal, desde que declarado inconstitucional pelo STF. Mas se a decisão de inconstitucionalidade for de outro Tribunal, o Senado está impedido de atuar (ex: se a decisão for do Tribunal de Justiça, este deve comunicar à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal, conforme seja lei estadual ou municipal)6. A resolução do Senado não revoga a lei, mas apenas suspende sua eficácia (a lei permanece vigente, mas ineficaz; sua revogação depende de lei). Todavia, a resolução tem eficácia “erga omnes” (atinge os que não foram parte no processo) e efeitos “ex nunc” (os efeitos não retroagem). Ou seja, a resolução atinge apenas as relações jurídicas constituendas, e não as relações já constituídas (efeito ex nunc – preservam-se as relações já aperfeiçoadas).

A expedição da resolução é um ato discricionário do Senado, que o realiza se quiser ou não, pois exerce juízo de conveniência e oportunidade (prevalece a ampla independência dos poderes). Isso porque a resolução é ato legislativo negativo, além de, segundo interpretação literal do dispositivo, o senado pode suspender a lei “no todo ou em parte”, ou seja, se pode ser suspensa apenas parte, significa que pode não ser suspensa parte alguma. Importante: não há prazo para a deliberação do Senado, contudo, uma vez editada a resolução, ela se torna irretratável (salvo se o STF julgar procedente ação declaratória de constitucionalidade da lei cuja execução fora suspensa). Muito embora seja um ato discricionário do Senado, a resolução não pode modificar o sentido ou restringir o alcance de decisões do STF, por exemplo, suspendendo somente uma parte de norma declarada integralmente inconstitucional (MS 16.512 e 16.965). A expressão “no todo ou em parte”, referida no texto constitucional, significa que, se o STF julgar uma norma parcialmente inconstitucional, o Senado poderá suspender sua execução nessa mesma extensão. Em sentido contrário, diz Michel Temer que o Senado não está obrigado a suspender a execução da lei na mesma extensão da declaração efetivada pelo STF.

5 Embora haja corrente minoritária que entenda ser vinculada a atividade do Senado, prevalece a posição no sentido da discricionariedade da sua atuação, tendo como argumento, dentre outros, o seguinte: a flutuação e a instabilidade jurisprudencial, pois constituem um dos substratos que permitem ao Senado fazer uma apreciação crítica sobre o julgado do STF, suspendendo-o ou não.

6 Há quem entenda que mesmo em se tratando de norma municipal declarada inconstitucional pelo TJ, a competência para a suspensão é da Assembléia, por ser esta guardiã da Constituição Estadual. Esta tese é minoritária e padece diante do art. 23, I da CF, que torna o município ente federativo, cabendo-lhe, no exercício da competência comum zelar pela guarda da Constituição, das leis e instituições democráticas.

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Duas observações:

a) Após a criação do instituto da súmula vinculante, tornou-se irrelevante a participação do Senado no controle de constitucionalidade. Aliás, o STF, no julgamento da Rcl. 4.335, entendeu exatamente desta forma. Nesse julgamento também houve voto no sentido de ter havido mutação constitucional, pois a função do Senado, em controle difuso, seria de dar publicidade à decisão. Em outras palavras, a própria decisão do STF já suspenderia a execução da lei (há ministros que não sustentaram essa tese naquele julgado)7.

b) Segundo entendimento do STJ, o termo inicial da prescrição qüinqüenal, para que o contribuinte que pagou tributo com base em lei declarada inconstitucional pelo STF e suspensa pelo Senado, ajuíze ação de repetição de indébito, é da expedição da resolução.

4.5. Abstrativização ou Objetivação do Controle Difuso

Trata-se da influência do controle concentrado no controle difuso. Seu objetivo é conceder efeito erga omnes e vinculante às decisões proferidas em sede de controle concreto. Baseia-se no fato de que, sendo o STF o guardião da CF, cabe-lhe dar a última palavra sobre o caso questionado. Ainda, eventuais decisões conflitantes feririam o princípio da força normativa da CF. Podemos verificar esse fenômeno no seguintes casos:

a) Súmula vinculante – pode ser criada a partir de decisões proferidas em sede de controle difuso, casos em que haverá efeitos erga omnes e vinculante.

b) Repercussão geral para a admissibilidade do recurso extraordinário – as questões constitucionais discutidas devem ter repercussão geral. Assim, o recurso extraordinário, que era tido para assegurar apenas direitos subjetivos das partes, agora assegura a CF, objetivamente.

c) A jurisprudência tem dado efeitos erga omnes e vinculante a algumas decisões proferidas em controle difuso (RE 197.971 e HC 82.959). Aliás, na reclamação 4.335, o STF explicitou que a decisão proferida no HC citado tem efeito típico das decisões proferidas em ADI.

7 Vejamos os votos: “Pelo art. 52, X da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída a competência para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do STF, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei”. No mesmo caso também foi decidido o seguinte: “A EC 45/04 dotou o STF de um poder que, sem reduzir o Senado a um órgão de publicidade de suas decisões, dispensaria essa intervenção, qual seja, o instituto da súmula vinculante”.

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4.6. Questões Finais

a) Tanto o autor quanto o réu podem requerer a inconstitucionalidade de uma lei dentro do processo. Vale lembrar ainda que o juiz pode agir de ofício, não dependendo de qualquer alegação das partes, já que não há maior interesse público do que a supremacia da constituição.

b) O objeto do controle de inconstitucionalidade por via de exceção é o mais amplo possível, abrangendo qualquer lei ou ato inconstitucional, seja ele municipal, estadual ou federal.

c) O Tribunal de Contas, que é um órgão do poder legislativo, pode declarar a inconstitucionalidade de lei (controle repressivo atípico). Mas sua decisão é administrativa, que pode ser revista pelo judiciário.

5. CONTROLE VIA DE AÇÃO

5.1. Conceito e Finalidade

Trata-se de verdadeira ação, cujo processo é de natureza objetiva, pois não está relacionado a qualquer caso concreto. Analisa-se a norma em seu contexto hipotético, razão por que não se defere o ingresso no processo de terceiro que tenha por finalidade defender seu interesse subjetivo. O controle concentrado pode ser desenvolvido por meio de ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. Neste tópico estudaremos a adin.

A ação direta de inconstitucionalidade é de competência originária do STF (art. 102, I, CF), na qual se pleiteia, como pedido principal, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo federal ou estadual. Trata-se de método concentrado, já que se atribui, com exclusividade, a um órgão do judiciário, o controle de constitucionalidade. Em suma: sua finalidade jurídica é a declaração da inconstitucionalidade da norma abstrata. A questão principal é a própria inconstitucionalidade da lei, possuindo a decisão efeitos ex tunc e erga omnes.

O ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade não está sujeita a prazo prescricional ou decadencial (súmula 360 do STF). Há de se observar, porém, que normas anteriores à constituição vigente (direito pré-constitucional) e com ela incompatíveis devem ser consideradas não recepcionadas (revogadas pela nova constituição) e não inconstitucionais. Todavia, ainda assim é cabível o controle concentrado, através da chamada ação de descumprimento de preceito fundamental por equiparação (art. 1º, parágrafo único da Lei 9.882/99). A revogação superveniente da norma impugnada faz com que a ação direta perca seu objeto.

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O processo constitucional objetivo é modelado pelos seguintes princípios (Canotilho):

a) Princípio do pedido – o processo inicia-se mediante a impulsão dos legitimados, tendo como conseqüência a impossibilidade de desistência da ação direta. É importante lembrar que o STF desenvolveu a tese da pertinência temática.

b) Princípio da instrução – no processo comum cabe às partes a produção da prova; por outro lado, no processo constitucional o juiz pode proceder a averiguações de ofício (arts. 9º e 20 da Lei 9.868/99). Ainda, esta abertura do processo objetivo repercute na prognose legislativa, ou seja, cabe ao Tribunal Constitucional a apreciação de fatos futuros, no âmbito do controle abstrato, os quais não são de avaliação exclusiva do legislador.

c) Princípio da congruência (ou adequação) – o tribunal só pode analisar a norma impugnada, ou seja, sobre as quais houve pedido. Excepciona-se, porém, a inconstitucionalidade por arrastamento (ou conseqüencial), podendo o tribunal controlar normas decorrentes daquela impugnada, ainda que não haja pedido.

d) Princípio da individualização – a decisão do tribunal pode basear-se em outros fundamentos jurídicos que não os declinados pelo autor, ou seja, a causa de pedir é aberta.

No âmbito regional, cabe aos Tribunais de Justiça declarar em ADI quais as normas estaduais ou municipais que se mostram incompatíveis com a Constituição Estadual, mas, de acordo com o entendimento pacífico do STF, “os Tribunais de Justiça, ao realizarem o controle abstrato, só podem usar, como parâmetro, a Constituição do Estado” (RE 421.256).8

5.2. Normas Sujeitas ao Controle (Objeto)

O objeto do controle de constitucionalidade via de ação é a lei ou o ato normativo federal ou estadual que viole a constituição federal, desde que revestidos de generalidade e abstração. Para fins de controle não se exige a vigência da lei; basta somente a sua promulgação e publicação. O STF não tem admitido ADI contra ato já revogado. Contudo, se a revogação ocorrer no curso do processo, seria possível prosseguir com o seu julgamento, pois a decisão em sede de ADI

8 Da decisão do Tribunal de Justiça em controle abstrato, declarando a inconstitucionalidade da norma estadual ou municipal (em face da CE), é cabível o recurso extraordinário ao STF se a norma violada da CE for de reprodução obrigatória da CF (ex: normas sobre o processo legislativo, tribunal de contas, criação de CPI etc.). Como se sabe (e como visto), o RE é usado para fins de controle difuso de constitucionalidade. Todavia, quando manejado contra decisão em ADI proferida pelo TJ o RE está sendo usado para o exercício de controle concentrado, pois não se está diante de um caso concreto.

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teria efeitos ex tunc, e a revogação não elimina os efeitos da lei quando esteve em vigor.

Estão sujeitas ao controle as seguintes normas:

a) Emenda constitucional – uma norma constitucional do ponto de vista formal (porque inserida no corpo da constituição) pode ser inconstitucional, desde que oriunda do poder constituinte derivado e deixe de observar uma das limitações ao poder de emenda. Por outro lado, vale ressaltar que, em respeito ao princípio da unidade da constituição, atualmente não existe hierarquia entre normas constitucionais elaboradas pelo poder constituinte originário, o que impede que uma seja declarada inconstitucional em face da outra (, norma editada pelo poder constituinte originário não está sujeita ao controle da constitucionalidade).

b) Lei distrital – o Distrito Federal possui órgão legislativo que não se confunde com as Assembléias Legislativas dos Estados nem com as Câmaras de Vereadores. Seu órgão legislativo é a Câmara Legislativa, que elabora leis distritais, sancionadas pelo Governador do Distrito Federal. A competência das Câmaras Legislativas, segundo o art. 32, § 1º da CF, é mais ampla do que a competência das Assembléias Legislativas, pois abrange tanto as matérias reservadas aos Estados, quanto aquelas reservadas aos Municípios. Sendo assim, em termos de controle de constitucionalidade via de ação, podemos dizer que a lei distrital somente pode ser objeto de adin quando veicular matéria estadual. A súmula 642 do STF diz que não cabe adin contra lei distrital derivada de sua competência municipal.

c) Ato normativo – apesar de a constituição (art. 102, I) se referir à lei ou ato normativo, não significa que a lei não seja ato normativo. Muito pelo contrário, não há maior ato normativo do que a lei. A constituição quis dizer que o objeto da ADI é a lei ou qualquer outro ato que, como a lei, seja normativo. O ato deve gozar de: 1) abstração – ele não se opera, imediatamente, no plano concreto; 2) generalidade – atinge a todos indistintamente. Por isso é possível o controle sobre atos editados por pessoa jurídica de direito público criada pela União, os regimentos internos dos Tribunais, decretos legislativos, e outros atos do Executivo com força normativa (ex: parecer da Consultoria Geral da República).

d) Norma originária de constituição estadual – pode ser atacada por controle concentrado, visto que, apesar tratar-se de norma originária da constituição do Estado (ou seja, ainda não sofreu alteração), ela foi elaborada com base no poder constituinte derivado, devendo, portanto, respeito à constituição federal.

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e) Decreto autônomo – é perfeitamente possível ser objeto de adin quando violar diretamente a constituição, inclusive aquele com base no art. 84, XII da CF; é também autônomo o decreto estadual que impõe sanções a servidores grevistas.

f) Medida provisória – quanto à verificação dos pressupostos (relevância e urgência) entende o STF que tal análise cabe, inicialmente, ao Chefe do Executivo e depois ao Congresso Nacional, que pode não converter a medida provisória em lei. Mas este exame é possível em sede de ADI quando houver excesso de poder9. Quanto ao conteúdo do ato, é possível sua análise em ADI.

Medida provisória convertida em lei – em primeiro lugar, a conversão impede o debate jurisdicional acerca da relevância e urgência (ADI 1.721); por outro lado, o controle do conteúdo da medida não fica inviabilizado, desde que haja aditamento da petição inicial10 e que a medida provisória não tenha sido alterada pela lei, pois do contrário, exige-se a propositura de nova ADI.

Por outro lado, não é possível a ação direta sobre as seguintes normas:

a) Decreto de execução (art. 84, IV, CF) – se o presidente inovar na matéria da lei, extrapolando seus limites, haverá uma ilegalidade, e, por via reflexa, uma inconstitucionalidade, pois se desrespeitou o princípio da compatibilidade vertical das normas. Mesmo assim, tal decreto não poderá ser objeto de ADI, pois, apesar de ser ato normativo federal, o STF já disse que não são todos os atos normativos passíveis de adin. Para que o ato normativo seja objeto de adin, necessário que além de geral e abstrato, também seja ele autônomo (o ato normativo deve encontrar seu fundamento diretamente na constituição). Ou seja, não cabe adin por se tratar de inconstitucionalidade reflexa (ou oblíqua); o controle concentrado visa a inconstitucionalidade direta. Quando o regulamento extrapola os limites da lei, disse o STF que há mera crise de legalidade, podendo ser revisto judicialmente, ou, nos termos do art. 49, V da CF, ser sustado pelo Congresso Nacional. Por isso também é incabível ADI contra atos regulamentares, a exemplo da Portaria do Ministro da Justiça que alterou a classificação indicativa dos programas de televisão (ADI 3.907).

9 “Os requisitos de relevância e urgência para edição de medida provisória são de apreciação discricionária do Chefe do Poder Executivo, não cabendo, salvo os casos de excesso de poder, seu exame pelo Poder Judiciário” (ADI 2.150). Assim, a censura jurisdicional é excepcional (ADI 1.910).10 “Impõe-se a prejudicialidade da ação direta em conseqüência da omissão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em aditá-la por ocasião da conversão da medida provisória em lei. Ação direta julgada prejudicada”. (ADI 1.922)

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b) Lei municipal – segundo o princípio do inclusio unios, alterios exclusio, lei municipal não pode ser objeto de ADI (silencio eloqüente da constituição, pois se referiu apenas às leis e ato normativos federais ou estaduais). A lei municipal pode, contudo, ser objeto de ADPF.

c) Atos normativos secundários – são os subordinados aos atos primários (os quais têm por base a própria constituição, a exemplo das leis), pois em regra não se estabelece um confronto direto mais sim reflexo entre eles e a constituição (ex: decretos de execução, instruções normativas). Ainda, a ADI não é o instrumento correto para se impugnar ato de efeito individual ou lei de efeito concreto11, destituído de normatividade genérica (deve-se usar o mandado de segurança).

5.3. Controle das Leis Estaduais e Municipais e do Distrito Federal

Compete ao Tribunal de Justiça de cada Estado exercer o controle concentrado (via ação direta de inconstitucionalidade) da constitucionalidade das leis e atos normativos estaduais e municipais perante as respectivas constituições estaduais (art. 125, § 2º da CF), sendo vedada a atribuição da legitimidade de agir a um único órgão. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal é competente para conhecer de ação direta que tenha por objeto lei ou ato normativo local e que viole a Lei Orgânica do DF.

Hoje, portanto, inexiste ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face da constituição federal (a omissão proposital verificada no art. 102, I, “a” da CF tem sido caracterizada como um silêncio eloqüente), devendo o controle ser feito pela via da exceção ou por meio da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Na prática, porém, muitas vezes a regra da constituição federal está exposta também na constituição estadual, circunstância que acaba por autorizar a propositura junto ao Tribunal de Justiça de ação direta de inconstitucionalidade da lei municipal em face da Constituição Estadual. Caso uma lei estadual esteja sendo questionada no Tribunal de Justiça (por afrontar norma da constituição estadual que repete norma da constituição federal) e no STF (por ofensa à constituição federal), suspende-se a ação proposta no tribunal de justiça até o julgamento da questão pelo STF, com efeito erga omnes. A decisão do tribunal de justiça quanto a uma norma da constituição estadual de repetição obrigatória da constituição federal fica sujeita a recurso extraordinário para o STF.

11 “1. Leis com efeitos concretos, assim atos administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle concentrado de constitucionalidade. 2. Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado. 3. Precedentes do STF. 4. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida”. (ADI 2.484)

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Por fim, vale dizer que não cabe recurso extraordinário por ofensa exclusivamente a direito local (súmula 280 do STF). Assim como também não cabe ação direta contra lei municipal que contrarie a Lei Orgânica Municipal.

5.4. Legitimidade (art. 103)

No art. 103 estão arrolados, de forma taxativa (não é possível a lei aumentar nem diminuir) os legitimados ad causam para a propositura da ação direta. Na doutrina são chamados de legitimados constitucionais (também há legitimação constitucional no caso da ação popular, na qual se defere a qualquer cidadão o direito de ajuizá-la). Segundo o STF, levando-se em conta o interesse de agir, existem duas categorias de legitimados:

a) Legitimados universais (ou genéricos) – podem impugnar todos os atos impugnáveis, ou seja, além da própria função que exercem, também possuem interesse de defender a supremacia da constituição em qualquer hipótese. São o Presidente da República, a Mesa da Câmara e do Senado, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da OAB e os Partidos Políticos (ADI 1.096).

Partidos políticos – para que ajuízem adin, não é suficiente sua existência legal, sendo necessário que tenham representação no Congresso Nacional, ou seja, pelo menos um deputado ou senador (não se exigem representantes em ambas as Casas, assegurando-se a defesa das minorias). Se depois de ajuizada a ADI o único representante trocasse de partido, o STF entendia que haveria carência de ação, extinguindo-se a ADI. Contudo, a posição atual do STF é no sentido da não desqualificação da legitimidade ativa, pois basta que no ajuizamento o partido demonstre a representação no congresso. Isso porque a lei 9.868/99 dispõe que não se pode desistir da adin (princípio da indisponibilidade de instância) e, com a mudança de partido, acarretaria na desistência indireta da ação12. Ainda, a ação deve ser ajuizada pelo Diretório Nacional ou pela Executiva do Partido, e não por Diretórios ou Executivas Regionais13.

b) Legitimados temáticos (ou especiais) – somente podem impugnar os atos que atentem contra os interesses específicos da classe. Ou seja, devem

12 “Partido político. Legitimidade ativa. Aferição no momento da sua propositura. Perda superveniente de representação parlamentar. Não desqualificação para permanecer no pólo ativo da relação processual. Objetividade e indisponibilidade da ação” (ADI 2.618-AgR-AgR). No mesmo sentido: ADI 2.427, ADI 1.396-MC e ADI 1.096-MC.

13 “Ilegitimidade ativa ad causam de Diretório Regional ou Executiva Regional. Firmou a jurisprudência desta Corte o entendimento de que o Partido Político, para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade perante o STF, deve estar representado por seu Diretório Nacional, ainda que o ato impugnado tenha sua amplitude normativa limitada ao Estado ou Município do qual se originou.” (ADI 1.528-QO).

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demonstrar que a pretensão por eles deduzida guarda relação de pertinência direta com os seus objetivos institucionais. Trata-se do vínculo da pertinência temática, que, se não for demonstrado, haverá carência de ação, por falta de interesse de agir, o que não transforma a adin em um processo subjetivo. São legitimados temáticos:

Governador de Estado e do Distrito Federal– em princípio, deve impugnar leis referentes ao seu Estado, todavia, demonstrando pertinência temática, poderá impugnar lei de outro Estado que, por exemplo, ferir seus interesses econômicos. Para Gilmar Mendes, se o chefe do Executivo sanciona, por equívoco ou inadvertência, projeto de lei juridicamente viciado não está ele compelido a persistir no erro, podendo, ainda assim, propor ação direta, sob pena de, em homenagem a uma suposta coerência, agravar o desrespeito à constituição.

Confederação sindical – prevalece o entendimento segundo o qual as centrais sindicais ou de trabalhadores (CUT, força Sindical e CGT) não possuem legitimidade ativa, pois não congregam federações sindicais ou trabalhadores de atividades idênticas ou similares. Tecnicamente, confederação sindical é aquela integrada por, no mínimo 3 federações (de empregados, de empregadores ou mesmo de profissionais liberais) e que tenham sede na Capital Federal (art. 535 da CLT). Uma federação é criada pela fusão de, pelo menos, cinco sindicatos. São confederações a CNI, CNTI, CNC e CNTC.

Entidade de classe de âmbito nacional – deve possuir os requisitos da base social (as pessoas se identificam pelo exercício da mesma atividade – ex: magistrados) e da base espacial, que a caracteriza como de âmbito nacional14. A lei não disse qual é a base espacial, razão pela qual devemos utilizar a analogia que, segundo o STF, é utilizada de acordo com a legislação dos partidos políticos. Ou seja, para que um partido político exista, necessário que haja filiados em pelo menos 1/3 dos Estados (no mínimo, 9 Estados). Sendo assim, entidade de classe de âmbito nacional são aquelas com representatividade em, no mínimo, 9 Estados. Vale dizer que os Conselhos Profissionais são espécies do gênero autarquias e por isso não são considerados entidades de classe de âmbito nacional. O STF, por outro lado, reconhece a legitimidade ativa das entidades

14 Segundo o STF (ADI 3.617), “para que a entidade de classe tenha âmbito nacional, não basta que o declare em seus estatutos. É preciso que esse âmbito se configure, de modo inequívoco. Não se configura a legitimidade da entidade de classe para a ADI quando a associação autora represente apenas fração ou parcela da categoria profissional por conta de cujo interesse vem a juízo”.

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de classe de segundo grau, chamadas de associações de associações15.

Nesse sentido, com votos vencidos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, merece destaque a seguinte decisão:

“Supremo Tribunal Federal

DESCRIÇÃO: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar.

NÚMERO: 928

JULGAMENTO: 1.9.1993

EMENTA

Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa. Confederação Sindical. Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT. Art. 103, IX, da Constituição Federal.

1. A CGT, embora se auto denomine Confederação Geral dos Trabalhadores, não é, propriamente, uma Confederação Sindical, pois não congrega federações de sindicatos que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas.

2. Também não é propriamente uma entidade de classe, pois não congrega apenas os integrantes de uma determinada atividade ou categoria profissional ou econômica.

3. É, sim, uma Central Geral de Trabalhadores, ou seja, de todas as categorias de trabalhadores.

4. Não sendo, assim, uma Confederação Sindical nem uma entidade de classe de âmbito nacional, não tem legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (artigo 103, IX, da Constituição Federal).

Precedentes.15 STF, ADI 3.153: “Legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do STF. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. É entidade de classe de âmbito nacional — como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) — aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. Nesse sentido, altera o STF sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade”. Também: ADI 2.797 e 2.860.

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Ação não conhecida, por ilegitimidade ativa ad-causam.

PUBLICAÇÃO: DJ, Data 8.10.1993, pp. 21012, Ement, Vol. 01720-01, pp. 00110

RELATOR: Sydney Sanches

SESSÃO: TP – Tribunal Pleno” (Juis Saraiva 21)

Mesa de Assembléia Legislativa (ou Câmara Legislativa do DF).

5.5. Rito da Ação Direta de Inconstitucionalidade

O procedimento da ADI é o da Lei 9.868/99, regulamentado no RISTF. O autor da demanda (requerente) deve indicar na petição inicial o dispositivo legal impugnado, os fundamentos e o pedido, instruindo-a com a procuração (quando subscrita por advogado) que confira poderes específicos16, apresentada em duas vias, com cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação. Ainda quanto à petição inicial, observa-se o seguinte:

a) O STF não pode declarar a inconstitucionalidade de preceitos não impugnados pelo requerente da ação direta, ainda que guardem relação com os que foram apontados. Contudo, a causa de pedir é aberta, podendo o STF utilizar outros argumentos que não os invocados pelas partes.

b) O STF entende que os legitimados enumerados nos incisos I a VII do art. 103 têm capacidade postulatória para a ADI, dispensando-se procuração a advogado. Desse modo, somente os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades de classe é que devem estar representados por advogado (ADI 120, ADI 127, ADI-ED-AgR 2.098, Rcl 1.915).

c) A petição inepta, não fundamentada, e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas. Contudo, admite-se emenda até o momento em que são requisitadas as informações. Mas, de qualquer modo, indeferida a petição, cabível é o recurso de agravo, no prazo de 5 dias (arts. 39 da Lei 8.038/90, 4º e 15 da Lei 9.868/99).

d) Pelo princípio da indisponibilidade, proposta a ação direta, não se admite desistência (art. 5º), pois a ADI tem natureza jurídico-política, envolvendo direito indisponível e interesse público preponderante.

16 Segundo o STF: “É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada”.

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Após apreciar o pedido cautelar (veja abaixo a possibilidade de concessão de cautelar) e não sendo de aplicar o art. 12 da Lei17, ou caso não haja pedido cautelar, o relator requisitará informações ao órgão ou à autoridade da qual emanou o ato, que disporá de 30 dias para prestá-las (parágrafo único do art. 6º). Tendo em vista a natureza objetiva do processo de controle abstrato só entidades estatais podem figurar no pólo passivo da ação, já que nenhum interesse subjetivo particular estará sendo apreciado.

O art. 7º da lei não admite intervenção de terceiros em ADI. O veto do § 1º daquele artigo é inócuo, pois proibiu apenas que outros legitimados à adin se manifestassem em adin já proposta. Todavia, de forma contraditória, permitiu, no § 2º, a intervenção do “amicus curiae”, assim como permitido pelo art. 482, § 3º do CPC (sustenta-se não ser possível tal controvérsia, razão admite-se a intervenção, além do amicus curiae, de outro legitimado, dando-se, assim, feição pluralista ao controle abstrato da constitucionalidade). O pedido de intervenção deve ser feito até o último dia do prazo previsto para as informações do requerido (30 dias – prazo preclusivo). O STF já admitiu, em alguns casos, a sustentação oral do amicus curiae, mas essa possibilidade não está prevista em qualquer norma. A figura do amicus curiae também é prevista nos juizados especiais federais (art. 14, § 7º, in fine da Lei 10.259/01).

Prestadas ou não as informações, o Advogado-Geral da União (art. 103, § 3º) será citado para, obrigatoriamente, defender o ato impugnado (ainda que se trate de lei estadual), em 15 dias (não se trata de contraditório). Ou seja, ele possui atuação vinculada, tendo em vista a presunção de constitucionalidade da norma. Em seguida, será colhido o parecer do Procurador-Geral da República (órgão interveniente obrigatório), em 15 dias, podendo opinar tanto pela constitucionalidade quanto pela inconstitucionalidade (se ele for o requerente, é lógico que não será chamado a intervir).

Superada a fase anterior, o relator poderá lançar o seu relatório e solicitar dia para julgamento ou, em caso de necessidade de esclarecimento de algum fato, requisitar informações adicionais, designar perícia18 ou fixar data para, em audiência pública, ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Poderá também solicitar informações a outros tribunais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. Tudo será realizado em 30 dias.17 Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação 18 Prova pericial em ADI – é possível segundo o art. 9º, § 1º da lei. Será necessária quando a declaração da inconstitucionalidade depender da análise de uma situação fática. É o caso, por exemplo, do art. 225, § 1º, VII da CF, que veda o tratamento cruel de animais. Sendo assim, havendo uma lei que, em princípio, permita submeter o animal à crueldade, pode ser necessária a realização de uma perícia para se saber se o animal está sendo ou não submetido à crueldade.

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Duas observações:

a) Rito sumário – é o previsto no art. 12, ou seja, quando houver pedido cautelar, a matéria for relevante, e interessar à ordem social e à segurança jurídica, caso em que os prazos serão reduzidos (informações – 10 dias; manifestações – 5 dias).

b) Dado o caráter objetivo e sem partes da ADI, não há falar em impedimento de Ministro, salvo se ele, na condição de Procurador Geral da República, promovera a ação direta.

c) A decisão final é irrecorrível, salvo embargos de declaração (art. 26).

5.6. A Decisão, sua Eficácia e seus Efeitos

A decisão final somente é tomada se presentes ao menos 8 ministros na sessão de julgamento19 (2/3), exigindo-se quorum de maioria absoluta (6 dos 11 ministros devem deliberar se a norma é ou não inconstitucional)20, e tem eficácia erga omnes, ou seja, declarada a inconstitucionalidade em ação direta, a lei torna-se inaplicável para todos.

Em regra, a declaração definitiva de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo tem efeitos ex tunc (retroativos), ou seja, o ato é considerado nulo desde o seu nascimento, não devendo por isso produzir efeitos. Todavia, excepcionalmente, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em ação direta, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, pode o STF, por maioria de 2/3 dos membros (8 de 11 ministros), restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado (efeito ex nunc ou pro futuro). Esta é a chamada modulação de efeitos, prevista no art. 27 da lei, podendo-se observar o seguinte:

a) Seu pressuposto é a declaração de inconstitucionalidade da norma. Assim, não cabe falar em modulação de efeitos se o STF julgar prejudicada a ADI por reconhecer a não-recepção da norma (revogação), por se tratar de direito pré-constitucional (STF, AI-AgR 582.280 e 589.281).

19 Caso estejam ausentes ministros em número que possa influir no julgamento (ex: 9 presentes, estando a votação 5 X 4), este será suspenso até que se atinja o número necessário para uma decisão por maioria absoluta. Se houver ministros impedidos ou suspeitos em número capaz de comprometer a votação, aplica-se o art. 40 do RISTF, com a convocação de ministros do STJ.

20 Art. 22. A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo somente será tomada se presentes na sessão pelo menos oito Ministros. Art. 23. Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

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b) Admite-se, excepcionalmente, a modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade em controle incidental (AI-AgR 478.721 e RE 197.971).

O STF não pode examinar preceitos não impugnados, pois sua atuação está limitada ao pedido (princípio da congruência). Contudo, é possível a inconstitucionalidade conseqüencial (ou por arrastamento), ou seja, o STF, além de examinar a norma explicitamente questionada, aprecia também a constitucionalidade das normas dela decorrentes ou a ela conexas, sobre as quais não houve pedido expresso. Ainda, quanto à causa de pedir, pode decidir a questão com base em fundamentos diversos dos expostos (a cognição é aberta), mas na dúvida deve prestigiar a presunção de que a lei é constitucional.

Parcelaridade – questiona-se a possibilidade de o STF excluir apenas uma parcela do texto legal (uma palavra ou expressão), isentando-se assim das limitações impostas ao veto (art. 66, § 2º). É certo que o STF não pode declarar a inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada (quando isso ocorre, a declaração deve abranger todo o dispositivo), porquanto, se assim não fosse, a Corte se transformaria em legislador positivo, e o controle da constitucionalidade pelo judiciário só lhe permite agir como legislador negativo. Todavia, admite-se a parcelaridade (ou divisibilidade) caso a declaração parcial não altere o sentido e o alcance da norma. Foi o que aconteceu na adin 1.127-8, quando o STF suspendeu apenas parte do art. 7º, IV do Estatuto da OAB.

Inconstitucionalidade da norma revogadora – trata-se do efeito repristinatório decorrente de norma revogadora declarada inconstitucional em ação direta. Imagine a hipótese: lei A revoga lei B, todavia, a lei A é declarada inconstitucional pelo STF em sede de ADI. Assim, como a decisão possui efeitos ex tunc, é de se concluir que a lei A (revogadora da lei B) nunca produziu efeitos, razão pela qual não revogou a lei B, que continua em vigor. Contudo, pode haver exceção a esta regra, o que ocorrerá quando o STF utilizar o art. 27 da Lei 9.868/99 e modular os efeitos da decisão. O professor Kildare Gonçalves também sustenta ser possível se requerer na petição inicial a declaração de inconstitucionalidade da norma que possivelmente se repristinará, quando se verificar que sua reentrada em vigor for mais prejudicial do que o ato nulificado.

5.7. Medida Cautelar em ADI

Caso a norma apontada como inconstitucional possa causar lesão irreparável, é possível a concessão de medida cautelar suspendendo sua incidência com eficácia erga omnes e efeito ex nunc (não retroage) até a decisão final, salvo se o STF entender que deve ser atribuído efeito retroativo, nos termos do art. 11, § 1º da Lei.

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A possibilidade de concessão de medida cautelar em adin está expressamente prevista no art. 102, I, “p” da CF. Todavia, apesar de se tratar de uma competência autônoma do STF (está prevista em alínea própria), não pode ser requerida em procedimento preparatório, mas apenas incidentalmente, na própria petição inicial da adin. Para a concessão da cautelar, cujo objetivo primeiro é garantir a eficácia da decisão final, devem-se preencher os requisitos exigidos para a concessão de qualquer medida cautelar: fumus boni iuris e periculum in mora. Nos termos do art. 10 da lei, a competência para concedê-la é do Tribunal Pleno, por maioria absoluta (6 dos 11 ministros), desde que presentes ao menos 8 deles. Todavia, excepcionalmente, nos períodos de recesso do Tribunal, pode ser concedida a medida cautelar por decisão monocrática do presidente (ad referendum), que deverá ser referendada posteriormente. Em regra será concedida após a audiência prévia do órgão ou autoridade do qual emanou o ato (dispensável em caso de urgência), que deverá pronunciar-se em 5 dias. Também pode o relator, para a apreciação do pedido cautelar, determinar a manifestação prévia do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, no prazo comum de 3 dias.

5.8. Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva

A CF enumera os princípios constitucionais sensíveis no art. 34, VII, que são de observância obrigatória pelos Estados, sob pena de intervenção. Para que se verifique a intervenção federal, é necessário que o STF dê provimento à ADI interventiva proposta pelo Procurador Geral da República (legitimidade exclusiva). Gilmar Ferreira Mendes e Kildare Gonçalves entendem que trata-se de um processo subjetivo, com a judicialização de conflito federativo atinente à observância de deveres jurídicos especiais, impostos aos Estados. Não se trata de processo objetiva, mas de uma relação processual contraditória entre União e o Estado que editou o ato21. Observações:

a) O STF, ao declarar a inconstitucionalidade do ato normativo estadual, não o anula nem lhe retira a eficácia, sendo apenas condição para a medida interventiva. Com efeito, cabe ao Presidente da República suspender a execução do ato impugnado, desde que o próprio Estado não promova sua revogação.

21 Há quem entenda que se trata de processo objetivo, cujo objetivo é tutelar a ordem jurídica, com a aferição, em tese, da constitucionalidade do ato editado pelo Estado. Ou seja, se presta a reparar uma lesão, mas sim a declarar a própria inconstitucionalidade, como objeto principal da ação. A declaração de inconstitucionalidade não é incidenter tantum, mas principaliter. Contudo, Celso de Mello entende ser subjetiva a natureza da ADI interventiva, destinando-se a compor conflito federativo, restaurando a ordem constitucional vulnerada e a fazer cessar situações de lesão.

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b) Não cabe concessão de liminar (embora prevista no RISTF), pois não se compreende como possa o STF suspender a execução de um ato se esta providência não é de sua alçada, mas do Presidente da República.

c) Atualmente, a ADI interventiva é de pouca utilidade, pois a CF valorizou a ação direta genérica. Ou seja, por que o PGR proporia a ação interventiva se pode, desde logo, ajuizar a genérica, cuja decisão é vinculante e contra todos?

6. O Controle da Constitucionalidade em Ação Civil Pública

Há restrições quanto ao controle de constitucionalidade de uma lei em ação civil pública ou em ação popular, sob o argumento de que a decisão dessas tem eficácia erga omnes (no caso de ação civil pública, nos limites da competência territorial do órgão prolator). O que se busca vedar, na verdade, é que essas ações sejam um sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) ou da ação declaratória de constitucionalidade (ADECON).

Conforme consta do Informativo Supremo Tribunal Federal n. 212, de 1.º de dezembro de 2000 (Assessoras responsáveis: Dras. Maria Ângela Santa Cruz Oliveira e Luciana Diniz Rocha Farah), admite-se o controle difuso da constitucionalidade via ação civil pública.

No julgamento do pedido de liminar na Reclamação n. 1.733-SP, Rel. Min. Celso de Mello, mencionado no boletim informado, destacou-se que “o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal...

A discussão em torno desse tema impõe algumas reflexões, que, por necessárias, apresentam-se indispensáveis à apreciação da controvérsia suscitada nessa sede processual. É inquestionável que a utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, além de traduzir situação configuradora de abuso do poder de demandar, também caracterizará hipótese de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Esse entendimento – que encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (Arnoldo Wald, Usos e abusos da Ação Civil Pública – Análise de sua Patologia, Revista Forense, vol. 329/3-16; Arruda Alvim, Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, vários autores, RT, 1995, p. 152-162; Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 12.ª ed., Saraiva, 2000, p. 115/116, item n. 7; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 7.ª ed., Atlas, 2000, p. 565-567,

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item n. 9.1.4; Gilmar Ferreira Mendes, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2.ª ed., 1999, p. 396-403, item 6.4.22.ª ed., 1999, Celso Bastos Editor:; José dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública, 2.ª ed., Lumen Juris, 1999, p. 74-77, item n. 8, v.g.) – reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no entanto, somente exclui a possibilidade do exercício da ação civil pública, quando, nela, o autor deduzir pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo (RDA 206/267, Rel. Min. Carlos Velloso – Ag n. 189.601-GO (AgRg), Rel. Min. Moreira Alves).

Se, contudo, o ajuizamento da ação civil pública visar não à apreciação da validade constitucional de lei em tese, mas objetivar o julgamento de uma específica e concreta relação jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover, incidenter tantum, o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público. Incensurável, sob tal perspectiva, a lição de Hugo Nigro Mazzilli (O Inquérito Civil, 2.ª ed., Saraiva, 2000, p. 134, item n. 7):

‘Entretanto, nada impede que, por meio de ação civil pública da Lei n. 7.347/85, se faça, não o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis, mas, sim, seu controle difuso ou incidental. (...) assim como ocorre nas ações populares e mandados de segurança, nada impede que a inconstitucionalidade de um ato normativo seja objetada em ações individuais ou coletivas (não em ações diretas de inconstitucionalidade, apenas), como causa de pedir (não o próprio pedido) dessas ações individuais ou dessas ações civis públicas ou coletivas.’

É por essa razão que o magistério jurisprudencial dos Tribunais – inclusive o do Supremo Tribunal Federal (Rcl. n. 554-MG, Rel. Min. Maurício Corrêa; Rcl. 611-PE, Rel. Min. Sydney Sanches, v.g.) – tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal, como corretamente assinalado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 722/139):

‘Apresenta-se lesivo à ordem jurídica o ato de Município com menos de três mil habitantes, que, a pretexto de organizar a composição do legislativo, fixa em 11 o número de Vereadores, superando o mínimo de 9 previsto pelo artigo 29, IV, “a”, da Constituição Federal. Controle difuso ou incidental expressamente permitido (Constituição Federal, arts. 97, 102, III, “a”, “b” e “c” e par. ún., 42, X, 105, III, “a”, “b” e “c”).

Ininvocabilidade de direito eleitoral adquirido.’

Assentadas tais premissas, entendo que a espécie ora em exame não configura situação caracterizadora de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, pois a controvérsia pertinente à validade jurídico-

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constitucional do artigo 8.º da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP foi suscitada, incidentalmente, no processo de ação civil pública, como típica questão prejudicial, necessária ao julgamento da causa principal, cujo objeto identifica-se com o pedido de redução, para catorze (14), do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117).

Cabe referir, neste ponto, que, além de revelar-se plenamente cabível o controle incidental de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição da República (RTJ 164/832, Rel. Min. Paulo Brossard), assiste, ao Magistrado singular, irrecusável competência, para, após resolução de questão prejudicial, declarar, monocraticamente, a inconstitucionalidade de quaisquer atos do Poder Público:

‘Ação declaratória. Declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade. Questão prejudicial. O controle da constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o Juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido. Recurso extraordinário conhecido e provido’ (RTJ 97/1191, Rel. Min. Rafael Mayer).

Tendo-se presente o contexto em que proferida a sentença que julgou procedente a ação civil pública promovida pelo Ministério Público da comarca de Sorocaba/SP, constata-se que o objeto principal desse processo coletivo não era a declaração de inconstitucionalidade do artigo 8.º da Lei Orgânica do Município.

Ao contrário, a alegação de inconstitucionalidade da norma legal em referência foi invocada como fundamento jurídico (causa petendi) do pedido, qualificando-se como elemento causal da ação civil pública, destinado a provocar a instauração de questão prejudicial, que, decidida incidentemente pelo Magistrado local, viabilizou o acolhimento da postulação principal deduzida pelo Ministério Público, consistente na redução do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117).

Nem se diga, de outro lado, que a sentença proferida pelo Magistrado local poderia vincular, no que se refere à questionada declaração de inconstitucionalidade, todas as pessoas e instituições, impedindo fosse renovada a discussão da controvérsia constitucional em outras ações, ajuizadas com pedidos diversos ou promovidas entre partes distintas.

É que, como se sabe, não faz coisa julgada, em sentido material, ‘a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo’ (CPC, artigo 469, III).

Na realidade, os elementos de individualização da ação civil pública em causa não permitem que venha ela, na espécie ora em exame, a ser qualificada como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, pois, ao contrário das conseqüências que derivam do processo de controle normativo abstrato (RTJ

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146/461, Rel. Min. CELSO DE MELLO), não se operará, por efeito da autoridade da sentença proferida pelo Magistrado local, a exclusão definitiva, do sistema de direito positivo, da regra legal mencionada, pelo fato de esta, no caso ora em análise, haver sido declarada inconstitucional, em sede de controle meramente difuso.

Mais do que isso, o ato sentencial em causa também estará sujeito, em momento procedimentalmente oportuno, ao controle recursal extraordinário do Supremo Tribunal Federal, cuja atividade jurisdicional, por isso mesmo, em momento algum, ficará bloqueada pela existência da ora questionada declaração incidental de inconstitucionalidade.

Os aspectos que venho de ressaltar – enfatizados em irrepreensível magistério expendido por OSWALDO LUIZ PALU (“Controle de Constitucionalidade – Conceitos, Sistemas e Efeitos”, p. 220/224, item n. 9.7.2, 1999, RT) – foram rigorosamente expostos por PAULO JOSÉ LEITE FARIAS ("Ação Civil Pública e Controle de Constitucionalidade", in Caderno Direito e Justiça, Correio Braziliense, edição de 2.10.2000, p. 3):

‘Na ação civil pública, o objeto principal, conforme já ressaltado, é o interesse público, enquanto que, na ação direta de inconstitucionalidade, o objeto principal e único é a declaração de inconstitucionalidade com força de coisa julgada material e com eficácia erga omnes.

Na ação civil pública, a inconstitucionalidade é invocada como fundamento, como causa de pedir, constituindo questão prejudicial ao julgamento do mérito. Na ação civil pública, a constitucionalidade é questão prévia (decidida antes do mérito da ação principal) que influi (prejudica) na decisão sobre o pedido referente à tutela do interesse público. É decidida incidenter tantum, como premissa necessária à conclusão da parte dispositiva da sentença.

Uma vez que a coisa julgada material recai apenas sobre o pedido, e não sobre os motivos, sobre a fundamentação da sentença, nada obsta que a questão constitucional volte a ser discutida em outras ações com pedidos e/ou partes diversos. Nesse sentido, é cristalina a Legislação Processual Civil em seu artigo 469, verbis:

‘Art. 469. Não fazem coisa julgada:

(...)

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.’

A ação direta de inconstitucionalidade é instrumento do controle concentrado da constitucionalidade; por outro lado, a ação civil pública, como

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todas as ações individuais ou coletivas, mesmo sendo um instrumento de processo objetivo para a defesa do interesse público, é instrumento de controle difuso de constitucionalidade.

Observe-se, ainda, que, na ação civil pública, a eficácia erga omnes da coisa julgada material não alcança a questão prejudicial da inconstitucionalidade, é de âmbito nacional, regional ou local, conforme a extensão e a indivisibilidade do dano ou ameaça de dano. Na ação direta, a declaração de inconstitucionalidade faz coisa julgada material erga omnes no âmbito de vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado (nacional ou estadual).

Ademais, as ações civis públicas estão sujeitas a toda cadeia recursal prevista nas leis processuais, onde se inclui o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, enquanto que as ações diretas são julgadas em grau único de jurisdição. Portanto, a decisão proferida na ação civil pública no que se refere ao controle de constitucionalidade, como qualquer ação, se submete, sempre, ao crivo do egrégio Supremo Tribunal, guardião final da Constituição Federal.

Finalmente, a ação civil pública atua no plano dos fatos e litígios concretos, através, notadamente, das tutelas condenatória, executiva e mandamental, que lhe assegurem eficácia prático-material. A ação direta de inconstitucionalidade, de natureza meramente declaratória, limita-se a suspender a eficácia da lei ou ato normativo em tese.

Não se confundem, pois, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação civil pública, não ocorrendo, in casu, usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal.(...)”.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

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Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a diferença entre extradição, deportação e expulsão?

2. Discorra brevemente sobre iniciativa popular, referendo e plebiscito.

3. Como se dá a criação de um partido político?

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4. Qual a diferença entre controle de constitucionalidade por via de ação e por via de exceção?

5. Quando o Tribunal declara uma lei inconstitucional no controle

concentrado (abstrato), quais os efeitos decorrentes desse ato?

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO IX

DIREITO CONSTITUCIONALO Controle da Constitucionalidade das Leis

e dos Atos Normativos

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DIREITO CONSTITUCIONAL

O Controle da Constitucionalidade das Leis

e dos Atos Normativos

1. A AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Inicialmente, cumpre observar que a ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 103, § 2.º, da Constituição Federal, tem a legitimação ativa restringida às pessoas e aos órgãos apontados no caput do mesmo artigo e sua decisão tem efeito erga omnes.

Difere, portanto, do mandado de injunção, cuja legitimidade é conferida a qualquer pessoa física ou jurídica, tendo o objeto mais restrito (só combate a omissão relacionada à ausência de norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania). Ademais, a decisão do mandado de injunção produz efeito inter partes.

A ação visa afastar omissão quanto à medida necessária para tornar efetiva norma constitucional que não é de eficácia plena.

Ambos os instrumentos (ação e mandado de injunção) são apontados como remédios para combater a síndrome de inefetividade das normas constitucionais, conforme anota Pedro Lenza.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, porém, limita-se a dar ciência ao Poder omisso para que tome as providências necessárias (o Legislativo mantém sua discricionariedade quanto à oportunidade e conveniência). No caso de reconhecer que a omissão é de órgão administrativo, o Supremo Tribunal Federal fixará o prazo de 30 dias para o omisso adotar as providências necessárias, sob pena de responsabilidade.

Prevalece que em ação direta de inconstitucionalidade por omissão não cabe a concessão de medida cautelar ou de antecipação de tutela, pois sequer com o julgamento final será possível o suprimento da falta (v. Ação de Inconstitucionalidade, STF 361, Medida Cautelar).

Nas ações de inconstitucionalidade por omissão, entende-se dispensável a manifestação do Advogado-Geral da União, já que pressupõe justamente a inexistência de norma legal ou ato normativo a ser defendido.

O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal (§ 1.º do artigo 103 da Constituição Federal).

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2. O MANDADO DE INJUNÇÃO

De acordo com o inciso LXXI do artigo 5.º da Constituição Federal, o mandado de injunção pode ser concedido sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

É parte legítima para impetrar o mandado de injunção toda pessoa, física ou jurídica, que por falta de uma regulamentação encontra-se impedida de exercitar direito constitucionalmente previsto sobre o qual tenha interesse direto, sendo que o Supremo Tribunal Federal vem admitindo o mandado de injunção coletivo proposto por entidades associativas na defesa dos interesses de seus filiados (artigo 5.º, inciso XXI, da Constituição Federal e RTJ 160/743).

O sujeito passivo é o órgão competente para a iniciativa da norma regulamentadora necessária para o exercício do direito constitucionalmente previsto. Assim, o Presidente do Senado não é parte legítima para figurar no pólo passivo do mandado de injunção se a omissão decorre da falta de lei de iniciativa do Presidente da República (STF-RDA 179/201).

Diante da qualificação do sujeito passivo, a competência originária para o julgamento do mandado de injunção pode ser do Supremo Tribunal Federal (artigo 102, inciso I, alínea “q”, da Constituição Federal), do Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, inciso I, alínea “h”, da Constituição Federal) ou dos demais tribunais.

O artigo 74, inciso V, da Constituição Estadual de São Paulo prevê a competência do Tribunal de Justiça para julgar originariamente os mandados de injunção, quando a inexistência de norma regulamentadora de qualquer dos Poderes, inclusive da Administração Indireta, torne inviável o exercício de direitos previstos na Constituição Estadual.

Ao Tribunal Superior Eleitoral compete julgar recurso contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral que denegar o mandado de injunção.

O constituinte originário também estabeleceu a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar o recurso ordinário contra decisões dos Tribunais Superiores que denegarem, em única ou última instância, o mandado de injunção.

Por norma regulamentadora entende-se toda e qualquer medida necessária a tornar um direito ou uma garantia protegidos via mandado de injunção plenamente exercitável, medida que pode ser uma lei ou uma simples portaria.

A falta de atos concretos, a exemplo da construção de escolas ou da contratação de médicos, não dá causa a mandado de injunção, já que esse visa suprir omissões normativas.

Quanto ao conteúdo da decisão, há inúmeras controvérsias: alguns defendem que compete ao Judiciário a outorga direta do direito reclamado (posição concretista), suprindo a omissão normativa (José Afonso da Silva); outros (posição não concretista) sustentam

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que ao Judiciário compete tão-somente reconhecer a ocorrência da falta de regulamentação e, assim, determinar que o órgão omisso tome as providências necessárias, sob pena de serem verificadas as conseqüências possíveis (Celso Bastos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Walter Ceneviva, Hely Lopes Meirelles). Cremos que a razão está com José Afonso da Silva, pois sua interpretação dá eficácia ao instrumento cujo objetivo é garantir o exercício de um direito.

2.1. Posição do Supremo Tribunal Federal Quanto aos Efeitos da Decisão

Em regra, o Supremo Tribunal Federal entende que a decisão do mandado de injunção guarda similitude com a decisão decorrente da inconstitucionalidade por omissão, cabendo ao Poder Judiciário tão-somente dar ciência ao órgão omisso.

No julgamento do Mandado de Injunção n. 232-RJ, porém, ao apreciar pedido de um Centro de Cultura que necessitava da lei prevista no artigo 195, § 7.º, da Constituição Federal para gozar de benefícios tributários (lei até então inexistente), o Supremo Tribunal Federal, tendo como relator do processo o Min. Moreira Alves, deferiu parcialmente o pedido, nos seguintes termos:

“Assim, conheço, em parte, do pedido e, nessa parte, o defiro para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo máximo de 6 meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do art. 195, parágrafo 7.º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida.”

Nesse caso concreto, porém, o Congresso não havia cumprido prazo para legislar, expressamente previsto no artigo 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Da lição do Ministro do Supremo Tribunal Federal também é possível extrair que o mandado de injunção não protege apenas os direitos fundamentais previstos no Título II da Constituição Federal (como muitos sustentam).

Por fim, também em hipótese em que havia prazo expresso na Constituição Federal para a edição de norma legal (artigo 8.º, § 3.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), o Supremo Tribunal Federal fixou prazo para o suprimento da omissão, explicitando que o seu descumprimento daria ao impetrante o direito de pleito indenizatório contra a União (Mandado de Injunção n. 283, STF, RDA 196/230 e RDA 200/234). É a posição concretista intermediária, assim denominada por Pedro Lenza.

2.2. O Rito do Mandado de Injunção

Por ora, ante a falta de disciplina específica sobre o tema, o mandado de injunção segue o rito do mandado de segurança, conforme expressamente prevê o artigo 24, § 1.º, da Lei n. 8.038/90.

As decisões do mandado de injunção têm efeitos inter partes e não erga omnes.

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3. A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO, A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E A PARCELARIDADE

3.1. Introdução

É cabível a interpretação conforme a constituição na análise de normas polissêmicas, ou seja, aquelas que possuem diversos sentidos, optando o julgador por aquele que compatibilize a norma com a constituição. Não se admite, portanto, interpretação conforme quanto a norma de sentido unívoco. Assim, verifica-se a técnica quando o STF estabelece qual das interpretações dadas a uma lei é compatível com a constituição, orientando-se, portanto, no princípio da conservação das normas (Canotilho), também chamado de princípio da economia do ordenamento.

Pela técnica de julgamento da interpretação conforme, deve o STF, ao julgar eventual ação direta de inconstitucionalidade, fazer uma interpretação da norma, por um critério de razoabilidade, de modo a adequá-la à constituição, para que não se retire a norma do ordenamento e, sendo viável a interpretação que dá constitucionalidade ao dispositivo impugnado, o STF é obrigado a declará-lo constitucional. Justifica-se a interpretação conforme, seja pelo princípio da unidade da ordem jurídica (a CF é considerada como contexto superior das demais normas, devendo as normas secundárias serem interpretadas conforme o texto constitucional), seja em decorrência da presunção de constitucionalidade das leis, fundada na idéia de que o legislador não poderia ter pretendido votar lei inconstitucional.

Subdivide-se em interpretação conforme em sentido estrito e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Estão previstas no art. 28, parágrafo único da Lei 9.868/99, que assim dispõe: “a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. Todavia, antes mesmo da existência desta lei, o STF já utilizava tais técnicas de decisão, com base em preceitos regimentais da própria Corte: foi o que aconteceu na ADI 1.127-8, quando o STF liminarmente deliberou que o art. 7º, § 2º do EOAB não abrange a hipótese de desacato à autoridade judiciária. Essas duas espécies podem ser usadas tanto em controle difuso quanto em concentrado.

3.2. Interpretação Conforme (Stricto Sensu)

Ocorrerá quando o STF encontrar diversas interpretações possíveis à lei: ex: uma considerando-a constitucional, outra levando à dúvida (se constitucional ou não), e outra à inconstitucionalidade. Nesses casos, o STF é obrigado a utilizar aquela primeira interpretação, declarando a constitucionalidade da lei. Assim, se dentre as interpretações possíveis existir uma que dê validade à lei, esta deve ser utilizada, e o julgamento será nos seguintes termos: a norma é constitucional, desde que interpretada de tal forma

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Assim, verifica-se a interpretação conforme quando o Supremo Tribunal Federal estabelece qual das interpretações dadas a uma lei é compatível com a Constituição. Exemplo dessa hipótese, aplicada antes mesmo da Lei n. 9.868/99, com base em preceitos regimentais do Supremo Tribunal Federal, encontra-se na Ação de Inconstitucionalidade n. 1127-8, na qual liminarmente o Supremo Tribunal Federal deliberou que o artigo 20 da Lei n. 8.906/94 (que só admite a prisão em flagrante de advogado por crime inafiançável) não abrange a hipótese de desacato à autoridade judiciária.

Gilmar Ferreira Mendes1 sustenta que nem sempre os efeitos da interpretação conforme e da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto são os mesmos.

Questiona-se a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal excluir apenas uma parcela do texto legal (uma palavra ou expressão), isentando-se assim das limitações impostas ao veto (§ 2.º do artigo 66 da Constituição Federal).

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que não se pode “declarar inconstitucionalidade parcial que mude o sentido e o alcance da norma impugnada (quando isso ocorre, a declaração de inconstitucionalidade tem de alcançar todo o dispositivo), porquanto, se assim não fosse, a Corte se transformaria em legislador positivo, uma vez que, com a supressão da expressão atacada, estaria modificando o sentido e o alcance da norma impugnada. E o controle da constitucionalidade dos atos normativos pelo Poder Judiciário só lhe permite agir como legislador negativo” (RTJ 159/111).

Caso não altere o sentido e o alcance da norma, a decisão do Supremo Tribunal Federal pode declarar a inconstitucionalidade de apenas uma parte dela, razão por que muitos afirmam que o controle principal da constitucionalidade admite a parcelaridade (também denominada divisibilidade).

No julgamento de pedido cautelar na Ação de Inconstitucionalidade n. 1.127-8, que envolve o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (no caso desse exemplo, o inciso IV do artigo 7.º da Lei n. 8.906/94), o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia das expressões “ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do respectivo termo, sob pena de nulidade”.

Mister ressaltar que a decisão que fixa determinada interpretação, dando validade à norma, produz o chamado comando negativo implícito. Ou seja, decidindo o STF que a norma é constitucional, desde que interpretada de tal forma, não se pode dar outra interpretação àquele dispositivo, já que a decisão do STF possui efeito vinculante e eficácia erga omnes (art. 28, parágrafo único da Lei 9.868/99). Por isso, a interpretação conforme possui limites, só sendo admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador2.1 Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 2272 Aliás, já em 1987, no julgamento da Representação 1.417, o Min. Moreira Alves consignou que “o princípio da interpretação conforme a constituição (Verfassungskonforme Auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em tese, o STF – em sua função de corte constitucional – atua como legislador negativo, mas não

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Duas observações:

a) Será incabível a interpretação conforme quanto a textos unívocos.

b) O juiz não pode substituir-se ao legislador, dando à lei finalidade diversa.

3.3. Declaração Parcial de Inconstitucionalidade sem Redução do Texto

De acordo com o parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99 e o art. 10 da Lei 9.882/99, o STF pode declarar parcialmente a inconstitucionalidade de uma norma sem reduzir, contudo, o seu texto (o STF apenas afasta parcialmente a aplicação da norma). Ou seja, o STF reconhece a inconstitucionalidade da lei sob algum aspecto, restringindo a sua aplicação, não permitindo que ela incida nas situações determinadas, porque, nestas, há a inconstitucionalidade. Nas outras não. .

Conforme exemplifica Rodrigo César Rebello Pinho3, pode o Tribunal declarar a inconstitucionalidade de uma lei que prevê a imposição de um tributo no mesmo exercício financeiro, reconhecendo a possibilidade de sua aplicação para os exercícios seguintes.

Assim, o STF utilizará esse método de julgamento quando vislumbrar diversas interpretações que levam à constitucionalidade da norma, mas também encontra uma que leva à inconstitucionalidade. Nestes casos, o STF também é obrigado a declarar a constitucionalidade da norma, mas reconhece, todavia, que uma determinada interpretação é inconstitucional. Em suma: o STF declara a norma constitucional, salvo se for aplicada em determinado caso, ou seja, se for dada certa interpretação, pois nesta há inconstitucionalidade4.

3.4. Exemplos

a) Art. 21, parágrafo único do EOAB5 – apesar da clara inconstitucionalidade desse texto legal, o STF assim não o declarou quando do julgamento d adin 1.194, já que foi possível “salvar” a norma, devido à interpretação conforme. O STF entendeu ser possível duas interpretações: uma dizendo que a norma é cogente, o que levaria à

tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo poder legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a constituição contrariar o sentido inequívoco que o poder legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo”.

3 Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 49. (Coleção Sinopses Jurídicas) 4 É o caso de uma lei cobrando imposto no mesmo exercício financeiro e nos seguintes, violando o princípio da anterioridade quanto à cobrança no mesmo exercício financeiro. Nesse caso, não há necessidade de declarar a norma totalmente inconstitucional, bastando que o STF fixe o entendimento de que a cobrança do imposto deve observar o princípio da anterioridade.

5 “Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados. Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo”.

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sua inconstitucionalidade; outra no sentido de que não se trata de norma cogente, mas sim de “disposição supletiva da vontade das partes, podendo haver estipulação em contrário, por ser direito disponível”, o que lhe dá constitucionalidade. Sendo assim, o STF estava obrigado a utilizar esta última interpretação, declarando a norma constitucional, desde que interpretada daquela maneira. Assim, o STF limitou a aplicação daquele dispositivo “aos casos em que não haja estipulação contratual em contrário”. A decisão possui efeito vinculante e erga omnes, além do comando negativo implícito.

b) Art. 7º, §§ 2º e 3º do EOAB6 – o § 2º, que trata da imunidade penal, foi declarado inconstitucional somente em relação à palavra “desacato”, por ferir a proporcionalidade, ou seja, não se utilizou da interpretação conforme. Chama-se princípio da parcelaridade do controle de constitucionalidade quando o STF declara apenas uma parte do texto inconstitucional (só é admitido quando não alterar o sentido da norma).

O que nos interessa é o § 3º, que trata da imunidade processual do advogado, dizendo que ele somente será preso em flagrante, por crime praticado no exercício de suas funções, quando o crime for inafiançável. Este dispositivo também foi objeto da mesma adin, e o STF reconheceu, dentre as várias interpretações possíveis, que existia apenas uma que levava à inconstitucionalidade (caso o desacato fosse praticado contra juiz), razão pela qual foi obrigado a declarar a constitucionalidade nos seguintes termos: a norma é constitucional, mas este dispositivo não se aplica ao desacato praticado contra o juiz. Ou seja, apesar de o desacato ser afiançável, se praticado contra juiz, o advogado pode ser preso em flagrante; todavia, se for praticado contra o delegado, por exemplo, não pode o advogado ser preso. Neste caso o STF utilizou-se da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto.

c) Art. 90 da Lei 9.099/957 – sua inconstitucionalidade é flagrante, pois muitos dispositivos desta lei são verdadeiras normas penais benéficas (ex. art. 88), e se não fossem aplicados violariam o art. 5º, XL da CF. Ajuizada a adin, o STF não declarou aquele artigo inconstitucional, pois conseguiu “salvar” a norma, ou seja, reconheceu várias interpretações possíveis: a) todas as disposições da lei não se aplicam – isso levaria à inconstitucionalidade; b) somente as disposições puramente processuais não se aplicam – levaria à constitucionalidade; c) nenhuma disposição da lei se aplica aos processos em curso, exceto as penais benéficas – também levaria à constitucionalidade. Assim, como há duas interpretações que dão constitucionalidade ao art. 90, o STF foi obrigado à declarar sua constitucionalidade, e poderia ter feito tanto por interpretação conforme (sentido

6 “§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. § 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo”.

7 “As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada”.

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estrito) ou por declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto. Todavia, o STF não mais está preocupado em utilizar uma ou outra forma, razão pela qual utilizou-se da interpretação conforme em sentido amplo, o que abrange tanto uma quanto outra.

O sistema da interpretação conforme é utilizado, inclusive, quando for impugnada emenda constitucional. Isto ocorreu com o art. 14 da EC 20/98, que estabeleceu um pilar para a previdência, ou seja, fixou um teto de aposentadoria. Mas este art. 14 violou o art. 7°, XVIII da CF (licença gestante), pois diz aquele dispositivo que a gestante não terá redução de salário. O governo disse que na licença gestante somente pagaria o teto e o empregador pagaria o restante. O STF não poderia declarar toda a norma inconstitucional, pois quebraria o pilar da previdência, razão pela qual disse que a norma era constitucional, menos se fosse aplicado à licença gestante.

4. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

4.1. Noções Gerais

Foi instituída pela EC 3/93, que acrescentou a parte final do art. 102, I, “a” da CF, tendo por finalidade resolver relevante controvérsia judicial sobre a constitucionalidade ou não de ato normativo ou lei federal. Trata-se de uma das espécies de controle abstrato da constitucionalidade e seu julgamento compete exclusivamente ao STF8. Vejamos outras questões:

a) Objeto – só pode ser proposta contra texto federal. Leis ou atos estaduais e municipais não são atacados por ADC no STF e não há possibilidade de criação dessa ação pelos Estados, já que se trata de norma excepcional, que deve ser interpretada restritivamente (Alexandre de Moraes admite a criação pelos Estados). Todavia, declarada a constitucionalidade de lei federal, as leis estaduais com o mesmo conteúdo também serão consideradas constitucionais.

b) Legitimados – com o advento da EC 45/04, são legitimadas para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade, as mesmas pessoas legitimadas para a ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art. 103 da CF. Em sede de adecon também se aplicam as regras relativas à pertinência temática.

4.2. Rito da Ação Declaratória de Constitucionalidade

A petição inicial indicará, entre outros elementos, a existência de relevante controvérsia judicial sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória (art. 14, III da Lei 9.868/99), ou seja, dissídio judicial em proporção capaz de criar insegurança jurídica, gerar

8 A ADC muitas vezes é comparada a uma avocatória parcial, pois ao decidir o pedido o STF chama para si o julgamento da matéria constitucional (e não de todo o processo), em debate perante qualquer juiz ou tribunal, e profere decisão vinculante quanto ao tema constitucional. A avocatória era medida da época do Regime Militar, pela qual o STF, a pedido do PGR, podia chamar para si o julgamento de qualquer causa, em trâmite por qualquer instância, sob o fundamento de imediato perigo de grave lesão à ordem pública, à saúde pública ou às finanças públicas.

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perplexidade social e provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal.

Medida cautelar (art. 21 da Lei 9.868/99) – o STF, por deliberação da maioria absoluta (6 dos 11 ministros), e sem a necessidade de ouvir qualquer órgão, pode deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória, consistente na determinação de que os juízes e tribunais suspendam o julgamento (e não o andamento) dos processos que envolvam aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o julgamento final da adecon. A medida tem validade por 180 dias (prazo em que deverá concluir do julgamento do processo, sob pena de perda da eficácia) e, embora não haja previsão expressa, pode ser concedida pelo ministro de plantão, com base no poder geral de cautela inerente às atividades jurisdicionais, caso a questão surja durante o recesso. O STF já deliberou que a decisão cautelar pode ser vinculante, muito embora o art. 102, § 2º se refira as decisões definitivas de mérito. A decisão cautelar produz efeitos ex nunc, todavia, o STF pode suspender os efeitos futuros das decisões antecipatórias anteriores à liminar.

Demais atos:

a) Manifestação do Procurador-Geral da República – após a apreciação da cautelar, ele terá o prazo de 15 dias para se manifestar. Não é necessária a manifestação do Advogado-Geral da União, pois a ação já visa a defesa da norma.

b) Informações adicionais, perícias ou audiência pública – o relator pode tomar tais providências quando julgar necessárias. Poderá ainda, solicitar informações a outros tribunais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição, e todas as diligências devem ser concluídas em 30 dias.

c) Decisão – a decisão definitiva de mérito, tomada por no mínimo 6 ministros e desde que presentes 8 na sessão de julgamento, na adecon produz eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do poder judiciário e do poder executivo (art. 102, § 2º). Seu efeito é ex tunc, privilegiando a presunção de constitucionalidade das leis. Não se admite recurso (à exceção dos embargos declaratórios)9. Quando à ação rescisória ver tópico 8.4.

4.3. Constitucionalidade da Ação Declaratória de Constitucionalidade

Inicialmente questionou-se sua constitucionalidade, introduzido em nosso ordenamento pela EC 3/93. Ou seja, não se trata de norma originária da constituição, o que permitia aquela discussão. A tese de inconstitucionalidade baseava-se nos seguintes argumentos:

a) O STF seria utilizado como órgão consultivo de correção da conduta dos poderes legislativo e executivo, o que feriria a separação dos poderes, já que a lei goza de presunção de constitucionalidade, e o STF seria legislador.

9 Art. 26. A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória

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b) Violação do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, já que o § 2º do art. 102 dá efeito vinculante à decisão. Ou seja, poderia acontecer de já existir um processo qualquer no qual o autor requereu, via de exceção, a declaração de inconstitucionalidade de determinada lei, sendo o pedido deferido pelo juiz, dando ganho de causa ao autor. Posteriormente, com eventual decisão procedente em adecon, declarando, agora, a constitucionalidade da lei, aquele autor estaria prejudicado, pois o efeito da decisão o atingiria, sem que pudesse exercer o contraditório.

c) Violação ao princípio hierárquico, já que o efeito vinculante da ADC não poderia obrigar o juiz a decidir de acordo com o STF.

Tais argumentos foram superados, e a ADC se mostra como um útil instrumento em nosso sistema, já que, como o STF sempre dá a última palavra em matéria constitucional, seu entendimento sobre determinada lei pode ser antecipado, o que impediria o ajuizamento de vários processos concretos nos quais se requer a inconstitucionalidade via de exceção.

A ação declaratória de constitucionalidade foi criada em 1993 e a lei que a disciplina somente sobreveio em 1999. Ocorre que em 1994 foi criada a lei que cobrava a cofins, fazendo com que várias ações fossem ajuizadas, nas quais se requeriam a inconstitucionalidade via de exceção da lei.

Diante dessa situação o Presidente da República ajuizou a primeira ADC no Brasil, requerendo a declaração da constitucionalidade daquela lei. Todavia, ainda não existia a lei que disciplinava o procedimento da adin. Sendo assim, poderia o STF processá-la? O STF entendeu que sim, e assim o fez, pois a previsão constitucional da ação declaratória era de aplicabilidade imediata, utilizando-se das normas de processo já existentes, de forma extensiva, no que fosse compatível.

No julgamento daquela adecon constatou-se, de ofício pelo relator, uma questão prejudicial ao mérito, que era exatamente a relativa à constitucionalidade daquele instrumento. O STF reconheceu a constitucionalidade da adc, dizendo que:

a) O STF não atua como órgão consultivo, pois o autor da ADC deve demonstrar interesse de agir, caracterizado pela controvérsia sobre a constitucionalidade de determinada lei, razão pela qual atuaria para solucionar tal controvérsia10.

b) O devido processo legal não é violado, pois se trata de processo objetivo, incompatível com o contraditório; se assim não se entendesse, a obrigação de o autor demonstrar a controvérsia supriria o contraditório, pois ele traria, inevitavelmente, os argumentos relativos à tese da inconstitucionalidade.

10 Vigora o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, razão pela qual constitui pressuposto de admissibilidade da ADC o estabelecimento de uma controvérsia comprometedora dessa presunção, o que ocorre quando a legitimidade da lei vem sendo apreciada em juízos de 1º e 2º graus de jurisdição, acarretando apreensões e incertezas no meio social. Assim, a ADC não se presta a resolver dúvida em torno da constitucionalidade a lei, mas sim a corrigir situação grave de incerteza suscetível de desencadear conflito e de afetar a tranqüilidade geral.

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c) Quanto à violação ao princípio hierárquico, através do qual se alegava que o juiz não estaria obrigado a decidir como o STF, este rejeitou tal argumento, dizendo que sua decisão em ADC se aplica automaticamente aos processos individuais, ou seja, quem decide a questão em cada processo concreto é o próprio STF, através da decisão na ADC, cabendo ao juiz apenas adequá-la ao mérito (a questão sobre a inconstitucionalidade da lei é decidida pelo STF e não pelo juiz).

Todavia, naqueles processos individuais podia ter ocorrido alguma das seguintes hipóteses, quando do julgamento da adc:

a) Ainda não há decisão judicial – o juiz apenas aplicará ao mérito a decisão de constitucionalidade do STF.

b) Existe decisão de constitucionalidade da lei, sem trânsito em julgado – em eventual recurso de apelação, cabe ao Tribunal confirmar a decisão do juiz de primeiro grau.

c) Existe decisão de inconstitucionalidade, sem trânsito em julgado – caberá ao Tribunal, em eventual recurso, rescindir a decisão do juiz, aplicando-se a decisão do STF.

d) Existe decisão de inconstitucionalidade com trânsito em julgado – o efeito vinculante da decisão da adc não é capaz de rescindir a coisa julgada automaticamente. Todavia, pode ser ajuizada ação rescisória (segundo o STF, com base no art. 485, V), desde que esteja dentro do prazo de dois anos (em sentido contrário, veja tópico 8.4). Vale dizer que em sede de impugnação à execução, o novo art. 475-L, § 1º (acrescentado pela Lei 11.232/05) permite a rediscussão da matéria constitucional, numa verdadeira flexibilização da coisa julgada (em sentido contrário, veja o tópico 8.3). Quando a execução for promovida contra a Fazenda Pública, esta pode oferecer embargos, inclusive com o fundamento no art. 741, parágrafo único.

4.4. Caráter Dúplice (ou Ambivalente) da Adin e da ADC

Significa que não importa se foi ajuizada adin ou adc. O que interessa é a decisão de mérito proferida na ação. Vale dizer: a adin é uma adc com sinal trocado e vice-versa, ou seja, a decisão de improcedência proferida em adin equivale à decisão de procedência na adc (a norma é constitucional); por outro lado, a decisão de procedência em adin equivale à decisão de improcedência em eventual adecon (a norma é inconstitucional).

5.EFEITO VINCULANTE

5.1. Decisões em Controle Concentrado

Pelos arts. 102, § 2º da CF e 28, parágrafo único da Lei, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em sede de ADI e ADC produzirão eficácia contra todos e efeito

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vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O art. 10, § 3º da Lei 9.882/99 estende tais efeitos à decisão em ADPF, o que deixa duvidosa sua constitucionalidade, pois tais efeitos não foram previstos pelo art. 102, § 2º da CF. De qualquer forma, é preciso distinguir a eficácia erga omnes do efeito vinculante. Há dificuldade em estabelecer, com precisão, o que é efeito vinculante e o que o diferencia da eficácia erga omnes, pois a eficácia contra todos (erga omnes) significa que todos os juízes e tribunais, inclusive o STF, estão vinculados.

Contudo, diz a doutrina que a eficácia erga omnes significa que as decisões são impostas a todos, e nada mais, ao passo que o efeito vinculante é que permite defender a segurança jurídica com o respeito da ordem constitucional assegurado pelo controle. Ou seja, há uma sensível diferença quanto aos limites subjetivos (extensão) desses efeitos: enquanto a eficácia erga omnes, em face de todos, se exaure, o efeito vinculante tem abrangência mais restrita, abarcando o Poder Executivo e os demais órgãos do Poder Judiciário, salvo o próprio STF.

Daí decorre outro aspecto importante na diferenciação desses institutos: a possibilidade de garantir a autoridade das decisões proferidas em sede de controle abstrato. Com efeito, se tais decisões fossem dotadas somente de eficácia erga omnes, possibilitavam que as demais instâncias do Poder Judiciário decidissem de modo diverso, restando às partes somente a possibilidade de lançar mão de recurso extraordinário ou ação de desconstituição, no caso de sua aplicação por autoridades administrativas. O efeito vinculante, por sua vez, impõe a observância obrigatória da decisão, revelando, assim, nítido aspecto subordinante. Decorre daí relevante conseqüência de caráter processual quanto ao descumprimento do efeito vinculante: a possibilidade de utilização da reclamação para assegurar a eficácia das decisões da Corte.

Quanto ao efeito vinculante, importante observar o seguinte:

a) Limites subjetivos – o efeito vinculante está limitado ao Poder Executivo, em todas as esferas de governo, e ao Poder Judiciário. Assim, não está vinculado o Legislativo, que pode editar outra lei de conteúdo idêntico11. Há quem entenda que o próprio STF não fica vinculado, podendo rever a decisão se os fundamentos e razões que a justificaram mudarem no futuro, já que o dispositivo da CF referiu-se apenas “aos demais órgãos do Poder Judiciário”.

b) Limites objetivos – a questão é saber se o efeito vinculante está ou não limitado apenas à parte dispositiva da decisão. Sem embargos, duas posições: 1) o efeito vinculante não está adstrito à parte dispositiva da sentença, pois os fundamentos da decisão, embora não abrangidos pela coisa julgada, devem ser tomados em consideração para se entender o verdadeiro e completo alcance da decisão (STF, Rcl

11 Alexandre de Moraes sustenta a vinculação do Poder Legislativo, que não poderá editar nova norma com preceitos idênticos aos declarados inconstitucionais ou que convalide os atos nulos praticados com base na lei declarada inconstitucional.

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1.987)12; 2) a fundamentação constitui obiter dictum, não sendo alcançada pelo efeito vinculante (STF, Rcl 2.475 – julgada por maioria).

5.2. O Efeito vinculante e a Ação Rescisória

Em primeiro lugar deve-se mencionar o art. 26 da Lei, que não admite ação rescisória contra a decisão do STF que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei, tendo em vista a falta de interesse do particular em ajuizá-la, além do que o acórdão faz coisa julgada material.

Diferente é a hipótese em que se pretende o ajuizamento de ação rescisória contra julgado de tribunal a quo ou de juiz singular já transitado em julgado, tendo em vista a decisão superveniente do STF quanto à matéria constitucional. Ou seja, o julgado inferior aplicou a lei ao caso concreto por considerá-la constitucional e, após, o STF decidiu ser inconstitucional, ou o julgado inferior deixou de aplicar a lei por considerá-la inconstitucional e, após, o STF julgou-a constitucional. Há duas correntes:

a) É cabível a ação rescisória (Kildare, Humberto Theodoro e STJ) – isso porque são vinculantes os efeitos do julgado do STF, com eficácia contra todos, tornando a lei declarada inconstitucional nula, abrangendo os atos praticados sob o seu império, salvo se o STF usar o art. 27 da Lei. Sustentam que a coisa julgada não é um valor absoluto, mas relativo, podendo ser usada com base no art. 485, V do CPC, sendo inaplicável a súmula 343 do STF13. Dizem ainda que a ação rescisória não está vinculada ao prazo de 2 anos, pois a decisão anterior é nula, podendo a nulidade ser declarada a qualquer tempo, inclusive de ofício. Contudo, se a decisão do STF foi proferida com efeitos ex nunc (art. 27), sustentam que o prazo de 2 anos deve ser observado.

b) Não é cabível a rescisória – dizem que o cabimento desta ação feriria a segurança jurídica das decisões, já que a declaração do STF sobre a lei pode vir 10 ou 20 anos mais tarde. Ainda, não haveria sentido na previsão de que a cautelar em sede de

12 O caso foi o seguinte: o STF declarou a inconstitucionalidade da Instrução Normativa 11/97 do TST (ADI 1.662), que criou outra hipótese de seqüestro de verbas públicas para o pagamento de precatório além daquela prevista na CF, entendendo haver violação ao art. 100 da CF. Contudo, uma juíza do TRT da 10ª região autorizou o seqüestro para pagamento de precatório vencido. O Governador do DF ajuizou reclamação, alegando haver violação aos fundamentos da decisão proferida na ADI 1.662. O STF entendeu que qualquer ato administrativo ou judicial, que determine o seqüestro de verbas públicas em desacordo com a única hipótese prevista no art. 100 da Constituição, revela-se contrário ao julgado e desafia a autoridade da decisão de mérito tomada na ação direta em referência, sendo passível, pois, ser impugnado pela via da reclamação. Note-se que a decisão da juíza do TRT não violou o dispositivo da ADI 1.662, mas apenas seus fundamentos, o que foi atacado pela reclamação e julgada procedente.

13 O STJ é pacífico nesse sentido: “1. Não pode prevalecer declaração de inconstitucionalidade de dispositivos legais quando afastado o vício pelo STF, sob pena de constituir-se injúria à lógica jurídica, ofendendo os princípios da legalidade e da igualdade tributárias. 2. A Súmula 343/STF ‘nada mais é do que a repercussão, na esfera da ação rescisória, da Súmula 400 – que não se aplica a texto constitucional – no âmbito do recurso extraordinário’. ‘Se a lei é conforme a constituição e o acórdão deixa de aplicá-la à guisa de inconstitucionalidade, o julgado se sujeita à ação rescisória ainda que na época os tribunais divergissem a respeito. Do mesmo modo, se o Acórdão aplica lei que o STF, mais tarde declare inconstitucional”. (REsp 168.947). No mesmo sentido: REsp 128.239, 517.034.

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ADC visa suspender, por 180 dias, o julgamento das ações que envolvem a norma objeto da controvérsia. Afinal, para que suspender o julgamento de um processo se, ao final, o título definitivo dele decorrente pode ser considerado inexigível? Dizem que deve ser aplicada a súmula 343/STF14.

As duas correntes acima também se aplicam à impugnação do art. 475-L, § 1º e aos embargos à execução do parágrafo único do art. 741, ambos do CPC.

5.3. Reclamação Perante o STF e o STJ

Trata-se de ação que encontra fundamento nos arts. 102, I, “l” e 105, I, “f” da CF e que visa preservar a competência de um tribunal ou garantir a autoridade da sua decisão. A reclamação pode ser proposta pelo Procurador-Geral da República ou pela parte envolvida na relação processual em que se dá a violação (art. 13 da Lei 8.038/90). O STF entende que somente quem foi parte em ação relativa ao controle abstrato da constitucionalidade pode apresentar reclamação. O seu procedimento está estampado nos arts. 13 a 18 daquela lei. Tais artigos elenca que a reclamação é protocolada diretamente na secretaria do tribunal competente, colhem-se as informações da autoridade a que for imputada a prática do ato impugnado e dá-se vista dos autos ao Ministério Público pelo prazo de cinco dias. Nos termos do artigo 17 da Lei n. 8.038/90, se julgar procedente a reclamação, o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal cassará a decisão contrária ao seu julgado ou determinará a medida adequada à preservação de sua competência, devendo o Presidente determinar o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

O C. Supremo Tribunal Federal entende que somente quem foi parte em ação relativa ao controle abstrato da constitucionalidade pode apresentar reclamação alegando descumprimento, por tribunal inferior, de decisão proferida pela Corte Suprema em uma ADIn ou em uma ADECON (STF- Reclamação 397 e RDA 183/154).

O TJSP e o próprio STF já decidiram que a reclamação também é admissível para preservar a competência de tribunal estadual ou garantir a autoridade de seus julgados, já que ela não tem natureza jurídica processual, excluindo-se, portanto, da competência legislativa da União.

A reclamação é predominantemente correcional, tratando-se, segundo sua natureza jurídica, de um direito de petição.

Vale destacar a súmula 734 do STF, segundo a qual, “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Também foi criada, pela EC 45/04 a reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula vinculante. A possibilidade foi prevista no art. 103-A, § 3º da CF, segundo o qual, “do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal

14 Súmula 343 – “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

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Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. Tratando-se de ato administrativo, a reclamação só será admitida após o esgotamento das vias administrativas, nos termos do art. 7º, § 1º da Lei 11.417/06.

5.4. A coisa julgada e os embargos à execução fundados em declaração superveniente de inconstitucionalidade

O efeito vinculante das decisões proferidas em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental não atinge os julgados transitados em julgado antes da decisão do C. Supremo Tribunal Federal, nem tampouco os títulos executivos judiciais deles decorrentes. Do contrário, não haveria sentido na previsão de que a cautelar em ADECON visa suspender, por 180 dias, os julgamentos das ações que envolvem a norma objeto da controvérsia. Afinal, para que suspender o julgamento de um processo se, ao final, o título definitivo dele decorrente pudesse ser considerado inexigível.

Assim, em respeito aos princípios da coisa julgada e da segurança das relações jurídicas (art. 5º, caput, da CF), não acolhemos a tese de que as regras previstas no parágrafo único do artigo 741 do CPC, e no § 51 do artigo 884 da CLT, atingem, inclusive os títulos protegidos pela coisa julgada formada antes da decisão do STF declarando uma lei ou ato normativo constitucional ou inconstitucional.

Ditam os dispositivos citados, hoje fundados na Medida Provisória 2.180-35, de 24.08.01, com validade por prazo indeterminado nos termos da EC 32, que, para fins de embargos à execução “considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal”. Ou seja, implicam na eliminação e não apenas na relativização (por si só questionável) da coisa julgada, o que é inadmissível.

Conforme leciona o professor Leonardo Greco (artigo “Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em relação à Coisa Julgada Anterior, 13/09/02, site Mundo Jurídico), citando inclusive decisões da Corte Européia de Direitos Humanos que reconhecem a coisa julgada como uma imposição do direito à tutela jurisdicional efetiva, “A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes”.

Observe-se, contudo, que em sentido contrário leciona Arakem de Assis (Artigo Eficácia da Coisa Julgada Inconstitucional, Revista Jurídica 301/7-27, novembro de 2002), que admite a incidência das regras previstas no parágrafo único do artigo 741 do CPC aos provimentos transitados em julgado após a vigência do artigo 3º da MP 1.997-37 (de 11.04.00), atualmente MP 2.180-35.

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6. ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

6.1. Objeto e Legitimidade da Ação

Trata-se de controle concentrado de constitucionalidade, previsto no art. 102, § 1º da CF, segundo o qual, “a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei15”. Para dar cumprimento ao comando constitucional, foi editada a Lei 9.882/99 (está sendo questionada por meio da adin 2.231), tendo por objeto evitar (ADPF preventiva) ou reparar (ADPF repressiva) lesão a preceito fundamental, resultante de ato comissivo ou omissivo do Poder Público (não há exigência de que o ato seja normativo).

Por preceito fundamental devem ser entendidos os princípios constitucionais (inclusive os princípios constitucionais sensíveis arrolados no art. 34, VII), os objetivos, direitos e garantias fundamentais previstos nos arts. 1º a 5º da CF, as cláusulas pétreas, os princípios da Administração Pública e outras disposições constitucionais que se mostrem fundamentais para a preservação dos valores mais relevantes protegidos pela constituição.

A ADPF pode ser proposta por qualquer dos legitimados previstos no art. 103 da CF, observadas as regras da legitimação universal e temática. Vale dizer que qualquer pessoa pode representar ao Procurador-Geral da República solicitando a propositura da ação, decidindo este sobre o acolhimento ou não da solicitação.

6.2. ADPF por Equiparação

Está previsto no art. 1º, parágrafo único, I da Lei 9.882/99, segundo o qual a argüição pode ter por objeto relevante controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à constituição vigente à época de sua propositura (direito pré-constitucional). É a denominada ADPF por equiparação, por vezes comparada a um incidente de inconstitucionalidade, que pode ser utilizado como forma de controle concentrado.

Para uns aquele dispositivo da lei é inconstitucional, pois somente norma constitucional pode estipular novas competências para o STF. Outros entendem ser constitucional pois o dispositivo apenas explicita hipótese de proteção ao preceito fundamental da segurança jurídica.

Como já visto, não cabe adin ou adecon contra lei ou ato normativo municipal, embora norma de tal natureza possa causar controvérsia constitucional capaz de gerar insegurança, assim como não é cabível tais ações contra lei anterior à constituição. Mas contra todos esses atos é cabível a ADPF por equiparação.

15 Esta é a única hipótese de competência originária do STF preceituada em norma de eficácia limitada.

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6.3. O Processo

Trata-se de processo objetivo, devendo a petição inicial indicar o preceito fundamental violado ou ameaçado e o ato violador praticado pelo poder público, a prova da violação (ou do risco desta), o pedido e suas especificações (declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental etc.). Caso a ação esteja fundada em relevante controvérsia constitucional, a petição inicial deverá ser instruída com prova das divergências.

A ação é de natureza subsidiária (residual), ou seja, não será admitida quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade com força erga omnes (adin ou adecon). Da decisão que indefere a petição inicial cabe agravo, em 5 dias.

Medida liminar (art. 5º da lei) – pode ser concedida pelo voto da maioria absoluta dos ministros (6 de 11 ministros), podendo o relator conceder prazo comum de 5 dias para que as autoridades responsáveis pelo ato questionado, o AGU ou o PGR se manifestem previamente. É possível a concessão ad referendum, em caso de extrema urgência. A liminar pode consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo (e não só o julgamento, como ocorre na ADC) ou os efeitos das decisões judiciais até o julgamento da argüição, respeitada a coisa julgada16. A validade da liminar não está sujeita a prazo (portanto, os efeitos da liminar em ADC e em ADPF são diversos, pois naquela suspende o julgamento por 180 dias, mas não o processo).

Concedida ou não a liminar, o relator solicitará informações às autoridades responsáveis pelo ato, que terão prazo de 10 dias. Podem ser ouvidas as partes envolvidas nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perícia ou audiência pública. Embora não se admita a intervenção de terceiros, admite-se a figura do amicus curiae.

Quanto ao julgamento da ADPF verificam-se as seguintes regras:

a) Após as informações, o Ministério Público terá vista dos autos por 5 dias e, em seguida, o relator lança seu relatório, e pedirá dia para o julgamento. Pode o relator autorizar sustentação oral ou a juntada de memoriais.

b) A decisão do pleno será tomada se presentes na sessão pelo menos 2/3 dos ministros (8 de 11 ministros é o quorum de instalação). Por falta de previsão expressa, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade na ADPF depende do voto de 6 ministros (art. 23 da Lei 9.868/99).

c) Julgada a ação, o STF comunicará às autoridades ou órgãos responsáveis as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. O

16 Na ADPF 105 o STF relembrou a impossibilidade de se conceder liminar para suspender decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, § 3º da Lei 9.882/99).

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presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, e 0 dias após o trânsito, a parte dispositiva da decisão é publicada na imprensa oficial.

d) Não há recurso contra a decisão, que possui eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do poder público, devendo os juízes e tribunais proferir decisão compatível com o entendimento do STF sobre a matéria objeto da argüição, caso contrário, cabível será a reclamação.

e) Aplica-se o art. 27 da Lei 9.868/99, ou seja, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo na ADPF, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, pelo voto de 2/3 dos seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do momento fixado.

7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS

No âmbito dos Estados, cabe ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo estadual ou municipal que contrarie a Constituição Estadual, vedada a legitimação para agir a um único órgão, nos termos do art. 125, § 2º, CF. O controle concentrado (ou abstrato) das leis estaduais e municipais é de competência privativa do Tribunal de Justiça, a quem cabe processar e julgar a ADI, tendo como parâmetro apenas a Constituição Estadual17.

Questão importante diz respeito à possibilidade de o Tribunal de Justiça julgar ADI contra lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição estadual, quando esta reproduz dispositivo da Constituição Federal18. Sem embargos, é majoritária a tese que admite esta possibilidade, seja a norma de reprodução seja ela de imitação (inclusive é o pensamento do STF). Contudo, se a norma da constituição local for de reprodução obrigatória, também será cabível o recurso extraordinário19.

a) Se a norma estadual for impugnada ao mesmo tempo ante o STF e o TJ, suspende-se a ação direta proposta no TJ até final decisão do STF, cuja decisão terá efeitos

17 A fixação da Constituição Estadual como parâmetro tem razão de ser: o efeito vinculante e erga omnes das decisões em ADI (presente inclusive no controle local). Assim, se fosse possível o controle do TJ tendo por parâmetro a CF, o próprio STF ficaria vinculado à decisão do TJ quanto à inconstitucionalidade da lei municipal por violar a CF, mesmo nos casos concretos que lhe chegassem mediante RE, pelo que deixaria de exercer o papel de guardião da CF. O STF é pacífico nesse sentido: “Os Tribunais de Justiça dos Estados, ao realizarem o controle abstrato de constitucionalidade, somente podem utilizar, como parâmetro, a Constituição do Estado” (RE 421.256). No mesmo sentido: ADI 409.

18 Há que se esclarecer o seguinte: normas de reprodução, para o professor Raul Machado Horta, são as situadas no campo das normas centrais, de preordenação (ex: definição de competência), que se referem ao transporte compulsório para o ordenamento constitucional do Estado. Já as normas de imitação, ao contrário das de reprodução, traduzem a adesão voluntária do constituinte a uma determinada disposição constitucional, expressando, pois, a autonomia do Estado.

19 “É competente o Tribunal de Justiça (e não o STF), para processar e julgar ação direta contra lei estadual contrastada com a norma da Constituição local, mesmo quando venha esta a consubstanciar mera reprodução de regra da Carta Federal, cabendo, em tese, recurso extraordinário de decisão que vier a ser proferida sobre a questão”. (ADI 1.529). No mesmo sentido: Rcl 383; Rcl-AgR 596.

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erga omnes e vinculará o TJ, bem como fará coisa julgada, extinguindo a ação na jurisdição local.

A suspensão cautelar da eficácia de uma norma no juízo abstrato, perante o TJ ou o STF, não torna inadmissível a instauração de ação direta em relação ao mesmo objeto, nem afeta o desenvolvimento válido de processo já instaurado em outra Corte.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

EXERCÍCIOS

Curso Anual 1

Aluno(a):

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. A atual CF introduziu em nosso ordenamento jurídico:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e o habeas data;

b) a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal e o inquérito civil;

c) a ação penal privada subsidiária da pública e o direito de voto do maior de dezesseis anos e menor de dezoito anos;

d) a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de segurança coletivo;

e) o direito de voto do analfabeto e o mandado de injunção.

2. A ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal pode ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República, e a decisão definitiva de mérito proferida pelo STF, nessa espécie de ação, produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. Essa afirmativa:

a) mostra-se incorreta porque a decisão definitiva de mérito proferida pelo STF não possui efeito vinculante;

b) mostra-se correta e acha-se compatível com o que, a respeito, diz a CF;

c) mostra-se incorreta porque a Mesa do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados não podem propor ação declaratória de constitucionalidade;

d) mostra-se incompleta porque no rol dos legitimados à propositura falta o Advogado-Geral da União;

e) mostra-se incompleta porque no rol dos legitimados à propositura faltam o Conselho Federal da OAB e partido político com representação no Congresso Nacional.

3. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal:

a) não produzirão eficácia contra todos;b) não produzirão efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do

Poder Judiciário;c) produzirão efeito vinculante apenas em relação ao Poder Executivo;

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d) produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.

4. A inconstitucionalidade por omissão compreende:

a) alegação de falta de quorum para aprovação de textos legais;b) omissão da iniciativa do poder competente;c) omissão de formalidade substancial durante a tramitação de projeto

de lei;d) omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional;e) n.d.a.

5. Analise as assertivas.

1ª – A fiscalização da constitucionalidade no Brasil, em face de órgãos dotados de competência para realizá-la, pode ser: a) difusa, e nesse caso concreta, ou b) concentrada, caso em que será abstrata, caracterizando-se tal sistema como misto.2ª – Entende-se por fiscalização difusa da constitucionalidade aquela operada por uma pluralidade de órgãos, verificando-se ela, sempre, pela via de exceção ou de defesa, já que todos os órgãos do Judiciário (Juízes ou Tribunais) são, no Brasil, competentes para exercê-la.3ª – Entende-se por fiscalização concentrada da constitucionalidade aquela exercida por um ou por poucos órgãos, possuindo competência para operá-la, no Brasil, o STF, relativamente a atos normativos estaduais e federais em face da CF, ou os Tribunais de Justiça, relativamente a atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.4ª – Tanto a fiscalização difusa da constitucionalidade quanto a concentrada são consideradas modalidades abstratas, pois em ambos os casos versam elas sobre atos normativos em tese.5ª – A constitucionalidade de uma lei municipal em face da CF pode ser questionada, quando inexistir parâmetro para tanto na Constituição Estadual, junto ao STF pela via da ação direta, desde que promovida por uma das pessoas ou entidades a tanto legitimadas.a) 1ª certa; 2ª certa; 3ª certa; 4ª errada; 5ª certa;b) 1ª certa; 2ª errada; 3ª certa; 4ª certa; 5ª certa;c) 1ª errada; 2ª certa; 3ª certa; 4ª certa; 5ªerrada; d) 1ª certa; 2ª certa; 3ª certa; 4ª errada; 5ªerrada;

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e) 1ª errada; 2ª errada; 3ª certa; 4ª certa; 5ªcerta.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a diferença entre extradição, deportação e expulsão?Na extradição há requerimento de outro país para entrega de indivíduo que deva cumprir pena ou responder a processo criminal (pode incidir sobre estrangeiros ou brasileiros naturalizados). Já na expulsão é uma medida tomada pelo Estado que consiste em retirar forçadamente de seu território que nele entrou ou permanece irregularmente ou, ainda, que praticou atentados à ordem jurídica do país em que se encontra. Por fim, a deportação consiste em devolver o estrangeiro ao exterior, sendo, portanto, a saída compulsória do estrangeiro e, fundamenta-se no fato dele entrar ou permanecer irregularmente no território nacional.

2. Discorra brevemente sobre iniciativa popular, referendo e plebiscito.Pela iniciativa popular admite-se que o povo apresente projetos de lei ao legislativo, desde que subscritos por número razoável de eleitores. O referendo caracteriza-se no fato de que projetos de lei aprovados pelo legislativo devam ser submetidos à vontade popular, atendidas certas exigências. O plebiscito, que também é uma consulta popular, caracteriza-se no fato de que visa a decidir previamente uma questão política ou institucional, antes de sua formulação legislativa.

3. Como se dá a criação de um partido político?Por serem pessoas jurídicas de direito privado deverão elaborar estatuto que será registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e posteriormente no Tribunal Superior no Tribunal Superior Eleitoral.

4. Qual a diferença entre controle de constitucionalidade por via de ação e por via de exceção?

O controle de constitucionalidade por ação só é deferido ao Tribunal de cúpula do Poder Judiciário. Verifica-se o controle por via de exceção ou difuso, quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário. Apesar de serem formas de controle repressivo de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário, na via de ação realiza-se por meio de ação direta de inconstitucionalidade para o STF (que analisará a questão em tese); na via de exceção (defesa) a controvérsia é incidental, pressupõe processo em curso e análise em caso concreto, com eficácia inter partes, em qualquer juízo.

5. Quando o Tribunal declara uma lei inconstitucional no controle concentrado (abstrato), quais os efeitos decorrentes desse ato?

Tal decisão tem caráter irrecorrível, eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante (em relação ao Poder Judiciário e órgãos da Administração). Em regra, a decisão terá eficácia ex tunc, ou seja, serão considerados nulos, desde o nascimento, a lei ou ato normativo declarados inconstitucionais.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO X

DIREITO CONSTITUCIONALFederação

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Federação

Professor Clever Vasconcelos

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Conforme dispõe o artigo 1.º da Constituição Federal, quanto à "forma de governo" e quanto à "forma de Estado", o Brasil é uma República Federativa, formada pela União indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. Isso significa que as entidades integrantes da República Federativa do Brasil encontram-se supedâneo em diretrizes e normas constitucionais de observância compulsória pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

O Estado é a pessoa jurídica soberana (não sujeita a qualquer outra) que tem como elementos básicos o povo (elemento humano), o território (base) e o governo (condutor). É a sociedade politicamente organizada dentro de um determinado espaço físico.

A "forma de governo" indica a maneira como se dá a instituição do poder na sociedade e a relação entre o povo e seus governantes. As formas mais comuns de governo são a Monarquia, caracterizada pela ascensão automática, hereditária e vitalícia ao trono, e a República, cuja marca principal é a eletividade periódica do chefe de Estado para um mandato com prazo fixado na Constituição.

A "forma de Estado" (Estado federado, composto, ou Estado unitário, simples) indica a existência ou não de uma divisão territorial do poder. Vale dizer: o Estado pode ser unitário, com o poder concentrado em um órgão central, ou pode ser federado, com poderes regionais que gozam da autonomia que lhes confere a Constituição Federal e com um poder central soberano e aglutinador.

A Constituição Federal de 1988 qualificou a organização do Estado brasileiro como político-administrativo.

O Estado unitário pode ser puro (poder totalmente concentrado no órgão central); descentralizado administrativamente (são designados órgãos para executar as deliberações já tomadas pelo poder central); ou descentralizado política e administrativamente (quando os órgãos executores das medidas do poder central possuem maior liberdade de execução).

Na Federação há um órgão Judiciário, de competência nacional, que dirime conflitos entre os Estados federados e entre esses e o poder central (Supremo Tribunal Federal), bem como um Senado com representação idêntica de todos os Estados-membros (atualmente temos 26 Estados e um Distrito

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Federal, sendo que cada um elege três dos nossos oitenta e um senadores).

1. FEDERAÇÃO

Federação significa pacto, interação, aliança, elo entre Estados-Menbros. Portanto, é uma pluralidade de Estados, dentro da unidade que é o Estado Federal.

No Brasil, a Federação nasceu de forma artificial, pois primeiro foi criado o Estado Central e depois foram criadas as unidades federativas (federalismo por segregação). Nos Estados Unidos da América do Norte, ao contrário, existiam Estados preexistentes que se agregaram para constituir a Federação (federalismo por agregação).

Atipicamente, a estrutura federativa brasileira prevê que também os Municípios integram a Federação, pois gozam da autonomia característica dos entes que perfazem um Estado federado (conforme dispõe o artigo 18 da Constituição Federal). Assim, nos limites da Constituição Federal, os Estados-membros, o Distrito Federal e também os Municípios gozam de autonomia política, financeira, legislativa e administrativa.

Por essa razão, alguns apontam nossa Federação como trina e não mais dualista. Hely Lopes Meirelles1 sustenta que diante de sua grande importância e autonomia na federação brasileira o município é uma "entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo", ou seja, nossa Federação é trina (tríplice) e não dualista2. No mesmo sentido decidiu o C. STF na ADIn-MC 2.381-RS, DJU de 14.12.01.

O art. 87 do ADCT, inserido pela EC n. 37/2002, e a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 2.º da LC n. 101/2000) incluem os municípios entre os entes da Federação.

JOSÉ AFONSO DA SILVA, no entanto, destaca que por onze vezes a Constituição Federal utiliza as expressões Federação e Unidade Federada sem incluir os Municípios, os quais, aliás, não dispõem de Poder Judiciário ou de representante no Senado Federal.

A incorporação, subdivisão ou o desmembramento de um Estado-Membro, para incorporação a outro (Guanabara e Rio de Janeiro) ou mesmo para a criação de um novo Estado-membro ou de um Território Federal, depende da aprovação da população interessada, via plebiscito, e, desde que haja

1 Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 1993, p. 382 Breves Anotações à Constituição Federal de 1988, Coord, Yara Darcy Police Monteiro, CEPAM, São Paulo, 1988.

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consentimento popular, da aprovação do Congresso Nacional, por lei complementar.

Antes de aprovar a lei complementar, o Congresso Nacional, por intermédio da Casa pela qual começou a tramitar o projeto de lei, deve colher a manifestação (que não vincula a posição do Congresso Nacional) da (s) Assembléia (s) Legislativa (s) das regiões envolvidas, nos termos do artigo 48, inciso VI, da Constituição Federal, e nos da Lei n. 9.709/98.

Exemplo de desmembramento, que presume a separação de uma parte sem a perda da identidade do ente originário, é o antigo Estado do Mato Grosso, hoje Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

O Distrito Federal integra a Federação, mas não pode ser desmembrado em Municípios (artigo 32, caput, da Constituição Federal). A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato Grossense e a Zona Costeira são Patrimônio Nacional, nos termos do § 4.º do artigo 225 da Constituição Federal. Destaque-se, ainda, que a Federação brasileira é indissolúvel e que tal disposição, prevista já no artigo 1.º da Carta Magna, foi inserida entre as cláusulas pétreas da Constituição Federal (artigo 60, § 4.º, inciso I); portanto, sequer por emenda constitucional admite-se a secessão (separação de um dos entes da federação para a formação de um novo Estado soberano).

“Crime contra a segurança nacional, contra a ordem política e social – Movimentos separatistas. Caracterização em tese do crime previsto no artigo 11 da Lei n. 7.170/83 – Providências requeridas pelo Ministro da Justiça – Conduta que não se reveste de ilegalidade do abuso de poder – Habeas Corpus preventivo denegado” (STJ – RT 705/373, julgado de 3.6.1993).

Soberania e autonomia não se confundem.

Soberania é o caráter supremo de um poder; poder que não admite outro que lhe seja superior, ou mesmo concorrente, dentro de um mesmo território.

Autonomia, por sua vez, significa independência dentro dos limites traçados pelo poder superior e soberano.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO3, cita a seguinte lição de SAMPAIO DÓRIA: "O poder que dita, o poder supremo, aquele acima do qual não haja outro, é a soberania. Só essa determina a si mesma os limites de sua competência. A autonomia, não. A autonomia atua dentro dos limites que a soberania lhe tenha transcrito."

Mesmo dentro da chamada "globalização", verificamos que na prática só existe a submissão de um Estado à ordem internacional por ato voluntário.

3 DÓRIA, Sampaio. Apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22.ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 41.

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Confederação é a união de Estados soberanos (países) que, normalmente por via de tratados, assumem obrigações recíprocas e chegam mesmo a criar um órgão central para a execução das deliberações tomadas (Dieta). Os tratados podem ser denunciados, revogados unilateralmente, sem prejuízo das sanções econômicas e políticas.

Em atenção ao parágrafo único do artigo 4.º da Constituição Federal, que traz entre os princípios internacionais do Brasil sua integração com outros povos da América Latina, em 1991 o País assinou o Pacto de Assunção e tornou-se Estado-parte do Mercado Comum do Cone Sul (o Mercosul), ao lado da Argentina, Paraguai e Uruguai. Chile e Bolívia são parceiros do Mercosul desde 1996, mas não são Estados-partes.

2.1. Elementos da Federação do Brasil

União

Estados-membros

Distrito Federal

Municípios

3. UNIÃO

A União é formada pela reunião dos entes integrantes da Federação. É pessoa jurídica de direito público interno e, no âmbito internacional, representa com soberania o Estado Brasileiro.

O artigo 20 da Constituição Federal enumera os bens da União.

3.1. Competência

O artigo 21 da Constituição Federal enumera a competência material e não a legislativa da União. Trata-se de competência exclusiva, indelegável.

O artigo 22 da Constituição Federal trata das competências legislativas da União; essa competência é privativa, ou seja, é possível a delegação aos Estados, por lei complementar.

O artigo 23 da Constituição Federal trata da competência comum. Não se refere, portanto, unicamente à União. O referido artigo dispõe sobre a competência não legislativa, ou seja, trata de competência material comum a todos os entes federados.

Nas hipóteses do art. 24 da CF temos a denominada competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal. Quanto a essas matérias, cabe à União estabelecer normas gerais (diretrizes gerais de abrangência nacional), embora Estados e Distrito Federal possuam competência

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para suplementar as normas gerais e assim garantir a plena aplicabilidade destas no âmbito regional.

Ainda quanto à competência concorrente, verifica-se que a função principal dos Estados e do Distrito Federal é legislar de forma detalhada sobre as matérias estabelecidas no art. 24 da CF, observadas as regras gerais fixadas pela União.

Inexistindo lei federal sobre as normas gerais previstas nesse art. 24, Estados e Distrito Federal exercerão a competência legislativa plena (legislarão sobre as normas gerais e sobre as especificações regionais que atendam às suas peculiaridades). A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspenderá (mas não revogará) a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

4. ESTADO-MEMBRO

É pessoa jurídica de direito público interno, dotada de autonomia. Constituem ordenações jurídicas parciais, que atuam como núcleos autônomos de poder, com legislação, governo e jurisdição próprios.

A autonomia estadual consiste na capacidade de auto-organização, capacidade de auto-governo e auto-administração; é a denominada tríplice capacidade. Assim, não restringem, ao simples exercício de atribuições legislativas, executivas ou jurisdicionais, participando ativamente na concretização de políticas públicas.

4.1. Capacidade de Auto-Organização

A capacidade de auto-organização e normatização própria reflete no poder do Estado de elaborar sua própria Constituição, denominado “Poder Constituinte Derivado Decorrente”, artigo 25 da Constituição Federal.

4.2. Capacidade de Auto-Governo

Indica a possibilidade de formação dos Poderes estaduais sem a interferência da União.

Legislativo: composto pela Assembléia Legislativa, unicameral (artigo 27 da Constituição Federal).

Executivo: chefiado pelo governador do Estado(artigo 28 da Constituição Federal).

Judiciário: representado pelo Tribunal do Estado e pelos juízes estaduais(artigo 125 da Constituição Federal).

4.3. Auto-Administração

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Permite o exercício das competências administrativas, legislativas e tributárias, previstas na Constituição Federal.

O artigo 25, § 1.º, da Constituição Federal, reserva aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição – denominada competência remanescente ou residual (que não se confunde com a competência residual em matéria de impostos, reservada à União – artigo 154, inciso I, da Constituição Federal).

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Como se faz o controle de inconstitucionalidade por omissão? Qual o foro competente para julgar essa ação?

2. Em que consiste o efeito vinculante da ação declaratória de constitucionalidade?

3. Discorra brevemente sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

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4. Quais as principais diferenças entre Estado Federado e Estado Unitário?

5. É possível a criação de Territórios? Se possível, quais as formalidades necessárias?

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XI

DIREITO CONSTITUCIONALFederação

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Federação

Professor Clever Vasconcelos

1. MUNICÍPIOS

Dos requisitos típicos das Unidades Federadas, os Municípios não dispõem de Poder Judiciário próprio e representante no Senado Federal, o que permite a ampla discussão doutrinária sobre ser ou não o Município um ente da Federação, abordada no módulo anterior.

A criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios depende de estudos quanto à viabilidade do ente que se quer formar (Emenda Constitucional n. 15, de setembro de 1996); da aprovação, por plebiscito, das populações das áreas envolvidas (segundo prevalece na doutrina, população da área desmembrada e população da área que poderá ser emancipada); da observância dos requisitos previstos em lei complementar federal que disciplina a matéria; e de lei estadual (em São Paulo, Lei Complementar n. 651/90).

O C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN-MC 2.381-RS, concluiu: “Embora não seja autoaplicável o § 4º do art. 18 da CF ( nova redação dada pela EC 15/96) – que sujeita à lei complementar federal os critérios para criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios -, é imediata sua eficácia mínima, de modo a impedir a instauração e conclusão de processos de emancipação de municípios em curso, até que advenha a lei complementar federal”. No mesmo sentido a liminar concedida pelo C. STJ no Mandado de Segurança 2812-A, suspendendo plebiscito emancipatório.

Ao julgar o Conflito de Competência n. 2.530/92, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que compete à Justiça Estadual, e não à Justiça Eleitoral, processar e julgar mandado de segurança contra ato do plenário da Assembléia Legislativa que determine a realização de plebiscito objetivando a emancipação de Distrito. A competência da Justiça Eleitoral, no processo emancipacionista, restringe-se a: prestar informações sobre o eleitorado da área e proceder à realização e à apuração do plebiscito.

Os municípios possuem Lei Orgânica e não Constituição, assim como o Distrito Federal, como será visto no tópico específico.

Pelo princípio da simetria, as regras previstas nas Leis Orgânicas Municipais não podem desatender comando previsto na Constituição Estadual para hipótese similar.

Desde a Constituição Federal de 1988, cada Município elabora sua própria

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Lei Orgânica, votada em dois turnos, com intervalo mínimo de dez dias entre eles, e aprovada por 2/3 de todos os membros da Câmara Municipal, que a promulgará (artigo 29, caput, da Constituição Federal).

Atipicamente, portanto, a estrutura federativa brasileira prevê que também os municípios integram a Federação, pois gozam de ampla autonomia (artigo 18 da Constituição Federal). Ou seja, nos limites da Constituição Federal, os Estados-membros, o Distrito Federal e também os municípios gozam de autonomia política, financeira, legislativa e administrativa.

Por essa razão, alguns apontam nossa Federação como trina (tríplice) e não mais dualista1. JOSÉ AFONSO DA SILVA2 leciona que “o município é componente da Federação mas não entidade federativa”, destacando que por onze vezes (entre elas o § 1.º do artigo 5.º e o inciso II do artigo 60) a Constituição Federal utiliza as expressões unidades da Federação e unidade federada sem incluir os municípios.3

Hely Lopes Meirelles4 sustenta que diante de sua grande importância e autonomia na federação brasileira o município é uma "entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo", ou seja, nossa Federação é trina (tríplice) e não dualista5. No mesmo sentido decidiu o C. STF na ADIn-MC 2.381-RS, DJU de 14.12.01.

O artigo 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inserido pela Emenda Constitucional n. 37/2002, e a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 2.º da LC n. 101/2000) incluem os municípios entre os entes da Federação.

Entre outros requisitos das unidades federadas, os municípios não dispõem de Poder Judiciário próprio ou representante no Senado Federal.

Mediante lei complementar estadual (na vigência da Constituição Federal/67, dependia de lei complementar federal) os Estados podem instituir Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões – agrupamento dos Municípios limítrofes que têm por objetivo integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum dos integrantes (combate a enchentes, transportes etc); artigo 25, § 3.º, da Constituição Federal.

No Estado de São Paulo, assim dispõe a Constituição Estadual:

“Art. 153 – O território estadual poderá ser dividido, total ou parcialmente, em unidades regionais constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes,

1 MONTEIRO, Yara Darcy Police. Breves anotações à Constituição Federal de 1988. São Paulo: CEPAM, 1988.2 Op. cit. Curso de Direito Constitucional positivo. p. 105.3 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 621.4 Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 1993, p. 385 Breves Anotações à Constituição Federal de 1988, Coord, Yara Darcy Police Monteiro, CEPAM, São Paulo, 1988.

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mediante lei complementar, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, atendidas as respectivas peculiaridades.

§ 1.º – Considera-se região metropolitana o agrupamento de municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.

§ 2.º – Considera-se aglomeração urbana o agrupamento de municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes.

§ 3.º – Considera-se microrregião o agrupamento de municípios limítrofes que apresente, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional.

Artigo 154 – Visando a promover o planejamento regional, a organização e execução das funções públicas de interesse comum, o Estado criará, mediante lei complementar, para cada unidade regional, um conselho de caráter normativo e deliberativo, bem como disporá sobre a organização, a articulação, a coordenação e, conforme o caso, a fusão de entidades ou órgãos públicos atuantes na região, assegurada, nesses e naquele, a participação paritária do conjunto dos municípios, com relação ao Estado.

§ 1.º – Em regiões metropolitanas, o conselho a que alude o caput deste artigo integrará entidade pública de caráter territorial, vinculando-se a ele os respectivos órgãos de direção e execução, bem como as entidades regionais e setoriais executoras das funções públicas de interesse comum, no que respeita ao planejamento e às medidas para sua implementação.

§ 2.º – É assegurada, nos termos da lei complementar, a participação da população no processo de planejamento e tomada de decisões, bem como na fiscalização da realização de serviços ou funções públicas em nível regional.

§ 3.º – A participação dos municípios nos conselhos deliberativos e normativos regionais, previstos no "caput" deste artigo, será disciplinada em lei complementar.

Artigo 155 – Os municípios deverão compatibilizar, no que couber, seus planos, programas, orçamentos, investimentos e ações às metas, diretrizes e objetivos estabelecidos nos planos e programas estaduais, regionais e setoriais de

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desenvolvimento econômico-social e de ordenação territorial, quando expressamente estabelecidos pelo conselho a que se refere o art. 154.

Parágrafo único – O Estado, no que couber, compatibilizará os planos e programas estaduais, regionais e setoriais de desenvolvimento, com o plano diretor dos municípios e as prioridades da população local.”

Prevalece, portanto, que, na instituição das Regiões Metropolitanas, o interesse geral deve se sobrepor aos interesses locais, razão porque a aplicação das regras comuns previstas na Lei Complementar Estadual não depende do consentimento individual de cada município, que obrigatoriamente deve participar das ações conjuntas. Conforme deliberou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar requerida na ADIn n. 1.841 (j. de 18.6.98), “discrepa do § 3.º do artigo 25 da Constituição Federal norma de Carta de Estado que submete a participação de município em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião à aprovação prévia da câmara municipal. Liminar deferida para suspender a eficácia do preceito em face do concurso da relevância da argumentação jurídico-constitucional, da conveniência e do risco de manter-se com plena eficácia o preceito, obstaculizada que fica a integração e realização das funções públicas de interesse comum” .

A posição de prevalência dos interesses regionais sobre os interesses locais não é pacífica. Michel Temer sustenta que a região metropolitana não é dotada de personalidade e que suas decisões não obrigam os municípios que a compõem, em respeito à autonomia municipal.

De acordo com as suas respectivas populações, os municípios terão entre 9 e 55 vereadores (artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal). tema que será abordado no módulo XIV

2. TERRITÓRIOS

Para a criação de um território (tramitam propostas de criação de pelo menos 5 territórios na região amazônica) exige-se a aprovação da proposta pela população diretamente interessada, mediante plebiscito (a ser proposto por 1/3 dos Deputados federais ou por 1/3 dos Senadores), e da aprovação pelo Congresso Nacional por lei complementar – que exige o voto favorável da maioria de todos os membros de uma casa legislativa (artigos 18, § 3.º, e 69, ambos da Constituição Federal), depois de ouvidas as Assembléias Legislativas das áreas afetadas.

Os Territórios podem ser divididos em Municípios (artigo 33, § 1.º, da Constituição Federal) e não são considerados entes da Federação (como são os Estados-membros). São uma descentralização administrativa e territorial da União, com natureza de mera autarquia. O Território não elege Senador (pois não é ente federado), mas sua população elege quatro deputados federais (representantes do povo do Território).

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O Governador do Território é nomeado pelo Presidente da República, após a aprovação do seu nome pelo Senado Federal (inciso XIV do artigo 84 da Constituição Federal) e, naqueles Territórios Federais com mais de 100.000 habitantes, haverá órgãos judiciários de primeira e segunda instância, membros do Ministério Público e defensores públicos federais (§ 3.º do artigo 33 da Constituição Federal).

3. DISTRITO FEDERAL

O Distrito Federal integra a Federação, elege Senadores e Deputados federais, tem eleição direta para Governador, mas não pode ser desmembrado em Municípios (artigo 32, caput, Constituição Federal). Nele está situada a capital federal, Brasília.

Nos termos do artigo 32 da Constituição Federal, o Distrito Federal é regido por lei orgânica, observados os princípios da Constituição Federal, votada em dois turnos, com intervalo mínimo de dez dias entre as votações, e aprovada por 2/3 dos membros da Câmara Legislativa, que a promulgará.

Discute-se a natureza jurídica do Distrito Federal, prevalecendo tratar-se de pessoa jurídica criada diretamente pela Constituição Federal e que se equipara aos Estados-membros, desfrutando das competências legislativas municipais e estaduais.

Observe-se, porém, que a autonomia do Distrito Federal não é tão ampla quanto aquela verificada nos Estados-membros, já que parte de sua estrutura administrativa é organizada e mantida pela União (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil, Polícia Militar e Bombeiro Militar– nos termos dos incisos XIII e XIV do artigo 21 da Constituição Federal). JOSÉ AFONSO DA SILVA classifica o Distrito Federal como “uma unidade federada com autonomia parcialmente tutelada”.

4. DIVISÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Competência é parcela de poder. Para orientar a repartição da competência, a Constituição Federal adota o princípio da Predominância do Interesse Público.

A divisão da competência pode ser horizontal (quando os entes se encontram no mesmo patamar para o exercício de suas competências) ou vertical (quando os entes inferiores devem observar os comandos dos entes superiores); material (não-legislativa ou administrativa) ou legislativa (legiferante); comum (em conjunto) ou concorrente (cada ente federado legisla no seu campo de atuação, fixando a União normas gerais e aos demais, normas específicas, competência suplementar – se a União deixar de exercer sua competência ou o fizer de forma incompleta surge para os Estados e Distrito Federal a possibilidade de supressão dessa lacuna, pelo exercício da competência supletiva, quando inexistir a norma, ou

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complementar, quando traçar planos específicos limitados pela atuação genérica da União. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspenderá, mas não revogará, a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

O artigo 21 da Constituição Federal enumera a competência material da União. Trata-se de competência exclusiva, indelegável.

O artigo 22 da Constituição Federal trata das competências legislativas da União; essa competência é privativa, passível de delegação aos Estados, por lei complementar (parágrafo único), de questões específícas.

Há leis nacionais (que regulam interesses gerais em todo o País) e leis meramente federais (dirigidas especificamente à organização de interesses da própria União).

O artigo 23 da Constituição Federal trata da competência comum que não se refere unicamente à União. O artigo dispõe sobre a competência não-legislativa, comum a todos os entes federados.

A competência mencionada no artigo 24 da Constituição Federal, é legislativa concorrente. Quanto à possibilidade de o Município participar dessa competência, há duas correntes:

O Município não participa da competência do artigo 24 da Constituição Federal, pois não há previsão de sua atuação no texto constitucional; caso o legislador constituinte quisesse abarcar o Município, teria feito expressamente.

O Município participa dessa competência, tendo em vista o artigo 30 da Constituição Federal, inciso II. Abre-se a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

Aos municípios compete legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a legislação estadual no que couber, respeitando as diretrizes nacionais e regionais.

Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios, exceto quanto à organização do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil, Polícia Militar e Bombeiro Militar, que serão organizados por lei federal e mantidos pela União, nos termos dos incisos XIII e XIV do artigo 21 da Constituição Federal.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Assinale a alternativa incorreta:

a) O Estado é a sociedade politicamente organizada.

b) Segundo o critério proposto por Kelsen, a denominação Estado deve ser reservada à comunidade em que a atividade legislativa e a função judiciária passam a ser de competência exclusiva do governo.

c) Os elementos básicos do Estado são: povo, território e governo.

d) A União é soberana.

2. Assinale a alternativa correta:

a) Os Territórios possuem autonomia política.

b) A União é autônoma.

c) Os Municípios não gozam de autonomia política.

d) Os Territórios são considerados componentes da Federação.

3. A competência da União é privativa para legislar sobre as matérias arroladas no artigo 22 da Constituição, podendo, entretanto:

a) ser editada lei complementar autorizando os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias ali relacionadas;

b) os Estados legislarem suplementarmente, desde que respeitada a norma geral da União;

c) os Estados, quando inexistir sobre a matéria lei federal, legislarem plenamente;

d) os Estados legislarem ficando, entretanto, as respectivas leis suspensas quando da superveniência de lei federal.

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4. O Município reger-se-á por lei orgânica:

a) votada pelas Assembléias Legislativas dos Estados, aprovada por 2/3 dos seus membros e submetida ao “referendum” das Câmaras Municipais respectivas;

b) votadas em dois turnos e aprovada por 2/3 dos membros da Câmara Municipal;

c) votada e aprovada por 2/3 dos membros da Câmara Municipal depois de obtida a sanção do Prefeito;

d) votada em dois turnos, aprovada por 2/3 dos membros da Câmara Municipal e sancionada pelo Prefeito.

5. Havendo conflito entre lei federal e lei municipal:

a) prevalece a lei federal;

b) prevalece a lei municipal;

c) prevalece a lei municipal sobre trânsito e transporte;

d) poderá prevalecer a lei federal ou a municipal, conforme a matéria tratada.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Como se faz o controle de inconstitucionalidade por omissão? Qual o foro competente para julgar essa ação?

A ação de inconstitucionalidade por omissão visa afastar omissão quanto à medida necessária para tornar efetiva norma constitucional que não é de eficácia plena. É competente para processar e julgar essa ação o STF que, por sua vez, dará ciência ao poder omisso para que tome as providências necessárias, não tendo sido fixado qualquer prazo para a elaboração da lei ou ao órgão administrativo que deverá fazer a lei no prazo de trinta dias, sob pena de responsabilidade..

2. Em que consiste o efeito vinculante da ação declaratória de constitucionalidade?

Consiste em tornar obrigatório o cumprimento da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes do julgado do STF pelos juízes, tribunais e pela Administração Pública federal, estadual e municipal. Referido julgado possui caráter transcendente.

3. Discorra brevemente sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental.

A ADPF (controle concentrado) tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público e quando relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual, municipal, distrital, incluídos os anteriores à Constituição. A competência é originária do STF e os legitimados são os mesmos para a ADIn. Em regra, os efeitos da decisão é erga omnes, ex tunc e vinculante.

4. Quais as principais diferenças entre Estado Federado e Estado Unitário?No Estado Unitário o poder é concentrado em um órgão central. No Estado Federado o poder é regional, ou seja, poderes regionais que gozam da autonomia que lhes confere a Constituição Federal e com um poder central soberano e aglutinador.

5. É possível a criação de Territórios? Caso possível, quais as formalidades necessárias?

É possível a criação de um Território Federal, que dependerá da aprovação da população interessada, via plebiscito, e, desde que haja consentimento popular, da aprovação do Congresso Nacional, por Lei Complementar. Os territórios federais integrarão a União.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XII

DIREITO CONSTITUCIONALIntervenção Federal

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Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Professor Clever Vasconcelos

1. INTERVENÇÃO FEDERAL

Segundo o professor Uadi Lammêgo Bulos, intervenção é a cessação excepcional de autonomia política dos Estados, Distrito Federal ou Municípios, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio federativo.

Os fatos geradores da intervenção federal estão relacionados no artigo 34 da Constituição Federal, sendo que o decreto e a execução do ato são de competência do Presidente da República (artigo 84, inciso X, da Constituição Federal).

Nas hipóteses dos incisos I, II, III, V do artigo 34 da Constituição Federal, o Presidente da República pode agir de ofício (intervenção espontânea).

Nas demais hipóteses do artigo 34, o decreto de intervenção depende de provocação (intervenção provocada), observadas as seguintes regras do artigo 36 da Constituição Federal:

I – solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coato ou impedido de exercer livremente suas funções;

II – requisição do Supremo Tribunal Federal, caso a coação seja exercida contra o Poder Judiciário;

III – requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral, no caso de descumprimento de ordem ou decisão judiciária (inclusive os precatórios);

IV – requisição do Supremo Tribunal Federal decorrente do acolhimento de representação do Procurador-Geral da República contra recusa na execução de lei federal;

V – requisição do Supremo Tribunal Federal decorrente do acolhimento de representação do Procurador-Geral da República visando assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis (inciso VII do artigo 34 da Constituição Federal). Essa requisição decorre da denominada ADIn interventiva.

Conforme leciona HUGO NIGRO MAZZILLI, “há dois tipos de intervenção, a espontânea, em que o presidente da República age de ofício, e a provocada, quando o presidente agirá, conforme o caso, de forma discricionária ou vinculada. Será discricionária quando por solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coato ou impedido, porque se aterá o presidente a critérios de

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oportunidade e conveniência, não estando obrigado a decretá-la se entender que não é o caso. Por último, a intervenção vinculada ocorre em duas hipóteses:

a) quando de requisição de um dos Tribunais Superiores indicados na Constituição;

b) quando de provimento de representação interventiva.”

Não se tratando de intervenção vinculada, o Decreto Presidencial deve ser precedido de manifestação (não vinculante) do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional.

2. INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO CUMPRIMENTO DOS PRECATÓRIOS

Relembre-se, inicialmente, que a intervenção federal é uma das limitações circunstanciais ao poder de emenda, nos termos do § 1.º do artigo 60 da Constituição Federal.

No caso de atraso ou suspensão no pagamento de precatório (observando-se a possibilidade de parcelamento criada pela Emenda Constitucional n. 30/2000), estaremos diante do descumprimento de uma ordem judicial, e a solução constitucional para o caso é a intervenção da União no Distrito Federal e no Estado-membro, ou deste no Município (artigos 34, inciso VI, e 35, inciso IV, ambos da Constituição Federal).

O atraso no pagamento de dívida decorrente de parcelamento (Emenda Constitucional n. 30/00), para a satisfação de precatório, passou a autorizar o seqüestro, sem a exclusão da possibilidade de pedido de intervenção federal. Anteriormente, o seqüestro somente era possível quando verificada a quebra da ordem cronológica no pagamento dos precatórios.’

Nos casos de desobediência à ordem ou decisão judicial, a intervenção federal no Estado-membro ou no Distrito Federal dependerá de requisição (não se trata de simples solicitação e, por isso, o Presidente da República estará vinculado à determinação) do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral (artigo 36, inciso II, da Constituição Federal).

O decreto de intervenção no Distrito Federal ou em um Estado-membro é expedido pelo Presidente da República (artigo 84, inciso X, da Constituição Federal), depois de ouvido o Conselho da República (artigo 90, inciso I, da Constituição Federal), e, na hipótese de requisição (artigo 34, inciso VI, da Constituição Federal), há polêmica sobre a incidência do controle político pelo Congresso Nacional.

Ao analisar o pedido de Intervenção Federal 2.915, o STF adotou a polêmica tese da impossibilidade material, concluindo que não havendo atuação

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dolosa no inadimplemento, e estando o Estado de São Paulo sujeito a múltiplas obrigações de igual hierarquia ( em especial a continuidade dos serviços públicos), deveria ser adotada a chamada “relação de precedência condicionada entre princípios constitucionais concorrentes” ( Informativo STF 331, de novembro de 2003). Com isso, indeferiu o pedido fundado no não pagamento de precatórios judiciais.

Parece-me mais compatível com a Constituição Federal decisão tomada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao acolher pedido de intervenção estadual em município que descumpriu decisão judicial alegando dificuldades financeiras. Extrai-se da ementa do Acórdão: “Dificuldades financeiras alegadas pelo Município ao descumprir a ordem judicial que não afastam, ao contrário reforçam a convicção da necessidade da intervenção” (Intervenção Estadual n. 107.977-0/8, j. de 29.09.2004, rel. Paulo Franco. No mesmo sentido a Intervenção Estadual n. 85.366-0/1, requisitada pelo mesmo TJSP).

O artigo 19 da Lei federal 11.033, de 21/12/2004, estabelece que o levantamento ou autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. A exigência, questionável tanto no aspecto formal (a LC 95/98 estabelece que a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade pertinência ou conexão, sendo que pela sua ementa a Lei 11.033 deveria apenas tratar da tributação sobre o mercado financeiro e de capitais e da modernização dos portos), quanto no aspecto material (trata-se de valor que já foi reconhecido como devido e eventual compensação somente poderia ser exigida caso a mesma pessoa jurídica de direito público fosse credora e devedora), não atinge créditos de natureza alimentar (inclusive honorários advocatícios) e créditos de até 60 salários mínimos.

3. A AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE INTERVENTIVA

Essa ação, por vezes denominada representação interventiva, tem por objeto a intervenção federal em uma das unidades da Federação, a intervenção Federal em Município de Território ou, ainda, a intervenção Estadual em um Município.

O legitimado para a propositura da ADIn Interventiva (no âmbito federal) é o Procurador-Geral da República, nos termos do inciso III do artigo 36 da Constituição Federal. Qualquer interessado pode lhe encaminhar representação nesse sentido.

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Trata-se de medida excepcional, restritiva da autonomia prevista no artigo 18 da Constituição Federal, e que tem por objetivo garantir a observância dos princípios constitucionais sensíveis, previstos no inciso VII do artigo 34 da Constituição Federal.

São princípios constitucionais sensíveis, nos termos do artigo 34, VII, da Constituição Federal:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

A autoridade ou o órgão responsável pelo ato impugnado terá trinta dias para se manifestar. Em seguida, o relator terá trinta dias para elaborar seu relatório.

Não há previsão de liminar em ADIn Interventiva da União nos Estados-membros e no Distrito Federal, estando a matéria regulamentada pela Lei n. 4.337/64 (parcialmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988). O relator, porém, em caso de urgência decorrente de relevante interesse da ordem pública, poderá, com prévia ciência das partes, requerer a imediata convocação do Tribunal para deliberar sobre a questão.

Na sessão de julgamento, poderão se manifestar o Procurador-Geral da República e o Procurador da unidade, cuja intervenção se requer.

Dando provimento ao pedido, o Supremo Tribunal Federal requisitará a intervenção ao Presidente da República, a quem incumbe decretar e executar a intervenção federal (artigo 84, inciso X, da Constituição Federal).

Inicialmente, o decreto (que também caracteriza uma forma de intervenção) suspenderá a execução do ato impugnado, não dependendo de qualquer manifestação do Congresso Nacional (artigo 36, § 3.º, da Constituição Federal). É a denominada intervenção normativa.

Caso a suspensão do ato se mostre insuficiente, será decretada a nomeação de um interventor, afastando-se a autoridade local (Chefe do Executivo, Legislativo ou Judiciário) do cargo, até que cessem os motivos determinantes da medida.

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A intervenção que decorre de requisição do Poder Judiciário não está sujeita a controle político pelo Congresso Nacional, ainda que implique no afastamento do chefe de um dos poderes, conforme leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho1 e consta do § 3º do artigo 36 da Constituição Federal. Michel Temer2 leciona em sentido contrário, sempre exigindo a prévia manifestação do Congresso Nacional para que seja consumada a intervenção federal.

Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas retornam aos seus cargos, salvo impedimento legal.

A intervenção federal é uma das limitações circunstanciais ao poder de emenda constitucional (artigo 60, § 1.º, da Constituição Federal).

No caso de ADIn que vise à intervenção estadual em um Município pelo descumprimento dos princípios indicados na Constituição Estadual (primeira parte do inciso IV do artigo 35 da Constituição Federal), a legitimidade para agir será do Procurador–Geral da Justiça. O pedido é apresentado ao Tribunal de Justiça do Estado respectivo, e admite-se a concessão de liminar para a suspensão do ato impugnado (Lei n. 5.778/72).

A União não pode intervir em municípios, excetuados aqueles localizados em Território Federal, conforme dispõe o artigo 35 da Constituição Federal.

Dessa forma, conclui-se Uadi Lammêgo Bulos que o Município que já sofreu intervenção estadual pode submeter-se, de novo, à mesma medida, por motivos idênticos ou diversos que ocasionaram o primeiro ato interventivo.

1 Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 28ª edição, 2002, p.652 Elementos de Direito Constitucional, Malheiros, São Paulo, 12ª ed., 1996, p. 80

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PROVÃO

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Em função do controle de constitucionalidade das leis ou de sua inconstitucionalidade e controle difuso é verdadeiro afirmar:

a) compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, somente, no todo, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, desde a Constituição de 1934;

b) compete ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade, por via de defesa ou exceção, somente de tratado ou lei federal;

c) compete ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade, por via de defesa ou exceção, somente quando contrariar dispositivo da Constituição;

d) compete ao Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade, por via de ação direta, de lei ou ato normativo federal ou estadual.

2. Quanto ao poder constituinte originário e derivado é correto dizer:a) no direito internacional, visando a convivência pacífica entre os

Estados soberanos, vigoram os princípios da cooperação e do mútuo respeito, sobre a normas internas, em todos os casos;

b) institui-se a Constituição, instrumento essencial de limitação jurídica do poder político, e instrumentaliza-se, completamente, a racionalização do processo do poder;

c) instaura-se o Estado de direito, integralmente, na dimensão sócio-política;

d) definem-se as formas político-jurídicas caracterizadoras da nova comunidade estatal e proclamam-se, revestidas do mais alto grau de positividade jurídica, as liberdades públicas.

3. Pode-se afirmar como correto quanto ao conceito, classificação, objeto e interpretação da Constituição:

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a) Constituição é todo ato do poder constituinte originário, exclusivamente;

b) A Constituição estabelece os pressupostos de criação, vigência e execução das normas do resto do ordenamento jurídico, seu conteúdo e unidade, em todos os casos;

c) Constituição é o complexo de normas fundamentais de um dado ordenamento jurídico, escritas ou não escritas, que regulam a sua própria criação;

d) Constituição é referência obrigatória de todo sistema jurídico, uma vez que estabelece em seu próprio corpo as formas como poderá ser reformada e a predominância das normas infraconstitucionais.

4. A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos:

a) o pluralismo político;

b) a especialização da Justiça;

c) a obrigatoriedade do voto;

d) a bicameralidade.

5. O art. 5º da Constituição afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Assim, é correto afirmar:

a) o regime jurídico das liberdades públicas protege tanto as pessoas naturais, quanto as pessoas jurídicas;

b) a garantia de igualdade não significa que todos tenham igual acesso aos remédios constitucionais, pois o estrangeiro não pode impetrar mandado de segurança, já que não é cidadão brasileiro;

c) não há diferença entre direitos e garantias individuais;

d) ao estrangeiro não residente no Brasil, mas em trânsito, nenhum direito constitucional é garantido.

e) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade significa que esses bens não poderão ser restringidos ou afetados sob nenhum aspecto.

6. É característica da norma de eficácia contida:a) produzir efeito depois de editada norma que a complemente;

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b) depender, para a sua plenitude eficacial, de regulamentação legal (lei complementar) futura;

c) não produzir nenhum efeito jurídico;

d) permitir que lei ordinária posterior venha a inviabilizar sua aplicabilidade;

e) entrar no mundo jurídico com eficácia plena e aplicabilidade imediata.

7. As características fundamentais do Poder Constituinte Originário, segundo a doutrina, são:

a) inicialidade, ilimitação, incondicionalidade.

b) inicialidade, derivação, condicionalidade

c) inicialidade, ilimitação, subordinação.

d) derivação, subordinação, condicionalidade.

8. Consoante a doutrina, em uma Constituição considerada do tipo "dirigente" predominam normas constitucionais:

a) programáticas;

b) de eficácia plena;

c) portadoras de conceitos jurídicos indeterminados;

d) de eficácia reduzida;

e) de principio instrutivo.

9. A extradição solicitada por Estado estrangeiro será processada e julgada originariamente pelo:

a) Superior Tribunal de Justiça;

b) Tribunal Regional Federal do Distrito Federal;

c) Supremo Tribunal Federal;

d) Tribunal Regional Federal do domicílio do extraditando.

10. É correto afirmar:a) a integração visa suprir um vazio deixado pela Lei Constitucional;

b) a interpretação visa suprir um vazio deixado pela Lei Constitucional;

c) a compreensão supre a lacuna constitucional;

a aplicação do Direito supre o vazio constitucional

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O que se exige para a criação, fusão ou desmembramento de um Município?

2. Qual a natureza jurídica do Distrito Federal?

3. Há diferenças entre Lei Federal e Lei Nacional?

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4. A intervenção federal se sujeita ao crivo do Judiciário?

5. Existe intervenção por quebra dos princípios constitucionais?

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIII

DIREITO CONSTITUCIONALSistema Constitucional das Crises

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Sistema Constitucional das Crises

Professor Clever Vasconcelos

1. DO ESTADO DE DEFESA

O Estado Democrático de Direito compreende (1) a limitação jurídica do arbítrio do poder político e (2) a estabilidade jurídica das garantias individuais, tendo a CF como norma suprema (o ordenamento deve se adequar à CF), não se podendo admitir o progresso político com a falha de alguma destas duas condições. Contudo, na vida de uma comunidade política podem ocorrer situações de crise (econômicas, bélicas, sociais, políticas etc.), acarretando a ruptura do equilíbrio institucional.

Para superar a situação de crise, surge a necessidade da constitucionalização das circunstâncias excepcionais, ou seja, a CF estabelece medidas destinadas à defesa do Estado e de suas instituições. Fala-se, então, em direito constitucional de crise ou legalidade especial, fixando-se o alcance, os limites e as garantias das medidas excepcionais, sobretudo as referentes ao retorno à normalidade, as quais devem ser adequadas, necessárias e proporcionais para o restabelecimento da normalidade constitucional

2. SISTEMA CONSTITUCIONAL DAS CRISES

O sistema constitucional das crises, entendido como o conjunto de normas constitucionais estruturadas, ordenadas e coerentes, tendo como ponto comum as crises, é fundado nos princípios da necessidade e temporariedade, os quais traduzem uma legalidade especial, acarretando a decretação de medidas excepcionais. Vejamos:

a) Necessidade – caracteriza-se pela ocorrência de situações que, pela gravidade, colocam em risco a estabilidade do regime, objetivando, por isso mesmo, a manutenção e a preservação da ordem constitucional e das instituições.

b) Temporariedade – a exceção constitucional terá duração e prazo determinados.

As medidas excepcionais não podem ser retiradas do controle político do legislativo, ainda que a posteriori, e não podem fugir ao controle jurisdicional quanto ao reparo de desvios e abusos. O regime das situações de exceção não significa suspensão ou exclusão da CF, mas sim um regime extraordinário,

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incorporado na própria CF. Anote-se que as medidas excepcionais têm sido executadas pelo Poder Executivo. Assim, há dois sistemas de crises:

a) Flexíveis – são flexíveis todos os sistemas de emergência que não predeterminam as ações de resposta por ocasião da grave crise, autorizando as medidas necessárias, em cada caso concreto, para o retorno à normalidade.

b) Rígidos – são os sistemas em que o rol de medidas extraordinárias que a declaração da emergência consente é predeterminado, taxativo. O estado de sítio integra o sistema constitucional rígido das crises (as medidas necessárias estão expressas na CF), pois consiste na suspensão temporária e localizada das garantias constitucionais.

3. DO ESTADO DE DEFESA

Ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, o Presidente da República pode decretar o estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades da natureza de grandes proporções.

Observações:

a) As manifestações do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional são meramente consultivas, não vinculando o Presidente da República, este não faz solicitação nenhuma, mas simplesmente decreta.

b) O decreto deve especificar as áreas abrangidas, o tempo de duração, que não poderá ser superior a 30 dias, prorrogado uma vez por igual período se persistirem as razões do decreto, e a indicação das medidas coercitivas dentre as indicadas no § 1º.

c) A CF não fala em designação do executor (a ele se refere apenas nos arts. 136, § 3º, I e 141), mas mesmo diante do silêncio, entende-se que o decreto deve indicá-lo, sem o qual não se viabilizará a medida de exceção.

d) Controle político (§§ 4º a 7º) – o ato deve ser submetido em 24 horas ao Congresso com a respectiva justificação, o qual decidirá por maioria absoluta, e, uma vez rejeitado, cessa imediatamente o estado de defesa. Há também controle político a posteriori nos arts. 140 e 141, parágrafo único.

e) Controle jurisdicional – está previsto no § 3º, e no art. 141, caput, segundo o qual “cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes”.

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Se estiver em recesso, o Congresso será convocado para se reunir em cinco dias, permanecendo em funcionamento durante todo o período do estado de defesa.

Qualquer prisão por crime contra o Estado deverá ser imediatamente comunicada pelo executor da medida ao juiz competente (controle jurisdicional concomitante), que a relaxará se for ilegal. A comunicação da prisão, que, salvo hipótese de autorização do Poder Judiciário, não poderá exceder a 10 dias, será acompanhada de declaração, feita pela autoridade competente, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação. É facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial, e qualquer pessoa pode impetrar habeas corpus.

A previsão deixa claro que na hipótese de estado de defesa é constitucional a prisão, ainda que não em flagrante, efetuada sem ordem judicial (artigo 136, § 3.º, inciso I, da Constituição Federal), determinada pelo executor da medida, no caso de crime contra o Estado e, comunicada imediatamente ao juiz competente. É uma exceção ao disposto nos incisos LIV e LXI do artigo 5.º da Constituição Federal, já que nesse período convive-se dentro de um critério de legalidade extraordinária, estabelecido pela própria Constituição.

É vedada a incomunicabilidade do preso, nos termos do artigo 136, parágrafo 3º, inciso IV, da Constituição Federal.

4. DO ESTADO DE SÍTIO (ARTIGO 137 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Diversamente do estado de defesa, no estado de sítio (art. 137), o Presidente da República deve solicitar autorização do Congresso para decretá-lo, o qual decidirá por maioria absoluta, podendo o estado de sítio ser:

a) Repressivo (inciso I) – quando o decreto fundar-se em comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa. Neste caso, o estado de sítio não pode ser decretado por mais de 30 dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior denominam essa hipótese de repressivo.

Comoção grave de repercussão nacional, leciona José Afonso da Silva1, configura um estado de crise que seja de efetiva rebelião ou de revolução que ponha em perigo as instituições democráticas e a existência do governo fundado no consentimento popular.

b) Defensivo (inciso II) – quando objetivar a declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. O estado de sítio defensivo pode ter

1 Direito Constitucional Positivo, 17ª edição, Malheiros, São Paulo, 2000, p. 741

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tempo indeterminado, ou seja, pode ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.

O pedido de autorização ou de prorrogação do estado de sítio deve ser acompanhado da respectiva exposição dos motivos, decidindo o Congresso por maioria absoluta.

O decreto de estado de sítio indicará a sua duração, as normas necessárias à sua execução e as garantias e direitos constitucionais que ficarão suspensos. Depois de publicado o decreto, o Presidente da República indicará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.

O estado de sítio decretado com base no inciso I do artigo 137 da Constituição Federal só autoriza a imposição das medidas específicas no artigo 139 da própria Constituição Federal.

O estado de sítio decretado com base no inciso II do artigo 137, em tese, admite a suspensão de qualquer direito ou garantia constitucional, desde que prevista na autorização do Congresso Nacional.

5. OBSERVAÇÕES FINAIS

O estado de defesa e o estado de sítio estão sujeitos a um controle político concomitante – uma comissão composta por cinco parlamentares (designados pela Mesa do Congresso Nacional após ser dada oportunidade de manifestação aos líderes partidários) acompanhará e fiscalizará a execução das medidas, nos termos do artigo 140 da Constituição Federal – e a um controle político posterior – na apreciação do relatório que será encaminhado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional logo que cesse a medida, nos termos do artigo 141 da Constituição Federal.

A qualquer tempo, o Congresso Nacional, que permanece em funcionamento enquanto perdurar a medida de exceção, pode suspender o estado de defesa ou o estado de sítio (artigo 49, inciso IV, da Constituição Federal).

O controle jurisdicional concomitante se faz, sobretudo, por intermédio do habeas corpus e do mandado de segurança, que serão analisados à luz das restrições autorizadas pela própria Constituição Federal (sob à ótica da legalidade extraordinária).

O controle jurisdicional posterior é o mesmo previsto para o estado de defesa e para o estado de sítio, pois os executores e os agentes das medidas excepcionais poderão ser responsabilizados pelos ilícitos (principalmente excessos) eventualmente cometidos.

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Não cabe ao Poder Judiciário analisar a conveniência ou a oportunidade da medida, que é essencialmente política.

Verifica-se que a diferença em relação ao estado de defesa é de grau, pressupondo o estado de sítio a ocorrência de situações de maior gravidade que as justificadoras do estado de defesa. Há controle político anterior e posterior e controle jurisdicional posterior, nos termos do art. 141, em relação aos atos ilícitos. Sustenta Kildare Gonçalves que o art. 5º, XXXV, CF permite o controle jurisdicional durante a execução das medidas excepcionais caso haja abuso ou excesso de poder.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Indique a alternativa que abriga informação errônea a respeito do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade:

a) É o jurisdicional, combinando os critérios difuso e concentrado, este de competência do Supremo Tribunal Federal, e aquele por via de exceção, permitindo a qualquer interessado suscitar a questão de inconstitucionalidade em qualquer juízo.

b) A ação direta de inconstitucionalidade interventiva pode ser federal, por proposta do Procurador-Geral da República e de competência do Supremo Tribunal Federal, ou estadual, por proposta do Procurador-Geral de Justiça do estado, destinando-se a promover a intervenção federal em estado ou do estado em município, conforme o caso.

c) A ação direta de inconstitucionalidade genérica de competência do Supremo Tribunal Federal destina-se a obter a decretação de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo, federal ou estadual, com o precípuo objetivo de expungir do ordenamento jurídico a incompatibilidade vertical, tratando-se, pois, de ação que visa, exclusivamente, à defesa do princípio da supremacia constitucional.

d) A ação direta de inconstitucionalidade genérica de competência do Tribunal de Justiça em cada estado destina-se à declaração de inconstitucionalidade, em tese, de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Federal ou Estadual, dependendo de previsão nessa última.

e) A ação de inconstitucionalidade por omissão tem cabimento na hipótese em que o legislador deixe de criar lei necessária à eficácia e aplicabilidade de normas constitucionais, especialmente nos casos em que a lei seja requerida pela Constituição, ou no caso em que o administrador não adote as providências necessárias para tornar efetiva norma constitucional.

2. O decreto de intervenção federal nos estados dependerá:

a) de requisição do Supremo Tribunal Federal, quando a coação a ser eliminada estiver sendo exercida contra o Poder Judiciário;

b) de provimento pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador Geral do Estado respectivo, quando se tratar de desobediência de lei federal;

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c) de provimento pelo Superior Tribunal de Justiça, de representação do Procurador Geral do Estado respectivo, quando se tratar de desobediência de lei estadual;

d) de requisição do Tribunal de Justiça mediante representação do Procurador Geral do Estado, quando se tratar de desobediência de lei estadual.

3. Caberá ao Presidente da República decretar o estado de defesa, com a finalidade de preservar a ordem pública. Essa medida depende:

a) de prévia audição do Conselho da República e do Conselho de defesa Nacional;

b) de prévia aprovação do Conselho da República;c) de posterior aprovação pelo Conselho de Defesa Nacional;d) da exclusiva decisão do Presidente da República.

4. Na vigência do estado de defesa, só poderá ser tomada, contra pessoa, a medida seguinte:

a) obrigação de permanência em localidade determinada;b) aplicação da pena de morte;c) prisão não superior a dez dias, vedada a incomunicabilidade

do preso;d) busca e apreensão em domicílio.

5. Durante a vigência do estado de sítio:

a) poderão ser suspensas as garantias constitucionais indicadas no decreto presidencial;

b) é possível o confisco de bens de estrangeiros não residentes no país;

c) é possível a requisição de terras para fins de reforma agrária;d) é possível a suspensão apenas do direito de reunião e do

sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O que se exige para a criação, fusão ou desmembramento de um Município?

Será necessário estudo quanto à viabilidade do ente que se quer formar; a aprovação, por plebiscito, da população da área envolvida; observância dos requisitos previstos em lei complementar federal que disciplina a matéria, e de lei estadual.

2. Qual a natureza jurídica do Distrito Federal?Há divergência na doutrina. Majoritariamente, consideram-no como pessoa jurídica criada diretamente pela Constituição Federal e que se equipara aos Estados-membros, desfrutando de competências legislativas municipais e estaduais. Contudo, por não ter ampla autonomia, já que parte da sua estrutura administrativa é organizada e mantida pela União, José Afonso da Silva considera-o como unidade federada com autonomia parcialmente tutelada.

3. Há diferenças entre Lei Federal e Lei Nacional?Sim. Leis federais dizem respeito especificamente à organização de interesses da própria União. Lei nacional regula interesses gerais, em todo o país.

4. A intervenção federal se sujeita ao crivo do Judiciário?Ao Judiciário caberá intervir apenas nos casos de intervenção vinculada que lhes sejam submetidos à análise. Não cabe ao Judiciário invadir seara administrativa e decidir o que é conveniente e oportuno à Administração Pública, conforme ocorre nas intervenções provocadas.

5. Existe intervenção por quebra dos princípios constitucionais?Sim, decorre da requisição do STF após acolhimento de representação do Procurador-Geral da República visando assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis, previstos no art. 34, VII, da Constituição Federal.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIV

DIREITO CONSTITUCIONALSeparação dos Poderes

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Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Separação dos Poderes

Professor Clever Vasconcelos

1. TEORIA GERAL

São poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (artigos 2.º e 60, § 4.º, inciso III, da Constituição Federal/1988). Para muitos autores, o poder é um só e o correto seria tratarmos do tema sob a denominação “tripartição das funções estatais”, e não por separação dos poderes.

A Constituição do Império, conforme ensina PINTO FERREIRA2, “estabelecia a monarquia, com quatro poderes: os tradicionais legislativo, executivo e judiciário, e mais o poder moderador...”, que estava concentrado na figura do imperador e era exercido com tal imoderação que tendia ao absolutismo.

Não se deve confundir os poderes da República com os entes políticos (União, Estados-membros, Distrito Federal e municípios).

A separação dos poderes é cláusula pétrea e por isso não pode ser abolida ou substancialmente alterada por emenda constitucional (poder constituinte derivado), nos termos do artigo 60, § 4.º, III, da Constituição Federal.

Embora na Antigüidade Aristóteles já tivesse isolado três tipos distintos de atos estatais (deliberativos, executivos e judiciais), durante o milênio seguinte à sua existência o absolutismo dominou o sistema, permitindo que o monarca reunisse em si as três funções estatais (Legislativa, Executiva e Judiciária). Essa fórmula gerava o despotismo, a desigualdade.

PEDRO LENZA3 anota a célebre frase de Luís XIV – “L’ etat c’est moi” (o Estado sou eu), que bem dá a dimensão do que era a concentração dos poderes.

Aristóteles não chegou a sugerir a independência e a separação dos poderes.

No século XVIII, porém, Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, conseguiu firmar que as três funções estatais deveriam ser atribuídas a órgãos 2 Op. cit. Manual de Direito Constitucional. p. 17.3 Op. cit. Direito Constitucional esquematizado. p. 146.

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independentes e autônomos. Para Montesquieu, os órgãos que legislam não podem ser os mesmos que executam, assim como nenhum dos dois pode estar encarregado de decidir as controvérsias. Deve haver um órgão incumbido de cada uma das funções estatais e entre eles não pode existir qualquer vínculo de subordinação. Normas genéricas são criadas pelo Legislativo. Atos concretos são praticados pelo Executivo e atos de fiscalização são realizados pelo Judiciário.

É a técnica pela qual o poder é contido pelo próprio poder. É o sistema de freios e contrapesos (checks and balances, sistema de verificações e equilíbrios ou método das compensações), uma garantia do povo contra o arbítrio.

1.1 Da interpenetração dos poderes

Na prática, sem qualquer violação do artigo 2.º da Constituição Federal, cada um dos poderes exerce preponderantemente sua função típica e, excepcionalmente, as funções dos outros poderes. Trata-se da “interpenetração dos poderes”, ou seja: tanto o Legislativo quanto o Judiciário exercem atipicamente funções administrativas (executivas) quando, por exemplo, preenchem os cargos de suas secretarias, concedem férias a seus funcionários etc. (artigos 51, inciso IV, e 96, inciso I, alínea “f”, ambos da Constituição Federal).

O Legislativo às vezes julga, conforme consta do artigo 52, incisos I e II, da Constituição Federal (o Senado julga privativamente o Presidente da República por crime de responsabilidade).

O Executivo legisla (medidas provisórias e leis delegadas) e julga (processos administrativos).

O Judiciário legisla ao elaborar seu Regimento Interno (artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal).

A separação dos poderes, portanto, não impede que, além de sua função típica (preponderante), cada um dos poderes exerça atipicamente (secundariamente) funções aparentemente atribuídas com exclusividade a outro.

A regra é a indelegabilidade de funções de um poder para outro. Quando admite a delegação, a Constituição Federal o faz expressamente, a exemplo do artigo 68.

Para que o exercício do poder não induza ao arbítrio e ao abuso deve ser observado o princípio da lealdade constitucional. A lealdade constitucional, lecionam Canotilho e Vital Moreira, "compreende duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A primeira consiste em que diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do Poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática de guerrilha institucional, de abuso de poder,

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de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade do Estado (statesmanship)"4

2. PODER LEGISLATIVO

2.1. Poder Legislativo e suas Funções

As funções precípuas do Legislativo são: elaborar as leis (desde a Emenda Constitucional até as leis ordinárias), exercer o controle político do Poder Executivo e realizar a fiscalização orçamentária de todos os que lidam com verbas públicas.

O Poder Legislativo Federal é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (sistema bicameral).

Nosso sistema bicameral, a exemplo dos Estados Unidos da América do Norte, é do tipo federativo. Há uma casa legislativa composta por representantes do povo, eleitos em número proporcional à população de cada unidade da Federação (Câmara dos Deputados), bem como uma outra casa legislativa (Senado Federal) com representação igualitária de cada uma das unidades da Federação (Estados membros e Distrito Federal, com 3 senadores cada).

O Poder Legislativo Estadual é exercido pela Assembléia Legislativa, que, no Distrito Federal, é denominada Câmara Legislativa.

O Poder Legislativo Municipal é exercido pela Câmara dos Vereadores.

Cada legislatura tem a duração de 4 anos, o que corresponde a quatro sessões legislativas divididas em 8 períodos legislativos.

O mandato dos deputados e vereadores é de 4 anos (uma legislatura), o dos senadores, 8 anos, havendo sua renovação a cada 4 anos, na proporção intercalada de 1/3 e 2/3.

O número de deputados federais (hoje são 513) deve ser proporcional à população de cada Estado-membro, nos termos da Lei Complementar n. 78/93, que dispõe sobre o tema. Nenhum Estado-membro pode ter menos de 8 deputados federais e o Estado mais populoso (atualmente é São Paulo) “será representado” por 70 deputados federais.

4 JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Os poderes do presidente da República. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 71, in Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Atlas, 8ª edição, p. 357.

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Os Territórios Federais (atualmente inexistentes) não elegem senadores. O povo de cada um deles é representado por 4 Deputados Federais.

Os senadores representam os Estados e o Distrito Federal; são em número de 3 por unidade da Federação, com 2 suplentes, e mandato de 8 anos (26 Estados membros mais o Distrito Federal: 81 senadores).

Observação: Atualmente, o núcleo eleitoral é circunscricional (cada Estado, e também o Distrito Federal, representa uma circunscrição), mas com a reforma política poderá ser distrital (cada distrito, uma vaga).

O Poder Legislativo estadual é exercido pela Assembléia Legislativa (denominada Câmara Legislativa no Distrito Federal). Observados os cálculos previstos no artigo 27 da Constituição Federal, hoje São Paulo conta com 94 deputados estaduais, ou seja, 36 mais 58 (resultado de 70 menos 12).

Na prática, para que se chegue ao número de deputados estaduais em um Estado que possua mais de doze deputados federais (até doze basta multiplicar por três), basta somar 24 ao número de deputados federais, conforme fórmula oferecida por alunos engenheiros.

Assim, a Bahia, cujos cidadãos elegem 39 deputados federais, conta com 63 deputados estaduais (39+24).

O Amapá, cujos cidadãos elegem 8 deputados federais, conta com 24 deputados estaduais (8X3).

O número de deputados federais e estaduais de cada unidade da federação está explicitado na Resolução 20.986/02 do TSE.

O Poder Legislativo municipal é exercido pela Câmara dos Vereadores.

De acordo com as suas respectivas populações, os municípios terão entre 9 e 55 vereadores (artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal). Nos municípios de até 1 milhão de habitantes, a Câmara Municipal poderá ter entre 9 e 21 vereadores. Havendo mais de 1 milhão e menos de 5 milhões de habitantes, a Câmara Municipal terá entre 33 e 41 vereadores. Sendo a população do município superior a 5 milhões de habitantes, a Câmara Municipal poderá ter entre 42 e 55 vereadores.

Os princípios da razoabilidade e da moralidade da Administração Pública (artigo 111 da Constituição Estadual de São Paulo e artigo 37 da Constituição Federal) autorizam que flagrantes desproporcionalidades numéricas sejam questionadas pelo Ministério Público e corrigidas pelo Poder Judiciário.

Por ocasião do fechamento desta edição o assunto estava pendente de apreciação no RE 197.917, no qual já havia quatro votos pela adequação do número de vereadores à população local e dois reconhecendo a autonomia dos

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municípios para fixar o número dentro dos limites da Constituição Federal ( Informativo STF 333).

Observe-se, porém, que há decisão em sentido contrário do Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja ementa é do seguinte teor:

“Ação Civil Pública – Pretendida fixação de número de vereadores com vinculação ao de habitantes do município – Redução que implicaria na violação da descrição outorgada pelo constituinte ao Legislativo de cada ente autônomo – Própria Constituição que não fixou o número ou critério rígido e vinculativo para estabelecer o número de representantes do Órgão Municipal, predeterminando um número certo – Judiciário que não pode invadir a esfera de ‘poderes’ do Legislativo para decantar a determinação no que concerne à quantidade de participantes do Órgão – Recurso não provido” (Apelação Cível n. 75.943-5 – Bauru – 7.ª Câmara de Direito Público – Relator Guerrieri Rezende – 28.6.1999, v.u, Juis Saraiva 21).

A idade mínima para ser eleito senador é de 35 anos; para deputado estadual ou federal é de 21 anos; e para vereador é de 18 anos.

A renovação do Senado ocorre de 4 em 4 anos, alternando-se 1/3 ou 2/3 pelo princípio majoritário (ganha o candidato mais votado, independentemente dos votos de seu partido).

2.2. As Deliberações

Para que a sessão de votação seja instalada, é necessária a presença da maioria dos membros da casa (quórum de maioria absoluta para a instalação).

Salvo disposição constitucional em sentido contrário, as deliberações de cada uma das casas (Câmara ou Senado) e de suas comissões são tomadas por maioria de votos (quórum de aprovação), presente a maioria absoluta de seus membros (artigo 47 da Constituição Federal). É a denominada maioria simples, ou maioria relativa.

No caso da Câmara dos Deputados, faz-se o seguinte cálculo: 513 : 2 = 256; portanto, 257 representam a maioria absoluta dos membros (quórum de instalação). Para a deliberação ser aprovada, deve contar com mais votos a favor do que contra. As abstenções dos presentes só validam o quórum de instalação.

O quórum de maioria qualificada (especial) é aquele que exige o voto favorável de 2/3 ou de 3/5 de todos os membros da casa.

Em regra, as deliberações legislativas do Congresso Nacional são submetidas à sanção do Presidente da República.

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Algumas matérias, porém, não exigem a sanção do Presidente, pois são de competência exclusiva do Congresso, da Câmara ou do Senado (artigos 49, 51 e 52 da Constituição Federal).

Exemplos de matérias que não dependem da sanção do Presidente da República: Emenda Constitucional; autorização para a instauração de processo contra o próprio Presidente e seus Ministros (competência da Câmara); convocação de plebiscito ou referendo (competência do Congresso Nacional); suspensão da execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; julgamento do Presidente e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal por crime de responsabilidade (competência do Senado Federal).

A sessão legislativa ordinária corresponde às reuniões do Congresso Nacional, que consoante Emenda Constitucional n°50 de 14.02.2006, se realizam de 07 de fevereiro a 17 de julho e de 1.º de agosto a 22 de dezembro (dois períodos da sessão anual). Não se interrompe a sessão legislativa sem a aprovação da lei de diretrizes orçamentárias.

As mesas diretoras são escolhidas nas sessões preparatórias de 1.º de fevereiro, com mandato de 2 anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente da mesma legislatura.

O voto dos parlamentares pode ser ostensivo (nas espécies simbólico ou nominal) ou secreto, nos termos da Constituição Federal e dos Regimentos Internos.

De acordo com o artigo 67 da Constituição Federal, matéria constante de projeto de lei rejeitado, só pode ser objeto de novo projeto na mesma sessão legislativa, mediante proposta assinada pela maioria absoluta dos membros de qualquer das casas.

O Congresso Nacional é presidido pelo presidente do Senado Federal e pode ser convocado extraordinariamente, em casos de urgência ou relevante interesse público, ocasião em que só deliberará sobre a matéria que deu causa à convocação.

O Presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, ou a maioria dos membros de ambas as Casas podem convocar extraordinariamente o Congresso em caso de urgência ou de interesse público relevante.

2.3. Sistema Proporcional e Sistema Majoritário

No sistema majoritário, adotado nas eleições para chefe do Executivo e para senador, é eleito o candidato mais votado, independentemente dos votos dados ao seu partido ou coligação.

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Pelo sistema proporcional, adotado nas eleições para deputado federal, deputado estadual e vereador e disciplinado nos artigos 105 a 113 do Código Eleitoral, inicialmente mais vale a votação do partido que a do candidato, circunstância que deu ao critério a denominação colorido partidário.

Com o sistema proporcional aumentam as chances das minorias elegerem representantes, desde que a soma dos votos do grupo atinja o quociente eleitoral exigido para aquela circunscrição.

Conforme leciona José Afonso da Silva5, “ Por ele, pretende-se que a representação, em determinado território ( circunscrição), se distribua em proporção às correntes ideológicas ou de interesse integrada nos partidos políticos concorrentes..

Nesse sistema proporcional, somam-se os votos válidos (votos dados para os partidos e seus candidatos) e divide-se o resultado pelo número de cadeiras a preencher, obtendo-se assim o quociente eleitoral. De acordo com o artigo 5.º da Lei n. 9.504/97 (que alterou a regra do artigo 106 do Código Eleitoral), os votos brancos e os votos nulos não são considerados nos cálculos. Em seguida, dividem-se os votos de cada partido ou coligação pelo quociente eleitoral, obtendo-se o número de eleitos de cada agremiação (quociente partidário).

O partido que não atinge o quociente eleitoral não elege nenhum deputado ou vereador (salvo se nenhum partido atingir esse quociente, quando, então, as vagas serão preenchidas pelos candidatos mais votados, independentemente dos partidos).

As sobras também serão destinadas aos partidos que obtiverem as maiores médias. Essa técnica da maior média determina que os votos do partido ou coligação sejam divididos pelo número de cadeiras por ele conquistadas mais um, obtendo-se assim a média de cada um dos concorrentes e o número final de cadeiras a que cada partido ou coligação terá direito.

Obtido esse número final de cadeiras, estarão eleitos os candidatos mais votados de cada partido ou coligação, em número capaz de preencher as vagas destinadas à agremiação.

Exemplo: Município no qual sejam apurados dez mil votos válidos (votos dados para as legendas e para os candidatos) e que tenha dez cadeiras de vereador a preencher. O quociente eleitoral é 1.000, ou seja, 10.000 votos divididos por dez cadeiras a preencher. O partido A e seus candidatos somam 5.500 votos. Dividindo-se esse número pelo quociente eleitoral (5.500 : 1.000 = 5,5), desde logo, o partido A terá 5 cadeiras. A coligação B/C e seus candidatos somam 3.800 votos, garantindo, desde logo, 3 cadeiras (3.800 : 1.000 = 3,8). O partido D e seus candidatos somam 700 votos e, assim, não atingem o quociente eleitoral (1.000). Com isso, o partido D não elege nenhum candidato.

5 Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros, 2000, p. 372

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Por ora, foram preenchidas oito vagas e restam duas. As sobras (duas cadeiras) serão divididas da seguinte forma: divide-se o número de votos do partido A (5.500) pelo número de cadeiras por ele obtido (5) + 1, ou seja, 5.500 : 6, atingindo-se a média 916. Divide-se o número de votos da coligação B/C (3.800) pelo número de cadeiras por ela obtido (3) + 1, ou seja, 3.800 : 4, atingindo-se a média 950. A maior média foi obtida pela coligação B/C que, assim, ganha mais uma cadeira (a 4.ª).

Resta, porém, a 10.ª cadeira. Os cálculos são repetidos, agora considerando a nova cadeira obtida pela coligação B/C, nos seguintes termos: divide-se o número de votos do partido A (5.500) pelo número de cadeiras por ele obtido (5) + 1, ou seja, 5.500: 6, atingindo-se a média 916. Divide-se o número de votos da coligação B/C (3.800) pelo número de cadeiras por ela obtido (agora, 4) + 1, ou seja, 3.800 : 5, atingindo-se a média 760. A maior média foi obtida pelo partido A que, assim, ganha mais uma cadeira (a 6.ª).

No final, o partido A preencherá 6 cadeiras e a coligação B/C preencherá 4, sendo esses os seus quocientes partidários.

Nas eleições proporcionais, somente após a apuração dos números finais de cada partido ou coligação é que interessará a ordem interna de votação individual, ou seja, o número de votos que cada candidato obteve. Os lugares, que cada partido ou coligação obtiver, serão distribuídos aos seus candidatos mais votados (os 6 mais votados do partido A e os 4 mais votados da coligação B/C ganharão uma cadeira).

2.4. As Comissões

Além dos plenários, o Legislativo (Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores) atua por meio de comissões – grupos menores de parlamentares que deliberam, de forma transitória ou permanente, sobre determinados assuntos.

Exemplos de comissões permanentes são a Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão de Cidadania do Senado. Exemplo de comissão temporária é a Comissão Parlamentar de Inquérito.

A finalidade precípua das comissões é fornecer ao plenário uma opinião aprofundada sobre o tema a ser debatido (espécie de parecer). Os pareceres das Comissões de Constituição e Justiça costumam ser terminativos. Os próprios regimentos internos da Câmara e do Senado, porém, admitem que os projetos rejeitados pelas comissões sejam levados para votação se o plenário der provimento a recurso nesse sentido que tenha sido apresentado por um décimo dos membros da casa respectiva.

Na formação das comissões, deve ser observada a representação proporcional dos partidos.

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As comissões são técnicas (Comissão de Constituição e Justiça), de inquérito ou representativas do Congresso Nacional (funcionam durante os recessos e dentro dos limites previstos no Regimento Interno).

A Constituição admite que à comissão seja delegada a deliberação (votação) sobre projeto de lei que dispensar, na forma do Regimento Interno, a competência do plenário. É a chamada delegação interna corporis (artigo 58, § 2.º, inciso I, da Constituição Federal), impugnável antes da votação por recurso de 1/10 dos membros da Casa e que não pode ser utilizada para aprovação de Projeto de Emenda Constitucional ou de Lei Complementar.

No Senado, o prazo para o recurso é de 5 dias úteis, contados da publicação da decisão (artigo 91, § 3.º, do Regimento Interno do Senado). Na Câmara, o prazo é de 5 sessões, contadas da publicação da decisão (artigo 58, § 1.º, do Regimento Interno da Câmara).

2.4.1. As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs)

As CPIs podem ser criadas, em conjunto ou separadamente, pela Câmara e pelo Senado – mediante requerimento de 1/3 dos respectivos membros para em prazo certo (que pode ser prorrogado dentro da mesma legislatura), apurar fato determinado e de interesse público.

As CPIs têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas.

As deliberações das CPIs, quando relacionadas a poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, devem ser fundamentadas. Em decisão de 1999 (MS n. 23.452-RJ), o Supremo Tribunal Federal admitiu a quebra de sigilo bancário, fiscal e de registros telefônicos por determinação de Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que devidamente motivada.

A Lei Complementar n. 105/01, que dispõe sobre sigilo bancário, revogou o artigo 38 da Lei n. 4.595/94, autorizando que o Poder Legislativo Federal e as CPIs, fundamentadamente, tenham acesso direto (sem ordem judicial) a informações e documentos sigilosos das instituições financeiras. As requisições devem ser aprovadas previamente pelo plenário da Câmara, do Senado ou da respectiva Comissão Parlamentar de Inquérito, por maioria simples.

Há divergências quanto à possibilidade de CPI determinar interceptação telefônica e busca e apreensão domiciliar. Há decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que ser observado o princípio da reserva de jurisdição, ou seja, tais medidas exigem prévia autorização judicial por previsão constitucional (MS-STF 23.452 e 23.454). Contudo, a mesma corte já decidiu que tais deliberações estão dentro dos poderes de investigação da CPI (MS 23.556 e 23.575).

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Entendo que a CPI pode determinar a interceptação telefônica e a busca e apreensão domiciliar, cabendo ao C. STF conter eventuais abusos.

A CPI também não pode decretar a indisponibilidade de bens dos investigados (MS-STF n. 23.435-1, DOU de 10.8.2000).

Admite-se que a Comissão Parlamentar de Inquérito determine a condução coercitiva de testemunha (TJSP, Órgão Especial, Agravo Regimental n. 48.640-0/3-01, Rel. Des. Dirceu de Mello) e a prisão em flagrante por falso testemunho (STF, HC 75.287- 0).

Respeitados o sigilo profissional, as prerrogativas funcionais e o direito ao silêncio dos acusados, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode determinar que qualquer pessoa preste depoimento.

A Comissão Parlamentar de Inquérito deve respeito ao princípio da autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cujos Legislativos são exclusivamente responsáveis pela investigação parlamentar de assuntos de interesse público local.

Suas conclusões (instrumentalizadas por projeto de resolução) e a resolução que as aprovar (depende de maioria simples) são encaminhadas ao Ministério Público ou às autoridades administrativas ou judiciais competentes, para que seja promovida a responsabilização administrativa, civil e criminal dos infratores.

O receptor das conclusões, segundo prevê a Lei n. 10.001, de 4.9.2000, em 30 dias deve informar as providências tomadas, ou justificar sua omissão. Vige, ainda, a Lei n. 1.579/52, que também disciplina os trabalhos das CPIs.

A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em razão das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente e até sua conclusão, a fase em que se encontra o processo. O processo ou procedimento instaurado em razão do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito deverá tramitar com prioridade sobre os demais (exceto habeas corpus, habeas data e mandado de segurança).

O descumprimento da Lei n. 10.001/00 sujeita a autoridade a sanções administrativas, civis e criminais, disposição que está sendo questionada sob o argumento de que viola a independência do Ministério e a separação dos Poderes.

2.5. Imunidades e Impedimentos

2.5.1. A imunidade material (real) ou inviolabilidade parlamentar

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Os parlamentares federais (deputados federais e senadores), estaduais (deputados estaduais) e municipais (vereadores) são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (artigos 53, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional n. 35; 27, § 1.º e 29, inciso VIII, também da Constituição Federal). Trata-se de imunidade material (real), que exime o parlamentar do enquadramento no tipo penal, impedindo a instauração de Inquérito Policial.

Conforme leciona Damásio de Jesus6, trata-se de causa de exclusão da imputação objetiva, considerando-se atípico o fato.

A inviolabilidade (imunidade material), segundo prevalece no Supremo Tribunal Federal, significa que o parlamentar não pode ser responsabilizado civil ou penalmente, a qualquer tempo, por suas opiniões, palavras e votos manifestados no exercício do mandato. A imunidade real tem por pressuposto o exercício do mandato ou, ao menos, um nexo de causalidade entre o ato praticado e a qualidade de mandatário político do agente (DJU de 18.6.01, Informativo STF n. 232).

Há decisões no sentido de que a imunidade material não é absoluta, ou seja, não permite aos parlamentares ofensas a outras pessoas – políticos ou não. (Ap. Cível n. 97.383-4, 1.ª Câmara de Direito Privado do TJSP, v. u. 8.8.00, Rel. Des. Laerte Nordi).

Superada a fase do Absolutismo, época em que os soberanos eram representantes divinos e, por isso, infalíveis, as bases constitucionais das diversas sociedades passaram a sujeitar todas as pessoas, públicas ou privadas, ao império das leis. A partir de então, também o Estado passou a ser sujeito passivo de pleitos indenizatórios em razão de abusos de seus agentes. É princípio elementar de nossa Constituição Federal, consagrado dentre os direitos fundamentais, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário (inciso XXXV do artigo 5.º da Constituição Federal).

Desde a Constituição Federal de 1946, a responsabilidade civil do Estado, pelos atos nocivos de seus servidores, não exige a culpa da prática de ato contrário ao direito, ou da falta de dever prescrito por lei. Basta que o prejudicado demonstre a ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade entre este e o comportamento do agente público. Ainda que a conduta danosa do Estado seja lícita, ela pode gerar prejuízos indiretos a terceiros, a exemplo do policial que, no estrito cumprimento de um dever legal, dispara contra um ladrão e atinge um automóvel de terceiro. O fato, lícito, era de interesse da sociedade, porém causou dano a terceiro que não estava vinculado ao crime. Pelo princípio da solidariedade social, não é justo que apenas um arque com os prejuízos de um ato supostamente praticado em favor de todos. A regra, aliás, não poderia ser diversa, pois, mesmo em relação à responsabilidade subjetiva do direito privado, cabe a reparação de danos causados por atos lícitos (artigos 188, 929 e 930 do Código Civil).

6 Código de Processo Penal Anotado, 18ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 75

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O dano indenizável é aquele certo, material ou moral, que supera as pequenas lesões decorrentes do convívio social (respirar alguma poeira momentaneamente gerada por obra pública, desviar o caminho em razão de bloqueios transitórios de trânsito etc.).

Conforme leciona CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO7, “para que haja a responsabilidade pública importa que o comportamento derive de um agente público. O título jurídico da investidura não é relevante. Basta que seja qualificado como agente público, é dizer, apto para comportamentos imputáveis ao Estado (ou outras pessoas, de direito público ou privado, prestadoras de serviços públicos, quando atuarem nessa qualidade) (...) A condição do agente, no sentido ora indicado, não se descaracteriza pelo fato de haver agido impulsionado por sentimentos pessoais ou, por qualquer modo, estranhos à finalidade do serviço. Basta que tenha podido produzir o dano por desfrutar de posição jurídica que lhe resulte da qualidade de agente atuando em relação com o serviço público, bem ou mal desempenhado”.

O mesmo critério de responsabilização deve ser aplicado aos atos danosos decorrentes de parlamentares, quer praticados individual ou conjuntamente (por suas comissões). Ainda que invioláveis os seus membros e, conseqüentemente, excluída a punibilidade de suas condutas, eventuais prejuízos, materiais ou morais (cumulativamente, se for o caso, nos termos da Súmula n. 37 do Superior Tribunal de Justiça), decorrentes de seus atos, devem ser suportados pelo Estado, observado o critério da responsabilidade objetiva, nos termos do § 6.º do artigo 37 da Constituição Federal .

Eventual abuso por parte dos parlamentares (por exemplo: desnecessária violação do sigilo que envolve determinadas investigações, ofensa gratuita etc.) acarreta ação de regresso do Estado, parecendo oportuno destacar que a doutrina e a jurisprudência prevalentes não admitem a denunciação da lide ao servidor, na ação movida pelo particular contra a União.

O prazo para a propositura da ação de reparação de danos contra o Estado passou a ser de três anos, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil de 2002, observadas as regras de transição de seu artigo 2.028.

A Constituição Federal anterior, em seu artigo 32, estabelecia que a imunidade material somente poderia ser invocada caso o delito de opinião fosse cometido “no exercício do mandato”. A Constituição Federal de 1988 não explicitou a exigência, porém o Supremo Tribunal Federal deliberou que a imunidade material alcança apenas as manifestações escritas ou orais que guardem relação com o exercício da função parlamentar ou dela sejam conseqüência (STF, Inquéritos n. 396 e n. 510).

2.5.2. A incoercibilidade pessoal relativa e a moratória processual. 7 Curso de Direito Administrativo. 11.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.687

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De acordo com a atual redação dos §§ 2.º, 3.º e 4.º do artigo 53 da Constituição Federal (alterados pela Emenda Constitucional n. 35), desde a expedição do diploma os membros do Congresso Nacional (e também os Deputados Estaduais, por força do § 1.º do artigo 27 da Constituição Federal) não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, imunidade denominada incoercibilidade pessoal relativa (freedom from arrest) pelo Supremo Tribunal Federal (Inquérito 510, RTJ 135, p. 509, in Juis Saraiva 21). A incoercibilidade pessoal relativa também protege os Deputados e Senadores contra a prisão civil. No caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos devem ser encaminhados em 24 horas para a casa parlamentar respectiva, que pelo voto (não há mais previsão constitucional de voto secreto nesta hipótese) da maioria dos seus membros resolverá sobre a prisão. De acordo com o inciso IV do artigo 251 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, recebidos os autos da prisão em flagrante o Presidente da Casa os encaminhará à Comissão de Constituição e Justiça, a qual determinará a apresentação do preso e passará a mantê-lo sob a sua custódia até a deliberação do plenário.

Não subsiste a imunidade processual (formal), pela qual a denúncia criminal contra deputados e senadores somente podia ser recebida após prévia licença da maioria dos membros da sua casa parlamentar.

Contudo, de acordo com a atual redação do § 3.º do artigo 53 da Constituição Federal (de teor similar ao do artigo 28 da Constituição de 1824), recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime (ou contravenção penal) ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal (ou o Tribunal de Justiça no caso de Deputado Estadual) dará ciência à casa respectiva, que, por iniciativa de qualquer dos partidos políticos nela representado e pelo voto (ostensivo, aberto) da maioria dos seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

O pedido de sustação deve ser apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

A sustação do processo (imunidade que denominaremos moratória processual) suspende a prescrição, enquanto durar o mandato, não beneficiando o parlamentar em caso de crime ocorrido antes da diplomação (observado como tempo do crime o momento da ação ou omissão - teoria da atividade – artigo 4.º do Código Penal).

As imunidades parlamentares não obstam, desde que observado o devido processo legal, a execução das penas privativas de liberdade definitivamente impostas ao deputado ou senador (RTJ 70/607).

2.5.3. Outras prerrogativas

Os deputados e senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem

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sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações (artigo 53, § 6.º, da Constituição Federal, redação dada pela Emenda Constitucional n. 35, de 20/12/2001). Quanto aos demais fatos, os deputados e senadores têm o dever de testemunhar, embora devam ser convidados a depor, e não intimados, sob pena de condução coercitiva.

A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva (artigo 53, § 7.º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 35, de 20/12/2001).

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, as imunidades parlamentares (reais e processuais) são irrenunciáveis, indisponíveis (STF, Inquérito n. 510, Plenário, DJU de 19.4.1991, p. 4581-2), porque caracterizam prerrogativa funcional e não privilégio pessoal.

Estabelece o § 8.º, do artigo 53 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 35 que “As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.

Podem ter licença não remunerada de 120 dias, por sessão legislativa, para tratar de assuntos particulares.

2.5.3.1. Prerrogativa de Foro

Os deputados federais e senadores, desde a expedição do diploma, são submetidos a julgamento perante o STF por infrações de natureza criminal, ainda que a infração tenha sido praticada antes de sua diplomação. Assim, caso haja processo em curso, com a diplomação haverá seu deslocamento para o órgão judiciário competente para o julgamento, lá permanecendo até o efetivo julgamento ou o término do mandato (quando cessa a prerrogativa de foro).

O processo crime contra deputado estadual ou distrital é julgado pelo Tribunal de Justiça de sua unidade federada ou mesmo pelo Tribunal Regional Federal (se delito cometido contra interesse da União). A denúncia será oferecida pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado, pelo Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, pelo Procurador-Regional Federal (se competência do TRF) ou pelo Procurador Geral da República (se o acusado for senador ou deputado federal).

Cessado definitivamente o mandato, cessa a prerrogativa de foro, estando cancelada a Súmula n. 394 do STF, que era do seguinte teor:

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“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.

A Lei n. 10.628/2002, que havia inserido dois parágrafos ao artigo 84 do Código de Processo Penal, estabelecia que a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevaleceria ainda que o inquérito ou ação judicial fossem iniciados após a cessação do exercício da função pública.

A mesma lei acrescentava que a ação de improbidade (de natureza civil), de que trata a Lei n. 8.429/1992, seria proposta perante o Tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese da prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, ainda que proposta após a cessação da função pública.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 2.797/DF, declarou a lei inconstitucional.

Por caracterizarem prerrogativa funcional e não privilégio pessoal, as imunidades parlamentares, são irrenunciáveis, indisponíveis (STF, Inq. n. 510, Plenário, DJU de 19.4.1991, p. 4581-4582). Contudo, não subsistem durante o período em que o parlamentar se afasta do cargo eletivo para assumir ministério, governo de Território, secretaria de Estado, do Distrito Federal, de Território, de prefeitura de Capital ou chefia de missão diplomática temporária (artigo 56, I, da Constituição Federal), estando cancelada a Súmula n. 4 do STF. A prerrogativa de foro, incidente desde a diplomação, subsiste mesmo durante o afastamento (STF – RTJ 123/60 e 153/760).

Nos termos da Súmula 721 do STF, a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.

2.5.4. Os principais impedimentos

Os parlamentares federais e estaduais não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresas que gozem de favores decorrentes de contratos com pessoas jurídicas de direito público, ou patrocinadores de causas daquelas.

Poderá perder o mandato o parlamentar federal que infringir os impedimentos do artigo 55 da Constituição Federal; que tiver comportamento incompatível com o decoro parlamentar; que injustificadamente deixar de comparecer (em cada sessão legislativa) a um terço das sessões ordinárias da Casa a qual pertence; que sofrer condenação criminal transitada em julgado; quando a Justiça Eleitoral decretar a perda do mandato; e na hipótese de perder ou ter suspensos os seus direitos políticos.

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Nos casos de infringência dos impedimentos, falta de decoro e condenação criminal transitada em julgado, a perda do mandato será decidida pela Casa respectiva, após provocação da Mesa ou de partido com representação na Casa, por meio de voto secreto da maioria absoluta, com ampla defesa.

Nos casos de faltas excessivas e de decretação pela Justiça Eleitoral da perda do mandato, essa será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício, por provocação de partido nela representado ou de qualquer dos seus membros, assegurada a ampla defesa.

A renúncia de parlamentar submetido a processo ou investigação, que possam levar à perda do mandato, terá seus efeitos suspensos até que o plenário ou a mesa respectiva deliberem sobre a perda (Emenda Revisional n. 6, de 7.6.1994). Se declarada a perda do mandato, normalmente acompanhada da inabilitação política por vários anos, a renúncia é arquivada.

Os parlamentares (membros do Legislativo) que perdem seus mandatos eletivos por infringência dos incisos I e II do artigo 55 da Constituição Federal (e dispositivos congêneres das Constituições Estaduais, da Lei Orgânica do Distrito Federal e das Leis Orgânicas Municipais) ficam inelegíveis, condição que perdura durante o período do mandato para o qual foram eleitos e por mais 8 anos, contados do término da legislatura (alínea “b” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n. 64/90).

Os deputados estaduais gozam das mesmas imunidades e sofrem os mesmos impedimentos dos parlamentares federais (artigo 27, § 1.º, da Constituição Federal).

2.5.5. A inviolabilidade dos vereadores

A inviolabilidade dos vereadores – por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do seu mandato e na circunscrição do Município em que atuam –, vem prevista no artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal .

Trata-se de imunidade material, que exime o vereador de enquadramento penal por delitos de opinião ou de palavra (crimes contra a honra, vilipêndio oral a culto religioso etc.). Impede o inquérito policial e a ação penal (sobre o tema, ver DAMÁSIO DE JESUS – comentários ao artigo 61)8.

Por crime comum, o vereador é julgado pelo juiz de primeiro grau, porém, a Constituição de seu Estado pode lhe atribuir a prerrogativa de ser julgado pelo Tribunal de Justiça (artigo 125, § 1.º, da Constituição Federal). Por infração político-administrativa (crime próprio de responsabilidade), o vereador é julgado pela respectiva Câmara Municipal.

8 Op. cit. Código de Processo Penal Anotado.

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2.6. Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária

2.6.1. O controle externo

Todas as pessoas, físicas ou jurídicas, públicas (inclusive o Poder Judiciário) ou privadas, que utilizam, arrecadam, guardam, gerenciam ou administram dinheiro, bens e valores públicos, estão sujeitas à prestação e tomada de contas pelo controle externo e pelo sistema de controle interno de cada Poder. O controle externo é realizado pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas (a redação dada ao parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 19/98 ampliou o controle).

O Tribunal de Contas é um órgão de apoio dos Poderes da República e que

auxilia o Poder Legislativo na realização do controle externo da gestão do

patrimônio público.

Embora disciplinado no capítulo da Constituição Federal pertinente ao Poder Legislativo (por isso, muitos classificam os Tribunais de Contas como órgão auxiliar do Poder Legislativo), o Tribunal de Contas tem as mesmas garantias de independência que o constituinte reservou aos membros do Judiciário.

As inspeções e auditorias do Tribunal de Contas da União são realizadas por iniciativa do próprio Tribunal ou da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou comissões das respectivas Casas (artigo 71, inciso IV,da Constituição Federal).

Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar ao Tribunal de Contas da União ilegalidade ou irregularidade. Mesmo sem lei específica, a denúncia pode ser encaminhada com base no direito de petição.

2.6.2. Tribunal de Contas da União

O Tribunal de Contas da União é formado por 9 ministros, um terço deles escolhido pelo Presidente da República, com a aprovação do Senado Federal. Desse um terço, alternadamente, 2 devem ser escolhidos entre os membros do Ministério Público Federal e auditores que atuam junto ao Tribunal de Contas da União, conforme lista tríplice elaborada pelo próprio TCU. Os outros 6 ministros são escolhidos pelo Congresso Nacional.

A escolha dos ministros do Tribunal de Contas da União está disciplinada pelo Decreto-lei n. 06/93.

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Os 9 membros serão escolhidos entre os brasileiros que preencham os seguintes requisitos:

mais de 35 e menos de 65 anos de idade;

idoneidade moral e reputação ilibada;

notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

mais de 10 anos de função exercida ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos referidos anteriormente.

Os ministros do Tribunal de Contas da União têm as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Além de emitir pareceres (em 60 dias) das contas anuais do Presidente da República, exercer fiscalização e representar aos órgãos competentes sobre as irregularidades apuradas, o Tribunal de Contas da União julga contas dos administradores e de outros responsáveis por bens e valores públicos. No caso do Presidente da República, o julgamento das contas é ato privativo do Congresso Nacional (artigo 49, inciso IX), competindo ao Tribunal de Contas da União tão-somente a elaboração de parecer prévio.

Constatando a irregularidade, de ato ou contrato, o Tribunal de Contas da União representa ao Congresso Nacional, solicitando as medidas cabíveis. Se em 90 dias nada for decidido pelo Congresso Nacional (que julga politicamente e pode deliberar não determinar qualquer medida), o próprio Tribunal de Contas da União decidirá a respeito, podendo até mesmo sustar a execução do ato ou do contrato impugnado.

No exercício de suas atribuições, o Tribunal de Contas da União pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Poder Público, conforme estabelece a Súmula n. 347 do Supremo Tribunal Federal. O controle é feito para o caso concreto.

Os acórdãos do Tribunal de Contas da União têm força de título executivo extrajudicial, podendo ser inscritos na dívida ativa e, assim, executados nos termos da Lei n. 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais) 9.

Os responsáveis pelo controle interno devem dar ciência ao Tribunal de Contas da União de qualquer irregularidade apurada, sob pena de responsabilidade solidária.

9 CHIMENTI, Ricardo Cunha, et all. Lei de Execução Fiscal Comentada e Anotada 3.ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 49-50.

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2.6.3. Tribunais de Contas dos Estados

Os Estados membros possuem os chamados Tribunais de Contas dos Estados, que são compostos por 7 conselheiros. O controle externo dos recursos públicos do Estado é feito pelas Assembléias Legislativas com o auxílio dos Tribunais de Contas do Estado.

Em São Paulo, o julgamento das contas do governador é feito pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa (artigo 10, § 1.º, da Constituição Estadual).

De acordo com a Súmula 653 do Supremo Tribunal Federal, “ No Tribunal de Contas estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo chefe do executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre os membros do Ministério Público, em um terceiro à sua livre escolha”.

2.6.4. As contas municipais

É vedada a criação de tribunais, conselhos ou órgãos de contas municipais (artigo 31, § 4.º, da Constituição Federal). Os Tribunais de Contas Municipais existentes antes da Constituição Federal de 1988, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro, foram mantidos (artigo 31, § 1.º, da Constituição Federal) e auxiliam as respectivas Câmaras Municipais no controle externo das contas públicas.

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo é composto por 5 conselheiros, nos termos do artigo 151 da Constituição Estadual.

Nos Municípios, onde não há Tribunal de Contas do Município, o controle externo é feito pela Câmara de Vereadores, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado respectivo.

O § 3.º do artigo 31 da Constituição Federal estabelece que as contas dos Municípios ficarão durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei.

O parecer emitido pelos Tribunais de Contas, em relação às contas dos prefeitos, só não prevalece se derrubado por voto de 2/3 (chamado de maioria qualificada) dos membros da respectiva Câmara Municipal (artigo 31, § 2.º, da Constituição Federal).

Pela alínea “g” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n. 64/90 (Lei Federal das Inelegibilidades), aquele que tiver suas contas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível de órgão competente, fica inelegível pelos 5 anos seguintes à data da decisão, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário.

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A Súmula n. 1 do Tribunal Superior Eleitoral estabelece que “proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade”. A ação judicial deve ser proposta antes da apresentação do pedido de impugnação do registro da candidatura.

A Lei Complementar n. 86/96, na parte que garantia o exercício do mandato eletivo enquanto estivesse pendente ação rescisória contra a decisão judicial de inelegibilidade, teve sua maior parte suspensa cautelarmente pela ADIn. n. 1.459-5.

Diante de inúmeras alterações introduzidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00), se aposta na intensificação das atividades dos Tribunais de Contas.

2.6.5. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União

O Ministério Público, que atua junto ao Tribunal de Contas da União (artigo 73, § 2.º, inciso I, da Constituição Federal), é regido por lei ordinária de iniciativa do próprio Tribunal de Contas da União e não por lei complementar de iniciativa do Procurador Geral da República, embora seus membros (inclusive um procurador geral próprio) estejam sujeitos aos mesmos direitos, vedações e forma de investidura impostos aos demais integrantes do Ministério Público em geral (artigo 130 da Constituição Federal).

O poder de auto-organização do Tribunal de Contas da União e a constitucionalidade da Lei n. 8.443/92, que dispõe sobre a sua organização e composição, foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 798-1-DF).

O ingresso na carreira ocorre mediante concurso de provas e títulos.

Conforme leciona HUGO NIGRO MAZZILLI , “os membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas têm atuação restrita a esses tribunais, dando pareceres e atuando como custos legis nos procedimentos e processos respectivos. Caso se apure a existência de ilícito penal ou civil, devem as peças ser remetidas aos membros do Ministério Público que tenham atribuições perante os juízes e tribunais judiciários, para a promoção da ação civil ou penal competente”.10

Em São Paulo, vige o artigo 120 da Lei Complementar Estadual n. 734/93 que, fundado nos artigos 31, § 2.º, e 94, inciso VI, ambos da Constituição Estadual, atribuiu aos Procuradores de Justiça do Ministério Público Estadual comum a prerrogativa de atuar junto ao Tribunal de Contas do Estado e ao Tribunal de Contas do Município. A norma, porém, é questionável, já que há decisão (liminar) do Supremo Tribunal Federal no sentido de que no âmbito 10 Introdução ao Ministério Público. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 69

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estadual devem ser observadas as regras do artigo 75 da Constituição Federal (ADIn. n. 892-7/RS e 1545-1/SE).

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a finalidade do Estado de Defesa?

2. Qual a diferença entre Estado de Defesa e Estado de Sítio?

3. O que a Constituição Federal quer dizer com “comoção grave” quando se refere ao Estado de Sítio?

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4. A que se destina uma CPI?

5. A quem compete o julgamento das contas de um Prefeito?

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___________________________________________________________________

CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XV

DIREITO CONSTITUCIONALProcesso Legislativo

__________________________________________________________________Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Processo Legislativo

Professor Clever Vasconcelos

1. INTRODUÇÃO

O processo legislativo compreende o conjunto de atos observados na proposta e na elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, decretos legislativos, resoluções e medidas provisórias (artigo 59 da Constituição Federal).

A Lei Complementar n. 95/98, que regulamenta o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. É a denominada “lei das leis”, alterada pela Lei Complementar n. 107/01.

1.1. Das Emendas à Constituição (Poder Constituinte Derivado Reformador)

O artigo 60 da Constituição Federal dispõe que esta poderá ser emendada mediante proposta:

de um terço (1/3), no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

do Presidente da República;

de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros (maioria absoluta quanto ao número de Assembléias e maioria simples quanto aos seus membros).

JOSÉ AFONSO DA SILVA sustenta que a proposta de Emenda Constitucional pode decorrer de iniciativa popular, posição polêmica que não está expressamente prevista no artigo 60 da Constituição Federal, mas que tem por base a regra de que todo o poder emana do povo (artigo 1.º, parágrafo único, da Constituição Federal).

A proposta de Emenda Constitucional é discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos em cada uma, considerando-se aprovada se obtiver, em todos esses turnos (quatro no total), três quintos (3/5) dos votos favoráveis dos respectivos membros (e não apenas dos presentes à sessão).

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A Emenda Constitucional aprovada será promulgada (terá sua existência atestada) pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado Federal. Dessa forma, as emendas constitucionais não estão sujeitas a sanção ou promulgação pelo Presidente da República.

A matéria constante de proposta de Emenda Constitucional rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa – ordinariamente fixada entre 02 de fevereiro  a  22 dezembro (artigos 57 e 60, § 5.º, ambos da Constituição Federal). Não se aplica à Emenda Constitucional rejeitada ou tida por prejudicada, portanto, a regra prevista no artigo 67 da Constituição Federal (que autoriza a reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de lei relativa à matéria rejeitada, desde que assinada por mais da metade de todos os membros de alguma das Casas).

A Constituição Federal não pode ser emendada na vigência de Intervenção Federal, Estado de Defesa e Estado de Sítio (limitações circunstanciais).

Não será objeto de deliberação a proposta tendente a abolir a forma federativa dos Estados; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Conforme vimos, essas são cláusulas pétreas explícitas e impõem uma limitação expressa material ao Poder de Emenda.

Há, também, cláusulas pétreas implícitas, que definem a limitação implícita material ao Poder de Emenda. É defeso a proposta de Emenda Constitucional que pretenda modificar o titular do Poder Constituinte (que é o povo – artigo 1.º, parágrafo único, da Constituição Federal), que queira alterar a rigidez do procedimento de Emenda Constitucional, que objetive mudar o exercente do Poder Reformador ou que intente suprimir as cláusulas pétreas.

A Constituinte de 1987, que gerou a Constituição Federal de 1988, foi convocada pela Emenda Constitucional n. 26, de 27.11.1985.

A primeira Constituição do Brasil foi a de 1824, outorgada por D. Pedro I.

O Decreto n. 1, redigido por Rui Barbosa em 1889 (Proclamação da República), deu origem à convocação da Assembléia Constituinte que elaborou a primeira Constituição Federal Republicana (1891). Após, tivemos as Constituições Federais de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Total de sete constituições, embora parte da doutrina considere a reforma constitucional de 1969 como uma nova Constituição (outorgada).

As constituições estaduais seguem as diretrizes da Constituição Federal, nos termos do artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

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A Lei Orgânica de um Município é votada em dois turnos, com interstício (intervalo) mínimo de 10 dias entre eles, e aprovada por 2/3 de todos os membros da Câmara Municipal, que a promulgará (artigo 29 da Constituição Federal). Também não está sujeita à sanção ou à promulgação pelo Chefe do Poder Executivo, a exemplo das normas constitucionais.

1.2. Leis Complementares e Ordinárias

A iniciativa das leis complementares e ordinárias, segundo o artigo 61 da Constituição Federal, cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Constituição Federal.

A Iniciativa – fase introdutória do processo legislativo, consiste na competência atribuída a alguém ou a algum órgão para apresentar projeto de lei ao Legislativo, podendo ser concorrente (artigos 24 e 61, caput, combinado com 128, § 5.º, todos da Constituição Federal), privativa (exemplo: artigos 22 e 61, § 1.º, da Constituição Federal).

Algumas leis são de iniciativa exclusiva do Presidente da República (artigo 61, § 1.º, da Constituição Federal), como as que fixam ou modificam os efetivos das Forças Armadas, as que dispõem sobre a Defensoria Pública da União, sobre servidores públicos da União e dos Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis etc.

Quanto à organização do Ministério Público da União, a iniciativa de lei é concorrente do Presidente da República e do Procurador-Geral da República (artigo 61, § 1.º, e artigo 128, § 5.º, ambos da Constituição Federal).

O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa, hipótese em que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal terão, sucessivamente, 45 dias para se manifestar sobre a proposição, e o projeto de lei (e não apenas quanto ao pedido de urgência). As eventuais emendas apresentadas pelo Senado Federal devem ser apreciadas em dez dias pela Câmara dos Deputados. Os prazos não correm nos períodos de recesso (artigo 64, Constituição Federal).

Caso as Casas não se pronunciem no prazo previsto pela Constituição, o projeto será incluído na Ordem do Dia, sobrestando-se as deliberações sobre os demais assuntos até que se ultime a votação. Trata-se do chamado procedimento legislativo sumário ou abreviado (regime de urgência encontrado no § 1.º, artigo 64, da Constituição Federal). O Ato Institucional de 9.4.1964 previa que o projeto de lei seria tacitamente aprovado caso não fosse votado nos 45 dias (aprovação por decurso de prazo). A Constituição Federal de 1988 não prevê a aprovação tácita na hipótese, determinando, porém, a imediata inclusão do

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projeto na Ordem do Dia, exigindo a manifestação expressa do Congresso Nacional.

Não cabe o procedimento abreviado para projetos de Código (artigo 64, § 4.º, parte final, Constituição Federal).

Não é admitido o aumento das despesas previstas nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, exceto as emendas à Lei Orçamentária anual que indicarem os recursos necessários (admitidos apenas os recursos decorrentes de anulação de outras despesas).

Também não é admitido o aumento das despesas previstas nos projetos sobre a organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público (artigo 63 da Constituição Federal), regras que foram reforçadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00).

O teto (limite máximo) da remuneração, dos subsídios e das pensões, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, são os subsídios recebidos em espécie pelos ministros do Supremo Tribunal Federal ( inciso XI do artigo 37 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 41), valor que de acordo com o artigo 48, inciso XV, da Constituição Federal, é fixado por lei de iniciativa do próprio Supremo Tribunal Federal ( artigos 48, inciso XV e 96, inciso II, alínea “b”, ambos da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 41).

Assim como a proposta decorrente da iniciativa popular, os projetos de lei de iniciativa dos Deputados Federais, do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Procurador-Geral da República terão início na Câmara dos Deputados. As propostas apresentadas por Senadores terão por Casa iniciadora o próprio Senado Federal.

Conforme prescreve o artigo 47 da Constituição Federal, um projeto de lei ordinária será aprovado se obtiver maioria de votos a seu favor, presente a maioria dos membros da Casa (maioria absoluta quanto ao quórum de instalação, e maioria simples dos presentes para a aprovação). A maioria simples, também denominada maioria relativa, varia de acordo com o número de presentes à sessão.

Projeto de lei complementar (relembre-se que só é exigida lei complementar quando a Constituição é expressa nesse sentido, a exemplo do artigo 148 da Constituição Federal), por sua vez, somente será aprovado se obtiver voto favorável da maioria absoluta dos membros das duas Casas, ou seja, voto da maioria dos membros e não apenas voto da maioria dos presentes – maioria absoluta = 257 Deputados Federais (dos 513) e 41 Senadores (do total de 81).

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Embora não haja previsão expressa de lei complementar no âmbito municipal, inúmeras leis orgânicas, inclusive a do Município de São Paulo (artigo 40), exigem voto favorável da maioria absoluta dos vereadores para a aprovação de determinadas matérias. Sobre o tema, bem tratou o Prof. JEFERSON MOREIRA DE CARVALHO1.

1.3. Casa Iniciadora e Casa Revisora

A primeira Casa a examinar um projeto de lei (exame que estabelece a fase constitutiva) é a Casa iniciadora (normalmente a Câmara dos Deputados – Câmara Baixa), onde o projeto é submetido à Comissão de Constituição e Justiça e às comissões temáticas pertinentes, recebendo um parecer e seguindo para votação em plenário.

Em alguns casos a votação pode ser feita nas próprias comissões (artigo 58, § 2.º, inciso I, da Constituição Federal), salvo se 1/10 dos membros da Casa discordar e exigir que a votação seja submetida ao plenário. A matéria é disciplinada no Regimento Interno de cada uma das Casas. Pode haver acordo de lideranças e votação simbólica no caso de projetos de lei ordinária.

Sendo de iniciativa de senador, a Casa iniciadora é o próprio Senado (Câmara Alta).

Aprovado pela Casa iniciadora em um único turno (2 turnos, com 3/5 dos votos em cada Casa, só são exigidos para a Emenda Constitucional), o projeto de lei complementar ou ordinária é enviado para a Casa revisora.

Na Casa revisora, o projeto de lei também passa por comissões e em seguida é submetido à votação em plenário ou comissão:

Se aprovado sem emendas, o projeto será enviado para sanção (expressa ou tácita) do Presidente da República. Há matérias, porém, que são de competência exclusiva do Congresso ou de alguma de suas Casas (artigos 49, 51 e 52 da Constituição Federal) e, conseqüentemente, dispensam a sanção. Essas matérias de competência exclusiva costumam ser exteriorizadas por meio de decreto-legislativo ou de resolução.

Se rejeitado pela Casa revisora, o projeto de lei é arquivado.

Na hipótese de a Casa revisora aprovar o projeto com emendas (que podem ser aditivas, modificativas, substitutivas, de redação, corretivas de erro ou supressivas de omissão), aquele volta à Casa iniciadora para a apreciação das emendas:

1 Leis Complementares. São Paulo: Themis, 2000.

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se as emendas forem aceitas, o projeto segue para a sanção;

se as emendas forem rejeitadas pela Casa iniciadora, o projeto de lei segue sem elas para a sanção, pois prevalece a vontade da Casa iniciadora quando a divergência for parcial, diverso do que ocorre se a Casa revisora rejeitar o projeto, determinando o seu arquivamento (divergência integral).

É vedada a apresentação de emenda à emenda - a subemenda.

Aprovado pelo Legislativo, o projeto, em forma de autógrafo (que reflete o texto final do projeto aprovado pelo Legislativo), segue para a sanção ou veto.

1.4. Da Sanção e do Veto

Sanção é a aquiescência (concordância) do Chefe do Poder Executivo aos termos de um projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo.

A sanção não supre vício de iniciativa, caso a matéria, de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, tenha sido objeto de proposta apresentada por parlamentar, por exemplo.

Pelo veto, o Chefe do Executivo demonstra sua discordância com o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, quer por entendê-lo inconstitucional (veto jurídico), quer por entendê-lo contrário ao interesse público (veto político). O veto é sempre expresso e motivado.

Como o prazo para o veto é de 15 dias úteis (artigo 66, § 1.º, da Constituição Federal), entende-se que o prazo para sanção também é de 15 dias úteis (o § 3.º, do artigo 66 da Constituição Federal não é explícito nesse sentido). Não havendo manifestação expressa do Chefe do Executivo nesse lapso, verifica-se a sanção tácita.

O veto pode ser total (recair sobre todo o projeto) ou parcial (atingir o texto de um artigo, de um parágrafo, de um inciso ou de uma alínea). Não cabe veto parcial sobre uma palavra ou grupo de palavras, fato que muitas vezes alterava completamente o sentido do projeto. A parte não vetada é promulgada, publicada e entra em vigor.

No veto parcial, o Congresso reexamina apenas a parte vetada, enquanto o restante, sancionado tácita ou expressamente, deve ser promulgado e posto em vigor na data prevista, por vezes antes mesmo da reapreciação da parte vetada.

O veto, total ou parcial, deve ser comunicado em 48 horas ao Presidente do Senado. A contar de seu recebimento pelo Presidente do Senado Federal (que também é Presidente do Congresso Nacional), em 30 dias o veto será apreciado em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,

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considerando-se derrubado (rejeitado), caso a maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional (o primeiro número inteiro acima da metade de todos os membros de cada uma das Casas), em escrutínio secreto, votar contra ele.

O veto, portanto, é relativo (superável) e não absoluto, pois pode ser derrubado pelo Poder Legislativo.

Mesmo nas sessões conjuntas do Congresso Nacional, deputados e senadores votam separadamente.

Caso não seja votado em 30 dias, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, com prejuízo de outros assuntos (artigo 66, § 6.º, da Constituição Federal), exceto da medida provisória.

Caso o veto não seja derrubado pelo Congresso Nacional, a disposição vetada será arquivada como rejeitada.

A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer uma das Casas do Congresso Nacional, conforme estabelece o artigo 67 da Constituição Federal (Emenda Constitucional rejeitada não pode ser objeto de novo projeto na mesma sessão legislativa, ainda que haja proposta da maioria absoluta).

Rejeitado o veto, o projeto é convertido em lei e encaminhado para a promulgação pelo Chefe do Executivo.

Se a lei decorrente de sanção tácita ou do veto derrubado não for promulgada pelo Presidente da República em 48 horas, a promulgação será praticada pelo Presidente do Senado. Se este não o fizer em 48 horas, será promulgada pelo Vice-presidente do Senado, conforme artigo 66, § 7.º, da Constituição Federal.

A promulgação, segundo PONTES DE MIRANDA, “constitui mera atestação da existência da lei”. Atesta que a lei perfeita e acabada é executável (observada a vacatio legis) e obrigatória.

Conforme leciona ALEXANDRE DE MORAES, citando os ensinamentos de JOSÉ AFONSO DA SILVA, MICHEL TEMER, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO e PONTES DE MIRANDA, “(...) o projeto de lei torna-se lei, ou com a sanção presidencial, ou mesmo com a derrubada do veto por parte do Congresso Nacional, uma vez que a promulgação refere-se à própria lei”. Encerra-se aqui a fase constitutiva do processo legislativo.

CELSO BASTOS2, por sua vez, sustenta que a promulgação “é um ato de natureza constitutivo formal, porque, embora sendo a promulgação que confere o

2 Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 168.

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nascimento ou existência à lei, ela mesma não é uma manifestação substantiva de vontade, mas tem um caráter de natureza mais formal”.

A promulgação e a publicação integram a fase complementar do processo legislativo, sendo que o § 7.º do artigo 66 da Constituição Federal refere-se à promulgação de lei e não à promulgação de projeto de lei (conforme bem observa PEDRO LENZA).

As emendas constitucionais são promulgadas pelas Mesas da Câmara e do Senado, conforme artigo 60, § 3.º, da Constituição Federal.

Após a promulgação, deve seguir-se a publicação da lei. Pela publicação, leva-se ao conhecimento do povo a existência da lei.

Compete a publicação à autoridade que promulga o ato.

A publicação é condição para que a lei se torne exigível, obrigatória. É feita pelo Diário Oficial (da União, se lei federal).

1.5. Vacatio Legis

A vigência da lei pode ou não coincidir com a data de sua publicação. Vacatio legis é o nome que se dá ao intervalo entre a data da publicação da lei e sua vigência.

No silêncio a esse respeito, a lei começará a vigorar em todo território nacional 45 dias após sua publicação, conforme estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil. Contam-se como dias corridos, sem suspensão ou interrupção, excluindo-se o dia do começo e computando-se o do encerramento.

Nos Estados estrangeiros, quando admitida, a lei brasileira começa a vigorar três meses após a sua publicação.

Se, antes de a lei entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada à correção, o prazo da vacatio legis começará a correr, em sua integralidade, a partir da nova publicação.

A correção do texto de lei já em vigor é considerada lei nova, submetendo-se a novo período de vacatio legis.

Salvo disposição expressa em sentido contrário, a lei é editada por prazo indeterminado, permanecendo em vigor mesmo que decorra muito tempo sem que seja aplicada.

A revogação, que pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação), deve ocorrer de forma expressa, conforme determina o artigo 9.º da Lei Complementar n. 95/98. Havendo flagrante omissão legislativa nesse sentido, há que se admitir a revogação tácita na forma prevista pela Lei de Introdução ao Código Civil (decorrente da incompatibilidade da lei nova com a lei anterior).

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Uma lei pode ter sua eficácia suspensa caso seja declarada inconstitucional em ação direta de inconstitucionalidade, não dependendo de deliberação do Senado Federal.

O inciso X do artigo 52 da Constituição Federal, portanto, só é aplicável quando o Supremo Tribunal Federal reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei em um caso concreto, incidenter tantum, hipótese na qual, em princípio, a declaração de inconstitucionalidade só produza efeito entre as partes envolvidas no processo.

Uma lei já promulgada pode ser revogada antes mesmo de entrar em vigor, bastando para tanto que uma lei incompatível com ela entre em vigor.

Salvo expressa disposição em sentido contrário, a lei anterior, já promulgada, é revogada quando a lei nova entra em vigor.

Os itens 4 e 5 do artigo 263 da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente , que fixavam as penas nos casos em que as vítimas de estupro e atentado violento ao pudor eram menores de 14 anos, foram revogados, antes mesmo de entrarem em vigor, pelo artigo 9.º da Lei n. 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, tratando das mesmas hipóteses e entrando em vigor na data de sua publicação, 25.7.1990. Tais disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto, foram revogadas durante a vacatio legis.

Tal fato ocorreu porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, embora só tenha entrado em vigor no dia 12.10.1990, foi promulgado em 13.7.1990, ou seja, já havia sido promulgado quando a lei nova entrou em vigor (25.7.1990).

1.6. Da Repristinação

O sistema legislativo brasileiro não adotou a repristinação. Pelo efeito repristinatório, a revogação de uma lei revogadora restaura automaticamente os efeitos da lei revogada por ela.

A Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 2.º, § 3.º, trata a respeito: “salvo disposição expressa em sentido contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

1.7. Leis Delegadas

As leis delegadas são elaboradas pelo Presidente da República que, para tanto, solicita prévia delegação ao Congresso Nacional.

Por meio de resolução, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício, o Congresso Nacional delegará poderes ao Presidente da República a fim de que este edite regra jurídica nova.

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Não são objetos de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional ou de qualquer uma de suas casas, a matéria reservada a lei complementar ou a legislação sobre:

a organização do Poder Judiciário, do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;

planos plurianuais e matéria orçamentária.

A resolução pode determinar a apreciação da proposta de lei delegada pelo Congresso Nacional por votação única, vedadas as emendas constitucionais (delegação restrita). O Congresso pode, no entanto, rejeitar a proposta integralmente.

Na delegação plena, o Presidente da República edita a lei e não depende de qualquer aprovação do Congresso Nacional.

A delegação deve ser temporária e pode ser revogada. Não se trata de abdicação do poder de legislar, pois não retira do Legislativo suas atribuições. Assim, o Legislativo pode aprovar lei posterior, revogando a lei delegada, ou mesmo editar decreto legislativo, sustando os atos do Poder Executivo que ultrapassem os limites da Delegação (artigo 49, inciso V, da Constituição Federal).

Nos casos de lei delegada, não há que se falar em iniciativa, sanção, veto ou promulgação.

A publicação no Diário Oficial da União é obrigatória.

1.8. Das Medidas Provisórias

Em casos de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (artigo 62 da Constituição Federal).

Governador de Estado e Prefeito não podem editar medida provisória, já que o instrumento caracteriza exceção (que deve ser interpretada restritivamente) ao princípio pelo qual legislar é atividade do Poder Legislativo. Neste sentido, revendo posição anterior e contrária, as lições de MICHEL TEMER3. Contra, admitindo que governadores e prefeitos editem medidas provisórias, desde que haja previsão na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica Municipal, UADI LAMMÊGO BULOS4 e ALEXANDRE DE MORAES5.

3 Elementos de Direito Constitucional. 12.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 152.4 Constituição Federal Anotada. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 772.5 Direito Constitucional. 6.ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 538.

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Há precedentes do Supremo Tribunal Federal, dos anos de 1991 e 1993, relativos ao artigo 27 da Constituição de Tocantins, que negaram liminar e validaram medida provisória editada pelo governador daquele Estado (ADIns n. 425 e 812).

O Supremo Tribunal Federal tem decidido que cabe ao Chefe do Poder Executivo e ao Poder Legislativo a avaliação subjetiva da urgência da medida provisória, ressalvada a hipótese em que a falta da urgência é flagrante e pode ser objetivamente avaliada pelo Poder Judiciário (ADIns n. 1.397/97 e 1.754/98).

Supremo Tribunal Federal

Descrição: Ação Direta de Inconstitucionalidade – medida cautelar

Número: 1.397

Acórdão no mesmo sentido: Proc.-RE n. 0221856, ano 98, UF-PE, Turma 2

Julgamento: 28.4.1997

Ementa

Constitucional. Administrativo. Medida Provisória: Urgência e relevância: Apreciação pelo Judiciário. Reedição da Medida Provisória não rejeitada expressamente. Constituição Federal, artigo 62. Conselho Nacional de Educação: Câmara de Educação Básica. Medida Provisória 661, de 18.10.1994. Lei n. 9.131, de 24.11.1995.

I – Reedição de Medida Provisória não rejeitada expressamente pelo Congresso Nacional: possibilidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADIn n. 295-DF e ADIn n. 1.516-RO.

II – Requisitos de urgência e relevância: caráter político: em princípio, a sua apreciação fica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, a menos que a relevância ou a urgência evidencie-se improcedente. No sentido de que urgência e relevância são questões políticas, que o Judiciário não aprecia: RE n. 62.739-SP, Baleeiro, Plenário, RTJ 44/54; RDP 5/223.

III – Pedido de suspensão cautelar da alínea “c” do § 1.º do artigo 9.º da Lei n. 4.024/61, com a redação da Lei n. 9.131/95, bem assim das alíneas “d”, “e”, “f” e “g” do mesmo artigo: indeferimento.

IV – Medida cautelar indeferida.

OBSERVAÇÃO: votação por maioria

Resultado: indeferida

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Veja ADMC-295, ADIn-1.516, RE-62.739, RTJ-44/54

Origem: DF – Distrito Federal

Partes: Reqte.: Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Confenen – Reqdos.: Presidente da República e Congresso Nacional

Relator: Carlos Velloso

Sessão: TP – Tribunal Pleno

Juis, 21, Saraiva

1.8.1. Prazo de vigência das medidas provisórias

Até a edição da Emenda Constitucional n. 32/01, a medida provisória perdia eficácia, desde a sua edição, se não fosse convertida em lei (ou reeditada) no prazo de 30 dias (a partir de sua publicação), se fosse rejeitada pelo Congresso ou se fosse declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes por meio de decreto legislativo.

Impunha-se a convocação extraordinária do Congresso, caso a medida provisória fosse editada em período de recesso, regra que não subsiste.

De acordo com a Emenda Constitucional n. 32/01, a medida provisória perde a eficácia, desde a sua edição, se não for convertida em lei no prazo de 60 dias. Admite-se a prorrogação automática do prazo por mais 60 dias, uma única vez, caso os 60 dias originários se esgotem sem a apreciação da medida provisória pelas duas casas do Congresso Nacional.

A prorrogação é automática porque o Presidente da República não pode retirar a medida provisória do Congresso Nacional. Poderá, sim, editar uma nova medida provisória que suspenda os efeitos da primeira, cabendo ao Congresso Nacional deliberar pela conversão em lei de uma delas e regulamentar as relações jurídicas decorrentes das normas rejeitadas.

Os prazos (originário e suplementar) são contados a partir da publicação da medida provisória e ficam suspensos durante os períodos de recesso do Congresso Nacional (§ 4.º, do artigo 62, da Constituição Federal). Não é correto afirmarmos, portanto, que o prazo de 120 dias é absoluto.

Observe-se, porém, que havendo medidas provisórias em vigor na data de eventual convocação extraordinária do Congresso Nacional (convocação que pode ocorrer nas hipóteses do artigo 57 da Constituição Federal), elas serão automaticamente incluídas na pauta de votação (§ 8.º do artigo 57 da Constituição Federal, redação da Emenda Constitucional n. 32/01).

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A medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional, ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo, não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa (ano legislativo). Matéria, objeto de medida provisória, que tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal não poderá ser objeto de nova medida provisória enquanto não houver alteração constitucional. A insistência do Presidente da República, em qualquer hipótese, poderá caracterizar crime de responsabilidade, nos termos dos incisos II e VII do artigo 85 da Constituição Federal.

As medidas provisórias editadas em data anterior à publicação da Emenda Constitucional n. 32/01 continuam em vigor, sem limitação de prazo, até que medida provisória posterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Caso o Congresso Nacional venha a rejeitar a medida provisória, em 60 dias deverá disciplinar (por decreto-legislativo) as relações jurídicas dela decorrentes, pois, do contrário, as relações jurídicas, constituídas e decorrentes de atos praticados durante a sua vigência, conservar-se-ão por ela regidos.

1.8.2. Tramitação da medida provisória

Editada a medida provisória, o Presidente da República deverá, de imediato, remetê-la para a apreciação do Congresso Nacional.

No Congresso Nacional, inicialmente, a medida provisória terá sua constitucionalidade analisada por comissão mista (formada por deputados e senadores) e, em seguida, será votada, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das casas parlamentares.

A votação será iniciada na Câmara dos Deputados, e a medida provisória não se sujeita à votação pelas comissões (ao explicitar a votação pelo plenário, a Emenda Constitucional n. 32/01 afastou a delegação interna corporis – artigo 58, § 2.º, inciso I, da Constituição Federal – para votação de medida provisória).

Caso, em 45 dias – contados de sua publicação, a medida provisória não seja apreciada, entrará em regime de urgência, ficando sobrestadas, até que se encerrem as votações, todas as demais deliberações legislativas da Casa por onde tramita.

1.8.3. Aprovação, sem emendas, da medida provisória

A medida provisória aprovada sem alteração do seu mérito será promulgada pelo Presidente do Senado, que encaminhará o seu texto, em autógrafos, ao Presidente da República, para publicação como lei.

“A edição da medida provisória paralisa temporariamente a eficácia da lei que versava sobre a matéria. Se a medida provisória for aprovada, opera-se a revogação. Se, entretanto, a medida for rejeitada, restaura-se a eficácia da norma

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anterior. Isso porque, com a rejeição, o Legislativo expediu ato volitivo consistente em repudiar o conteúdo daquela medida provisória, tornando subsistente anterior vontade manifestada de que resultou a lei antes editada”1.

Considera-se a medida provisória convertida em lei a partir de sua aprovação (votação encerrada no Poder Legislativo) pelo Congresso Nacional, não se computando no prazo o período de promulgação (48 horas).

1.8.4. Rejeição da medida provisória e suas conseqüências

Sendo a medida provisória rejeitada, de forma expressa (votação em plenário) ou tácita (pelo decurso do prazo, originário e suplementar, sem apreciação), perderá eficácia desde a sua edição, devendo o Congresso Nacional, em 60 dias (contados da rejeição ou da perda da eficácia), disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida provisória. Caso o prazo não seja observado pelo Congresso Nacional, as relações jurídicas, constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória, conservar-se-ão por ela regidas (§ 11 do artigo 62 da Constituição Federal).

Trata-se de convalidação por decurso de prazo, que dá à medida provisória os efeitos das leis temporárias (aplica-se a medida provisória às relações jurídicas surgidas durante a sua vigência). A regra tem por base o princípio da segurança das relações jurídicas e não viola a separação dos Poderes, já que essa espécie de convalidação só prevalece caso haja omissão do Poder Legislativo.

O antigo decreto-lei (excluído de nosso ordenamento jurídico pela Constituição Federal e que era cabível somente para disciplinar as matérias expressamente previstas na Constituição Federal), se não fosse votado em 60 dias, era considerado tacitamente aprovado.

1.8.5. Emendas parlamentares

Aprovada uma emenda parlamentar (admitida pelas Resoluções n. 01/02, do Congresso Nacional) que efetiva modificações em uma medida provisória, o Congresso Nacional deverá elaborar projeto de lei de conversão a ser submetido à apreciação do Presidente da República sujeito, então, à sanção ou ao veto. É vedada a apresentação de emendas que versem matéria estranha àquela tratada na medida provisória.

Consumadas as alterações (pela sanção expressa ou tácita do projeto de lei de conversão), cabe ao Congresso Nacional, em 60 dias (contados da sanção), apreciar o projeto de decreto-legislativo (que deve ser apresentado concomitantemente ao projeto de lei de conversão), disciplinando assim as relações jurídicas surgidas durante a vigência da redação original.

1 TEMER, Michel. op. cit., p. 153.

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Até que o projeto de lei de conversão seja sancionado ou vetado (se nada for manifestado em 15 dias úteis, considera-se tacitamente sancionado pelo Presidente da República), a medida provisória (redação originária), que foi apreciada pelo Congresso Nacional dentro dos prazos previstos nos §§ 3.º e 7.º do artigo 62 da Constituição Federal, manter-se-á integralmente em vigor (vigência prorrogada até que haja a sanção ou o veto).

Caso o projeto de lei de conversão seja vetado, a medida provisória deverá ser tida por rejeitada, cabendo ao Congresso Nacional, em 60 dias, regular por meio de decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da redação originária (que, na hipótese, prorrogou-se até o veto).

Quer na hipótese de sanção, quer na hipótese de veto do projeto de lei de conversão, não sendo observado o prazo de 60 dias para a edição do decreto legislativo, as relações jurídicas surgidas durante a vigência da medida provisória conservar-se-ão por ela regidas (convalidação por decurso de prazo, que dá à medida provisória os efeitos das leis temporárias quanto aos atos constituídos e decorrentes de atos praticados durante a sua vigência, conforme sustentado anteriormente).

1.8.6. Matérias que não podem ser disciplinadas por medidas provisórias

É expressamente vedada a edição de medida provisória:

sobre matérias relativas a:

nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

direito penal, processual penal e processual civil;

organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia dos seus membros;

planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no artigo 167, § 3.º (que trata de despesas imprevisíveis e urgentes);

que vise à detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou de qualquer outro ativo financeiro;

reservada à lei complementar;

já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República;

relativa à competência exclusiva do Congresso Nacional e suas casas.

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Embora não haja regra expressa nesse sentido, há autores que defendem não ser cabível medida provisória para disciplinar matérias que não podem ser objeto de lei delegada, já que a respeito delas o Presidente da República não poderia dispor, nem mesmo com prévia autorização do Poder Legislativo (Ricardo Cunha Chimenti. Apontamentos de Direito Constitucional São Paulo: Paloma, 2002. p. 154).

1.8.7. Matérias de Direito Tributário

As medidas provisórias vinham sendo utilizadas para disciplinar matérias tributárias não reservadas às leis complementares, com a anuência do Congresso Nacional e de muitos Tribunais, sendo que a Emenda Constitucional n. 32/01 não afasta essas interpretações.

Antes da Emenda Constitucional n. 32/01, a análise do princípio da anterioridade (artigo 150, inciso III, “b”, da Constituição Federal) tinha por base a data da primeira publicação da edição da medida provisória (RE n. 232.896, j. de 2.8.1999), interpretação que deve subsistir em relação aos demais tributos, mas que fica prejudicada em relação aos impostos.

De acordo com o § 2.º da redação atual do artigo 62 da Constituição Federal, medida provisória – que implique em instituição ou majoração da espécie de tributo denominado imposto – só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte, se houver sido convertida em lei até o último dia do exercício em que for editada e desde que observe a anterioridade nonagesimal prevista no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal. Somente poderão ser instituídos ou majorados por medida provisória aqueles impostos que não dependam de lei complementar, ou desde que satisfeitas as exigências da alínea “a”, do inciso III do artigo 146 da Constituição Federal, por norma anterior à medida provisória.

Quanto aos impostos, tanto os previstos nos incisos I, II, IV e V do artigo 153 da Constituição Federal (impostos de função extrafiscal), como no artigo 154, inciso II, também da Constituição Federal (imposto extraordinário), não se aplica o princípio da anterioridade e, assim, a medida provisória poderá ter incidência imediata.

Ao menos até a edição da Emenda Constitucional n. 32/01, o Supremo Tribunal Federal vinha admitindo a instituição de contribuição para a seguridade social, sobre as fontes já previstas no artigo 195 da Constituição Federal, por simples lei ordinária e, conseqüentemente, por medida provisória.

“A lei que institui contribuição social com base no § 4.º, do artigo 195, da Constituição (sobre outras fontes que não as expressamente previstas na Constituição Federal) tem de ser de natureza complementar, conforme consta da parte final daquele parágrafo (que remete ao artigo 154, inc. I, da Constituição

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Federal) e já foi decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.103”2. PAULO DE BARROS CARVALHO3, com base no artigo 146, inciso III, da Constituição, entende exigível lei complementar para a instituição de qualquer contribuição social.

De qualquer forma, deve ser observada a anterioridade nonagesimal prevista no § 6.º do artigo 195 da Constituição Federal (contagem a partir da publicação da medida provisória), circunstância que, no caso concreto, pode mostrar-se incompatível com a urgência inerente às medidas provisórias.

1.8.8. Regulamentação por medida provisória de norma alterada por emenda à Constituição

Pela Emenda Constitucional n. 6/95, que alterou a redação do artigo 246 da Constituição Federal, foi vedada a utilização da medida provisória na regulamentação de artigos da Constituição Federal alterados por Emenda Constitucional promulgada a partir de 1995 (da Emenda Constitucional n. 05/95 até a Emenda Constitucional n. 32/01). Os artigos que não tiveram sua redação alterada por emendas constitucionais e aqueles cujas alterações ocorreram antes de janeiro de 1995, ou após a promulgação da Emenda Constitucional n. 32/01, podem ser regulamentados por medida provisória.

1.9. Decreto Legislativo

O decreto legislativo tem como conteúdo matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional (artigo 49 da Constituição Federal) e quem o promulga é o Presidente do Senado.

Trata-se de norma geral da qual a Constituição não exige a remessa ao Presidente da República para sanção ou promulgação.

O decreto legislativo veicula preferencialmente assuntos de caráter genérico e sua aprovação, em regra, ocorre por maioria simples.

1.10. Resoluções

Por fim temos as resoluções, que são de competência privativa do Congresso Nacional ou de qualquer uma de suas Casas.

As resoluções têm por conteúdo matérias concretas, a exemplo da suspensão de lei declarada inconstitucional (artigo 52, inciso X, da Constituição Federal) e da delegação de poderes legislativos ao Presidente da República (artigo 68, § 2.º).

2 CHIMENTI, Ricardo Cunha . Direito Tributário. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. Coleção Sinopses Jurídicas p. 45.3 Curso de Direito Tributário. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 36.

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A promulgação é feita pelo Presidente da Casa que expedir o ato ou, se do Congresso Nacional, pelo Presidente do Senado Federal. A aprovação exige, em regra, maioria simples.

Também as resoluções não estão sujeitas à sanção do Presidente da República.

A regulamentação dos decretos legislativos e das resoluções consta do regimento interno de cada uma das casas legislativas.

1.11. Da Hierarquia das Normas

Para os que adotam a classificação das leis segundo uma hierarquia, elas se dividem em constitucionais, complementares e ordinárias. Para esses doutrinadores, a lei complementar se sobrepõe à ordinária, de tal forma que a lei ordinária não pode revogar a lei complementar ou contrariar suas normas.

Outros autores, porém, alertam: com exceção das emendas constitucionais, todas as demais espécies normativas se situam no mesmo plano.

Entende-se que a lei complementar não é superior à lei ordinária, nem esta é superior à lei delegada.

Cada uma das espécies tem seu próprio campo de atuação. Não há que se falar em hierarquia.

Quanto à origem legislativa, porém, poderemos verificar hierarquia entre as leis. Temos as leis federais, estaduais e municipais. Conforme leciona WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO4 , “num Estado federal, como o nosso país, existe verdadeira hierarquia nas leis. A lei magna é a Constituição Federal, a lei fundamental, a lei primeira. Depois, vêm as leis federais ordinárias; em terceiro lugar, a Constituição Estadual; em seguida, as leis estaduais ordinárias e, por último, as leis municipais. Surgindo confronto entre elas, observar-se-á essa ordem de precedência quanto à sua aplicação”. O mestre cita acórdãos publicados in RT 170/556 e 297/339.

A existência de hierarquia é clara na hipótese de competência concorrente, conforme o § 4.º do artigo 24, Constituição Federal.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

4 Curso de Direito Civil. 27.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 15

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O Vice-Presidente da República, nos crimes de responsabilidade, será processado e julgado:

a) pelo Supremo Tribunal Federal;b) pelo Senado Federal;c) pela Câmara dos Deputados;d) pelo Superior Tribunal de Justiça.

2. Tratando-se de competência concorrente para legislar, se inexistir lei federal sobre normas gerais, a Constituição prescreve que:

a) os Estados devem abster-se de legislar;b) os Estados exercerão competência legislativa plena;c) os Estados exercerão competência legislativa plena,

para atender às suas peculiaridades;d) os Estados exercerão competência legislativa

remanescente.

3. Ao Superior Tribunal de Justiça compete julgar:

a) Os governadores dos Estados, nos crimes de responsabilidade.

b) Os desembargadores, nos crimes comuns e de responsabilidade.

c) Os membros dos Tribunais de Contas, apenas nos crimes comuns.

d) Os membros dos Ministérios Públicos que oficiem perante tribunais.

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4. Compete privativamente à União legislar sobre:

a) produção e consumo;b) propaganda comercial;c) juntas comerciais;d) educação, cultura, ensino e desporto.

5. As Comissões Parlamentares de Inquérito estão constitucionalmente autorizadas a:

a) Determinar a prisão preventiva dos infratores, nos termos da lei processual penal, pois possuem os mesmos poderes da autoridade judicial.

b) Solicitar o depoimento de qualquer autoridade ou cidadão, pois possuem os mesmos poderes investigatórios da autoridade judicial.

c) Determinar a quebra de sigilo bancário, pois possuem os mesmos poderes investigatórios da autoridade policial.

d) Promover a responsabilização civil e criminal dos infratores.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual a finalidade do Estado de Defesa?É restabelecer ou preservar a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave instabilidade institucional ou por calamidades naturais de grande vulto. Deve ser decretado tendo em vista locais determinados e delimitados, após consulta aos Conselhos da República e de Defesa a Nacional.

2. Qual a diferença entre Estado de Defesa e Estado de Sítio?O Estado de defesa é decretado pelo Presidente da República depois de ouvidos aos Conselhos da República e de Defesa a Nacional e não depende de prévia autorização do Congresso Nacional. Já o Estado de Sítio requer autorização do Congresso Nacional para que seja decretado, estando, portanto, sujeito a um prévio controle político.

3. O que a Constituição Federal quer dizer com “comoção grave” quando se refere ao Estado de Sítio?

Comoção grave é conceito que abrange todo estado de crise que implique em rebelião, revolta ou insurreição contra as instituições democráticas e o Estado de Direto, que não possa ser resolvida pelos meios convencionais, normais ou ordinários de resolução pacífica de conflitos.

4. A que se destina uma CPI?Uma CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito - destina-se a apurar determinado fato de relevante interesse público, pois possui poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas.

5. A quem compete o julgamento das contas de um Prefeito?Compete à Câmara Municipal com auxílio do Tribunal de Contas, este emitirá parecer que só não prevalecerá se derrubado por voto de 2/3 dos membros da respectiva Câmara Municipal (art. 31, §2º da Constituição Federal).

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVI

DIREITO CONSTITUCIONALPoder Executivo

__________________________________________________________________Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Poder Executivo

Professor Clever Vasconcelos

1. PODER EXECUTIVO

O Poder Executivo, no âmbito federal, é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.

Para uma melhor análise do tema, relembramos os conceitos a seguir:

Sistema de Governo diz respeito ao modo como se relacionam os poderes, sendo os mais comuns o Presidencialista e o Parlamentarista.

Forma de Governo, por sua vez, é referente à maneira como ocorre a instituição do poder na sociedade e a relação entre o povo e seus governantes. As formas mais comuns de governo são a Monarquia e a República.

Por fim, temos as chamadas Formas de Estado, ligadas à existência ou não de uma divisão territorial do poder: o Estado pode ser unitário, com o poder concentrado em um órgão central, ou federado, com poderes regionais que gozam da autonomia que lhes confere a Constituição Federal, e um poder central soberano e aglutinador.

No Brasil o sistema de governo é o Presidencialista, a forma de governo é a República e o Estado adota a forma de Federação.

1.1. Eleição do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito)

A eleição do Presidente da República importa na eleição do Vice-Presidente com ele registrado.

É considerado eleito em primeiro turno o candidato à Presidência que obtiver a maioria absoluta (mais da metade) dos votos válidos, não computados os votos em branco e os votos nulos. A posse deve ocorrer em até 10 dias da data fixada, salvo motivo de força maior, sob pena de o cargo ser declarado vago.

Caso nenhum dos candidatos alcance a maioria absoluta dos votos na primeira votação, é realizada nova eleição, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

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No caso de empate no segundo lugar, estará qualificado o mais idoso e, se algum dos dois concorrentes desistir ou morrer, é chamado o seguinte, evitando-se assim conluios capazes de burlar a exigência da maioria absoluta.

O mesmo critério do duplo turno de votação, caso nenhum dos candidatos obtenha a maioria absoluta dos votos em primeiro turno, vale para a eleição dos governadores e dos prefeitos dos Municípios com mais de 200.000 eleitores.

O Governador de Território Federal é nomeado pelo Presidente da República, após a aprovação de seu nome pelo Senado Federal (inciso XIV do artigo 84 da Constituição Federal).

1.2. Do Presidente e do Vice-Presidente da República

As atribuições básicas do Presidente da República que, na sessão de posse, deve prestar o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a União, a integridade e a independência do Brasil, estão previstas no artigo 84 da Constituição Federal. Este dispositivo lhe atribui poderes de Chefe de Estado (a exemplo dos incisos VII e XIX) e de Chefe do Governo (a exemplo dos incisos II e VI).

Cabe ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Presidente da República que exorbitem do Poder Regulamentar, nos termos do inciso V do artigo 49 da Constituição Federal. A manifestação será exteriorizada por Decreto Legislativo, que depende de quorum de maioria simples para sua aprovação.

Excessos do Presidente da República também podem levá-lo à perda do mandato em processo por crime de responsabilidade ( artigo 85 da Constituição Federal ).

O Vice-presidente substitui o Presidente no caso de impedimento temporário e sucede-lhe no caso de vaga (a presidência). Também incumbe ao Vice-presidente cumprir as missões especiais que lhe forem atribuídas pelo Presidente e outras funções estabelecidas por lei complementar.

Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-presidente, exercerão a Presidência da República, sucessivamente, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Nova eleição é feita 90 dias após a abertura da vaga de presidente e vice-presidente, cabendo ao eleito completar o período do mandato do seu antecessor (eleição direta, dois turnos nos dois primeiros anos).

Caso as vagas de presidente e vice-presidente surjam nos dois últimos anos do mandato presidencial, a eleição será feita 30 dias após a abertura da vaga

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pelo próprio Congresso Nacional (eleição indireta – artigo 81, § 1.º, da Constituição Federal).

Em qualquer das hipóteses, o eleito somente cumpre o mandato restante do antecessor, período denominado tampão.

No caso de impedimento do governador e do vice-governador, bem como na hipótese de vacância dos dois cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da governança o Presidente da Assembléia Legislativa e o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado.

Em São Paulo, de acordo com o artigo 41 da Constituição Estadual, vagando o cargo de governador, faz-se nova eleição 90 dias após a abertura da última vaga, cabendo ao eleito completar o período restante. Se a vacância, contudo, se der no último ano do mandato, o Presidente da Assembléia Legislativa (e, no impedimento deste, o Presidente do Tribunal de Justiça) assumirá e completará o período de governo restante.

O mandato do presidente e do vice-presidente é de 4 anos, permitida uma reeleição para um único período imediatamente subseqüente (Emenda Constitucional n. 16, publicada em 5.6.1997).

Para ser eleito para a Presidência e Vice-Presidência da República, o interessado, entre outros requisitos, deve ser brasileiro nato, ter idade mínima de 35 anos na data da posse, estar no gozo de seus direitos políticos, não ser inelegível e estar filiado a um partido político.

1.3. Ministros de Estado

Os requisitos básicos para ser Ministro de Estado são: ser brasileiro (nato ou naturalizado) ou português equiparado (se houver reciprocidade, o que atualmente não se verifica), estar no gozo de seus direitos políticos e ter mais de 21 anos. A exoneração é ad nutum (não exige qualquer justificativa). O Ministro da Defesa, necessariamente, deve ser um brasileiro nato.

Os ministros auxiliam o Presidente da República, incumbindo-lhes inclusive expedir instruções que facilitem a execução das determinações presidenciais. O ministro também referenda os atos e decretos do Presidente da República que sejam relacionados à sua pasta e pode receber delegação para exercer as funções previstas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, do artigo 84 da Constituição Federal (inclusive a concessão do indulto e a comutação de penas).

Nos termos do § 1º do artigo 28 da Constituição Federal, o Governador que durante o exercício da função assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, inclusive Ministério, perderá o mandato. A mesma restrição é imposta aos Prefeitos, nos termos do artigo 29, XIV, da Constituição Federal.

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1.4. Vacância do Cargo e os Impedimentos

Tornam-se vagas a Presidência e a Vice-Presidência da República em razão da morte de seus titulares (a exemplo das mortes de Getúlio Vargas e Tancredo Neves), pela incapacidade absoluta (observadas as regras gerais da interdição, a exemplo do derrame de Costa e Silva), pela perda ou suspensão dos seus direitos políticos, pela renúncia (Jânio Quadros e Collor) e pela ausência desautorizada do país por mais de 15 dias (a saída que excede 15 dias depende de autorização prévia do Congresso Nacional – inciso III do artigo 49 da Constituição Federal)

Além das hipóteses de vacância, o presidente pode estar impedido (situação transitória) de exercer o seu cargo, voluntária ou involuntariamente.

O impedimento é voluntário quando decorre de licença, férias etc. É involuntário nos casos de seqüestro, doença grave ou processo por crime comum ou de responsabilidade.

1.5. Crimes de Responsabilidade (impeachment) e os Crimes Comuns

1.5.1. Crimes de responsabilidade

São crimes de responsabilidade aquelas infrações político-administrativas, cujas sanções consistem não em uma pena criminal, não em uma pena restritiva de liberdade, mas sim na desinvestidura dos cargos ocupados pelo agente e na sua inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos (artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal/88). As infrações devem estar tipificadas em lei federal, sendo ainda o principal diploma a Lei n. 1.079/50 (parcialmente recepcionada pela Constituição Federal/88).

O impeachment é o processo que pode levar ao impedimento do agente político que cometeu uma infração político-administrativa.

Conforme esclarece Pinto Ferreira, “a palavra impeachment foi traduzida de duas maneiras para o vernáculo: pelos nomes de impedimento e julgamento político”. Luiz Alberto David e Vidal Serrano Nunes Júnior defendem teses semelhantes, acrescentando que impeachment também pode ser entendido no sentido de pena finalmente aplicável à autoridade processada.

Qualquer cidadão é parte legítima para apresentar acusação perante a Câmara dos Deputados, devendo a petição contar com a assinatura do denunciante (e firma reconhecida) e observar as demais exigências do artigo 15 da Lei n. 1.079/50.

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A Constituição Federal exemplifica crimes de responsabilidade do Presidente da República no seu artigo 85, enquadrando na tipificação os atos que atentem contra a Constituição Federal, em especial contra a probidade na administração, o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, o cumprimento das leis e das decisões judiciais, o exercício dos direitos políticos individuais e sociais, a segurança interna do país (Lei Complementar n. 90/97) e a lei orçamentária. Admite-se a modalidade tentada.

Conforme orientam os artigos 51, inciso I, 52, inciso I, e 86, todos da Constituição Federal, o processo de impedimento por crime de responsabilidade tem duas fases.

Na primeira, comparável à pronúncia nos crimes sujeitos a Júri, a Câmara dos Deputados, pelo voto nominal e aberto de 2/3 dos seus membros, admite a acusação e autoriza a instauração do processo (a Câmara dos Deputados atua como um Tribunal de Pronúncia).

A segunda fase começa no momento em que o Senado Federal instaura o processo pelo crime de responsabilidade (e passa a atuar como um Tribunal de Julgamento).

Iniciada a segunda fase do processo por crime de responsabilidade (instauração pelo Senado), o Presidente da República ficará provisoriamente suspenso de suas funções.

Caso em 180 dias o julgamento junto ao Senado não esteja concluído, cessa o afastamento do Presidente da República, sem prejuízo do seguimento do processo.

O julgamento por crime de responsabilidade junto ao Senado Federal será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e a condenação depende de 2/3 dos votos de todos os membros do Senado Federal. O voto é nominal (aberto) e a decisão será explicitada mediante Resolução do Senado.

A condenação imposta pelo Senado implica a perda do cargo, com inabilitação por 8 anos para o exercício de funções públicas, sem prejuízo das demais sanções cabíveis (artigo 52, parágrafo único, da Constituição Federal). Caso o ato ensejador do impeachment seja um fato típico penal, a condenação pelo crime de responsabilidade não afasta a possibilidade de condenação pelo crime comum, que reflexamente também impõe a perda do cargo (artigo 15, inciso III).

Mesmo com a renúncia, o processo prossegue para que se julgue a inabilitação (caso Collor).

O processo relativo aos crimes de responsabilidade é regido basicamente pela Lei n. 1.079/50.

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1.5.2. Processo por crime comum

Conforme orientam os artigos 51, inciso I, e 86, ambos da Constituição Federal, o processo contra o Presidente da República por crime comum (inclui os crimes eleitorais, as contravenções penais, os delitos contra a vida e outros) também tem duas fases.

Na primeira, comparável à pronúncia nos crimes sujeitos a Júri, a Câmara dos Deputados, apreciando a solicitação do Supremo Tribunal Federal, pelo voto nominal (aberto) de 2/3 dos seus membros, admite a acusação e autoriza a instauração do processo (a Câmara dos Deputados atua como um Tribunal de Pronúncia).

A prescrição é suspensa a partir da data em que o ministro-relator exarar o despacho solicitando a autorização à Câmara dos Deputados.

Não há necessidade de licença para o inquérito ou para o oferecimento de denúncia pelo Procurador-Geral da República, ou de queixa-crime.

Mesmo autorizado pela Câmara, antes de receber a denúncia ou queixa- subsidiária, o Supremo Tribunal Federal notificará o acusado para apresentar a defesa prévia em 15 dias.

A segunda fase começa no momento em que o Supremo Tribunal Federal recebe a denúncia ou queixa-subsidiária.

Tendo início a segunda fase do processo por crime comum, a exemplo do que se verifica quando iniciada no Senado Federal a segunda fase do processo por crime de responsabilidade, o Presidente da República ficará provisoriamente suspenso de suas funções.

Caso, em 180 dias, o julgamento junto ao Supremo Tribunal Federal não esteja concluído, cessa o afastamento do Presidente da República, sem prejuízo do seguimento do processo.

A denúncia, quanto aos crimes comuns, compete ao Procurador-Geral da República. O rito é o da Lei n. 8.038/90, observando-se, ainda, o artigo 230 e seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e a possibilidade da apresentação de queixa-subsidiária, na omissão do Ministério Público.

A condenação pelo crime comum implica a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da pena (artigo 15, inciso III). A inelegibilidade pode se prolongar por mais 3 anos, além dos efeitos da pena, caso o crime esteja enquadrado nas hipóteses da alínea “e” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n. 64/90.

Mesmo com a renúncia ou condenação por crime de responsabilidade, o processo prossegue para que se julgue o crime comum. O Plenário do STF, ao

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julgar as ADIns 2797 e 2860, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, os quais estabeleciam que a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevaleceria ainda que o inquérito ou a ação judicial fossem iniciados após a cessação da função pública. A norma era de constitucionalidade dubitável, pois, indiretamente, uma lei ordinária tratou da competência dos Tribunais (matéria reservada à norma constitucional). –( V. Módulo XIV, item 2.5.3.1).

O Presidente da República somente está sujeito à prisão após ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal a sentença condenatória pela prática de infração penal comum.

Enquanto vigente o mandato, o Presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de sua função (fatos praticados antes ou durante o mandato). Trata-se de cláusula de irresponsabilidade relativa, que não protege o presidente quanto aos ilícitos praticados no exercício da função ou em razão dela, bem como não exclui sua responsabilização civil, administrativa ou tributária.

Suspende-se a prescrição a partir do reconhecimento da imunidade pelo órgão processante.

1.5.3. Crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e outros

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União também estão sujeitos ao impeachment, funcionando o Senado como Tribunal de Pronúncia (a autorização para o processo ocorre por maioria simples) e de julgamento (a condenação depende do voto nominal de 2/3 dos senadores presentes), nos termos do inciso II do artigo 52 da Constituição Federal. Se houver a condenação, fica o sentenciado desde logo afastado do cargo e imediatamente é realizada nova votação para que se delibere por quanto tempo o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de funções públicas (até 5 anos).

Os crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República estão tipificados nos artigos 10, 39-A e 40 da Lei n. 1.079/50, acrescidos de novas figuras pela Lei n. 10.028, de 19.10.2000.

Em relação aos crimes previstos no artigo 10 da Lei n. 1.079/50 (Crimes contra a Lei Orçamentária e contra a atual Lei de Responsabilidade Fiscal), também os Presidentes de Tribunais, os Juízes-Diretores de Fóruns, o Advogado-Geral da União e os Procuradores-Gerais de Justiça e do Estado estão sujeitos a julgamento por crime de responsabilidade.

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O Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente da República após a aprovação do seu nome pela maioria absoluta dos senadores. Seu mandato é de 2 anos, admitida a recondução por um número indeterminado de vezes, desde que novamente aprovado o nome pela maioria absoluta dos senadores (§ 1.º do artigo 128 da Constituição Federal e artigo 25 da Lei Complementar n. 75/93).

Além de estar sujeito a julgamento por crime de responsabilidade perante o Senado, o Procurador-Geral da República pode ser destituído do seu cargo por iniciativa do Presidente da República, desde que a destituição seja precedida de autorização da maioria absoluta dos senadores (§ 2.º do artigo 128 da Constituição Federal), mediante votação secreta (artigo 25, parágrafo único, da Lei Complementar n. 75/93). O Presidente da República não pode destituir o Procurador-Geral da República sem prévia autorização do Senado.

Os membros do Ministério Público da União, que oficiam junto aos tribunais, por crime comum ou de responsabilidade, são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Os que atuam perante os juízos federais de primeira instância são julgados pelos Tribunais Regionais Federais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (artigo 18 da Lei Complementar n. 75/93).

Membros do Ministério Público dos Estados, por crimes comuns ou de responsabilidade, são julgados pelos Tribunais de Justiça, ressalvada exceção de ordem constitucional (artigo 40 da Lei n. 8.625/93).

Os Ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica podem ser co-responsáveis e responder ao lado do Presidente da República por crime comum ou de responsabilidade. Havendo conexão com crime da mesma natureza praticado por este , o processo contra o Ministro dependerá de prévia autorização de 2/3 dos deputados federais (artigo 51 da Constituição Federal).

Os Ministros de Estado e os comandantes militares, caso pratiquem isoladamente um crime de responsabilidade, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo tribunal que os julga por crime comum.

Os governadores, quanto aos crimes comuns, são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça após a autorização da respectiva Assembléia Legislativa por 2/3 dos seus membros. A imunidade quanto à prisão e à cláusula de irresponsabilidade relativa não beneficiam os governadores, sendo que os §§ 5.º e 6.º da Constituição Estadual de São Paulo foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 1.021-2).

Nos crimes de responsabilidade, os governadores são julgados pelo Tribunal Especial.

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Compete à União (e não ao Estado) legislar sobre processo (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal) e, de acordo com a Lei Federal n. 1.079/50, o Tribunal Especial deve ser composto por cinco deputados estaduais (eleitos dentre os seus pares) e cinco desembargadores (sorteados pelo Presidente do Tribunal de Justiça). O Tribunal Especial é presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça, que somente votará se houver empate (voto de minerva).

O § 1.º do artigo 49 da Constituição do Estado de São Paulo, que estabelecia a composição do Tribunal Especial com sete deputados estaduais e sete desembargadores (sendo presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça), foi cautelarmente suspenso na ADIn n. 2.220-2, de 1.8.2000. Consta da ementa do julgado que “inscreve-se na competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e a disciplina do respectivo processo e julgamento”.

A denúncia pode ser apresentada à Assembléia Legislativa por qualquer cidadão e o julgamento depende de prévia autorização da maioria absoluta dos deputados estaduais (artigo 77 da Lei n. 1.079/50), estando cautelarmente suspensa a parte final do artigo 49 da Constituição do Estado de São Paulo (ADIn n. 2.220-2/Supremo Tribunal Federal).

O governador ficará suspenso de suas funções após o recebimento da denúncia ou queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça (crime comum) ou após a autorização do processo pela Assembléia Legislativa (infração político-administrativa).

O processo deve ser concluído no prazo de 120 dias a contar da autorização pela Assembléia Legislativa. A condenação depende do voto de 2/3 dos membros do Tribunal Especial e implica a desinvestidura e a inabilitação do processado para exercer qualquer função pública por até 5 anos.

O voto é público e não secreto, estando suspensa a regra em sentido contrário prevista no inciso I do § 2.º do artigo 10 da Constituição do Estado de São Paulo (ADIn n. 2.220-2).

Além de estar sujeito a julgamento por crime de responsabilidade, o Procurador Geral de Justiça poderá ser destituído ( no âmbito estadual o legislativo destituiu e não apenas autoriza o chefe do executivo a destituir) pelo voto da maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa ( artigo 94,III, da CE). HUGO NIGRO MAZZILLI3 sustenta que o voto dos deputados estaduais será secreto, levando em conta o modelo federal. A Assembléia Legislativa e a Câmara Municipal de São Paulo aboliram o voto secreto, critério que poderá ser questionado com base no princípio da simetria (paralelismo com o modelo federal).

O § 2.º do artigo 49 da Constituição do Estado de São Paulo, que previa o julgamento do Procurador-Geral da Justiça e do Procurador-Geral do Estado, por

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crime de responsabilidade perante o Tribunal Especial, também está cautelarmente suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 2.220-2).

Os crimes comuns e de responsabilidade dos desembargadores e dos membros dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho são julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Não há lei definindo tais crimes para a maioria dos desembargadores, conforme já deliberou do Superior Tribunal de Justiça (RDA 179/131). Quanto aos desembargadores e Juízes-Presidentes de Tribunais Federais, no entanto, há que se observar as tipificações inseridas nos artigos 10 e 39 da Lei n. 1.079/50, alterada pela Lei n. 10.028, de 19.10.2000.

Os Juízes dos Tribunais de Alçada, os Juízes de Direito e os Juízes das Auditorias e dos Tribunais Militares, por crime comum ou de responsabilidade, são julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado onde exercem suas funções.

Os juízes federais de primeiro grau (incluídos os juízes do trabalho), por crimes comuns ou de responsabilidade, são julgados pelos Tribunais Regionais Federais das suas regiões.

Os juízes eleitorais de primeiro grau são julgados pelos Tribunais Regionais Eleitorais.

1.5.4. O julgamento dos prefeitos municipais

Nos crimes comuns (inclusive os crimes dolosos contra a vida e os crimes de ação penal privada), nas contravenções penais e nos “crimes de responsabilidade”, previstos no artigo 1.º do Decreto-lei n. 201/67 (que são denominados crimes de responsabilidade impróprios porque nada têm de infração político-administrativa – por exemplo, apropriar-se de bens ou rendas públicas), o prefeito é julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado ao qual pertence seu Município (artigo 29, inciso X, da Constituição Federal), independentemente de autorização da Câmara Municipal (STJ-RT 724/579 e Supremo Tribunal Federal-RT 725/501). A denúncia é apresentada pelo Procurador-Geral de Justiça.

Recebida a denúncia durante o mandato, cabe ao órgão responsável pelo julgamento (normalmente uma das Turmas Criminais, podendo a Constituição Estadual ou mesmo o Regimento Interno de cada tribunal disciplinar a questão) decidir quanto à necessidade do afastamento provisório do prefeito.

De acordo com a Lei n. 8.658/93, combinada com a Lei n. 8.038/90, o recebimento ou não da denúncia compete ao órgão julgador e não ao relator.

Se o crime é praticado contra patrimônio da União ou relacionado a bens, cuja prestação de contas é feita a órgão federal, a competência para o julgamento do prefeito é do Tribunal Regional Federal (Súmula n. 208 do Superior Tribunal de Justiça).

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Nesse sentido a Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal, do seguinte teor:

“A competência do Tribunal de Justiça para julgar Prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.”

Caso a verba já tenha sido incorporada ao patrimônio do Município, a competência é do Tribunal de Justiça do Estado (Súmula n. 209 do Superior Tribunal de Justiça).

Quanto aos crimes eleitorais, prevalece que os prefeitos devem ser julgados pelos respectivos Tribunais Regionais Eleitorais (Supremo Tribunal Federal – HC n. 68.967, j. em 9.10.1991).

A condenação definitiva por crime comum ou por crime de responsabilidade impróprio (artigo 1.º do Decreto-lei n. 201/67) implica a suspensão dos direitos políticos (artigo 15, inciso III, da Constituição Federal), a perda do mandato e a inelegibilidade por 3 anos além do cumprimento da pena (alínea “e” do inciso I do artigo 1.º da Lei Complementar n. 64/90, pois os crimes previstos no Decreto-lei n. 201/67 são delitos contra a Administração Pública – Acórdão TSE n. 14.073, Ementário de 1996, p. 95).

Se for o caso, a mesma conduta implicará também a imposição de pena privativa de liberdade (caso o fato esteja tipificado como crime comum) e a obrigação de ressarcir os prejuízos causados.

A ação penal fundada no artigo 1.º do Decreto-lei n. 201/67 poderá ser proposta mesmo após o encerramento ou a perda do mandato (Súmula n. 164 do Superior Tribunal de Justiça), quando então a competência será do juiz singular (a Súmula n. 394 do Supremo Tribunal de Federal foi cancelada). Caso o prefeito esteja temporariamente afastado do cargo (por exemplo, em razão de processo diverso), subsiste a competência do tribunal para o julgamento (Informativo Supremo Tribunal Federal n. 186). A Lei n.10.628, de 24 de dezembro de 2002, deu nova redação ao § 1.º do artigo 84 do Código de Processo Penal, estabelecendo que a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação da função pública. A norma é de constitucionalidade dubitável, pois, indiretamente, uma lei ordinária tratou da competência dos tribunais (matéria reservada à norma constitucional).

Súmula 703 do Supremo Tribunal Federal: “A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no artigo 1º do DL 201/67”.

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Súmula n. 164 do Superior Tribunal de Justiça: “O Prefeito Municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no artigo 1.º do Dec.-lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967”.

Quanto aos cargos ou funções não eletivos, a inabilitação do condenado será de 5 anos a contar do trânsito em julgado da condenação (§ 2.º do artigo 1.º do Decreto-lei n. 201/67).

Em relação às infrações político-administrativas - aos crimes próprios de responsabilidade previstos no artigo 4.º do Decreto-lei n. 201/67 (a exemplo da falta de decoro), o prefeito é julgado pela Câmara Municipal.

O Supremo Tribunal Federal já concluiu que as infrações político-administrativas são os verdadeiros crimes de responsabilidade, crimes que sujeitam seu autor ao impeachment. São os crimes próprios de responsabilidade.

“O artigo 1.º do Dec.-lei n. 201/67 tipifica que crimes comuns ou funcionais praticados por Prefeitos Municipais, ainda que impropriamente nomeados como crimes de responsabilidade, são julgados pelo Poder Judiciário...” (Supremo Tribunal Federal-RT 726/586). São os crimes impróprios de responsabilidade.

“O artigo 4.º do mesmo Dec.-lei refere-se ao que se denomina expressamente de ‘infrações político-administrativas’, também chamadas ‘crimes de responsabilidade’, ou ‘crimes políticos’, e são julgadas pela Câmara dos Vereadores: Nada mais é do que o impeachment” (RT 726/586. Decisão unânime da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, j. em 3.10.1995).

A sanção do crime próprio de responsabilidade é política e ao judiciário compete tão-somente apreciar os aspectos extrínsecos do processo.

Wolgran Junqueira Ferreira1 relembra que Ruy Barbosa definiu o impeachment como sendo “julgamento político”. Ressalva, porém, entendimento minoritário de Diógenes Gasparini, para quem os artigos 4.º ao 8.º do Decreto-lei n. 201/67 não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.

O julgamento político, para Diógenes Gasparini, deve seguir as previsões da lei municipal, entendimento minoritário (já que prevalece que as regras pertinentes a crimes – comuns e de responsabilidade – e processos devem provir da União), também defendido por Hely Lopes Meirelles2. O entendimento é contrário às decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que compete à União legislar sobre processo (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal) e sobre crimes comuns ou de responsabilidade. Por isso, entendemos que deve ser aplicado o rito do Dec.-lei n. 201/67.

1 Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores. 7.ª ed. São Paulo: Edipro, 1996. p. 118.2 Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: RT, 1993. p. 95 e 580.

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Nesse sentido a Súmula 722 do Supremo Tribunal Federal, do seguinte teor:

“ São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.

Hely Lopes Meirelles e Tito Costa sustentam que “a cassação do mandato do Prefeito, por incurso em infração político-administrativa, embora deliberada por uma corporação legislativa, não é impeachment, dado o seu caráter de sanção definitiva e autônoma, sem dependência ou aguardo de julgamento de qualquer outro órgão ou Poder”.3. O Supremo Tribunal Federal, porém, utiliza a denominação impeachment também para o julgamento político dos prefeitos perante as Câmaras Municipais.

A Emenda Constitucional n. 25/00 estabeleceu que é crime de responsabilidade do prefeito efetuar repasse para a Câmara Municipal em montante superior ao previsto no artigo 29-A da Constituição Federal, não transferir o repasse devido até o dia 20 de cada mês ou enviá-lo em montante menor do que o da proporção estabelecida pela lei orçamentária (§ 2.º do artigo 29 da Constituição Federal).

O artigo 1.º da Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n. 64/90) determina que os governadores e prefeitos que perderem seus cargos por infringirem a Constituição Estadual ou a Lei Orgânica Municipal ficam inelegíveis para as eleições que se realizarem durante o período remanescente, bem como para as que se realizarem nos três anos seguintes.

O processo relativo à infração político-administrativa é bifásico. A autorização para o processo, segundo estabelece o artigo 5.º, inciso II, do Decreto-lei n. 201/67, depende do voto da maioria simples dos membros da Câmara dos Vereadores. O afastamento definitivo do cargo ocorrerá se assim deliberar 2/3, pelo menos, dos membros da casa.

Há quem sustente, porém, que o quórum de admissão da denúncia deve ser aquele previsto na Lei Orgânica Municipal e não o da Lei Federal n. 1.079/50. A Lei Orgânica Municipal de São Paulo prevê que a acusação deve ser recebida por 3/5 dos vereadores e que, ao final do processo, a perda do mandado dependerá do voto, neste sentido, de pelo menos 2/3 dos vereadores (artigo 72, §§ 4.º e 5.º).

Não há foro privilegiado (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal etc.) quanto às ações populares ou de natureza civil movidas contra prefeitos, que inicialmente tramitam perante os órgãos de primeiro grau. Quando a questão envolver improbidade administrativa, haverá questionamentos sobre a incidência ou não da Lei 10.628/02, que deu nova redação ao artigo 84 do CPP.

3 MEIRELLES, Hely Lopes. Op cit. Direito Municipal Brasileiro. p. 581.

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As responsabilidades penal, civil e administrativa são autônomas, sujeitando-se o infrator a processos políticos e judiciários (RJTJSP 83/426 e Supremo Tribunal Federal-RTJ 106/548).

O processamento e o julgamento da impugnação de mandato eletivo (artigo 14, § 10, da Constituição Federal) do prefeito e do vereador compete ao Juiz Eleitoral da respectiva zona, com recurso para o Tribunal Regional Eleitoral e Tribunais Superiores.

1.5.5. O Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional

São órgãos de consulta do Presidente da República. Órgãos meramente opinativos e que somente se reúnem mediante convocação e sob a presidência do Presidente da República (artigo 84, inciso XVIII, da Constituição Federal).

Além do chefe do Executivo Federal (que preside suas reuniões), participam do Conselho da República (artigo 89 da Constituição Federal) o Vice-Presidente da República, os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os líderes da maioria e da minoria nas duas Casas Legislativas, o Ministro da Justiça e seis brasileiros natos, com mais de 35 anos e com mandatos de 3 anos, vedada a recondução. Dois são nomeados pelo Presidente da República, dois são eleitos pelo Senado Federal e dois são eleitos pela Câmara dos Deputados.

Outros ministros podem ser convocados pelo Presidente da República para participar da reunião quando o assunto for relacionado às suas atividades.

Compete ao Conselho da República, disciplinado pela Lei n. 8.041/90, pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio e outras questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas.

O Conselho de Defesa Nacional, previsto no artigo 91 da Constituição Federal e disciplinado pela Lei n. 8.183/91, é formado pelo Presidente da República e pelo seu Vice-Presidente, bem como pelos Presidentes da Câmara e do Senado, Ministro da Justiça, Ministro da Defesa e comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica (incluídos pela Emenda Constitucional n. 23/99), Ministro das Relações Exteriores e Ministro do Planejamento. Nenhum dos conselheiros é eleito ou nomeado entre outros brasileiros natos, ao contrário do que se verifica no Conselho da República.

Compete ao Conselho de Defesa Nacional opinar sobre a declaração de guerra e celebração de paz, decretação de estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal, propor critérios sobre a utilização de áreas indispensáveis à segurança nacional e seu efetivo uso (em especial a faixa de fronteira) e das relacionadas com a preservação e a exploração de recursos naturais de qualquer

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tipo, bem como estudar, propor e acompanhar as iniciativas necessárias para garantir a independência nacional e a defesa do Estado democrático.

De acordo com o inciso IX do artigo 24 da Lei das Licitações ( 8.666/93), é dispensável a licitação quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional.

A faixa de fronteira terrestre é de até 150 km de largura, nos termos do § 2.º do artigo 20 da Constituição Federal.

O mar territorial brasileiro é de 12 milhas marítimas, nos termos da Lei n. 8.617/93.

As opiniões do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional devem ser previamente colhidas nos casos de decretação de estado de defesa ou de estado de sítio, nos termos dos artigos 136 e 137 da Constituição Federal. A opinião, entretanto, não vincula o Presidente da República, que mesmo contra o parecer, poderá solicitar a autorização do Congresso Nacional para decretar o estado de sítio e a aprovação do estado de defesa (por maioria absoluta).

1.6. DAS FORÇAS ARMADAS E DA SEGURANÇA PÚBLICA

1.6.1. Das Forças Armadas

As Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), instituições nacionais permanentes (e que assim não podem ser abolidas por emenda à Constituição Federal) e regulares, têm por base a hierarquia e a disciplina e como função primordial exercer a defesa da pátria (garantia externa do Estado) e dos Poderes constitucionais (atualmente as Forças Armadas estão disciplinadas no Título V da Constituição Federal, que trata da defesa do Estado e das instituições democráticas).

Por iniciativa de qualquer um dos Poderes constitucionais, as Forças Armadas podem atuar na garantia da lei e da ordem (função subsidiária).

Quem representa os poderes constitucionais e têm competência para convocar as Forças Armadas, a fim de garantir a lei e a ordem (função subsidiária da instituição), são os chefes dos Poderes constituídos -o Presidente da República, o Presidente do Congresso Nacional ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Tal competência não é extensiva aos membros dos Poderes (ministro, deputado, senador e magistrados em geral), ressalvada a competência do Tribunal Superior Eleitoral (que por força do inciso XIV do artigo 23 do Código Eleitoral – norma materialmente constitucional – pode requisitar força federal necessária para o cumprimento da lei de suas próprias decisões, ou das

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decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração).

As Forças Armadas estão subordinadas também ao Ministro da Defesa. Sua autoridade suprema, porém, é o Presidente da República, a quem incumbe conferir as patentes dos militares.

Um oficial militar somente perde seu posto e a sua patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível por decisão de Tribunal Militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou por Tribunal Especial, em tempo de guerra.

O oficial condenado na Justiça Comum ou Militar à pena privativa de liberdade superior a 2 anos por sentença transitada em julgado, necessariamente será submetido ao julgamento da perda do posto e/ou da patente pelo Tribunal Militar a que estiver vinculado.

O serviço militar é obrigatório, mas aqueles que, em tempo de paz, depois de alistados, alegarem imperativo de consciência (crença religiosa, convicção filosófica ou convicção política, normalmente chamados escusa de consciência ou imperativo de consciência) podem exercer serviços alternativos para eximirem-se de atividades de caráter essencialmente militar (Lei n. 8.239/91). A recusa de prestação de serviços alternativos implica a suspensão dos direitos políticos.

As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz; sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir.

Aquele que, convocado, não se apresentar para o serviço militar, é considerado insubmisso. Aquele que estava em serviço e o abandona, denomina-se desertor.

Aos militares veda-se a sindicalização e a greve, regra que se aplica também aos policiais e bombeiros militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 42 da Constituição Federal).

1.6.2. Da segurança pública

Dita o artigo 144 da Constituição Federal que a segurança pública, embora seja um dever do Estado, é da responsabilidade de todos.

O sistema de segurança pública tem por finalidade garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

As polícias e os bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, junto com a polícia civil, aos Governos dos Estados e do Distrito Federal. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva (administrativa) e a preservação da ordem pública.

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Aos bombeiros militares cabem as atribuições definidas em lei e a execução das atividades de defesa civil.

Às polícias civis, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (natureza repressiva, pois visa formar a prova para a punição dos culpados), exceto as militares (há na esfera militar o Inquérito Policial Militar, IPM)

A polícia judiciária da União é exercida exclusivamente pela polícia federal, que é estruturada em carreira e também se destina às finalidades previstas no artigo 144, § 1.º , incisos I a III.

Dentre as principais atribuições da polícia federal estão as de exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, bem como as de prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, sem prejuízo da ação de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. A polícia federal, portanto, desempenha função híbrida (polícia ostensiva e também investigatória).

De acordo com a Lei 10.446/02, que tem por base o inciso I do § 1º do artigo 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no artigo 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:

I - seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (artigos 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;

II - formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do artigo 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e

III - relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e

IV - furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

Atendidos os pressupostos da repercussão interestadual ou internacional, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.

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O Decreto-lei n. 1.064/69 estabelece que o Departamento de Polícia Federal ficará à disposição da Justiça Eleitoral, sempre que houver de se realizar eleições gerais ou parciais, em qualquer parte do Território Nacional.

Além da Polícia Federal comum, a Constituição Federal também prevê a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal.

Os Municípios podem constituir guardas municipais

destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,

conforme dispuser a lei.

Sobre os limites da competência da guarda municipal, o mestre Álvaro Lazzarini4 leciona: “Está evidente que as guardas municipais ao agirem como polícia de ordem pública o fazem ao arrepio da Constituição e das leis, sujeitando-se os mandantes e executores à responsabilidade penal, civil e administrativa, agentes públicos que são, cabendo às autoridades e às pessoas atingidas pelos atos ilegais providenciar para tanto, fazendo manifestar-se o Poder Judiciário, quer sobre o exercício irregular da atividade policial, quer sobre os atos normativos municipais que eventualmente o esteja 'amparando', evitando-se o conflito e a superposição de funções públicas tão graves como estas”.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior sustentam que nada impede que lei estadual ou convênio com a polícia militar invista as guardas municipais de competência administrativa para a realização do policiamento ostensivo.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

4 Estudos de Direito Administrativo. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1999. p. 118.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Quais as espécies de imunidades conferidas aos senadores e qual o conteúdo de cada uma?

2. Que providência pode tomar o Poder Legislativo caso haja abuso de poder regulamentar pelo Presidente da República?

3. Qual o procedimento para a aprovação de uma Emenda à CF?

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4. Um Governador de Estado, no exercício do cargo, pode também assumir o cargo de Ministro de Estado?

5. Disserte sobre as principais características do processo por crime de responsabilidade contra o Presidente da República.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVII

DIREITO CONSTITUCIONAL

PODER JUDICIÁRIO

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Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Poder Judiciário

Professor Clever Vasconcelos

1. PODER JUDICIÁRIO

O Poder Judiciário tem por funções típicas preservar a Constituição Federal e

exercer a jurisdição.

Jurisdição significa a aplicação da lei ao caso concreto. À função jurisdicional atribui-se o papel de fazer valer o ordenamento jurídico no caso concreto, se necessário de forma coativa, ainda que em substituição à vontade das partes.

Atipicamente, por expressa delegação constitucional, os demais Poderes exercem atividades jurisdicionais (a exemplo do artigo 52, inciso I, da Constituição Federal, que atribui ao Senado a competência para julgar algumas autoridades por crime de responsabilidade).

Competência é o limite da jurisdição.

1.1. Tribunais Superiores

Os órgãos do Poder Judiciário são aqueles relacionados nos artigos 92 e 92-A da Constituição Federal, sendo que o Supremo Tribunal Federal, os demais Tribunais Superiores (STJ, TSE, TST e STM) e o Conselho Nacional de Justiça têm sede na capital federal. O Supremo Tribunal Federal e os demais tribunais superiores têm jurisdição em todo o território nacional.

1.2. Garantias do Poder Judiciário

As garantias institucionais do Poder Judiciário, regras que visam a preservar sua independência, costumam ser divididas em garantia de autonomia administrativa e garantia de autonomia financeira.

A garantia de autonomia administrativa visa permitir ao Judiciário sua auto-organização, sendo de competência privativa dos tribunais a elaboração de seus regimentos internos, a eleição de seus órgãos diretivos, a organização de suas secretarias e serviços auxiliares, o provimento dos cargos de Juiz de Carreira (a nomeação pelo Chefe do Executivo é excepcional e deve estar expressamente prevista na Constituição Federal, a exemplo da nomeação dos integrantes do quinto constitucional e dos ministros do Supremo Tribunal Federal), propor a

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criação de novas Varas Judiciárias, prover os cargos necessários à administração da Justiça (dependendo da sua disponibilidade orçamentária) e conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e servidores.

De acordo com a Emenda Constitucional 45/2004 o Conselho Nacional de Justiça é órgão do Poder Judiciário que, dentre outras atribuições, controlará a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, além do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, desembargadores e Ministros dos Tribunais Superiores.

Também compete privativamente aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, dentro das normas orçamentárias (artigo 169 da Constituição Federal), a alteração do número de membros dos Tribunais, a criação e a extinção de cargos de juízes e serviços auxiliares e a criação ou a extinção dos Tribunais Inferiores.

A garantia de autonomia financeira está prevista nos artigos 99, § 1.º, e 168, ambos da Constituição Federal. Dentro dos limites estipulados, conjuntamente com os demais poderes na Lei das Diretrizes Orçamentárias, cada Tribunal elabora sua proposta orçamentária, sendo que a dotação aprovada pelo Poder Legislativo deve ser repassada até o dia 20 de cada mês, em duodécimos (artigo 168 da Constituição Federal).

Se os Tribunais referidos no § 2º do artigo 99 da Constituição Federal não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º daquele artigo.

A Emenda Constitucional 45/2004 estipula que, se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º do artigo 99, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. Observo, porém, que a previsão pode esbarrar na cláusula pétrea da separação dos poderes. Em discussão semelhante o § 3º do artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, que autorizava o Poder Executivo a suprir eventuais omissões dos demais poderes ou do Ministério Público na efetivação do contingenciamento (congelamento de despesas), está suspenso por força de medida liminar concedida na ADIn n. 2.238-5, de 22-2-2001 (DOU, de 21-5-2002), pois teria afrontado o princípio da separação dos poderes e da autonomia do Ministério Público.

Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. Caso não opere os cortes necessários, o omisso poderá sofrer até mesmo as sanções

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criminais previstas na Lei n. 10.028/2000, que deu a atual redação do artigo 359 do Código Penal e dos artigos 10, 39-A, 40-A e 41-A da Lei n. 1.079/50. Não cabe ao Poder Executivo, contudo, tutelar os gastos dos demais poderes e do Ministério Público.

A Emenda Constitucional 45/2004 também estabelece que as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da Resolução 196, tentou dar aplicabilidade imediata à nova regra, porém seu ato foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal em liminar concedida na ADIN 3401.

Fundada nos artigos 163 e 169 da Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00) estabelece normas destinadas à gestão fiscal dos três poderes e aplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. A nova lei limita os gastos com pessoal da União a 50% da receita líquida. Para os Estados e Municípios esse limite é de 60% .

De acordo com o artigo 20 da Lei Complementar n. 101/00 (dispositivo questionado em diversas ações diretas de inconstitucionalidade, que apontam violação do Princípio Federativo – já que Estados, Distrito Federal e Municípios ficam sujeitos a metas estabelecidas pela União – e do Princípio da Separação dos Poderes), as cotas são distribuídas nas seguintes proporções:

Na esfera federal:

– 2,5% para o Poder Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União;

– 6,0% para o Poder Judiciário;

– 40,9% para o Poder Executivo;

– 0,6% para o Ministério Público da União.

Na esfera estadual:

– 3% para o Poder Legislativo, incluído o Tribunal de Contas;

– 6% para o Poder Judiciário;

– 49% para o Poder Executivo;

– 2% para o Ministério Público dos Estados.

Na esfera municipal:

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– 6% para o Poder Legislativo (incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver);

– 54% para o Poder Executivo.

Por seis votos contra cinco, o Supremo Tribunal Federal não concedeu a

liminar que visava à suspensão do artigo 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal

(ADIn n. 2.238/00).

O descumprimento das metas pode acarretar a suspensão dos repasses e a

punição dos responsáveis com base no Código Penal, nas Leis ns. 8.249/92 e

1.079/50 e no Decreto-lei n. 201/67, normas acrescidas de novas tipificações

pela Lei n. 10.028, de 19.10.2000.

Em relação aos crimes previstos no artigo 10 da Lei n. 1.079/50 (Crimes contra a Lei Orçamentária e contra a atual Lei de Responsabilidade Fiscal), também os Presidentes de Tribunais, os Juízes Diretores de Fórum, o Advogado Geral da União e os Procuradores Gerais de Justiça e do Estado estão sujeitos a julgamento por crime de responsabilidade.

No âmbito federal, quem encaminha as propostas orçamentárias, ouvidos outros Tribunais interessados (Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Eleitorais), são os Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais Superiores.

Quanto aos Estados e ao Distrito Federal, quem encaminha a proposta é o Presidente do Tribunal de Justiça, também com a aprovação dos demais tribunais estaduais interessados, onde houver (Tribunal Militar).

O controle externo das verbas do Poder Judiciário é feito pelo Tribunal de Contas.

1.2.1. Garantias dos membros do Poder Judiciário

A aplicação das normas aos casos concretos e a salvaguarda dos direitos individuais e coletivos muitas vezes exigem decisões contrárias a grandes forças econômicas, políticas ou de algum dos Poderes, havendo por isso a necessidade de órgãos independentes para a aplicação das leis (sistema de freios e contrapesos). Portanto, ao lado das funções de legislar e administrar, o Estado exerce a função jurisdicional típica por um Poder independente, que é o Judiciário.

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O exercício das funções jurisdicionais de forma independente exige algumas garantias atribuídas ao Poder Judiciário como um todo, e outras garantias aos membros desse Poder (os magistrados).

As garantias dos juízes são prerrogativas funcionais, e não privilégios pessoais, sendo, portanto, irrenunciáveis:

a) Vitaliciedade

Em primeiro grau, é adquirida após dois anos de exercício.

Nos casos de nomeação direta para os tribunais (a exemplo do provimento de cargos pelo quinto constitucional ou dos cargos dos Tribunais Superiores), a vitaliciedade é garantida desde a posse.

Durante os dois primeiros anos, a perda do cargo dá-se por deliberação da maioria qualificada de 2/3 dos membros do tribunal (ou do órgão especial) a que o juiz estiver vinculado, garantida a ampla defesa.

Após esse período, o Juiz de Carreira é vitaliciado, e a perda do cargo passa a depender de sentença judicial transitada em julgado. Exceção aos ministros do Supremo Tribunal Federal, sujeitos a processo de impeachment perante o Senado Federal.

Antes da Emenda Constitucional 45/2004, o inciso VIII do artigo 93 da Constituição Federal estabelecia que “o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do Magistrado, por interesse público, fundar-se á em decisão por voto de dois terços do respectivo Tribunal, assegurada ampla defesa”. Atualmente o inciso VIII do artigo 93 da Constituição Federal estabelece que “o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do Magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa”. Assim, embora não tenha competência para sancionar um Magistrado com a perda do seu cargo, o Conselho Nacional de Justiça, pelo voto da maioria absoluta dos seus integrantes (mais da metade de todos), pode impor-lhe a remoção compulsória, a disponibilidade, a aposentadoria compulsória, com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço, bem como lhe aplicar outras sanções administrativas, a exemplo da advertência e da censura (artigo 103-B, § 4º, inciso III, da Constituição Federal).

O Conselho Nacional de Justiça também pode avocar processos disciplinares em curso nos tribunais e rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares contra juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano (artigo 103-B, § 4º, incisos III e V da Constituição Federal).

Para José Afonso da Silva (posição minoritária), a disponibilidade somente pode ser decretada pelo Tribunal Pleno (e não pelo Órgão Especial, onde houver), e durante sua incidência os subsídios serão integrais.

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Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído Órgão Especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do Tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo Tribunal pleno.

A Emenda Constitucional 45/2004 manteve a facultatividade quanto à criação (ou manutenção) do Órgão Especial nos Tribunais, porém estabeleceu que suas atribuições administrativas e jurisdicionais são as delegadas da competência do Tribunal pleno e que metade das suas vagas serão providas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo Tribunal pleno. Antes o Órgão Especial detinha todas as competências do pleno (composto pela totalidade dos membros do Tribunal) e era composto apenas pelo critério da antiguidade.

O Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu artigo 298, estabelece que compete ao órgão especial dispor sobre a perda do cargo, a disponibilidade, a remoção compulsória ou a aposentadoria compulsória de magistrado de primeira instância.

Na sessão que deliberar pela instauração do processo, o Pleno do Tribunal (ou o Órgão Especial, onde houver) poderá afastar o magistrado do exercício de suas funções (espécie de suspensão preventiva), sem prejuízo dos vencimentos e demais vantagens do cargo (§ 3.º do artigo 27 da Lei Complementar n. 35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional), até a decisão final.

b) Inamovibilidade

Pela inamovibilidade, o juiz titular somente deixa sua sede de atividades (por remoção ou promoção) voluntariamente. Como exceção temos a remoção compulsória, por motivo de interesse público.

Antes da Emenda Constitucional 45 o ato de remoção do Magistrado, por interesse público (que pode inclusive ser decorrente de falta do Magistrado, conforme consta do artigo 42, inciso III, da LC 35/79), dependia de voto de dois terços dos membros do Tribunal ao qual estava vinculado. Agora a remoção pode ser imposta quando houver interesse público neste sentido reconhecido pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada a ampla defesa.

As penas mais brandas (advertência ou censura), no Estado de São Paulo, são de competência do Conselho Superior da Magistratura, órgão dirigente do Tribunal e que é composto pelo Presidente, 1.º Vice-Presidente e Corregedor Geral da Justiça do Estado. Da decisão cabe recurso administrativo, no prazo de dez dias, para o Órgão Especial.

O magistrado da Justiça Militar pode ser obrigado a exercer suas funções nos locais para onde as tropas forem deslocadas, em exceção à inamovibilidade.

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c) Irredutibilidade de subsídios

Garantia estendida a todos os servidores públicos civis e militares pelo artigo 37, inciso XV, da Constituição Federal. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, trata-se de irredutibilidade meramente nominal, inexistindo direito à automática reposição do valor corroído pela inflação.

Todos os magistrados estão sujeitos ao pagamento dos impostos legalmente instituídos.

1.2.2. Restrições impostas aos magistrados (artigo 95, parágrafo único, da Constituição Federal)

A garantia pública da imparcialidade dos juízes aparece sob as seguintes vedações:

exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, exceto a de magistério;

receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

dedicar-se à atividade política partidária;

receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

exercer advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração;

exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, salvo como cotista ou acionista (artigo 36 da Lei Complementar n. 35/79);

exercer cargo diretivo ou técnico de associação ou fundação (salvo as da classe, e sem remuneração);

manifestar, pelos meios de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo de outra decisão, ressalvada a crítica nos autos, em obra técnica ou na função do magistério.

Verifica-se, portanto, que mesmo antes do debate sobre a “lei da mordaça” (projeto que tramita no Congresso Nacional impondo restrições às informações que podem ser transmitidas pelos magistrados, membros do Ministério Público e Delegados de Polícia), os membros do Poder Judiciário já estavam sujeitos a restrições quanto às suas manifestações.

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O juiz titular deve residir na respectiva comarca, salvo autorização do Tribunal.

Princípio máximo da imparcialidade, no entanto, é o da Inércia – a Justiça só deve agir quando provocada (nemo iudex sine actore, não há juiz sem autor).

Quanto ao controle externo do Poder Judiciário, relembramos que em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal afastou normas que implantavam conselhos compostos por pessoas que não integravam o próprio Poder Judiciário ou que permitiam ao Poder Executivo interferir no autogoverno da Magistratura, por ofensa ao princípio da Separação dos Poderes (ADIn n. 135/PB, ADIn n. 137-0/PA e ADIn n. 202-3/BA).

1.3. Princípios Básicos da Magistratura e do Poder Judiciário

A Constituição Federal traça os princípios básicos da Magistratura e do Poder

Judiciário, garantindo a este a denominada autonomia administrativa. Entre os

princípios básicos de independência, merecem destaque os a seguir expostos.

1.3.1. Ingresso na carreira

O cargo inicial é de juiz substituto, preenchido após a aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em todas as sua fases.

Para ministro do Supremo Tribunal Federal e para os dez militares de carreira do Superior Tribunal Militar (oficiais das Forças Armadas), exige-se a condição de brasileiro nato; para os demais cargos do Judiciário, admite-se o acesso a brasileiro nato ou naturalizado.

As principais exceções aos concursos de provas e títulos são:

o quinto constitucional (artigo 94 da Constituição Federal);

a nomeação para o Supremo Tribunal Federal (artigo 101 da Constituição Federal);

a nomeação para os cargos de ministros dos Tribunais Superiores;

os advogados e membros do Ministério Público que compõem os Tribunais do Trabalho.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 estabelece que para participar do concurso de ingresso na Magistratura ou no Ministério Público o bacharel em direito deve comprovar, no mínimo três anos de atividade jurídica. Entendo que a

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norma é de eficácia limitada e depende de regulamentação, a exemplo do que conclui o Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça em sessão realizada na cidade de Aracaju entre os dias 03 e 05 de dezembro de 2004, pois atividade jurídica não é só atividade privativa da advocacia, esta sim já definida pelo art. 1º da Lei 8.906/94. Ver nesse sentido ótimo artigo do Professor Hugo Nigro Mazzilli no Boletim Phoenix – Órgão Informativo do Complexo Jurídico Damásio de Jesus – fevereiro de 2005.

1.3.2. Quinto constitucional

O quinto constitucional (artigo 94 da Constituição Federal) é o critério

segundo o qual um quinto (1/5) dos lugares dos Tribunais Regionais Federais,

dos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios é composto

por membros do Ministério Público, com mais de dez anos de carreira, e por

advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez

anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos

de representação da respectiva classe.

Recebida a lista sêxtupla, o Tribunal formará uma lista tríplice, enviando-a ao

Chefe do Executivo. Em 20 dias o Chefe do Executivo fará a nomeação de um

dos indicados (é uma exceção à autonomia administrativa do Poder

Judiciário).

No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, a lista sêxtupla é elaborada pela

OAB Federal, enquanto para os Tribunais Estaduais, a lista é elaborada pela

respectiva seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Quanto aos membros do Ministério Público, para os Tribunais Regionais

Federais, a lista sêxtupla é elaborada ou pelo Colégio de Procuradores ou pelo

Conselho Superior do Ministério Público (artigos 53, incisos I e II, e 162,

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incisos III e V, todos da Lei Complementar n. 75/93). Para os Tribunais

Estaduais, a lista é elaborada pelo Conselho Superior do Ministério Público do

Estado.

Caso haja necessidade de arredondamento (Tribunais com número de

integrantes que não seja múltiplo de cinco), o Supremo Tribunal Federal

deliberou que este será feito para cima (em benefício daqueles que não

integram a carreira da Magistratura), pois o que a Constituição Federal garante

é a reserva da quinta parte desses Tribunais aos membros da Advocacia e do

Ministério Público, não existindo garantia de 4/5 para os juízes de carreira.

1.3.3. O sistema de administração, promoções, vencimentos e aposentadorias

A carreira da Magistratura prevê a promoção de entrância para entrância (juiz substituto, primeira, segunda e terceira entrância, e entrância especial – é assim, por exemplo, a divisão da primeira instância em São Paulo, na Justiça Estadual), alternadamente, por antiguidade e merecimento.

É obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas na lista de merecimento (são as denominadas indicações).

A aferição do merecimento deve observar o desempenho e os critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e a freqüência e o aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento; o magistrado deve contar com dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar a quinta parte da lista de antiguidade, salvo se ninguém preencher tais requisitos.

Na promoção por antiguidade, o Tribunal somente pode recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de 2/3 dos seus membros.

O acesso aos Tribunais Estaduais, à segunda instância, também se dá por antiguidade e merecimento, alternadamente (exceção é o quinto constitucional).

São previstos cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento de magistrados como requisito de ingresso e promoção na carreira (em São Paulo existe a Escola Paulista de Magistratura).

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São garantidos subsídios com diferença não superior a 10% de entrância para entrância, observados como teto os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A aposentadoria é compulsória aos 70 anos de idade ou em decorrência da invalidez.

Os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, e todas as decisões devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Pode a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal).

1.4. Organização da Justiça Brasileira

1.4.1. Justiça Federal e Justiça Estadual

Em regra, nos Estados Federais, a organização da Justiça costuma observar uma bifurcação, coexistindo órgãos federais e órgãos estaduais.

No Brasil há a Justiça Federal Comum, cuja competência está especificada no artigo 109 da Constituição Federal, respeitada a competência da Justiça Federal Especializada (militar, eleitoral, trabalhista).

Da mesma forma, temos a Justiça Estadual Comum, formada por órgãos judiciários integrados no ordenamento dos Estados-membros.

A Justiça Especializada é aquela incumbida da prestação jurisdicional em determinadas matérias, seja Federal (Justiça Militar Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral), seja Estadual (Justiça Militar Estadual).

A Justiça Especial não se confunde com a Justiça de Exceção (vedada pelo artigo 5.º, inciso XXXVII, da Constituição Federal).

A Justiça Especial é permanente e orgânica, aplicando a lei em todos os casos que envolvam determinadas matérias ou determinadas pessoas.

A Justiça de Exceção é transitória e arbitrária, aplicando a lei somente em determinados casos concretos. O órgão julgador, via de regra, é criado após a ocorrência do fato que julgará.

1.5. Justiça Federal

A Justiça Federal divide-se em Justiça Federal Comum, Justiça Militar Federal, Justiça Eleitoral e Justiça do Trabalho.

A competência da Justiça Federal Comum, normalmente exercida pelos juízes federais, pode ser fixada em razão da pessoa (causas em que a União, suas

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entidades autárquicas, fundações públicas e empresas públicas são interessadas, excetuadas as causas relativas à falência, acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral, à Justiça do Trabalho e à Justiça Militar), ou em razão da matéria (crimes previstos em tratados ou convenções internacionais, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; os crimes contra a organização do trabalho, crimes cometidos a bordo de navio ou aeronave; as causas que discutam a validade de tratado internacional ou contrato da União com outro país; a disputa sobre direitos indígenas etc.).

O § 3. do artigo 109 da Constituição Federal trata da competência dos juízes federais e prevê a possibilidade de juízes estaduais exercerem a competência federal, nos casos previstos em lei.

As contravenções penais, ainda que praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, serão julgadas pela Justiça Comum Estadual, nos termos da Súmula n. 38 do Superior Tribunal de Justiça e artigo 109, inciso IV, Constituição Federal.

Quanto ao inciso X do artigo 109 da Constituição Federal, há que se observar que o exequatur em carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira competem ao Superior Tribunal de Justiça (artigo 105. inciso i, da Constituição Federal), só competindo ao juiz federal a execução dos julgados.

O exequatur, espécie de autorização (precedida da possibilidade de impugnação pelo interessado residente no Brasil e de manifestação do Procurador Geral da República) para o cumprimento da carta rogatória no Brasil, é concedido pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça após a verificação de que a carta rogatória é autêntica e não atenta contra a ordem pública ou a soberania nacional.

Tanto para a homologação da sentença estrangeira quanto para a concessão de exequatur, o Brasil adota o “sistema de controle limitado”, também chamado “delibação”, segundo o qual o julgado estrangeiro é submetido a um controle delimitado a pontos específicos. A homologação pode ser total ou parcial.

A matéria está disciplinada na Constituição Federal, no artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil (parcialmente derrogado pelos artigos 483 e 484 do Código de Processo Civil) e nos artigos 215 e 224 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

A súmula n. 420 do Supremo Tribunal Federal dispõe que não se homologa sentença proferida no estrangeiro, sem prova do seu trânsito em julgado.

Os títulos extrajudiciais estrangeiros podem ser executados sem a homologação do Superior Tribunal de Justiça, observado o §2º do artigo 585 do

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Código de Processo Civil, e desde que nosso País seja indicado como local do cumprimento da obrigação (RTJ 111/782).

Caso uma comarca não seja sede da Justiça Federal, a lei poderá permitir que causas de competência da Justiça Federal sejam processadas e julgadas pela Justiça Estadual, com recurso para o Tribunal Regional Federal da área de jurisdição do juiz de primeiro grau.

Também são processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro de domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem partes instituição da previdência social e segurado, sempre que a comarca não for sede de vara federal (artigo 109, § 3 .º, da Constituição Federal). O recurso é dirigido ao Tribunal Regional Federal (RSTJ 28/40).

Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidentes do trabalho contra o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com recurso dirigido ao Tribunal Estadual competente (Súmula n. 15 do Superior Tribunal de Justiça; artigo 109, inciso I, da Constituição Federal e artigo 108, inciso III, alínea “c”, da Lei Complementar n. 35/79), ainda que a comarca tenha sede da Justiça Federal.

1.5.1. Tribunais Regionais Federais

Os Tribunais Regionais Federais, que são órgãos da Justiça Federal Comum, têm por competência julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área da sua jurisdição.

Por competência originária, os Tribunais Regionais Federais processam e julgam os casos especificados no artigo 108, inciso I, da Constituição Federal.

Os Tribunais Regionais Federais são compostos de no mínimo sete juízes, sempre que possível recrutados na região de atuação do Tribunal, nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de 30 e menos de 65 anos de idade – observado o quinto constitucional (artigo 94 da Constituição Federal) e os critérios de merecimento e antiguidade, alternadamente, quanto aos juízes de carreira com mais de cinco anos de exercício.

Existem cinco Tribunais Regionais Federais, nos termos do artigo 27, § 6.º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

1.6. Tribunais e Juízes do Trabalho

Desde a Emenda Constitucional n. 24 não há previsão de novos juízes

classistas para as Juntas Trabalhistas, agora denominadas Varas, ou para os

Tribunais Trabalhistas.

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Os juízes classistas que remanesceram atuaram até o término dos seus

mandatos, e, cessado o mandato de um (empregador ou empregado), o outro

deixava de atuar (sem prejuízo dos subsídios até terminar o seu mandato).

Anteriormente à Emenda Constitucional n. 24, as Juntas de Conciliação e

Julgamento (hoje Varas do Trabalho) eram compostas por um Juiz do

Trabalho (juiz concursado e togado), que a presidia, e por dois juízes classistas

(vogais), sendo um representante dos empregadores e outro dos empregados

(princípio da representação em base paritária, de empregadores e empregados,

em todas as instâncias).

Os vogais das Juntas e seus suplentes, até a Emenda Constitucional n. 24/99,

eram nomeados pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho respectivo,

de acordo com as listas tríplices que eram encaminhadas pelos sindicatos de

empregados e empregadores com base territorial na área da junta a ser provida.

A mesa apuradora da eleição sindical era presidida por um membro do

Ministério Público do Trabalho ou outra pessoa idônea designada pelo

Procurador Geral da Justiça do Trabalho.

Para constar da lista tríplice, o candidato deveria ser brasileiro, ter reconhecida

idoneidade moral, mais de 25 e menos de 70 anos de idade, estar no gozo dos

direitos civis e políticos, estar quite com o serviço militar, contar com mais de

dois anos de efetivo exercício da profissão e ser sindicalizado (era o sindicato

quem atestava os dois últimos requisitos). Ao contrário do juiz-presidente

(togado), o vogal não precisava ser bacharel em direito.

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O mandato do vogal era de três anos, admitida uma recondução por igual

período.

A gratificação, normalmente, correspondia a 2/3 dos vencimentos dos juízes

togados.

O juiz classista tinha como função formular perguntas e votar nos

julgamentos.

A única presença indispensável nos julgamentos era a do juiz-presidente. Vale

dizer: ainda que os dois vogais faltassem na sessão, o julgamento era feito pelo

juiz togado.

Em caso de empate (se comparecesse apenas um vogal na sessão), prevalecia o

voto do juiz-presidente.

Nas regiões onde não havia Juntas Trabalhistas, os julgamentos eram feitos

pelos Juízes de Direito, com recurso para o Tribunal Regional do Trabalho. A

regra subsiste para as regiões que não dispõem de Varas Trabalhistas (artigo

112 da Constituição Federal).

Os classistas do Tribunal Superior do Trabalho eram nomeados pelo

Presidente da República.

A Justiça do Trabalho, atualmente, é composta dos seguintes órgãos:

Tribunal Superior do Trabalho;

Tribunal Regional do Trabalho;

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Juízes do Trabalho.

Quanto aos advogados e membros do Ministério Público que integram os Tribunais do Trabalho, devem ser observados os requisitos previstos no artigo 94 da Constituição Federal.

A arbitragem é facultativa, e não obrigatória, nos termos do artigo 114 e parágrafos da Constituição Federal.

De acordo com o inciso VIII, do artigo 114 da Constituição Federal compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no artigo 195, incisos I, alínea “a”, e inciso II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Por fim há que se observar que compete à Justiça do Trabalho processar e

julgar demanda promovida por servidor público contratado pelo regime da

Consolidação das Leis do Trabalho. Após a Emenda Constitucional 45/2004

surgiu polêmica quanto à competência para julgar causas de servidor público

vinculado à administração pública por relação estatutária. Antes da Emenda

Constitucional nº 45, por meio da Súmula 137 o Superior Tribunal de Justiça

orientava que “Compete a Justiça Comum Estadual processar e julgar ação de

servidor público municipal, pleiteando direitos relativos ao vínculo estatutário”.

A Súmula 218 do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, orientava que

“Compete à Justiça dos Estados processar e julgar ação de servidor estadual

decorrente de direitos e vantagens estatutárias no exercício de cargo em

comissão”.

As orientações sumuladas devem subsistir em relação aos Estados e Municípios, pois o deslocamento das questões trabalhistas pertinentes aos servidores ocupantes de cargos públicos para a Justiça Federal exigiria daquela a interpretação de leis estaduais e violaria o princípio federativo. Ademais, em relação aos servidores da União, há liminar do Supremo Tribunal Federal, posterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 (ADIN 3395), no sentido de que as causas instauradas entre o poder público e servidores a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, continuam sob a competência da justiça comum federal.

1.7. Tribunais e Juízes Eleitorais

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A Justiça Eleitoral, de natureza federal, é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelos Tribunais Regionais Eleitorais, pelos Juízes Eleitorais e pelas Juntas Eleitorais.

Os Tribunais Regionais Eleitorais são compostos por sete membros. Dois são escolhidos dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado, dois entre Juízes de Direito, um do Tribunal Regional Federal da região respectiva e os dois advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral indicados pelo Tribunal de Justiça dos Estados-membros ou do Distrito Federal em lista sêxtupla, nomeados pelo Presidente da República (artigo 120 da Constituição Federal).

O Tribunal Superior Eleitoral é composto por, no mínimo (previsão inexistente em relação aos TREs), sete ministros. Três são escolhidos dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal, mediante eleição secreta entre os próprios membros da Corte, dois são escolhidos dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, mediante eleição secreta entre seus próprios pares, e dois são nomeados pelo Presidente da República dentre advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal em lista sêxtupla.

Salvo motivo justificado, os juízes dos Tribunais Eleitorais servirão por no mínimo dois anos, e nunca por mais de dois biênios consecutivos (quatro anos).

As funções de Juiz Eleitoral são exercidas pelos Juízes de Direito da Justiça Estadual Comum, conforme designação do Tribunal Regional Eleitoral respectivo (artigos 32 a 35 do Código Eleitoral – Lei n. 4.737/65).

As Juntas Eleitorais são presididas por um Juiz de Direito (seja ou não juiz eleitoral) e por dois ou quatro cidadãos de notória idoneidade. À junta eleitoral compete apurar as eleições, resolver as impugnações e incidentes verificados durante a apuração, expedir os boletins de apuração e o diploma aos eleitos para cargos municipais.

Das decisões do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral somente cabe recurso nas hipóteses especificadas na Constituição Federal.

Em primeiro grau, as funções (como parte ou custus legis, nos termos do artigo 127 da Constituição Federal) do Ministério Público eleitoral são exercidas pelos membros do Ministério Público estadual designados pelo Procurador Geral de Justiça no Estado (artigo 73 da Lei n. 8.625/93 e artigo 72 da Lei Complementar n. 75/93).

Junto aos Tribunais Regionais Eleitorais atuam os Procuradores da República designados pelo Procurador Geral da República. Junto ao Tribunal Superior Eleitoral atua o Procurador Geral da República ou seus substitutos legais.

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Compete ao Tribunal Regional Eleitoral o julgamento dos crimes praticados pelos Juízes Eleitorais de primeiro grau (artigo 29, alínea “d”, do Código Eleitoral).

1.7.1. Recursos em matéria eleitoral

Não havendo previsão legal em sentido contrário, os recursos em matéria eleitoral devem ser interpostos no prazo de três dias, conforme prevê o artigo 258 do Código Eleitoral. Para a apelação criminal eleitoral o prazo é de dez dias, nos termos do artigo 362 do mesmo Código. Da decisão sobre o exercício de direito de resposta cabe recursos às instâncias superiores em 24 horas (§ 5.º do artigo 58 da Lei n. 9.504/97, a denominada Lei Geral das Eleições).

Os principais recursos estão previstos no artigo 102, inciso II, alínea “a”, e inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, nos §§ 3.º e 4.º do artigo 121 da Constituição Federal, nos artigos 257 a 282 do Código Eleitoral, nos artigos 8.º e 11 da Lei Complementar n. 64/90 e no § 5.º do artigo 58 da Lei n. 9.504/97.

1.7.2. Crimes eleitorais

Os crimes eleitorais são apurados mediante ação penal pública incondicionada (artigo 355 do Código Eleitoral), e o prazo para o oferecimento da denúncia, esteja o acusado preso ou solto, é de dez dias.

Não há previsão de interrogatório, o qual poderá ser facultado pelo juiz eleitoral ao acusado. Recebida a denúncia, o acusado é citado para contestar em dez dias, seguindo-se com a coleta dos depoimentos das testemunhas e as alegações finais (artigos 355 a 364 do Código Eleitoral).

1.8. Tribunais e Juízes Militares

São órgãos da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares.

O Superior Tribunal Militar é composto por 15 ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal.

Dez dos ministros são militares da ativa, sendo três oficiais-generais da Marinha, três oficiais-generais da Aeronáutica e quatro oficiais-generais do Exército.

Cinco ministros são civis escolhidos dentre os brasileiros maiores de 35 anos, sendo três entre advogados de notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional (como se exige para o

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quinto constitucional), e dois por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público Militar.

Mediante proposta do Tribunal de Justiça dos Estados-membros, a lei estadual pode criar a Justiça Estadual Militar, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da Polícia Militar for superior a 20 mil integrantes.

À Justiça Militar Estadual compete processar e julgar os militares dos estados nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil. Portanto, foi constitucionalizada a previsão de que é do tribunal do júri a competência para julgar crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil, regra antes prevista na Lei 9.299/96. A investigação, contudo, continua sob os cuidados das autoridades militares (artigo 144, § 4º, da Constituição Federal).

De acordo com a atual redação do parágrafo 5º do artigo 125 da Constituição Federal, é da competência dos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, competindo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares previstos em lei, sejam eles praticados por integrantes das Forças Armadas Federais, sejam eles praticados por policiais e bombeiros militares dos Estados-membros.

Sua competência natural concerne aos crimes militares, cuja caracterização é controvertida. Regra geral, três são as condições para que se defina a competência da Justiça Militar:

a qualidade de militar do autor do crime;

que o fato, o ato ou a omissão estejam capitulados na lei penal militar; e

que esteja presente uma das situações previstas no artigo 9.º do Código Penal Militar (Decreto-lei n. 1.001/69).

Artigo 9.º do Decreto-lei n. 1.001/69: “Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

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II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão

de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à

administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;*

* Alínea “c” com redação dada pela Lei n. 9.299, de 7.8.1996 (DOU de 08.8.1996, em vigor desde a publicação).

d) por militar durante o período de manobras, ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) Revogada pela Lei n. 9.299, de 7.8.1996, previa a competência da Justiça Militar pelo simples fato de o crime ser cometido com o uso de uniforme ou arma da corporação.

III – os crimes praticados por militar da reserva ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito a administração militar, contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função da natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

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Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.*

* Parágrafo acrescido pela Lei n. 9.299, de 7.8.1996 (DOU de 8.8.1996, em vigor desde a publicação)”. Texto extraído do LIS Saraiva, edição 44.

A legislação militar não prevê os crimes de abuso de poder ou de abuso de autoridade, que por isso são julgados pela Justiça Comum.

Súmula n. 172 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.

Acredita-se que, diante da revogação da alínea “f” do inciso I do artigo 9.º do Código Penal Militar, restou superada a Súmula n. 47 do Superior Tribunal de Justiça, do seguinte teor: “Compete à Justiça Militar processar e julgar crime cometido por militar contra civil, com emprego de arma pertencente à corporação, mesmo não estando em serviço”.

Determina a Súmula n. 30 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Conexos os crimes praticados por policial militar e por civil, ou acusados estes como co-autores de uma mesma infração, compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar pelo crime militar e a Justiça Comum o civil”.

Caso um militar, no mesmo contexto, pratique um delito não tipificado na lei penal militar e um delito tipificado como crime militar, haverá a separação dos processos. À Justiça Militar caberá processar e julgar o crime militar, enquanto à Justiça Comum caberá processar e julgar o crime não tipificado como militar (alguns crimes estão tipificados nas leis penais comuns e nas leis penais militares, outros; porém, somente estão previstos em uma das leis).

Não cabe habeas corpus com relação ao mérito das punições disciplinares militares (artigo 142, § 2.º, da Constituição Federal). Aspectos de estrita legalidade, porém, estão sujeitos ao remédio constitucional.

Quanto aos crimes de civis contra instituições militares, entende-se derrogado o artigo 82 do Código de Processo Penal Militar, que estabelecia a competência da Justiça Militar, merecendo destaque a Súmula n. 53 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”.

Súmula n. 192 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual”.

Em São Paulo, a Justiça Militar também está disciplinada nos artigos 80 a 82 da Constituição Estadual.

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1.9. Justiça Comum Estadual

A lei de organização judiciária de cada Estado-membro é de iniciativa do

respectivo Tribunal de Justiça. A competência dos Tribunais Estaduais é

definida nas respectivas Constituições Estaduais, conforme autoriza o artigo

125, § 1.º, da Constituição Federal.

À Justiça Comum Estadual atribui-se a competência residual. Compete-lhe o julgamento de todos os litígios que não forem expressamente atribuídos, pela Constituição Federal, a outros ramos do Poder Judiciário.

O artigo 126 da Constituição Federal estabelece que o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.

Todas as contravenções penais são processadas e julgadas pela Justiça Comum Estadual, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal e da Súmula n. 38 do Superior Tribunal de Justiça.

Compete ao Tribunal de Justiça o julgamento dos juízes estaduais e dos membros do Ministério Público Estadual, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

1.10. Juizados de Pequenas Causas, Juizados Especiais Cíveis e Juizados Especiais Criminais

Os artigos 24, inciso X, e 98, inciso I, ambos da Constituição Federal, tratam dos Juizados de Pequenas Causas e dos Juizados Especiais Cíveis.

Arruda Alvim leciona que “os artigos 24, inc. X, e 98, inc. I, ambos da Constituição Federal, indicam duas realidades distintas. Através do artigo 24, inc. X, citado, verifica-se que o legislador constitucional assumiu a existência dos Juizados de Pequenas Causas; já tendo em vista o disposto no artigo 98, inc. I, citado, constata-se que, nesta hipótese, refere-se o texto a causas cíveis de menor complexidade. Estas, como se percebe, não são aquelas (ou, ao menos, não devem ser aquelas) que dizem respeito ao Juizado de Pequenas Causas.

A menor complexidade da causa, para a fixação da competência dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material. Observe-se, porém, que no âmbito dos Juizados Federais consolida-se o entendimento de que a complexidade fática ou jurídica da causa não é, do ponto de vista constitucional, critério norteador da competência. Argumenta-se, inclusive, que o artigo 3º, § 1º, da Lei n. 10.259/2001, ao

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contrário do que fez a Lei n. 9.099/95, optou por definir as causas de maior complexidade, arrolando todas as hipóteses de exclusão da competência nos incisos I, II, III e IV. Não estando o caso concreto enquadrado em nenhum daqueles incisos, e sendo o valor da causa igual ou inferior a sessenta salários-mínimos, a competência é dos juizados especiais federais.

Pela Lei n. 9.841/99, já regulamentada pelo Decreto n. 3.474/00, além das pessoas físicas capazes, maiores de 18 anos, também as microempresas estão autorizadas a figurar como autoras nos Juizados Especiais Cíveis.

A criação de Juizados Especiais no âmbito federal, prevista no parágrafo primeiro do artigo 98 da Constituição Federal, foi regulamentada pela Lei n. 10.259, de 12.7. 2001.

A competência dos Juizados Especiais Criminais está adstrita às infrações penais de menor potencial ofensivo.

Infrações penais de menor potencial ofensivo são aquelas expressamente previstas na Lei n. 9.099/95 ou em leis especiais (por exemplo, as contravenções penais, qualquer que seja a pena, e ainda que previsto procedimento especial para o seu processamento) e os crimes (previstos no Código Penal ou nas leis extravagantes) a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (pena de reclusão ou de detenção). Excetuam-se os casos evidentemente complexos e os crimes cujo processo siga rito especial.

Leciona o Prof. Damásio de Jesus que o parágrafo único do artigo 2.º da Lei n. 10. 259/01 derrogou o artigo 61 da Lei n. 9.099/95 (que estabelecia ser de menor potencial ofensivo a infração cuja pena máxima cominada era de até um ano), pois do contrário seriam afrontados os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade (Informativo Phoenix 22 – Complexo Jurídico Damásio de Jesus – agosto de 2001)

De acordo com o Enunciado n. 46 do Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, “a Lei n. 10.259/01 ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais dos Estados e do Distrito Federal para os crimes com pena máxima cominada até dois anos, excetuados aqueles sujeitos a procedimento especial”.

As teses, porém, ainda encontram resistência, sendo que parte da doutrina sustenta que a regra dos dois anos não se aplica às infrações de competência da Justiça Estadual.

Aos crimes previstos no Estatuto do Idoso, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos, aplica-se o procedimento previsto na lei n. 9.099/95 e, apenas subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal ( artigo 94 da Lei n. 10.741/03).

“Todas as contravenções penais são da competência do Juizado.

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As restrições quanto à pena máxima não superior a um ano e ao procedimento especial só atingem os crimes, não se aplicando a esta espécie de infração que, pela sua própria natureza, deve ser sempre considerada de menor potencial ofensivo.” 1

Há, contudo, inúmeras controvérsias jurisprudenciais sobre a competência dos Juizados Criminais em relação às contravenções, cuja lei respectiva prevê procedimento especial, conforme destaca o livro A Lei dos Juizados Especiais Criminais na Jurisprudência2.

1.11. Justiça de Paz (artigo 98, inciso II, da Constituição Federal)

A Justiça de Paz, remunerada, deve ser composta por cidadãos maiores de 21 anos (artigo 14, § 3.º, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal), eleitos pelo voto direto, secreto e universal, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, cuidar do respectivo processo de habilitação, exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação (por exemplo, coordenar, a critério do juiz togado responsável pela Vara da Infância e da Juventude da comarca respectiva, o corpo de voluntários, antigo Comissariado de Menores).

A iniciativa de leis que afetem a Organização Judiciária dos Estados-membros compete privativamente ao respectivo Tribunal de Justiça (artigo 96, inciso II, alínea “d”, da Constituição Federal), sendo que em São Paulo o artigo 70, inciso IV, da Constituição Estadual reforça a previsão já contida na Constituição Federal e atribui ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça a competência para propor à Assembléia Legislativa a alteração da organização e da divisão judiciária.

A Justiça de Paz não é novidade no sistema jurídico brasileiro, visto que a Constituição do Império exigia que se intentasse a reconciliação prévia entre as partes como pré-requisito para se dar início a algum processo, reconciliação que era conduzida pelo Juiz de Paz, eleito da mesma forma que os vereadores.

Castro Nunes, em sua obra Teoria e Prática do Poder Judiciário, ensina que o objetivo maior da Justiça de Paz é “permitir aos Estados, na modelação de seus aparelhos, utilizar-se de uma forma de colaboração que, em nosso País, dada a sua extensão territorial, terá nisso uma razão de ser, porque o Juiz de Paz é a Justiça em cada Distrito, ao pé da porta dos moradores de cada localidade, para as pequenas demandas que exijam solução pronta e abreviada nas formas processuais.

Como indica a própria denominação, a Justiça de Paz corresponde ao juízo de conciliação, visa harmonizar as partes, evitando demandas”. 1 GRINOVER, Ada Pellegrini e GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 1.ª ed., São Paulo: RT, 1996. p. 66.2 LAGRASTA NETO, Caetano, coord. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.

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Costa Manso, porém, bem adverte que “o caráter liberal da instituição obliterou-se inteiramente. Hoje o Juiz de Paz, em regra, é um instrumento da política local e, portanto, um instrumento da opressão. Nem é mais Juiz, nem é da paz”.

Sobre o tema, merece destaque o minucioso estudo desenvolvido pelo Exmo. Sr. Dr. Antônio Carlos Alves Braga, Corregedor de Justiça do Estado de São Paulo nos anos de 1994 e 1995, publicado no DOE-Poder Judiciário, caderno 1, seção XXIII, de 6.10.1995, no qual se destaca que o Juiz de Paz poderá exercer suas funções como conciliador dos Juizados Especiais, a critério do juiz-presidente do respectivo Juizado.

1.12. Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça é composto por 33 ministros (número mínimo que pode ser ampliado), sendo 1/3 originário dos juízes do Tribunal Regional Federal, 1/3 dos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e 1/3 dentre advogados (1/6) e membros do Ministério Público (1/6). Todos devem ser escolhidos entre profissionais de notável saber jurídico, reputação ilibada, mais de 35 e menos de 65 anos de idade.

Quanto aos magistrados de carreira, o Superior Tribunal de Justiça elabora lista tríplice e encaminha os nomes para a escolha do Presidente da República. O indicado será submetido à aprovação pela maioria absoluta dos membros do Senado, e nomeado pelo Presidente da República.

No caso dos advogados, recebida a lista sêxtupla da OAB Federal, o Superior Tribunal de Justiça elabora lista tríplice e encaminha os nomes para o Presidente da República, seguindo-se então o trâmite acima especificado. A escolha está disciplinada pelo Provimento n. 80/96 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Quanto aos membros do Ministério Público, cada Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal elaborarão suas respectivas listas sêxtuplas. O Superior Tribunal de Justiça, após analisar todas as listas, escolherá três nomes, submetendo-os à apreciação do Presidente da República para que um seja nomeado (após aprovação do nome, por maioria absoluta, pelo Senado Federal).

Quanto aos artigos 104 a 106 da Constituição Federal, merecem destaque as seguintes observações:

não cabe Recurso Especial de decisão proferida por juiz singular, como na hipótese dos embargos infringentes previstos na Lei n. 6.830/80 (artigo 105, inciso III, da Constituição Federal);

não cabe Recurso Especial contra decisões dos Juizados Especiais para Causas Cíveis de menor complexidade e Causas Penais de menor

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potencial ofensivo, pois as Turmas de Recurso não são Tribunais. Nesse sentido a Súmula n. 203 do Superior Tribunal de Justiça;

não cabe ao Superior Tribunal de Justiça reexaminar, via Recurso Ordinário ou Recurso Especial, as causas decididas em única ou última instância pelo Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Militar ou Tribunal Superior Eleitoral, pois todos são Tribunais Superiores.

Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal; nos crimes comuns e de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Estaduais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e do Ministério Público da União que oficiem perante os Tribunais.

1.13. Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal é composto de 11 ministros vitalícios, escolhidos

dentre cidadãos (brasileiros natos, como determina o artigo 12, § 3.º, inciso

IV, da Constituição Federal) com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de

notável saber jurídico e reputação ilibada. O número de ministros com

atribuições jurisdicionais é considerado cláusula pétrea (decorrente do

princípio da separação dos poderes), e assim não pode ser aumentado sequer

mediante emenda à Constituição Federal.

A nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal é feita pelo

Presidente da República, depois de aprovada a indicação pela maioria absoluta

(quórum qualificado) do Senado Federal, por voto secreto e após argüição

pública (sabatina). Não há qualquer lista elaborada pelos órgãos do Judiciário,

da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Ministério Público.

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O artigo 102 da Constituição Federal, que trata da competência do Supremo

Tribunal Federal, sofreu alterações pelas Emendas Constitucionais ns. 3/93,

22/99 e 45/2004

A Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal competência

originária taxativa para o julgamento em única instância das matérias previstas

no inciso I do artigo 102 da Constituição Federal.

No âmbito recursal as causas podem chegar ao Supremo Tribunal Federal via

Recurso Ordinário (inciso II do artigo 102 da Constituição Federal) ou

Recurso Extraordinário (inciso III, artigo 102, da Constituição Federal). Os

artigos 539 a 564 do Código de Processo Civil disciplinam as questões ligadas

aos recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de

Justiça.

O prazo para o Recurso Especial (STJ), para o Recurso Ordinário (STJ ou

Supremo Tribunal Federal) e para o Recurso Extraordinário (Supremo

Tribunal Federal) em regra é de 15 dias (artigo 508 do Código de Processo

Civil). Antes do recebimento do recurso são colhidas as contra-razões. Em

matéria eleitoral o prazo é de três dias, conforme estabelece o artigo 12 da Lei

n. 6.055/74.

Para que um Recurso Extraordinário seja conhecido pelo Supremo Tribunal Federal é necessário que o recorrente demonstre o prequestionamento (prévio debate e prévia decisão a respeito da matéria constitucional na instância inferior), a ofensa direta à Constituição Federal (não basta a ofensa reflexa) e a repercussão geral da questão constitucional discutida no caso, nos termos da lei. Assim, nos processos em que a questão constitucional controvertida for de interesse exclusivo das partes ou por outra razão não gerar maior repercussão

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social, por 2/3 dos seus Ministros o Supremo Tribunal Federal poderá não admitir o Recurso Extraordinário (artigo 102, § 3º, da Constituição Federal, na redação da EC 45/2004).

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (RTJ 133/945): “O simples

fato de determinada matéria haver sido veiculada em razões de recurso não

revela o prequestionamento. Este pressupõe o debate e a decisão prévios e,

portanto, a adoção de entendimento explícito, pelo órgão investido do ofício

judicante, sobre a matéria”. Quando a ofensa ao texto constitucional estiver

implícita no acórdão recorrido, o prequestionamento deve ser feito por meio

de embargos de declaração, para que se supra a omissão quanto à questão

constitucional por ele não enfrentada (RTJ 123/383).

De acordo com a Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal: “É

inadmissível Recurso Extraordinário quando não ventilada, na decisão

recorrida, a questão federal suscitada”.

Já a Súmula n. 356 estabelece que “o ponto omisso da decisão, sobre o qual

não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de Recurso

Extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

O acesso à via recursal extraordinária também pressupõe a existência, na

decisão impugnada, de motivação que permita, de modo imediato, a direta e

plena compreensão da controvérsia constitucional instaurada. Ofensas

reflexas, que dependam do reexame de normas infraconstitucionais utilizadas

para embasar o julgado questionado, não autorizam o Recurso Extraordinário.

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Da decisão que nega seguimento ao Recurso Extraordinário ou ao Recurso

Especial cabe agravo de instrumento, cuja petição poderá ser apresentada na

Secretaria do órgão recorrido, observadas as Resoluções n.140/96 do Supremo

Tribunal Federal e n. 1/96 do Superior Tribunal de Justiça. Decorrido o prazo

para contra-razões, os autos do agravo obrigatoriamente devem seguir para o

Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o tema, também merecem destaque as seguintes Súmulas do Supremo

Tribunal Federal:

Súmula n. 279: “Para simples reexame de prova não cabe Recurso Extraordinário”.

Súmula n. 281: “É incabível Recurso Extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, Recurso Ordinário da decisão impugnada”.

Súmula n. 283: “É inadmissível o Recurso Extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.

Súmula n. 284: “É inadmissível o Recurso Extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

Súmula n. 454: “Simples interpretação de cláusula contratual não dá lugar a Recurso Extraordinário”.

Súmula n. 640: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.

O artigo 93 da Constituição Federal legitima o Supremo Tribunal Federal para

iniciativa de projeto de lei do Estatuto da Magistratura – atualmente, vige a

Lei Complementar n. 35/79, recepcionada em sua maior parte pela

Constituição Federal.

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Nos crimes de responsabilidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal

são julgados pelo Senado Federal; nos crimes comuns, pelo próprio Supremo

Tribunal Federal.

O Supremo julga, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os comandantes das três armas (ressalvado o disposto no artigo 52, inciso I, da Constituição Federal), os membros dos demais Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missões diplomáticas de caráter permanente.

Compete-lhe o julgamento, nas infrações penais comuns, do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional e do Procurador Geral da República.

De acordo com a Emenda Constitucional 45/2004, também compete ao Supremo Tribunal Federal julgar originariamente as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público (e, segundo entendo, também compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal julgar os membros desses Conselhos nas infrações penais comuns). Os crimes de responsabilidade dos Conselheiros são julgados pelo Senado Federal.

O artigo 103 da Constituição Federal trata das ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade, cuja apreciação cabe ao Supremo Tribunal Federal (tema analisado em capítulo próprio).

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Um cidadão, sabendo que o prefeito de sua cidade está cometendo irregularidades ou ilegalidades na administração do dinheiro público:

a) deve fazer parte de uma associação ou sindicato para ter legitimidade para denunciá-lo perante o Tribunal de Contas competente;

b) pode apenas denunciá-lo perante o Ministério Público;c) pode denunciá-lo perante o Tribunal de Contas competente;d) não terá legitimidade para denunciá-lo perante o Tribunal de

Contas.

2. Na responsabilização política do Presidente da República pela prática de atos atentatórios ao cumprimento de decisões do Poder Judiciário:

a) impõe-se a prévia autorização do Senado Federal para o julgamento;

b) realiza-se o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal;c) dá-se o afastamento do Presidente da República de suas

funções, pelo prazo de, no máximo, 180 dias;d) a Câmara dos Deputados poderá determinar a perda do cargo e a

inabilitação por 8 anos para o exercício de função pública.

3. Quando se diz caber a todos os componentes do Poder Judiciário o exercício do controle da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, está se falando em:

a) controle constitucional difuso, por via de ação;b) jurisdição constitucional concentrada, por via de exceção;

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c) jurisdição constitucional difusa, por via de exceção;d) controle constitucional concentrado, por via de ação.

4. Julgue os itens seguintes, relativos ao Poder Judiciário:

I. Um dos seus órgãos é o Tribunal de Contas da União.

II. A vitaliciedade é uma das garantias conferidas aos juízes.

III. Assegura-se-lhe autonomia administrativa e financeira.

IV. Todas as suas decisões devem ser fundamentadas, exceto as administrativas.

V. Faculta-se aos juízes o exercício de atividade político-partidária.

A quantia de itens corretos é igual a :

a) 1;

b) 2;

c) 3;

d) 4.

5. Na eleição para Presidente da República, será considerado eleito o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos:

a) computados os em branco e os nulos;

b) computados os em branco e não computados os nulos;

c) não computados os em branco e os nulos;

d) não computados os em branco e computados os nulos.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Quais as espécies de imunidades conferidas aos senadores e qual o conteúdo de cada uma?Os senadores possuem imunidade material ou inviolabilidade parlamentar e formal ou processual. A imunidade material serve para que os senadores, no exercício do mandato legislativo ou em razão dela, opinem, discursem e votem com inteira liberdade, sem pressões, nem constrangimentos, implicando a exclusão da prática de crime, bem como a inviolabilidade civil, pelas opiniões, palavras e votos. A imunidade formal ou processual consiste em regras sobre prisão e processo criminal dos parlamentares, impossibilitando sua prisão, exceto em flagrante de crime inafiançável, e obstaculizando o processo, por crime ocorrido após a diplomação, por voto da maioria dos seus membros.

2. Que providência pode tomar o Poder Legislativo caso haja abuso de poder regulamentar pelo Presidente da República?Dispõe o art. 49, V, da Constituição Federal, sobre a competência exclusiva do Congresso Nacional, que este poderá sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de sua delegação legislativa.

3. Qual o procedimento para a aprovação de uma Emenda à CF?Deverá ser precedida de proposta, conforme incisos do art. 60, da Constituição Federal, e discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, com votos de três quintos dos membros, promulgada, a seguir, pelas Mesas de cada Casa (art. 60, §§ 2º. e 3º., da Constituição Federal).

4. Um Governador de Estado, no exercício do cargo, pode também assumir o cargo de Ministro de Estado?Nos termos do §1º do art. 28, da Constituição Federal, perderá o mandato o governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta.

5. Disserte sobre as principais características do processo por crime de responsabilidade contra o Presidente da República. O processo de “impeachment” contra o Presidente da República é regido pela Lei n. 1.079/50 e tem como principais características a sua realização em duas fases: a primeira, consiste na autorização para a instauração do processo pelo voto aberto de dois terços dos membros da Câmara dos Deputados; a segunda, realiza-se com a instauração do processo pelo Senado Federal. Nessa fase, o Presidente da República ficará, obrigatoriamente, afastado do cargo, por um prazo improrrogável de cento e oitenta dias. Não concluído o julgamento nesse prazo, o Presidente da

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República retorna ao cargo, porém, o processo segue normalmente. Para a condenação são necessários dois terços dos votos de todos os membros do Senado Federal, observando-se que o Presidente do Supremo Tribunal Federal presidirá a sessão.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XVIII

DIREITO CONSTITUCIONALDA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Da Ordem Econômica e Financeira

Professor Clever Vasconcelos

1. DA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

Explicitando sua opção pelo sistema capitalista, o constituinte relacionou a propriedade privada e a livre iniciativa entre os princípios da ordem econômica, prevendo, como regra, que o exercício de qualquer atividade econômica independe de autorização governamental (salvo nos casos previstos em lei).

Ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição Federal, ao Estado (gênero) só compete a exploração direta da atividade econômica quando a ação for necessária à segurança nacional, ou em caso de relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (artigo 173 da Constituição Federal).

A propriedade e sua função social, assim como a livre concorrência e a defesa do consumidor, são temas analisados conjuntamente com os direitos fundamentais do artigo 5.º da Constituição Federal.

O tratamento favorecido às empresas de pequeno porte, constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, está previsto nos artigos 170, inciso IX, e 179, ambos da Constituição Federal. No âmbito infraconstitucional a matéria é disciplinada pelas Leis n. 9.841/99 (novo Estatuto da Micro e Pequena Empresa) e n. 9.317/96 (que instituiu o SIMPLES, autorizando o pagamento unificado de parte dos tributos).

O artigo 173, § 5.º, da Constituição Federal, abre espaço para a punição criminal de pessoas jurídicas, sem prejuízo da responsabilização individual dos seus dirigentes. A hipótese, incomum no Brasil, é prevista em diversos países, nos quais as empresas sofrem penas pecuniárias ou restritivas de direitos.

Ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica, o artigo 173, § 4.º, da Constituição Federal, menciona que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação do mercado, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Monopólio significa exclusividade. Oligopólio significa o controle de um mercado por um pequeno número de grandes empresas.

Truste ou cartel é a expressão utilizada para designar as empresas ou grupos que, sob uma mesma orientação, mas sem perder a autonomia, se reúnem com o objetivo de dominar o mercado e suprimir a livre concorrência. Recentemente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

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utilizou a legislação antitruste para condenar a tabela de honorários médicos da Associação Médica Brasileira (AMB) e para investigar as montadoras de veículos.

Dumping, segundo De Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, 8.ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1984), “é a expressão utilizada para indicar a organização que tem por objetivo vender mercadorias, de sua produção ou comércio, em país estrangeiro por preço inferior aos artigos similares neste mercado, a fim de que possa afrontá-los ou retirá-los da concorrência”. Certa vez, uma rede de supermercados americana foi acusada de dumping porque entrou no mercado nacional vendendo inúmeros produtos a preço de custo ou abaixo do custo.

A Lei n. 8.884/94 instituiu o CADE , órgão administrativo que tem entre seus objetivos a função de zelar pela livre concorrência.

2. DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Dentro do Sistema Financeiro Nacional estão incluídas as instituições financeiras (públicas ou privadas), as bolsas de valores, as cooperativas de crédito e as companhias de seguro, de previdência privada e de capitalização.

A Emenda Constitucional n. 40, de 29 de maio de 2003, que deu nova redação ao art. 192 da CF, autoriza que o sistema financeiro nacional seja regulado por leis complementares diversas (o que na linguagem popular foi denominado regulamentação fatiada).

Por ora o Sistema Financeiro Nacional está regulado pela Lei n. 4.595/1964 (recepcionado com força de lei complementar pela CF/88) e pela LC 105/01.

Até que sejam fixadas as condições por meio das leis complementares previstas na atual redação do art. 192 da CF ( redação da EC 40), estão vedadas ( art. 52 do ADCT):

• a instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior;

• o aumento do percentual de participação no capital de instituições financeiras com sede no País, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.

O governo brasileiro, porém, pode autorizar o contrário nos casos de seu interesse, nos casos de acordos internacionais ou se verificada a reciprocidade.

A nomeação do presidente e dos diretores do Banco Central compete ao Presidente da República, após a aprovação prévia dos nomes pelo Senado Federal (arts. 84, XIV, e 52, III, “d”, ambos da CF).

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Compete ao Banco Central, entre outras atribuições, emitir moeda ou autorizar a Casa da Moeda a fazê-lo (art. 164 da CF).

Quanto à taxa de juros de 12% ao ano, prevista no § 3.º do art. 192 da CF, o STF deliberou que a norma não é auto-executável (ADIn n. 4, MI n. 362-9 RJ, AgI n. 0166724-9/040/SP).1

Nesse sentido a Súmula 648 do STF, do seguinte teor:

“A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”.

A questão, porém, ainda é polêmica e pode interessar em relação aos contratos firmados antes da EC 40, pois muitos sustentam que “não obstante o julgamento da ADIn n. 4-7/600 do STF, por isso afastada a auto-aplicabilidade do § 3.º do art. 192 da CF, os juros bancários permanecem limitados aos do contrato, nunca, porém, superiores a 12% ao ano, mais correção monetária, haja vista a legislação infraconstitucional, art. 1.º do Decreto n. 22.626/33, c. c. o art. 1.062 do CC brasileiro, que não foi revogada pela Lei n. 4.595/64” (Apelação Cível n. 195004635 – 9.ª Câmara Cível, Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul). No mesmo sentido: EI n. 194115275 – 2.º Grupo Cível – Frederico Westphalen, j. em 17.3.1995, TARS.

O problema desta interpretação mais favorável aos tomadores de empréstimos é que mesmo antes da CF de 1988 o STF já havia firmado o entendimento ( Súmula 596) de que as instituições financeiras não estavam sujeitas às limitações de juros e encargos previstas no Decreto 22.626/33

O art. 406 do novo CC estabelece que, regra geral, os juros serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Considerando que a taxa Selic não é fixada por lei e embute a própria atualização monetária, entendo que atualmente os juros legais são aqueles previstos no art. 161 do CTN, ou seja, 1% ao mês.

Observe-se, porém, que mesmo na ausência da regulamentação clara da matéria, a abusividade na cobrança dos juros pode ser impugnada com base no inc. II do art. 52 da Lei n. 8.078/1990, que determina seja o consumidor usuário de um financiamento ou da outorga de crédito, prévia e adequadamente informado sobre a taxa efetiva anual de juros.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

1 Cf. MORAES, Alexandre de. Op. cit. Direito Constitucional.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Quando compete ao Estado (gênero) a exploração direta da atividade econômica?

2. Conceitue oligopólio.

3. Qual a diferença existente entre truste e dumping?

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4. Que se entende por quinto constitucional?

5. Discorra sobre o Sistema Financeiro Nacional.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XIX

DIREITO CONSTITUCIONALDA ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Da Ordem Econômica e Financeira

Professor Clever Vasconcelos

1. POLÍTICA URBANA

As regras gerais sobre a política urbana estão disciplinadas pela Lei n. 10.257/2001, denominada Estatuto das Cidades.

1.1. Da Usucapião Pro Labore

A usucapião costuma ser definida como uma forma de prescrição aquisitiva da propriedade, “modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado em lei” (RODRIGUES, Silvio. Direito das Coisas. 14.ª edição, São Paulo: Saraiva, 1985, p. 106).

Os bens públicos, inclusive os dominicais (móveis ou imóveis) e as terras indígenas, são inusucapíveis (artigos 191, parágrafo único, e 231, §§ 2.º e 4.º, da Constituição Federal e Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal). Celso Bastos, após observar que o artigo 188 da Constituição Federal distingue terras públicas e terras devolutas, sustenta que as terras devolutas estão sujeitas ao usucapião, pois embora sejam públicas em razão da qualidade de quem detém a sua titularidade (o Poder Público), não têm essa qualificação quando se considera a destinação a que estão afetas. A usucapião das terras devolutas está expressamente previsto no artigo 2.º da Lei n. 6.969/81.

Chamam usucapião pro labore, usucapião constitucional e usucapião especial a prevista no artigo 191 da Constituição Federal: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”. Observe-se também a Lei n. 6.969/81, que prevê o rito sumário para esse tipo de ação.

Pela Súmula n. 11 do Superior Tribunal de Justiça, a presença da União ou de qualquer dos seus entes, na ação de usucapião, não afasta a competência do foro da situação do imóvel.

Walter Ceneviva entende ser cabível a usucapião pro labore mesmo que a produtividade do imóvel atenda apenas ao sustento do requerente e de sua família.

1.2. Da Usucapião Pró-Moradia

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No capítulo da política urbana, precisamente no seu artigo 183, a Constituição Federal de 1988 instituiu a chamada usucapião pró-moradia, usucapião especial urbano ou usucapião constitucional urbano pro misero: “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Exige-se o animus domini, mas não a boa-fé e a posse justa.

De acordo com o entendimento de Tubinambá Miguel de Castro Nascimento, o limite de 250 metros quadrados diz respeito tanto ao terreno quanto à área construída, embora alguns sustentem que a limitação diz respeito tão-somente ao terreno. O título de domínio e a concessão de uso, tal como ocorre com a usucapião pro labore, serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

O direito à usucapião pró-moradia não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez (o que não impede a aquisição de propriedade por outra forma de usucapião); contudo, ao contrário do artigo 189 da Constituição Federal (que trata dos títulos concedidos em reforma agrária e exige o decurso de dez anos para a transferência), não há prazo para a alienação do imóvel.

Nos termos do artigo 189 da Constituição Federal, analisado conjuntamente com o artigo 5.° do mesmo diploma, tópico propriedade, os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis a qualquer título por dez anos.

O novo Código Civil disciplina outras formas de usucapião nos seus artigos 1.238/1.244.

A Lei n. 10.257/2001, conhecida como Estatuto das Cidades, em seu art. 10, prevê a usucapião coletivo (v. art. 1.240 do novo CC).

A Súmula n. 237 do Supremo Tribunal Federal dita que “o (sic) usucapião pode ser argüido em defesa”. O artigo 7.º da Lei n. 6.969/81, por sua vez, expressa que “a usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconheceu como título para transcrição no Registro de Imóveis”.

1.3. A Desapropriação-sanção do Imóvel Urbano (Pagamento em Títulos e Não em Dinheiro) e a Progressividade do IPTU

O artigo 182 da Constituição Federal, ao abordar a política urbana, traz em seu § 2.º que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor. Além da lei orgânica, exigida para todos os Municípios, o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, é obrigatório para as cidades com mais de

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20.000 habitantes e serve de instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

O § 4.º do mesmo artigo explicita as medidas sancionatórias que, sucessivamente, poderão ser tomadas contra o proprietário para que o solo urbano não-edificado, subutilizado ou não-utilizado tenha adequado aproveitamento. A exigência, porém, só pode ser feita mediante lei específica para área incluída no plano diretor, observadas as regras gerais da lei federal pertinente ao desenvolvimento urbano (Lei n. 10.257, de 10.7.2001).

Observada a ordem crescente da sanção, o Poder Público municipal pode impor ao proprietário do solo urbano não-edificado, subutilizado ou não-utilizado:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo (até o limite de 15%);

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

É a chamada “desapropriação-sanção”, desapropriação antiespeculativa, que comporta a substituição da indenização em dinheiro por indenização em títulos da dívida pública e que somente pode ser aplicada após decorridos cinco anos da cobrança do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização do imóvel.

Antes da Emenda Constitucional n. 29, de 13.9.2000, prevalecia que as únicas hipóteses de progressividade permitidas em relação aos impostos sobre a propriedade eram aquelas previstas nos artigos 182, § 4.º, inciso II (IPTU progressivo no tempo em relação ao proprietário do solo urbano não-edificado, subutilizado ou não-utilizado, que exige observância do plano diretor do respectivo Município quanto ao conceito da função social da propriedade), e 153, § 4.º (Imposto Territorial Rural (ITR) mais elevado para as propriedades improdutivas), ambos da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários n. 153.771-MG e n. 204.827-SP (anteriores à Emenda Constitucional n. 29), enfatizou que a única progressividade admitida pela Carta Federal, em tema de IPTU, é aquela de caráter extrafiscal, vocacionada a garantir a função social da propriedade urbana, desde que observados os requisitos fixados pelo artigo 156, § 1.º, e, também, pelo artigo 182, § 4.º, inciso II, ambos da Constituição da República (cf. decisão do Ministro Celso de Mello, de 21.1.1997, que deu efeito

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suspensivo ao recurso extraordinário interposto contra a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo).

No Tribunal de Justiça de São Paulo prevalecia a tese de que a lei municipal, independentemente do plano diretor, com base no artigo 145, § 1.º, da Constituição Federal (que traduz o Princípio da Capacidade Contributiva), pode estabelecer outras hipóteses de progressividade. Assim, quanto maior for a capacidade contributiva do contribuinte, maior poderá ser a alíquota do imposto por ele pago (espécie de progressividade), independentemente de tal fato estar previsto no plano diretor do Município onde se localiza o imóvel.

Segundo Acórdão proferido em 7.6.1995, pelo pleno do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 14.927-0/9:

“IPTU – Progressividade de alíquotas, graduadas de acordo com o valor dos imóveis – Distinção entre imóveis destinados exclusivamente à residência e demais casos – Constitucionalidade de um e de outro critério – Ação Direta de Inconstitucionalidade improcedente.

Não viola a Constituição; antes, a ela dá cumprimento a progressividade de alíquotas do IPTU, graduada conforme o valor dos imóveis.

A distinção entre imóveis destinados exclusivamente à residência e demais casos não viola o princípio da isonomia tributária” (essa decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme informamos anteriormente, está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal).

A Emenda Constitucional n. 29/2000 autoriza o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel e das alíquotas diferenciadas, de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O prazo para aquisição, por usucapião, de imóvel urbano utilizado como moradia é de:

a) 10 anos;b) 5 anos;c) 20 anos;d) 15 anos.

2. A Constituição Federal prevê a desapropriação-sanção do imóvel urbano:

a) quando o mesmo não cumpre sua função social;b) quando o mesmo atende às exigências fundamentais de

ordenação da cidade, expressas no plano diretor;c) independentemente de lei específica;d) quando, sem motivo legal, decide que aquele bem não

necessita de destinação social.

3. Estabelecido o plano diretor:

a) seu cumprimento não se torna obrigatório pelos munícipes;

b) todos os proprietários de imóveis urbanos passam a ser obrigados a cumprir as diretrizes nele fixadas, sob pena de sanção estabelecida no texto constitucional;

c) os proprietários que não cumprirem as diretrizes não estão passíveis de sanção;

d) as sanções são aplicadas conforme definição do plano diretor, não sendo necessariamente as estabelecidas na Constituição Federal.

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4. O usucapião pro labore difere do usucapião pró-moradia:

a) uma vez que o primeiro refere-se à moradia e o segundo somente à produção;

b) uma vez que o primeiro refere-se à moradia com restrições previstas na Constituição Federal e o outro à moradia sem restrições;

c) uma vez que o primeiro refere-se à moradia com restrições relativas à metragem do imóvel urbano e o outro refere-se à produtividade de terras na zona rural;

d) n.d.a.

5. A Constituição Federal reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Quanto a isso é correto afirmar que:

a) o conceito de terras tradicionalmente ocupadas exclui as áreas que contenham recursos hídricos, riquezas minerais e potenciais energéticos;

b) o conceito de terras tradicionalmente ocupadas inclui apenas as áreas que sejam por eles habitadas em caráter permanente e que sejam utilizadas para suas atividades produtivas;

c) o conceito de terras tradicionalmente ocupadas inclui apenas as áreas que sejam por eles habitadas em caráter permanente, desde que necessárias para sua reprodução física e cultural, segundo seus costumes e tradições;

d) o conceito de terras tradicionalmente ocupadas inclui também as áreas que sejam imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais mínimos necessários ao bem-estar dos índios;

e) n.d.a.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Quando compete ao Estado (gênero) a exploração direta da atividade econômica?

Quando a ação for necessária à segurança nacional, ou em caso de relevante interesse coletivo conforme definidos em lei (art. 173, da Constituição Federal).

2. Conceitue oligopólio.É o controle de um mercado por um pequeno número de grandes empresas.

3. Qual a diferença existente entre truste e dumping?Truste ou cartel é a expressão utilizada para designar as empresas ou grupos que, sob uma mesma orientação, mas sem perder a autonomia, se reúnem com o objetivo de dominarem o mercado e suprimir a livre concorrência. Enquanto que dumping é a expressão utilizada para indicar a organização que tem por objetivo vender mercadorias, de sua produção ou comércio, em país estrangeiro por preço inferior aos artigos similares no mercado, a fim de que possa afrontá-los ou retirá-los da concorrência.

4. Que se entende por quinto constitucional?Nos termos do artigo 94 da Constituição Federal, um quinto dos assentos dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, deve, obrigatoriamente, ser preenchido por membros do Ministério Público e advogados, ambos com notável saber jurídico e reputação ilibada, sendo os primeiros com mais de dez anos de carreira e os segundos com mais de dez anos de efetivo exercício profissional.

5-Discorra sobre o Sistema Financeiro Nacional.De acordo com o artigo 192 da Constituição Federal, o Sistema Financeiro Nacional será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade. Há dois sistemas financeiros regulados na Constituição: o público, que envolve os problemas das finanças públicas e orçamentos e o parapúblico, denominado sistema financeiro nacional, que cuida das instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização, todas sob estrito controle do Poder Público. É regulado pela Lei 4.595/64 e LC 105/01.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XX

DIREITO CONSTITUCIONALDa Ordem Econômica e Financeira

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Da Ordem Econômica e Financeira

Professor Clever Vasconcelos

1. PROPRIEDADE

O inciso XXIII do artigo 5.º da Constituição Federal dispõe que a propriedade atenderá à sua função social, demonstrando que o conceito constitucional de propriedade é mais amplo que o definido pelo Direito privado. O Direito Civil trata das relações civis e individuais pertinentes à propriedade, a exemplo da faculdade de usar, gozar e dispor de bens em caráter pleno e exclusivo, direito esse oponível contra todos, enquanto a Constituição Federal sujeita a propriedade às limitações exigidas pelo bem comum – impõe à propriedade um interesse social que pode até mesmo não coincidir com o interesse do proprietário.

Entre os princípios da ordem econômica (artigo 170 da Constituição Federal) exsurge a garantia do direito à propriedade privada, observada sua função social e os ditames da justiça social.

2. REFORMA AGRÁRIA

A desapropriação, também chamada expropriação, é o procedimento por meio do qual o Estado toma para si, ou transfere para seus delegados ou mesmo para particulares, bens particulares ou públicos, ainda que contra a vontade do proprietário.

Há de fundar-se na necessidade pública (quando o bem é indispensável, insubstituível para o exercício da atividade do Estado), na utilidade pública (quando o bem, ainda que não seja imprescindível ou insubstituível, é conveniente para o desempenho da atuação estatal) ou no interesse social (para conveniência da paz ou do progresso da sociedade, reforma agrária etc.).

A desapropriação por interesse social está disciplinada pela Lei n. 4.132/62 e segue o rito do Decreto-lei n. 3.365/41. A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária está prevista na Lei Complementar n. 76/93 e na Lei n. 8.629/93 (que sofreu inúmeras alterações pela Medida Provisória n. 1.997/33, de dezembro de 1999, posteriormente reeditada sob o n. 2.183/56).

Em ambas, o prazo para desapropriação é de dois anos, contados a partir da declaração de interesse público, sob pena de caducidade.

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Conforme estabelece o artigo 184 da Constituição Federal, compete à União (privativamente, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal1) – desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (artigo 186 da Constituição Federal), mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária (o montante total das indenizações referentes à reforma agrária deve estar fixado no orçamento de cada ano), com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis em até 20 anos.

O § 1.º do artigo 5.º da Lei n. 8.629/93, dispositivo que prevê a indenização em dinheiro para as benfeitorias úteis e necessárias, chegou a ser suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal (ADIn n. 1.178-1). A liminar foi cassada e não se conheceu da ação. Assim, ao menos por ora, o dispositivo resta íntegro.

O conceito de reforma agrária consta do artigo 16 do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64), que assim dispõe:

“A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.”

Latifúndio é a extensa propriedade improdutiva mantida por um ou por poucos proprietários em detrimento da coletividade.

A função social da propriedade rural é cumprida quando esta (conceituada no artigo 4.º da Lei n. 8.629/93 como o prédio rústico que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial) atende, simultaneamente, nos termos previstos em lei, aos seguintes requisitos (artigo 186 da Constituição Federal):

aproveitamento racional e adequado;

utilização correta dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Nos termos do artigo 189 da Constituição Federal, os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis, pelo prazo de dez anos. Quem já tenha sido contemplado anteriormente com parcelas em programa de reforma agrária, em regra, não poderá ser novamente beneficiado com a distribuição de terras (artigo 20 da Lei n. 8.629/93). Também não pode ser beneficiado aquele que exerce

1 RTJ 106/936 e 109/360.

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função pública, autárquica ou em órgão paraestatal, ou o que se ache investido de atribuição parafiscal.

Os títulos serão conferidos ao homem ou a mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil (artigo 189, parágrafo único, da Constituição Federal).

São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária (artigo 185 da Constituição Federal):

a pequena (imóvel rural de área entre 1 e 4 módulos fiscais) e a média propriedade rural (imóvel rural de área superior a 4 e até 15 módulos fiscais), assim definida em lei (artigo 4.º da Lei n. 8.629/93), desde que seu proprietário não possua outra;

a propriedade produtiva.

Os dispositivos indicam que a propriedade rural é um bem de produção e não apenas um bem patrimonial.

Contudo, conforme ensina José Afonso da Silva, “o art.artigo 185 da CFConstituição Federal contém uma exceção à desapropriação especial prevista no art.artigo 184, e não ao poder geral de desapropriação por interesse social do art.artigo 5.º, XXIV. Quer dizer: desde que se pague a indenização nos termos do artigo 5.º, XXIV (justa e prévia, em dinheiro), qualquer imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social para fins de reforma agrária e melhor distribuição da propriedade fundiária”.

As terras rurais de domínio da União, dos Estados e dos Municípios são destinadas, preferencialmente, à execução de planos de reforma agrária (artigo 13 da Lei n. 8.629/93).

A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família e desde que seu proprietário não possua outra, além de estar protegida da desapropriação indenizada com títulos para fins de reforma agrária, também não pode ser objeto de penhora para pagamentos de débitos decorrentes de sua atividade produtiva (inciso XXVI do artigo 5.º da Constituição Federal), gozando de imunidade quanto ao Imposto Territorial Rural (ITR) (artigo 153, § 4.º, da Constituição Federal). Sabendo que o dispositivo restringiria o acesso dos pequenos proprietários rurais aos empréstimos bancários, o constituinte determinou que a lei disporia sobre os meios para financiar seu desenvolvimento.

O procedimento sumário para a desapropriação, previsto no artigo 184, § 3.º, atualmente está estabelecido na Lei Complementar n. 76/93 (alterada pela Lei Complementar n. 88/96), que impõe o duplo grau de jurisdição para a sentença que fixar o valor da indenização em quantia superior a 50% da oferta (artigo 13).

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A Lei n. 9.415, de 23.12.1996, deu nova redação ao inciso III do artigo 82 do Código de Processo Civil, determinando que a intervenção do Ministério Público é obrigatória nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural. O artigo 18 da Lei Complementar n. 76/93, em seu § 2.º, prevê a intervenção do Ministério Público Federal em todas as fases do processo de desapropriação para fins de reforma agrária, em primeira e segunda instâncias.

A contestação pode versar sobre qualquer matéria de interesse da defesa e o prazo para sua apresentação é de 15 dias. Veda-se apenas a apreciação quanto ao interesse social declarado.

O artigo 126 da Constituição Federal estabelece que o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias.

2.1. A Colonização e as Terras Devolutas

Para alguns autores, a colonização distingue-se da reforma agrária porque ocorre sobre terras públicas (aqui incluídas as devolutas) e porque não depende de desapropriação.

Terras devolutas são aquelas que pertencem ao domínio público, mas que não se acham utilizadas pelo ente a que pertencem nem destinadas a qualquer atividade administrativa, sendo por isso passíveis de transferência aos particulares (artigos 20, inciso II, e 26, inciso IV, da Constituição Federal). Classificam-se entre os bens dominicais (artigo 99, inciso III, do Código Civil).

As terras devolutas que não estão especificadas no inciso II do artigo 20 da Constituição Federal (as especificadas são da União) pertencem aos Estados nas quais se localizam, conforme estabelece o inciso IV do artigo 26 da Constituição Federal. Pela “regularização” e pela “legitimação de posse” a terra devoluta pode ser transferida para um particular (artigo 188 da Constituição Federal; artigos 11 e 97 a 102 da Lei n. 4.504/64 e Lei n. 6.383/76, respectivamente). Ambas são espécies de transferência do domínio do patrimônio público para o patrimônio particular.

As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis. Os direitos sobre elas são imprescritíveis (artigo 231, § 4.º, da Constituição Federal).

2.2. Confisco

O confisco, ao contrário da desapropriação, caracteriza-se pelo ato de tomada de um bem particular pelo Estado, sem qualquer indenização. O artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal prevê o confisco (sob a denominação expropriação sem indenização) das glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, bem como de qualquer outro bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico

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ilícito de entorpecentes e drogas afins. As glebas devem ser utilizadas para o assentamento de colonos.

O procedimento está disciplinado na Lei n. 8.257/91, que prevê o prazo de 120 dias para destinação das glebas aos colonos. Decorrido esse período, sem o cumprimento da norma, haverá incorporação ao patrimônio da União.

O artigo 5.º da Constituição Federal, em seus incisos XLV e XLVI, alínea “b”, autoriza que a lei (norma infraconstitucional) discipline a pena de perdimento dos bens. Assim, a Constituição Federal de 1988 recepcionou o disposto no artigo 91, inciso II, do Código Penal, que prevê a perda dos instrumentos e do produto do crime em favor do Estado, em decorrência da sentença condenatória. A perda é automática, ainda que a sentença a ela não faça referência.2

2.3. Requisição

O inciso XXV do artigo 5.º da Constituição Federal, dispõe que, no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano. A hipótese é chamada requisição e não acarreta a transferência definitiva do bem requisitado para o patrimônio público.

A Constituição Federal de 1988 não enumera as hipóteses em que cabe a requisição. A doutrina, no entanto, esclarece que o iminente perigo público pode ser caracterizado por ações humanas (guerra, revolução etc.) ou por ações da natureza (inundações, epidemias etc.). A requisição pode atingir bens imóveis, móveis ou mesmo serviços. A Lei n. 6.439/77 disciplina diversas hipóteses de requisição.

2.4. Servidão Administrativa

A servidão administrativa é um ônus real que o Poder Público impõe sobre determinada propriedade particular para possibilitar a realização de obras ou serviços públicos.

A exemplo da desapropriação, a servidão administrativa é precedida de uma declaração. As servidões em geral devem ser inscritas no registro público competente.

A indenização será devida caso seja demonstrado efetivo prejuízo, decorrente da servidão ou das obras advindas de sua implantação.

3. DIREITO DO CONSUMIDOR

O artigo 5.º, inciso XXXIII, da Constituição Federal estabelece que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, regra que também

2 RT 594/347.

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está consignada como um dos princípios da ordem econômica nacional (artigo 170, inciso V, da Constituição Federal).

A Lei n. 8.078/90, que dispõe sobre a matéria, define consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que participe das relações de consumo.

Fornecedor é a pessoa física ou jurídica que cria, fabrica, constrói, importa, exporta ou comercializa um produto ou serviço.

O artigo 6.º da Lei n. 8.078/90 explicita alguns dos direitos garantidos aos consumidores, a exemplo da proteção da vida, da saúde, da segurança e do direito à informação clara e precisa sobre os produtos e serviços que são oferecidos.

Para dar eficácia aos direitos do consumidor, a lei prevê a facilitação da defesa de seus direitos, admitindo, inclusive, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente ou quando for verossímil (razoável) sua alegação (artigo 6.º, inciso VIII, do Código do Consumidor).

O artigo 28 autoriza o juiz a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, com a conseqüente invasão do patrimônio particular dos dirigentes das empresas, quando, de alguma forma, essa personalidade autônoma representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor.

Os artigos 39, inciso VI, e 40, Código de Defesa do Consumidor demonstram a obrigatoriedade de o fornecedor apresentar orçamento prévio.

Prevê o Código do Consumidor, em seus artigos 12 e 14, a responsabilidade objetiva (independente de culpa) do fabricante, do construtor, do produtor, do importador e do fornecedor pelos danos decorrentes de defeitos do produto ou do serviço. Caso nenhum deles esteja claramente identificado, pelo fato do produto e do serviço responderá o comerciante, que não poderá denunciar a lide, mas que terá assegurado o direito de regresso (artigos 13 e 88 da Lei n. 8.078/90). O comerciante também é responsável pela adequada conservação dos produtos perecíveis, hipótese em que os demais fornecedores poderão ser excluídos do processo (artigo 12, inciso III, da Lei n. 8.078/90).

Responsabilidade objetiva é aquela que não depende da existência de culpa – basta haver nexo causal entre o dano e o fato do produto ou serviço, por ação ou omissão do fabricante, do produtor ou do fornecedor, para que se admita a responsabilidade desses pela reparação. O Código do Consumidor, porém, admite que o acusado prove que não colocou o produto no mercado, ou que a culpa é exclusiva da vítima ou de terceiro.

Exceção explícita à regra da responsabilidade objetiva está prevista no § 4.º do artigo 14 do Código do Consumidor, que, em relação aos serviços

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prestados pelos profissionais liberais, exige a demonstração da culpa, para a imputação da responsabilidade pessoal.

Os artigos 18 e 20 do Código do Consumidor não tratam do fato decorrente do produto ou do serviço defeituoso, da responsabilidade pelos desdobramentos dos defeitos. Tratam, sim, da responsabilidade pelo próprio produto ou serviço defeituoso, impondo a responsabilidade solidária de todos os fornecedores (do fabricante ao comerciante, nos termos do artigo 3.º da Lei n. 8.078/90) pelos vícios de quantidade ou de qualidade que os tornem impróprios, inadequados ou lhes diminua o valor.

O fornecedor tem o direito de sanar o vício do produto em 30 dias, exceto se a extensão do problema comprometer a qualidade ou a destinação do produto, mesmo quando realizados os reparos. Ao consumidor garantem-se as alternativas previstas nos artigos 18, § 1.º, e 20, incisos I, II e III, da Lei n. 8.078/90.

O artigo 26 do Código do Consumidor estabelece o prazo de 30 dias para reclamações por vícios aparentes, em bens e serviços não-duráveis, e o prazo de 90 dias para reclamações quanto a bens e serviços duráveis. Conta-se o prazo da data da entrega do produto ou do término da execução dos serviços.

No caso de vício oculto, redibitório, o prazo tem início no momento em que ficar evidenciado o defeito. A garantia contratual é complementar à legal.

A reclamação costuma ter por finalidade a devolução do produto com o ressarcimento do valor pago (ação redibitória) ou o abatimento do preço (ação quanti minoris).

A ação visando à reparação de danos decorrentes de fato do produto ou do serviço pode ser proposta no prazo de cinco anos, contados da data em que se tem conhecimento do dano e de sua autoria (artigo 27 do Código do Consumidor).

Nos casos de venda a contento ou de negócio sem contato direto do consumidor com o produto ou serviço (a exemplo das vendas realizadas por via postal ou telefônica), o Código do Consumidor fixa o prazo de sete dias para o consumidor manifestar sua desistência (arrependimento) e garante a devolução dos valores pagos a qualquer título (artigo 49). O mesmo diploma legal considera amostra grátis o produto ou o serviço enviado ou prestado a uma pessoa, sem solicitação prévia.

Todos os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

EXERCÍCIOS

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Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Defina o usucapião pró-moradia.

2. Qual é a finalidade da reforma agrária?

3. Qual é a diferença entre confisco e desapropriação?

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4. Em que consiste a responsabilidade objetiva estabelecida no Direito do Consumidor?

5. Quais as características da requisição?

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Defina o usucapião pró-moradia.

2. Qual é a finalidade da reforma agrária?

3. Qual é a diferença entre confisco e desapropriação?

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4. Em que consiste a responsabilidade objetiva estabelecida no Direito do Consumidor?

5. Quais as características da requisição?

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Qual princípio estabelece que todas as despesas e receitas devem estar previstas no orçamento?

a) princípio da unidade;

b) princípio da legalidade;

c) princípio da universalidade;

d) princípio da exclusividade.

2. Sobre o imposto, conforme a Constituição Federal, é correto afirmar que:

a) é um tributo vinculado;

b) é um tributo cuja obrigação não tem como fato gerador uma situação; independente de qualquer atividade estatal específica;

c) é um tributo não vinculado;

d) não é espécie de tributo.

3. No caso dos precatórios, a pessoa jurídica de direito público é citada para:

a) apelar no prazo de dez dias;

b) opor embargos no prazo de cinco dias;

c) pagar;

d) opor embargos no prazo de dez dias.

4. Quanto aos créditos de natureza alimentícia é correto afirmar que:a) dispensam os precatórios;

b) têm de obedecer a ordem dos precatórios;

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c) têm preferência sobre os demais e entram em lista cronológica própria;

d) estão sujeitos ao parcelamento.

5. O decreto de intervenção no Distrito Federal ou em um Estado-membro é expedido:

a) pelo presidente do Senado, sem a necessidade de ser ouvido o conselho da República;

b) pelo presidente da Câmara dos Deputados, depois de ouvido o Conselho da República;

c) pelo Presidente da República, depois de ouvido o Conselho da República;

d) pelo Presidente da República, sem a necessidade de ser ouvido o Conselho da República.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Defina a usucapião pró-moradia.Trata-se de forma de aquisição originária da propriedade urbana, com área de até 250m², desde que haja, por 5 anos ininterruptos e sem oposição, utilização pela família com fins de moradia e não tenham outro imóvel em seu domínio (art. 183, “caput”, da Constituição Federal).

2. Qual é a finalidade da reforma agrária?É instituto por meio do qual a União desapropria área rural, por motivo de interesse social, que não atenda à função social. Dessa forma, há uma redistribuição de terras com intuito de agregar mais famílias no campo com melhoras na renda e vida. (art. 184, “caput”, da Constituição Federal e LC n. 93/98).

3. Qual é a diferença entre confisco e desapropriação?No confisco, o Estado, de forma forçada e sem indenização, expropria bens, o que só é admitido pela Constituição Federal no art. 243 e parágrafo único, no caso de bens decorrentes do tráfico ilícito de entorpecentes e culturas de plantas psicotrópicas. Nos termos do artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição federal, na desapropriação o Estado desapropria o particular por motivos de necessidade, interesse e utilidade pública, prevendo, em regra, indenização justa, prévia e em dinheiro.

4. Em que consiste a responsabilidade objetiva estabelecida no Direito do Consumidor?Consiste na responsabilização independente da existência de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos dos produtos ou serviços. Assim, pelos artigos 12, 13 e 14, Código de Defesa do Consumidor, respondem objetivamente: fabricante, produtor, construtor, nacional ou estrangeiro, importador e fornecedor de serviços (exceto profissional liberal).

5. Quais as características da requisição?Nos termos do artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal, a requisição possibilita o uso do bem particular pela autoridade competente, civil ou militar, em caso de iminente perigo público. Trata-se de mera utilização do bem pelo Poder Público, que apenas o requisita por uma situação contingente, assegurando-se ao proprietário indenização posterior, se houver dano.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XXII

DIREITO CONSTITUCIONALDA ORDEM SOCIAL

__________________________________________________________________Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Da Ordem Social

Professor Clever Vasconcelos

1. O DIREITO SOCIAL E A ORDEM SOCIAL

Os direitos sociais, genericamente referidos no artigo 6.º da Constituição Federal, estão presentes em toda a Carta, em especial nos artigos 7.º e 193 a 232.

Direitos Sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, nos dizeres de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Malheiros, 2002. p. 285), “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade”.

Nos termos do artigo 6.º da Constituição Federal, são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia (Emenda Constitucional n. 26/2000), o lazer, a segurança, a previdência, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Quanto à ordem social, esclarece José Afonso da Silva (obra citada, p. 804) que, “Forma ela com o título dos direitos fundamentais o núcleo substancial do regime democrático instituído”. E critica expondo que “o título da ordem social misturou assuntos que não se afinam com essa natureza. Jogaram-se aqui algumas matérias que não têm um conteúdo típico de ordem social. Ciência e tecnologia e meio ambiente só entram no conceito de ordem social, tomada essa expressão em sentido bastante alargado. Mesmo no sentido muito amplo, é difícil encaixar a matéria relativa aos índios no seu conceito”.

2. DOS DIREITOS SOCIAIS

2.1. Dos Direitos dos Trabalhadores

O artigo 7.º da Constituição Federal especifica parte dos direitos garantidos aos trabalhadores urbanos e rurais.

A expressão “trabalhadores” engloba tanto aqueles que exercem trabalho com vínculo de subordinação, devidamente registrados, como também aqueles que exercem trabalho sem qualquer vínculo empregatício.

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Temos como assuntos mais relevantes:

A proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa (lei complementar disciplinará a indenização compensatória, entre outros direitos). No entanto, até que venha a lei complementar, a indenização deve observar o disposto no artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê acréscimo de 40% sobre o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) como indenização.

Quanto à Convenção 158/82 da Organização Internacional do Trabalho (que, entre outros dispositivos, proíbe a despedida do empregado sem justa causa), aprovada em 1992 por meio do Decreto Legislativo n. 68, prevaleceu a tese no sentido de que ela não produz seus efeitos porque a matéria exige lei de natureza complementar.

A previsão do seguro em caso de desemprego involuntário (Lei n. 7.998/90). O custeio do programa está previsto no artigo 239 da Constituição Federal.

Admite-se o salário in natura (alimentação, habitação etc.), nos percentuais previstos em lei, mas pelo menos 30% do salário mínimo deve ser pago em dinheiro (artigo 82 da Consolidação das Leis do Trabalho).

Irredutibilidade de salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

O acordo coletivo é firmado entre a empresa e o sindicato dos empregados. A convenção coletiva, por sua vez, é firmada entre o sindicato dos empregados e o sindicato patronal.

As deliberações vinculam todos os trabalhadores da categoria ou da empresa, sindicalizados ou não.

Décimo terceiro salário com base na remuneração integral, ou no valor da aposentadoria.

Remuneração do trabalho noturno maior que a do trabalho diurno. O trabalho noturno, para os trabalhadores urbanos, abrange o período das 22:00 às 5:00 horas, enquanto, para os trabalhadores da lavoura, das 21:00 às 5:00 horas e, para os trabalhadores da pecuária, das 20:00 às 4:00 horas (Lei n. 5.889/73).

Participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração.

Jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais, permitida a compensação de horários e a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva. Admite-se também a jornada de 6 horas ininterruptas.

Horas extras remuneradas, no mínimo, em 50% acima das horas normais.

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Férias anuais remuneradas e acrescidas de 1/3, e repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.

Licença-gestante de 120 dias e licença-paternidade (normalmente é de cinco dias).

Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e de, no mínimo, 30 dias.

Adicional de insalubridade e de periculosidade.

Aposentadoria (artigo 202 da Constituição Federal).

Proteção em face da automação, na forma da lei.

Seguro contra acidente de trabalho, sem exclusão da indenização decorrente de dolo ou culpa. Assim:

Subsiste, portanto, a Súmula n. 229 do Supremo Tribunal Federal, que admite a cumulação da reparação do dano por infortúnio laboral (acidente do trabalho), a cargo da Previdência Social, com a indenização baseada no dolo ou na culpa grave do empregador (direito comum). A indenização é cumulativa e não complementar.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que também a culpa leve dá direito à indenização pelo direito comum (RSTJ 26/514 e 53/135). A competência é da Justiça Estadual (Súmula n. 15 do STJ).

Ação por crédito trabalhista, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a rescisão do contrato de trabalho (redação do inciso XXIX do artigo 7.º da Constituição Federal, em acordo com a Emenda Constitucional n. 28/2000).

Em ambos os casos, portanto, o prazo para a propositura da ação é de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, podendo os trabalhadores reclamar apenas os direitos relativos aos cinco anos anteriores à propositura da ação.

O artigo 233 da Constituição Federal, que também tratava do tema, foi revogado pela Emenda Constitucional n. 28/2000.

Contra o menor de 18 anos não corre a prescrição.

Proibição de distinção de salários ou de discriminação quanto à admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil. A Lei n. 9.029/95 proíbe a exigência de teste de gravidez ou prova de esterilização para fins de admissão.

Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos.

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Proibição de qualquer trabalho ao menor de 16 anos, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (redação da Emenda Constitucional n. 20). O artigo 403 da Consolidação das Leis do Trabalho já vedava qualquer trabalho para o menor de 12 anos. Nesse sentido:

Dos 14 aos 16 anos o menor pode realizar trabalhos leves, na condição de aprendiz, desde que seja garantida sua freqüência à escola. Garante-se a chamada bolsa de aprendizagem de, pelo menos, 1/2 salário mínimo.

Ao aprendiz entre 14 e 18 anos são assegurados os direitos trabalhistas, previdenciários e salário não inferior a 1/2 salário mínimo (artigo 80 da Consolidação das Leis do Trabalho). Ao adolescente entre 16 e 18 anos que não trabalha como aprendiz é garantido o salário mínimo integral.

Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional, ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.

A matéria está disciplinada na Consolidação das Leis do Trabalho e nos artigos 60 a 69 da Lei n. 8.069/90.

Aos trabalhadores domésticos assegura-se apenas parte dos direitos conferidos aos demais trabalhadores.

Salário mínimo, nacionalmente unificado e capaz de atender às necessidades vitais e básicas dos trabalhadores.

2.2. Liberdade Sindical

De acordo com o artigo 8.º da Constituição Federal, é livre a associação profissional ou sindical. Assim como as associações, os sindicatos não necessitam de autorização do Estado para a sua fundação, embora seja exigível o registro dos estatutos no órgão competente. A matéria também está disciplinada pelos artigos 511 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho.

Os aposentados filiados podem votar e ser votados nas organizações sindicais.

Por um lado, o Estado não pode intervir ou interferir na organização sindical. Por outro lado, ninguém pode ser obrigado a se filiar ou a se manter filiado a sindicato.

Aos militares são proibidas a sindicalização e a greve (artigo 142, inciso IV, da Constituição Federal).

O servidor público civil tem direito à sindicalização (artigo 37, inciso IV, da Constituição Federal) e à greve. A greve pode ser exercida nos termos e nos limites da lei complementar pertinente à matéria.

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No inciso II do artigo 8.º da Constituição Federal, o legislador consagrou a unicidade sindical, ou seja, na mesma base territorial (que no mínimo é a área de um Município) só se admite um único sindicato por categoria profissional.

Ao sindicato cabe a defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria.

A contribuição confederativa, que em regra corresponde a um dia de trabalho por ano, não tem natureza tributária e somente pode ser exigida dos confederados. A contribuição sindical prevista no artigo 149 da Constituição Federal tem natureza tributária e é compulsória, podendo ser exigida inclusive dos que não são sindicalizados.

Nas negociações coletivas de trabalho, é obrigatória a presença dos sindicatos.

O inciso VIII do artigo 8.º da Constituição Federal confere uma espécie de estabilidade provisória aos sindicalistas, vedando a sua dispensa (exceto em caso de falta grave) a partir do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o término do mandato.

Também desfrutam da estabilidade provisória as gestantes e os diretores da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, nos termos do inciso II do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

2.3. Direito de Greve

O artigo 9.º da Constituição Federal assegura o direito de greve e garante a soberania da decisão dos trabalhadores sobre a oportunidade e os interesses que a manifestação visa proteger.

Trata-se, como definem inúmeros doutrinadores, de uma abstenção coletiva que é antecedida de uma deliberação tirada da assembléia sindical.

Os parágrafos 1.º e 2.º, no entanto, demonstram que o direito de greve não é absoluto e que as necessidades inadiáveis da coletividade devem ser respeitadas.

A Lei n. 7.783/89, que disciplina a greve, traz como atividades essenciais, entre outras, o tratamento e o abastecimento de água, a assistência médica e hospitalar e a compensação bancária.

O artigo 10 da Constituição Federal assegura a participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados de órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

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O artigo 11 da Constituição Federal prevê que, nas empresas com mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante desses com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores. Não se garante a estabilidade a esse ‘delegado’.

Locaute é a paralisação dos empresários (empregadores) com a finalidade de pressionar o poder público. É vedado no Brasil (artigos 722 da CLT e 17 da Lei 7.783).

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve (artigo 114, inciso II, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 45/2004). Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito (§ 3º do artigo 114 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 45/2004).

3. DA ORDEM SOCIAL

“A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (artigo 193 da Constituição Federal).

A seguridade social visa garantir, com o trabalho conjunto dos poderes públicos e da sociedade, os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Portanto, previdência social é espécie do gênero seguridade social.

3.1. Princípios que Regem a Seguridade Social (parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal)

Os princípios que regem a Seguridade Social, constantes do parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal, são:

I – Universalidade de cobertura e de atendimento. Significa que todas as pessoas têm direito de acesso à saúde, à previdência e à assistência social.

II – Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, ou seja, é vedada qualquer discriminação entre urbanos e rurais.

III – Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, regra que permite ao administrador público priorizar determinados atendimentos e distribuir os benefícios e os serviços de forma a promover os mais necessitados.

IV – Irredutibilidade do valor dos benefícios, regra que é complementada pelos §§ 2.º e 4.º do artigo 201 da Constituição Federal, que dão garantias de que

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nenhum benefício será inferior ao salário mínimo, preservado o poder aquisitivo, nos termos da lei.

V – Eqüidade na forma de participação no custeio. Eqüidade é a realização da justiça no caso concreto e na hipótese que autoriza um tratamento desigual aos desiguais (quem pode mais paga mais). A matéria está disciplinada no artigo 195 da Constituição Federal.

VI – Diversidade da base de financiamento. A fim de se dar segurança ao sistema, o caput e o § 4.º do artigo 195 da Constituição Federal estabelecem fontes diversas para o custeio.

Sobre o tema também merece destaque a regra, contida no § 3.º do artigo 195 da Constituição Federal, pela qual a pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social, como estabelecido em lei (norma de eficácia limitada), não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber incentivos fiscais ou creditícios.

VII – Caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados.

3.2. Da Saúde

O artigo 196 da Constituição Federal ratifica o disposto no inciso I do artigo 194 (princípio da universalidade), estabelecendo que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

O artigo 197 da Constituição Federal dispõe que as ações e os serviços de saúde podem ser executados diretamente pelo Poder Público ou por meio de terceiros (inclusive pessoa física ou jurídica de direito privado). No entanto, diante da relevância pública de tais ações e serviços, sempre cabe ao Poder Público, nos termos da lei, dispor sobre a regulamentação, a fiscalização e o controle das atividades.

O artigo 198 da Constituição Federal prevê o chamado Sistema Único de Saúde (SUS), cuja manutenção é feita com os recursos da seguridade social e outras não especificadas. Celso Bastos leciona que o SUS “consiste numa integração das ações e serviços públicos de saúde, tendo por diretrizes o princípio da descentralização, no nível de cada esfera de governo, o atendimento integral e a participação da comunidade”.

Segundo o artigo 199 da Constituição Federal é livre à iniciativa privada a atuação na área de assistência à saúde, podendo inclusive atuar, de forma complementar, no Sistema Único de Saúde, via convênio ou contrato público (com preferência para as entidades filantrópicas e para as sem fins lucrativos). O convênio se caracteriza como um sistema de cooperação que, ao contrário do

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contrato, admite que qualquer dos participantes se desvincule da empreitada sem qualquer sanção.

Veda-se, no entanto, a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções a instituições privadas (de saúde ou de previdência privada) com fins lucrativos, bem como a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

Atualmente, as regras gerais que regem os planos e seguros de saúde estão previstas na Lei n. 9.656/98.

O § 4.º do artigo 199 da Constituição Federal dita que a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado qualquer tipo de comercialização.

Segundo Walter Ceneviva, a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas restringe-se “a finalidades de transplante, pesquisa e tratamento”.

O artigo 200 da Constituição Federal especifica algumas das atribuições do SUS.

A Emenda Constitucional n. 29, de 14.9.2000, que entre outras regras estabelece que os Municípios terão de ampliar os recursos destinados às ações e serviços públicos de saúde, alterou a redação do § 4.º do artigo 156 da Constituição Federal, a fim de – sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4.º, inciso II, da Constituição Federal – autorizar o IPTU progressivo em razão do valor do imóvel e, ainda, alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e o uso do imóvel.

Há precedentes jurisprudenciais reconhecendo que a responsabilidade para o fornecimento de medicamentos e equipamentos necessários aos tratamentos de saúde é solidária da União, dos Estados e dos Municípios (RESP 195159/RS, j. 04/10/2001, 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, tese que encontra respaldo na competência administrativa comum prevista no artigo 23, inciso II, da Constituição Federal.

A dignidade da pessoa humana, conjunto de direitos fundamentais que inclui uma vida sem sofrimentos evitáveis, está topificada dentre os fundamentos e não dentre os objetivos da Constituição Federal, não devendo ser tratada como mera norma programática sem qualquer eficácia imediata.

Muitas vezes o Poder Público manifesta sua recusa em fornecer medicamentos de alto custo com base na Teoria da Reserva do Possível, pela qual se não é possível atender a todas as demandas, cabe ao Poder Executivo estipular quais são as prioridades a serem atendidas. A tese, em regra, não é aceita, porque

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desacompanhada de prova de que forma respeitadas as prioridades estabelecidas na Constituição Federal (dentre elas o direito à vida)

3.3. Da Previdência Social

A própria Constituição Federal restringe a participação na Previdência Social aos seus contribuintes, aos segurados e seus dependentes. Admite, porém, que qualquer pessoa participe dos benefícios, mediante contribuição na forma dos planos previdenciários.

As coberturas proporcionadas pela Previdência Social estão relacionadas no artigo 201 da Constituição Federal, sendo hoje as mais freqüentes as seguintes:

I – A pensão por morte (artigo 74 da Lei n. 8.213/91), devida ao conjunto dos dependentes do segurado (aposentado ou não) que falecer.

Havendo mais de um pensionista, a pensão por morte será rateada entre todos, em partes iguais. Cessando o direito de algum dos dependentes, sua parte reverterá em favor dos demais.

O filho, irmão ou dependente designado do segurado morto perde sua parte na pensão quando completa 21 anos, independentemente de qual seja seu sexo, salvo se for inválido.

II – O salário-maternidade (artigos 71 a 73 da Lei n. 8.213/91) é devido à segurada empregada, à trabalhadora avulsa e à empregada doméstica, durante 28 dias antes e 92 dias depois do parto.

O valor do salário-maternidade para a empregada ou trabalhadora avulsa consiste em uma renda mensal igual à sua remuneração mensal e será pago pela empresa, efetivando-se a compensação, quando do recolhimento das contribuições, sobre a folha de salários.

O salário-maternidade da empregada doméstica é pago diretamente pela Previdência Social, em valor correspondente ao seu último salário de contribuição.

III – O seguro-desemprego, disciplinado na Lei n. 7.998/90, é analisado juntamente com o artigo 7.º da Constituição Federal.

3.4. Aposentadorias do Setor Privado e dos Professores

As regras gerais da aposentadoria estão previstas no artigo 202 da Constituição Federal, norma de eficácia limitada que foi regulamentada pela Lei n. 8.213/91 e que sofreu diversas alterações pela Emenda Constitucional n. 20/98, merecendo alguns destaques.

A aposentadoria é assegurada quando observadas as seguintes condições:

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I – Trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher.

II – Sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nesses incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. O prazo mínimo de carência está previsto no artigo 25 da Lei n. 8.213/91.

Os requisitos são independentes, ou seja, o primeiro trata da aposentadoria por tempo de contribuição e o segundo da aposentadoria por idade, não se exigindo cumulatividade de ambos para a concessão do benefício. O entendimento, porém, não é pacífico, sendo a regulamentação da matéria ainda feita pela Lei n. 8.213/91.

III – Após 30 anos de contribuição, ao professor, e, após 25 anos, à professora, por exclusivo e efetivo exercício na função do magistério na educação infantil e no ensino fundamental ou médio.

Os proventos (valores pagos a título de aposentadoria), que têm por base o salário de contribuição, são de no mínimo um salário mínimo nacional. O valor máximo (R$ 2.400,00 na data da publicação da emenda, reajustáveis para garantir seu valor real) está previsto no artigo 5º da Emenda Constitucional 41/03.

Admite-se a adesão facultativa ao regime de previdência privada, de natureza complementar (artigo 202 da Constituição Federal).

Os aposentados e pensionistas têm direito à gratificação natalina, que é paga com base no valor dos proventos de dezembro de cada ano.

Por fim, a Constituição Federal assegura a contagem recíproca do tempo de contribuição na Administração Pública e na atividade privada, rural e urbana.

3.4.1. Da aposentadoria dos servidores (artigo 40 da Constituição Federal)

Os servidores efetivos e vitalícios que ingressarem no serviço público após a publicação da Emenda Constitucional 41 ( 31/12/03), os comissionados, os temporários e os empregados públicos estão sujeitos ao regime geral da previdência social.

O servidor vitalício e o servidor efetivo que ingressaram no serviço público até 31/12/03, contudo, têm direito à aposentadoria integral, observadas as regras de transição das Emendas Constitucionais 20 e 41 ( em especial o artigo 6º desta).

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As aposentadorias de todos os servidores públicos estão sujeitas ao desconto da contribuição para a seguridade social sobre os valores que superarem o limite do regime geral da previdência (artigo 40, § 18, da Constituição Federal, e artigo 4º da Emenda Constitucional 41).

Os requisitos de idade e tempo de contribuição são reduzidos em cinco anos para quem comprovar exclusivamente tempo de efetivo serviço no exercício das funções de magistério na educação infantil, ensinos fundamental e médio, nos termos do § 5º do artigo 40 da Constituição Federal.

A aposentadoria compulsória é efetivada aos 70 anos de idade.

O servidor poderá ser aposentado por invalidez, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. A aposentadoria será efetivada com proventos integrais se a invalidez decorrer de acidente do trabalho, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei.

Nos termos do § 9.º do artigo 201 da Constituição Federal, para efeito de aposentadoria é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na Administração Pública e na atividade privada, rural ou urbana.

O benefício da pensão por morte, naquilo que superar os limites do regime geral da previdência social, também está sujeito a redutores e a descontos relativos à contribuição previdenciária ( artigo 40, §§ 7º e 18, da Constituição Federal, e artigo 4º da Emenda Constitucional 41).

A aposentadoria está sujeita à reversão (cessação dos motivos da aposentadoria por invalidez, com o retorno do inativo ao serviço) e à cassação (assemelha-se à demissão).

3.5. Da Assistência Social

A assistência social deve ser prestada a todos que dela necessitam, independentemente de contribuição para a Previdência Social. Os objetivos estão especificados no artigo 203 da Constituição Federal e demonstram que a assistência social visa atender aos desvalidos em geral (crianças, idosos e famílias carentes, desempregados, deficientes etc.).

Aos idosos e aos portadores de deficiências que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, garante-se um salário mínimo mensal.

A Assistência Social é financiada pelos recursos da seguridade social e de outras fontes. O critério é denominado solidariedade-financeira por José Afonso da Silva, já que os recursos procedem do orçamento geral da seguridade social e não de contribuições específicas de eventuais destinatários.

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Quanto à erradicação da pobreza, observe-se a Emenda Constitucional n. 31, de 14.12.2000 que, acrescentando os artigos 79 a 83 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulamentado por lei complementar.

3.6. Da Educação

Ao estabelecer que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família (artigo 205 da Constituição Federal), garantindo a gratuidade do ensino público fundamental em estabelecimentos oficiais (com progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio) e a igualdade de acesso e permanência na escola (artigos 206 e 208 da Constituição Federal), o constituinte acolheu o princípio da universalidade do ensino.

Portanto, o acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito, é um direito público subjetivo e de eficácia plena (§ 1.º do artigo 208 da Constituição Federal). O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente e autoriza a propositura das medidas judiciais que garantam a oferta, sem prejuízo da destinação de bolsas de estudos patrocinadas pelo Estado, quando houver falta de vagas nos estabelecimentos de ensino oficial, fundamental e médio, na localidade de residência do educando (§ 1.º do artigo 213 da Constituição Federal).

A regra é a gratuidade do ensino público oferecido nos estabelecimentos oficiais. No entanto, algumas instituições oficiais criadas por leis estaduais ou municipais, antes da Constituição Federal de 1988, desde que não sejam total ou preponderantemente mantidas pelo Poder Público, podem não ser gratuitas (artigo 242 da Constituição Federal).

Garante-se também a creche e a pré-escola para crianças até seis anos, o atendimento especializado para o deficiente e o ensino noturno.

A família, por sua vez, deve observar que o ensino fundamental é obrigatório e que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (artigo 229 da Constituição Federal). Hoje são comuns as denúncias, ofertadas pelo Ministério Público, com base no artigo 246 do Código Penal, ou seja, inúmeros pais ou responsáveis têm sido processados por crime de abandono intelectual.

Outros princípios básicos do ensino são a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar, divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas (artigo 206 e seus incisos).

A universidade goza de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira, podendo inclusive contratar professores estrangeiros desde a Emenda Constitucional n. 11/96 (artigo 207 da Constituição Federal).

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É garantida a coexistência do ensino público com o ensino privado, desde que a iniciativa privada cumpra as normas gerais da educação nacional. Ao Poder Público cumpre autorizar e avaliar o ensino prestado por instituições privadas.

O ensino religioso e a destinação de recursos públicos a escolas confessionais e comunitárias estão previstos no artigo 213 da Constituição Federal.

A União é obrigada a aplicar, anualmente, pelo menos 18% da sua receita de impostos na manutenção e no desenvolvimento do ensino. O percentual obrigatório sobe para 25% no caso dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 212 da Constituição Federal).

A aplicação do mínimo exigido dos impostos estaduais é regra classificada entre os princípios constitucionais, cuja inobservância pode autorizar a intervenção federal no Estado.

3.7. Da Cultura

A Constituição Federal garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, autorizando até mesmo que a lei estabeleça incentivos para a produção e para o conhecimento de bens e valores culturais.

A proteção do patrimônio cultural autoriza, entre outros meios, o tombamento e a desapropriação.

3.8. Do Desporto

A Constituição Federal também impõe ao Estado o dever de fomentar práticas desportivas formais (segundo regras pré-fixadas) e não-formais (prática de atividades livres), garantindo a autonomia das entidades desportivas quanto à organização e ao funcionamento.

Conforme o inciso XXXV do artigo 5.º, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Ao contrário da Constituição do Império e de outras que estabeleciam pré-requisitos para alguém ingressar em Juízo (segundo a Emenda Constitucional n. 7, de 1977, dando nova redação ao artigo 153 da Constituição Federal de 1967, ditava que o “ingresso em Juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida a garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de 180 dias para a decisão sobre o pedido”; o Ato Institucional n. 5, de 1969, excluiu da apreciação do Poder Judiciário os atos praticados pelo comando do golpe militar de 1964 etc.), a Constituição Federal de 1988 estabelece a regra de que o direito de acesso à Justiça, visando a apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito, não depende de qualquer procedimento administrativo prévio e não pode ser excluído pela lei.

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O Brasil, portanto, não adota o chamado contencioso administrativo puro, no qual um organismo administrativo desempenha funções jurisdicionais sem fazer parte do Poder Judiciário.

Os recursos administrativos hoje previstos, portanto, são opcionais e não obrigatórios. Foi abolida a instância administrativa de curso forçado.

Uma exceção, porém, está prevista no artigo 217, § 1.º, da Constituição Federal, que ainda prevê a jurisdição condicionada e cuja redação é a seguinte:

“O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça desportiva, regulada em lei.”

O prazo máximo para a Justiça desportiva proferir sua decisão final é de 60 dias, contados da instauração do processo.

A Justiça desportiva não é um órgão do Poder Judiciário e está disciplinada, em especial, na Lei n. 9.615/98.

A Lei 10.671/03 instituiu o Estatuto do Torcedor e desde janeiro de 2004 vigora o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, aprovado pelo Conselho Nacional de Esporte ( órgão do Ministério do Esporte).

3.9. Da Ciência e Tecnologia

A Constituição Federal determina que o Estado dê prioridade à pesquisa científica, autorizando até condições especiais de trabalho aos pesquisadores e facultando, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, a vinculação de parcela de suas receitas orçamentárias a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

3.10. Da Comunicação Social

Compete ao Poder Executivo Federal (artigos 21, inciso XII, alínea “a”, e 223 da Constituição Federal) outorgar e renovar concessão, permissão ou autorização para o serviço de radiodifusão sonora (o prazo para as emissoras de rádio é de 10 anos) e de sons e imagens (o prazo para as emissoras de televisão é de 15 anos). O ato de outorga ou renovação, porém, somente produzirá efeito após a deliberação pelo Congresso Nacional (artigo 48, inciso XII, e artigo 223, § 3.º, observados os prazos previstos nos §§ 2.º e 4.º do artigo 64, todos da Constituição Federal).

A não-renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, 2/5 do Congresso Nacional, em votação nominal, desde que tal quórum corresponda à maioria dos votos colhidos. O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial.

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O § 1.º do artigo 222 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional n. 36, de 28.05.02, estabelece que pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. A norma é de eficácia limitada, foi regulamentada pela Lei n. 10.610, de 20/12/02.

A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.Visando evitar a clandestinidade, a lei exige que os jornais, as demais publicações periódicas e as empresas de radiodifusão, entre outras, sejam matriculados no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas (artigos 8.º a 11 da Lei n. 5.250/67).

Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. Tal orientação permite a difusão das TVs comunitárias, a cabo etc.

3.11. Do Meio Ambiente

A Constituição Federal ampara as restrições impostas à propriedade para a proteção do meio ambiente, admitindo expressamente a criação de áreas de proteção ambiental, prevendo a educação ambiental em todos os níveis de ensino e autorizando a imposição de sanções penais e administrativas àqueles que lesarem o meio ambiente, sem prejuízo da obrigatoriedade quanto à reparação dos danos.

3.11.1. A questão do meio ambiente e o Ministério Público

Quanto ao meio ambiente, um dos bens destacadamente protegidos por intermédio da ação civil pública, merece atenção o fato de que a responsabilidade decorrente de danos contra ele verificados é objetiva, nos termos da Lei n. 7.802/89. Basta que o autor da ação civil pública demonstre o nexo de causalidade entre a conduta do réu e a lesão ao meio ambiente a ser protegido (artigo 14, § 1.º, da Lei n. 6.938/81) para que seja imputada a responsabilidade civil decorrente do dano. Conforme ensina Hely Lopes Meirelles1: “Se o fato argüido de lesivo ao meio ambiente foi praticado com licença, permissão ou autorização da autoridade competente, deverá o autor da ação – Ministério Público ou pessoa jurídica – provar a ilegalidade de sua expedição, uma vez que todo ato administrativo traz a presunção de legitimidade, só invalidável por prova em contrário”.

Os crimes contra o meio ambiente estão disciplinados na Lei n. 9.605/98.

Entre as funções institucionais do Ministério Público está a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção ao meio ambiente. De acordo 1 Direito de Construir. 5.ª ed. São Paulo: RT, 1987. p. 188.

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com o artigo 5.º, § 6.º, da Lei n. 7.347/85, os órgãos públicos legitimados (o Ministério Público está entre eles) poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que têm eficácia de título executivo extrajudicial.

3.12. Dos Índios

Compete privativamente à União legislar sobre as populações indígenas, vigorando no presente a Lei n. 6.001/73 (Estatuto do Índio).

Nos termos do artigo 231 da Constituição Federal, garante-se aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcá-las (procedimento disciplinado pelo Decreto n. 1.775/96).

Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em Juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (artigo 232 da Constituição Federal). Também é atribuição institucional do Ministério Público defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (artigo 129, inciso V, da Constituição Federal).

Compete à Justiça Federal processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas (inciso XI do artigo 109 da Constituição Federal), embora interesses individuais ou mesmo coletivos dos índios (que não envolvam propriamente os direitos e interesses das populações indígenas) possam ser defendidos por iniciativa do Ministério Público dos Estados, perante a Justiça Estadual.

Nos termos do § 5.º do artigo 231 da Constituição Federal, é vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após a deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

Indigenato é a denominação do conjunto de normas constitucionais que dispõe sobre a relação dos índios com suas terras. É a fonte primária e congênita da posse territorial, conforme leciona José Afonso da Silva2

3.13. A Família, a Criança, o Adolescente e o Idoso

Em seu artigo 226, a Constituição Federal dispõe que a família é a base da sociedade e que por isso tem especial proteção do Estado.

O casamento civil, cuja celebração é gratuita, não é mais a única fonte da chamada entidade familiar, pois também se entende como entidade

2 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 17ª edição, 2000, p.828.

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familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, bem como a união estável entre o homem e a mulher.

De acordo com o novo Código Civil (artigo 1.723), o que caracteriza a união estável é a convivência pública, contínua e duradoura entre homem e mulher, com o objetivo de constituição de família. Ressalvada a existência de contrato escrito dispondo de forma diversa, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, as regras da comunhão parcial de bens, observando-se quanto à sucessão as disposições do artigo 1.790 do novo Código Civil.

As regras do novo Código Civil aboliram as distinções entre companheiros (Lei 8.971/94, que exigia o prazo de cinco anos de convivência) e os conviventes (Lei 9.278/96, que impunha relação contínua, mas não o prazo de 05 anos).

A Lei n. 9.278/96 prevê que todas as matérias decorrentes da união estável entre homem e mulher serão discutidas junto às Varas de Família.

Os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 1.596 do Código Civil).

Como já foi visto ao estudarmos a igualdade, em qualquer das hipóteses (casamento ou união estável) os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

O planejamento familiar é de livre decisão do casal, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições particulares ou privadas. Ao Estado, porém, cabe propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do livre planejamento familiar.

Ainda dentro do tópico reservado à paternidade responsável, destaque-se que, nos casos de menor com apenas a maternidade estabelecida, a Lei n. 8.560/92 obriga o oficial responsável pelo registro de nascimento a indagar o nome e demais dados do suposto pai, encaminhando ao juiz as informações obtidas para que se busque o reconhecimento da paternidade.

O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, que admite as seguintes espécies:

Conversão de separação judicial realizada há mais de um ano em divórcio. A separação judicial pode ser: consensual, desde que o casamento tenha mais de um ano (artigo 1.574 do Código Civil); litigiosa, independentemente do tempo do casamento, quando algum dos cônjuges imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum; e a separação-falência, quando comprovada

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a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo e a impossibilidade de sua reconstituição.

O divórcio admite a forma direta, que tem por base a separação de fato por mais de dois anos ou a forma de conversão da separação judicial existente há mais de um ano (artigo 1.580 do Código Civil).

O artigo 227 da Constituição Federal determina que a proteção integral à criança e ao adolescente goza de absoluta prioridade e é um dever da família, da sociedade e do Estado, que devem colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Proteção semelhante é estabelecida em favor dos idosos (artigo 230 da Constituição Federal).

A adoção por estrangeiros é admitida pela Constituição Federal de forma excepcional, nos termos da lei.

São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sem prejuízo da responsabilização por atos infracionais. A Lei n. 8.069/90, no entanto, admite medidas sócio-educativas que vão desde a advertência até a internação.

Os procedimentos pertinentes à apuração de atos infracionais devem observar os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Assim como os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

As pessoas idosas, que em regra são consideradas aquelas com idade igual ou superior a 60 anos (cf. Lei n. 10.741/03 – Estatuto do Idoso, que prevê ampla atuação do Ministério Público) devem ser amparadas pelo Estado, pela família e pela sociedade, tendo assegurada sua participação na comunidade, com dignidade, bem-estar e garantia do direito à vida.

Aos maiores de 65 anos de idade é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (artigo 230, § 2.º, da Constituição Federal,c.c o artigo 39 da Lei 10.741/03).

A Lei n. 10.173/2001 já garantia prioridade no trâmite dos processos que têm como parte pessoa com idade igual ou superior a 65 anos ( artigo 1.211, A, B e C do CPC).

A Lei n. 10.048/2000 dá prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência física e às gestantes.

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meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. O que se entende por direitos políticos?

2. Cite as principais diferenças existentes entre direito social e direito econômico.

3. Como são classificados os direitos sociais?

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4. Comente o direito de greve.

5. O direito à saúde comporta duas vertentes. Quais são elas?

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XXIII

DIREITO CONSTITUCIONALOs Princípios Constitucionais Tributários

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Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Os Princípios Constitucionais Tributários

Professor Clever Vasconcelos

1. INTRODUÇÃO

Os princípios constitucionais tributários específicos estão estabelecidos nos artigos 145 a 152 da Constituição Federal.

O artigo 145 explicita a possibilidade de criação pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios das três espécies de tributos reconhecidas pela doutrina clássica: os impostos, as taxas e as contribuições de melhorias. Contudo, diante do exposto nos artigos 148 e 149 (inseridos no capítulo do Sistema Tributário Nacional), inúmeros autores sustentam que as contribuições sociais e os empréstimos compulsórios também são espécies do gênero tributo.

A Emenda Constitucional 39/02 inseriu o artigo 149-A na Constituição Federal, autorizando os Municípios e o Distrito Federal a instituir a Cosip (Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública).

Os impostos foram atribuídos separadamente a cada um dos entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), conforme consta dos artigos 147 e 153/156 da Constituição Federal, embora parte da receita obtida com alguns impostos seja partilhada para atender ao princípio do federalismo cooperativo (artigo 157 da Constituição Federal). À União atribuiu-se, ainda, a competência para instituir impostos que não estão expressamente previstos nos artigos 153 a 156 (competência residual), observadas as regras do artigo 154, inciso I, todos da Constituição Federal.

Algumas questões tributárias foram reservadas a leis complementares (artigo 146 da Constituição Federal) e por isso não podem ser disciplinadas por outra espécie normativa (artigos 146, 148 e 154, inciso I, da Constituição Federal, entre outras hipóteses).

O poder de tributar, no entanto, não é ilimitado, estando as principais limitações previstas nos artigos 150 e 151 da Constituição Federal (regras por alguns denominadas estatuto dos contribuintes).

2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ARTIGO 150, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser por lei. O Código Tributário Nacional normalmente utiliza a palavra lei em seu sentido

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restrito, como sendo a norma geral e abstrata editada pelo ente político competente, observado o processo exigido na Constituição Federal. A expressão “legislação tributária”, por sua vez, compreende as leis, os decretos e outros atos normativos (artigo 96 do Código Tributário Nacional).

Quanto aos decretos, o Código Tributário Nacional é explícito em só admitir decretos regulamentares ou de execução (artigo 99), critério que, aliás, confirma o enquadramento constitucional dos decretos (artigos 49, inciso V, e 84, inciso IV, ambos da Constituição Federal).

O decreto, espécie mais comum dos atos normativos, costuma ser definido como o ato administrativo de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo (federal, estadual ou municipal), destinado a dar eficácia a situações gerais ou especiais previstas de forma explícita ou implícita na lei. Não tem força, portanto, para criar direitos ou extinguir obrigações, ou seja: no que for além da lei, não obriga; no que for contra a lei, não prevalece.

Alguns autores, no entanto, admitem o decreto denominado autônomo ou independente, o decreto que visa suprir a omissão do legislador dispondo sobre matéria ainda não especificada em lei e que não esteja sujeita ao princípio da reserva legal. Neste sentido, Hely Lopes Meirelles1.

Excepcionalmente, a própria Constituição Federal admite que o Poder Executivo (normalmente via decreto), nos limites da lei, altere as alíquotas do Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operação Financeira, dispensando inclusive a observância do princípio da anterioridade (artigos 150, § 1.º, e 153, § 1.º, ambos da Constituição Federal).

2.1. As Medidas Provisórias

Em casos de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar as medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (artigo 62 da Constituição Federal).

Há precedentes do Supremo Tribunal Federal, dos anos de 1991 e 1993, relativos ao artigo 27 da Constituição de Tocantins, que negaram liminar e validaram medida provisória editada pelo Governador daquele Estado (ADINs ns. 425 e 812).

De acordo com a Emenda Constitucional n. 32/01, a medida provisória perde a eficácia, desde a sua edição, se não for convertida em lei no prazo de 60 dias. Admite-se a prorrogação automática do prazo, por mais 60 dias, uma única vez, caso os 60 dias originários se esgotem sem a apreciação da medida provisória pelas duas Casas do Congresso Nacional.

1 Direito Administrativo Brasileiro. 17.ª ed. Malheiros. p. 162.

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As medidas provisórias editadas em data anterior à publicação da Emenda Constitucional n. 32 continuam em vigor, sem limitação de prazo, até que medida provisória ulterior (posterior) as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Caso o Congresso Nacional venha a rejeitar a medida provisória, em 60 dias deverá disciplinar (por decreto legislativo) as relações jurídicas dela decorrentes, pois, do contrário, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a sua vigência conservar-se-ão por ela regidos.

Editada a medida provisória, o Presidente da República deverá, de imediato, remetê-la para a apreciação do Congresso Nacional.

O antigo decreto-lei (excluído de nosso ordenamento jurídico pela Constituição Federal/88 e que era cabível somente para disciplinar as matérias expressamente previstas na Constituição Federal), se não fosse votado em 60 dias, era considerado tacitamente aprovado.

Expressamente é vedada a edição de medida provisória: I - sobre as matérias relativas a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia dos seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no artigo 167, § 3.º (que trata de despesas imprevisíveis e urgentes); II - que vise à detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou de qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República; V - relativa à competência exclusiva do Congresso Nacional e suas casas e; VI - para a regulamentação da exploração de serviços locais de gás canalizado pelos Estados (artigo 25, § 2.º, da Constituição Federal).

As medidas provisórias vinham sendo utilizadas para disciplinar matérias tributárias não reservadas às leis complementares, com a anuência do Congresso Nacional e de muitos tribunais, sendo que a Emenda Constitucional n. 32/01 não afasta essas interpretações.

De acordo com o § 2º da redação atual do artigo 62 da Constituição Federal, medida provisória que implique instituição ou majoração da espécie de tributo denominado imposto só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada, regra que atende ao princípio da anterioridade comum previsto no artigo 150, III, “b”, da Lei Maior. Em relação a grande parte dos tributos há que se observar, ainda, a anterioridade nonagesimal prevista artigo 150, III, “c”, da Constituição Federal (Emenda Constitucional 42/03).

Somente poderão ser instituídos ou majorados por medida provisória aqueles impostos que não dependam de lei complementar ou desde que as exigências da

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alínea a do inciso III do artigo 146 da Constituição Federal sejam satisfeitas por lei complementar anterior à MP.

Quanto aos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do artigo 153 da Constituição Federal (impostos de função extrafiscal), bem como em relação ao imposto extraordinário (artigo 154, II, da Constituição Federal), não se aplica o princípio da anterioridade comum, e assim a medida provisória poderá ter incidência no mesmo exercício financeiro e antes mesmo de ser convertida em lei. Observe-se, porém, que as regras pertinentes à instituição e à majoração do IPI estão sujeitas à anterioridade nonagesimal.

Ao menos até a edição da Emenda Constitucional n. 32/01, o Supremo Tribunal Federal vinha admitindo a instituição de contribuição para a seguridade social sobre as fontes já previstas no artigo 195 da Constituição Federal por simples lei ordinária e, conseqüentemente, por medida provisória.

A lei que institui contribuição social com base no § 4.º do artigo 195 da Constituição (sobre outras fontes que não as expressamente previstas na Constituição Federal) tem de ser de natureza complementar, conforme consta da parte final do parágrafo (que remete ao artigo 154, inciso I, da Constituição Federal) e já foi decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.103. Paulo de Barros Carvalho2, com base no artigo 146, inciso III, da Constituição, entende exigível lei complementar para a instituição de qualquer contribuição social.

De qualquer forma, deve ser observada a anterioridade nonagesimal prevista no § 6.º do artigo 195 da Constituição Federal (contagem a partir da publicação da medida provisória), circunstância que no caso concreto pode se mostrar incompatível com a urgência inerente às medidas provisórias.

3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Segundo o princípio da igualdade (artigo 150, inciso II, da Constituição Federal) é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes de situação equivalente.

A base filosófica do princípio da igualdade é o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei.

O princípio da igualdade tributária explicita que a uniformidade do tratamento deve ser observada entre aqueles que têm situação equivalente, e que estejam em condições iguais.

É vedada qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou da função exercida pelo contribuinte.

2 Curso de Direito Tributário. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 36.

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O princípio da igualdade é complementado pelos princípios da personalização e da capacidade contributiva, previstos no artigo 145, § 1.º, da Constituição Federal.

Pelo princípio da personalização e da capacidade contributiva, sempre que possível os impostos devem ter caráter pessoal e ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

A fim de dar eficácia a este princípio, faculta-se à administração, respeitados os direitos individuais e os termos da lei, identificar os rendimentos do contribuinte, seu patrimônio e suas atividades econômicas. A Lei Complementar n. 105/01, que revogou o artigo 38 da Lei dos Bancos (Lei n. 4.595/64), permite que as autoridades e agentes tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que haja processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e a medida seja indispensável, examinem documentos, livros e registros das instituições financeiras, independentemente de autorização judicial.

As alíquotas diferenciadas do imposto de renda representam um exemplo de se efetivar os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, pois, quando bem divididas, distribuem de forma proporcional os ônus de prover as necessidades da coletividade.

A Emenda Constitucional n. 29/00 autoriza o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) progressivo em razão do valor do imóvel e também faculta ao ente político tributante fixar alíquotas progressivas com base na localização do imóvel ou sua destinação.

De acordo com a Súmula 656 do Supremo Tribunal Federal, “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis - ITBI com base no valor venal do imóvel”.

4. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO TRIBUTO COM EFEITO DE CONFISCO (TAMBÉM CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE RAZOÁVEL, ARTIGO 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Esse princípio impõe à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios a vedação de utilizar tributo com efeito de confisco, já que tal circunstância nega vigência ao direito de propriedade garantida pelo artigo 5.º, inciso XXII, da Constituição Federal.

O caráter confiscatório do tributo é analisado pelo Judiciário no caso concreto e deve considerar a carga tributária decorrente da totalidade dos tributos.

Entende-se como confiscatório o tributo que absorve parte considerável do valor da propriedade, aniquila a empresa ou impede o exercício da atividade

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lícita e socialmente aceitável.

5. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

De acordo com o princípio da anterioridade, a Constituição Federal veda a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou os aumentou (artigo 150, inciso III, alínea “b”). Na Constituição Federal anterior, com redação diversa, o artigo 153, § 29, explicitava o mesmo princípio.

Não se confunde o princípio da anterioridade com o princípio da anualidade, em que pese a corrente utilização de tais denominações como sinônimas por autores do porte de Ruy Barbosa Nogueira3 e pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Pelo princípio da anualidade tributária, que não mais existe no Direito brasileiro, a cobrança dos tributos depende de autorização orçamentária anual do Poder Legislativo.

O artigo 141, § 34, segunda parte, da Constituição Federal de 1946, consignava que nenhum tributo “será cobrado em cada exercício financeiro sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. A previsão orçamentária era renovável anualmente.

A Emenda Constitucional 42 aumentou a proteção, pois inseriu a alínea “c” ao artigo 150, III, da Constituição Federal, estabelecendo que, sem prejuízo da anterioridade comum, muitos tributos não podem ser cobrados antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Esta nova anterioridade nonagesimal não se aplica ao empréstimo extraordinário criado para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência, ao Imposto de Renda, aos Impostos de Importação e Exportação, ao Imposto Sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), ao Imposto Extraordinário que pode ser criado em caso de guerra externa e à fixação da base de cálculo do IPTU e do IPVA.

A anterioridade comum, que já estava prevista desde a redação originária da Constituição Federal de 1988, não se aplica ao empréstimo extraordinário criado para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência, aos Impostos de Importação e Exportação, ao Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) ao Imposto Sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) e ao Imposto Extraordinário que pode ser criado em caso de guerra externa

3 Curso de Direito Tributário. 14.ª ed. São Paulo: Saraiva. p. 125.

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O IPI, portanto, não está sujeito à anterioridade comum, porém deve respeitar a anterioridade nonagesimal.

Já o imposto de renda e fixação das bases de cálculo do IPVA e do IPTU não estão sujeitos à anterioridade nonagesimal, porém, a exemplo da maioria dos tributos estão sujeitos à anterioridade comum.

A anterioridade nonagesimal começa a ser contada da data em que foi publicada a lei que instituiu ou aumentou o tributo, e não do exercício financeiro seguinte.

Exemplo: Caso a alíquota do ICMS sobre uma mercadoria seja aumentada por lei publicada em 31/10/04, em respeito à anterioridade noventária a cobrança somente poderá recair sobre fatos geradores ocorridos a partir de fevereiro de 2005. Antes da Emenda Constitucional 42/03, a nova alíquota incidiria sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2005.

As contribuições sociais relativas à seguridade social, desde o texto inaugural da Constituição Federal, só podem ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado (artigo 195, § 6º, da Constituição Federal). É a denominada anterioridade noventária ou nonagesimal. (cf. RE 232.896-PA, j. 2-8-1999), que diante do artigo 150, III, “c”, da Constituição Federal ( Emenda Constitucional 42/03) também passou a incidir sobre demais contribuições sociais de natureza tributária ( que se sujeitam ainda à anterioridade comum).

Assim, caso ocorra o aumento de uma contribuição para a seguridade social por lei ou medida provisória publicada em 31 de março de 2005, a exigência majorada somente incidirá sobre fatos geradores ocorridos a partir de junho de 2005 ( não está sujeita à anterioridade comum).

As exigências de prévia conversão da MP em lei e da observância do princípio da anterioridade comum não atingem os impostos previstos nos artigos 153, I, II, IV e V, e 154, II. O IPI, contudo, embora não esteja sujeito à anterioridade comum, está sujeito à anterioridade nonagesimal do artigo 150, III, “c”, da Constituição Federal.

Observe-se, por fim, a Súmula 669 do Supremo Tribunal Federal, pela qual “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.

As exceções ao princípio da anterioridade só podem ser previstas por norma constitucional, não se admitindo lei complementar para tanto (a Constituição Federal 67, pela Emenda n. 8, de 1977, autorizava o alargamento das exceções previstas na Constituição Federal por lei complementar. A Constituição Federal/88 não autoriza o alargamento por norma infraconstitucional).

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O Supremo Tribunal Federal, antes da Constituição Federal de 1988 firmou entendimento no sentido de que a revogação da isenção tem eficácia imediata, conforme demonstrado pela Súmula 615. Ou seja, ocorrendo a revogação, o tributo pode ser imediatamente cobrado, não estando por isso violado o princípio da anterioridade (artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal). O tributo já estava instituído.

Parte da doutrina sustenta que a exigência de qualquer tributo no mesmo ano em que é revogada a isenção ofende ao princípio da segurança das relações jurídicas, devendo ser observada a anterioridade comum e também a anterioridade nonagesimal (salvo em relação aos tributos cuja própria instituição não se sujeita a tais garantias).

Quanto ao Imposto de Renda, há regra expressa no sentido de que revogação de isenção deve observância ao princípio da anterioridade (artigo 104, inciso III, Código Tributário Nacional).

6. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DOS TRIBUTOS (ARTIGO 150, INCISO III, “a”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Os fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver instituído ou aumentado os tributos (estabelecida a hipótese de incidência) não acarretam obrigações. A lei nova não se aplica aos fatos geradores já consumados (artigo 105 do Código Tributário Nacional).

Pode ocorrer, no entanto, que o fato gerador tenha se iniciado, mas não esteja consumado, se aceita a teoria do fato gerador complexivo, continuado.

Conforme ensina o tributarista Hugo de Brito Machado, “isto se dá especialmente em se tratando de tributo com fato gerador continuado. O imposto de renda é exemplo típico, já que, em regra, só no fim do ano-base se considera consumado o fato gerador de imposto de renda. Assim, se antes disto surge uma lei nova, ela se aplica imediatamente”.4

Embora renomados tributaristas sustentem que o Imposto de Renda (IR) deve ser regulado por lei em vigor e publicada antes do início do ano-base, fundado na Constituição Federal de 1967, o Supremo Tribunal Federal sumulou entendimento contrário. Para a Corte, o fato gerador do imposto de renda se completa em 31/12, e, assim, a lei publicada até tal data aplica-se a todo o período. O entendimento é prejudicial ao princípio da segurança de relações jurídicas (artigo 116, inciso II, do Código Tributário Nacional).

Súmula n. 584 do Supremo Tribunal Federal:

“Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração” (não há desrespeito ao princípio da anterioridade, pois a lei pode ser

4 Curso de Direito Tributário.10a ed. São Paulo: Malheiros.

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publicada em 31 de dezembro e terá vigência a partir de 1.º de janeiro, exercício em que será apresentada a declaração).

Pela Súmula n. 584, o fato gerador é complexivo, porque “só se considera consumado o fato gerador no fim do ano-base”.

Os atos normativos, expedidos pelas autoridades administrativas, devem observância à lei da qual decorrem, mas salvo disposição em contrário entram em vigor na data da sua publicação (artigo 103, inciso I, do Código Tributário Nacional).

Quanto ao lançamento, deve ser observada a legislação aplicável na data da ocorrência do fato gerador, ainda que posteriormente revogada ou modificada (artigo 144 do Código Tributário Nacional).

O princípio da irretroatividade é uma limitação à cobrança de tributos. Portanto, as leis interpretativas, as leis que deixem de definir um fato como infração, aquelas que diminuem a penalidade prevista por ocasião da infração e, sobretudo, as que concedem remissão (perdão total ou parcial de uma dívida)ou anistia, podem ser retroativas (artigo 106 do Código Tributário Nacional).

7. PRINCíPIO DA LIBERDADE DO TRÁFEGO DE PESSOAS OU BENS (ARTIGO 150, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 9.º, INCISO III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL)

O princípio não impede a cobrança de impostos sobre a circulação de mercadorias em operações interestaduais ou intermunicipais, expressamente prevista na própria Constituição Federal, nem afasta a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público (exigência autorizada pelo próprio inciso V do artigo 150 da Constituição Federal).

O que se quer vedar é o tributo que tenha como hipótese de incidência o tráfego intermunicipal ou interestadual de pessoas ou bens, o ir e vir dentro de território nacional.

8. PRINCÍPIO DA IMUNIDADE RECÍPROCA (ARTIGO 150, INCISO VI, “a”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E ARTIGOS 9.º, 11 E SEGUINTES DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL)

A imunidade é uma hipótese de não-incidência constitucionalmente qualificada. Vale dizer: a Constituição impede que a lei de tributação inclua certos fatos na hipótese de incidência de impostos. Só há imunidade, em regra, quanto aos impostos. Excepcionalmente, porém, no artigo 5.º, inciso XXXIV, da Constituição Federal, está prevista a imunidade de taxas em relação ao direito de petição. E no § 7.º do artigo 195, da Constituição Federal, está prevista a imunidade (indevidamente chamada isenção) em relação à contribuição para a seguridade social de entidades beneficentes que atendam aos requisitos previstos em lei.

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Na isenção, ao contrário, é a lei infraconstitucional que retira algumas ocorrências da hipótese de incidência (por exemplo, estabelecendo que determinados produtos não pagam imposto de importação, quando a regra geral prevê o imposto de importação sobre produtos que entram no território nacional). A isenção é denominada hipótese de não-incidência legalmente qualificada.

Pelo princípio da imunidade recíproca, a primeira das imunidades previstas na Constituição Federal (artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal), é vedado à União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, bem como sobre as autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público (são as chamadas pessoas jurídicas de direito público e a extensão quanto às autarquias e fundações, naquilo que está vinculado às suas atividades essenciais, está prevista no § 2.º do artigo 150 da Constituição Federal).

A imunidade não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados. Tal imunidade seria contrária ao princípio da liberdade de iniciativa (artigo 150, § 3.º).

Não estão imunes as atividades prestadas pela pessoa jurídica de direito público em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Em regra, basta haver a exigência da contraprestação para que a atividade seja considerada de natureza econômica e exclua a imunidade.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Por isso, não podem gozar de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado (artigo 173, § 2.º, da Constituição Federal).

9. IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO (ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA “b”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

A imunidade envolve o patrimônio, a renda e os serviços, desde que relacionados com as finalidades essenciais do templo. Assim, não pode incidir imposto sobre o imóvel que sirva de instrumento para a realização de atividade religiosa, como a igreja, a casa paroquial, o convento etc.

A 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal já deliberou que a renda dos imóveis locados, desde que utilizada para a realização das atividades essenciais da entidade religiosa, também desfruta da imunidade (RE n. 144.900, j. de 22.4.1997). No mesmo sentido a Súmula 724 do Supremo Tribunal Federal.

A imunidade não se aplica em relação ao imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre produtos industrializados, operações de crédito, seguro, câmbio e valores mobiliários (IOF), bem como não se aplica ao imposto extraordinário decorrente de guerra externa (artigo 150, § 1.º, da Constituição

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Federal).

10. IMUNIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS, ENTIDADES SINDICAIS DE TRABALHADORES E INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL

A norma é de eficácia contida, dependendo o benefício da observância das regras prescritas em lei (artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal). Conforme leciona Paulo de Barros Carvalho, a lei que prevê tais requisitos é de natureza complementar (artigo 146, inciso II, da Constituição Federal).

A imunidade protege o patrimônio, a renda e os serviços, desde que relacionados com as finalidades essenciais dos entes explicitados; mas, como já mencionado, não é absoluta.

Quanto às entidades educacionais e assistenciais, há que se esclarecer que não ter finalidades lucrativas não significa que a entrada de recursos deve ser limitada aos custos, pois as entidades podem e devem obter recursos destinados ao seu desenvolvimento. O que não pode ocorrer é a distribuição do patrimônio ou dos eventuais lucros, cujo destino é o investimento na própria instituição (Lei Complementar n. 104/01).

O artigo 14 do Código Tributário Nacional traça linhas básicas do conceito, “não ter finalidade lucrativa”, e demonstra que a regra constitucional é de eficácia contida (restringível). Assim, é possível a exigência de requerimento do interessado à autoridade administrativa, que reconhecerá ou não a imunidade (julgamento objetivo e que admite discussão judicial).

11. IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E PAPEL DESTINADO À SUA IMPRESSÃO

A imunidade, embora atinja somente os impostos, deve ser compreendida em seu sentido finalístico, abrangendo inclusive os meios indispensáveis à produção dos objetos imunes, tal como os equipamentos destinados à sua produção (a imunidade inclui o imposto de importação, o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e o imposto sobre produtos industrializados). Há entendimentos contrários, limitando a imunidade.

A imunidade é objetiva e por isso não inclui a empresa jornalística, a empresa editorial, o autor, o livreiro etc., que, em razão dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, deverão pagar impostos sobre o rendimento que obtiverem com o livro, com o jornal etc. A imunidade visa baratear a produção das obras e não enriquecer seus produtores.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a imunidade alcança tanto os periódicos que apenas fornecem informações genéricas de utilidade pública

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como aqueles que sem caráter noticioso ou filosófico veiculam publicidade paga (a exemplo das listas telefônicas) - RE n. 101.441-5-RS.

Desde que não se descaracterizem e sirvam apenas de veículos para a entrega de mercadorias, os livros, jornais e periódicos gozam de imunidade independente do seu conteúdo.

Há quem defenda, com razão, que a imunidade deve abranger outros veículos de idéia que não o papel, como os disquetes, os compact discs (cds) e as fitas de vídeo de conteúdo didático (Embargos Infringentes n. 28.579-5, 8.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel. Paulo Travain, j. de 1.9.1999, Juis Saraiva). A questão, porém, ainda não foi pacificada e muitos entendem que a imunidade só protege o livro impresso.

A imunidade quanto aos impostos não exclui obrigações acessórias (§ 1.º do artigo 9.º do Código Tributário Nacional), como prestar informações ao Fisco, descontar como fonte os impostos devidos por terceiros e repassá-los aos cofres públicos.

12. PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE TRIBUTÁRIA GEOGRÁFICA (ARTIGO 151 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

É vedado à União instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação ao Estado, ao Distrito Federal ou aos Municípios, em detrimento de outro.

Admite-se, porém, inclusive em relação aos tributos federais, a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diversas regiões do País. A lei sobre o tema deve ser de natureza complementar, nos termos dos artigos 43, § 1.º, e artigo 146, ambos da Constituição Federal.

O inciso III do artigo 151 impede que a União institua isenções de tributos da competência dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios, explicitando o princípio de que o poder de isentar é decorrente do poder de tributar. Na Constituição Federal anterior havia regra expressa autorizando a União, mediante lei complementar, de isentar os contribuintes estaduais e municipais. A regra, porém, não impede que a União conceda moratória (prorrogação, parcelada ou não) quanto aos tributos de competência dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que simultaneamente também conceda moratória em relação aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado (artigo 152, inciso I, alínea “b”, do Código Tributário Nacional). Observe-se, ainda, a exceção prevista no artigo 155, § 2.º, inciso XII, alínea “e”, da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de lei complementar federal conceder isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para produtos destinados à exportação (Lei Complementar n. 87/96 - Lei Kandir).

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A importância de referida isenção, contudo, atualmente é reduzida, já que na redação da Emenda Constitucional n. 42/2003 o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea “a”, garante a imunidade contra o ICMS nas operações que destinem mercadorias (industrializadas ou não) para o exterior e também em relação aos serviços prestados a destinatários no exterior (a imunidade é restrita aos serviços que estão sujeitos ao ICMS em território nacional, a exemplo do serviço de comunicação).

Prevalece que somente o exportador imediato é que tem direito à isenção.

A Súmula 129 do Superior Tribunal de Justiça orienta que “O exportador adquire o direito de transferência de crédito do ICMS quando realiza a exportação do produto e não ao estocar a matéria-prima”.

O artigo 152 da Constituição Federal e o artigo 11 do Código Tributário Nacional vedam aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferenças tributárias entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. José Afonso da Silva chama a regra de princípio da não-diferença tributária.

13. A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

O sujeito passivo da obrigação tributária, a pessoa natural ou jurídica obrigada ao cumprimento da imposição, pode ser o contribuinte ou o responsável (artigo 121 do Código Tributário Nacional).

O contribuinte tem relação pessoal e direta com o fato gerador. O contribuinte do Imposto de Renda, por exemplo, é o titular da disponibilidade periódica da renda ou do patrimônio (artigo 45 do Código Tributário Nacional).

O responsável, por sua vez, sem ter relação direta com o fato gerador, por imposição de lei, tem o dever de pagar o tributo. A entidade pagadora dos salários ou produtos é obrigada a reter na fonte o Imposto de Renda incidente sobre os valores pagos.

O conceito de responsável é amplo e engloba o substituto tributário, previsto no artigo 150, § 7.º, da Constituição Federal. Caso não se realize o fato gerador presumido, é assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga. DIREITO CONSTITUCIONAL

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EXERCÍCIOS

CURSO ANUAL - OPÇÃO 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Sobre a medida provisória não podemos afirmar:

a) Admite-se prorrogação automática do prazo, por 60 dias, uma única vez..

b) Possui força de lei, devendo ser submetida ao Congresso Nacional de imediato.

c) Perde sua eficácia se não for convertida em lei no prazo de 60 dias.

d) Pode ser editada, pelo Procurador da República, em caso de relevância e urgência.

2. Assinale a alternativa correta:

a) O princípio da igualdade é complementado pelos princípios da personalização e da capacidade contributiva.

b) Pelo princípio da anterioridade a cobrança dos tributos depende de autorização orçamentária anual do Poder Legislativo.

c) Somente a União pode instituir tributos com efeito confiscatório.

d) Todos os tributos devem obedecer ao princípio da anterioridade.

3. Assinale a alternativa correta:

Princípio da anterioridade Princípio da imunidade recíproca Princípio da irretroatividade dos tributos

I. Veda à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal instituir impostos sobre

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patrimônio, renda ou serviço, uns dos outros.II. A lei nova não se aplica aos fatos

geradores já consumados.III. É vedada a cobrança de tributos no

mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou.

a) III, I, II.b) I, II, III.c) III, II, I.d) II, III, I.

4. Quanto à imunidade tributária podemos afirmar, exceto que:

a) Os templos de qualquer culto são imunes, em seu patrimônio, renda e serviços.

b) Os partidos políticos e as instituições educacionais possuem imunidades.

c) A empresa jornalística e editorial possuem imunidades.d) É vedado à União instituir impostos sobre livros, jornais,

periódicos e papel destinado a sua produção.

5. São princípios relacionados à tributação, exceto:

a) Irretroatividade dos tributos.b) Legalidade.c) Moralidade.d) Anterioridade.

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DIREITO CONSTITUCIONAL6. O que se entende por direitos políticos?

É o conjunto de regras que disciplina o exercício da soberania popular.

7. Cite as principais diferenças existentes entre direito social e direito econômico.

De acordo com José Afonso da Silva, o direito econômico tem uma dimensão institucional, enquanto os direitos sociais constituem formas de tutela pessoal. O direito econômico é o direito da realização de determinada política econômica, os direitos sociais disciplinam situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto. Por fim, pode-se admitir que os direitos econômicos constituirão pressupostos da existência dos direitos sociais, pois, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos.

8. Como são classificados os direitos sociais?

1. Direitos Sociais relativos ao trabalhador, artigos. 7º. a 11, da Constituição Federal;

2. Direitos Sociais relativos à seguridade social compreendendo os direitos à saúde, previdência e assistência social;

3. Direitos Sociais relativos à educação, cultura e esporte;4. Direitos Sociais relativos à moradia;5. Direitos Sociais relativos à família, criança, adolescente, idoso e

deficiente;6. Direitos Sociais relativos ao meio ambiente.

9. Comente o direito de greve.

O direito de greve é assegura do pela Constituição Federal no art. 9º., e consiste no direito social coletivo que permite a paralisação temporária da prestação de serviço subordinado, com o fito da melhoria das condições salariais ou de trabalho. Porém, não é um direito absoluto, devendo respeitar as necessidades e serviços essenciais do organismo social.

10. O direito à saúde comporta duas vertentes. Quais são elas?

Umas de natureza negativa, consistente no direito de exigir do Estado ou de terceiros que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde. Outra de natureza positiva, consistente no direito de exigir do Estado medidas de prevenção e tratamento de doenças e enfermidades.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

MÓDULO XXIV

DIREITO CONSTITUCIONALPrincípios Constitucionais da Administração Pública

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DIREITO CONSTITUCIONAL

Princípios Constitucionais da Administração Pública

Professor Clever Vasconcelos

1. DIVISÃO E PRINCÍPIOS

A Administração Pública divide-se em centralizada (direta) e descentralizada (indireta), tendo como princípios básicos a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade (há exceções nos casos de segurança nacional) e a eficiência.

Do princípio da legalidade extrai-se que, enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Mesmo os atos discricionários devem observância à lei quanto à competência, à finalidade e à forma.

Pelo princípio da impessoalidade (denominado por alguns princípio de finalidade), os atos administrativos devem atender aos interesses públicos.

A Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) conceitua o desvio de finalidade em seu artigo 2.º, parágrafo único, alínea “e”: “O desvio da finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.

A Lei n. 9.784/99, por sua vez, prevê os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a exemplo do que já explicitava o artigo 111 da Constituição Estadual de São Paulo. Os princípios têm por objetivo coibir excessos e autorizam a análise da relação custo-benefício das ações administrativas.

O princípio da moralidade impõe regras pertinentes ao elemento ético das condutas. O administrador tem de distinguir o honesto do desonesto e seus atos devem visar ao bem comum. O controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; entretanto, por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, mas também com a moral administrativa e com o interesse coletivo (TJSP, RDA 89/134).

A publicidade normalmente não é elemento formativo dos atos da Administração. É elemento de eficácia do ato e visa dar transparência aos atos administrativos. Os atos de efeitos externos só têm eficácia após sua publicação. Em casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração, os atos administrativos podem ser declarados sigilosos. A publicidade atinge os atos constituídos e os atos em formação.

O mais recente dos princípios da Administração Pública, explicitado na Constituição Federal, é o da eficiência, da busca da boa qualidade na prestação

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do serviço.

A fim de dar eficácia a esse novo princípio, o artigo 41 da Constituição Federal, em seu § 1.º, inciso III, prevê a criação de procedimento de avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos, observados os critérios fixados em lei complementar e assegurada a ampla defesa. A constatação da insuficiência de desempenho poderá acarretar a perda do cargo.

A Administração Pública direta (centralizada) desenvolve suas atividades pelos órgãos próprios (secretarias, ministérios etc.).

A Administração Pública indireta (descentralizada) é formada por pessoas jurídicas de direito público (não são entidades estatais porque não têm autonomia política), denominadas autarquias, e por pessoas jurídicas de direito privado.

As autarquias são criadas por lei para a realização de obras, atividades e serviços descentralizados da entidade estatal que as criou, sem subordinação hierárquica. As agências reguladoras dos serviços públicos (concedidos ou não) são autarquias.

As pessoas jurídicas de direito privado que compõem a Administração indireta são as empresas públicas e as sociedades de economia mista (denominadas entidades empresariais), cuja criação deve ser autorizada por lei específica. O regime dos empregados das paraestatais é o da Consolidação das Leis do Trabalho.

As pessoas jurídicas de direito privado da Administração indireta têm sua criação autorizada por lei e realizam obras, serviços ou atividades de interesse coletivo. Têm autonomia administrativa e financeira, mas são fiscalizadas por órgão específico da entidade estatal a que estão vinculadas.

As fundações públicas são criadas após autorização legislativa e têm como característica a realização de trabalhos científicos e culturais, entre outros, que não envolvam interesses econômicos diretos ou fins lucrativos.

As entidades fundacionais, nos termos do inciso XIX do artigo 37 da Constituição Federal, podem ser pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado. Nesse sentido, as lições, atualizadas pela Emenda Constitucional n. 19, da obra Direito Administrativo Brasileiro, de Hely Lopes Meirelles.

Conforme leciona Márcio Fernando Elias Rosa1: “Diverge a doutrina sobre ser possível a instituição, pelo Estado, de Fundações sob o regime de direito público, sustentando os críticos que somente são admitidas as regidas pelo direito privado (fundações sob o modelo imposto pelo Código Civil, arts. 24 a 30). Há, porém, normas constitucionais que expressam a possibilidade contrária (CF, art. 37, inc. XIX) e infraconstitucionais no mesmo sentido (Lei n. 5.540/68 – fundações ligadas a universidades e estabelecimentos de ensino superior). Mas 1 Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 29. (Série Sinopse, 19).

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o regime jurídico a que devem estar submetidas as fundações é o de direito privado (Código Civil), sendo a instituição por escritura pública e registro no Registro de Pessoas Jurídicas; daí ser prevalecente o entendimento de que o Poder Público pode, conforme assim desejar ou convier ao interesse público, instituir tanto as regidas pelo direito público como também as normatizadas pelo direito privado”.

Atenção: Observa-se na citação supra que o autor, ao mencionar artigos do Código Civil, referia-se ao código de 1916, sendo necessário, portanto, a verificação da matéria encontrada nos artigos 62 a 69 do novo Código Civil.

As empresas públicas podem adotar qualquer forma de sociedade comercial (S/A, Ltda. etc.), sendo seu capital 100% público (de uma ou mais entidades).

As sociedades de economia mista da União obrigatoriamente adotam a forma comercial das S/A (sociedades anônimas). São chamadas sociedades de economia mista porque o capital é formado por bens públicos e privados.

Os entes de cooperação, os serviços sociais autônomos (denominados entidades paraestatais), são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, destinadas ao desenvolvimento social (Sesc, Senai etc.).

2. DA ESTABILIDADE DOS SERVIDORES PÚBLICOS

No Estado clássico, a missão do Poder Executivo era a defesa externa e a manutenção da ordem interna, encabeçando a Administração e assegurando a manutenção dos serviços públicos indispensáveis (forças armadas, relações exteriores, polícia e serviços essenciais).

Com a transformação do Estado clássico em Welfare State (Estado como condutor do bem-estar social), o Executivo ampliou suas funções e passou a gerir e criar serviços assistenciais, assumindo inclusive setores econômicos que considerava estratégicos ou nos quais a iniciativa privada era fraca ou inexistente. O Executivo se tornou o centro do Poder, até mesmo legislando (medida provisória, lei delegada etc.).

No Brasil, atualmente, o Executivo promove não apenas a execução das leis como também expede atos com força de lei (medida provisória e lei delegada) e participa do processo legislativo (iniciativa de lei, sanção, veto etc.). O Estado compreende o Governo (que toma as decisões) e a Administração, conjunto de órgãos que realizam as decisões do Governo (Serviço Civil e Militar).

Inicialmente, a Administração era organizada pelo sistema denominado Spoil’s System. Cada mudança de Governo acarretava a “derrubada” dos servidores nomeados na Administração anterior e a distribuição dos lugares entre

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os protegidos do novo Governo. Esse fato gerava a descontinuidade do serviço e a instabilidade administrativa.

O Welfare State, porém, passou a exigir uma Administração especializada e capaz, sem o que não poderia realizar suas tarefas. Com isso foram criadas as carreiras, cujas características essenciais são o ingresso por concurso público, o sistema de promoções e a estabilidade.

Pela Emenda Constitucional n. 19, os servidores públicos nomeados para cargo de provimento efetivo, em virtude de concurso público, adquirem a estabilidade após três anos de efetivo exercício. Condição obrigatória para a aquisição da estabilidade é a avaliação especial de desempenho, realizada por comissão instituída para essa finalidade.

A Emenda Constitucional n. 19 criou a disponibilidade remunerada. Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

Concluindo, há que se observar a regra, prevista no § 4.º do artigo 169 da Constituição Federal, pela qual o servidor estável poderá perder o cargo – por ato normativo, motivado, do Poder em que atua –, quando a despesa com pessoal ativo ou inativo exceder os limites estabelecidos na Lei Complementar n. 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Antes desse corte de servidores que, só se aplica àqueles empossados após a vigência da Emenda Constitucional n. 19/98 (sob pena de violação do direito adquirido), devem ser reduzidas em 20% as despesas com cargos em comissão e funções de confiança e exonerados os servidores não-estáveis.

O ingresso na Administração Pública direta e indireta, em regra, depende de concurso público de provas ou de provas e títulos. A exceção são os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração.

As instituições de pesquisa científica e tecnológica e as universidades podem contratar professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

Os titulares de cargos em comissão, porém, são exoneráveis ad nutum. Não são estáveis, qualquer que seja o tempo de seu vínculo com a Administração.

Os cargos, os empregos e as funções públicas são acessíveis aos brasileiros e aos estrangeiros (Emenda Constitucional n. 19) que preencham os requisitos previstos em lei. Os editais e decretos não podem estabelecer exigências.

Há quem entenda que, no caso dos temporários, está dispensado o concurso.

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O artigo 39, § 2.º, combinado com o artigo 7.º, inciso XXX, em princípio veda qualquer restrição em razão da idade do interessado. Lei específica, porém, pode dispor sobre a idade dos candidatos, como imposição da natureza dos cargos a preencher (Recurso Extraordinário n. 74.355, de 6.12.1973, cancelou a Súmula n. 14 do Supremo Tribunal Federal).

De acordo coma a Súmula 683 do STF: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.

Os cargos previstos no artigo 12, § 3.º, da Constitucional Federal só podem ser preenchidos por brasileiros natos.

3. ESPÉCIES DE INVESTIDURA

Investidura é o procedimento legal pelo qual o agente público vincula-se à Administração Pública para o exercício de cargo, emprego, função ou mandato. A forma usual da investidura é a nomeação, mas também pode se dar por designação, contratação etc.

Investidura originária é a que vincula inicialmente o agente à Administração Pública.

Investidura derivada é aquela que se baseia em anterior vinculação do agente com a Administração, como a promoção, a transferência etc.

Nos termos da Súmula 685 do STF, “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

Investidura vitalícia é aquela cuja destituição, após o estágio probatório, exige decisão judicial transitada em julgado.

Investidura efetiva é a que tem presunção de definitividade após o estágio probatório. A destituição exige processo administrativo ou judicial.

O estágio probatório – período durante o qual se verificam a idoneidade, aptidão, disciplina, assiduidade e eficiência do nomeado – atualmente é de três anos.

No período do estágio probatório, o servidor que não preencher os requisitos necessários para o exercício da função pode ser exonerado sem as formalidades do processo administrativo. O ato de desligamento deve ser motivado e precedido das investigações necessárias à apuração das falhas, observando-se o contraditório e a ampla defesa (Súmula n. 21 do Supremo Tribunal Federal).

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Extinto o cargo, o funcionário permanece em disponibilidade remunerada, proporcional ao tempo de serviço, até seu aproveitamento em cargo compatível.

A investidura em comissão é de natureza transitória e admite a exoneração ad nutum (independentemente de prazo ou justificativa).

Os concursos públicos têm validade por dois anos, prorrogáveis por outros dois.

Durante o prazo improrrogável do edital de convocação, o aprovado será convocado com prioridade sobre novos concursados.

De acordo com a Súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”.

Não há, porém, direito adquirido em decorrência de concurso, que pode ser cancelado ou invalidado antes, durante ou após a sua realização.

Os concorrentes têm apenas uma expectativa de direito. Nem mesmo a aprovação gera direito absoluto à nomeação, pois o aprovado continua com mera expectativa de direito à investidura no cargo ou emprego público.

A nomeação é ato de provimento de cargo, que se completa com a posse e o exercício.

Até a posse, a nomeação pode ser desfeita por simples ato administrativo. Com a posse, a exoneração do nomeado passa a exigir o devido processo administrativo, com direito à ampla defesa.

Se a posse não ocorrer no prazo legal, o ato de provimento (a nomeação) não terá efeito.

Se o empossado não entrar em exercício, será exonerado (Lei n. 8.112/90 – Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União). É com o exercício que o servidor adquire o direito relativo às vantagens do cargo.

A desinvestidura pode se dar com a demissão (punição por falta grave ou por insuficiência de desempenho na avaliação periódica), com a exoneração (de ofício ou a pedido do interessado) e com a destituição (para os cargos em comissão). Mesmo na fase do estágio probatório deve haver inquérito administrativo no qual se apure a falha justificadora do ato (Súmula n. 21 do Supremo Tribunal Federal).

O servidor público civil tem direito à associação sindical e à greve (Lei n. 7.783/89). O militar, não.

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Em cumprimento ao princípio da isonomia, previsto no artigo 5.º , a Constituição Federal traz que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para os deficientes físicos.

Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado e o eventual ocupante da vaga reconduzido ao cargo de origem, sem direito à indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade (reintegração).

O estável não é inamovível. Sendo conveniente à Administração, pode ser removido para cargo similar.

Durante o estágio probatório não há proteção contra a extinção do cargo (Súmula n. 22 do Supremo Tribunal Federal).

4. VENCIMENTOS E SUBSÍDIOS

A revisão geral, anual, da remuneração dos servidores públicos far-se-á sempre na mesma data.

Os subsídios (os membros do Poder, os detentores de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais, de acordo com a Emenda Constitucional n. 19/98, serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única) e os vencimentos dos ocupantes de cargos ou funções públicas são irredutíveis. Há exceções no inciso XV do artigo 39 da Constituição Federal (redação da Emenda Constitucional n. 19/98).

O teto ( limite máximo) da remuneração, dos subsídios e das pensões, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, são os subsídios recebidos em espécie pelos ministros do Supremo Tribunal Federal ( inciso XI do art. 37 da CF, na redação da EC 41), valor que de acordo com o art. 48, XV, da CF, é fixado por lei de iniciativa do próprio STF ( arts. 48, XV e 96, II, b, ambos da CF, na redação da EC 41).

Há previsão de subtetos para os Estados, o DF e os municípios ( art. 37, XI, da CF), regra questionável em relação àqueles que ingressaram no serviço público antes da EC 41.

São vedadas a vinculação e a equiparação.

É vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. Havendo compatibilidade de horários, podem ser acumulados:

dois cargos de professor;

um cargo de professor com outro técnico ou científico;

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dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas (Emenda Constitucional n. 34, de 13/12/01);

cargo de magistrado com um de magistério;

cargo de membro do Ministério Público com um de magistério.

Nos casos de mandato eletivo federal (deputado federal e senador), estadual ou distrital, ficará o agente afastado do cargo, emprego ou função. A remuneração será a do cargo. Os deputados e senadores não podem ser titulares de mais de um cargo ou mandato eletivo ou ocupar cargos que admitam a exoneração ad nutum.

Na hipótese do artigo 56, inciso I, da Constituição Federal, quando o deputado ou senador for investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território ou Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefia de missão diplomática temporária, não perde o mandato e pode optar pela remuneração.

Servidores públicos eleitos prefeitos também têm de se afastar do emprego, cargo ou função, mas podem optar pela remuneração.

Vereador, se houver compatibilidade de horários, pode receber as duas remunerações (do cargo, emprego ou função mais a remuneração do cargo de vereador). Não havendo compatibilidade, pode optar.

5. SERVIDORES MILITARES

Os servidores militares federais são os integrantes das Forças Armadas.

Os servidores militares dos Estados e do Distrito Federal são os integrantes das suas polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, que integram as forças auxiliares e reserva do Exército (§ 6.º do artigo 144 da Constituição Federal) e, juntamente com a Polícia Civil, subordinam-se aos governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em tempo de paz.

O militar em efetivo serviço não pode estar filiado a partido político.

O oficial das Forças Armadas (federal) só perderá o posto e a patente se for julgado indigno de oficialato ou com ele incompatível, por decisão de Tribunal Militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de Tribunal Especial, em tempo de guerra. Se condenado, pela Justiça Comum ou Militar, à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, o oficial será submetido ao Tribunal Militar quanto à perda do posto e da patente.

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Não cabe habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares militares, embora seja cabível o writ para o controle dos pressupostos de legalidade.

6. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO (§ 6.º DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

Superada a fase do Absolutismo, época em que os soberanos eram considerados representantes divinos e por isso infalíveis, as bases constitucionais das diversas sociedades passaram a sujeitar todas as pessoas, públicas ou privadas, ao império das leis. A partir de então, também o Estado passou a ser sujeito passivo de pleitos indenizatórios, inclusive em ações judiciais.

É princípio elementar de nossa Constituição Federal de 1988, consagrado entre os direitos fundamentais, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário (inciso XXXV, do artigo 5.º, da Constituição Federal).

Ao contrário da Constituição Federal do Império e de outras constituições que estabeleciam pré-requisitos para alguém ingressar em Juízo (a Emenda Constitucional n. 07, de 1977, dando nova redação ao artigo 153 da Constituição Federal de 1967, ditava que o “ingresso em Juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que não exigida a garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de 180 dias para a decisão sobre o pedido” – o Ato Institucional n. 5, de 1969, excluiu da apreciação do Poder Judiciário os atos praticados pelo Comando do Golpe Militar de 1964 etc.), a Constituição Federal de 1988 estabelece como regra que o direito de acesso à Justiça, visando à apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito, não depende de qualquer procedimento administrativo prévio e não pode ser excluído pela lei.

O Brasil, portanto, não adota a dualidade de jurisdição, o chamado contencioso administrativo, no qual um organismo administrativo desempenha funções jurisdicionais sem fazer parte do Poder Judiciário. Os recursos administrativos previstos, portanto, são opcionais e não obrigatórios.

Até a Constituição Federal de 1934 a responsabilidade constitucional do Estado era, em regra, de índole subjetiva. Sua caracterização exigia que o agente público praticasse um ato contrário ao direito ou se omitisse na prática de ato que tinha o dever de realizar, causando dano. Registrava-se a responsabilidade civil do Estado nos danos causados pelas estradas de ferro (Decreto n. 1.930, de 1857; Decreto n. 2.230, de 1896, relativo aos serviços de correio; Lei n. 2.681/12, relativa à responsabilidade objetiva das estradas de ferro, salvo caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima; artigo 15 do Código Civil/1916 etc.).

A Constituição Federal, desde a de 1946 (artigo 194), porém, prevê que o Estado responde pelos atos danosos praticados por seus agentes. A vítima pode, desde logo, acionar o Estado judicialmente, independentemente de, antes, superar a esfera administrativa. Portanto, desde 1946 a responsabilidade civil do Estado, pelos atos nocivos de seus servidores, não exige a culpa, a prática de ato

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contrário ao direito ou a falta de dever prescrito por lei. Basta que o prejudicado demonstre a ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade entre esse e o comportamento do agente público.

Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “Para que haja a responsabilidade pública, importa que o comportamento derive de um agente público. O título jurídico da investidura não é relevante. Basta que seja qualificado como agente público, é dizer, apto para comportamentos imputáveis ao Estado (ou outras pessoas, de direito público ou privado, prestadoras de serviços públicos, quando atuarem nessa qualidade) (...). A condição do agente, no sentido ora indicado, não se descaracteriza pelo fato de esse haver agido impulsionado por sentimentos pessoais ou, por qualquer modo, estranhos à finalidade do serviço. Basta que tenha podido produzir o dano por desfrutar de posição jurídica que lhe resulte da qualidade de agente atuando em relação com o serviço público, bem ou mal desempenhado”.

O sistema, portanto, evoluiu da irresponsabilidade para a responsabilidade com culpa e dessa para a teoria do risco administrativo, hoje vigente.

Não foi adotada a teoria do risco integral.

Na teoria do risco administrativo, basta a lesão sem o concurso do lesado. Trata-se de uma responsabilidade objetiva mitigada, já que pode ser diminuída ou afastada se comprovada a culpa concorrente (dupla causação) ou exclusiva da vítima. Difere da teoria do risco integral, pois permite que o Estado comprove a culpa da vítima, para excluir ou atenuar a indenização.

O agente público causador dos danos deve estar no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. Seu abuso, porém, não exclui a responsabilidade objetiva do Estado. Antes, a agrava, porque demonstra a má escolha de agente.

Nos atos predatórios de terceiros e nos casos fortuitos ou de força maior, a Administração só responde se comprovada sua culpa.

A ação costuma ser proposta somente contra o Estado, sem a inclusão de servidor na demanda. Prevalece na doutrina e na jurisprudência ser vedada a denunciação da lide ao servidor (RT 631/159).

A vítima, porém, também pode acionar o Estado e o agente, conjuntamente, ou mesmo apenas o agente. Caso opte por acionar este, terá o ônus de provar sua culpa, mas estará livre das dificuldades sempre verificadas nas execuções contra a Fazenda Pública (Supremo Tribunal Federal, RTJ 106/1.185). Normalmente, o Estado indeniza a vítima. O agente público, se for o caso (demonstrada sua culpa ou dolo em ação própria), indeniza a Administração (voluntariamente ou via ação regressiva). O agente pode, por iniciativa própria, atuar como assistente da Administração.

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Na ação regressiva deve ser comprovado o dolo ou a culpa do agente.

Caso o ato danoso também caracterize um crime, quatro hipóteses podem ser verificadas:

1.ª) a condenação criminal não pode ser negada em outro Juízo;

2.ª) nos casos de absolvição, pelo categórico reconhecimento da inexistência do fato ou da negativa da autoria, não caberá a ação civil (artigo 935 do Código Civil) ou o processo administrativo;

3.ª) a absolvição fundada na insuficiência de provas, ou em razão de o fato não constituir infração penal, é insuficiente para impedir a ação civil ou o processo administrativo;

4.ª) a absolvição fundamentada em causa excludente da antijuridicidade (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito ou estrito cumprimento do dever legal), em regra, afasta a responsabilidade civil (exceto nas hipóteses dos artigos 929 e 930 do Código Civil).

Leciona Hely Lopes Meirelles2 que: “A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes mesmo do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato, ou que o acusado foi seu autor”.

Ainda que a conduta danosa do Estado seja lícita, ela pode gerar prejuízos indiretos a terceiros, a exemplo do policial que, no estrito cumprimento de um dever legal, dispara contra um ladrão e atinge um automóvel de terceiro. O fato, lícito, era de interesse da sociedade; porém, causou dano a terceiro que não estava vinculado ao crime. Pelo princípio da solidariedade social, não é justo que apenas um arque com os prejuízos de um ato praticado em favor de todos.

O dano indenizável é aquele certo, material ou moral, que supera as pequenas lesões decorrentes do convívio social (respirar alguma poeira momentaneamente gerada por obra pública, desviar o caminho em razão de bloqueios transitórios de trânsito etc.).

Todo os direitos reservados. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial deste material didático, por qualquer meio ou processo. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

2 Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros, 2000. p. 451.

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EXERCÍCIOS

Curso Anual – Opção 1

Aluno(a):

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Quais são os princípios constitucionais básicos da Administração Pública? Explique-os.

2. Como é adquirida a estabilidade dos Servidores Públicos?

3. Quais as espécies de investidura dos Servidores Públicos? Comente-as.

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4. Como se adquire a aposentadoria compulsória?

5. Explique a Teoria do Risco Administrativo.

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DIREITO CONSTITUCIONAL1. Quais são os princípios constitucionais básicos da Administração Pública?

Explique-os.

São princípios constitucionais da Administração: legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Pelo princípio da legalidade, limita-se a Administração a fazer somente o que a lei permite, tratando-se de uma relação de subordinação para com ela; o princípio da impessoalidade é a obrigação atribuída ao Poder Público de manter uma posição neutra em relação aos administrados, só produzindo discriminações que se justifiquem em vista do interesse público; o princípio da moralidade consiste no conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração, implica saber distinguir o honesto do desonesto além da distinção entre o bem e o mal, o legal do ilegal, o justo do injusto; o princípio da publicidade exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei; e por fim, o princípio da eficiência que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional.

2. Como é adquirida a estabilidade dos Servidores Públicos?

A estabilidade de servidor nomeado para cargo de provimento efetivo, em decorrência de aprovação em concurso público, é adquirida após três anos de efetivo exercício, quando devem ser aprovados em estágio probatório com avaliação especial do desempenho.

3. Quais as espécies de investidura dos Servidores Públicos? Comente-as.

A investidura pode ser originária, quando vincula o agente, inicialmente, à Administração Pública (concurso público), pode ser tanto a nomeação como a contratação, dependendo do regime jurídico de que se trate; ou derivada, é o que depende de um vínculo anterior do agente com a Administração.

4. Como se adquire a aposentadoria compulsória?

Ao completar 70 anos de idade, nos termos do artigo 40, §1º., inciso II, da Constituição Federal.

5. Explique a Teoria do Risco Administrativo.Para esta teoria, faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Basta a lesão sem o concurso do lesado. Entende-se que o Estado assumiu o risco diante das necessidades de melhor atendimento do interesse coletivo. O risco administrativo não significa que a administração deve indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, significa, apenas que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização.