TCC Marcos Coelho Pedroso

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LUTERANO DE JI-PARANÁ – CEULJI MARCOS COELHO PEDROSO A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AUDITORES INDEPENDENTES Ji-Paraná 2010

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CENTRO UNIVERSITRIO LUTERANO DE JI-PARAN CEULJI MARCOS COELHO PEDROSO

A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AUDITORES INDEPENDENTES

Ji-Paran 2010

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MARCOS COELHO PEDROSO

A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AUDITORES INDEPENDENTES

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro Universitrio Luterano Ji-Paran CEULJI, para obteno de grau acadmico de Bacharel em Direito, sob orientao da Professora Ms. Mariana Secorun Incio.

Ji-Paran 2010

CIP-Brasil. Catalogao na Fonte Biblioteca Central CEULJI/ULBRAP372r Pedroso, Marcos Coelho. A Responsabilidade Penal dos Auditores Independentes. / Marcos Coelho Pedroso.Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran, 2010. 53 f.:il. Orientadora: Prof. MSc. Mariana Secorun Incio. Monografia(Graduao) Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran. Curso de Bacharelado em Direito. 1.Auditor Independente. 2.Contabilidade Criativa. 3.Responsabilidade Penal. I.Incio, Mariana Secorun. II.Ttulo.

CDU 343:34:336

Ficha Catalogrfica: Ana Cludia da Silva Rodrigues CRB11/604

MARCOS COELHO PEDROSO

A RESPONSABILIDADE PENAL DOS AUDITORES INDEPENDENTES

Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Centro Universitrio Luterano de Ji-Paran CEULJI, em ___/___/______, para obteno de grau acadmico de Bacharel em Direito, sob orientao da Professora Ms. Mariana Secorun Incio.

AVALIADORES

______________________________________________ - __________ Ms. Mariana Secorun Incio CEULJI ULBRA Nota

______________________________________________ - __________ Ms. Oscar Francisco Alves Jr. CEULJI ULBRA Nota

______________________________________________ - __________ Ms. Celito de Bona CEULJI ULBRA Nota

__________________ Mdia

Ji-Paran 2010

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RESUMO

O cenrio atual mundial aponta para uma crise tica que afeta todas as profisses. E dentro da profisso contbil, isso percebido pelo crescimento da chamada contabilidade criativa. O presente trabalho foi feito atravs de pesquisa bibliogrfica, da qual so estudados e apresentados alguns conceitos fundamentais relacionados com a profisso do auditor independente, da contabilidade criativa e os erros e fraudes realizados pelas empresas, permeando a responsabilidade penal dos auditores independentes frente no deteco ou omisso, seja por culpa ou dolo desses profissionais. Assim, esse trabalho faz uma reflexo sobre a responsabilidade penal dos auditores frente a este fenmeno, concluindo-se que as referidas responsabilidades penais, devem ser pulverizadas entre os administradores, funcionrios da empresa, auditores internos e externos, na medida da culpabilidade de cada um. Ademais, o presente trabalho conclui ao final que o auditor independente que no aponta em seus pareceres as fraudes ou erros, deve responder solidariamente com os responsveis pelo uso da contabilidade criativa, quando tais fraudes ou erros forem passveis de serem detectados nos trabalhos de auditoria. Por fim, uma mudana na legislao penal necessria no sentido de alcanar uma maior efetividade na punio dos responsveis pelo uso da contabilidade criativa. Para tanto, verifica-se que uma das solues seria a adequao da Lei do Colarinho Branco, ou seja, Lei 7.492/86, no sentido da mesma ter uma abrangncia maior com relao aos responsveis pelo uso da contabilidade criativa, inclusive legitimando o auditor independente que comete ilcitos como incurso em suas penas. Palavras-chave: Auditor Independente. Contabilidade Criativa. Colarinho Branco. Responsabilidade Penal.

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ABSTRACT

World-wide the current scene points with respect to an ethical crisis that affects all the professions. Inside of the countable profession, this is perceived by the growth of the call creative accounting. The present work was made through bibliographical research, of which they are studied and presented some related basic concepts with the profession of the independent auditor, the creative accounting and the errors and frauds carried through for the companies, passing for the criminal liability of the independent auditors front to not the detention or omission, either for guilt or deceit of these professionals. Thus, this work makes a reflection on the criminal liability of the auditors front to this phenomenon, concluding itself that the related criminal liabilities, must be sprayed between the administrators, internal and external employees of the company, auditors, in the measure of the culpability of each one. More still, the present work concludes to the end that the independent auditor who does not point in its to seem the frauds or errors, must answer solidarily with the responsible ones for the use of the creative accounting, when such frauds or errors will be possible to be detected in the auditorship works. Finally, a change in the criminal legislation is necessary in the direction to reach a bigger effectiveness in the punishment of the responsible ones for the use of the creative accounting. For in such a way, it is verified that one of the solutions would be the adequacy of the Law of the White Collar, that is, Law 7,492/86, in the direction of the same one to have a bigger application with regard to the responsible ones for the use of the creative accounting, also legitimizing the independent auditor who commits illicit as subject to a penalty in its penalty. Keywords: Independent Auditor. Creative Accounting. White Collar. Criminal Liability.

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SUMRIO

INTRODUO.................................................................................................................... 6 1 A AUDITORIA INDEPENDENTE E A CONTABILIDADE CRIATIVA ................... 8 1.1 A Figura do Auditor Independente e suas Atribuies................................................ 8 1.2 Contabilidade Criativa................................................................................................ 14 1.2.1 A Contabilidade Criativa como Espcie de Fraude ................................................ 14 1.2.2 A Contabilidade Criativa e o Erro........................................................................... 16 2 A RESPONSABILIZAO PENAL ............................................................................ 18 2.1 A Teoria Clssica do Delito......................................................................................... 18 2.2 Conceitos de Crime ..................................................................................................... 21 2.2.1 Evoluo do Conceito Analtico do Crime............................................................... 22 2.2.2 Elementos do Crime ................................................................................................. 23 2.3 Culpabilidade .............................................................................................................. 24 2.4 Dolo.............................................................................................................................. 25 2.5 Culpa............................................................................................................................ 29 3 A NOVA CRIMINALIDADE E A RESPONSABILIZAO PENAL DO AUDITOR INDEPENDENTE POR PRTICAS ENVOLVENDO A CONTABILIDADE CRIATIVA......................................................................................................................... 32 3.1 Criminalidade de Colarinho Branco .......................................................................... 37 3.2 Responsabilidade Penal dos Auditores Independentes que por Dolo ou Culpa no Apontam Fraudes/Erros em seus Pareceres ..................................................................... 39 3.3 Necessidade da Mudana Legislativa ......................................................................... 44 3.4 Funo Simblica do Direito Penal............................................................................. 46 4 CONCLUSO................................................................................................................ 48 5 REFERNCIAS ............................................................................................................. 51 6 ANEXO 1........................................................................................................................ 55 7 ANEXO 2........................................................................................................................ 66 8 ANEXO 3........................................................................................................................ 72 9 RECOMENDAES .................................................................................................... 93

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INTRODUO

Percebe-se no mundo atual uma desenfreada crise tica que afeta todas as profisses, principalmente no mundo corporativo. As empresas esto cada vez mais globalizadas, sendo normal, a cada dia que passa, que as empresas tornem-se grupos transnacionais, em escala mundial. Atravs deste fenmeno, as grandes organizaes conseguem captar recursos praticamente em todos os lugares do planeta, principalmente pela facilitao do uso da tecnologia. Assim, atravs da rede mundial de computadores, investidores de qualquer lugar do mundo podem adquirir aes de empresas de todos os lugares. Com isso, ressalta a importncia dos auditores independentes, pois estes so os profissionais responsveis por emitir um parecer, ou opinio acerca das demonstraes contbeis das empresas auditadas, no sentido de averiguar se tais demonstraes refletem a verdadeira posio patrimonial da empresa, se esto de acordo com os princpios contbeis, dentre outras averiguaes. Neste sentido, os investidores, credores, empregados, administradores e quaisquer outros interessados nas empresas s quais tenham algum tipo de relao, possuem uma importante ferramenta de deciso, qual seja, a opinio do auditor independente acerca dos demonstrativos contbeis da empresa. Assim, no primeiro captulo do presente trabalho, procurar-se- definir a figura do auditor independente, comentando-se a respeito do que faz esse profissional, qual o seu perfil, quais so as suas atribuies e qual a legislao que regula essa profisso. Ainda no primeiro captulo, comentar-se- sobre a contabilidade criativa, espcie de fraude utilizada pelas empresas com o fim de maquiar seus demonstrativos contbeis, de modo a espelhar de forma diversa a situao patrimonial da empresa, geralmente com o fim de obter vantagens econmicas escusas, lesando interesses, na maioria das vezes, dos acionistas da prpria empresa. Para melhor entender qual a responsabilizao penal do auditor independente, no segundo captulo, comentar-se-, genericamente, sobre como se d a responsabilizao penal, passando pela teoria clssica do delito, conceitos de crime, evoluo do conceito analtico de crime, os elementos do crime e a definio de culpabilidade, dolo e culpa.

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Por fim, no terceiro captulo, discorrer-se- sobre o fenmeno acerca do surgimento da nova criminalidade, ou criminalidade moderna, e a responsabilizao penal do auditor independente por prticas envolvendo a contabilidade criativa. Neste terceiro e ltimo captulo, ser investigado sobre a criminalidade do Colarinho Branco, crimes ligados ao mundo corporativo, geralmente praticados por pessoas de elevado status social. Dentro do contexto dos crimes ligados ao mundo corporativo, ser investigada a responsabilidade criminal dos auditores independentes que por dolo ou culpa no apontam em seus pareceres, fraudes ou erros que do ensejo ao uso da contabilidade criativa. Adiante, comentar-se- a respeito da necessidade de uma mudana legislativa, no sentido de que os auditores independentes tenham uma legislao penal prpria, ou que os mesmos sejam incursos nas penas da Lei 7.492/86, ou seja, a Lei do Colarinho Branco, visto que as penas desta Lei so adequadas para a punio de auditores independentes que cometem atos ilcitos atravs do no apontamento, em seus pareceres, de fraudes ou erros contidos na contabilidade das empresas auditadas, desde que tais irregularidades sejam passveis de serem detectadas atravs dos trabalhos de auditoria. Por fim, o Direito Penal ser compreendido como uma ferramenta coercitiva que o Estado utiliza para regular a sociedade, procurando garantir que os direitos fundamentais sejam protegidos. Destarte, procurar-se- demonstrar que o Direito Penal possui uma funo simblica, j que o meio mais eficaz de garantir a paz social e de demonstrar para a coletividade que o Estado preocupa-se com os valores tico-sociais acordados entre a sociedade e o prprio Estado.

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1 A AUDITORIA INDEPENDENTE E A CONTABILIDADE CRIATIVA

Para que se possa investigar sobre a responsabilidade penal do auditor independente, no primeiro tpico deste primeiro captulo, discorrer-se- sobre essa valorosa profisso, focando principalmente nas atribuies desse profissional, suas principais funes, objetivos e responsabilidades. Nos seguintes tpicos deste captulo, comentar-se- a respeito da contabilidade criativa, procurando conceitu-la e entend-la no sentido da sua aplicao como uma espcie de fraude, destacando-se, por ltimo, a diferenciao de fraude e erro dentro do contexto dos demonstrativos contbeis das empresas.

1.1 A Figura do Auditor Independente e suas Atribuies

Os Auditores Independentes, como o prprio nome supe, so peritos independentes, que esto disposio de seus clientes na especialidade profissional relativa ao exame dos dados contbeis (MAUTZ, 1985, p.539). O auditor independente um profissional altamente preparado para a importante funo de auditoria. Este profissional possui a obrigao de encontrar fraudes ou erros que maquiam a contabilidade. Segundo a Instruo da Comisso de Valores Mobilirios, no 216, de 29 de junho de 1994, com as alteraes introduzidas pela Instruo CVM no 275/98, para conseguir alcanar o registro de auditor independente no referido rgo, o profissional deve ser contador registrado e inscrito em Conselho Regional de Contabilidade. Alm disso, em regra, a referida instruo prev que o profissional deve ter exercido a atividade de auditoria de demonstraes contbeis, no Brasil, por perodo no inferior a cinco anos, contados a partir da data do registro em Conselho Regional de Contabilidade, na categoria de contador, ou seja, que possua curso superior em Cincias Contbeis. Ademais, o profissional candidato a auditor independente no pode ter sido declarado insolvente por sentena judicial, ou condenado definitivamente em processo-crime de natureza infamante, ou por crime ou contraveno de contedo econmico, ou ainda, ter

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sofrido pena impeditiva de acesso a cargo pblico, ou perda de capacidade civil julgada por sentena. Alm do mais, o art. 29 da Instruo em comento elenca os deveres do auditor no exerccio de suas atividades1. O profissional que executa a Auditoria Independente independente, sem ligao com o quadro de funcionrios da empresa, sendo que esta celebra um contrato de prestao de servios com o referido profissional. Assim, o auditor externo, tambm denominado de auditor independente, contratado pela empresa para determinada tarefa de auditoria, ou seja, as tarefas desse profissional so delimitadas no contrato, tendo, portanto, carter de trabalho eventual (CREPALDI, 2002, p. 46). As empresas que possuem suas aes negociadas em bolsa de valores, em especial as Sociedades Annimas, possuem a obrigatoriedade de prestar contas para os seus diversos acionistas. Geralmente, tais empresas mantm grande volume de operaes e so dirigidas por um complexo quadro de gerentes e diretores. Dessa forma, vem-se na necessidade de contratar auditores completamente independentes, isto , no-empregados e sem qualquer vnculo ou dependncia com a empresa (FLORENTINO, 1987, p. 142).

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Art. 29. So deveres do auditor independente no exerccio de suas atividades no mbito do mercado de valores mobilirios: I - verificar se as informaes e anlises apresentadas no relatrio da administrao esto em consonncia com as demonstraes contbeis auditadas e informar Comisso de Valores Mobilirios - CVM caso no estejam; II - elaborar relatrio circunstanciado, a ser endereado administrao da entidade auditada, contendo observaes a respeito das deficincias ou da ineficcia dos controles internos e procedimentos contbeis da entidade auditada; III - comunicar Comisso de Valores Mobilirios - CVM circunstncias que possam configurar atos praticados pelos administradores em desacordo com as disposies legais e regulamentares aplicveis s atividades da entidade auditada e/ou relativas sua condio de entidade integrante do mercado de valores mobilirios, atos estes que tenham, ou possam vir a ter reflexos sobre as demonstraes contbeis auditadas e eventuais impactos nas operaes da entidade; IV - conservar em boa guarda, pelo prazo de 5 (cinco) anos, toda a documentao, correspondncia, papis de trabalho, relatrios e pareceres relacionados com o exerccio de suas funes; V - dar acesso fiscalizao da Comisso de Valores Mobilirios - CVM a todos os documentos que tenham servido de base emisso do parecer de auditoria; VI - possibilitar, no caso de substituio por outro auditor, resguardados os aspectos de sigilo e obtida a prvia concordncia da entidade auditada, o acesso do novo auditor contratado aos documentos e informaes que serviram de base para a emisso do ltimo parecer de auditoria; VII - comunicar Comisso de Valores Mobilirios - CVM, no prazo mximo de 10 (dez) dias a contar do fato ocorrido, os casos em que as demonstraes contbeis ou o parecer de auditoria, divulgados nos jornais em que seja obrigatria a sua publicao, estejam em desacordo com as demonstraes contbeis auditadas ou com o parecer originalmente emitido; VIII - ao emitir parecer adverso ou com ressalva, indicar com clareza quais as contas ou subgrupos especficos de ativo, passivo, resultado e patrimnio lquido que esto afetados e em quanto, bem como os efeitos nos dividendos e no lucro/prejuzo por ao.

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Dessa sorte, pode-se conceituar o Auditor Independente como sendo um profissional autnomo, sem subordinao e independente, no possuindo vnculo empregatcio com as empresas que contratam seus servios de auditoria. O objetivo principal da auditoria a confirmao dos registros contbeis e das demonstraes contbeis da empresa auditada. Assim, na consecuo dos seus objetivos, a auditoria contribui para confirmar os prprios fins da contabilidade, visto que avalia a adequao dos registros, oferecendo administrao, ao governo e aos acionistas e partes interessadas a convico de que as demonstraes refletem, ou no, a situao do patrimnio em determinada data e suas variaes em certo perodo. Portanto, a auditoria d credibilidade s demonstraes contbeis e s informaes nelas contidas (FRANCO, 2001, p. 31). Destarte, pode-se inferir que o principal objetivo do Auditor Independente emitir um parecer ou opinio sobre as demonstraes contbeis das empresas, no sentido de verificar se estas refletem adequadamente a sua posio patrimonial e financeira, o resultado das operaes e as origens e aplicaes de recursos. O parecer do Auditor Independente deve declarar se as demonstraes contbeis da empresa auditada esto apresentadas de acordo com os princpios fundamentais de contabilidade, compreendendo tambm os mtodos de sua aplicao (FRANCO, 2001, p. 540). Os princpios contbeis so elaborados pelo Conselho Federal de Contabilidade CFC, sendo que tal rgo j estabeleceu, at o momento, 16 Princpios Fundamentais de Contabilidade, nos quais devero se basear todos os princpios e normas para elaborao da Escriturao e das Demonstraes Contbeis. Contudo, princpios especficos e normas contbeis, para registro dos mais variados tipos de operaes, vm sendo elaborados por rgos especficos, como a Comisso de Valores Mobilirios CVM, o Banco Central do Brasil e outros rgos, inclusive internacionais (FRANCO, 2001, p. 541). Assim, o profissional da auditoria independente verifica se as demonstraes contbeis foram elaboradas de acordo com os princpios contbeis e se referidos princpios foram aplicados com uniformidade em relao aos exerccios anteriores. Destarte, a Auditoria Independente exercida por Contadores Independentes ou por Empresas de Auditoria, sendo que tal atividade regulamentada pela CVM Comisso de Valores Mobilirios, atravs da instruo nmero 216, de junho de 1.994. A lei 6.404/76, no seu artigo 177, dispe que as sociedades annimas com aes negociadas em bolsas de valores, devem ter suas demonstraes financeiras auditadas por auditores externos registrados na Comisso de Valores Mobilirios CVM.

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Porm, alm dessa imposio legal, existem outros motivos que levam uma empresa a contratar um auditor independente. A empresa pode, por exemplo, valer-se da auditoria independente: a) como medida de controle interno, requisitada pelos acionistas, proprietrios, scios ou administradores; b) por imposio de um banco para ceder emprstimos, ou por fornecedores para financiar a compra; c) para atender s exigncias do estatuto ou contrato social da prpria empresa; d) para efeito de compra de outra empresa, fuso, incorporao e ciso; e) e ainda para fins de consolidao das demonstraes contbeis (ALMEIDA, 1996). Os trabalhos de auditoria independente so divididos em diferentes tipos de servios, podendo ser agrupados em trs blocos, quais sejam: a) os trabalhos de auditoria de balano; b) os relativos auditoria especial para levantamento de passivos ocultos (due diligence), geralmente elaborados com o auxlio de advogados de diversas outras especialidades, como os trabalhistas e os tributaristas; 3) os referentes prestao de consultoria (JUNIOR, 2002, p. 28). A auditoria de balano o servio realizado mais comum pelas empresas de auditoria. Este servio obrigatrio, conforme j visto, para as empresas de capital aberto, segundo a lei 6.404/76, e tem o objetivo de emitir um parecer ou opinio sobre as demonstraes contbeis, verificando se estas espelham a realidade e se esto de acordo com os Princpios Fundamentais de Contabilidade (PFC). Esta auditoria tem um grau elevado de planejamento e superviso, atravs do uso intensivo de papis de trabalho, e dividida em duas fases denominada fase preliminar e fase final (ALMEIDA, 1996). A fase preliminar constitui a avaliao dos controles internos. Esta avaliao determina a aplicao dos procedimentos de auditoria, ou seja, quanto menos efetivos forem os controles internos, mais intensos devero ser os testes de auditoria (ALMEIDA, 1996). A fase final compreende a visita que o auditor faz empresa, aps o encerramento do exerccio social, e depois de analisadas as demonstraes contbeis, emite uma opinio, ou seja, o parecer (ALMEIDA, 1996). As etapas para a execuo do programa de auditoria so divididos em trs, quais sejam: a visita de nterim, a visita preliminar e a visita final (CREPALDI, 2002, p. 307). A visita de nterim tem o objetivo de testar e avaliar os sistemas de controles internos da empresa, como base para quantificar a extenso, profundidade e oportunidade do trabalho de auditoria independente (CREPALDI, 2002, 307). A segunda visita do auditor independente, denominada visita preliminar, ou tambm conhecida como visita de pr-balano, concretizada perto da data de encerramento do

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balano do final do exerccio, podendo ocorrer nos meses de novembro e dezembro, no caso de empresas que encerram o exerccio em 31 de dezembro (CREPALDI, 2002, p.308). Por fim, a visita final, como o prprio no supe, a ltima visita efetuada pelo auditor independente. Esta visa a emisso, por parte deste profissional, de um parecer acerca da fidedignidade das demonstraes contbeis da empresa (CREPALDI, 2002, p.309). Os servios de auditoria especial tem o objetivo de apurar a integridade dos valores dos ativos e passivos, procurando saber se eles esto corretamente avaliados, no sentido de verificar se os seus valores encontram-se defasados ou avultados. Geralmente, esse procedimento feito previamente em operaes de privatizao, aquisio, fuso ou incorporao (ALMEIDA, 1996). Como esse tipo de servio procura garantir a integridade patrimonial espelhada nas demonstraes contbeis, ou seja, procura obter a comprovao integral dos ativos e passivos avaliados na empresa, os controles internos no so amplamente avaliados, como seria na auditoria de balanos. Tambm, na execuo deste trabalho de auditoria especial, as fraudes so avaliadas com importante aprofundamento, objetivando dimensionar o seu volume com relao ao total dos ativos. A Instruo CVM 308, emitida em 14 de maio de 1999, artigo 23, incisos I e II estabelece regras de impedimento aos auditores independentes, vedando a realizao de auditoria quando este adquirir ou manter valores mobilirios da entidade, suas controladas, controladoras ou integrantes de um mesmo grupo econmico, bem como se prestarem servios de consultoria, o que caracteriza a perda da sua objetividade e independncia. A instruo CVM 308 significa um avano das normas brasileiras, no que concerne diminuio dos conflitos de interesses entre auditores e empresas auditadas.2 Outras regras da mesma instruo esto em vigor e so abrangentes. Dentre elas, podese destacar a exigncia do controle interno e externo de qualidade e a implantao de programa de educao continuada.

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A instruo CVM 308, no seu artigo 31, dispe sobre a rotatividade dos auditores: a empresa de auditoria no pode prestar servios a uma mesma instituio por um prazo de cinco anos consecutivos, sendo estabelecido um prazo de intervalo de trs anos para a recontratao. Dessa forma, a referida instruo representa um avano na legislao brasileira, especificamente neste quesito da rotatividade dos auditores independentes, visto que a convivncia prxima e longa entre auditores independentes e seus clientes pode gerar resultados viciados, comprometendo a prpria independncia do profissional da auditoria. Destarte, um dos maiores benefcios da Instruo CVM 308 justamente o rodzio de firmas de auditoria, que propicia um incentivo para se resistir s presses. (OLIVEIRA, 2005). Tal medida disposta na referida instruo, a respeito da rotatividade dos auditores, visa especificamente o no comprometimento da qualidade do servio de auditoria atravs da garantia da real independncia do auditor.

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Na auditoria independente, o exame das demonstraes contbeis realizado periodicamente. O seu trabalho voltado para verificar a fidedignidade dessas demonstraes, ou seja, voltado para atender s necessidades de terceiros.3 Frise-se que o Auditor Independente realiza testes na contabilidade da empresa por amostragem, no exaurindo por completo a possibilidade de existir algum erro ou fraude. Isto porque este profissional est interessado em erros que individualmente ou cumulativamente possam alterar de maneira substancial as informaes das demonstraes contbeis (ALMEIDA, 1996, p. 57). A auditoria geral e permanente dificulta a ocorrncia de fraudes ou erros nas empresas, porm, no se deve levar ao exagero a interpretao das possibilidades da sua total eliminao. Tal situao somente seria possvel com a fiscalizao integral e constante de absolutamente todos os registros contbeis, bem como de todos os atos administrativos executados pelos administradores e pelos funcionrios (FRANCO, 2001, p. 215). A administrao da empresa responsvel, primariamente, pela preveno e pela deteco de fraudes e erros. Para isso, deve implementar medidas e manuteno de um sistema contbil e de um controle interno adequado. Entretanto, o auditor independente, quanto ao seu trabalho, deve planej-lo de forma a detectar fraudes e erros que impliquem efeitos relevantes nas demonstraes contbeis (CREPALDI, 2002, p.116). Uma das maneiras de maquiar as demonstraes contbeis das empresas consubstancia-se no uso da Contabilidade criativa. Este um tipo de tcnica que visa encobrir erros ou fraudes das referidas demonstraes, de modo que estas no espelhem a realidade da empresa, com vistas obteno de alguma vantagem indevida. O auditor independente responsvel pela emisso de um parecer, ou seja, uma opinio acerca da fidedignidade e integridade das demonstraes contbeis da empresa auditada, sendo responsvel, portanto, pela deteco de erros ou fraudes que impliquem relevantes efeitos nos demonstrativos em questo, conforme visto acima. Destarte, mister discorrer a respeito do que seja a Contabilidade Criativa e quais so as implicaes decorrentes do seu uso.

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Neste tipo de auditoria, a extenso e a profundidade dos procedimentos de auditoria que sero empregados dependero da investigao e da qualidade da prova a ser obtida. Estes procedimentos compreendem a comprovao fsica e contagens, a confirmao de terceiros, o exame dos documentos de suporte das operaes, a conferncia de clculos, o rastreamento de escriturao, a anlise crtica e minuciosa, o inqurito, que consiste na formulao de perguntas e na obteno de respostas satisfatrias, o exame de registros auxiliares, a correlao entre saldos e informaes e a observao das atividades. (CREPALDI, 2002, p.151)

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1.2 Contabilidade Criativa

Segundo Mayoral (1997) apud Cordeiro (2003, p. 2), contabilidade criativa objetiva: transformar as contas anuais do que tem que ser no que se prefere que seja, onde para a implantao deste tipo de prtica se requer encobrir os princpios e normas contbeis, ou abandonar a uniformidade na sua aplicao. A contabilidade criativa pressupe uma ao m intencionada, que visa obter uma vantagem indevida atravs da manipulao contbil, eivando de vcio as demonstraes contbeis, fazendo-as, portanto, com que no espelhem a realidade da empresa. Contudo, deve-se diferenciar o que seria fraude e erro, visto que pode ocorrer de alguma demonstrao contbil estar eivada de vcio causado por um erro no intencional. Mister, nesse nterim, discorrer sobre fraudes e erros, distinguindo-os e verificando o seu uso dentro do contexto da Contabilidade criativa.

1.2.1 A Contabilidade Criativa como Espcie de Fraude

A fraude e o erro nas empresas devem ser definidos para que se possa distingui-los para saber o que se enquadra dentro da contabilidade criativa. Mister reproduzir parte da Resoluo n 820/1997, do Conselho Federal de Contabilidade, in verbis:11.1.4 FRAUDE E ERRO 11.1.4.1 Para os fins destas normas, considera-se: a) fraude, o ato intencional de omisso ou manipulao de transaes, adulterao de documentos, registros e demonstraes contbeis; e b) erro, o ato no intencional resultante de omisso, desateno ou m interpretao de fatos na elaborao de registros e demonstraes contbeis. 11.1.4.2 Ao detectar erros relevantes ou fraudes no decorrer dos seus trabalhos, o auditor tem a obrigao de comunic-los administrao da entidade e sugerir medidas corretivas, informando sobre os possveis efeitos no seu parecer, caso elas no sejam adotadas. 11.1.4.3 A responsabilidade primria na preveno e identificao de fraude e erros da administrao da entidade, atravs da implementao e manuteno de adequado sistema contbil e de controle interno. Entretanto, o auditor deve planejar seu trabalho de forma a detectar fraudes e erros que impliquem efeitos relevantes nas demonstraes contbeis (Conselho Federal de Contabilidade CFC, 1997, Resoluo n 820).

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Paulo Henrique Teixeira (2010, p.5) afirma que o conceito de fraude e erro, segundo o Conselho Federal de Contabilidade CFC, define, para o Contador, o que se enquadra como fraude. Assim, o profissional que agir de forma intencional adulterando, falsificando, suprimindo, manipulando e alterando documentos, lanamentos contbeis e as demonstraes contbeis, sabe que est agindo fraudulenta e criminosamente contra a empresa, scios minoritrios, fornecedores, instituies financeiras, governo, sociedade e outras partes interessadas. Atuando fraudulentamente assume responsabilidade, responde perante a empresa, os scios, fornecedores, bancos, etc. com seus bens. O Instituto dos Auditores Internos do Brasil AUDIBRA (1992, p.228-229), define a fraude como uma forma de irregularidade envolvendo prticas criminosas para obter uma injustia ou vantagem ilegal. Refere-se a atos cometidos com a inteno de enganar, envolvendo mau uso dos ativos ou irregularidades intencionais de informao financeira, ou para ocultar mau uso dos ativos ou para outros propsitos por meio de: manipulaes, falsificaes ou alteraes de registros e documentos; supresso de informaes dos registros ou documentos; registro de transaes sem substncia; e mau uso de normas contbeis. Fraude, no Direito Internacional, no seu sentido etimolgico e jurdico, compreende a tergiversao 4 da verdade tendo como inteno enganar terceiros, causando-lhe danos, que normalmente so de carter econmico (SANTOS, 2003, p. 11). Ainda segundo o autor, qualquer manipulao da informao contbil que contenha uma distoro na conformao correta desta deve ser entendida como uma espcie de fraude (SANTOS, 2003, p.11). Fraude definida como um ato intencional por parte de um ou mais indivduos dentre os membros administrativos, empregados ou terceiros, que resulta em declaraes falsas das demonstraes contbeis (International Federation of Accountants IFAC, Tema 240, p.53). As fraudes so preparadas ou manipuladas de modo que o fraudador obtenha benefcios, para apresentar situaes contbeis artificiais, ou para lesar os cofres pblicos na questo tributria (FLORENTINO, 1987, p. 131). Muitos erros e fraudes so dissimulados na escriturao contbil. Porm, h fraudes que so executadas pela no escriturao de determinados atos, ou seja, so irregularidades praticadas contra o patrimnio, sendo que as mesmas no so contabilizadas, podendo ser

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Tergiversar no sentido de voltar as costas, usar de evasivas, procurar rodeios, empregar subterfgios, hesitar. (Dicionrio MICHAELIS on-line, Editora Melhoramentos Ltda, UOL, 2009)

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apuradas somente pela apurao fsica dos bens e valores patrimoniais (FRANCO, 2001, p. 215).5 certo que as fraudes cometidas pelas empresas com a ajuda dos contadores e com a conivncia dos auditores independentes, certamente pode ser considerada uma conduta passvel de ser responsabilizada, inclusive no campo penal, conforme ser abordado posteriormente. Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que a contabilidade criativa uma espcie de fraude, pois, uma tcnica utilizada para manipular os demonstrativos contbeis de uma empresa, com vistas a no espelhar a real situao patrimonial da mesma, objetivando obter alguma vantagem indevida, conforme j comentado. Evidenciada a contabilidade criativa como espcie de fraude, mister discorrer sobre a relao entre esse tipo de prtica e o erro.

1.2.2 A Contabilidade Criativa e o Erro

As Normas Internacionais de Auditoria, emitidas pela International Federation of Accountants - IFAC, estabelecem que ao planejar e executar procedimentos de auditoria e ao avaliar e relatar seus resultados, o auditor deve considerar o risco de distores relevantes nas demonstraes contbeis, como resultado de fraude ou erro. (SANTOS, 2003, p. 12). Os erros no so intencionais e nem dolosos, visto que so falhas humanas (FLORENTINO, 1987, p. 130). Entretanto, no este o posicionamento adotado neste trabalho, pois os erros podem sim ser intencionais, sendo medidos pela vontade do agente de obter alguma vantagem ilcita. A inteno do agente constitui-se na diferena fundamental entre fraude e erro. Assim, se h inteno de manipular os demonstrativos contbeis, mesmo que seja por erro, tal prtica irregular torna-se sinnimo de fraude (SANTOS, 2003).

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Algumas empresas que no tm auditoria permanente costumam contratar auditores independentes para prestar servios de auditoria especfica para deteco de erros ou fraudes. Neste caso, a administrao da empresa sabe que existem irregularidades, como, por exemplo, de desvios de estoques ou de valores; falta de prestao de contas de cobradores e responsveis pelos valores a receber; ou outros casos que prejudicam patrimonialmente a empresa. Porm, os administradores desconhecem a causa da irregularidade ou no sabem quantificar os valores desviados e nem identificar a autoria dos envolvidos nas prticas ilcitas. Esse o caso da auditoria especfica, eventual e parcial, mas efetuada com profundidade, visando ao exame integral dos registros e controles relativos a determinado elemento patrimonial. (FRANCO, 2001, p. 215).

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O termo erro refere-se a incorrees involuntrias contidas nos demonstrativos contbeis, incluindo os erros matemticos, ou seja, aritmticos, os erros de execuo, ou de classificao dos elementos na contabilidade, os erros por desvios inconscientes ou por desconhecimento com relao aplicao dos princpios de contabilidade, ou mesmo o erro por esquecimento ou interpretao equivocada dos fatos conhecidos na poca em que os demonstrativos financeiros so elaborados (CREPALDI, 2002, p.115).6 bvio que no se pode generalizar o erro como um ato de total irresponsabilidade no caso de no ser intencional. Isso porque um erro pode passar despercebido, visto sua insignificncia, sendo que sua correo pode ser considerada desnecessria. Um erro de debitar uma pequena despesa em conta errada pode no ter um efeito to relevante nos saldos das duas contas. Em tais casos, como de classificao incorreta de despesa, o auditor independente deve advertir os responsveis, a fim de que os mesmos no incorram em erros equivalentes no futuro. Esse trabalho do auditor independente de natureza preventiva, pois a localizao de falhas leves devem ser realizadas antes que sejam cometidos erros mais graves (MAUTZ, 1987, p.44). Destarte, pode-se inferir que a fraude intencional, portanto, classificada como contabilidade criativa. J o erro pode ou no ser intencional. Se o erro cometido intencionalmente com o intuito de obteno de vantagem indevida, ento trata-se de fraude e, portanto, prtica de contabilidade criativa. Para que se possa chegar ao objetivo final do presente trabalho, qual seja, comentar sobre a responsabilidade penal do auditor independente em funo de suas atribuies, importante discorrer-se sobre o que seja responsabilidade penal, passando pelas suas teorias, em especial a que o Cdigo Penal Brasileiro optou por seguir, e ainda, analisar as questes do dolo e da culpa.

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So exemplos de erros: a) erro de execuo na compilao da linguagem de inventrio; b) contabilizao do benefcio fiscal pela compensao de prejuzo existente anteriormente data de aquisio da subsidiria ou coligada como reduo do imposto de renda em vez de reduo no preo de aquisio do investimento; c) deixar de considerar duplicatas entregues ao departamento jurdico para cobrana ao estimar a proviso para crditos de liquidao duvidosa. (CREPALDI, 2002, p.115-116)

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2 A RESPONSABILIZAO PENAL

A responsabilizao penal passou por uma evoluo histrica e terica, sendo que o conceito de crime foi influenciado diretamente pela Escola Clssica, movimento que teve incio em meados do sculo XIX. Para que se possa entender a responsabilizao penal, importante discorrer sobre a referida Escola Clssica, passando pelo sistema causal-naturalista, sistema neoclssico, finalista, social e at o momento em que o crime concebido na atualidade.

2.1 A Teoria Clssica do Delito

A Teoria Clssica do Delito, ou simplesmente Escola Clssica, nome criado pelos positivistas, uma reunio de obras de vrios autores que escreveram na primeira metade do sculo XIX (MIRABETE, 2003, p. 39). Esta teoria influenciou de forma dominante o pensamento jurdico-penal no incio do sculo XIX (ROCHA, 2009, p.134). O maior expoente da Escola Clssica foi Francesco Carrara, autor do monumental Programa Del corso di diritto criminale (1959) (MIRABETE, 2003, p.39). A ao humana, na concepo da Escola Clssica, especificamente no sistema causalnaturalista, era considerada um mero movimento corpreo que guarda relao de causalidade com a modificao indesejvel do mundo exterior. Destarte, esta teoria utilizava um conceito jurdico e no ontolgico, desprezando o aspecto subjetivo da ao humana e dando ateno ao resultado naturalstico de tal ao. Com isso, a preocupao com o resultado da ao acabou desviando a ateno da ao em si (ROCHA, 2009, p.134). Mesmo com esse enfoque que a Escola Clssica dava ao crime, ou seja, apenas no aspecto objetivo, os elementos do crime comearam a ter uma delineao que levou s concepes das teorias bipartida e tripartida que sero abordadas mais adiante (GALVO, 2009). Ainda com relao ao sistema causal-naturalista, a elaborao analtica formulada por Liszt e Beling foi influenciado pelo pensamento cientfico positivista, que utilizava o critrio

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objetivo-subjetivo, identificando o injusto (tipicidade e ilicitude) como seu aspecto objetivo e a culpabilidade como seu aspecto subjetivo (GALVO, 2009, 134). Na histria, o conceito analtico de Liszt e Beling sofreu retificaes. A primeira elaborao bipartida ocupou-se da considerao de crime como ao antijurdica, o que podese inferir a tipicidade e antijuridicidade da conduta, para depois averiguar-se a ao como culpvel, em que considerou a existncia de liame psicolgico entre o autor e o fato punvel. Logo aps, para a consolidao da noo de tipo, Beling acentuou que o tipo tem sua independncia em relao antijuridicidade e culpabilidade, sustentando que o tipo no continha qualquer juzo de valor, sendo apenas descrio objetiva da ao, livre de todo elemento subjetivo-anmico. Dessa forma, a definio do delito firma-se como ao tpica, antijurdica e culpvel, ou seja, teoria tripartida (GALVO, 2009, p.135). Aps o sistema causal-naturalista, que considerava o tipo como objetivo e neutro, surgiu o sistema neoclssico, o finalista e o social (GALVO, 2009, p.134-139). O sistema neoclssico constituiu-se na tentativa de estabelecer um conceito jurdicopenal para a ao, tentando superar as dificuldades impostas por noo de tipo que no considera os aspectos subjetivos da conduta. Assim, o mtodo cientfico-naturalista de observao e descrio utilizou-se da metodologia mais adequada s cincias do esprito, caracterizada pelas tarefas de compreender e valorar. Destarte, a antijuridicidade que, na concepo clssica, apresentava-se como mera oposio formal ordem jurdica, passa a ser visualizada sob o prisma material, pressupondo a conduta como um dano social (GALVO, 2009, p.138-139). No sistema finalista, defendeu-se que no existe conceito jurdico penal de ao, visto que deve identificar-se com o conceito ntico-ontolgico. Assim, a ao humana colocada agora como exerccio da atividade finalista, baseando-se na capacidade da vontade de prever as consequncias de sua interveno no curso causal e determin-lo na direo de um objetivo (GALVO, 2009, p.139). O sistema social, paralelo sistematizao finalista, desenvolveu-se considerando a ao delitiva como fenmeno social, tendo em vista o valor de seus efeitos na realidade. Assim, o conforme esta teoria, a relevncia social da conduta humana critrio conceitual comum a todas as formas de comportamento proibido. A conduta humana, neste prisma, deve ser socialmente relevante. Englobando o aspecto do causalismo e do finalismo, a teoria social alcanou o ponto mximo na evoluo da teoria do delito (GALVO, 2009, p.143). No direito brasileiro, a doutrina penal exigiu a substituio clssica, ou causalnaturalista de ao, por outra mais enriquecida. Assim, a noo de causalidade no foi

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abandonada, mas enriquecida pela sistematizao finalista, para adquirir a qualidade de causalidade dirigida pela intencionalidade. Destarte, a legislao penal atual pauta-se por uma mentalidade mais humanista e posicionamento cientfico apurado, enfatizando a culpabilidade como fundamento para a responsabilizao penal (GALVO, 2009, p.148). O Decreto-lei n 2.848, de 07/12/1940 a legislao penal fundamental do Brasil. Essa lei derivada das escolas Clssica e Positiva, aproveitando-se o que havia de melhor nas legislaes modernas de orientao liberal, como o cdigo italiano e o suo. Os princpios bsicos da legislao brasileira penal atual agregam a adoo do dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de segurana, considerando, tambm, a personalidade do criminoso, alm de aceitar de forma excepcional a responsabilidade objetiva (MIRABETE, 2003, p. 43). A Lei 7.209, de 11 de julho de 1984 veio reformar o Cdigo Penal Brasileiro.7 Tal lei adequou-se uma mentalidade mais humanista, procurando respeitar a dignidade da pessoa humana, tratando o homem como um ser livre e responsvel, elevando a culpabilidade como pressuposto indispensvel responsabilidade penal. Referida lei criou, tambm, novas medidas para tratar os crimes de pequena relevncia, evitando a priso do agente por um curto lapso de tempo (MIRABETE, 2003, p.44). Com essa evoluo das teorias do crime, infere-se que o cdigo penal atual adotou a teoria tripartida, visto que o dolo e a culpa passaram a pertencer ao exame da tipicidade (GALVO, 2009, p.148). A culpabilidade, por sua vez, na atualidade do sistema penal brasileiro, tornou-se apenas a reprovabilidade pessoal sobre a conduta tpica e ilcita, apurvel segundo o princpio geral de inexigibilidade de conduta diversa. Aps essa breve explanao sobre as teorias do crime e a teoria adotada pelo sistema penal brasileiro, importante discorrer-se sobre os conceitos de crime.

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As principais inovaes deste anteprojeto foram: 1) a reformulao do instituto de erro, adotando-se a distino entre erro de tipo e erro de proibio como excludentes da culpabilidade; 2) a norma especial referente aos crimes qualificados pelo resultado para excluir-se a responsabilidade objetiva; 3) a reformulao do captulo referente ao concurso de agentes para resolver o problema do desvio subjetivo entre os participantes do crime; 4) a extino da diviso entre penas principais e acessrias e a criao das penas alternativas (restritivas de direito) para os crimes de menor gravidade; 5) a criao da chamada multa reparatria (retirada do anteprojeto antes de transformar-se em Lei); 6) o abandono do sistema duplo-binrio das medidas de segurana e a excluso da presuno de periculosidade. (MIRABETE, 2003, p. 44)

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2.2 Conceitos de Crime

O crime concebido por trs correntes, quais sejam, o conceito formal, o conceito material e o conceito analtico (ou dogmtico) (CALLEGARI, 2009). Pelo conceito formal, o crime definido como todo o fato humano que proibido pela lei penal, ou seja, o fato tipificado na lei penal a qual atribui a respectiva pena. o mais simples dos conceitos, visto que considera apenas o aspecto externo do fato criminoso e no o seu contedo (CALLEGARI, 2009). Dentro do aspecto formal, considerar a existncia de um crime sem levar em conta sua essncia ou lesividade material afronta o princpio constitucional da dignidade humana (CAPEZ, 2005, p.112). Portanto, preciso complementar o conceito formal de crime. O autor Mirabete ensina que para constituir-se crime, o ato deve infringir uma lei (princpio da legalidade) promulgada (disposta em lei positivada, desconsiderando, portanto, leis morais ou religiosas), porm tambm visa proteger a segurana dos cidados (tutela dos bens jurdicos). O crime um ato que viola a tutela do Estado, sendo que, a cogitao ou inteno do ato criminoso no punvel. Tal ato pode ser positivo (quando feito por ao), ou negativo (quando no feito o que se devia fazer). Esses so os ensinamentos de Carrara (MIRABETE, 2003, p. 39). No conceito material, o crime todo fato humano que lesiona um interesse de forma a comprometer as condies de existncia, conservao e desenvolvimento da sociedade. Assim, tal conceito preocupa-se com o contedo do crime, considerando o carter danoso da ao ou o seu desvalor social, no sentido da importncia que uma determinada sociedade d quilo que considera que deva ser proibido pela legislao penal. Contudo esse conceito perdeu o seu valor a partir do advento da reserva legal, a qual algum somente pode ser punido se existir uma lei que tipifique a ao. Destarte, uma ao considerada criminosa somente se estiver disposta em lei penal. O desvalor da ao servir apenas como parmetro ao legislador na fase pr-legislativa (CALLEGARI, 2009). Finalmente, dentro do conceito analtico ou dogmtico, o crime concebido em duas teorias, quais sejam, a bipartida e a tripartida.

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Dentre alguns autores que defendem a teoria bipartida, pode-se citar, por exemplo, Battaglini, Mezger, Schnke, Basileu Garcia, Rene Ariela Dotti, Damsio de Jesus, Jllio Fabbrini Mirabete, Luiz Flvio Gomes, Juarez Tavares e Fernando Capez. 8 J na teoria tripartida, o crime toda ao tpica, antijurdica e culpvel, sendo estes requisitos exigveis para que a ao seja considerada criminosa (CALLEGARI, 2009). Dentre alguns autores que defendem a teoria tripartida, pode-se citar, por exemplo, Heleno Cludio Fragoso, Cezar Roberto Bitencourt, Francisco de Assis Toledo e Andr Luis Callegari9. Adentrando apenas no conceito analtico, que, como comentado acima, divide-se nas duas teorias, quais sejam, a bipartida e a tripartida, importante investigar sobre a sua evoluo.

2.2.1 Evoluo do Conceito Analtico do Crime

O conceito analtico surge com o advento dos avanos cientficos do final do sculo XIX e incio do sculo XX, com a finalidade de aprofundar-se no estudo do desenvolvimento das normas penais atravs do isolamento das partes componentes do delito, facilitando a aplicao do direito com o consequente enquadramento lgico dos fatos concretos nas8

A teoria bipartida defende que o crime toda conduta tpica e antijurdica, no se incluindo neste conceito a punibilidade da conduta, isto porque, na realidade, a mesma no faz parte do delito, constituindo, na verdade, a sua consequncia. (TAVARES, 1980, p.12) Seguindo o mesmo enfoque, Fernando Capez aponta que a culpabilidade no integra o conceito de crime. Sob esse prisma, crime todo fato tpico e ilcito. Assim, em primeiro lugar, deve-se observar a tipicidade da conduta. Caso positivo, e s nesse caso, averigua-se se a conduta ilcita ou no. Sendo fato tpico e ilcito j surge a infrao penal. A partir da, averiguar-se- se o autor foi culpado ou no da sua prtica, isto , se deve ou no sofrer um juzo de reprovao pelo crime que cometeu. (CAPEZ, 2005, p.112) Ademais, o referido autor esclarece que a culpabilidade no pode ser um elemento externo de valorao exercido sobre o autor do crime e, ao mesmo tempo, estar dentro dele. Segundo o autor, no existe crime culpado, mas autor de crime culpado. (CAPEZ, 2005, p.113) 9 Parte da doutrina no Brasil adota a teoria bipartida do crime, segundo a qual crime a ao tpica e antijurdica, admitindo a culpabilidade somente como mero pressuposto da pena. Porm, outros doutrinadores adotam a teoria tripartida, na qual, dentro do conceito analtico, o crime uma ao tpica, antijurdica e culpvel. (BITENCOURT, 2004, p.192) Tipo o conjunto dos elementos do fato punvel descrito na lei penal. Dessa forma, o tipo um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Destarte, o tipo uma figura puramente conceitual. Antijuridicidade a valorao da conduta proibida, ou seja, tipificada. Por sua vez, o injusto a conduta valorada de antijurdica. Assim, injusto toda e qualquer conduta tpica e antijurdica, mesmo que no seja culpvel. Voltando para o crime, este o injusto culpvel. Logo, o injusto, ainda que seja uma conduta antijurdica, pode no se completar como crime efetivamente, pela falta da culpabilidade. (BITENCOURT, 2004, p.246) O presente trabalho acompanha o entendimento da teoria tripartida, mesmo porque as colocaes do terceiro captulo apontam para a questo de que para constituir-se crime, o mesmo deve conter o elemento culpvel. Destarte, entende-se que o crime uma conduta tpica, antijurdica e culpvel.

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respectivas fases de valorao, da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade (TAVARES, 1980, p.12). O conceito analtico contribui de modo decisivo no sentido da melhor visualizao dos problemas e casos penais, denotando-se interesse prtico imediato, principalmente na questo do dolo e da culpa; do erro, da omisso, da tentativa, do concurso de agentes e de crimes, das causas de justificao, das condies objetivas de punibilidade e, inclusive, na aplicao das sanes penais e medidas de segurana. Se no fosse possvel a separao do delito em componentes singulares, no se saberia, ao certo, como tratar esses problemas e onde situ-los (TAVARES, 1980, p.12).

2.2.2 Elementos do Crime

Como visto, a conduta o primeiro requisito exigido para que um fato possa ser considerado criminoso. Assim, sem uma conduta humana, no h crime. Contudo, a conduta pode ser comissiva (uma ao positiva) ou omissiva (uma no-ao, uma absteno, portanto, negativa) (CALLEGARI, 2009, p.45). Tipicidade outro elemento do crime. Este considerado nas teorias bipartida e tripartida. Trata-se da correspondncia da conduta concreta praticada descrio abstrata contida na norma penal. Assim, uma conduta humana, comissiva ou omissiva, ser um fato tpico quando prevista na norma penal como proibida (CALLEGARI, 2009, p.45). Antijuridicidade, considerado nas teorias bipartida e tripartida, elemento do crime. Importante, neste prisma, esclarecer que antijuricidade e ilicitude so sinnimos. Dessa forma, deve-se investigar se a ao, mesmo sendo tpica, reveste-se de contrariedade ao ordenamento jurdico. Ocorre que a regra do Direito Penal que todo fato tpico tambm antijurdico, a no ser que a conduta foi praticada em razo de uma causa de justificao, ou seja, uma excludente de ilicitude (legtima defesa, estado de necessidade etc.). Destarte, a conduta tpica pode no ser antijurdica quando a mesma praticada em virtude de alguma causa de excluso da antijuridicidade. Nesse caso, mesmo a conduta sendo tpica, no h crime por ausncia de um de seus requisitos, qual seja, a antijuridicidade (CALLEGARI, 2009, p.46). Superados os elementos da tipicidade e antijuridicidade, passa-se a analisar a culpabilidade do agente. Sobre este assunto, explanar-se- no tpico seguinte.

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2.3 Culpabilidade

A culpabilidade, para a teoria finalista da ao, tida como a reprovao da ordem jurdica em face do homem que est ligado ao fato tpico e antijurdico. , pois, a contradio entre a vontade do homem e a vontade da norma. Assim, a culpabilidade no se caracteriza como um elemento, caracterstica ou aspecto do crime, mas apenas uma mera condio para se aplicar a pena pela reprovabilidade da conduta. Este posicionamento adere teoria bipartida (MIRABETE, 2003, p. 98). Porm, para a teoria tripartida, a culpabilidade elemento do crime. Refere-se reprovabilidade da conduta tpica e antijurdica. Em outras palavras, para que se possa falar em culpabilidade do agente, imprescindvel que se possa aferir se o mesmo poderia agir de acordo com o Direito. Destarte, primeiramente deve ser feito um juzo de imputabilidade no sentido de verificar se o agente tem capacidade psquica de entender a antijuridicidade da sua conduta. Assim, a imputabilidade diz respeito condio psquica pessoal do agente em entender o carter ilcito de sua ao. Alm disso, deve-se averiguar se o agente tem possibilidade de conhecer a antijuridicidade de sua conduta, mediante um esforo intelectual, de forma a compreender a ilicitude de determinado fato, no o praticando em prol da prtica de um fato conforme ao direito (CALLEGARI, 2009, p.46). Por fim, alm do juzo de imputabilidade e da capacidade do agente de conhecer a antijuridicidade do fato, deve o mesmo, diante das circunstncias do fato, ter a possibilidade de agir de modo diverso prtica do ilcito penal, ou seja, averiguar se possvel exigir conduta diversa por parte do agente (CALLEGARI, 2009, p.46-47). Em suma, s haver culpabilidade se o sujeito tiver condies psquicas de se determinar com o direito, apresentar condies de compreender a ilicitude de sua conduta e se tiver possibilidade, diante das circunstncias de um determinado fato, de agir de forma diversa prtica de um crime (CALLEGARI, 2009, p.47). Por fim, o crime praticado pela vontade do agente dolo , ou independente da vontade do agente - culpa. Destarte, importante discorrer-se sobre o dolo e a culpa no contexto da prtica do crime, que inclusive ser importante para o desenvolvimento do terceiro captulo do presente trabalho, onde comentar-se- sobre a responsabilidade penal do auditor independente no exerccio de suas atribuies.

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2.4 Dolo

O cdigo penal brasileiro, Decreto-Lei n 2.848, de 7 de Dezembro de 1940, no conceitua dolo. Porm, faz meno ao mesmo no seu art. 18, in verbis:

Art. 18. Diz-se o crime: I doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

Para os finalistas, o dolo inclui unicamente o conhecer e o querer a realizao da situao objetiva descrita pelo tipo, no fazendo meno antijuridicidade da conduta (CALLEGARI, 2009, p.103).10 Portanto, o crime doloso pode ser conceituado como sendo a vontade de ao orientado para a realizao de um tipo de delito (CALLEGARI, 2009, p.103). Fernando Galvo alega que o art. 18 do Cdigo Penal de 1940 contm uma impropriedade, visto que o mesmo, ao referir o crime doloso a um agente que quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo, parece restringir a caracterizao do dolo apenas aos crimes comissivos. Contudo, os tipos omissivos, divididos em prprios ou imprprios, tambm apresentam requisitos subjetivos que devem ser satisfeitos sob pena de atipicidade. Portanto, o tipo doloso tanto pode ser comissivo quanto omissivo (GALVO, 2009). O dolo uma figura abstrata, ou seja, que no existe na realidade natural. Dolo criao do homem, s existindo no mundo jurdico e instrumentaliza a interpretao da realidade natural. Assim, dolo refere-se a um dado da realidade natural que a inteno, somente podendo ser compreendido no contexto normativo do juzo de tipicidade. Ressalte-se que o dolo no a vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta descrita no tipo penal do incriminador. Porm, o conceito jurdico considera essa vontade. Vontade sinnimo de inteno, sendo a mesma o objeto ao qual se refere o conceito de dolo e satisfaz s exigncias subjetivas do tipo doloso. Assim, no h que se confundir o conceito10

Damsio E. de Jesus adota a teoria finalista da ao. Tal teoria integra a conduta, pois, segundo o autor, a ao e a omisso no constituem simples formas naturalsticas de comportamento, mas aes ou omisses dolosas. Assim, dolo a vontade de concretizar as caractersticas objetivas do tipo, constituindo elemento subjetivo implcito do tipo. Destarte, para o autor, dolo no espcie ou elemento da culpabilidade, mas sim, integra a conduta. (JESUS, 2003, p.287) Fernando Capez, adotando a mesma teoria, faz um silogismo respeito do dolo. Para o autor, dolo o elemento psicolgico da conduta. Esta um dos elementos do fato tpico. Portanto, dolo um dos elementos do fato tpico. Concluindo, dolo a vontade e a conscincia de realizar os elementos do tipo legal. Ampliando o conceito, dolo a vontade manifestada pela pessoa humana de realizar a conduta. (CAPEZ, 2005, p.198)

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com o objeto ao qual ele se refere. Dolo conceito construdo pela doutrina, existindo na qualidade de conceito classificatrio no mundo das construes jurdicas. J a vontade (inteno) de praticar algum comportamento dado da realidade natural. Por fim, infere-se que dolo concepo jurdica do magistrado, enquanto que inteno a vontade de agir do ru (GALVO, 2009, p.173). Ressalte-se que nem toda inteno objeto de apreciao do Direito Penal. Somente a inteno que se correlaciona com uma conduta tipificada que interessa ao Direito Penal (GALVO, 2009, p.173-174). Callegari considera o dolo sob dois aspectos, quais sejam, o elemento intelectual e o elemento volitivo (CALLEGARI, 2009, p.103-104). O elemento intelectual aquele em que o agente conhece os elementos e todas as circunstncias objetivas do tipo penal. Assim, para agir dolosamente, o agente sabe o que faz e conhece os elementos que caracterizam sua ao como ao tipificada. Neste prisma, dizer, por exemplo, que, no homicdio, o agente sabe que matou outra pessoa e que matar algum tipificado como crime no Cdigo Penal (CALLEGARI, 2009, p.103-104). J o elemento volitivo, a vontade do agente em realizar a conduta tipificada. No se trata da vontade genrica da ao, mas precisamente a vontade de realizar a conduta tpica, o querer realizar todos os elementos objetivos do tipo em que se conhece (CALLEGARI, 2009, p. 104). O dolo possui diferentes teorias, quais sejam, teoria do consentimento ou da aprovao; teoria do assentimento e teoria do conhecimento. Dentro desta ltima, h a teoria da representao e a teoria da probabilidade (CALLEGARI, 2009, p.104-106).11 A teoria do consentimento ou da aprovao considera que o agente aceitou ou aprovou a previso do resultado. Assim, no seu interior, o sujeito que praticou um ato tipificado, aprovou a produo do mesmo anteriormente sua conduta, ou seja, j concordou com o resultado antes da prtica delituosa (CALLEGARI, 2009, p.104). A teoria do assentimento coaduna-se com a indiferena do agente em praticar o ato delituoso. Em outras palavras, o agente aceita as consequncias de sua conduta com indiferena (CALLEGARI, 2009, p.105).

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Fernando Capez no menciona a teoria do conhecimento. Porm, explica sobre a teoria da representao sem, contudo, mencionar sobre a teoria da probabilidade. Este autor menciona apenas trs teorias, quais sejam, a teoria da vontade (onde o dolo a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado), a teoria da representao e a teoria do assentimento ou consentimento, essas ltimas apresentadas no presente trabalho. (CAPEZ, 2005, p.200).

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Outrossim, Fernando Capez no diferencia as teorias do assentimento e do consentimento. Para este autor, para a teoria do assentimento (tambm chamada teoria do consentimento), dolo o assentimento do resultado, ou seja, a previso do resultado, sendo que o agente aceitou os riscos de produzi-lo. Assim, no basta prever a possibilidade de o resultado ocorrer; preciso aceitar como indiferente a produo do referido resultado (CAPEZ, 2005, p.200). A teoria do conhecimento permite constatar e deduzir os dados externos no momento em que o autor realiza a conduta. Como j comentado acima, a teoria do conhecimento subdividida em duas teorias, quais sejam, a teoria da representao e a teoria da probabilidade (CALLEGARI, 2009, p.104-106). A teoria da representao no considera o elemento volitivo do agente. Assim, o simples fato de existir uma possibilidade de produo do resultado criminoso, mesmo sem a vontade do agente, caracteriza o dolo, visto que a existncia da possibilidade suficiente para fazer o agente desistir de seguir atuando. Contudo, tal teoria de difcil aplicao, visto que o agente pode perpetrar uma conduta com total convico de que no produzir leso a bens jurdicos. Destarte, tal situao pode ser caracterizada como imprudncia consciente, elemento da culpa, divergindo-se, portanto, do que defende a teoria da representao (CALLEGARI, 2009, p.105). A teoria da probabilidade, como o prprio nome supe, diz respeito ao conhecimento do agente quanto probabilidade do resultado tipificado ocorrer. Assim, se o sujeito, antes de agir, levou em considerao uma probabilidade mais ou menos provvel da sua conduta resultar em leso a um bem jurdico e mesmo assim, o sujeito continuou atuando, supe-se que o agente tomou a deciso de aceitar a probabilidade de lesionar o bem jurdico (CALLEGARI, 2009, p.106). Segundo Fernando Capez, em anlise ao art. 18, I, do Cdigo Penal Brasileiro de 1940, as teorias adotadas pelo referido Cdigo foram as da vontade e do assentimento (CAPEZ, 2005, p.200). H diferentes espcies de dolo. O autor Andr Luis Callegari comenta sobre o dolo direto, o eventual, o alternativo e o preterdolo (CALLEGARI, 2009, p. 107). J Fernando Capez enumera diversas espcies de dolo, quais sejam, dolo natural, dolo normativo, dolo direto ou determinado, dolo indireto ou indeterminado, dolo de dano, dolo de perigo, dolo genrico, dolo especfico e dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae (CAPEZ, 2005, p.201-204).

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No dolo direto, o agente deseja o resultado de sua ao. Assim, a vontade do agente dirigida realizao do fato tpico. O objeto do dolo direto o fim proposto, os meios escolhidos (estes dois classificados como dolo de primeiro grau) e os efeitos colaterais (classificado como dolo de segundo grau) representados como necessrios realizao do fim pretendido (BITENCOURT, 2004, p.260). Como exemplo do dolo de primeiro grau, pode-se citar o caso do agente que mata algum, desferindo-lhe um tiro para atingir o resultado pretendido (BITENCOURT, 2004, p.260). Cita-se outro exemplo de dolo direto de primeiro grau, mais voltado para o escopo do presente trabalho. Imagine uma grande empresa que est sendo oferecida para venda. Para facilitar a venda, esta empresa confeccionou os demonstrativos contbeis dos ltimos trs anos demonstrando que apresentou lucros excepcionais. A atual administrao da referida empresa contrata um auditor independente e promete pagar-lhe um determinado percentual sobre o valor da venda para que o mesmo emita um parecer sem ressalvas sobre os referidos demonstrativos contbeis, com o fim de esconder uma fraude grave, qual seja, a de que a empresa, nos ltimos trs anos apresentou, na realidade, prejuzos reiterados. Ao analisar os demonstrativos contbeis com o parecer sem ressalvas do auditor independente, o potencial comprador induzido a pagar um valor muito maior do que a empresa valeria na realidade. Concretizada a venda, o auditor independente recebe o seu percentual sobre o valor da venda, alcanando o resultado almejado atravs do ilcito praticado. Portanto, o auditor agiu com dolo classificado como de primeiro grau. J no dolo de segundo grau, por exemplo, o agente que, visando matar uma pessoa definida, coloca uma bomba em um trem, que explode, matando todos que l esto. Neste caso, com relao vtima visada, h o dolo de primeiro grau. J com relao s outras vtimas, o dolo de segundo grau (BITENCOURT, 2004, p.260). Agora, imagine uma empresa que vai lanar no mercado as suas primeiras aes para serem negociadas na bolsa de valores. Essa empresa confecciona seus demonstrativos contbeis dos ltimos trs anos totalmente eivados de fraudes de toda espcie, de forma que os lucros lquidos no final de todos os exerccios demonstrem um crescimento exponencial. A empresa contrata um auditor independente para que emita um parecer sem ressalvas, de modo a esconder as referidas fraudes, prometendo-lhe pagar um percentual sobre a venda de suas aes iniciais. O potencial mercado investidor, ao analisar os demonstrativos contbeis da empresa, verifica que fora emitido um parecer sem ressalvas por parte da auditoria independente. Assim, investidores compram as aes iniciais da empresa, resultando em um

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sucesso de vendas. O auditor independente recebe o seu percentual prometido, apesar de no saber quais investidores compraram as aes da empresa. Dessa forma, o auditor independente cometeu um ilcito, chegando ao resultado almejado, causando um efeito colateral aos investidores lesados, ou seja, agindo com dolo classificado como de segundo grau em relao aos investidores lesados. Nesse contexto, o dolo direto contm trs aspectos, quais sejam: a representao do resultado, dos meios necessrios e das consequncias secundrias; o querer o resultado, bem como os meios escolhidos para a sua consecuo; o anuir na realizao das consequncias previstas como certas, necessrias ou possveis, decorrentes do uso dos meios escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilizao desses meios (BITENCOURT, 2004, p.260). No dolo eventual, o agente no quis a realizao do tipo, mas o aceita como possvel ou at provvel, assumindo o risco da produo do resultado (BITENCOURT, 2004, p.260). Ressalte-se que a conscincia e a vontade, que integram o dolo, devem estar presentes no dolo eventual. Afinal, imprescindvel que haja uma relao de vontade entre o resultado e o agente, pois exatamente esse elemento volitivo que diferencia o dolo da culpa (BITENCOURT, 2004, p.262). Em sntese, distingue-se o dolo direto do eventual afirmando-se que o primeiro a vontade por causa do resultado; o segundo a vontade apesar do resultado (BITENCOURT, 2004, p.263). Contudo, como o objetivo deste trabalho no aprofundar no estudo do dolo, no se discorrer a respeito de todas as espcies, mesmo porque, no h diferenciao de pena conforme a espcie de dolo. Assim, independente da espcie de dolo que o agente se submeta, a pena ser a mesma para o crime que o agente cometeu (CALLEGARI, 2009, p. 107).

2.5 Culpa

Culpa constitui uma conduta voluntria, sem inteno de produzir o resultado ilcito, porm, previsvel. Trata-se, portanto, da inobservncia do dever de cuidado, de diligncia ao realizar condutas de forma que estas no causem danos aos bens jurdicos de outras pessoas. Em outras palavras, a ausncia do chamado cuidado objetivo exigvel nas relaes em sociedade (CALLEGARI, 2009, p.108).

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Fernando Galvo destaca que a culpa, como elemento subjetivo, conduz caracterizao do tipo incriminador culposo, que deve representar menos gravidade do que o tipo doloso, devendo dar consequncia, portanto, a uma pena mais branda (GALVO, 2009, p.180). Para o mesmo autor, o agente que pratica uma conduta culposa orienta sua conduta por uma finalidade, e esta necessria para satisfazer as exigncias do tipo culposo. Portanto, para a caracterizao do tipo culposo, essencial constatar no autor do fato a inteno de no produzir o fato lesivo, seja por ao ou omisso. Destarte, no se pode dizer que o elemento subjetivo da conduta seja to somente a inteno de fazer algo. tambm a inteno de no fazer (GALVO, 2009, p.181). Quanto aos elementos do fato tpico culposo, Andr Luiz Callegari ensina que:[...] os elementos do fato tpico culposo so: conduta humana e voluntria, de fazer ou no fazer, inobservncia do cuidado objetivo, manifestada por meio da imprudncia, negligncia ou impercia, previsibilidade objetiva, ausncia de previso, resultado involuntrio, nexo de causalidade e tipicidade (CALLEGARI, 2009, p.108).

Como visto, a culpa resultado da ausncia do dever de cuidado. Neste prisma, a culpa pode ser dividida em duas espcies, quais sejam, a culpa consciente e a culpa inconsciente (CALLEGARI, 2009, p.108-109). Na culpa consciente, o agente conhece o perigo de produzir o resultado, mas acredita que o evitar, confiando nas suas habilidades ou conhecimento (CALLEGARI, 2009, p.109). J na culpa inconsciente, o agente no prev o resultado danoso, apesar do mesmo ser perfeitamente previsvel pelo homem mdio. Assim, o agente, na culpa inconsciente, no quer o resultado, no o aceita e no o prev (CALLEGARI, 2009, p.109). O art. 18, inciso II do Cdigo Penal de 1940 dispe que o crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudncia, negligncia ou impercia. Destarte, infere-se, como j comentado acima, que as formas de manifestao da conduta culposa caracterizam-se quando so cometidas pelo agente que pratica a conduta com imprudncia, negligncia ou impercia. Importante discorrer sobre cada uma dessas formas (CALLEGARI, 2009, p.109). Imprudente a pessoa que age de forma perigosa, manifestando uma conduta positiva de ao que no deveria ter feito. Em outras palavras, a prtica de um fato perigoso, tambm classificado como um excesso no agir (CALLEGARI, 2009, p.109). Negligente o agente que pratica a conduta pautado pela ausncia de precauo ou indiferena em relao ao ato realizado. Negligncia, neste sentido, caracteriza-se por uma

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atitude negativa praticada pelo agente, que no faz algo que deveria ter feito (CALLEGARI, 2009, p.110). Imperito o que pratica o ato com falta de aptido, habilidade tcnica para o exerccio de arte ou profisso a ser praticada. Portanto, a culpa por impercia materializa-se a partir do momento em que o agente, no considerando o que sabe, ou deveria saber, causa prejuzo a outrem (CALLEGARI, 2009, p.110). A diferena primordial entre o tipo doloso e o tipo culposo est na reprovabilidade social da conduta. Assim, pode a conduta dolosa ou culposa ter o mesmo resultado naturalstico, como por exemplo, o agente que mata algum. Contudo, a reprovao jurdica do fato praticado com dolo ser mais grave. Em outras palavras, se satisfeitas as exigncias do tipo culposo, a reprovao jurdica dar-se- com menor intensidade do que a reservada ao fato doloso (GALVO, 2009, p.182). Ressalte-se que o pargrafo nico do artigo 18 do Cdigo Penal de 1940 dispe que s pode ser punido o agente que pratica o ato por dolo, a no ser que a lei preveja o contrrio. Dessa forma, para que um crime seja considerado culposo, necessrio que seu tipo penal expressamente preveja tal modalidade (CALLEGARI, 2009, p.110). Entretanto, Fernando Capez (2005, p.206) destaca que a culpa no est descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo penal. Tal fato explica-se pelo motivo da impossibilidade do legislador prever todas as possveis maneiras de se praticar um ato de forma culposa. Ou seja, impossvel, por exemplo, tentar elencar todas as maneiras de se matar algum culposamente. Dessa forma, imprescindvel que se proceda a um juzo de valor sobre a conduta praticada pelo agente no caso concreto, comparando-a com a que o homem mdio teria na mesma situao. Portanto, a culpa concebida pela comparao que se faz entre o comportamento realizado pelo agente no plano concreto e aquele que uma pessoa de prudncia normal, mediana, teria naquelas mesmas circunstncias (CAPEZ, 2005, p.206). Por fim, importante destacar que no existe no nosso ordenamento jurdico penal a compensao de culpas. Assim, quando ocorrer concorrncia de culpas, respondero ambos os agentes pelos delitos que tiverem ocasionado (CALLEGARI, 2009, p.110).

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3 A NOVA CRIMINALIDADE E A RESPONSABILIZAO PENAL DO AUDITOR INDEPENDENTE CRIATIVA POR PRTICAS ENVOLVENDO A CONTABILIDADE

possvel constatar a existncia de uma tendncia claramente dominante nas legislaes penais em vrios pases, no que concerne introduo de novos tipos penais, assim como o agravamento dos tipos j existentes (SANCHEZ, 2001, p.20). Isto porque a sociedade atual caracterizada por um marco econmico que est sendo modificado de forma muito rpida atravs do surgimento de avanos tecnolgicos sem precedentes em toda a histria da humanidade. O extraordinrio avano da tecnologia tem repercutido diretamente em um incremento de bem estar individual, bem como tem modificado o dinamismo dos fenmenos econmicos (SANCHEZ, 2001, p.20). Dessa forma, o progresso tecnolgico faz com que as delinquncias dolosas tradicionais (cometidas com dolo de primeiro grau), deem lugar adoo de novas tcnicas como instrumento que permite produzir resultados especialmente lesivos, como modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam nos caminhos abertos pela tecnologia. Assim surgem formas de criminalidade organizada, que operam em nvel internacional e constituem claramente um dos novos riscos para os indivduos e por consequncia, para os Estados. As consequncias em termos de leses de interesses, neste contexto, resultam em problemas inevitveis, tendo em vista a complexidade das novas tecnologias (SANCHEZ, 2001, p.20). Neste prisma, a evoluo tecnolgica cria oportunidades para que grandes corporaes transnacionais atuem de forma cada vez mais expressiva nos diversos mercados mundiais. Destarte, possvel que grandes empresas faam captao de recursos atravs da oferta de aes que podero ser adquiridas por qualquer indivduo, em qualquer lugar do planeta. Neste sentido, imprescindvel que o Estado regule tais transaes, bem como oferea mecanismos de segurana para que os investidores possam ter um mnimo de informaes confiveis que possam embasar a sua deciso de investimentos. Neste contexto, no Brasil, o mercado de aes regulado e fiscalizado pelo Governo Federal atravs de vrios rgos estatais, em especial a Comisso de Valores Mobilirios12.12

Conforme dispe o art. 4, da Lei n 6.385/76, a Comisso de Valores Mobilirios exercer suas funes, a fim de: assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balco; proteger os titulares de valores mobilirios contra emisses irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de

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O art. 26 da Lei 6.385,76, que criou a Comisso de Valores Mobilirios, dispe que somente as empresas de auditoria ou auditores independentes registrados na Comisso de Valores Mobilirios podero auditar as demonstraes contbeis das empresas que operam com valores mobilirios.13 Por sua vez, o artigo 11 da referida Lei, dispe sobre as penalidades administrativas aplicadas aos infratores da mesma Lei, incluindo os auditores independentes. As referidas penalidades administrativas englobam, alm de advertncia e multa, a suspenso, inabilitao temporria e cassao de registro de cargo que dependa de registro na Comisso de Valores Mobilirios. Ressalte-se que o auditor independente, como j visto, necessita de registro na referida Comisso de Valores Mobilirios. No caso da aplicao de multa, esta no pode ultrapassar o valor de R$ 500.000,00. Contudo, se o infrator for reincidente, a multa poder ser aplicada at o triplo do referido valor, conforme disposto em Lei.14

companhias ou de administradores de carteira de valores mobilirios; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulao destinadas a criar condies artificiais de demanda, oferta ou preo de valores mobilirios negociados no mercado; assegurar o acesso do pblico a informaes sobre valores mobilirios negociados e as companhias que os tenham emitido; assegurar a observncia de prticas comerciais equitativas no mercado de valores mobilirios; estimular a formao de poupana e sua aplicao em valores mobilirios; promover a expanso e o funcionamento eficiente e regular do mercado de aes e estimular as aplicaes permanentes em aes do capital social das companhias abertas. 13 Art. 26. Somente as empresas de auditoria contbil ou auditores contbeis independentes, registrados na Comisso de Valores Mobilirios podero auditar, para os efeitos desta Lei, as demonstraes financeiras de companhias abertas e das instituies, sociedades ou empresas que integram o sistema de distribuio e intermediao de valores mobilirios. 1 A Comisso estabelecer as condies para o registro e o seu procedimento, e definir os casos em que poder ser recusado, suspenso ou cancelado. 2 As empresas de auditoria contbil ou auditores contbeis independentes respondero, civilmente, pelos prejuzos que causarem a terceiros em virtude de culpa ou dolo no exerccio das funes previstas neste artigo. 3 Sem prejuzo do disposto no pargrafo precedente, as empresas de auditoria contbil ou os auditores contbeis independentes respondero administrativamente, perante o Banco Central do Brasil, pelos atos praticados ou omisses em que houverem incorrido no desempenho das atividades de auditoria de instituies financeiras e demais instituies autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. 4 Na hiptese do pargrafo anterior, o Banco Central do Brasil aplicar aos infratores as penalidades previstas no art. 11 desta Lei. 14 Art. 11. A Comisso de Valores Mobilirios poder impor aos infratores das normas desta Lei, da lei de sociedades por aes, das suas resolues, bem como de outras normas legais cujo cumprimento lhe incumba fiscalizar, as seguintes penalidades: I - advertncia; II - multa; III - suspenso do exerccio do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, de entidade do sistema de distribuio ou de outras entidades que dependam de autorizao ou registro na Comisso de Valores Mobilirios; IV - inabilitao temporria, at o mximo de vinte anos, para o exerccio dos cargos referidos no inciso anterior; V - suspenso da autorizao ou registro para o exerccio das atividades de que trata esta Lei; VI - cassao de autorizao ou registro, para o exerccio das atividades de que trata esta Lei; VII - proibio temporria, at o mximo de vinte anos, de praticar determinadas atividades ou operaes, para os integrantes do sistema de distribuio ou de outras entidades que dependam de autorizao ou registro na Comisso de Valores Mobilirios;

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Apesar de toda essa regulamentao, os investidores ainda no esto protegidos na sua plenitude, visto que a todo momento surgem novos casos de fraudes envolvendo a emisso de aes de empresas que usam da contabilidade criativa para modificar seus demonstrativos contbeis. Nesse contexto, os investidores, melhor dizendo, a sociedade vive uma sensao de insegurana, ou como o autor Sanches prefere denominar, a populao vive a era da sociedade do medo. Com efeito, uma das caractersticas mais importantes das sociedades da era ps-industrial a sensao generalizada de insegurana, isto , o surgimento de uma forma especial de viver com riscos elevados. Assim, certo que os novos riscos tecnolgicos e no tecnolgicos existem. Mas, a prpria diversidade e complexidade social, com sua enorme pluralidade de opes, com a existncia de uma gama de informaes somada falta

VIII - proibio temporria, at o mximo de dez anos, de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operao no mercado de valores mobilirios. 1 A multa no exceder o maior destes valores: I - R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais); II - cinquenta por cento do valor da emisso ou operao irregular; ou III - trs vezes o montante da vantagem econmica obtida ou da perda evitada em decorrncia do ilcito. 2 Nos casos de reincidncia sero aplicadas, alternativamente, multa nos termos do pargrafo anterior, at o triplo dos valores fixados, ou penalidade prevista nos incisos III a VIII do "caput" deste artigo. 3 Ressalvado o disposto no pargrafo anterior, as penalidades previstas nos incisos III a VIII do "caput" deste artigo somente sero aplicadas nos casos de infrao grave, assim definidas em normas da Comisso de Valores Mobilirios. 4 As penalidades somente sero impostas com observncia do procedimento previsto no 2 do art. 9 desta Lei, cabendo recurso para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. 5 A Comisso de Valores Mobilirios poder, a seu exclusivo critrio, se o interesse pblico permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apurao de infraes da legislao do mercado de valores mobilirios, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso, obrigando-se a: I - cessar a prtica de atividades ou atos considerados ilcitos pela Comisso de Valores Mobilirios; e II - corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuzos. 6 O compromisso a que se refere o pargrafo anterior no importar confisso quanto matria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. 7 O termo de compromisso dever ser publicado no Dirio Oficial da Unio, discriminando o prazo para cumprimento das obrigaes eventualmente assumidas, e constituir ttulo executivo extrajudicial. 8 No cumpridas as obrigaes no prazo, a Comisso de Valores Mobilirios dar continuidade ao procedimento administrativo anteriormente suspenso, para a aplicao das penalidades cabveis. 9 Sero considerados, na aplicao de penalidades previstas na lei, o arrependimento eficaz e o arrependimento posterior ou a circunstncia de qualquer pessoa, espontaneamente, confessar ilcito ou prestar informaes relativas sua materialidade. 10. A Comisso de Valores Mobilirios regulamentar a aplicao do disposto nos 5 a 9 deste artigo aos procedimentos conduzidos pelas Bolsas de Valores, Bolsas de Mercadorias e Futuros, entidades do mercado de balco organizado e entidades de compensao e liquidao de operaes com valores mobilirios. 11. A multa cominada pela inexecuo de ordem da Comisso de Valores Mobilirios, nos termos do inciso II do "caput" do art. 9 e do inciso IV de seu 1 no exceder a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia de atraso no seu cumprimento e sua aplicao independe do processo administrativo previsto no inciso V do "caput" do mesmo artigo. 12. Da deciso que aplicar a multa prevista no pargrafo anterior caber recurso voluntrio, no prazo de dez dias, ao Colegiado da Comisso de Valores Mobilirios, sem efeito suspensivo."

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de critrios para uma deciso sobre o que mal e sobre em quem se pode confiar, constitui uma srie de dvidas, incertezas, ansiedades e insegurana (SANCHES, 2001, p.32). Neste prisma, vista de todos os acontecimentos dos ltimos anos, resulta em uma relao de sensao social de insegurana frente aos novos delitos (leia-se fraudes) praticados pelas empresas e pelos diversos profissionais e encobertos pelos meios de comunicao. Ressalte-se que os meios de comunicao pertencem aos nveis privilegiados e, por consequncia, podem ser manipulados, transmitindo uma imagem de realidade, em que determinadas empresas mostram-se fiis sociedade como um todo. Tal efeito pode dar lugar percepes inexatas, ou, para os que percebem que podero ser atingidos, causa uma sensao de impotncia, pois no h o que fazer (SANCHES, 2001, p.38). Nesse aspecto, a sensao de insegurana da sociedade sofre um impulso devido aos fenmenos que se mostram tpicos das sociedades ps-industriais: a globalizao econmica e a integrao supranacional. Com efeito, as peculiaridades exigidas da reao jurdico-penal frente delinquncia prpria das empresas parecem acentuar substancialmente as tendncias que modificaro os ordenamentos jurdicos nacionais, havendo, portanto, uma desconstruo da concepo da teoria do delito, assim como a constituio mais adequada de garantias formais e materiais do Direito Penal e do Direito Processual Penal (SANCHES, 2001, p.81). Com efeito, o prognstico do autor Sanches que o Direito Penal da globalizao econmica e da integrao supranacional ser um Direito desde logo crescentemente unificado, mas tambm menos garantista, no qual se flexibilizaro regras de imputao e se relativizaram as garantias poltico-criminais, materiais e processuais. Neste ponto, portanto, o Direito Penal da globalizao acentua a tendncia que j se percebe nas legislaes nacionais, de modo especial, nas ltimas leis em matria de luta contra a criminalidade econmica, o crime organizado e a corrupo (SANCHES, 2001, p.82). Esta hiptese se baseia em algumas constataes bsicas. Por um lado, a globalizao envia ao Direito Penal demandas fundamentalmente prticas, em sentido de uma abordagem mais eficaz da criminalidade. De outro lado, no ponto da reflexo cientfica, surge como produto de uma aspirao intelectual de unidade ou de perfeio terica. Assim, trata-se de responder s exigncias do poder poltico ou de instncias de aplicao judicial do Direito, impotentes na luta dos ordenamentos nacionais contra a criminalidade transnacional. O resultado de toda essa insegurana vivida pela sociedade corresponde-se de modo exato com a existncia objetiva de riscos dificilmente controlveis, ou sensivelmente controlveis que afetam cada indivduo de modo imediato (SANCHES, 2001, p.32).

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Como exemplo disso, pode-se citar o caso da quebra de vrias empresas nos Estados Unidos quando do estouro da bolha especulativa imobiliria que resultou na liquidao de vrias instituies financeiras e uma demisso em massa dos funcionrios de diversas organizaes. certo que a sociedade vive momentos contnuos de transformao, principalmente pelo aparecimento constante de novas modalidades de condutas que provocam danos sociedade. O auditor independente est inserido neste contexto, visto que este profissional fundamental para que a sociedade sinta-se segura no aspecto de confiar ou no em determinada empresa. Neste sentido, a sociedade (em especial os investidores) utiliza os pareceres dos auditores independentes como instrumento de tomada de deciso de investimentos, visto que o parecer averigua a veracidade dos demonstrativos contbeis das empresas. Destarte, o auditor uma figura fundamental na sociedade moderna e no contexto econmico atual, sendo imprescindvel que tal profissional tem o dever principal de ser probo e ter uma conduta absolutamente ilibada. Desta feita, o auditor deve ser responsabilizado penalmente pelas suas condutas, mesmo porque qualquer ilicitude por parte deste profissional pode causar desde uma leso a um investidor at um colapso econmico mundial, como o que ocorreu nos Estados Unidos, onde vrias empresas utilizaram-se da contabilidade criativa e com o respaldo de auditores independentes, causaram prejuzos astronmicos na economia mundial. Ademais, ressalte-se que no Brasil, para amenizar o nvel de insegurana sentido pela sociedade, em especial pelos investidores, eles assegurado o acesso s informaes financeiras e contbeis das empresas s quais sejam acionistas, tendo, dessa forma, direito ao acesso s informaes constantes do trabalho de auditoria independente, no importando em quebra de sigilo profissional. Para corroborar tal assertiva, cita-se o julgado abaixo.Direito Empresarial. Acionista minoritria. Direito de acesso s informaes provenientes do trabalho de auditoria independente realizado pela r. Existncia de relao jurdica entre as partes. Alegao de violao de sigilo profissional. Inocorrncia. Art. 134, par. 1., da L.S.A. direito da sociedade autora ter acesso s informaes relativas s contas e demonstraes financeiras da empresa da qual acionista, porquanto existe relao jurdica a ensejar o pedido. Estando a empresa de auditoria independente, por fora de lei, obrigada a se fazer representar perante a Assemblia dos acionistas, com a finalidade de prestar esclarecimentos a estes, a respeito do trabalho de auditagem, permitindo-lhes a exata compreenso sobre as demonstraes financeiras, sua adequao e veracidade, a recusa injustificada de faz-lo, na ocasio oportuna, faz nascer o direito de o acionista exigir, posteriormente, dos auditores independentes, diretamente, que sejam condenados a

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prestar as informaes recusadas, na Assemblia seguinte. Obrigao legal que une as partes, legitimando-as para o processo. No configura a quebra do dever de sigilo a prestao de informaes relacionadas ao trabalho de auditagem ao acionista, conforme determina a lei, que no pode ser considerado, neste