Hermes Antonio Pedroso

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HERMES ANTONIO PEDROSO Setembro/2009

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HERMES ANTONIO PEDROSO

Setembro/2009

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PrefácioPrefácioPrefácioPrefácio

Este livro originou-se como notas de aula da disciplina História da Matemática, de 60 horas/aula, ministrada nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Matemática do IBILCE – UNESP de São José de Rio Preto, desde 1991. Na época de sua publicação, em forma de apostila em 1992, só existiam dois textos em português, traduções de obras famosas, escritos originalmente em inglês.

Essas obras, clássicas, ainda hoje são incluídas em qualquer bibliografia sobre o assunto, mas nunca se adequaram como guia didático para sala de aula. São muito detalhadas para uma disciplina semestral, e de difícil acesso para a maior parte dos estudantes. Isso me motivou a elaborar um texto que preservasse o essencial das referidas obras, mas pensando nos tópicos que mais contribuiriam para o futuro professor ou mesmo futuro pesquisador. Atualmente temos outros bons livros, traduções ou mesmo de autores brasileiros, mas que também não se adéquam às prioridades dos referidos cursos, devido à grande quantidade de informações a serem assimiladas em tão pouco tempo.

A apostila foi indicada e bem aceita pelos alunos de graduação, inclusive de outras instituições de nível superior, e por professores da rede oficial de ensino, quando ministrei Tópicos de História da Matemática em projetos como Teia do Saber e até mesmo em curso de pós-graduação Lato Sensu, em que tive oportunidade de orientar algumas monografias com temas que utilizavam história da matemática.

Após todos esses anos, somente agora foi possível fazer uma revisão e complementar com novas informações importantes, provenientes de pesquisas realizadas através de vários projetos desenvolvidos durante esse período na universidade.

Quanto à estrutura do texto, não há muita uniformidade. Alguns assuntos são mais desenvolvidos que outros, tendo em vista a importância que considero na formação dos graduandos, que poderão utilizar a história da matemática como recurso didático no ensino fundamental e médio.

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Apresento ao final de cada sessão, uma lista de exercícios que servirão como revisão, despertando oportunidade de debates e apresentação de trabalhos em forma de seminários.

O autor

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO Introdução ......................................................................... 07

Por que História da Matemática? ................................ 08

Origens Primitivas ........................................................... 13

Egito .................................................................................... 15 A matemática egípcia ........................................................... 18

Mesopotâmia .................................................................... 37 A matemática mesopotâmia .................................................. 39

Grécia .................................................................................. 47 Homero ................................................................................. 48 Hesíodo ................................................................................. 50 A matemática grega .............................................................. 51

O racionalismo jônico e os pitagóricos .................... 59 Tales ..................................................................................... 59 Anaximandro, Anaxímenes ................................................. 62 Pitágoras ............................................................................... 63 Parmênides, Zenon ............................................................... 70 Melisso, Heráclito ................................................................. 73 Demócrito ............................................................................. 75

Os ideais platônicos e a lógica aristotélica ............. 77 Anaxágoras ........................................................................... 78 Hipócrates ............................................................................. 79 Hípias .................................................................................... 81 Sócrates ................................................................................ 82 Platão .................................................................................... 83 Arquitas, Teaetecto, Menaecmo .......................................... 90 Dinóstrato ............................................................................. 91 Eudoxo .................................................................................. 92 Aristóteles ............................................................................. 94 Epicuro ................................................................................. 98

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A ciência helenística ....................................................... 103 Euclides ............................................................................... 104 Aristarco .............................................................................. 118 Arquimedes .......................................................................... 119 Arquimedes e Euclides ........................................................ 134 Eratóstenes ........................................................................... 134 Apolônio .............................................................................. 136 Hiparco ................................................................................ 140 Período Greco,romano ................................................. 145 Roma .................................................................................... 145 Lucrécio, Ptolomeu .............................................................. 149 Heron ................................................................................... 154 Diofanto .............................................................................. 157 Papus ................................................................................... 159 Hipatia, Proclo, Boécio ........................................................ 163 Europa na Idade Média, China, Índia e Arábia ..... 167 Alcuim ................................................................................. 171 Gerbert ................................................................................. 172 China .................................................................................... 172 Índia ..................................................................................... 178 Aryabhata ............................................................................. 179 Brahmagupta ........................................................................ 180 Bhaskara ............................................................................. 183 Arábia .................................................................................. 185 Al-Khowarizmi .................................................................... 187 Abu’l-wefa, Omar Khayyam .............................................. 189 Al-Tusi, Al-Kashi ................................................................ 191

Aurora do Renascimento .............................................. 195 Fibonacci ............................................................................. 196 Nemorarius, Sacrobosco, Bacon .......................................... 198 Bacon ................................................................................... 199 Dante, Oresme ..................................................................... 200 Oresme ................................................................................. 201

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O Renascimento ............................................................... 209 Nicolau de Cusa .................................................................... 211 Peurbach, Regiomontanus .................................................... 212 Copérnico ............................................................................. 214 Giordano Bruno .................................................................... 218 Tycho Brahe ......................................................................... 220 Kepler ................................................................................... 223 Galileu .................................................................................. 226 Pacioli ................................................................................... 230 Leonardo da Vinci ................................................................ 232 Rafael .................................................................................... 233 Stifel ..................................................................................... 234 Recorde ................................................................................. 235 Tartaglia, Cardano ................................................................ 236 Cardano................................................................................. 237 Bombelli ............................................................................... 240 Viète ..................................................................................... 241 Mercator ............................................................................... 244 Napier ................................................................................... 245 Briggs ................................................................................... 246 Stevin .................................................................................... 248

Inícios da matemática moderna ................................. 251 Descartes ............................................................................... 252 Cavalieri ............................................................................... 257 Fermat ................................................................................... 260 Pascal .................................................................................... 264 Wallis .................................................................................... 267 Barrow .................................................................................. 269 Newton ................................................................................. 270 Leibniz .................................................................................. 277

O século das luzes .......................................................... 283 Euler ..................................................................................... 286 D’Alembert ........................................................................... 289 Lagrange ............................................................................... 290 Laplace ................................................................................. 292

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A matemática se estruturou ........................................ 297 Gauss ................................................................................... 299 Riemann ............................................................................... 304 Bolzano ................................................................................ 305 Cauchy ................................................................................. 307 Weierstrass ........................................................................... 310 Os problemas de Hilbert ...................................................... 311

A matemática propiciou maravilhas ......................... 317 Einstein ................................................................................ 320 Referências bilbliográficas........................................... 327 Sobre o autor ................................................................... 332

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INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO Por que história?Por que história?Por que história?Por que história?

O objetivo da história não é apenas o de narrar e constatar fatos do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqüências.

Quando nos propomos estudar a história de um país ou de um povo, ou simplesmente um determinado episódio histórico, não nos deve mover somente um interesse anedótico ou mera curiosidade. Também não se pode resumi-la a uma exaltação de heróis para incentivo da juventude, ou mera recordação de nossas glórias passadas.

O que queremos da história é muito mais do que isso. Ela não se pode limitar a uma simples enumeração cronológica dos fatos, mas deve buscar as relações entre eles, aprofundar, descer às suas raízes, até encontrar as causas desses fatos, numa espécie de anamnese social, assim como o médico que, ao examinar um doente, para maior firmeza do diagnóstico, desce a todos os seus antecedentes pessoais e familiares.

Encarada a história como ciência, com suas características de método e relação com a realidade, um mundo novo surge aos nossos olhos, por trás de cada fato ou acontecimento. Desse modo ela nos permite não só explicar o presente, e compreender o passado, mas também prever o futuro, ou pelo menos, antever as perspectivas do desenvolvimento de cada fato estudado, na medida do nosso conhecimento das causas e das leis que as governam.

A história não se desenvolve como força espiritual absoluta independente da existência dos homens, como queria Hegel. Ela nasce, ao contrário, da atividade do homem sobre a Terra e é condicionada e delimitada por leis objetivas, independentes da vontade humana. Karl Marx (1818 – 1883) enfatizava em A Ideologia Alemã que a história é a mais alta, a mais nobre e a mais importante das ciências.

Assim sendo, se é verdade que os homens fazem a história condicionados por leis indestrutíveis, não é menos verdade que,

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conhecendo as leis que a regem, eles podem traçar, dentro de dados limites, o seu próprio destino. E se o objetivo do homem sobre a Terra é buscar a felicidade, dentro de uma comunidade harmônica, só o estudo da história, e o conhecimento das leis que regem o desenvolvimento das sociedades, poderão ajudá-lo.

É possível que o mesmo aconteça com a Matemática ou com a Ciência em geral. Torna-se difícil, senão impossível, compreender o seu estágio atual sem o estudo concomitante da história das idéias científicas. Talvez por isso é que Göethe (1749-1832) afirmava que a história da Ciência é a própria Ciência. Sem o conhecimento da evolução das idéias, do choque das hipóteses e das teorias, podemos criar bons técnicos, mas não cientistas verdadeiros. Muito maior interesse educativo apresenta o conhecimento da maneira pela qual o cientista trabalha, das suas fontes de inspiração, da árvore filogenética de seus pensamentos, do que a pura e simples massa de fatos por ele descobertos. O estudo da História da Ciência poderá ser o guia da luta do homem contra o mistério. Por que História da Matemática?Por que História da Matemática?Por que História da Matemática?Por que História da Matemática?

Por vários motivos, mas o principal seria dar subsídios para o futuro professor no tratamento de um programa no ensino fundamental e médio ou na universidade.

Pode-se destacar alguns exemplos de dificuldades encontradas pelo homem, no desenvolvimento da matemática, que serão motivos de reflexão para o futuro educador. • Os números negativos, introduzidos pelos hindus de espírito prático, por volta de 600 d.c. não tiveram aceitação durante um milênio. A razão: faltava-lhes apoio intuitivo. Alguns dos maiores matemáticos tais como Cardano, Viète, Descartes e Fermat, recusaram-se a operar com números negativos. Assim é razoável que para ensinar números negativos devemos ter cuidado. Para o aluno das séries iniciais o conceito e as operações podem não ser tão naturais. • O uso de uma letra para representar um número fixo, porém desconhecido, data dos tempos gregos. Contudo, o uso de uma letra

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ou letras para representar toda uma classe de números só foi concebido em fins do século XVI. Nesse tempo François Viète introduziu expressões como ax + b em que a e b podem ser qualquer número (real positivo). Hoje está claro que ao resolver a equação quadrática ax² + bx + c = 0, pode-se solucionar todas as equações quadráticas porque a, b e c representam quaisquer números. Durante todos os séculos em que os babilônicos, egípcios, gregos, hindus e árabes operaram com álgebra não ocorrera a idéia de empregar as letras para uma classe de números. Aqueles povos faziam suas operações de álgebra empregando expressões concretas tais como 3x² + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes numéricos e, na verdade, a maioria não usava sequer um símbolo tal como x para a incógnita. Usavam palavras. Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes gerais? Ao que parece, a resposta é que esse processo constitui um nível superior de abstração em matemática, um nível bastante afastado da intuição. • A teoria de limites com épsilons e deltas é do final do século XIX e com ela colocou-se um ponto final nas controvérsias sobre a questão do rigor no cálculo. No entanto o cálculo existe desde a Grécia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje? Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito “natural”. “Natural” mas incoerente com o desenvolvimento histórico do Cálculo.

Parece claro que os conceitos que têm o sentido mais intuitivo, como os geométricos, os de números inteiros positivos e os de frações foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos intuitivos tais como os de números irracionais, números negativos, o uso de letras para coeficientes gerais e os do cálculo exigiram muitos séculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos. Além disso, quando foram aceitos não foi apenas a lógica que induziu os matemáticos a adotá-los, porém os argumentos por analogia, o sentido físico de alguns conceitos e a obtenção dos resultados científicos exatos.

Não há muita dúvida de que as dificuldades que os grandes matemáticos encontraram, são precisamente os tropeços que os

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estudantes experimentam. Assim, através da história da matemática o ensino da matemática poderá alcançar objetivos que vão além do fortemente marcado “desenvolver o raciocínio lógico”; porque ela mostra a matemática como expressão de cultura, a matemática como uma forma de comunicação humana.

Refletindo um pouco mais sobre a questão “Por que História da Matemática?” deve-se lembrar que o conhecimento é um todo e a matemática faz parte desse todo. Ela não se desenvolveu à parte de outras atividades e interesses. Talvez uma grande falha no ensino da matemática é tentar abordá-la como disciplina isolada. E esse processo, sem dúvida, é uma distorção do verdadeiro conhecimento.

Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados por não compreenderem muitos símbolos e regras, longe da intuição. Generaliza-se, então, uma certa aversão pela disciplina e a Matemática torna-se para muitos como algo inatingível. Cria-se o mito do gênio ou que a Matemática é somente para loucos e gênios. Essa aversão tende também a desvalorizar um ramo do conhecimento dos mais importantes.

É sempre bom lembrar que além da aritmética das necessidades cotidianas, a matemática tem muito a oferecer. Ela é a chave para nossa compreensão do mundo físico, dá-nos o poder sobre a natureza; e deu ao homem a convicção de que ele pode continuar a sondar os seus segredos.

A matemática tem possibilitado aos pintores a pintar realisticamente e fornecido não só a compreensão dos sons musicais como também uma análise desses sons, indispensável na planificação do telefone, do rádio e de outros instrumentos de registro e reprodução de sons. Ela está se tornando cada vez mais valiosa na pesquisa biológica e médica. A pergunta “Que é verdade?” não pode ser discutida sem envolver o papel que a matemática tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou não obter verdades. Muito de nossa literatura está permeado de temas que tratam de realizações matemáticas. Finalmente, a matemática é indispensável em nossa tecnologia.

Portanto, o curso de História da Matemática pode ser a oportunidade para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, “a mente não é uma vasilha para ser enchida, porém, um fogo para se atear” e, segundo Henri Poincaré (1854-1912), “Os zoólogos

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afirmam que num breve período, o desenvolvimento do embrião de um animal recapitula a história de seus antepassados de todas as épocas geológicas. Parece que o mesmo se dá no desenvolvimento da mente. A tarefa do educador é fazer a mente da criança passar pelo que seus pais passaram, atravessar rapidamente certos estágios, mas sem omitir um. Para esse fim a história da Ciência deve ser nosso guia.”

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ORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVASORIGENS PRIMITIVAS

Se quisermos pesquisar a origem histórica das primeiras noções matemáticas, seremos levados a fontes da chamada pré-história. É provável que a percepção de que certos grupos podem ser colocados em correspondência um a um, tenha surgido há uns 300.000 anos. O homem primitivo não sabia contar e nem precisava, pois conseguia com certa facilidade caça, pesca e frutas. Quando essas começaram a se tornar escassas, ele teve necessidade de se sedentarizar, por isso passou a criar animais e praticar a agricultura. Da necessidade, por exemplo, de preservação do rebanho, aprendeu a contar as ovelhas, mesmo sem conhecer os números. As primeiras contagens eram feitas com os dedos (que pode ter dado origem ao sistema decimal), quando estes eram inadequados, passaram a usar montes de pedras (calculus em latim) e como tais métodos não eram muito seguros para conservar informação, o homem primitivo registrava um número com marcas num bastão, pedaço de osso ou no barro.

Descobertas arqueológicas fornecem provas de que a idéia de número é muito mais antiga do que progressos tecnológicos como o uso de metais ou de veículos com rodas.

Supõe-se usualmente que a matemática surgiu em resposta a necessidades práticas, mas estudos antropológicos sugerem a possibilidade de uma outra origem. Foi sugerido que a arte de contar surgiu em conexão com rituais religiosos primitivos e que o aspecto ordinal precedeu o conceito quantitativo.

Em ritos cerimoniais, representando mitos da criação, era necessário chamar os participantes à cena segundo uma ordem específica, e talvez a contagem tenha sido inventada para resolver tal problema.

Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria em harmonia com a divisão ritual dos inteiros em ímpares e pares, os primeiros considerados como masculinos e os últimos, como femininos.

Sábios gregos não quiseram se arriscar a propor origens mais antigas da matemática do que a egípcia. Heródoto afirmava que

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a geometria se originou no Egito, pois acreditava que tinha surgido da necessidade prática de fazer novas medidas de terras após cada inundação anual no vale do Nilo. Aristóteles achava que a existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que tinha conduzido ao estudo da geometria.

Que os primórdios da matemática são mais antigos que as mais antigas civilizações está claro. As teses apresentadas acima são até discutíveis mas não podemos desprezar os conhecimentos matemáticos envolvidos nas diversas atividades humanas. A seguir apresentamos exemplos de algumas atividades em que podemos identificar imediatamente elementos matemáticos no trabalho humano: ornamentação (vasos, armas); produção de rodas (sem ou com raios); plantações (irrigação, divisão de terras); edificações (monumentos); pastoreio (contagem); comércio (trocas, moedas); orientação no tempo e no espaço (calendários, mapas). Nesse sentido é interessante observar que muitas vezes o pensamento matemático desenvolveu-se de maneira semelhante em sociedades totalmente independentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o Egito e a Mesopotâmia por volta do ano 2000 a.C.

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EGITOEGITOEGITOEGITO

“O Egito é um presente do Nilo” (Heródoto)

Entre 4000 e 3000 a.C., na idade Neolítica (ou da Pedra Polida) tivemos culturas bem estabelecidas na Mesopotâmia e no Egito. Ali se formaram as primeiras cidades e estados organizados, mas as duas regiões deram origem a civilizações um tanto diferentes.

O Egito era uma região centrada no Nilo, com ambiente hostil no sul e nas fronteiras leste e oeste. Na verdade, era como uma ilha, limitado ao norte pelo mar Mediterrâneo e em suas outras fronteiras, pelo deserto. De várias maneiras, a civilização egípcia mostrou-se isolada, era conservadora e voltada para si mesma; e, de um modo geral, não estava interessada na expansão e na conquista de outras terras. Para um egípcio antigo, o Egito era um universo auto-suficiente: tinha seus deuses independentes e seu modo de vida especial. A língua egípcia e a escrita hieroglífica desenvolveram-se de mãos dadas; o próprio sistema de hieróglifos era insular, impróprio para expressar qualquer outra língua, e, na correspondência diplomática com outros países, usava-se um sistema de escrita diferente. Efetivamente, os antigos egípcios viviam em isolamento cultural.

Mas, se o isolamento era a característica fundamental do antigo Egito, sua civilização foi, contudo, magnífica; era olhada com inveja pelos que circundavam suas fronteiras, e somente os desertos a sua volta, impediram que se tornassem vítima de vizinhos ciumentos. Na realidade, alguns nômades se estabeleceram na área esparsamente povoada do delta do Nilo, mas não perturbaram a natureza, basicamente pacífica, do país, que era essencialmente uma terra de agricultores e escribas.

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A inundação anual do Nilo, que ocorria regulamente em julho, era o alicerce da vida egípcia. Havia um sistema bem organizado de irrigação e tomava-se um cuidado especial com as águas disponíveis por ocasião da cheia anual. Boas colheitas eram a regra geral – muitas vezes três por ano – e havia belos rebanhos de gado, a maioria em pastagens na área do delta. Nenhum egípcio se sacrificava trabalhando uma terra hostil e árida para a sua sobrevivência, embora os métodos agrícolas fossem primitivos e conservadores.

A história do Egito começa com o primeiro faraó, chamado Menes, que uniu num só, o Alto e Baixo Egito por volta de 3360 a.C. e, exceto por dois períodos de instabilidade, manteve-se unido por mais de 2000 anos.

Os principais períodos de domínio unificado são: o Antigo Império, ou Época das Pirâmides, de 3000 a 2475 a.C. Esse período assinala um progresso rápido no domínio das forças mecânicas (das pirâmides, apenas 80 de conservaram de modo completo). O segundo, o Império Médio ou Época Feudal, de 2160 a 1788 a.C., caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pelo comércio exterior. Formaram-se bibliotecas de rolos de papiro e os navios cruzavam os mares Egeu e Vermelho. O terceiro período, o do Novo Império, estende-se de 1580 a 1150 a.C., sendo a época das grandes construções.

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Os soberanos eram os faraós, cujo despotismo era temperado

por ideais de responsabilidade em relação ao povo comum; considerando-se os tempos primitivos em que viveram, eles realmente procuraram fazer com que seus súditos tivessem vida feliz e razoavelmente confortável (apesar da escravidão); governava pela lei, que parece ter sido geralmente justa. Além do faraó e da família real, os sacerdotes, os nobres e os guerreiros pertenciam às classes privilegiadas. Na classe média encontravam-se os escribas, os comerciantes, os artesãos e os camponeses e, os servos ocupavam as classes inferiores.

O Egito tinha uma grande e eficiente administração. A maior parte dela parece ter sido centrada nas grandes construções de templos, embora, periodicamente, os próprios faraós demonstrassem grande capacidade administrativa. A administração padronizou pesos e medidas, enquanto seus funcionários, os escribas, em grande parte clérigos, escreviam em hieróglifos ou na escrita hierática ou sacerdotal, mais correntemente usada. Os egípcios escreviam em papiros, produzidos no país desde épocas primitivas; parecem ter sido usados antes de 3500 a.C. Eram feitos com o cerne de uma alta ciperácea (Cyperus papyrus) que se encontrava em abundância nos pântanos ao redor do delta e sua manufatura em folhas era simples. Tratava-se do material ideal para ser usado nas secas condições do Oriente Médio e foi empregado em grande quantidade em Roma. No clima mais úmido da Europa, o papiro era menos estável, mas, no Egito, era superior a qualquer outro material para escrita. Permaneceu em uso até o nono século depois de Cristo. O papiro era também usado como alimento(os brotos), como combustível(as raízes), e ainda, para se fazer cestos, cordas, esteiras, sandálias e até pequenos barcos. A propósito, é interessante notar que os gregos, que consideravam os egípcios um povo de imensa sabedoria, chamavam uma folha de papiro de “biblion”, da qual deriva a palavra “bíblia”; a palavra “papel” é derivada de “papiro”, embora na verdade, o papel seja um material bem diferente e tenha sido inventado pelos chineses e não pelos egípcios.

O fato de os gregos terem superestimado a sabedoria egípcia pode ter resultado, pelo menos em parte, da impressão causada naqueles que visitaram o Egito e ficaram maravilhados com as magníficas construções que lá encontraram e, na verdade, a

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construção era uma das maiores formas de expressão desse povo. O vale do Nilo é uma vasta pedreira e, embora tivessem de importar toda a madeira de que precisava, da Líbia ou da Síria, logo aprenderam a manusear os materiais locais. Eram peritos cortadores de pedras, soberbos escultores, pintavam bem e eram mestres artífices em metais, especialmente o ouro.

A habilidade dos egípcios na construção de grandes edifícios e estátuas, não é, por si mesma, uma ciência: havia o que hoje chamaríamos de princípios de mecânica, mas parece que inexistia um conjunto básico de conhecimentos científicos ou uma teoria em que os construtores pudessem se basear. Seu valor como construtores era alicerçado em sólida experiência pratica e num instinto para a engenharia estrutural. Realmente, os egípcios parecem ter sido essencialmente um povo muito prático, mais voltado para resultados efetivos do que para a filosofia dos princípios básicos concernentes. A curto prazo, essa atitude traz sucesso, mas, a longo prazo, não encoraja nem a especulação e nem idéias novas. Isso significa, por exemplo, que quando Akhenaton construiu seu grande templo em Carnac, no ano de 1370 a.C., as técnicas usadas não foram substancialmente diferentes das utilizadas por Quéops cerca de treze séculos antes.

A falta de interesse dos egípcios pela reflexão filosófica e a tendência para o aspecto prático podem ser observadas mesmo na astronomia. Para eles, a astronomia era a base utilitária necessária para a marcação do tempo. Os astrônomos egípcios não estavam preocupados com teorias a respeito do Sol e da Lua., nem com quaisquer idéias a respeito do movimento dos planetas, embora soubessem que os planetas se moviam entre as estrela fixas. O calendário nos dá um exemplo de êxito brilhante obtido pela ciência egípcia. O ano egípcio, por volta de 2.500 a.C., contém 365 dias como o nosso. Os meses repartem-se em três estações de quatro meses cada uma: inundação, inverno e verão.

A MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIAA MATEMÁTICA EGÍPCIA

A matemática no Egito, a exemplo da astronomia, não era em

si mesma, considerada uma forma de conhecimento independente de sua aplicação, como aconteceria na Grécia. Assim, a pesquisa dos

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princípios matemáticos era desprezível e não havia uma teoria básica de aritmética ou geometria e sim procedimentos práticos. As fontesAs fontesAs fontesAs fontes

Um certo número de papiros egípcios de algum modo resistiu

aos desgastes do tempo por mais de três e meio milênios. Os principais de natureza matemática são o Papiro Rhind, o Papiro de Moscou e o Papiro de Berlim, copiados em escrita hierática. O Papiro Rhind, o mais extenso, mede 0,30 m de largura por 5 m de comprimento, e também o mais importante, encontra-se no Museu Britânico. Foi adquirido em 1858 numa cidade à beira do Nilo, pelo antiquário escocês, Alexander Henry Rhind (1833-1866), daí a origem do seu nome, muito embora seja conhecido também, como Papiro Ahmes em honra ao escriba que o copiou por volta de 1650 a.C de outro mais antigo, provavelmente de 1800 a,C. Trata-se de um texto na forma de manual prático que contém 85 problemas, enunciados e resolvidos, e logo no início apresenta uma interessante proposta: “Guia para conhecimento de todas as coisas obscuras”. Quando chegou ao Museu Britânico esse Papiro não estava completo, formado de duas partes, e faltava-lhe a porção central. Cerca de quatro anos depois de Rhind ter adquirido seu papiro, o egiptólogo norte americano Edwin Smith comprou no Egito o que pensou que fosse um papiro médico. A aquisição de Smith foi doada à Sociedade Histórica de Nova York em 1932, quando os especialistasdescobriram por sob uma camada fraudulenta a parte que faltava do Papiro Ahmes. A sociedade, então, doou o rolo ao Museu Britânico, completando-se assim a obra original.

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O Papiro de Moscou ou Golenischev é de 1850 a,C. e encontra-se no Museu de Belas Artes de Moscou. Foi adquirido no Egito em 1893 pelo colecionador russo Golenischev, mede 0,07m de largura por 5m de comprimento e contém 25 problemas. Quanto ao Papiro de Berlim não dispomos das informações seguras dos anteriores, apenas que está muito deteriorado.

A seguir, o mais importante da matemática contida nesses três papiros. AritméticaAritméticaAritméticaAritmética

Sistema de numeração

O sistema de numeração dos egípcios era decimal aditivo (não

posicional). Ressalta-se que não eram conhecidos os números negativos e

nem o zero. Quadro de hieróglifos

Símbolo egípcio descrição nosso número

bastão 1

calcanhar 10

rolo de corda 100

flor de lótus 1000

dedo apontando 10000

peixe 100000

homem 1000000

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Por exemplo, o número 12345, se escrevia como

As quatro operações Adição: 24 + 97

e é igual a

Subtração: 12 – 7 O raciocínio era: quanto se deve somar a 7 para formar 12? Multiplicação: Enquanto hoje aprende-se as tabuadas de somar e de multiplicar até 10, o que permite efetuar todas as operações simples, os egípcios usavam apenas a tabuada do 2. Para multiplicar um número dado, por um multiplicador maior que 2, realizavam uma série de “duplicações”, o que lhes permitia fazer todas as multiplicações, sem na realidade, recorrerem à memória. Por exemplo, para multiplicar 13 por 7. o escriba opera da seguinte maneira:

- 1 7 2 14

- 4 28 - 8 56

Escreve, na coluna da direita o fator 7 e na da esquerda 1; dobra, em seguida, os números das duas colunas, até obter, por adição de números da coluna da esquerda, o valor do outro fator. No exemplo dado, 13 é obtido pela adição de 1, 4 e 8. Chegando a esse ponto da operação, marca-se com um traço os números que tomou e soma, em seguida, os números correspondentes da coluna da direita, ou seja, 7 + 28 + 56 = 91. Portanto a adição desses números lhe dá o resultado da multiplicação. Como se verificou, o escriba só operou com adições e é nisso que reside o caráter “aditivo” da aritmética egípcia.

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Outros exemplos: resolução de 4 x 3 e 12 x 16 1 3 1 16 2 6 2 32 - 4 12 - 4 64 - 8 128 4 x 3 = 12 12 x 16 = (4 + 8) x 16 = 64 + 128 = 192 Divisão: Na divisão usava-se o mesmo processo da multiplicação, mas em sentido inverso. Assim, para dividir 168 por 8, o escriba dispunha os cálculos, como no caso de uma multiplicação:

1 8 – 2 16 4 32 – 8 64

16 128 –

Feito isso, procura-se na coluna da direita (e não na da esquerda como na multiplicação) os números que, somados, darão o dividendo 168. No nosso exemplo, toma-se os números 8, 32 e 128 e marca-se com um traço os correspondentes da coluna da esquerda, a saber: 1, 4 e 16, que somados perfazem 21, que é o quociente da divisão.

Facilmente depara-se com divisões não exatas, como por exemplo, 168 dividido por 9: 1 9 2 18 – 4 36 8 72 16 144 –

Não se conseguindo a soma do dividendo na coluna da direita, assinala-se os números cuja soma mais se aproxima do dividendo, no caso 144 + 18 = 162. Portanto tem-se o quociente 16 + 2 = 18 e o resto 168 – 162 = 6.

Page 13: Hermes Antonio Pedroso

23

Frações

O estudo de frações surgiu por necessidade prática, quando as divisões não eram exatas, como vimos no exemplo anterior.

Com exceção de 3

2 que era representado por os egípcios

usavam apenas frações unitárias, ou seja, com numerador igual a 1. Na escrita a fração era expressa por meio do signo , que significa parte ou porção, sendo que o denominador é escrito abaixo ou ao seu lado. Exemplos: Notações especiais:

Outras frações de denominador potência de 2, encontram-se representadas no olho do deus Horo, que combina o udjat (olho humano) com as manchas coloridas que envolvem o olho de um falcão. Operações com frações: Recusando-se a priori a conceber uma fração que não tivesse numerador 1, boa parte do seu trabalho era dedicado a escrever uma

certa fração como soma de frações de numerador 1. Por exemplo, 5

2

escrevia-se como 15

1

3

1+ . É possível que para essas transformações

fossem utilizadas fórmulas do tipo:

2

11

2

112

)n(nnn ++

+= ou

.)qp(q)qp(ppq

2

1

2

12+

++

= Por isso, os cálculos que utilizavam

frações ocupam a maior parte do Papiro Rhind.

51

43

1 276

1

2

1

4

1

24

O princípio dessas operações é idêntico ao utilizado para os números inteiros: a “duplicação” sistemática. Quando o denominador da fração a duplicar era um número par, não havia qualquer dificuldade: bastava dividi-lo por 2. Por exemplo, para a

operação simples 7 x 8

1, o escriba egípcio colocaria como

habitualmente.

- 1 8

1

- 2 4

1

- 4 2

1

Sendo a soma dos números da primeira coluna igual ao multiplicador 7, transcreveria diretamente o resultado:

8

1

4

1

2

1

8

17 ++=x

Mas, no caso de uma operação com denominadores ímpares, o sistema adotado torna-se inoperantes e é necessário encontrar um meio de superar a dificuldade.

Qualquer fração da forma n

2, em que n é um número ímpar,

pode ser decomposta numa soma de duas ou mais frações, cujo

numerador é 1. Assim, como vimos 5

2 pode escrever-se

15

1

3

1+ . Os

egípcios conheciam bem esse fato e, como a decomposição de frações implica cálculos longos e delicados, estabeleceram uma

tábua modelo de decomposição, começando em 5

2 e chegando em

101

2. Essa tábua, que desempenhava um papel considerável no

ensino, constitui a parte mais importante do Papiro Rhind. Eis um exemplo de como ela se apresenta:

Page 14: Hermes Antonio Pedroso

25

Dividir 2 por 41: 24

1

3

21 + corresponde a

246

1* a

6

1

24

1,

* e

328

1* a

8

1

Modo de realizar a operação:

8

1

6

1 resto

24

1

3

21

24

171

24

112

1

3

13

12

16

1

3

26

6

1

3

213

3

1

3

127

3

2

41 1

+

+=

+

+

Total 1 41 /2 82 /4 164

/6 246 6

1

/8 328 8

1

Segundo os nossos métodos habituais, exporíamos assim a

resposta do problema: 328

1

246

1

24

1

41

2++=

A técnica dos escribas para chegar ao resultado é difícil de ser acompanhada e os próprios matemáticos não estão totalmente de acordo quanto ao método utilizado. É possível, aliás, que não

26

houvesse de início, um método bem definido e que os escribas chegassem ao resultado por meio de tentativas sucessivas. Nem por isso deixa de ser assombrosa a facilidade e a segurança com que os egípcios manejavam suas frações; posteriormente os gregos e os romanos adotaram esse método. Partições proporcionais É possível que os egípcios tenham adquirido uma grande habilidade no manejo das frações devido ao sistema econômico e social da realeza faraônica. Conheceram tardiamente a moeda, somente por ocasião da conquista persa. Todo o comércio, até o mais indispensável à vida, realizava-se através da troca.

Além disso, a propriedade privada era, ao que parece, das mais limitadas; a terra, na maioria dos casos, pertencia ao rei ou aos templos. Um sistema social dessa natureza, em que o indivíduo em tudo depende necessariamente de seu empregador, no caso do faraó ou dos sacerdotes, implica, dada a ausência de qualquer padrão monetário, em enorme contabilidade material. De um lado, para o controle da produção no fornecimento de sementes, instrumentos, matérias primas, etc.; e, de outro, para a divisão dos bens de consumo tais como alimento, roupa, etc., entre os diversos membros das comunidades artesanais ou agrícolas. Competia ao escriba repartir os recursos acumulados nos celeiros do estado ou dos templos e daí a importância dos problemas de partições proporcionais na aritmética. Esse fato também explica o motivo pelo qual os escribas permaneceram fiéis ao sistema das frações de numerador 1, que facilitava a divisão dos objetos e gêneros alimentícios.

Dividir 7 pães entre 10 homens: deve-se multiplicar 30

1

3

2+ por

10. Resultado 7.

Page 15: Hermes Antonio Pedroso

27

Modo de realizar a operação:

715

1

3

11

5

1

15

1

3

15

5

1

15

1

3

15 8

30

1

10

1

3

22 4

15

1

3

11 2

30

1

3

2 1

=++++

++−

++

+−

+

Total: 7 pães; é exatamente isso. (Papiro Rhind, problema 4) Outros processos aritméticos

Para poder resolver todos os problemas da vida cotidiana, os egípcios tiveram de realizar diversas operações aritméticas, tais como elevar um número ao quadrado e extrair raízes quadradas. À raiz quadrada concedem o nome de “canto”. Esse termo deriva claramente da representação de um quadrado cortado em diagonal e mostra até que ponto os egípcios mantiveram-se ao nível concreto, onde outros povos teriam recorrido à abstração. No Papiro de

Berlim, há o cálculo correto das raízes quadradas de 4

16 e de

,16

1

2

11 + mas não sabemos se essas extrações foram obtidas

segundo um processo determinado ou se o escriba chegou ao resultado por meras tentativas. As proporções desempenharam um papel essencial na aritmética egípcia.

28

Progressões Aritmética e Geométrica

Ora, sabe-se que a hierarquia era fortemente acentuada na sociedade. A diferença de posição na escala social era marcada pelo direito a uma parte considerável em todas as partilhas, daí porque o escriba se defronta, frequentemente, com problemas do seguinte tipo:

100 pães para 5 homens, 7

1 (da parte) dos 3 primeiros para os 2

últimos homens. Qual será a diferença entre as partes? (Papiro Rhind, problema 40).

Parece que de acordo com a maneira pela qual o escriba o resolve, o problema consiste em dividir 100 pães entre 5 homens de tal modo que as partes estejam em progressão aritmética e que a

soma das duas menores seja 7

1 da soma das maiores.

O método empregado não é claro, talvez porque os cálculos indicados sejam tentativas sucessivas; entretanto a solução é correta:

as partes deverão ser de 6

510 20

6

129

3

138 ,,, e ,

3

21 números que

satisfazem as condições do problema. Os matemáticos egípcios tinham, portanto, uma idéia confusa,

sem dúvida, da progressão aritmética. Outro problema mostra que conheciam também a progressão geométrica; o seu enunciado apresenta-se de maneira algo misteriosa. Inventário de um patrimônio: 7 casas Modo de realizar a operação: 49 gatos -1 2801 343 camundongos -2 5602 2401 espigas de trigo -4 11204 16807 alqueires Total: 19607 (Papiro Rhind, problema 79)

Page 16: Hermes Antonio Pedroso

29

Parece razoável supor que havia um patrimônio composto de 7

casas, cada casa possuía 7 gatos, cada gato matava 7 camundongos, cada camundongo comia 7 espigas de trigo, cada espiga de trigo teria produzido 7 alqueires. Quanto se obteria no conjunto? O total contém a soma de tudo o que é mencionado e nada significa no nosso entender. Devemos notar que não se chega a esse total pela soma dos números da enumeração, mas pela multiplicação de 2801 por 7; o que nos conduz à soma dos termos da seqüência (7, 49, 343, 2401, 16807), que é uma progressão geométrica de razão 7. ÁlgebraÁlgebraÁlgebraÁlgebra

Uma série de problemas cuja finalidade é tão utilitária como a daqueles que vimos até agora, indica um conhecimento razoável, por parte dos egípcios, de laboriosas técnicas de resolução de equações algébricas.

Nesses problemas são pedidos o que equivale a soluções de equações lineares da forma x + ax = b ou x + ax + bx = c onde a, b e c são números racionais positivos conhecidos e x é desconhecido. A incógnita é chamada de “aha” (palavra egípcia que significa “pilha”, “monte”). Exemplo 1: O problema 24 do Papiro Rhind, pede o valor de aha sabendo-se que aha mais um sétimo de aha dá 19. Nas nossas notações seria

resolver a equação 197=+

xx . A solução é característica de um

processo conhecido como “método de falsa posição” ou “regra do falso”. Um valor específico, provavelmente falso, é atribuído para aha, e as operações indicadas à esquerda do sinal de igualdade são efetuadas sobre esse número suposto. O resultado é então comparado com o resultado que se pretende, e, usando regra de três, chega-se à resposta correta. Nesse exemplo o valor tentado para a incógnita é 7, de

modo que 877

17 =+ em vez de 19.

30

Como 198

1

4

128 =++ )( deve-se multiplicar 7 por

8

1

4

12 ++ para

obter a resposta 8

1

2

116 ++ , isto é, 7 8

x 19

8

1

4

12

8

19

7++==

x ⇒ )(x

8

1

4

127 ++=

Pode-se conferir a resposta verificando que se a 8

1

2

116 ++=x

somarmos 7

1 de x (que é

8

1

4

12 ++ ) de fato obteremos 19.

Aqui notamos outro passo significativo do desenvolvimento da matemática, pois a verificação é um exemplo simples de prova. Exemplo 2:

Instrução para dividir 700 pães entre 4 pessoas, 3

2 para uma,

2

1

para a segunda, 3

1 para a terceira e

4

1 para a quarta.

Modo de realizar a operação:

Some ,,,,4

1

3

1

2

1

3

2 o que dá .

4

1

2

11 ++

Divida 1 por 4

1

2

11 ++ o que dá

14

1

2

1+ .

Agora ache 14

1

2

1+ de 700, que é 400.

Tudo se passa então, como se estivéssemos resolvendo a equação:

7004

1

3

1

2

1

3

2=+++ xxxx pela mesma técnica usada hoje, porém

de forma retórica. (Papiro Rhind, problema 63)

Page 17: Hermes Antonio Pedroso

31

O estudo dos “problemas aha” levantou a questão de saber se os egípcios conheceram a álgebra. Com efeito, esses problemas exprimem as nossas equações de primeiro grau, e alguns deles se prendem até mesmo a equações do segundo grau. Alguns autores não hesitaram em reconhecer o fato. No entanto, é preciso admitir que subsistem dúvidas a respeito. Há um exemplo, pelo menos, no Papiro de Berlim que não deixa dúvidas. Trata-se de um problema de partilha que não se refere a pão ou cerveja ou a qualquer outra coisa do cotidiano. Esse problema tem o seguinte enunciado: A soma das áreas de dois quadrados é 100 unidades, sendo que

a medida de um lado é 4

3da medida do outro. Quais são os lados?

Em notação atual escreveríamos:

10016

9 seja,ou

4

3 onde 100 2222 =+==+ xx,xy,yx

Na solução que propõe, o escriba não emprega símbolos como x ou y. Parte de um número arbitrário 1, por exemplo e, em

conseqüência, também de 4

3. Eleva esses números ao quadrado e

soma os resultados, ou seja, );16

91(

16

1

2

11 =+ extrai a raiz quadrada

do total, isto é, .4

11 Procede em seguida à extração da raiz quadrada

de 100, ou seja, 10, número que representa .x84

11 Admite-se então

que o número base, arbitrário, deve ser multiplicado por 8, para se

obter a solução: 8 x 1 e 8 x 4

3, ou 8 e 6, o que é exato. (Papiro de

Berlim). GeometriaGeometriaGeometriaGeometria

No campo da geometria, são propostos problemas dependentes do uso de fórmulas numéricas, não abstratas, que não são deduzidas

32

no texto. Tais problemas incluem o cálculo de área de campos limitados por linhas retas ou por arcos de circunferência, considerando-se no primeiro caso apenas triângulos, retângulos e trapézios. Também se estuda o volume do tronco de pirâmide quadrática. O clássico problema da “quadratura do círculo” é abordado,

obtendo-se para o número π a aproximação de ...,1604381

256= que,

comparada com a verdadeira, 3,1415..., representa um resultado excelente para a época. Os autores gregos fazem particular menção dos métodos de agrimensura usados pelos egípcios, devido às cheias do Nilo que destruíam as demarcações. Segundo conta Heródoto, Sesóstris tinha dividido as terras em retângulos iguais entre todos os egípcios, de modo que todos pagavam o mesmo tributo. Quem perdesse parte de sua terra em conseqüência da cheia devia comunicar ao rei, que mandava então um inspetor calcular a perda e fazer um desconto proporcional no imposto. Foi assim que nasceu a geometria (literalmente: medição de terras). Área do triângulo isósceles Calcular a superfície de um campo triangular de 10 côvados de altura e 4 côvados de base.

Modo de realizar a operação: 1 400

2

1 200

1 1000 2 2000

Resposta: sua superfície é de 2000 côvados (Papiro Rhind, problema 51)

B C

C’ B’ A

Page 18: Hermes Antonio Pedroso

33

Área do círculo (Considerado o maior êxito dos egípcios). Calcular uma porção de terra circular, cujo diâmetro é de 9 varas. Qual a sua superfície? Subtrair 1 da nona parte dela. Resta 8; então, multiplicar oito vezes oito, resultando 64. A superfície é de 6 kha e 4 setat. Modo de realizar a operação:

1 9

9

1 daquilo 1

Subtrai daquilo, resta 8 1 8 2 16 4 32

8 64 Resposta: a superfície da terra é de 6kha (escrito 60) e 4 setat (Papiro Rhind, problema 50) Na verdade, na engenhosa resolução anterior há indícios de que

para calcular a área do círculo, era usada a fórmula: ,dA2

9

8

=

sendo d o diâmetro. Assim, 22

81

2562

9

8rrA =

= . Logo,

16043,=π . Essa aproximação de π , obtido empiricamente era muito mais exata que o valor 3 utilizado pela maioria dos povos antigos do Oriente. Área de um quadrilátero No templo de Horo, em Edfu, foi encontrado inscrições de uma fórmula para o cálculo de áreas de quadriláteros, que em notação atual é:

34

+

+=

22

dbcaS , sendo a, b, c, d, os lados do quadrilátero.

Essa fórmula é muito prática, porém conduz a erros sempre que o quadrilátero não tiver a regularidade do quadrado ou do retângulo. Para trapézios e losangos, por exemplo, os resultados encontrados são bem maiores que os verdadeiros. Portanto, os egípcios sabiam calcular a área do triângulo, de quadriláteros e do círculo, bem como o volume de alguns sólidos elementares, inclusive o tronco de pirâmide de altura h e bases quadradas, com os lados a e b, respectivamente.

)baba(h

V 22

3++= (Papiro de Moscou)

Finalizando, pode-se dizer que a matemática dos egípcios apresenta as seguintes características por volta de 2000 a.C.: conhecimentos bastante desenvolvidos sobre as operações com números inteiros e frações, um método para resolver equações do primeiro grau com uma incógnita, diversas fórmulas, tanto exatas como aproximadas, para a área de figuras planas e sólidos elementares e, ainda, um método aproximado para calcular a área de um círculo de raio determinado. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Quais são as três mais importantes contribuições do Egito ao desenvolvimento da matemática? Explique porque as considera importantes. 2. Explique quais são as três mais importantes deficiências da matemática egípcia. 3. Escreva o número 7654 em forma hieroglífica egípcia.

a

Page 19: Hermes Antonio Pedroso

35

4. Resolva pelo método da falsa posição a equação 162=+

xx

(Problema 25 do Papiro Rhind). 5. Encontre 101 : 16, exprimindo o resultado em hieróglifos egípcios. 6. Até que ponto é correto dizer que os egípcios conheciam a área do círculo?

7. Exprima 103

2 como soma de duas frações unitárias diferentes e

escreva-as em notação hieroglífica. 8. Por que você acha que os egípcios preferiam a decomposição

30

1

10

1

15

2+= à alternativa

20

1

12

1

15

2+= ?

9. Mostre que se n é um múltiplo de três, n

2 pode ser decomposto na

soma de duas frações unitárias, uma sendo a metade de n

1.

10. Mostre que se n é um múltiplo de 5, n

2 pode ser decomposto na

soma de duas frações unitárias, uma sendo um terço de n

1.

36

Page 20: Hermes Antonio Pedroso

37

MESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIAMESOPOTÂMIA

Admira, meu filho, a sabedoria divina que fez o rio passar bem perto da cidade! (autor desconhecido)

A Mesopotâmia, a terra “Entre os Rios”, ocupa a área aluvial plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Entre a atual Bagdá e o golfo Pérsico, a terra se inclina suavemente, originando uma diferença de altura total de apenas dez metros; assim os rios correm vagarosamente, depositando grandes quantidades de sedimentos, inundando suas margens e mudando ligeiramente de curso, de tempos em tempos. No extremo sul, há pântanos e brejos de juncos. O suprimento de água é irregular e a precipitação pluvial, pequena. Desse modo o cultivo deve ser feito próximo aos rios ou apoiado pela irrigação. Ao norte o solo das planícies é compacto e impróprio para as culturas durante oito meses do ano.

Embora não tivesse uma área própria para a cultura, como o Egito, possuía um enorme suprimento de matérias primas, produtos

38

agrícolas, incluindo animais, peixes e tamareiras, e desde cedo surgiu a indústria de juncos, que fornecia produtos de fibra da planta, assim como os próprios juncos. Além disso, há fontes de betume e pedra calcária a oeste, mas não há madeira, exceto o tipo inferior obtido das tamareiras, apropriado apenas para confecção de vigas toscas, do mesmo modo não existem pedras duras, havendo ainda pouco metal. Durante toda a sua história, a Mesopotâmia vivia praticamente do comércio; particularmente, a parte sul se tornou um vasto mercado e um centro de troca e disseminação de idéias. A civilização mesopotâmia, bem antes dos árabes atuais, se formou literalmente de uma mistura de povos. Sumérios, acádios, amoritas, assírios, hititas, caldeus, medos e babilônios. A Mesopotâmia é tida como vale turbulento e isso pode ser confirmado quer pelos grandes degelos imprevisíveis (nas montanhas da Síria e Turquia) que provocam cheias nos rios, quer pelas lutas constantes pelo poder entre esses povos. Temos assim, a Mesopotâmia como uma região economicamente próspera e militarmente organizada, que possuía uma agricultura avançada, bem como um sistema de captação de impostos que financiava a expansão de uma cultura sofisticada para os padrões da época. Foi nessa região, que por volta de 3500 a.C. nasceu a escrita, invenção dos sumérios, caracterizada por marcas cuneiformes em placas de argila (mais ou menos 30 x 50 cm) cozidas ao sol. Milhares dessas placas, hoje conservadas em museus norte americanos e europeus, traduzidas, revelaram a existência de uma matemática original e de medidas sistemáticas do tempo. O conhecimento das estações do ano foi fundamental para o desenvolvimento da agricultura. O ano mesopotâmio, em 2000 a.C., tinha 360 dias, divididos em doze meses. Relógios solares assinalavam a passagem do tempo e o dia já era dividido em horas, minutos e segundos. Com a observação do movimento aparente do Sol e dos planetas entre as estrelas fixas foram nomeados os sete dias da semana com os nomes do Sol, da Lua e dos outros cinco planetas conhecidos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno). Foi traçada, também, a trajetória percorrida pelo Sol, dividindo-a em doze partes associadas a animais míticos e denominadas de signos do zodíaco.

Page 21: Hermes Antonio Pedroso

39

O Universo era representado como uma caixa fechada, cujo fundo era a Terra. Observações de muitos fenômenos astronômicos, como eclipses do Sol e da Lua e as posições de Vênus, estão registradas em placas de argila. Com essas observações os astrólogos mesopotâmios tiveram muito sucesso na interpretação de sonhos e na prática de realizar previsões. Devemos destacar que os povos que viveram na “terra entre dois rios” deixaram uma ciência prática, sem a preocupação de fundamentar metafísica ou teologicamente os fatos.

A MATEMÁTICA MESOPOTÂMIA

O que se sabe sobre a matemática mesopotâmia é relativamente recente. Data, na realidade, dos trabalhos de Otto Neugebauer (1899 – 1990) que por volta de 1930 liderou as pesquisas em Princeton, realizando um estudo exaustivo em cerca de dez mil placas de argila, buscando reconstruir os conceitos aritméticos e geométricos daquela civilização, por volta de 2000 a.C. De um modo geral, os textos matemáticos mesopotâmios (grande parte de matemática financeira) podem ser classificados em duas categorias: as tábuas numéricas e as de problemas. As primeiras quase não diferem das tábuas modernas e as outras são coletâneas didáticas de exercícios. Nos textos de caráter geométrico é freqüente a presença de figuras, muitas vezes acompanhadas de uma legenda numérica. São figuras simples que servem apenas para ilustrar o enunciado, nunca interferem na solução, e, geralmente, não eram respeitadas as proporções. Dessa forma podemos dizer que os mesopotâmios souberam calcular “corretamente” com figuras falsas. Aritmética Por volta do ano 2000 a. C. era usado pelos mesopotâmios uma combinação de dois sistemas de numeração, um de base dez e o outro posicional de base sessenta e, sem dúvidas, essas características originais não foram encontradas em qualquer outro

40

sistema de numeração da antiguidade. Como exemplo escrevemos o número: 3904 = 4 + 9.10² + 3.10³ na base 10 e 3904 = 1.60² + 5.60 + 4 na base 60. Os números inteiros positivos eram expressos, em geral, mediante o emprego de dois sinais básicos: = 1 e = 10. De 1 a 59, os números são expressos pela repetição dos sinais correspondentes a 1 e 10, sendo as unidades precedidas pelas dezenas. Exemplos:

2 11 20

60

= 520 = 8.60 + 40

= 2 + 2. 60 + 2.60² ou 1 + 1.60 + 1.60² + +1.60³ + 2.604 ou 2.60-1 + 2 + 2.60.

Muitas vezes o contexto eliminava a ambigüidade e, a falta de um símbolo para o zero, deve ter sido muito inconveniente. Tanto que no período selêucida, ao tempo de Alexandre, melhoraram a notação adotando duas cunhas inclinadas para sua representação. Atualmente para escrevermos números na base 60 com os nossos numerais, utilizamos a seguinte notação:

2,31,8 = 8 + 31.60 + 2.60² 0;4,6 = 0 + 4.60-1 + 6.60-2 2,14;5,7 = 14 + 2.60 + 5.60-1 + 7.60-2

Operações As operações eram realizadas da mesma maneira que fazemos hoje.

59

Page 22: Hermes Antonio Pedroso

41

Na subtração usavam a idéia de “chegar”: 16 para chegar no 40 é 24. Na multiplicação e divisão utilizavam tabelas auxiliares. Por

exemplo, para se calcular 15

8, multiplicava-se por 8 o valor que

constava na tabela para 15

1.

Havia tabelas também para recíprocos, quadrados, cubos, raízes quadradas e cúbicas. Exemplo de uma tabela de recíprocos:

2 30 3 20 4 15 5 12 6 10 8 7;30 9 6;40 10 6 12 5

Nessa tabela, notamos a ausência dos recíprocos de 7 e 11, porque são sexagesimais infinitos, que chamavam de irregulares. Juros compostos Tabelas de potências sucessivas de um dado número, semelhantes as nossas de logaritmos, eram utilizadas para resolver questões específicas, como por exemplo, temos o problema a seguir, resolvido por interpolação. Quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a 20% ao ano? A resposta dada é 3;47,13,20. Parece que o escriba aplicou interpolação linear entre os valores (1;12)³ e (1;12)4, usando a fórmula para juros compostos

42

n)r(CC += 10 em que r = 20% ou 12.60-1, e C0 é a quantia

inicial colocada a juros, usando valores de uma tabela exponencial com potências de 1;12. Raiz quadrada Os matemáticos mesopotâmios foram hábeis no desenvolvimento de processos algorítmicos, entre os quais um para extrair raiz quadrada, que descreveremos a seguir.

Algoritmo para a , sendo a um número inteiro positivo.

Sejam a1 uma primeira aproximação dessa raiz e 1

1 a

ab = (se

a1 é por falta, b1 é por excesso e vice-versa). Logo a média

aritmética a2 = 2

1 (a1 + b1) = )

a

aa(

112

1+ é uma nova aproximação

plausível. A seguir, avaliamos 2

2 a

ab = e a média aritmética

)a

aa()ba(a

22223 2

1

2

1+=+= para obtermos um resultado

melhor. O processo pode ser continuado indefinidamente.

Exemplo: calcular 17 Modo de realizar a operação: a = 17, a1 = 4, 4² = 16

Logo b1 = 4

17 e a2 = .,)( 1254

4

174

2

1=+

A seguir, b2 = 1254

17

, = 4,1212 e a3 = )

,,(

1254

171254

2

1+ = 4,1231

Assim 17 ≅ a3

Page 23: Hermes Antonio Pedroso

43

Com esse método, os mesopotâmios encontraram 2 como 1,414222 que é uma ótima aproximação. Aliás tinham facilidade em aproximações, talvez pela notação posicional para frações que foi a melhor até a Renascença.

Álgebra De uma forma discursiva, com poucos símbolos para as incógnitas, os mesopotâmios sabiam resolver, sem o uso de fórmulas, a equação do primeiro grau, sistemas lineares com duas incógnitas, equação do segundo grau, sistemas do segundo grau com duas incógnitas e equações biquadradas. Sistemas lineares

=+

=+

10

74

1

yx

yx

y

x

→=−

→=

=−

=

4 6 10

6 3:18

18 10 28

28 4.7 :Solução

Equação do 2º grau Para o egípcios era muito difícil resolver equações do tipo x² - px = q, mas os mesopotâmios resolviam seguindo uma receita. Problema: Qual o lado de um quadrado tal que a área menos o lado perfaz 14,30? A solução desse problema equivale a resolver x² - x = 870 (base 10) ou x² - x = 14,30 (base 60). Solução: x² = 1.x + 14,30 Tome a metade de 1, que é 0;30 e multiplique 0;30 por 0;30, o que dá 0;15. Some isto a 14,30, o que dá 10,30;15 que é o quadrado de 29;30. Agora some 0;30 a 29;30 e o resultado é 30, o lado do quadrado.

A solução equivale exatamente à fórmula 22

2 pq)

p(x ++=

para uma raiz da equação x² - px = q. No final de cada solução, escreviam “este é o procedimento”.

44

Transformações algébricas Muitas vezes usavam transformações algébricas, algo avançado para a época. Assim dada a equação 11x² + 7x = 6;15, procurava-se chegar no tipo padrão x² - px = q e para isso, multiplicando por 11 ambos os membros de 11x² + 7x = 6;15 temos: (11x)² + 11.7x = 11.6;15 = 1;18;45 Fazendo y = 11x, temos y² + 7y = 1;18;45 que pode ser

resolvida pela fórmula 22

2 pq)

p(y ++= e depois se calcula o

valor de x. Sabiam também passar da equação ax4 + bx² = c para ay² + by = c. Resolviam uma equação do 2º grau com duas incógnitas, como

por exemplo

=

=+

yx

,yx

7

1

152122

Equações cúbicas Não há registro no Egito de resolução de uma equação cúbica, mas entre os mesopotâmios há muitos exemplos. Cúbicas puras como x³ = 0;7,30 eram resolvidas por tabelas de cubos e raízes cúbicas, e a solução era 0;30. Para melhor aproximar resultados usavam frequentemente interpolação linear. Com a tabela de inteiros n³ + n² resolviam cúbicas como x³ + x² = a. Por exemplo verifica-se que x³ + x² = 4,12 tem solução 6. Resolviam também, cúbicas do tipo 144x³ + 12x² = 21. Multiplicavam por 12, os dois membros e, fazendo y = 12x a equação tornava-se y³ + y² = 4,12, da qual se encontrava y = 6, e finalmente x = 1/2 ou 0;30. É possível até que tenham resolvido cúbicas completas: ax³ + bx² + cx = d.

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45

Teoria dos NúmerosTeoria dos NúmerosTeoria dos NúmerosTeoria dos Números

O desenvolvimento da matemática mesopotâmia teve o seu apogeu por volta de 1800 a.C. Ao contrário de outros povos, deram-se ao luxo de formular problemas matemáticos de características eminentemente especulativas. Na placa de argila 322 da Coleção Plimpton da Universidade de Columbia, Nova York, estudada por Neugebauer em 1945, temos uma tabela com 15 linhas por 4 colunas, sendo que 3 delas, após um ajuste nos cálculos, estão relacionadas entre si como as conhecidas ternas pitagóricas. Na linha 4, por exemplo, encontramos a = 3,31,49; b = 3,45,0 e c = 5,9,1 que satisfazem a relação a² + b² = c², em que a, b, c são lados de um triângulo retângulo. Assim, aproximadamente, mil anos antes de Pitágoras nascer, já era conhecido entre os rios Tigre e Eufrates o famoso teorema atribuído ao sábio grego. Outro documento, provavelmente do tempo dos Caldeus, apresenta identidades interessantes: 1 + 2 + 2² +...+ 29 = 210 – 1 e

1² + 2² + ... + 10² = )...)(( 10213

20

3

1++++= .

GeometriaGeometriaGeometriaGeometria

A geometria mesopotâmia, como a dos egípcios, é extremamente pobre quando comparada a dos gregos. Não havia definições e teoremas; era essencialmente uma álgebra aplicada e figuras. Limitava-se ao cálculo da diagonal do quadrado, altura do triângulo eqüilátero, áreas de triângulos, retângulos e trapézios, bem como aproximação da área do círculo, que conheciam como sendo o quadrado do comprimento da circunferência dividido por 12. Conheciam, portanto, o valor de π como sendo 3.

46

Na placa Plimpton 355 destacam-se números que muito se aproximam da tangente e secante de alguns ângulos, embora, sabe-se hoje, não conhecessem a trigonometria. Analisando a Plimpton 470, destaca-se o cálculo aproximado do volume do tronco de cone, cilindro e pirâmide, quando esses resultados eram aplicados às suas construções, bem como ao comércio de ouro e prata. Curioso é que não sabiam calcular o volume da esfera, ou melhor, as aproximações que fizeram foram extremamente grosseiras. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Quais são as mais importantes contribuições da Mesopotâmia ao desenvolvimento da matemática? Explique porque as considera importantes. 2. Quais são as deficiências da matemática mesopotâmia? Explique. 3. Descreva as vantagens e desvantagens relativas as notações dos mesopotâmios para os números, 4. Escreva os números 10000 e 0,0862 em notação mesopotâmia. 5. Use o algoritmo mesopotâmio para raiz quadrada para encontrar a raiz quadrada de 2, com seis casas decimais e compare com o valor mesopotâmio 1;24,51,10. 6. Mostre que a representação sexagesimal de 1/7 tem periodicidade de três casas. Quantas casas há na periodicidade em representação decimal?

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47

GRÉCIAGRÉCIAGRÉCIAGRÉCIA

“Em matemática todos os caminhos levam à Grécia” (Thomas Heath) A chegada dos dórios, no século XII a.C., às circunvizinhanças do mar Egeu, constitui momento decisivo na formação do povo e da cultura grega. Na península e nas ilhas – cenário natural da Grécia em gestação – está então instalada a civilização micênica ou aqueana, que se desenvolvera em estreita ligação com a civilização cretense e em contato com povos orientais. A sociedade micênica apresenta-se composta por grande número de famílias principescas, que reinam sobre pequenas comunidades. Essa pluralidade, decorrente da originária divisão em clãs, é fortalecida pelas próprias características físicas da região: o relevo, compartimentando o território, torna alguns locais mais facilmente interligáveis através do mar. Assim, muito antes que as condições geográficas contribuam para que as cidades-estados venham a se desenvolver como unidades autônomas, já são motivo para que, desde suas raízes micênicas, a cultura grega se constitua voltada para o mar: via de comunicação e de comércio com outros povos, de intercâmbio e de confronto com outras civilizações.

48

Chegando em bandos sucessivos, vindos do norte, os dórios dominam a região. Embora da mesma raiz étnica dos aqueus, apresentam índice civilizatório mais baixo. Possuem, porém, uma incontestável superioridade: o uso de utensílios e armas de ferro, fator decisivo para a vitória sobre os micênicos que permaneciam na Idade do Bronze. As invasões dóricas acarretam migrações de grupos de aqueus, que se transferem para as ilhas e as costas da Ásia Menor (Turquia) e ali fundam colônias, tentando preservar suas tradições, suas instituições e sua organização social de cunho patriarcal e gentílico. As novas condições de vida das colônias e a nova mentalidade delas decorrentes encontram sua primeira expressão através das epopéias: em poesia o homem grego canta o declínio das arcaicas formas de viver ou pensar, enquanto prepara o futuro advento da era científica e filosófica que a Grécia conhecerá a partir do século VI a.C. Resultantes da fusão de lendas eólias e jônicas, as epopéias incorporaram relatos mais ou menos fabulosos sobre expedições marítimas e elementos provenientes do contato do mundo helênico, em sua fase de formação, com culturas orientais. A língua desses primeiros poemas da literatura ocidental é uma mistura dos dialetos eólio e jônico, com predominância do último. Entremeando lendas e ocorrências históricas – relatando particularmente os acontecimentos referentes à derrocada da sociedade micênica – surgem então cantos e sagas que os aedos (poetas e declamadores ambulantes) continuamente foram enriquecendo. Constituídos por seqüências de episódios relativos a um mesmo evento ou a um mesmo herói, surgem, assim, “ciclos” que cantam principalmente as duas guerras de Tebas e a Guerra de Tróia. Desses numerosos poemas, apenas dois se conservaram: a Ilíada e a Odisséia de Homero, escritos entre os séculos X e VIII a.C. HOMERO HOMERO HOMERO HOMERO (século X a.C.) Da vida de Homero praticamente nada se sabe com segurança, embora dados semilendários sobre ele fossem transmitidos desde a antiguidade. Sete cidades gregas reivindicam a honra de ter sido sua terra natal. Homero é frequentemente descrito como velho e cego,

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perambulando de cidade em cidade, a declamar seus versos. Chegou-se mesmo a duvidar de sua existência e de que a Ilíada e a Odisséia fossem obra de uma só pessoa. Poderiam ser coletâneas de contos populares de antigos aedos e, ainda que tenha existido um poeta chamado Homero que realizou a compilação desse material e enriqueceu com contribuições próprias, o certo é que essas obras contêm passagens procedentes de épocas diversas. Além de informar sobre a organização da polis arcaica, as epopéias homéricas são a primeira expressão documentada da visão mitopoética dos gregos. A intervenção benéfica ou maléfica dos deuses está no âmago da psicologia dos heróis de Homero e comanda suas ações. Com efeito, a Ilíada e a Odisséia apresentam-se marcadas pela presença constante de poderes superiores que interferem na luta entre gregos e troianos (tema da Ilíada) e nas aventuras de Ulisses ou Odisseu (tema da Odisséia). Nas epopéias homéricas, mesmo quando representam forças da natureza, os deuses revestem-se de forma humana; esse antropomorfismo atribui-lhes aspecto familiar e até certo ponto inteligível, afastando os terrores relativos a forças obscuras e incontroláveis. Sobrepondo-se a arcaicas formas de religiosidade, Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, as formas monstruosas da mesma maneira que exclui do culto as práticas mágicas. A racionalização do divino conduz a uma religiosidade “exterior”, que mais convém ao público a que se dirigem as epopéias: à polis aristocrática. Essa religiosidade “apolínea” permanecerá como uma das linhas fundamentais da religião grega: a do sentido político que servirá para justificar as tradições e instituições da cidade-estado. É por oposição aos homens que os deuses homéricos se definem: ao contrário dos humanos, seres terrenos, os deuses são princípios celestes; à diferença dos mortais, escapam à velhice e à morte. Escapam à morte, mas não são eternos nem estão fora do tempo: em princípio pode-se saber de quem cada divindade é filho ou filha. A imortalidade, esta sim, está indissoluvelmente ligada aos deuses que, por oposição aos humanos mortais, são frequentemente designados de “os imortais” e constituem, na sua organização e em seu comportamento, uma sociedade imortal de nobres celestes.

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Em Homero, a noção de virtude (areté) significava o mais alto ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo guerreiro. Identificada a atributos da nobreza, a areté, em seu mais amplo sentido, designava não apenas a excelência humana, como também a superioridade de seres não-humanos, como a força dos deuses ou a rapidez dos cavalos nobres. Em geral, a virtude significava força e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor heróico intimamente vinculado à força física. A virtude em Homero é, portanto, atributo dos nobres, os aristoi; uma minoria que se eleva acima da multidão de homens comuns. HESÍODOHESÍODOHESÍODOHESÍODO (século VIII a.C.) O complexo processo de formação do povo e da cultura grega determinou o aparecimento dentro do mundo helênico, de áreas bastante diferenciadas, não só quanto às atividades econômicas e às instituições políticas, mas também quanto à própria mentalidade e suas manifestações nos campos da arte, da religião, do pensamento. À Grécia Continental, mais presa às tradições da polis arcaica, contrapunham-se as colônias da Ásia Menor, situadas em regiões mais distantes pelo intercâmbio comercial e cultural com outros povos. Da Jônia surgem as epopéias homéricas e, a partir do século VI a.C., as primeiras formulações filosóficas e científicas dos pensadores de Mileto, de Samos, de Éfeso. Entre esses dois momentos de manifestação do processo de racionalização da cultura grega, situa-se a obra poética de Hesíodo – voz que se eleva da Grécia Continental – conjugando as conquistas da nova mentalidade surgida nas colônias da Ásia Menor com os temas extraídos de sua gente e de sua terra. Hesíodo foi um mestre da poesia instrutiva; viveu em Ascra, na Beócia, e é exaltado agora por seus dois poemas, A Teogonia e Os trabalhos e os dias. O primeiro pode ser chamado de genealogia dos deuses. Os trabalhos e os dias referem-se, basicamente, a regras de agricultura e navegação, embora também forneça um calendário de dias felizes e infelizes e ofereça uma homilia moral. Com Hesíodo dá-se a aparição do subjetivo na literatura. Na épica mais antiga, o poeta era o simples veículo anônimo das Musas; já Hesíodo “assina” sua obra para fazer história pessoal.

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Tomando como ponto de partida velhos mitos, que coordena e enriquece, Hesíodo traça uma genealogia sistemática das divindades. O drama teogônico tem início, com a apresentação das entidades primordiais. Adotando implicitamente o postulado de que tudo tem origem, Hesíodo mostra que primeiro teve origem o Caos – abismo sem fundo – e, em seguida, a Terra e o Amor (Eros), “criador de toda a vida”. As duras condições de trabalho de sua gente sugerem assim a Hesíodo uma visão pessimista da humanidade, perseguida pela animosidade dos deuses. E a mulher deixa de ser exaltada, como na visão aristocrática de Homero, para ser caracterizada, por esse camponês, como mais uma boca a alimentar e a exigir sacrifícios; “Raça maldita de mulheres, terrível flagelo instalado no meio dos homens mortais”. Do mesmo modo que o mito de Prometeu ilustra a idéia de trabalho, o mito das Idades (de ouro, prata, bronze e ferro) ilustra a idéia de justiça; nenhum homem pode furtar-se à lei do trabalho, assim como evitar a justiça. Com Hesíodo surge a noção de que a virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o fundamento e a salvaguarda da justiça.

A MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGAA MATEMÁTICA GREGA Hoje nos referimos à matemática grega, de forma inadequada, como um corpo de doutrina homogêneo e bem definido. Na verdade com essa visão simplista adotamos que a geometria sofisticada do tipo Euclides – Arquimedes – Apolônio, era a única espécie que os gregos conheciam. Devemos lembrar que a matemática no mundo grego cobriu um intervalo de tempo indo pelo menos de 600 a.C. a 600 d,C. e que viajou da Jônia à ponta da Itália, de Atenas a Alexandria, e a outras partes do mundo civilizado. Bastam os intervalos de tempo e espaço para produzir modificações na profundidade e extensão da atividade matemática e, a ciência grega não tinha a uniformidade, século após século, encontrada nos egípcios e mesopotâmios. Além disso, mesmo num dado tempo e lugar (como hoje em nossa civilização) havia marcadas diferenças no nível de interesse e realização matemática. Veremos como até na

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obra de um único indivíduo, como Ptolomeu, poderia haver dois tipos de estudos – O Almajesto para os racionalistas e o Tetrabiblos para os místicos. É provável que sempre houvesse pelo menos dois níveis de percepção matemática, mas que a escassez de obras preservadas, especialmente do nível inferior, tenda a obscurecer esse fato. Períodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática GregaPeríodos da História da Matemática Grega Não houve, é claro, uma quebra brusca marcando a transição da liderança intelectual dos vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates para as margens do Mediterrâneo, pois o tempo e a história fluem continuamente. Os estudiosos egípcios e mesopotâmios continuaram sua produção durante muitos séculos, após 800 a.C., mas enquanto isso, uma nova civilização se preparava rapidamente para assumir a hegemonia cultural, não só na região mediterrânea, mas também nos principais vales fluviais. A primeira fase da “idade do mar” é chamada de Helênica e, conseqüentemente, as culturas mais antigas são ditas pré-helênicas. A seguir, uma subdivisão da matemática grega que, a exemplo de muitas que existem, é arbitrária e convencional. Período Helênico: vai até a morte de Alexandre (323 a.C.) Nesse período destacamos duas fases principais: a primeira pré-socrática desenvolvida nas Ilhas Jônicas, Ásia Menor, Sul da Itália e Sicília, ligadas às escolas filosóficas de Mileto, Samos, Èfeso e Eléia e a segunda, nos séculos V e IV a.C., tendo Atenas como centro principal. Período Helenístico: vai de 323 a.C. até o início de nossa era. É o período de consolidação e também o mais rico do ponto de vista matemático. Surge um novo tipo de intelectual inexistente no período anterior: o especialista, o erudito. Os expoentes desse período são Euclides, Arquimedes e Apolônio. Os principais centros são Alexandria, Rodes e Pérgamo.

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Período Greco-Romano: vai até 300 d.C. Nesse período a matemática sofreu influência de outras culturas: egípcias, mesopotâmias e romanas. O principal centro ainda é Alexandria e os nomes de destaque são Ptolomeu, Heron, Diofanto e Papus. Período da Decadência: Greco-Romano – vai até 640 d.C. Os romanos, talvez preocupados com aspectos práticos de uma forma exagerada, desprezavam a filosofia e a ciência pela ciência. Isso não é suficiente para explicar a decadência, mas não havendo especulações não haverá inovações. Nesse período era mal usado tudo o que já conheciam de períodos anteriores. As fontesAs fontesAs fontesAs fontes

São escassas as fontes de informações sobre as idéias científicas dos gregos. Alguns dos mais importantes tratados só são conhecidos pelo titulo, por citações esparsas, ou indiretamente, através de traduções árabes. A seguir apresentamos algumas obras que tornaram-se importantes referências sobre o desenvolvimento da matemática grega. História da Geometria, escrito em 330 a.C., por Eudemo de Rodes, um discípulo de Aristóteles. Trata-se de uma obra que se perdeu e que é considerada o primeiro livro de História da Matemática. Arranjo das matemáticas de Gêmino de Rodes escrito em 70 a.C. contém dados históricos. Essa obra perdeu-se, mas alguns de seus trechos são citados por autores de época posterior. Regras matemáticas necessárias para o estudo de Platão de Téon de Esmirna escrito em 140 d,C. Coleção Matemática de Papus (século III d.C), em oito volumes, contém muitos informes relativos ao anterior desenvolvimento da geometria.

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Comentário ao Livro I de Euclides acrescido do Sumário Eudemiano de Proclo (410-485), um filósofo neoplatônico. Uma obra que ainda existe que contém grandes evidências de o autor ter usado o livro de Eudemo que nos referimos anteriormente. De tal modo que acrescentou ao seu Comentário um Sumário ou Extrato denominado de Sumário Eudemiano. Trata-se de um breve resumo do desenvolvimento da geometria grega, apresentando uma lista dos primeiros matemáticos, de Tales até Euclides. Um fato interessante é que Proclo deixou fora da lista os filósofos atomistas. Demócrito, por exemplo, foi um grande matemático não relacionado. Esses exemplos mostram que as fontes relativas à matemática grega são: cópias e compilações de obras, às vezes, realizadas vários séculos antes; traduções de obras gregas para o árabe ou para o latim, e, finalmente temos ainda as referências indiretas.. Faltam para a matemática grega fontes originais como as que tivemos para o Egito e a Mesopotâmia. Parece contraditório que uma matemática tão rica, sofisticada não seja documentada. O campo é fértil e é um convite à discussão, mas o que não podemos esquecer é a grande tradição oral, presente em todos os ramos de conhecimento na Grécia, além, é claro, dos grandes incêndios que destruíram, várias vezes, as principais bibliotecas. Sistemas de Numeração Para os gregos, números eram os inteiros positivos. As frações eram muito usadas mas como a razão entre dois inteiros. O curioso é que nem mesmo os grandes nomes da matemática operaram com os números negativos e o zero. A crise inicial causada pelo aparecimento dos irracionais foi superada, considerando esses incomensuráveis como grandezas,

como medida de um segmento. Assim 2 não era, como hoje, um número irracional, mas a medida da diagonal de um quadrado de lado 1. Uma matemática essencialmente geométrica apresentava dois sistemas de numeração muito distantes da praticidade do nosso posicional de base 10.

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• Período mais antigo (sistema ático) – sistema de base 10.

| = 1| | = 2 | | | = 3 | | | | = 4

(penta) 5=Γ 6 | =Γ (deka) 10=∆

(hekaton) 100=Η (khilioi) 1000=Χ

(myrioi) 10000=Μ

Eram usados os princípios aditivo e multiplicativo:

Exemplo: 45678 = MMMM H ∆∆ • Sistema Jônico ou Alfabético ( usado a partir de 500 a.C.)

Tabela de associação de letras e números:

Θ

Η

Ζ

Ε

Γ

Β

Α

F

θ

η

ζ

ς

ε

δ

γ

β

α

theta

eta

dzeta

stigma

epsilon

delta

gama

beta

alfa

9

8

7

6

5

4

3

2

1

M

X

H

= 5⋅10 = 50

= 500

= 5000

= 50000

X H ∆

56

q

Π

Ο

Ξ

Ν

Μ

Λ

Κ

Ι

Q

π

ο

ξ

ν

µ

λ

κ

ι

koppa

pi

ómicron

csi

ni

mi

lambda

capa

iota

90

80

70

60

50

40

30

20

10

S

Ω

Ψ

Χ

Φ

Υ

Τ

Σ

Ρ

s

ω

ψ

χ

ϕ

υ

τ

σ

ρ

sampi

omega

psi

khi

fi

upsilon

tau

sigma

900

800

700

600

500

400

300

200

100

A partir daí, uma linha antes da letra multiplica-a por 1000 e essa letra como expoente de Μ , fica multiplicada por 10000. Exemplos:

γ

β

α

/

/

/

3000

2000

1000

ς

ε

δ

/

/

/

6000

5000

4000

θ

η

ζ

/

/

/

9000

8000

7000

γ

β

α

Μ

Μ

Μ

30000

20000

10000

ηπηϖ / 8888 δνσαΜα / 11254

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57

Exemplo de multiplicação:

σξε

σξε

265

265

εκτα

τχγβΜ

αβΜΜα

αδ

/

//

//

25 300, 1000,

300 3600, 12000,

1000 12000, 00004 ,

εκσΜ ζ 70225 Para efetuar cálculos eram utilizados seixos ou alguma espécie de ábaco. A divisão era um processo extremamente laborioso que consistia em repetidas subtrações. Extraíam raízes quadradas aproximadas e, em geral, usavam frações unitárias. Para denotá-las, usava-se uma linha como expoente da letra correspondente ao denominador. Exemplos:

/β 2

1 /µα

41

1 /βγ

3

2

Para os gregos, havia uma nítida distinção entre a arte de calcular (logística) e a ciência dos números (aritmética). A primeira era considerada indigna da atenção dos filósofos.

58

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O RACIONALISMO JÔNICO E OS O RACIONALISMO JÔNICO E OS O RACIONALISMO JÔNICO E OS O RACIONALISMO JÔNICO E OS

PITAGÓRICOSPITAGÓRICOSPITAGÓRICOSPITAGÓRICOS

Primeira fase do Período HelênicoPrimeira fase do Período HelênicoPrimeira fase do Período HelênicoPrimeira fase do Período Helênico

“Para Tales a questão primordial não era o que sabemos, mas sim, como o

sabemos” (Aristóteles) TALES TALES TALES TALES (625 – 558 a.C.) De origem fenícia, Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo, e o primeiro matemático da história, segundo o Sumário de Proclo, já eferido. Mileto, na Ásia Menor (estaria hoje na Turquia) foi a primeira cidade a despontar culturalmente na Grécia Antiga, que já era composta por cidades-estados independentes. Sobre a vida de Tales, é difícil saber o que é verdadeiro e o que é lenda. Como engenheiro, foi encarregado de construir uma represa no rio Halys. Como comerciante, negociou com sal e azeite e, visitando o Egito, assimilou um pouco da ciência dos sacerdotes. Dedicou-se aos estudos das estrelas não menos que ao da geometria, e conseguiu prever para 585 a.C. um eclipse do Sol. Essa previsão valeu a Tales uma grande reputação entre os seus contemporâneos, tanto que foi considerado um dos sete sábios da Grécia, se bem que essa escolha, parece ter tido mormente política. Nenhum dos outros seis, pelo menos, possuía autoridade científica. Tales ensinou que o ano contava 365 dias, que a Lua é iluminada pelo Sol e que o eclipse, até então, castigo dos deuses, poderia ser explicado. Sua filosofia consistia em procurar uma essência (unidade) para todas as coisas. Para ele esse princípio unificador seria a água e essa seria a primeira explicação do mundo de forma material. Para Tales, a Terra era um disco circular a flutuar num oceano de água e juntamente com seu discípulo Anaximandro foi o primeiro a afirmar que a Terra era redonda, ou melhor, esférica.

60

A água seria, portanto, o elemento fundamental do Cosmos. O gelo, a neve e a geada convertem-se facilmente em água, e as próprias rochas se desfazem e desaparecem na água. Também o homem parece ser capaz de converter-se em água, enquanto que as águas do mar e da terra se condensam em resíduos sólidos. Pela evaporação da água forma-se o ar e é a agitação do elemento universal que causa os terremotos. Entre o seu ocaso e o seu nascimento, as Estrelas passam por trás da Terra. Segundo Aristóteles, quando Tales foi criticado por seu pouco senso prático e por despender tempo demasiado com a filosofia, em vez de fazer dinheiro, ele decidiu confundir seus críticos. Prevendo uma fartura de azeitonas durante o verão seguinte, fez depósitos em todas as prensas de azeitonas de Mileto e da vizinha Quios, alugando-as por baixo preço, pois não se apresentou qualquer concorrente. Quando chegou a época da colheita de azeitonas, necessitaram de todas as prensas e Tales as alugou pelo preço que quis. Assim, mostrou ao mundo que os filósofos podem ser ricos, se o quiserem, mas que a sua ambição é de outra espécie. Entretanto, há outra história a respeito de Tales, segundo a qual ele caiu num poço, enquanto olhava as estrelas, sendo ridicularizado por uma bela senhorita, por estar tentando descobrir o que estava acontecendo no céu e que era incapaz de ver o que havia a seus pés. Assim, temos duas tradições opostas, uma que mostra como um filósofo pode ser prático, outra como pode não sê-lo. Tales e a matemática Em matemática é considerado o criador do método dedutivo e, assim, teria provado algumas proposições importantes. Como exemplos temos as cinco seguintes: 1. Num triângulo isósceles os ângulos da base são iguais.

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61

2. Os pares de ângulos opostos formados por duas retas que se cortam são iguais.

3. O triângulo inscrito numa semicircunferência é retângulo. 4. Todo diâmetro de uma circunferência divide-a ao meio. 5. Se dois triângulos são tais que dois ângulos e um lado de um são iguais, respectivamente, a dois ângulos e um lado de outro, então os triângulos são congruentes. Como aplicação da geometria que estava desenvolvendo destacam-se dois resultados famosos atribuídos a Tales: - medida da altura da pirâmide de Quéops no Egito por semelhança de triângulos. - cálculo da distância de um navio à praia, por congruência de triângulos.

62

ANAXIMANDROANAXIMANDROANAXIMANDROANAXIMANDRO (611 – 544 a.C.) Discípulo de Tales, introduziu na Grécia e aperfeiçoou o relógio de sol, de origem mesopotâmia, e foi também o primeiro a traçar um mapa geográfico. No único fragmento que restou de sua obra, Anaximandro afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustiças reciprocamente cometidas; lei do equilíbrio universal. Por exemplo, no inverno o frio seria compensado dos excessos cometidos pelo calor durante o verão. ANAXÍMENESANAXÍMENESANAXÍMENESANAXÍMENES (século VI a.C.) Para o último representante da escola de mileto, o Universo resultaria das transformações de um ar infinito. O ar seria assim, o princípio unificador, causa primeira de todas as coisas. O calor do sol seria devido ao rápido movimento do ar, por exemplo. À escola de Tales e seus continuadores, sucederam-se desenvolvimentos importantes nas colônias gregas da Itália, na chamada Magna Grécia, cuja distância da metrópole era ainda maior.

A M B

C

Navio

. .

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PITÁGORASPITÁGORASPITÁGORASPITÁGORAS (578 – 496 a.C.)

Pitágoras de Samos viveu meio século depois de Tales e é pouco provável que tenham se encontrado. Alguma semelhança entre seus interesses sempre se detecta, inclusive por suas viagens pelo Oriente em busca de conhecimento. Pitágoras visitou a Mesopotâmia, tendo mais tarde chegado até a Índia. Durante suas peregrinações evidentemente absorveu não só informações matemáticas e astronômicas como também muitas idéias religiosas.

Pitágoras: A escola de Atenas Foi contemporâneo de Buda, Confúcio e Lao-Tse, de modo que esse século foi importante no desenvolvimento da religião e da matemática. Quando voltou ao mundo grego, Pitágoras estabeleceu-se em Crotona, sudeste da Itália, onde fundou uma escola, ou melhor, uma sociedade secreta que se assemelhava um pouco a um culto órfico (ou o culto de Dionísio), exceto por suas bases matemáticas e filosóficas. Os órficos acreditavam na imortalidade da alma e na metempsicose, ou seja, a transmigração da alma através de vários corpos, a fim de efetivar sua purificação. A alma aspiraria, por sua própria natureza, a retornar a sua pátria celeste, às estrelas; mas para se libertar do ciclo de reencarnações, o homem necessitava da ajuda de Dionísio, que completava a libertação preparada pelas práticas catárticas. Pitágoras, que se tornou figura legendária já na própria antiguidade, realizou uma modificação fundamental na religiosidade órfica, transformando o sentido da via da salvação. No lugar de Dionísio colocou a matemática e por isso temos a referência conhecida como “a salvação pela matemática”. Assim, a grande novidade introduzida na religiosidade órfica foi a transformação do processo de libertação da alma num esforço inteiramente subjetivo e puramente humano. A purificação resultaria do trabalho intelectual, que descobre a estrutura numérica das coisas e torna a alma semelhante ao cosmo, em harmonia, proporção e

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beleza. Pitágoras teria chegado à concepção de que todas as coisas são números através, inclusive, de uma observação no campo musical. Verificou no monocórdio, que o som produzido varia de acordo com a extensão da corda sonora. Ou seja, descobre que há dependência do som em relação à extensão, da música em relação à matemática. Pitágoras concebe a extensão como descontínua, constituídas por unidades indivisíveis e separadas por um “intervalo”. Segundo sua cosmologia esse “intervalo” seria resultante da respiração do universo, que vivo, inalaria o ar infinito em que estaria imerso. Mínimo de extensão e mínimo de corpo, as unidades comporiam os números que não eram, portanto, como virão a ser mais tarde, meros símbolos a exprimir o valor das grandezas. Para Pitágoras e seus seguidores, chamados de pitagóricos, os números eram reais, a própria “alma das coisas”, eram entidades corpóreas constituídas pelas unidades cotíguas. A concepção pitagórica de números, que só admitia os inteiros positivos e razões entre eles, apresentava limitações que logo exigiriam tentativas de reformulações. O principal impasse enfrentado por essa aritmo-geometria foi relativo aos irracionais. Tanto na relação entre certos valores musicais, expressos matematicamente, quanto na base mesma da matemática surgem grandezas inexprimíveis naquela concepção de número. Assim, a relação entre o lado e a diagonal do quadrado, que é a hipotenusa do triângulo retângulo isósceles, tornava-se incomensurável, ou seja, eram linhas que não tinham razão comum. O “escândalo” dos irracionais, manifestava-se no próprio Teorema de Pitágoras. Ao se atribuir o valor 1 ao cateto de um triângulo retângulo isósceles, a

hipotenusa torna-se igual a 2. Ou então, quando se pressupunha que os valores correspondentes à hipotenusa e aos catetos eram números primos entre si, concluía-se por absurdo que um deles deveria ser par e ímpar. Apesar desses impasses – e em grande parte por causa deles – o pensamento pitagórico evoluiu e expandiu-se, influenciando praticamente todo o desenvolvimento da ciência e da filosofia gregas. Após a dissolução do núcleo primitivo de Crotona (talvez por razões políticas) os pitagóricos se dispersaram e passaram a

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atuar amplamente no mundo helênico, levando a todos os setores da cultura o ideal de salvação do homem e da polis, através da proporção e da medida. Se procurarmos a origem de termos ou expressões como matemática, filosofia, matemática pura, matemática pela matemática, sem dúvida teremos que visitar a escola pitagórica. Escola que adotou inicialmente ensinamentos orais, mas que depois, com expoentes como Filolau e Arquitas, proporcionou à posteridade alguns preciosos fragmentos. Aritmética Os pitagóricos adotaram uma representação figurada dos números, que permitia explicitar sua lei de composição. Os primeiros números, representados dessa forma, bastavam para justificar o que há de essencial no universo: - o um é o ponto, mínimo de corpo, unidade de extensão • - o dois determina a linha • — • - o três gera a superfície - o quatro produz o volume Como já se destacou anteriormente os números eram dotados de significados especiais e alguns foram identificados com atributos humanos. Para exemplificar temos que o número um era o gerador de todos os números e assim considerado o número da razão; o dois era o da opinião; o três da harmonia; o quatro da justiça; o cinco do casamento e o seis era o número da criação, era perfeito (o mundo foi criado em seis dias). Vale ressaltar que o dez, chamado tetraktys era o número mais adorado pelos pitagóricos. A adoração era abstrata, nada relacionado com dez dedos e, ainda, 10 = 1 + 2 + +3 + 4, significando a soma dos quatro elementos básicos do universo: ponto, linha, superfície e volume.

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Temas principais estudados pelos pitagóricos: Alguns conceitos sobre os números inteiros positivos, muitas vezes relacionados à geometria foram introduzidos na matemática por Pitágoras e seus seguidores, denominados genericamente de pitagóricos. Segue uma relação desses conceitos, hoje considerados elementares:

Números pares e ímpares (o número um estava excluído de classificação, os números pares eram considerados femininos e os ímpares masculinos); números primos; números perfeitos, deficientes e abundantes; números amigos; médias (aritmética, geométrica e harmônica); progressões(aritmética e geométrica); proporções e números figurados. Dos conceitos acima destacam-se os mais curiosos: • Números perfeitos:

Número perfeito é aquele igual à soma de seus divisores próprios. Exemplos: 6, 28, 496, 8128, 33550336 6 = 1 + 2 + 3 28 = 1 + 2 + 4 + 7 +14

• Números deficientes Número deficiente é aquele que é maior do que a soma de seus divisores próprios. . Exemplo: 8

• Números abundantes Número abundante é aquele que é menor que a soma de seus divisores próprios. . Exemplo: 12

• Números amigos:

Pitágoras, quando lhe perguntavam o que era um amigo, respondia: “é um que é outro eu, como 220 e 284”. Os divisores de 284 são 1, 2, 4, 71 e 142, que somados são 220; enquanto os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55 e 110, que somados dão 284.

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• Números figurados

Os números figurados ilustram a interação que havia entre a aritmética e a geometria. - números triangulares

2

14321

)n(nn...

+=+++++

- números quadrados

212531 n)n(... =−++++ - números retangulares

)n(nn... 128642 +=+++++

• •

• • • •

• •

• •

• •

• 1 3 6 10

• •

• •

• •

• •

• •

• • • • •

• •

• • •

• 1 4 9 16

• • • • • •

• •

• • • •

• •

• • • •

• •

2 6 12

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- números pentagonais

( ) ( )( )2

123231310741

++=−++++++

nnn...

Geometria Os pitagóricos investigaram a geometria teoricamente. Sabiam, por exemplo, que com polígonos regulares só há três maneiras de pavimentar um solo: com quadrado, triângulo e hexágono. Conheciam três poliedros regulares: o tetraedro, o cubo e o dodecaedro (observados em cristais). Há dúvidas se conheciam o octaedro e icosaedro. É possível que tenham demonstrado, por áreas, o teorema que hoje é chamado de Pitágoras. Não se sabe, porém, qual poderia ser essa demonstração e como vimos anteriormente esse resultado já era conhecido na Mesopotâmia muito antes de Pitágoras.

222 cba +=

Merecem destaque, ainda, os clássicos problemas da divisão áurea e aplicações de áreas.

• • •

• •

• • •

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• •

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• •

• •

• • •

• •

• 1 5 12

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A divisão áurea Dado um segmento AC o ponto B é marcado de forma que

A B C

.BC

AB

BC

AB)

BC

AB(

)BC

AB(

BC

AB

BC

AB

BC

AB

BC

AB

AB

BC

BC

AB

AB

BCAB

BC

AB

AB

AC

2

5101

11

1

1

2

2

+=⇒=−−⇒

⇒=+⇒=+⇒

⇒=+⇒=+

⇒=

O número ...,61803312

51=

+ é conhecido como áureo.

Aplicações de áreas

Dados uma área K e um segmento AB, o objetivo era construir um retângulo de área K sobre AB.

1º) Parábola: usado exatamente o segmento AB

a.x = K

2º) Hipérbole: usado mais do que o segmento AB (a + x)x = K

3º) Elipse: usado menos do que o segmento AB (a – x)x = K

A B a

K x

x

A B a

K x

A B a

K x

x

70

Cosmologia pitagórica: Trata-se de uma das primeiras tentativas de explicar os movimentos dos planetas. O Universo era formado por esferas concêntricas numa ordem provável: Terra (no centro), Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as Estrelas fixas. A lua, o Sol e os cinco planetas giravam em torno da Terra. Uma escola filosófica importante e aparentemente rival da pitagórica é a chamada eleática, com sede em Vélia ou Eléia, na Itália. Os principais componentes dessa escola foram Parmênides, Zenon e Melisso. PARMÊNIDESPARMÊNIDESPARMÊNIDESPARMÊNIDES (530 – 460 a.C.) Fundador da escola eleática considerada muito importante na história da filosofia e da matemática. Com ele inicia-se as especulações sobre o ser e sobre o conhecer. Para Parmênides o homem adquire conhecimento por duas vias: razão e observação. Essência da filosofia de Parmênides O ser teria que ser eterno, imóvel, finito, imutável, pleno, contínuo, homogêneo e indivisível. O movimento não existia, era fruto da via enganosa da opinião, através da observação. Enquanto os pitagóricos e outros filósofos da época acreditavam na multiplicidade e na mudança, Parmênides defendia a filosofia da permanência. A existência do movimento significaria atribuir existência ao “não-ser”. ZENONZENONZENONZENON (488 – 430 a.C.) Discípulo e defensor de Parmênides, Zenon de Eléia sistematizou o método da demonstração por absurdo e foi considerado por Aristóteles como o inventor da dialética. Partindo das premissas de seus oponentes, ele as reduzia ao absurdo. Zenon deixou quarenta argumentos dos quais apenas nove foram conservados. Os argumentos são sobre certos problemas

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fundamentais que envolvem noções de grandezas, multiplicidade, espaço, movimento, tempo e percepção sensível. Dos argumentos de Zenon, tornaram-se mais famosos os que visam diretamente ao problema do movimento. A Dicotomia e o Aquilies garantem que o movimento é impossível sob a hipótese de subdivisibilidade indefinida do espaço e do tempo; a Flecha e o Estádio, de outro lado, garantem o mesmo, sob a hipótese contrária, ou seja, de que a subdivisibilidade do tempo e do espaço terminariam em indivisíveis. Dicotomia (divisão em dois) É o argumento que diz que antes que um objeto possa percorrer uma distância dada, deve percorrer a primeira metade dessa distância; mas antes disso, deve percorrer o primeiro quarto; e antes disso, o primeiro oitavo e assim por diante, através de uma infinidade de subdivisões. O indivíduo interessado em se colocar em movimento precisa fazer infinitos contatos num tempo finito; mas é impossível exaurir uma coleção infinita. Portanto é impossível iniciar o movimento. Aquiles e a tartaruga Este paradoxo é semelhante ao primeiro, apenas a subdivisão infinita é progressiva em vez de regressiva. Aqui Aquiles aposta corrida com uma tartaruga que sai com vantagem e por mais depressa que corra, não pode alcançar a tartaruga, por mais devagar que ela caminhe. Pois, quando Aquiles chegar à posição inicial da tartaruga, ela já terá avançado um pouco; e quando cobrir essa distância, a tartaruga terá avançado um pouco mais. E o processo continua indefinidamente, com o resultado que Aquiles nunca pode alcançar a lenta tartaruga.

0 1/8 1/4

1/2 1

A B C D E

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A Flecha Zenon considera uma flecha e razoavelmente assegura que esta deve estar em certo ponto num dado instante: como ela não pode estar em dois lugares no mesmo instante, não pode se mover naquele instante; se por outro lado, está em repouso naquele instante, então, como o mesmo argumento se aplica para outros instantes, ela não pode se mover de jeito nenhum.

O Estádio Sejam A1, A2, A3, A4 corpos de igual tamanho, estacionários; sejam B1, B2, B3, B4 corpos de mesmo tamanho que os A, que se movem para a direita, de modo que cada B passa por um A num instante, ou seja, no menor intervalo de tempo possível. Sejam C1, C2, C3, C4 também do mesmo tamanho que os A e os B, movendo-se uniformemente para a esquerda com relação aos A de modo que cada C passa por um A num instante de tempo. Suponhamos que num dado momento os corpos ocupem as seguintes posições relativas:

Então passando um único instante, isto é, após uma subdivisão indivisível do tempo, as posições serão:

Notamos então que C1 terá passado por dois dos B; logo o instante considerado não pode ser o intervalo de tempo mínimo,

A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 B4 ← C1 C2 C3 C4

A1 A2 A3 A4 B1 B2 B3 B4 C1 C2 C3 C4

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pois podemos tomar, como uma unidade nova e menor, o tempo que C1 leva para passar por um B. Os argumentos de Zenon influenciaram profundamente o desenvolvimento da matemática grega, influência comparável à da descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione. As idéias de tempo e espaço não eram claras naquela época, podendo facilmente gerar contradições. MELISSOMELISSOMELISSOMELISSO

Pouco se sabe sobre Melisso e sua obra, apenas que foi um polemista e defensor das idéias de Parmênides. HERÁCLITO HERÁCLITO HERÁCLITO HERÁCLITO (540 – 470 a.C.) À filosofia da permanência de Parmênides e os outros eleatas opõe-se à de Heráclito de Éfeso que é a do fogo eternamente vivo, ou movimento contínuo. “Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com media e se apaga com medida” Nessa frase muitos vêem uma das chaves para decifrar o pensamento de Heráclito, que já na antiguidade tornou-se conhecido como o “obscuro”. De sua vida pouco se sabe com certeza, apenas que pertencia à família real de sua cidade e que teria renunciado à dignidade de se tornar rei em favor de seu irmão. Heráclito foi um crítico severo de muitas pessoas famosas, dentre elas Hesíodo e Pitágoras. Dizia que “o fato de aprender muitas coisas não instrui a inteligência; do contrário teria instruído Hesíodo e Pitágoras, do mesmo modo que Xenófanes e Hecateu”. A unidade dos opostos A grande descoberta de Heráclito foi perceber que existe uma harmonia oculta das forças opostas. Não se trata de opor o um ao múltiplo, como os eleatas, uma vez que o um penetra o múltiplo e a

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multiplicidade é apenas uma forma de unidade, ou melhor, a própria unidade. São muitas as citações ou aforismos atribuídos a Heráclito e que ilustram a essência de seu pensamento. A seguir colocamos alguns que convidam para uma reflexão: “Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, superabundância-fome, vida-morte, etc.” A justiça não significa apaziguamento, pelo contrário, “o conflito é o pai de todas as coisas; de alguns faz homens; de alguns, escravos e de alguns, homens livres”. Mas ver a realidade como fundamentalmente uma tensão de opostos não significa necessariamente optar pela guerra, no plano político. “Tu não podes se banhar duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”. “Todas as coisas são trocadas em fogo e o fogo se troca em todas as coisas, como as mercadorias se trocam por ouro e o ouro é trocado por mercadorias”. “O caminho para o alto e o caminho para baixo são um e o mesmo”. “O homem é acendido e apagado como uma luz no meio da noite”.

OS ATOMISTASOS ATOMISTASOS ATOMISTASOS ATOMISTAS

O Sumário eudemiano de Proclo, como já foi visto, sugere uma ordem para os primeiros matemáticos, tendo iniciado com Tales. Porém, por preferências ou problemas políticos, não incluiu os atomistas. Segundo a tradição a escola teve início com Leucipo (de Mileto ou de Eléia), mas conheceu a plena aplicação de seus postulados com Demócrito de Abdera. Mais tarde, as teses atomistas iriam ressurgir com Epicuro e Lucrécio, no período helenístico. A reformulação da noção de espaço foi, por certo, a principal contribuição da escola atomista ao desenvolvimento do pensamento científico e filosófico. As concepções cosmológica e matemática do pitagorismo primitivo baseavam-se na noção de número entendido como sucessão de unidades descontínuas, discretas. Mas permanecia uma questão que comprometia a coerência da visão pitagórica e que Zenon assinalou, ou seja, a do “intervalo” que separaria as unidades. Esse intervalo só poderia ter, no mínimo, o tamanho de uma unidade

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(mínimo de extensão e de corpo); assim, o número das unidades de extensão “crescia” e cada coisa tendia a tornar-se infinita. Partindo de colocações do eleatismo, particularmente, de que a existência do movimento pressupõe o “não ser”, Leucipo e Demócrito teriam concluído que, exatamente porque o movimento existe (como mostram os sentidos), o “não ser” (corpóreo) existe. Afirma-se, assim, pela primeira vez, a existência do vazio. E nesse vazio é que se moveriam os átomos, partículas corpóreas insecáveis (indivisíveis fisicamente, embora divisíveis matematicamente). Os átomos apresentam ainda outras características: seriam plenos (sem vazio interno); em número infinito, invisíveis (devido a pequenez); móveis por si mesmos; sem qualquer distinção qualitativa; apenas distintos por atributos geométricos (de forma, tamanho, posição) e, quando agrupados, distintos pelo arranjo. Todo o universo seria, portanto, constituído por dois princípios: o contínuo incorpóreo e infinito (o vazio), e o descontínuo corpóreo (os átomos). Parece certo que Leucipo e Demócrito admitiam que o movimento primário dos átomos seria em todas as direções, como o da poeira que se vê flutuar no ar, se uma réstia penetra num ambiente escuro. DEMÓCRITO DEMÓCRITO DEMÓCRITO DEMÓCRITO (470 – 370 a.C.) Muito pouco se sabe sobre a vida de Demócrito de Abdera, mas ainda vivia quando Platão fundou a Academia em 387 a.C. Sabe-se porém, que além de contribuir para a formulação do atomismo físico, aplicou-se principalmente à solução de dois problemas filosóficos importantes de sua época: o do conhecimento e o da ética. Quanto à ética, Demócrito, do mesmo modo que Sócrates, considera a “ignorância do melhor” como a causa do erro. Afirma ainda, que guiado pelo prazer, o homem deveria saber distinguir o valor dos diferentes prazeres, buscando em sua conduta a harmonia capaz de lhe conceder a calma do corpo, que seria a saúde, e a da alma, que seria a felicidade.

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Para Demócrito não havia dúvidas: “Por convenção existe o doce, por convenção há o quente e o frio. Mas na verdade há somente átomos e vazio”. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Prove dois teoremas atribuídos a Tales e diga, justificando, se acha ou não que ele usou raciocínio semelhante. 2. Prove o teorema de Pitágoras e diga se acredita ou não que ele usou seu método? Explique. 3. Quais são os quatro primeiros números heptagonais (correspondendo a polígonos regulares de sete lados)? 4. Escreva os números 3456 e 4567 e sua soma na notação ática primitiva e no sistema jônico ou alfabético. 5. Mostre que 1184 e 1210 são números amigos. 6. Usando régua e compasso apenas, construa um pentágono regular, sendo dado: a) o seu lado b) uma diagonal. 7. Num círculo dado inscreva um pentágono regular usando apenas régua e compasso. 8. Qual você acredita ter sido descoberta antes, a irracionalidade de

2 ou de 5 ? Justifique sua resposta em termos de evidência histórica. 9. As diagonais de um hexágono regular são incomensuráveis com o lado? Explique.

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OS IDEAIS PLATÔNICOS E A LÓGICA OS IDEAIS PLATÔNICOS E A LÓGICA OS IDEAIS PLATÔNICOS E A LÓGICA OS IDEAIS PLATÔNICOS E A LÓGICA

ARISTOTÉLICAARISTOTÉLICAARISTOTÉLICAARISTOTÉLICA Segunda fase do Período HelênicoSegunda fase do Período HelênicoSegunda fase do Período HelênicoSegunda fase do Período Helênico

“Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa” (Platão)

Durante os séculos V e IV a.C. Atenas foi o centro cultural mais importante da Grécia e sua prosperidade e atmosfera intelectual atraíram estudiosos de todas as partes do mundo grego. Uma síntese das diversas áreas do conhecimento foi conseguida e, no caso específico da matemática, várias questões de nível superior foram consideradas. Nessa época são propostos vários problemas famosos e dentre eles os chamados três problemas clássicos de construção: o da quadratura do círculo, ou seja, encontrar um quadrado cuja área seja igual à de um círculo dado; o da duplicação do cubo, ou seja, encontrar o lado do cubo cujo volume é o dobro do volume do cubo dado e o da trissecção do ângulo, ou seja, dividir um ângulo dado em três partes iguais. A solução desses problemas iria fascinar matemáticos por mais de 2000 anos e vários ramos da matemática surgiram como corolário desses estudos. Devemos lembrar que esses problemas foram resolvidos por muitos matemáticos e amadores do passado. Porém, a partir de Euclides – adepto das concepções platônicas – surge uma hipótese complicadora, a de que os três problemas deveriam ser resolvidos apenas com régua (sem marcas) e compasso. A seguir um pouco da vida e obra dos principais matemáticos e filósofos dessa época, conhecida como idade heróica da cultura grega.

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ANAXÁGORASANAXÁGORASANAXÁGORASANAXÁGORAS (499 – 428 a.C.) Anaxágoras de Clazômena levou para Atenas as idéias novas que estavam sendo produzidas na Jônia. Em Atenas tornou-se amigo do grande líder político Péricles, mas nem essa amizade livrou-o do processo que acabou por forçá-lo a abandonar a cidade. Na democrática Atenas são famosos dois processos contra a filosofia, o primeiro com Anaxágoras e mais tarde, o da condenação à morte de Sócrates. Anaxágoras introduz a noção do infinitamente pequeno: “todas as coisas estavam juntas, infinitas ao mesmo tempo em número e pequenez, porque o pequeno era também infinito”. Essa idéia, contrária à concepção da extensão no pitagorismo primitivo – que admitia a extensão como composta de unidades indivisíveis – torna-se fundamental para suas cosmogonia e cosmologia. A tese de que “em cada coisa existe uma porção de cada coisa” sustenta-se na divisibilidade infinita. Segundo o depoimento de Aristóteles, Anaxágoras teria afirmado que “o homem pensa porque tem mãos”, tese que mais tarde será combatida inclusive pelo próprio Aristóteles, quando se intensificar na sociedade grega o preconceito contra o trabalho manual, geralmente atribuído a escravos. Vemos assim, que os cidadãos atenienses zelosos de suas crenças e tradições, cuidaram de fazer leis para protegê-los das idéias “subversivas” dos forasteiros. E, devido a uma dessas leis, Anaxágoras acabou sendo condenado à prisão por impiedade. Seu “crime” fora afirmar que o Sol é uma bola de fogo, maior que o Peloponeso, que a Lua é feita de terra, que empresta do Sol a sua luz. Lembremos que o Sol para os atenienses ainda era uma divindade. Para se entreter na cadeia, Anaxágoras dedicou-se à tarefa de tentar resolver o problema da quadratura do círculo. Ao que consta não conseguiu seu intento. Mas sua frustração seria bem menor se pudesse saber que o problema atravessou mais de dois milênios sem solução completa. Com muito respeito parodiamos Manuel Bandeira no caso de Anaxágoras em Atenas, não muito distante de Pasárgada na Pérsia.

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Lá, foi amigo do rei e mesmo assim morreu no exílio. Evidentemente a culpa não é do poema. HIPÓCRATES HIPÓCRATES HIPÓCRATES HIPÓCRATES (460 – 370 a.C.) Hipócrates de Chios, um pouco mais jovem que Anaxágoras e proveniente da mesma região da Grécia, trocou sua terra natal por Atenas, na qualidade de mercador. Consta que ludibriado por piratas tentou recuperar suas finanças trabalhando como professor de geometria. Ele não deve ser confundido com seu contemporâneo mais famoso, o médico Hipócrates de Cos. Segundo Proclo, Hipócrates compôs uma obra – Elementos da Geometria – antecipando-se por mais de um século à mais conhecida Os Elementos de Euclides. Organizou de modo lógico a geometria da época e demonstrou, por dupla redução ao absurdo, um teorema importante para a quadratura do círculo. Teorema: As áreas de círculos estão para si assim como os

quadrados de seus diâmetros, ou seja, 2

2

21

2

1

d

dAA

= em que A1 e A2

representam as áreas de dois círculos com diâmetros, d1 e d2, respectivamente. Esse teorema é importante para a quadratura de lunas. Uma luna é uma figura delimitada por dois arcos circulares de raios diferentes; o problema de sua quadratura certamente se originou da quadratura do círculo. Hipócrates foi o primeiro matemático a deduzir uma quadratura rigorosa de uma região delimitada por linhas curvas ( que não são retas, é claro). Exemplo de uma quadratura de luna por Hipócrates:

Considerou um semicírculo circunscrito a um triângulo retângulo, inicialmente isósceles e depois qualquer, e sobre a base (hipotenusa) construiu um segmento

80

semelhante aos segmentos circulares construídos sobre os catetos. A soma das áreas das lunas sobre os catetos é igual a área do triângulo dado. Prova: ABC é um triângulo retângulo isósceles, ou seja, AB= BC.

Pelo teorema de Pitágoras temos que 222 ACBCAB =+ e assim, 22 2ABAC = . Pelo teorema anterior ou de Hipócrates, vem que

⇒===++

2

1

222 2

2

2

2

AB

AB

AC

AB

LS

LSTLTSLS =⇒+=+ 2222 .

As quadraturas de Hipócrates são significativas não tanto como tentativas de quadrar o círculo, mas como indicações do nível da matemática da época. Mostram que os matemáticos atenienses eram hábeis ao tratar transformações de áreas e proporções. Em particular, não havia dificuldade em converter um retângulo de lados a e b num quadrado. Isso exige achar a média proporcional, ou geométrica,

entre a e b, ou seja, se b

x

x

a= , então facilmente se construía x.

( )( ) basrsrsrx,rsx =+−=−==+ 222222 então,

Assim, abx = é o lado do quadrado de área igual à do retângulo de lados a e b. Era natural, pois, que tentassem generalizar a questão inserindo dois meios entre duas grandezas dadas a e b. Isto é, dados dois segmentos a e b, esperavam construir dois outros x e y tais que

b

y

y

x

x

a== . Diz-se que Hipócrates percebeu que esse problema

contém o da duplicação do cubo; pois se b = 2a, as proporções, por eliminação de y, levam à conclusão que x³ = 2a³.

a b r

r

s x

x

x

b

a

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81

Hipócrates pode não ter quadrado o círculo, mas sentiu profundamente o problema. HÍPIAS HÍPIAS HÍPIAS HÍPIAS (460 – 390 a.C.)

Hípias de Elis era um dos chamados filósofos sofistas, que

ganhavam seu sustento ensinando nas ruas e praças, o que não era bem visto por componentes de outras escolas. Os discípulos de Pitágoras e de Platão, por exemplo, eram proibidos de aceitar pagamento para partilhar seus conhecimentos com seus concidadãos. Os sofistas foram acusados, dentre outras coisas de superficiais, mas isso não deve ocultar o fato de serem muito bem informados em muitos assuntos e de terem contribuído para o desenvolvimento da matemática, especialmente

Hípias, talvez preocupado em resolver os problemas clássicos, introduziu na matemática uma curva não construtível com régua e compasso, apenas, conhecida por trissectriz ou quadratriz. Essa curva é traçada mecanicamente pela intersecção de duas retas em movimento. No quadrado ABCD seja o lado AB deslocado para baixo uniformemente a partir de sua posição presente até coincidir com DC, e suponhamos que esse movimento leve exatamente o mesmo tempo que o lado DA leva para girar em sentido horário de sua posição presente até coincidir com DC. Se as posições dos dois segmentos são dadas em um instante fixado qualquer por A’B’ e DA” ,respectivamente, e se P é o ponto de intersecção de A’B’ e DA” , o lugar descrito por P durante esses movimentos será a trissectriz de Hípias – a curva APQ na figura.

Dada essa curva, faz-se a trissecção de um ângulo com facilidade. Por exemplo, se PDC é o ângulo a ser trissectado – ou dividido em um número qualquer de partes iguais – simplesmente trissectamos os segmentos B’C e A’D, com os pontos R, S, T e U. Se as retas TR e US cortam a trissectriz em V e W, respectivamente, as

retas VD e WD, pela propriedade da trissectriz dividirão o ângulo PDC em três partes iguais.

D

U

T

A’

A B

B’

R

S

C Q

WV

P A’’

W

V

P A’’

82

A curva de Hípias é também chamada de quadratriz, pois pode ser usada para quadrar o círculo. Foi conjecturado que Hípias sabia desse método de quadratura mas não conseguiu prova-lo. A quadratura por meio da curva de Hípias foi dada mais tarde por Dinóstrato. Usando notações e métodos atuais podemos encontrar a equação da curva de Hípias em coordenadas polares:

Considerando as equações das retas xtgy:DP θ= e

πθ

==a

ty:'B'A2

, e que P é a intersecção dessas retas vem que

)y,tg

y()y,x(P

θ== .

Seja [ ]a,],[:L 02

0 →π

definida por πθ

==θa

t)(L2

. Assim,

),tg

(a

)a

,tga

()t,tg

t(P 1

1222

θπθ

=πθ

θπθ

= . Logo,

1122

+θπ

θ==

tg

aPr .

sen

a

tg

seca

tg

seca

θπθ

=θθ

πθ

θπθ

=1222

2

2

Portanto, θ=θπ asenr 2 é a equação polar da curva de Hípias

e, desse modo, .a

senlim

asen

alimrlim

π=

θθ

π=θ

πθ

=→θ→θ→θ

222000

SÓCRATESSÓCRATESSÓCRATESSÓCRATES (469 – 399 a.C.) No ano 399 a.C., o tribunal dos heliastas, constituído por cidadãos escolhidos por sorteio, reuniu-se com 500 ou 501

D

A’

A B

B’

C Q

P

r

θ

U

a

π/2 O

(π/2, a)

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83

membros. Difícil tarefa aguardava esses juízes: julgar Sócrates, conhecida mas controvertida figura. Cidadão admirado e enaltecido por alguns – particularmente pelos jovens – era entretanto, criticado e combatido por outros, que nele viam uma ameaça para as tradições da polis e um elemento pernicioso à juventude. A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Defesa de Sócrates: “não tenho outra ocupação senão de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos dos vossos corpos e dos vossos bens do que da perfeição de vossas almas, e a de vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública, quer na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas se alguém afirmar que digo outra coisa, mente”. Sobre a vida de Sócrates, pouca coisa se sabe e chegou-se a afirmar que ele seria uma criação literária do nacionalismo ateniense. Ele, que se dizia estéril – pois só sabia que nada sabia – procurava auxiliar as pessoas noutra forma de concepção, a das idéias próprias: forma de se ir ao encontro de si mesmo e de fazer de si mesmo o seu próprio ponto de partida. Mas, para aquela democracia, que recusava o direito de cidadania às mulheres, aos estrangeiros e aos escravos, portanto, à maioria da população de Atenas, o Sócrates pedagogo e médico de almas constituía uma denúncia de suas limitações, e conseqüentemente, um perigo. Após recusar o exílio que dissimuladamente lhe ofereceram foi condenado a morrer, bebendo cicuta, o filósofo que garantia que o reencontro consigo mesmo só pode partir da consciência da própria ignorância. A “democracia” ateniense matou aquele que até pegou em armas para defendê-la. Que ironia! PLATÃOPLATÃOPLATÃOPLATÃO (428 – 348 a.C.) “Outrora, na minha juventude, experimentei o que tantos jovens experimentam. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de mim próprio, imediatamente intervir na política” (Platão, 354 a.C.).

84

A vida de Platão transcorreu entre a fase áurea da democracia ateniense e o final do período helênico: sua obra filosófica representará em vários aspectos, a expansão de um pensamento alimentado pelo clima de liberdade e de apogeu político. Platão, de tradicionais famílias de Atenas, tenta estabelecer a síntese entre a tradição eleática (que negava a racionalidade de qualquer mudança) e a heraclítica (que afirmava o fluxo contínuo de todas as coisas). O grande acontecimento da juventude de Platão foi o encontro com Sócrates e diante da injustiça sofrida pelo mestre, aprofunda-se o desencanto de Platão com a política e com aquela democracia. Com Sócrates, o jovem Platão pudera sentir a necessidade de fundamentar qualquer atividade em conceitos claros e seguros. O primado da política torna-se para Platão, o primado da verdade, da ciência. Depois da morte de Sócrates, disperso o núcleo que se congregara em torno dele, Platão viaja ao sul da Itália (magna Grécia), onde convive com Arquitas de Tarento. O famoso matemático e político pitagórico dá-lhe um exemplo vivo de sábio-governante, que ele depois apontará em a República, como solução ideal para os problemas políticos. Da visita de Platão ao Egito quase nada se sabe com segurança. Certo é que em Cirene, inteirou-se das pesquisas matemáticas desenvolvidas por Teodoro, particularmente as referentes aos irracionais. Os irracionais matemáticos inspirarão várias doutrinas platônicas, pois representam uma justa medida, que nenhuma linguagem consegue exaurir. Nessa época Platão compõe seus primeiros Diálogos. Entre esses está a Apologia de Sócrates. Os outros diálogos desta fase manifesta duas preocupações que permanecerão constantes na obra platônica: o problema político e o papel que a retórica pode desempenhar na ética e na educação.

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A Academia Em 387 a.C. Platão fundou em Atenas a Academia, sua própria escola de investigação científica e filosófica (a Academia durou até 529 d.C.). O acontecimento foi da máxima importância para a história do pensamento ocidental. Platão tornou-se o primeiro dirigente de uma instituição permanente, voltada para a pesquisa original e concebida como conjugação de esforços de um grupo que vê no conhecimento algo vivo e dinâmico e não um corpo de doutrinas a serem

Platão e Aristóteles – simplesmente resguardadas e transmitidas. A Escola de Atenas Depois de suas viagens, quando freqüentou centros pitagóricos de pesquisa científica, Platão via na matemática a promessa de um caminho que conduzisse à certeza. A educação deveria, em última instância, basear-se numa episteme (ciência) e ultrapassar o plano instável da opinião (doxa). E a política poderia se transformar numa ação iluminada pela verdade e um gesto criador de harmonia, de justiça e de beleza. Durante cerca de vinte anos, Platão dedicou-se ao magistério e à composição de suas obras. Sob a influência do pitagorismo, Platão desligou-se um pouco de Sócrates e formulou uma filosofia própria. Ele sempre retomava a tese de que o ideal para a polis seria a existência de um rei filósofo, que inclusive pudesse governar sem necessidade de leis. Para Platão, as idéias perfeitas e imutáveis constituiriam os modelos ou paradigmas dos quais as coisas materiais seriam apenas cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais a transcender o plano mutável dos objetos físicos. A mimesis, no pitagorismo, apresentara um caráter de imanência: o modelo e a cópia estão ambos no plano concreto; são as duas faces (interna e externa, razão e sentidos) da mesma realidade. Com Platão, a noção de imitação (mimesis) adquiriu acepção metafísica, como lógica decorrência do distanciamento

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entre o plano sensível e o inteligível. Os objetos físicos múltiplos, concretos e perecíveis – aparecem como cópias imperfeitas dos arquétipos ideais, incorpóreos e perenes. Modelo de Estado Em a República, a organização de uma cidade ideal apóia-se numa divisão racional do trabalho. Como reformador social, Platão considera que a justiça depende dessa diversidade de funções exercidas por três classes distintas: a dos artesãos, dedicados à produção de bens materiais; a dos soldados, encarregados de defender a cidade; a dos guardiães, incumbidos de zelar pela observância das leis. Produção, defesa, administração interna – essas as três funções essenciais da cidade. E o importante não é que uma classe usufrua de uma felicidade superior, mas que toda a cidade seja feliz. O indivíduo faria parte da cidade para poder cumprir sua função social e nisto consiste ser justo: em cumprir a própria função. A reorganização da cidade para transformá-la em reino de justiça exige, naturalmente, reformas radicais. A família, por exemplo, deveria desaparecer para que as mulheres fossem comuns a todos os guardiães e as crianças seriam educadas pela cidade e a procriação deveria ser regulada de modo a preservar a eugenia; para evitar os laços familiares egoístas, nenhuma criança conheceria seu pai e nenhum pai seu verdadeiro filho; a execução dos trabalhos não levaria em conta distinção de sexo, mas tão somente a diversidade das aptidões naturais. Mas a cidade ideal só poderia surgir se o governo supremo fosse confiado a reis-filósofos. Da sombra à luz O processo de conhecimento representava, para Platão, uma progressiva passagem das sombras e imagens turvas ao luminoso universo das idéias, atravessando etapas intermediárias. Cada fase encontraria sua fundamentação e resolução na fase seguinte. O que não era visto claramente no plano sensível (e só poderia ser objeto de uma conjetura) transformava-se em objeto de crença. Seguia-se assim (ver quadro abaixo) até chegar no Bem, cujo análogo seria o Sol, no caso material.

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Aquele que se libertou das ilusões e se elevou à visão da realidade poderia, ou melhor, deveria governar para libertar os outros prisioneiros das sombras: seria o filósofo-político, que coloca sua sabedoria como um instrumento de libertação de consciências e de justiça social, aquele que faz da procura da verdade uma arte de desilusionismo. Eros, que desempenhava em relação aos sentimentos e às emoções o mesmo papel de intermediário que as entidades matemáticas representavam para a vida intelectual, comandava a subida por via da atração que a beleza dos corpos exercia sobre os sentidos e remetendo afinal à contemplação do Belo supremo, o Belo em si. A construção do conhecimento constituiu, assim no platonismo, uma conjugação de intelecto e emoção, de razão e vontade: a episteme seria fruto de inteligência e de amor. É precisamente esse o tema de O Banquete nos diálogos de Sócrates, Agatão, Alcibíades e outros. A visão platônica do conhecimento pode, assim, ser resumida no seguinte quadro: da sombra (A) à luz (C). C

Idéias → ↑ ← Dialética

↑ Ciência Mundo inteligível E (episteme)

Objetos ↑ Conhecimentos

matemáticos→ ↑ ←matemáticos B

Objetos → ↑ ← Crença

sensíveis ↑ D

Mundo Sensível ↑ Opinião

Sombras → ↑ ← Ilusão, conjectura

↑ A

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Platão e a matemática Platão, segundo Proclo, proporcionou grandes progressos na matemática em geral e na geometria em particular, devido ao seu conhecido zelo pelo estudo. Seus livros eram ricos em discursos matemáticos e aproveitava-se de todas as ocasiões para mostrar a notável conexão que existe entre a matemática e a filosofia. “Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa” – eis a condição que impunha aos que queriam estudar com ele. Em as Leis, Platão aconselha o estudo da música ou a prática da lira dos 13 até os 16 anos, seguindo-se então as matemáticas, os pesos e medidas, bem como o calendário astronômico, até os 17. Em a República, por outro lado, recomenda a alguns jovens selecionados, antes dos 18 anos, o estudo da matemática abstrata ou teórica, ou seja, da aritmética, da geometria plana e espacial, da cinemática e da harmonia. A respeito da aritmética diz: “aqueles que nasceram com aptidão para ela aprendem depressa, ao passo que, mesmo nos que são lentos em assimilá-la, a capacidade geral de compreensão aproveita muito com o seu estudo”. “Nenhum ramo da educação constitui tão valioso preparo para a administração da casa, para todas as artes e ofícios, ciências e profissões, como a aritmética. Acima de tudo, graças a alguma influência divina, ela desperta o cérebro moroso e sonolento, tornando-o estudioso, atento e arguto”. Segundo Platão os conceitos matemáticos independem da experiência e, ainda mais, para ele a matemática não se constrói, mas se descobre. A matemática nessa fase começa a atingir os ideais propostos por Tales, e se torna dedutiva. São formuladas definições precisas, os métodos de demonstração são avaliados e sistematizados, e deu-se especial importância ao rigor da lógica. São desse período axiomas como: “quantidades iguais subtraídas de diminuendos iguais dão restos iguais”. Para Platão o ponto seria o limite da linha; a linha o limite da superfície e a superfície o limite do corpo sólido. O método analítico, que relaciona a tese a se provar com o que já se conhece, é uma importante contribuição platônica à matemática. Em essência esse método, que parte do desconhecido para o conhecido, depende da reversibilidade do processo.

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Exemplo: Provar que 11<

+a

a para .a 0>

Temos: .aaa

a1011

1<⇔+<⇔<

+ Como 10< é verdadeiro,

está provada a proposição, devido às equivalências envolvidas. Embora seu interesse principal fosse a geometria, as conquistas de Platão no campo da aritmética foram consideráveis para a sua época. Determinou de maneira correta, por exemplo, os 59 divisores de 5040, entre os quais se incluem todos os números inteiros de 1 a 10. O número 5040 aparece, nas Leis, como o número ideal de cidadãos na Cidade ideal, ou seja, 7.6.5.4.3.2.1 Cosmologia platônica A forma esférica da Terra já se tornara geralmente aceita na Grécia e as cosmologias mais antigas foram desaparecendo pouco a pouco. Para Platão, que tinha pelas ciências físicas um interesse apenas secundário, a Terra era uma esfera situada no centro do Universo e não necessitava de apoio. Supôs que as distâncias dos corpos celestes a esse centro fossem proporcionais aos números 1 (Lua), 2 (Sol), 3 (Vênus), 4 (Mercúrio), 8 (Marte), 9(Júpiter), 27 (Saturno). Esses números eram obtidos pela combinação de duas progressões geométricas, respectivamente, 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27. Platão admite, em princípio, que os astros são dotados de um movimento circular uniforme, em torno da Terra, e propõe aos matemáticos o seguinte problema: “quais são os movimentos circulares uniformes que poderemos admitir como hipótese para explicar os movimentos aparentes dos planetas?” Provavelmente, Platão não tinha uma noção clara das irregularidades dos planetas que depois iriam absorver a atenção de filósofos e astrônomos. Seu sistema era um geocentrismo coerente e apoiava-se na idéia da imobilidade da Terra. Embora tenham trazido poucos subsídios permanentes para as ciências físicas, as teorias de Platão tiveram grande influência sobre as idéias antigas e medievais e sobre a evolução da alquimia.

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ARQUITASARQUITASARQUITASARQUITAS (428 – 347 a.C.) Arquitas de Tarento, na Itália Meridional, estadista que por diversas vezes exerceu o comando das forças militares de sua cidade, foi um filósofo pitagórico e grande amigo de Platão e, talvez, o que mais influenciou no matematismo do filósofo da Academia. Aplicou a matemática aos problemas mecânicos e é considerado o fundador da mecânica teórica, sendo que muitas obras perdidas sobre mecânica e geometria lhe são atribuídas. Diz-se, ainda, que ele inventou o parafuso e a roldana e era um exímio construtor de máquinas. Deu uma notável – mas complicada – solução ao problema de duplicação do cubo. Restam-nos fragmentos de sua Harmonia e das Diatribes ou Conversas, referentes a problemas de matemática e música. TEAETECTOTEAETECTOTEAETECTOTEAETECTO ( século IV a.C.) Discípulo de Platão a quem é atribuído a demonstração de que só existem cinco poliedros regulares, chamados poliedros de Platão: tetraedro, hexaedro (cubo), octaedro, dodecaedro e icosaedro. MENAECMOMENAECMOMENAECMOMENAECMO (século IV a.C.) Menaecmo, astrônomo e geômetra da Academia, conseguiu resolver o problema da duplicação do cubo. Em sua solução usava duas curvas especialmente inventadas por ele para essa finalidade: a parábola e a hipérbole. A elipse apareceu como corolário dessa invenção. Essas três curvas são chamadas até hoje de secções cônicas, porque Menaecmo as concebeu cortando três tipos de superfícies cônicas de uma folha, a de ângulo agudo (oxytome – elipse), a de ângulo reto (orthotome – parábola) e a de ângulo obtuso (amblytome – hipérbole), respectivamente, por um plano perpendicular à geratriz.

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Oxytome Orthotome Amblytome

A hipérbole de dois ramos só surgiria algum tempo depois, com Apolônio. Menaecmo ainda não dispunha de sistemas de coordenadas, o que o obrigava a ser muito mais engenhoso. Mas, usando a linguagem atual, não é difícil perceber que a intersecção da parábola x² = 2y com a hipérbole xy = 1 é solução de x³ = 2. A solução de Menaecmo não se vale apenas de régua e compasso, é claro, mas o importante mesmo foi que introduziu na matemática as secções cônicas DINÓSTRATODINÓSTRATODINÓSTRATODINÓSTRATO ( século IV a. C.) Irmão de Menaecmo, Dinóstrato era também um matemático, e se um resolveu o problema da duplicação do cubo, o outro resolveu o da quadratura do círculo, com uma curva não construtível com régua e compasso. A quadratura deixou de ser uma questão impossível quando foi observada por Dinóstrato uma notável propriedade da extremidade Q da trissectriz de Hípias.

Equação polar da trissectriz: θ=θπ arsen 2 O Teorema de Dinóstrato diz que o lado a é a média proporcional entre o segmento DQ e o arco do quarto de círculo AC, isto é,

.DQ

AB

AB

AC=

Conforme visto anteriormente, D

T

A

Q H C

B a

S

r θ

92

.a

rlimDQπ

==→θ

20

Assim,

π

=

aa

a

AC2

, ou seja, .a

AC2

π=

Dado o ponto Q de intersecção da trissectriz com DC, temos, pois, uma proporção envolvendo três segmentos retilíneos e arco circular AC. Por uma construção geométrica simples do quarto termo numa proporção podemos facilmente traçar um segmento de reta b de comprimento igual a AC. O retângulo que tem lado 2b e a como o outro lado, tem área exatamente igual à do círculo com raio a. Agora construímos o quadrado de área igual a do retângulo, tomando como lado a média geométrica dos lados do retângulo. Como Dinóstrato provou que a trissectriz de Hípias serve para quadrar o círculo, a curva veio a ser chamada mais comumente de quadratriz.

EUDOXOEUDOXOEUDOXOEUDOXO (408 – 355 a.C.) Eudoxo de Cnido, aluno de Arquitas e, por algum tempo, de Platão, é considerado o maior matemático do período helênico. Além disso ficou famoso por defender uma ética baseada na noção de prazer. Não foi apenas matemático e astrônomo, mas também físico. Em matemática pode-se dizer que recriou essa ciência, desenvolvendo a teoria das proporções, fazendo um estudo especial da divisão áurea e alcançando importantes resultados na geometria dos sólidos. Eudoxo resolveu o problema da proporcionalidade de uma maneira geral após introduzir a noção de grandezas de mesma espécie, tais como, comprimento, área, volume, tempo, etc. Desse modo, suponha que A e B sejam grandezas de mesma espécie e que C e D também sejam grandezas de mesma espécie (não necessariamente do tipo de A e B).

Pergunta-se: quando se tem D

C

B

A= ?

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Eudoxo postulou que: D

C

B

A= sempre que, dados n e m

inteiros positivos quaisquer, nDmCnBmA >⇒> ; nDmCnBmA =⇒= ; nDmCnBmA <⇒< .

Método de Exaustão Axioma: Dadas duas grandezas diferentesBA e , de mesma espécie, e que têm uma razão, isto é, nenhuma delas sendo zero, pode-se encontrar um múltiplo de qualquer delas que seja maior que a outra, ou seja, existem números inteiros positivos nm e tais que

AmBBnA >> ou . Com esse axioma Eudoxo provou, por uma redução ao absurdo, uma proposição fundamental para o cálculo de áreas e volumes e que foi denominada de método de exaustão: Proposição: Se de uma grandeza qualquer subtrai-se uma parte não menor que sua metade e do resto novamente subtrai-se não menos que a metade, e se esse processo de subtração é continuado, finalmente restará uma grandeza menor do que qualquer grandeza de mesma espécie. Exemplo:

Na figura, pretende-se encontrar a área do círculo por exaustão. Nota-se que a área do quadrado é maior que a metade da área do círculo. Os quatro triângulos têm área maior do que a metade do que tinha sobrado. Continuando o processo, a área que ainda restar será menor do que uma grandeza de mesma espécie, fixada

arbitrariamente. Assim a área do círculo será encontrada somando-se o quadrado, com os quatro triângulos, etc. Essa proposição, equivale à seguinte formulação atual: Considere M uma grandeza qualquer,ε outra grandeza, prefixada de

mesma espécie, e r uma razão tal que 12

1<≤ r . Então pode-se

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encontrar um inteiro positivo N, tal que ε<− n)r(M 1 para todo inteiro Nn > . Assim, a propriedade de exaustão equivale a dizer

que .)r(Mlim n

n01 =−

∞→

Esse método foi muito utilizado para se provar teoremas sobre áreas e volumes de figuras curvilíneas. Com Euclides e Arquimedes ele se torna clássico e até a introdução da integral não havia outro método mais eficaz. Desse modo, Eudoxo pode ser considerado o criador do Cálculo Integral. ARISTÓTELESARISTÓTELESARISTÓTELESARISTÓTELES (384 – 322 a.C.) Aristóteles de Estagira, com dezoito anos, chegou a Atenas, o grande centro intelectual e artístico da Grécia do século IV a.C., proveniente da Macedônia. Como muitos outros jovens, foi atraído pela intensa vida cultural da cidade que lhe acenava com oportunidades para prosseguir seus estudos. Não era belo e para os padrões vigentes no mundo grego, principalmente na Atenas daquele tempo, apresentava características que poderiam dificultar-lhe a carreira e a projeção social. Em particular, uma certa dificuldade em pronunciar corretamente as palavras poderia criar-lhe embaraços e mesmo complexos numa sociedade que, além de valorizar a beleza física e enaltecer os atletas, admirava a eloqüência e deixava-se conduzir por oradores. O jovem ingressa na Academia de Platão, na qual a figura principal como mestre e diretor era, naquele momento, o matemático Eudoxo de Cnido. Somente um ano depois é que Platão retornou, fatigado por mais uma frustrada experiência política na Sicília. Foi o próprio Eudoxo quem lhe apresentou o novo aluno da Academia, o jovem da Macedônia de olhos pequenos, porém reveladores de excepcional vivacidade. O preceptor de Alexandre De pura raiz jônica, a família de Aristóteles fora tradicionalmente ligada à medicina e à família real da Macedônia. Seu pai, Nicômaco, era médico e amigo do rei Amintas II, pai de

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Filipe. Estagira, apesar de situada distante de Atenas e em território sob a dependência da Macedônia, era na verdade uma cidade grega. A vida de Aristóteles – e até certo ponto sua obra – estará marcada por essa dupla vinculação, à cultura helênica e à aventura política da Macedônia. A condição de meteco – estrangeiro domiciliado numa cidade grega - talvez explique porque não se tornou, como Platão, um pensador político, preocupado com os destinos da polis e com a reforma das instituições. Ao ingressar na Academia, que viria a freqüentar durante 20 anos, Aristóteles já trazia, como herança de seus antepassados, acentuado interesse pelas pesquisas biológicas. Ao matematismo predominante, ele irá contrapor o espírito de observação e a índole classificatória, típicas da investigação naturalista, e que constituirão traços fundamentais de seu pensamento. Em 347 a.C., com a morte de Platão, Aristóteles deixa Atenas e vai para Assos, na Ásia Menor, onde Hérmias, ex-integrante da Academia, havia se tornado governante. Filipe, em 343 a.C., chama Aristóteles à corte de Pela e confia-lhe importante missão: a de educar seu filho, Alexandre. Durante anos o filósofo encarrega-se dessa missão. É ainda preceptor de Alexandre quando em 338 a.C., os macedônios derrotam os gregos em Queronéia. Chega ao fim a autonomia das cidades-Estados que caracterizara a Grécia no período helênico. A partir de então – dominada pela Macedônia, mais tarde por Roma – a Grécia integrará amplos organismos políticos que diluirão suas fronteiras e atenuarão as distinções culturais que tradicionalmente separavam os gregos de outros povos, sobretudo os bárbaros orientais. Com o assassinato de Filipe, Alexandre assume o poder e em seguida prepara uma expedição ao oriente, iniciando a construção de seu grande império. Aristóteles voltou a Atenas e, próximo ao templo dedicado a Apolo Liceano, abriu uma escola – o Liceu – que passou a rivalizar com a Academia, então dirigida por Xénocrates. Os discípulos de Aristóteles eram chamados de peripatéticos (os que passeiam) devido ao hábito – aliás comum nas escolas da época – que tinham os estudantes de realizar seus debates enquanto passeavam pelos pátios arborizados da escola.

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Enquanto a Academia se voltava basicamente para as investigações matemáticas, o Liceu transformou-se num centro de estudos dedicados principalmente às ciências naturais. De terras distantes, conquistadas em suas expedições, Alexandre enviava ao seu ex-preceptor exemplares da fauna e da flora que viriam enriquecer as coleções do Liceu. O biologismo tornou-se, assim, marca central da própria visão científica e filosófica de Aristóteles, que transpôs para toda a natureza categorias explicativas pertencentes originariamente ao domínio da vida. Em particular, a noção de espécies fixas – sugeridas pela observação do mundo vegetal e animal – exercerá decisiva influência sobre a física e a metafísica aristotélicas, na medida em que se reflete em sua doutrina do movimento. Apesar da estima que Alexandre sempre devotou a seu antigo mestre, uma barreira os distanciava. Aristóteles não concordava com a fusão da civilização grega com a oriental. Segundo ele, gregos e orientais eram de naturezas distintas, com distintas potencialidades e não deveriam coexistir sob o mesmo regime político. Depois da morte de Alexandre e 323 a.C., Aristóteles passou a ser hostilizado pela facção antimacedônica que o considerava politicamente suspeito. Acusado de impiedade, deixou Atenas e refugiou-se em Cálcis, na Eubéia onde morreu em 322 a.C. O que restou da grande obra Com base em suas próprias declarações, sabe-se que Aristóteles realizou dois tipos de composições, as endereçadas ao grande público, redigidas em forma mais dialética do que demonstrativa, e os escritos ditos filosóficos ou científicos, que eram lições destinadas aos alunos do Liceu. Depois que deixou a Academia e durante o período em que esteve e Assos, Aristóteles escreveu o diálogo Sobre a Filosofia, no qual combate a teoria platônica das idéias, particularmente a teoria dos números ideais, que caracterizava a última fase do platonismo. Como o Timeu de Platão, o Sobre a Filosofia apresenta uma concepção cosmológica de cunho finalista e teológico; mas, ao contrário do que propunha Platão, o universo é explicado não à semelhança de uma obra de arte, resultado da ação de um divino artesão, o demiurgo, e sim como um organismo que se desenvolve

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graças a um dinamismo interior, um princípio imanente que Aristóteles denomina physis (natureza). Os tratados de lógica, receberam em seu conjunto a denominação de Organon, uma vez que para Aristóteles a logica não seria parte integrante da ciência e da filosofia, mas apenas um instrumento (organon) que elas utilizariam em sua construção. Ao examinar um problema, Aristóteles parte das soluções propostas por seus antecessores, vincula suas idéias à história e por isso é considerado o primeiro historiador da Filosofia. Para se atingir a verdade científica e construir um conjunto de conhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles, possuir normas de pensamento que permitam demonstrações corretas e, portanto, irretorquíveis. O estabelecimento dessas normas lhe confere o título de criador da lógica formal, entendida como a parte da lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do conteúdo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam. Exemplo: partindo-se das premissas “Todos os homens são mortais” e “Sócrates é homem” – conclui-se fatalmente que “Sócrates é mortal”. A conclusão resulta da simples colocação das premissas, não deixando margem a qualquer opção, mas impondo-se com absoluta necessidade. Poderia ser considerado, por outro lado, o raciocínio: ”Todos os homens são imortais”; “Sócrates é homem”; logo, “Sócrates é imortal”. Mas a ciência não pretende, segundo Aristóteles, ser dotada apenas de coerência interna: ela precisa ser construída pelo perfeito encadeamento lógico de verdades. Assim, o silogismo que equivale à demonstração científica deverá ser um raciocínio formalmente rigoroso, mas que parta de premissas verdadeiras. Aristóteles e a matemática O papel principal de Aristóteles na matemática foi o da sua estruturação lógica. Não realizou trabalhos específicos de matemática. Introduziu os Postulados e Axiomas ou Noções Comuns. Postulados são proposições específicas de uma ciência, aceitas como verdadeiras sem prova. Axiomas ou Noções Comuns são proposições gerais que se aceitam como verdadeiras sem provas (não são específicas).

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Exemplos de Noções Comuns: - princípio da não contradição: uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo; - princípio do terceiro excluído: uma proposição ou é verdadeira ou é falsa e não há outra alternativa. Pode-se dizer, assim, que Aristóteles – sobretudo pela análise que fez do papel das definições e hipóteses – contribuiu de modo decisivo para o desenvolvimento da matemática. EPICUROEPICUROEPICUROEPICURO (341 – 270 a.C.) Epicuro de Atenas teria acompanhado, dos quatorze aos dezoito anos, os ensinamentos do acadêmico Pânfilo. E, através de Nausífanes de Teo, discípulo de Demócrito, teria conhecido as doutrinas do grande atomista. Durante algum tempo ganhou a vida como professor de gramática e de filosofia até que, por volta de 306 a.C., adquire uma pequena casa e abre uma escola de filosofia, que ficará conhecida como o Jardim de Epicuro. Os alunos não têm em Epicuro um mestre no estilho tradicional: na verdade, formam um grupo de amigos para discutir filosofia. Epicuro exerce influência não só pelo ensino direto como pela extraordinária personalidade. É um homem bondoso, de natureza terna e amável, que apesar dos sofrimentos físicos impostos pela doença que o tortura e aos poucos o paralisa, cultiva as amizades, auxilia os irmãos e trata delicadamente os escravos. Por essa razão todos que o conhecem dificilmente deixam seu convívio. A morada tão calma e tão luminosa seria a meta proposta pelo epicurismo: a morada da serenidade e do prazer. A filosofia, para Epicuro, deveria servir ao homem como instrumento de libertação e como via de acesso à verdadeira felicidade. Esta consistiria na serenidade de espírito que advém da consciência de que é ao homem que compete conseguir o domínio de si mesmo. A teoria do conhecimento dos epicuristas (que eles chamavam de canônica) é empirista, isto é, reduz toda a origem do conhecimento à experiência sensível. As repetidas experiências os sentidos, preservadas pela memória, dariam nascimento à antecipação equivalente à noção geral ou conceito.

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Segundo a doutrina atomista, adotada por Epicuro, “todos os corpos, por mais compactos que sejam, possuem interstícios vazios dentro deles”. Esse juízo não é atestado diretamente pelos sentidos; mas, se não for admitido como verdadeiro, também não seria verdade que “a água destila através das rochas”, ou que “o calor e o frio passam através das paredes”. Com efeito, se os sentidos atestam o movimento como uma evidência, seria verdadeira, graças ao critério da não-infirmaçao, a teoria atomista, que apresenta uma explicação racional para o movimento, afirmando que tudo é constituído de átomos (invisíveis) que se movem no vazio. Como os atomistas anteriores, Epicuro considera os átomos como infinitos em número, indivisíveis fisicamente e imensamente pequenos; além disso, seriam móveis por si mesmos, pois o vazio não ofereceria qualquer resistência à locomoção. E devido ao peso é que os átomos, num momento inicial, são imaginados por Epicuro como “caindo”; mas, situados dentro do vazio, teriam que desenvolver nessa “queda” trajetórias necessariamente paralelas. Isso significa que os átomos jamais se chocariam dando origem aos engates e aos torvelinhos indispensáveis à constituição das coisas e dos mundos, se algum fator não viesse interferir naquele paralelismo das trajetórias. Afastando o rígido mecanicismo da física dos primeiros atomistas, Epicuro introduziu, então, a noção de “desvio”: sem nenhuma razão mecânica, os átomos, em qualquer momento de suas trajetórias verticais, poderiam se desviar e se chocar. O “desvio” apareceria, assim, como a introdução do arbítrio e do imponderável num jogo de forças estritamente mecânico: é a ruptura da necessidade, no plano da física, para acolher a contingência. Com sua concepção materialista da realidade, Epicuro pretendia libertar o homem dos dois temores que o impediriam de encontrar a felicidade: o medo dos deuses e o temor da morte. Os deuses existem, dizia Epicuro, mas seriam seres perfeitos que não se misturam às imperfeições e às vicissitudes da vida humana. Quanto à morte, não há também porque temê-la. Ela não seria mais que a dissolução do aglomerado de átomos que constitui o corpo e a alma. A dor presente, ensinava Epicuro, pode se escapar por meio da

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lembrança dos prazeres passados ou pela expectativa de prazeres futuros. Epicuro – ele próprio um homem doente e vítima de terríveis sofrimentos físicos, um grego sem liberdade política – teria dado a demonstração dessa técnica interior, de evasão, capaz de permitir ao homem enfrentar serenamente as mais adversas circunstâncias. Seu hedonismo altamente espiritualizado, que fazia da contemplação intelectual e das delícias da amizade os mais elevados prazeres, legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esquecida: a de que o homem pode se sustentar de recordações e de esperanças. Na mudança do período helênico para o helenístico – após a morte de Alexandre – pode-se observar alguns detalhes nas obras monumentais dos vultos, Platão e Aristóteles, que foram as predominantes na formação do pensamento ocidental. Predominaram, talvez, porque em linhas gerais, iam ao encontro dos interesses das classes dominantes. Essas obras influentes por séculos e séculos, no fundo têm a preocupação de justificar cientificamente a sociedade grega com grandes desníveis sociais, uma sociedade onde a maior parte da população não tinha os direitos dos cidadãos na famosa democracia. Platão procurava um rei-filósofo para governar sua cidade ideal, mas nunca pensou em abolir a escravidão; o Estado-ideal era formado por cidadãos e escravos. Muito mais escravos que cidadãos. Aristóteles justifica e defende, por exemplo, a escravidão. Do mesmo modo que o universo físico estaria constituído por uma hierarquia inalterável, segundo a qual cada ser ocupa, definitivamente um lugar que lhe seria destinado pela natureza (e do qual ele só se afasta provisoriamente através de movimentos violentos), assim também o escravo teria seu lugar natural na condição de “ferramenta animada”. Aristóteles chega mesmo a afirmar que o escravo é escravo porque tem alma de escravo, é essencialmente escravo, sendo destituído por completo de alma noética, a parte da alma capaz de fazer ciência e filosofia e que desvenda o sentido e a finalidade última das coisas.

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ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Trace um ângulo de 60° e use a trissectriz de Hípias para dividi-lo em sete partes iguais. 2. Usando apenas régua e compasso, construa o segmento x tal que ax = b², sendo que a e b são quaisquer segmentos dados. 3. Dados os segmentos a e b e usando régua e compasso apenas, construa x e y, tais que x + y = a e xy = b². 4. Dados os segmentos a, b e c, construa x e y, tai que x – y = a e xy = bc. 5. Resolva a equação x² + ax = b², construindo um segmento que satisfaça à condição dada.

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A CIÊNCIA HELENÍSTICAA CIÊNCIA HELENÍSTICAA CIÊNCIA HELENÍSTICAA CIÊNCIA HELENÍSTICA

“Nem mesmo para os reis existe uma estrada mais curta para a geometria” (Euclides)

O MUSEU DE ALEXANDRIAO MUSEU DE ALEXANDRIAO MUSEU DE ALEXANDRIAO MUSEU DE ALEXANDRIA

Com a morte de Alexandre seu império foi retalhado e coube o Egito a um membro da sua corte, Ptolomeu. Fundador da dinastia ptolomaica (que reinou até 30 a.C., com quinze reis Ptolomeu), fez de Alexandria a capital, onde estabeleceu um museu e uma biblioteca. A cidade tornou-se uma grande metrópole comercial, por ser um entreposto de localização privilegiada entre o Ocidente e o Oriente, e, principalmente a capital intelectual e artística do mundo helenístico, por ter se tornado ponto de confluência de diferentes culturas e ter atraído sábios de diferentes lugares. O Museu ou Casa das Musas de Alexandria, que viria a ser mais tarde o maior centro de estudos da antiguidade, foi fundado em 294 a.C. por Demétrio de Falero, um discípulo de Aristóteles, eminente cidadão e sábio de Atenas. Acompanharam-no alguns membros da escola peripatética, interessados sobretudo nas ciências. Modelado pelas escolas atenienses e bem subsidiado pelo tesouro real, o Museu foi uma verdadeira universidade de ciências gregas. Possuía como anexo, uma grande biblioteca, um refeitório e salões de conferencia para os professores. Foi ali que, durante 700 anos, a ciência grega teve a sua principal morada. Com tal rapidez aumentou a biblioteca que, por volta de 250 a.C., continha mais de 400000 rolos, tanto mais valiosos pela razão de serem os textos clássicos fixados por sábios idôneos, com o aditamento de notas lingüísticas e históricas. O poeta e erudito Calímaco (cerca de 250 a.C.) organizou um catálogo de autores em 120 volumes, com a relação completa das obras e uma breve biografia de cada autor. Dispondo dessas facilidades e de papiro a preço módico, tornou-se Alexandria o maior centro editorial que passou a exportar obras para todas as partes do mundo grego.

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Sua fama não tardou a superar a de Atenas e, inclusive, os romanos para ali se dirigiam, a fim de estudar a arte terapêutica, a anatomia, a matemática, a geografia e a astronomia. EUCLIDESEUCLIDESEUCLIDESEUCLIDES (360 – 295 a.C.)

Euclides de Alexandria floresceu por volta de 300 a.C. Ignora-se qual tenha sido a sua terra natal e até a sua etnia. Diz-se que era de natural pacífico e benévolo e que sabia avaliar devidamente o mérito científico de seus predecessores. Conquanto não se saiba quase nada de sua vida e personalidade, as obras de Euclides tiveram uma influência e uma vitalidade quase, senão inteiramente, sem paralelo. Prosseguindo a sua história dos matemáticos, escreve Proclo: “não muito depois destes (os da Academia) viveu

Euclides - A Escola de Euclides, que escreveu os Elementos, Atenas sistematizou grande parte dos trabalhos de Eudoxo e demonstrou de maneira irrefutável certas proposições que os seus antecessores, tinham dado provas menos rigorosas”. Conta-se que o rei Ptolomeu lhe perguntou certa vez se não havia um caminho mais curto do que os Elementos para aprender geometria. Respondeu-lhe Euclides que em geometria não havia caminho aplainado para os reis. Os Elementos Euclides foi visivelmente influenciado pelos ideais da escola platônica e há fortes indícios de que tenha estudado na Academia. Por esse motivo, os seus Elementos (Stoichia) têm por objetivo a construção dos chamados “corpos platônicos”, isto é, dos cinco poliedros regulares. Esse tratado, que durante 2000 anos serviu de base a quase todo ensino dito elementar, é a mais conhecida de suas obras e foi

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considerada no mundo grego como obra definitiva, realizada após muitas tentativas e não podemos esquecer a de Hipócrates de Quios. Compreendia treze livros ou rolos dos quais apenas seis costumavam ser incluídos nas edições escolares, durante vários séculos passados. Em essência, a obra é uma introdução metódica à matemática grega e consiste, principalmente, num estudo comparativo das propriedades e relações das figuras planas e dos sólidos geométricos que se podem construir e representar, mediante o uso de régua e compasso, apenas. A comparação de figuras levou a considerações aritméticas, inclusive a dos números irracionais correspondentes à linhas incomensuráveis. Os treze livros de Os Elementos estão assim distribuídos: Livro I: Construções elementares, teoremas de congruência, área de

polígonos, teorema de Pitágoras; Livro II: Álgebra geométrica; Livro III: Geometria do círculo; Livro IV: Construção de certos polígonos regulares; Livro V: A teoria das proporções de Eudoxo; Livro VI: Figuras semelhantes; Livros VII – IX: Teoria dos números; Livro X: Classificação de certos irracionais; Livro XI: Geometria no espaço, volumes simples; Livro XII: Áreas e volumes encontrados pelo “método da exaustão”

de Eudoxo; Livro XIII: Construção dos cinco sólidos regulares. O procedimento de Euclides Quais são os traços característicos das técnicas adotadas por Euclides? Em primeiro lugar, ele sempre enuncia as suas leis em forma universal. Não examina as propriedades de uma determinada linha ou figura realmente existente; examina, ao contrário, as propriedades que todas as linhas ou figuras de uma certa espécie devem ter. Não apenas isso, formula as leis de modo a torná-las rigorosas e absolutas – nunca são dadas como simples aproximações. Diz, por exemplo, que a soma dos ângulos internos

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de qualquer triângulo é sempre igual a dois ângulos retos; não diz tratar-se de um resultado aproximado ou usualmente verdadeiro – põe a asserção como algo rigoroso e absolutamente verdadeiro. E o que é mais importante, Euclides não se limita a enunciar um grande número de leis geométricas: demonstra-as. Na verdade, o seu livro consiste em demonstrações colocadas de maneira sistemática de acordo com as idéias de Aristóteles. As demonstrações não são de caráter indutivo, ao contrário dos antigos egípcios e mesopotâmios, que obtiveram vários princípios por intermédio da observação e da experimentação. Euclides não nos pede, jamais, que efetuemos medidas de ângulos de triângulos reais a fim de verificar que a soma é igual a dois retos. Não se preocupa em momento algum, com experimentos ou observações desse gênero. Em vez disso, apresenta-nos demonstrações, de caráter dedutivo, por meio das quais chegou as suas conclusões com o rigor da absoluta necessidade lógica. A seguir, uma síntese dos treze livros de Os Elementos. Livro I Com 48 proposições, inicia-se com uma lista de 23 definições, dentre as quais destaca-se: Definições: 1. Um ponto é aquilo que não tem partes; 2. Uma linha é um comprimento sem largura; 15. Um círculo é a figura plana fechada por uma linha tal que todos os segmentos que sobre ela estejam e que passem por um ponto determinado do interior da figura sejam iguais entre si; 23. Retas paralelas são linhas retas que, estando no mesmo plano, prolongadas indefinidamente nos dois sentidos, não se cruzam. Após a lista de definições seguem-se cinco postulados e cinco axiomas; que conjuntamente, formam as hipóteses sobre as quais repousa a teoria. Postulados: 1. Uma linha reta pode ser traçada de um para outro ponto qualquer; 2. É possível prolongar arbitrariamente um segmento de reta; 3. É possível traçar um círculo com qualquer centro e raio; 4. Dois ângulos retos quaisquer são iguais entre si;

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5. Se uma reta, interceptando duas outras retas forma ângulos interiores do mesmo lado menores do que dois ângulos retos, então as duas retas, caso prolongadas indefinidamente, se encontram do mesmo lado em que os ângulos são menores do que dois ângulos retos. Axiomas: 1. Grandezas iguais a uma mesma grandeza são iguais entre si; 2. Se a grandezas iguais forem adicionadas grandezas iguais, as somas serão iguais; 3. Se grandezas iguais forem subtraídas de grandezas iguais, os resultados serão iguais; 4. Grandezas que coincidem entre si são iguais; 5. O todo é maior do que suas partes. Observação: os postulados são as hipóteses básicas relativas a um ramo específico do conhecimento, nesse caso a geometria, enquanto que os axiomas tratam da comparação de grandezas e são aceitos em todas as áreas. Atualmente não se faz mais tal distinção e afirmações, que são aceitas sem demonstração, são chamadas indistintamente de axiomas ou postulados. As leis demonstráveis são os teoremas, ou, segundo a terminologia antiga, as proposições. Para termos uma idéia do método empregado por Euclides, examinemos o tratamento dado a algumas proposições: Proposição 1: Construir um triângulo eqüilátero, dado o seu lado.

Dado o segmento AB, pede-se um triângulo eqüilátero construído sobre AB. Traça-se uma circunferência de centro A e distância (raio) AB; seja BCD essa circunferência (postulado 3)

a b

c

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Repita-se o processo, tomando-se o centro B e a distância BA; obtém-se a circunferência ACE (postulado 3). Traça-se as retas CA e BC, unindo o ponto C, em que as circunferências se cortam, aos pontos A e B (postulado 1). Ora, sendo A o centro do círculo CDB, segue-se que AC é igual a AB (definição 15). De modo análogo, sendo B o centro de CAE, BC é igual a BA (definição 15). Mas já se mostrou que CA era igual a AB; logo, os segmentos CA e CB são também iguais a AB. Mas (axioma 1) CA é igual a CB. Em conseqüência, as linhas retilíneas CA, AB e BC são iguais entre si. Segue-se que o triângulo ABC é eqüilátero e foi construído sobre um segmento dado, AB. Proposição 2: Dois paralelogramos de bases e alturas respectivamente iguais, têm a mesma área. Proposição 47 (Teorema de Pitágoras): Em triângulos retângulos, o quadrado construído sobre o lado que subtende a ângulo reto (isto é, a hipotenusa) é igual à soma dos quadrados sobre os lados que contêm o ângulo reto.

Sobre os três lados de um triângulo retângulo ABC (C = 90 °) são construídos quadrados. A altura CH a partir de C é traçada e prolongada até F. São traçados os segmentos DB e CE. Observa-se, em primeiro lugar, que o triângulo DAB é congruente ao triângulo CAE. Para ver isso basta girar um deles de 90° em torno de A; um cobrirá exatamente o outro. Ora, o quadrado sobre AC é duas vezes o

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triângulo DAB, pois tem a mesma base, AD, e estão situados entre as mesmas retas paralelas. Esse é um caso particular da Proposição 2. “Se um paralelogramo e um triângulo têm a mesma base e estão situados entre duas paralelas dadas, então o paralelogramo tem duas vezes a área do triângulo.” Do mesmo modo, vemos que o retângulo AEFH é duas vezes o triângulo CAE, pois tem também a mesma base, AE, e estão situados entre as mesmas retas paralelas. Como os dois triângulos são congruentes, o quadrado sobre AC é igual ao retângulo AEFH. Segue-se, exatamente da mesma maneira, que o quadrado sobre BC é igual ao retângulo sobre HB, e desta maneira a soma dos quadrados sobre AC e BC é igual à soma dos dois retângulos; que é exatamente o quadrado sobre AB. Além dessa demonstração elegante do Teorema de Pitágoras, Euclides demonstrou que em um triângulo retângulo o quadrado de um lado é igual ao produto das projeções da hipotenusa sobre toda a hipotenusa. Proposição 48 (Recíproca do Teorema de Pitágoras): Se em um triângulo o quadrado de um dos lados é igual a soma dos quadrados dos outros dois, então o triângulo é retângulo. Livro II Com 14 proposições, quase todas sobre álgebra geométrica, indica uma grande influência das idéias de Eudoxo. Exemplos:

• Propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição:

acab)cb(a +=+

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• Produtos notáveis

• Equação do primeiro grau

bax= Proposição 11 (Segmento Áureo) Dividir uma linha reta em duas partes tais que o retângulo contido pelo todo e uma das partes tenha área igual à do quadrado sobre a outra parte. Se o segmento dado é AB, deve-se determinar o ponto X desse segmento tal que o retângulo de lados AB BC= e XB tenha a mesma área do quadrado de lado AX. Indiquemos as medidas de AB e AX por a e x respectivamente. Nessas condições a e x devem satisfazer a seguinte condição:

2x)xa(a =− .

222 2 baba)ba( ++=+

b a

a

b b2

a2 ab

ab

x

b b

a 1

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Numa forma simplificada, e em notação atual, a solução de Euclides compõe-se dos seguintes passos: • Construir o quadrado ABCD sobre o segmento dado AB; • Tomar o ponto médio, E, de DA; • Tomar F sobre o prolongamento de DA de maneira que EF=EB; • Construir o quadrado sobre o lado AF no mesmo semi-plano de BC. • O vértice X desse quadrado, pertencente ao segmento AB, é a solução do problema. De fato:

aADAE2

1

2

1== . Assim no triângulo

ABE tem-se 22

2)

a(aEB +=

2

5a= .

Daí, ( )

2

51

22

5 +−=−=−=−==

aaaEAEBEAEFAFAX que,

como se pode verificar facilmente, é a raiz positiva de 2x)xa(a =− .

Livro III Com 39 proposições, provavelmente descobertas por Hipócrates, é dedicado à geometria do círculo, da circunferência e correlatos como arcos, segmentos, tangentes e cordas. Livro IV Com 16 proposições, é dedicado à construção com régua e compasso de alguns polígonos regulares: triângulos, quadrados, pentágonos e hexágonos, inscritos e circunscritos em circunferências. Na última proposição, com base no triângulo e no pentágono regulares, constrói-se o polígono regular de 15 lados (pentadecágono). Livro V Com 25 proposições, é inteiramente aritmético, embora use segmentos de retas para representar números. É nele que Euclides

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apresenta a teoria das proporções de Eudoxo. Como exemplo temos a proposição 5: “Se um número divide dois outros, ele também divide a diferença entre ambos”. Livro VI Com 33 proposições, é a aplicação da Teoria das Proporções às figuras semelhantes. Como exemplo, encontramos dois casos de construção, que, devidamente interpretados, recaem na solução da equação do segundo grau. Proposição 28: Dividir um segmento de reta de modo que o retângulo contido por suas partes seja igual a um quadrado dado, não excedendo este o quadrado sobre metade do segmento de reta

dada. Em linguagem atual, 022 =+− qpxx , em que p e q são segmentos dados.

Sejam q e AB dois segmentos de reta, 2

ABq < .

Divide-se AB com o ponto Q tal que 2q)QB)(AB( = . Para isso coloca-se PE = q, em que P é o ponto médio de AB. Com centro em E e PB como raio, marca-se em AB o ponto Q.

Nota-se que: =+−=−= )PQPB)(PQPB()PQ()PB(q 222 ).AQ)(QB(= Denotando agora o segmento AB por p conclui-se

que a construção dá a solução da equação .qpxx 022 =+− De fato,

se r e s são raízes dessa equação, tem-se p = r + s e .rsq =2

Mas isso acontece, pois, QBAQp += e )QB)(AQ(q =2 . Assim, AQ e QB representam as raízes r e s.

q

q

A P

E

Q B

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Se for considerado os segmentos simétricos de AQ e QB tem-se

as soluções da equação 022 =++ qpxx .

Exemplo: 0132 =+− xx . Na demonstração anterior, fazendo p = 3 e q = 1, tem-se:

2

5

2

3+=+== PQAPAQr e

2

533

+−=−== AQABQBs .

Proposição 29: Prolongue um dado segmento de reta de modo que o retângulo contido pelo segmento estendido e a extensão seja igual a

um quadrado dado. Em linguagem atual, 022 =−− qpxx .

Toma-se novamente os segmentos q e AB. Encontra-se, assim, o

ponto Q tal que )QB)(AQ(q =2 . Por construção tem-se BE = q e PE = PQ, em que P é o ponto médio de AB.

Assim 2222 )PQ()PE(q)PB( ==+ , ou seja,

)AQ)(QB()PAPQ)(QB()PBPQ)(PBPQ()PB()PQ(q =+=+−=−= 222 , em que AQ = r, QB = s e AB = p. Logo, psr =− e

2q)QB)(AQ(rs)s(r −=−=−=− . Portanto r e s− são raízes de

022 =−− qpxx .

Finalmente rr −=1 e sr =2 são as raízes da equação

022 =−+ qpxx .

Exemplo: 09132 =−− xx .

Na demonstração anterior, fazendo p =13 e q = 3, tem-se:

q

q

A P

E

B

114

2

2051313

+−=−=+== QBABBQABAQr e

.PEPBQBs2

205

2

13+=−==

Livro VII Com 39 proposições, estuda as propriedades dos números naturais e suas relações. Mesmo na teoria dos números o enfoque era geométrico. Pode-se observar isso, por exemplo, nas definições: Divisibilidade: um número é parte de outro, o menor do maior, quando ele mede o maior. Número primo: um número é primo quando é mensurável apenas pela unidade. Proposição 2 (Algoritmo de Euclides): dados )b(Nb,a 0 ≠∈ , existem Nr,q ∈ tais que rbqa += )br( <≤0 . Lema de Euclides: considere Nb,a,p ∈ , p primo. Se p divide ab, então p divide a ou p divide b. Livro VIII Com 27 proposições, trata de propriedades dos números em proporção continuada, hoje denominada de progressão geométrica. Proposição 22: Se três números estão em proporção continuada e se o primeiro deles é um quadrado, então o terceiro também será um quadrado. Livro IX Com 36 proposições, apresenta resultados significativos para o desenvolvimento da atual teoria dos números. Proposição 20: Números primos são mais do que qualquer quantidade fixada de números primos.

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Na linguagem atual: ”o conjunto dos números primos é infinito”. A prova é indireta, pois mostra-se que a hipótese de haver só um número finito de primos leva a uma contradição. Seja P o produto de todos os primos, np...p,p 21 , supostos em

número finito, e consideremos o número 11 21 +=+= np...ppPN . N não pode ser primo, pois isso contradiria a hipótese de P ser o produto de todos os primos. Logo N é composto e deve ser medido por algum número p. Mas p não pode ser nenhum dos fatores primos que entram em P, senão seria um fator de 1. Logo p deve ser um primo diferente de todos os fatores de P; portanto, a hipótese de P ser o produto de todos os primos é falsa. Proposição 35 (soma da progressão geométrica): Se tantos números quantos se queira estão em proporção continuada, e se subtrair do segundo e último números iguais ao primeiro, então assim como o excesso do segundo está para o primeiro, o excesso do último estará para todos os que o procedem. Em outras palavras, temos: Se 121 +na,...,a,a com 121 +<<< na...aa estão em proporção

continuada, temos: 1

1

3

2

2

1

+

− ====n

n

n

n

a

a

a

a...

a

a

a

a.

Logo, =−+

n

nn

a

aa 1 ==−

− ...a

aa

n

nn

1

1 =−

2

23

a

aa

1

12

a

aa − e assim

=++++

+

121

11

aa...aa

aa

nn

n .a

aa

1

12 −

No caso ara,aa == 21 ..., tem-se a

aar

S

aar

n

n −=

−, ou

seja, .r

raS

n

n 1

1

−−

=

Proposição 36 (números perfeitos): Se tantos números quanto se queira, começando com uma unidade, forem colocados continuamente em proporção dupla até que a soma de todos se torne

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um número primo, e se a soma for multiplicada pelo último, o produto será perfeito.

Em notações atuais: se 122221 12 −=++++ − nn... é primo,

então )( 122 1 −− nn é perfeito. Exemplos:

Para n = 2 tem-se 3122 =− , primo. Logo 6122 2 =− )( é perfeito.

Para n = 3 tem-se 7123 =− , primo. Logo 28122 3 =− )( é perfeito. Vale lembrar que um número é perfeito se é igual à soma de seus divisores próprios. Livro X Com 115 proposições, o mais longo dos treze, classifica diversos tipos de grandezas incomensuráveis, produzidas pela extração de raízes quadradas. Dentre os incomensuráveis estudados, estão os dos tipos

,b,ba,ba,ba +±+± a sendo que a e b são grandezas comensuráveis. Embora acredite-se que esse livro tenha sido quase todo produzido por Teetecto, sua primeira proposição é o famoso método de exaustão de Eudoxo, que já nos referimos anteriormente. A proposição 28 mostra como podem ser encontradas as ternas pitagóricas, ou seja, os ternos de números inteiros positivos em que o quadrado de um é igual a soma dos quadrados dos outros dois. Livro XI Com 39 proposições, corresponde à passagem de Euclides do plano para o espaço. Pela primeira vez são tratadas as figuras sólidas, definidas como as que têm comprimento, largura e espessura. São definidas figuras como ângulo sólido, pirâmide, prisma, paralelepípedo, cone, esfera e os cinco poliedros regulares.

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Livro XII Com 18 proposições, é dedicado ao estudo de áreas e volumes de figuras como círculos, cones, esferas e pirâmides. Proposição 1: Áreas de polígonos semelhantes inscritos em círculos estão entre si como os quadrados dos respectivos diâmetros. Proposição 2: As áreas dos círculos estão entre si como os quadrados dos respectivos diâmetros. Proposição 7: Qualquer prisma de base triangular pode ser dividido em três pirâmides de bases triangulares de iguais volumes. Proposição 10: O volume de qualquer cone é a terça parte do volume do cilindro de mesma base e mesma altura. Livro XIII Com 18 proposições, trata da construção, com régua e compasso, dos cinco poliedros regulares: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro.

Outras Obras de Euclides Euclides e os Elementos são freqüentemente considerados sinônimos, mas a realidade é que escreveu cerca de uma dúzia de tratados, cobrindo tópicos variados, desde óptica, astronomia, música e mecânica e até um livro sobre secções cônicas. Do que Euclides escreveu mais da metade se perdeu, inclusive o tratado sobre cônicas. Cinco obras de Euclides sobreviveram até hoje: Os Elementos, Os Dados, Divisão de figuras, Os fenômenos e óptica.

118

ARISTARCOARISTARCOARISTARCOARISTARCO (310 – 230 a.C.) Aristarco de Samos defendeu uma interessantíssima e significativa teoria astronômica, o heliocentrismo, contrariando todas as teorias até então apresentadas, desde os mesopotâmios.

Autor de um tratado Das Dimensões e Distâncias do Sol e da Lua, procurou determinar essas distâncias relativamente uma à outra, calculando a distância angular entre os dois astros quando a

Lua estivesse no quarto crescente, isto é, quando as retas que unem o Sol à Lua e esta à Terra formam um ângulo reto na Lua.

Aristarco desse modo deduziu que:

1. A distância da Terra ao Sol é maior que 18 vezes e menor que 20 vezes a distância da Terra à Lua.

2. Os diâmetros do Sol e da Lua têm a mesma razão que suas distâncias da Terra.

3. A razão do diâmetro do Sol pelo diâmetro da Terra é maior do que 19/3 e menor do que 43/6.

Os erros cometidos devem-se aos dados usados, pois o raciocínio estava correto. São tão grandes as dificuldades desse processo, que foi impossível alcançar um alto grau de exatidão, e o resultado obtido por Aristarco (29/30 do ângulo reto, enquanto o verdadeiro é expresso pela fração 539/540) correspondia à razão de 1 para 19 entre as duas distâncias. O resultado não era ruim considerando que Aristarco não dispunha de bons processos trigonométricos ou qualquer outro método para aplicar no problema. Não se pode afirmar com certeza se essa notável antecipação da teoria de Copérnico era fruto de uma convicção ou simples

87º

Lua

Terra

Sol

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119

especulação feliz, mas de qualquer modo ela não foi aceita, e por isso não teve vida longa. Arquimedes, por exemplo, comentou a teoria de Aristarco discordando da essência do trabalho. É verdade que no século seguinte, Seleuco, um astrônomo de origem Babilônia, ensinou que havia a rotação da Terra sobre o seu eixo e a revolução em torno do Sol, no entanto, essas ousadas teorias não tornaram a ser formuladas senão 1700 anos depois. Seleuco teria observado também as marés, dizendo que “a revolução da Lua é oposta à rotação da Terra, mas o ar que se acha entre os dois astros, sendo arrastado para a frente, vem a cair no oceano e isso causa a perturbação do mar”.

ARQUIMEDESARQUIMEDESARQUIMEDESARQUIMEDES (287 – 212 a.C.) Arquimedes de Siracusa, considerado o maior sábio da Antiguidade e um dos mais famosos de toda a história da ciência é outro grande nome da escola alexandrina. Foi matemático,físico, astrônomo e engenheiro. Enriqueceu a geometria euclidiana, já altamente desenvolvida,

A morte de Arquimedes – Courtois introduziu importantes progressos na álgebra, lançou os fundamentos da mecânica e até prenunciou o cálculo diferencial e integral. Ao dar continuidade, e grande avanço, aos trabalhos de Eudoxo, aperfeiçoou o método de exaustão que seria durante dois mil anos o único instrumento seguro para o cálculo de áreas e volumes. Passou a maior parte de sua vida na cidade natal, tendo, em certas conjunturas, prestado valiosos serviços como engenheiro militar. Tinha talento especial para inventar instrumentos práticos – catapultas para lançar pedras, cordas, polias, ganchos para levantar navios e espelhos para causar incêndios.

120

Nessa época, Roma já estava em expansão, com muitas guerras de conquistas, dentre as quais são bem conhecidas as chamadas “guerras púnicas” contra Cartago. Esta cidade ficava onde hoje é um subúrbio de Tunis, a capital da Tunísia. Cartago controlava uma extensa região que se estendia até a Espanha, constituindo-se numa incômoda rival de Roma. Na segunda das guerras púnicas, Siracusa se aliara a Cartago, daí ter sofrido uma investida fatal de Roma. Há indícios de que Siracusa resistiu bravamente aos ataques do general Marcelo, graças às máquinas de guerra idealizadas por Arquimedes. Finalmente, depois de um longo cerco, acabou por sucumbir à superioridade das tropas romanas. Há várias versões sobre a morte de Arquimedes; segundo uma delas, durante o saque da cidade, em 212 a.C., ele foi morto por um soldado romano, quando absorto, se ocupava com problemas matemáticos. Os trabalhos de Arquimedes (em ordem cronológica provável) Sobre o equilíbrio de figuras planas, I; A quadratura da parábola; Sobre o equilíbrio de figuras planas, II; Sobre a esfera e o cilindro, I, II; Sobre as espirais; Sobre os conóides e esferóides; Sobre os corpos flutuantes I, II; A medida do círculo; O Contador de grãos de areia e A carta a Eratóstenes sobre o Método. Segue alguns comentários que consideramos importantes sobre algumas obras de Arquimedes. A Medida do Círculo

Neste trabalho, Arquimedes prova três proposições:

1- Todo círculo é equivalente a um triângulo retângulo em que os

catetos são iguais, respectivamente, ao raio e ao comprimento da circunferência do círculo.

Prova: Sejam r o raio do círculo, c o comprimento da circunferência, C a área do círculo e T a área do triângulo retângulo. Temos que provar que C = T.

Page 62: Hermes Antonio Pedroso

121

Suponha C > T. Seja A = C – T, A > 0. Considere um polígono regular inscrito de apótema m’, perímetro p’ e de área P’, tal que C – P’ < A.

Assim, C – P’ < A = C – T, ou seja, P’>T

Mas 2

'''

mpP

⋅= e

2

rcT

⋅=' , logo, p’ ⋅m’> >c⋅r, o

que é um absurdo, pois p’< c e m’<r. Então C ≤ T.

Suponha C < T. Seja A = T – C e considere um polígono circunscrito de apótema r, perímetro p e área P com P – C < A.

Assim, P – C < A = T – C, ou seja, P<T, ou

ainda, 2

pr ⋅ < 2

cr ⋅ , isto é,

p < <c, absurdo. Então, C ≥ T.

Portanto, C = T = 2

rc ⋅.

2 - Se c é o comprimento da circunferência e d é o diâmetro então (3 +

71

10 )d < c < (3 + 70

10 )d, ou seja, 3 + 71

10 < π < 3 + 7

1 .

Em decimais temos a seguinte relação: 3,14084 < π < 3,142858. 3 - O círculo está para o quadrado de seu diâmetro aproximadamente na razão

14

11 .

r C r

c

T

m'

r

122

A Quadratura da Parábola

A seguir, o processo de demonstração de Arquimedes, pelo

método de exaustão, em que a área de um segmento parabólico é 34

da área do triângulo inscrito de mesma base e altura.

Suponha que a figura acima represente uma porção de parábola determinada pela corda C’C, perpendicular ao seu eixo AB. Como definição de parábola considera-se o conjunto dos pontos P tais que AP’ seja proporcional a (P’P)2 - isto é, em notação atual, y = kx2.

Arquimedes mostrou que essa porção de parábola é 34 da área do

triângulo C’AC, o que equivale a dizer que a área limitada por AB,

BC, e a parábola é 34 da área do triângulo ABC. Para tanto ele

“exauriu” a área parabólica somando primeiro o triângulo ADC ao ABC, em que D é o ponto em que uma paralela a AB , pelo ponto

médio M de BC, corta a parábola, e mostrando que ADC = 41 ABC.

A seguir construiu paralelas a AB por M’e M”, pontos médios de MC e BM, respectivamente, as quais cortam a parábola em D’ e D”.

Então mostrou que AD”D + DD’C = 41 ADC =

241 ABC.

Continuando indefinidamente com esse processo, chega-se à conclusão de que a área parabólica é dada aproximadamente por

Page 63: Hermes Antonio Pedroso

123

ABC + 41 ABC +

241 ABC +...+ n4

1 ABC, (1)

a qual, à medida que n cresce, aproxima-se cada vez mais de

3

4ABC.

A prova de que ADC = 4

1ABC faz-se como se segue, com a

notação e os segmentos construídos da figura. Da definição de

parábola, AF = k(FD)2 e AB = k(BC)2. Como FD = BM = 21 BC,

deduz-se que AF = HD = 4

1AB. Por semelhança de triângulos,

2

1==

BC

MC

AB

EM , de modo que EM =21 AB. Daí

DE = AB – HD – EM = AB – 4

1AB –

21 AB =

4

1AB.

Assim, ADE e AEM têm a mesma altura AH e bases DE = 4

1AB

e EM = 21 AB, respectivamente. Logo, ADE =

21 AEM. Do

mesmo modo, DEC = 21 EMC; de maneira que, por adição, ADC =

21 ACM. Além disso, ACM e AMB têm bases iguais (MC e BM) e

mesma altura (AB), e assim ADC =4

1ABC.

Analogamente, com o uso dos segmentos construídos

apresentados na figura, podemos provar que DD’C = 4

1DCE e

AD”D = 4

1ADE, de forma que AD”D + DD’C =

4

1 ADC =

= 24

1ABC, completando assim a segunda etapa da prova.

124

Como decorrência da Quadratura da Parábola, realizada por Arquimedes, surge provavelmente a primeira série infinita na

Matemática, uma progressão geométrica de razão 4

1.

Mostraremos a seguir o processo utilizado por Arquimedes para encontrar a soma dessa série, evitando fazer n→∞. Problema: Mostrar que

3

4

4

1

4

1

4

11

2=+++++ ......

n.

Segundo Arquimedes, 3

4

4

1

3

1

4

1

4

1

4

11

2=⋅+++++

nn... .

Isso segue do seguinte fato: 14

1

3

1

43

4

4

1

3

1

4

1−

⋅=⋅

=⋅+kkkk

Portanto, =

⋅+++++nn

...4

1

3

1

4

1

4

1

4

11

2

= =

⋅+++++−− 112 4

1

3

1

4

1

4

1

4

11

nn... .. . . .=

3

4

3

11

4

1

3

1

4

11 =+=

⋅++

A quadratura da parábola pelo Método da Alavanca O método que Arquimedes visualizou corretamente e que habilitaria seus contemporâneos e sucessores a fazer novas descobertas, consistia num esquema para equilibrar entre si os “elementos” de figuras geométricas. Foi na quadratura da parábola que aplicou, pela primeira vez o chamado método da alavanca, tendo equilibrando entre si os segmentos de reta que formam o triângulo com os correspondentes segmentos que formam o setor parabólico.

Após ter descoberto uma certa propriedade, por método da alavanca, ele aplicava o método de exaustão para prová-las, ajustando-se assim aos padrões de rigor da época.

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125

Seja s a região limitada por uma parábola p e uma corda AB de

ponto médio M. Seja t a tangente a p em A. Dos pontos B e M traçam se retas paralelas ao eixo, as quais interceptam t em D e E, respectivamente; suponha que ME intercepte p em C, ponto este chamado de vértice de s. Temos que C é o ponto médio de ME. Seja l a reta que contém AC e indiquemos por F sua intersecção com BD.

Nessa altura Arquimedes compara o segmento parabólico s com o triângulo ABD. Seja O um ponto qualquer de AB. Suponha que a reta por O, paralela ao eixo de p intercepte p, t e l nos pontos P, Q e

R, respectivamente. Assim, AF

RF

AB

OB

OQ

OP== .Nesse ponto dá um

passo engenhoso: considera l como uma alavanca, com fulcro em F, e toma o ponto T em l de maneira que F seja o ponto médio de AT. Em T ele “pendura” um segmento UV, congruente a OP. Então, da

igualdade acima TF

RF

AF

RF

OQ

UV== , ou UV⋅TF = OQ⋅RF.

Assim o segmento UV, suspenso pelo seu ponto médio T, está em equilíbrio com o segmento OQ, suspenso pelo seu ponto médio R. Arquimedes imagina agora o triângulo ABD como a união de todos os segmentos de reta como OQ, paralelos ao eixo. Cada um deles tem um segmento correspondente OP congruente a um segmento UV, que se “pendura” em T. Dessa forma concebe o triângulo em equilíbrio com o segmento parabólico s, que se imagina suspenso em T. Além do mais, como se sabia previamente, pode-se considerar o triângulo suspenso pelo seu baricentro, que é o

126

ponto G de l tal que FG = 31 FA = 3

1 FT. Portanto, s e o triângulo

ABD têm áreas cuja razão é 1:3. Finalmente, a área do triângulo ABD é o quádruplo de área do triângulo ABC, e temos a descoberta

de Arquimedes: a área do segmento parabólico é 34 da área do

triângulo com a mesma base e mesmo vértice.

O contador de grãos de areia Trata-se de uma contribuição de Arquimedes à logística (aritmética aplicada), em que mostrava, de maneira engenhosa, como escrever um número maior do que o número de grãos de areia necessários para encher o universo. Como quase todos os astrônomos da antiguidade, Arquimedes, concebia o universo na forma de uma enorme esfera, com centro na Terra (imóvel) e raio igual à distância da Terra ao Sol. Subestimando o tamanho de um grão de areia, Arquimedes admitiu que 10.000 desses grãos preenchessem o espaço ocupado por uma semente de papoula; e que 40 dessas sementes, justapostas lado a lado, excederiam a largura de um dedo. Daí concluiu (usando

a relação 33

6d

dV <

⋅π= , em que d seria o diâmetro e V o volume

de uma esfera) que uma esfera de diâmetro igual à largura de um dedo não conteria mais que 403 = 64.000 sementes de papoula e, portanto, nela não caberiam mais que 10.000×64.000 = 640 milhões de grãos de areia, seguramente, então, essa esfera comportaria menos de 1 bilhão, isto é, 109 de grãos de areia. A seguir Arquimedes introduziu em seu raciocínio o estádio (unidade de medida de comprimento equivalente a cerca de 160 m) que estimou em menos de 104 larguras de dedos. Como os volumes de duas esferas estão entre si na razão dos cubos de seus diâmetros, o número de grãos de areia necessário para preencher uma esfera de

diâmetro igual a um estádio seria menor que ( )349 1010 ⋅ =1021. Por outro lado, usando dados de medidas astronômicas conhecidas em sua época, não lhe foi difícil estabelecer que o diâmetro do universo era inferior a 1010 estádios. Então repetindo a

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127

argumentação anterior, concluiu que para preencher totalmente esse

universo bastaria um número de grãos inferior a ( )31021 1010 ⋅ =1051. Contar grãos de areia pode ter sido para Arquimedes apenas um exercício para por em prática um sistema de numeração, que criou, de base 108, para exprimir números muito grandes, já que o sistema alfabético em uso na Grécia era deficiente quanto a este aspecto. Sobre as espirais Arquimedes, como seus predecessores, foi atraído pelos três problemas famosos de geometria, e a espiral por ele introduzida forneceu soluções para dois deles – driblando a exigência “apenas com régua e compasso”. A espiral é definida como o lugar geométrico no plano de um ponto que se move, partindo da extremidade de um raio ou semi-reta, uniformemente ao longo do raio enquanto esse, por sua vez, gira uniformemente em torno de sua origem. Em coordenadas polares a equação, em notação atual, é θ= ar .

Dada uma tal espiral, a trissecção de um ângulo é possível. O ângulo é colocado de modo que seu vértice e primeiro lado coincidam com o ponto inicial O da espiral e a posição inicial AO da semi-reta. O segmento OP, sendo P o ponto em que o segundo lado do ângulo corta a espiral, é então dividido em três partes iguais pelos pontos R e S. Traça-se dois círculos com centro O e raios OR e OS que interceptam a espiral nos pontos U e V. Desse modo as retas OU e OV trissectam o ângulo AOP.

O A

R

S

P

U

V θ

ψ

O

R

Q

P

S

128

Arquimedes mostrou que a espiral também pode usada para resolver o problema da quadratura do círculo. Fez isso por uma típica dupla reductio ad absurdum. Pensando num ponto sobre a espiral como sujeito a um duplo movimento – um movimento radial uniforme, afastando-se da origem do sistema de coordenadas e um movimento circular uniforme em torno da origem – Arquimedes encontrou a direção do movimento, ou seja, da tangente à curva, determinando a resultante dos dois movimentos componentes. Parece ser esse o primeiro caso em que se determinou a tangente a uma curva que não era a circunferência. Entre as 28 proposições de Sobre espirais há várias que dizem respeito a áreas. Por exemplo, na proposição 24 mostrou que a área varrida pelo raio vetor em sua primeira rotação completa é um terço da área do primeiro círculo. A esfera e o cilindro Em seu importante tratado Da esfera e do cilindro, Arquimedes deduz três novas proposições: • A superfície da esfera é igual a quatro vezes a área do seu

círculo máximo, ou seja, 24 rA π= . • A área convexa de uma calota esférica é igual à área do círculo

que tem como raio a reta traçada do vértice a um ponto qualquer do perímetro da base.

• O volume do cilindro que tem por base um círculo máximo e

por altura o diâmetro de uma mesma esfera, é igual a 2

3 do

volume dessa esfera. Ao tentar resolver o problema de seccionar uma esfera por um plano de maneira que os volumes ou as superfícies das duas calotas formadas guardassem entre si determinada relação, Arquimedes obteve uma equação de terceiro grau. Parece ter dado a solução, indicando ao mesmo tempo as condições de existência de uma raiz positiva, mas a obra perdeu-se. Em Conóides e Esferóides, por meio de secções planas

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129

transversais, estuda os sólidos formados pela revolução da elipse, da parábola e da hipérbole, e determina o volume desses corpos comparando com os cilindros inscrito e circunscrito à porção, compreendida entre dois planos. A mecânica de Arquimedes Arquimedes foi o pioneiro em mecânica e deu as primeiras demonstrações matemáticas que se conhecem. Em seus dois livros sobre o Equilíbrio dos planos propõe-se determinar o centro de gravidade de diversas figuras planas, inclusive do segmento parabólico. Escreveu um tratado sobre as alavancas e, provavelmente sobre máquinas em geral, mas esse livro perdeu-se, bem como outra obra sobre a construção de um globo celeste. Uma esfera estelar e um planetário construídos por ele foram conservados durante muito tempo em Roma. A alavanca e a cunha eram conhecidas desde remota antiguidade e Aristóteles mencionara a prática desonesta dos mercadores que desviavam o fulcro das balanças, mas antes de Arquimedes não se conhece qualquer tentativa de estudo matemático do assunto. Admite ele como evidentes os princípios seguintes:

• Grandezas de igual peso agindo a distâncias iguais do seu ponto de apoio equilibram-se.

• Grandezas de igual peso agindo a distâncias desiguais de seu ponto de apoio não se equilibram, e aquela que age a maior distância supera a outra.

• Grandezas comensuráveis ou incomensuráveis equilibram-se quando são inversamente proporcionais às suas distâncias do ponto de apoio.

Princípio de Arquimedes:

Na obra sobre os Corpos flutuantes Arquimedes exprime entre vários resultados o seu conhecido princípio hidrostático: todo sólido mais leve que um fluido, se colocado nele ficará imerso o suficiente para que o seu peso seja igual ao do fluido deslocado. Por outro lado um sólido mais pesado que um fluido, se colocado nele, descerá até

130

o fundo do fluido, e o sólido, se pesado dentro do fluido, pesará menos do que seu peso real de um tanto igual ao peso do fluido deslocado.

Arquimedes no banho, Gaultherus Rivius, Nuremberg, - 1574 Sobre os Corpos Flutuantes (A Coroa do Rei) Arquimedes era bem relacionado com rei Hierão de Siracusa e talvez fosse seu parente. Conta-se que Hierão mandou fazer uma coroa de ouro e, desconfiado quanto a “pureza” do ouro da coroa, consultou o sábio para dirimir suas dúvidas. Diz a lenda que Arquimedes descobriu como resolver o problema enquanto tomava banho e refletia sobre o fato de que os corpos imersos na água – como seu próprio corpo – se tornam mais leves, exatamente pelo peso da água que deslocam. Esse fato lhe teria permitido idealizar um modo de resolver o problema da coroa, e de tão eufórico que ficou com a descoberta, saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando “Eureka! Eureka”, ou seja, “Descobri! Descobri!”. Para resolver o problema da coroa utiliza-se, então, o princípio de Arquimedes e um pouco de proporções. Seja P o peso da coroa, que supõe-se composta de um peso x de ouro e um peso y de prata. Logo P = x + y .

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131

Suponha que a porção de ouro de peso x tenha peso x’ quando pesada dentro d’água, e seja X’ o peso, dentro d’água, de uma porção de ouro de peso igual ao peso P da coroa. Ora, o peso do ouro dentro d’água é proporcional ao seu peso fora d’água (porque o volume é proporcional ao peso, devido à homogeneidade do

material). Assim, P

'X

x

'x= , ou seja,

P

'xX'x = .

De modo análogo, o peso da prata, quando pesada dentro d’água, é proporcional ao seu peso fora d’água. Se y’ designa o peso, dentro d’água, da porção de prata de peso y, e Y’ o peso, dentro d’água, de uma porção de prata de peso igual ao peso P da coroa, então tem-se, exatamente como no raciocínio anterior,

P

'yY'y = .

Seja P’ o peso da coroa quando pesada dentro d’água. Como P’ = x’ + y ’, analogamente chega-se a P’ = x’ + y’

=P

'yY'xX +, portanto, ''' yYxXPP += , ou ainda,

'P'X

'Y'P

y

x

−−

= .

Faltam dados específicos sobre a coroa verdadeira que o rei Hierão entregou a Arquimedes para ser investigada mas pode-se muito bem imaginar uma situação concreta. Suponha que a coroa pesasse P = 894 g fora d’água e 834 g dentro d’água e também que X’ = 847,7 g e Y’ = 809 g. Substituindo esses valores nas respectivas

equações, encontramos 821713

25

8347847

809834,

,,y

x≅=

−−

= .

Então chega-se ao sistema de equações seguinte, para determinar x e y, x + y = 894, x = 1,82y, cuja solução é x ≅ 577 g e y ≅ 317 g. Portanto a coroa imaginária contém 577 g de ouro e 317 g de prata. Tendo em conta que o peso específico do ouro é 19,3 g/cm3 e o da prata é 10,5 g/cm3, pode-se calcular as quantidades volumétricas de ouro e prata usados na coroa. Trata-se, novamente, de um cálculo simples usando proporções. Sejam V0 e Vp, respectivamente, os volumes de ouro e prata empregados para fazer a coroa. Então,

132

1

319

0

,

V

x= e

1

510,

V

y

p

= , e substituindo x = 577 e y = 317 e

resolvendo as equações resultantes encontramos

929319

5770 ,

,V ≅= cm3 e 230

510

317,

,Vp ≅= cm3

Nota-se, portanto, que o ourives usou praticamente as mesmas quantidades volumétricas de ouro e prata, aproximadamente 30 cm3 de ouro e 30 cm3 de prata. Outras Obras No chamado Livro de Lemas encontra-se – na proposição 8 – a bem conhecida trissecção do ângulo de Arquimedes. Seja ABC o ângulo a ser trissectado.

Então com B como centro, traçar uma circunferência de qualquer raio, que cortará AB em P, e a reta r, por BC, em Q e R. A seguir traçar uma reta STP tal que S esteja em r e T sobre a circunferência tal que ST = BQ = BP = BT. Verifica-se sem dificuldade, uma vez que os triângulos STB e TBP são isósceles, que o ângulo BST é precisamente um terço do ângulo QBP, o ângulo a ser trissectado. Arquimedes e seus contemporâneos sabiam, é claro, que essa não era uma trissecção canônica no sentido platônico, pois envolve o que chamavam de neusis, isto é, a inserção de um comprimento dado, no caso ST = BQ, entre duas figuras, aqui a reta r e a circunferência. A Carta a Eratóstenes sobre o Método Foi descoberto em 1906, em Constantinopla, pelo filólogo dinamarquês J. L. Heiberg (1854–1928), uma importante obra de

S R B Q C

P

A

T

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133

Arquimedes, conhecida como “O Método”, justamente porque nele o geômetra grego descreve um “método mecânico” para investigar questões matemáticas. Arquimedes freqüentemente enviava suas obras aos sábios de Alexandria, prefaciando-as com cartas esclarecedoras. Seu livro, “O Método”, contém como prefácio uma carta a Eratóstenes de Alexandria, a qual começava assim:

Arquimedes a Eratóstenes,

Saudações

Enviei-lhe em outra ocasião alguns teoremas descobertos por mim, meramente os enunciados, deixando-lhe a tarefa de descobrir as demonstrações então omitidas... Vendo em você um dedicado estudioso, de considerável iminência em Filosofia e um admirador da pesquisa matemática, julguei conveniente escrever-lhe para explicar as peculiaridades de um certo método pelo qual é possível investigar alguns problemas de Matemática por meios mecânicos... Certas coisas primeiro se tornaram claras para mim pelo método mecânico, embora depois tivessem de ser demonstradas pela Geometria, já que sua investigação pelo referido método não conduzisse a provas aceitáveis. Certamente é mais fácil fazer as demonstrações quando temos previamente adquirido, pelo método, algum conhecimento das questões do que sem esse conhecimento... Estou convencido de que será valioso para a Matemática, pois pressinto que outros investigadores da atualidade ou do futuro descobrirão, pelo método aqui descrito, outras proposições que não me ocorreram.

É oportuno observar, a propósito das palavras finais da citação acima, que o chamado “método dos indivisíveis”, inventado no século XVII, e que impulsionou o Cálculo Diferencial e Integral, é muito parecido com o “método mecânico” de Arquimedes. Está certo que tanto um, quanto outro carecia de fundamentação, mas possuíam ingredientes decisivos para grandes avanços da matemática.

134

Arquimedes e Euclides Confrontando algumas limitações de Euclides com o vasto alcance da matemática grega, Félix Klein (1849-1925) caracterizou mais ou menos como segue a obra de Arquimedes: • Em perfeito contraste com o espírito dos Elementos de Euclides, Arquimedes possui um senso altamente desenvolvido do cálculo numérico. Um de seus grandes feitos foi o cômputo de π , pelo método aproximativo dos polígonos regulares. Em Euclides não há sinais de interesse por semelhantes resultados numéricos. O geômetra de Alexandria limitou-se a mencionar que as áreas de dois círculos são proporcionais aos quadrados dos raios e que duas circunferências são proporcionais aos raios respectivos, sem tomar em consideração o fator de proporcionalidade. • É característico de Arquimedes o amplo interesse por toda sorte de aplicações práticas, inclusive os mais variados problemas físicos e técnicos. Foi assim que descobriu os princípios hidrostáticos e construiu engenhos bélicos. Euclides, pelo contrário, compartilhou a opinião de certas escolas filosóficas antigas, ou seja, a de que as aplicações práticas das ciências constituíam uma ocupação mecânica e inferior. • Finalmente, Arquimedes foi um grande investigador e precursor, e, cada uma de suas obras representou um progresso para a ciência. ERATÓSTENESERATÓSTENESERATÓSTENESERATÓSTENES (276 – 194 a.C.) Eratóstenes de Cirene, diretor da grande biblioteca de Alexandria por volta de 235 a.C., introduziu os fundamentos da geografia matemática, que permaneceu por longo tempo como uma das principais obras de consulta na área. Após um estudo histórico, apresentou dados numéricos sobre a terra habitada, que, segundo a sua estimativa, media 78.000 estádios de comprimento e 38.000 de largura (o estádio correspondia a cerca de 150 metros). Eratóstenes foi o primeiro geógrafo a traçar o seu mapa com linhas entrecruzadas que indicavam a latitude e a longitude. Em conexão com esse trabalho, procedeu a um cálculo notavelmente feliz da circunferência da Terra. Baseou-se na seguinte observação, encontrada num dos incontáveis papiros da Biblioteca: em Siene

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(atual Assuã), a 5.000 estádios (800 km) ao Sul de Alexandria, ao meio dia do solstício de verão (o mais longo dia do ano, 21 de junho no Hemisfério Norte), os raios solares incidiam no fundo de um comprido poço, ou seja, o Sol situava-se a prumo. Por outro lado isso não se verificava em Alexandria e havia, inclusive, uma estimativa para a distância zenital do Sol, ao meio dia que era de 1/50 da circunferência terrestre. Considerando que as duas cidades se situam, aproximadamente, no mesmo meridiano, Eratóstenes concluiu que a circunferência terrestre devia medir 250.000 estádios. Mais tarde corrigiu esta cifra para 252.000, provavelmente para obter um número redondo, 700 estádios, para o comprimento do arco de um grau. Na figura, C é o centro da Terra; AS, distância de Alexandria a Siene (5,000 estádios); DS, eixo do poço; EA, vara vertical plantada em Alexandria. Logo, por uma regra de três simples, temos:

⇒°=°

⇒°

=

°

00053605

17

360

00055

17

...xx.

000250.x =

Esse resultado, um tanto incerto para nós em razão de não conhecermos o valor exato do estádio, foi uma excelente estimativa da circunferência terrestre com erro de 50 milhas, apenas. Também se atribui a Eratóstenes a medida da obliqüidade da eclíptica, com um erro de sete minutos aproximadamente. Versado que foi no estudo dos filósofos platônicos atenienses e dotado de extraordinária riqueza de aptidões, tais como, filólogo, matemático, filósofo e atleta, Eratóstenes escreveu sobre muitos assuntos. A chamada “peneira” (ou crivo) de Eratóstenes é um método para separar sistematicamente os números primos. Dispondo-se em

C S

D A

E

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ordem crescente a série dos números inteiros positivos e riscando-se em primeiro lugar todos os múltiplos de 2, maiores do que 2, depois os múltiplos de 3, maiores do que 3, os múltiplos de 5, maiores do que 5, etc. Finalmente restarão apenas os números primos 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, etc. Grande amigo de Arquimedes e a quem o gênio de Siracusa enviava trabalhos sobre suas descobertas, em especial a famosa carta que ficou conhecida como O Método, porque divulgava os segredos de descobertas matemáticas através da mecânica. APOLÔNIOAPOLÔNIOAPOLÔNIOAPOLÔNIO (262 – 200 a.C.) Apolônio de Perga, estudou em Alexandria e lá permaneceu por um bom tempo. A seguir foi para Pérgamo, onde foi criada uma instituição mais ou menos como o Museu que, inclusive, foi considerada a segunda mais importante desse período. O grande geômetra – como é conhecido Apolônio – foi, ao lado de Euclides e Arquimedes, reconhecidamente um dos maiores matemáticos de todos os tempos. Tendo lançado os germes da geometria analítica, deve sua reputação a uma importante obra sobre as secções cônicas. Assim como os Elementos de Euclides substituíram textos anteriores com proposta semelhante, o tratado sobre Cônicas de Apolônio superou todos os rivais nesse campo, inclusive as Cônicas de Euclides. Se a sobrevivência é uma medida de qualidade, os Elementos de Euclides e as Cônicas de Apolônio foram claramente as melhores obras em seus campos. Quando Apolônio estava em Alexandria, foi procurado por um geômetra chamado Naucrates, e a seu pedido escreveu uma versão apressada de as Cônicas em oito livros. Mais tarde, em Pérgamo reelaborou a obra e os livros IV e VII iniciam com saudações a Atalus, rei de Pérgamo. Apolônio inicia o Livro I de as Cônicas com uma exposição dos motivos que o levaram a escrever a obra e, a seguir, descreveu os quatro primeiros livros como se formassem uma introdução elementar ao assunto, com exceção de alguns teoremas de sua autoria no Livro III. Os quatro últimos livros ele descreveu como

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extensões além do fundamental, e pode-se constatar que, de fato, nesses a teoria se expande em direções mais especializadas. Antes de Apolônio, a elipse, a parábola e a hipérbole eram obtidas como secções de três tipos bem diferentes de cones (circular reto de uma folha), conforme o ângulo no vértice fosse agudo, reto ou obtuso. Apolônio mostrou sistematicamente que não era necessário tomar secções perpendiculares a um elemento do cone e que de um único cone (de duas folhas) poderiam ser obtidas as três curvas, simplesmente variando a inclinação do plano de secção.

Outra generalização realizada por Apolônio foi sua prova de que o cone não precisaria ser reto, isto é, um cone com eixo perpendicular à base circular, mas poderia também ser oblíquo ou escaleno.

Ao considerar, no estudo, um cone com duas folhas, Apolônio introduziu as três curvas do modo como as conhecemos atualmente, inclusive os três nomes (elipse, parábola e hipérbole) e a hipérbole com dois ramos. No Livro II, por exemplo, abordou as propriedades assimptóticas e provou algumas proposições relativas às hipérboles conjugadas. O

Livro III contém inúmeros teoremas sobre tangentes e secantes e introduziu os focos com esta definição: “foco é um ponto que divide

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o eixo maior em duas partes cujo retângulo (produto) equivale à quarta parte do retângulo formado pelo latus rectum e pelo eixo maior” – ou ao quadrado que tem por lado o eixo menor. Apolônio, todavia, não considerou o foco da parábola e a diretriz de cada secção cônica – elementos esses que só seriam considerados por Papus no século III d.C. Um resultado importante provado por Apolônio é que a tangente às cônicas forma ângulos com os raios focais, no ponto de tangência, tais que a soma é constante para a elipse e a diferença é constante para a hipérbole.

Apolônio, com outras notações é claro, chegou à classificação das cônicas por y² = px + qx², sendo que para q = 0, teríamos uma parábola, para q < 0, uma elipse e para q > 0, uma hipérbole. O estudo de diâmetros conjugados, tangentes e o emprego de linhas paralelas aos eixos principais, foram primordiais para a introdução dos sistemas de coordenadas em geometria. Com as extensões introduzidas por Apolônio e por ter provado mais de 400 proposições é que foi considerado, por muitos estudiosos do assunto, como o criador da geometria analítica. Se usou coordenadas, ou não, ainda não está claro, mas, o certo é que o seu trabalho(as Cônicas) está muito próximo dos cursos atuais dessa importante disciplina. Prova disso é que foi o ponto de partida para os matemáticos do século XVII. É digno de nota que Fermat (1601-1665), um dos criadores da geometria analítica, tenha sido levado a essa invenção pela tentativa de reconstituir certas demonstrações perdidas de Apolônio sobre os lugares geométricos.

d1 d2 d1 + d2 = c

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Outras Obras Problema de Apolônio Num tratado sobre Tangências, descrito por Papus, encontra-se o problema conhecido hoje como “Problema de Apolônio”: dados três elementos, cada um dos quais podendo ser um ponto, uma reta ou uma circunferência, traçar uma circunferência que é tangente, simultaneamente, aos três elementos (sendo que circunferência tangente a um ponto significa passar pelo ponto).

Esse problema envolve dez casos, desde os dois mais fáceis, em que são considerados três pontos ou três retas, até o mais difícil quando são dadas três circunferências. Os dois primeiros já apareceram em Os Elementos de Euclides em conexão com círculos inscrito e circunscrito a um triângulo; os outros seis foram tratados no Livro I de Tangências e os casos de duas retas e uma circunferência, e o de três circunferências ocupavam o Livro II. Como o trabalho de Apolônio se perdeu os estudiosos dos séculos XVI e XVII, em geral, chegaram a duvidar de que Apolônio tivesse resolvido o último caso e por isso o consideravam como um desafio às suas capacidades. Newton, por exemplo, o resolveu usando apenas régua e compasso. No campo da aritmética, diz-se que Apolônio obteve uma aproximação melhor do que a de Arquimedes para o valor de π , talvez 3,1416 e que teria inventado um método abreviado de multiplicação e que empregou números grandes à maneira de Arquimedes. Havia, ainda, algumas outras obras das quais só os títulos são conhecidos. Entre elas uma sobre os espelhos ustórios, outra sobre os estacionamentos e retrogradações dos planetas e uma terceira sobre a teoria e o emprego do parafuso. Em astronomia, ao que se supõe, sugeriu que os movimentos planetários fossem expressos por meio de combinações de movimentos circulares, uma idéia que seria desenvolvida mais tarde por Hiparco e Ptolomeu.

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Não se pode determinar, com exatidão, até que ponto eram inéditos os resultados obtidos por Apolônio e que partes, de sua obra, representam uma simples compilação de trabalhos alheios. O que se pode afirmar, no entanto, é que a proporção de trabalhos originais é considerável. HIPARCO HIPARCO HIPARCO HIPARCO (180 – 125 a.C.) Hiparco de Nicéia foi o maior astrônomo da antiguidade e é considerado o inventor da trigonometria. Construiu, especialmente para uso dos astrônomos, uma tabela de cordas equivalente às atuais de senos. Forneceu também um método para resolver triângulos esféricos e foi o primeiro a indicar posições na superfície da Terra por meio da latitude e da longitude, o que constituiu o germe da geometria analítica. Nas cartas celestes, empregava a projeção estereográfica e, no traçado de mapas, a ortográfica. Eratóstenes, como vimos anteriormente, limitara-se a dar a latitude por meio da altura da estrela polar. Quase todas as obras de Hiparco se perderam, não obstante, Ptolomeu, o seu grande sucessor, baseou-se fortemente em seus trabalhos para elaborar o Almajesto, uma obra que se tornou semelhante aos Elementos, no caso da astronomia. Tendo à sua disposição o primitivo catálogo estelar de Aristilo e Timocáride, Hiparco ficou profundamente impressionado – como sucederia a Tycho Brahe séculos mais tarde – pelo aparecimento súbito no ano 134 a.C., de uma nova estrela de primeira grandeza no firmamento celeste, que se supunha imutável. Em conseqüência, impôs a si mesmo a dura tarefa de organizar, para a parte do céu que lhe era visível, um novo catálogo que, uma vez completo, abrangia mais de 1000 estrelas e, é importante que se diga, que esse catálogo permaneceu, com pequenas alterações, como modelo no gênero durante quase dezesseis séculos. Sua lista de constelações e sua classificação das estrelas em seis “grandezas”, de acordo com o brilho, formam a base das que existem atualmente.

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A precessão dos equinócios Comparando as posições de certas estrelas com as observadas 150 anos antes, Hiparco notou uma diferença na distância dessas ao ponto equinocial – o ponto de intersecção entre o equador celeste e a eclíptica (curva descrita aparentemente pelo Sol em torno da Terra) – diferença essa que, num dos casos observados alcançava 2 graus. Graças a uma inspiração genial, interpretou corretamente tal fato, atribuindo-o a um leve deslocamento dos pontos equinociais para frente, o qual correspondia a uma lenta rotação do eixo da Terra. Em virtude dessa rotação, o pólo celeste descreveria um círculo completo em muitos milhares de anos. Teoria planetária Atribui-se a Hiparco a melhoria de cálculos referentes a duração do dia, tamanho da Lua, duração do mês e ângulo da eclíptica.

A distância da Terra à Lua foi estimada por Hiparco em 402.500 Km. O valor aceito atualmente é de 390.000 Km. Para efetuar esse cálculo procede-se da seguinte maneira: suponha a Lua no zênite de um observador num ponto Z. No mesmo instante um outro observador em H, na mesma longitude de Z, vê a Lua nascer.

eclíptica

equador celeste

23º aproximadamente

142

O ângulo α é a diferença de latitude entre os dois observadores. Dessa forma, temos que:

01630Lua à

4006

Lua à distância

Terra da 900 ,

distância

.raio)(sen ===α− ,

sendo que0

16

189 =α . Logo a distância à Lua é 392.638,04

Após esses estudos, a ordem aceita para os astros, de acordo com as distâncias à Terra passou a ser a seguinte: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno. Essa ordem, que já fora adotada na Mesopotâmia alguns séculos antes de Hiparco, sofreria poucas modificações até os tempos de Copérnico. Principais conquistas de Hiparco Aproveitou eficazmente os conhecimentos obtidos por astrônomos mais antigos, submetendo-os a uma apreciação crítica; realizou uma longa e sistemática série de observações, servindo-se dos melhores instrumentos então disponíveis; elaborou uma teoria matemática dos movimentos dos corpos celestes, tão coerente quanto lhe permitiam os dados que possuía; organizou um novo catálogo de 1080 estrelas, adotando a classificação por grandezas, ainda em uso; descobriu a precessão dos equinócios; estabeleceu as bases da trigonometria. Finalizando, deve-se lembrar que após Hiparco a astronomia, de certa forma, estacionou pelo espaço de dezesseis séculos. É interessante conjecturar sobre as conseqüências que teriam advindo se o gênio de Hiparco tivesse adotado as ousadas teorias heliocêntricas de Aristarco, ao invés de se apegar às idéias geocêntricas tradicionais. Exercícios Exercícios Exercícios Exercícios

1. Descreva as fontes que Euclides provavelmente usou ao escrever Os Elementos; justifique suas conjecturas.

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2. Quais dos treze livros de Os Elementos você considera os mais importantes e quais você julga mais dispensáveis? Justifique sua resposta. 3. Use o algoritmo de Euclides para encontrar o máximo divisor comum de: a) 456 e 759 b) 567, 839 e 432 4. O número 213 – 1 é primo. Use esse fato para achar o quinto número perfeito em ordem de grandeza. 5. Prove a fórmula de Euclides para números perfeitos. 6. Prove que os volumes de duas esferas estão entre si como os cubos dos diâmetros. 7. Arquimedes é às vezes considerado o inventor do cálculo integral. Até que ponto você concorda ou discorda dessa opinião? 8. Euclides se apoiou em várias obras de seus predecessores. Até que ponto o mesmo vale para Arquimedes e Apolônio? 9. Em que sentido o tratado de Arquimedes, O Método, difere dos seus outros tratados? 10. Encontre a área entre as porções da espiral θ= ar formadas para

π≤θ≤ 20 e para π≤θ≤π 42 . 11. Você diria que Apolônio usou geometria analítica? Justifique sua resposta. 12. Resolva o “problema de Apolônio” para: a) o caso de dois pontos e uma reta; b) o caso de duas retas e um ponto. 13. Apolônio afirmava que a tangente a uma elipse ou hipérbole num ponto P sobre a curva faz ângulos iguais com os raios focais por P. Prove esse teorema.

144

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PERÍODO GRECOPERÍODO GRECOPERÍODO GRECOPERÍODO GRECO,,,,ROMANOROMANOROMANOROMANO

“Em matemática os caminhos não levam a Roma”. ( o autor)

ROMAROMAROMAROMA

Desde o século III a.C., que Roma já governava a península itálica. Duzentos anos depois tornou-se uma potência e, de 147 a 30 a.C., controlou quase todo o Mediterrâneo, inclusive o mundo grego. Estabeleceu um império que deveria prover um grau sem precedentes de paz, coesão e lei a uma região que se estendia do Egito à Bretanha. A unidade cultural imposta por esse império, foi responsável pela transmissão de conhecimento do Mediterrâneo para as áreas anteriormente atrasadas da Europa. Essa unidade foi ameaçada no século III d.C. e o império dividido em dois, o oriental, com base em Bizâncio (que sobreviveria até o século XV) e ocidental, ainda com base em Roma. O Ocidental ficou cada vez mais sujeito a invasões bárbaras, mas a dominação cultural de Roma se manteve nas instituições da Igreja Cristã. Roma e a ciênciaRoma e a ciênciaRoma e a ciênciaRoma e a ciência

Comparar o desenvolvimento científico e filosófico de civilizações distintas não é uma tarefa simples. No caso de Roma que é comparada com a Grécia há algumas ponderações interessantes. A verdade, segundo parece, é que os romanos, embora altamente dotados na oratória, literatura e história, muito eficientes como advogados, soldados e administradores, não se interessavam pelos trabalhos científicos e filosóficos e, em conseqüência, não foram bem sucedidos nesses campos. Esse fato chega a intrigar quando se considera as complexas formulações do direito romano, o arrojo de sua arquitetura nos grandes aquedutos e basílicas, o seu gênio militar no domínio de

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outros povos e na influência que exerceram. Mas é em vão que se procura um cientista ou filósofo romano da originalidade ou vastidão de conhecimentos de um Aristóteles ou Platão; um astrônomo comparável a Aristarco, Hiparco ou Ptolomeu; um filósofo naturalista da categoria de Demócrito ou Epicuro; um pioneiro da medicina como Hipócrates de Cos. Parece certo, então, que os romanos se apoderaram dos conhecimentos acumulados pelos gregos, sem enriquecê-los e deve-se ressaltar, ainda, o respeito e a profunda admiração que este povo tinha pelos gregos. Há uma máxima que diz que no primeiro século a.C. os romanos conquistaram os gregos e a cultura grega conquistou os romanos. Engenharia e arquitetura Há um traço característico da civilização romana, em que revelou extraordinária habilidade e alcançou grande primazia, mostrando-se superior a todos os seus predecessores. É o seu gênio para a engenharia, tanto militar como civil. Basta mencionar o que resta das muralhas, fortalezas, estradas, aquedutos, teatros, estabelecimento de banhos e pontes por eles construídos. Nunca, quer antes quer depois dos romanos, um império erigiu tantos e tão perduráveis monumentos para utilidade de seus povos na paz e na guerra. Os territórios da Europa Meridional, da Ásia Ocidental e do norte da África ainda se acham cobertos, após vinte séculos, de relíquias romanas que prometem resistir por outros dois mil anos à destruição e à ruína. A engenharia dos romanos é quase tão admirável quanto as suas leis. Os agrimensores formavam uma corporação bem organizada, mas eram apenas os práticos de uma arte tradicional, perpetuando os erros de seus antigos predecessores egípcios, sem sonhar com novos descobrimentos e nem sequer comunicando os conhecimentos que possuíam, fora do âmbito da corporação. A mais famosa obra sobre construção e assuntos correlatos, inclusive os materiais de construção, é a De Architectura de Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano que a escreveu por volta do ano 14 a.C. Esse livro célebre era o único importante que se

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conhecia na Idade Média e no Renascimento sobre tal matéria, sendo o guia e manual dos construtores daqueles períodos. A obra é, em parte, uma compilação de autores anteriores (gregos principalmente) e, em parte, original. Nos cálculos usava-se

para π o valor 8

13 , menos exato do que o de Arquimedes. Da vida

e demais trabalhos de Vitrúvio quase nada se sabe, mas nenhum outro tratado antigo, de caráter técnico como esse, exerceu em seu campo tão grande influência sobre a posteridade. O Calendário Juliano Júlio César empreendeu pessoalmente a solução de dois grandes problemas de matemática prática: a reforma do calendário e o levantamento geográfico de todo o Império. A exemplo dos mesopotâmios e dos gregos, os romanos também dividiam o ano em doze meses lunares, ou seja, 355 dias, começando em março, com a intercalação de um mês adicional sempre que isso se tornasse necessário para o reajustamento das estações. Como o senado, por motivos políticos, recusasse decretar meses intercalares, a diferença entre as datas oficiais e as solares elevava-se a cerca de 85 dias no ano 47 a.C. No Egito César obteve o auxílio de Sosígenes para a organização de um calendário que fosse independente da política. É provável que lhe tenham falado do ano egípcio de 365 dias e um quarto Resultou assim o decreto de 45 a.C., prolongando esse ano com três meses a mais e estabelecendo o início de uma nova era, a primeiro de janeiro de 45 a.C. Esse calendário, chamado Juliano, fixava um ano de 365 dias dividido em doze meses, mais ou menos iguais, devendo o primeiro começar oito dias depois do solstício do inverno. Após quatro anos, um dia adicional (chamado bissextus) era interpolado antes de 24 de fevereiro (sexto dia antes do primeiro de março). O nascimento helíaco de Sírio correspondia ao dia 20 de julho, e era a partir dessa que se computavam todas as datas.

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O levantamento geográfico, cujos resultados deveriam ser incorporados num grande mapa, mostrando as rotas de marcha dos exércitos romanos, só foi levado a efeito no reinado de Augusto.

Matemática GrecoMatemática GrecoMatemática GrecoMatemática Greco,,,,romanaromanaromanaromana

O declínio gradual da matemática grega nesse período, em geral, é atribuído ao pragmatismo dos romanos, interessados, apenas, nos assuntos de natureza prática, como a engenharia e o direito. O gosto grego pelas questões teóricas jamais o fascinaram e, na matemática, somente a aritmética elementar recebeu alguma atenção, por seu uso nas transações comerciais, na guerra, nas construções e na tributação. A aritmética comercial desdenhada pelos matemáticos gregos, passou a ocupar um lugar de honra. O sistema de numeração romano superou o alfabético dos gregos e era usado também um útil sistema de contagem pelos dedos, que complementava o hábil emprego do ábaco. Não havendo ábaco à mão, as linhas correspondentes eram rapidamente traçadas na terra ou na areia e pedrinhas ou calculi serviam de unidades. Alexandria, no período chamado greco-romano, continuaria sendo o centro da matemática e fonte de trabalhos originais, embora as compilações e os comentários se tornassem, cada vez mais, a forma de ciência predominante. A influência de outras culturas seria observada com freqüência nas obras dos principais matemáticos dessa época e a matemática de Alexandria, desse modo, não seria apenas a tradicional euclidiano-platônico. A aritmética computacional e mesmo a álgebra prática dos egípcios e mesopotâmios foram amplamente desenvolvidas, lado a lado, com demonstrações geométricas abstratas. A despeito da decadência que se deu na matemática e filosofia com a expansão do Império Romano, alguns eruditos alimentaram a débil chama da sabedoria antiga. A seguir um pouco da vida e obra dos matemáticos mais importantes dessa época considerada “último suspiro” da matemática grega. Há o acréscimo de Lucrécio e Boécio que eram romanos, mas se inspiravam muito nos gregos.

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LUCRÉCIO LUCRÉCIO LUCRÉCIO LUCRÉCIO (98 – 55 a.C.) Foi praticamente no final do período helenístico que floresceu o maior filósofo romano, Tito Lucrécio Caro. Pouco se sabe sobre sua vida, apenas que nasceu em Roma, onde foi educado e que era alguns anos mais moço do que os contemporâneos Cícero e Júlio César. Lucrécio é hoje considerado não só um grande poeta romano, mas também o mais perfeito expoente da escola atomista de grande importância para a filosofia. Foi continuador de Epicuro e estava familiarizado com as obras de Demócrito, Anaxágoras e muitos outros sábios gregos. Os dois primeiros e o quinto livro de sua obra De Rerum Natura (Da natureza das coisas) apresentam interesse para o cientista da atualidade, por tratarem de problemas de permanente importância para a humanidade. O titulo desse famoso poema revela o interesse que votava à filosofia natural, e há indícios de ter sido também um mestre e um reformador. Combateu a superstição e propôs vigorosamente o racionalismo, sem ser contudo, irreverente. PTOLOMEUPTOLOMEUPTOLOMEUPTOLOMEU (85 – 165 d.C.)

A obra mais importante de Cláudio Ptolomeu – Syntaxis mathematica (Coleção Matemática) – chamada mais tarde pelos árabes de Almagesto (o maior) em essência era um trabalho de trigonometria e astronomia que tinha por objetivo descrever matematicamente o movimento do sistema solar, usando a teoria geocêntrica. De forma resumida tem-se, a seguir, o

conteúdo dos treze livros que compõem a obra: - Livros I e II: Incluem preliminares ao sistema Ptolomaico, com explicações gerais sobre os diferentes corpos celestes em relação à Terra como centro, proposições sobre geometria esférica, assim como uma tábua de cordas e seus métodos de cálculo. - Livro III: Traz informações sobre a duração do ano e o movimento do Sol.

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- Livro IV: São focalizadas as durações dos meses e uma teoria sobre a Lua. - Livro V: Contém a construção do astrolábio e mais materiais sobre a teoria da Lua. - Livro VI: Revela informações sobre conjunção e oposições do Sol e da Lua, eclipses solares e lunares e seus períodos. - Livros VII e VIII: catálogos de 1028 estrelas fixas. - Livros IX a XIII: São dedicados ao estudo do movimento dos cinco planetas. Trigonometria Ptolomeu construiu uma tabela ou tábua de cordas, em notação sexagesimal dos mesopotâmios, variando o ângulo α de 0,5º em 0,5º, de 0 a 180º. Dividiu a circunferência em 360 partes, o diâmetro em 120 partes e cada uma dessas partes era dividida em 60 partes chamadas partes minutae primae e cada umas dessas era dividida em 60 partes chamadas partes minutae secundae. Daí os nomes minutos e segundos ainda usados atualmente.

Segue um roteiro de como Ptolomeu construiu a tabela de cordas, porém com as notações atuais. Essa construção encontra-se no Livro I do Almagesto. Considera-se nC a corda de

n

°=α

360, do círculo com raio 60, ou

seja, n

crdCn

°=

360.

Teorema de Ptolomeu

Se ABCD é um quadrilátero inscrito numa circunferência de raio 60, então a soma dos produtos dos lados opostos é igual ao produto das diagonais, ou seja,

BD.ACAD.BCCD.AB =+ . A

B

D

C

E

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Para demonstrar esse fato, considera-se um ponto E sobre a diagonal AC de modo que o ângulo EBA

) seja igual ao ângulo CBD

)

.

Desse modo os triângulos BCE e BDA são semelhantes, pois os

ângulos EBC)

e DBA)

são iguais (por construção) e os ângulos

ACB)

e ADB)

são iguais (referem-se ao mesmo arco). Logo

AD

CE

BD

BC= ou BD.CEBC.AD = (i). De modo análogo os

triângulos BAE e BDC são semelhantes, pois os ângulos assinalados

em B são iguais e ainda os ângulos CAB)

e CDB)

também são iguais( referem-se ao mesmo arco).

Logo CD

AE

BD

AB= BD.AECD.AB =⇒ (ii).

Somando (i) e (ii), tem-se: BD.AEBD.CECD.ABBC.AD +=+ = BD.ACBD).AECE( =+= . Logo; BD.ACAD.BCCD.AB =+ .

Corda da diferença Ptolomeu demonstrou a seguir que, dados dois arcos e suas cordas, pode-se encontrar a corda do arco diferença em termos das cordas dos arcos dados.

Na figura são dadas as cordas DB e AC, e procura-se BC. Traçando o diâmetro AD, pode-se encontrar as cordas suplementares pelo teorema de Pitágoras, e, o teorema de Ptolomeu garante que AB.CD + BC.AD = AC.BD. Como AD = 120, temos 120BC = AC.BD – AB.CD, que fornece BC pois, o segundo membro é conhecido. Chamando os arcos AB de α e AC de β tem-se BC = β - α .

Assim ( ) ( ) ( )β−°α−α−°β=α−β 180180120 crd.crdcrd.crdcrd , ou

seja, ( ) ( ) ( )120

180

120

180 β−°α−

α−°β=α−β

crd.crdcrd.crdcrd .

Como aplicação tem-se, por exemplo: crd72° = 70; 32 ,3 e crd60° = 60, logo crd12° = crd(72° – 60°) .

152

Analogamente, Ptolomeu deduziu as fórmulas para o cálculo de cordas para o arco metade de um arco dado e da soma de dois arcos

dados, ou seja, ( )( )α−−=α

180120602

2 crd.crd e

( )( ) ( ) ( ) .crd.crdcrd.crdcrd. βα−β−α−=β+α−° 180180180120

Com os resultados anteriores, Ptolomeu construiu sua tábua de cordas com bastante precisão, conforme cálculos relacionados abaixo: • corda de 120º, usando os teoremas de Tales e de Pitágoras; • corda de 60º, usando o raio do círculo; • cordas de 72º e 36º, a partir da construção do pentágono e do

decágono regulares, inscritos numa circunferência; • cordas dos suplementares de 72º e 36º, usando os teoremas de

Tales e de Pitágoras; • corda de 12º = (72º-60º), utilizando-se da corda da diferença; • cordas de 6º, 3º, 1º30’ e 45º usando a fórmula do arco metade; • corda de 1º, por interpolação linear.

Sistema geocêntrico O sistema de Ptolomeu era uma representação geométrica dos movimentos celestes que não se preocupava em dar uma imagem exata do verdadeiro universo. Adotou o modelo geocêntrico e precisou conceber os chamados epiciclos para explicar o movimento aparente dos planetas entre as estrelas fixas. Tal modelo produzia resultados práticos, razoavelmente concordantes com as observações e isso ajudou a fazer do

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geocentrismo, até o trabalho de Copérnico, uma doutrina acima de qualquer contestação. Durante 1400 anos foi o guia da astronomia teórica e não importava quais fossem as opiniões de cada um sobre a constituição do universo, o sistema de Ptolomeu era quase universalmente aceito. Ptolomeu aperfeiçoou muitos cálculos que fora destaque na obra de Hiparco: distâncias do Sol e da Lua, catálogo de 1028 estrelas e um estudo sobre a precessão dos equinócios. As contribuições originais referem-se aos planetas e à construção de instrumentos de observações, tais como o astrolábio.

Outros trabalhos de Ptolomeu Além de suas realizações científicas, Ptolomeu escreveu sobre vários outros assuntos, inclusive um minucioso tratado sobre astrologia. Numa obra perdida, sobre geometria, realizou a primeira de uma interminável série de tentativas para provar o postulado

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euclidiano das paralelas, tentativa essa que, naturalmente estava predestinada ao fracasso. Num grande tratado de geografia, quase tão importante como o Almagesto, descreveu as regiões conhecidas da Terra indicando a latitude e a longitude de nada menos de 5.000 localidades. Além da posição, deu também a duração máxima do dia para 39 pontos da Índia. Vários métodos de projeção, a estereográfica, por exemplo, foram por ele estudados ao resolver questões sobre o traçado de mapas. Escreveu também sobre acústica e óptica e nesse campo, tratou especialmente da refração, realizando o que foi chamado “o primeiro exemplo de uma série de experimentos fora do âmbito da astronomia”, em que descobriu a lei do desvio dos raios luminosos em direção à perpendicular, ao passarem de um meio transparente menos denso para outro de maior densidade. Inventou, ainda, um aparelho simples para medir os ângulos de incidência e de reflexão. Aceitou a idéia de Platão, de que a visão se deve ao encontro dos raios que partem do olho com os que procedem do objeto. HERONHERONHERONHERON (75 – 150 d.C.) Heron de Alexandria é conhecido, sobretudo, pela fórmula

( )( )( )cpbpappK −−−= que tem o seu nome e é usada para

encontrar a área de triângulos de lados a, b, c e perímetro 2p = a + b + c. A demonstração dessa fórmula encontra-se em A Métrica, uma de suas obras mais importantes que, a exemplo de O Método de Arquimedes ficou perdida durante muito tempo, até ser redescoberta em Constantinopla em 1896 num manuscrito de 1100. Embora atualmente seja, em geral, demonstrada por trigonometria, a fórmula de Heron é convencionalmente geométrica. Os trabalhos de Heron atestam que nem toda a matemática na Grécia era do tipo “clássico” como Os Elementos de Euclides ou As Cônicas de Apolônio. Influências de outras culturas são observadas em vários aspectos, por exemplo, o uso de frações unitárias (egípcias) e a tabulação (mesopotâmia) das áreas An dos polígonos

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regulares de n lados em termos do quadrado de um lado sn,

começando com 233 30

13sA = e indo até .sA 2

1212 4

45=

Em A Geométrica Heron resolve alguns problemas sobre mensuração, inclusive envolvendo grandezas de naturezas diferentes, algo já discutido e suprimido por Eudoxo. Um problema, por exemplo, pede o diâmetro, o perímetro e a área de um círculo, dada a soma dessas três grandezas. De um ponto de vista numérico não crítico, o problema faz sentido. Além disso, Heron não resolveu o problema em termos gerais; sua solução foi como as receitas antigas, em que só os passos, sem razoes, são dados. Lei da Reflexão Heron se interessava por todo tipo de mensuração, em especial na óptica, na mecânica ou na geodésia. A lei de reflexão da luz já era conhecida por Euclides e Aristóteles (possivelmente também por Platão), mas foi Heron quem mostrou por um argumento geométrico simples, numa obra chamada Catóptrica (ou reflexão), que a igualdade dos ângulos de incidência e reflexão é uma conseqüência do princípio aristotélico que diz que a natureza nada faz do modo mais difícil. Isto é, se a luz deve ir de uma fonte S a um espelho MM’ e, então ao olho E de um observador, o caminho mais curto possível SPE é aquele em que os ângulos SPM e EPM’ são iguais.

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A prova de que nenhum outro caminho SP’E pode ser mais curto que SPE fica claro, traçando-se a reta SQS’, perpendicular a MM’ , com SQ = QS’, e comparando o caminho SPE com o caminho SP’E. Como os caminhos SPE e SP’E são de comprimentos iguais aos caminhos S’PE e S’P’E respectivamente, e como S’PE é uma reta (porque o ângulo M’PE é igual ao ângulo MPS), resulta que S’PE é o caminho mais curto. Heron é lembrado também como inventor de um tipo primitivo de máquina a vapor, descrita em Pneumática; de um precursor do termômetro e de vários brinquedos e engenhos mecânicos baseados nas propriedades dos fluidos e em leis das máquinas simples. Seu nome está ligado, ainda, ao “algoritmo de Heron” para encontrar raízes quadradas, mas esse método de iteração era na verdade devido aos mesopotâmios. Embora com claras influências dos mesopotâmios, Heron não adotou o sistema de base 60 e nem avaliou a importância do princípio posicional das frações. As frações sexagesimais tinham se tornado o instrumento usual dos astrônomos e físicos, mas continuavam pouco familiares para o homem comum. Heron, escrevendo para o homem prático, parece ter preferido as frações unitárias egípcias. Ao dividir 25 por 13, deu a resposta como

.78

1

3

1

2

11 +++ Essa preferência por frações unitárias continuaria na

Europa pelo menos mil anos depois de Heron. Alguns métodos de Heron confirmam o seu conhecimento da trigonometria de Hiparco e do princípio das coordenadas. Calculava áreas de regiões irregulares somando as áreas de retângulos inscritos, processo esse, que correspondia ao atual emprego do papel quadriculado Problemas de torneiras. Encontra-se em Heron problemas veneráveis como os dos canos ou de torneiras. “Um recipiente é enchido por um cano no tempo t1

e por outro no tempo t2. Quanto tempo será preciso para enchê-lo, estando os dois canos abertos?”

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Heron definiu, ainda, os triângulos esféricos e demonstrou teoremas simples a seu respeito: por exemplo, que a soma dos ângulos está compreendida entre 180° e 540°. Determinou o volume de sólidos irregulares medindo a quantidade de água por esses deslocada. Finalmente ficaria conhecido como o primeiro a usar números imaginários ao ter, por equívoco, introduzido num cálculo a

quantidade 63− e que habilmente trocou por 63 . DIOFANTODIOFANTODIOFANTODIOFANTO (século III d.C.) Diofanto de Alexandria é freqüentemente chamado de o pai da álgebra, mas veremos que tal designação não deve ser tomada literalmente. Sua obra não é de modo algum o tipo de material que forma a base da álgebra elementar moderna; nem se assemelha à álgebra geométrica de Euclides. Pouco se sabe sobre a vida de Diofanto e a sua principal obra é A Arithmética, tratado originalmente composto de treze livros, dos quais somente os seis primeiros se preservaram. A Arithmética era caracterizada por um alto grau de habilidade e engenhosidade matemáticas, que poderia ser equiparada aos grandes clássicos da Idade Alexandrina anterior. No entanto, quase nada tem em comum com esses ou, na verdade, com qualquer matemática grega tradicional. Representou essencialmente um novo ramo e usou um método diferente. Como Diofanto se dedicou, em A Arithmética, à resolução de equações, tanto determinadas quanto indeterminadas e devido à ênfase dada à solução de problemas indeterminados, o assunto, às vezes chamado análise indeterminada, tornou-se conhecido como análise diofantina. Como esse tipo de trabalho atualmente é parte integrante de disciplinas sobre teoria dos números e não de álgebra, faltam argumentos para considerar Diofanto como pai da álgebra. Considera-se em geral, que podem ser reconhecidos três estágios no desenvolvimento histórico da álgebra: o primitivo ou retórico, em que tudo é completamente escrito em palavras; um estágio intermediário, sincopado, em que são adotadas algumas

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abreviações; e um estágio simbólico ou final. A Arithmética deve ser colocada na segunda categoria. Nos seis livros preservados faz-se uso sistemático de abreviações para potências de números e para relações e operações. Um número desconhecido é representado por um símbolo parecido

com a letra grega δ , o quadrado disso aparece como ν∆ , o cubo

como νΚ , a quarta potência dita quadrado-quadrado como ∆∆ν , a quinta potência ou quadrado-cubo como ν∆Κ e a sexta potência ou

cubo-cubo como νΚΚ . Diofanto naturalmente conhecia regras de combinação equivalentes a nossas leis sobre expoentes e tinha nomes especiais para os recíprocos das seis primeiras potências das incógnitas, quantidades equivalentes às potências negativas. Coeficientes numéricos eram escritos depois dos símbolos para as potências a que estavam associados: a adição era indicada por justaposição adequada dos símbolos para cada termo e a subtração representada por uma abreviação de uma só letra colocada antes dos termos a serem

subtraídos ou ainda o símbolo ↑ . Com essa notação Diofanto podia escrever polinômios numa incógnita quase concisamente quanto atualmente.

Exemplo: 14323 234 −+−+ xxxx se escrevia

γ∆∆ν α↑γδδ∆↑β ννo

MK sendo o

M a unidade. A Arithmética não fazia uma exposição sistemática sobre as operações algébricas ou funções algébricas, em vez disso, apresentava uma coleção de 150 problemas, todos enunciados em termos de exemplos numéricos específicos, embora, talvez, pretendendo conseguir generalidade de método. Nos problemas que requerem duas incógnitas, admitiu-se apenas uma de cada vez e para equações do segundo grau, só encontrou uma raiz, mesmo quando as duas eram positivas. No seu modo de ver, os números negativos eram destituídos de realidade. Evitou as quantidades irracionais e admitiu, entretanto, os resultados fracionários e, com efeito, Diofanto foi o primeiro matemático na Grécia a considerar as frações como números e não uma razão entre duas grandezas.

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Exemplo de problema apresentado e resolvido por Diofanto: “Encontrar dois números tais que um deles somado ao quadrado do outro resultará um quadrado”.

Solução de Diofanto com notações atuais: 22 zyx =+

( ) ( ) ,xxxx13

32212 22 =⇒−=++ o outro número .x

13

1912 =+

Quanto aos procedimentos empregados por Diofanto com relação às equações pode-se afirmar que: • Resolvia completamente as equações do primeiro grau com

raízes positivas, mostrando notável habilidade na redução de equações simultâneas a uma única e de uma só incógnita;

• Possuía um método geral para a solução das equações do segundo grau, mas só o empregava para a obtenção de uma única raiz positiva;

• Mais notáveis ainda que as próprias soluções foram os engenhosos métodos pelos quais evitou equações que sabia ser incapaz de resolver.

Até onde vai a originalidade dos seus trabalhos não se pode determinar com exatidão, o certo é que Diofanto conseguiu separar a geometria da álgebra e merece o título de grande matemático. Um fato notável é que Fermat, no século XVII, foi levado ao seu célebre “grande” ou “último” teorema quando procurou generalizar um problema de A Arithmética de Diofanto: dividir um dado quadrado em dois quadrados. PAPUSPAPUSPAPUSPAPUS (século IV d.C.) Papus de Alexandria compôs uma obra chamada Synagoge (Coleção), por volta de 320 d.C., que tornou-se muito importante por várias razões. Em primeiro lugar fornece um registro histórico muito valioso de parte da matemática grega que, de outro modo, não seria conhecida. Por exemplo, é pelo Livro V da Coleção que se sabe da descoberta por Arquimedes dos treze poliedros semi-regulares ou “sólidos arquimedianos”. Além disso, a Coleção contém novas provas e lemas suplementares para proposições das

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obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio e Ptolomeu. Finalmente, o tratado contém descobertas e generalizações próprias. A Coleção era composta por oito livros, porém o primeiro livro e a primeira parte do segundo se perderam. O Livro III mostra que Papus compartilhava totalmente da clássica apreciação grega pelas sutilezas da precisão lógica em geometria. Fazia distinção clara entre problemas planos, sólidos e lineares – os primeiros sendo construtíveis com retas e círculos apenas, os segundos resolúveis por uso de secções cônicas e os terceiros exigindo outras curvas que não retas, círculos ou cônicas. A seguir, Papus descreveu algumas soluções dos três famosos problemas de construção, sendo que a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo seriam problemas da segunda categoria, isto é, sólidos, e a quadratura do círculo um problema linear. Afirmou ser impossível resolver os problemas clássicos sob as condições platônicas, ou seja, com régua e compasso apenas, pois não estão entre os problemas planos. Papus não provou essa afirmação, mas percebeu a dificuldade dos problemas que só teriam provas rigorosas no século XIX. Trissecções propostas por Papus 1. Seja AOB um ângulo, num círculo com centro O, cuja bissetriz é OC. Traça-se a hipérbole tendo A como um foco, OC como a diretriz correspondente e com excentricidade igual a 2. Então um ramo dessa hipérbole cortará a circunferência do círculo num ponto T tal que o ângulo AOT é um terço do ângulo AOB.

O

B C

A T .

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2. Seja o ângulo AOB cujo lado OB é uma diagonal do retângulo ABCO. Por A traça-se a hipérbole eqüilátera tendo BC e OC (prolongados) como assíntotas. Sendo A o centro e o raio duas vezes OB traça-se um círculo que corta a hipérbole em P e de P baixa-se a perpendicular PT a CB prolongado. Então, usando as propriedades da hipérbole, mostra-se que a reta que passa por O e T é paralela a AP e que o ângulo AOT é um terço do ângulo AOB. Extensão do teorema de Pitágoras Uma contribuição importante de Papus encontra-se no Livro IV da Coleção. Trata-se da seguinte extensão do teorema de Pitágoras: Se ABC é um triângulo qualquer e se ABDE e CBGF são quaisquer paralelogramos construídos sobre dois dos lados, então pode-se

O

C B T

A

Q P

A J

H

D

L

E

B G

K

F

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construir sobre o lado AC um terceiro paralelogramo ACKL com área igual a soma das áreas dos dois anteriores. Isso se faz prolongando os lados FG e ED até se encontrarem em H, depois traçando HB e prolongando até encontrar o lado AC em J, e finalmente traçando AL e CK paralelos a HBJ. O Livro V da Coleção foi o favorito dos comentadores, porque levantava a questão da sagacidade das abelhas. Tendo Papus mostrado que, de dois polígonos regulares de mesmo perímetro, o que tem maior número de lados tem maior área, ele concluiu que as abelhas provavam algum entendimento matemático, ao construir suas células como prismas hexagonais, em vez de quadrados ou triangulares. O livro examina outros problemas de isoperimetria, inclusive uma prova de que, para um perímetro dado, o círculo tem maior área que qualquer polígono regular. O livro VII contém o primeiro enunciado conhecido da propriedade foco-diretriz das três secções cônicas. Apolônio conhecia as propriedades focais para as cônicas, mas é possível que a propriedade foco-diretriz não fosse conhecida antes de Papus. Outro teorema do livro VII que merece destaque, curiosamente recebe o nome de Paul Guldin, um matemático do século XVII: “se uma curva plana fechada gira em torno de uma reta que não a corta, o volume do sólido gerado é obtido tomando o produto da área limitada, pela distância percorrida durante a revolução, pelo centro de gravidade da área”. Papus, com razão, se orgulhava desse teorema geral, que envolvia, simultaneamente, muitos tipos de curvas, superfícies e sólidos. E de fato esse foi o teorema mais geral, envolvendo o cálculo, encontrado na antiguidade. Papus provou também o teorema análogo ao anterior que diz que “a área da superfície gerada pela revolução de uma curva em torno de uma reta que não a corta é igual ao produto do comprimento da curva pela distância percorrida pelo centróide da curva durante a revolução”. A Coleção de Papus foi o último tratado matemático antigo, realmente significativo. Obras matemáticas continuariam a ser escritas em grego por mais de mil anos, dando continuidade a uma influência iniciada há quase um milênio. Porém os autores que vieram depois de Papus jamais chegaram ao seu nível.

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HIPATIA HIPATIA HIPATIA HIPATIA (370 – 415) Hipatia de Alexandria, a primeira mulher matemática, era filha de Teon de Alexandria, autor de uma importante edição de os Elementos de Euclides e um Comentário, em onze livros, com a colaboração de Hipatia no segundo, sobre o Almagesto de Ptolomeu. Exímia professora, Hipatia lecionava matemática e filosofia. Suas aulas eram elogiadas e muito freqüentadas. Os seus estudos incluíam, além de filosofia e matemática, astronomia, astrologia, geometria e medicina. Escreveu Comentários sobre seis dos trezes livros de A Arithmética de Diofanto, que só não se perderam por esse motivo. O mesmo se deu com As Cônicas de Apolônio, onde quatro dos oito livros tiveram seus Comentários. Teve uma morte trágica, envolvida em muito mistério. Consta que, por ser pagã, foi assassinada por cristãos. PROCLOPROCLOPROCLOPROCLO (410 – 485) Proclo de Alexandria, jovem estudioso de matemática e filosofia, foi para Atenas onde se tornou chefe da escola neoplatônica. Já destacamos a importância, como fonte histórica, de seu Comentário sobre o livro I de Os Elementos de Euclides. Enquanto o escrevia, Proclo certamente tinha à mão um exemplar da História da Geometria de Eudemo, agora perdida. A inclusão em seu Comentário de um sumário ou extrato substancial da História de Eudemo, chamado sumário eudemiano, foi considerada a sua principal contribuição à matemática. BOÉCIOBOÉCIOBOÉCIOBOÉCIO (475 – 524 d.C.) Boécio de Roma foi autor das famosas Consolações da Filosofia, a última obra da literatura romana. Escreveu também os livros Da Música e Da Aritmética, que por muito tempo foram os representantes da matemática grega no mundo medieval. Da Música foi usado como manual até o século XVIII e Da Aritmética considerado o padrão do ensino matemático.

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Durante sua carreira de homem público, Boécio interessou-se pela reforma da moeda e pela introdução dos relógios de água e dos quadrantes solares. Sua geometria constava apenas de algumas das proposições mais simples dos quatro primeiros livros de Euclides, com algumas demonstrações, e aplicações aos processos de medição. Assim começava Da Aritmética de Boécio: por todos os homens de reputação antiga que, emulando a fama de Pitágoras, se distinguiram pelo intelecto puro, foi sempre considerado coisa assente que ninguém poderá alcançar a suprema perfeição das doutrinas filosóficas, se não buscar os píncaros do saber numa certa encruzilhada – o quadrívium. Para Boécio as coisas do universo seriam descontínuas (grupos) ou contínuas (grandezas). Os grupos são representados por números, e por suas relações com a música; as grandezas em repouso são estudadas pela geometria e as em movimento pela astronomia. Desse modo, as sete artes liberais seriam constituídas por quadrívium (aritmética, música, geometria e astronomia) e trivium (gramática, dialética e retórica). Boécio traduziu para o latim obras de Ptolomeu, Nicômaco, Euclides, Arquimedes e Aristóteles, contribuindo assim com a divulgação da cultura grega na Europa Ocidental. Cristão pela fé e pagão pela cultura, Boécio tem sido chamado “a parte que une a antiguidade aos tempos modernos”, “o último dos romanos e o primeiro dos escolásticos”. Exercícios Exercícios Exercícios Exercícios

1. Explique o fato de ser o período do desenvolvimento da trigonometria grega um período de declínio da geometria grega? 2. Por que os antigos preferiam um sistema astronômico geocêntrico a um heliocêntrico? 3. Prove a fórmula de Heron para a área de um triângulo. 4. Escreva em notação grega a corda de 45°.

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5. Encontre, sem tabelas, o sen15° e usando isso, escreva em notação alfabética grega o valor de Ptolomeu para a corda de 30°. 6. Se você fosse um matemático vivendo em 500 d.C., escolheria Alexandria, Roma, Atenas ou Constantinopla para viver? Dê razões para sua escolha. 7. Prove a extensão de Papus do teorema de Pitágoras.

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EUROPA NA IDADE MÉDIA,EUROPA NA IDADE MÉDIA,EUROPA NA IDADE MÉDIA,EUROPA NA IDADE MÉDIA, CHINA, ÍNDIA E ARÁBIACHINA, ÍNDIA E ARÁBIACHINA, ÍNDIA E ARÁBIACHINA, ÍNDIA E ARÁBIA

“Durante a Idade Média o brilho estava no Oriente” (o autor) Apesar dos que procuram reabilitar a Idade Média, quando o foco é a Europa Ocidental, ela continua sendo a idade obscura, a idade da ignorância e das trevas, principalmente no período entre os séculos V e XII. Pelo fato de encontrarmos, de cem em cem anos, um Sto. Agostinho, um Sto. Anselmo, um Duns Scoto ou um Fibonacci, nem por isso deixa de ser a Idade Média um longo período de verdadeira passividade intelectual e absoluta ausência de qualquer idéia criadora. O cristianismo impregnara de sua essência mística e irreal todos os espíritos. A cultura universal desaparecera praticamente. Deus e a essência divina do Cristo eram o único objetivo digno de estudo. Nele sintetizaram toda a ciência e toda a filosofia. A natureza e o mundo haviam-se tornado irreais. Os homens viraram os olhos para dentro procurando Deus. O mundo era apenas um castigo, uma provação com que o homem se conformava e que devia durar o menos possível para mais depressa penetrar no céu. Nada poderia alterá-lo ou modificar sua marcha. Para compreender as razoes dessa ausência de espírito criador, quer na ciência, quer na filosofia e mesmo na literatura, será preciso penetrar no espírito desses longos séculos e, indo mais além, nas próprias raízes da Idade Média, que se encontram nos escombros do Império Romano. Confundindo-se com as ruínas do Império, encontra-se também, as raízes do cristianismo que, nascendo no seio de um pequeno povo da Ásia Menor quase sem papel na história, chegou a ter influência primordial quase absoluta no caráter econômico, político e espiritual da Europa inteira, durante cerca de mil anos.

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A destruição do Império Não importa muito aqui analisar as causas da decadência e esfacelamento do Império, assunto tão polêmico. Destaca-se apenas, de passagem, que a invasão dos bárbaros, ou melhor, a vitória dos bárbaros sobre Roma com a vitória do cristianismo sobre o paganismo, a que se atribui freqüentemente a dissolução do Império, não foram senão suas causas imediatas. As verdadeiras causas encontravam-se dentro do próprio Império, e estavam, sem dúvida, nas contradições econômicas e políticas características dos últimos três séculos de sua história. Entre essas contradições destacava-se a escravidão e as suas conseqüências. Os escravos romanos em nada se pareciam com os escravos negros da América. Eram, em geral, eram cultos e tinham consciência de sua condição e, por isso mesmo, não se conformavam com ela. Daí uma série de rebeliões (a de Espartacus, por exemplo) que tornavam inseguros e pouco produtivos os trabalhos do campo e da produção em geral. A existência da escravidão, por outro lado, tornava o trabalho indigno do homem livre. Lá, onde a escravidão é a forma dominante da produção, afirmava Engels, o trabalho torna-se atividade própria do escravo, desonroso para o homem livre. Graças a esse fato, fica excluída qualquer possibilidade de abandonar tal modo de produção, enquanto que, por outro lado, sua supressão torna-se necessária a fim de que a escravidão deixe de ser um obstáculo no desenvolvimento da produção. Outra causa foi, sem dúvida, a expansão demasiado rápida do Império e das dificuldades da administração e da manutenção de uma burocracia complicada e exigente. Com as dificuldades do trabalho escravo, os grandes proprietários abandonavam suas terras, na Itália, para viver da exploração dos países conquistados. Quando os germanos invadiram Roma, encontraram um povo empobrecido, escravos fugidos desocupados pelas cidades, pequenos lavradores sobrecarregados de dívidas e arruinados, um proletariado esfarrapado e faminto, todos ansiosos por uma nova ordem social, e que, por isso mesmo, não deviam estar muito interessados em repelir os bárbaros.

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O cristianismo Segundo Guingnebert, uma religião, qualquer que ela seja, não cai prontinha do céu, nasce de uma iniciativa particular ou de uma necessidade geral. E quando deixa de corresponder aos interesses e às necessidade de um povo, ele busca outra. O cristianismo levou alguns séculos para conquistar a Europa, e isso só se tornou possível quando o ambiente se tornou favorável. Os soldados, fartos de lutar, o povo, cansado de passar fome, buscaram uma saída e encontraram consolo no cristianismo. Por outro lado, essa religião, pregando a submissão e a humildade, serenando os ânimos do povo aflito e exaltado, viria do mesmo modo servir aos interesses dos novos senhores feudais. Eis porque o cristianismo pode finalmente vencer as resistências que lhe opunha anteriormente um império em pleno florescimento. Espírito da Idade Média Esse misticismo a que se atirou o povo foi, ao mesmo tempo, a base e o conteúdo da filosofia medieval. O cristianismo foi, antes de tudo, um protesto contra um estado moral e social intolerável, mas um protesto, ao mesmo tempo, radical e ignorante. Em nome dos oprimidos, dos pobres, da massa sofredora, ele lançou seu desafio, não a esta ou àquela concepção filosófica, mas a toda a filosofia, não a uma sociedade mal organizada, mas a toda sociedade. Seria a negação absoluta da razão como da experiência e, de tal modo, envolveu os espíritos que se tornou a filosofia não só de um povo, mas de uma época. Esse espírito místico de abandono da realidade e desprezo pelo mundo, evidencia-se muito bem nas palavras com que Sto. Agostinho procura justificar a castidade. Respondendo à objeção, que alega ser a abstinência o fim do gênero humano, ele diz: Prouvera a Deus que todos estivessem de acordo: o mundo se acabaria mais depressa, e com a destruição da cidade terrestre, mais depressa teríamos a cidade celeste. Tem-se atribuído freqüentemente a Aristóteles a culpa da ausência de qualquer progresso da ciência e da filosofia, desde que suas obras, traduzidas por Boécio, foram sendo conhecidas, sobretudo a partir do século VII.

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Mas a verdade é que o grande filósofo não teve culpa de ter se tornado a Bíblia Cultural dos filósofos medievais. A causa real foi a estagnação completa da história, o estado das relações sociais e econômicas, numa palavra, o feudalismo, e o espírito místico que envolvera os homens. Não havia qualquer produção social e três classes principais vegetavam lentamente: os nobres, os camponeses e o clero. Os nobres, sem nenhuma aspiração social ou política, vivendo da sua propriedade e para sua propriedade, comiam embebedavam-se e brigavam entre si. Apenas os camponeses trabalhavam e sua produção era individual, para sua família e para a família do senhor feudal. Nenhum ideal, nenhum objetivo para além das suas necessidades imediatas, enquanto não chegava a hora de se juntar aos anjos do paraíso. Não havia preocupação com o saber, tanto que nobres e camponeses eram classes completamente incultas, pela desnecessidade absoluta de qualquer instrução para o gênero de vida que levavam, nem mesmo do conhecimento da leitura. Os próprios reis (Carlos Magno, por exemplo) eram analfabetos. As cidades, centros de vida, de agitação, de cultura, haviam praticamente desaparecido. Somente o clero, sobretudo nos claustros e em particular os franciscanos e os dominicanos, estudavam Aristóteles, Ptolomeu, Orígenes, Sto. Agostinho e Sto. Anselmo. Fora do terreno puramente metafísico e espiritual e da preocupação em torno de questões excessivamente transcendentais, o pouco que se sabia da natureza vinha de Aristóteles ou dos árabes. A escolástica, que posteriormente se consolidou numa filosofia particular, oficial ou oficiosa da igreja, limitava-se então, ao ensino sistematizado, nas escolas, da teologia e das chamadas sete artes liberais (ver Boécio). Carlos Magno (uma curiosa exceção) Embora o rei dos lombardos e dos francos fosse um homem de ação e de comportamento rude, dava muita importância ao desenvolvimento intelectual e ao enriquecimento da alma. Interessava-se pela música, pelas línguas e pela teologia, e seu

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interesse cresceu ainda mais quando ele se instalou em Aquisgrano, onde tinha mais tempo para se dedicar às atividades culturais. Com a ajuda dos mestres, Carlos estudou retórica, dialética e astronomia. Tentou até mesmo aprender a escrever, mas, segundo diz seu biógrafo Eginardo, havia começado demasiado tarde e por isso obteve escassos resultados. Ansioso por difundir o conhecimento, fundou uma escola no palácio para a qual convidou os sábios de todo o reino. Embora a escola fosse freqüentada principalmente pelos filhos dos nobres, as crianças de origem humilde também podiam se beneficiar, e muitas vezes até apresentavam os melhores resultados. Carlos, que sonhava poder um dia oferecer educação a todos em seu reino, aprovava a educação das mulheres, atitude rara naquela época. A reputação da escola do palácio logo se espalhou, atraindo professores de toda a Europa. Entre eles, havia um que chamou a atenção do rei: era um monge inglês chamado Alcuin, de inteligência extraordinária. Carlos fez-lhe uma proposta irrecusável para morar no palácio e coordenar seu programa educacional. ALCUIN ALCUIN ALCUIN ALCUIN (735 – 804) Além de coordenar o programa de educação de Carlos Magno, Alcuin de York ensinava retórica, lógica, matemática e teologia. Em sua aritmética, por exemplo, havia problemas do tipo: se cem alqueires de trigo são distribuídos entre cem pessoas, de modo que cada homem receba três alqueires, cada mulher dois e cada criança meio alqueire, quantos são os homens, as mulheres e as crianças? Das seis soluções possíveis, encontrou apenas uma. Alcuin escreveu livros escolares, em substituição aos usados anteriormente pelos francos, repletos de erros. Usou a própria escola do palácio para treinar professores, que iriam se estabelecer nas escolas fundadas nas muitas abadias que havia no reino. Essas abadias, residência e lugar de oração dos monges, eram também centros de cultura e conhecimento. A matemática ensinada nessas escolas incluía naturalmente o uso do ábaco, a tábua de multiplicação, e a geometria de Boécio. Desse modo, o importante foi que sob a direção do monge erudito, o sonho do rei, de elevar o padrão educacional dos francos,

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começou a se tornar realidade. Quinze anos depois já havia educação acessível para todos os súditos. Esse foi um magnífico marco na história, ocorrido em plena Idade Média e, como já se sabe, o conhecimento intelectual era um privilégio dos religiosos. Para confirmar ainda mais esse fato, eis um matemático que se tornou Papa. GERBERT GERBERT GERBERT GERBERT ( 940 – 1003) Gerbert de Aurillac na França foi outro sábio do chamado renascimento carolingiano e que consagrou à matemática uma parte de suas variadas aptidões. Viveu alguns anos na Espanha, ensinou na escola monástica de Reims, na Alemanha e, de 999 até sua morte, foi o Papa Sivestre II. Construiu ábacos, globos terrestres e celestes, e reuniu uma valiosa biblioteca. Também lhe são atribuídos um relógio e um órgão acionado por vapor. Escreveu livros sobre o emprego do ábaco, sobre aritmética e sobre geometria. Esse ultimo contém a solução de um problema relativamente difícil: encontrar os catetos de um triângulo retângulo, dadas a área e a hipotenusa. Foi o primeiro a expor os chamados “números de ghubar” (algarismos hispano-arábicos), que constituíam uma transição para os algarismos hindo-arábicos, introduzidos na Europa alguns séculos depois. Enquanto a Europa seguia o passo lento da Idade das Trevas, sob o domínio dos reis-papas, esperando o fim do mundo que, segundo crenças, ocorreria no ano 1000, no Oriente, livre da repressão da Igreja, a ciência encontrou espaço para se desenvolver, principalmente na China, Índia e Arábia.

CHINACHINACHINACHINA

Embora a civilização chinesa seja mais antiga que a grega, sua contribuição para a modernidade não a superou. Vários fatores contribuíram para isso, inclusive as arbitrariedades dos imperadores

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chineses, que pareciam deuses, e o isolamento cultual da China em relação à cultura ocidental. Consta que por volta do século II a.C., sob a dinastia Han, o imperador ordenou a destruição de todos os livros do país, bem como a execução, em praça pública, daqueles que se diziam intelectuais. Isso por acreditar que se o gosto pela leitura se expandisse, em breve, não se teria mais ninguém para plantar arroz nas margens do rio Amarelo. O comércio da seda entre chineses e árabes só se tornaria freqüente no século VII da nossa era, enquanto o comércio de especiarias com os europeus só aconteceria no fim do século XIV. O primeiro documento matemático dos chineses é do século XII a.C.: Chow Pei Suang Ching (calendário das horas solares), um pergaminho de dois metros e trinta que aborda diversos assuntos científicos sob a forma de diálogos entre o imperador e um de seus ministros. O autor, desconhecido, inicia sua obra afirmando ser o quadrado um símbolo da Terra e o círculo do Céu. Percebe-se dos escritos, que já nessa época conheciam as quatro operações, bem como as propriedades dos triângulos eqüiláteros e retângulos. Pela igualdade obtida com os números 3, 4 e 5, isto é, 3 x 3 + 4 x 4 = 5 x 5, notamos que já haviam descoberto o Teorema de Pitágoras. Desse documento conclui-se, também, que o conhecimento da época era tutelado pelo imperador. É flagrante a preocupação do autor em agradá-lo, o que se depreende especialmente do método de somar duas frações, em que os exemplos são todos tirados das medidas dos corpos dos familiares do imperador. Outro fato curioso do livro são os temas aos quais aplicavam a matemática: idades, censo populacional, colheitas, astrologia, medidas de áreas e volumes, impostos e construção civil. Sistemas de numeração Na China, desde os tempos primitivos, dois sistemas de numeração estiveram em uso. Num predominava o princípio multiplicativo, no outro era usada uma forma de notação posicional. No primeiro havia símbolos diferentes para os dígitos de um a dez e símbolos adicionais para as potências de dez, e nas formas escritas os dígitos em posições ímpares (da esquerda para a direita ou de

174

baixo para cima) eram multiplicados pelo seu sucessor. Assim o número 678 seria escrito como um seis seguido do símbolo para 100, depois um sete seguido do símbolo para dez e, finalmente, o símbolo para oito.

No sistema de “numerais em barras” os dígitos de um a nove apareciam como | || ||| |||| ||||| , e os nove primeiros múltiplos de dez como Usando esses dezoito símbolos alternadamente em posições contadas da direita para a esquerda, podiam ser escritos números tão grandes quanto se desejasse. Como na Mesopotâmia, só relativamente mais tarde é que apareceu um símbolo para uma posição vazia. A matemática em nove capítulos A obra mais importante da ciência chinesa é, sem dúvida, o famoso Chui Chang Suan Shu (a matemática em nove capítulos) de Chuan Tsanom (200 a.C.), que traz 246 problemas resolvidos. Ao contrário da matemática grega, a chinesa, assim como a egípcia e mesopotâmia, também é caracterizada pela ausência completa de teorias. O Chuí Chang Suan Shu mais parece um receituário para resolução de problemas específicos. Outra peculiaridade da obra são os estilos de apresentação dos exercícios, indicando que essa foi modificada por vários escritores ao longo do tempo. Na apresentação verifica-se uma separação dos nove capítulos destinados a usuários específicos: aparentemente ministros e homens de confiança do imperador – cobradores de impostos, engenheiros, agrimensores e astrólogos. A seguir, um resumo dos nove capítulos. 1º – Medidas de Terras A preocupação fundamental seria ensinar a medir terras, baseando a divisão da propriedade rural em retângulos e triângulos. A forma de calcular a área do círculo indica a característica de receituário da obra, bem como o valor de π , que conheciam como

| || ||| ||||

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175

sendo 3: “multiplique o diâmetro pelo diâmetro do círculo e tome três quartos do valor encontrado...” 2º – Cereais São comuns nessa segunda parte, problemas do tipo: “para vinte sacos de arroz, o imposto a ser pago é de dois sacos, enquanto para oitenta sacos são oito...” Tais problemas articulam regra de três simples, bem como proporções volumétricas. 3º – População Foi com base nesse capítulo que muitos historiadores da matemática afirmaram ser de autoria dos chineses o estudo de matrizes.

Exemplo: O quadrado

618

753

294

foi supostamente trazido para os

homens por uma tartaruga do Rio Lo nos dias do lendário imperador Yii, considerado um engenheiro hidráulico. A preocupação com tais diagramas levou o autor dos Nove Capítulos a resolver o sistema de

equações lineares simultâneas

2632

3432

3923

=++

=++

=++

zyx

zyx

zyx

efetuando operações

sobre as colunas na matriz

39 3426

1 1 3

2 3 2

3 2 1

para reduzi-la a

392499

1 1 36

2 5 0

3 0 0

176

A segunda forma representava as equações ,z 9936 =

245 =+ zy e ,zyx 3923 =++ das quais facilmente são calculados sucessivamente os valores de z, y e x. Além das matrizes, dos sistemas de equações lineares, do método da soma de progressões aritméticas de n termos, destacam-se, ainda, os quadrados mágicos. 4º – Natureza Aparecem as raízes quadrada e cúbica, como sendo, respectivamente, o lado do quadrado e do cubo, a primeira usada na medição de áreas de plantio e a segunda no cálculo de volumes de cereais, especificamente o arroz. 5º – Trabalho São receitas de construção de casas, diques, canais, bem como de cálculo da quantidade de homens necessários à execução do projeto. Verifica-se aqui o uso de tabelas que relacionavam tamanho e estilo arquitetônico com horas de trabalho. 6º – Impostos Certamente o capítulo mais importante para o imperador, pois contém cálculos de proporcionalidade acompanhados de regra de três composta: “aquele que tem 10 áreas de plantio, 2 filhos e colheu 20 sacos de arroz pagará um de imposto, enquanto aquele que tem 20 áreas de plantio, 4 filhos e colheu 30 sacos de arroz, pagará?” 7º – Ligas Metálicas Dos problemas aqui apresentados conclui-se, mais uma vez, que sabiam resolver sistemas de equações: “duas barras de ouro mais três de prata pesam 18 unidades. Quanto pesará cada uma se duas, uma de ouro e outra de prata, pesam 7?” Apesar da imprecisão do enunciado, o texto acima reflete uma matemática bastante evoluída.

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8º – Tabelas Um capítulo destinado a registrar tabelas de números que aparentemente expressavam as unidades de medida daquele tempo, bem como dados sobre meteorologia e astrologia. 9º – Problemas de quadrados Um capítulo inteiro sobre o teorema de Pitágoras.

Aplica-se 222 zyx =+ a problemas relacionados com profundidade de lagos, bambus quebrados, sombra de árvores, enfim, exercícios de triângulos e retângulos. “Um bambu de comprimento 10 é colocado em pé e quebrado a 6 unidades de altura. Sua ponta tocará o chão a que distância?” O capítulo 9 é concluído com soluções de equações do segundo grau, através de uma receita conhecida no Brasil como fórmula de Bhaskara, deduzida empiricamente. Depois do Chuí Chang Suan Shu, duas outras obras destacariam o desenvolvimento da matemática chinesa: Suan hsüeh ch’i meng (Estudos iniciais sobre matemática) e Ssu Yüan Yüchien (Magnífico espelho de quatro imagens) escritos pelo lendário Chu Shih Chieh de Pequim e publicados por volta de 1300 da nossa era. No Suan Meng, a novidade seria a descoberta da soma dos n

primeiros números naturais quadrados, 222 21 n...+++ : “multiplique o último número (n) por dois e some um (2n + 1); esse resultado deverá ser multiplicado por n(n + 1). Divida tudo por seis”. Essa receita de Chu Shih Chieh, se escreve

( )( )

6

12121 222 ++

=+++nnn

n...

A obra de Chu Chieh tornou-se um clássico da matemática oriental e pela primeira vez misturam-se filosofia, religião, matemática e física. O autor relaciona as raízes de uma equação do quarto grau com terra, céu, homem e tempo, buscando, a seu modo, interpretar a natureza.

6 10

?

178

Destaca-se nessa obra o triângulo atribuído a Pascal, conhecido dos chineses muitos anos antes, pois Chu Chieh o descreve com naturalidade, mostrando-o como mecanismo de construção dos

coeficientes dos polinômios formados por ( )nx 1+ em que ,...,,,n 3210=

Encontra-se também uma pesquisa extremamente curiosa sobre a descoberta de raízes positivas em equações que vão do grau dois ao quatorze. À técnica, embora semi-empírica, assemelha-se muito aos processos de Ruffini, descobertos no século XIX.

Exemplo: 0322 =−− xx Arbitra-se um valor qualquer como solução; x = 2, por exemplo. Verifica-se, porém, que esse número não é solução, ou seja,

dx += 2 . Então ( ) ( ) 03222 2 =−+−+ dd ou 322 =+ dd e Chu

Chieh conclui que a solução é 321

32 =

++=x .

ÍNDIAÍNDIAÍNDIAÍNDIA As extensas conquistas de Alexandre, o Grande, estimularam imensamente o intercâmbio de idéias entre o mundo mediterrâneo e a Ásia. O Oriente pôde, assim, fazer contribuições para a matemática, e isso no ponto em que os gregos eram relativamente mais fracos, ou seja, na aritmética (sistema de numeração), álgebra (resolução de equações) e trigonometria (tabelas de semi-cordas bem próximas das dos senos atuais). Alguns séculos antes da nossa era, o teorema de Pitágoras e o cálculo de raízes quadradas com ótimas aproximações eram conhecidos na Índia em conexão com Sülvasütras, ou seja, as regras para construção de altares ou regras de cordas. A mais importante contribuição da matemática hindu é, provavelmente, o nosso moderno sistema decimal de posição para os números, o qual implica na introdução de um sinal para o zero. Já séculos antes da era cristã, estavam os autores hindus acostumados a fazer cálculos com grandes números na notação decimal. Para cada

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potência de dez usava-se um nome diferente, mas, uma vez conhecida a série completa, o valor de cada unidade era dado pela sua posição na ordem. Um sinal especial para os lugares vagos foi ocasionalmente usado na Grécia e na Mesopotâmia, mas foram os hindus que deram pleno desenvolvimento lógico a essa idéia e suas formas numéricas já adquiriam, então, grande semelhança com os algarismos atuais. A primeira menção positiva feita fora da Índia aos numerais hindus acha-se no livro de um bispo da Síria Ocidental de 662. No início do século IX os algarismos tornaram-se conhecidos pelos intelectuais árabes. A matemática hindu produziu, até o renascimento, grandes personagens, que muito a enriqueceram. Dentre os quais se destacaram Aryabhata, Brahamagupta, Sridhara e Bhaskara. ARYABHATA ARYABHATA ARYABHATA ARYABHATA (século VI d.C.) Aryabhata escreveu, em 499 d.C., um livro em quatro partes, tratando de astronomia, dos elementos da trigonometria esférica e enunciando várias regras de aritmética, álgebra e trigonometria plana. Alguns resultados dessa obra merecem destaque: Calculou a

soma de cada uma das séries ,n...,n... 222 21 21 ++++++

,n... 333 21 +++ resolveu equações do segundo grau, apresentou

uma tábua de semi-cordas (senos) dos múltiplos sucessivos de 4

33

graus (isto é, dos vinte e quatro avos do ângulo reto) e usou para π ,

o bom resultado 141631250

1773 ,= .

O livro de Aryabhata, composto de 123 estrofes metrificadas, era uma obra descritiva, sem nenhum espírito lógico ou de metodologia dedutiva. O que tinha de original e o que era apenas compilação é difícil decidir. Original, sem dúvida alguma, é a presença pela primeira vez em livro do sistema decimal posicional. Não se sabe exatamente como Aryabhata efetuava seus cálculos, mas sua frase de lugar para lugar

180

cada um vale dez vezes o precedente é uma indicação de que tinha em mente o princípio posicional. Com a introdução, na notação hindu, do décimo numeral, um ovo de ganso para o zero, o moderno sistema de numeração (chamado hindu) para os inteiros positivos estava completo. Essa numeração, na verdade, combinou três princípios básicos de origem bem antiga: base decimal; uma notação posicional e uma forma cifrada para cada um dos dez numerais. Nenhum desses princípios se deveu originalmente aos hindus, mas foi devido a eles que os três foram ligados, pela primeira vez, para formar o moderno sistema de numeração. BRBRBRBRAHMAGUPTAAHMAGUPTAAHMAGUPTAAHMAGUPTA (século VII d.C.) A matemática hindu ressentiu mais do que a grega a escassez de fontes históricas, pois os matemáticos raramente se referiam a seus predecessores e exibiam surpreendente independência em seus trabalhos. Assim é que Brahmagupta que viveu por volta de 628 d.C. na Índia Central, um pouco mais de cem anos depois de Aryabhata, tem pouco em comum com seu predecessor, que tinha vivido no leste da Índia. Brahmagupta mencionou dois valores para π – o “valor

prático” 3 e o “valor bom” 16310 ,= – mas não o valor mais preciso de Aryabhata. Talvez o resultado mais significante na obra de Brahmagupta seja a generalização da “fórmula de Heron”, dada por

( )( )( )( )dscsb.sasK −−−−= , para encontrar a área de um

quadrilátero, sendo a, b, c, d os lados e s o semi-perímetro. Há uma restrição, não observada por Brahmagupta, de que a fórmula só é correta no caso de um quadrilátero inscrito num círculo. A fórmula correta para um quadrilátero arbitrário é

( )( )( ) ,cosabcdcsbsasK α−−−−= 2 sendo que α é a metade da

soma de dois ângulos opostos. As contribuições de Brahmagupta à álgebra são superiores às suas regras de mensuração, pois são encontradas soluções gerais de

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equações quadráticas, inclusive duas raízes, mesmo quando uma delas era negativa. A aritmética sistematizada dos números negativos e do zero, na verdade, apareceria pela primeira vez em sua obra. Regras sobre grandezas negativas já eram conhecidas através dos teoremas geométricos dos gregos, como por exemplo ( )( ) bcadbdacdcba −−+=−− , mas os hindus as converteram em regras numéricas sobre números negativos e positivos. Analogamente, foram os hindus os primeiros a interpretar o zero como número, assim como, as raízes irracionais como números e não como grandezas incomensuráveis. Brahmagupta afirmou que positivo dividido por positivo, ou negativo por negativo, é afirmativo; cifra dividida por cifra é nada (0 : 0 = 0); positivo dividido por negativo é negativo; negativo dividido por afirmativo é negativo e positivo ou negativo dividido por cifra é uma fração com esse denominador (a : 0 para 0≠a ele não se comprometeu). Como muitos de seus conterrâneos, Brahmagupta, também se dedicava à matemática por ela mesma. Esse fato seria confirmado quando se soube que foi o primeiro a encontrar uma solução geral da equação linear diofantina cbyax =+ , em que a, b, c são inteiros. Para que essa equação tenha soluções inteiras, o máximo divisor comum de a e b deve dividir c; e Brahmagupta sabia que se a e b são primos entre si, todas as soluções da equação são dadas por

maqy,mbpx −=+= , sendo m um inteiro arbitrário. Deve-se lembrar que Diofanto só encontrou uma solução particular desse tipo de equação indeterminada. Brahmagupta sugeriu também uma equação diofantina

quadrática 22 1 pyx += que erradamente recebe o nome de John Pell (1611 – 1685) e que apareceu pela primeira vez no problema do gado de Arquimedes. Os exemplos a seguir ilustram as notações hindus para as equações:

182

Exemplo 1:

..

ru

yavya

9

101significa que 9102 −=− xx

Passos da solução de Brahamagupta, em notação atual: • 9− • ( ) 3649 −=− .

• ( ) 641036 2 =−+−

• 864 = • ( ) 18108 =−−

• ( ) 91218 =×: • A raiz é 9.

Exemplo 2:

103

8127

yavya

ru)a(kbhakaya. significa que

xx

xy

103

81272 +=

−+

Nomenclatura:

• ya (abreviação de yavattavat) é a primeira incógnita; • ka representa kalaka (“negro”) é a segunda incógnita; • v representa varga, que significa “quadrado”; • O ponto sobre um número indica que ele é negativo; • bha representa bhavita (“produto”); • k(a) representa karana (“irracional” ou “raiz”); • ru representa rupa (número “puro” ou “comum”). • O primeiro membro da equação é escrito em uma linha

e o segundo membro abaixo; • Incógnitas adicionais seriam expressas mediante o uso

de abreviações para cores adicionais, assim: ni para nilaca (“azul”), pi para pitaca (“amarelo”), pa para pandu (“branco”) e lo para lohita (“vermelho”).

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183

BHASKARA BHASKARA BHASKARA BHASKARA (1114 – 1185) Cinco séculos depois de Brahmagupta floresceu Bhaskara, conhecido como “o sábio”. Foi matemático, professor, astrólogo e astrônomo que preencheria lacunas deixadas por seus antecessores,

inclusive, dando a solução geral da equação 22 1 pyx += e de muitas outras equações diofantinas. Dos seus seis trabalhos conhecidos os mais importantes são Lilavati (nome de sua filha e que contém 278 versos) e Vija-Ganita, ambos com muitos problemas sobre os tópicos favoritos dos hindus: equações lineares e quadráticas (determinadas ou indeterminadas), mensuração, progressões aritméticas e geométricas, radicais, ternas pitagóricas, regra de três, etc. Bhaskara fez notáveis progressos na notação algébrica abreviada, isso pode ser confirmado na solução do problema 2, a seguir. Segundo suas próprias palavras, ao resolver uma equação quadrática, aplicava o método de um conterrâneo, Sridhara, que viveu uns dois séculos antes. Isso vem contrariar o hábito, parece que só do Brasil, de chamar de “Bhaskara” a fórmula clássica de resolver equações de grau dois. Exemplos de problemas do Lilavati: Problema 1: O quadrado da quinta parte do número de macacos de um bando, subtraída de 3 macacos, entra numa caverna; e um macaco fica fora pendurado numa árvore. Diga quantos são os macacos.

Em notação atual tem-se: x)x( =+− 135

1 2 ou 250552 −=− xx .

Problema 2: A raiz quadrada do número de abelhas de um enxame voou rumo a um jasmineiro, enquanto 8/9 do enxame permaneceu atrás; e uma abelha fêmea ficou voando em torno de um macho que se encontrava preso numa flor de lótus para a qual foi atraído à noite por seu doce odor. Diga-me adorável mulher, qual é o número de abelhas. Na coluna da esquerda a solução de Bhaskara e na da direita a tradução atual.

184

Seja 2vya o número de abelhas do enxame

Seja 2 2 x o número de abelhas do enxame

A raiz quadrada da metade desse número é 1ya x

x=

2

2 2

Oito nonos de todo o enxame é

9

16vya

Oito nonos de todo o enxame é

2

9

16 x)(

A soma da raiz quadrada com a fração e o casal de abelhas é igual à quantidade de abelhas do enxame, isto é 2vya

22 229

16 xx)(x =++

Reduzindo-se ao mesmo denominador os dois membros da equação e eliminado o denominador, a equação transforma-se em

18916

0018

ruyavya

ruyavya

1891618

9

18

9

18169

22

22

++=

⇔=++

xxx

xxx

Após a subtração a equação torna-se

1800

09 2

ruyavya

ruyavya 1892

91618916

91618

2

22

22

=−

−−++

=−−

xx

xxxx

xxx

Portanto yaé 6 Portanto 6=x Donde 2vya é 72 Donde 72622 22 == .x .

Bhaskara apresentou uma demonstração do teorema de Pitágoras de um modo curioso: desenhou a figura abaixo e escreveu simplesmente “Veja”.

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A matemática hindu, em comparação grega, ganhou em força e liberdade, à custa de certo sacrifício do rigor lógico. Entre os gregos, somente os maiores avaliaram a possibilidade e a importância de uma série infinita de números. Um feito notável dos hindus foi a introdução da idéia dos números negativos e a exemplificação das quantidades positivas e negativas por meio de débito e crédito, etc. Em conjunto, os hindus, que haviam recebido originalmente dos gregos uma parte da sua matemática, fizeram grandes contribuições nos campos da aritmética e da álgebra e sua influência na ciência européia, com a qual tiveram pouco ou nenhum contato direto, exerceu-se principalmente por intermédio dos árabes.

ARÁBIAARÁBIAARÁBIAARÁBIA

Do outro lado do Mediterrâneo, um povo nômade e aparentemente inculto, que até meados do século VII vivera praticamente afastado da civilização, surgiu subitamente na história e, qual um cometa, quase em seguida desapareceu deixando, todavia, atrás de si, um rastro luminoso que iria resplandecer ainda durante muitos séculos. Fenômeno ainda inexplicável, até hoje, de um pequeno povo de pastores e comerciantes, os árabes transformaram-se, a despeito das lutas internas, numa nação organizada e forte que em cem anos apenas, conquistaria metade do mundo conhecido, estendendo seu domínio pela Síria, Mesopotâmia, Pérsia e toda a Ásia Menor e, de outro lado, pelo Egito, toda a costa africana do Mediterrâneo, atravessando Gibraltar e atingindo a Espanha. E, fenômeno ainda mais surpreendente e contraditório, um povo dominado por uma idéia mística, que enveredou através da ciência e da filosofia, pelo caminho do materialismo, influindo poderosamente no desenvolvimento da cultura de toda a Europa com um formidável quadro de filósofos e pesquisadores. Não se consegue, facilmente, explicar um predomínio tão rápido e avassalador. A história dos árabes dá-nos a idéia de um homem que passasse longos anos dormindo e que, de repente, como que despertado por um sonho, se levantasse de um salto, largando a

186

correr pelo mundo até que, exausto, se deixasse cair novamente em seu antigo canto para prosseguir o seu sono tranqüilo. Os desertos da Arábia, secos e áridos, nunca foram muito propícios para o desenvolvimento de grandes civilizações e culturas. O espírito, ao mesmo tempo místico e combativo, de que se viram subitamente possuídos pelas revelações de Maomé, atiraram-nos a uma luta de conquista não só de almas e crentes, mas também de novos mundos e novos mercados. As cidades da Arábia, por si mesmas improdutivas, só poderiam florescer como entrepostos, mercados, pontos de passagem de viajantes. Foi nesse sentido que se desenvolveu sua luta: os árabes transformaram cada nova região conquistada num novo mercado, num novo entreposto. Hábeis comerciantes, traquejados no ambiente do deserto, capazes de vencer longas caminhadas para colocar sua mercadoria, de que, a princípio, eram apenas intermediários, não tardaram em enriquecer. Os califas tornaram-se poderosos e ricos, dominando um povo possuído de fé cega e sem limites. As riquezas, as viagens, o contato com outros povos, outras línguas e outros costumes, permitiram aos árabes novos conhecimentos. A necessidade de desenvolver o comércio e, ulteriormente, a agricultura e a indústria, que haviam criado nos países conquistados, exigiram a penetração da ciência, da matemática. Foram os árabes os verdadeiros continuadores da cultura grega, embora não tivessem caracteres helenísticos e sim atributos particulares, derivados da grande diferença existente entre os dois povos e as duas épocas. Os árabes limitavam-se, a principio, a traduzir e reeditar as obras dos grandes pensadores e matemáticos gregos. Ao período de traduções seguiu-se a idade áurea da ciência árabe, aproximadamente de 900 a 1100. Era, todavia, “árabe” sobretudo na língua, pois relativamente poucos cientistas dessa época foram árabes, ou mesmo maometanos. Eram, na maior parte, sírios, persas e judeus com nomes árabes. Excetuando-se alguns notáveis progressos na matemática e na física, suas contribuições positivas para a ciência não foram grandes, mas prestaram enorme serviço conservando e coordenando a antiga cultura da Grécia, Pérsia e Índia e mantendo vivo o espírito das ciências e das artes civilizadas,

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enquanto a Europa cristã se empenhava numa desesperada luta conta a barbárie. A Matemática Árabe A Matemática Árabe A Matemática Árabe A Matemática Árabe

Pode-se aceitar como característica da primeira fase do Islã as palavras atribuídas, pela tradição, ao califa Omar (634-644), segundo o qual tudo aquilo que, na biblioteca de Alexandria concordava com o Alcorão, era supérfluo e, o que dele discordava era inferior, e por conseguinte devia se destruir tudo. Se, por um lado, os árabes foram responsáveis pelo desaparecimento de parte do conhecimento ocidental, por outro lado contribuíram para sua preservação. O extermínio se deu, segundo consta, em 641 d.C. ao se cumprir as ordens de Omar. E a preservação foi devida à atuação de três califas, considerados os grandes patronos da cultura: al-Mansur, Harum al-Rachid e al-Mamum, que durante seus reinados foram responsáveis pela tradução, do grego para o árabe, dos mais importantes escritos científicos e filosóficos conhecidos. Al-Rachid, a propósito, foi o célebre califa imortalizado na literatura pelos “contos das mil e uma noites”. ALALALAL,,,,KHOWARIZMIKHOWARIZMIKHOWARIZMIKHOWARIZMI ( século IX d. C.) Foi durante o califado de al-Mamum (809 – 833) que os árabes se entregaram totalmente à sua paixão por tradução. Diz-se que o califa teve um sonho em que apareceu Aristóteles, e em conseqüência decidiu que deveria fazer versões árabes de todas as obras gregas em que conseguisse ter às mãos. Não poderiam faltar, evidentemente, o Almajesto de Ptolomeu e uma versão completa de Os Elementos de Euclides. Al-Mamum estabeleceu em Bagdá uma “Casa da Sabedoria” comparável ao antigo Museu de Alexandria. Entre os mestres havia um matemático e astrônomo persa, Mohammed ibn-Musa al-khowarizmi (Maomé, filho de Moisés, de Khowarizmi), que, como Euclides, iria se tornar muito conhecido na Europa Ocidental. Esse sábio, que morreu algum tempo antes de 850, escreveu mais de meia dúzia de obras de astronomia e matemática, das quais

188

as mais antigas provavelmente se baseavam em trabalhos da Índia. Além de tabelas astronômicas e tratados sobre o astrolábio e relógio de sol, al-Khowarizmi escreveu dois livros sobre aritmética e álgebra que tiveram papéis decisivos no desenvolvimento da matemática. A monumental Hisab al-jabr w’al muqãbalah (ciência da restauração e de redução ou ciência das equações) escrita por volta de 825, baseava-se em fontes muito mais antigas, talvez hindus ou mesopotâmias. Essa obra tornou-se básica para muitos tratados posteriores, sendo que do seu título derivou-se a palavra álgebra, e do nome do autor os vocábulos algoritmo e algarismo. A obra era composta de 79 páginas sobre casos de herança; 16 páginas de problemas de medidas e 70 páginas de álgebra. No início o autor faz uma breve recapitulação de valor relativo na base 10. A seguir um exemplo do procedimento de al-Khowarizmi para os casos al-jabr e muqãbalah. Dada a equação

42545 32 +−=++ xxxx , por al-jabr tem-se 4547 32 +=++ xxx

e por muqãbalah tem-se 32 57 xxx =+ . A álgebra de al-Khowarizmi, era retórica e, na verdade, uma espécie de cálculo aplicado, em que os conceitos eram seguidos de numerosos exemplos. O primeiro livro contém uma discussão de

cinco tipos de equações do 2º grau: ,cax,bxax == 22

cbxax,bxcax,cbxax +==+=+ 222 . Somente as raízes positivas foram consideradas, apesar de ter admitido a existência de duas raízes. Apresentou também para essas equações uma comprovação geométrica denominada “método de completar quadrados”. Exemplo: Resolver a equação:

64122 =+ xx . Solução geométrica de al-Khowarizmi: na figura acima considera-se que xBCAB == e que 6== CFAH . Logo a área do quadrado ABCD é dada por: Aq = x2 e a área dos retângulos HKBA e BGFC é dada por: Ar = 6x. A soma

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dessas áreas é x2 + 12x. Completando-se o quadrado HEFD, pelo acréscimo aos dois retângulos anteriores do quadrado KEGB, cuja área é 36, tem-se que a área do quadrado HEFD é dada por:

( ) 100366436126 22 =+=++=+ xxx , ou seja, 106 =+x ,o que resulta x = 4. A aritmética de al-Khowarizmi teve uma tradução latina De número hindorum, no século XII, muito importante para a introdução na Europa do sistema hindu de numeração. ABU’LABU’LABU’LABU’L,,,,WEFAWEFAWEFAWEFA (940 – 988) Abu’l-Wefa foi um competente algebrista, no entanto, suas contribuições mais importantes foram na trigonometria. Comentou a álgebra de al-Khowarizmi e traduziu do grego um dos últimos grandes clássicos – a Arithmética de Diofanto. Nos cálculos astronômicos houve, a princípio, entre os árabes dois tipos de trigonometria – a geométrica grega das cordas, como é encontrada no Almajesto, e as tabelas hindus de semi-cordas (senos). Talvez pela praticidade do sistema hindu não demorou muito para que quase toda a trigonometria árabe se baseasse na função seno. Na verdade, foi também através dos árabes, e não diretamente dos hindus, que essa trigonometria chegou à Europa. Abu’l-Wefa produziu tabelas de senos para arcos, variando de dez em dez minutos, introduziu o conceito de tangente de um ângulo e, provavelmente, os de secante e co-secante. Essas novas funções, ao contrário da função seno hindu, em geral, eram consideradas em círculos unitários. Com Abu’l-Wefa a trigonometria assumiu uma forma mais sistemática em que são provados teoremas tais como as fórmulas para ângulos duplo e metade. OMAR KHAYYAMOMAR KHAYYAMOMAR KHAYYAMOMAR KHAYYAM (1043 – 1131) O persa Omar Khayyam, de Naishapur, conhecido no Ocidente como o grande poeta, autor dos Rubáiyát, foi o mais ousado dos matemáticos “árabes”, por se dedicar a problemas fundamentais para no desenvolvimento da matemática.

190

Considerado o descobridor do teorema do binômio, resolveu equações cúbicas de forma geométrica e também tentou, em vão, provar o postulado das paralelas de Euclides. Acreditava na possibilidade de se aplicar a razão ao mundo real para refazê-lo mais de acordo com os desejos do coração. Em sua álgebra, Omar Khayyam escreveu que, em outra obra, tinha descoberto uma regra, para encontrar as potências quarta, quinta, sexta e mais altas de um binômio. Essa obra se perdeu, mas presume-se que ele se referia ao arranjo do triângulo de Pascal, que teria surgido, ao mesmo tempo, também na China. Não é fácil explicar tal coincidência, mas enquanto não for encontrada nova evidência, deve-se presumir a independência das descobertas. É nessa obra sobre álgebra, que se encontra uma discussão das equações cúbicas, resolvidas mediante construções geométricas. Khayyam obteve uma raiz fazendo a intersecção de duas secções cônicas. Rejeitava as raízes negativas e não encontrava todas as positivas. Essa obra, no entanto, foi uma notável realização, pois foi o primeiro a propor a si mesmo o seguinte problema: como pode ser resolvida uma equação cúbica com coeficientes numéricos? Os árabes claramente se sentiam mais atraídos pela álgebra e pela trigonometria do que pela geometria, mas um aspecto da geometria tinha um fascínio especial para eles – a prova do quinto postulado de Euclides. Mesmo entre os gregos a tentativa de provar o postulado tinha-se transformado virtualmente num “quarto problema de geometria” e vários matemáticos muçulmanos continuaram o esforço. Omar Khayyam partiu de um quadrilátero com dois lados iguais, ambos perpendiculares à base (usualmente chamado de quadrilátero de Saccheri) e perguntou como seriam os outros ângulos (os superiores) do quadrilátero, que são necessariamente iguais um ao outro. Novamente chegou a um enunciado equivalente ao postulado das paralelas de Euclides. Finalmente, confirmando a ousadia, Khayyam afirmou a impossibilidade de se encontrarem dois cubos cuja soma fosse um cubo. Esse problema foi generalizado muitos anos depois por Fermat, tornou-se famoso como “o último teorema” e a sua prova, que desafiou a mente humana, só foi conseguida em 1993, após 358 anos, pelo matemático inglês Andrew Willes.

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ALALALAL,,,,TUSITUSITUSITUSI (1201 – 1274) Astrônomo de Hulagu Khan, neto do conquistador Gengis Khan continuou os esforços para provar o postulado das paralelas, partindo das hipóteses usuais sobre um quadrilátero de Saccheri. Os escritos de Nasir Eddin Al-Tusi foram traduzidos e publicados por Wallis no século XVII e pode ter sido essa obra o ponto de partida para os estudos de Saccheri no início de século XVIII. Nasir Eddin tinha os interesses característicos dos árabes; por isso fez contribuições também à trigonometria e à astronomia. Dando continuidade à obra de Abu’l-Wefa, foi responsável pelo primeiro tratado sistemático sobre trigonometria plana e esférica, tornando o assunto independente da astronomia. Já operando, normalmente, com as seis funções trigonométricas usadas atualmente, Nasir Eddin desenvolveu regras para resolver os vários casos de triângulos planos e esféricos. Trata-se de uma obra rica com influência limitada, talvez, por não ter sido bem conhecida na Europa. Em astronomia, no entanto, suas contribuições foram importantes para o trabalho de Copérnico. ALALALAL,,,,KASHIKASHIKASHIKASHI (1369 -1436) Com numerosas obras, escritas em persa e em árabe, al-Kashi contribuiu para a matemática e a astronomia. Talvez na China tenha aprendido a usar frações decimais e, sentindo a importância de sua contribuição ao assunto, passou a se considerar o inventor das frações decimais. Al-Kashi era aficionado por cálculos longos e se orgulhava, com razão, de sua aproximação para π , que era a melhor de quaisquer das aproximações fornecidas por seus predecessores; 2π era dado por 6,2831853071795865. Nenhum outro matemático, até o final do século XVI, se aproximou da precisão dessa “garra” computacional. Com al-Kashi o teorema binomial sob a forma do triângulo de Pascal, apareceria novamente, quase um século depois de sua publicação na China e cerca de um século antes de ser impresso em livros europeus.

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Com a morte de al-Kashi encerrou-se a contribuição da matemática árabe na Idade Média, pois o colapso cultural do mundo muçulmano acompanhou a desintegração política do Império. Sistema de numeração indo-arábico

ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Que contribuição matemática teve maior influência no pensamento moderno, a chinesa ou a hindu? 2. Há alguma evidência de influência grega na matemática hindu? E a recíproca, é verdadeira? 3. Descreva alguns pontos em que a álgebra hindu diferia marcadamente da grega. 4. Escreva o número 7.384.679 em numerais chineses em barra. 5. Use um esquema em gelosia para achar o produto de 345 por 256.

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6. Divida 56.789 por 273 usando o método do “galeão”. 7. Da fórmula de Brahmagupta para a área deduza a de Heron como caso especial. 8. Mostre que 21x +14y = 3 não tem solução em inteiros. 9. Comparar, quanto ao seu efeito sobre a cultura, a conquista árabe nas terras vizinhas com as conquistas anteriores de Alexandre, O Grande, e com as conquistas dos romanos. 10. Mencione algumas partes da matemática grega que se teriam perdido sem a ajuda árabe. 11. Compare a matemática árabe e a hindu quanto a forma, conteúdo, nível e influência. 12. Usando um diagrama geométrico como o de al-Khowarizmi,

resolva a equação 39102 =+ xx

194

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AURORA DO RENASCIMENTOAURORA DO RENASCIMENTOAURORA DO RENASCIMENTOAURORA DO RENASCIMENTO

“O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante.” (Pascal)

Depois de algumas páginas pelo Oriente (China, Índia e Arábia), volta-se o foco para a Europa, que viveu uma época sombria, onde a vida se resumia aos feudos e a cultura aos claustros e conventos. Houve um oásis incrível nas escolas de Carlos Magno, mas o predomínio foi da escuridão e do silêncio. Apesar disso, o mundo não se acabou no ano 1000, contrariando a previsão e, o saber que passou por uma certa agonia, não morreu. Prova disso foi que na Europa dos séculos XII e XIII pairaram algumas novidades: 1. Foram fundadas as primeiras universidades – Bolonha (1088), Paris (1200), Oxford (1214) e Cambridge (1231) – pela evolução gradual das escolas dos mosteiros e catedrais. E não há dúvidas de que as universidades sempre desempenharam um papel primordial no desenvolvimento da cultura e da ciência; 2. O pequeno regato da ciência clássica derivada diretamente das fontes gregas e romanas misturou-se às águas da torrente que abriu caminho através do norte da África e da Espanha, sob os mouros. A obra rudimentar de Boécio foi superada e antes de 1400 os primeiros cinco livros de Euclides já eram ensinados em muitas universidades. A linguagem corrente da ciência ainda era o árabe, mas as principais obras gregas como o Almagesto de Ptolomeu, por exemplo, foram traduzidas para o latim na segunda metade do século XII, provavelmente com o uso dos algarismos indo-arábicos; 3. Com a formação e crescimento das cidades – inexistentes na Idade Média – o poder dos nobres feudais viu-se terrivelmente ameaçado, com o fortalecimento acentuado do poder dos reis. Nessas cidades, intensificou-se o comércio, foram fundadas algumas indústrias e uma nova classe começou a germinar: a burguesia. Uma classe em ascensão é sempre progressista, quer se beneficiar dos bens materiais, explorar os bens naturais e se interessa pelo

196

progresso da ciência. Enfim, faz tudo que for possível para criar condições de assumir o poder. A matemática nos séculos XII, XIII e XIVA matemática nos séculos XII, XIII e XIVA matemática nos séculos XII, XIII e XIVA matemática nos séculos XII, XIII e XIV

Nesse período a crescente atividade no campo da ciência, deveu-se em grande parte a Fibonacci na Itália, a Jordanus Nemorarius na Saxônia, a Roger Bacon na Inglaterra e a Nicole Oresme na França. FIBONACCI FIBONACCI FIBONACCI FIBONACCI (1175 – 1250)

Leonardo de Pisa, ou Fibonacci foi educado no norte da África, onde seu pai era agente comercial, e desse modo se familiarizou com a álgebra de al-Khowarizmi e com o sistema numérico dos árabes (que era hindu). Soube avaliar as vantagens de ambos e, ao voltar para a Itália, publicou o seu Líber Abaci em 1202 (revisto em 1228), o qual se propunha divulgá-los na Europa “a fim de que a raça latina já não

se mostre deficiente desse gênero de conhecimentos”. Como obra-prima da matemática medieval, esse livro foi considerado um modelo durante mais de dois séculos. A álgebra de Fibonacci era retórica, mas empregava muitos métodos geométricos. Tratava das operações fundamentais com números inteiros e frações, usando o traço de divisão tal como o empregamos atualmente. As frações são decompostas em somas de frações unitárias, como no antigo Egito. Por intermédio dos árabes, Leonardo recebeu em herança as tradições egípcias não menos que as gregas, como por exemplo esse tipo de frações, as raízes quadradas e cúbicas, as progressões e o método de falsa posição. O livro compreendia também as regras de três e de sociedade, as potências e raízes e solução de equações. As palavras iniciais do Líber Abaci indicavam muito do conteúdo de uma obra que, aparentemente, se propunha abordar a prática do ábaco: Estes são os nove símbolos dos hindus 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. Com esses símbolos e com o sinal 0, que os árabes

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chamam de zéfiro, qualquer número pode ser escrito. Importante registrar que a palavra zero vem de hindu sunya que significa vazio ou vácuo. Em árabe se transformou em sifr que Fibonacci latinizou para zéfiro. No Líber Abaci encontramos também a chamada sequência de Fibonacdi: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ... ...nu em que cada termo é a

soma dos dois precedentes (isto é 21 −− += nnn uuu ). Essa seqüência pode ter sido inspirada na observação da ramificação de certas árvores (filotaxia) ou mais provavelmente como resposta ao problema: quantos casais de coelhos se originarão de um único casal, supondo-se que cada casal procria um novo casal todos os meses, que cada novo casal começa a multiplicar-se a partir do segundo mês e que nenhum dos animais morre? Verificou-se que essa seqüência tem muitas propriedades significativas. Por exemplo, pode-se provar que dois termos

consecutivos quaisquer são primos entre si e que n

n

n u

ulim 1−

∞→ é o

número áureo =φ2

15 −.

Leonardo escreveu ainda dois outros livros, um Liber Quadratorum (1220) e uma Practica Geométrica (1225). O primeiro era uma obra original sobre análise indeterminada que lhe conferiu um lugar entre Diofanto, Brahmagupta, Bhaskara e Fermat. O segundo livro contém vasto material de trigonometria e geometria, talvez derivado, em parte, de fontes gregas atualmente perdidas. Em 1225, o imperador da Sicília Frederico II, impressionado pelo que se contava dos talentos de Leonardo, organizou um torneio de matemática cujas questões foram conservadas, e que em linguagem atual são: 1. Encontrar um número cujo quadrado, quer acrescido, quer diminuído de 5, permanece um quadrado; 2. Encontrar, pelos métodos empregados no décimo livro de Euclides, uma linha cujo comprimento satisfaça a equação

20102 23 =++ xxx ; 3. Três homens, A, B e C possuem uma

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quantia u, guardando suas partes entre si as relações de 3:2:1. A tira x, guarda metade e deposita o restante com D; B tira y, guarda dois terços e deposita o restante com D; C tira tudo que resta, a saber z, guarda cinco sextos e deposita o restante com D. Comparados os três depósitos, verifica-se que são iguais. Encontrar u, x, y e z. Leonardo deu a solução correta do primeiro e do terceiro problemas, bem como uma raiz da equação cúbica,

36880810751,x = , com a aproximação de nove casas decimais. NEMORARIUSNEMORARIUSNEMORARIUSNEMORARIUS (1178 – 1237) Jordanus Nemorarius escreveu importantes obras em latim sobre a aritmética, geometria e astronomia. De Triangulis, a mais importante de todas, consta de quatro livros que não só tratam dos triângulos, mas também dos polígonos e dos círculos. Em geral faz uso dos algarismos arábicos, indicando por meio de letras, as quantidades conhecidas e desconhecidas. Resolveu o problema de encontrar dois números cuja soma e produtos são dados, recorrendo a um método equivalente ao da álgebra atual. Foi essa, praticamente, a primeira álgebra de notação sincopada que se publicou na Europa, mas parece ter sido tão pouco conhecida que não lhe seria possível alcançar grandes resultados, numa época ainda não preparada para tais invenções. Há também de Nemorarius o livro Dos Pesos, contendo elementos de mecânica.

SACROBOSCOSACROBOSCOSACROBOSCOSACROBOSCO (1200 – 1256)

John de Halifax também conhecido por Sacrobosco lecionava aritmética e álgebra em Oxford, tendo ensinado também em Paris. Sua obra algorismus vulgaris era uma exposição prática de cálculo, em que dava as regras mas não as provas, contribuiu muito para divulgar os numerais indo-arábicos, sendo inclusive, a mais popular fonte de informações no assunto. O seu Sphaera, uma obra sobre astronomia, foi usado para o ensino durante todo o final da Idade Média. Sua apresentação fez

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desse tratado da esfera uma obra que, posteriormente, mereceu mais de sessenta edições. BACONBACONBACONBACON (1214 – 1294) Roger Bacon, membro da ordem franciscana, nascido em Ilchester, na Inglaterra, foi seguramente o mais importante homem de ciência de sua época. Foi aluno de Robert Grosseteste, que se dedicava especialmente à matemática e à ciência experimental, tendo estudado as obras dos autores árabes. Bacon estudou também na Universidade de Paris, centro da cultura européia, onde se doutorou em teologia e também, provavelmente, se fez frade franciscano. Lecionou em Oxford, onde tinha uma espécie de laboratório para experimentos de alquimia. Foi, sem dúvida, por isso que ele se tornou célebre como cultor da “magia” e das “artes negras”, pois em 1257 foi proibido de ensinar pelo superior da sua ordem e mandado para Paris, onde passou grandes privações. Em 1266 o Papa Clemente IV convidou-o a preparar e enviar-lhe um tratado sobre as ciências. No espaço de dezoito meses, Bacon escreveu e enviou três importantes obras – o Opus Majus, o Opus Minus e o Opus Tertium. Em 1268 voltou para Oxford, onde compôs vários outros livros, mas suas obras foram condenadas por um papa posterior e o autor lançado à prisão, onde permaneceu até um ano antes de sua morte. Em Paris, Bacon dedicou-se em particular à física e à matemática. O Opus Majus (1267) nada mais é que uma súmula da física e uma filosofia das ciências baseada nos autores gregos, romanos e árabes. Acentuava que as ciências naturais, necessitavam de um fundamento experimental e que a astronomia e as ciências físicas deviam basear-se na matemática, “o abecê de toda filosofia”. No que diz respeito à mágica, Bacon observou que o ímã, por exemplo, deve parecer mágico ao ignorante: Como se explica o maravilhoso poder das palavras? Desde o começo do mundo, por assim dizer, todos os milagres têm sido realizados por palavras... A questão das ciências mágicas devia ser profundamente investigada por homens competentes, providos de uma licença especial do Papa....

200

Bacon enunciou os princípios essenciais da reforma do calendário, reconhecendo que o ano adotado de 365 dias e um quarto criava um erro de um dia em 130 anos. Submeteu a uma crítica penetrante as hipóteses arbitrárias e a complexidade artificial da astronomia ptolomaica; discutiu a reflexão e a refração, a aberração esférica, o arco-íris, os vidros de aumento e as estrelas cadentes. Atribuiu às marés a ação dos raios lunares. Num capítulo sobre geografia, pressupondo a forma redonda da Terra, chegou à conclusão de que o oceano situado entre a Europa e a costa oriental da Ásia não era muito largo. Isso foi citado por Colombo em 1498: É grato notar que o perseguido monge inglês, morto havia já dois séculos, pode prestar um poderoso auxílio na ampliação dos horizontes humanos. A maior parte dessa notável obra – que só foi impressa quase 500 anos mais tarde – levava tal adiantamento sobre a sua época que, além de não ser compreendida, expôs o autor a acusações de magia e até à prisão. A despeito de suas numerosas conquistas intelectuais acreditava na astrologia, na doutrina das “signaturas”, segundo o qual a forma e a cor das folhas e flores correspondiam à finalidade especial a que cada uma delas era destinada pelo Criador. Acreditava também na pedra filosofal e que a quadratura do círculo já fora conseguida. Profetizou a invenção de navios movidos por meios mecânicos e de carruagens sem cavalos. Segundo Roger Bacon, nenhum conhecimento poderia ser adquirido fora da experiência e havia quatro grandes obstáculos para se conhecer a verdade: a autoridade frágil e indigna; o costume; a opinião do vulgo não instruído e o ocultamento da própria ignorância, com uma vã ostentação da sabedoria aparente. Roger Bacon pode ser considerado o fundador do método experimental. DANTE DANTE DANTE DANTE (1265 – 1321) Dante Alighieri, o maior gênio poético da Idade Média, merece atenção não só por causa da sua influência, despertando e estimulando as inteligências da sua época e de tempos posteriores, mas também como autor de um trabalho Da Água e da Terra (De Aqua Et Terra) que, como ele próprio o diz, foi apresentado em Mântua no ano de 1320, como contribuição ao problema, então

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muito discutido, de “se em alguma parte da superfície da Terra a água é mais alta do que o solo”. Em a Divina Comédia, o maior dos poemas medievais, Dante incorpora a astronomia geocêntrica e a astrologia do seu tempo. Em todo o mundo físico ou espiritual quase não há assunto importante que ele não tenha aprofundado e em que suas opiniões não sejam as mais autorizadas da época. ORESMEORESMEORESMEORESME (1323 – 1382)

As séries infinitas eram conhecidas desde a antigüidade, e a primeira a ocorrer, como já vimos, foi uma série geométrica de razão ¼, que apareceu em a quadratura da parábola de Arquimedes. Depois dessa ocorrência as séries infinitas só apareceriam, cerca de 1500 anos mais tarde, no estudo de cinemática realizado por um grupo de

matemáticos da universidade de Oxford e de outros centros. Na universidade de Paris, em particular, havia o professor Nicole Oresme, um destacado intelectual em vários ramos do conhecimento tais como filosofia, matemática, astronomia, ciências físicas e naturais. Além de professor, Oresme era conselheiro do rei, principalmente na área de finanças públicas; e nessa função revelou-se um homem de larga visão, recomendando medidas monetárias que tiveram grande sucesso na prática. Foi ainda, deão da Catedral de Rouen e mais tarde, bispo de Lisieux, na Normandia. Traduziu Aristóteles, denunciou a astrologia como pseudo-ciência e seu ardente discurso sobre a reforma da Igreja foi útil aos protestantes 200 anos depois.

202

Oresme mantinha contato com o grupo de pesquisadores de Oxford e contribuiu no estudo de várias séries infinitas estudadas

nessa época. Uma dessas, ∑∞

=

=1 2n

n

nS , foi considerada, por volta de

1350, por Richard Suiseth, mais conhecido em Oxford como Calculator. A série surge a propósito de um movimento que se desenvolve durante o intervalo de tempo [0,1], da seguinte maneira: a velocidade permanece constante e igual a 1 durante a primeira metade do intervalo; dobra de valor no segundo subintervalo (de duração 1/4); triplica no terceiro subintervalo (de duração 1/8); quadruplica no quarto subintervalo (de duração 1/16), etc. Como se vê, a soma da série assim construída é a soma dos produtos da velocidade pelo tempo em cada um dos sucessivos subintervalos de tempo e representa o espaço total percorrido pelo móvel. v 4 4 3 3 2 2 1 1 ½ ¾ 1 t 1 Calculator encontrou o valor 2 para a soma através de um longo e complicado argumento verbal. Oresme, por outro lado, deu uma explicação geométrica bastante interessante ao observar que essa soma é igual a área formada com uma infinidade de retângulos verticais (ver figuras acima). O raciocínio de Calculator combinado com a interpretação geométrica de Oresme, traduz-se no seguinte: a soma das áreas dos

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retângulos verticais é igual a soma das áreas dos retângulos horizontais. Isso é o mesmo que substituir o movimento original por uma sucessão infinita de movimentos, todos com velocidade igual a 1: o primeiro no intervalo de tempo [0,1]; o segundo em [1/2,1]; o terceiro em [3/4,1], etc. Vê-se assim que o espaço percorrido (soma

das áreas dos retângulos) é dado pela série geométrica ∑∞

=

=0 2

1

nn

S ,

cuja soma é 2. A seguir alguns resultados inéditos de Oresme:

• expoente racional Em De proportionibus proportionum, escrito por volta de 1360, Oresme generalizou as notações de Bradwardine incluindo qualquer potência de expoente racional e regras para combinar proporções que são equivalentes às leis sobre expoentes, atualmente expressas

como ( ) xx e mnnm == +nmnm xx.x . Sugeriu, ainda, a

possibilidade de proporções irracionais e 2x (que ele se esforçou para definir) pode ser a primeira sugestão de uma função transcendente. • gráfico de funções Um pouco antes de 1361, ocorre a Oresme a seguinte questão: por que não traçar uma figura ou gráfico da maneira pela qual variam as coisas? Trata-se de uma sugestão antiga do que viria ser representação gráfica de funções. Tudo que é mensurável, escreveu ele, é imaginável na forma de quantidade contínua; por isso traçou um gráfico velocidade-tempo para um corpo que se move com aceleração constante. Chamou o eixo horizontal (do tempo) de longitude e o vertical (das velocidades) de latitude. C A M B

204

Como a área do triângulo ABC representa a distância percorrida por um móvel, Oresme forneceu, assim, uma verificação geométrica para a regra: velocidade média é a média aritmética entre as velocidades inicial e final. Do diagrama resulta, claramente, que a área na primeira metade do intervalo de tempo está para a área na segunda metade na razão de 1 para 3. Se subdividirmos o tempo em três partes iguais as distâncias cobertas (dadas pelas áreas) estão na razão 1:3:5. De modo geral, como Galileu mais tarde observou, as distâncias estão entre si como os números ímpares; e como a soma dos n primeiros números ímpares consecutivos é o quadrado de lado n, a distância total percorrida varia como o quadrado do tempo e essa é a lei de Galileu para os corpos que caem. • geometria analítica Os termos latitude e longitude que Oresme usou, são equivalentes, num sentido amplo, às atuais ordenada e abscissa, e sua representação gráfica assemelha-se à geometria analítica, tendo se antecipado, portanto, a Descartes e Fermat na criação dessa disciplina. Parece que ele percebeu o princípio fundamental de se representar uma função de uma variável como uma curva, mas não soube usar, eficazmente, essa observação, a não ser no caso de função linear. • teorema fundamental do cálculo Oresme se interessava pelos seguintes aspectos do cálculo: o modo pelo qual a função varia (isto é, a equação diferencial da curva) e o modo pelo qual varia a área sob a curva (isto é, a integral da função). Desse modo antecipa-se também ao famoso teorema fundamental do cálculo, atribuído a Newton e Leibniz.

•••• A série harmônica

Entre outras contribuições de Oresme às séries infinitas encontra-se a sua prova de que a série harmônica é divergente. Tratava-se de um feito inédito e definitivo. Atualmente ainda é usado exatamente o seu método. Em síntese, Oresme observou que:

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∑∞

=

+++>++++=

==++>+++

==+++>+++

==+>+

1n 2

1

2

11

4

1

3

1

2

11

n

1 modo, Desse

2

1

16

8

16

1

16

1

16

1

10

1

9

12

1

8

4

8

1

8

1

8

1

8

1

8

1

7

1

6

1

5

12

1

4

2

4

1

4

1

4

1

3

1

......

......

Como a soma de um número infinito de parcelas iguais a

2

1cresce indefinidamente, a série harmônica diverge.

Essa prova mostrou como é decisivo o papel do raciocínio lógico para se estabelecer uma verdade que jamais seria descoberta de outra maneira. Na obra Tractatus de figuratione potentiarum et mensuararum, Oresme chegou a sugerir uma extensão a três dimensões de sua “latitude de formas” em que uma função de duas variáveis independentes era representada como um volume formado de todas as ordenadas erigidas segundo uma regra, dada em pontos numa parte do plano de referência. Encontra-se até uma insinuação de uma geometria de quatro dimensões. Os matemáticos durante o século XIV tinham imaginação e precisão de pensamento, porém, faltava-lhes técnicas algébrica e geométrica. Ao contrário dos gregos que tinham horror infiniti , os filósofos escolásticos do fim da Idade Média se referiam freqüentemente ao infinito, tanto como potencialidade, quanto como uma realidade.

Situação da matemática no final do século XIVSituação da matemática no final do século XIVSituação da matemática no final do século XIVSituação da matemática no final do século XIV

As expectativas de progresso no século XIV foram frustradas por duas calamidades: a guerra dos cem anos (1337 – 1453), entre França e Inglaterra, e a peste negra, que começou em 1334 e, em 20 anos, ceifou quase a metade da população da Europa. Assim, a produção matemática foi pequena e só se salvou devido à produção de alguns sábios, dentre os quais o grande destaque ficou com Nicole Oresme, como foi visto anteriormente.

206

Durante o século XIV verificou-se uma disseminação gradual e ininterrupta da erudição árabe, em grande parte por meio de almanaques e calendários, de maneira que se tornaram amplamente conhecidos o cômputo árabe, a geometria euclidiana e a astronomia ptolomaica. Alguns desses calendários tinham caráter predominantemente religioso, dando a incidência das festas da Igreja para uma série de anos; outros se especializavam em astrologia, medicina ou astronomia. As principais aplicações da matemática relacionavam-se, portanto, com as necessidades bastante simples do comércio, da contabilidade e do calendário e para isso eram comuns as construções gráficas do arquiteto e do engenheiro militar ou, ainda, os senos e tangentes do astrônomo e do navegador. Para fins eclesiásticos os numerais romanos eram preferidos, mas, em geral, essas publicações incluíam pelo menos uma explicação dos novos algarismos árabes e do seu uso. A aritmética árabe, ou algoritmo, baseada no Liber Abaci de Fibonacci, empregando a escala decimal e incluindo os elementos da álgebra, entrou em uso generalizado entre os mercadores italianos nos séculos XIII e XIV, embora encontrasse séria oposição. Fora da Itália, entretanto, a contabilidade continuou ainda por muito tempo – até o século XVI – a ser feita em números romanos, e nas instituições religiosas e educacionais mais conservadoras, por mais cem anos depois disso. Em tais casos o cálculo propriamente dito era feito com o ábaco e o resultado expresso em numerais romanos. Os numerais indo-arábicos permitiam dispensar o ábaco. O estagio da matemática nas universidades nessa época pode ser deduzido nos estudos que se exigiam para o grau de bacharel em Praga (1384) e Viena (1389), por exemplo. Com poucas diferenças, em ambas eram estudados a Esfera de Sacrobosco, os livros de I a VI de os Elementos de Euclides, aritmética, óptica, hidrostática, teoria de alavancas, perspectiva, divisão em partes proporcionais, astrologia, medições e uma versão atualizada do Almajesto.de Ptolomeu.

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ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. De que maneiras é provável que as cruzadas tenham ajudado

ou prejudicado a transmissão da matemática do Islã para o mundo cristão?

2. A Europa Ocidental em 1150 tinha contatos mais fortes com

o mundo árabe ou grego? Qual tinha relativamente mais a oferecer em matemática? Dê razões para suas respostas.

3. Considere os matemáticos: Euclides, Arquimedes,

Apolônio, Diofanto, Boécio e al-Khowarizmi. Quais os três mais influentes na Europa de 1250? Dê razões.

4. Prove que a cúbica de Fibonacci 20102 23 =++ xxx não tem raiz racional.

5. Prove que a equação do exercício 4 não tem raiz da forma

ba + em que ba e são racionais.

6. Prove para uma subdivisão do intervalo de tempo em três partes iguais que a razão 1:3:5 de Oresme, para as distâncias percorridas está correta.

7. Verifique os processos de Calculator e Oresme para

encontrar a soma de cada uma das séries: ∑∑∞

=

= 1nn

1 4

3n e

2nn

n.

8. Prove, usando o método de Oresme, que a série

⋅⋅⋅+−

+⋅⋅⋅++++12

1

7

1

5

1

3

11

n é divergente.

208

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O RENASCIMENTOO RENASCIMENTOO RENASCIMENTOO RENASCIMENTO

“Foi uma época que exigia gigantes e forjou gigantes pela força do pensamento, pela paixão e caráter, pela universalidade e erudição.”

(Engels) O renascimento foi caracterizado por profundas transformações ocorridas na vida e na visão de mundo do homem europeu. Os horizontes geográficos alargaram-se com o desenvolvimento da arte da navegação e as conseqüentes descobertas do caminho marítimo para as Índias, do continente americano e do circuito para uma volta completa pelo mundo. A burguesia floresceu, as cidades dedicadas ao comércio internacional enriqueceram e a economia européia deixou de gravitar dentro das limitações dos feudos medievais. A personalidade individual despertou e os artistas encontraram novos meios de expressão. Os pintores não mais representavam as principais personagens do drama humano, descarnadas e inseridas dentro de um mesmo pano de fundo dourado como no estilo bizantino da Idade Média. Os grandes da época passaram a ser retratados com feições de homens de carne e osso e integrados em paisagens naturais, cheias de montanhas, rios, árvores e flores. A natureza, revalorizada, era mostrada como fonte de vida e beleza e não mais como o perigoso mundo material, ocasião de pecado. Os músicos substituíam os sons monocórdicos do cantochão religioso pelas novas tonalidades do madrigal amoroso e cortesão, prenunciando a polifonia barroca Paralelamente, as regas da vida cristã estavam enfraquecidas e os rigores da moral agostiniana não eram mais obedecidos com tanta severidade. A verdade é que os homens estavam se relacionando dentro de novas coordenadas e a visão do mundo não mais poderia seguir a orientação teocêntrica, que prevalecera durante séculos na Idade Média. Como conseqüência, engendraram-se transformações significativas no pensamento científico e filosófico. Maquiavel (1469 – 1527) fundou uma nova ciência dos assuntos políticos, desvinculando-a de preocupações morais e religiosas. Erasmo (1465 – 1536), Thomas More (1478 – 1535) e outros humanistas

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renovaram o estudo dos textos antigos e defenderam o homem como ser capaz de criar seu próprio projeto de vida. Montaigne (1533 – 1592) expressou o advento do individualismo do homem moderno e desenvolveu uma atitude cética diante do mundo. O retorno à antiguidade faz ressurgir filosofias esquecidas, quando não condenadas, como o estoicismo, o materialismo e o neoplatonismo. Uma nova orientação foi dada ao estudo de Aristóteles. A religião sofreu abalos profundos e cada vez mais se questionava a possibilidade de fundamentá-la racionalmente através da estrutura conceitual aristotélica. Surgiram as filosofias místico-religiosas de Agrippa Von Nettesheim (1468 – 1535), Paracelso (1493 – 1541) e Jakob Bohme (1575 – 1624) e eclodiu a reforma de Lutero (1483 – 1546) e Calvino (1509 – 1564). A revalorização do humano e da vida natural e presente incluía o interesse pela natureza: o que antes era visto como mero local de tentações para uma alma que aspirasse a recompensas noutro mundo, torna-se objeto de conhecimento científico. Em conseqüência, desenvolveram-se tentativas de estudo experimental dos fenômenos – esboçadas desde o século XIII nas Universidades de Paris e Oxford (ver Roger Bacon). Esse tipo de investigação ganharia contornos definidos com os trabalhos científicos de Leonardo da Vinci e de outros pensadores, a prenunciar a física de Galileu e Newton, desenvolvidas no século XVII. Copérnico formulou a célebre teoria heliocêntrica, Tycho Brahe fez observações precisas sobre o movimento dos astros e Kepler preparou o caminho para a descoberta da lei da gravitação universal de Newton. Todas essas transformações não se fizeram sem conflitos profundos, pois significavam, de maneiras diversas, a derrocada de uma ordem espiritual, social e econômica, que há séculos constituía o cerne da vida européia. Os setores tradicionais ameaçados, a Igreja por exemplo, reagiram e enfrentaram as inovações, às vezes com violência, condenando e levando até à morte alguns representantes da nova mentalidade. Foi o que aconteceu, só para citar os mais famosos, com Roger Bacon, Giordano Bruno e Galileu.

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O renascimento científicoO renascimento científicoO renascimento científicoO renascimento científico

Como já foi visto anteriormente o desenvolvimento de uma classe social em ascensão – no caso a burguesia – gera necessidades materiais e espirituais, que somente podem ser satisfeitos pela atividade prática e não apenas pela especulação abstrata ou pelas divagações epistemológicas. O prodigioso desenvolvimento das ciências foi a característica dos séculos do renascimento. Essa atividade prática manifestou-se em particular, no domínio das invenções e descobertas científicas, na física, na química, na astronomia e no estudo da anatomia e fisiologia humanas. No terreno das invenções da época, tem-se o astrolábio, a bússola, os relógios, o aperfeiçoamento das cartas geográficas, a pólvora e, finalmente, o microscópio. Na astronomia, não encontramos apenas um progresso, mas uma verdadeira revolução de extraordinário alcance científico e filosófico. NICOLAU DE CUSANICOLAU DE CUSANICOLAU DE CUSANICOLAU DE CUSA (1401 – 1464) Nicolau de Cusa, bispo de Brixen, escreveu De docta ignorantia, em que afirmava que sendo o Universo, infinito em extensão, não poderia possuir centro e que a Terra seria animada de um movimento de rotação diurna: É hoje evidente que a Terra na verdade se move, embora não o notemos imediatamente, pois só podemos perceber o movimento pela comparação com algo que permanece imóvel. Na matemática seguia a orientação de Euclides e Arquimedes, colaborando na tradução desse último do grego para o latim e tratando da quadratura do círculo. Tentou construir com régua e compasso um círculo de área igual a um quadrado dado, encontrando para π diversos valores pouco exatos. Nicolau organizou um mapa do mundo então conhecido, empregando a projeção central. Diz-se que ele determinava áreas de perímetro irregular pelo método, então novo, de recortá-las num mapa de cartão para depois pesá-las. Foi um dos primeiros a salientar a importância da experimentação em todas as investigações. Revelava um

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pensamento independente, mas suas teorias astronômicas eram tão pouco desenvolvidas – e tão especulativas – que não podiam constituir verdadeiro progresso numa época ainda não preparada para recebê-las. PEURBACH PEURBACH PEURBACH PEURBACH (1423 – 1461) George Von Peurbach ou Purbach, que em sua mocidade conhecera Nicolau de Cusa em Roma, tornou-se professor de astronomia e matemática em Viena e tem sido chamado “o fundador, no Ocidente, da astronomia matemática baseada na observação”. Reconhecendo a imperfeição das “tabelas” em uso, publicou uma nova edição do Almajesto com tábuas de senos naturais ao invés de corda, calculados com diferenças de dez minutos. Suas principais fontes eram, no entanto, imperfeitas traduções árabes. REGIOMONTANUS REGIOMONTANUS REGIOMONTANUS REGIOMONTANUS (1436 – 1476) O mais eminente discípulo e sucessor de Purbach, Johann Müller de Königsberg, na Baviera, conhecido como Regiomontanus, foi o mais ilustre homem de ciência da sua época. Quanto ao seu nome, basta observar que a tradução latina de Königsberg é Regiomontanus, ou seja, montanha do rei. Após a queda de Constantinopla, foi o primeiro a valer-se da oportunidade para buscar conhecimento, mais diretamente, nas obras de Arquimedes, Apolônio e Diofanto. Suas tábuas, publicadas em 1475, revestiram-se de importância não só para a astronomia, mas para as viagens de descobrimentos de Vasco da Gama, Vespúcio e Colombo. Essas tábuas abrangiam o período de 1473 a 1560, dando os senos de cada minuto de arco, as longitudes do sol e da lua, as latitudes da lua e uma lista de eclipses previstos para o período 1475 – 1530. Uma outra obra, que tratava de astrologia, possuía uma tábua de tangentes naturais para cada grau. O seu De Triangulis foi o primeiro tratado moderno de trigonometria. Dos cinco livros que o constituíam, quatro são consagrados à trigonometria plana e o restante à esférica. Resolveu

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triângulos mediante três dados, fazendo uso de senos e cossenos e empregando com êxito as equações do segundo grau e algumas de suas soluções. Um dos problemas colocados por Regiomontanus foi o seguinte: determinar um triângulo sendo dadas a diferença entre dois lados, a perpendicular à base e a diferença dos dois segmentos em que essa é dividida; isto é: sendo conhecidos

AcosbBcosaasenB,ba −− e encontrar a, b, c, A, B, C. Outro problema pede para construir, partindo de quatro retas dadas, um quadrilátero que possa ser inscrito num círculo. Sua notação, todavia, deixava um pouco a desejar. Um rico mercador de Nuremberg construiu para Regiomontanus, um observatório muito bem aparelhado e com o prelo que ali se fundara há pouco tempo, tornou-se o mais importante da Alemanha. No entanto, tendo aceito um convite para ir a Roma, tratar da reforma do calendário, acabou morrendo na cidade eterna aos quarenta anos. Condições necessárias ao progressoCondições necessárias ao progressoCondições necessárias ao progressoCondições necessárias ao progresso Os gênios de Hiparco e de Ptolomeu levaram ao apogeu a astronomia grega. Embora aqui e além, a hipótese heliocêntrica tenha sido adotada, não havia mais condições de progresso enquanto não se cumprissem três importantes requisitos. Em primeiro lugar, dependia-se de melhores instrumentos astronômicos e de observações mais exatas, abrangendo longos períodos. Segundo, necessitava-se aperfeiçoar os métodos de cálculo para corrigir e interpretar essas observações. Terceiro, cumpria que as idéias sobre os fatos fundamentais e as leis do movimento se tornassem muito mais claras. Essas condições foram preenchidas uma após outra durante os séculos XVI e XVII, por uma extraordinária plêiade de homens de gênio, entre os quais sobressaíram Copérnico,Tycho Brahe, Kepler, Galileu e Newton. Copérnico e Kepler interessaram-se mais pelo aspecto matemático e teórico, Tycho Brahe foi um grande observador e Galileu uniu a habilidade de observador e experimentador e fez uma nova apreciação das leis físicas.

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Newton, edificando sobre os alicerces lançados pelos outros, realizou uma síntese magnífica dos resultados por eles alcançados, criando uma teoria matemática racional e coerente do sistema solar.

COPÉRNICO COPÉRNICO COPÉRNICO COPÉRNICO (1473 – 1543) Nicolau Copérnico nasceu em Thorn na Polônia, às margens do Vístula, e, como tivesse parentes na Igreja, preparou-se para seguir a carreira eclesiástica. Isso o conduziu, após estudos de medicina feitos em Cracóvia, à universidade de Viena e posteriormente às principais universidades italianas, Bolonha, Pádua, Ferrara e Roma, onde teve ocasião de cultivar o seu talento para a matemática e de assimilar tudo o que então se sabia de astronomia Em 1497

tornou-se cônego em Frauenburg, no seu país natal e de 1512 até a sua morte, ali viveu desempenhando vários cargos públicos e exercendo gratuitamente, quando necessário, a arte médica que também aprendera. Apesar disso tudo, ainda encontrava tempo para se dedicar aos estudos astronômicos. Estudando os autores clássicos, soube que certos filósofos pitagóricos explicavam o fenômeno do dia e da noite, bem como os movimentos anuais dos corpos celestes, supondo que a Terra girava em torno do seu eixo ao mesmo tempo que possuía um movimento de translação. Na apresentação de sua grande obra, De Revolutionibus Orbium Coelestium (As revoluções dos corpos celestes), dedicada ao Papa, diz ele: empreendi a tarefa de reler todos os livros de grandes filósofos a que pudesse deitar a mão para ver se alguém sustentara a opinião de que os movimentos dos corpos celestes fossem outros que não os postulados por aqueles que ensinavam matemática nas escolas. E, com efeito, descobri primeiro, em Cícero, que Hicetas acreditara no movimento da Terra; e mais tarde, em Plutarco, verifiquei que alguns outros eram dessa mesma opinião...

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Partindo daí, comecei a considerar a mobilidade da Terra; e, embora a idéia parecesse absurda, como eu soubesse que antes de mim fora concedida a liberdade de imaginarem toda sorte de pequenos círculos para explicar os fenômenos das estrelas, pareceu-me que talvez me fosse permitido, pela suposição de que a Terra fosse dotada de algum movimento, tentar alcançar conclusões mais fundamentadas que as de meus antecessores com respeito às revoluções dos corpos celestes. Copérnico não foi um grande observador astronômico. Seus instrumentos eram medíocres, não tinha bons olhos e na região onde trabalhava não eram comuns as noites de céu claro. Foram poucas as observações que registrou, dizendo respeito, sobretudo, a eclipses e oposições de planetas, sem acusarem um grau elevado de exatidão. Seus interesses e seu gênio dirigiam-se antes à análise profunda e à cuidadosa revisão matemática da teoria geocêntrica corrente, que permanecera praticamente inalterada desde a sua formulação por Ptolomeu, treze séculos antes. As condições da época não permitiam que se desse publicidade a uma inovação tão radical como a teoria heliocêntrica do sistema planetário; nem estava Copérnico muito interessado em publicar os resultados a que chegara, pois era ao mesmo tempo indiferente à fama e inimigo de controvérsias. Na mesma dedicatória diz ele: o desdém que eu tinha a recear, devido à novidade e a aparente absurdidade das minhas idéias, quase me levou a abandonar de todo a obra iniciada. Sentia, além disso, a inutilidade de publicar as suas teorias revolucionárias enquanto não tivesse um modelo de sistema planetário, tão perfeitamente organizado, que se tornasse evidente sua superioridade em relação ao sistema ptolomaico, entrincheirado na tradição milenar. Um trabalho hercúleo, conquanto agradável, e foi assim que elaborou, pouco a pouco, o sistema em manuscrito, e em 1529 publicou um Commentariolus em que dava um esboço da sua teoria, que assim foi gradualmente tornando-se conhecida pelos homens de ciência, embora de forma bastante vaga. Dez anos depois, George Joachim Rheticus (1514 – 1573), jovem professor de matemática da universidade luterana de Wittenberg, visitou Copérnico, ávido de conhecer melhor a nova doutrina. A

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igreja luterana não era mais tolerante do que a católica para com as novidades científicas, e o próprio Lutero qualificava Copérnico de imbecil. De Revolutionibus foi publicada em 1543, sendo que antes, em 1540, apareceu a Narratio Prima de Rheticus, com muita mistura de astrologia. Segundo se diz, um exemplar foi ter às mãos de Copérnico quando se achava em seu leito de morte.

Copérnico iniciou o livro com alguns postulados; primeiro que o Universo era esférico; segundo que a Terra também era esférica; terceiro, que os movimentos dos corpos celestes são movimentos circulares uniformes ou compostos de tais movimentos. Deu fundamental importância ao caráter relativo dos movimentos implicados. Assim, a revolução diária do Sol, da Lua e das estrelas em torno de uma Terra fixa, teria o mesmo efeito aparente que a rotação da Terra no sentido oposto, em volta do seu eixo, e o movimento anual

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aparente do Sol em redor da Terra equivale a um movimento de translação dessa, segundo uma órbita determinada. Não teve receio, pois, de afirmar que a Terra, com a Lua a rodeá-la, percorria um grande círculo em seu movimento anual entre os planetas, em torno do Sol. O Universo, contudo, seria tão vasto que as distâncias dos planetas ao Sol se tornariam insignificantes quando comparadas à esfera das estrelas. Copérnico afirmou ser isso muito mais fácil de compreender do que da outra forma, com a Terra no centro do Universo. Sua adesão à hipótese grega do movimento circular uniforme o fez conservar um complexo sistema de epiciclos, chegando a 34, contra os 79 de Ptolomeu, que foi suficiente para explicar toda a arquitetura do Universo e a dança dos planetas. Copérnico fez da trigonometria todo o uso que sua obra requer, procedendo também a uma revisão do catálogo estelar de Ptolomeu. Fez um cálculo bastante exato da precessão dos equinócios e a interpretou corretamente, como devida a um lento movimento cônico do eixo da Terra, como o de um pião quando começa a parar. Estimou, ainda, os tamanhos relativos da Lua, da Terra e do Sol como de 1 : 43 : 6937, e a distância da Terra ao Sol (segundo o método de Aristarco) em 1200 raios terrestres, isto é, mais ou menos 1/20 da verdadeira distância. Por mais revolucionárias que fossem as teorias de Copérnico, não surgiam revestidas de uma forma suficientemente popular, para provocarem controvérsias imediatas ou generalizadas. Dedicando sua obra ao Papa, diz Copérnico: a matemática é escrita para os matemáticos, a quem, se minha opinião não me ilude, nossos trabalhos parecerão contribuir de certo modo para o ministério eclesiástico, cujo posto supremo Vossa Santidade ocupa atualmente; pois não há muito, sob Leão X, a questão de rever o calendário eclesiástico foi discutida e continuou sem solução, simplesmente porque se considerava que a duração dos anos e dos meses e os movimentos do Sol e da Lua ainda não se achavam suficientemente determinados... Mas, quanto ao que eu possa ter realizado aqui, deixo-o ao julgamento de Vossa Santidade em particular, assim como ao de todos os outros sábios matemáticos...

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Influência de Copérnico A publicação da De Revolutionibus era, naturalmente, um poderoso estímulo para os estudos matemáticos e astronômicos. Assim Rheticus, cujas relações com Copérnico tinha sido tão fecundas, organizou uma nova e rica coleção de tábuas matemáticas, enquanto Erasmo Reinhold (1511 – 1553), que saudara Copérnico como um novo Ptolomeu, publicou em 1551, baseando-se na obra de Copérnico, algumas tábuas astronômicas – as chamadas “prutênicas” ou “prussianas” – superiores às que estavam em vigor. Antes que a nova doutrina pudesse ser completamente demonstrada ou refutada seria necessário esclarecer certos conceitos de mecânica e reunir sistematicamente dados de observação mais exatos. GIORDANO BRUNOGIORDANO BRUNOGIORDANO BRUNOGIORDANO BRUNO (1548 – 1600)

Giordano Bruno, nascido em Nola perto de Nápoles, não foi certamente um astrônomo, nem tampouco um físico ou um matemático. Mas, nessa época, a astronomia apresentava-se solidária com a física e ambas vinculavam-se estreitamente à cosmologia. Por uma intuição genial, antecipando-se às descobertas telescópicas de Galileu, Bruno apreende o infinitismo essencial da nova astronomia e opõe-se à visão medieval de um cosmo ordenado e finito, visão essa que, embora

modificada, domina ainda o pensamento de um Copérnico e mesmo de um Kepler. Em suas obras De l’infinito universo e mondi (universo infinito) de 1584 e De innumerabili, immenso e infigurabili (imenso e não inumerável) de 1591, expõe as famosas teses de que o cosmo estaria povoado de uma infinidade de “mundos” semelhantes ao nosso. Foi essa visão, acompanhada de uma violenta critica ao aristotelismo, que ele pregou através da Europa com o ardor de um apóstolo e foi por ela que pagou com a própria vida.

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Em 1584, Bruno já apresentou uma exposição e uma defesa da astronomia copernicana, onde enriqueceu e transformou as idéias de seu mestre, aplicando de forma notavelmente inteligente as noções elaboradas pela nova física. No mundo de Bruno ou, mais exatamente, no seu universo, não podem existir lugares privilegiados nem direção determinada em si própria. O alto e o baixo são apenas noções relativas; e quanto ao “centro do mundo”, esse carecia de algum sentido: o centro está em toda parte, e não está em parte alguma. Por isso os habitantes dos outros astros têm tanto direito quanto nós de se considerarem no centro. O próprio Sol perdeu seu lugar e seu papel privilegiado, não passando, o centro de nossa “máquina”, de uma estrela entre outras inumeráveis estrelas que são sóis análogos ao nosso. Bruno via o universo como um sistema em permanente transformação, no qual, como já afirmava Heráclito de Éfeso, todas as coisas são e não são ao mesmo tempo. O mundo não era, como pretendia o aristotelismo, uma estrutura hierarquizada na qual o movimento seria comandado, em última instância, pelo estático. Ao contrário, o universo seria um todo no qual nada é imóvel, nem mesmo a Terra e Copérnico confirmara com o seu heliocentrismo. O movimento de todas as coisas, contudo, não seria de natureza puramente mecânica, como se o mundo fosse um jogo de partículas móveis, cujo deslocamento e cujos entrechoques resultariam de um movimento inicial comunicado por um ser superior. O movimento, para Bruno, seria da natureza dos seres vivos e todas as coisas possuiriam um princípio anímico, que as colocariam em permanente transformação. Giordano Bruno, doutor em teologia, clérigo dominicano, passou por várias universidades européias – Oxford, Sorbone, etc – divulgando suas várias obras e ensinando astronomia, técnicas de memorização, filosofia, magia e metafísica. Nunca permanecia muito tempo num lugar, devido à grande disputa que travava com os doutores dessas instituições. A perseguição de Bruno pela Igreja começou muito cedo, já no convento de Nápoles. Viveu um longo exílio até que regressou à

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Itália com esperança de reintegrar-se à igreja, mas em maio de 1592, foi preso e entregue ao tribunal do santo ofício em Veneza. Iniciado o processo, em 03 de julho de 1592, Bruno declarou estar arrependido de todos os erros que porventura tivesse cometido e pronto para reorientar toda sua vida. Nesse ponto o processo poderia ter-se encerrado com a absolvição, mas o papa não o permitiu e fez com que o processo passasse ao tribunal do santo ofício em Roma. Em janeiro de 1593, Bruno foi entregue às autoridades romanas e encarcerado durante sete anos, ao fim dos quais foi condenado à morte na fogueira, juntamente com suas obras consideradas heréticas. No dia 17 de fevereiro de 1600, Giordano Bruno foi executado no campo das flores. Desse modo, o final do século XVI foi iluminado pelas chamas do martírio. Ainda hoje fica-se perplexo em face da ousadia e do radicalismo do pensamento de Bruno que, em toda a parte, opõe o infinitismo do intelecto ao finitismo da razão aristotélica e que operou uma transformação revolucionária na imagem tradicional do mundo e da realidade física. Infinidade do universo, unidade da natureza, geometrização do espaço, levariam em seu séquito à relatividade do movimento; o cosmo medieval não mais existia, explodiu e sumiu no vazio, arrastando consigo a física de Aristóteles e deixando o lugar livre para a nova ciência de Galileu, Descartes e Newton. TYCHO BRAHETYCHO BRAHETYCHO BRAHETYCHO BRAHE (1546 – 1601)

Tycho Brahe, de uma família de nobres dinamarqueses, dedicou-se à primeira grande necessidade da nova astronomia copernicana, ou seja, obter dados adequados e exatos. Enquanto estudava na universidade de Copenhague o interesse pela astronomia foi-lhe despertado por um eclipse e mais tarde, em Leipzig, deu continuidade à sua nova vocação o tempo que, segundo as idéias da época, deveria consagrar a outros assuntos

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mais dignos de um homem rico e bem-nascido. Ali também iniciou o trabalho de toda a sua vida, que consistiu em obter e aperfeiçoar os melhores instrumentos para observações astronômicas, ao mesmo tempo que lhes verificava e corrigia os erros. Regressando à Dinamarca de suas viagens pela Alemanha, a predileção que nutria pela astronomia, foi poderosamente estimulada pelo aparecimento, na constelação de Cassiopéia, em novembro de 1572, de uma brilhante estrela nova que se manteve visível durante 16 meses. A grande importância atribuída a esse fenômeno por Tycho e seus contemporâneos deveu-se ao fato de construir ele uma prova contra a doutrina aristotélica da imutabilidade dos céus, pois suas meticulosas observações demonstravam de maneira cabal que a estrela estava mais distante do que a Lua e não participava dos movimentos planetários. Em 1575, durante uma viagem, Tycho obteve um exemplar do Commentariolus de Copérnico e no ano seguinte recebeu do rei Frederico II a ilha de Hveen, com recursos para a manutenção de um observatório. Quanto àquele pequeno livro, sua opinião era que o sistema de Ptolomeu é complicado demais e o novo sistema proposto por Copérnico, seguindo as pegadas de Aristarco de Samos, embora nada houvesse de contrário aos princípios matemáticos, achava-se em oposição aos físicos, pois a Terra pesada e lenta seria incapaz de mover-se e o sistema desmentia até a autoridade da Escritura”. Uraniborg O observatório de Uraniborg em Hveen – o castelo dos céus – era um estabelecimento extraordinário. Num amplo recinto de forma quadrada, orientado segundo os pontos cardeais, foram reunidos vários observatórios, uma biblioteca, um laboratório, salas de repouso e, mais tarde, oficinas, uma fábrica de papel, um prelo e até observatórios subterrâneos. Tudo isso era administrado com pródiga extravagância, não sendo Tycho nem muito zeloso das suas obrigações nem isento de certa arrogância arbitrária em suas relações pessoais ou de serviço. A despeito dessas dificuldades, durante nada menos de 21 anos levou avante uma série magnífica de observações, que muito

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transcendia em extensão e exatidão tudo quanto fora realizado pelos seus antecessores. Empenhado como estava em alcançar a maior exatidão possível, Tycho construiu instrumentos de grandes dimensões como, por exemplo, um quadrante de madeira para uso ao ar livre com uma escala de bronze de cerca de três metros de raios, permitindo a leitura de frações de minuto. Um quadrante azimutal de bronze, menor, porém mais prestimoso, dava os ângulos com aproximação de um minuto. Possuía também um globo de cobre, construído com grande dispêndio, que tinha cuidadosamente marcadas na sua superfície as posições de cerca de um milhar de estrelas. Em 1577, Tycho Brahe pode observar um brilhante cometa, fazendo importantes deduções teóricas, isto é, que ao invés de ser um fenômeno atmosférico, o cometa se encontrava pelo menos três vezes mais afastado que a Lua e girava em torno do Sol. Foi até levado, na discussão das aparentes irregularidades do seu movimento, a insinuar que ele poderia mover-se numa órbita oval – prenunciando assim um dos grandes descobrimentos de Kepler. De acordo com a opinião corrente da época, os cometas eram formados pelos pecados e pela maldade humana que subiam da Terra, se condensavam sob a forma de uma espécie de gás que a cólera divina inflamava. Essa matéria venenosa torna a cair sobre as cabeças dos homens, causando toda a sorte de malefícios, como a peste, os franceses (!?), a morte súbita, o mau tempo, etc. Onze anos depois, Tycho publicou um volume sobre o cometa, como parte de um extenso tratado astronômico que, entretanto, jamais se completou. Em 1599 aceitou o convite do Imperador Rodolfo para que se estabelecesse em Praga. Ali tornou a organizar um corpo de auxiliares, incluindo, com grande vantagem para ele e para a sua ciência, o jovem Kepler – mas o progresso dos trabalhos foi prematuramente cerceado pela sua morte aos 55 anos. Os principais serviços prestados por Tycho ao avanço da astronomia consistiram, em primeiro lugar, na superior exatidão dos seus instrumentos e observações, repetidas várias vezes, acrescida da correção sistemática dos erros; segundo, pelo prolongamento dessas observações durante muitos anos.

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KEPLER KEPLER KEPLER KEPLER (1571 – 1630)

Johannes Kepler nasceu em Weilderstadt de pais protestantes cuja situação econômica era aflitiva, aliás, toda a sua existência foi uma luta com a pobreza, a má saúde e a adversidade. Em 1594, abandonou o estudo de teologia, embora com certa hesitação, pois sua aceitação da nova hipótese de Copérnico o desqualificava para isso, e foi nomeado livre-docente de matemática em Gratz. Eram poucos os alunos e entre seus deveres estava incluída a confecção de um

almanaque que deveria conter, além da matéria comum dos almanaques, previsão do tempo e informações astrológicas. A mãe astronomia, dizia ele, passaria fome fatalmente se a filha astrologia não ganhasse o sustento de ambas. Tendo tomado grande interesse pela astronomia, houve três coisas em particular que submeteu a diligentes pesquisas, a saber, o número, o tamanho e o movimento dos corpos celestes, procurando as razões de serem elas como eram e não de outro modo. O primeiro resultado que lhe pareceu importante, foi uma espécie de tosca correspondência entre as órbitas planetárias e os cinco sólidos regulares, publicada em 1596 sob um título que pode ser abreviado em Mistério Cosmográfico. Kepler, devido à sua difícil situação como protestante em Gratz, aceitou o cargo de assistente de Tycho Brahe, em Praga, e quando esse morreu, em 1601, herdou a grande massa de dados brutos, por eles obtidos, sobre as posições dos planetas em vários intervalos de tempo. Kepler trabalhou incessantemente sobre esse material por 20 anos, e finalmente conseguiu com brilho ímpar tirar deles suas três leis do movimento planetário. Essas leis constituem o clímax de milhares de anos de astronomia puramente empírica: • A órbita de cada planeta é uma elipse, sendo que o Sol está num dos focos. • A linha que une um planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais.

Sol

224

• O quadrado do período de revolução de um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da órbita elíptica do planeta. Isto é, se T é o tempo que um planeta gasta para completar uma revolução ao redor do Sol, a é o semi-eixo maior mostrado na figura, a razão

3

2

a

T é a mesma para todos os planetas do sistema solar.

Esses resultados foram publicados em 1609, como parte dos Comentários sobre os movimentos de Marte. O que deve ser observado é que essas leis são conseqüências dos estudos de Kepler referentes à Terra e Marte e que depois generalizou para os outros planetas. As leis de Kepler eram empíricas que se ajustavam aos dados de observações reais; porém ele não tinha idéia se eram matematicamente verdadeiras e se poderiam estar relacionadas entre si. Em poucas palavras, não havia uma teoria, a priori, para fornecer um contexto em que essas leis pudessem ser compreendidas. O grande passo que restava dar seria mostrar que as três leis não são independentes e empíricas, e sim, conseqüências matemáticas de uma só lei mecânica, mas esse passo estava reservado ao gênio de Newton. As idéias de Kepler com respeito à força e ao movimento eram ainda bastante simples. Reconhecia a necessidade de uma força exercida pelo Sol, mas supunha-a inversamente proporcional, não ao quadrado, mas à própria distância do Sol ao outro astro considerado. Retomando mais tarde a orientação do seu Mistério Cosmográfico, publicou em 1619 a harmonia do mundo, em que se encontrava a terceira lei vista anteriormente. A última obra importante publicada por Kepler em 1627, as suas Tábuas Rodolfinas, trazia as suas próprias conclusões e as alcançadas, um pouco antes, por Tycho Brahe. Esse livro foi um clássico por mais de cem anos. É digno de nota que durante os seus trabalhos, na confecção dessas tábuas, estava ocorrendo uma revolução nos métodos de cálculo graças à introdução dos logaritmos por Napier e Bürgi. Foi um dos mais diligentes incentivadores da novel arte de calcular por meio de logaritmos. Causou-lhe profunda impressão a obra de Napier, que veio a ter às suas mãos em 1619. Outra

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contribuição para a matemática foram os seus trabalhos sobre as grandezas harmônicas consideradas em relação com a geometria plana e espacial, o que conduziu ao estudo de polígonos e poliedros estrelados. Kepler deve ser lembrado também, por seu Dioptrice (1611), contendo um estudo matemático da refração e das diferentes formas do recém-inventado telescópio. Em seu conjunto, esse livro formou a base da óptica moderna. Desenvolveu o autor a primeira teoria correta da visão: ver significa sentir a estimulação da retina, que é tingida com raios coloridos do mundo visível. O quadro deve ser, pois transmitido ao cérebro por uma corrente mental e deposto na sede da faculdade visual. Supôs que a cor dependia da densidade e da transparência e que a refração se devia à maior resistência dos meios densos. Admitiu também que a velocidade da luz era infinita. Procurando resolver as dificuldades com a hipótese das órbitas elípticas, Kepler viu-se logo às voltas com o problema de determinar o comprimento de uma elipse. Deu a aproximação )ba( +π , em que a e b são os semi-eixos. Isso é certo para o círculo, em que a = b, e bastante aproximado quando a e b são quase iguais, o que sucedia com a maioria das órbitas planetárias. Interessando-se pelos métodos em uso para medir a capacidade dos tonéis de vinho, publicou em 1615 a sua nova Stereometria Doliorum Vinariorum (medidas de volumes de barris de vinho) em que determinava o volume de muitos sólidos limitados por superfícies de revolução. Distinguiu 93 diferentes sólidos de revolução, dando nomes de frutas a alguns deles: maçã, pera, limão, etc. Kepler, rompeu com o rigor arquimediano, não utilizando o método de exaustão. Dividia a sua figura plana ou o seu sólido em secções indivisíveis, determinava a área de cada secção e depois encontrava a soma. O círculo, por exemplo, compunha-se de uma infinidade de triângulos com um vértice no centro e os outros dois sobre a circunferência; analogamente, a esfera consistia numa infinidade de pirâmides. Foram encontrados nos seus livros vários exemplos de integração e somas de séries infinitas, no entanto carecia de um sistema adequado de coordenadas, de um conceito bem definido de limite e de um método eficaz de somar os termos de uma série. Em

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face, porém, das dificuldades intrínsecas dos problemas que tentou resolver foi notável o êxito por ele alcançado. Em 1628, após várias tentativas de receber seus honorários atrasados de matemático imperial, chegou a ponto de unir-se a Wallestein na qualidade de astrólogo, mas veio a morrer um pouco depois em Regensburg. GALILEU GALILEU GALILEU GALILEU (1564 – 1642)

Galileu Galilei nasceu em Pisa três dias após a morte de Miguel Ângelo e no mesmo ano em que Shakespeare veio ao mundo. Exerceu poderosa influência sobre o desenvolvimento científico em muitos campos, em especial assentou as bases da dinâmica moderna. É um fato notável que a astronomia tenha sido cultivada, ao mesmo tempo, por três homens tão ilustres quanto Tycho, Kepler e Galileu. Enquanto Tycho, com 54 anos,

observava o céu em Praga, Kepler, com apenas 30 anos, aplicava o seu gênio impulsivo à determinação da órbita de Marte, e Galileu, com 36, dispunha-se a assentar o telescópio para as regiões inexploradas do espaço. Tendo nascido numa Europa ainda dominada pela tradição aristotélica, Galileu sente-se perplexo diante do conflito entre as suas próprias observações e as teorias aceitas, mas, firme e destemido nas suas convicções, investe ardentemente contra as velhas idéias, ganhando com isso inimigos e também mais discípulos. Em todas as suas atitudes e hábitos mentais, Galileu encarnava o espírito da ciência moderna. Era vivo e arguto no observar, no analisar e no raciocinar sobre os fenômenos naturais. Ardoroso e convincente nas suas exposições (principalmente nas suas aulas da universidade), céptico e intolerante em face da mera autoridade, quer na ciência, quer na filosofia ou na teologia. Ainda jovem, descobriu a regularidade dos movimentos pendulares ao observar lentas oscilações da lâmpada da catedral

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de Pisa em. Não atingira ainda os 25 anos quando publicou, em 1586, um trabalho sobre a balança hidrostática e sobre o centro de gravidade dos sólidos. Muitos anos depois em 1638 mostrou que a hipótese da aceleração uniforme explicava devidamente as relações observadas entre o espaço, o tempo e a velocidade, e que a trajetória descrita pelos projéteis era uma parábola. Comportando-se como um sábio típico de renascimento, Galileu aliou à teoria a solução de vários problemas técnicos. Inventou uma bomba para fazer subir água, um compasso geométrico militar que produziu em larga escala, escreveu um tratado sobre fortificações de cidades além de manter uma oficina para a construção de aparelhos especiais (bússolas, compassos simples, quadrantes, etc.). Sabendo da invenção do telescópio na Holanda, procurou saber detalhes e logo pode construir para si um desses instrumentos, graças ao qual descobriu manchas no Sol, montanhas na Lua, os satélites de Júpiter, os anéis de Saturno e as fases de Vênus. As descobertas de Galileu no tocante à superfície da Lua, foram naturalmente desagradáveis aos aristotélicos da época, para quem esse astro possuía uma forma perfeitamente esférica e lisa, com adornos que a tornavam tão variada e tão bela. Era inevitável que um homem como Galileu aceitasse a hipótese de Copérnico. Em 1597 escreveu a Kepler: considero-me feliz por ter encontrado tão grande aliado na busca da verdade. É realmente lamentável que haja tão poucos que pugnem pela verdade e estejam prontos a abandonar as falsas filosofias. Mas esse não é o lugar para lamentar as misérias do nosso tempo, ao invés de desejar-vos êxito em vossas esplêndidas investigações. Faço-o de tanto melhor grado por ser, desde muitos anos, um adepto da teoria de Copérnico. Ela me aponta a causa de muitos fenômenos que são completamente ininteligíveis sob a teoria geralmente aceita. Reuni muitos argumentos para refutar essa última, mas não me atrevo a publicá-los...” Conquanto nenhum dos descobrimentos astronômicos de Galileu fosse necessário ou suficiente para confirmar a teoria copernicana, o apoio que a essa prestavam, era de extrema importância.

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Em 1632 publicou o famoso Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, o de Ptolomeu e o de Copérnico, obra comparável em grandeza e importância às Revoluções de Copérnico. Na primeira das quatro conversações em que se divide a obra, a teoria aristotélica do caráter especial dos corpos celestes é submetida a uma crítica demolidora, dando-se relevo a fenômenos tais como o aparecimento de estrelas novas, os cometas, as manchas solares, as irregularidades da superfície da Lua, as fases de Vênus, os satélites de Júpiter, etc. Argumentando não só com as próprias manchas solares, mas com a própria variação. Insiste ele que o universo não é rígido e imutável, mas se modifica constantemente, ou então, passa por fases consecutivas e relacionadas entre si, isto é, evoluciona. É com maior repugnância que me resigno a escutar quando o atributo da imutabilidade é defendido como algo de preeminente importância e em completo contraste com a variabilidade. Considero a Terra sobretudo notável justamente pelas transformações que nela ocorrem. Repentinamente, em agosto de 1632, cinco meses após a publicação do Diálogo, chegou uma ordem da inquisição romana para suspender todas as vendas do livro e, Galileu foi intimado a comparecer diante do tribunal em Roma. Doente, quase cego, com 70 anos, em pleno inverno, Galileu foi conduzido de Florença a Roma por estradas difíceis e regiões inteiras isoladas por quarentenas de peste. Foi a Roma para ser humilhado. O julgamento do tribunal, em quatro sessões, era em síntese o seguinte: a proposição de que o Sol se acha no centro do mundo e não pode ser movido do seu lugar é absurda, filosoficamente falsa e formalmente herética, pois é extremamente contrária às santas escrituras... No dia 22 de junho de 1633 foi pronunciada a sentença e Galileu obrigado a recitar publicamente e assinar a abjuração, com vestes de penitente, no convento de Santa Maria sobre Minerva: Eu, Galileu Galilei, abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e heresias mencionados (...) contra a santa igreja. A lenda Eppur si muove!...(no entanto a Terra se move!) foi uma dedução dos estudiosos com base na postura e personalidade de Galileu. Ele pode ter pensado, mas não disse. Um pouco antes do

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julgamento, teria também confidenciado a alguns amigos: Se é uma confissão o que eles querem, confessarei até que sou uma lagartixa. Mesmo após ter sido condenado pela inquisição, enfermo e cego como estava, não esmoreceu o ardor científico de Galileu. Em 1638, publicou em Leyden uma obra sobre mecânica com o título Conversações e Demonstrações Matemáticas sobre dois novos ramos da ciência. Esse livro representava o mais notável progresso realizado na mecânica desde os tempos de Arquimedes. Em toda a extensão da obra, Galileu baseia-se mais em resultados de experimentos do que na simples especulação, e em medidas tão exatas quanto lho permitiam os seus instrumentos. Galileu fez contribuições notáveis a quase todos os ramos da física: dinâmica, estática, hidrostática, termometria, acústica, etc. Presume que a luz possua uma velocidade finita, mas não consegue medi-la. Embora o principal objeto do seu interesse não fosse a matemática, acentua Galileu a dependência das outras ciências em relação a essa. Fez um estudo sutil das quantidades infinitas, infinitesimais e contínuas. Foi o primeiro a propor uma correspondência biunívoca entre quantidades infinitas e para ele tratava-se de um paradoxo, considerando o axioma euclidiano: o todo é sempre maior que qualquer de suas partes. Galileu afirmou categoricamente que o conjunto dos números inteiros positivos e o conjunto dos números quadrados perfeitos estão em correspondência um a um. Desse modo enfrentou a propriedade fundamental dos conjuntos infinitos, ou seja, uma parte poderia ser equivalente ao conjunto todo. Pode-se garantir, sem dúvida, que a grande contribuição de Galileu para a revolução científica que viria após os seus trabalhos foi o seu moderno método: observação, experimentação e formalização matemática. A filosofia está escrita neste livro enorme que continuamente se acha aberto diante dos nossos olhos (eu digo o universo); mas não se pode entendê-lo se, antes, não se aprender a língua e conhecer os caracteres com os quais ele está escrito. O universo está escrito em linguagem matemática; seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas; sem estes meios, é impossível entender sequer uma palavra, sem eles, equivale a vagar inutilmente, por um escuro labirinto.

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A A A A matemática no Renascimentomatemática no Renascimentomatemática no Renascimentomatemática no Renascimento

O período compreendido entre a invenção da imprensa, por volta de 1450, e o início do século XVII foi de grande importância para a matemática e a mecânica, bem como para a astronomia. No seu começo, embora os números “arábicos” já fossem conhecidos, a matemática das universidades quase não ia além dos primeiros livros de Euclides e da solução de equações simples do segundo grau sob a forma retórica. No fim do período, os fundamentos da matemática e da mecânica modernas tinham sido solidamente lançados. Nesse período os matemáticos se tornaram uma classe de sábios especializada, os compêndios tomaram forma e a matemática ia sendo cada vez mais cultivada por si mesma. As maiores realizações e tendências foram as seguintes: na aritmética, foram introduzidas as frações decimais e os logaritmos, simplificando imensamente os cálculos e desenvolveu-se uma teoria geral dos números; na álgebra, criou-se um sistema compacto e adequado de símbolos, incluindo o uso de sinais + , ,÷ × , -, =, ( ),

e dos expoentes; equações do terceiro e do quarto graus foram

resolvidas, aceitando-se as raízes negativas e imaginárias, e muitos teoremas da nossa moderna teoria das equações foram descobertos. Na geometria, o cálculo do π foi feito com aproximação de muitas decimais, deu-se início à geometria descritiva e desenvolveu-se o chamado método dos indivisíveis. Na trigonometria plana e esférica deduziram-se teoremas e processos atualmente em uso além de extensas tábuas. Na mecânica, pouco a pouco foram adquirindo clareza os conceitos de força e movimento, de equilíbrio e centro de gravidade. Na base de alguns desses novos desenvolvimentos encontram-se os conceitos fundamentais que começam a se formar: função, continuidade, limite, derivada, quantidade infinitesimal, sobre os quais se construiu a matemática moderna. PACPACPACPACIOLI IOLI IOLI IOLI (1445 – 1514 ) Luca Pacioli, monge franciscano natural de Toscana, foi o primeiro matemático a ter um livro impresso sobre a aritmética,

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publicado em Veneza em 1494. Nele são dadas regras para as quatro operações fundamentais e para a extração de raízes quadradas. A aritmética comercial é tratada com bastante detalhe pelos novos métodos algorítmicos ou arábicos. O método das suposições arbitrárias corrigidas pela proporção (da falsa posição), era usado com bons resultados, por exemplo: “Achar o primitivo capital de um negociante que gastou a quarta parte do mesmo em Pisa e um quinto em Veneza, havendo recebido nessas transações 180 ducados e tendo atualmente em mão 224 ducados. Supondo-se que o capital primitivo fosse de 100 ducados, o restante seria 100 – 25 – 20 = 55. Isso, porém, são os 5/4 do verdadeiro resto (224 – 180); logo, o capital primitivo equivale aos 4/5 de 100 = 80 ducados”. Alguns desses problemas comerciais de Pacioli eram extremamente complicados. Resolvia equações numéricas do primeiro e do segundo graus, mas só admitia raízes positivas e considerava impossível a solução das equações do terceiro grau, bem como a quadratura do círculo. A adição era indicada por p ou

p , abreviação do latim plus, a igualdade algumas vezes por ae. Iniciava-se a álgebra sincopada que teria também a introdução dos

radicais com índices, 2 , 3 , bem como dos sinais + e -.

Pacioli em 1509 fez duas tentativas no campo da geometria, publicando uma edição de Euclides e a De Divina Proportione. Essa diz respeito a polígonos regulares, a sólidos e à razão mais tarde chamada de “secção áurea”. O trabalho é destacado pela excelência das figuras que por isso têm sido atribuídas a Leonardo da Vinci.

A geometria da arteA geometria da arteA geometria da arteA geometria da arte

Considerado o mais notável movimento artístico e literário da cultura ocidental, o renascimento produziu verdadeiros gênios na pintura, na Itália por exemplo, pode-se citar: Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) e Rafael Sanzio. Leonardo rompeu com as limitações da arte tradicional e introduziu o conceito de claro-escuro no espaço pictórico. Michelangelo reviveu admiravelmente a concepção helênica de luta do homem com o universo. Rafael, por sua vez, promoveu uma doce

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revolução, muito mais compatível com seu caráter sereno: introduziu na arte a tendência à beleza ideal, inspirada nos conceitos artísticos da Antiguidade clássica. Os três artistas citados além de outros da mesma época, notadamente Albrecht Dürer (1471–1528), de Nuremberg, desenvolveram a teoria geométrica da perspectiva. A fim de representar exatamente a cabeça humana, Dürer fazia uso tanto dos planos como da projeção vertical. LEONARDO DA VINCI LEONARDO DA VINCI LEONARDO DA VINCI LEONARDO DA VINCI (1452 – 1519)

Leonardo da Vinci, um dos gigantes intelectuais do renascimento, igualmente grande na arte, na ciência e na engenharia, foi o primeiro a dar explicação correta da iluminação parcial da parte escura do disco lunar, como sendo devida à luz da Terra. Seus cadernos de notas revelavam observações muito exatas sobre fenômenos ópticos causados por um estreito feixe de luz numa câmara escura. Chamou a mecânica de paraíso das ciências matemáticas, porque

nela se colhem pela primeira vez os frutos dessas ciências. Negou a possibilidade do movimento perpétuo, dizendo: a força é a causa do movimento e o movimento é a causa da força. Discutiu a alavanca, a roda e o eixo, os corpos que caem livremente ou sobre planos inclinados. Antecipou-se assim a Galileu. Todo aquele que apela para a autoridade, dizia ele, não aplica o intelecto e sim a memória. Ao passo que a natureza começa pela causa e termina pela experiência, nós devemos seguir o plano contrário, começando pelo experimento e por meio deste investigar a causa. Nenhuma pesquisa humana pode aspirar ao nome de verdadeira ciência se não passar pela demonstração matemática e aquele que desdenha a certeza da matemática não conseguirá impor silêncio a teorias sofísticas que só podem terminar em guerras de palavras. Dizia, ainda, Leonardo que A felicidade está na atividade e, convenhamos, ele foi muito feliz. Artista, físico, geômetra, músico,

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engenheiro, biólogo, atleta e filósofo. Certa vez, ao passar diante de um açougue, Leonardo apontou, desgostoso, a carcaças de vitelas, carneiros, bois e suínos, e disse a um dos seus discípulos: - Sim, não há dúvida, o homem é o rei dos animais, ou para dizê-lo de outra maneira, é o rei das feras, pois a sua ferocidade é, positivamente, das maiores. E, após breve silêncio, acrescentou, com tristeza: - Criamos a nossa vida da morte dos outros seres. Os homens e as feras não são mais do que eternos cemitérios ambulantes, túmulos uns para os outros... Leonardo da Vinci é um caso que segundo suas próprias palavras quanto mais se conhece, mais se aprecia. RAFAEL RAFAEL RAFAEL RAFAEL (1483 – 1520) Rafael Sanzio nasceu em Urbino num ambiente artisticamente receptivo e estimulante. Seu pai era um pintor muito estimado pela corte local. Não era, efetivamente, um pintor dotado de qualidades incomuns; mas foi suficiente para incentivar na escolha da profissão do filho.

Depois de viver algum tempo em Florença e em outras cidades, foi em Roma que Rafael, juntamente com outros artistas, teve oportunidade de participar da decoração da nova residência do papa Júlio II. Em 1509 foi nomeado pintor oficial da corte papal. Chegou a ser arquiteto-chefe na decoração do Vaticano, especialmente da Basílica de São Pedro. Tornou-se, então, a principal figura da arquitetura romana. Aceitou também o desafio de pintar um enorme afresco para a Stanza della Segnatura (sala utilizada pela Igreja para a assinatura de documentos importantes). E realizou a Disputa do Sacramento, A Escola de Atenas e O Parnaso. Tal empreendimento, que constituiu um marco em sua carreira, colocou-o como rival direto de Michelangelo, que havia pintado os maravilhosos afrescos da Capela Sistina.A Escola de Atenas constitui-se um sumário da história da matemática grega além de ser um precioso documento para se saber como os italianos da renascença concebiam a vida intelectual da Grécia Antiga. Os filósofos e matemáticos, cada um com as características que marcaram suas vidas e obras, estão espalhados, com muita simetria,

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pela sala. Platão e Aristóteles, por exemplo, são as figuras centrais, com Platão indicando o céu para expressar que sua filosofia situava a verdadeira realidade num plano supra-sensível: o mundo das idéias, modelos eternos e imutáveis das coisas concretas e perecíveis. Aristóteles, por sua vez, aponta para baixo, exprimindo seu pensamento realista, que afirma ser real o mundo concreto e sensível, a partir do qual o intelecto humano realiza abstrações. Rafael colocou nos integrantes da obra rostos de pessoas conhecidas do seu tempo. Por exemplo, Platão aparece com o rosto de Leonardo da Vinci, Euclides com o de Bramonte, outro grande arquiteto do Vaticano. O próprio autor se inclui, talvez, como uma espécie de assinatura.

Sem ser tão inovador como Leonardo ou revolucionário como Michelangelo, pode-se dizer que Rafael superou a ambos no que se refere à perfeição das linhas, beleza do colorido e harmonia das composições.

STIFELSTIFELSTIFELSTIFEL (1487 – 1567) Michael Stifel, ministro luterano alemão, ex-monge agostiniano, publicou em 1544, importante tratado com o título de Arithmetica Integra. Esse livro, que apareceu com um prefácio de Melanchton, contém muitos acréscimos originais. Apresentou Stifel um amplo estudo dos coeficientes binomiais (já sem o caráter

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místico dos números triangulares neopitagóricos, etc.), trazendo também o chamado “triângulo de Pascal”. Está muito próximo de conceber a idéia de logaritmo e foi um dos primeiros a introduzir os números negativos em seus trabalhos. Também introduziu alguns melhoramentos na notação em uso. RECORDE RECORDE RECORDE RECORDE (1510 – 1558) Robert Recorde, “a estrela matutina da literatura matemática inglesa”, estudou em Oxford e graduou-se em medicina por Cambridge em 1545, tornando-se mais tarde “físico régio”. Sua obra The Grounde of Artes, ou Aritmética, de 1540, foi um dos primeiros livros sobre matemática publicados em inglês e que teve mais de 27 edições exercendo grande influência sobre a educação na Inglaterra. Recorde empregou o símbolo +, que indica demasiado, assim como essa linha -, simples e sem ser cruzada por outra, indica demasiado pouco. Em 1557 publicou uma álgebra sob o título sedutor de Whetstone of Witte (pedra de afiar o espírito), usando para a igualdade o sinal =, que diz ter escolhido porque não pode haver duas coisas mais iguais do que duas retas paralelas.

Equações algébricas de grau superiorEquações algébricas de grau superiorEquações algébricas de grau superiorEquações algébricas de grau superior O maior feito dos matemáticos italianos do século XVI foi resolver equações do terceiro e, mais tarde, do quarto grau. Grande parte dos trabalhos iniciais foi realizada na Universidade de Bolonha onde Scipione del Ferro resolveu, por volta de 1515, a equação

nmxx =+3 , sem publicar o resultado. Por volta de 1535, Tartaglia

descobriu a solução de Ferro, bem como a da equação npxx =+ 23 . Havia grande interesse por essas especulações matemáticas e foram realizados até concursos em público para a solução das equações do terceiro grau.

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TARTAGLIATARTAGLIATARTAGLIATARTAGLIA (1500 – 1557) Niccolò Fontana (Tartaglia), cuja origem era das mais humildes, lecionou em Verona e Veneza e começou a ganhar fama por ter respondido com êxito ao desafio de resolver certos problemas matemáticos que envolviam equações cúbicas. Na sua obra Nova Scienza, de1537, Tartaglia discutiu a queda dos corpos e muitos problemas de engenharia militar e fortificação tais com o alcance dos projéteis, os meios de pôr a nado galeras afundadas, etc.. A página de rosto era ocupada por uma grande estampa que representava a corte da filosofia. Euclides era o porteiro e Aristóteles e Platão os mestres de uma corte interna, na qual está entronizada a filosofia, sendo que Platão declara, por meio de um dístico, que não permitirá a entrada de ninguém que não compreenda geometria... A sua solução da equação cúbica encontrava-se no livro Invenzioni enquanto que no Tratado dos Números e das Medidas, de 1556, aparecia um método para encontrar os coeficientes no

desenvolvimento de ( )nx+1 , para n de 2 até 6. Apresentava, também, grande variedade de problemas de aritmética comercial e uma coleção de enigmas matemáticos. Um exemplo de tais enigmas tornou-se famoso: “Três belas jovens são casadas com três moços simpáticos e galantes, mas ciumentos. Andam os seis em viagem e vão ter à margem de um rio. Para atravessar o qual só dispõem de um botezinho com lugar para duas pessoas no máximo. Como passarão o rio, ficando entendido que, a fim de evitar um escândalo, nenhuma das mulheres poderá permanecer em companhia de um homem a não ser que o seu marido esteja também presente?”. Não há outro tratado que contenha tantas informações sobre a aritmética do século XVI, tanto no que diz respeito à teoria como às aplicações práticas. A vida do povo, os costumes dos mercadores, as lutas pelo aperfeiçoamento da aritmética, tudo isso foi exposto por Tartaglia de maneira prolixa, mas interessante. Antecipando-se a Galileu, ensinou Tartaglia que os corpos de pesos diferentes percorrem, ao cair, distâncias iguais em intervalos

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de tempos iguais e que um corpo a que se imprime um movimento circular, uma vez solto tomará a direção da tangente. CARDANO CARDANO CARDANO CARDANO (1501 – 1576) Girolamo Cardano teve uma vida de aventuras, mais ou menos indecorosas, em estranha combinação com várias formas de atividades científicas ou semi-científicas, em especial o exercício da medicina e da astrologia. Estudou em Pavia e Pádua, viajou pela França, pela Inglaterra e foi professor em Milão e Pavia. Sua obra prima Ars Magna, publicada em 1545, contém a solução da equação cúbica, fraudulentamente obtida do seu rival Tartaglia. Após a publicação do livro, o afrontado Tartaglia desafiou Cardano para um duelo matemático que acabou se realizando em Milão a 10 de agosto de 1548. Cardano, entretanto, não compareceu tendo enviado seu discípulo Ludovico Ferrari (1522–1565) para substituí-lo. Nesse confronto tumultuado Tartaglia não se saiu bem e Ferrari, demonstrando superioridade conseguiu apresentar, inclusive, uma fórmula geral para resolver a equação do quarto grau. Duelos à parte, o importante foi o avanço do estudo das equações algébricas. Para as de quinto grau ou maiores, somente no século XIX se demonstrou que a solução, em geral, não pode ser expressa do modo que se faz para os graus de 1 a 4. Como jogador inveterado Cardano forjou, talvez com o baralho, uma das contribuições mais importantes para as ciências ao dar início ao estudo da teoria das probabilidades. Equações de 3º e 4º grausEquações de 3º e 4º grausEquações de 3º e 4º grausEquações de 3º e 4º graus Cardano procedia como um verdadeiro discípulo de al-Khowarizmi, e pensava em suas equações, com coeficientes numéricos específicos, como sendo representantes de categorias gerais. Por exemplo, quando escrevia, cubus p 6 rebus aequalis 20

(seja o cubo e seis vezes o lado igual a 20), ou seja, 2063 =+ xx , ele pensava nessa equação como típica de todas as que têm um cubo

e coisa igual a um número, isto é, da forma qpxx =+3 .

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A solução dessa equação ocupava algumas páginas de retórica que em notação atual se traduz por: substitua-se x por vu− e suponha-se u e v relacionados de modo que seu produto (pensado como área) seja um terço do coeficiente de x , isto é, 2=uv .

Substituindo na equação dada, chega-se a 2033 =− vu ; e eliminado

v , tem-se 820 36 += uu , uma equação quadrática em 3u . Logo 3u ,

como é sabido, vale 10108+ . Da relação 2033 =− vu tem-se que

101083 −=v ; e assim, de vux −= , conclui-se que 33 1010810108 −−+=x .

Tendo efetuado todos os cálculos para esse caso específico, Cardano, de forma verbal, dava uma regra equivalente à atual

solução de qpxx =+3 , ou seja, a fórmula

323

323

22272427

qqpqqpx −+−++= , que é chamada de

Cardano-Tartaglia. A seguir, Cardano passava então a outros casos, tais como cubo igual a coisa e número. Nesse caso usa-se a substituição vux += em vez de vux −= , e procede-se de modo análogo ao anterior. Nesse caso, porém, há uma dificuldade. Quando se aplicava a regra

a 4153 += xx , por exemplo, o resultado seria 33 12121212 −−+−+=x .

Cardano, acreditando não existir raiz quadrada de número negativo, e, no entanto, sabendo que 4=x era uma raiz da equação proposta, não conseguiu entender como sua regra faria sentido em tal situação. Noutra ocasião já ocorrera situação semelhante ao resolver o problema de dividir 10 em duas partes tais que o produto

fosse 40. As regras usuais levaram às respostas 155 −+ e

155 −− para as partes ou, em sua notação, 5p:Rm:15 e 5m:Rm:15). Cardano se referia a essas raízes quadradas de números negativos como “sofísticas” e concluía que o resultado nesse caso era “tão sutil quanto inútil”.

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Estudiosos posteriores mostrariam que tais manipulações eram de fato sutis mas nada inúteis. Foi um mérito de Cardano que, ao menos, refletiu quanto a essa intrigante situação. Sobre a regra para resolver equações de grau 4, Cardano escreveu na Ars Magna que era devida a Ferrari, que a inventou a seu pedido. Novamente, as equações foram resolvidas em casos separados, num total de vinte. Como ilustração tem-se o caso: Seja quadrado-quadrado e

quadrado e número igual ao lado, ou seja, xxx 60366 24 =++ . Cardano (ou Ferrari) sabia eliminar o termo cúbico de uma equação do quarto grau, somando ou subtraindo das raízes um quarto do coeficiente do termo cúbico. Então os passos para a resolução desse exemplo são descritos como segue: 1. Somar suficientes quadrados e números a ambos os membros da equação para que o primeiro fique um quadrado perfeito, nesse caso

( ) .xx2224 6xou 3612 +++

2. Somar a ambos os membros termos envolvendo uma nova incógnita y de modo que o primeiro membro permaneça quadrado

perfeito, como ( ) =++++=++ 22222 2126066 yxyyxxyx

( ) ( )yyxxy 126062 22 ++++= . 3. Escolher y de modo que o trinômio no segundo membro fique um quadrado perfeito. Isso se faz igualando a zero o discriminante – uma regra antiga e bem conhecida que nesse caso leva a

( )( ) .yyy 01262460 22 =++− 4. Do passo 3 resulta uma equação cúbica em y,

4503615 23 =++ yyy , chamada a “cúbica resolvente” da equação quártica dada. Essa é resolvida em relação a y pelas regras previamente dadas para resolução de equações cúbicas, sendo o resultado

54

180449

2

1287

4

180449

2

1287 33 −−++=y .

5. Substituir o valor de y obtido em 4 na equação para x do passo 2 e extrair a raiz quadrada de ambos os membros.

240

6. O resultado do passo 5 é uma equação quadrática, que deve agora ser resolvida para se encontrar o valor de x desejado. O mais importante resultado das descobertas publicadas na Ars Magna foi o enorme impulso dado à pesquisa em álgebra em várias direções. Era natural que o estudo fosse generalizado de modo a incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que, em particular, se procurasse resolver a de quinto grau. Porém, os matemáticos dos dois séculos seguintes enfrentariam um problema algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos clássicos da antiguidade. Resultou muito boa matemática, mas somente uma conclusão negativa. Outro resultado imediato da resolução da cúbica, foi a primeira observação significativa dos números negativos. Os números irracionais já tinham sido aceitos nessa época, pois eram aproximáveis por números racionais. Os números negativos causavam dificuldades maiores porque não são aproximáveis por números positivos e só se tornaram mais plausíveis com a noção de sentido sobre uma reta. Um fato interessante foi que no momento em que os números negativos passaram a ser aceitos, houve necessidade, com a solução da cúbica, de se considerar os números imaginários ou impossíveis. BOMBELLIBOMBELLIBOMBELLIBOMBELLI (1526 – 1573) Rafael Bombelli teve o que chamou “idéia louca”, pois toda a questão dos números imaginários parecia apoiar-se em sofismas. Os dois radicandos das raízes cúbicas que resultavam na fórmula de Cardano-Tartaglia, diferiam apenas por um sinal. Como já foi visto,

a solução de 4153 += xx , pela fórmula, leva a 33 12121212 −−+−+=x , embora se saiba, por substituição

direta, que x = 4 é a única raiz positiva dessa equação. Bombelli teve a feliz idéia de que os próprios radicais (as duas raízes cúbicas) poderiam ser relacionados de modo análogo aos radicandos que, como se diz atualmente, seriam complexos conjugados cuja soma é 4. Para que a soma das partes reais fosse 4, então, raciocinou Bombelli, a parte real de cada uma seria 2; e para que um número da

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241

forma 12 −+ b fosse uma raiz cúbica de 1112 −+ , então b teria

que ser 1. Logo .x 41212 =−−+−+= Com seu engenhoso raciocínio Bombelli mostrou o papel importante que os números complexos conjugados viriam desempenhar; mas na época, a observação não ajudou na operação efetiva de resolver equações cúbicas, pois ele precisava saber antecipadamente o valor de uma das raízes. Mas então a equação já estaria resolvida, e não haveria necessidade da fórmula. Sem tal conhecimento prévio, seu método falhava e o caso era considerado irredutível. Bombelli escreveu sua Álgebra por volta de 1560, mas essa só foi impressa, em parte, em 1572, cerca de um ano antes de sua morte. Um dos aspectos significativos desse livro é que contém um interessante simbolismo. Bombelli escrevia às vezes, 1Zp.5Rm.4 –

isto é, 1 zenus plus 5 res minus 4 – para .xx 452 −+ Mas usava também outra forma em que a potência da incógnita é representada simplesmente como um número arábico acima de um pequeno arco

de círculo, de modo que, por exemplo, 32 x,x,x apareciam respectivamente como . A álgebra de Bombelli, naturalmente, usava os símbolos italianos p e m para adição e subtração, mas ele ainda não tinha um símbolo para a igualdade. O sinal de igualdade atual, como já foi visto, fora publicado em 1557, na Inglaterra, por Robert Recorde. VIÈVIÈVIÈVIÈTETETETE (1540 – 1603)

François Viète não foi matemático profissional, tendo na sua juventude estudado e praticado direito, tornando-se membro do parlamento da Bretanha. Mais tarde tornou-se membro do conselho do rei, servindo primeiro sob Henrique III depois sob Henrique IV ou de Navarra. Foi na ocasião em que servia a Navarra, que teve grande sucesso ao decifrar as mensagens em código dos espanhóis que o acusaram de ter um pacto com o demônio.

1 2 3

242

Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática, no entanto, fez contribuições à aritmética, álgebra, trigonometria e geometria. Na aritmética ele deve ser lembrado por seu apelo em favor do uso de frações decimais em vez de sexagesimais. Viète conquistou a simpatia de Henrique IV ao resolver um complicado problema proposto e 1593, pelo matemático belga Adriaen van Roomen, segundo o costume da época de desafiar o mundo científico. Esse problema envolvia a equação de grau 45,

Axx...xxxx =+−+−+− 4537951230094545 339414345 , cuja solução Viète conseguiu encontrar por um método trigonométrico, observando que a equação resulta de exprimir θ45senA = em termos de θ= senx 2 . Com o uso de tabelas que dispunha, encontrou as soluções positivas. A sua obra In Artem Analyticam Isagoge (introdução a arte analítica) de 1571, é a mais antiga sobre a álgebra simbólica. Nela, as quantidades conhecidas eram indicadas por consoantes e as incógnitas por vogais, fazendo clara distinção entre incógnita e parâmetro; recomendava-se o uso de equações homogêneas, encontrava-se as seis primeiras potências do binômio, além de introduzir uma notação exponencial especial. Viète já usava os símbolos + e -, com o sentido atual; as

potências 32 xe x,x indicava, por A, A quadratum, A cubum, e posteriormente por A, Aq, Ac,, respectivamente. Assim, nessa

notação a identidade 32233 33 babbaa)ba( +++=+ apareceria como a cubus+ b in a quadratum 3+ a in b quadratum 3+ b cubus

aequalis ba+ cubus, em que in era multiplicação e o traço sobre a + b tinha o significado dos parênteses atuais. Viète mostrou que os famosos problemas clássicos da trissecção de um ângulo dado e da duplicação do cubo envolviam a solução de uma equação cúbica e com isso fez importantes descobertas na teoria geral das equações, como por exemplo, decompor polinômios em fatores do primeiro grau e derivar de uma dada equação outras equações cujas raízes difiram das da primeira por uma constante ou por um fator dado. Resolveu o famoso problema de Apolônio, que consistia em determinar um círculo tangente a três círculos dados. Seguindo o

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243

método de Arquimedes dos polígonos inscritos e circunscritos, Viète expressou π por uma série infinita. Criou métodos sistemáticos para a solução de triângulos esféricos. Ao aplicar a trigonometria a problemas algébricos e aritméticos, Viète ampliava o alcance do assunto. Foi provavelmente sua reticência quanto aos números negativos que o impediu – como impediu seus contemporâneos – de progredir ainda mais. O aperfeiçoamento da notação feito por Viète foi seguido, um pouco mais tarde, pelas aplicações da álgebra à geometria, feitas por Descartes.

Para resolver a equação baxx =+ 22 , Viète propõe uma substituição de variáveis, o que implica na transformação da equação inicial em uma equação incompleta. Os passos por ele utilizados, em nossa linguagem atual, são: seja uax =+ , então

222 2 aaxxu ++= ; pela equação dada baxx =+ 22 , temos 22 abu += . Logo ( ) 222 abuax +==+ e aabx −+= 2 .

Para uma equação geral da forma 02 =++ cbxax , o método de Viète seria:

Seja zux += . Substituindo em 02 =++ cbxax , resulta

( ) ( ) 02 =++++ czubzua , ou ( ) ( ) 02 22 =+++++ cbzazubazau .

Considerando 02 =+ baz , tem-se a

bz

2

−= . Substituindo

a

bz

2

−= em

( ) ( ) 02 22 =+++++ cbzazubazau , resulta a

acbau

4

422 −= , ou

a

acbu

4

42 −±= . Finalmente, substituindo os valores

a

bz

2

−= e

a

acbu

4

42 −±= em zux += , tem-se

a

acbbx

2

42 −±−= .

Desenvolvimento da trigonometria Muitas circunstâncias se combinaram para promover o desenvolvimento da trigonometria nesse período. Necessitavam dela

244

o engenheiro militar, o construtor de estradas o astrônomo, o navegador e o cartógrafo, cujo trabalho dependia de todos os outros. Rethicus, conhecido como colaborador de Copérnico, organizou uma tábua de senos naturais de 10 em 10 segundos com quinze casas decimais. A ele devemos nossas fórmulas usuais para xsen2 e

.xsen3 A notação sen, tg, etc., bem como a determinação da área do triângulo esférico são desse período. MERCATORMERCATORMERCATORMERCATOR (1512 -1594) Gerhard Kremer, conhecido como Mercator dedicou-se à geografia matemática, primeiro em Lovaina e posteriormente em Duisburg, fazendo mapas, globos e instrumentos astronômicos como meio de vida. Mais tarde, acrescentou o ensino a essas ocupações. Seu grande mapa-mundi, completado em 1569, marcou uma época na cartografia. Mercator submeteu a uma análise matemática os princípios que serviram de base à projeção de uma superfície esférica num plano, por meio da qual os meridianos e os paralelos são transformados, em duas séries de retas paralelas que se cortam em ângulos retos. Os ângulos se conservam inalterados, mas as áreas afastadas do equador expandem-se desmedidamente. Essa projeção de Mercator constituiu, junto com a projeção estereográfica conhecida de Ptolomeu, um dos mais importantes métodos cartográficos. O calendário Gregoriano Até 1582 vigorou o calendário Juliano com o ano de 365 dias e um quarto e um erro que crescia gradualmente, e por essa época já estava próximo de 10 dias. Sob a tutela do papa Gregório XIII, foram suprimidos os dias, entre 4 e 15 de outubro de 1852 e, o número de anos bissextos em cada período de 4 séculos, foi diminuído de 100 para 97. A rivalidade religiosa impediu durante um século que essa reforma fosse adotada na Alemanha protestante, enquanto que a Inglaterra adiou a adoção até o ano de 1752.

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245

Os Os Os Os LLLLogaritmosogaritmosogaritmosogaritmos NAPIER NAPIER NAPIER NAPIER (1550 – 1617) Muitos matemáticos do século XVI tentaram coordenar progressões aritméticas e geométricas, principalmente no que diz respeito a facilitar o trabalho com as complicadas tabelas trigonométricas. Uma importante contribuição para esse objetivo foi empreendida por um matemático e proprietário de terras escocês, John Napier (ou Neper), que em 1614 publicou em Edimburgo, a Merifici logarithmorum canonis descriptio (uma descrição da maravilhosa regra dos logaritmos). A sua idéia principal foi construir duas seqüências de números, de tal modo relacionadas, que o crescimento de uma em progressão aritmética implicaria no decrescimento da outra em progressão geométrica. Como o produto de dois números na segunda tem uma relação simples com a soma dos números correspondentes na primeira, a multiplicação poderia ser reduzida à adição. Napier, segundo consta, dedicou-se por vinte anos antes da publicação desse sistema que viria facilitar consideravelmente os cálculos com senos na astronomia. Sua definição do logaritmo (logos que é razão e arithmos que é número) repousa sobre a seguinte base cinemática:

Sejam dados um segmento de reta AB e uma semi-reta CDE. Suponha que um ponto

246

P parta de A e se mova ao longo de AB com velocidade variável, decrescendo em proporção com sua distância a B; durante o mesmo tempo, suponha que um ponto Q parta de C e se mova ao longo de CDE com velocidade uniforme, igual à velocidade inicial de P. Napier chamava a distância CQ de logaritmo da distância PB. Usando notações atuais sejam PB = x e CQ = y. Napier

considerou AB= 710 , 710

11−=b (um número bem próximo de 1), as

potências inteiras de b e a expressão L)(N7

7

10

1110 −= . Foi então

que chamou L de logaritmo de N. Assim, seu logaritmo de 710 era

0, de )(7

7

10

1110 − era 1, etc.

Deve-se lembrar que Napier não tinha o conceito de base de um sistema de logaritmos, mas pode-se verificar que os seus dados

levariam a um sistema de base 1−e e, para isso, bastaria dividir as

distâncias PB e CQ por 710 .

De fato, com uma velocidade inicial de 710 , ou seja,

0 10 10 e 07

07 ===−= y,x,

dt

dyx

dt

dx tem-se

xdx

dy 710−= ou

cxlny 710−= e das condições iniciais encontra-se .c 710= Logo,

)lny7

7

10

x( 10−= ou ).

xlog

y

e77 10

( 10 1−

=

Outras tábuas análogas foram calculadas independentemente pelo astrônomo e relojoeiro suíço Jobst Bürgi e publicadas em Praga em 1620. Os métodos de Bürgi são essencialmente os mesmos de Napier. BRIGGSBRIGGSBRIGGSBRIGGS (1561 – 1631) Henry Briggs, professor de geometria em Oxford, foi um dos admiradores mais entusiásticos de Napier, tanto que o visitou na Escócia em 1615 pouco depois de ter escrito: espero vê-lo neste

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247

verão, se Deus quiser, porque nunca encontrei um livro que mais me agradasse ou me despertasse maior admiração. Durante a visita discutiram possíveis modificações no método dos logaritmos, Briggs propôs o uso de potências de dez, e Napier disse que tinha pensado nisso e concordava. Perceberam também que uma grande simplificação resultaria de se fazer

110 , 01 == loglog e abandonando a restrição dos logaritmos às quantidades inteiras e fazendo assim com que a parte decimal de todos os logaritmos dependesse unicamente da seqüência dos algarismos que formam cada número. Com a morte de Napier, em 1617, coube a Briggs a tarefa de construir a primeira tabela de logaritmos decimais ou comuns. Iniciando com 110=log , encontrou outros logaritmos tomando

raízes quadradas sucessivas. Uma vez que 162277310 ,= , Briggs

encontrou 501622773 ,,log = ; como 6234135622773110 43

,, == , então 7506234135 ,,log = . Continuando assim calculou os logaritmos de 1 a 1000, com 14 casas decimais, tendo publicado os resultados nesse mesmo ano. Napier, devido ao interesse pelas aplicações trigonométricas, construiu sua tábua, com logaritmos das funções trigonométricas para cada minuto, com 7 decimais e não com logaritmos de números abstratos. Em conexão com essa mudança para a base 10, desenvolveu Briggs interessantes métodos de interpolação, bem como verificou a exatidão dos logaritmos. Em 1624, em Arithmetica logarithmica, Briggs ampliou sua tabela incluindo logaritmos comuns dos números de 1 a 20.000 e de 90.000 a 100.000, com 14 decimais. Organizou também tábuas trigonométricas com 10 decimais e um intervalo angular de 10 segundos. Pode-se observar que a revolução causada pelo aparecimento dos logaritmos estava no fato de que suas propriedades

,clogblogbclog aaa += clogblogc

blog aaa −= e

blogcblog ac

a = transformavam, com auxílio de tabelas, produto

248

em soma, quociente em diferença e potência em produto. Foi por isso que astrônomos como Kepler, por exemplo, reconheceram imediatamente a enorme importância do novo método logaritmo. As tábuas que causaram revolução no cálculo atualmente são artigos curiosos de museus, mas os logaritmos ou, então, as funções logarítmicas fazem parte do dia a dia da matemática, pura ou aplicada, e de muitos outros ramos da ciência. STEVINSTEVINSTEVINSTEVIN (1548 – 1620) Simon Stevin de Bruges, Países Baixos tornou-se engenheiro no exército do príncipe Maurício de Nassau no qual serviu como comissário de obras públicas e, durante algum tempo, ensinou matemática ao príncipe. O livro de Stevin com o título flamengo De Thiende (O décimo), publicado e Leyden em 1585, teve uma versão francesa, bem mais divulgada, como La Disme, publicada no mesmo ano. Com ele Stevin introduziu as frações decimais, como parte de um projeto para unificar o sistema de medições numa base decimal. Seu empenho nesse sentido foi maior, ainda, do que o de Viète. É claro que Stevin não foi em nenhum sentido o inventor das frações decimais, nem o primeiro a usá-las sistematicamente. Na China antiga encontrava-se um uso mais do que incidental dessas frações, como também na Arábia. Quando Viète as recomendou diretamente em 1579, elas já eram geralmente aceitas pelos matemáticos na Europa. Entre o povo em geral, no entanto, e mesmo entre praticantes de matemática, as frações decimais só se tornaram amplamente conhecidas quando Stevin se dispôs a explicar o sistema de modo elementar e completo. Ele queria ensinar a todos como efetuar, com facilidade nunca vista, todas as computações necessárias entre os homens por meio de inteiros e frações. Embora Stevin fosse um grande admirador dos tratados teóricos de Arquimedes, em sua obra notou-se um veio prático que é mais característico do renascimento do que da antiguidade clássica. Prova disso que foi o maior responsável pela introdução no seu país do sistema de contabilidade inspirado no de Pacioli, introduzido na Itália quase um século antes.

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249

De influência muito mais ampla do que outros sábios de sua época, na prática comercial, na engenharia e na notação matemática, Stevin recomendou também a adoção de um sistema decimal de pesos e medidas. Não escrevia suas expressões decimais com um denominador, como o fazia Viète; em vez disso, num círculo acima ou depois de cada dígito, ele escrevia a potência de dez assumida como divisor. Assim o valor aproximado de π aparecia como 3 0 1 1 4 2 1 3 6 4 ou 3 1 4 1 6. Homem de idéias independentes, no que dizia respeito aos problemas da mecânica, foi um pioneiro nessa ciência. Realizou importantes discussões do plano inclinado mediante uma cadeia sem fim, a pender livremente de um triângulo de lados desiguais. Realizou também experiências sobre queda livre, mas o seu relato publicado em flamengo e 1586 recebeu muito menor atenção que uma experiência semelhante, mas posterior, atribuídas a Galileu. Simon Stevin foi um matemático típico de seu tempo no fato de gostar das aplicações elementares de cada assunto. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Quais dos fatores seguintes foram importantes para o desenvolvimento da matemática no renascimento. Explique. a) a queda de Constantinopla; b) a reforma protestante; c) o surgimento do humanismo; d) a invenção da imprensa; e) a emergência da classe mercantil. 2. Como você explica o fato de a álgebra e a trigonometria terem se desenvolvido mais rapidamente que a geometria durante o renascimento? 3. Por que a resolução da equação cúbica foi tão importante para o desenvolvimento dos números complexos?

0 1 2 3 4

250

4. Que países lideraram, durante o renascimento, o desenvolvimento da álgebra, trigonometria e geometria? Mencione contribuições específicas em cada caso.

5. Obtenha uma solução da equação de Bombelli 4153 += xx como uma soma ou diferença de raízes cúbicas de números complexos.

6. Reduza a resolução da quártica de Ferrari xxx 60366 24 =++ à resolução de uma equação cúbica. 7. Resolva o problema de Cardano de dividir 10 em duas partes cujo produto seja 40. 8. Usando o sistema de logaritmos de Napier, qual é a relação entre

,xlog ylog , )xylog( e y

xlog ? Justifique.

9. Que vantagens têm as frações decimais sobre as sexagesimais? Que razões pode dar para o seu tardio aparecimento na Europa?

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251

INÍCIOS DA MATEMÁTICA MODERNAINÍCIOS DA MATEMÁTICA MODERNAINÍCIOS DA MATEMÁTICA MODERNAINÍCIOS DA MATEMÁTICA MODERNA

(Século XVII)(Século XVII)(Século XVII)(Século XVII) “Há algum ramo do conhecimento que realmente oferece segurança?”

(Descartes) O progresso da ciência no século XVIIO progresso da ciência no século XVIIO progresso da ciência no século XVIIO progresso da ciência no século XVII O século XVII de grandes realizações, de verdadeiras revoluções na matemática, foi um século de crises profundas na Europa. Foi a última fase da transição geral da economia feudal para a capitalista. Com a destruição dos feudos onde os trabalhadores eram servos, houve um deslocamento desses para as cidades à procura de emprego nas indústrias que surgiam. Tais indústrias exigiam um grau mínimo de instrução e não havia lugar para todos. O capitalismo surgiu como um sistema moderno, eficiente, de produção, mas trazia consigo uma contradição – o desemprego nas cidades. Foi nesse século que se verificou a maior parte das conquistas, senão todas, que marcam a transição do renascimento para a era da ciência moderna. Tiveram importância primordial a formulação das leis matemáticas da gravitação, a criação da geometria analítica e o desenvolvimento do cálculo infinitesimal, o descobrimento das leis do movimento, das leis do pêndulo e da pressão atmosférica. A demonstração da circulação do sangue marcou o início da fisiologia moderna. Não foi menos importante para a química e a biologia a descoberta de que a combustão e a vida dependiam de uma mesma substância, encontrada no ar. Foi fundamental, na biologia, o descobrimento de unidades estruturais, as células, nos tecidos das plantas e animais, a prova experimental da função sexual das plantas, tal qual nos animais, e a demonstração de que a antiga crença na geração espontânea de certas espécies de animais era falsa. O alicerce da classificação sistemática dos animais e das plantas foi lançado pela definição de “espécie”.

252

O progresso da ciência baseada na observação e na experiêcia foi acelerado pela invenção de instrumentos tais como a bomba aspirante, o telescópio de reflexão, os microscópios – simples e composto – o barômetro, o termômetro e o relógio de pêndulo. A época, portanto, foi de profundas transformações científicas e tecnológicas, razão pela qual impunha-se uma matemática mais integrada e operacional. As invenções da geometria analítica e do cálculo diferencial e integral responderam, muito bem, a essa exigência, tanto que podem ser consideradas como o verdadeiro início da matemática moderna.

DESCARTESDESCARTESDESCARTESDESCARTES (1596 – 1650)

René Descartes, nasceu em La Haye, atual Descartes, pequena cidade situada a 300 km de Paris na província de Touraine na França. Matriculou-se aos 8 anos no Colégio jesuíta de La Flèche, na época considerado o melhor da Europa. Lá eram ministrados dois tipos de conhecimentos: as ciências “práticas”, úteis a um oficial (matemática, geografia, noções de máquinas e fortificações, hidrografia, etc.); e as

“letras”, ou conhecimentos humanísticos (gramática, história, poesia, retórica, filosofia e moral). Como sempre teve saúde frágil não lhe era cobrada no colégio a regularidade da freqüência às aulas e foi nessa época que adquiriu o hábito de permanecer na cama de manhã, para leituras e meditações. Às vezes chegava a sonhar e tomava decisões a partir dos sonhos. Anos mais tarde, diria que seus melhores pensamentos filosóficos e matemáticos surgiram pela manhã, deitado e em estado de meditação. Aos 20 anos graduou-se em Direito pela Universidade de Poitiers e estabeleceu-se em Paris a fim de iniciar-se na vida mundana, como convinha a alguém da sua posição. Mas reencontrou-se com Marin Mersenne (1588-1648) que conhecera em

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253

La Flèche e por dois anos dedicaram-se à matemática com todas as suas forças. Integrando-se, curiosamente, ao exército holandês em Breda, esteve sob o comando do príncipe Maurício de Nassau. O príncipe logo percebeu que o jovem Descartes não tinha hábitos de um soldado comum: lia livros complicados, falava de uma forma erudita e, principalmente, não queria nada com as batalhas. Adoecia no início de cada combate, melhorava depois e, nas raras vezes em que pegava uma arma (chegou a espadachim), limitava-se a aborrecer os outros soldados com perguntas sobre as razões que os levariam a matar seus semelhantes. Depois de viver vinte anos na Holanda, Descartes foi convidado pela jovem rainha Cristina da Suécia para fazer parte de sua Corte. A rainha decidiu tomar lições de matemática e filosofia, às cinco horas das manhãs gélidas de Estocolmo. Devido à sua saúde sempre muito frágil, não resistiu ao frio excessivo, vindo a falecer de pneumonia aos 54 anos de idade. A rainha ordenou que lhe decepassem a cabeça, para conservá-la no mel. O corpo foi enviado à França, onde o enterraram. A cabeça de Descartes só voltaria à sua terra natal em março de 1809, quando os suecos homenagearam o filósofo. O Discurso do Método Em 1637 Descartes publicou na Holanda, em francês, seu grandioso Discours de la Méthode pour bien conduire la raison e chercher la vérité dans les sciences (Discurso sobre o método para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências), conhecido como O Discurso do Método. O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída, porque cada qual pensa ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de contentar noutras coisas não costumam desejar mais do que o que têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal respeito; antes isso mostra que o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente que se chama bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens; e que assim a diversidade das opiniões não resulta de serem uns mais racionais do que os outros, mas somente de que conduzimos os nossos

254

pensamentos por caminhos diversos e não consideramos as mesmas coisas. Descartes iniciou essa obra com uma nota prefacial: se este discurso parecer longo demais para ser lido de uma só vez, poder-se-á dividi-lo em seis partes: considerações sobre as ciências; as principais regras do seu método; algumas regras de moral que deduziu do método; os raciocínios com que prova a existência de Deus e da alma humana; questões de física, movimento do coração e a diferença entre a alma humana e a dos brutos; e, o que é necessário para que sejam feitos, na investigação da natureza, progressos ainda maiores do que os realizados até então. As quatro regras básicas de o método: • clareza e distinção: só se deve acolher como verdadeiro o que se

apresente ao espírito de forma tão clara e distinta que não tenha como duvidar;

• análise: em presença de dificuldades no conhecimento, deve-se dividi-las em tantas parcelas quantas forem necessárias para se chegar a partes claras e distintas e, assim, solucionar o problema;

• ordem: deve-se conduzir os pensamentos por ordem, começando pelos mais simples e prosseguindo na direção dos mais complexos ou compostos;

• enumeração: proceder a revisões e enumerações completas, para ter a certeza de que todos os elementos foram considerados, ou seja, verificar o resultado final.

O Discurso do Método trazia também, três importantes apêndices: Les Météores (Os Meteoros), estudo dos corpos celestes; La dioptrique (A Dióptrica), estudo da refração da luz e La Géométrie (A Geometria), primeiros ensaios da geometria analítica, em que mostrou como a geometria poderia ser estudada por meio da álgebra. Os objetivos de La Géométrie ficam claros logo na primeira frase do trabalho: todo problema de geometria pode ser facilmente reduzido a termos tais que o conhecimento dos comprimentos de certos segmentos basta para construir a solução. Ao realizar um estudo criterioso sobre equações algébricas, Descartes apresentou algumas inovações importantes com respeito

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255

às notações e que ainda são usadas atualmente. Introduziu o uso sistemático das letras a, b, e c para as quantidades conhecidas e de x, y e z para incógnitas. Apresentou uma regra de sinais para estudar o número de raízes positivas e negativas (que chamava de falsas) de uma dada equação. Imaginou até ter encontrado um método para resolver equações de qualquer grau, mas isso não se concretizou.

Resolveu equações do tipo: 22 cbxx += , bxcx −= 22 e 22 cbxx −= , sempre com b e c positivos.

Por exemplo, para resolver a equação 22 cbxx += , usou o seguinte método: Traça-se um segmento LM, de comprimento c, e,

em L, levanta-se um segmento NL igual a 2

b e perpendicular a LM.

Com centro em N, constrói-se

um círculo de raio 2

b e traça-

se a reta por M e N que corta o círculo em O e P. Então a raiz procurada é o segmento OM. Com efeito, no triângulo MLN, e se xOM = , tem-se:

222

22c)

b()

bx( +=− e daí: 22 cbxx =− .

Para encontrar a reta tangente a uma curva, Descartes desenvolveu um método de construção que era algebricamente melhor do que os métodos infinitesimais, utilizados até então. y = f(x) P f(x) r x v Para encontrar a tangente à curva )x(fy = no ponto

))x(f,x(P = era preciso primeiro localizar o ponto ),v(C 0= de

256

intersecção da reta normal à curva em P, com o eixo x. A tangente pode então ser tomada como a perpendicular à reta normal em P. Em geral, uma circunferência com centro ),v(C 0= e raio r = CP intercepta a curva )x(fy = em um segundo ponto próximo

de P. Logo ( ) 222 rvxy =−+ . Supondo que ( )[ ]2xf seja um

polinômio tem-se que a equação: ( )[ ] ( ) 222 rxvxf =−+ (com v e r fixados) terá a coordenada x de P como raiz dupla, uma imposição

de Descartes. ou seja, ( )[ ] ( ) ( ) ∑−=−−+ ii xcexrxvxf 2222 . Essa

equação em potência de x foi resolvida para v em termos da raiz

x = e . A inclinação da reta tangente em P seria então ( )

( )xf

xv− e a

recíproca negativa da inclinação da tangente seria xv

)x(f

−− ,

inclinação da normal CP.

Por exemplo, considere a parábola kxy =2 . Então,

( ) 022 =−−+ rxvkx . Como essa equação é de grau 2, o lado direito

será um polinômio de grau 2. Assim, ( ) ( )222 exrxvkx −=−−+ , ou

seja, ( ) .ervxevk 022 222 =−−++− Finalmente, por igualdade

de polinômios, temos kev2

1+= , e para e = x, a subnormal

xv − = k2

1, e a inclinação da reta tangente à parábola ( )kx,x é

x

k

kx

k

)x(f

xv

2

12 ==−

.

Considerado o primeiro filósofo moderno, Descartes tentou explicar em suas obras, todo o Universo material como uma máquina. Todos os fenômenos naturais seriam causados por simples movimentos internos da matéria que compõe os corpos, tudo seria extensão e movimento, o resto aparência. A primeira coisa a fazer, portanto, seria estudar o movimento.

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257

Essa explicação incluía os fenômenos da vida corpórea, que acreditava ocorrer de acordo com uma necessidade matemática, sem a intervenção de qualquer espécie de força espiritual, conquanto a idéia de Deus ocupasse um lugar central na sua filosofia e afirmasse a imortalidade da alma humana, evitando ofender a Igreja. A propósito apresentou o seguinte teorema: Deus existe. Para Descartes a idéia de Deus é uma idéia perfeita. Ora, o ser humano sendo imperfeito, não tem idéias perfeitas. Se o homem é um ser imperfeito e tem uma idéia perfeita, que é a idéia de Deus, esta idéia só pode existir no homem dada a ele por Deus. Então, Deus existe. Sua posição racionalista, numa época em que o espírito dominante era o do conhecimento pela fé foi, para o seu tempo, quase revolucionária. Quando alguns contemporâneos diziam que a verdade estava na fé, na crença cega, pura e simples, seu método era submeter todos os dados dos sentidos – os fenômenos – ao exame da razão. Outras obras de destaque de Descartes são: Regras para direção do espírito; Meditações metafísicas; Princípios de filosofia; O tratado das paixões da alma. O matemático holandês Frans van Schooten (1615-1660) publicou uma versão para o latim de La Géométrie, em homenagem a Descartes em 1649. Posteriormente em novas edições, acrescentou comentários importantes. Assim, pode-se dizer, que Descartes introduziu a geometria analítica e Schooten a tornou conhecida. Leibniz, por sua vez, foi o primeiro a usar o termo cartesiano de Cartesius ( Descartes em Latim). CAVALIERICAVALIERICAVALIERICAVALIERI (1598 – 1647)

Enquanto Descartes lançava, por assim dizer, os fundamentos da moderna geometria analítica, seu contemporâneo italiano, Bonaventura Cavalieri prestava um serviço semelhante ao cálculo integral com a sua teoria dos indivisíveis. O argumento em que se baseava o livro Geometria indivisibilibus continuorum, publicado em 1635 era essencialmente o

258

sugerido por Kepler e Galileu – que uma área poderia ser pensada como sendo formada de segmentos ou indivisíveis e que um volume poderia ser considerado como composto de áreas que são volumes indivisíveis ou quase-atômicos. Embora Cavalieri na época não tenha percebido, estava seguindo pegadas realmente muito respeitáveis, pois esse é exatamente o tipo de raciocínio que Arquimedes usou em O método. Não havia no método de Cavalieri qualquer processo de aproximação contínua, nem omissão de termos, pois ele usava uma estrita correspondência um a um dos elementos em duas configurações. Nenhum elemento era descartado, qualquer que fosse a dimensão. Princípio de Cavalieri

“Se dois sólidos têm alturas iguais, e se secções feitas por planos paralelos às bases e a distâncias iguais dessas estão sempre numa dada razão, então os volumes dos sólidos estão também nessa razão”. Cavalieri se concentrou num teorema geométrico extremamente

útil, equivalente à afirmação atual ∫ +=

+a nn

n

adxx

0

1

1. O enunciado e a

prova do teorema são muito diferentes das usadas atualmente, pois Cavalieri comparava potências dos segmentos, num paralelogramo, paralelos à base com as potências correspondentes de segmentos em qualquer dos dois triângulos em que uma diagonal divide o paralelogramo.

Seja o paralelogramo AFDC, dividido em dois triângulos pela diagonal CF e seja HE um indivisível do triângulo CDF que é paralelo à base CD. Então tomando BC = FE e traçando BM

paralelo a CD é fácil mostrar que o indivisível BM no triângulo ACF será igual a HE. Assim podemos estabelecer uma correspondência

C

B

A

M

H

F

E

D

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259

entre todos os indivisíveis do triângulo CDF e os indivisíveis iguais do triângulo ACF e, portanto, os triângulos são iguais. Como o paralelogramo é a soma dos indivisíveis nos dois triângulos, é claro que a soma das primeiras potências dos segmentos em um dos triângulos é metade da soma das primeiras

potências dos segmentos no paralelogramo; ou seja, ∫ =a axdx

0

2

2.

Com argumentos semelhantes mas consideravelmente mais elaborado, Cavalieri mostrava que a soma dos quadrados dos segmentos no triângulo era um terço da soma dos quadrados dos segmentos no paralelogramo. Para os cubos dos segmentos ele

encontrou a razão .4

1 Mais tarde estudou a demonstração a

potências superiores e a importante generalização diz que para

potências enésimas a razão é .n 1

1

+

Outra contribuição importante de Cavalieri se refere à

comparação de uma parábola, ayx =2 e a espiral de Arquimedes, θ= ar , na verdade pensou em comparar indivisíveis segmentos de reta com indivisíveis curvilíneos. Se, por exemplo, se

enrolar a parábola ayx =2 como uma mola de relógio de modo que o vértice O permaneça fixo, enquanto que o ponto P vai sobre o ponto P’, então as coordenadas da parábola podem ser pensadas como transformando-se em raios vetores através das relações x = r e

θ= ry . Os pontos sobre a parábola vão então cair sobre a espiral. Cavalieri observou ainda que se PP’ for tomado igual à circunferência do círculo de raio OP’, a área dentro da primeira volta da espiral é exatamente igual a área entre o arco parabólico OP e o raio vetor OP. Tem-se assim um típico problema de geometria analítica e cálculo, que Cavalieri resolveu com o seu método, às vezes criticado. Os indivisíveis careciam de rigor, mas anunciavam um dos processos mais interessantes e importantes da matemática moderna – a integração como soma.

260

FERMATFERMATFERMATFERMAT (1601 – 1665)

Pierre de Fermat não era de nenhum modo um matemático profissional e a exemplo de Descartes nunca teve problemas financeiros. Estudou direito em Toulouse, onde serviu no parlamento local, primeiro como advogado, mais tarde como conselheiro. Era um homem ocupado, no entanto, teve tempo para dedicar-se à literatura clássica, inclusive à ciência e à matemática, por prazer. O resultado foi que em 1629 começou a fazer descobertas de importância capital em matemática, especialmente na restauração de obras perdidas da antiguidade, com base em informações encontradas nos tratados clássicos preservados.

Fermat se propôs a reconstruir a obra Lugares Planos de Apolônio, com base em alusões contidas na Coleção matemática de Papus. Foi nessa atividade que Fermat descobriu o princípio fundamental da geometria analítica: “sempre que numa equação final encontram-se duas quantidades incógnitas, tem-se um lugar geométrico, a extremidade de uma delas descrevendo uma linha, reta ou curva”. É possível que Fermat desde 1629 tivesse concluído sua geometria analítica, pois por essa época, fez duas descobertas significativas que se relacionam com o seu trabalho Sobre Lugares, publicado somente em 1679. A mais importante dessas descobertas foi descrita alguns anos depois em um tratado chamado Método para achar máximos e mínimos, basicamente de curvas polinomiais, que hoje são chamadas parábolas e hipérboles de Fermat. A seguir os passos importantes para se aplicar o método, que atualmente se chama diferenciação, também abordado por Descartes e Barrow. Fermat considerava a diferença )A(f)EA(f -+ em que

)A(f e )EA(f + são as imagens dos pontos vizinhos A e A+E pela função f. Após, dividir essa diferença pelo acréscimo E,

Page 132: Hermes Antonio Pedroso

261

tornava-o igual a zero e finalmente igualava o resultado final também a zero. Com a resolução dessa igualdade obtinha-se o ponto de máximo ou de mínimo. Resumidamente tem-se:

00

=−+

=EE

)A(f)EA(f

Exemplo: Dividir um número 0>n em duas partes, A e B, de modo que o produto seja máximo.

Solução: nBA =+ e 2AnA)An(AABP −=−== . Seja f a

função dada por 2AnA)A(f −= . Assim,

222 2 EAEAnEnA)EA()EA(n)EA(f −−−+=+−+=+ ⇒22 EAEnE)A(f)EA(f −−=−+ ⇒

⇒−−=−+

EAnE

)A(f)EA(f2

020

=−=−+

⇒=

AnE

)A(f)EA(f

E 2

nA =⇒ e

22

nnnAnB =−=−= .

Desse modo tem-se o produto máximo quando as duas partes são iguais à metade do número n. Por volta de 1636, Fermat descobriu um método para

determinar a área sob a curva nxy = , de 0 até a >0, que tanto vale para expoentes inteiros como fracionários. Esse método seria o germe da idéia atualmente usada no cálculo integral para esse tipo de problema.

A A+E

f(A)

f(A+E)

y

x

262

Fermat dividiu o intervalo [0,a] por meio dos pontos

,...ar,ar,a 2 , em que 0 < r < 1. Tomando como bases os subintervalos assim formados, construiu então a sequência de

retângulos de alturas ,...,ra,ra,a nnnnn 2 e portanto de áreas

( ) ( ) ( ),...rra,rra,ra )n(nnnn −−− +++++ 1 1 1 121111 , respectivamente.

A soma dessas áreas é ,r...rr

an

n

++++

+

2

1

1 cujo limite, quando

1→h , é a área pretendida. Esse limite é .n

an

1

1

+

+

esse resultado em

notação atual, se traduz na igualdade ∫ +=

+a nn .

n

adxx

0

1

1

Os exemplos anteriores colocaram Fermat em condições de ser considerado um dos criadores do cálculo diferencial e integral.

Page 133: Hermes Antonio Pedroso

263

Porém, a exemplo de outros contemporâneos não percebeu a relação fundamental entre a diferenciação e a integração. Passando aos fenômenos físicos de máximos e mínimos, Fermat enunciou o princípio: a Natureza, a grande obreira que não necessita de nossos instrumentos e máquinas, faz tudo acontecer com um mínimo de dispêndio – idéia essa que não era estranha a alguns pensadores gregos. As leis de reflexão e refração dos raios luminosos são por ele consideradas, com razão, como casos particulares do princípio de economia. O trabalho de Fermat sobre a teoria das probabilidades foi fundamental. Examinou o caso de dois jogadores, A e B, em que A precisa de dois pontos para ganhar e B precisa de três. Chegou à conclusão de que o jogo se decidirá necessariamente no máximo em quatro lances. Considerando-se as letras a e b tem-se um total de 16 arranjos que podem ser formados com quatro letras, a saber: aaaa, aaab, aaba, aabb, abaa, abab, abba, abbb, baaa, baab, baba, babb, bbaa, bbab, bbba, bbbb. Pois bem, cada arranjo em que a aparece duas ou mais vezes representa uma probabilidade favorável a A, e todo arranjo em que b aparece três vezes ou mais, representa uma probabilidade favorável a B. Contando-os, verifica-se que há onze favoráveis a A e cinco a B, e visto como todos esses casos são igualmente prováveis, a possibilidade de A ganhar o jogo está para a de B, como onze está para cinco. Além de suas investigações em geometria, óptica e probabilidade, Fermat produziu uma extraordinária obra sobre teoria dos números, sendo considerado o fundador desta disciplina, que atualmente ainda é um campo super-ativo de pesquisas. Como Fermat se dedicava à matemática em suas horas vagas, tinha o costume de anotar nas margens dos livros que lia, os teoremas e demonstrações que ia descobrindo. O chamado “último

teorema de Fermat” diz o seguinte: a equação nnn zyx =+ não tem solução com x, y, z e n, números inteiros positivos, para .n 3≥ Fermat enunciou esse teorema com a seguinte observação: tenho uma prova verdadeiramente notável, mas a margem aqui é demasiado pequena para contê-la.

264

Essa conjectura, aparentemente simples, ao menos o enunciado, ocupou as melhores mentes matemáticas do mundo durante três séculos e meio, até que, finalmente foi demonstrada, em 1993, pelo matemático inglês Andrew Wiles. Acredita-se que a “prova” que Fermat dizia possuir não era correta, pois a de Wiles é de tal forma complexa e envolve técnicas tão avançadas que é pouco provável que um matemático do século XVII pudesse ter solucionado a questão. Mas a dúvida sempre permanecerá... Fermat foi verdadeiramente “o príncipe dos matemáticos amadores”. Nenhum profissional de seu tempo fez maiores descobertas ou contribuiu mais para o assunto; no entanto, era tão modesto que quase nada publicou. Cópias manuscritas de seus trabalhos circulavam nas mãos de seus seguidores e amigos. Entretanto, seu filho Clement reuniu algumas de suas brilhantes descobertas e as publicou em 1679 num livro chamado Varia Opera Mathematica. PASCALPASCALPASCALPASCAL (1623 – 1662)

Blaise Pascal, filósofo, matemático e físico, nasceu em Clermont Ferrand, França. Seu pai, Étienne era advogado e um talentoso matemático amador, integrante do círculo de correspondentes do padre Marin Mersenne. Sua vida, curta e turbulenta, foi marcada pela genialidade nas ciências exatas, pelo misticismo religioso, pela profundidade filosófica, pela doença e por intensos sofrimentos físicos. Como Descartes e Fermat, Pascal não dedicou à matemática mais do que uma fração do seu

grande talento. Tendo aprendido geometria às escondidas, com 12 anos, aos 16 escreveu um ensaio sobre as Secções Cônicas e aos 19 construiu a primeira máquina de calcular. Embora a segunda parte da sua vida fosse dedicada principalmente à religião, teologia e literatura, realizou uma grande

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265

variedade de experimentos de física e fez importantes contribuições para a teoria dos números e das probabilidades – teoria então nova – além de uma discussão da ciclóide. O ensaio juvenil sobre Cônicas contém o belo teorema, que traz o seu nome, e que diz: as três intersecções dos lados opostos de um hexágono, inscrito numa secção cônica, estão em linha reta. Sobre a geometria e a lógica diz Pascal: a lógica tomou de empréstimo as regras da geometria sem lhes compreender o poder... Estou longe de colocar os lógicos ao lado dos geômetras que ensinam o verdadeiro modo de orientar a razão ... O método de evitar o erro é buscado por todos. Os lógicos pretendem guiar os demais nessa procura, mas só os geômetras alcançam a meta, e fora da sua ciência não há verdadeira demonstração. O seu trabalho sobre as probabilidades relacionava-se com o problema dos dois jogadores, ambos igualmente hábeis, que desejavam encerrar a sua partida – problema que Fermat deu uma solução, e que foi vista anteriormente. Por um raciocínio semelhante, Pascal mostrou que, se o primeiro jogador ganhar dois pontos e o segundo nenhum, as partes de cada um seriam 56 e 8; e, se o primeiro jogador tiver ganho um ponto e o segundo nenhum, caberiam àquele 44 e a este 20. Relacionando ao estudo das probabilidades, Pascal criou seu “triângulo aritmético” em 1654, em que as diagonais sucessivas contêm os coeficientes do desenvolvimento do binômio cujo teorema Newton, brevemente, iria generalizar: 1 1 1 1 1 1 1 2 3 4 5 6 1 3 6 10 15 1 4 10 20 1 5 15 1 6 1

266

Esse triângulo, que tem o nome de Pascal, não era entretanto, nenhuma novidade. Encontramo-lo já em Stifel em 1543 e a idéia remonta a Pitágoras. Foi nessas pesquisas que utilizou e popularizou o método da indução finita, ferramenta às vezes indispensável na demonstração de certos teoremas. É interessante lembrar que em 1645 Pascal deu publicidade à sua idéia de uma máquina de calcular, escrevendo a um chanceler: meu senhor: se alguma vantagem advier ao público do invento que acabo de fazer para realizar toda sorte de operações aritméticas de uma forma tão nova quanto vantajosa, ficará ele devendo ainda mais a Vossa Alteza do que aos meus modestos esforços, pois eu só poderei ufanar-me de o ter concebido, ao passo que ele deve o se nascimento exclusivamente à vossa honrosa determinação. A demora e a dificuldade dos meios geralmente em uso, levaram-me a pensar num auxiliar mais rápido para facilitar-me os grandes cálculos com que estive ocupado durante vários anos, em certos assuntos que dependem dos encargos com que vos aprove honrar meu pai, no serviço de Sua Majestade na Normandia. Nessa investigação empreguei todos os conhecimentos que tinha inclinação e meus laboriosos estudos iniciais de matemática me permitiram adquirir, e depois de profundas reflexões verifiquei que não era impossível encontrar esse meio auxiliar. Pascal foi autor de algumas obras literárias, especialmente os Pensées (Pensamentos), muito divulgadas e que traz alguns exemplos quase que incorporados à linguagem comum: Nossa natureza está no movimento, o inteiro repouso é a morte; O coração tem suas razões que a razão não conhece; O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e sabe da vantagem que o universo tem sobre ele, o universo no entanto, desconhece tudo isso.

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267

WALLISWALLISWALLISWALLIS (1616 – 1703)

Professor em Oxford, John Wallis desenvolveu com proficiência as idéias de Cavalieri sobre a integração, empregando na sua Aritmética dos infinitos de 1655 a nova geometria cartesiana e um processo equivalente à integração, em casos algébricos simples. Em especial, explicou os expoentes negativos e fracionários, passando depois a procurar a área delimitada por OX, a

curva maxy = e qualquer abscissa

x = h, ou seja, integrar a função maxy = . Desenvolveu engenhosos

métodos de interpolação e conseguiu expressar π sob a forma de um produto

infinito: ⋅⋅⋅⋅⋅⋅⋅⋅⋅=π

7

8

7

6

5

6

5

4

3

4

3

2

1

2

2

Isso assinalou um momento importante na história da quadratura do círculo. Antes de se conhecer a obra de Wallis, a única maneira de determinar π era por meio de perímetros poligonais. No seu Tratado de álgebra, disse: é para mim indiscutível que os antigos possuíam qualquer coisa de natureza semelhante à nossa álgebra; daí derivam muitas de suas prolixas e complicadas demonstrações... Mas essa arte de invenção dos antigos, parecem tê-la ocultado cuidadosamente, contentando-se com demonstrações apagógicas (isto é, reduzindo ao absurdo a negação) sem nos mostrarem o método com a ajuda do qual conseguiram formular essas proposições, que eles assim provam de outras maneiras...” Wallis formulou as idéias do espaço e do tempo absolutos, mais tarde adotadas por Newton. Acreditava que o espaço e o tempo eram absolutos e eternos. Também escreveu uma Exposição Sumária...das Leis Gerais do Movimento, enunciando as fórmulas da velocidade após o choque recíproco das massas 1m e 2m , animadas,

respectivamente, com velocidades 1v e 2v : .mm

mvmvv

21

2211

+

+=

h O x

y

268

Em sua obra analítica Secções Cônicas de1655, tornou muito mais inteligíveis as idéias geométricas de Descartes e a sua Álgebra de 1685, marcou um importante passo à frente no uso sistemático das fórmulas. Wallis concebeu a análise, não mais baseada na geometria, utilizou os produtos infinitos e as séries num momento que não havia qualquer estudo de convergência. Ficou claro, pelos resultados que chegou, que era dotado de intuição e imaginação extraordinárias. A seguir um exemplo que esclarece, muito bem, o procedimento de Wallis no cálculo de integrais em sua Arithmetica Infinitorum de 1655. O resultado fora provado pela geometria dos indivisíveis de Cavalieri, mas o autor introduziu uma aritmetização que tornou o cálculo mais operacional.

Por exemplo, Wallis mostrou que 3

11

0

2 =∫ dxx . Para isso

formulou a razão entre as somas dos quadrados de ordenadas

igualmente espaçadas sob a curva 2xy = e a soma dos quadrados das ordenadas correspondentes sob y = 1. Considerando-se só as

ordenadas em x = 0 e x = 1, a razão é 6

1

3

1

2

1

11

1022

22

+==+

+ .

Subdividindo-se o intervalo entre x = 0 e x = 1 em duas partes iguais e imaginando cada parte como um intervalo unitário, a razão entre

as somas dos quadrados torna-se 12

1

3

1

12

5

222

210222

222

+==++

++.

Analogamente, dividindo-se o intervalo de x =0 a x =1 em três subintervalos iguais e considerando-se cada um deles como um segmento unitário, a razão torna-se

18

1

3

1

18

7

3333

32102222

2222

+==+++

+++.

Para Wallis ficou claro, através de indução, que a razão

chegaria a nn...nnnn

n...

⋅+=

+++++

+++++6

1

3

1321022222

22222

e, que se

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269

aproximava cada vez mais de 3

1, com o crescimento indefinido

de n, de modo que para ∞=n a razão seria 3

1, o valor da integral

proposta. BARROW BARROW BARROW BARROW (1630 – 1677)

Isaac Barrow, foi por algum tempo professor em Cambridge e um grande admirador dos sábios da antiguidade, tendo editado as obras de Euclides, Apolônio e Arquimedes. Publicou as suas próprias Lectiones: ópticas de 1669 e geometriae de 1670, já com a colaboração de Newton. Essas Lectiones sobre óptica e geometria continham uma notável discussão do problema das tangentes e do que ele denominou triângulo diferencial, tão

importante na maneira atual de tratar o cálculo diferencial. O método era semelhante ao de Fermat, mas usava duas quantidades, em vez da letra E única de Fermat, quantidades equivalentes aos atuais x e y. Barrow explicou sua regra de tangentes essencialmente do seguinte modo: considere uma curva dada por uma equação polinomial 0=)y,x(f e a seguir troque as variáveis x e y, respectivamente, por x + e e y + a em 0=)y,x(f . Depois na equação resultante despreze todos os termos não contendo a ou e e todos os termos de grau maior do que um em a e em e. Finalmente encontre a razão de a por e, que é a inclinação da reta tangente à curva dada. Dessa maneira Barrow impregava o conceito de triângulo característico, essencialmente a idéia de reta tangente como a posição limite da reta secante com a e e, aproximadamente nulos.

A x

y

T t P Q m

M

N

e R a

270

Exemplo1: 022 =−=⇔= xy)y,x(fxy ⇒

⇒ =++ )ay,ex(f ⇒=+−+ 02)ex()ay(

⇒ 02 22 =−−−+ exexay ⇒ xe

aexea 202- 2 =⇒=−

Exemplo2: ⇒=−+= 0222 ryx)y,x(f

⇒ 0222 =−+++=++ r)ay()ex()ay,ex(f ⇒

⇒ ⇒=−+++++ 022 22222 rayayexex

⇒ xeyaayaexe 22022 22 −=⇒=+++ ⇒y

x

e

a -= .

De todos os matemáticos que anteciparam partes do cálculo diferencial e integral, nenhum chegou tão perto quanto Barrow, que reconheceu claramente a relação inversa entre os problemas de tangentes e de quadraturas. Mas sua conservadora adesão a métodos geométricos impediu-o de usar, de forma eficaz, essa relação e, assim, por não apresentar um senso de universalidade nas regras, seus trabalhos tornaram-se difíceis para se entender. Barrow em 1669 foi chamado a Londres para ser capelão de Charles II e assim seu ex-aluno Newton, por sugestão do próprio Barrow, sucedeu-o na cadeira Lucasiana em Cambridge. Sucessão essa considerada como um acontecimento muito feliz. NEWTONNEWTONNEWTONNEWTON (1642 – 1727)

Isaac Newton nasceu menos de um ano após a morte de Galileu, em 24 de dezembro de 1642, pelo calendário Juliano, ou então, 04 de janeiro de 1643, pelo calendário gregoriano, em Woolsthorpe, Lincolnshire, numa propriedade rural. Com uma infância melancólica, divertia-se construindo seus próprios brinquedos - lanternas, rodas d’água, alavancas, pipas, relógios de sol –

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271

corria no temporal a favor ou contra o vento. Na escola da vila (que entrou aos 12 anos) era muito tímido e nada indicava sua genialidade. O tio William o incentivou a estudar em Cambridge. Newton matriculou-se no Trinity College em 1661, aos 18 anos como “aluno-servente”. Em 1665 tornou-se Bacharel em Artes; em l668 doutorou-se e, um ano depois assumia a cátedra de matemática, com apenas 26 anos, substituindo Isaac Barrow (mestre, amigo e protetor). Foi Barrow que, como professor de matemática, reconheceu que Newton estava além da normalidade e estimulou-o a desenvolver suas aptidões. No período de 1665-1666, com a universidade fechada em virtude da peste bubônica que matou 1/10 da população da Europa, Newton refugiou-se em sua casa no campo. Nesse período desenvolveu o teorema do binômio; o método das fluxões; uma teoria sobre a natureza da luz e as primeiras idéias sobre atração gravitacional. Newton esteve sempre ligado à universidade de Cambridge, deixando a cátedra somente em 1701, aos 58 anos, quando passou a exercer funções públicas de alto nível. Primeiro foi representante da universidade no Parlamento, a seguir, em 1699, foi nomeado master of mint (diretor da casa da moeda). Nesse cargo demonstrou brilhante capacidade administrativa, tendo coordenado a fabricação de moedas à prova de falsificação. Em 1703 foi eleito presidente da royal society (sociedade real) tendo ficado até a morte.

Principais Obras: • De Analysi per aequationes numero terminorum infinitas (Sobre

a análise de equações com um número ilimitado de termos). Nesse trabalho Newton estudou o método das “séries infinitas”, o qual foi indispensável para a quadratura das curvas e a retificação dos arcos; mediante a expansão em séries, foi capaz de resolver a integral de expressões que envolviam raízes, integrando-as termo a

272

termo. Por exemplo, se a área sob uma curva é dada por maxz= , m

racional, então a equação da curva é 1max −= my . Newton usou basicamente o procedimento de Barrow que ao

considerar uma curva nas variáveis x e z, dada pela equção 0=)z,x(f , trocou x por x + o e z por

z + vo. A seguir, na nova equação considerou o fato que 0=)z,x(f e desprezou potências de o maior do que um. Finalmente fez yv = para se chegar ao resultado.

Exemplo 1: Para 2

2xz = tem-se y = x.

De fato, 2

2xz = e

2

2

2

222 oxox)ox(voz

++=

+=+ , logo

22

22 oxo

xvoz ++=+ ou seja,

2

2oxovo += e finalmente,

2

oxv += . Portanto, y = x.

Exemplo2:Para a curva xz += 1 , primeiro escrevia

+−+=+82

112xx

x ...16

3

+x

e a seguir adotava o procedimento

do exemplo anterior. • Methodus fluxionum et serierum infinitorum (O método de

fluxões e séries infinitas Escrito em 1671, porém publicado apenas em 1742. Newton representou por v, x, y, z as quantidades fluentes (que aumentam ou diminuem); por zyxv &&&& ,,, as fluxões ou fluxos; por zyxv &&&&&&&& ,,, os

fluxos dos fluxos; e oxx &+ representando o momento de um fluente com variação infinitamente pequena “o” do tempo.

x o

v

x

y

y z

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273

Problema: Dada uma relação entre dois fluentes, encontrar a relação entre seus fluxos e vice-versa.

Exemplo: Dada a equação 02 =− axyx , Newton substituía x por oxx &+ e y por oyy &+ , obtendo-se

−+ 2)oxx( & o)oyy)(oxx(a)oxx( =++−+ &&&2 , então

02 22 =−−−−++ oyoxaoyxaoyaxaxy)ox(oxxx &&&&&& , ou seja

02 =−−−+ oyxayxayaxoxxax &&&&&& e, finalmente .)yxyx(axx 02 =+− &&&

A descoberta da “fluxões” por Newton estava intimamente ligada aos seus estudos sobre séries infinitas através da Arithmetica de Wallis. Isso levou--o a estender o teorema do binômio a expoentes fracionários e negativos e, assim, à descoberta das séries binomiais. Esse fato ajudou-o a estabelecer a sua teoria para todas as funções algébricas ou transcendetes. • Tractus de Quadratura Curvarum (Um tratado sobre a

quadratura de curvas). Escrito em 1676, foi a 3ª abordagem da derivada denominada primeiras e últimas razões. “Por razão última das quantidades evanescentes deve-se entender a razão das quantidades, nem antes nem depois de elas desaparecerem, mas a razão com a qual elas desapareceram”.

Exemplo: 2xy =

Newton encontrou a derivada de 2xy = do seguinte modo:

xoxoxo

o

x)ox(

xox

2

1

2

1

2 222=

+=

+=

−+

−+. Para ele 2x era o resultado

procurado e x2

1 era chamada de a última razão dos incrementos

evanescentes.

• Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios matemáticos da filosofia natural, ou os Principia).

274

Publicado em 1687. Por insistência do amigo Edmond Halley (1656 -1742), Newton reuniu numa só obra seus tratados sobre a gravitação e as leis da mecânica. O compêndio era formado por 3 livros: 1. Princípios da mecânica e lei da gravitação; 2. Mecânica dos fluidos; 3. Órbitas dos planetas, movimento das marés e cálculo das massas da Lua e do Sol. Inspirado em os Elementos de Euclides, Newton iniciou o trabalho com uma série de definições, como por exemplo: Definição I: a quantidade de matéria é a sua medida, obtida conjuntamente a partir de sua densidade e volume. Definição II: a quantidade de movimento é a sua medida, obtida conjuntamente a partir da velocidade e quantidade de matéria. A seguir introduziu os axiomas ou leis do movimento:

Lei I: todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme, em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças a ele aplicadas.

Lei II: a mudança de movimento é proporcional à força motora aplicada e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é aplicada.

Lei III: a toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos. A partir dessas definições e dessas leis, as verdades da mecânica foram deduzidas como teoremas encadeados entre si. São 192 proposições, quase sempre de difícil compreensão porque Newton procurou demonstrá-las utilizando a geometria de Euclides e isso resultou soluções sofisticadas, concebidas, caso a caso. Curioso foi que Newton, com suspeitas de não ser compreendido, não utilizou as “derivadas” nos Principia; apenas a noção intuitiva de limite foi empregada. • Opticks (Óptica ou tratado das reflexões, refrações, inflexões e

cores da luz).

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275

Publicada em 1704. Aplicando-se ao aperfeiçoamento do telescópio, Newton conseguiu eliminar a incômoda aberração cromática, devida à refração desigual das diferentes cores, construindo um telescópio refletor munido de um espelho côncavo em vez de uma lente convexa. Negando qualquer intenção de formular hipóteses especulativas, Newton discutiu os fenômenos observados da luz refratada, mencionando a sua descoberta da diferente refrangilibilidade de raios luminosos o que foi, talvez, a mais importante até então, sobre as maneiras por que opera a natureza. Embora não insistisse nesse ponto, parece sempre partir da suposição de que a luz consistia em minúsculas partículas, cujo grau de pequenez correspondia à cor. Graças à grande autoridade que exercia sobre os seus adeptos, essa teoria corpuscular persistiu, em oposição à teoria ondulatória de Christiaan Huygens (1629 – 1695), até o século XIX. Nos experimentos em que se baseava essa obra, Newton não só decompôs a luz por meio de um prisma ou série de prismas refratores, mas também conseguiu reunir as cores componentes, reproduzindo o branco primitivo e, assim, resolvendo finalmente o problema do arco-íris. • Enumeratio linearum tertii ordinis. Publicada em 1704. Newton classificou as cúbicas em vinte e duas espécies, baseando-se no seu teorema que afirma que qualquer cúbica pode

ser obtida de uma parábola divergente dcxbxaxy +++= 232 através de uma projeção central de um plano sobre o outro. Esse foi o primeiro resultado novo importante pela aplicação da álgebra à geometria. Todos os trabalhos anteriores, de outros autores, eram simplesmente traduções de Apolônio para uma linguagem algébrica. Outra contribuição de Newton foi o método para encontrar aproximações de raízes de equações numéricas, que ele explicou

com o exemplo 052 23 =−− xx , econtrando x = 2,09455147. O método de Newton consiste em encontrar as raízes de uma equação

0=)x(f pela fórmula recorrente ( )( )

.a'f

afaa

n

nnn −=+1 Esse

276

processo pode ser aplicado iterativamente para obter uma aproximação na tão precisa quanto se queira. A demora de Newton para publicar as suas teorias mais revolucionárias foi, em grande parte, atribuída à sua aversão por controvérsias. Apesar disso foi envolvido em algumas, especialmente quanto a questões de prioridade de descobertas, a do cálculo talvez seja a mais famosa. No campo filosófico recebeu alguns ataques, mas o de maior repercução foi após a sua morte e que, assim, foram dirigidos aos seus correligionários. A índole de alguns desses ataques pode ser ilustrada pelas seguintes passagens de um eminente crítico, o bispo George Berkeley em 1734: quem é capaz de digerir uma segunda ou terceira fluxão, uma segunda ou terceira diferença, não tem, segundo me parece, o direito de se mostrar exigente sobre qualquer ponto de teologia. E que vem a ser essas fluxões? As velocidades de acréscimos evanescentes? E que são esses tais acréscimos evanecentes? Não são nem quantidades finitas, nem quantidades infinitamente pequenas e tampouco são o nada. Não poderíamos chamá-los os fantasmas de quantidades defuntas?” Com referência à controvérsia entre os amigos de Newton e os de Leibniz, sobre a prioridade na invenção do cálculo, disse o próprio Newton num escólio famoso: a troca de correspondência que se verificou cerca de dez anos atrás entre esse habilíssimo geômetra, G. W. Leibniz, e a minha pessoa, quando lhe anunciei que possuía um método para determinar máximos e mínimos, traçar tangentes e realizar operações semelhantes, método que era igualmente aplicável às quantidades surdas e às racionais, e ocultei o mesmo por meio de letras transpostas, formando esta frase – data aequatione quotcunque fluentes quantitates involvente, fluxiones invenire, et vice versaI – esse homem ilustre respondeu que também havia deparado com um método da mesma espécie e comunicou-me o seu método, que muito pouco diferia do meu, a não ser nas formas das palavras e na notação (também na concepção de como se geravam as quantidades). O fenômeno Isaac Newton foi sempre alvo de elogios, badalações, algumas críticas e até ciúmes. Nota-se isso nas palavras de Voltaire (François-Marie Arouet) (1694 – 1778) que assistiu aos

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277

seus funerais: eu vi um professor de matemática, só porque era grande em sua vocação, ser enterrado como um rei que tivesse feito bem a seus súditos. Voltaire não estava errado em sua afirmação; de fato Newton foi festejadíssimo durante a sua existência, tanto na Inglaterra como no estrangeiro. Foi decretado luto oficial por ocasião de sua morte e o sepultamento deu-se na Abadia de Westminster, onde se sepultam os reis. Quanto à sua atitude pessoal, essa foi suficientemente idealizada e resumida pelas palavras: ignoro o que eu possa aparentar para o mundo, mas aos meus próprios olhos pareço ter sido apenas um menino a brincar na praia e a entreter-se de tempos a tempos com o encontro de um seixo mais liso ou uma concha mais bonita do que os outros, enquanto o grande oceano da verdade jazia inexplorado diante de mim. Se vi mais longe que Descartes, foi porque estava colocado sobre ombros de gigantes.

LEIBNIZLEIBNIZLEIBNIZLEIBNIZ (1646 – 1716)

Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu em Leipzig e passou a maior parte da sua vida na corte de Hanôver, foi diplomata por 40 anos a serviço dos duques, um dos quais se tornou rei da Inglaterra. Desde muito jovem ficou marcante o seu interesse por história, teologia, lingüística, biologia, geologia, matemática, diplomacia e a arte de inventar. Em Londres conheceu Ondenburg, através do qual manteve

contato com Newton numa série de cartas, e tornou-se sócio da Royal Society numa reunião que teve ocasião de exibir sua máquina de calcular. Foi um dos primeiros, depois de Pascal, a inventar uma máquina de calcular. Imaginou máquinas a vapor, estudou filosofia chinesa e tentou promover a unidade da Alemanha. O principal objetivo da sua vida foi a procura de um método universal, através do qual pudesse obter conhecimentos, fazer invenções e compreender a unidade essencial do universo. A scientia generalis, que pretendia construir, levou Leibniz a descobertas em várias áreas, enquanto que a procura por uma

278

characteristica generalis levou-o às permutações, combinações e à lógica simbólica. De arte combinatória, sua tese de doutorado de 1666, propunha a criar uma espécie de método geral do raciocínio. O sonho de uma língua universalis, na qual todos os erros de raciocínio pudessem aparecer como erros computacionais, levou-o não só à lógica, mas também a muitas inovações na notação matemática. Leibniz foi um dos maiores inventores de símbolos matemáticos. Poucos entenderam tão bem a unidade da forma e do conteúdo, tanto que sua invenção do cálculo deve ser entendida com base filosófica, ou seja, foi o resultado da procura de uma língua universalis da mudança e do movimento em particular. Leibniz elaborou o seu cálculo entre 1673 e 1676, em Paris, sob a influência pessoal de Huygens e pelo estudo de Descartes e Pascal. Foi estimulado a isso, ao saber por rumores que Newton possuía tal método. Enquanto a abordagem de Newton foi basicamente cinemática, a de Leibniz foi geométrica. Raciocinou em termos do triângulo característico (dx, dy, ds), que já aparecera noutros escritos, especialmente em Pascal e nas Geometrical Lectures de Barrow. Newton foi mais hesitante em suas publicações, escreveu várias descrições substanciais de seus métodos do cálculo e publicou-as bem mais tarde. Leibniz, ao contrário, escreveu pouco, mas publicou quase que de imediato. Nos primeiros artigos que publicou na Acta eruditorum, um jornal matemático fundado em 1682, Leibniz mostrou que seu novo método não apresentava restrições para funções irracionais ou transcendentes. Deu muita atenção à questão das notações apropriadas e a medida de seu sucesso nessa área foi a sobrevivência, até os dias atuais, de sua linguagem e de seus símbolos. Embora esses artigos tenham sido prejudicados por erros de impressão e exposição insatisfatória, sua grande importância foi evidente para os matemáticos suíços Jakob Bernoulli (1654-1705) e seu irmão Johann (1667-1748). Mais tarde, Leonhard Euler, um ex-aluno de Johann e descendente intelectual de Leibniz, daria continuidade de forma decisiva para tornar o cálculo mais acessível e aceitável.

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279

No primeiro artigo de Leibniz, de apenas seis páginas, são apresentadas as regras simples de diferenciação, com aplicações (de maneira rude, sem provas) e numa linguagem que lembrava as quantidades infinitamente pequenas de Newton. As regras eram as seguintes: • 0=da , se a é constante. Justificativa: Leibniz considerou adaa =+ , e assim 0=da . • dvdu)vu(d +=+ Justificativa: =++++=+ )vu()dvv()duu()vu(d -

.dvdu)vu(dvdu)vu( +=++++= - • vduudv)uv(d += Justificativa: =++= uv)dvv)(duu()uv(d -

.vduudvuvvduudvuv +=−++=

• 2

udv-

v

vdu

v

ud )( =

Justificativa: =+

++=−

++

=)dvv(v

)dvv(u)duu(v

v

u

dvv

duu

v

ud )( -

.v

udvvdu

vdvv

udvuvvduuv22

---=

+

+=

• dunudu nn 1-= .

Para a soma de todas as áreas, Leibniz usou o

símbolo∫ . Assim, a área total sob a

curva seria ∫ ydx e

como, área (OCD) – área (OAB) = ydx, a diferencial da

280

área, era dada por ydx)ydx(d =∫ .

Leibniz enfatizou o aspecto somatório da “integral”, e também colaborou para fazer com que a própria palavra tivesse aceitação. Porém, enquanto atualmente se pensa em termos de limites de uma soma característica de grandezas finitas, Leibniz considerou uma soma, de fato, de quantidades infinitamente pequenas ou infinitésimas e isso explica o fato de ter usado como símbolo de integração uma forma alongada de um tipo antigo da letra S, inicial de summa (soma). Associado ao nome de Leibniz tem-se ainda algumas outras notações, como o “X” para multiplicação; além de alguns nomes usados atualmente como, por exemplo, cálculo diferencial, cálculo integral, função, coordenadas cartesianas e o curioso termo osculação. Os inventores do CálculoOs inventores do CálculoOs inventores do CálculoOs inventores do Cálculo

Newton e Leibniz são ou não são os inventores ou criadores do cálculo? Para responder essa questão alguns pontos precisam ser ponderados. Afirma-se que Eudoxo inventou o cálculo integral com o seu método de exaustão e que Arquimedes aprofundou-o consideravelmente. Fermat foi considerado o verdadeiro inventor do cálculo diferencial, mas Descartes, Pascal, Cavalieri, Barrow, Wallis e outros contribuíram muito, tanto para o cálculo integral (quadraturas) como para o cálculo diferencial (encontrar tangentes a curvas). E então por que Newton e Leibniz são os criadores do cálculo diferencial e integral? A defesa baseia-se em três considerações: 1. Os vários métodos infinitesimais dos predecessores de Newton e Leibniz eram muito restritos (eles muitas vezes foram aplicáveis somente para classes especiais de curvas) e não foram reconhecidos como inter-relacionados. Leibniz e Newton criaram um sistema coerente de métodos para resolver problemas sobre curvas e o importante é que esses métodos não dependeram da natureza particular das curvas tratadas. Portanto, o alcance de tais métodos

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281

foi mais amplo do que o dos métodos anteriores e pode-se dizer que através deles os métodos infinitesimais chegaram a formar uma teoria coerente e poderosa. Em resumo, foram as suas obras que permitiram falar em cálculo pela primeira vez. 2. A coerência dos sistemas de Leibniz e Newton foi atingida devido ao reconhecimento do teorema fundamental do cálculo: a relação inversa entre a diferenciação e a integração. Através dele reconheceu-se o relacionamento recíproco entre os problemas de quadraturas e tangentes, que foram considerados anteriormente como problemas separados. 3. Newton e Leibniz criaram um sistema de notações pelo qual podiam aplicar analiticamente seus novos métodos que, assim, foram explicitados na forma de algoritmo mais claro e por um aparato de fórmulas para as regras do cálculo. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. A dúvida sistemática, como a de Descartes, ajuda ou não no desenvolvimento da matemática? Explique. 2. Compare a influência de Descartes com a de Fermat no desenvolvimento da matemática. 3. Usando o método de Descartes, encontre a normal a y² = 4x no ponto (1,2).

4. Usando o método de Fermat, encontre a tangente a yx 42 = no ponto (2,1). 5. Use o método de Fermat para encontrar os valores máximo e

mínimo de ( )( ).xxxf 7521(x) 2 −++=

6. Encontre 122 +n

para n = 0, 1, 2, 3 e verifique que são primos.

7. Escreva 3 como fração contínua.

282

8. Escreva a raiz positiva da equação 432 =+ xx como fração contínua. 9. Use o método de Barrow para achar a subtangente à curva

32 2xxy += no ponto (2,20).

10. Verifique a fórmula de Wallis ,nnnnn

n

4

1

4

12103333

3333

+=+⋅⋅⋅+++

+⋅⋅⋅+++

para n = 1, 2, 3, 4.

11. Verifique a fórmula de Wallis ( ) ( )∫ +

=−1

0

22

12 )!n(

!ndxxx

n, para

n = 1, 2, 3, 4. 12. Compare as contribuições de Newton e Leibniz à notação matemática.

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283

O SÉCULO DAS LUZESO SÉCULO DAS LUZESO SÉCULO DAS LUZESO SÉCULO DAS LUZES

(Século XVIII)(Século XVIII)(Século XVIII)(Século XVIII)

“Senhor, não precisei dessa hipótese.” (Laplace)

Trata-se de um século interessante se for considerado que a geometria analítica e o cálculo foram inventados no século XVII e o surgimento do rigor matemático e o florescimento da geometria, da álgebra, da análise, etc., estão associados ao XIX. Nunca é para o século XVIII que se olha para destacar as tendências significativas na matemática e isso está em contraste marcante com o que ocorre em outros campos. Para os americanos (do norte) a data 1776 foi decisiva para a sua independência; na França o ano de 1789 foi crucial para a chegada da burguesia ao poder. E a era de revoluções não se restringiu à política. A revolução Industrial, causada pela utilização de máquinas modernas, mudou toda a estrutura social do ocidente. O século XVIII foi o do Iluminismo, movimento surgido na Europa, em oposição ao Absolutismo. Teve origem nas idéias de Descartes e Newton, herdando delas o racionalismo, a dúvida, o formalismo e o mecanicismo. Representou a busca da razão e a predominância da lógica. De forma genérica, a razão seria o supremo guia do indivíduo. Vem dessa época também, a crença na liberdade econômica, na liberdade individual e, na igualdade de todos os homens perante a lei. Esse contexto forçou a imagem de um Deus destituído de poderes; um ser que teria criado tudo de modo lógico e conseqüentemente matemático. Assim, dispensaram-se os ritos e as orações para louvar o Senhor, pois a nova ordem era alimentada apenas pela observação da natureza. O homem descobriu que o universo era regido por leis físicas eternas e imutáveis; portanto, o Criador, se existisse um, estaria refletido na própria natureza. Com esse novo pensamento, sérias críticas foram feitas à Igreja, que se preocupava com as suas missas artificiais e distanciava-se cada vez mais dos ideais iluministas. Em suma, o Iluminismo

284

opunha-se à superstição, à autoridade despótica e à tradição. Prescrevia a razão cartesiana, como única maneira para se construir um mundo melhor. A atividade científica dessa época, centrava-se geralmente nas academias, das quais se destacavam as de Paris, Berlim e São Petersburgo. O ensino universitário desempenhava um papel menor ou mesmo nulo. Alguns dos principais estados europeus eram governados por aqueles que têm sido chamados de déspotas iluminados. Frederico-o-grande, Catarina-a-grande, aos quais se acrescentam Luís XV, Luís XVI e o Marquês de Pombal são alguns desses déspotas que aspiravam à glória e, para seu prazer, rodeavam-se de homens cultos. Esse prazer era uma espécie de esnobismo intelectual, temperado por uma certa compreensão do papel importante que as ciências naturais e a matemática aplicada desempenhavam na modernização das manufaturas e no aumento de eficácia da força militar. Diz-se, por exemplo, que a perfeição da armada francesa se devia ao fato de, na construção de fragatas e barcos de linha, os mestres de construção naval terem sido guiados, em parte, pela teoria matemática. Os trabalhos de Euler eram ricos em aplicações a questões importantes para o exército e a marinha. A astronomia continuou a desempenhar um papel de destaque como mãe adotiva da investigação matemática sob a proteção real e imperial. A matemática no século das luzes começou com os métodos infinitesimais. Foi nele que se desenvolveram os cálculos, diferencial, integral e das variações e também as teorias analíticas e infinitesimais de curvas e superfícies. Nesse período pode-se dizer que a matemática era escrava da física, sendo sua característica principal a falta de rigor absoluto. O objetivo maior dos matemáticos seria estudar as ciências da natureza e, assim, preocupados com as aplicações usavam mais a intuição que a perfeição lógica. A grande expansão do volume de conhecimentos científicos, adquiridos nesse período, gerou a crescente especialização. Tornava-se cada vez mais dificil a um único sábio abarcar, simultaneamente, o âmbito da filosofia, da matemática, da física, da química e das ciências naturais.

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285

A Matemática e a MecânicaA Matemática e a MecânicaA Matemática e a MecânicaA Matemática e a Mecânica

Dentre os matemáticos importantes do século XVIII, Euler e os Bernoulli, no continente, e MacLaurin, na Escócia, desempenharam os primeiros papéis no sentido de sistematização do cálculo, enquanto Lagrange e Laplace tiveram proeminência no desenvolvimento da mecânica analítica e da mecânica celeste, respectivamente. Colin MacLaurin (1698 – 1746), foi professor de matemática em Edimburgo e o seu Tratado das Fluxões de 1742 representou a primeira exposição lógica e sistemática do método das fluxões de Newton. As aplicações do método a certos problemas, nele contidas, foram qualificadas por Lagrange como a obra-prima da geometria, comparável aos mais belos e engenhosos trabalhos de Arquimedes. Nesse livro encontrava-se o chamado desenvolvimento em série de MacLaurin, que constituiu um dos capítulos mais importantes do cálculo atual. No entanto, o próprio MacLaurin reconheceu que a autoria desse método era devida ao matemático inglês, Brook Taylor (1685 – 1731). E, de fato, Taylor havia publicado em 1715 a série, atuamente chamada de Taylor, que se escreve,

...h)x(''f

h)x('f)x(f)hx(f +++=+ 2

2, para uma função f

num ponto x. Bernoulli trata-se de um dos mais notáveis exemplos de uma família de matemáticos famosos que se sucederam durante varias gerações. Os irmãos Johann (1667 -1748), professor em Groninga, e Jakob (1645 – 1708), professor em Basiléia, foram os mais celebres discípulos de Leibniz. Irmãos e rivais ferozes que descobriram muitos teoremas de cálculo a respeito de catenárias, linhas geodésicas, braquistócronas, etc. A obra póstuma de Jakob, Ars conjectandi de 1713 assinalou uma época na teoria das probabilidades. Um filho de Johann, Daniel (1700 – 1782), também professor em Basiléia, depois de permanecer por um certo tempo em São Petersburgo, usou muito bem os métodos matemáticos em problemas de mecânica, até então sem solução. Por isso foi considerado o fundador da física matemática, tendo reconhecido a

286

importância do princípio da conservação da força, antevisto em parte por Huygens. EULEREULEREULEREULER (1707 – 1783)

Leonhard Euler nasceu na Basiléia, Suiça, e iniciou seus estudos com a intenção de se tornar ministro religioso, como seu pai. Adquiriu gosto pela matemática e fez dela sua principal ocupação após as aulas que freqüentou como estudante de Johann Bernoulli na universidade local. Passou a maior parte de sua vida nas cortes de São Petersburgo (1727 – 1741 e de 1766 até sua morte) e de Berlim (1741 – 1766). A produção científica de Euler é extensa e

variada, superando a de qualquer outro matemático e distribuindo-se por todos os ramos – matemática, física, astronomia, engenharia e construção naval. Em decorrência de uma produção de alta qualidade, ganhava muitos prêmios, que constituíam numa complementação regular de seu salário. Um dos mais ambiciosos empreendimentos foi a publicação de suas obras completas em 45 volumes, mediante a cooperação internacional. Disciplinas básicas como álgebra, geometria analítica e cálculo, devem sua forma atual em grande parte aos trabalhos de Euler. Muitas notações por ele introduzidas ainda estão em uso, como por exemplo: f(x) para funções; e para a base dos logaritmos naturais; a, b, c para os lados de um triângulo ABC; s para o semiperímetro do triângulo ABC; r para o inraio do triângulo ABC; R para o circunraio do triângulo ABC; Σ para somatórios; i para a

unidade imaginárian 1− . Também deve-se a Euler a fórmula

isenxxcoseix += , que, para π=x torna-se 01=+πie . Sua Introcutio in analysin infinitorum, de 1748, contém discussões algébricas e um pouco de cálculo, inclusive, os

desenvolvimentos de xcossenx,ex e em séries e, a fórmula

fundamental isenxxcoseix += , com as funções trigonométricas já

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287

com as notações usadas atualmente. As obras fundamentais de Euler sobre o cálculo são as Institutiones calculi differentialis, de 1755, e as Institutiones calculi integralis de 1768. A Introdução completa à álgebra de Euler data de 1770. Essa Introdução foi um dos livros que maior influência exerceu sobre a álgebra do século dezoito e uma das razões, dentre várias, foi o fato de ser apresentado numa linguagem clara e sob uma forma facilmente compreensível. Foi esse livro que, completando o desenvolvimento iniciado por Viète, fez da álgebra uma espécie de taquigrafia matemática internacional. Euler formulou a idéia de função, que tem desempenhado papel tão fundamental na matemática atual, tanto pura como aplicada. Entre os seus trabalhos inclui-se o primeiro tratado sistemático das variações, de1744. Em outros campos, Euler foi o primeiro a tratar analiticamente as vibrações da luz e a deduzir a equação da curva vibratória em função da elasticidade e da densidade. Deduziu analiticamente a lei de refração e explicou que os raios de maior comprimento de onda devem sofrer o menor desvio. Estudou a dispersão em busca de um corretivo para a aberração cromática das lentes, que Newton declarara irremediável. Foram essas pesquisas que levaram Dolland a fabricar as suas lentes acromáticas. Euler foi, assim, o único físico do século XVIII que fez progredir a teoria ondulatória. Na sua Mechanica de1736, fez uma exposição coerente da mecânica de Newton desenvolvendo, em 1744, suas idéias sobre astronomia teórica. A seguir, alguns exemplos do procedimento formal de Euler, especialmente no tratamento com séries infinitas. O primeiro volume de Introductio apresentava, do princípio ao fim, os processos infinitos - produtos infinitos e frações contínuas infinitas, bem como inúmeras séries infinitas. Quanto a isso, a obra é generalização natural das idéias de Newton, Leibniz e Bernoulli, que muito contribuíram no estudo de séries infinitas. Embora, ocasionalmente, Euler prevenisse quanto ao riso de trabalhar com séries divergentes, ele próprio usou a série de

288

potências, ⋅⋅⋅+++=−

211

1xx

x para 1≥x . Na verdade, combinou

as duas séries ⋅⋅⋅+++=−

32

1xxx

x

x e ⋅⋅⋅+++=

− 2

111

1 xxx

x e

concluiu que .xxxxx

... 0111 32

2=⋅⋅⋅+++++++

Apesar de sua audácia, por manipulações de séries infinitas, Euler obteve resultados que tinha fugido a seus predecessores. Entre esses está a soma de recíprocos dos quadrados perfeitos,

⋅⋅⋅+++222 3

1

2

1

1

1. Oldenburg, numa carta a Leibniz de 1673,

perguntara qual a soma dessa série, mas Leibniz não deu resposta. Em 1689, Jakob Bernoulli confessou sua incapacidade para encontrar a soma, embora provasse a sua convergência. Sabe-se da teoria de equações algébricas que a soma dos recíprocos das raízes n,,xi ,2 1,i ⋅⋅⋅= , de um polinômio do tipo

nnxaxaxa)x(p +⋅⋅⋅+++= 2

211 é o oposto do coeficiente de x, ou

seja, ∑=

=−n

i ixa

11

1.

Euler, por descuido ou genialidade, usou esse resultado típico de polinômios para as séries infinitas. Começou com a já conhecida,

na época, ⋅⋅⋅+−+−=!

z

!

z

!

zzsenz

753

753

e, então, considerou

0=senz , como uma equação polinomial infinita, cujas raízes são ,...,, π±π± 2 0 Dividindo-se, a seguir, senz por z, tem-se a equação

⋅⋅⋅+−+−=!

z

!

z

!

z

75310

642

, cujas raízes são ⋅⋅⋅π±π±π± 3 2 , ,,

Considerou depois wz =2 e a equação anterior tornou-se

⋅⋅⋅+−+−=!

w

!

w

!

w

75310

32

, cujas raízes são ⋅⋅⋅πππ ,9 ,4 , 222

Finalmente, aplicando o resultado para polinômios ∑=

=−n

i ixa

11

1,

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289

obtém-se 3

1

9

1

4

11222 !

=⋅⋅⋅+π

e,

finalmente, .nn 6

1

3

1

2

11

2

1222

π==⋅⋅⋅+++ ∑

=

Usando a série do cosseno em vez do seno, Euler encontrou, de

modo análogo, o resultado ∑∞

= −=

π

12

2

12

1

8 n )n( e, como corolário,

tem-se ∑ ∑ ∑∞

=

=

=

+

−−

=−

1 1 1222

1

2

1

12

11

n n n

n

)n()n(n

)(, ou seja,

∑∞

=

+ π=

π⋅−

π=

1

222

2

1

1264

1

8

1

n

n

n

)(.

O interesse de Euler por essas séries sempre foi muito grande, e mais tarde publicou no Introductio, a soma de recíprocos de potências pares de n= 2 até n = 26. D´ALEMBERTD´ALEMBERTD´ALEMBERTD´ALEMBERT (1717 – 1783)

Jean Le Rond d’Alembert, filho natural de uma marquesa com um Chevalier, foi abandonado como criança enjeitada, próximo da igreja de Saint Jean Le Rond, em Paris, e levado a um orfanato para ser dado em adoção. Seu pai biológico, entretanto, providenciou uma dotação aos pais adotivos para que d’Alembert recebesse a melhor educação possível. Os resultados foram excelentes e não demorou muito para que fosse

reconhecido como grande matemático, cientista e filósofo francês. Dotado de vasta cultura foi editor, juntamente com Denis Diderot (1713-1784), da famosa Encyclopédie, de 1751 (Enciclopédia, ou dicionário explicativo das ciências, das artes e dos ofícios) com 28 volumes, da qual escreveu muitos tópicos que corporificavam a crença iluminista no conhecimento racional e na ciência. D’Alembert correspondeu-se por vários anos com Euler e as discussões foram de tal modo produtivas que contribuíram para

290

avanços em áreas como equações diferenciais ordinárias ou parciais, dinâmica, fundamentos do cálculo, convergência de séries, etc. Reconhecendo que a idéia de grandezas infinitesimais era muito frágil, como fundamento para o cálculo, d’Alembert foi o primeiro a defender o uso do conceito de limite nos artigos Différential, de 1754, e Limite, de1765, publicados na Encyclopédie. No artigo Sur les principles métaphysiques du calcul infinitesimal (Sobre os princípios metafísicos do cálculo infinitesimal), de 1768, d’Alembert argumentou que o cálculo operava com os limites das razões de diferenças finitas, de quantidades variáveis inter-relacionadas. A seguir formalizou a seguinte definição: Limite substantivo (matemática). Diz-se que uma grandeza é o limite de outra grandeza quando a segunda pode aproximar-se da primeira tanto quanto se queira, embora a primeira grandeza nunca possa exceder a grandeza da qual ela se aproxima; de modo que a diferença entre tal quantidade e seu limite é absolutamente indeterminável. D’Alembert escrevia facilmente sobre vários assuntos, incluindo questões fundamentais em matemática, como essa tentativa de definir limites. O teorema fundamental da álgebra é chamado, ao menos na França, de teorema de d’Alembert, devido a sua tentativa de prová-lo em 1746. Escreveu também sobre probabilidades, embora nem sempre com grande êxito.

Progressos da mecânica teórica e celesteProgressos da mecânica teórica e celesteProgressos da mecânica teórica e celesteProgressos da mecânica teórica e celeste LAGRANGELAGRANGELAGRANGELAGRANGE (1736 – 1813)

Joseph-Louis Lagrange nasceu em Torino, Itália, onde tornou-se professor de matemática da Escola Real de Artilharia aos 19 anos. Aos 25 anos já era reconhecido como um dos maiores matemáticos e, em 1776, aceitou o convite para substituir Euler em Berlim, já que este voltaria para São Petersburgo. Viria satisfazer assim o expresso desejo de Frederico II, segundo o qual era preciso que o maior geômetra da

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Europa vivesse junto ao maior dos reis. Com a morte de Frederico em 1787, Lagrange transferiu-se para Paris, onde permaneceu pelo resto de sua vida. É claro que Lagrange escreveu muito menos que Euler, mas a perfeição e o grande alcance de seus trabalhos deram-lhe fama, podendo até ser equiparado a Euler. Sua obra mais famosa, a Mécanique Analytique, concebida em sua juventude, mas só publicada em 1788, foi um estudo magistral e completo sobre o assunto. Nela, com o auxílio dos novos métodos matemáticos, mostrou a sua dependência de alguns princípios fundamentais e, com isso, a mecânica se estabelecia como um ramo da análise matemática. A significação e a importância desse trabalho são, dentro do seu campo, comparáveis às dos Princípia de Newton. Em 1797, Lagrange publicou um livro intitulado Théorie des fonctions analytiques, no qual procurava resolver o problema da fundamentação do cálculo em bases puramente algébricas, sem a necessidade de considerar grandezas infinitesimais. Partindo da série de Taylor de uma dada função, ele introduziu as sucessivas derivadas dessa função, em termos dos coeficientes de sua série. Em outras palavras, para cada função f, e para cada ponto x, f(x + h) poderia ser desenvolvida como uma série de potências em

h: f(x + h) = f(x) + Ah + Bh²+ + Ch³ + etc. em que, )x(fA '= ,

!

)x(fB

''

2= ,

!

)x(fC

'''

3= , etc. Importante observar que a notação f’,

f’’ , '''f , etc., usada atualmente, foi introduzida por Lagrange nesse trabalho. Essa construção se assentava na premissa de que toda função possui desenvolvimento em série de Taylor, o que em geral é falso. Ao fazê-lo, Lagrange pensava ter eliminado a inexatidão inerente aos infinitesimais e aos limites, e pensava ter reduzido os conceitos do cálculo a simples álgebra. Mas sua tentativa esbarrou nessa questão; não é verdade que f(x + h) possa sempre ser desenvolvida como uma série de potências em h, e, para as que podem, há ainda o problema da convergência das séries, que pode ser discutido somente em termos de limites. Entretanto, o enfoque de Lagrange foi importante, pois apresentou uma concepção diferente da derivada. Os matemáticos

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antes dele consideravam dx

dy como a razão de duas diferenciais,

correspondendo a duas variáveis independentes x e y. Lagrange especificou a relação entre x e y considerando y como uma função de x e as derivadas sucessivas de f também como funções de x. Seu trabalho, portanto, contém um passo importante para a transformação do cálculo, de uma teoria de variáveis e suas diferenciais para uma teoria de funções e suas derivadas. Vale lembrar que, embora, não tenha tomado parte significativa no desenrolar dos acontecimentos políticos, Lagrange foi um dos matemáticos que participaram da revolução francesa, chegando a ser chefe da comissão de pesos e medidas. Na disputa para se escolher a base do sistema métrico, se dez ou doze, Lagrange argumentou que a base deveria ser um número primo, onze, por exemplo. Em 1799 o trabalho da comissão estava pronto e o sistema métrico decimal, em uso atualmente, se tornou uma realidade. Os trabalhos de Lagrange incluem importantíssimas contribuições para a solução das equações diferenciais e para o cálculo das variações. A sua grande capacidade de análise foi aplicada com êxito também a problemas de astronomia e cartografia. LAPLACELAPLACELAPLACELAPLACE (1749 – 1827)

Pierre-Simon, marquês de Laplace, de procedência normanda, desempenhou papel de grande destaque nas atividades cientificas do período napoleônico. Os cinco volumes da sua Mécanique Celeste não deixou dúvidas quanto a sua importância para a continuidade dos trabalhos de mecânica, desde os tempos de Newton. Laplace alimentava a eleva ambição de oferecer

uma solução completa do grande problema de mecânica apresentado pelo sistema solar e fazer com que a teoria coincidisse de modo tão exato com a observação, que já não houvesse equações empíricas nas tábuas astronômicas.

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Via no cálculo apenas um meio necessário para resolver problemas físicos, embora tivesse mostrado uma habilidade quase fenomenal com os métodos utilizados. Contanto que os resultados obtidos fossem verdadeiros, dava-se pouco trabalho para explicar os meios por que chegara até eles. Nunca buscou a elegância ou a simetria nos seus métodos e estava satisfeito quando podia, por qualquer meio, resolver a questão particular em exame. Nathaniel Bowditch, o tradutor americano da sua grande obra, fez a respeito uma observação significativa: sempre que encontro um dos “assim se torna evidente” de Laplace, adquiro a certeza de que terei de despender horas de trabalho aturado para preencher a lacuna, descobrindo e demonstrando o porquê de tal evidência. Empreendeu Laplace um estudo completo do grande problema dos três corpos, ou seja, “dadas, em qualquer instante, as posições e os movimentos de três corpos que gravitam uns para os outros, determinar suas posições e movimentos em qualquer outro instante”. Sem o resolver inteiramente, conseguiu explicar, em grande parte as discrepâncias em questão. Na sua Exposition du système du monde, Laplace nunca usou uma fórmula algébrica ou um diagrama geométrico, e apresentou os argumentos em favor da sua hipótese nebular, dentro das seguintes linhas gerais: a despeito da separação dos planetas, mantêm eles entre si certas relações dignas de nota – todos os planetas revolvem em redor do Sol, na mesma direção e quase no mesmo plano; os satélites também revolvem em torno dos seus planetas, nessa mesma direção e quase no mesmo plano; finalmente, Sol, planetas e satélites revolvem no mesmo sentido em torno dos seus eixos, e essa rotação se verifica aproximadamente no plano orbital. Essas concordâncias não podem ser acidentais. Laplace procura-lhes a causa na existência de uma vasta massa nebulosa primitiva, formando uma espécie de atmosfera em volta do Sol e estendendo-se até além do planeta mais exterior. Em especial, Laplace sustentou a estabilidade do sistema solar. Sua Mecânica Celeste foi qualificada como edição “infinitamente” ampliada e enriquecida dos Princípia de Newton.

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Laplace fez também importantes avanços na teoria das probabilidades e seus trabalhos sobre equações diferenciais ainda são úteis na engenharia e no eletromagnetismo. O conhecimento matematizadoO conhecimento matematizadoO conhecimento matematizadoO conhecimento matematizado

A partir do século XVIII a matemática passou a ser considerada por muitos sábios como o ideal, cujos métodos exatos e completos deviam ser igualados por outros ramos de conhecimento menos desenvolvidos. Desse modo, a versão popular da Mecânica Celeste de Laplace, por ele mesmo apresentada, foi recebida com avidez, e o próprio Voltaire se encarregou de defender a filosofia newtoniana. A lógica e a própria moral foram atraídas para o séquito da matemática. Para alguns, o Bem seria uma quantidade positiva e o Mal, uma quantidade negativa. Para outros, as alegrias e os desgostos comporiam a vida humana de acordo com as leis da adição e competiria aos estadistas tornar o saldo positivo tão grande quanto possível. Buffon acrescenta à sua história natural, um suplemento relativo à aritmética moral. A matemática aspira ao papel de dirigente, tanto na ciência natural como nos assuntos humanos. A propósito, é bem divulgada uma anedota sobre Napoleão, que teria provocado Laplace com a observação de que Deus não fora mencionado no seu livro. Ao que Laplace respondeu: senhor, não precisei dessa hipótese. A despeito dessa predileção da sociedade culta e polida, os programas oficiais de ensino permaneciam fracos e se mantinham fiéis à orientação conservadora. Entretanto, poderosas tendências progressistas, nascidas da revolução francesa, concretizaram-se na fundação da Escola Politécnica, a qual ainda tem sido um importante centro de atividade matemática. O seu programa incluía, no primeiro ano, a geometria analítica a três dimensões e a geometria descritiva; no segundo, a mecânica dos sólidos e dos líquidos; no terceiro, a mecânica teórica. O diretor da Escola Politécnica, Gaspar Monge (1746 – 1818), não só era um grande administrador, mas também um eminente geômetra e professor. A sua Geometria Descritiva, resultado de preleções feitas na Escola, tornou-se um manual clássico no assunto,

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sobretudo no capítulo de projeções ortográficas. As suas Aplicações da análise à geometria representaram uma importante contribuição para a geometria diferencial. Muitos manuais do século XIX originaram-se de cursos ministrados na Escola Politécnica. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Quais ramos da matemática foram mais ativamente desenvolvidos durante os meados do século XVIII? 2. Cite quatro revistas que publicavam artigos de matemática durante o século XVIII. 3.No século XVIII muitos matemáticos conhecidos mudaram de um país para outro. Mencione alguns deles, indicando as circunstâncias que cercaram a mudança. 4. Descreva as mais importantes contribuições feitas por Euler às notações matemáticas. 5. Obtenha, a maneira de Euler, a soma da série

( )⋅⋅⋅

−+⋅⋅⋅+++

2222 12

1

5

1

3

1

1

1

n.

6. Mencione três matemáticos de renome na França que apoiaram a Revolução e descreva suas atividades nessa direção.

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A MATEMÁTICA SE ESTRUTUROUA MATEMÁTICA SE ESTRUTUROUA MATEMÁTICA SE ESTRUTUROUA MATEMÁTICA SE ESTRUTUROU (Século XIX)(Século XIX)(Século XIX)(Século XIX)

“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o

que importa é trasformá-lo.” (Karl Marx) No século XIX muitos são os ramos da ciência, da técnica, das artes, etc. que reivindicam a fama de “a mais revolucionária”. A partir do renascimento a astronomia foi o que mais influiu no espírito dos filósofos e do cidadão comum. Copérnico destronou a Terra de sua posição central no universo, ao passo que Galileu e Newton provaram que os corpos celestes, não mais divinos e incorruptíveis, também se moviam de acordo com a dinâmica. Revolucionou-se a concepção que o homem tinha do Cosmos. Essa alteração, já assimilada no século XIX, não mais causava preocupação. Os físicos baniram a filosofia de seus laboratórios e trabalhavam à luz de um realismo apoiado no bom senso, jamais duvidando de que suas descobertas revelassem a estrutura real do mundo. A revolução seguinte no pensamento científico viria da biologia, sendo Charles Darwin (1809 – 1882) com A origem das espécies, de 1859, a sua principal figura. A velha teoria da evolução tornou-se digna de crédito mercê de seu conceito de seleção natural, tendo o homem de reconhecer o seu verdadeiro lugar no reino animal. Então as idéias evolucionistas se espalharam da biologia para outros ramos do conhecimento. Nas ciências sociais, filosofia, história, economia política, etc. teria a revolução chamada Karl Marx (1818 -1883). O seu livro mais famoso O Capital, pouco lido e muito temido, ocupou um lugar de destaque entre os mais editados no mundo. O ponto fundamental da doutrina econômica de Marx era que o capitalismo se baseia na exploração do trabalho. No plano filosófico, Marx, como um renascentista, se voltou para a Grécia retomando as teorias de Demócrito e Epicuro, esquecidas e deturpadas por séculos. Apoiado nos progressos da

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ciência, formulou a sua concepção dialética e materialista dos fenômenos da natureza e da sociedade. No mundo das artes brilhou Beethoven, que dizia que o objetivo de sua música era exprimir a essência das coisas, penetrar profundamente no âmago da vida, até extrair um raio de luz, no qual poderiam ser vistas as maravilhas da natureza humana. O conhecimento da eletricidade levou ao telégrafo elétrico, as experiências de Faraday sobre o eletromagnetismo conduziram ao dínamo e à grande indústria da engenharia elétrica, e as equações eletromagnéticas de Maxwell, após experiência de cinqüenta anos, deram origem à telefonia sem fio, ao radar e à transmissão pelo rádio. Esses fatos mencionados acima são apenas alguns exemplos que poderiam ser multiplicados quase indefinidamente. O século XIX marcou o início da era verdadeiramente científica. E na matemática, houve alguma revolução? Na matemática prevaleceu o espírito do século; foram várias revoluções na geometria, álgebra e análise. A revolução francesa e o período napoleônico criaram condições favoráveis para o desenvolvimento continuado da matemática e demais ciências. O caminho estava aberto para a revolução industrial no continente europeu e isso criou novas classes sociais com uma nova visão da vida, interessadas na ciência e na educação técnica. As idéias democráticas invadiram a vida acadêmica; o criticismo ergueu-se contra as formas antiquadas de pensamento; as escolas e as universidades tiveram de ser reformadas e rejuvenescidas. A matemática progrediu com mais fulgor na França e um pouco mais tarde na Alemanha, países nos quais o corte ideológico com o passado foi sentido mais profundamente e onde foram feitas transformações mais radicais, ou tiveram de ser feitas, para preparar terreno para a nova estrutura econômica e política capitalista. A nova pesquisa matemática emancipou-se gradualmente da antiga tendência de ver na mecânica e na astronomia a meta final das ciências exatas.

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Multiplicaram-se os especialistas interessados na matemática pela matemática. A ligação com a prática nunca se quebrou inteiramente, mas tornou-se muitas vezes obscura. Uma divisão mais acentuada que no passado, entre matemáticos “puros” e “aplicados”, acompanhou o crescimento da especialização. Os matemáticos do século XIX não se encontravam mais nas cortes reais ou nos salões da aristocracia como no século anterior. A sua principal ocupação não consistia mais em ser membro de uma academia culta; eram freqüentemente empregados por universidades ou escolas técnicas e eram professores, assim como pesquisadores. Lagrange, Bernoulli e Laplace tinham ensinado apenas ocasionalmente; quanto a Euler houve apenas uma ocorrência, a de ter ensinado uma jovem princesa quando morou em Berlim. Porém, agora, aumentava a responsabilidade de ensinar e os matemáticos tornaram-se educadores ou, então, examinadores da juventude. O latim científico foi gradualmente substituído pelas línguas nacionais e, os matemáticos passaram a ser rotulados segundo sua especialização. Leibniz, Euler e d’Alembert foram descritos como matemáticos (ou géomètres), Cauchy por sua vez seria um analista, Cayley um algebrista e Cantor um pioneiro da teoria dos conjuntos. A época se mostrava favorável aos físicos matemáticos e também aos estudiosos de estatística matemática ou lógica matemática. A especialização seria somente quebrada por grandes gênios; e foi dos trabalhos de um Gauss, de um Riemann, de um Klein ou de um Poincaré que a matemática do século XIX recebeu o seu maior impulso. GAUSSGAUSSGAUSSGAUSS (1777 – 1855)

Na linha divisória entre a matemática dos séculos XVIII e XIX dominou a figura majestosa de Carl Friedrich Gauss – o plebeu que se tornou príncipe através da matemática. Gauss teve uma existência mais ou menos solitária como diretor do observatório astronômico de Göttingen, enriqueceu a matemática de muitas maneiras e de certa forma estabeleceu o ritmo da expansão dessa

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ciência. Suas mais profundas descobertas foram realizadas durante a juventude. Com 18 anos descobriu o método dos mínimos quadrados, com 19 a possibilidade de construir um polígono regular de 17 lados, com régua e compasso e, com 20, alcançou resultados de fundamental importância sobre as funções elípticas, assim como, a primeira prova do teorema fundamental da álgebra (ou teorema de Girard). Pouco tempo depois publicou a sua obra clássica sobre a teoria dos números, Disquisitiones arithmeticae (Pesquisas aritméticas), contribuindo para que essa teoria, como ele mesmo dizia, continuasse sendo a rainha da matemática que, por sua vez, era a rainha das ciências. Gauss atuou em muitas outras áreas; em astronomia, por exemplo, calculou as órbitas dos planetóides, tendo publicado os resultados em 1809. Trabalhou com geometria diferencial, dando grande avanço nessa disciplina introduzida por Euler. Usou funções complexas em resultados famosos como na demonstração do teorema fundamental da álgebra e na construção do polígono de 17 lados. Contribuiu, ainda, na termodinâmica, em geometrias não euclidianas e foi, com Weber, um dos inventores do telégrafo em 1833. Probabilidades: a curva de erProbabilidades: a curva de erProbabilidades: a curva de erProbabilidades: a curva de errorororo

Os matemáticos do século XVIII haviam mostrado grande interesse pela teoria das probabilidades. Foi, porém, George-Louis Leclerc (1707 – 1783), conde de Buffon, um naturalista famoso, que em 1777 introduziu o primeiro exemplo de uma probabilidade geométrica, conhecida como “o problema da agulha”: tome-se uma agulha de comprimento 2L e, de pequena altura, deixe-se cair numa mesa onde se tenham traçado linhas paralelas separadas uma das outras por uma distância D, maior que 2L. Desse modo, ao cair, a agulha poderá ou não cruzar uma dessas linhas. Suponhamos que a experiência seja feita N vezes e que a agulha cruze C vezes uma dessas linhas. Então π poderá ser computado dentro de certos

limites prováveis de erro, mediante a fórmula: .CD

NL4=π

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O tratamento matemático dado por Laplace às probabilidades não só deu precisão às conclusões de astronomia, mas encontrou aplicação semelhante em muitos campos. Sua Teoria Analítica das Probabilidades marcou época do assunto. Diz ele no preâmbulo: as questões mais importantes da vida giram quase sempre em torno de problemas de probabilidade. A rigor, podemos mesmo dizer que quase toda a nossa ciência é problemática; e entre o pequeno número de coisas que podemos conhecer com certeza, mesmo nas próprias ciências matemáticas, a indução e a analogia, os principais meios de descobrir a verdade, baseiam-se em probabilidades, de modo que todo o sistema dos conhecimentos humanos está relacionado com essa teoria. É notável que uma ciência que começou pela consideração dos jogos de azar, se tenha tornado o mais importante objeto de conhecimento humano. No fundo, a teoria das probabilidades nada mais é do que o senso comum reduzido ao cálculo; ela nos permite avaliar com exatidão aquilo que os espíritos argutos sentem por uma espécie de instinto que eles próprios são amiúde incapazes de explicar.

Da teoria das probabilidades, Gauss deduziu a chamada lei dos erros, representada por uma curva de distribuição normal e posteriormente aplicada à representação gráfica de grande número de fenômenos não só de física e biologia, mas também de sociologia e higiene. Por mais que a ação dos indivíduos moleculares ou humanos possa parecer inteiramente arbitrária, esse método estatístico fundamental permite prever o comportamento médio de uma população. Trabalhos inaugurais foram realizados neste campo pelo astrônomo belga Adolphe Quetelet (1796 – 1874). Profundamente influenciado por Laplace, publicou em 1828, as suas Instructions populaires sur le calcul des probabilitès, uma das primeiras obras de divulgação do assunto. Sua obra principal, sobre O homem e o desenvolvimento de suas faculdades, ou Ensaio de física social, de

Curva de Gauss

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1835, um dos livros mais importantes do século XIX, foi a primeira tentativa de aplicar a análise matemática ao estudo do homem, e não só do seu corpo, mas do seu comportamento e da sua moralidade. Quetelet mostrou que o método estatístico constitui o único ponto de vista científico sobre a sociologia e pode ser considerado como o fundador desse ramo da ciência. Além de outras obras escreveu também sobre a história da ciência na Bélgica. Depois de Quetelet o método estatístico, deixando de limitar-se à astronomia e à sociologia, revelou-se o melhor instrumento para abordar numerosos problemas de biologia, química e física. Geometrias não euclidianasGeometrias não euclidianasGeometrias não euclidianasGeometrias não euclidianas

A exemplo dos três problemas clássicos de construção, foi resolvido também no século XIX o intrincado “problema das paralelas”. A questão de saber se o postulado das paralelas de Euclides era independente ou poderia ser derivado dos outros, tinha confundido os matemáticos por 2000 anos. Ptolomeu tentara encontrar uma resposta na antiguidade, Omar Kayyan e Nasir Eddin na Idade Média e Lambert e Legendre, no século XVIII. Todos esses homens tinham tentado provar o postulado e haviam falhado, embora tivessem encontrado alguns resultados interessantes no decurso das suas investigações. Gauss foi o primeiro a acreditar na independência do postulado das paralelas, o que implicava que outras geometrias, baseadas numa outra escolha de axiomas, fossem logicamente possíveis. Gauss nunca publicou os seus pensamentos sobre esse assunto. Os primeiros a desafiarem abertamente a autoridade de dois milênios e a construírem uma geometria não euclidiana foram um russo, Nicolai Ivanovich Lobachevski (1793 – 1856) e um húngaro, János Bolyai (1802 -1860). Lobachevski, professor da universidade de Kazan, foi o primeiro a publicar suas idéias. O seu primeiro livro apareceu em 1829 e foi escrito em russo. Poucas pessoas tiveram conhecimento dele e mesmo uma edição alemã, posterior, recebeu pouca atenção, embora Gauss tivesse mostrado algum interesse.

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Bolyai era filho de um professor de matemática de uma cidade de província da Hungria. Esse professor, Farkas Bolyai, estudou em Göttingen ao mesmo tempo que Gauss e ambos mantiveram uma correspondência ocasional. Farkas passou muito tempo tentando provar o quinto postulado de Euclides, mas não chegou a qualquer conclusão. O seu filho herdou essa paixão e, ao perceber a impossibilidade propôs um novo tipo de geometria, publicada quase na mesma época de Lobachevski. As teorias de Gauss, de Bolyai e de Lobachevski eram semelhantes em princípios, embora os seus artigos fossem muito diferentes. É notável como as novas idéias surgiram independentemente em Göttingen, Budapeste e Kazan, e no mesmo período. Os princípios dessa nova geometria eram estranhos e bem diversos dos euclidianos. Era possível traçar mais de uma paralela a uma reta dada por um ponto que esteja fora dessa; a soma dos ângulos internos de um triângulo era sempre menor que dois retos e a diferença, em relação a dois retos, era determinada em proporção à área do triângulo. Além disso, a razão entre o comprimento de uma circunferência e o seu diâmetro seria sempre maior do que π . Estranhos princípios, mas perfeitamente coerentes; nenhum deles contradiz os demais. A geometria não euclidiana – o nome é devido a Gauss – permaneceu durante várias décadas como um campo obscuro da matemática. A maior parte dos matemáticos ignorou-a, a filosofia kantiana, predominante, recusava tomá-la a sério. O primeiro grande cientista a compreender plenamente a sua importância foi Riemann, cuja teoria geral das variedades de 1854, legitimava de maneira clara não só os tipos existentes de geometrias não euclidianas, como também outras, chamadas depois de riemannianas. Porém, a aceitação total dessas teorias só chegou quando a geração posterior a Riemann começou a entender o seu significado depois de 1870.

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RIEMANNRIEMANNRIEMANNRIEMANN (1826 – 1866)

George Friedrich Bernhard Riemann, filho de um pastor luterano, foi educado em condições modestas. Era uma pessoa tímida e fisicamente frágil. Teve boa instrução em Berlim e depois em Göttingen onde obteve seu doutoramento com uma tese sobre teoria das funções de variáveis complexas, em que aparecem as equações denominadas de Cauchy-Riemann, embora essas já fossem conhecidas por Euler e D'Alembert. Nesse trabalho já estabeleceu o

conceito de superfície de Riemann que desempenharia papel fundamental em análise. Nomeado professor na Universidade de Göttingen em 1854, apresentou um trabalho perante o corpo docente e que resultou numa célebre conferência. Nele estava uma ampla e profunda visão da geometria e seus fundamentos que até então permanecia marginalizada. Ao contrário de Euclides e em sentido mais amplo do que Lobachevsky, observou que seria necessário tratar-se de pontos, ou retas, ou do espaço não no sentido comumk, mas como uma coleção de n-uplas que são combinadas segundo certas regras, uma das quais era a de achar distância entre dois pontos infinitamente próximos. Para Riemann, o plano era a superfície de uma esfera e uma reta era um círculo máximo sobre a esfera. De sua sugestão de estudar espaços métricos em geral com curvatura, tornou-se possível a teoria da relatividade, contribuindo-se assim para o desenvolvimento da física. Riemann provou muitos resultados importantes em teoria dos números, relacionando-os com a análise, através de uma concepção intuitiva e geométrica, em contraste com a aritmetização de Weierstrass. Um de seus brilhantes resultados foi perceber que a integral exigia uma definição mais cuidadosa do que a de Cauchy e baseado em seus conceitos geométricos, concluiu que as funções limitadas são sempre integráveis.

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Teoria dos gruposTeoria dos gruposTeoria dos gruposTeoria dos grupos A álgebra até o início do século XIX era constituída apenas de técnicas de resoluções de equações algébricas, sendo que há três séculos não conseguia um progresso significativo. No final do século XVIII foram vários os fracassos na tentativa de resolver a equação geral de quinto grau, por meio de radicais. Os trabalhos de Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évariste Galois (1811 - 1832), que revolucionaram a álgebra, colocariam um ponto final nessas tentativas ao mostrar que uma equação algébrica de grau maior do que 4, em que os coeficientes são reais ou complexos, não são resolúveis por radicais. Galois nesses estudos lançou os fundamentos iniciais da teoria dos grupos que serviria como elemento unificador das diversas áreas da matemática. A partir da segunda metade do século XIX a álgebra passaria a tratar do estudo das estruturas algébricas.

Épsilons e DeltasÉpsilons e DeltasÉpsilons e DeltasÉpsilons e Deltas

O primeiro matemático a tratar com mais rigor as idéias do cálculo foi d’Alembert em seu artigo Limite, publicado em 1784 na Encyclopédie. Os próximos passos, após as críticas severas sofridas por Newton e Leibniz devido à falta de rigor e fundamentação, seriam realizados, principalmente, por Bolzano e Cauchy, a princípio, e posteriormente por Weierstrass e Heine. Foi de Cauchy o primeiro tratamento detalhado a ser baseado em uma definição razoavelmente clara do conceito de limite. BOLZANO (1781-1848)

Bernhard Bolzano viveu sempre em Praga, Tchecoslováquia, e embora fosse padre, tinha idéias contrárias às da Igreja. Suas descobertas matemáticas foram muito pouco reconhecidas por seus contemporâneos. Em 1817 publicou o livro Rein Analytisches Beweis (Prova puramente analítica), em que prova através de métodos aritméticos o teorema do anulamento em álgebra,

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exigindo para isso um conceito não geométrico de continuidade de uma curva ou função. Bolzano, a essa época, a exemplo de outros matemáticos, já havia percebido a necessidade de rigor no cálculo. Mostrou que a prova geométrica intuitiva – uma curva contínua deve em algum lugar cruzar a reta que separa seus pontos extremos – era baseada em uma inadequada concepção de continuidade. Entender corretamente o conceito de continuidade, disse ele, seria compreender o significado da frase: A função f varia de acordo com a lei da continuidade para todos os valores de x, que estão dentro de determinados limites, se x for um valor tal que a diferença

f(x)-)x(f ω+ possa se tornar menor do que qualquer quantidade

dada, ao se fazer ω tão pequeno quanto se queira. Em outras palavras, f é contínua em um intervalo contanto que

)x(f)x(flim =ω+∞→ω

, para cada x do intervalo.

Em uma obra póstuma de 1850, Bolzano chegou a enunciar propriedades importantes dos conjuntos infinitos e, apoiando-se nas teorias de Galileu, mostrou que existem tantos números reais entre 0 e 1, quanto entre 0 e 2, ou tantos em um segmento de reta de um centímetro quanto em um segmento de reta de dois centímetros. Parece ter percebido que a infinidade de números reais é de tipo diferente da infinidade de números inteiros, sendo não enumeráveis, estando mais próximo da matemática atual do que qualquer um de seus contemporâneos. Em 1834, Bolzano havia imaginado uma função contínua num intervalo e que não tinha derivada em nenhum ponto desse intervalo, mas o exemplo dado não ficou conhecido em sua época, sendo todos os méritos dados a Weierstrass que se ocupou em redescobrir esses resultados, cinqüenta anos mais tarde. Embora o tratamento de Bolzano fosse aritmético ao contrário do geométrico de Cauchy e, embora os dois nunca tivessem se encontrado, suas definições de limite, derivada, continuidade e convergência eram semelhantes. Como tinha menos influência que Cauchy e sua linguagem era mais sofisticada, os resultados passariam a ser conhecidos com o nome de Cauchy. Há quem diga que Bolzano era "uma voz clamando no deserto".

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CAUCHY CAUCHY CAUCHY CAUCHY (1789 – 1857)

Augustin-Louis Cauchy nasceu em Paris, logo após a queda da Bastilha. Cursou a Escola Politécnica, onde mais tarde seria um ótimo professor. Ainda como estudante contou com o apoio de Laplace e Lagrange que se interessaram muito por seu trabalho. Cauchy, que chegou a ser um dos engenheiros militares de Napoleão era católico devoto e reacionário convicto que defendia vigorosamente a Ordem dos Jesuítas. Quando o rei Carlos X foi exilado,

Cauchy também deixou Paris, recebendo mais tarde o título de barão como recompensa por sua fidelidade. Cauchy produziu grande quantidade de livros e memórias (artigos), a maioria dedicada à matemática pura e sempre dando ênfase às demonstrações rigorosas. Uma de suas características marcantes era que, obtendo um resultado novo, logo tratava de publicá-lo, ao contrário do que fazia Gauss, que só publicava quando tivesse atingido a perfeição. Provavelmente, graças a esse “defeito” de Gauss, cujos padrões pessoais do rigor eram igualmente elevados é que Cauchy foi considerado o fundador do rigor no cálculo, que nessa época passou a ser denominado, com mais freqüência, de análise matemática. Não obstante, foram de Cauchy as exposições que marcaram primeiramente o cálculo com o caráter geral que mantém atualmente. Continuando a tradição pedagógica da École Polytechnique de Paris, escreveu quatro grandes trabalhos – o Cours d’analyse de 1821; Résumé des leçons sur le calcul infinitesimal de 1823; Mémoire sur les intégrales definies de 1825 e Leçons sur le calcul différentiel de 1829 – que foram os primeiros a determinar, como um objetivo principal, o estabelecimento do rigor completo na análise matemática. No início de seu livro Résumé, Cauchy escreveu: Os métodos que eu segui diferem de muitos modos daqueles que foram explicados em outros trabalhos do mesmo tipo. Meu alvo principal foi reconciliar o rigor com a simplicidade com que a consideração direta de quantidades infinitamente pequenas produz. Por esta

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razão eu acredito que é meu dever rejeitar o desenvolvimento das funções em séries infinitas, quando a série obtida não for convergente... no cálculo integral isso ocorre, necessariamente, para se demonstrar a existência de integrais ou funções primitivas, antes de tornar conhecidas suas diversas propriedades. A fim de realizar esse objetivo, foi preciso estabelecer inicialmente a noção de integrais entre dois valores, ou, integrais definidas. O dispositivo que permitiu “reconciliar o rigor com infinitesimais” foi uma definição nova dos infinitesimais que evitava os números fixos infinitamente pequenos de matemáticos anteriores a ele. Cauchy definiu infinitesimal (un infiniment petit) ou quantidades infinitamente pequenas (quantite infiniment petite) como sendo, simplesmente, uma variável cujo limite é zero, ou seja, diz-se que uma quantidade variável pode ser infinitamente pequena quando seu valor numérico diminui indefinidamente de tal maneira que ela converge para o valor zero. Cauchy, em seu Résumé proporcionou um grande avanço em direção ao rigor. Inicialmente caracterizou um número real através de classes de seqüências de números racionais, equivalentes entre si, considerando equivalentes aquelas, cuja diferença tende a zero. Dispensando a geometria e os infinitésimos ou velocidades, Cauchy apresentou as seguintes definições: • Limite: quando valores sucessivos atribuídos a uma variável se aproximam indefinidamente de um valor fixo de modo a finalmente diferir deste de tão pouco quanto se queira, esse ultimo chama-se o limite de todos os outros; • Derivada: ao definir a derivada de y = f(x) com relação a x, Cauchy deu à variável x um incremento ix =∆ e formou a razão

.i

)x(f)ix(f

x

y −+=

∆∆

O limite desse quociente de diferenças

quando i se aproxima de zero foi definido como derivada de y com relação a x. • Integral: durante o século XVIII a integração tinha sido tratada como a inversa da derivação. Cauchy definiu a integral em termos de limites de somas, tomando o valor da função sempre na extremidade esquerda dos subintervalos.

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Se ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )11112001 −−−++−+−= nnnn xfxx...xfxxxfxxS

então o limite S dessa soma, quando os tamanhos dos intervalos 1−− ii xx , i = 1, 2 ... n, decresce indefinidamente é a integral da função f no intervalo

.bxax n == até 0

Com a definição de número complexo por classes de equivalência e, posteriormente com o teorema da fórmula integral e o cálculo de resíduos, Cauchy lançou as bases da teoria das funções de variável complexa. Introduziu várias idéias que fariam desse ramo uma área de estudos extremamente interessante e fértil em aplicações. Data de 1812 seu primeiro trabalho sobre determinantes, com 84 páginas, passando a aplicá-los nas mais diversas situações como, por exemplo, na propagação de ondas, sendo inclusive o primeiro a usar o termo “determinante”. Juntamente com Navier, Cauchy foi fundador da teoria matemática da elasticidade e também auxiliou no desenvolvimento da mecânica celeste. Cauchy, tanto quanto seu contemporâneo Gauss, contribuiu para quase todas as áreas da matemática e sua grande quantidade de obras publicadas só foi superada por Euler. Foram 789 publicações entre livros e memórias, algumas muito longas, e é por esse motivo que a revista Comptes Rendus adotou a norma, ainda em vigor, de limitar a quatro páginas os seus artigos.

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WEIERSTRASSWEIERSTRASSWEIERSTRASSWEIERSTRASS (1815 – 1897)

Durante as suas conferências, Karl Theodor Wilhelm Weierstrass dava ênfase ao que às vezes se chamou a “teoria estática da variável”. Como parte de um programa de aritmetização, não só contribuiu para uma definição satisfatória de número real, como também para uma definição melhorada do conceito de limite. Em 1872, Heinrich Eduard Heine (1821 – 1881) em seu Elemente

apresentou as principais idéias de seu mestre Weierstrass. Observou que: Se, dado qualquer ε , existir um 0η tal que para ,00 η<η< a

diferença L)x(f −η±0 é menor em valor absoluto queε ,, então L

é o limite de f(x) para .xx 0= Nessa definição não há sugestão de entidades fluindo e gerando magnitudes de dimensão superior, nenhum recurso a pontos ou retas móveis, nenhum abandono de quantidades infinitamente pequenas. Só restam os números reais, a operação de adição ( e sua inversa) e a relação “menor que”. A linguagem sem ambiguidades e o novo simbolismo expulsaram do cálculo a noção de variabilidade e tornaram desnecessário o persistente apelo a infinitesimais fixos. A “idade do rigor” chegara verdadeiramente, substituindo os antigos artifícios heurísticos e os antigos conceitos intuitivos por precisão lógica crítica. Hoje o η de Weierstrass foi substituído por outra letra grega, δ , mas as definições de limite, continuidade e derivada de uma função, usadas atualmente, são essencialmente as mesmas introduzidas por Weierstrass e Heine. As chamadas provas por épsilons e deltas são agora parte do instrumental comum dos matemáticos. E o que se faz para ensinar esses conceitos difíceis para alunos iniciantes? Em geral, tenta-se uma conciliação entre o simbolismo rigoroso de Heine e o apelo geométrico de Cauchy.

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NNNNúmeros Reaisúmeros Reaisúmeros Reaisúmeros Reais

No século XIX ocorreu, assim, a chamada aritmetização da análise, em que, como foi visto, os conceitos de função, limite e continuidade foram melhor definidos. O problema da continuidade da reta – do conjunto dos números reais – foi solucionado quase simultaneamente, por George Cantor (1845 – 1918) e Richard Dedekind (1831 – 1916) em trabalhos independentes, sendo que para analisar o infinito numérico, Cantor criou a “teoria dos conjuntos”. Os problemas de HilbertOs problemas de HilbertOs problemas de HilbertOs problemas de Hilbert Pode-se constatar também que no século XIX foram construídos os pilares da matemática atual, ou seja, as teorias de conjunto, grupo e função, além das geometrias não euclidianas. Apesar desses grandes progressos, o século terminou com uma série de problemas a serem resolvidos, sendo famoso o discurso de Hilbert num congresso internacional de matemáticos, realizado em Paris em 1900, no qual mencionou 23 problemas que aguardavam solução.

David Hilbert (1862 – 1943), professor em Göttingen, já havia recebido nessa época o reconhecimento pelos seus trabalhos sobre formas algébricas e pelo seu famoso livro, denominado Grundlagen der geometrie (Fundamentos da Geometria). Esse era, em muitos aspectos, inspirado no trabalho pioneiro de Moritz Pasch que estendeu aos fundamentos da geometria o modo de raciocínio axiomático que, ao mesmo tempo, levou Frege ao seu trabalho sobre os

fundamentos da aritmética. Hilbert, no seu livro, fez uma análise dos axiomas em que a geometria euclidiana se baseava e explicou como a pesquisa axiomática moderna seria capaz de melhorar as realizações dos gregos antigos.

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Nessa alocução de 1900, Hilbert tentou captar a direção da pesquisa matemática de algumas décadas passadas e esboçar as linhas gerais do trabalho produtivo futuro. A seguir tem-se um resumo dos 23 projetos de investigação pronunciados por Hilbert: 1. O problema da cardinalidade do contínuo de Cantor. Haverá algum cardinal entre o contínuo e o enumerável? E o contínuo pode ser considerado bem ordenado? 2. A consistência dos axiomas aritméticos. Se essa consistência existe, então a dos axiomas geométricos poderia ser estabelecida. 3. A igualdade do volume de dois tetraedros, se a base, a área e a altura forem iguais. Prová-lo só com a ajuda da divisão e da combinação (portanto, sem infinitesimais). 4. O problema da linha reta como a ligação mais curta entre dois pontos. Essa questão foi colocada, por exemplo, pela geometria de Minkowski e por certos problemas do cálculo das variações. 5. O conceito de Lie de grupo de transformações contínuas sem postular a diferenciabilidade das funções que definem o grupo. A questão pode levar a equações funcionais. 6. O tratamento matemático dos axiomas da física. Dos axiomas da geometria podemos passar aos da mecânica racional (tal como, por exemplo, fez Boltzmann em 1897) e a campos tais como a mecânica estatística, probabilidades, etc. 7. A irracionalidade e transcendência de certos números. São exemplos os números da forma βα para 0≠α algébrico e β

algébrico irracional, tal como .22 Esses números são algébricos ou transcendentes? 8. Problemas na teoria dos números primos. Referimo-nos à função zeta de Riemann e à conjectura de Goldbach, segundo a qual

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qualquer número par é, pelo menos de uma maneira, a soma de dois primos (Goldbach em 1742 numa carta a Euler). 9. Prova da lei mais geral de reciprocidade em corpos arbitrários de números. Isso referia-se a alguns trabalhos mais recentes de Hilbert sobre corpos de números relativos quadráticos. 10. Decidir se uma equação diofantina com números inteiros é resolúvel com os tais números relativos quadráticos. Este era um antigo problema resolvido para certas equações de grau maior que dois e que se relacionava com o último “teorema” de Fermat. 11. A teoria das formas quadráticas com coeficientes algébricos. Mais uma vez esse assunto se relaciona com o trabalho de Hilbert sobre corpos de números. 12. Generalização do teorema de Kronecker sobre corpos abelianos para um domínio de racionalidade arbitrário. Essa questão leva-nos a um domínio em que as funções algébricas, a teoria dos números e a álgebra abstrata se encontram. 13. A impossibilidade de resolver a equação geral de grau sete através de funções com duas variáveis apenas. Foi um problema sugerido pela nomografia, tal como Maurice d’Ocagne o tinha explicado. 14. A prova do caráter finito de certos sistemas de funções inteiras relativas. Alargando a noção de funções inteiras a relativganz, esse problema pede a generalização dos teoremas de finitude da teoria clássica dos invariantes, devida a Hilbert e a Gordan. 15. A fundamentação rigorosa da geometria enumerativa de Shubert. Para isso será necessária uma firme fundamentação algébrica. 16. O problema da topologia das curvas e superfícies algébricas. A resolução desse problema encontra-se apenas no início, embora tenhamos alguns conhecimentos, especialmente no caso de curvas.

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17. A representação de funções definidas através de quocientes de somas de quadrados de funções. 18. Construção (preenchimento) do espaço por poliedros congruentes. Esse problema relaciona-se com uma questão de teoria dos grupos e cristalografia e com o trabalho de E. S. Fedorov e A. Schoenfliesz. 19. As soluções dos problemas variacionais regulares são sempre analíticas? O termo “regular” está especificamente definido. Hilbert observou que todas as superfícies de curvatura constante positiva têm de ser analíticas, não sendo isso válido para as superfícies de curvatura constante negativa. 20. Os problemas de fronteiras em geral, demonstrando em particular a existência de soluções de equações diferenciais a derivadas parciais com valores de fronteira dados e generalizações de problemas variacionais regulares. 21. Prova da existência de equações diferenciais lineares com grupo de monodromia dado. Esse problema foi sugerido pela teoria das funções fuchsianas de Poincaré. 22. Uniformização de relações analíticas através de funções automórficas. Foi também sugerido pela prova de Hilbert que a uniformização de qualquer relação algébrica entre duas variáveis pode ser obtida através de funções automórficas de uma variável. 23. Extensão dos métodos do cálculo das variações. Hilbert acrescentou esta sugestão de “propaganda”, porque achava que, apesar das contribuições de Weierstrass, esse domínio ainda continha muitos pontos insuficientemente investigados e que eram potencialmente úteis para vários campos da matemática e da mecânica (tal como o problema dos três corpos). Hilbert terminou o seu discurso com palavras de encorajamento e otimismo perante o crescimento praticamente exponencial da matemática.

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ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Descreva algumas diferenças na origem familiar, temperamento e interesse, entre Gauss e Cauchy. 2. O papel da École Polytechnique, uma escola de engenharia, ajudou ou prejudicou o desenvolvimento da geometria no século XIX? Explique. 3. Dê os nomes de três matemáticos importantes da França e três da Alemanha durante o século XIX, citando algumas de suas contribuições principais. 4. Descreva vários aspectos em que a geometria de coordenadas no século XIX diferia da de Fermat e Descartes. 5. Considere a proposição:” dados um ponto A e uma reta a, aA∉ , no plano determinado por A e a não existe mais do que uma reta que passa por A e não corta a”. Prove que essa proposição equivale ao V Postulado de Euclides. 6. Considere o seguinte modelo de geometria não euclidiana (devido a Felix Klein): chamamos de plano ∑ o interior de um círculo dado. Um ponto de ∑ é um ponto euclidiano nesse plano e uma reta de ∑ é a intersecção de uma reta euclidiana, do plano desse círculo, com ∑ . Prove que: “dada uma reta a e um ponto P não em a, há uma infinidade de retas por P, paralelas a a.” 7. Defina precisamente as expressões “número real” e “número Irracional”. Quando e como foi pela primeira vez reconhecida a necessidade de admitir números irracionais e quando e como surgiu a necessidade de ter uma definição precisa? Explique. 8. Compare a definição de limite de uma função dada por Weierstrass-Heine com a formulada antes por Cauchy, indicando as vantagens ou desvantagens relativas.

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9. Faça um resumo sobre a vida e a obra de Galois e Abel. Você considera também que eles foram gênios ingênuos? 10. Faça um resumo sobre a vida e a obra de Hilbert, principalmente sobre os 23 projetos conhecidos como “Os Problemas de Hilbert”. Procure investigar sobre a situação atual de tais problemas indicando aqueles que ainda persistem sem solução.

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A MATEMÁTICA PROPICIOU MARAVILHASA MATEMÁTICA PROPICIOU MARAVILHASA MATEMÁTICA PROPICIOU MARAVILHASA MATEMÁTICA PROPICIOU MARAVILHAS

(Séculos XX e XXI)(Séculos XX e XXI)(Séculos XX e XXI)(Séculos XX e XXI) “Enquanto um ramo da ciência oferece uma abundância de problemas, ele

está vivo”. ( Hilbert )

Os “problemas de Hilbert”, pronunciados em sua famosa conferência, estimularam profundamente boa parte da pesquisa em matemática no século XX. Alguns problemas logo foram resolvidos: o número 3 por Max Dehn em 1904, tendo demonstrado que a prova nem sempre é possível; o número 17, por Emil Artin (1898 – 1962) em 1920. Outros só foram resolvidos em parte, tal como o número 7, por Alexander Gelfond (1906 – 1968) em 1934. Essa situação é compreensível, visto que esses problemas, são mais propriamente programas. É o caso do número 16, que abriu o caminho a um domínio inteiramente novo. A vasta utilização do cálculo das variações, não só na matemática pura, mas também em campos tais como a relatividade, revelou que havia boas razões para a inclusão do problema 23. A matemática no mesmo período em que era utilizada por outras ciências, dando base a novas teorias (a da relatividade, por exemplo), também era marcada pela chamada “crise dos fundamentos”. As três principais correntes envolvendo os princípios básicos dessa ciência foram o logicismo, o intuicionismo e o formalismo. Além de matemáticos, lógicos e lingüistas também se envolveram nessas discussões. O logicismo tinha como expoentes Bertrand Russel (1872 – 1970) e Alfred North Whitehead (1861 – 1947). Em sua obra fundamental, o Principia Mathematica, escrita em 3 volumes entre 1910 e 1913, propuseram-se a reconstruir, sob a influência de Frege, Cantor e Giuseppe Peano (1858 – 1932), toda a base da matemática moderna, começando com hipóteses precisas, fundamentais e prosseguindo com princípios de lógica estrita. O uso de um

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simbolismo preciso não deixaria lugar para as ambigüidades da linguagem humana. O Principia permanecerá por muito tempo como um monumento de trabalho árduo e excelentes intenções. Mas seus autores conseguiram erigir uma estrutura baseada na razão pura, não maculada pela intuição humana? Difícil responder esse tipo de pergunta e folheando os três volumes constata-se que sua leitura não é uma tarefa comum. Para consolo há, inclusive, uma anedota corrente nos meios matemáticos de que apenas duas pessoas leram o Principia do começo ao fim. Só não é certo se os próprios autores estão incluídos nessa estimativa. Essa tentativa de tornar a matemática uma parte da lógica não perturbou muito o ambiente matemático, pois além de não estarem dispostos a destruir nada do conhecimento acumulado, era um movimento constituído, em sua maioria, por filósofos da ciência e não de matemáticos conceituados. O intuicionismo foi uma doutrina que teve origem entre os próprios matemáticos. Segundo ela “só possuem existência real e significado aqueles objetos matemáticos que podem ser construídos a partir de certos objetos primitivos, de maneira finita”. Destacam-se como precursores dessa tendência os matemáticos Leopold Kronecker (1823 – 1891) e Jan Brouwer (1881 – 1966). Por volta de 1905, Emile Borel (1871 – 1956), René Baire (1874 – 1932) e Henri Lebesgue (1875 – 1941) também se aproximaram das idéias de Kronecker, ao criticarem o axioma da escolha e os trabalhos de Ernst Zermelo (1871 – 1953). Entre outras coisas os intuicionistas não aceitavam as demonstrações indiretas de tão largo uso desde os gregos. Isso abalou a matemática tradicional obrigando os especialistas em fundamentos, a desenvolverem novos métodos para manter as teorias clássicas. O formalismo, por sua vez, tentou mostrar que a matemática consistia num jogo de símbolos com regras definidas, ou seja, axiomas, definições e teoremas. Seu principal expoente foi Hilbert, sendo que, mais recentemente, na França, o grupo “Bourbaki” se aproximou bastante de suas idéias. Quando em 1931, Hilbert parecia ter atingindo a perfeição com sua matemática formalista, um lógico-matemático, Kurt Gödel

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(1906 - 1978) publicou resultados, demonstrando que tal projeto era irrealizável. No entanto, o formalismo tornou-se a corrente predominante nos textos matemáticos, ficando as outras correntes com poucos adeptos. Relatividade: nova forma de pensar espaço e tempoRelatividade: nova forma de pensar espaço e tempoRelatividade: nova forma de pensar espaço e tempoRelatividade: nova forma de pensar espaço e tempo Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a teoria da relatividade tem um suporte matemático incrível. Entendê-la um dia talvez seja a meta de muitos estudantes e professores e, plagiando Euclides, não há caminho mais curto do que aquele de aprender cálculo, física, álgebra linear e principalmente geometria diferencial. Mas será mesmo que tudo é relativo? A propósito, pesquisas realizadas por Ernest Rutherford (1831 – 1937) e outros levaram à conclusão de que o átomo, a unidade básica de qualquer elemento químico e anteriormente visto como um corpo sólido, na verdade compreendia unidades ainda bem menores. Max Planck (1858 – 1947), Albert Einstein e outros demonstraram que o fluxo, aparentemente contínuo, de energia do Sol, das estrelas e de outras fontes chega em unidades discretas, finitas, denominadas quantum de energia. Assim, a energia total passava a ser entendida como formada por um grande número dessas pequenas quantidades. Na física clássica entraram em cena um grande número de partículas transitórias e um elemento de indeterminação, fazendo com que seus fundamentos fossem revolvidos, nas duas primeiras décadas do século XX, pela teoria da relatividade. Como todas as teorias revolucionárias, a relatividade teve um ancestral venerável. Em 1632, em seu Diálogo referente aos dois principais sistemas de mundo, Galileu escrevera a respeito do movimento relativo, mostrando que as experiências físicas sobre corpos em movimento, feitas a bordo de um navio em uma cabina abaixo dos tombadilhos, não indicariam ao observador se o navio estava parado ou navegando a velocidade constante. O argumento de Galileu tinha a finalidade de responder a seus críticos sobre as leis da física e da Terra em movimento, mas não importava – o princípio estava lá.

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Descartes também analisou a questão, e Newton declarou que o movimento relativo de dois corpos em determinado espaço, seria o mesmo, quer o espaço estivesse em repouso ou em movimento uniforme em linha reta, embora, infelizmente, ele tenha obscurecido o assunto com suas concepções de movimento absoluto e tempo absoluto. Em certo sentido, naturalmente, parece que existem padrões absolutos; julga-se que alguma coisa está estacionária ou se move apenas por observação. No entanto, não se pode fazer uma determinação absoluta; se um corpo está parado em relação à Terra, não o está, certamente, em relação ao Sol. E o Sol não pode ser considerado como um corpo absolutamente fixo, pois como Willian Herschel (1792 – 1871) provou, o Sol está se movimentando no espaço em relação às estrelas, e essas estão todas em movimento. Parece, portanto, não haver lugar que possamos considerar como absolutamente em repouso, conclusão confirmada em 1889, depois de um estudo muito cuidadoso feito por Henri Poincaré. A análise de Poincaré teve profundas implicações porque, em sua época, as leis da física eram todas baseadas em observações feitas na Terra, que, por conveniência era tacitamente considerada em repouso. Entretanto, se em nenhum lugar se estivesse em repouso, essas leis precisariam ser reexaminadas; seriam elas válidas em um universo onde tudo estivesse em movimento relativo? Questões como essa foram motivo de dedicação, por muitos anos, de físicos e matemáticos. EINSTEINEINSTEINEINSTEINEINSTEIN (1879 - 1955)

Albert Einstein, nascido em Ulm, na Alemanha e com formação em física, trabalhava como examinador no departamento de patentes, em Berna, na Suíça, quando publicou seu primeiro artigo sobre relatividade. O texto apareceu em 1905 nos anais da física, sob o título Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento, e era um modelo de clareza, mostrando que tinha examinado a fundo o

problema e repensado a física básica nele envolvida.

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Isso levou Einstein a rejeitar qualquer espaço estacionário absoluto e a existência de um éter; levou-o também a formular novas equações, a partir das quais resultados de outros estudiosos se tornam uma conseqüência esperada; também concluiu que a velocidade da luz era a maior existente na natureza; nada poderia viajar mais depressa que ela. Conhecida mais tarde como a teoria da relatividade restrita (limitava-se a corpos em movimento relativo entre si, em velocidades uniformes), foi reconhecida imediatamente como de imensa importância, embora alguns físicos não a tenham aceito. Com isso Einstein conseguiu um cargo acadêmico em Berna e, depois, a cadeira de física em Zurique; em 1910 ele se transferiu para a cátedra de física em Praga. Einstein não se satisfez com sua teoria especial; começou a tratar da situação muito mais difícil em que os corpos estão em movimento relativo entre si, mas acelerado, isto é, nas condições gerais encontradas no mundo natural. Além disso, ainda em 1905, publicou outro texto nos anais da física – A inércia de um corpo depende de seu conteúdo de energia?

Foi nele que propôs sua famosa equação 2mcE = , fórmula que expressava a relação entre a energia (E) e a massa (m). A letra c representava a velocidade da luz; a fórmula significa que, se eliminarmos determinada massa, a energia emitida será enorme. A equação da energia que está na base da geração da força nuclear e, naturalmente, da bomba atômica; também tem importantes implicações em astronomia. O desenvolvimento da teoria geral da relatividade, que incorporaria o movimento acelerado, precisou de tempo; requeria uma matemática especial, o cálculo tensorial, e só em 1915 é que Einstein se viu em condições de publicá-la. Quando ela apareceu, ficou claro que ali estava outro grande passo no entendimento da natureza. Como a teoria lidava com movimento acelerado e a gravidade fazia os corpos caírem a uma velocidade acelerada, a relatividade geral era também uma teoria da gravidade. Provava que, embora a gravidade seja associada à massa do corpo, ela acontece porque o espaço fica distorcido pela presença de uma grande massa. Na verdade, pode-se dizer que é a distorção do espaço que ocasiona o que se chama de gravidade.

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A teoria de Newton estabelecia que a força de atração entre os corpos depende da distância entre eles, mas, na relatividade geral, essa distância é afetada pela presença da matéria. A distância não é a simples linha reta que normalmente se imagina, mas uma curva, pois em relatividade as equações atingem sua forma mais elegante e certamente a mais simples, quando o espaço considerado é não euclidiano e sim curvo, tal como sugerido no fim da década de 1850 por Riemann. A diferença é desprezível quando se trata de distâncias terrestres, mas é significativa para as distâncias astronômicas, como por exemplo, quando se considera as órbitas planetárias. Na verdade, uma das primeiras provas da validade da relatividade geral foi o fato de ela poder determinar com grande precisão a órbita do planeta Mercúrio, para a qual a gravitação de Newton deu um valor demasiadamente pequeno. A relatividade geral teve muitas outras conseqüências que foram verificadas através dos anos e confirmadas pela observação, por mais estranhas que algumas possam parecer. Assim verificou-se que o tempo não é absoluto; ele parece andar mais depressa para um observador que está olhando um corpo que viaja muito depressa em relação a ele, observador. Isso foi constatado no tempo de vida observado dos mésons e, sob outras maneiras, usando-se os modernos relógios atômicos de grande precisão. Corpos que se movem muito depressa em relação a um observador também parecem crescer em massa, como foi confirmado por medidas feitas em aceleradores de partículas, onde as partículas nucleares são aceleradas até velocidades que são uma fração apreciável da velocidade da luz. Pois aqui, como em todos os casos esses efeitos da relatividade só são notados quando as velocidades relativas envolvidas são realmente muito grandes. Talvez a mais espetacular, e certamente a mais significativa, das novidades da relatividade geral tenha sido a curvatura da luz das estrelas. Normalmente pensa-se na luz viajando em linha reta, mas, se o espaço é curvo, sua trajetória será uma curva – uma geodésia; mais particularmente, se a luz passa perto de um corpo maciço como o Sol, então o espaço será mais curvo e a luz irá viajar em um percurso que se vai desviar ainda mais da reta.

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Um eclipse total do Sol é uma ocasião ideal para se observar tal efeito, já que, quando a Lua passa em frente ao Sol e o obscurece completamente, as estrelas perto do Sol podem ser observadas. De acordo com a relatividade geral, tais feixes de luz estelar deviam ser defletidos pela presença do Sol. Em 1919 ocorreu um eclipse total em que esse aspecto da teoria pôde ser comprovado. E a teoria de Newton? A mecânica newtoniana continuou a existir após a teoria da relatividade porque é muito mais simples e desempenha perfeitamente o papel que lhe cabe em um domínio limitado. A idéia nova fixou talvez definitivamente, as fronteiras desse domínio. Uma das lições a ser aprendida com a história das realizações científicas é que nenhuma teoria sobrevive para sempre e que, muitas vezes, quando parecem solidificadas, novas observações e novas idéias a substituem por conceitos atualizados. Mas isso é parte da aventura que é a Ciência, parte da lenta conquista do enigma que é o mundo natural. O computador mudou tudoO computador mudou tudoO computador mudou tudoO computador mudou tudo A grande era dos computadores eletrônicos só começou depois da segunda guerra mundial; no entanto, os computadores tiveram a sua interessante pré-história, que remonta a Wilhelm Schickard, amigo de Kepler, Pascal e Leibniz. Em 1808, o tecelão Joseph-marie Jacquard, inventou um método para programar um tear mecânico com cartões perfurados. Essa idéia foi desenvolvida por Charles Babbage (1792 – 1871) através da sua máquina analítica em 1833. Babbage foi ajudado por Lady Ann Lovelace, filha de Byron. Essa máquina, que não chegou a ser concluída, continha muitas idéias básicas usadas em qualquer computador automático: podia acumular, fazer cálculos, dar à manivela e controlar. Mas, visto que as operações tinham de ser totalmente mecânicas, somente a eletrônica atual as pôde tornar práticas. Entre 1884 e 1890, Herman Hollerith, um estatístico norte americano que colaborou no recenseamento de 1890, desenvolveu um sistema de mecanismos que operavam sobre cartões perfurados, um para cada pessoa; cada posição dos furos representava uma

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condição – profissão, idade, etc. Em 1934, Konrad Zuse, da Alemanha, melhorou esse sistema, estudando as idéias de Leibniz sobre o uso do sistema binário. De forma independente, Vannevar Bush, no MIT (Massachusetts Institute of Technology), em colaboração com Norbert Wiener, construiu em 1939, um computador analógico para calcular certas integrais e para resolver alguns tipos de equações diferenciais. Em 1936, em Princeton, Alan M. Turing (1913 – 1954), um jovem inglês, definiu a máquina de Turing, um modelo abstrato de uma máquina lógica possível, construída mentalmente para resolver questões tais como o problema da decisão de Hilbert. Mais tarde, depois de 1945, em Manchester, na Inglaterra, Turing desenvolveu as idéias para construir computadores práticos. Claude E. Shannon, então no MIT, deu mais alguns passos em projetos em lógica a propósito da sua teoria da informação. A nova fase dos computadores operacionais começou com o Mark I, iniciado em 1937, em Harvard, por Howard H. Aiken, com o apoio da IBM (International Business Machines Corporation). A grande indústria começava a interessar-se, o Mark I tinha todos os benefícios, financeiros e da tecnologia, mas, embora tivesse dispositivos magnéticos, ainda era essencialmente mecânico. Os aperfeiçoamentos surgiram rapidamente; o Mark I (1945-47) realizava todas as operações aritméticas e de transferência através de relais eletromagnéticos. O primeiro computador eletrônico, o ENIAC, foi concluído na universidade de Pensilvânia, em Filadélfia, em 1946. Tudo isso era ainda trabalho de universidade, mas pouco tempo depois os computadores já foram utilizados com objetivos comerciais: a era dos computadores tinha começado.

Ensino e pesquisa em matemáticaEnsino e pesquisa em matemáticaEnsino e pesquisa em matemáticaEnsino e pesquisa em matemática O computador entrou na vida das pessoas sem pedir licença e é difícil encontrar um setor que não esteja informatizado por questão de comodidade ou pela concorrência. As escolas foram equipadas com micros e ficou cada vez mais comum a pesquisa, a apresentação de trabalhos e até aulas completas com a utilização da multimídia.

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A matemática que propiciou a grande revolução digital também mudou e deverá usufruir das facilidades conseguidas por todas as áreas. O ensino da matemática ganhou recursos que poderão facilitar bastante a vida do professor e dos alunos, principalmente. Resultados positivos se encontram a todo momento em todas os ramos do conhecimento. Com bilhões de bits de informação sendo processados cada segundo por computadores, e com mais de 200.000 teoremas de matemática do tipo tradicional e artesanal sendo demonstrados a cada ano, está claro que o mundo se encontra em uma idade do ouro da produção matemática. Essa produção que é grande tem crescido de forma exponencial mas, apesar dos progressos, há muitos problemas em aberto, inclusive da lista de Hilbert. Sempre que se procura a solução de um problema, surgem problemas novos e até novas áreas de pesquisa. A solução normalmente, é resultado cumulativo de muitos pesquisadores e, como regra geral, encontram-na mais de uma pessoa ao mesmo tempo, trabalhando de forma independente. Como foi mencionado no início deste texto a história da matemática poderá ser um guia importante para docentes ou pesquisadores da matemática e até de algumas áreas afins. ExercíciosExercíciosExercíciosExercícios

1. Descreva as idéias das três principais escolas de pensamento do século dezenove e início do século XX, quanto aos fundamentos da matemática, mencionando uma ou duas figuras importantes de cada uma. 2. Os matemáticos gregos antigos seriam classificados como formalistas, intuicionistas ou logicistas? Explique. 3. Quais dos números seguintes, são ao que se sabe, transcendentes:

( ) ( ) log3. 3

1 2 2 33 ,i,tg,ln,,,,,e,e, ieee π

πππ ππ Explique.

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REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBIBLIOGRÁFICASBIBLIOGRÁFICASBIBLIOGRÁFICAS

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Hermes Antonio Pedroso nasceu em Aramina, São Paulo, em 26 de fevereiro de 1953. Licenciou-se em Matemática pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara em 1975. Concluiu o mestrado em Matemática, em Teoria das Singularidades, no Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos –

USP, em 1980. É professor junto ao Departamento de Matemática da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Campus de São José do Rio Preto, desde 1978. Sua área de atuação em pesquisa, atualmente, é História da Matemática.