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Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS
Fernanda de Oliveira Sarreta
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros
SARRETA, FO. Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS [online]. So Paulo:
Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2009. 248 p. ISBN 978-85-7983-009-9. Available
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educao permanenteem sade para
os trabalhadoresdo sus
fernanda de oliveira sarreta
EDUCAOPERMANENTE EM
SADE PARA OSTRABALHADORES
DO SUS
FERNANDADE OLIVEIRA SARRETA
EDUCAOPERMANENTEEM
SADE PARA OSTRABALHADORES
DO SUS
2009 Editora UNESP
Direitos de publicao reservados :
Fundao Editora da UNESP (FEU)
Praa da S, 108
01001-900 So Paulo SP
Tel.: (0xx11) 3242-7171
Fax: (0xx11) 3242-7172
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feu@editora.unesp.br
CIP Brasil. Catalogao na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
S258e
Sarreta, Fernanda de Oliveira
Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS / Fernanda de Oliveira
Sarreta. - So Paulo: Cultura Acadmica, 2009.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7983-009-9
1. Pessoal da rea mdica - Treinamento - Brasil. 2. Educao permanente - Brasil.
3. Sistema nico de Sade (Brasil). 4. Poltica de sade - Brasil. 5. Poltica de educao
mdica - Brasil. I. Ttulo.
09-6055. CDD: 610.70981
CDU: 614.25(81)
Este livro publicado peloPrograma dePublicaes Digitais da Pr-ReitoriadePs-Graduaoda Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)
Editora afiliada:
Dedico,
aos meus pais, Oneida e Gilberto,
que nas atitudes mais simples me ensinaram o verdadeiro
valor da vida, das pessoas e do trabalho.
Principalmente, me ensinaram a construir e reconstruir.
Com amor, Fernanda.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha querida professora Iris, pela confiana e carinho em
nossa convivncia, que com sua sabedoria me ensinou a vencer desafios e a
construir sonhos.
Agradeo a minha famlia, pelo amor que compartilho, onde encontro
aconchego eaprendo o valor da unio diante dasnossasconquistase perdas.
Agradeoa todas aspessoasqueparticipamda minha vidaedeummodo
ou de outro contriburam para a realizao deste estudo. Foram essas rela
es, em que vivenciei afetos e atitudes, que me mostraram a importncia
das nossas aes para cuidar da sade e da doena, de maneira humanizada,
carinhos...
8 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
O Marceneiro e as Ferramentas
Contam que, em uma marcenaria, houve uma estranha assembleia.
Foi uma reunio onde as ferramentas juntaram-se para acertar suas dife
renas.
Um martelo estava exercendo a presidncia, mas os participantes
exigiram que ele renunciasse.
A causa? Fazia demasiado barulho e passava todo o tempo golpeando.
O martelo aceitou sua culpa, mas pediu que tambm fosse expulso o parafu
so, alegando que ele dava muitas voltas para conseguir algo.
Diante do ataque, o parafuso concordou, mas por sua vez pediu a expulsoda lixa. Disse que ela era muito spera no tratamento com os demais, entrando
sempre em atritos.
A lixa acatou, com a condio de que se expulsasse o metro, que sempre
media os outros segundo a sua medida, como se fosse o nico perfeito.
Nesse momento, entrou o marceneiro, juntou tudo e iniciou seu trabalho.
Utilizou o martelo, a lixa, o metro, o parafuso. E a rstica madeira se conver
teu em belos mveis.
Quando o marceneiro foi embora, as ferramentas voltaram discusso.
Mas o serrote adiantou-se e disse:
Senhores, ficou demonstrado que temos defeitos, mas o marceneiro trabalha
com nossas qualidades, ressaltando nossos pontos valiosos. Portanto, em vez de
pensar em nossas fraquezas, devemos nos concentrar em nossos pontos fortes.
Ento, a assembleia entendeu que o martelo era forte, o parafuso unia e
dava fora, a lixa era especial para limpar e afinar asperezas e o metro era
preciso e exato.
Sentiram-se como uma equipe, capaz de produzir com qualidade; e uma
grande alegria tomou conta de todos pela oportunidade de trabalharem juntos.
O mesmo ocorre com os seres humanos. Quando uma pessoa busca defeitos
em outra, a situao torna-se tensa e negativa.
Ao contrrio, quando se busca com sinceridade o ponto forte dos outros,
florescem as melhores conquistas humanas.
fcil encontrar defeitos... Qualquer um pode faz-lo.
Mas encontrar qualidades? Isto para os sbios!!!
Autor desconhecido
Abrasco
ABEPSS
AIS
CAP
Cebes
CFESS
CNRH
Conasems
Conass
Conasp
CNS
CNGTES
CRST
Deges
Degerts
DIR
DRS
EAD
ENSP
EPS
LISTA DE SIGLAS
Associao de Ps-Graduao em Sade Coletiva
Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Sade
Aes Integradas de Sade
Caixas de Aposentadorias e Penses
Centro Brasileiro de Estudos de Sade
Conselho Federal de Servio Social
Conferncia Nacional de Recursos Humanos
Conselho Nacional de Secretrios do Estado de So Paulo
Conselho Nacional de Secretrios Municipais do Estado
de So Paulo
Conselho Nacional de Administrao da Sade Previden
ciria
Conferncia Nacional de Sade
Conferncia Nacional de Gesto doTrabalho e da Educa
o na Sade
Centro de Referncia em Sade do Trabalho
Departamento de Gesto e da Educao na Sade
Departamento de Gesto e da Regulao do Trabalho em
Sade
Direo Regional de Sade
Departamento Regional de Sade
Educao a Distncia
Escola Nacional de Sade Pblica
Educao Permanente em Sade
10 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
Fapesp
FNEPAS
IAP
IBGE
Inamps
INPS
INSS
LOPS
LOS
NOB/RH
ONG
OMS
Opas
OS
SF
SGTES
Simpas
Suds
SUS
UAC
UNE
Unesp
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
Frum Nacional de Ensino das Profisses da Sade
Instituto de Aposentadorias e Penses
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia
Social
Instituto Nacional de Previdncia Social
Instituto Nacional de Seguro Social
Lei Orgnica da Previdncia Social
Lei Orgnica da Sade
Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos
Organizao No Governamental
Organizao Mundial da Sade
Organizao Pan-Americana da Sade
Organizao Social
Sade da Famlia
Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade
Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social
Sistema Unificado e Descentralizado em Sade
Sistema nico de Sade
Unidade de Avaliao e Controle
Unio Nacional dos Estudantes
Universidade Estadual Paulista
SUMRIO
Introduo 13
1 A construo da pesquisa 31
2 As ideias dos trabalhadores a respeito do SUS 69
3 As Polticas Pblicas de Sade 131
4 Perspectivas da Educao Permanente em Sade 169
Consideraes finais 223
Referncias bibliogrficas 235
Anexos 247
12 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
INTRODUO
O interesse pelo tema da pesquisa, o Sistema nico de Sade (SUS) e
a formao de seus trabalhadores, nasceu de inquietaes e necessidades
vivenciadas durante a vida profissional na prtica, na docncia e na pes
quisa, fruto das relaes de trabalho e das experincias construdas na rea
da sade pblica. A atividade profissional da pesquisadora, desenvolvida
nas unidades de sade do municpio de Franca/SP, leva a testemunhar na
prtica diria que, o saber fazer no corresponde ao saber saber, ou seja,
com o conhecimento acumulado pela rea da sade. Este estado de coisas
torna-se ainda mais lamentvel quando [...] se busca um outro tipo de
avano do saber, o saber ser, que se expressa por atitudes de solidarieda
de, civilidade, compartilhamento, responsabilidade e tica (Brasil, 2003c,
p.84).So essas preocupaes vivenciadas no cotidiano de trabalho, tanto
quanto os conflitos e outros problemas que a emergem, que exigem an
lises, debates e propostas, motivam a busca de conhecimentos e de res
postas para problemas que impedem a qualidade de vida e da sade da
populao. Essa ideia subsidia o pensar e o agir profissional com rigor
cientfico e tambm insere a importncia da pesquisa nesse universo. A
escolha deste tema, portanto, faz parte da construo pessoal e profissio
nal da pesquisadora, aprofundada quando a Educao Permanente em
Sade (EPS) foi regulamentada como estratgia poltico-pedaggica para
fortalecimento e implementao do SUS. a oportunidade de se contar
com a contribuio da pesquisa para ampliar o conhecimento a respeito
do SUS e desvendar seus avanos, limites e contradies.
14 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
Deste modo, realizado a partir de falas, documentos e observao, este
estudo tem como objetivo conhecer, analisar e explicar experincias que
potencializam a educao permanente em sade como estratgia para a for
mao dos trabalhadores da sade e consolidao do SUS na locorregio de
Franca/SP.
Decidiu-se, ento, analisar essa realidade enfocando um dos atores do
SUS, os trabalhadores da sade, sem desconsiderar a importncia dosusu
rios, gestores e formadores para a compreenso do processo em pauta. O
interesse imediato nos trabalhadores da sade deve-se necessidade senti
da, durante vrios anos, de buscar respostas para o que se observa no coti
diano dos servios do SUS: uma formao fragmentada e distante do perfil
profissional para o trabalho na sade pblica.
Parte-seda ideia dequeaeducaopodecontribuir paraosproblemasde
sade que envolvem o acesso, a qualidade do atendimento prestado e a
resolutividade, os quais comprometem o modelo de ateno proposto e sua
legitimidade. H um desencantamento, um descrdito da sociedade brasi
leira quanto viabilidade dessa poltica pblica, provocado provavelmente
pelas situaes apresentadas nos servios, tais como a implementao das
aes e servios deforma heterognea e desigual nas regies do Pas, o baixo
financiamento, a falta deresolutividadedaredeeo enfoquenomodelocura
tivo, a ateno centrada na doena, a qualidade do atendimento oferecido,
entre outras questes que envolvem a gesto dos servios.
Busca-se, assim, explicar como a educao pode contribuir com esses
problemas e provocar transformaes nessa compreenso passiva da polti
ca pblica. Portanto, esta igualmente uma questo cultural, poltica e de
educaoa serenfrentada pelaformaoprofissional epensada luzdaedu
cao em sade, para desvendar o que existe por trs dessa atitude quedes
valoriza o que pblico e julga como bom o que oferecido no mercado.
Uma educao que possa desconstruir valores e preconceitos construdos,
historicamente, para superar a lgica do capital e reconstruir novos concei
tos e posturas, inclusive a respeito dovalor peloprprio trabalho (Mszros,
2005).
Como caminhos possveis, o Ministrio da Sade tem desenvolvido es
tratgiasemtodosdearticulao deaes, saberese prticas parapotencia
lizar a ateno integral, resolutiva e humanizada. Dentre as polticas emde
senvolvimento, a Poltica deEducao PermanenteemSade foi arquitetada
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 15
como estratgia para a Formao e o Desenvolvimento dos Trabalhadores
do Setor.1 Essa Poltica que reafirma os princpios democrticos do SUS e
atravessa suas diferentes aes e instncias foi criada para implementar a
ateno integral e consolidar o modelo de ateno proposto pelo SUS a par
tir de experincias e possibilidades concretas, comreferncia nas caracters
ticas locais e regionais, e ainda valoriza o desenvolvimento da autonomia e o
protagonismo dos sujeitos envolvidos nos processos de produo da sade.
A explorao desse tema levou a questionar se possvel modificar a
ao dos trabalhadores na sade, fazendo com que a formao profissional
provoque o desenvolvimento da crtica e autocrtica e a reflexo do mundo
do trabalho, o qual reproduz a dominao nas relaes sociais. Do mesmo
modo, poder-se-ia observar se a educao como instrumento de transfor
mao, nesse processo, pode ampliar o conhecimento e os saberes existen
tes e desenvolver uma postura ativa que transforme a ao desses sujeitos.
Portanto, essa formao deve ser permanente, uma vez que os sujeitos es
to, permanentemente reinterpretando, redefinindo novos sentidos emo
dificando comportamentos.
Assim, a pesquisa prope-se a desvendar algumas particularidades do
processo de construo doSUS brasileiro esua vivncia pelos atores sociais2
na implementao da Poltica de EPS,3 tendo como referncia emprica a
locorregio de Franca/SP. Mais especificamente, a pesquisa estruturou-se
pelo resgate histrico da experincia inovadora de implementao dessa
Poltica, comumareflexo crtica sobre esseseumovimento ea participao
dos atores sociais na conduo desse processo pormeio dosPolos deEduca
o Permanente em Sade.4
1 Portaria no 198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Poltica Nacional de Educa
o Permanente em Sade como estratgia do Sistema nico de Sade para a formao e odesenvolvimento de trabalhadores para o setor, d outras providncias e estabelece critriospara repasse de recursos financeiros para os Projetos dos Polos.2 Sujeitos ou atores sociais so os indivduos (usurios, profissionais, gestores etc.) ou coleti
vos (instituies, rgos, comunidades, equipes de trabalho etc.) que participam, de formaorganizada, dos processos de gesto, interferindo tcnica, poltica ou eticamente no planejamento e/ou monitoramento da sade pblica (Brasil, 2004c, p.16).3 No texto ser adotado o termo Poltica de EPS, referindo-se Poltica de Educao Perma
nente em Sade.4 Polo de Educao Permanenteem Sade, daqui para frente citado apenascomo Polo ou Polo
doSUS,ambasas formasutilizadas regularmente pelos seus participantes para referir ereco
nhecer esse espao.
16 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
Para compreender a complexidade do processo de implementao da
educaopermanenteemsadenoespao delimitadodalocorregiodeFran
ca, respalda-se na pesquisa qualitativa. Isto porque, para Minayo (1994,
p.21), elaque[...] trabalhacomo universodesignificados,motivos, aspi
raes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde aumespao maispro
fundo das relaes, dos processos edos fenmenosquenopodemser reduzidos operacionalizao de variveis. As condies concretas para a
efetivao dos princpios e diretrizes universalizantes de sade geram um
considervel impacto no cotidiano dos servios prestados populao.
Como se afirmou anteriormente, para explanar o significado real dessa
poltica e as estratgias para sua materializao nos recortes espaciais deste
estudo, torna-se necessrio, aps levantamento bibliogrfico, documental e
observaoemcampo, adotaraabordagem qualitativa,ecomela a tcnicade
construo de dados a partir de entrevistas semiestruturadas,5 baseadas em
umroteiro indicativo dos aspectos necessrios para uma anlise posterior.
Na organizao dos dados empricos, priorizou-se o uso da tcnica de
anlisedecontedo, a qual, segundo Minayo (2004), aparececomoumcon
junto de tcnicas6 que utilizam procedimentos sistemticos e objetivos de
descries de contedo das mensagens, o que possibilita descobrir os siste
mas de relaes, as regras de encadeamento e de associaes nas falas dos
sujeitos. A partir da anlise do real pensado, o procedimento terico meto
dolgico adotadopossibilitoua assimilao doscontedossignificativos das
falas. Assim que a apropriao do real deu-se por meio dos depoimentos
obtidos que acentuavam aspectos entendidos como eixos temticos conver
gentes para grandes categorias de anlise, quais sejam: a participao, as
possibilidades de transformao da realidade, a conscincia crtica e a alie
nao dos vrios sujeitos envolvidos. Somente aps a coleta de informaes
5 A entrevista semiestruturada define-se, segundo Trivios (1987), como aquela que parte decertos questionamentos bsicos, sustentados e informados por teorias e pressupostos queinteressam ao objeto de estudo e oferecem novos questionamentos, frutos de novos pressu
postos que podem emergir a partir das prprias entrevistas.6 Seguindo metodologia exposta por Minayo (2004), a anlise de contedo contemplou as se
guintes etapas: pr-anlise: quando as ideias iniciais so sistematizadas; define um plano deanlise mediante material coletado na pesquisa de campo; explorao do material: definiodas modalidades temticas pelo processo de codificao das entrevistas; tratamento dos re
sultados, inferncia e interpretao.
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 17
obtidas no trabalho de campo que as categorias de anlise foram estabele
cidas, analisadas e interpretadas conforme recomendao do instrumental
(Minayo, 2004).
O procedimento investigativo teve incio em novembro de 2005 e com
preendeuumintenso trabalho decampo, umavezqueabrangeu 22munic
pios definido como a locorregio de Franca/SP, com uma populao de
657.344 habitantes (IBGE, 2006). Importa esclarecer que o municpio de
Franca sede do Departamento Regional de SadeVIII (DRS), rgo responsvel pela 14a Regio Administrativa da Secretaria do Estado da Sade
de So Paulo e por coordenar as atividades no mbito regional e municipal e
promover a articulao intersetorial com os municpios e organismos da so
ciedade civil.
Desse contedo, foram organizados os captulos da pesquisa nos quais
est condensada a problematizao apresentada. O primeiro captulo apre
senta a construo da pesquisa e o cenrio da locorregio, onde o Servio
Social tem contribudo para o desenvolvimento do SUS e suas polticas. A
atuao profissional na sade, movida pela perspectiva de defesa e amplia
o dos direitos da populao brasileira, mostra o compromisso tico e pol
tico e mobiliza para a lutaemdefesa da sade universal e integral, comdire
o emancipatria e respeito para conhecer as reais condies de vida da
populao e buscar formas de intervir contra as injustias sociais (Sarreta,
2008).
Assim, a ideia da pesquisa foi dimensionada durante a vivncia da pes
quisadora7 no processo deimplementao da Poltica deEPS eda participa
o no Polo da locorregio, o que aumentou o interesseemconhecere anali
sar as estratgias de trabalho adotadas para o desenvolvimento pleno das
polticas pblicas e seus resultados correspondentes. O estudo do tema re
vela, portanto, a importncia da compreenso da sade no interiordomovi
mento mais amplo de produo e reproduo das relaes capitalistas e das
contradies que as constituem, e sua vinculao com as novas relaes en
7 A participao da pesquisadora deu-se como representante dos trabalhadores da sade noPolode EPSdo Nordeste Paulistaduranteoanode2003,pormeiode indicaodo SecretrioMunicipaldeSadedeFranca. E,posteriormente, pormeio de seleo pblicarealizada peloMinistrio da Sade ENSP/Fiocruz, como tutora do curso de Formao dos Facilitadoresde Educao Permanente em Sade e representando a locorregio na operacionalizao e de
senvolvimento das aes durante os anos de 2004 e 2005.
18 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
tre Estado e sociedade. Aomesmo tempo, refora a necessidade deentendi
mento da forma como os sujeitos vm vivenciando e interpretando asexpe
rincias na sade e quais suas particularidades.
H tambm a percepo, s vezes desanimadora, da extenso do Pas e
suasdiversidades locais e regionais, fazendo parecer quedificilmenteo SUS
ser, efetivamente, implantado.Alocalizao deFranca/SP, no noroeste do
Estado de So Paulo, uma cidade mediana que temuma rede de sadeapa
rentementesuficiente para suas necessidades eda regio, teoricamentepos
sibilitariaumnveldeorganizao social favorvel paraaintroduodeaes
de sade que atendessem maioria da populao. Por que no est dando
certo explicado, no senso comum, como uma fase inicial de implementa
o, levando-se em considerao que o SUS completou vinte anos, tempo
demais para quem dele precisa, tempo de menos para imprimir uma mu
dana de direo social to radical.
Ainda que os meios de comunicao permitam, atualmente, um livre e
mais amplo acesso a todas as informaes sobre os mais variados assuntos,
isso nem sempre se concretiza em todos os seus matizes. Neste caso, pen
sandonalocorregiodeFranca, prejudicada pela localizao geogrfica, visto
que est fora dos eixos tradicionais de poder no Pas. Por isso, sente-se, al
gumas vezes, que faltam maiores informaes enquanto pesquisadora, longe das fontes atualizadas de construo do conhecimento e elaborao das
linhas diretrizes de aplicao das polticas pblicas.
Esse aspecto torna relevante a ideia de compreender e explicar como o
SUS est sendo construdo e resolvido no interior do Pas. So ponderaes
realizadas nos espaos acadmicos e coletivos nascidas de inquietaescom
aefetivao dos princpiose diretrizes destergo pblico edesuas polticas
(Sarreta&Bertani, 2005). Compreende-seaindaquenesses espaos so for
talecidas as propostas que envolvem o entendimento do direito universal
sade e o direcionamento do SUS, nos municpios e regies e seus rgos
representativos.
Essas demandas atingem a todos os atores do SUS usurios, trabalha
dores, gestores e formadores, uma vez que a pesquisa em sade precisa res
ponder tambm a questes que os gestores necessitam saber, e pontos obs
curos precisam ser superados, tornados visveis pela luz do conhecimento
cientfico. Ajustam-se, assim, as propostas do projeto de pesquisa s ques
tes da gesto municipal e regional do SUS. Os resultados buscados tm a
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 19
finalidade de proporcionar clareza s questes formuladas, tornando expl
citos os encaminhamentos e interaes com os gestores da regio em pauta.
No segundo captulo, procura-se mostrar que a Poltica de Educao
PermanenteemSadefruto deumaluta coletiva na rea dasadeparaque
aformao dostrabalhadores torneuma poltica pblica eumcompromisso
do Estado brasileiro, no sentido de contribuir para transformar o modelo de
ateno e consolidar o SUS.Aconquista da Poltica deEPS, portanto, fru
to da ReformaSanitria edeseus princpiose diretrizes parao fortalecimen
to da gesto participativa e da responsabilidade compartilhada em sade.
No contexto histrico da Reforma Sanitria brasileira, o aprofundamen
to da democracia e da justia, por meio de transformaes contra as desi
gualdadeseinjustias, foi se desenvolvendoumnovoconceitodesadecomo
direito universal, em que todos os indivduos so iguais perante essa neces
sidade bsica. As lutas polticas durante as dcadas de 1970 e 1980acompa
nham o processo de democratizao no Pas e a defesa dos direitos sociais e
contribuempara a construo deumnovoparadigma na sade, envolvendo
a participao da populao e o reconhecimento dos cidadoscomo sujeitos
de direitos.
Asproposiesda ReformaSanitria brasileiracompreendemasrespon
sabilidades do Estado e da prpria sociedade na garantia do direito sade,
e questionam o direcionamento do sistema capitalista dado sade como
mercadoria, a qual deve ser vista como [...] garantia de vida, rompendo o
modelo que restringe a sade ao diagnstico das doenas, e a especialistas,
exigindo assim, [...] mudana nas relaes de poder, implicando em umadimenso que politiza tanto o diagnstico como as aes de sade,
repolitizando, assim, criticamente as polticas (Brasil, 2006a, p.19). Por
tanto, a referncia analtica fundamental deste estudo o conceito de sadeadotado pela 8a Conferncia Nacional de Sade (CNS)em1986, comocon
dio de vida e de trabalho da populao, resultado de determinaes hist
rico-estruturaise conjunturaisda nao, queenvolve ascondiesde acesso
alimentao, educao, ao trabalho, renda, habitao e outras necessi
dades essenciais ao desenvolvimento humano.
Asadeumdireitoqueseestruturanoapenascomoreconhecimentoda
sobrevivncia individual e coletiva, implica condies de vida articuladas
biolgica, cultural, social, psicolgica eambientalmente, conformeadefini
odaOrganizaoMundialdeSade(Brasil, 2006a, p.18).Odireito sade
20 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
significa o reconhecimento de quetodos oscidadostmas garantiasuniver
sais dela, portanto, umdireito que se afirma enquanto poltica pblica.
certo que as definies de sade vm modificando-se ao longo dos l
timosanos. Seu reconhecimentocomobemcoletivo e direito configurauma
conquista da humanidade construda
num processo de embates de concepes e de presses dos movimentos sociais
por estabelecerem uma ruptura com as desigualdades e as iniquidades das rela
es sociais, numa perspectiva emancipatria, levando-se em conta, evidente
mente, as diferentes culturas e formasdecuidadodo ser humano (Brasil, 2006a,
p.18).
Os movimentos sociais que precederam a constituio democrtica de
1988 na rea da sade apontavam uma nova configurao para a questo da
sadeda populao, vista coletiva e individualmentee sobre a qual os sujei
tos envolvidos participam etomam deciso. Desse modo, o direito sade
assegurado pela Constituio Federal, que, pela primeira vez na histria do
Pas, ao tratar da questo deforma abrangente, consideracomo [...] direito
de todos e dever do Estado garantido mediante polticas sociais e econmi
cas que visem reduo do risco de doena e outros agravos e o acesso uni
versal e igualitrio s aese servios para sua promoo, proteo e recupe
rao (Brasil, 1988, p.23).
A partir da criao e regulamentao do SUS, ficou estabelecido, como
objetivodo Estado brasileiro, erradicar apobreza eformular polticas pbli
cas para minimizar as desigualdades sociais que interferem na sade. Con
siderando essaconcepodesade, portanto, torna-senecessrio pensaruma
formao de trabalhadores em sade inspirada no paradigma da promoo
da sade, que aponta para a interdisciplinaridade e intersetorialidade. As
sim, a pesquisa abrange o conceito de sade como direito humano do cida
do e dever do Estado, e a importncia de no fragmentar a discusso da
sade considerando seu carter histrico e social.
Nessa perspectiva, a pesquisa adota tambm a ideia de que os trabalha
dores da sade no so um recurso do SUS, ou seja, um recurso adicional
quesomadoaosfinanceiros, tecnolgicose materiais resulta na produo da
assistncia e do cuidado. Reconheceo debate quevemsendo realizado pelosatores sociais da sade e que na 2a Conferncia Nacional de Recursos Hu
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 21
manospara aSade (Brasil, 1993, p.25) a expresso recursos humanostor
nou-se politicamente incorreta e passou a ser substituda por gesto do
trabalho.
Essa discussovemsendo aprofundadanosespaos coletivosdo SUS, ea
expresso deixou de ser empregada, porquehouve a compreenso dequeos
trabalhadores so atores-sujeitos da sade (OMS, 2007). Nas palavras do
secretrio de Gesto doTrabalho e da Educao em Sade do Ministrio da
Sade, [...] os trabalhadores da sade no so um insumo adicional que se
agrega aos recursos financeiros, tecnolgicos e de infraestrutura para pro
duzir servios: so os prprios servios de sade (Campos, 2006, p.10).
Oterceiro captulomostraque,emboraaconsolidao doSUSesuaavan
ada proposta de reforar a participao da sociedade e a descentralizao
dos servios apresente-secomoumnovocaminho para construir-sea sade,
observa-se que as formas de encaminhar as questes no cotidiano reprodu
zemomodelodeateno curativa e as prticas centralizadoras e autoritrias,
historicamente predominantes nas polticas de sade do Pas. Outro aspec
to,tambmanalisado, relaciona-se ao fato dequeessa aprimeiraoportuni
dade de formao dos trabalhadores da sade pela tica da educao perma
nente em sade que se tornou uma poltica pblica, associada satisfao
sentida na expectativa positiva e at no contentamento, principalmente dos
trabalhadores da sade, pela possibilidade de receberem informaes que
respondessem s necessidades vivenciadas na prtica, conforme mostram
Bertani et al. (2008).
Sabe-sequeesse aspectono constitui, propriamente,umanovidade, pois
desde a criao e os primeiros esforos de implementao do SUS, h o im
perativo de formao de recursos humanos para a sade, na execuo dos
novos paradigmas apontados. Essa necessidade tem sido constantemente
apontada nos espaos coletivos de debates como conferncias, congressos e
seminrios, de onde se dirigem moes aos rgos pblicos de sade para
adequarem o atendimento e a qualidade dos servios prestados.
Nohouve,comoseassinalou,umapoltica pblica voltadaa essa orienta
o nesselongoperodo anterior; apenasa prticadeincentivos inconsisten
tes para cursos espordicos de aperfeioamento e treinamento profissional,
que no refletiam ascondiesemque se produz a prtica, as dificuldades e
nem as necessidades apontadas pelas novas diretrizes estabelecidas. Deste
modo, a transformao de projetos e programas dispersos de capacitao,
22 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
emPoltica de EPS para nortear o desenvolvimento do SUS obteveumpro
gresso significativo nessa direo (Sarreta & Bertani, 2006).
A participao da pesquisadora na construo desse processo na
locorregiodeFrancaevidenciouque,mesmoconsiderandoa orientaopara
o levantamento coletivodos eixos prioritriosdeformao,o aspectodapar
ticipao como instrumento do processo educativo no se deu facilmente
desde sua primeira colocao, e nem ao menos era notada nas reunies do
Polo. O que se observa na implementao das polticas pblicas so as pr
ticas centralizadoras e a excluso dos sujeitos.
Ainda ponderando que o processo educacional e demudana comporta
mental demandatempo e energia, percebeu-se na implementao da Polti
ca de EPS que a todo esforo e verbas empenhadas, dois aspectos iniciais
persistiram durante o processo: de um lado, como j observado anterior
mente, a satisfao dostrabalhadoresda sadeemseremchamadosarevere
discutir a questo desta rea emsua locorregio. De outro lado, porm, no
foi possvel verificar a ampliao dos nveis de participao nem destes tra
balhadoresnemda populao nas decises que envolvem a sade de suaco
munidadeounasde controle da aplicao adequada das verbas destinadas a
seu municpio.
Portanto, as reflexes realizadas pela pesquisadora apontam os limites
das iniciativas pblicas voltadas implementao definitiva do conceito
ampliado desade, ainda nobemelaborado e compreendido pelos sujeitos
envolvidos nessa rea e pela sociedade em geral. Sobretudo, esse esforo de
ruptura e superao do modelo curativo no se realiza de forma simplista,
representa em si uma quebra dos paradigmas tradicionais da sade.
Diantedessasconstataesconceituaisprimriaseobservaesempricas,
verifica-se que ainda no h o conhecimento apropriado do que se constitui
o SUS. O aspecto mais preocupante, observado no cotidiano, o prprio
desencantamento dos trabalhadores da sade, fazendo parecer que essa po
ltica pblica invivel para a sociedade atual. Isto leva a refletir se ostraba
lhadores da sade acreditam nos princpios democrticos e participativos
do SUS e, tambm, que motivos os levam a no acreditar no prprio poten
cial de transformao.
Esse aspecto, do desencantamento como prprio trabalho, pode ter sido
influenciado pela desvalorizao queostrabalhadoresvmsofrendo aolon
go dos anos, no interior dos servios, notada nas condies precrias de tra
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 23
balho, nos salrios e cargas horrias diferenciados, nas interferncias polti
co-partidrias, entreoutrasquestesqueapesquisa buscardesvendar.Ain
da nessa reflexo, h uma ideia construda socialmente de queo SUS para
pobre, e que o atendimento pblico no precisa de qualidade, o que leva a
pensar que apenas com a crtica permanente, desvendando o processo de
dominao das relaes sociais e os mecanismos criados, acompanhando o
movimento da sociedade, ser possvel desvendar essas ideias e conceitos
construdos historicamente no capitalismo.
A Poltica de EPS aponta o fortalecimento da gesto participativa e da
responsabilidade compartilhada, com dispositivos que ampliem os espaos
para o exerccio do dilogo, integrao, participao, troca de experincias e
deconhecimentosea buscaderespostas e soluescoletivasparaproblemas
queimpedema ateno integral ede qualidade.Aomesmo tempo, estimula
a formao e o desenvolvimento de profissionais queatendam s necessida
des dos servios pblicos, a partir de interesses e prioridades identificados
pelos prprios sujeitos envolvidos na sade.
Acriao desses espaos democrticos dentro doSUS, os Polos instn
cias interinstitucionais e locorregionais ou rodas de gesto para conduo
colegiada da poltica nas diversas regies do Pas e com uma composio
embasada no quadriltero do SUS, demonstrou o poder de organizao dos
atores sociais da sade.Oquadriltero, na compreenso da poltica, confi
gurado por gestores municipais e estaduais, formadores de instituies com
curso para os trabalhadores da sade, servios de sade representados pelos
trabalhadores da rea e pelo controle social ou movimentos sociais de parti
cipao no SUS (Brasil, 2004a). Desse modo, no quarto captulo, a anlise
est centrada na construo desse processo na locorregio de Franca.
Destaca-se que a Poltica de EPS teve a ousadia de propor uma ao
intersetorial articulada para construir um diagnstico locorregional, com a
participao dos atores sociais na corresponsabilidade de identificar as ne
cessidadese definir as prioridadesdeformaodostrabalhadoresdasadea
partir das necessidades de sade. Mas por que a Educao Permanente em
Sade? Deacordo coma conceituao, a EPS uma ao pedaggica adota
da para enfocar o cotidiano do trabalhoemsade, realiza a agregao entre
aprendizado, reflexo crtica sobre o trabalho e resolutividade da clnica e
da promoodasade coletiva (Brasil, 2004a, p.2).Umprocesso queleva
reflexo e autoanlise do trabalho.
24 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
Ceccim(2005a, p.161) esclarece quecomo vertentepedaggica aedu
cao permanente ganhou estatuto de poltica pblica na rea da sade pela
difuso da Organizao Pan-Americana de Sade (Opas) para alcanar o
desenvolvimento dossistemasdesadenaregio: [...] os serviosso orga
nizaes complexas em que somente a aprendizagem significativa ser ca
paz de adeso dos trabalhadores nos processos de mudanas no cotidiano.
Asadetem, assim, o desafio deincorporaro processo educativo ao cotidia
no de trabalho.
Dessaperspectiva, a educao permanenteestimulaa reflexonomundo
do trabalho e pode contribuir para melhorar a qualidade da assistncia, in
corporando nas aes desadeosprincpios e valores doSUS da integrali
dade da ateno, da humanizao do cuidado e do reconhecimento da auto
nomia e dos direitos dos usurios dos servios de sade.Aconstruo desse
aprendizado necessria paraumnovo mododefazer sade. Assim, oobje
to de investigao da pesquisa a implementao da Poltica de Educao
Permanente aos trabalhadores da sade.
Importa ainda esclarecer que a Poltica de EPS apresenta o conceito de
locorregio para referir a umnovomodo de construir sade, comoumlugar
aberto que considera as necessidades e as demandas dos servios de sade
locais e regionais e a participao efetiva dos atores sociais, para disseminar
a capacidadepedaggica na rededo SUSe descentralizara gesto dessepro
cesso comconfigurao locorregional. Assim, a locorregio maior queum
municpio, mas menor que um Estado, podendo incidir em territrios de
interesses comuns, cumprindo um papel de ativao de processos solidrios, um sistema de servios capaz de acolhimento, responsabilidades,
resolutividade, sem nenhum suposto hierrquico entre os vrios atores so
ciais e rgos federados. O territrio constri a ideia de responsabilidade
sanitria.
Essenovomododeconstruir sadenalocorregio, orientadoporCeccim
(2005a, p.174), abrange a noo de territrio que no fsico ou geogrfi
co, o da sade eo do trabalho, umprocesso para a construo da inte
gralidade, da humanizao e da qualidade da ateno e gesto [...], e de
afirmao da vida pelo desenvolvimento dos usurios e da populao em
matria de sade. Ou seja, um lugar aberto com capacidade de construir
umapedagogia no cotidiano dos servios; por isso acomposio mltipla do
Polo to importante, para ativar o [...] aprender aaprender: experimenta
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 25
o e compartilhamento de problematizaes e prticas de pensamento em
ato (Ceccim, 2005a, p.175).
Umaquesto queseobservoudesde os contatos iniciais para a realizao
da pesquisa foi a comprovao de que essa foi a primeira oportunidade em
que a formao pela tica da educao permanenteemsadetornou-se uma
poltica pblica, visto que exige alteraes na mudana da mentalidade da
prestaodeatendimentocomqualidadeparao direitodo usurioqua
lidade em sade. Acredita-se que as dificuldades de aplicao dos princ
pios e diretrizes do SUS so consequncias no s da falta de compromisso
polticodos gestores, dainabilidadeedo poucocontrolesocial efetivo,como
tambm de descontinuidades dos processos motivacionais e educacionais
sofridos por longo perodo pelos trabalhadores da sade, notadamente da
ateno primria.
Surgiu, ento,a ideiadeque, talvez, tambmacontecesseo inverso, eque
os centros de decises polticas no tivessem a informao de como o SUS
est sendo resolvido no interior do Estado de So Paulo noque tange reor
ganizao das atuais estratgias de operacionalizao e na implementao
da Poltica de EPS.Visando garantir a realizao dessa poltica nos munic
pios, foram criados os Polos do SUS, como objetivo de desenvolver estrat
gias de formao em sade para a construo de um conhecimento signifi
cativo e crtico do trabalhador da sade, ator prioritrio na formao da
locorregio (Brasil, 2005a).
Aimplementao do Polo esua avanadaproposta dereforar aregiona
lizao e descentralizao das aes e decises de sade pareciam abrir ca
minho para se repensar novas formas de compromisso como SUS comoum
todo. Ampliavam-se de novo as racionalidades emanantes da concepo de
sade, vinculando-a por sua intersetorialidade formao dos trabalhado
res da sade. Foi quando seacreditou ser possvel e importante realizar uma
investigao cientfica sobre a implementao da Poltica de Educao Per
manente em Sade na locorregio de Franca. Foram essas questes quetor
naram o aporte terico e investigativo, bem como as medidas para a imple
mentao definitiva do Sistema nico de Sade na locorregio, tema de
interesse da atual pesquisa.
Durante o encaminhamento dessa pesquisa, foi progressivamente agru
pando-se a necessidade de esclarecimentos. Como a educao permanente
emsade pode ser potencializada? Qual a possibilidade de aproveitar asex
26 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
perincias e saberes dos atores sociais envolvidos na sade? Qual a inteli
gncia que est faltando para que a formao dos trabalhadores da sade
atenda s necessidades dos servios pblicos? E, por fim, os trabalhadores
acreditam no potencial de transformao? Envidaram-se esforos nessa di
reo, na busca de respostas que pareceram pertinentes como forma de en
caminharosresultados para a populao usuria, gestores, trabalhadoresda
sadee comunidade acadmicaem geral. Esse estudo deparou-secoma falta de documentao das atividades desenvolvidas pelo Polo de EPS da
locorregio e ausnciadeumsistemademonitoramento eavaliao das aes
propostas e/ou desenvolvidas.
Constatou-se que, durante o processo de implementao da Poltica na
locorregio e no desenvolvimento das aes deEPS junto aos trabalhadores
dasade, reproduziu-seomodelo deateno curativaedegesto centraliza
dora e autoritria, pela falta decompreensodoque aeducaopermanen
te em sade e dos princpios que norteiam a prpria poltica e o SUS.Tam
bmno era do conhecimento dossujeitos envolvidosnemdomontantedos
recursos empenhados pelo Ministrio da Sade as prioridades de aplicaoouqualqueroutrainformaosobreos aspectos financeirosda implementa
o da Poltica. Por esse motivo, essa informao no consta do corpo da
explicao da realidade de sade em Franca e sua locorregio (Bertani et al.
2008).
Explicar como se d esse processo na locorregio de Franca e prestar co
laborao por meio de propostas embasadas cientificamente a motivao
do trabalho, na transformao da realidade social. Prope-se ainda a forne
cer subsdios para a consolidao das diretrizes pressupostas pelo SUS eum
acrscimo de elementos para melhor estruturar as aes de formao na es
tratgia deeducao permanenteemsadeoudo aprendera construir sa
de, um desafio para os atores da sade, como debatido por Bertani et al.
(2008).
Acredita-se que a contribuio da pesquisa d-se tambm na relevncia
dos resultados que uma iniciativa de investigao cientfica interinstitucio
nal voltada para a melhoria de condies de sade da prpria comunidade
pode significar, bem como que essas iniciativas fortalecem a intersetoriali
dade em sade, superando a fragmentao das polticas que se revelam na
universidade, nos servios e na gesto, articulando os diferentes setores da
sociedade (local e regional) na resoluo de problemas.
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 27
Foram essas reflexes que tornaram o aporte terico e investigativo,
bemcomo as medidas para a implementao definitiva doSUS na locorre
gio, as quais se tornaram inquietaes da atual pesquisa. So pondera
esquesetmaprofundado nosespaosacadmicose coletivos,preocupa
dos com a efetivao dos princpios e das diretrizes desse rgo pblico e
de suas polticas (Sarreta & Bertani, 2006). Compreende-se ainda que,
nesses espaos, so fortalecidas as propostas que envolvemo entendimen
to do direito universal sade e o direcionamento do SUS e seus rgos
representativos. O SUS tem claramente dois caminhos: o da privatizaoou da implementao efetiva, uma questo para ser debatida e analisada
profundamente.
Ao enfocar-se a ampliao da responsabilidade coma incluso das aes
de formao dos trabalhadores da sade, pode-se dizer que, apesar dos de
sencantamentos, o SUS ainda se move (Campos, 2007b, p.302) e exige
novas formas de se pensar e praticar democracia. Da universidade, deman
da a capacidade derepensar as velhasformasdefazer sade, apesardosobs
tculos, eo reforo das vantagens ao instar novos significadospara a vida da
populao. No h soluo possvel para a sade de todos os brasileiros que
no passe pelas novas propostas de reviso do modo de fazer sade.
Uma focalizao prioritria na ateno primria e na preveno e na
formao dos trabalhadores da sade o nico caminho para conseguir-se
implementar os ideais deuniversalizao, participao comunitria eaten
dimento integral. O aporte terico leva incisivamente a confirmar a ne
cessidade dos novos arranjos para a sobrevida do SUS e as aes que o en
volvem. Desse modo, concentra-se a ateno na temtica da educao de
incluso e de cidadania.
Percebe-se, portanto, que o entendimento do SUS costuma, frequente
mente, estar ligado s condies de custo-benefcio na aplicao de recur
sos, esquecendo-sesituaescomunitriasdebase cultural edaprpria for
ma de gesto local. Essa outra temtica que se pretende abordar neste
trabalho: a implementao das diretrizes estabelecidas constitucionalmen
te. Pode-se cogitar que, se o SUS encontra-se ainda muito afastado de sua
realizao, essa incompletude talvez se deva a fatores resultantes das for
mas de envolvimento dos sujeitos sociais e de aspectos resultantes dedeci
ses provenientes de escales superiores, no satisfazendo propriamente
os anseios da populao a ser beneficiada.
28 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
A percepo de que [...] necessrio mudar o enfoque, a maneira de
pensar sobre a sade e a ateno mdica, para Temporo (2007, p.6),
leva a refletir a complexa teia de relaes que envolvem o processo sa
de-doena, a gesto e o trabalho na sade, em comparao com a orga
nizao da poltica de sade, com as demandas vivenciadas pelos diver
sos servios e com a indstria farmacutica e de equipamentos. Tambm
a ateno chamada pela compreenso das relaes complexas em queos eventos, citados por meio de cenas do cotidiano, mantm entre si e com
o universo mais amplo. H, portanto, uma convocao para um trnsito permanente entre macro e micro questes, entre diferentes dimenses
onde se tecem, cotidianamente, os encontros entre os principais atores
desse processo: gestores, pacientes e profissionais da sade (Temporo,
2007, p.8); e o compromisso em [...] articular a compreenso dos de
terminantes da sade da populao brasileira com o conjunto de provi
dncias e aes possveis dentro da governabilidade setorial (Temporo,
2007, p.9).
Nesse sentido, os processos de trabalho, no setor de sade, constitu
ram-se a partir das condies histricas de seu desenvolvimento como
poltica pblica. E entende-se que h de se considerar, tambm, as di
menses tecnolgicas e organizacionais (Laurell, 1989) que interferem no
trabalho, tanto no setor da sade como no mercado e nas relaes sociais,em geral. As reflexes apontam para considerar o paradigma poltico
assistencial que orienta a formao dos trabalhadores da sade.
Como assinalado anteriormente, a vivncia da pesquisadora no Polo de
EPS da locorregio, apesar dos limites e dificuldades de construir o dilogo intersetorial, possibilitou a identificao de interesses e a construo
de aes e parcerias interessantes relacionadas Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de Franca, por meio do Grupo de Estudos e Pes
quisas sobre Sade, Qualidade deVida e Relaes deTrabalho (Quavisss),
que conseguiu em sua experincia provocar e construir o processo da po
ltica de EPS de estabelecer parceria e intersetorialidade, quando o proje
to original desta pesquisa foi encaminhado e aprovado pela Fundao de
Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo Fapesp, no Convnio Fapesp
CNPq-SUS, tema Gesto Descentralizada do Sistema nico de Sade
(SUS) Programa Fapesp de Polticas Pblicas/SUS, do qual recebeu
apoio financeiro e incentivo para seu desenvolvimento.
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 29
Para viabilizar este projeto, realizou-se parceria com trs rgos repre
sentativosdasadedalocorregio: UniversidadeEstadual Paulista(Unesp),
campus deFranca (Departamento deServio Social), a ento DireoRegio
nal da Sade DIR XIII (substituda pelo atual Departamento Regional de
SadeDRSVIII), a Secretaria Municipal deSadedeFranca eoCentro de
Referncia em Sade do Trabalhador (CRST). As pesquisadoras envolvi
dasnaquela pesquisa,16ao todo, fazempartedoGrupoQuavisss, cujaiden
tidadeest, preferencialmente, ligada produo cientfica, na realizao de
pesquisas empricas voltadas rea da sade no municpio de Franca e re
gio. A relao interna do Grupo Quavisss de interdisciplinaridade e for
mao, respeitando-se o conhecimento plural construdo nas investigaes
de campo, nos debates tericos e nas discusses das experincias sentidas,
vividas e analisadas. O resultado desse projeto coletivo est organizado no
livro Aprendendo a construir sade: desafios na implementao da poltica de
educao permanente em sade(Bertani et al., 2008), o qual referncia, nes
te estudo.
Deste modo, os estudos na rea da sade merecem cada vez maior aten
o, no s pela importncia queadquirem deampliar o debate e anlisesdo
modode pensar e agir dos sujeitos quea so definidosequevmimprimin
do significado, como pela presena significativa da populao do Pas nessa
rea. O conhecimento, portanto, um desafio e tem a finalidade de melho
rar a vida das pessoas e a inteno de ampliar as alternativas apropriadas s
mudanasdarealidade.Torna-se,assim, necessrio enfatizarqueapesquisa
no percadevista a viso interdisciplinar, a capacidade crtica e a autocrtica,
colaborando como desenvolvimento dos trabalhadores da sade queconsi
deram o usurio como sujeito de sua histria.
Deve-se enfatizar tambmque, durante o desenvolvimento da pesquisa,
as anlises, muitas vezes, partiam docampo terico para chegar s constata
es empricas; em outras situaes, tomavam como base as experincias
prticas para as reflexes tericas, importando ressaltar que cada um dos
pontos desse desenho apontava para suas contradies internas e da prpria
sociedade. Somente desse modo que se pode desenvolver o hbito da pr
xis, a leitura e a constatao emprico-terica da realidade, assim como a
atuao no campo de prtica: a rea da sade.
1A CONSTRUO DA PESQUISA
A metodologia
Aconstruodo percurso aqui relatado teveporbasedesustentaouma
pesquisadecamporealizadanarede pblicadesadedalocorregiodeFran
ca/SP. Foi circunstanciada pela vigncia da Poltica de Educao Perma
nenteem Sade, implementada a partir de 2003, que impulsionou o desen
volvimento da formao dos trabalhadores da sade. O trabalho de campo
foi uma etapa que estabeleceu uma ao combinada entre levantamento bi
bliogrfico, pesquisa documental, observaes, coleta de dados e entrevis
tas, alm deum dirio de campo.
Procurou-se, assim, garantir uma viso globalizadora do processo, con
siderando que esta etapa da pesquisa importante para o levantamento dos
problemas, a construo terica e a busca de proposies, baseando-se no
conhecimentoanteriormenteconstrudo (Seabra,2001).Otrabalhodecampo
apresentou-secomopossibilidadedeconseguirnosumaaproximaocom
o dado emprico que se deseja conhecer e estudar, mas [...] tambm criar
umconhecimento,partindodarealidadepresentenocampo(Minayo,2000,
p.51).
A anlise da educao permanenteemsade (EPS)como estratgia para
formao dos trabalhadores visando consolidao do Sistema nico de
Sade (SUS) requer como base a compreenso histrica que d conta da ar
ticulao entre economia e poltica, produo e reproduo social, para que
evite reforarumadiscusso eivada denfasesburocrticasetecnicistaspre
dominantes no fazer pensar da rea da sade.
32 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
H, certamente, vrias perspectivas tericas a partir das quais possvel
analisar as questes de sade-doena, mas aque est sendo enfatizada neste
estudo aquela que se situa na dimenso histrica. Marx & Engels (1987)
reconhecemna Cincia da Histria ou Cincia Social daHistria, condies
deabranger tanto a naturezaquanto omundodoshomenscomcondiesde
levar em conta, de forma concreta e material, as relaes da vida humana,
como as histrico-sociais.
A partir domodoadotado devero mundo, aquesto fundamental para o
desenvolvimento do ser social a categoria trabalho, por meio da qual cabe
aos seres humanos produzir e reproduzir sua vida material. O primeiro
pressuposto de toda a existncia humana e, portanto, de toda a histria,
que os homens devem estar em condies de viver para poder fazer hist
ria (Marx & Engels, 1987, p.39). Os autores frisam que a manuteno da
vida depende das condies materiais, como alimentao e habitao, e as
sim expem que [...] o primeiro ato histrico , portanto, a produo de
meiosquepermitama satisfao dessas necessidades, aproduo daprpria
vida material (Marx& Engels, 1987, p.39). Desse modo, a manuteno da
vida humana e, por conseguinte, a construo dos meios de vida determi
nada pela relao do homemcom a natureza.
A capacidade criadora do homem manifesta-se no trabalho, condio
especificamente humana de transformar a natureza em coisas teis, segun
do seus interesses. Essa habilidade lhe possibilita a transposio do serme
ramente biolgico para o social. [...] Pe em movimento as foras naturais
de seu corpo pernas e braos, cabea e mos , a fim de apropriar-se dos
recursosdanatureza,imprimindo-lhesvida til vidahumana(Marx,2006,
p.211). , portanto, por meio da relao do homemcoma transformao da
natureza que ele se constri.
Marx (2006), ao distinguir a atividade de animais (relaciona a aranha ao
tecelo eaabelhaao arquiteto) edohomem, pressupeotrabalhocomouma
especificidade humana em funo da antecipao mental do produto final.
NaIdeologiaAlem (1987), a essnciadoshomensaproxima-sedomodode
produoedas relaessociais estabelecidas.Nessesentidoquesublinham
o carter social e histrico da produo, ou seja, a histria dos homens sus
tenta-seemsua maneiradeproduzireemsuasrelaes sociais. Essadimen
so do ser humano produtor, criador e histrico a prpria essncia huma
na, que prtica e se manifesta socialmente.
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 33
Destaca-sea relevnciadosdeterminantes sociais para acompreenso da
relao sade-doena e seu pensar fazer dinmico e histrico no mbito da
poltica pblica. A poltica de sade como produto histrico, ou seja, cons
trudo socialmente, apresenta movimentos demarcados pelos conflitos de
classes, pelo desenvolvimento do Estado, pelas concepes intelectuais e
polticas e pelas derivaes institucionais da decorrentes.
Neste contexto, Minayo (2004, p.14) chama a ateno para a questo da
sade em sua dimenso de totalidade que envolve o conjunto das relaes
sociaisvivenciadasnas reasdeproduo edascondiesdetrabalho e,como
qualquer tema abrangente do universo cultural, deve ser entendida dentro
de uma sociologia de classe.
Porm, [...] as condies de vida e de trabalho qualificam de forma diferen
ciada a maneira pela qual as classes e seus segmentos pensam, sentem e agem a
respeito dela. Isso implica que, para todosos grupos, ainda quedeformaespec
fica e peculiar, a sade e a doena envolvem uma complexa interao entre os
aspectos fsicos, psicolgicos, sociais, ambientais da condio humana edeatri
buio de significados.
Segundo Teixeira (1989, p.20), as anlises dos tericos marxistas con
temporneos introduziram os interesses de classes na anlise da poltica so
cial, e [...] colocou-se a perspectiva e necessidadede tratar o Estado defor
ma a comportar a anlise da luta de classes. Contudo, frisa a autora que a
considerao dos conflitos de classes simplesmente no suficiente para
transpor a reificao das polticas sociais e aponta a necessidade da [...] re
flexo mais curada da prpria natureza do Estado, recuperando a noob
sica da contradio e de suas manifestaes histricas concretas (Teixeira,
1989, p.20).
Acerca do processo de formulao de polticas de sade, Teixeira (1989,
p.22) sublinha a adeso ao modelo que compreenda [...] no apenas osde
terminantesestruturaisdainterveno estatal, contudo, maisespecificamen
te, os processos histricos que configuram distintos padres de relao Es
tado/sociedade. Assim, trata-se de um [...] produto do desenvolvimento
histrico das relaes entre as foras polticas fundamentais.
Na atual investigao, busca-se apreender esses elementos presentes nas
falas dos sujeitos em suas mltiplas dimenses. A compreenso dialtica
34 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
implicareconheceras possibilidadesdemudana etransformao social. Foi
esta, portanto, amotivaopara se priorizar aabordagemmetodolgica, que
segundo Demo (1985, p.36):
Baseia-se na observao da realidade social e na adequao a ela da viso
dialtica que privilegia: a) a contradio e o conflito predominando sobreahar
monia e o consenso; b) o fenmeno da transio, da mudana, do vir-a-ser so
bre a estabilidade; c) o movimento histrico; d) a totalidade e a unidade dos
contrrios.
A postura terico-metodolgica dialtica adotada nesta pesquisa consi
dera no apenas a dinmica interna do objeto, mas suas relaes, as contra
dies, os conflitos, seumododesere de reproduzir-se, para tornar possvel
assimexplicarseumovimento,revelando sua essncia. Essecaminho situa a
dimenso histrica e considera a relevncia dos determinantes sociais para a
compreenso da relao sade-doena e seumodo depensar fazer dinmico
e histrico no mbito da poltica pblica.
Tratar as condies concretas da materializao da estratgia da EPS re
quer,primeiramente,acompreensodo processodasdeterminaes sociais,
polticas, econmicas e da produo intelectual no universo da locorregio
de Franca/SP. Isto significa buscar nos alicerces da teoria marxista a base
para a discusso do objetivo deste estudo. Deste modo, a partir do exerccio
dialtico, procura-sedescobrir respostaspara questesqueelucidemascon
tradies internas presentes nos seguintes pontos: o projeto que orienta a
Reforma Sanitria brasileira, a criao do Sistemanico deSade; o proces
sodeimplementaodaPolticadeEducaoPermanenteemSade; ocom
promisso dos atores sociais do SUS e, em especial, a participao dos traba
lhadores da sade. Compreende-se que essa poltica reflete as condies
concretas para a efetivao dos princpios do SUSeumconsidervel impac
to no cotidiano dos servios prestados populao.
Aabordagemqualitativa adotadaalcana [...]umaaproximaofunda
mental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos so da
mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, s intenes, aos
projetos dos atores, a partir dos quais as aes, as estruturas e as relaes
tornam-se significativas, esclareceMinayo(2000, p.8). Paraaautora (2004,
p.134), ela se torna importante para compreender [...] as relaes que se
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 35
do entre atores socais tanto no mbito das instituiescomodosmovimen
tos sociais [...], para a avaliao das polticas pblicas e sociais tanto do pon
to de vista de sua formulao, aplicao tcnica, como dos usurios a quem
se destina.Para realizar tais propsitos, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas (Trivios, 1987), as quais sempre baseadasemumroteiro
queindicava ospontosquenopoderiamserdeixadosdefora paraumaan
lise posterior (Apndice A). As entrevistas semiestruturadas permitem co
nhecer o que o sujeito expressa sobre seus pensamentos e sentimentos do
assunto,comliberdadepara manifestaroquejulgaimportante;almdomais,
permitem obter respostas a indagaes previamente formuladas e relevan
tes ao estudo em questo.
As entrevistas foram registradas em gravador com autorizao formal1
dossujeitosdapesquisa, posteriormentetranscritas, parapermitiremomer
gulhona hermenuticadossignificadosena representaodecadaafirma
o scio-historicamentelocalizada,conformenosrecomendaMinayo(2004)
para esses casos. Esse procedimento possibilitou melhor interpretao das
falas entre os sujeitos da pesquisa e a autora, assegurando a fidedignidade
das informaes e enriquecendo a coleta de dados.
Como recurso para complementar os dados da pesquisa, e pela natureza
do trabalho e lotao funcional prpria da pesquisadora na sade pblica
municipal de Franca/SP, a observao participante foi um recurso funda
mental nesse processo. Assim, deixou-seemaberto a possibilidade de utili
zar diversas tcnicas de abordagens e de anlises, de vrios sujeitos e pontos
de observao, que foram estabelecidas conforme o adensamento do conta
to emprico, pois foi possvel somente a delinear esse quadro com maior
clareza.
Essa diversificada ancoragem permite agora descrever os mecanismos
adotados na estratgia da educao permanente em sade para o encami
nhamento de suas questes intrnsecas, tais como a natureza do impacto
dessas aesaostrabalhadoresdasadenalocorregio eos reflexospercebi
dos emuma eventual melhoria na ateno dos usurios do SUS.
1 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme determinao do Conselho de tica em Pesquisa (Conep). Braslia, Distrito Federal.
36 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
Parao alcance do objetivo proposto nesta pesquisa, conhecer, analisar e
explicar experincias que potencializam a educao permanente em sade
como estratgia para a formao dos trabalhadores da sade e consolidao
do Sistema nico de Sade (SUS) na locorregio de Franca/SP, props-se
estudar a Poltica de EPS durante os anos de 2005 a 2008.
Decidiu-se dar incio anlise enfocando um dos atores do SUS, os tra
balhadores da sade, no desconsiderando a importncia dos usurios,
gestores e formadores para a compreenso do processoempauta.Ointeres
se imediato nos trabalhadores da sade deveu-se ao objeto declarado de in
vestigao, ou seja, a formao dos trabalhadores da sade e a utilizao das
novas ferramentas por meio da educao permanente e dos novos saberes
trocados e desenvolvidos nos processos de trabalho.
Com essa proposio investigativa, o Polo de Educao Permanente em
Sade do Nordeste Paulista da locorregio de Franca/SP caracterizou-se
como espao representativo e de referncia no processo de implementao
das aes de EPS, com a funo principal de integrar o quadriltero do SUS
trabalhadores, gestores, formadores erepresentantesdo controle social e
identificar problemas, prioridades e alternativas de formao. Desse uni
verso, a escolha dos sujeitos da pesquisa os trabalhadores da sade le
vou-se em considerao o objetivo proposto, os pressupostos tericos e o
movimento da realidade.
Paraa seleodossujeitos, utilizou-secomo critrio a participao destes
na implementao da Poltica, enquanto facilitadores deEPS.Emateno a
essa nova dinmica, em 2005, o Ministrio da Sade desencadeou umpro
cessodeformao no PasnoCursodeFormaodeFacilitadoresdeEduca
o Permanente em Sade, por meio da Educao a Distncia (EAD), com
objetivo de ampliar a massa crtica capaz de atuar e desenvolver a educao
permanente no sistema de sade.
O Polo da locorregio de Franca indicou 22 facilitadores de EPS e um
tutor para desencadear as aes de EPS.A indicao seguiu recomendaes
e critriosdo Ministrio daSade, e asvagasforampactuadasjunto aoCon
selho Estadual de Secretrios Municipais de Sade (Cosems) para aes de
formao e repasse de recursos financeiros previstos.2
2 Resoluo no 335, de 27 de novembro de 2003 (Brasil, 2003a).
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 37
Importa esclarecer queos22facilitadores deEPSindicadosparao Curso
de Formao de Facilitadores de EPS no representavam o quadriltero do
SUS: 16trabalhadoresda sade, cinco gestores eumcontrole social. Obser
va-se que a prioridade na escolha dos trabalhadores da sade significativa
pelas prprias orientaes da Poltica, entretanto, os formadores foram ex
cludos do processo, e houveumarepresentatividade pequena dosusurios.
Adianta-sequedos22 facilitadoresdeEPS,13desistiram esomentenove
concluramo CursodeFormao,sendoquetodos so trabalhadoresdasa
de. Resulta da que, no transcorrer da pesquisa, foram entrevistados quatro
sujeitos participantes do processo, uma vez que estes facilitadores de EPS
so, ao mesmo tempo, trabalhadores da sade. A ttulo de amostragem, es
colheu-se, a princpio, umsujeito envolvido no Curso deFormao progra
mado, e posteriormente, expandiu-se o universo com vistas construo da
viso de mundo ampliada desta pesquisa.
A seleo dos quatro sujeitos, do universo de nove facilitadores de EPS,
deu-se em razo da facilidade de contato e aceitao ao convite realizado
pela pesquisadora. Houve o cuidado de garantir a representatividade dos
municpios do Polo da locorregio, os quais no sero divulgados para pre
servar a identidade dos sujeitos.
Os trabalhadores da sade selecionados responderam e contriburam
prontamente ao convite para participar do desenvolvimento da pesquisa.
Percebeu-se uma grande satisfao desses sujeitos durante as entrevistas, o
prazer de falar do prprio trabalho e de expressar a opinio a respeito do
SUS e do processo de formao vivenciado, enfim, da satisfao de serem
ouvidos. Aos sujeitos, esclareceu-se a proposta da pesquisa e foi explicitado
seu carter acadmico, parte do processo de qualificao docente.
As entrevistas foram realizadas nos locais indicados pelos sujeitos: trs
no local detrabalhoeumanaresidncia, e procurou-seresguardaraautono
mia dos sujeitos e da pesquisadora ante o universo institucional.O objetivo
da pesquisa foi interpretado como ode conhecer a vivncia deles no cotidia
no da sade pblica e a opinio sobre o SUS e a poltica de EPS, sendo os
informantes mais qualificados porque vivenciam o trabalho nas unidades
de sade.A leitura do formulrio de entrevista foi realizada, e somente aps
o esclarecimento de dvidas, a entrevista foi iniciada.
Tais recursosforamfundamentaispara permitir aredao deste trabalho
e a honestidade das informaes apresentadas, respeitando-se os princpios
38 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
ticos3 da pesquisa em sade. O trabalho de campo foi todo realizado pela
autora, contandocom auxiliar de pesquisa na transcrio das fitas gravadas.
Conformecombinado, aps a transcrio das entrevistas, estas foram enca
minhadas aos sujeitos, para leitura e aceitao, informando que as falas po
deriam ser corrigidasem relao gramtica e ortografia, mas o contedo
no deveria ser alterado. Portanto, o material das falas utilizado neste traba
lho segue a particularidade da correo de cada sujeito.
Como diz Minayo (2004, p.109), a fala dos sujeitos [...] reveladora de
condies estruturais, de sistemas de valores, normas e smbolos, e ao mes
mo tempo, tem a magia de transmitir, atravs deumporta voz, as represen
taesde grupos determinados, emcondies histricas, socioeconmicase
culturais especficas.
Os quatro sujeitos entrevistados so servidores municipais e desenvol
vem atividades nas unidades desade da locorregio no atendimento direto
ao usurio e, ainda, na gesto deprogramas e projetos,emservios adminis
trativos e como representantes em conselhos de direitos, entre outras.
Todos trabalhamemunidades de ateno bsica diferenciadas4 e esclare
cemque, apesardoenfoquecurativo aindapredominante,desenvolvemaes
de preveno em sade com grupos de usurios, atividades informativas re
lacionadas aos programas, servios e recursos institucionais e comunitrios
existentes, visitas domiciliares (svezes,emequipe),atendimento individual
para acompanhamento.Etambm realizam atividadescom a equipe desa
de, relacionadas integrao, informao, avaliao, planejamento, mascom
diversos limites colocados pela grande demanda e limites institucionais.
Relatam que a rea da sade pblica foi, alm da necessidade bsica de
trabalhar,umaopopessoal eprofissional.Demonstramidentificaoegos
to pelo que fazem.Todos os quatro sujeitos tm formao superiorem nvel
de graduao, e estes tm formao: umemaperfeioamento na rea espec
3 Resoluo 196/96do Ministrio da Sade (Brasil, 1996). Sendo o projeto aprovado peloComitdeticae Pesquisa daUnespUniversidade Estadual Paulista, FaculdadedeMedicinade Botucatu, campus de Botucatu.4 Segundo o Ministrio da Sade, o Brasil registrou em 2005 um total de 44.223 Unidades
Bsicas de Sade. Elas podem variar em sua formatao, adequando-se s necessidades decada regio, e podem ser: unidade de sade da famlia; posto de sade; centro de sade/uni
dade bsica de sade e podem ou no oferecer pronto atendimento 24 horas; unidade mvelfluvial; unidade mista e ambulatrios de unidade hospitalar geral (Brasil, 2006b).
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 39
fica, dois em administrao pblica, doisem especializao na sade coleti
va, um como conselheiro-gestor e quatro em formao em Facilitadores de
EPS, o que evidencia uma busca pela formao e qualificao profissional
permanente voltada para as necessidades nascidas no trabalho na sade.
No decorrer da anlise das falas, eles esto apresentados como S (sujei
tos), identificando cadasujeitocomoS1,S2,S3eS4,considerandoasequncia
derealizao das entrevistas. Esclarece-se, tambm, queas falas dos sujeitos
esto intercaladas no corpo do trabalho. O tempo de trabalho na sadep
blica de S1, 22 anos; S2, 13 anos; S3; 26 anos e S4; 10 anos, o que leva a
considerarqueessetempodetrabalho demonstraconhecimento eexperin
cia relacionada rea.
A pesquisadora, que exerce sua funo como trabalhadora da sade, se
autorreconhecenas falas dos sujeitos entrevistadoscomo protagonistas, que
tambm o so, do prprio processo de aprendizagem da educao perma
nente em sade que se procura efetivar. Enquanto se realizavam a pesquisa
e as entrevistas, a pesquisadora estudava o processo, buscando construir a
realidade enquanto se identificava como sujeito aprendiz.
Aconstruo da trajetria investigativa tevecomo base a coleta de dados
e de informaes provenientes por meio da anlise de: entrevistas com os
trabalhadores da sade, como descrito anteriormente; legislao vigente e
polticasdesadesobreo tema; relatrios finaisdasConfernciasNacionais
de Sade; relatrios da Organizao Mundial de Sade (OMS); relatrios
da Organizao Pan-Americana de Sade (Opas); documentos e relatrios
do Ministrio da Sade; documentos da Secretaria de Gesto doTrabalho e
da Educao em Sade; programas, projetos e/ou aes desenvolvidos so
bre o tema, na locorregio; documentos do Polo de Educao Permanente
do NordestePaulista e, pesquisasuplementardedados(pesquisa bibliogr
fica, pesquisa digital em internet), os quais acrescentaram conhecimento
investigao, deram densidade ao objeto de estudo e contriburam para ex
plicar a trajetria adotada no processo.
Na organizao dos dados empricos, priorizou-se o uso da tcnica de
anlisedecontedo, a qual, segundo Minayo (2004), aparececomoumcon
junto de tcnicas.5 Estas utilizam procedimentossistemticose objetivosde
5 Seguindo metodologia exposta por Minayo (2004), a anlise de contedo contemplou as seguintes etapas: pr-anlise: quando as ideias iniciais so sistematizadas; define um plano de
40 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
descriesde contedo das mensagens6, o que possibilita descobrir os siste
mas de relaes e as regras de encadeamento e de associaes nas falas dos
sujeitos.
Recorreu-se discusso terica da influncia da macroestrutura sobre a
sade humana e os servios pblicos/papel do Estado, centrando o olhar
pela via dos eixos temticos evidenciados na fala dos sujeitos e na escolha
sistemtica deaspectos que sedestacaramno objeto do estudo. importan
te enfatizarqueo objeto deestudo desta pesquisa configura a interface entre
a formao e a compreenso do conceito ampliado de sade, o que leva a
avaliar a articulao entrea prtica educacional e profissional naperspectiva
do processo de trabalho.
Em seguida ao tratamento dos dados coletados, a anlise e interpretao
das informaes apreendidas apontam para uma aproximao da realidade,
permitindo sua revelao no s do aspecto descritivo e tcnico, mas tam
bmdopanorama poltico que aenvolve.Tema finalidade, conforme expli
ca Minayo (2004, p.69), de [...] estabelecer uma compreenso dos dados
coletados; confirmar ouno os pressupostos da pesquisa e ampliar oconhe
cimento sobre o assunto, articulando-o ao contexto cultural da qual faz par
te. Esto contidas no mesmo movimento e apontam a ideia de no criar
modelos e no perder a perspectiva de totalidade.
As categorias terico-analticas esto continuamente inter-relacionadas
na investigao, j que todas servem para explicar o mesmo acontecimentoou evento, no caso, a implementao da Poltica de Educao Permanenteem Sade para a consolidao do Sistema nico de Sade (SUS) na
locorregio mencionada. Assim, a anlise das condies para aparticipa
opassafundamentalmentepelasdeterminaesmateriaisdetrabalho(pro
duo) e do envolvimento dos sujeitos neste processo.
Os entraves e incentivos para ocorrer essa participao servem tambm
para informar as relaes sociais, que originam e provocam possibilidades
de transformaes na realidade social abstrata e material que ajudam na
anlise mediante material coletado na pesquisa de campo; explorao do material: definiodas modalidades temticas pelo processo de codificao das entrevistas; tratamento dos resultados, inferncia e interpretao.6 Valendo-se de uma fundamentao terica, essa fase permite a interpretao dos resultados
conforme categorias estabelecidas nas fases anteriores.
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 41
efetivao do SUS. A formatao da relao ensino-aprendizagem, baseadano conhecimento da Poltica de EPS, a formao dos sujeitos, o
entrosamento e a integrao dos diferentes atores doSUS explicam odesen
volvimento da conscincia social ou sanitria do SUS ou a manuteno das
prticas alienadas. Evidencia-se, portanto, que os depoimentos dos sujeitos
durantea realizao dasentrevistasconvergiamparaaspectosqueforamiden
tificados como as ideias a respeitodoSUSeo compromissocom asa
de pblica, nas quais se concentram as opinies e conceitos relaciona
dos ao trabalho no SUS enquanto poltica pblica, seu conhecimento e
funcionamento,ebusca-seexplorarassugestesrelacionadasaoquepode
ser diferente.
Nascategoriasreferentes sperspectivasdossujeitosquantoimple
mentao da Poltica de Educao Permanente em Sade eo signifi
cado dessa formao, encontram-se expressa a relao ensino-aprendiza
gem, baseada no uso da metodologia da problematizao recomendada e/
ou utilizada. Os resultados das experincias vivenciadas encontram-se na
anlisedoconhecimentodessa Polticaenaspossibilidadespara apoten
cializao da educao permanente, quando se procurou explorar o n
vel de integrao dos atores sociais no Polo.
Osproblemas prioritrios dalocorregio eo processo deseleo dosfaci
litadores de EPS so aspectos que remetem aos questionamentos acerca do
compromisso para a construo do processo pedaggico e poltico na
locorregio e das expectativas quanto ao SUS para a manuteno ou forma
o denovos saberes nas prticasde sade.Adiscusso passa, portanto, pe
los princpios do SUS,com privilgio do mtodo dialtico, emconexo com
a conscincia social e sanitria do trabalhador da sade e dos demais atores
envolvidos. No se trata de uma construo parte da realidade social, ex
terna ou uma [...] inveno fantasiosa do esprito humano, mas de um
conhecimentoembasadonadiscusso dialticadefendidaporMarx&Engels
(1987) e por Lukcs (1989), cuja teoria se constri na ao.
Assim, a conscincia o produto social da necessidade eda ao humana
no meio sensvel e na natureza, a qual se constri na relao com os outros
seres humanos dentro de determinadas condies de produo. O pressu
posto fundamental aperspectiva histrica no sentido de permanentecons
truo, ou seja, como produto da ao e interao dos indivduos em socie
dade, naqualosfenmenoseconmicose sociaisnoso uniformese iguais,
42 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
mas se apresentam a partir do princpio do conflito e da contradio, sendo
esses elementos que tornam possvel a transformao da realidade.
Diante da complexidade da proposta, buscou-se apresentar os dados de
forma que possibilitassem ao menos parcialmentea percepo da relevncia
das categorias de anlise. A limitao para realizar essa explicao do real
encontrou alento no comentrio de Gasto Campos (1997, p.147) de que
[...] infelizmente, nem escrita nem fala foram concebidos o dom da
multidimensionalidade. Assim caminharemos por partes, que ao fim deve
ao menos projetar a silhueta do todo. Dessa maneira, e considerando o
movimento da realidade, as falas esto contidas no contedo deste estudo,
pois delas emergiram seu significado.
Os eixos localizados ainda na anlise das entrevistas, tais como a partici
pao, o envolvimento e a integrao dos diversos atores do SUS no proces
so, consideraramascondies materiais disponibilizadas. Perceberam-seos
entraves e incentivos que facilitaram e/ou impediram tanto a promoo em
tempo hbil como a vinculao e contribuio possvel aos cursos por alu
nos, professorese gestores. Outras linhas diretoras se importaram a apreen
der e analisar a avaliao da aplicao da Poltica de EPS a todos os que dela
participaram, na verificao da qualidade das informaes partilhadas (na
maior parte das vezes, oferecidas), visando mudana de paradigmas.
A anlise dessa transformao buscou-se sob a tica se ela teria ou no
provocado umacontribuio transformadora emsua interveno profissio
nal nas unidades de sade. A observncia da pesquisadora centrou-se nos
passos recomendados da Poltica de EPS, a qual exige, para sua consecuo,
o necessrio despertar da conscincia social e/ou sanitria do SUS.
Essa avaliao, aqui proposta, considera avanos, dificuldades, enfren
tamentos, conflitos e consensos entre os atores sociais envolvidos e os desa
fios deuma nova institucionalidade no SUS. Enfim, a pesquisa tenta trazer
uma anlise dos resultados da formao dos trabalhadores da sade na es
tratgia de educao permanenteemsade, ao mesmo tempo como proces
so ecomo impacto no fortalecimento dos princpios e diretrizes do SUS ede
suas polticas.
A investigao constitui espao, pormeio da pesquisa, para a construo
doconhecimento,buscandoampliaros horizontes tericos eosdebatesexis
tentes, visando apresentar contribuies sobre o tema sem a pretenso de
esgot-lo. Esse esforo de reflexo crtica est presente na viso multidisci
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 43
plinar que, mesmo com um eixo bsico no Servio Social, aprofunda abor
dagens que trazem contribuies de outras reas das Cincias Humanas e
das Cincias Sociais. Portanto, h umarelao de interdisciplinaridade e de
formao, respeitando-se o conhecimento plural construdo nas investiga
es de campo, nos debates tericos e nas discusses das experincias senti
das, vividas e analisadas.
Destemodo,o esforoeocompromissoresultaramdodesvendamento da
face com que a realidade demonstrava no panorama de realizao das polti
cas de sade pblica e nas necessidades de formao permanente em sade.
Buscou-sedemonstrara construo deseusprodutoscomo parecer coletivo,
por isso apresentou-se durante toda anlise das falas dos sujeitos entrevista
dos os sentimentos, as opinies, as explicaes e os esclarecimentos.
O cenrio da pesquisa
Apartir dos anos 1980, observa-se, pela primeira vez na histria do Bra
sil, a consolidao deumbloco ao bloco de foras polticas e culturais quese
empenham na luta pelo direito sade que, em um espao de pluralidade,
disputaram as possibilidades de hegemonia. As foras sociais, ao unirem
se, conseguiram traduzir sua viso de mundo, o que na rea da sade pode
serexemplificado pela reivindicao coletiva e pela construo depropostas
situando-a, prioritariamente, no mbito do Estado como direito de todos e
com nfase democrtica.
OSistemanico deSade(SUS)representou, ao final dessadcada,uma
mudana significativa de carter institucional. Os princpios constitucio
nais estabelecidos direcionaram para a incluso da populao, excluda an
teriormente pelo modelo corporativo de cidadania regulada (Santos,W. G.,
1987).
Com a implementao do SUS, durante a dcada de 1990, a organizao
da ateno sade, no Brasil, provocou grandes inovaes decorrentes do
processo de descentralizao, refletindo na busca desolues relacionadas
oferta deaes e servios de sadeemtermos nacionais eno mbito regional
e municipal. No entanto, apesar desse direcionamento da poltica de sade,
o fortalecimento da poltica econmica neoliberal manteve a continuidade
das desigualdades no acesso aos bens e servios pblicos como a sade.
44 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
No incio do sculo XXI, a crise econmica e sociocultural, intensificada
nos anos 1980, somada s mudanas econmicas e polticas de ordemmun
dial, chocou-se com os direitos construdos e afirmados na Constituio
Federal de 1988. Esses acontecimentos causaram uma filosofia dissonante
aos direitos sociais e trabalhistas garantidos legalmente, mas distanciados
no plano prtico, gerando vrias mudanas e tendo como consequncias
rebatimentos no modo de reproduo material de vida etambm subjetiva.
OSUS considerado a mais importante poltica social inclusiva emmo
vimento no Pas. Seu desenvolvimento, ainda quecom diversos limites, de
monstra a expectativa da sociedade na busca de atendimento sade com
qualidade.Arelevncia pblicadasaese serviosdesade,definidacons
titucionalmente, integra uma rede regionalizada e hierarquizada para favo
recer o acesso e o atendimento, a qual deve seguir as diretrizes de: [...] des
centralizao, com direo nica em cada esfera do governo; atendimento
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos
servios assistenciais; participao da comunidade (Brasil, 1988, p.105).
Essa organizao na gesto do SUS indica que os fatores determinantese
condicionantes da sade, como alimentao, moradia, saneamento bsico,
meio ambiente, trabalho, renda, educao e outros relacionados cultura,
valores, costumes etc., devam ser realmente considerados. Essa concepo
integral de sade prev que as aes sejam desenvolvidas sobre o ambiente,os indivduos e as comunidades, para a proteo, a promoo e a recupera
o da sade e o desenvolvimento do trabalho intersetorial para a erradica
o das causas sociais que interferem na sade.
Portanto, compete gesto municipal e regional da sade cumprir os
objetivos do SUS na identificao e divulgao dos fatores condicionantes e
determinantes do processo sade-doena para formular e desenvolver pol
ticas integradas aos campos econmico e social (Brasil, 1988).
Demaneira abrangente, oSUSumsistema formado porvrias institui
es dos trs nveis de governo municpios, Estados e Unio e pelo setor
privado contratado e conveniado, compondo uma mesma corporao, im
plicando atuar com as mesmas normas do servio pblico se houver esta
contratao.Emsuaconstituio, abrangeas ideias fundamentaisdomodelo de ateno, asquais constituem os princpios e diretrizes da universalida
de de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia, com
referncia na integralidade de assistncia, entendida como conjunto articu
EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 45
lado e contnuo das aes e atividades preventivas e curativas, individuais e
coletivas, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do
sistema (Brasil, 1990a).
Envolve, nessa perspectiva, a preservao da autonomia das pessoas na
defesa desua integridade fsica e moral, a igualdadeda assistncia sade, o
direito informao sobre sua sade, a divulgao de informaes quanto
ao potencial dos servios e sua utilizao pelo usurio, a descentralizao
poltico-administrativa com direo nica emcada esfera do governo com
nfase na regionalizao e hierarquizao da rede de sade.
Aspolticaseprogramasdesenvolvidos pelo Ministrio daSadeseguem
essas mesmas diretrizes e princpios, coma finalidade de aproximar da ges
to municipal e regional a execuo das aes, planejamento e avaliao.
Portanto, a implementao da Poltica de Educao PermanenteemSade,
a partir de 2003, compreende todos esses processos previstos e assinala a
construo deuma rede que considere a organizao e o funcionamentoho
rizontal do sistema de sade, para a formao dos atores do SUS a partir das
necessidades e prioridades apresentadas na realidade local e regional.
AredenoSUSorganizadadeforma regionalizada e hierarquizada,com
nvel de complexidade crescente. A rede de cuidados progressivos sade
supe a ruptura com o conceito de sistema verticalizado e trabalha com a
ideia de um conjunto articulado de servios bsicos, ambulatrios de espe
cialidades e hospitalares em que todas as aes e servios de sade sejam
prestados, reconhecendo-se contextose histriasdevidaeassegurandoade
quado acolhimento e responsabilizao pelos problemas de sade das pes
soas e das populaes (Brasil, 2004a, p.2).
A descentralizao7 poltico-administrativa enfatiza, portanto, a muni
cipalizao da sade com redistribuio de poder, competncias e recursos,
objetivando a identificao de necessidades de sade, o estabelecimento de
7 Descentralizao: [...] a transferncia da gerncia, da execuo de aes e da prestao de
servios de sade para instncias de gesto e deciso mais prximas da populao-alvo. NoSUS, essa transferncia ocorre da esfera federal para a estadual e dessas duas para a esferamunicipal. Respeitando-se as atribuies especficas das trs esferas de governo, expressas
na Lei no 8.080/90, a municipalizao com a hierarquizao e a regionalizao constituem o
eixo estratgico da descentralizao.Nosmunicpiosdemaior porte, a descentralizao devese estender aos distritos de sade e autonomia gerencial das unidades de sade. (Brasil,2005d, p.30)
46 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA
prioridades e o planejamento de aes e servios conforme as condies de
vida e de trabalho da populao local e regional.
O processo de descentralizao na rea da sade indica, dessa maneira,
que o poder de deciso deve pertencer aos responsveis pela execuo das
aes, por estar mais perto dos problemas e ter melhor conhecimento das
necessidades e suas solues. Isto facilita o direito de participao de todosos segmentos envolvidos e da ad