Educação Permanente Em Saúde Para Os

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Educação permanente em saúde para os trabalhadores do SUS Fernanda de Oliveira Sarreta SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SARRETA, FO. Educação permanente em saúde para os trabalhadores do SUS [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 248 p. ISBN 978-85-7983-009-9. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

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  • Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS

    Fernanda de Oliveira Sarreta

    SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

    SARRETA, FO. Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS [online]. So Paulo:

    Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2009. 248 p. ISBN 978-85-7983-009-9. Available

    from SciELO Books .

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    Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio -Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de este captulo, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia CreativeCommons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

  • educao permanenteem sade para

    os trabalhadoresdo sus

    fernanda de oliveira sarreta

  • EDUCAOPERMANENTE EM

    SADE PARA OSTRABALHADORES

    DO SUS

  • FERNANDADE OLIVEIRA SARRETA

    EDUCAOPERMANENTEEM

    SADE PARA OSTRABALHADORES

    DO SUS

  • 2009 Editora UNESP

    Direitos de publicao reservados :

    Fundao Editora da UNESP (FEU)

    Praa da S, 108

    01001-900 So Paulo SP

    Tel.: (0xx11) 3242-7171

    Fax: (0xx11) 3242-7172

    www.editoraunesp.com.br

    [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    S258e

    Sarreta, Fernanda de Oliveira

    Educao permanente em sade para os trabalhadores do SUS / Fernanda de Oliveira

    Sarreta. - So Paulo: Cultura Acadmica, 2009.

    Inclui bibliografia

    ISBN 978-85-7983-009-9

    1. Pessoal da rea mdica - Treinamento - Brasil. 2. Educao permanente - Brasil.

    3. Sistema nico de Sade (Brasil). 4. Poltica de sade - Brasil. 5. Poltica de educao

    mdica - Brasil. I. Ttulo.

    09-6055. CDD: 610.70981

    CDU: 614.25(81)

    Este livro publicado peloPrograma dePublicaes Digitais da Pr-ReitoriadePs-Graduaoda Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

    Editora afiliada:

  • Dedico,

    aos meus pais, Oneida e Gilberto,

    que nas atitudes mais simples me ensinaram o verdadeiro

    valor da vida, das pessoas e do trabalho.

    Principalmente, me ensinaram a construir e reconstruir.

    Com amor, Fernanda.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a minha querida professora Iris, pela confiana e carinho em

    nossa convivncia, que com sua sabedoria me ensinou a vencer desafios e a

    construir sonhos.

    Agradeo a minha famlia, pelo amor que compartilho, onde encontro

    aconchego eaprendo o valor da unio diante dasnossasconquistase perdas.

    Agradeoa todas aspessoasqueparticipamda minha vidaedeummodo

    ou de outro contriburam para a realizao deste estudo. Foram essas rela

    es, em que vivenciei afetos e atitudes, que me mostraram a importncia

    das nossas aes para cuidar da sade e da doena, de maneira humanizada,

    carinhos...

  • 8 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    O Marceneiro e as Ferramentas

    Contam que, em uma marcenaria, houve uma estranha assembleia.

    Foi uma reunio onde as ferramentas juntaram-se para acertar suas dife

    renas.

    Um martelo estava exercendo a presidncia, mas os participantes

    exigiram que ele renunciasse.

    A causa? Fazia demasiado barulho e passava todo o tempo golpeando.

    O martelo aceitou sua culpa, mas pediu que tambm fosse expulso o parafu

    so, alegando que ele dava muitas voltas para conseguir algo.

    Diante do ataque, o parafuso concordou, mas por sua vez pediu a expulsoda lixa. Disse que ela era muito spera no tratamento com os demais, entrando

    sempre em atritos.

    A lixa acatou, com a condio de que se expulsasse o metro, que sempre

    media os outros segundo a sua medida, como se fosse o nico perfeito.

    Nesse momento, entrou o marceneiro, juntou tudo e iniciou seu trabalho.

    Utilizou o martelo, a lixa, o metro, o parafuso. E a rstica madeira se conver

    teu em belos mveis.

    Quando o marceneiro foi embora, as ferramentas voltaram discusso.

    Mas o serrote adiantou-se e disse:

    Senhores, ficou demonstrado que temos defeitos, mas o marceneiro trabalha

    com nossas qualidades, ressaltando nossos pontos valiosos. Portanto, em vez de

    pensar em nossas fraquezas, devemos nos concentrar em nossos pontos fortes.

    Ento, a assembleia entendeu que o martelo era forte, o parafuso unia e

    dava fora, a lixa era especial para limpar e afinar asperezas e o metro era

    preciso e exato.

    Sentiram-se como uma equipe, capaz de produzir com qualidade; e uma

    grande alegria tomou conta de todos pela oportunidade de trabalharem juntos.

    O mesmo ocorre com os seres humanos. Quando uma pessoa busca defeitos

    em outra, a situao torna-se tensa e negativa.

    Ao contrrio, quando se busca com sinceridade o ponto forte dos outros,

    florescem as melhores conquistas humanas.

    fcil encontrar defeitos... Qualquer um pode faz-lo.

    Mas encontrar qualidades? Isto para os sbios!!!

    Autor desconhecido

  • Abrasco

    ABEPSS

    AIS

    CAP

    Cebes

    CFESS

    CNRH

    Conasems

    Conass

    Conasp

    CNS

    CNGTES

    CRST

    Deges

    Degerts

    DIR

    DRS

    EAD

    ENSP

    EPS

    LISTA DE SIGLAS

    Associao de Ps-Graduao em Sade Coletiva

    Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Sade

    Aes Integradas de Sade

    Caixas de Aposentadorias e Penses

    Centro Brasileiro de Estudos de Sade

    Conselho Federal de Servio Social

    Conferncia Nacional de Recursos Humanos

    Conselho Nacional de Secretrios do Estado de So Paulo

    Conselho Nacional de Secretrios Municipais do Estado

    de So Paulo

    Conselho Nacional de Administrao da Sade Previden

    ciria

    Conferncia Nacional de Sade

    Conferncia Nacional de Gesto doTrabalho e da Educa

    o na Sade

    Centro de Referncia em Sade do Trabalho

    Departamento de Gesto e da Educao na Sade

    Departamento de Gesto e da Regulao do Trabalho em

    Sade

    Direo Regional de Sade

    Departamento Regional de Sade

    Educao a Distncia

    Escola Nacional de Sade Pblica

    Educao Permanente em Sade

  • 10 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    Fapesp

    FNEPAS

    IAP

    IBGE

    Inamps

    INPS

    INSS

    LOPS

    LOS

    NOB/RH

    ONG

    OMS

    Opas

    OS

    SF

    SGTES

    Simpas

    Suds

    SUS

    UAC

    UNE

    Unesp

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo

    Frum Nacional de Ensino das Profisses da Sade

    Instituto de Aposentadorias e Penses

    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia

    Social

    Instituto Nacional de Previdncia Social

    Instituto Nacional de Seguro Social

    Lei Orgnica da Previdncia Social

    Lei Orgnica da Sade

    Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos

    Organizao No Governamental

    Organizao Mundial da Sade

    Organizao Pan-Americana da Sade

    Organizao Social

    Sade da Famlia

    Secretaria de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade

    Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social

    Sistema Unificado e Descentralizado em Sade

    Sistema nico de Sade

    Unidade de Avaliao e Controle

    Unio Nacional dos Estudantes

    Universidade Estadual Paulista

  • SUMRIO

    Introduo 13

    1 A construo da pesquisa 31

    2 As ideias dos trabalhadores a respeito do SUS 69

    3 As Polticas Pblicas de Sade 131

    4 Perspectivas da Educao Permanente em Sade 169

    Consideraes finais 223

    Referncias bibliogrficas 235

    Anexos 247

  • 12 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

  • INTRODUO

    O interesse pelo tema da pesquisa, o Sistema nico de Sade (SUS) e

    a formao de seus trabalhadores, nasceu de inquietaes e necessidades

    vivenciadas durante a vida profissional na prtica, na docncia e na pes

    quisa, fruto das relaes de trabalho e das experincias construdas na rea

    da sade pblica. A atividade profissional da pesquisadora, desenvolvida

    nas unidades de sade do municpio de Franca/SP, leva a testemunhar na

    prtica diria que, o saber fazer no corresponde ao saber saber, ou seja,

    com o conhecimento acumulado pela rea da sade. Este estado de coisas

    torna-se ainda mais lamentvel quando [...] se busca um outro tipo de

    avano do saber, o saber ser, que se expressa por atitudes de solidarieda

    de, civilidade, compartilhamento, responsabilidade e tica (Brasil, 2003c,

    p.84).So essas preocupaes vivenciadas no cotidiano de trabalho, tanto

    quanto os conflitos e outros problemas que a emergem, que exigem an

    lises, debates e propostas, motivam a busca de conhecimentos e de res

    postas para problemas que impedem a qualidade de vida e da sade da

    populao. Essa ideia subsidia o pensar e o agir profissional com rigor

    cientfico e tambm insere a importncia da pesquisa nesse universo. A

    escolha deste tema, portanto, faz parte da construo pessoal e profissio

    nal da pesquisadora, aprofundada quando a Educao Permanente em

    Sade (EPS) foi regulamentada como estratgia poltico-pedaggica para

    fortalecimento e implementao do SUS. a oportunidade de se contar

    com a contribuio da pesquisa para ampliar o conhecimento a respeito

    do SUS e desvendar seus avanos, limites e contradies.

  • 14 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    Deste modo, realizado a partir de falas, documentos e observao, este

    estudo tem como objetivo conhecer, analisar e explicar experincias que

    potencializam a educao permanente em sade como estratgia para a for

    mao dos trabalhadores da sade e consolidao do SUS na locorregio de

    Franca/SP.

    Decidiu-se, ento, analisar essa realidade enfocando um dos atores do

    SUS, os trabalhadores da sade, sem desconsiderar a importncia dosusu

    rios, gestores e formadores para a compreenso do processo em pauta. O

    interesse imediato nos trabalhadores da sade deve-se necessidade senti

    da, durante vrios anos, de buscar respostas para o que se observa no coti

    diano dos servios do SUS: uma formao fragmentada e distante do perfil

    profissional para o trabalho na sade pblica.

    Parte-seda ideia dequeaeducaopodecontribuir paraosproblemasde

    sade que envolvem o acesso, a qualidade do atendimento prestado e a

    resolutividade, os quais comprometem o modelo de ateno proposto e sua

    legitimidade. H um desencantamento, um descrdito da sociedade brasi

    leira quanto viabilidade dessa poltica pblica, provocado provavelmente

    pelas situaes apresentadas nos servios, tais como a implementao das

    aes e servios deforma heterognea e desigual nas regies do Pas, o baixo

    financiamento, a falta deresolutividadedaredeeo enfoquenomodelocura

    tivo, a ateno centrada na doena, a qualidade do atendimento oferecido,

    entre outras questes que envolvem a gesto dos servios.

    Busca-se, assim, explicar como a educao pode contribuir com esses

    problemas e provocar transformaes nessa compreenso passiva da polti

    ca pblica. Portanto, esta igualmente uma questo cultural, poltica e de

    educaoa serenfrentada pelaformaoprofissional epensada luzdaedu

    cao em sade, para desvendar o que existe por trs dessa atitude quedes

    valoriza o que pblico e julga como bom o que oferecido no mercado.

    Uma educao que possa desconstruir valores e preconceitos construdos,

    historicamente, para superar a lgica do capital e reconstruir novos concei

    tos e posturas, inclusive a respeito dovalor peloprprio trabalho (Mszros,

    2005).

    Como caminhos possveis, o Ministrio da Sade tem desenvolvido es

    tratgiasemtodosdearticulao deaes, saberese prticas parapotencia

    lizar a ateno integral, resolutiva e humanizada. Dentre as polticas emde

    senvolvimento, a Poltica deEducao PermanenteemSade foi arquitetada

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 15

    como estratgia para a Formao e o Desenvolvimento dos Trabalhadores

    do Setor.1 Essa Poltica que reafirma os princpios democrticos do SUS e

    atravessa suas diferentes aes e instncias foi criada para implementar a

    ateno integral e consolidar o modelo de ateno proposto pelo SUS a par

    tir de experincias e possibilidades concretas, comreferncia nas caracters

    ticas locais e regionais, e ainda valoriza o desenvolvimento da autonomia e o

    protagonismo dos sujeitos envolvidos nos processos de produo da sade.

    A explorao desse tema levou a questionar se possvel modificar a

    ao dos trabalhadores na sade, fazendo com que a formao profissional

    provoque o desenvolvimento da crtica e autocrtica e a reflexo do mundo

    do trabalho, o qual reproduz a dominao nas relaes sociais. Do mesmo

    modo, poder-se-ia observar se a educao como instrumento de transfor

    mao, nesse processo, pode ampliar o conhecimento e os saberes existen

    tes e desenvolver uma postura ativa que transforme a ao desses sujeitos.

    Portanto, essa formao deve ser permanente, uma vez que os sujeitos es

    to, permanentemente reinterpretando, redefinindo novos sentidos emo

    dificando comportamentos.

    Assim, a pesquisa prope-se a desvendar algumas particularidades do

    processo de construo doSUS brasileiro esua vivncia pelos atores sociais2

    na implementao da Poltica de EPS,3 tendo como referncia emprica a

    locorregio de Franca/SP. Mais especificamente, a pesquisa estruturou-se

    pelo resgate histrico da experincia inovadora de implementao dessa

    Poltica, comumareflexo crtica sobre esseseumovimento ea participao

    dos atores sociais na conduo desse processo pormeio dosPolos deEduca

    o Permanente em Sade.4

    1 Portaria no 198/GM/MS de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Poltica Nacional de Educa

    o Permanente em Sade como estratgia do Sistema nico de Sade para a formao e odesenvolvimento de trabalhadores para o setor, d outras providncias e estabelece critriospara repasse de recursos financeiros para os Projetos dos Polos.2 Sujeitos ou atores sociais so os indivduos (usurios, profissionais, gestores etc.) ou coleti

    vos (instituies, rgos, comunidades, equipes de trabalho etc.) que participam, de formaorganizada, dos processos de gesto, interferindo tcnica, poltica ou eticamente no planejamento e/ou monitoramento da sade pblica (Brasil, 2004c, p.16).3 No texto ser adotado o termo Poltica de EPS, referindo-se Poltica de Educao Perma

    nente em Sade.4 Polo de Educao Permanenteem Sade, daqui para frente citado apenascomo Polo ou Polo

    doSUS,ambasas formasutilizadas regularmente pelos seus participantes para referir ereco

    nhecer esse espao.

  • 16 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    Para compreender a complexidade do processo de implementao da

    educaopermanenteemsadenoespao delimitadodalocorregiodeFran

    ca, respalda-se na pesquisa qualitativa. Isto porque, para Minayo (1994,

    p.21), elaque[...] trabalhacomo universodesignificados,motivos, aspi

    raes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde aumespao maispro

    fundo das relaes, dos processos edos fenmenosquenopodemser reduzidos operacionalizao de variveis. As condies concretas para a

    efetivao dos princpios e diretrizes universalizantes de sade geram um

    considervel impacto no cotidiano dos servios prestados populao.

    Como se afirmou anteriormente, para explanar o significado real dessa

    poltica e as estratgias para sua materializao nos recortes espaciais deste

    estudo, torna-se necessrio, aps levantamento bibliogrfico, documental e

    observaoemcampo, adotaraabordagem qualitativa,ecomela a tcnicade

    construo de dados a partir de entrevistas semiestruturadas,5 baseadas em

    umroteiro indicativo dos aspectos necessrios para uma anlise posterior.

    Na organizao dos dados empricos, priorizou-se o uso da tcnica de

    anlisedecontedo, a qual, segundo Minayo (2004), aparececomoumcon

    junto de tcnicas6 que utilizam procedimentos sistemticos e objetivos de

    descries de contedo das mensagens, o que possibilita descobrir os siste

    mas de relaes, as regras de encadeamento e de associaes nas falas dos

    sujeitos. A partir da anlise do real pensado, o procedimento terico meto

    dolgico adotadopossibilitoua assimilao doscontedossignificativos das

    falas. Assim que a apropriao do real deu-se por meio dos depoimentos

    obtidos que acentuavam aspectos entendidos como eixos temticos conver

    gentes para grandes categorias de anlise, quais sejam: a participao, as

    possibilidades de transformao da realidade, a conscincia crtica e a alie

    nao dos vrios sujeitos envolvidos. Somente aps a coleta de informaes

    5 A entrevista semiestruturada define-se, segundo Trivios (1987), como aquela que parte decertos questionamentos bsicos, sustentados e informados por teorias e pressupostos queinteressam ao objeto de estudo e oferecem novos questionamentos, frutos de novos pressu

    postos que podem emergir a partir das prprias entrevistas.6 Seguindo metodologia exposta por Minayo (2004), a anlise de contedo contemplou as se

    guintes etapas: pr-anlise: quando as ideias iniciais so sistematizadas; define um plano deanlise mediante material coletado na pesquisa de campo; explorao do material: definiodas modalidades temticas pelo processo de codificao das entrevistas; tratamento dos re

    sultados, inferncia e interpretao.

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 17

    obtidas no trabalho de campo que as categorias de anlise foram estabele

    cidas, analisadas e interpretadas conforme recomendao do instrumental

    (Minayo, 2004).

    O procedimento investigativo teve incio em novembro de 2005 e com

    preendeuumintenso trabalho decampo, umavezqueabrangeu 22munic

    pios definido como a locorregio de Franca/SP, com uma populao de

    657.344 habitantes (IBGE, 2006). Importa esclarecer que o municpio de

    Franca sede do Departamento Regional de SadeVIII (DRS), rgo responsvel pela 14a Regio Administrativa da Secretaria do Estado da Sade

    de So Paulo e por coordenar as atividades no mbito regional e municipal e

    promover a articulao intersetorial com os municpios e organismos da so

    ciedade civil.

    Desse contedo, foram organizados os captulos da pesquisa nos quais

    est condensada a problematizao apresentada. O primeiro captulo apre

    senta a construo da pesquisa e o cenrio da locorregio, onde o Servio

    Social tem contribudo para o desenvolvimento do SUS e suas polticas. A

    atuao profissional na sade, movida pela perspectiva de defesa e amplia

    o dos direitos da populao brasileira, mostra o compromisso tico e pol

    tico e mobiliza para a lutaemdefesa da sade universal e integral, comdire

    o emancipatria e respeito para conhecer as reais condies de vida da

    populao e buscar formas de intervir contra as injustias sociais (Sarreta,

    2008).

    Assim, a ideia da pesquisa foi dimensionada durante a vivncia da pes

    quisadora7 no processo deimplementao da Poltica deEPS eda participa

    o no Polo da locorregio, o que aumentou o interesseemconhecere anali

    sar as estratgias de trabalho adotadas para o desenvolvimento pleno das

    polticas pblicas e seus resultados correspondentes. O estudo do tema re

    vela, portanto, a importncia da compreenso da sade no interiordomovi

    mento mais amplo de produo e reproduo das relaes capitalistas e das

    contradies que as constituem, e sua vinculao com as novas relaes en

    7 A participao da pesquisadora deu-se como representante dos trabalhadores da sade noPolode EPSdo Nordeste Paulistaduranteoanode2003,pormeiode indicaodo SecretrioMunicipaldeSadedeFranca. E,posteriormente, pormeio de seleo pblicarealizada peloMinistrio da Sade ENSP/Fiocruz, como tutora do curso de Formao dos Facilitadoresde Educao Permanente em Sade e representando a locorregio na operacionalizao e de

    senvolvimento das aes durante os anos de 2004 e 2005.

  • 18 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    tre Estado e sociedade. Aomesmo tempo, refora a necessidade deentendi

    mento da forma como os sujeitos vm vivenciando e interpretando asexpe

    rincias na sade e quais suas particularidades.

    H tambm a percepo, s vezes desanimadora, da extenso do Pas e

    suasdiversidades locais e regionais, fazendo parecer quedificilmenteo SUS

    ser, efetivamente, implantado.Alocalizao deFranca/SP, no noroeste do

    Estado de So Paulo, uma cidade mediana que temuma rede de sadeapa

    rentementesuficiente para suas necessidades eda regio, teoricamentepos

    sibilitariaumnveldeorganizao social favorvel paraaintroduodeaes

    de sade que atendessem maioria da populao. Por que no est dando

    certo explicado, no senso comum, como uma fase inicial de implementa

    o, levando-se em considerao que o SUS completou vinte anos, tempo

    demais para quem dele precisa, tempo de menos para imprimir uma mu

    dana de direo social to radical.

    Ainda que os meios de comunicao permitam, atualmente, um livre e

    mais amplo acesso a todas as informaes sobre os mais variados assuntos,

    isso nem sempre se concretiza em todos os seus matizes. Neste caso, pen

    sandonalocorregiodeFranca, prejudicada pela localizao geogrfica, visto

    que est fora dos eixos tradicionais de poder no Pas. Por isso, sente-se, al

    gumas vezes, que faltam maiores informaes enquanto pesquisadora, longe das fontes atualizadas de construo do conhecimento e elaborao das

    linhas diretrizes de aplicao das polticas pblicas.

    Esse aspecto torna relevante a ideia de compreender e explicar como o

    SUS est sendo construdo e resolvido no interior do Pas. So ponderaes

    realizadas nos espaos acadmicos e coletivos nascidas de inquietaescom

    aefetivao dos princpiose diretrizes destergo pblico edesuas polticas

    (Sarreta&Bertani, 2005). Compreende-seaindaquenesses espaos so for

    talecidas as propostas que envolvem o entendimento do direito universal

    sade e o direcionamento do SUS, nos municpios e regies e seus rgos

    representativos.

    Essas demandas atingem a todos os atores do SUS usurios, trabalha

    dores, gestores e formadores, uma vez que a pesquisa em sade precisa res

    ponder tambm a questes que os gestores necessitam saber, e pontos obs

    curos precisam ser superados, tornados visveis pela luz do conhecimento

    cientfico. Ajustam-se, assim, as propostas do projeto de pesquisa s ques

    tes da gesto municipal e regional do SUS. Os resultados buscados tm a

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 19

    finalidade de proporcionar clareza s questes formuladas, tornando expl

    citos os encaminhamentos e interaes com os gestores da regio em pauta.

    No segundo captulo, procura-se mostrar que a Poltica de Educao

    PermanenteemSadefruto deumaluta coletiva na rea dasadeparaque

    aformao dostrabalhadores torneuma poltica pblica eumcompromisso

    do Estado brasileiro, no sentido de contribuir para transformar o modelo de

    ateno e consolidar o SUS.Aconquista da Poltica deEPS, portanto, fru

    to da ReformaSanitria edeseus princpiose diretrizes parao fortalecimen

    to da gesto participativa e da responsabilidade compartilhada em sade.

    No contexto histrico da Reforma Sanitria brasileira, o aprofundamen

    to da democracia e da justia, por meio de transformaes contra as desi

    gualdadeseinjustias, foi se desenvolvendoumnovoconceitodesadecomo

    direito universal, em que todos os indivduos so iguais perante essa neces

    sidade bsica. As lutas polticas durante as dcadas de 1970 e 1980acompa

    nham o processo de democratizao no Pas e a defesa dos direitos sociais e

    contribuempara a construo deumnovoparadigma na sade, envolvendo

    a participao da populao e o reconhecimento dos cidadoscomo sujeitos

    de direitos.

    Asproposiesda ReformaSanitria brasileiracompreendemasrespon

    sabilidades do Estado e da prpria sociedade na garantia do direito sade,

    e questionam o direcionamento do sistema capitalista dado sade como

    mercadoria, a qual deve ser vista como [...] garantia de vida, rompendo o

    modelo que restringe a sade ao diagnstico das doenas, e a especialistas,

    exigindo assim, [...] mudana nas relaes de poder, implicando em umadimenso que politiza tanto o diagnstico como as aes de sade,

    repolitizando, assim, criticamente as polticas (Brasil, 2006a, p.19). Por

    tanto, a referncia analtica fundamental deste estudo o conceito de sadeadotado pela 8a Conferncia Nacional de Sade (CNS)em1986, comocon

    dio de vida e de trabalho da populao, resultado de determinaes hist

    rico-estruturaise conjunturaisda nao, queenvolve ascondiesde acesso

    alimentao, educao, ao trabalho, renda, habitao e outras necessi

    dades essenciais ao desenvolvimento humano.

    Asadeumdireitoqueseestruturanoapenascomoreconhecimentoda

    sobrevivncia individual e coletiva, implica condies de vida articuladas

    biolgica, cultural, social, psicolgica eambientalmente, conformeadefini

    odaOrganizaoMundialdeSade(Brasil, 2006a, p.18).Odireito sade

  • 20 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    significa o reconhecimento de quetodos oscidadostmas garantiasuniver

    sais dela, portanto, umdireito que se afirma enquanto poltica pblica.

    certo que as definies de sade vm modificando-se ao longo dos l

    timosanos. Seu reconhecimentocomobemcoletivo e direito configurauma

    conquista da humanidade construda

    num processo de embates de concepes e de presses dos movimentos sociais

    por estabelecerem uma ruptura com as desigualdades e as iniquidades das rela

    es sociais, numa perspectiva emancipatria, levando-se em conta, evidente

    mente, as diferentes culturas e formasdecuidadodo ser humano (Brasil, 2006a,

    p.18).

    Os movimentos sociais que precederam a constituio democrtica de

    1988 na rea da sade apontavam uma nova configurao para a questo da

    sadeda populao, vista coletiva e individualmentee sobre a qual os sujei

    tos envolvidos participam etomam deciso. Desse modo, o direito sade

    assegurado pela Constituio Federal, que, pela primeira vez na histria do

    Pas, ao tratar da questo deforma abrangente, consideracomo [...] direito

    de todos e dever do Estado garantido mediante polticas sociais e econmi

    cas que visem reduo do risco de doena e outros agravos e o acesso uni

    versal e igualitrio s aese servios para sua promoo, proteo e recupe

    rao (Brasil, 1988, p.23).

    A partir da criao e regulamentao do SUS, ficou estabelecido, como

    objetivodo Estado brasileiro, erradicar apobreza eformular polticas pbli

    cas para minimizar as desigualdades sociais que interferem na sade. Con

    siderando essaconcepodesade, portanto, torna-senecessrio pensaruma

    formao de trabalhadores em sade inspirada no paradigma da promoo

    da sade, que aponta para a interdisciplinaridade e intersetorialidade. As

    sim, a pesquisa abrange o conceito de sade como direito humano do cida

    do e dever do Estado, e a importncia de no fragmentar a discusso da

    sade considerando seu carter histrico e social.

    Nessa perspectiva, a pesquisa adota tambm a ideia de que os trabalha

    dores da sade no so um recurso do SUS, ou seja, um recurso adicional

    quesomadoaosfinanceiros, tecnolgicose materiais resulta na produo da

    assistncia e do cuidado. Reconheceo debate quevemsendo realizado pelosatores sociais da sade e que na 2a Conferncia Nacional de Recursos Hu

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 21

    manospara aSade (Brasil, 1993, p.25) a expresso recursos humanostor

    nou-se politicamente incorreta e passou a ser substituda por gesto do

    trabalho.

    Essa discussovemsendo aprofundadanosespaos coletivosdo SUS, ea

    expresso deixou de ser empregada, porquehouve a compreenso dequeos

    trabalhadores so atores-sujeitos da sade (OMS, 2007). Nas palavras do

    secretrio de Gesto doTrabalho e da Educao em Sade do Ministrio da

    Sade, [...] os trabalhadores da sade no so um insumo adicional que se

    agrega aos recursos financeiros, tecnolgicos e de infraestrutura para pro

    duzir servios: so os prprios servios de sade (Campos, 2006, p.10).

    Oterceiro captulomostraque,emboraaconsolidao doSUSesuaavan

    ada proposta de reforar a participao da sociedade e a descentralizao

    dos servios apresente-secomoumnovocaminho para construir-sea sade,

    observa-se que as formas de encaminhar as questes no cotidiano reprodu

    zemomodelodeateno curativa e as prticas centralizadoras e autoritrias,

    historicamente predominantes nas polticas de sade do Pas. Outro aspec

    to,tambmanalisado, relaciona-se ao fato dequeessa aprimeiraoportuni

    dade de formao dos trabalhadores da sade pela tica da educao perma

    nente em sade que se tornou uma poltica pblica, associada satisfao

    sentida na expectativa positiva e at no contentamento, principalmente dos

    trabalhadores da sade, pela possibilidade de receberem informaes que

    respondessem s necessidades vivenciadas na prtica, conforme mostram

    Bertani et al. (2008).

    Sabe-sequeesse aspectono constitui, propriamente,umanovidade, pois

    desde a criao e os primeiros esforos de implementao do SUS, h o im

    perativo de formao de recursos humanos para a sade, na execuo dos

    novos paradigmas apontados. Essa necessidade tem sido constantemente

    apontada nos espaos coletivos de debates como conferncias, congressos e

    seminrios, de onde se dirigem moes aos rgos pblicos de sade para

    adequarem o atendimento e a qualidade dos servios prestados.

    Nohouve,comoseassinalou,umapoltica pblica voltadaa essa orienta

    o nesselongoperodo anterior; apenasa prticadeincentivos inconsisten

    tes para cursos espordicos de aperfeioamento e treinamento profissional,

    que no refletiam ascondiesemque se produz a prtica, as dificuldades e

    nem as necessidades apontadas pelas novas diretrizes estabelecidas. Deste

    modo, a transformao de projetos e programas dispersos de capacitao,

  • 22 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    emPoltica de EPS para nortear o desenvolvimento do SUS obteveumpro

    gresso significativo nessa direo (Sarreta & Bertani, 2006).

    A participao da pesquisadora na construo desse processo na

    locorregiodeFrancaevidenciouque,mesmoconsiderandoa orientaopara

    o levantamento coletivodos eixos prioritriosdeformao,o aspectodapar

    ticipao como instrumento do processo educativo no se deu facilmente

    desde sua primeira colocao, e nem ao menos era notada nas reunies do

    Polo. O que se observa na implementao das polticas pblicas so as pr

    ticas centralizadoras e a excluso dos sujeitos.

    Ainda ponderando que o processo educacional e demudana comporta

    mental demandatempo e energia, percebeu-se na implementao da Polti

    ca de EPS que a todo esforo e verbas empenhadas, dois aspectos iniciais

    persistiram durante o processo: de um lado, como j observado anterior

    mente, a satisfao dostrabalhadoresda sadeemseremchamadosarevere

    discutir a questo desta rea emsua locorregio. De outro lado, porm, no

    foi possvel verificar a ampliao dos nveis de participao nem destes tra

    balhadoresnemda populao nas decises que envolvem a sade de suaco

    munidadeounasde controle da aplicao adequada das verbas destinadas a

    seu municpio.

    Portanto, as reflexes realizadas pela pesquisadora apontam os limites

    das iniciativas pblicas voltadas implementao definitiva do conceito

    ampliado desade, ainda nobemelaborado e compreendido pelos sujeitos

    envolvidos nessa rea e pela sociedade em geral. Sobretudo, esse esforo de

    ruptura e superao do modelo curativo no se realiza de forma simplista,

    representa em si uma quebra dos paradigmas tradicionais da sade.

    Diantedessasconstataesconceituaisprimriaseobservaesempricas,

    verifica-se que ainda no h o conhecimento apropriado do que se constitui

    o SUS. O aspecto mais preocupante, observado no cotidiano, o prprio

    desencantamento dos trabalhadores da sade, fazendo parecer que essa po

    ltica pblica invivel para a sociedade atual. Isto leva a refletir se ostraba

    lhadores da sade acreditam nos princpios democrticos e participativos

    do SUS e, tambm, que motivos os levam a no acreditar no prprio poten

    cial de transformao.

    Esse aspecto, do desencantamento como prprio trabalho, pode ter sido

    influenciado pela desvalorizao queostrabalhadoresvmsofrendo aolon

    go dos anos, no interior dos servios, notada nas condies precrias de tra

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 23

    balho, nos salrios e cargas horrias diferenciados, nas interferncias polti

    co-partidrias, entreoutrasquestesqueapesquisa buscardesvendar.Ain

    da nessa reflexo, h uma ideia construda socialmente de queo SUS para

    pobre, e que o atendimento pblico no precisa de qualidade, o que leva a

    pensar que apenas com a crtica permanente, desvendando o processo de

    dominao das relaes sociais e os mecanismos criados, acompanhando o

    movimento da sociedade, ser possvel desvendar essas ideias e conceitos

    construdos historicamente no capitalismo.

    A Poltica de EPS aponta o fortalecimento da gesto participativa e da

    responsabilidade compartilhada, com dispositivos que ampliem os espaos

    para o exerccio do dilogo, integrao, participao, troca de experincias e

    deconhecimentosea buscaderespostas e soluescoletivasparaproblemas

    queimpedema ateno integral ede qualidade.Aomesmo tempo, estimula

    a formao e o desenvolvimento de profissionais queatendam s necessida

    des dos servios pblicos, a partir de interesses e prioridades identificados

    pelos prprios sujeitos envolvidos na sade.

    Acriao desses espaos democrticos dentro doSUS, os Polos instn

    cias interinstitucionais e locorregionais ou rodas de gesto para conduo

    colegiada da poltica nas diversas regies do Pas e com uma composio

    embasada no quadriltero do SUS, demonstrou o poder de organizao dos

    atores sociais da sade.Oquadriltero, na compreenso da poltica, confi

    gurado por gestores municipais e estaduais, formadores de instituies com

    curso para os trabalhadores da sade, servios de sade representados pelos

    trabalhadores da rea e pelo controle social ou movimentos sociais de parti

    cipao no SUS (Brasil, 2004a). Desse modo, no quarto captulo, a anlise

    est centrada na construo desse processo na locorregio de Franca.

    Destaca-se que a Poltica de EPS teve a ousadia de propor uma ao

    intersetorial articulada para construir um diagnstico locorregional, com a

    participao dos atores sociais na corresponsabilidade de identificar as ne

    cessidadese definir as prioridadesdeformaodostrabalhadoresdasadea

    partir das necessidades de sade. Mas por que a Educao Permanente em

    Sade? Deacordo coma conceituao, a EPS uma ao pedaggica adota

    da para enfocar o cotidiano do trabalhoemsade, realiza a agregao entre

    aprendizado, reflexo crtica sobre o trabalho e resolutividade da clnica e

    da promoodasade coletiva (Brasil, 2004a, p.2).Umprocesso queleva

    reflexo e autoanlise do trabalho.

  • 24 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    Ceccim(2005a, p.161) esclarece quecomo vertentepedaggica aedu

    cao permanente ganhou estatuto de poltica pblica na rea da sade pela

    difuso da Organizao Pan-Americana de Sade (Opas) para alcanar o

    desenvolvimento dossistemasdesadenaregio: [...] os serviosso orga

    nizaes complexas em que somente a aprendizagem significativa ser ca

    paz de adeso dos trabalhadores nos processos de mudanas no cotidiano.

    Asadetem, assim, o desafio deincorporaro processo educativo ao cotidia

    no de trabalho.

    Dessaperspectiva, a educao permanenteestimulaa reflexonomundo

    do trabalho e pode contribuir para melhorar a qualidade da assistncia, in

    corporando nas aes desadeosprincpios e valores doSUS da integrali

    dade da ateno, da humanizao do cuidado e do reconhecimento da auto

    nomia e dos direitos dos usurios dos servios de sade.Aconstruo desse

    aprendizado necessria paraumnovo mododefazer sade. Assim, oobje

    to de investigao da pesquisa a implementao da Poltica de Educao

    Permanente aos trabalhadores da sade.

    Importa ainda esclarecer que a Poltica de EPS apresenta o conceito de

    locorregio para referir a umnovomodo de construir sade, comoumlugar

    aberto que considera as necessidades e as demandas dos servios de sade

    locais e regionais e a participao efetiva dos atores sociais, para disseminar

    a capacidadepedaggica na rededo SUSe descentralizara gesto dessepro

    cesso comconfigurao locorregional. Assim, a locorregio maior queum

    municpio, mas menor que um Estado, podendo incidir em territrios de

    interesses comuns, cumprindo um papel de ativao de processos solidrios, um sistema de servios capaz de acolhimento, responsabilidades,

    resolutividade, sem nenhum suposto hierrquico entre os vrios atores so

    ciais e rgos federados. O territrio constri a ideia de responsabilidade

    sanitria.

    Essenovomododeconstruir sadenalocorregio, orientadoporCeccim

    (2005a, p.174), abrange a noo de territrio que no fsico ou geogrfi

    co, o da sade eo do trabalho, umprocesso para a construo da inte

    gralidade, da humanizao e da qualidade da ateno e gesto [...], e de

    afirmao da vida pelo desenvolvimento dos usurios e da populao em

    matria de sade. Ou seja, um lugar aberto com capacidade de construir

    umapedagogia no cotidiano dos servios; por isso acomposio mltipla do

    Polo to importante, para ativar o [...] aprender aaprender: experimenta

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 25

    o e compartilhamento de problematizaes e prticas de pensamento em

    ato (Ceccim, 2005a, p.175).

    Umaquesto queseobservoudesde os contatos iniciais para a realizao

    da pesquisa foi a comprovao de que essa foi a primeira oportunidade em

    que a formao pela tica da educao permanenteemsadetornou-se uma

    poltica pblica, visto que exige alteraes na mudana da mentalidade da

    prestaodeatendimentocomqualidadeparao direitodo usurioqua

    lidade em sade. Acredita-se que as dificuldades de aplicao dos princ

    pios e diretrizes do SUS so consequncias no s da falta de compromisso

    polticodos gestores, dainabilidadeedo poucocontrolesocial efetivo,como

    tambm de descontinuidades dos processos motivacionais e educacionais

    sofridos por longo perodo pelos trabalhadores da sade, notadamente da

    ateno primria.

    Surgiu, ento,a ideiadeque, talvez, tambmacontecesseo inverso, eque

    os centros de decises polticas no tivessem a informao de como o SUS

    est sendo resolvido no interior do Estado de So Paulo noque tange reor

    ganizao das atuais estratgias de operacionalizao e na implementao

    da Poltica de EPS.Visando garantir a realizao dessa poltica nos munic

    pios, foram criados os Polos do SUS, como objetivo de desenvolver estrat

    gias de formao em sade para a construo de um conhecimento signifi

    cativo e crtico do trabalhador da sade, ator prioritrio na formao da

    locorregio (Brasil, 2005a).

    Aimplementao do Polo esua avanadaproposta dereforar aregiona

    lizao e descentralizao das aes e decises de sade pareciam abrir ca

    minho para se repensar novas formas de compromisso como SUS comoum

    todo. Ampliavam-se de novo as racionalidades emanantes da concepo de

    sade, vinculando-a por sua intersetorialidade formao dos trabalhado

    res da sade. Foi quando seacreditou ser possvel e importante realizar uma

    investigao cientfica sobre a implementao da Poltica de Educao Per

    manente em Sade na locorregio de Franca. Foram essas questes quetor

    naram o aporte terico e investigativo, bem como as medidas para a imple

    mentao definitiva do Sistema nico de Sade na locorregio, tema de

    interesse da atual pesquisa.

    Durante o encaminhamento dessa pesquisa, foi progressivamente agru

    pando-se a necessidade de esclarecimentos. Como a educao permanente

    emsade pode ser potencializada? Qual a possibilidade de aproveitar asex

  • 26 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    perincias e saberes dos atores sociais envolvidos na sade? Qual a inteli

    gncia que est faltando para que a formao dos trabalhadores da sade

    atenda s necessidades dos servios pblicos? E, por fim, os trabalhadores

    acreditam no potencial de transformao? Envidaram-se esforos nessa di

    reo, na busca de respostas que pareceram pertinentes como forma de en

    caminharosresultados para a populao usuria, gestores, trabalhadoresda

    sadee comunidade acadmicaem geral. Esse estudo deparou-secoma falta de documentao das atividades desenvolvidas pelo Polo de EPS da

    locorregio e ausnciadeumsistemademonitoramento eavaliao das aes

    propostas e/ou desenvolvidas.

    Constatou-se que, durante o processo de implementao da Poltica na

    locorregio e no desenvolvimento das aes deEPS junto aos trabalhadores

    dasade, reproduziu-seomodelo deateno curativaedegesto centraliza

    dora e autoritria, pela falta decompreensodoque aeducaopermanen

    te em sade e dos princpios que norteiam a prpria poltica e o SUS.Tam

    bmno era do conhecimento dossujeitos envolvidosnemdomontantedos

    recursos empenhados pelo Ministrio da Sade as prioridades de aplicaoouqualqueroutrainformaosobreos aspectos financeirosda implementa

    o da Poltica. Por esse motivo, essa informao no consta do corpo da

    explicao da realidade de sade em Franca e sua locorregio (Bertani et al.

    2008).

    Explicar como se d esse processo na locorregio de Franca e prestar co

    laborao por meio de propostas embasadas cientificamente a motivao

    do trabalho, na transformao da realidade social. Prope-se ainda a forne

    cer subsdios para a consolidao das diretrizes pressupostas pelo SUS eum

    acrscimo de elementos para melhor estruturar as aes de formao na es

    tratgia deeducao permanenteemsadeoudo aprendera construir sa

    de, um desafio para os atores da sade, como debatido por Bertani et al.

    (2008).

    Acredita-se que a contribuio da pesquisa d-se tambm na relevncia

    dos resultados que uma iniciativa de investigao cientfica interinstitucio

    nal voltada para a melhoria de condies de sade da prpria comunidade

    pode significar, bem como que essas iniciativas fortalecem a intersetoriali

    dade em sade, superando a fragmentao das polticas que se revelam na

    universidade, nos servios e na gesto, articulando os diferentes setores da

    sociedade (local e regional) na resoluo de problemas.

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 27

    Foram essas reflexes que tornaram o aporte terico e investigativo,

    bemcomo as medidas para a implementao definitiva doSUS na locorre

    gio, as quais se tornaram inquietaes da atual pesquisa. So pondera

    esquesetmaprofundado nosespaosacadmicose coletivos,preocupa

    dos com a efetivao dos princpios e das diretrizes desse rgo pblico e

    de suas polticas (Sarreta & Bertani, 2006). Compreende-se ainda que,

    nesses espaos, so fortalecidas as propostas que envolvemo entendimen

    to do direito universal sade e o direcionamento do SUS e seus rgos

    representativos. O SUS tem claramente dois caminhos: o da privatizaoou da implementao efetiva, uma questo para ser debatida e analisada

    profundamente.

    Ao enfocar-se a ampliao da responsabilidade coma incluso das aes

    de formao dos trabalhadores da sade, pode-se dizer que, apesar dos de

    sencantamentos, o SUS ainda se move (Campos, 2007b, p.302) e exige

    novas formas de se pensar e praticar democracia. Da universidade, deman

    da a capacidade derepensar as velhasformasdefazer sade, apesardosobs

    tculos, eo reforo das vantagens ao instar novos significadospara a vida da

    populao. No h soluo possvel para a sade de todos os brasileiros que

    no passe pelas novas propostas de reviso do modo de fazer sade.

    Uma focalizao prioritria na ateno primria e na preveno e na

    formao dos trabalhadores da sade o nico caminho para conseguir-se

    implementar os ideais deuniversalizao, participao comunitria eaten

    dimento integral. O aporte terico leva incisivamente a confirmar a ne

    cessidade dos novos arranjos para a sobrevida do SUS e as aes que o en

    volvem. Desse modo, concentra-se a ateno na temtica da educao de

    incluso e de cidadania.

    Percebe-se, portanto, que o entendimento do SUS costuma, frequente

    mente, estar ligado s condies de custo-benefcio na aplicao de recur

    sos, esquecendo-sesituaescomunitriasdebase cultural edaprpria for

    ma de gesto local. Essa outra temtica que se pretende abordar neste

    trabalho: a implementao das diretrizes estabelecidas constitucionalmen

    te. Pode-se cogitar que, se o SUS encontra-se ainda muito afastado de sua

    realizao, essa incompletude talvez se deva a fatores resultantes das for

    mas de envolvimento dos sujeitos sociais e de aspectos resultantes dedeci

    ses provenientes de escales superiores, no satisfazendo propriamente

    os anseios da populao a ser beneficiada.

  • 28 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    A percepo de que [...] necessrio mudar o enfoque, a maneira de

    pensar sobre a sade e a ateno mdica, para Temporo (2007, p.6),

    leva a refletir a complexa teia de relaes que envolvem o processo sa

    de-doena, a gesto e o trabalho na sade, em comparao com a orga

    nizao da poltica de sade, com as demandas vivenciadas pelos diver

    sos servios e com a indstria farmacutica e de equipamentos. Tambm

    a ateno chamada pela compreenso das relaes complexas em queos eventos, citados por meio de cenas do cotidiano, mantm entre si e com

    o universo mais amplo. H, portanto, uma convocao para um trnsito permanente entre macro e micro questes, entre diferentes dimenses

    onde se tecem, cotidianamente, os encontros entre os principais atores

    desse processo: gestores, pacientes e profissionais da sade (Temporo,

    2007, p.8); e o compromisso em [...] articular a compreenso dos de

    terminantes da sade da populao brasileira com o conjunto de provi

    dncias e aes possveis dentro da governabilidade setorial (Temporo,

    2007, p.9).

    Nesse sentido, os processos de trabalho, no setor de sade, constitu

    ram-se a partir das condies histricas de seu desenvolvimento como

    poltica pblica. E entende-se que h de se considerar, tambm, as di

    menses tecnolgicas e organizacionais (Laurell, 1989) que interferem no

    trabalho, tanto no setor da sade como no mercado e nas relaes sociais,em geral. As reflexes apontam para considerar o paradigma poltico

    assistencial que orienta a formao dos trabalhadores da sade.

    Como assinalado anteriormente, a vivncia da pesquisadora no Polo de

    EPS da locorregio, apesar dos limites e dificuldades de construir o dilogo intersetorial, possibilitou a identificao de interesses e a construo

    de aes e parcerias interessantes relacionadas Universidade Estadual

    Paulista (Unesp), campus de Franca, por meio do Grupo de Estudos e Pes

    quisas sobre Sade, Qualidade deVida e Relaes deTrabalho (Quavisss),

    que conseguiu em sua experincia provocar e construir o processo da po

    ltica de EPS de estabelecer parceria e intersetorialidade, quando o proje

    to original desta pesquisa foi encaminhado e aprovado pela Fundao de

    Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo Fapesp, no Convnio Fapesp

    CNPq-SUS, tema Gesto Descentralizada do Sistema nico de Sade

    (SUS) Programa Fapesp de Polticas Pblicas/SUS, do qual recebeu

    apoio financeiro e incentivo para seu desenvolvimento.

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 29

    Para viabilizar este projeto, realizou-se parceria com trs rgos repre

    sentativosdasadedalocorregio: UniversidadeEstadual Paulista(Unesp),

    campus deFranca (Departamento deServio Social), a ento DireoRegio

    nal da Sade DIR XIII (substituda pelo atual Departamento Regional de

    SadeDRSVIII), a Secretaria Municipal deSadedeFranca eoCentro de

    Referncia em Sade do Trabalhador (CRST). As pesquisadoras envolvi

    dasnaquela pesquisa,16ao todo, fazempartedoGrupoQuavisss, cujaiden

    tidadeest, preferencialmente, ligada produo cientfica, na realizao de

    pesquisas empricas voltadas rea da sade no municpio de Franca e re

    gio. A relao interna do Grupo Quavisss de interdisciplinaridade e for

    mao, respeitando-se o conhecimento plural construdo nas investigaes

    de campo, nos debates tericos e nas discusses das experincias sentidas,

    vividas e analisadas. O resultado desse projeto coletivo est organizado no

    livro Aprendendo a construir sade: desafios na implementao da poltica de

    educao permanente em sade(Bertani et al., 2008), o qual referncia, nes

    te estudo.

    Deste modo, os estudos na rea da sade merecem cada vez maior aten

    o, no s pela importncia queadquirem deampliar o debate e anlisesdo

    modode pensar e agir dos sujeitos quea so definidosequevmimprimin

    do significado, como pela presena significativa da populao do Pas nessa

    rea. O conhecimento, portanto, um desafio e tem a finalidade de melho

    rar a vida das pessoas e a inteno de ampliar as alternativas apropriadas s

    mudanasdarealidade.Torna-se,assim, necessrio enfatizarqueapesquisa

    no percadevista a viso interdisciplinar, a capacidade crtica e a autocrtica,

    colaborando como desenvolvimento dos trabalhadores da sade queconsi

    deram o usurio como sujeito de sua histria.

    Deve-se enfatizar tambmque, durante o desenvolvimento da pesquisa,

    as anlises, muitas vezes, partiam docampo terico para chegar s constata

    es empricas; em outras situaes, tomavam como base as experincias

    prticas para as reflexes tericas, importando ressaltar que cada um dos

    pontos desse desenho apontava para suas contradies internas e da prpria

    sociedade. Somente desse modo que se pode desenvolver o hbito da pr

    xis, a leitura e a constatao emprico-terica da realidade, assim como a

    atuao no campo de prtica: a rea da sade.

  • 1A CONSTRUO DA PESQUISA

    A metodologia

    Aconstruodo percurso aqui relatado teveporbasedesustentaouma

    pesquisadecamporealizadanarede pblicadesadedalocorregiodeFran

    ca/SP. Foi circunstanciada pela vigncia da Poltica de Educao Perma

    nenteem Sade, implementada a partir de 2003, que impulsionou o desen

    volvimento da formao dos trabalhadores da sade. O trabalho de campo

    foi uma etapa que estabeleceu uma ao combinada entre levantamento bi

    bliogrfico, pesquisa documental, observaes, coleta de dados e entrevis

    tas, alm deum dirio de campo.

    Procurou-se, assim, garantir uma viso globalizadora do processo, con

    siderando que esta etapa da pesquisa importante para o levantamento dos

    problemas, a construo terica e a busca de proposies, baseando-se no

    conhecimentoanteriormenteconstrudo (Seabra,2001).Otrabalhodecampo

    apresentou-secomopossibilidadedeconseguirnosumaaproximaocom

    o dado emprico que se deseja conhecer e estudar, mas [...] tambm criar

    umconhecimento,partindodarealidadepresentenocampo(Minayo,2000,

    p.51).

    A anlise da educao permanenteemsade (EPS)como estratgia para

    formao dos trabalhadores visando consolidao do Sistema nico de

    Sade (SUS) requer como base a compreenso histrica que d conta da ar

    ticulao entre economia e poltica, produo e reproduo social, para que

    evite reforarumadiscusso eivada denfasesburocrticasetecnicistaspre

    dominantes no fazer pensar da rea da sade.

  • 32 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    H, certamente, vrias perspectivas tericas a partir das quais possvel

    analisar as questes de sade-doena, mas aque est sendo enfatizada neste

    estudo aquela que se situa na dimenso histrica. Marx & Engels (1987)

    reconhecemna Cincia da Histria ou Cincia Social daHistria, condies

    deabranger tanto a naturezaquanto omundodoshomenscomcondiesde

    levar em conta, de forma concreta e material, as relaes da vida humana,

    como as histrico-sociais.

    A partir domodoadotado devero mundo, aquesto fundamental para o

    desenvolvimento do ser social a categoria trabalho, por meio da qual cabe

    aos seres humanos produzir e reproduzir sua vida material. O primeiro

    pressuposto de toda a existncia humana e, portanto, de toda a histria,

    que os homens devem estar em condies de viver para poder fazer hist

    ria (Marx & Engels, 1987, p.39). Os autores frisam que a manuteno da

    vida depende das condies materiais, como alimentao e habitao, e as

    sim expem que [...] o primeiro ato histrico , portanto, a produo de

    meiosquepermitama satisfao dessas necessidades, aproduo daprpria

    vida material (Marx& Engels, 1987, p.39). Desse modo, a manuteno da

    vida humana e, por conseguinte, a construo dos meios de vida determi

    nada pela relao do homemcom a natureza.

    A capacidade criadora do homem manifesta-se no trabalho, condio

    especificamente humana de transformar a natureza em coisas teis, segun

    do seus interesses. Essa habilidade lhe possibilita a transposio do serme

    ramente biolgico para o social. [...] Pe em movimento as foras naturais

    de seu corpo pernas e braos, cabea e mos , a fim de apropriar-se dos

    recursosdanatureza,imprimindo-lhesvida til vidahumana(Marx,2006,

    p.211). , portanto, por meio da relao do homemcoma transformao da

    natureza que ele se constri.

    Marx (2006), ao distinguir a atividade de animais (relaciona a aranha ao

    tecelo eaabelhaao arquiteto) edohomem, pressupeotrabalhocomouma

    especificidade humana em funo da antecipao mental do produto final.

    NaIdeologiaAlem (1987), a essnciadoshomensaproxima-sedomodode

    produoedas relaessociais estabelecidas.Nessesentidoquesublinham

    o carter social e histrico da produo, ou seja, a histria dos homens sus

    tenta-seemsua maneiradeproduzireemsuasrelaes sociais. Essadimen

    so do ser humano produtor, criador e histrico a prpria essncia huma

    na, que prtica e se manifesta socialmente.

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 33

    Destaca-sea relevnciadosdeterminantes sociais para acompreenso da

    relao sade-doena e seu pensar fazer dinmico e histrico no mbito da

    poltica pblica. A poltica de sade como produto histrico, ou seja, cons

    trudo socialmente, apresenta movimentos demarcados pelos conflitos de

    classes, pelo desenvolvimento do Estado, pelas concepes intelectuais e

    polticas e pelas derivaes institucionais da decorrentes.

    Neste contexto, Minayo (2004, p.14) chama a ateno para a questo da

    sade em sua dimenso de totalidade que envolve o conjunto das relaes

    sociaisvivenciadasnas reasdeproduo edascondiesdetrabalho e,como

    qualquer tema abrangente do universo cultural, deve ser entendida dentro

    de uma sociologia de classe.

    Porm, [...] as condies de vida e de trabalho qualificam de forma diferen

    ciada a maneira pela qual as classes e seus segmentos pensam, sentem e agem a

    respeito dela. Isso implica que, para todosos grupos, ainda quedeformaespec

    fica e peculiar, a sade e a doena envolvem uma complexa interao entre os

    aspectos fsicos, psicolgicos, sociais, ambientais da condio humana edeatri

    buio de significados.

    Segundo Teixeira (1989, p.20), as anlises dos tericos marxistas con

    temporneos introduziram os interesses de classes na anlise da poltica so

    cial, e [...] colocou-se a perspectiva e necessidadede tratar o Estado defor

    ma a comportar a anlise da luta de classes. Contudo, frisa a autora que a

    considerao dos conflitos de classes simplesmente no suficiente para

    transpor a reificao das polticas sociais e aponta a necessidade da [...] re

    flexo mais curada da prpria natureza do Estado, recuperando a noob

    sica da contradio e de suas manifestaes histricas concretas (Teixeira,

    1989, p.20).

    Acerca do processo de formulao de polticas de sade, Teixeira (1989,

    p.22) sublinha a adeso ao modelo que compreenda [...] no apenas osde

    terminantesestruturaisdainterveno estatal, contudo, maisespecificamen

    te, os processos histricos que configuram distintos padres de relao Es

    tado/sociedade. Assim, trata-se de um [...] produto do desenvolvimento

    histrico das relaes entre as foras polticas fundamentais.

    Na atual investigao, busca-se apreender esses elementos presentes nas

    falas dos sujeitos em suas mltiplas dimenses. A compreenso dialtica

  • 34 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    implicareconheceras possibilidadesdemudana etransformao social. Foi

    esta, portanto, amotivaopara se priorizar aabordagemmetodolgica, que

    segundo Demo (1985, p.36):

    Baseia-se na observao da realidade social e na adequao a ela da viso

    dialtica que privilegia: a) a contradio e o conflito predominando sobreahar

    monia e o consenso; b) o fenmeno da transio, da mudana, do vir-a-ser so

    bre a estabilidade; c) o movimento histrico; d) a totalidade e a unidade dos

    contrrios.

    A postura terico-metodolgica dialtica adotada nesta pesquisa consi

    dera no apenas a dinmica interna do objeto, mas suas relaes, as contra

    dies, os conflitos, seumododesere de reproduzir-se, para tornar possvel

    assimexplicarseumovimento,revelando sua essncia. Essecaminho situa a

    dimenso histrica e considera a relevncia dos determinantes sociais para a

    compreenso da relao sade-doena e seumodo depensar fazer dinmico

    e histrico no mbito da poltica pblica.

    Tratar as condies concretas da materializao da estratgia da EPS re

    quer,primeiramente,acompreensodo processodasdeterminaes sociais,

    polticas, econmicas e da produo intelectual no universo da locorregio

    de Franca/SP. Isto significa buscar nos alicerces da teoria marxista a base

    para a discusso do objetivo deste estudo. Deste modo, a partir do exerccio

    dialtico, procura-sedescobrir respostaspara questesqueelucidemascon

    tradies internas presentes nos seguintes pontos: o projeto que orienta a

    Reforma Sanitria brasileira, a criao do Sistemanico deSade; o proces

    sodeimplementaodaPolticadeEducaoPermanenteemSade; ocom

    promisso dos atores sociais do SUS e, em especial, a participao dos traba

    lhadores da sade. Compreende-se que essa poltica reflete as condies

    concretas para a efetivao dos princpios do SUSeumconsidervel impac

    to no cotidiano dos servios prestados populao.

    Aabordagemqualitativa adotadaalcana [...]umaaproximaofunda

    mental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos so da

    mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, s intenes, aos

    projetos dos atores, a partir dos quais as aes, as estruturas e as relaes

    tornam-se significativas, esclareceMinayo(2000, p.8). Paraaautora (2004,

    p.134), ela se torna importante para compreender [...] as relaes que se

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 35

    do entre atores socais tanto no mbito das instituiescomodosmovimen

    tos sociais [...], para a avaliao das polticas pblicas e sociais tanto do pon

    to de vista de sua formulao, aplicao tcnica, como dos usurios a quem

    se destina.Para realizar tais propsitos, foram realizadas entrevistas

    semiestruturadas (Trivios, 1987), as quais sempre baseadasemumroteiro

    queindicava ospontosquenopoderiamserdeixadosdefora paraumaan

    lise posterior (Apndice A). As entrevistas semiestruturadas permitem co

    nhecer o que o sujeito expressa sobre seus pensamentos e sentimentos do

    assunto,comliberdadepara manifestaroquejulgaimportante;almdomais,

    permitem obter respostas a indagaes previamente formuladas e relevan

    tes ao estudo em questo.

    As entrevistas foram registradas em gravador com autorizao formal1

    dossujeitosdapesquisa, posteriormentetranscritas, parapermitiremomer

    gulhona hermenuticadossignificadosena representaodecadaafirma

    o scio-historicamentelocalizada,conformenosrecomendaMinayo(2004)

    para esses casos. Esse procedimento possibilitou melhor interpretao das

    falas entre os sujeitos da pesquisa e a autora, assegurando a fidedignidade

    das informaes e enriquecendo a coleta de dados.

    Como recurso para complementar os dados da pesquisa, e pela natureza

    do trabalho e lotao funcional prpria da pesquisadora na sade pblica

    municipal de Franca/SP, a observao participante foi um recurso funda

    mental nesse processo. Assim, deixou-seemaberto a possibilidade de utili

    zar diversas tcnicas de abordagens e de anlises, de vrios sujeitos e pontos

    de observao, que foram estabelecidas conforme o adensamento do conta

    to emprico, pois foi possvel somente a delinear esse quadro com maior

    clareza.

    Essa diversificada ancoragem permite agora descrever os mecanismos

    adotados na estratgia da educao permanente em sade para o encami

    nhamento de suas questes intrnsecas, tais como a natureza do impacto

    dessas aesaostrabalhadoresdasadenalocorregio eos reflexospercebi

    dos emuma eventual melhoria na ateno dos usurios do SUS.

    1 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme determinao do Conselho de tica em Pesquisa (Conep). Braslia, Distrito Federal.

  • 36 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    Parao alcance do objetivo proposto nesta pesquisa, conhecer, analisar e

    explicar experincias que potencializam a educao permanente em sade

    como estratgia para a formao dos trabalhadores da sade e consolidao

    do Sistema nico de Sade (SUS) na locorregio de Franca/SP, props-se

    estudar a Poltica de EPS durante os anos de 2005 a 2008.

    Decidiu-se dar incio anlise enfocando um dos atores do SUS, os tra

    balhadores da sade, no desconsiderando a importncia dos usurios,

    gestores e formadores para a compreenso do processoempauta.Ointeres

    se imediato nos trabalhadores da sade deveu-se ao objeto declarado de in

    vestigao, ou seja, a formao dos trabalhadores da sade e a utilizao das

    novas ferramentas por meio da educao permanente e dos novos saberes

    trocados e desenvolvidos nos processos de trabalho.

    Com essa proposio investigativa, o Polo de Educao Permanente em

    Sade do Nordeste Paulista da locorregio de Franca/SP caracterizou-se

    como espao representativo e de referncia no processo de implementao

    das aes de EPS, com a funo principal de integrar o quadriltero do SUS

    trabalhadores, gestores, formadores erepresentantesdo controle social e

    identificar problemas, prioridades e alternativas de formao. Desse uni

    verso, a escolha dos sujeitos da pesquisa os trabalhadores da sade le

    vou-se em considerao o objetivo proposto, os pressupostos tericos e o

    movimento da realidade.

    Paraa seleodossujeitos, utilizou-secomo critrio a participao destes

    na implementao da Poltica, enquanto facilitadores deEPS.Emateno a

    essa nova dinmica, em 2005, o Ministrio da Sade desencadeou umpro

    cessodeformao no PasnoCursodeFormaodeFacilitadoresdeEduca

    o Permanente em Sade, por meio da Educao a Distncia (EAD), com

    objetivo de ampliar a massa crtica capaz de atuar e desenvolver a educao

    permanente no sistema de sade.

    O Polo da locorregio de Franca indicou 22 facilitadores de EPS e um

    tutor para desencadear as aes de EPS.A indicao seguiu recomendaes

    e critriosdo Ministrio daSade, e asvagasforampactuadasjunto aoCon

    selho Estadual de Secretrios Municipais de Sade (Cosems) para aes de

    formao e repasse de recursos financeiros previstos.2

    2 Resoluo no 335, de 27 de novembro de 2003 (Brasil, 2003a).

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 37

    Importa esclarecer queos22facilitadores deEPSindicadosparao Curso

    de Formao de Facilitadores de EPS no representavam o quadriltero do

    SUS: 16trabalhadoresda sade, cinco gestores eumcontrole social. Obser

    va-se que a prioridade na escolha dos trabalhadores da sade significativa

    pelas prprias orientaes da Poltica, entretanto, os formadores foram ex

    cludos do processo, e houveumarepresentatividade pequena dosusurios.

    Adianta-sequedos22 facilitadoresdeEPS,13desistiram esomentenove

    concluramo CursodeFormao,sendoquetodos so trabalhadoresdasa

    de. Resulta da que, no transcorrer da pesquisa, foram entrevistados quatro

    sujeitos participantes do processo, uma vez que estes facilitadores de EPS

    so, ao mesmo tempo, trabalhadores da sade. A ttulo de amostragem, es

    colheu-se, a princpio, umsujeito envolvido no Curso deFormao progra

    mado, e posteriormente, expandiu-se o universo com vistas construo da

    viso de mundo ampliada desta pesquisa.

    A seleo dos quatro sujeitos, do universo de nove facilitadores de EPS,

    deu-se em razo da facilidade de contato e aceitao ao convite realizado

    pela pesquisadora. Houve o cuidado de garantir a representatividade dos

    municpios do Polo da locorregio, os quais no sero divulgados para pre

    servar a identidade dos sujeitos.

    Os trabalhadores da sade selecionados responderam e contriburam

    prontamente ao convite para participar do desenvolvimento da pesquisa.

    Percebeu-se uma grande satisfao desses sujeitos durante as entrevistas, o

    prazer de falar do prprio trabalho e de expressar a opinio a respeito do

    SUS e do processo de formao vivenciado, enfim, da satisfao de serem

    ouvidos. Aos sujeitos, esclareceu-se a proposta da pesquisa e foi explicitado

    seu carter acadmico, parte do processo de qualificao docente.

    As entrevistas foram realizadas nos locais indicados pelos sujeitos: trs

    no local detrabalhoeumanaresidncia, e procurou-seresguardaraautono

    mia dos sujeitos e da pesquisadora ante o universo institucional.O objetivo

    da pesquisa foi interpretado como ode conhecer a vivncia deles no cotidia

    no da sade pblica e a opinio sobre o SUS e a poltica de EPS, sendo os

    informantes mais qualificados porque vivenciam o trabalho nas unidades

    de sade.A leitura do formulrio de entrevista foi realizada, e somente aps

    o esclarecimento de dvidas, a entrevista foi iniciada.

    Tais recursosforamfundamentaispara permitir aredao deste trabalho

    e a honestidade das informaes apresentadas, respeitando-se os princpios

  • 38 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    ticos3 da pesquisa em sade. O trabalho de campo foi todo realizado pela

    autora, contandocom auxiliar de pesquisa na transcrio das fitas gravadas.

    Conformecombinado, aps a transcrio das entrevistas, estas foram enca

    minhadas aos sujeitos, para leitura e aceitao, informando que as falas po

    deriam ser corrigidasem relao gramtica e ortografia, mas o contedo

    no deveria ser alterado. Portanto, o material das falas utilizado neste traba

    lho segue a particularidade da correo de cada sujeito.

    Como diz Minayo (2004, p.109), a fala dos sujeitos [...] reveladora de

    condies estruturais, de sistemas de valores, normas e smbolos, e ao mes

    mo tempo, tem a magia de transmitir, atravs deumporta voz, as represen

    taesde grupos determinados, emcondies histricas, socioeconmicase

    culturais especficas.

    Os quatro sujeitos entrevistados so servidores municipais e desenvol

    vem atividades nas unidades desade da locorregio no atendimento direto

    ao usurio e, ainda, na gesto deprogramas e projetos,emservios adminis

    trativos e como representantes em conselhos de direitos, entre outras.

    Todos trabalhamemunidades de ateno bsica diferenciadas4 e esclare

    cemque, apesardoenfoquecurativo aindapredominante,desenvolvemaes

    de preveno em sade com grupos de usurios, atividades informativas re

    lacionadas aos programas, servios e recursos institucionais e comunitrios

    existentes, visitas domiciliares (svezes,emequipe),atendimento individual

    para acompanhamento.Etambm realizam atividadescom a equipe desa

    de, relacionadas integrao, informao, avaliao, planejamento, mascom

    diversos limites colocados pela grande demanda e limites institucionais.

    Relatam que a rea da sade pblica foi, alm da necessidade bsica de

    trabalhar,umaopopessoal eprofissional.Demonstramidentificaoegos

    to pelo que fazem.Todos os quatro sujeitos tm formao superiorem nvel

    de graduao, e estes tm formao: umemaperfeioamento na rea espec

    3 Resoluo 196/96do Ministrio da Sade (Brasil, 1996). Sendo o projeto aprovado peloComitdeticae Pesquisa daUnespUniversidade Estadual Paulista, FaculdadedeMedicinade Botucatu, campus de Botucatu.4 Segundo o Ministrio da Sade, o Brasil registrou em 2005 um total de 44.223 Unidades

    Bsicas de Sade. Elas podem variar em sua formatao, adequando-se s necessidades decada regio, e podem ser: unidade de sade da famlia; posto de sade; centro de sade/uni

    dade bsica de sade e podem ou no oferecer pronto atendimento 24 horas; unidade mvelfluvial; unidade mista e ambulatrios de unidade hospitalar geral (Brasil, 2006b).

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 39

    fica, dois em administrao pblica, doisem especializao na sade coleti

    va, um como conselheiro-gestor e quatro em formao em Facilitadores de

    EPS, o que evidencia uma busca pela formao e qualificao profissional

    permanente voltada para as necessidades nascidas no trabalho na sade.

    No decorrer da anlise das falas, eles esto apresentados como S (sujei

    tos), identificando cadasujeitocomoS1,S2,S3eS4,considerandoasequncia

    derealizao das entrevistas. Esclarece-se, tambm, queas falas dos sujeitos

    esto intercaladas no corpo do trabalho. O tempo de trabalho na sadep

    blica de S1, 22 anos; S2, 13 anos; S3; 26 anos e S4; 10 anos, o que leva a

    considerarqueessetempodetrabalho demonstraconhecimento eexperin

    cia relacionada rea.

    A pesquisadora, que exerce sua funo como trabalhadora da sade, se

    autorreconhecenas falas dos sujeitos entrevistadoscomo protagonistas, que

    tambm o so, do prprio processo de aprendizagem da educao perma

    nente em sade que se procura efetivar. Enquanto se realizavam a pesquisa

    e as entrevistas, a pesquisadora estudava o processo, buscando construir a

    realidade enquanto se identificava como sujeito aprendiz.

    Aconstruo da trajetria investigativa tevecomo base a coleta de dados

    e de informaes provenientes por meio da anlise de: entrevistas com os

    trabalhadores da sade, como descrito anteriormente; legislao vigente e

    polticasdesadesobreo tema; relatrios finaisdasConfernciasNacionais

    de Sade; relatrios da Organizao Mundial de Sade (OMS); relatrios

    da Organizao Pan-Americana de Sade (Opas); documentos e relatrios

    do Ministrio da Sade; documentos da Secretaria de Gesto doTrabalho e

    da Educao em Sade; programas, projetos e/ou aes desenvolvidos so

    bre o tema, na locorregio; documentos do Polo de Educao Permanente

    do NordestePaulista e, pesquisasuplementardedados(pesquisa bibliogr

    fica, pesquisa digital em internet), os quais acrescentaram conhecimento

    investigao, deram densidade ao objeto de estudo e contriburam para ex

    plicar a trajetria adotada no processo.

    Na organizao dos dados empricos, priorizou-se o uso da tcnica de

    anlisedecontedo, a qual, segundo Minayo (2004), aparececomoumcon

    junto de tcnicas.5 Estas utilizam procedimentossistemticose objetivosde

    5 Seguindo metodologia exposta por Minayo (2004), a anlise de contedo contemplou as seguintes etapas: pr-anlise: quando as ideias iniciais so sistematizadas; define um plano de

  • 40 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    descriesde contedo das mensagens6, o que possibilita descobrir os siste

    mas de relaes e as regras de encadeamento e de associaes nas falas dos

    sujeitos.

    Recorreu-se discusso terica da influncia da macroestrutura sobre a

    sade humana e os servios pblicos/papel do Estado, centrando o olhar

    pela via dos eixos temticos evidenciados na fala dos sujeitos e na escolha

    sistemtica deaspectos que sedestacaramno objeto do estudo. importan

    te enfatizarqueo objeto deestudo desta pesquisa configura a interface entre

    a formao e a compreenso do conceito ampliado de sade, o que leva a

    avaliar a articulao entrea prtica educacional e profissional naperspectiva

    do processo de trabalho.

    Em seguida ao tratamento dos dados coletados, a anlise e interpretao

    das informaes apreendidas apontam para uma aproximao da realidade,

    permitindo sua revelao no s do aspecto descritivo e tcnico, mas tam

    bmdopanorama poltico que aenvolve.Tema finalidade, conforme expli

    ca Minayo (2004, p.69), de [...] estabelecer uma compreenso dos dados

    coletados; confirmar ouno os pressupostos da pesquisa e ampliar oconhe

    cimento sobre o assunto, articulando-o ao contexto cultural da qual faz par

    te. Esto contidas no mesmo movimento e apontam a ideia de no criar

    modelos e no perder a perspectiva de totalidade.

    As categorias terico-analticas esto continuamente inter-relacionadas

    na investigao, j que todas servem para explicar o mesmo acontecimentoou evento, no caso, a implementao da Poltica de Educao Permanenteem Sade para a consolidao do Sistema nico de Sade (SUS) na

    locorregio mencionada. Assim, a anlise das condies para aparticipa

    opassafundamentalmentepelasdeterminaesmateriaisdetrabalho(pro

    duo) e do envolvimento dos sujeitos neste processo.

    Os entraves e incentivos para ocorrer essa participao servem tambm

    para informar as relaes sociais, que originam e provocam possibilidades

    de transformaes na realidade social abstrata e material que ajudam na

    anlise mediante material coletado na pesquisa de campo; explorao do material: definiodas modalidades temticas pelo processo de codificao das entrevistas; tratamento dos resultados, inferncia e interpretao.6 Valendo-se de uma fundamentao terica, essa fase permite a interpretao dos resultados

    conforme categorias estabelecidas nas fases anteriores.

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 41

    efetivao do SUS. A formatao da relao ensino-aprendizagem, baseadano conhecimento da Poltica de EPS, a formao dos sujeitos, o

    entrosamento e a integrao dos diferentes atores doSUS explicam odesen

    volvimento da conscincia social ou sanitria do SUS ou a manuteno das

    prticas alienadas. Evidencia-se, portanto, que os depoimentos dos sujeitos

    durantea realizao dasentrevistasconvergiamparaaspectosqueforamiden

    tificados como as ideias a respeitodoSUSeo compromissocom asa

    de pblica, nas quais se concentram as opinies e conceitos relaciona

    dos ao trabalho no SUS enquanto poltica pblica, seu conhecimento e

    funcionamento,ebusca-seexplorarassugestesrelacionadasaoquepode

    ser diferente.

    Nascategoriasreferentes sperspectivasdossujeitosquantoimple

    mentao da Poltica de Educao Permanente em Sade eo signifi

    cado dessa formao, encontram-se expressa a relao ensino-aprendiza

    gem, baseada no uso da metodologia da problematizao recomendada e/

    ou utilizada. Os resultados das experincias vivenciadas encontram-se na

    anlisedoconhecimentodessa Polticaenaspossibilidadespara apoten

    cializao da educao permanente, quando se procurou explorar o n

    vel de integrao dos atores sociais no Polo.

    Osproblemas prioritrios dalocorregio eo processo deseleo dosfaci

    litadores de EPS so aspectos que remetem aos questionamentos acerca do

    compromisso para a construo do processo pedaggico e poltico na

    locorregio e das expectativas quanto ao SUS para a manuteno ou forma

    o denovos saberes nas prticasde sade.Adiscusso passa, portanto, pe

    los princpios do SUS,com privilgio do mtodo dialtico, emconexo com

    a conscincia social e sanitria do trabalhador da sade e dos demais atores

    envolvidos. No se trata de uma construo parte da realidade social, ex

    terna ou uma [...] inveno fantasiosa do esprito humano, mas de um

    conhecimentoembasadonadiscusso dialticadefendidaporMarx&Engels

    (1987) e por Lukcs (1989), cuja teoria se constri na ao.

    Assim, a conscincia o produto social da necessidade eda ao humana

    no meio sensvel e na natureza, a qual se constri na relao com os outros

    seres humanos dentro de determinadas condies de produo. O pressu

    posto fundamental aperspectiva histrica no sentido de permanentecons

    truo, ou seja, como produto da ao e interao dos indivduos em socie

    dade, naqualosfenmenoseconmicose sociaisnoso uniformese iguais,

  • 42 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    mas se apresentam a partir do princpio do conflito e da contradio, sendo

    esses elementos que tornam possvel a transformao da realidade.

    Diante da complexidade da proposta, buscou-se apresentar os dados de

    forma que possibilitassem ao menos parcialmentea percepo da relevncia

    das categorias de anlise. A limitao para realizar essa explicao do real

    encontrou alento no comentrio de Gasto Campos (1997, p.147) de que

    [...] infelizmente, nem escrita nem fala foram concebidos o dom da

    multidimensionalidade. Assim caminharemos por partes, que ao fim deve

    ao menos projetar a silhueta do todo. Dessa maneira, e considerando o

    movimento da realidade, as falas esto contidas no contedo deste estudo,

    pois delas emergiram seu significado.

    Os eixos localizados ainda na anlise das entrevistas, tais como a partici

    pao, o envolvimento e a integrao dos diversos atores do SUS no proces

    so, consideraramascondies materiais disponibilizadas. Perceberam-seos

    entraves e incentivos que facilitaram e/ou impediram tanto a promoo em

    tempo hbil como a vinculao e contribuio possvel aos cursos por alu

    nos, professorese gestores. Outras linhas diretoras se importaram a apreen

    der e analisar a avaliao da aplicao da Poltica de EPS a todos os que dela

    participaram, na verificao da qualidade das informaes partilhadas (na

    maior parte das vezes, oferecidas), visando mudana de paradigmas.

    A anlise dessa transformao buscou-se sob a tica se ela teria ou no

    provocado umacontribuio transformadora emsua interveno profissio

    nal nas unidades de sade. A observncia da pesquisadora centrou-se nos

    passos recomendados da Poltica de EPS, a qual exige, para sua consecuo,

    o necessrio despertar da conscincia social e/ou sanitria do SUS.

    Essa avaliao, aqui proposta, considera avanos, dificuldades, enfren

    tamentos, conflitos e consensos entre os atores sociais envolvidos e os desa

    fios deuma nova institucionalidade no SUS. Enfim, a pesquisa tenta trazer

    uma anlise dos resultados da formao dos trabalhadores da sade na es

    tratgia de educao permanenteemsade, ao mesmo tempo como proces

    so ecomo impacto no fortalecimento dos princpios e diretrizes do SUS ede

    suas polticas.

    A investigao constitui espao, pormeio da pesquisa, para a construo

    doconhecimento,buscandoampliaros horizontes tericos eosdebatesexis

    tentes, visando apresentar contribuies sobre o tema sem a pretenso de

    esgot-lo. Esse esforo de reflexo crtica est presente na viso multidisci

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 43

    plinar que, mesmo com um eixo bsico no Servio Social, aprofunda abor

    dagens que trazem contribuies de outras reas das Cincias Humanas e

    das Cincias Sociais. Portanto, h umarelao de interdisciplinaridade e de

    formao, respeitando-se o conhecimento plural construdo nas investiga

    es de campo, nos debates tericos e nas discusses das experincias senti

    das, vividas e analisadas.

    Destemodo,o esforoeocompromissoresultaramdodesvendamento da

    face com que a realidade demonstrava no panorama de realizao das polti

    cas de sade pblica e nas necessidades de formao permanente em sade.

    Buscou-sedemonstrara construo deseusprodutoscomo parecer coletivo,

    por isso apresentou-se durante toda anlise das falas dos sujeitos entrevista

    dos os sentimentos, as opinies, as explicaes e os esclarecimentos.

    O cenrio da pesquisa

    Apartir dos anos 1980, observa-se, pela primeira vez na histria do Bra

    sil, a consolidao deumbloco ao bloco de foras polticas e culturais quese

    empenham na luta pelo direito sade que, em um espao de pluralidade,

    disputaram as possibilidades de hegemonia. As foras sociais, ao unirem

    se, conseguiram traduzir sua viso de mundo, o que na rea da sade pode

    serexemplificado pela reivindicao coletiva e pela construo depropostas

    situando-a, prioritariamente, no mbito do Estado como direito de todos e

    com nfase democrtica.

    OSistemanico deSade(SUS)representou, ao final dessadcada,uma

    mudana significativa de carter institucional. Os princpios constitucio

    nais estabelecidos direcionaram para a incluso da populao, excluda an

    teriormente pelo modelo corporativo de cidadania regulada (Santos,W. G.,

    1987).

    Com a implementao do SUS, durante a dcada de 1990, a organizao

    da ateno sade, no Brasil, provocou grandes inovaes decorrentes do

    processo de descentralizao, refletindo na busca desolues relacionadas

    oferta deaes e servios de sadeemtermos nacionais eno mbito regional

    e municipal. No entanto, apesar desse direcionamento da poltica de sade,

    o fortalecimento da poltica econmica neoliberal manteve a continuidade

    das desigualdades no acesso aos bens e servios pblicos como a sade.

  • 44 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    No incio do sculo XXI, a crise econmica e sociocultural, intensificada

    nos anos 1980, somada s mudanas econmicas e polticas de ordemmun

    dial, chocou-se com os direitos construdos e afirmados na Constituio

    Federal de 1988. Esses acontecimentos causaram uma filosofia dissonante

    aos direitos sociais e trabalhistas garantidos legalmente, mas distanciados

    no plano prtico, gerando vrias mudanas e tendo como consequncias

    rebatimentos no modo de reproduo material de vida etambm subjetiva.

    OSUS considerado a mais importante poltica social inclusiva emmo

    vimento no Pas. Seu desenvolvimento, ainda quecom diversos limites, de

    monstra a expectativa da sociedade na busca de atendimento sade com

    qualidade.Arelevncia pblicadasaese serviosdesade,definidacons

    titucionalmente, integra uma rede regionalizada e hierarquizada para favo

    recer o acesso e o atendimento, a qual deve seguir as diretrizes de: [...] des

    centralizao, com direo nica em cada esfera do governo; atendimento

    integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos

    servios assistenciais; participao da comunidade (Brasil, 1988, p.105).

    Essa organizao na gesto do SUS indica que os fatores determinantese

    condicionantes da sade, como alimentao, moradia, saneamento bsico,

    meio ambiente, trabalho, renda, educao e outros relacionados cultura,

    valores, costumes etc., devam ser realmente considerados. Essa concepo

    integral de sade prev que as aes sejam desenvolvidas sobre o ambiente,os indivduos e as comunidades, para a proteo, a promoo e a recupera

    o da sade e o desenvolvimento do trabalho intersetorial para a erradica

    o das causas sociais que interferem na sade.

    Portanto, compete gesto municipal e regional da sade cumprir os

    objetivos do SUS na identificao e divulgao dos fatores condicionantes e

    determinantes do processo sade-doena para formular e desenvolver pol

    ticas integradas aos campos econmico e social (Brasil, 1988).

    Demaneira abrangente, oSUSumsistema formado porvrias institui

    es dos trs nveis de governo municpios, Estados e Unio e pelo setor

    privado contratado e conveniado, compondo uma mesma corporao, im

    plicando atuar com as mesmas normas do servio pblico se houver esta

    contratao.Emsuaconstituio, abrangeas ideias fundamentaisdomodelo de ateno, asquais constituem os princpios e diretrizes da universalida

    de de acesso aos servios de sade em todos os nveis de assistncia, com

    referncia na integralidade de assistncia, entendida como conjunto articu

  • EDUCAO PERMANENTE EM SADE PARA OS TRABALHADORES DO SUS 45

    lado e contnuo das aes e atividades preventivas e curativas, individuais e

    coletivas, exigidos para cada caso em todos os nveis de complexidade do

    sistema (Brasil, 1990a).

    Envolve, nessa perspectiva, a preservao da autonomia das pessoas na

    defesa desua integridade fsica e moral, a igualdadeda assistncia sade, o

    direito informao sobre sua sade, a divulgao de informaes quanto

    ao potencial dos servios e sua utilizao pelo usurio, a descentralizao

    poltico-administrativa com direo nica emcada esfera do governo com

    nfase na regionalizao e hierarquizao da rede de sade.

    Aspolticaseprogramasdesenvolvidos pelo Ministrio daSadeseguem

    essas mesmas diretrizes e princpios, coma finalidade de aproximar da ges

    to municipal e regional a execuo das aes, planejamento e avaliao.

    Portanto, a implementao da Poltica de Educao PermanenteemSade,

    a partir de 2003, compreende todos esses processos previstos e assinala a

    construo deuma rede que considere a organizao e o funcionamentoho

    rizontal do sistema de sade, para a formao dos atores do SUS a partir das

    necessidades e prioridades apresentadas na realidade local e regional.

    AredenoSUSorganizadadeforma regionalizada e hierarquizada,com

    nvel de complexidade crescente. A rede de cuidados progressivos sade

    supe a ruptura com o conceito de sistema verticalizado e trabalha com a

    ideia de um conjunto articulado de servios bsicos, ambulatrios de espe

    cialidades e hospitalares em que todas as aes e servios de sade sejam

    prestados, reconhecendo-se contextose histriasdevidaeassegurandoade

    quado acolhimento e responsabilizao pelos problemas de sade das pes

    soas e das populaes (Brasil, 2004a, p.2).

    A descentralizao7 poltico-administrativa enfatiza, portanto, a muni

    cipalizao da sade com redistribuio de poder, competncias e recursos,

    objetivando a identificao de necessidades de sade, o estabelecimento de

    7 Descentralizao: [...] a transferncia da gerncia, da execuo de aes e da prestao de

    servios de sade para instncias de gesto e deciso mais prximas da populao-alvo. NoSUS, essa transferncia ocorre da esfera federal para a estadual e dessas duas para a esferamunicipal. Respeitando-se as atribuies especficas das trs esferas de governo, expressas

    na Lei no 8.080/90, a municipalizao com a hierarquizao e a regionalizao constituem o

    eixo estratgico da descentralizao.Nosmunicpiosdemaior porte, a descentralizao devese estender aos distritos de sade e autonomia gerencial das unidades de sade. (Brasil,2005d, p.30)

  • 46 FERNANDA DE OLIVEIRA SARRETA

    prioridades e o planejamento de aes e servios conforme as condies de

    vida e de trabalho da populao local e regional.

    O processo de descentralizao na rea da sade indica, dessa maneira,

    que o poder de deciso deve pertencer aos responsveis pela execuo das

    aes, por estar mais perto dos problemas e ter melhor conhecimento das

    necessidades e suas solues. Isto facilita o direito de participao de todosos segmentos envolvidos e da ad