Artigo Identidades

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IDENTIDADE PROFISSIONAL E PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES Sabrina Rios 1 Martha Borges 2 Resumo:O presente artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa cujo objetivo principal foi o de analisar a relação existente entre a formação escolar, a formação superior inicial de professores e suas primeiras práticas docentes para a construção da identidade profissional e do perfil tecnológico dos professores. O processo metodológico adotado se situa na perspectiva da narrativa biográfica, com contribuições da etnografia e da pesquisa participativa por meio de grupos focais. As “vozes” dos estudantes de licenciatura dos cursos de Pedagogia e dos professores iniciantes, com até cinco anos de atuação docente, se constituem no principal componente de coleta de dados. Neste artigo analisamos os dados obtidos junto aos estudantes da primeira fase do Curso de Pedagogia, por meio de narrativas biográficas semi-dirigidas, que versaram sobre suas experiências escolares na Educação Básica. Os principais resultados apontam que a relação estabelecida com a escola e com os professores são positivas e acolhedoras especialmente nas séries iniciais do ensino fundamental e que na medida em que avançam na escolarização, esta relação se modifica, se torna muitas vezes ambígua. Com relação ao perfil tecnológico dos professores verificou-se que os estudantes do curso de pedagogia apresentam uma concepção ingênua e acrítica das tecnologias e não conseguem definir em que consiste o uso pedagógico destes dispositivos. Introdução 1 Bolsista Projeto Identidades Profissional e Formação de Professores na Cibercultura. Aluna de graduação em Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC/FAED. 2 Coordenadora do Projeto Identidades Profissional e Formação de Professores na Cibercultura.

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IDENTIDADE PROFISSIONAL E PROCESSOS DE FORMAO DE PROFESSORES

Sabrina Rios[footnoteRef:2] [2: Bolsista Projeto Identidades Profissional e Formao de Professores na Cibercultura. Aluna de graduao em Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC/FAED. ]

Martha Borges [footnoteRef:3] [3: Coordenadora do Projeto Identidades Profissional e Formao de Professores na Cibercultura. ]

Resumo:O presente artigo apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa cujo objetivo principal foi o de analisar a relao existente entre a formao escolar, a formao superior inicial de professores e suas primeiras prticas docentes para a construo da identidade profissional e do perfil tecnolgico dos professores. O processo metodolgico adotado se situa na perspectiva da narrativa biogrfica, com contribuies da etnografia e da pesquisa participativa por meio de grupos focais. As vozes dos estudantes de licenciatura dos cursos de Pedagogia e dos professores iniciantes, com at cinco anos de atuao docente, se constituem no principal componente de coleta de dados. Neste artigo analisamos os dados obtidos junto aos estudantes da primeira fase do Curso de Pedagogia, por meio de narrativas biogrficas semi-dirigidas, que versaram sobre suas experincias escolares na Educao Bsica. Os principais resultados apontam que a relao estabelecida com a escola e com os professores so positivas e acolhedoras especialmente nas sries iniciais do ensino fundamental e que na medida em que avanam na escolarizao, esta relao se modifica, se torna muitas vezes ambgua. Com relao ao perfil tecnolgico dos professores verificou-se que os estudantes do curso de pedagogia apresentam uma concepo ingnua e acrtica das tecnologias e no conseguem definir em que consiste o uso pedaggico destes dispositivos.

Introduo A sociedade contempornea se caracteriza pela rapidez com se modificam as prticas sociais em todas as suas dimenses: culturais, econmicas, tecnolgicas, polticas, etc. Grandes transformaes na sociedade proporcionaram saltos qualitativos e quantitativos na vida cultural e social dos sujeitos, dentre estas grandes mudanas podemos citar o advento da tecnologia digital e suas implicaes nas diversas reas do conhecimento.Assim, estas transformaes tecnolgicas promovem novos olhares e compreenses sobre a sociedade atual, diferentes autores apresentam diversas denominaes: sociedade em rede, era digital, sociedade da informao, sociedade do conhecimento, etc. (CASTELLS, 2000; LVY, 1995; VALEJJO, 2007; TAKAHASHI, 2000). Estas mudanas so evidentes e vo continuar a acontecer, como sempre ocorreram na nossa sociedade.O acelerado processo de expanso tecnolgica na sociedade atual estimula determinados autores a analisarem as formas pelas quais os sujeitos incorporam, usam e pensam as tecnologias no seu cotidiano. Segundo Millerand (1999) e Michel de Certeau (1990), pode-se identificar diferentes fases de expanso das tecnologias de comunicao em rede. Estas fases so denominadas de inovao, difuso e apropriao dos instrumentos tecnolgicos e podem ser verificadas no processo de expanso das tecnologias digitais. Encontramo-nos hoje, numa fase de apropriao destes instrumentos, uma vez que eles esto modificando as diferentes prticas sociais, em praticamente todos os setores da sociedade contempornea (CASTELLS, 1999; 2003). Tal processo de apropriao, na educao, promove mudanas significativas nas atividades de ensino, nos currculos e nos processos de ensino e de aprendizagem, como por exemplo, a emergncia da modalidade de educao a distncia que re-organiza os atores, seus papis, suas atribuies e suas prticas. Estas exigem o desenvolvimento de novas competncias destes sujeitos (PALLOFF e PRATT, 2004; MONEREO e COOL, 2010). As tecnologias digitais modificam ainda os processos de criao, de transmisso, de codificao, de acesso e de armazenamento do conhecimento, de uma maneira nunca verificada anteriormente, incorporando em um s espao multifacetado, o ciberespao, todas as demais tecnologias intelectuais (LVY, 1997, 2000; MORAN, MASSETO e BEHERENS, 2003; RAMAL, 2002).Dentro deste contexto de mudanas na produo do conhecimento, nas formas e nos processos de ensino e de aprendizagem, os cursos de formao inicial de professores so os responsveis pela formao deste profissional. Mas ser que estas formaes tm considerado este contexto em seus currculos reais e nas prticas e vivncias desenvolvidas junto aos futuros professores? E mais, em que medida o processo formativo dos futuros docentes, seus currculos e suas vivncias influenciam o desenvolvimento da identidade sua profissional?O desenvolvimento da identidade profissional dos futuros professores um processo longo e ocorre ao longo de toda a sua formao e de sua carreira profissional. Nos cursos superiores de pedagogia nos deparamos com estudantes que j apresentam uma trajetria pessoal no isenta de concepes sobre o que significa ser professor e sobre como deve ser o seu trabalho. Nestes cursos, muitos dos estudantes j atuam (ou atuaram) em escolas, seja como professores ou como assistentes pedaggicos. Mesmo aqueles estudantes que no vivenciaram nenhuma prtica docente em escolas tambm possuem experincias escolares, uma vez que passaram por nveis educativos anteriores. Na educao bsica, que comporta em mdia 15 anos de escolarizao, estes sujeitos conviveram com vrios professores, com perfis e caractersticas diferentes. Este fenmeno denominado por Knowles como processo de socializao profissional (2004, p. 119). Assim, pode-se dizer que a grande maioria dos estudantes que ingressam nos Cursos de Pedagogia apresenta comportamentos e concepes bastante internalizadas sobre o que ser professor, sobre os critrios de avaliao, sobre quais contedos devem ser ensinados, sobre as possibilidades de uso das tecnologias digitais na educao, enfim, sobre como deve ser o trabalho e as atividades docentes de professores enquanto profissionais.Dessa forma, os estudantes dos cursos de formao inicial trazem certas concepes de educao, de prtica pedaggica bastante internalizadas sobre o que ser professor e os critrios que definem o que ser um bom professor. preciso compreender que as experincias escolares so marcas significativas que esses sujeitos carregam, que so demonstradas em seus discursos e que, por sua vez, contribuem para a construo da identidade profissional.De fato hoje a identidade profissional dos educadores necessita romper com certas percepes e vivncias anteriores que desvalorizem o profissional, tal situao precisa uma melhor articulao intencional dos processos de formao inicial dos professores e de sua insero no mercado, de maneira planejada e articulada com as instituies de ensino. Esse trabalho no uma tarefa fcil, pois trabalhamos com diferentes tipos de identidades complexas e mltiplas para compreender a profisso docente.Por esse motivo entendemos a identidade profissional no como algo determinado e imutvel, mas sim algo que pode ser modificando em funo das circunstncias e do autoconhecimento, a partir da aproximao com a prtica docente e com os saberes desse grupo social, por meio das formaes oferecidas nos cursos de pedagogia. Tais consideraes fundamentam esse projeto de pesquisa que tem com objetivo principal analisar a formao que os estudantes de pedagogia recebem nas instituies de ensino superior, buscando investigar o impacto desta formao para a construo da identidade profissional, e compreender as formas de ensinar que eles realizam (ou no) no ciberespao (MONEREO e COOL, 2010).Uma nova concepo de ensino e de aprendizagem veiculada no ciberespao produz contribui tambm para a identidade profissional que os professores desenvolvem. Utilizar as tecnologias digitais de informao e de comunicao TDIC de uma maneira pedaggica pode modificar tambm as formas de ensinar realizadas pelos professores. O uso pedaggico das TDIC apresenta elementos que podem promover um efetivo rompimento com a educao considerada tradicional, unidirecional, reprodutora, fragmentada (BORGES, 2007). A educao virtual definida por Cesar Cool e Monereo (2010), contempla o uso pedaggico das ferramentas disponveis no ciberespao que, por sua vez, promove o desenvolvimento da cibercultura. Esta perspectiva de ensino pode ter como conseqncia a emergncia de uma educao possivelmente mais inovadora, mais aberta a processos de aprender coletivamente (BORGES, 2007). Parece evidente que esse movimento de transcendncia exige mudanas, j que ele no ocorre da noite para dia, um processo contnuo, que exige conhecimento, formao e pesquisa continua. Assim, essa transformao precisa ser refletida e compreendida como algo que est caminhando em sua direo e que no basta utilizar ferramentas tecnolgicas em sua aula como algo imposto pela escola ou pelo sistema educacional. Para que se desenvolva uma educao voltada para as atuais necessidades da educao Borges (2007, p. 76) assinala: importante destacar que no so as tecnologias por si mesmas que iro garantir a superao do paradigma tradicional e as atividades a serem desenvolvidas junto aos alunos. Ao contrrio, a forma de uso dos instrumentos tecnolgicos, pelo professor, que vai revelar qual a sua concepo de educao e o paradigma que ele se insere.

Assim a principal questo de pesquisa que esta etapa do projeto pretende responder : qual a influncia da formao bsica escolar para a construo da identidade profissional dos educadores, em termos de perfil de professor construdo e de uso das tecnologias digitais na educao? O objetivo desta primeira etapa da pesquisa foi o de analisar a formao escolar bsica dos estudantes da primeira fase do Curso de Pedagogia oferecido pela Faed/Udesc e identificar os perfis de professores, de educao e de uso das tecnologias que fizeram parte desta etapa de formao dos estudantes do curso de pedagogia. As prximas etapas da pesquisa iro analisar a relao existente entre a formao inicial dos estudantes do Curso e as primeiras vivncias dos alunos egressos, com at cinco anos de atuao na rede escolar e a identidade profissional construda. Os resultados obtidos com a pesquisa podero se constituir em subsdios para o aprimoramento das formaes iniciais dos futuros professores oferecidas nos cursos de pedagogia. Resumindo, a pesquisa pretende analisar a relao existente entre a formao escolar bsica, a formao superior inicial de professores e suas primeiras prticas docentes para a construo da identidade profissional e do perfil tecnolgico dos professores para/na cibercultura, com a finalidade de refletir sobre as formaes oferecidas nos cursos de Pedagogia. Assim, se pretende refletir sobre o tipo de profissional que est se formando e analisar como esta formao afeta o sistema de ensino do pas, em termos de indicadores de anlise que possibilitem a re-estruturao destas formaes.

Procedimentos metodolgicos da Pesquisa Para compreenso do fenmeno educacional do qual trata esta investigao, a abordagem metodolgica utilizada se fundamentou nas narrativas biogrficas e em entrevistas semi-dirigidas, em profundidade com grupos focais. O estudo foi divido em trs momentos distintos. No primeiro, buscamos analisar e descrever as experincias escolares dos estudantes da primeira fase do curso de Pedagogia da UDESC, por meio de narrativas biogrficas, orientadas por um roteiro de apoio. As narrativas versaram sobre as experincias e vivncias de escolarizao na educao bsica, dos estudantes da primeira fase do curso de pedagogia. Ressaltamos que o foco deste artigo so os resultados obtidos nesta primeira etapa. No segundo momento realizaremos um processo semelhante, mas com estudantes da ltima fase do curso de Pedagogia da UDESC. Nosso objetivo , a partir das narrativas biogrficas, descrever e analisar a trajetria acadmica destes sujeitos no curso superior. O processo de categorizao e anlise corresponde ao que foi realizado no primeiro momento da pesquisa, com estudantes da primeira fase. Tambm ser utilizado um roteiro previamente elaborado para construo destas narrativas.Na terceira etapa focaremos em professores egressos, definidos como iniciantes, pois devem ter at cinco anos de atuao profissional. Esta etapa, realizada por meio de entrevistas semi-dirigidas, versar sobre o processo de concluso dos cursos de formao inicial e as vivncias relativas a sua insero no sistema educacional: como foi essa insero, quais foram as suas primeiras experincias como professor, as relaes estabelecidas com outros profissionais, dentre outras vivncias relativas docncia. Salienta-se que, a participao dos sujeitos foi de carter voluntrio e livre sendo que a pesquisa e seus instrumentos foram aprovados no Comit de tica da universidade. A seguir apresentamos o roteiro previamente elaborado para desenvolvimento das narrativas dos estudantes da primeira fase do curso de pedagogia.

Quadro 1 Roteiro das Narrativas BiogrficasA seguir, solicitamos que voc elabore uma narrativa biogrfica descrevendo suas experincias e vivencias de formao no Ensino Bsica.A narrativa deve explicitar, de maneira separada, suas vivncias no Ensino Fundamental sries iniciais, no Ensino Fundamental sries finais e no Ensino Mdio. Aspectos a serem abordados: relaes interpessoais, especialmente com os professores (eles estavam atentos a eventos significativos de sua vida? Fomentavam sua criatividade? O auxiliavam em momentos difceis? Favoreciam sua integrao com os colegas? O corrigiam com amabilidade? Justificavam suas intervenes de carter educativo? Castigavam ou educavam?Eram justos nas avaliaes? Procuravam identificar o que voc aprendeu por meio das avaliaes ? Ou simplesmente eles faziam questes difceis? Eles ensinavam com clareza e facilitavam sua motivao ou interesse pelo contedo ? Informavam os alunos dos seus objetivos e critrios de avaliao? Apoiavam os alunos quando estes erravam? Procuravam manter um clima bom nas aulas?).Com relao ao uso de tecnologias, os professores usavam tecnologias em sala de aula? Variavam os recursos usados nas atividades? Ou usavam sempre os mesmo recursos e tecnologias? Promoviam atividades em equipes? Procuravam inovar em termos de recursos e metodologias?Explicite sua relao com as tecnologias, quando e por que voc as usa? Usa em sua aprendizagem/formao? Voc tem facilidade/dificuldade em usar as tecnologias digitais? Ajuda colegas quanto ao uso das tecnologias, em que momentos? Pede auxilio para outras pessoas para usar as tecnologias, em que situaes?

Apresentao e anlise dos dadosDurante o segundo semestre do ano de 2012, aps marcarmos uma data com um professor da primeira fase do curso, fomos at a sala de aula e apresentamos a pesquisa. A seguir, solicitamos aos estudantes a realizao das narrativas biogrficas, a partir do roteiro entregue a cada um. De um total de 23 alunos que freqentavam aquela disciplina, obtivemos um retorno de 17 participantes, os quais estavam presentes na data agendada. Optamos por no realizar as narrativas com os ausentes pois alguns deles j no estavam mais freqentando a disciplina e porque j tnhamos um nmero significativo de narrativas.Anlise dos dados coletados foi realizada aps a leitura cuidadosa das narrativas biogrficas elaboradas pelos estudantes. Aps diversas leituras e tentativas de classificao e de categorizao dos dados coletados, destacamos trs categorias que emergiram das narrativas: a) relao positiva e estimuladora com a escola e com os professores; b) relao ambgua, positiva/negativa com escola/professores. C) formao docente e as tecnologias no processo educativo. As categorias de anlise so apresentadas a seguir, estabelecendo um dilogo entre os relatos e as reflexes de autores que tratam desta temtica.

Relao positiva e estimuladora com a escola e com os professoresPensar a formao inicial e a prtica docente nos cursos de licenciatura exige um cuidado especial das instituies de ensino superior. Nesse contexto de formao muitos dos sujeitos no percebem a responsabilidade e os desafios que envolvem a formao docente, especialmente para a construo de uma identidade profissional de professor reconhecida e valorizada na sociedade. As autoras Selma Pimenta e Lea Anastasiou (2008) ressaltam a importncia da valorizao social da profisso docente para a construo de uma identidade profissional de professor tambm valorizada. Elas afirmam que o significado social que os professores atribuem a si mesmos e educao escolar exerce papel fundamental nos processos de construo da identidade docente( p. 201). Outro aspecto importante que influencia esta identidade a relao que a docncia estabelece com seus prprios saberes. preciso reconhecer que ocupamos um lugar social to importante quanto qualquer outra profisso. O autor Tardif (2010) afirma que essa relao de desvalorizao da prtica docente precisa ser rompida. A relao que os professores mantm com os saberes a de transmissores, deportadores ou de objetos de saber, mas no de produtores de um saber ou de saberes que poderiam impor como instncia de legitimao social de sua funo e como espao de verdade de sua prtica. (p.40)

Precisamos de um olhar atento para construo da identidade profissional dos cursos de licenciatura, esse mesmo olhar atento e carinhoso foi transcrito nas narrativas biogrficas com os estudantes do curso de Pedagogia, muitos deles ao lembrarem de suas trajetrias de escolarizao, especialmente no ensino fundamental, definiram este espao/etapa, como um lugar de acolhimento e de boas recordaes da sua infncia. Os extratos de duas narrativas a seguir, exemplificam esta posio:A minha professora do grupo 6 me deixou muitas recordaes e ensinamentos que trago at hoje, ela sempre instigava a criatividade, a interao entre crianas/crianas, crianas/adultos, trazia diversos materiais diferenciados para nossas vivncias, foi minha inspirao para escolher essa profisso. (Sujeito 2) Os professores eram sempre bem cuidadosos e atenciosos. Faziam com que a turma se sentisse muito confortvel (Sujeito 1)

Concordamos com Pimenta e Lima (2006) quando afirmam que a profisso docente uma prtica social, por que possibilita modificar a realidade social, e construir novos espaos de reflexo por meio da educao, e assim transformar os sujeitos. Tal prtica visualizada por futuros educadores que descrevem que a escola e professores como um espao de mobilizao, de mudana, de alegria, de conhecimento, de tristeza, de ensinamento, principalmente na educao e infantil e nos anos iniciais da sua escolarizao. Tanto que este tipo de relao e de vivncias estimulou algumas crianas a se tornarem educadores tambm. Este fenmeno bastante significativo para a valorizao social da profisso.

Relao ambgua com a escola e com os professoresNo decorrer das leituras das narrativas biogrficas percebemos que alguns estudantes relatam uma relao ambgua com a escola e com professores. Com o acesso a nveis mais avanados da formao, estes estudantes mudam sua percepo da escola e dos professores. Percebe-se que estes estudantes relatam uma posio positiva durante os anos iniciais do ensino fundamental e, medida que integram os anos finais e especialmente o ensino mdio, esta posio se modifica. Nestes nveis de ensino, as lembranas e recordaes revelam uma posio negativa com relao escola e aos professores. Essa alternncia de estado descrita pelos sujeitos, especialmente relacionadas a mudanas no sistema de ensino, foram inesperadas para eles, tais como excesso de contedo, avaliao punitiva, professores rgidos, prtica educativas mais severas. Vejamos o que relatam estes extratos das narrativas:Durante as sries seguintes (Fundamental II Anos Finais) todos os professores foram mais rgidos no processo de ensino-aprendizagem, bem como nas avaliaes. Vale lembrar que estudei no perodo do regime militar, desta forma, a instituio nos tratava com bastante disciplina. (Sujeito 7). Na 5 srie eu reprovei em geografia e repeti o ano, essa professora que no consigo lembrar o nome ficou muito marcada, pois no havia dilogo com os alunos era muito contedo no quadro e pouca explicao. (Sujeito 2)

No Ensino Mdio, os professores j eram diferentes. Poucos queriam conhecer os alunos. Seus mtodos de ensino variavam muito, as atividades eram bem difceis, pois eles no explicavam muito o contedo, mas cobravam bastante. (Sujeito 1).

Formao docente e as tecnologias no processo educativoAs inovaes tecnolgicas tm provocado mudanas no sistema de ensino e todas as reas e desde seu aparecimento elas tm provocado modificaes em nossa sociedade. Como descreve Lima (2003),os primeiros computadores surgiram em 1945 na Inglaterra e Estados Unidos, utilizado pelos militares. A forma de processamento das informaes por uma mquina foi possvel a partir da idealizao da Mquina de Turing[footnoteRef:4] em 1936. A proposta de internet foi arquitetada nos centros de pesquisa de militares no comeo do ano da guerra fria, no demorou muito para que novas inseres fossem introduzidas nas mquinas. Em 1969 foi pensada a primeira verso de rede a Agncia de Projetos de Pesquisa AvanadasARPANET, no inicio foi desenvolvida com uma conexo simples com apenas quatro pontos conectados, mas tarde avano para centros de pesquisa e comunidade acadmicas, at adquirir os moldes de internet de hoje. [4: um modelo terico de maquina mundial, concebido pelo matemtico britnico Alan Turing (1912 1954), com objetivo de clculos numricos. A mquina demostra aspectos de funcionamento como memria, estados e transies dos computadores originais. (Fonte: wipikdia, 2013)]

No final da dcada de 80 os computadores tornam-se mais modernos e com transmisso de informaes mais veloz, a cada ano sua expanso ganha destaque e se torna mais popularizado, surgindo computadores portteis, podendo ser visualizado o crescimento dos nmeros de usurios conectados em rede, e com isso as empresa do ramo da tecnologia e da comunicao aposta alto em investimentos para essa rea do mercado, a cada momento novas ferramentas so pensada e atualizada para proporcionar uma navegao mais rpida, interativa e acessvel para os conectados nesse ciberespao. Para Santaella (2004), o ciberespao pode ser definido como: Ciberespao ser considerado como todo e qualquer espao informacional multidimensional que, dependente da interao do usurio, permite a este o acesso, a manipulao, a transformao e o intercmbio de seus fluxos codificados de informao. Assim sendo, o ciberespao o espao que abre quando o usurio conecta-se com a rede. Por isso mesmo, esse espao tambm inclui os usurios dos aparelhos sem fio, na medida em que esses aparelhos permitem a conexo e troca de informaes. (p.45)

O ciberespao possibilita enorme fluxos de informao, sendo usando tambm como uma forma de comunicao, seja por meio de imagens, sons, textos, entre outros, acabam conduzindo uma nova forma de comunicao com esse sujeito que est inserido em um espao imbricado por signos tecnolgicos. Esse espao conduz uma outraforma de relao do sujeito, e a partir destas relaes estabelecidas produzem processos cognitivos que possibilitam novas formas de aprendizados, essa modificao percebida nas novas geraes.Porm quando nos remetemos s tecnologias, muitas vezes acreditamos que ela se relaciona apenas com as mudanas atuais. Entretanto os estudiosos da rea analisam diferentes tipos, geraes e impactos das tecnologias inclusive na estruturao das sociedades. Segundo lvaro Vieira Pinto (2005) e Pierre Lvy (1995) as tecnologias esto presentes em nossas vidas h milnios. Para Lvy (1995), por exemplo, a linguagem oral foi a primeira grande tecnologia intelectual criada pela humanidade e que fundamentou a estruturao e organizao das sociedades orais, que por sua vez, deram origem s demais sociedades. Assim, quando tratamos de tecnologia na educao, estamos nos referindo a todos os dispositivos tecnolgicos presentes neste espao, como quadro, giz, livros didticos, canetas, cadernos, etc, at os mais recentes como os computadores, laptops, projetores, etc. Estes ltimos so denominados de tecnologias digitais da informao e da comunicao TDIC.Entretanto percebemos nas narrativas analisadas que alguns estudantes trazem uma concepo de tecnologia bastante restrita. Eles afirmam que nas suas formaes no ensino bsico, no havia o uso de tecnologia nas escolas. Mas em outros momentos das narrativas relatam o uso de tecnologias, como o quadro negro, mimegrafos, sem usar esta denominao. Vejamos alguns relatos:Minha professora no usava tecnologia, na poca nem celular havia na demanda de hoje, os instrumentos eram giz e quadro negro/verde e um armrio cheio de atividades mimeografadas. (Sujeito 12)

Com relao aos usos de tecnologias, como no estava muito em alta, os professores no as utilizavam, apesar de na grade escolar, termos aula de informtica. Era mais utilizado o videocassete para passar filmes. (Sujeito 8)

Outros estudantes j apresentam uma concepo de tecnologia mais abrangente, no limitam as tecnologias na escola apenas s tecnologias digitais, vejamos as afirmaes:(...) j que na poca o nico instrumento tecnolgico era mimegrafo. (Sujeito 5) No me lembro quais as tecnologias usadas durante aquela poca, mas acho que era famoso material dourado. (Sujeito 7)

Consideraes FinaisAo retomar o que foi apresentado at agora e considerando que o foco deste estudo o processo de construo da identidade profissional do docente, numa perspectiva socioconstrutivista, a partir da qual a identidade profissional concebida como um processo, percebemos a possibilidade de mudanas nas formaes iniciais e escolares, alm da emergncia de identidades mltiplas, que consolidam ou desaparecem em funo das respostas que demandas as situaes concretas e especficas de tomada de deciso e da realidade cultural profissional. Entendemos ainda que a maneira de abordar este objeto de pesquisa representa a relevncia do estudo, pois nova na medida em que se articula na mesma investigao, a experincia escolar anterior dos futuros professores, a sua formao inicial e sua insero na profisso. Certamente, este estudo poder fornecer uma viso dinmica e relativamente completa de um processo de construo que no pode ser compreendido apenas a partir da incorporao de referenciais tericos e conceituais, mas sim a partir das experincias vividas em diferentes contextos escolares pelos quais os docentes passaram ao longo de suas vidas.Nos relatos biogrficos esto presentes as condies em que estas vivncias se produziram, os contextos e a elaborao pessoal que o estudante elabora de todo este conjunto de dados. Isso significa dar valor aos sujeitos participantes como portadores de sentido e de contedo.Nosso interesse se centrou nos relatos dos sujeitos em diferentes estgios do seu processo de profissionalizao. Para isto focamos em trs grupos de sujeitos que se encontram em momentos distintos de formao. Em primeiro lugar, abordamos o tipo de experincia escolar que os alunos da primeira fase do Curso de Pedagogia da UDESC / FAED receberam e vivenciaram, relativos aos 12 ou 15 anos de presena no sistema educativo (educao bsica). Entendemos que esta uma experincia significativa e relevante do que representa o trabalho escolar, a importncia da escola, etc. Em suma, analisamos quais foram os processos escolares pelos quais estes sujeitos passaram, os quais certamente influenciam a construo da identidade profissional dos futuros professores. Estas vivncias entram em confronto, a partir de primeiro ano da faculdade, com as identidades que sero institudas pelo marco universitrio de formao de professores. A partir das narrativas biogrficas fica evidente a existncia de uma mudana na relao que estes sujeitos estabelecem com a escola e com os professores. Nas sries iniciais os estudantes demonstram inicialmente uma relao positiva, acolhedora e estimuladora, relatam suas lembranas com experincias boas e at de forma saudosa. Entretanto, medida que eles avanam nos seu processo de escolarizao, especialmente a partir das sries finais do ensino fundamental, eles demonstram uma relao negativa com a escola e particularmente com os professores. Para eles os docentes mudam radicalmente, o excesso de contedo relatado, um contedo sem sentido e fragmentado e a avaliao se torna sinnimo de controle e de punio. Assim, as narrativas revelam uma mudana que no tem sentido para os jovens e, como conseqncia, traz um sentimento de incapacidade intelectual, que os afasta da escola, dos professores, da aprendizagem. Este movimento os afasta ainda, da profisso de professor.Os resultados desta primeira etapa demonstram que mudanas precisam ser pensadas e discutidas na educao bsica, que possibilitem, por meio das formaes iniciais e continuadas, romper com o atual quadro de identidade de professores que atuam neste nvel de ensino.

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