Identidades Brasileiras WEB

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IDENTIDADES BRASILEIRAS CRISTINA CARNEIRO RODRIGUES TANIA REGINA DE LUCA VALÉRIA GUIMARÃES (ORGS.) D E S A F I O S C O N T E M P O R Â N E O S COMPOSIÇÕES E RECOMPOSIÇÕES

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sobre identidades brasileiras

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  • IDENTIDADESBRASILEIRAS

    CRISTINA CARNEIRO RODRIGUESTANIA REGINA DE LUCAVALRIA GUIMARES(ORGS.)

    D E S A f I o S c o N T E m p o R N E o S

    COMPOSIES E RECOMPOSIES

  • IDENTIDADES BRASILEIRAS

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  • CRISTINA CARNEIRO RODRIGUESTANIA REGINA DE LUCA

    VALRIA GUIMARES(Organizadoras)

    IDENTIDADES BRASILEIRAS

    COMPOSIES E RECOMPOSIES

    Coleo Desafios Contemporneos

    Pr-Reitoria de Pesquisa

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  • 2013 Cultura Acadmica

    Direitos de publicao reservados :Cultura Acadmica

    Praa da S, 10801001-900 So Paulo SP

    Tel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) 3242-7172

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    CIP Brasil. Catalogao na publicaoSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    I22

    Identidades brasileiras: composies e recomposies / organizao Cristina Carneiro Rodrigues, Tania Regina de Luca, Valria Guimares. 1. ed. So Paulo: Cultura Acadmica, 2014. (Desafios contemporneos)

    il.; 21 cm. ISBN 978-85-7983-515-5

    1. Caractersticas nacionais brasileiras. I. Rodrigues, Cristina Carneiro. II. Luca, Tania Regina de. III. Guimares, Valria. IV. Srie.

    14-09736 CDD: 306.089698CDU: 306.089698

    Editora afiliada:

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  • Sumrio

    Apresentao 1Introduo 3

    Tania Regina de Luca

    Revisitando o conceito de identidade nacional 7Jean Carlos Moreno

    A libertao de Cam: discriminar para igualar. Sobre a questo racial brasileira 31

    Maria Bernardete Ramos Flores, Sabrina Fernandes Melo

    Das relaes com o corpo no Brasil 87Jean Marcel Carvalho Frana, Ana Carolina de Carvalho Viotti

    Lngua no Brasil: variao e multilinguismo 117Cristina Carneiro Rodrigues

    A passeata contra a guitarra e a autntica msica brasileira 145

    Valria Guimares

    Brasil: trs projetos de identidade religiosa 175Artur Cesar Isaia

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  • VI CRISTINA C. RODRIGUES TANIA R. DE LUCA VALRIA GUIMARES (ORGS.)

    Os novos intrpretes e a velha questo: o que o Brasil? 203

    Karina Anhezini, Ricardo Alexandre Ferreira

    Referncias bibliogrficas 233

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  • Apresentao

    A coleo Desafios Contemporneos proposta pela Pr-Rei-toria de Pesquisa (PROPe) da Unesp tem por objetivo dispo-nibilizar, em linguagem acessvel aos no familiarizados com o jargo dominante nos estudos especializados e sem prejuzo do rigor cientfico, ensaios a respeito de temas de amplo interesse da sociedade brasileira. Assim, a universidade cumpre uma de suas tarefas essenciais: a difuso dos resultados do conhecimen-to que produz.

    Neste volume, dedicado s questes sociais, os autores en-frentaram a difcil tarefa de lanar um olhar panormico sobre a complexa questo da identidade brasileira, sem perder de vista a maneira como a temtica se expressa nos dilemas enfrentados nos dias que correm.

    Estruturados em amplos recortes, os textos tomam como ponto de partida o momento atual para delinear um balano retrospec-tivo da produo sobre o assunto, pontuando o estado atual das pesquisas e para dialogar com as abordagens mais clssicas, com o intuito de apontar possveis desdobramentos para a pesquisa na rea das Cincias Humanas.

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    O que se oferece ao leitor o resultado desse esforo coletivo, que objetiva contribuir para a reflexo acerca dos desafios atuais a partir de seu enquadramento em amplas perspectivas, sem abandonar a dupla dimenso da qualidade e da complexidade, tendo em vista que seu alvo privilegiado o grande pblico e no o especialista.

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  • IntroduoTania Regina de Luca1

    Unesp/CNPq

    A questo da identidade nacional continua a desafiar os es-tudiosos das Cincias Humanas; basta observar os conflitos em curso nesta segunda dcada do sculo XXI para perceber o quan-to projetos identitrios de cunho geogrfico, tnico, lingustico, religioso e cultural continuam a se mesclar num jogo complexo a despeito da globalizao e de seus efeitos homogeneizado-res. Esse cenrio convida a revisitar o debate sobre a identidade brasileira, tema que tem ocupado a nossa intelectualidade desde a Independncia.

    No nos faltam estudos especficos dedicados a perscrutar instituies, personagens, perodos e eventos com o intuito de dar conta da nao brasileira, seus impasses e desafios, avanos e recuos que assumiram formas muito variadas no decorrer do tempo. Igualmente ricos so os balanos e as anlises que pas-

    1 Professora livre-docente do curso e programa de ps-graduao em Histria da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp), cm-pus de Assis, bolsista do CNPq (PQ-1B), pesquisadora principal no projeto temtico A circulao transatlntica dos impressos: a globalizao da cultura no sculo XIX (Fapesp 2011-2015). Publicou, entre outros, Leituras, projetos e (re)vista(s) do Brasil (Editora Unesp, 2011). E-mail: [email protected].

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  • 4 CRISTINA C. RODRIGUES TANIA R. DE LUCA VALRIA GUIMARES (ORGS.)

    sam em revista interpretaes e intrpretes do Brasil. Os ensaios especialmente produzidos para este livro particularizam-se, em primeiro lugar, por adotar uma perspectiva ampla, do ponto de vista temporal e temtico. No se trata de indagar sobre um autor ou uma conjuntura especfica, por mais importantes que sejam, mas de fornecer grandes linhas que contribuam para responder s indagaes o que o Brasil? e quem so os brasileiros?, tendo como horizonte a compreenso dos desafios sociais, po-lticos, econmicos e culturais contemporneos.

    O livro abre-se com um captulo que apresenta um balano acerca das diferentes formas de entender a identidade nacional, a partir da confrontao dos principais pensadores que se dedi-caram ao exame do conceito no campo das humanidades, com particular nfase na historiografia, alm de discutir os senti-dos assumidos pelas representaes identitrias no contexto contemporneo.

    Em seguida, o Brasil entra em cena e o caminho escolhido foi o de privilegiar cinco ncleos temticos: a questo racial, o corpo, a lngua, a religio e a cultura. No primeiro deles, o leitor encontrar densa discusso a respeito dos sentidos atribudos presena negra e miscigenao, que bem evidencia as diferen-tes percepes da questo e seus deslocamentos no pensamento social brasileiro ao longo de quase dois sculos. Acrescente-se, ainda, a reflexo sobre o comparecimento/ausncia da cor da pele nos nossos censos, questo com significativa fortuna crtica aqui atualizada a partir da discusso dos dados mais recente, da ao dos movimentos negros desde a abolio e das medidas re-centes de ao afirmativa, que seguem dando margem a debates acalorados no mbito da sociedade brasileira.

    Nas ltimas dcadas do sculo XX, os estudos sobre o corpo ganharam importncia, num contexto marcado pela contestao de valores e costumes, o que est longe de significar que o af de controlar e vigiar tenha surgido nesse momento, como bem evidencia o captulo dedicado ao assunto, que se concentra na

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    doena e na sade. Os autores nos convidam a percorrer, num voo de larga amplitude, trs modos distintos de conceber a ma-nuteno dos corpos e a cura de seus males: o mstico, o medica-lizado e o jovem, num percurso nada retilneo, que se inicia no perodo colonial e desemboca no atualssimo debate sobre o Ato Mdico (2013), que adquire novos contornos luz desse amplo ngulo de visada.

    O trabalho de eruditos e gramticos foi essencial para a defini-o das lnguas literrias, encarregadas de expressar formas espe-cficas de sentir e pensar, um dos pilares do conceito de nao, tal como definido na Europa desde a modernidade. Esse esforo de sistematizao e ordenao imps silncios que continuam a ser problematizados, mesmo depois de passados vrios sculos e a questo basca apenas um entre muitos exemplos que poderiam ser evocados. Para grande parte dos brasileiros, a lngua no se coloca como um campo de disputas, ao contrrio, parece assente que o portugus e sempre foi a lngua por todos compartilhada. Tal verdade posta prova no captulo dedicado ao tema, que problematiza tal crena, assim como a pretensa homogeneidade do portugus falado no Brasil, colocando no centro da cena o preconceito lingustico, poderosa ferramenta de discriminao, como atestam os exemplos apresentados no texto. De outra parte, as quase duas centenas de lnguas indgenas, patrimnio das co-munidades que habitam o pas, correm srio risco de desaparecer, a despeito das garantias da Constituio de 1988. Ao referir-se viso do outro, construda pela Europa desde os tempos moder-nos, Romain Bertrand (2011, p.11-12) lamentou o fato de no sabermos quase nada das mil e uma maneiras de ser humano e de construir sociedades, observao que no parece descabida em relao aos povos que habitam o territrio brasileiro.

    A preocupao de estabelecer um rol de atributos particula-res, que possam ser tidos como autenticamente nacionais, no se restringe lngua e literatura. A passeata contra a guitarra, em meados de 1967, foi a porta de entrada para refletir sobre a

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    tenso nacional/estrangeiro que tem atravessado, com matizes e graus diversos, a cultura brasileira. Num mundo interconec-tado e marcado pela simultaneidade das informaes e grandes corporaes do entretenimento, que no conhecem fronteiras, a noo de trocas culturais entendida como uma via de mo dupla apresenta-se como uma possibilidade instigante.

    A questo da identidade religiosa, por sua vez, constitui-se num dos temas mais candentes do cenrio brasileiro atual, com repercusses no jogo poltico-partidrio, na economia, na cultu-ra, nos meios de comunicao de massa e na vida cotidiana das pessoas. Os dados censitrios so eloquentes quando se trata de evidenciar a pluralizao das formas de identificao da popula-o. No ensaio consagrado ao tema, confrontam-se trs projetos de identificao e analisam-se suas narrativas fundacionais: o catlico, o umbandista e o pentecostal.

    O captulo final, a exemplo do que ocorreu no de abertura, objetiva fornecer um balano, e a opo aqui foi a de examinar um elenco representativo de coletneas publicadas no incio do novo milnio, com o intuito de analisar as formas de utilizao e apropriao do conceito de identidade nacional pelos pesquisa-dores brasileiros que se dedicam ao tema.

    Este livro foi concebido para ser disponibilizado em ambien-te virtual, o que coloca novos desafios para o processo de escrita e para o trabalho editorial. No parece despropositado afirmar que ainda temos um longo caminho at que se produza mate-rial que explore, de forma efetiva, todas as possibilidades desse novo suporte. Aqui no se foi alm de solicitar aos autores que, sempre que possvel e pertinente, indicassem material dispon-vel na rede mundial, ainda figurando na sua forma tradicional de nota de rodap, isso porque no foi possvel dar acesso direto aos documentos, trechos de msica ou excertos de imagens em movimento. Escrever, de fato, no e para esse novo meio um desafio que continuamos a enfrentar.

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  • Revisitando o conceito de identidade nacional

    Jean Carlos Moreno1

    Os diversos sujeitos sociais conduzem suas experincias por representaes atribudas, autoatribudas e compartilhadas a respeito de quem so e de quem podem ou desejam ser. Es-sencialmente conflitiva, envolvendo interao social, afetos, autoestima e jogos de poder,2 a identidade uma categoria social discursivamente construda, expressa e percebida por diferentes linguagens: escritas, corporais, gestuais, imagticas, miditicas.

    1 Professor adjunto do colegiado de Histria da Universidade Estadual do Norte do Paran (UENP) e doutor em Histria pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (Unesp). Publicou, dentre outros, Quem somos ns: apropriaes e representaes sobre a(s) identidade(s) brasileira(s) em livros did-ticos de Histria (Paco Editorial, 2014). E-mail: [email protected].

    2 Os discursos sobre identidade podem ser interpretados como um exerccio de poder simblico firmado no reconhecimento que produz a existncia daquilo que enuncia, como bem j demonstrou Bourdieu (1989). A abordagem sobre esse poder, essa magia social tentar trazer existncia a coisa nomeada , faz parte do convite de Bourdieu aos pesquisadores para incluir, no que se entende por real, a representao do real, ou, melhor, a luta por e entre representaes que tm por fim impor sentido e consenso. As lutas a respeito da identidade so um caso particular nas lutas das classificaes, pelo monop-lio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definio legtima das divises do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos (idem, p.113).

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    Mais incisivamente do que a noo de cultura, a identidade implica a produo de discursos portadores de signos de iden-tificao. Nem sempre um grupo com uma cultura em comum percebe-se, denomina-se, reconhece-se ou objeto de discur-sos identitrios. A identidade estaria ligada, desta forma, re-presentao da cultura de um ou mais grupos humanos. Essa constatao leva o influente socilogo contemporneo, Manuel Castells (1996, p.26), a definir a identidade como um processo de construo de significado com base em um atributo cultural ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado. Essa construo se serve, tambm, de diversas matrias-primas fornecidas pela histria, geografia, biologia, pela memria cole-tiva, pelos aparatos de poder etc.

    Se o discurso no cria, ele, ao menos, organiza a diferena, produzindo identidades que se consolidam em processos sociais e se expressam por meio de aes simblicas, textos e contex-tos. Compreender a identidade como figura discursiva significa entend-la como criatura da linguagem (Silva, 2009b), ato de criao lingustica, uma espcie de metadiscurso sobre expe-rincias histricas (Diehl, 2002, p.128), uma construo que se narra (Canclini, 1995, p.139). Essas narrativas orientam as aes humanas, funcionando como construo, afirmao, imposio ou depreciao das identidades sociais.

    Sendo um texto representativo cujos autores so, necessaria-mente, sujeitos sociais, a construo social da identidade acon-tece sempre num contexto de relaes de poder. Todavia, ainda que as identidades possam, tambm, ser estruturadas a partir de instituies dominantes, foroso reconhecer, com Lilia Moritz Schwarcz, que

    o sentido da identidade no o espao do aleatrio, mas parte de um universo cultural reconhecvel e compartilhado [...] seu sucesso

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    est ligado a uma comunidade de sentidos e possibilidade de serem [os smbolos que estruturam os discursos identitrios] ao mesmo tempo, inteligveis e partilhados. (Schwarcz, 2003, p.384)

    As identidades so sempre construo, mas no necessaria-mente inveno no sentido de um ato de poder deliberado, cons-cientemente imposto e assimilado integralmente.

    De fato, a identidade sempre algo muito evasivo e escorrega-dio na imaginao sociolgica (Cf. Bauman, 2005), contudo ela se torna concreta nos discursos sociais, ou melhor, nas prticas discursivas, nas quais se verifica que, junto com um discurso acadmico e reivindicaes que tomam a identidade num vis pluralista, convivem outras formas de interpretao/ao dis-cursiva, inclusive posturas que se costuma chamar de essencia-listas. Por vezes, atravs dessas posturas que a identidade objetivada nos usos sociais.

    Nas percepes essencialistas as identidades aparecem como realidades perenes, estveis, definitivas, homogneas e inatas. Um processo de categorizao social, presente nas prticas discur-sivas, simplifica as diferenas e tende a dirimir as contradies, construindo representaes de identidades imanentes. Embora no nvel das representaes a identidade tenha sempre que estar ligada a uma continuidade no tempo, nos discursos essencia-listas esse tempo congelado, mitificado, e as especificidades culturais tornam-se um fato social, pouco suscetvel a mudanas.

    As anlises contemporneas destacam o embate entre esses dois posicionamentos a respeito das representaes das identi-dades. Nas posies essencialistas a noo de identidade (ou de identificao) acaba por tomar o lugar de uma acepo de natu-reza humana vista como um legado durvel e que no deveria ser revogado (Bauman, 2008, p.180). Numa outra compreenso, percebe-se que as categorias sociais a nacionalidade, o gnero e a classe que eram utilizadas, quase como sendo evidentes ou naturais, para atribuir identidades aos diferentes sujeitos so

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    colocadas em xeque e iluminadas tanto pelas prticas sociais quanto pelas lentes acadmicas, evidenciando que as identi-dades sociais so mltiplas, maleveis e esto em constante transformao.3 Diferenas, antes obscurecidas por essas ma-crocategorizaes, proporcionariam, simultaneamente, novas identificaes globais e novas identificaes locais, reforando outros laos e lealdades culturais acima e abaixo do nvel do Estado-nao (Cf. Hall, 2006, p.67).

    Todavia, se a crescente complexidade das dinmicas sociais e a acelerao das transformaes tornam mais visvel a identi-dade nacional como um construto discursivo com suas con-tradies e lacunas , interessante perceber, no lado oposto, a longevidade das representaes em torno das identidades nacio-nais, demarcando ainda um territrio de imaginao por onde as disputas materiais e simblicas se estabelecem.

    O debate em torno das identidades nacionais

    A nao, como princpio de viso e di-viso (Bourdieu, 1989) da organizao poltica e social, tornou-se elemento oni-presente como principal fonte de identidade cultural na moder-nidade (Hall, 2006, p.47). No decorrer dos sculos XIX e XX, a identidade nacional paulatinamente se deslocou para o campo das representaes j consolidadas, capaz de ser fundamento para a mobilizao poltica e ideolgica,4 envolvendo, inclusive,

    3 Como todas as identidades esto localizadas no espao e no tempo simb-licos, a percepo deste aspecto multidimensional das identidades leva os pesquisadores a destacar sua fluidez e dinamicidade e, especialmente, a sua dimenso histrica, apesar da aparente constante temporal. O que passa a ser questionada, no mbito acadmico, a maneira de ler, interpretar e represen-tar as identidades.

    4 O discurso nacionalista, por vezes, reifica a nao tornando-lhe at mesmo um sujeito social dotado de individualidade. Essa personalizao inclui, para Lus Fernando Cerri, um tratamento dado nao como indivduo dotado de

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    fatores emocionais e afetivos como a segurana, as certezas, as esperanas e, at mesmo, a f, tornando-se importante elo expli-cativo para a relao entre o passado, o presente e o futuro. Esse fenmeno capaz de gerar vinculaes to profundas fruto am-bguo, por certo de relaes sociais e culturais intrnsecas mo-dernidade europeia que se consolida e se irradia no sculo XIX.

    J se tornou comum (mas continua ainda til), ao se falar de modernidade, evocar as palavras de Marx e Engels

    o permanente revolucionar da produo, o abalar ininterrupto de todas as condies sociais, a incerteza e o movimento eternos [...] Todas as relaes fixas e congeladas, com seu cortejo de vetus-tas representaes e concepes, so dissolvidas, todas as relaes recm-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que slido se desmancha no ar. (Marx; Engels, 1982, p.67)5

    O contexto em que emergem os discursos em torno da nao coincide com essa percepo da modernidade marcada pela ace-

    vontade, autodeterminao e capacidade de atuar sobre a natureza e outros indivduos (Cerri, 2002, p.198). Em outra instncia, a reificao faz a nao funcionar como semiforo, como aponta Marilena Chaui (2000). Carregando uma significao com consequncias presentes e futuras para os homens e dotada de grande fora simblica e fecundidade, a nao, como semiforo, torna-se a matriz do poder poltico, objeto do culto integrador da sociedade una e indivisa (idem, p.14).

    5 Autores contemporneos traam caminho semelhante constatao de Marx e Engels. Marshall Berman afirmaria que ser moderno experimentar a existncia pessoal e social como um torvelinho, ver o mundo e a si prprio em perptua desintegrao e renovao, agitao e angstia, ambiguidade e contradio: ser parte de um universo em que tudo o que slido desmancha no ar (Berman, 1986, p.328). Na mesma direo, vai a anlise de Bauman: a modernidade o que uma obsessiva marcha adiante no porque sempre queira mais, mas porque nunca consegue o bastante; no porque se torne mais ambiciosa e aventureira, mas porque suas aventuras so mais amargas e suas ambies frustradas. A marcha deve seguir adiante porque qualquer ponto de chegada no passa de uma estao temporria (Bauman, 1999, p.18). Embora as constataes apontem para a constituio de uma (des)ordem ps-tradi-cional, com o ritmo de mudanas gerando ambiguidade e angstia, preciso destacar que no trecho citado, Marx e Engels esto elogiando as mudanas promovidas pelos revolucionrios burgueses.

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    lerao das mudanas, por transformaes estruturais intensas, dentre elas a industrializao, a urbanizao, a secularizao e as lutas pela democracia constitucional, cujos efeitos se percebem, tambm, no desenraizamento das culturas e valores tradicionais. Os modos de vida convencionais e as tradies passam a ser postos em xeque. O filsofo social ingls Anthony Giddens con-sidera que as instituies modernas diferem de todas as formas anteriores de ordem social, quanto a seu dinamismo, ao grau em que interferem com hbitos e costumes tradicionais, e ao seu impacto global (Giddens, 2002, p.9). E ele vai alm:

    Os modos de vida produzidos pela modernidade nos desven-cilharam de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira que no tem precedentes. [...] as transformaes envolvi-das na modernidade so mais profundas que a maioria dos tipos de mudana caractersticas dos perodos precedentes. [...] elas vieram a alterar algumas das mais ntimas e pessoais caractersticas de nossa existncia cotidiana. (Giddens, 1991, p.14)

    Todas essas constataes a respeito da modernidade, em um primeiro momento, parecem produzir um contraste excessivo com a ideia de nao baseada nas origens, na continuidade, na tradio, na intemporalidade (Hall, 2006, p.53).6 Contudo, um olhar mais atento perceber que a nao, como discurso identit-rio e organizao sociopoltica que se impe gradativamente no sculo XIX, est imbricada com o desenraizamento cultural e a acelerao das transformaes sociais.

    Bauman nos mostra que essa mesma modernidade, vivida como redemoinho, projetava, ao menos como desejo, uma nova

    6 O contraste aumenta ainda mais se pensarmos em reflexes como a de Kumar: a modernidade sente que o passado no tem lies para ela; seu impulso constantemente em direo ao futuro (Kumar, 1996, p.473).

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    ordem. Os slidos podem ser derretidos, mas o so para moldar novos slidos (Bauman, 2008, p.182). Embora no coadune sempre com os padres de racionalidade e lgica ideados pela modernidade, o discurso da nacionalidade foi capaz de dar conta de uma perspectiva de futuro e de transformao e, ao mesmo tempo, eliminar, ao menos no nvel simblico ou imaginrio, o caos e a desordem. Assim, a nao torna-se um projeto de esta-bilidade diante do que se desmancha no ar. Atravs dela as trans-formaes podem ser explicadas e adquirir sentido.

    A ideia de nao, de identidade nacional, e seu desenvolvi-mento como fora poltica, tem sido debatida h muito tempo pelas cincias sociais. Nem todos os autores endossariam inte-gralmente o diagnstico apontado acima. Vale a pena exami-narmos alguns destes posicionamentos, suas aproximaes e divergncias para da extrairmos mais algumas possibilidades interpretativas que nos ajudaro nesta abordagem sobre os dile-mas da identidade nacional.

    Ainda no sculo XIX, do historiador francs Ernest Renan um dos mais clebres textos sobre a existncia da nao e seus fundamentos. Em sua conferncia proferida na Sorbonne, em 1882, intitulada Que uma nao?, desenvolveu um racioc-nio em defesa do princpio nacional, mas, surpreendentemente, se levarmos em conta a poca, contrariando os principais argu-mentos utilizados neste perodo com relao base formadora das naes. Para ele, a nao no seria fruto da raa, da religio, da lngua, da geografia, nem das necessidades militares.7 Ela seria procedente, isto sim, de uma vontade comum no presente,

    7 Angela Alonso e Samuel Titan Jr. alertam para no nos empolgarmos com o sabor antropolgico dos argumentos de Renan construdos j em tempos de oposio entre Frana e Alemanha. Em outros escritos, o historiador francs utiliza com veemncia o conceito de raa para explicar a situao das colnias europeias. Sua concepo de nao valia, portanto, apenas para o seu conti-nente (Alonso; Titan Jr., 1997).

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    do esquecimento da violncia originria de todas as naes e da valorizao de uma glria comum, herana do passado. Mais do que um consenso, base de um contrato social moderno, esta ltima caracterstica, para o autor, faz da nao uma alma, um princpio espiritual (Renan, 1997, p.173).

    J na cincia social clssica o tema da nao abordado, dentre outros, por Marcel Mauss e Max Weber. Na busca por classificar as formas polticas da vida social, ambos vo enten-der que o Estado-nao representaria o pice da integrao e de uma solidariedade social orgnica. justamente esse senti-mento de coletividade, consubstancializado na instituio do Estado pela nao, que marcaria uma passagem evolutiva na or-ganizao poltica. maneira de Renan, Mauss entende a nao como fruto de um consenso, de uma vontade geral e reconhece que a nao estabelecida quem cria a ideia de unidade racial e, tambm, muitas de suas tradies, selecionadas entre prti-cas culturais diversas. A concepo de nao, para este autor, assemelha-se aos discursos sociais nacionalistas, que se estabe-leceram a partir do sculo XIX, ressaltando a unidade moral dos indivduos que a compem. A nao , assim, um fato social es-tabelecido pela vontade, mas tambm por uma evoluo natural que a faz a continuidade da solidariedade orgnica dos cls pri-mitivos. O mrito da identidade nacional para Mauss estaria em construir uma resposta tendncia desintegrao provocada pela modernidade, abolindo as divises internas da sociedade e ampliando largamente a solidariedade e a homogeneidade do cl primitivo.8

    8 Portanto, a nao, para Mauss, dotada de um contedo altamente posi-tivo. Conquanto reconhea que certa presuno natural e chauvinismo sejam intrnsecos imaginao nacional, o nacionalismo exacerbado, com a xeno-fobia e a defesa do tradicionalismo, seria, para o antroplogo francs, uma patologia da identidade nacional que deveria ser extirpada como um abscesso.

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    O discurso de Renan fez escola e a argumentao de Weber comea por negar a centralidade da religio, da lngua e dos laos consanguneos para o estabelecimento das naes. Contudo, ainda que levando em conta o papel dos intelectuais e da im-prensa (livros, peridicos e, acima de tudo, os jornais) na difuso do princpio nacional, Weber entende a nao como uma comu-nidade que normalmente tende a produzir um Estado prprio. Logo, no ser fruto apenas do desencantamento do mundo ge-rado pela modernidade, mas da necessidade de coeso inerente a qualquer comunidade poltica. No obstante reconhea que a homogeneidade nacional seja indefinida e baseada em senti-mentos de solidariedade bastante heterogneos, para Weber h um sentimento de nacionalidade anterior institucionalizao da nao poltica.

    A partir da dcada de 1970, passa a predominar, no seio da produo intelectual, a rejeio a concepes essencialistas da identidade nacional. Dentro de uma posio construtivista, per-cebendo que as categorias sociais so culturalmente construdas, autores se dispem a encarar a nao como artefato cultural, por-tanto, como representao (Cf. Rovisco, 2003).9 Estar em debate a ao do Estado moderno e do nacionalismo, como movimento poltico, na formao da identidade nacional. A homogeneidade cultural da nao poderia ser induzida politicamente. Em que pesem sua relao com outras formas de identidade anteriores,

    9 Posies do tipo essencialista ainda circulam, inclusive na produo intelec-tual. A obra de Josep Llobera, The God of Modernity (publicada originalmente em 1994), por exemplo, apropriando-se de historiadores como Marc Bloch e Huizinga e de socilogos como Weber, procura entender a nao como um valor cultural, como uma comunidade enraizada na totalidade da populao e com uma larga histria anterior. Para este autor, ao final da poca medie-val, a identidade nacional estava determinada: es cierto que el nacionalismo moderno slo apareci como una secuela de la Revolucin Francesa, pero la identidad nacional es un fenmeno de la longue dure (Llobera, 1996, p.13). Llobera, no entanto, prudentemente, se abstm de generalizar suas concluses para outros lugares fora da Europa ocidental.

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    as identidades nacionais seriam um fenmeno recente, forjado por uma srie de interesses polticos e econmicos.

    Ernest Gellner talvez mantenha a posio mais veemente dessa vertente. Para ele, as naes so construdas por uma ao da elite que assume o Estado no sculo XIX. Trata-se de uma tentativa de amalgamar a unidade poltica a uma unida-de cultural. a ao centralizada do Estado que proporciona a homogeneizao de uma identidade nacional, atravs da edu-cao pblica e da implantao de um sistema de comunicao de massas capazes de unificar a lngua, difundir certo padro de uma cultura de elite, mitos histricos e invenes histricas arbitrrias (Gellner, 1993, p.89).

    Ainda nesse vis interpretativo, mas em busca de olhares mais amplos quanto s ideias de manipulao e inveno, as an-lises de Benedict Anderson, Eric Hobsbawm e Anthony Smith so as que acabam por nortear a maior parte das interpretaes contemporneas sobre a identidade nacional.

    Os posicionamentos do historiador ingls Eric Hobsbawm em Naes e nacionalismos desde 1780 so os mais prximos aos de Gellner. A exemplo deste ltimo, Hobsbawm (1991, p.19) salienta o elemento do artefato, da inveno e da engenharia social que entra na formao das naes. [...]. As naes no for-mam os estados e os nacionalismos, mas sim o oposto.

    Numa abordagem semelhante, na forma, de Renan, Hobs-bawm vai, paulatinamente, refutando as teses que tomam a ln-gua, a etnicidade e a religio como elementos pr-formadores da nao. Para ele, a criao de um Estado administrativo moderno, mobilizador e influenciador dos cidados, e a democratizao da poltica so os fatores essenciais na formao das naes mo-dernas. Os Estados iriam usar a maquinaria de comunicao, crescentemente poderosa, junto a seus habitantes sobretudo, as escolas primrias para difundir a imagem e a herana da nao e inculcar adeso a ela [...] (Hobsbawm, 1990, p.112).

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    Por outro lado, Hobsbawm tenta se distanciar da concepo de modernizao pelo alto defendida por Gellner. O naciona-lismo se constri por aes e reaes que tambm podem vir da mobilizao popular e, em muitos casos, haveria laos protona-cionais, sentimentos de vnculo coletivo pr-existentes, passveis de serem operados na escala macropoltica pelos Estados ou movimentos nacionalistas.10 nesta perspectiva que Hobsbawm acaba por caracterizar as naes como:

    fenmenos duais, construdos essencialmente pelo alto, mas que, no entanto, no podem ser compreendidas sem ser analisadas de baixo, ou seja, em termos das suposies, esperanas, necessidades, aspiraes e interesses das pessoas comuns, as quais no so neces-sariamente nacionais e menos ainda nacionalistas. (Hobsbawm, 1991, p.20)

    Referncia ainda mais presente nos estudos contemporneos a respeito da nao e do nacionalismo ser a obra Comunida-des imaginadas, de Benedict Anderson. Nela, o autor percebe a nao como fruto mais ou menos espontneo do cruzamen-to complexo de diferentes foras histricas (Anderson, 2008, p.30), que se engendram a partir do final do sculo XVIII, e no apenas como objeto de uma manipulao vinda de um centro controlador.

    Uma das chaves principais para entender esse fenmeno es-taria no desenvolvimento da imprensa como mercadoria o que ele chama de capitalismo editorial. A busca por novos pblicos leitores proporcionou o desenvolvimento de lnguas impressas (com uma maior fixidez do que as orais, dando impresso de

    10 Inclusive com a possibilidade de preencher o vazio emocional causado pelo declnio ou desintegrao, ou a inexistncia de redes de relaes ou comunida-des humanas reais (Hobsbawm, 1990, p.63).

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    permanncia no tempo) e campos unificados de intercmbio e comunicao.

    A nao seria, ento, uma comunidade imaginada como o so todas as sociedades, necessariamente, uma estrutura social e um artifcio de imaginao (Balakrishnan, 2000, p.216) e alicerada sobre as transformaes geradas por novas relaes sociais de produo que despontam com a modernidade. En-tretanto, para Anderson, a partir do momento em que o modelo est estabelecido, ele plausvel de ser imitado, com diversos graus de conscincia, inclusive como objeto de manipulao intencional. Ao se referir aos novos Estados-nao surgidos da dissoluo dos imprios europeus, o autor afirma que:

    [...] nas polticas de construo da nao dos novos Estados, vemos [...] um autntico entusiasmo nacionalista popular ao lado de uma instilao sistemtica, e at maquiavlica da ideologia nacionalista atravs dos meios de comunicao de massa, do sis-tema educacional, das regulamentaes administrativas, e assim por diante. (Anderson, 2008, p.164)

    Na maior parte de sua anlise, contudo, Anderson faz um es-foro para mostrar que as naes so portadoras de uma legitimi-dade muito forte, despertando um apego emocional profundo. A forma de funcionamento do nacionalismo estaria mais prxima do fenmeno religioso do que das ideologias polticas. Prope, neste caminho, o entendimento do nacionalismo alinhando-o no a ideologias polticas conscientemente adotadas, mas aos grandes sistemas culturais que o precederam, e a partir dos quais ele surgiu, inclusive para combat-los (Anderson, 2008, p.39). As naes seriam, portanto, imaginadas dentro dos limites e ideais vividos a cada momento histrico por comunidades es-pecficas. Como diz Lilia Moritz Schwarcz no prefcio edio brasileira do livro de Anderson: No se imagina no vazio e com

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    base em nada. Os smbolos so eficientes quando se afirmam no interior de uma lgica comunitria afetiva de sentidos [...] (Schwarcz, 2008, p.16).

    Constatando a ubiquidade da nao no mundo contempo-rneo, o terico ingls Anthony Smith, por sua vez, insiste um pouco mais do que seus pares nas origens pr-modernas desse fenmeno. A chave para interpret-lo estaria nas razes tnicas comuns, legatrias de uma histria de longo prazo.

    [...] historicamente, as primeiras naes foram [...] formadas com base em ncleos tnicos pr-modernos e, por serem poderosas e culturalmente influentes, forneceram modelos para casos subse-quentes de formao de naes em muitas partes do globo.[...] o modelo tnico se tornou cada vez mais popular e corrente [...] por assentar to folgadamente sobre o tipo de comunidade demtica pr-moderna que sobreviveu at a era moderna em tantas partes do mundo. Por outras palavras, o modelo tnico foi sociologicamente frtil. (Smith, 1997, p.60)

    A nfase na interpretao da nao como uma espcie de de-positrio histrico de longo prazo faz Smith diminuir o peso da ideia de fabricao ou inveno. A inveno deve ser entendida em seu outro sentido: uma recombinao indita de elementos j existentes (Smith, 2000, p.202). A nao trata-se, ento, de um fenmeno cultural que ganha uso poltico e ideolgico.

    Contudo, Smith no se distancia tanto dos demais autores tratados quanto, num primeiro momento, poderia parecer. Ele reconhece que as naes modernas, com cidados massificados, s puderam emergir na era do industrialismo e da democracia. A linguagem e o simbolismo nacionalistas comeam como um fe-nmeno de elite, no qual os intelectuais desempenham um papel preponderante. Um vigoroso programa de socializao poltica, realizado atravs dos sistemas de comunicao e de educao

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    pblica de massas foi essencial para o Estado configurar a nao moderna em conjunto com (e no contexto de) outros processos. Assim que a nova concepo da nao foi criada para servir como estrutura espao-temporal de ordenao do caos e para dar significado ao universo, ao prender aspiraes e sentimen-tos de massa pr-modernos a laos locais e familiares (Smith, 2000, p.103).

    As vises sobre a nao apresentadas at aqui carregam em si divergncias explcitas, mas tambm certa complementaridade. possvel, assim, destacarmos, a partir das convergncias, uma leitura geral sobre as possibilidades interpretativas contempor-neas a respeito da nao e das identidades nacionais como siste-mas simblicos atribuidores de identidades sociais.

    Como diz Jos Murilo de Carvalho (2003, p.397), s vezes, o Estado cria a Nao, s vezes o oposto que se d, s vezes criam-se os dois mutuamente. Para alm das dvidas a respeito da precedncia, importa-nos perceber que a constituio do bi-nmio Estado-nao indica que na modernidade houve uma tendncia para tornar a cultura e a esfera poltica congruentes (cf. Hall, 2006). A unificao poltica, concomitante unifica-o cultural, faz, para a maior parte dos casos, as exigncias de lealdade ao Estado e nao coincidirem. Isso explica, em parte, a permanncia das representaes da identidade nacional: o Es-tado-nao tornou-se o espao (fsico e simblico) privilegiado da ao poltica e dentro deste espao que ocorrem a maior parte das interaes sociais. Como mostra Hobsbawm (1991), a presena do carteiro, do policial, do professor, da estrada de ferro, dos soldados, dos censos peridicos etc. indica um aumen-to significativo de intervenes do Estado na vida das famlias ao longo do sculo XIX.11

    11 A referncia temporal do diagnstico especfica para parte da Europa e para os EUA.

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    No mesmo caminho, embora possa se observar elementos anteriores modernidade capitalista na formao das identi-dades nacionais, preciso considerar que a difuso dos ideais de nao e do nacionalismo legatria do trabalho e da adeso essencial de uma categoria a que Antony Smith chama de intelec-tuais-pedagogos. Em sua obra, Anderson (2008) salienta o papel desempenhado pela cultura escrita e pela imprensa na constru-o, narrao e difuso do sentido da nao. justamente entre essa parte da camada letrada, capaz de e disposta a produzir representaes escritas (ou iconogrficas), que se encontra certo sentido de misso (autoatribudo) para instituir, despertar ou resgatar a identidade nacional. Em que pese a necessidade da existncia de precondies objetivas para a eficcia das repre-sentaes construdas, percebe-se que foram os intelectuais que propuseram e elaboraram os conceitos e a linguagem da nao e do nacionalismo (Smith, 1997, p.119) ao menos em sua verso mais visvel. A promessa nacionalista de posteridade atraiu poetas, msicos, pintores, escultores, romancistas, historiadores, ar-quelogos, dramaturgos, fillogos, lexicgrafos, antroplogos e folcloristas (Smith, 1997, p.119) que procederam escavao intensa procura de uma identidade e de valores genuinamente nacionais, projetados a partir de um passado comum.

    dessa maneira atravs de reconstrues e bricolagens que os discursos identitrios que fundamentam a nao, estru-turam-se sobre a recombinao de elementos pr-existentes (Cf. Smith, 2000, p.207). Mesmo considerando a possibi lidade de ao direta e intencional do Estado atravs dos meios de co-munica o,12 nos quais tambm podem ser includos a escola e os livros didticos; preciso ponderar que esta ao se utiliza de va-

    12 Ressalvando que o nacionalismo no necessariamente um fenmeno das eli-tes, no raro refletindo at mesmo uma reao contra as elites mundiais (sobre o assunto ver Castells, 1996).

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    lores enraizados com certo respaldo social. Toda representao de identidades necessita dessa ressonncia: nas cosmologias pr-existentes em concepes arraigadas que se encontram o material suficiente, o repositrio partilhado para a conforma-o de modelos identitrios, que fazem sentido para alm da manipulao mais imediata (Schwarcz, 2001, p.14). A seleo, contudo, dos aspectos da cultura a serem ressaltados feita, muitas vezes, com a atribuio de outros valores a estes elemen-tos, buscando-se uma ressignificao consonante com objetivos de cada grupo em cada perodo. O fim almejado ser sempre a conquista da adeso afetiva, canalizando interesses, emoes, aspiraes e medos coletivos.

    De toda forma, possvel perceber que nos discursos a res-peito da nao, os componentes culturais, polticos, afetivos e racionais esto entrelaados. Essa constatao significa no endossar a dicotomia entre o modelo tnico e cvico oriental uma superfamlia imaginria, concepo orgnica e mstica e o ocidental racional e associativo (Cf. Kohn, apud Smith, 1997) de nao. Rita Ribeiro mostra que para a compreenso do fen-meno necessria a inter-relao entre os dois modelos de nao cultural-tnico-orgnico e cvico-poltico-territorial:

    [...] mesmo as naes polticas tm necessidade de um grau mnimo de coeso cultural, sacralizam os seus smbolos e deitam mo da fora do Estado para homogeneizarem a lngua e o sistema educa-tivo nacional, assim como as naes tnicas, cujas fronteiras esto idealmente no sangue, na linhagem e na cultura, fizeram e fazem quase sempre apelo formao de um Estado soberano, seno independente. (Ribeiro, 2004, p.90)

    Bauman, em suas anlises, tambm procurou diminuir o peso da oposio entre a possibilidade de pertencer a uma nao por adscrio primordial ou por escolha. O fato que cultura e pol-

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    tica, etnicismo e civismo se amalgamam na tendncia homoge-neizao que as representaes de identidade nacional carregam consigo. dentro dos ideais romnticos que a nao passa a ser concebida como uma entidade emotiva, smbolo da singularida-de, qual todos os homens deveriam se integrar (Oliveira, 1990, p.43). O ns coletivo, a camaradagem horizontal (Anderson, 2008), a neutralizao das diferenas e o ressaltar das semelhanas fazem parte da constituio de certa utopia das desi gualdades harmnicas (Marchi, 1994),13 presente nos projetos nacionais dos vrios modelos difundidos pelo globo.

    Toda identidade, no nvel das representaes, tem sempre que estar ligada a uma continuidade no tempo, por isso a emer-gncia da Histria como disciplina acadmica e escolar no sculo XIX aspecto central para a consolidao poltica e simblica dos Estados-nao. A escrita da histria mais que um espao privilegiado, protagonista na construo da lgica e da legiti-mao das narrativas da nao. Jos Carlos Reis chega a afirmar que a crtica historiogrfica a prpria vida do esprito de uma nao. A narrativa histrica acaba se constituindo no principal meio capaz de promover a transformao secular da fatalidade em continuidade, da contingncia em significado (Anderson, 2008, p.19). Trata-se da busca de um passado utilizvel cuja construo evidencia tambm a ligao entre o historicismo e o Romantismo no sculo XIX.14

    13 Tomo o termo emprestado de Euclides Marchi que, por sua vez, o utiliza para explicar o projeto de mundo presente na Rerum Novarum, base da doutrina social catlica.

    14 Alm de certa nostalgia pelo passado, no qual se encontraria a origem e a essncia do esprito nacional, boa parte da historiografia do sculo XIX vai compartilhar com o Romantismo da forma do romance moderno, compondo um bildungsroman da nao. E o romance, um gnero literrio to jovem quanto a ideia de nao, que servir, ao mesmo tempo, de modelo narrativo para as primeiras elaboraes eruditas de escrita nacional e de vetor de difuso de uma nova viso do passado (Thiesse, 2002, p.12).

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    Diferentemente dos princpios universalizantes iluministas, o discurso histrico nacional valorizar a especificidade, aquilo que irredutvel, compondo, concomitantemente, sentido de coerncia ao longo do tempo. Um dos seus objetivos colocar em evidncia a continuidade e a unidade da nao como ser cole-tivo atravs dos sculos, apesar de todas as opresses, de todos os infortnios, de todas as traies (Thiesse, 2002, p.12). A nao representada, ento, como algo que sempre existiu. As repre-sentaes construdas produzem ou reforam a crena subjetiva na ascendncia tnica comum (Cf. Weber, 1991) e na existncia de um territrio de origem e destino. Na projeo temporal, a nao surge como um devir deste territrio e deste povo original.

    com auxlio do discurso histrico que as principais repre-sentaes da nao se consolidaro. Na construo discursiva da nao, neste espelho em que se projeta sua unidade orgnica, h representaes que, por sua constante reiterao, acabam tendo um peso maior, instalando-se com certa profundidade no imagi-nrio social. So representaes fundadoras em um duplo sentido, expresso em duas formas de discurso complementares: a) so fundadoras no sentido de serem as primeiras representaes que o pas recebeu, reforadas (especialmente mas no apenas no caso das imagens positivas) no momento do empenho na construo da identidade nacional dentro dos ideais romnti-cos; b) so fundadoras as representaes que evocam um evento de fundao, no qual se definiriam as caractersticas bsicas da nao a se perpetuar no tempo. Essas representaes se enrazam de tal forma que as construes discursivas as quais intentam super-las tm forosamente que negociar sentidos com elas.

    Uma produo terica consistente tem dado destaque fora dessas representaes. Marilena Chaui as toma por mito fun-dador, no sentido antropolgico em que essas narrativas so a soluo imaginria para tenses, conflitos e contradies que no encontram caminhos para serem resolvidos no nvel da rea-

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    lidade (Chaui, 2000, p.9). Ao perceb-lo como produtor e pro-duto de uma conscincia, ainda que difusa, de pertencimento, a autora considera que o mito fundador oferece um repertrio inicial de representaes da realidade e, em cada momento da formao histrica, esses elementos so reorganizados (Chaui, 2000, p.10).15

    Em outro caminho terico-metodolgico, mas no menos instigante, Eni P. Orlandi analisa essas representaes como dis-cursos fundadores, aqueles que funcionam como referncia bsica no imaginrio constitutivo de um pas. Para essa pesquisadora, estes enunciados vo nos inventando um passado inequvoco e empurrando um futuro pela frente [...] nos do a sensao de estarmos dentro de uma histria de um mundo conhecido (Orlandi, 2001, p.12). So as imagens enunciativas emanadas dos discursos fundadores que transfiguram o sem-sentido em sentido, operando um silenciamento, ainda que temporrio, de outros sentidos excludos. Nas palavras da autora, o discurso fundador

    instala as condies de formao de outros, filiando-se sua prpria possibilidade, instituindo em seu conjunto um complexo de forma-es discursivas, uma regio de sentidos, um stio de significncia que configura um processo de identificao para uma cultura, uma nao, uma nacionalidade. (idem, p.24)

    Sejam tratadas como mitos, discursos ou representaes, as narrativas da nao so constantemente presentificadas mas tambm ressignificadas na busca de coeso social. Este proces-so de retroalimentao faz com que o passado no seja assim to

    15 Chaui (2000, p.9) investe inclusive na acepo psicanaltica do mito, tomando--o como impulso repetio de algo imaginrio que cria um bloqueio per-cepo da realidade e impede lidar com ela.

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    passado, pois a prpria nao torna-se um sistema de represen-tao cultural ligado a interesses dos grupos sociais, nos jogos, confrontos e conciliaes de poder na sociedade.

    assim que as representaes da nao so vivenciadas con-cretamente pelos agentes sociais, conforme os grupos de que fazem parte. Os atores sociais tomam essas representaes como reais, incorporando-as como referentes para suas interpreta-es. As representaes da nao, presentes nos discursos das mais variadas tendncias polticas, atuam articulando sentidos: servem de fonte legitimadora e acabam por orientar estratgias, projetos e outras prticas sociais.

    guisa de eplogo

    No final do seu livro sobre naes e nacionalismos (escrito nos finais dos anos 1980), Hobsbawm constatava (a partir de uma metfora hegeliana) que a coruja de Minerva que traz sabedoria, mas voa no crepsculo estava agora rondando as na-es e o nacionalismo. No auge dos discursos sobre a globaliza-o, nos finais da dcada de 1990, analistas tambm anunciavam a crise do Estado e da identidade nacional como instrumento capaz de dar sentido ao mundo contemporneo. No mesmo ca-minho, pesquisadores sobre as identidades apontam, ainda hoje, uma menor presena da identidade nacional para a construo dos sujeitos contemporneos.

    Em que pesem a relevncia dessas anlises que levam em conta a transnacionalidade das relaes econmicas e a possi-bilidade de comunicao em rede, outros autores, contempo-raneamente, tm ressaltado que se vive em um mundo onde as questes e desafios colocados pela modernidade ainda no foram plenamente respondidos. Constata-se, ento, a permanncia da identidade nacional como forma de identificao coletiva, convi-

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    vendo, sem se apagar, com outras formas de identidade devido sua estruturao mais hbrida na articulao entre diferenas e identidades culturais gnero, raa ou classe do que uma es-truturao hierrquica ou binria do antagonismo social capaz de representar (Bhabha, 2001, p.534).

    Embora, como vimos anteriormente, novas fontes de iden-tidade despontem na contemporaneidade, representaes das identidades nacionais so constantemente reiteradas no pre-sente. De fato, essas representaes continuam circulando na produo acadmica, na mdia, na memria, na tradio, na es-cola. Essa possvel ubiquidade se revela em formas que chegam a impregnar de tal maneira nossa vida coletiva que resultam invisveis de to bvias (Rosa; Bellelli; Bakhurst, 2008, p.179). Para Smith, a persistncia dos discursos de identidade nacional estaria ligada multidimensionalidade da concepo de nao, caracterstica que a teria transformado numa fora flexvel e persistente da vida e da poltica moderna (Smith, 2000, p.30), permitindo que se associasse eficazmente a outras foras e mo-vimentos modernos, sem perder os seus elementos centrais. Anderson (2008) j alertava que as naes so portadoras de uma legitimidade muito forte, despertando um apego emocional profundo. A complexidade e a resistncia do fenmeno da iden-tidade nacional podem ajudar a explicar, inclusive, a perma-nncia de certa viso romntica de nao espao homogneo do territrio, tempo homogneo da histria nacional, cultura homognea em toda a populao (Novaes, 2003, p.12).

    Na atualidade, h, portanto, que se considerar uma longa tra-jetria de discursos de identidade nacional, veiculados no decor-rer do tempo, que funcionam como uma histria incorporada,16

    16 Ao abordar as relaes entre a histria reificada e a histria incorporada, Bour-dieu amplia suas observaes sobre a origem social das representaes, ou melhor, das prticas culturais. Para ele, h uma histria em estado objetivado, que se acumulou ao longo do tempo nos objetos, ferramentas, instituies. H

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    a qual no se pode desprezar. Como se refere a pesquisadora Rita Ribeiro (2004, p.11), depois do nacionalismo, nada pode ser pensado como se ele no tivesse existido e, como tal, no simplesmente possvel passar por cima das naes. A eficcia discursiva, simblica e poltica de novas representaes identi-trias depender do dilogo estabelecido com elementos de per-manncia de longo prazo, dentro das condies e limites dados por conjunturas especficas. Alberto Rosa, Guglielmo Bellelli e David Bakhurst, ajudam-nos a pensar um pouco mais sobre as permanncias e reiteraes das representaes identitrias na-cionais, seus discursos e suas possibilidades de transformao:

    no resulta sorprendente que sentimientos de identidad y modos de ser colectivos tengan una gran capacidad de permanencia, a pesar de cambios culturales, sociales y polticos bastante radicales. El universo simblico, los mitos del pasado colectivo, la propia idea del nosotros colectivo resultan extremadamente resistentes a la substitucin de unos significantes por otros, aunque eso no quiere decir que el cambio sea imposible, pues la Historia nos muestra cmo etnias y naciones se crean, se transforman o llegan a disol-verse. Lo que s parece claro es que no resulta fcil imponer cam-bios culturales, ni alterar las ideas constitutivas que las personas de una comunidad tengan sobre su propio ser, aunque se utilicen mtodos muy brutales. La modificacin de las seas de identidad no slo pasa por el cambio de una simbologa sino, tambin, por el de los mismos significados que se transportan, que deben ser convencionalizados en la comunidad que los utiliza, y entrar en

    tambm uma histria que se tornou habitus, incorporada, inscrita nos corpos, noo que se aproxima ideia de segunda natureza de Norbert Elias. Essa per-manncia (o passado continua vivo) restringe o universo dos possveis. Pode-mos compreender que o ser social aquilo que foi; mas tambm que aquilo que uma vez foi ficou para sempre inscrito no s na histria, o que bvio, mas tambm no ser social, nas coisas e nos corpos (Bourdieu, 1989, p.100).

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    la dinmica afectiva de los elementos de la cultura de ese grupo. (Rosa; Bellelli; Bakhurst, 2008, p.190)

    Assim, ainda que a problemtica das identidades tenha re-tornado, com maior intensidade, ordem do dia, nos finais do sculo XX e na primeira dcada do sculo XXI e as identida-des sejam, visivelmente, cada vez mais, conscientemente mo-bilizadas no campo poltico, envolvendo disputas materiais e simblicas, pode-se perceber que a diversidade identitria e a identidade nacional no conflitam de maneira to excludente, na maior parte dos Estados estabelecidos, como em um primeiro momento parecia acontecer. Em muitos casos no a identida-de nacional que posta em xeque, mas sua representao. Os embates entre os diferentes grupos do-se pelos sentidos por uma reviso da gramtica que envolvem esse grande smbo-lo identitrio que funciona como semiforo para as sociedades modernas.

    Se, como constatamos anteriormente, as experincias obje-tivas e subjetivas dos seres humanos se constroem em interao com representaes a respeito de quem so e quem podem ser, foroso constatar que muito dos dilemas contemporneos a respeito de alteridade, autoestima, eticidade e moralidade dia-logam diretamente com as representaes identitrias nacionais. Por tudo isso, pensar por dentro, entre e em torno da nao e suas representaes, no passado e no presente, pode ainda ser um recurso intelectual instigante, seno fundamental.

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  • A libertao de Cam:discriminar para igualar.

    Sobre a questo racial brasileira1

    Maria Bernardete Ramos Flores2

    Sabrina Fernandes Melo3

    A obra pictrica Redeno do Cam (1895) de Modesto Brocos y Gomes j serviu a diversos cientistas sociais, antroplogos, historiadores, para ilustrar a ideologia do branqueamento do Brasil. O quadro retrata uma av negra, a filha mulata, o genro e o neto brancos. De fato, trata-se de uma representao acabada da poltica de miscigenao apregoada para fazer desaparecer o negro brasileiro, sem destruir Cam, o filho amaldioado de No (Gnesis 9: 18-19), e sem desaguar na violncia que marcou o fim da escravido nos Estados Unidos. Quando o diretor do Museu Nacional, Joo Batista de Lacerda, foi participar do Con-gresso Universal das Raas (1911), em Londres, levou consigo o quadro de Brocos y Gomes para demonstrar sua tese Sur les

    1 Este artigo contou com o apoio em pesquisa dos seguintes alunos de gradua-o: Daniel Dalla Zen e Victor Wolfgang Kegel Amal (Pibic/CNPq); Poliana Santana, Carolina Bayer e Fernanda Emanuella Maccari (Bolsa Permanncia).

    2 Doutora em Histria, professora titular em Histria Cultural (UFSC), pes-quisadora do CNPq (PQ-1B) e autora do livro Tecnologia e esttica do racismo: cincia e arte na poltica da beleza (2007). E-mail: [email protected].

    3 Doutoranda em Histria pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com a tese: Imagens coloniais em tempos modernistas: a propsito de Robert C. Smith e sua metodologia como historiador da arte.

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    mtis au Brsil [Sobre os mestios do Brasil]. Nesta, impressa, h uma reproduo de Redeno do Cam, acompanhada da seguinte legenda: O negro passando ao branco, na terceira gerao, por efeito do cruzamento de raas (Seyfeth, 2011, p.62-67).

    Embora nada conste na Bblia sobre a cor de Cam e de seus descendentes, segundo David Goldemberg (2003 apud Oliva, 2007, p.48), os efeitos interpretativos da maldio lanada a Cam tiveram desdobramentos na imaginao ocidental, para justificar a escravido de negros africanos, os quais seriam des-cendentes de Cam. No sculo XIX, em resposta ao movimento abolicionista nos Estados Unidos, os brancos racistas lanaram mo do relato bblico. No Brasil, a maldio de Cam serviu de justificativa para a escravizao de ndios e negros. A escraviza-o e o extermnio seriam o preo a pagar pela redeno do peca-do cometido por Cam, ter visto seu pai nu, quando este dormia embriagado. A escravido seria a sina da populao negra afri-cana e seus descendentes, visando a regenerao e purificao deste pecado. O Mito de Cam procurou explicar de certa for-ma a escravido dos africanos, mas na verdade, justificou o elo entre a escravido e cor da pele (Carvalho Junior, 2011, p.4).

    Evocaremos aqui a imagem de Cam no para redimi-lo da inventada maldio, mas como alegoria do movimento (poltico, cultural e social) empreendido no Brasil nas ltimas dcadas, especialmente depois dos anos de 1980, contra o pre-conceito e a desigualdade racial, em prol da populao negra brasileira.4 Com o fim da crena no determinismo biolgico racial, veio o reconhecimento da existncia das raas sociol-gicas; com o fim da crena na democracia racial, veio o reco-nhecimento da existncia do preconceito racial; com o fim da

    4 Houve igualmente diversas polticas em prol da populao indgena. Mas como h uma especificidade bastante grande, que singulariza tanto a histria deste grupo quanto suas reivindicaes atuais, no temos espao, no con-texto deste artigo, para abord-las de forma consistente.

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    crena na superioridade da civilizao branca, europeia, crist, veio o reconhecimento dos valores multiculturais; com o fim do padro nico de beleza, veio a valorizao da beleza negra e, em consequncia, a melhoria da autoestima negra, e vimos uma srie de acontecimentos capazes de instituir esquemas de discriminao positiva em favor dos grupos raciais historica-mente discriminados de forma negativa. Em contrapartida ao racismo, ao preconceito racial e marginalizao, as cotas uni-versitrias criaram uma universidade mais colorida, mais negra, menos branca; o Movimento Negro e a afirmao da negritude fez surgir uma nova etnosemntica: em vez de preto, falamos negro, em vez de etnia, falamos raa.

    Para conclamar a libertao de Cam, partimos da sugesto de David Theo de Goldberg (apud Azevedo, 2004, p.27):

    embora a raa tenha tendido historicamente a definir condies de opresso, ela pode, sob uma interpretao culturalista [...] ser o lugar de um contra-ataque, um solo ou campo para deslanchar projetos de libertao ou a partir do qual se poderia expandir a(s) liberdade(s) e abrir espaos emancipatrios.

    Usaremos aqui a designao raa, sem aspas e sem ressalvas, para tomar o significado corrente: seu uso poltico, hoje, designa um signo para reconhecer a desigualdade social e cultural, e que possibilita dar visualidade ao outro, institudo historicamente e aceito socialmente. Conforme Edward Telles (2003, p.38):

    O uso do termo raa fortalece distines sociais que no pos-suem qualquer valor biolgico, mas a raa continua a ser imensa-mente importante nas interaes sociolgicas e, portanto, deve ser levada em conta nas anlises sociolgicas.

    Estamos conscientes de que o conceito de raa foi uma das criaes mais perversas, entre os sculos XVII e XIX, que serviu

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    ao eurocentrismo e sua dominao sobre a terra. O conceito de raa uma fico formulada nos jogos de poder. No se coloca em dvida o fato de que o conceito de raa biolgica foi o fulcro da mais poderosa formao ideolgica da histria. Foi a inven-o do conceito de raa que racializou os povos, colocando-os em vantagens ou em desvantagens, tanto nos contextos econ-micos internacionais, imperialistas, quanto nos nacionais em seus processos de homogeneizao tnica e em seus processos civilizacionais. Estamos cientes tambm de que as teorias raciais cientficas entraram em desuso, radicalmente, aps a Segunda Guerra Mundial, quando em nome da raa cometeu-se o assas-sinato em massa nos campos de concentrao. Mas o descrdito nas teorias raciais biolgicas j vinha desde o comeo do sculo. Em 1910, Franz Boas publicou Changes in the Bodily Format of Descendants of Immigrants [Modificaes nos formatos dos corpos dos descendentes de imigrantes], argumentando que o tamanho da cabea da primeira gerao de italianos e judeus emigrantes nos Estados Unidos no conferia com o tamanho ori-ginal. Embora Boas tenha recebido muitas crticas em decorrn-cia da pouca consistncia de suas demonstraes, feriu a noo de estabilidade fsica que sustentava a teoria racial, e introduziu a noo de plasticidade do corpo e da cultura (Barkan, 1992, p.83). O Brasil mais do que qualquer outro pas, da Europa ou da Amrica, abraara a tese do descrdito no racismo cientfico a partir da dcada de 1930, especialmente com os trabalhos de Gilberto Freyre.

    No obstante, se o conceito de raa foi uma fico biolgica, no deixou de ter vida real muito influente em diversos contex-tos histricos. No Brasil, no se pode desprezar o peso que teve na construo da sua histria. A taxonomia racial, pautada na fbula das trs raas, foi estruturante de todo o edifcio social. O tringulo das trs raas [o branco, o negro e o ndio] foi man-tido como um dado fundamental na compreenso do Brasil

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    (Damatta, 1987, p.63). E mais, a triangulao tnica no s tornou-se ideologicamente dominante (o elogio da miscigenao foi feito sob a garantia da superioridade branca), mas abrange a viso do povo, dos intelectuais, dos polticos e dos acadmicos, de esquerda e de direita, como motivao poderosa para in-vestigar a realidade brasileira (Damatta, 1987, p.63-69).

    No sculo XIX, houve o medo de que a mistura das trs raas impedisse o Brasil de ingressar na marcha do progresso; com a Repblica, aplicou-se a lei da eugenia para embranquecer e in-tegrar os mestios modernizao brasileira e criou-se o mito da democracia racial; a gerao de intelectuais ps Segunda Guerra Mundial, com a industrializao brasileira, viu que a questo racial no Brasil era uma questo social, cuja relao de classes jo-gava com a nossa herana escravista. A partir dos anos de 1980, numa aliana entre governo, academia e movimentos sociais, procurou-se no s compreender a histrica desigualdade so-ciorracial do Brasil, mas, principalmente, implementar polticas contra o racismo e contra a excluso racial.

    A questo racial brasileira

    O culturalismo

    O retrato do Brasil, sacado por quem enxergou o fantstico espetculo das raas (Schwarcz, 1993), era surpreendentemente assustador. Pelas teorias raciais vigentes, o Brasil era tido como um pas degenerado, uma bela amostragem de barbrie, de ilu-sionismo barroco, na acepo de Ferdinand Dinis (apud Lima, 1984, p.132). Tratava-se de uma populao totalmente mu-lata, viciada no sangue e no esprito e assustadoramente feia, queixava-se o conde Arthur de Gobineau, que permanecera no Brasil entre 1869 e 1870, como representante diplomtico da

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    Frana (Raeders, 1988, p.96). Pela identificao que fazia entre civilizao, histria e raas brancas, Gobineau, The father of racist ideology [O pai da ideologia racista] (Barkan, 1992, p.16), mostrava-se pessimista quanto ao futuro da Amrica do Sul, onde os cruzamentos raciais e a degradao dos grupos europeus levariam irremedivel decadncia (Ventura, 1988, p.191). Foi neste contexto que a imigrao de europeus, na segunda metade do sculo XIX, apareceu como veculo impulsionador do bran-queamento da nao. Nas palavras de Clia Maria Marinho de Azevedo (1987, p.75): a imigrao europeia era insubstituvel como agente exclusivo de purificao tnica. Mesmo que o pas alcanasse algum progresso material, sem brancos e embranque-cidos, ele sofreria a falta de avanos morais e intelectuais.

    No final do sculo XIX, com a abolio da escravido (1888) e com a fundao da Repblica (1889), as elites brasileiras tiveram que lidar com a macia presena dos negros e da miscigenao. Definir ou interpretar a nao significava enfrentar a questo do cruzamento racial. Socilogos, historiadores, naturalistas e mdicos empenharam-se em estudar e discriminar os caracteres diferenciais das trs raas formadoras da nacionalidade brasi-leira: a africana, a americana e a caucsica. Os mdicos, tendo como maior representante Nina Rodrigues, trataram de obser-var a reao dos vrios tipos antropolgicos, ou seja, tratar da diferenciao psicolgica das raas, diante dos estmulos sociais ou geogrficos: cada qual parecia ter uma individuali-dade prpria, uma maneira peculiar, uma forma especfica de reao (apud Vianna, 1938, p.16). E no viam com bons olhos a mestiagem, alardeando os efeitos deletrios dos cruzamentos raciais, atribuindo-lhes as mazelas, as doenas, as fraquezas fsi-cas e mentais, e, consequentemente, a degenerao racial.

    Todavia, nas primeiras dcadas do sculo XX, devido aos processos modernizadores ocorridos no Brasil e centralidade do debate intelectual em torno da questo da identidade nacio-

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    nal, ocorreu a substituio da viso pessimista da contribuio das raas formadoras da sociedade brasileira por um enfoque positivo, no qual o intercurso racial transformou-se em indi-cador de tolerncia e harmonia. Surge, portanto, uma sada brasileira para o problema tnico: fundir para integrar e ex-tinguir as raas tidas como inferiores. Foram amplos os estudos para identificar os fatores empobrecedores do povo brasileiro e quais os remdios para san-los (Flores, 2007). Ser branco j no significava o pertencimento genuno ao grupo sanguneo de origem europeia. Para Oliveira Viana:

    em regra, o que chamamos mulato o mulato inferior, incapaz de ascenso, degradado nas camadas mais baixas da nossa sociedade [...] H, porm, mulatos superiores, arianos pelo carter e pela inte-ligncia, ou pelo menos capazes de arianizao, ascendendo s altas camadas da nacionalidade e colaborando com os brancos na obra de organizao e civilizao do pas. (apud Luca, 1999, p.176)

    Gilberto Freyre (1998, p.289), em Casa-grande & e senzala informa que Roquette-Pinto encontrara vrias evidncias de ao europeizante entre os negros. Para Gilberto Freyre, a mestia-gem, alm de possuir um ethos democrtico (pela mobilidade so-cial, vertical e horizontal), que herdamos dos portugueses, seria, na sua fase mais ativa, dotada do carter de mobilidade biolgica (Flores, 2007). A miscigenao teria criado em Portugal, ao longo de sua histria, uma raa indefinida, o que tornou o portugus rico em aptides: mobilidade, aclimabilidade e miscibilidade (Freyre, 1940).

    Dominando espaos enormes, onde quer que pousasse, na frica ou na Amrica, emprenhava mulheres e fazia filhos, numa atividade gensica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivduo, quanto de poltica calculada, de poltica

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    estimulada, por evidentes razes econmicas da parte do Estado. (Freyre, 1940, p.39)

    O pendor do portugus para a democratizao social opera-ria como dissolvente das foras que se solidificaram para criar sociedades de senhores e escravos, rgidas na separao de clas-ses e de raas (Freyre, 1940, p.55). As consequncias seriam de ordem biolgica, esttica e tica. O mestio [em seu vigor hbrido] dinmico, biolgica e culturalmente, na sua marcha para a relativa estabilizao de traos a que o possam levar con-dies favorveis endogamia (Freyre, 1940, p.44).

    Assim, com Gilberto Freyre, a propalada democracia racial brasileira teve a mais refinada formulao, tornando-se um dos principais alicerces ideolgicos da integrao racial, suficiente para atrair a ateno internacional. Sucede, porm, que toda esta reflexo, articulada aos debates tericos mundiais, carreia tam-bm aspectos significativos da ideologia nacionalista baseada na identidade, muitos deles responsveis pelas frequentes crticas que a obra de Gilberto Freyre costuma receber. As melhores an-lises da obra do socilogo concluem que ele trabalhou com uma definio fundamentalmente neolamarckiana de raa, isto , uma definio que, baseando-se na ilimitada aptido dos seres humanos para se adaptar s mais diferentes condies ambien-tais, enfatiza acima de tudo a sua capacidade de incorporar, trans-mitir e herdar as caractersticas adquiridas na sua interao com o meio fsico (Arajo, 1994, p.39). A modificao da noo de raa biolgica para a noo cultural de raa, aplicada ao meio e his-tria do grupo, das primeiras dcadas do sculo XX, substituiu a raa fsica por raa lingustica, histrica e psicolgica. O termo raa, praticamente intil poca foi substitudo pelo termo etnia, um silogismo para definir a identidade da nao (Todorov, 1993).

    Freyre observou explicitamente, em O mundo que o portugus criou, que o processo de nacionalizao o processo de con-

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    verso, nos limites do espao e do tempo. Afinal, disse ele, o indivduo torna-se brasileiro pela mesma forma ou pelo mesmo processo por que se torna catlico, processo que j se podia perceber pelas evidncias de abrasileiramento no extremo sul do Brasil, do alemo e de outros colonos, pelo gesto, pelo ritmo de andar, pela prtica de atos tradicionalmente brasilei-ros (Freyre, 1940, p.31). [...] quase todo homem de Blumenau ou de Santa Cruz, de Joinville ou de So Leopoldo, se j no um meio convertido [...] No tardar a ouvir vozes irresistveis no fundo das matas e das guas das tradies brasileiras: Fritz, Fritz, por que me persegues? (Freyre, 1940, p.34). Apesar da apologia do mestio, Freyre valorizava a continuidade dos valo-res europeus. O portugus foi o transportador para os trpicos de valores essenciais de cultura europeia (Freyre, 1940, p.40).

    Se no sculo XIX, os viajantes estrangeiros viam no pas um laboratrio racial para comprovar a degenerao advinda do cruzamento racial, agora a tese da plasticidade cultural e fsica encontrava no Brasil um novo campo de experimentao (Flo-res, 2010). Oliveira Vianna (1938, p.16), embora ainda preso s teses biolgicas, considerou o Brasil um centro por excelncia dos estudos de raa, j que o pas recebera etnias diversas. S entre populaes heterogneas, onde se caldeiam os tipos antro-polgicos mais diferentes, onde as raas mais primitivas se mis-turam com as raas arianas; s a que elas podem ser estudadas em condies timas de eficincia investigadora (Vianna, 1938, p.19-20). Roquette-Pinto fez oposies claras tese degene-racionista da mestiagem, afirmando que o branqueamento viria com a educao e a sade (Schwarcz, 1993, p.96). Arthur Ramos, ex-aluno de Nina Rodrigues, sugeriu substituir os ter-mos raa por cultura e mestiagem por aculturao (Maio; San-tos, 1996, p.111), defendendo a compreenso do Brasil como um laboratrio de civilizao, termo cunhado pelo historiador norte-americano, Rudiger Bilden, em 1929 (Maio, 1999, p.142).

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    Quando Arthur Ramos assumiu, em 1949, a direo do De-partamento de Cincias Sociais da Unesco (Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura), levou para l suas ideias, aliceradas na proposta de uma antropologia de interveno, que procurasse viabilizar a integrao de negros e ndios ao mundo moderno. Embora acreditasse na existncia da democracia racial ou da cooperao entre as raas no Bra-sil, Arthur Ramos reconheceu a presena do preconceito racial; assinalou a relevncia do estudo da insero dos indivduos em grupos, estratos e classes sociais para entender as desigualdades tnico-raciais; para ele, o problema da desigualdade racial vinha junto ao tema da incorporao de segmentos sociais marginali-zados (Maio, 1999, p.142).

    A descoberta da raa sociolgica

    A Unesco vinha, desde os finais da dcada de 1940, refle-tindo a perplexidade da comunidade cientfica mundial e de dirigentes polticos diante das aes catastrficas levadas a cabo no decorrer da Segunda Guerra Mundial em nome da raa. A inquietao tornou-se ainda mais aguda com a persistncia do racismo em diversas partes do mundo, com o surgimento da Guerra Fria, com o processo de descolonizao africana e asi-tica e com a perpetuao de grandes desigualdades sociais em escala planetria. Diante desse cenrio, a Unesco, em fase de extremo otimismo, munida da razo iluminista, no mediu es-foros em encontrar solues universalistas que cancelassem os efeitos perversos do racionalismo, do nacionalismo xenofbico e das disparidades socioeconmicas (Maio, 1998, p.17). Por ocasio da sua 5a Sesso da Conferncia Geral, em 1950, reali-zada em Florena, surgiu a 1a Declarao sobre Raa, negando qualquer associao determinista entre caractersticas fsicas, comportamentos sociais e atributos morais. O Brasil, conside-

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    rado um exemplo de experincia singular e bem-sucedida (Maio, 1999, p.146) no campo das interaes raciais, em compa-rao com os Estados Unidos e com a frica do Sul, foi escolhido para servir de laboratrio socioantropolgico (Maio, 1999, p.144). Marcos Chor Maio considera que, embora a proposta da pesquisa-piloto, como fora denominado o projeto da Unesco para o Brasil, contivesse certa dose de ingenuidade, os resultados a que se chegou foram considerveis. O Projeto Unesco foi um agente catalisador (Maio, 1999, p.142).

    O objetivo poltico da Unesco, ao apresentar o Brasil como modelo para o mundo, era o de realizar investigaes para deter-minar os fatores que contribuam para a existncia de relaes harmoniosas entre raas e grupos tnicos (Maio, 1998, p.18). Isto possibilitou o trabalho conjunto entre cientistas sociais na-cionais e estrangeiros, impulsionando o desenvolvimento de um pensamento que j em curso. No seu interior, os pesquisadores brasileiros encontraram condies favorveis s suas investiga-es, inclusive nos meios acadmicos, chefiados por especialis-tas brasileiros Florestan Fernandes, Thales de Azevedo, Oracy Nogueira, L. A. Costa Pinto e outros (Maio, 1999, p.154).

    Por outro lado, pesquisadores internacionais envolveram--se no projeto e reforaram a parceria com os brasileiros: o an-troplogo Alfred Mtraux, com larga experincia de trabalho etnolgico (ndios e negros) tanto na Amrica do Sul quanto na Amrica Central; Roger Bastide, professor da Universidade de So Paulo desde 1938, importante referncia nos estudos relativos cultura afro-brasileira e autor de uma srie de traba-lhos sociolgicos sobre o negro no Brasil; o antroplogo norte--americano Charles Wagley que, desde o final dos anos de 1930, tinha estreitas ligaes com o Brasil, especialmente no estudo de comunidades indgenas (Maio, 1999, p.144). Cientistas sociais brasileiros e estrangeiros haviam assumido como desafio inte-lectual no apenas tornar inteligvel o cenrio racial brasileiro,

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    mas tambm responder recorrente questo da incorporao de determinados segmentos sociais modernidade, fazendo jus inteno inicial de Arthur Ramos, que havia falecido antes do trmino do projeto.

    Marcos Chor Maio (1998, p.17), ao apresentar a reedio do livro O negro no Rio de Janeiro, de Luiz de Aguiar Costa Pinto, diz que essa publicao no significa apenas o reconhecimento da importncia de uma obra, mas tambm representa um mo-mento de reflexo a respeito do Projeto Unesco. Costa Pinto participou do debate acerca do estatuto cientfico do conceito de raa, que resultou na 1a Declarao sobre Raa, em 1950, e articulou um acordo para que se realizasse pesquisa tambm no Rio Janeiro, numa rea metropolitana.

    O trabalho de Costa Pinto, segundo Marcos Chor Maia, apresenta um conjunto de crticas s pesquisas etnogrficas da fase afro-brasileira (final do sculo XIX at os anos 1940), por se deterem em caractersticas fsicas e psquicas intrnsecas s raas, aos traos culturais, aos processos de aculturao. Faltava ao estudo do problema racial do Brasil, uma leitura sociolgica para os desafios ditados pelo desenvolvimento capitalista, pela mobilidade social e pelas novas relaes das classes sociais deri-vadas da passagem da situao de escravo condio de prolet-rio at chegar ao negro de classe mdia (Maio, 2009). A grande contribuio, segundo Maio, do livro O negro no Rio de Janeiro refere-se compreenso do preconceito racial que emerge no seio de uma sociedade em processo de industrializao e ur-banizao. Houve alinhamento de parcelas de pretos e pardos s reivindicaes proletrias; a mobilidade social leva setores dominantes, ameaados pela perda de posies, a tomar atitudes racistas; o processo de mobilidade social vertical criou uma di-ferenciao interna entre os negros, formando uma elite negra que trata de afirmar a negritude. A nova forma de ascenso dos negros no mais individual e no se interessa em branquear-

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    -se, como acontecia na sociedade tradicional, paternalista, es-pecialmente no sculo XIX (Maio, 2009, p.333). Essa dinmica favorece a criao de vrios movimentos sociais de corte racial, o que veremos mais adiante.

    Outro nome de destaque no contexto do Projeto Unesco foi o de Oracy Nogueira. Nas suas pesquisas sobre preconceito racial no Brasil e nos Estados Unidos, ele formulou diferen-as entre os dois pases: para o contexto brasileiro, Nogueira concebe a existncia do preconceito de marca e para o norte--americano, o preconceito de origem (Cavalcanti, 2009). O primeiro elege o fentipo (a aparncia racial) como critrio para a discriminao. Inmeras gradaes classificatrias consideram no s as nuances da cor preto, mulato, mulato claro, escu-ro, escuro, pardo, branco , como tambm traos fisionmicos como nariz, lbios, cor dos olhos, tipo de cabelo. A concepo de branco e no branco varia assim muito de indivduo para indivduo, dentro da mesma famlia ou do mesmo grupo social, de classe para classe, de regio para regio (Cavalcanti, 2009, p.260). O segundo, o preconceito de origem, d-se pelo nas-cimento. A origem parental do indivduo o classifica e o vincula ao grupo discriminado. Negro quem reconhecido como tal, em sua comunidade, independente da aparncia fsica (Caval-canti, 2009, p.261).

    No Brasil, segundo Nogueira, o preconceito discrimina me-diante a preterio. Ao concorrer em igualdade de condies, a pessoa escura seria sempre preterida por uma pessoa mais clara. Entretanto, se a pessoa escura demonstrar superiori-dade em inteligncia, condio econmica, diplomacia ou per-severana permite que se lhe abra uma exceo. Nesse tipo de preconceito, as relaes pessoais de amizade ou admirao cruzam frequentemente as fronteiras da marca; a conscincia da discriminao intermitente, e o grupo discriminado, por ser mais indefinido, tende a reagir de modo mais individualizado.

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    A etiqueta das relaes raciais, por sua vez, tende a controlar o comportamento do grupo discriminador, de modo a evitar a suscetibilidade ou a humilhao do grupo discriminado. A cor entendida como metonmia da aparncia racial, emerge ento como categoria duplamente cultural. Trata-se de uma escolha classificatria (no , por exemplo, a ascendncia que interessa). Ao mesmo tempo, o ato concreto de classificao de uma pessoa como branca, mulata mais ou menos escu-ra, ou preta resulta do cruzamento da aparncia com outros critrios igualmente pertinentes para a definio da situao em jogo. De tal modo que, nesse sistema relacional, a discrimina-o social pode conviver com a intimidade pessoal (Cavalcanti, 2009, p.263-264).

    Em 1960 sai o livro Cor e mobilidade social em Florianpo-lis, de Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, como um desdobramento do Projeto Unesco, para sanar uma falta, conforme justificam os autores na introduo do livro, j que as investigaes se tinham concentrado nas comunidades loca-lizadas no Norte, Nordeste e Leste do pas. No Sul, apenas a cidade de So Paulo tinha recebido alguma ateno. Era preciso verificar como fora o processo de integrao do negro no Bra-sil meridional, colonizado por grandes contingentes europeus, principalmente alemes, italianos e poloneses, e que, portanto, no se utilizara em grande escala da mo de obra escrava (Car-doso; Ianni, 1960, p.20-21).

    No prefcio de Cor e mobilidade social em Florianpolis, Flo-restan Fernandes destaca a importncia da obra de Ianni e Car-doso, pois, mostra o quant