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Superior Tribunal de Jus RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO REL. P/ ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRO RECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO ADVOGADOS : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE PAULO RANGEL DO NASCIMENTO E OUTRO(S) INTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS EMENTA Recurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Indenização por danos materiais e compensação por da Causa de pedir. Cegueira causada por tampa de refrigerante abertura da garrafa. Procedente. Obrigação subjetiva de indenizar. Súmula 7/STJ. Prova de fato negativo. Superação. Pos prova de afirmativa ou fato contrário. inversão do favor do consumidor. regra de julgamento. Doutrina e arts. 159 do CC/1916, 333, I, do CPC e 6.°, VIII, do CDC. - Se o Tribunal a quo entende presentes os três requisitos ensejadores da obrigação subjetiva de indenizar, quais sejam: (i) o ato ilícito, (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidadeentre o dano sofrido e a conduta ilícita; a alegação de violação ao art. 159 do CC/1916 (atual art. 186 do CC) esbarra no óbice da Súmula n.° 7 deste STJ. - Tanto a doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos, razão pela qual a afirmação dogmáticade que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa que pode ser provada. Desse modo, sempre que for possível provar uma afirmativa ou um fato contrário àquele deduzido pela outra parte, tem-se como superada a alegação de “prova negativa”, ou “impossível”. - Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência,a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é regra de julgamento. Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros, que entenderam que a inversão do ônus da prova deve ocorrer no momento da dilação probatória. Recurso especial não conhecido. ACÓRDÃO Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 1 de 45

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0)

RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO

REL. P/

ACÓRDÃO

: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS

ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO

ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRO

RECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO

ADVOGADOS : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE

PAULO RANGEL DO NASCIMENTO E OUTRO(S)

INTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

EMENTARecurso especial. Civil e processual civil. Responsabilidade civil. Indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Causa de pedir. Cegueira causada por tampa de refrigerante quando da abertura da garrafa. Procedente. Obrigação subjetiva de indenizar. Súmula 7/STJ. Prova de fato negativo. Superação. Possibilidade de prova de afirmativa ou fato contrário. inversão do ônus da prova em favor do consumidor. regra de julgamento. Doutrina e jurisprudência. arts. 159 do CC/1916, 333, I, do CPC e 6.°, VIII, do CDC.- Se o Tribunal a quo entende presentes os três requisitos ensejadores da obrigação subjetiva de indenizar, quais sejam: (i) o ato ilícito, (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita; a alegação de violação ao art. 159 do CC/1916 (atual art. 186 do CC) esbarra no óbice da Súmula n.° 7 deste STJ.- Tanto a doutrina como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo acerca da prova dos fatos negativos, razão pela qual a afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa que pode ser provada. Desse modo, sempre que for possível provar uma afirmativa ou um fato contrário àquele deduzido pela outra parte, tem-se como superada a alegação de “prova negativa”, ou “impossível”. - Conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é regra de julgamento. Vencidos os Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros, que entenderam que a inversão do ônus da prova deve ocorrer no momento da dilação probatória.Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, por maioria, não conhecer do recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito. Votaram vencidos os Srs. Ministros Castro Filho e Humberto Gomes de Barros. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília (DF), 19 de junho de 2007.(data do julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora para Acórdão

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RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHORECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRORECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO ADVOGADO : PAULO RANGEL DO NASCIMENTO E OUTRO(S)INTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Cuida-se de

recurso especial interposto por SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS,

com espeque nas alíneas 'a' e 'c' do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

"INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano material e moral. Acidente causado por tampa de refrigerante que explode nas mãos do autor. Lesão ocular que lhe toma 90% da visão de seu olho direito. Danos configurados. Obrigação de pagar reconhecida. Recurso provido.

LEGITIMIDADE DE PARTE. INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano material e moral. Acidente causado por tampa de refrigerante que explode nas mãos do autor. Ação promovida contra distribuidora do refrigerante na região onde funciona o estabelecimento em que foi adquirido. Empresa que não logrou demonstrar que não fabrica nem distribui refrigerantes naquela região. Legitimidade 'ad causam' passiva reconhecida. Recurso provido.

INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. Policial militar. Acidente que lhe acarreta restrição médica. Decreto-lei Estadual 13.654/43 que proíbe promoções a policiais militares nessas condições. Pensão mensal pleiteada com base nas promoções que deixaria de receber em virtude do acidente. Admissibilidade. Indenização fixada com base nas promoções por antiguidade que receberia até a data em que pudesse aposentar-se voluntariamente. Recurso provido."

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Inconformada, após a rejeição dos embargos de declaração opostos, a

recorrente alega violação aos seguintes artigos:

a) 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que omisso o acórdão

quanto aos dispositivos prequestionados;

b) 159 do Código Civil c/c 333 do Código de Processo Civil, pois não

restou comprovado o nexo de causalidade nem a responsabilidade da ré, já que o autor só

provou o dano;

c) 333, I, do estatuto processual civil, vez que cabia ao autor provar que a ré

era a responsável pela produção e distribuição da garrafa que explodiu, e não a ré produzir

prova negativa de que não foi ela quem produziu;

d) 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, pois não há inversão

automática do ônus da prova. Sustenta, ainda, que houve cerceamento do direito de sua

defesa, haja vista que não restaram demonstradas a verossimilhança da alegação e a

hipossuficiência do consumidor;

e) 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações, pelo valor exagerado da

condenação.

Acena, ainda, divergência jurisprudencial.

Após as contra-razões, os autos ascenderam a esta Corte.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHORECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRORECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO ADVOGADO : PAULO RANGEL DO NASCIMENTO E OUTRO(S)INTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO(Relator): Cuida-se de

demanda indenizatória proposta por FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO em relação à

REFRIGERANTES MARÍLIA LTDA., sucedida por SPAIPA S/A INDÚSTRIA

BRASILEIRA DE BEBIDAS, em decorrência de estouro de garrafa de refrigerante

'Coca-Cola', cuja tampa causou ao autor lesão ocular que lhe retirou quase a totalidade da

visão do olho direito.

Relatam os autos que no dia 02/02/93, durante viagem de carro com a

família por rodovia estadual, o autor parou em um restaurante de posto de gasolina, situado no

município de Iacri, Estado de São Paulo, e adquiriu alimentos e uma garrafa litro de

'Coca-Cola'. Estacionando próximo ao trevo da Cidade de Osvaldo Cruz/SP, o autor, ao

tentar abrir a garrafa, devido à pressão interna do produto, ela explodiu e a tampinha foi

jorrada com força a ponto de lhe atingir o olho direito, causando-lhe lesões permanentes.

Em desespero, o autor prosseguiu viagem até a Cidade de Adamantina,

onde recebeu atendimento médico.

A sentença primeva, sem se manifestar sobre o pedido de inversão do ônus

da prova, reconheceu a existência do dano e o evento dele causador, entretanto, julgou

improcedente o pedido, por entender que a empresa eleita para figurar no pólo passivo não

podia ser responsabilizada pelo fato que gerou a lesão sofrida pelo autor, assim concluindo:

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"(...) Enfim, foi comprovado que o autor sofreu um dano gerado pela expulsão involuntária da tampa de garrafa de coca-cola.

Todavia, data venia, não há prova de que a empresa incorporada, Refrigerantes Marília Ltda., tenha sido a fabricante do produto, de forma a gerar a obrigação de indenizar.

Embora a aludida empresa tenha fabricado e comercializado a coca-cola nesta região do estado, fato esse que é incontroverso, nem por isso significa que aquele refrigerante tenha sido produzido por ela.

(...)

Em outras palavras, é sabido que o autor adquiriu um refrigerante coca-cola no restaurante de um posto de abastecimento, mas não é sabido se tal estabelecimento comercial havia adquirido o produto de fabricação da empresa incorporada Refrigerantes Marília Ltda."

Inconformado, o autor apelou aduzindo que :

"... a prova de que não era de sua fabricação o refrigerante adquirido pelo Apelante o qual deu causa ao acidente noticiado nos autos, É DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DA APELADA e não do Apelante, como se extrai do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor."

Reformando a decisão singular, dispôs o tribunal estadual:

"Dessa forma, presentes o dano, o evento causador do dano e o nexo causal existentes entre eles, deixou-se, todavia, de julgar procedente a ação, por entender-se que a empresa eleita para figurar no pólo passivo não podia ser responsabilizada pelo fato que gerou a lesão sofrida pelo autor, merecendo, por isso, reparo a r. Sentença.

Dispõe o artigo 159 do Código Civil sobre a obrigação que tem aquele que causa prejuízo a outrem de reparar o dano.

O autor, ao opor a presente ação contra Refrigerantes Marília Ltda., que veio ser sucedida pela Spaipa S/A Indústria Brasileira de Bebidas, assim o fez considerando que era aquela empresa a responsável pela fabricação e distribuição do refrigerante Coca-Cola na região em que ocorreu o evento danoso - esse fato, ressalte-se, resultou incontroverso -, ou seja, era a ré a empresa que fabricava e distribuía a Coca-Cola na área em que se localizava a lanchonete em que o autor adquiriu o refrigerante

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cuja tampa, em explosão, causou-lhe o ferimento aqui narrado e demonstrado. Tendo-se em conta que o fato relatado pelo autor ao médico que prontamente o atendeu é verdadeiro, ou seja, que o refrigerante cuja tampa lhe atingiu o olho direito era de fato uma Coca-Cola, não poderia ser outra que não a ré a empresa legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda.

Não se pode deixar de lembrar, como bem ressaltado pelo autor nas razões de apelação, que estamos diante de uma relação de consumo, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, que, pelo seu artigo 6º, inciso VIII, impõe ao juiz a inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente. A bem interpretar tal dispositivo, há de se compreender, porque presunção 'juris tantum', a hipossuficiência (deixando a verossimilhança da alegação quando se tratar de pessoas jurídicas, ou mesmo pessoas físicas, mas sempre em igualdade de condições como fornecedor), invertendo-se, sempre, o ônus da prova, independentemente de expressa manifestação do juiz nesse sentido. Ou seja, apenas quando o juiz, nos casos de hipossuficiência, entender que se não deve inverter o ônus da prova, é que expressará o seu critério. Caso contrário, o alcance do artigo deixa de cumprir suas finalidades, considerando aqui tratar-se o Código de Defesa do Consumidor de norma de proteção ao consumidor hipossuficiente contra o fornecedor. E o critério para não se inverter o ônus da prova, há de ser fundamentado pelo juiz, levando-se em conta entre os seus direitos básicos a facilitação da defesa de seus direitos. (grifou-se).

Dessa forma, se a ré não se considera parte legítima passiva 'ad causam', competia a ela provar que não é a fabricante do refrigerante Coca-Cola distribuído naquela região, ou mesmo demonstrar que não efetuou vendas ao estabelecimento apontado pelo autor como aquele em que adquiriu o refrigerante, provas que não fez. Bastava perquirir-se o estabelecimento onde adquirido, bem como quem o vendera. Não o fazendo, evidente que, pela região, a ré presume-se a revendedora, a representante do produto.

(...)

Assim, tomando-se como verdadeiras as alegações do autor, ante a inversão do ônus da prova admitida pelo Código de Defesa do Consumidor, levando-se em conta também a negativa da ré em comprovar que não ostenta relação alguma com o fato que causou o dano em razão do qual pleiteia o autor a indenização, de

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dar-se provimento ao presente recurso, para julgar-se procedente a ação..."

Complementando no acórdão dos embargos de declaração:

"Demais, não se trata de prova negativa, pois a demonstração de que não é fornecedora de bebidas à lanchonete em questão podia ser efetivada, sem qualquer empecilho, por meio de documentos, ou mesmo por perícia. E a tanto não logrou fazer."

De início, nota-se a inexistência de qualquer omissão ou contradição no

acórdão combatido, essencial ao conhecimento do apelo nobre, com base no artigo 535 do

Cód. Pr. Civil. Destarte, o acórdão embargado não se ressente de omissão, contradição ou

obscuridade, porquanto devidamente esclarecido.

É válido relembrar que, para configurar a existência do defeito, não basta

que a parte recorrente a sustente; é mister que a demonstre. A jurisprudência desta Casa é

pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na

decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.

Registrem-se, ratificando esse entendimento por todos, os seguintes

precedentes jurisprudenciais: Resp 172.300, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ de

23.08.1999, e Resp 174.390, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de

07/08/2000.

No que diz respeito, entretanto, ao artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do

Consumidor, as razões recursais merecem maiores considerações. Senão, vejamos.

A norma inserida no Direito de Consu

A norma inserida no Direito de Consumo sobre a inversão do ônus da prova

possui características próprias, que implicam no envolvimento de dois requisitos peculiares: ser

a prova verossímil ou a caracterização da hipossuficiência do consumidor.

Anoto, de início, que não foi discutida nos autos a presença dos requisitos,

porque o próprio acórdão estabeleceu a inversão simplesmente por se tratar de relação de

consumo. E quanto a isso esta Corte entende que a inversão depende de circunstâncias

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concretas que devem ser apreciadas pelas instâncias ordinárias (REsp nº 122.505/SP, Rel.

Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 24/8/98).

Além disso, como bem dito pela recorrente, "... A inversão do ônus da

prova não é uma fórmula mágica que basta ser invocada pelo juiz para eximir o

consumidor de provar o mínimo de suas alegações. Ainda mais da forma como se deu no

caso dos autos, em Segunda Instância, sem possibilidade de retorno dos autos à origem

para abrir a oportunidade da Requerente realizar as provas invertidas, espancando por

inteiro seu direito de se defender. (...) No caso dos autos, o autor não teria a menor

dificuldade em produzir a prova (bastava apresentar o produto defeituoso). Por outro

lado, a Recorrente foi pega de surpresa, já em Segundo Grau de Jurisdição, sem a menor

possibilidade de produzir a prova que teve o ônus de produção declarado invertido."

Como sabido, e já reiteradamente julgado nesta Corte, a "chamada

inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da

facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao 'critério do

juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as

regras ordinárias de experiências' (art. 6°, VIII). Isso quer dizer que não é automática a

inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas

pelo juiz no contexto da 'facilitação da defesa' dos direitos do consumidor" (REsp n°

122.505-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 24/8/98).

Para Humberto Theodoro Júnior, evidente que 'sem basear-se na

verossimilhança das alegações do consumidor ou na sua hipossuficiência, a faculdade

judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato

abusivo, com quebra do devido processo legal." (Direitos do Consumidor, 2ª ed., Ed.

Forense, 2001, pág. 134). Prossegue, ainda, o renomado mestre:

"No art. 6º, nº VIII, o CDC não instituiu uma inversão legal do referido ônus, mas, sim, uma inversão judicial, que caberá ao juiz efetuar quando considerar configurado o quadro previsto na regra da lei. (...) É certo que a boa doutrina entende que as regras sobre ônus da prova se impõem para solucionar questões examináveis no momento de sentenciar. Mas, pela garantia do contraditório e ampla defesa, as partes, desde o início da fase instrutória, têm de

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conhecer quais são as regras que irão prevalecer na apuração da verdade real sobre a qual se assentará, no fim do processo, a solução da lide. Assim, o art. 333 do CPC em nada interfere sobre a iniciativa de uma ou de outra parte, e do próprio juiz, enquanto se pleiteiam e se produzem os elementos de sua convicção. Todos os sujeitos do processo, no entanto, sabem, com segurança, qual será a conseqüência, no julgamento, da falta ou imperfeição da prova acerca dos diversos fatos invocados por uma e outra parte." (págs. 140 e 141, ob.cit.).

No presente caso, entendo sem fundamento a interpretação oferecida pelo

voto vencedor com relação ao artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. De fato,

como já assinalado por esta Turma em outra oportunidade, “não tem nenhum sentido o juiz

deixar para apreciar na sentença o pedido de inversão do ônus da prova. Como é curial,

a decisão alterará todo o sistema de provas no curso do processo ” (REsp nº 195.760/PR,

Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 23/8/1999), o que foi reiterado quando do

julgamento do REsp nº 442.854/SP, Relatora a Ministra Nancy Andrighy, DJ de 7/4/03,

afirmando que é própria a inversão no momento da dilação probatória “ante a ausência de

regra específica que determine a fase do procedimento adequada ao ato judicial de

fixação do ônus da prova, deve o juiz utilizar o poder instrutório, conferido pelo art. 130

do CPC, visando assegurar um tratamento igualitário às partes. E, verificando a

necessidade da referida inversão nos termos do inciso VIII do art. 6º do CDC, cabe a ele

determiná-la durante a instrução processual, visando garantir a ampla defesa e o

contraditório para as partes”.

Assim, a meu sentir, a inversão do ônus da prova deve ser decretada pelo

juiz antes da sentença, pois se configura regra de procedimento, cuja finalidade é de possibilitar

que as partes passam melhor se conduzir no processo, especialmente para que saibam a qual

delas toca o ônus de produzir a prova.

Na verdade, o que não pode ser admitido é que o magistrado, presentes os

requisitos do dispositivo de regência, não defira a inversão no momento da dilação probatória,

para fazê-lo em outro, após passada a fase probatória, haja vista caracterizar violação ao

princípio do contraditório. Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 10 de 45

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Ora, o tribunal condenou a ré porque a ela cabia provar que não é a

responsável pelo produto defeituoso, invertendo o ônus da prova, sem, contudo, haver o juiz

lhe oportunizado fazê-lo no momento azado.

Considerando, portanto, feita a inversão sem que dela tenha cuidado o juiz

singular, não se manifestando sobre a necessidade de tal inversão diante das provas

testemunhal, pericial e documental, entendo que ocorreu o cerceamento de defesa. Não se

pode falar em inversão compulsória. É ao juiz, portanto, que toca verificar se estão presentes

os pressupostos que o autorizam e, ao assim proceder, deve prevalecer o princípio do

contraditório.

Sendo assim, a meu sentir, o tribunal estadual feriu o disposto no artigo 6º,

inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual dou provimento ao

recurso especial, para determinar o retorno dos autos à comarca de origem, a fim de que se

possibilite à recorrente fazer a prova dos fatos por ela alegados.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0032388-0 REsp 422778 / SP

Números Origem: 07395 1122724

PAUTA: 05/10/2006 JULGADO: 05/10/2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDASADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO

ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRORECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHOADVOGADO : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE E OUTROINTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Trabalho - Acidente

SUSTENTAÇÃO ORAL

Pela recorrente, Dra. Estefânia Viveiros.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto do Sr. Ministro Relator, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, pediu vista antecipada a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Aguardam os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Brasília, 05 de outubro de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0) RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHORECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDAS ADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO

ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRO

RECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHO ADVOGADO : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE E OUTROINTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Recurso especial interposto por SPAIPA S/A - INDÚSTRIA

BRASILEIRA DE BEBIDAS, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do

permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJSP.

Ação: de conhecimento com pedidos condenatórios, movida por

Francisco Ferraz Caldas Filho, ora recorrido, em face de Refrigerantes Marília

Ltda., sucedida pela ora recorrente, objetivando o recebimento de indenização

por danos materiais e compensação por danos morais, sob o fundamento de que,

ao abrir uma garrafa de refrigerante “Coca-Cola”, a tampa dessa atingiu

violentamente seu olho direito, causando-lhe cegueira quase total e, ainda, em

virtude do acidente, restringindo-lhe a promoção na carreira de policial militar (fls.

02/08).

Sentença: julgou improcedentes os pedidos e a denunciação da lide à

seguradora da ré, sob o fundamento, em síntese, de que o autor não comprovou

que a ré fabricou o refrigerante que causou o acidente (fls. 547/566).

Acórdão: deu provimento à apelação do ora recorrido, nos termos

da seguinte ementa:

“INDENIZATÓRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL –

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Dano material e moral – Acidente causado por tampa de refrigerante que explode nas mãos do autor – Lesão ocular que lhe toma 90% da visão de seu olho direito – Danos configurados – Obrigação de pagar reconhecida – Recurso provido.

LEGITIMIDADE DE PARTE – INDENIZATÓRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano material e moral – Acidente causado por tampa de refrigerante que explode nas mãos do autor – Ação promovida contra a distribuidora do refrigerante na região onde funciona o estabelecimento em que foi adquirido – Empresa que não logrou demonstrar que não fabrica nem distribui refrigerantes naquela região – Legitimidade ad causam passiva reconhecida – Recurso provido.

INDENIZATÓRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL – Policial Militar – Acidente que lhe acarreta restrição médica – Decreto-Lei Estadual 13.654/43 que proíbe promoções a policiais militares nessas condições – Pensão mensal pleiteada com base nas promoções que deixaria de receber em virtude do acidente – Admissibilidade – Indenização fixada com base nas promoções por antigüidade que receberia até a data em que pudesse aposentar-se voluntariamente – Recurso provido. ” (fls. 623).

Embargos de declaração: opostos pela ora recorrente, mas

rejeitados (fls. 654).

Recurso especial: alega violação, em síntese, aos artigos:

a) 535, I e II, do CPC, pois os embargos de declaração foram

rejeitados;

b) 159 do CC/1916 (equivalente ao art. 186, do Código Civil atual),

porque, ao contrário do entendimento do acórdão recorrido, não estariam

presentes os requisitos ensejadores da obrigação de indenizar, quais sejam: (i) o

ato ilícito , (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de causalidade

entre o dano sofrido e a conduta ilícita;

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c) 333, I, do CPC, porquanto, ao contrário do entendimento do

Tribunal a quo, não caberia à ora recorrente “provar que não fabricou ou que

não vendeu o refrigerante defeituoso ”, eis que seria “prova negativa”, de

impossível produção (fls. 684);

d) 6.°, VIII, do CDC, pois o acórdão recorrido entendeu que “a

inversão do ônus da prova sempre independe de manifestação do juiz, sendo

que somente quando não for o caso de inverter o ônus da prova que deverá o

juiz fundamentar a decisão. ” (fls. 690). Entende a recorrente que a inversão do

ônus da prova é regra de instrução processual e não de julgamento, razão pela

qual o Tribunal a quo não poderia tê-la aplicado no julgamento da apelação; e

e) 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações, porquanto a

condenação imposta pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos

morais ultrapassaria os limites previstos no referido dispositivo. Nesse ponto,

alega, ainda, haver dissídio jurisprudencial com julgados de outros tribunais do

país, inclusive do STJ, que fixaram compensações por danos morais em

patamares menores do que o fixado pelo acórdão recorrido.

Prévio juízo de admissibilidade: sem contra-razões (fls. 738), foi o

especial admitido na origem apenas com fundamento na alínea "a" do permissivo

constitucional.

Após o voto do Relator, i. Rel. Min. Castro Filho, conhecendo do

recurso especial e dando-lhe provimento; pedi vista dos autos.

É o relatório.

a) Da alegada violação ao art. 535, do CPC.

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O Tribunal a quo apreciou, de forma fundamentada, as questões

pertinentes para a resolução da controvérsia, ainda que tenha dado interpretação

contrária aos anseios da recorrente, situação que não serve de alicerce para a

interposição de embargos de declaração.

Ressalte-se que o sucesso dos embargos de declaração, mesmo

quando interpostos para fins de prequestionamento, necessita de alguma das

hipóteses ensejadoras previstas no art. 535 do CPC, inexistentes na espécie.

Dessa forma, não há se falar em ofensa ao art. 535 do CPC.

b) Da alegada violação ao art. 159 do CC/1916 (equivalente ao

art. 186, do Código Civil atual).

Alega a recorrente que o Tribunal a quo violou o art. 159 do

CC/1916, porque, ao contrário do entendimento do acórdão recorrido, não

estariam presentes os requisitos ensejadores da obrigação de indenizar, quais

sejam: (i) o ato ilícito , (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) o nexo de

causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita.

Para concluir pela responsabilidade da ora recorrente, o acórdão

recorrido adotou a seguinte fundamentação:

“[...] A r. sentença, considerando os dados coligidos durante a instrução, deu pela existência do dano, ou seja, reconheceu a lesão ocular que retirou do autor praticamente toda a capacidade de visão de seu olho direito. Com efeito, restou mesmo demonstrada tal lesão. Em depoimento colhido em juízo (fl. 481), o médico que atendeu o autor logo após o incidente, Dr. Tairo Hosoume, relata que 'o autor perdeu 75% da visão' e que 'sofreu uma lesão permanente' . Já o médico Dr. Carlos Noboru Sato, médico da corporação da Polícia Militar, que também examinou o autor após o acidente (fl. 42) aferindo a perda de sua acuidade

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visual, posteriormente ouvido a fl. 504, afirma ser de 90% a perda da visão do autor , afirmando que para a manutenção dos 10% restantes [sic] necessário o uso de lentes corretivas. Assim, não se discute a existência do dano alegado pelo autor.

Também o evento causador da lesão restou reconhecido pelo digno Magistrado de primeiro grau. A prova pericial trazida aos autos demonstra que a alegação do autor de ser a lesão causada por tampa de refrigerante ostenta verossimilhança . Isso porque a cicatriz resultante do ferimento coincide com o formato do objeto que aponta como gerador do ferimento. Veja-se que, na inquirição do perito Dr. Luiz Fernando Morgado de Abreu, a fl. 367, afirma o expert que, 'pela análise da cicatriz, tudo indicava que o ferimento poderia de fato ter sido provocado por uma tampinha', pois 'verificaram-se três pequenas cicatrizes uma próxima da outra, em formato semi-circular'.

Como bem entendeu o Magistrado prolator da r.sentença recorrida, a conclusão a que chegou o perito, após análise acurada, realizada com instrumento de grande precisão, deve ser levada em conta com todo o restante do conjunto probatório . De fato, o depoimento do autor e das pessoas que com ele se encontravam no momento do evento são narrativas que se mostram harmoniosas em seu conteúdo, o que afasta a possibilidade desses fatos consistirem em ficção criada pelo autor e corroborada pelas pessoas que traz a juízo. Ainda que o depoimento pessoal do autor, bem como o relato das pessoas que com ele se encontravam no momento do acidente, devam ser ouvidos com reservas, afinal, trata-se do principal interessado, de sua mulher e de sua filha – como bem ressalta o digno Magistrado prolator da r. sentença recorrida –, é importante que sejam ouvidos, pois se tais relatos apresentassem incongruências poderiam indicar uma tentativa de fraude. Mas não foi o que ocorreu na hipótese. A história foi relatada em juízo pelo autor, por sua esposa, por sua filha e pela amiga da filha, ou seja, pela vítima do incidente e por todos aqueles que se encontravam por perto quando do evento, mostrando-se inteiramente harmoniosas as versões apresentadas.

Em seu depoimento, o médico Dr. Tairo Hosoume (fl. 481) relata que 'no dia 02 de fevereiro de 1993, por volta de 12:50 horas, foi procurado pelo autor, que lhe disse que meia hora antes foi abrir uma garrafa de Coca-Cola, e· devido a pressão do líquido

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a tampinha lhe acertou o olho direito'. Seria mesmo difícil que o autor, assustado com a falta de visão decorrente da lesão sofrida, tivesse tempo e frieza de raciocínio para criar estória, nestes autos relatada. De acordo com o depoimento desse mesmo profissional , 'nos casos em que atendeu de acidentes similares a este geralmente o paciente conta a verdade' exatamente pelo abalado estado emocional em que se encontra. Assim, conforme, aliás, restou reconhecido pelo douto Juiz singular, vislumbra-se na hipótese o nexo causal entre o evento danoso e a lesão sofrida.

Dessa forma, presentes o dano, o evento causador do dano e o nexo causal existente entre eles [...]” (fls. 624/626 – grifado e destacado).

Como se vê, a questão da responsabilidade da ora recorrente, se deu,

essencialmente, pelas provas apresentadas no decorrer dos autos, além, é claro,

da interpretação dada aos fatos narrados na instrução do processo. A

demonstração do contrário e, portanto, alteração nas conclusões do acórdão,

demandaria o reexame das circunstâncias fáticas e das provas apresentadas,

procedimento defeso em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n.° 7

deste STJ, conforme, inclusive, é a jurisprudência nestas hipóteses:

“Estruturada a violação ao art. 159 do Código Civil na existência do pressuposto fático de concessão do pedido indenizatório, inexistente para a recorrente, mas reconhecido pelo acórdão, esbarra a súplica, neste particular, no óbice da súmula 7-STJ, porquanto demanda inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com a via do recurso especial. ” (REsp n.° 281.511/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.07.2004).

“A queixa de que o Art. 159 do Código Civil foi aplicado sem prova suficiente da culpa não pode ser examinada em recurso especial (Súmula 7).” (AgRg no REsp n.° 216.206/RN, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 05.11.2001).

c) Da alegada violação ao art. 333, I, do CPC.Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 18 de 45

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Afirma a recorrente que o acórdão recorrido violou o art. 333, I, do

CPC, porquanto determinou que ela provasse que “não fabricou ou que não

vendeu o refrigerante defeituoso ” (fls. 684) e que tal prova seria “prova

negativa”, de impossível produção.

Todavia, "Não é exato, como outrora se ensinava, que a negativa

não exige prova, de forma que o onus probandi é sempre de quem afirma. [...]

Certa, pois, a conclusão de EDUARDO COUTURE de que tanto 'a doutrina

como a jurisprudência superaram a complexa construção do direito antigo

acerca da prova dos fatos negativos. Nenhuma regra positiva ou lógica

dispensa o litigante de produzir prova de suas alegações' ." (cfr. José Frederico

Marques, Manual de direito processual civil, 2.º volume, processo de

conhecimento, 1.ª parte; 10ª edição, São Paulo: Saraiva 1989, páginas 195/196;

no mesmo sentido, ainda, Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery, Código de

Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em

vigor, 7.ª edição, rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 724).

Com efeito, a afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se

prova é inexata, pois há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente,

uma afirmativa que pode ser provada. Desse modo, sempre que for possível

provar uma afirmativa contrária àquela deduzida pela outra parte, tem-se como

superada a alegação de “prova negativa”, ou “impossível”.

Assim, tendo o autor, ora recorrido, alegado na inicial (fls. 03),

(como fato constitutivo do seu direito) que adquiriu a garrafa de refrigerante

“Coca-Cola” num posto de gasolina na cidade de Iacri, pequeno município no

interior do Estado de São Paulo, com pouco mais 6.000 (seis mil) habitantes

(segundo dados do IBGE, disponíveis em ,

Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 19 de 45

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acesso em 25 de outubro de 2006), e, conseqüentemente, com poucos postos de

gasolina; bastaria a ré ter comprovado que não vendia seus produtos naquela

cidade (fato contrário ao alegado na inicial), o que poderia ser feito mediante

perícia nos livros contábeis da própria ré, onde se poderia constatar para quais

estabelecimentos comerciais ela efetuou ou não vendas de garrafas de refrigerante

“Coca-Cola”.

Nessa linha de entendimento, se a ré tivesse provado que não vendia

seus produtos na cidade de Iacri, o fato constitutivo alegado pelo autor – de que

adquiriu a garrafa de refrigerante “Coca-Cola” fabricada pela ré num posto de

gasolina na cidade de Iacri – cairia por terra; vale dizer, não teria mais

verossimilhança a alegação feita pelo autor. Entretanto, a recorrente assim não

procedeu, razão pela qual, restou incontroversa a alegação feita na inicial de que

ela fabricou e comercializou o produto tido por defeituoso. Aliás, o próprio

acórdão recorrido reconhece isso, com acerto, ao afirmar que não tendo a

recorrente feito prova de que não vendeu seus produtos na cidade de Iacri,

presume-se que foi ela a revendedora do produto (fls. 628).

Portanto, nos termos do inc. II, do art. 333, do CPC, cabia

unicamente à recorrente a prova de que “não fabricou ou que não vendeu o

refrigerante defeituoso ”, porquanto tais fatos constituem-se em fatos contrários

ao fato constitutivo do direito alegado pelo autor, uma vez que esse afirmou na

inicial que a ré fabricou e comercializou o produto tido por defeituoso (fls. 03).

Não se tratava, assim, de produção de “prova negativa”, ou “prova impossível”,

mas de produção de prova plenamente possível; razão pela qual não há violação

ao art. 333, I, do CPC.

d) Da alegada violação ao art. 6.°, VIII, do CDC.

Afirma a recorrente que o Tribunal a quo violou o art. 6.°, VIII, do Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 20 de 45

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CDC, porquanto entendeu que a inversão do ônus da prova é regra de julgamento

e, segundo a recorrente, seria regra de instrução processual.

Contudo, conforme posicionamento dominante da doutrina, a

inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6.º do CDC é regra de

julgamento .

Nesse sentido, José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do

anteprojeto do CDC, afirma que: "A inversão do ônus da prova é direito de

facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e

valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida. " (Código

brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do

anteprojeto, 7.ª edição, Ada Pellegrini Grinover et al., Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2001, p. 130).

Da mesma forma, quanto ao momento da aplicação da regra de

inversão do ônus da prova , o Prof. Kazuo Watanabe defende que essa inversão

se deva dar no “julgamento da causa”, sob o fundamento de que "as regras de

distribuição do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há

um 'non liquet' em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa"

(op. cit., p. 735); concluindo que "somente após a instrução do feito, no

momento da valoração das provas, estará ao juiz habilitado a afirmar se existe

ou não situação de 'non liquet', sendo caso ou não, conseqüentemente, de

inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que

proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível " (op. cit., p.

736).

Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery também partilham desse mesmo

entendimento, ao afirmarem que: “Não há momento para o juiz fixar o ônus da

prova ou sua inversão (CDC 6.º VIII), porque não se trata de regra de Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 21 de 45

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procedimento. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo

ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele

que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina

quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não se produza .

(Echandia, Teoria general de la prueba judicial, v. I., n. 126, p.44). [...] O juiz,

na sentença, somente vai socorrer-se das regras relativas ao ônus da prova se

houver o non liquet quanto à prova, isto é, se o fato não se encontrar provado.

Estando provado o fato, pelo princípio da aquisição processual, essa prova se

incorpora ao processo, sendo irrelevante indagar-se sobre quem a produziu.

Somente quando não houver a prova é que o juiz deve perquirir quem tinha o

ônus de provar e dele não se desincumbiu .” (Código de Processo Civil

Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 7.ª edição,

rev. e ampl., São Paulo: RT, 2003, pág. 723 – grifado e destacado).

Também na doutrina estrangeira o entendimento é o mesmo.

Segundo Gian Antonio Micheli, Professor da Universidade de Roma, a regra do

ônus da prova só tem pertinência, como regra de juízo (regra de decidir); vale

dizer, nas situações em que, encerrada a instrução, o julgador ainda esteja em

dúvida instransponível acerca da existência de fato constitutivo ou liberatório

(L'Onere della Prova , rist. con pref. dell'autore, Padova: CEDAM, 1966, XXIV,

p.216, n.32).

De fato, segundo José Carlos Barbosa Moreira, tanto a literatura

alemã como a italiana consideram as normas relativas à distribuição do ônus da

prova como regras de julgamento. (“Julgamento e ônus da prova”, in Temas de

Direito Processual, 2.ª série, São Paulo: Saraiva, 1980, p. 76).

E não poderia ser diferente, porquanto se o inc. VIII, do art. 6.°, do

CDC, determina que o juiz inverta o ônus da prova a favor do consumidor Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 22 de 45

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quando entender verossímil a sua alegação ou quando considerá-lo

hipossuficiente; isso só pode ser feito senão após o oferecimento e a valoração

das provas produzidas na fase instrutória, se e quando, após analisar o conjunto

probatório, ainda estiver em dúvida para julgar a demanda (sendo dispensável a

inversão, caso forme sua convicção com as provas efetivamente produzidas no

feito). Assim, se no momento do julgamento houver dúvida sobre algum ponto da

demanda, essa dúvida deve ser decidida a favor do consumidor, nos termos do

art. 6.°, VIII, do CDC.

Além disso, não há que se falar em surpresa para o fornecedor com a

inversão do ônus da prova no momento do julgamento da causa, porque,

conforme bem esclarece Cecilia Matos, “A fixação da sentença como momento

para análise da pertinência do emprego das regras do ônus da prova não

conduz à ofensa do princípio da ampla defesa do fornecedor, que,

hipoteticamente, seria surpreendido com a inversão. De acordo com o artigo

6º, inciso VIII, do CDC, o fornecedor tem ciência que, em tese, serão

invertidas as regras do ônus da prova se o juiz considerar como verossímeis as

alegações do consumidor ou se ele for hipossuficiente . Além disto, o

fornecedor sabe que dispõe do material técnico sobre o produto e o consumidor

é a parte vulnerável da relação de consumo e litigante eventual. O fornecedor

pode realizar todo e qualquer tipo de prova, dentre aquelas permitidas em lei,

durante a instrução para afastar a pretensão do consumidor. Se o demandado,

fiando-se na suposição de que o Juiz não inverterá o ônus da prova em favor

do demandante, é surpreendido com uma sentença desfavorável, deve creditar

seu insucesso mais a um excesso de otimismo do que à hipotética

desobediência ao princípio da ampla defesa ." (O ônus da prova no Código de

defesa do consumidor , in Revista de direito do consumidor, n.11, jul./set.

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1994, p.161-169 - grifado e destacado).

Mesma opinião é sustentada por Nelson Nery Jr. e Rosa M. A. Nery,

para quem "a parte que teve contra si invertido o ônus da prova [...] não poderá

alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo,

já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendo non liquet quanto à

prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova. Em suma, o fornecedor

(CDC 3.°) já sabe, de antemão, que tem de provar tudo que estiver a seu

alcance e for de seu interesse nas lides de consumo. Não é pego de surpresa

com a inversão na sentença. ” (op. cit., p. 723).

No mesmo sentido, entende João Batista Lopes, afirmando que: "[...]

é orientação assente na doutrina que o ônus da prova constitui regra de

julgamento e, como tal, se reveste de relevância apenas no momento da

sentença, quando não houver prova do fato ou for ela insuficiente . Diante

disso, somente após o encerramento da instrução é que se deverá cogitar da

aplicação da regra da inversão do ônus da prova. Nem poderá o fornecedor

alegar surpresa, já que o benefício da inversão está previsto expressamente no

texto legal ." (A prova no Direito Processual Civil, 2.ª ed., rev., atul. e ampl.,

São Paulo: RT, 2002, p. 51).

Da mesma forma, a inversão do ônus da prova no momento do

julgamento da causa não ofende as garantias constitucionais do devido processo

legal e da ampla defesa. A este respeito, ressalta Luiz Eduardo Boaventura

Pacífico que: “A garantia do devido processo legal deve ser, sem dúvida,

assegurada a qualquer custo. Contudo, não nos parece constituir ofensa aos

cânones constitucionais a inversão no momento da decisão. A partir do

conteúdo da petição inicial – com a exposição de causa de pedir e do pedido –

às partes envolvidas no processo é perfeitamente possível avaliar se há a Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 24 de 45

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possibilidade de aplicação das normas do Código do Consumidor ao caso

concreto. Se a pretensão estiver fundada em relação de consumo,

protagonizada por consumidor e fornecedor, expressamente conceituados pelo

Código (arts. 2º e 3º da Lei 8.078/90), este pode merecer incidência.

Logicamente, a inversão do ônus da prova igualmente pode ser prevista, não

implicando surpresa ou afronta aos citados princípios, caso efetivada ." (O

ônus da prova no Direito Processual Civil, Coleção Estudos de Direito de

processo Enrico Tullio Liebman, São Paulo: RT, 2000, p. 160).

Por fim, registro que esta Turma já teve oportunidade de decidir, por

unanimidade, no REsp n.° 241.831/RJ, Rel. Min. Castro Filho (DJ 03.02.2003),

que "A inversão do ônus da prova prevista no inciso VIII do artigo 6.º da Lei

n.º 8.078/90 não é obrigatória, mas regra de julgamento. "

Portanto, estou convicta de que não houve violação ao art. 6.°, VIII,

do CDC, porquanto o Tribunal a quo aplicou-o corretamente no julgamento da

apelação, diante do reconhecimento da verossimilhança das alegações do

consumidor, conforme consta expressamente nas fls. 624/626, acima transcritas.

e) Da alegada violação ao art. 84 do Código Brasileiro de

Telecomunicações.

Quanto à alegada violação ao art. 84 do Código Brasileiro de

Telecomunicações, tenho que inexiste o necessário prequestionamento. Com

efeito, de se notar que não houve prévia decisão do Tribunal a quo, no acórdão

recorrido, a respeito do previsto nesse dispositivo legal, da forma como suscitada

tal matéria nas razões do recurso especial. Incide, na espécie, portanto, o

enunciado na Súmula n.° 211 deste Tribunal.

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Por fim, não se perfectibiliza a alegada divergência jurisprudencial

sobre o valor da indenização por danos morais. Isso porque, de se notar que os

acórdãos trazidos como paradigmas não guardam similitude fática com o presente

processo.

Dessa forma, mesmo que aparentemente demonstrada a similitude

fática dos acórdãos paradigmas, a singularidade delineada no acórdão recorrido

põe por terra os contornos tais como matizados pela recorrente. (Nesse sentido,

AgRg no AgRg no AG n.° 579.081/MG, rel. Ministro Castro Filho, DJ

14.02.2005).

Portanto, as conclusões dos acórdãos paradigmas são inaplicáveis ao

presente processo, pelo que também resta prejudicada a análise do recurso

especial pela alínea “c” do permissivo constitucional.

Forte em tais razões, não obstante o laborioso voto do Relator,

divirjo deste para NÃO CONHECER do recurso especial.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0032388-0 REsp 422778 / SP

Números Origem: 07395 1122724

PAUTA: 05/10/2006 JULGADO: 07/11/2006

Relator

Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDASADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO

ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRORECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHOADVOGADO : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE E OUTROINTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Trabalho - Acidente

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, não conhecendo do recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Ari Pargendler. Aguardam os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito.

Ausente, justificadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Brasília, 07 de novembro de 2006

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0)

TERCEIRA TURMA - 27.02.2007

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:

Nos autos da ação ordinária proposta por Francisco Ferraz Caldas Filho contra Spaipa S/A Indústria Brasileira de Bebidas (fl. 02/08, 1º vol.), o MM. Juiz de Direito Dr. Emerson Ueocka julgou improcedente o pedido e também a denunciação da lide à Companhia Paulista de Seguros (fl. 547/566, 3º vol.), destacando-se na sentença os seguintes trechos:

“Enfim, é inegável que o ferimento foi causado mesmo por uma tampa de refrigerante” (fl. 557, 3º vol.).

“... não havendo nenhum adminículo de prova de que a empresa incorporada Refrigerantes Marília Ltda. produziu o refrigerante que causou o acidente, impõe-se a improcedência da demanda” (fl. 564, 3º vol.).

O tribunal a quo, Relator o Desembargador Rodrigues de Carvalho reformou a sentença, “julgando-se procedente a ação, bem como a denunciação da lide” (fl. 630, 3º vol.), assegurando a indenização pelo dano moral (150 vezes o salário que percebia o autor) e pelos danos materiais (despesas com consultas, exames, medicamentos e cirurgias ), bem como o pensionamento de caráter vitalício (considerando-se a diferença entre o salário que recebia o autor à época do acidente e aquele que obteria com o número máximo de promoções por antigüidade que teria até a data em que pudesse aposentar-se voluntariamente ).

Lê-se no acórdão:

“... se a ré não se considera parte legítima passiva ad causam, competia a ela demonstrar que não é a fabricante do refrigerante Coca-Cola distribuído naquela região, ou mesmo demonstrar que não efetuou vendas ao estabelecimento apontado pelo autor como aquele em que adquiriu o refrigerante, provas que não fez. Bastava perquirir-se o estabelecimento onde adquirido, bem como quem o vendera. Não o fazendo, evidente que, pela região, a ré presume-se a revendedora, a representante do produto” (fl. 628).

Spaipa S/A Indústria Brasileira de Bebidas opôs embargos de declaração sustentando:

“A inversão do ônus da prova só deve ser admitida em casos em

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que é possível a produção da prova pela demandada.

No caso vertente, a ré teria que comprovar que o refrigerante que explodiu em mãos do autor, especificamente aquele, não foi por ela fabricado e colocado à venda na lanchonete em que o autor alega que comprou a bebida.

Com isso, a ré teria que superar a invencível tarefa de produzir uma prova negativa, em manifesta inversão dos princípios consignados no artigo 333 do Código de Processo Civil, o que não pode ser admitido nem mesmo ao pretexto de fazê-lo em favor do hipossuficiente” (fl. 640, 3º vol.).

Os embargos de declaração foram rejeitados ao fundamento de que “não se trata de prova negativa, pois a demonstração de que não é fornecedora de bebidas à lanchonete em questão podia ser efetivada, sem qualquer empecilho, por meio de documentos, ou mesmo por perícia” (fl. 655, 4º vol.).

Spaipa S/A – Indústria Brasileira de Bebidas interpôs recurso especial (fl. 659/709, 4º vol.).

“A inversão do ônus da prova” – está dito nas respectivas razões – “não é uma fórmula mágica que basta ser invocada pelo juiz para eximir o consumidor de provar o mínimo de suas alegações.

Ainda mais da forma como se deu no caso dos autos, em segunda instância, sem possibilidade de retorno dos autos à origem para abrir a oportunidade da Requerente realizar as provas invertidas, espancando por inteiro seu direito de se defender.

A inversão do ônus da prova deve ser admitida em casos em que o consumidor, pelo seu estado de hipossuficiência e ante a verossimilhança da sua alegação, tenha dificuldade em produzi-la, ocasião em que o juiz anunciará que inverterá o ônus, em despacho fundamentado, possibilitando a realização da prova pela demandada ou o exercício de seu direito de recurso contra a decisão” (fl. 685, 4º vol.).

O Relator, Ministro Castro Filho, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento “para determinar o retorno dos autos à comarca de origem, a fim de que se possibilite à recorrente fazer a prova dos fatos por ela alegados” .

Dele divergiu, em voto-vista, a Ministra Nancy Andrighi, para quem “a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII do art. 6º do CDC é regra de julgamento” , razão pela qual não conheceu do recurso especial.

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Sigo, no particular, as lições de Barbosa Moreira, expostas em “Julgamento e Ônus da Prova” (Temas de Direito Processual – segunda série, Edição Saraiva, São Paulo, 1980, p. 73/82).

“Mesmo diante de material probatório incompleto” – escreveu o eminente jurista – “o órgão judicial está obrigado a julgar. Essa eventualidade gera riscos para as partes, na medida em que implica para cada uma delas a possibilidade de permanecer obscura a situação fática de cujo esclarecimento se esperava a emergência de dados capazes de influir decisivamente, no sentido desejado, sobre o convencimento do juiz. Não se pode saber, à vista dos elementos constantes dos autos, se aconteceu o fato x, narrado pelo autor, ou o fato y, descrito pelo réu. A circunstância de que, ainda assim, o litígio deva ser decidido torna imperioso que alguma das partes suporte o risco inerente ao mau êxito da prova. Cuida então a lei, em geral, de proceder a uma distribuição de riscos: traça critérios destinados a indicar, conforme o caso, qual dos litigantes terá de suportá-los, arcando com as conseqüências desfavoráveis de não haver provado o fato que lhe aproveitava” (apud, p. 75).

“Ao juiz, por conseguinte, toca ver se são completos ou incompletos os resultados da atividade instrutória. Não lhe importa, na primeira hipótese, a quem se deve o serem completos os resultados. Importar-lhe-á, sim, na segunda, a quem se deve o serem incompletos; ou, mais precisamente, a quem se hão de atribuir as conseqüências da remanescente incerteza” (op. cit., p. 75).

”Ora, semelhante preocupação, como se compreende com facilidade, não há de assaltar o espírito do juiz durante a instrução da causa, senão apenas quando, depois de encerrada a colheita das provas, for chegado o instante de avaliá-las para decidir. Unicamente então, com efeito, é que tem sentido cogitar da existência de eventuais lacunas no material probatório: enquanto esteja 'aberta' a prova, qualquer conclusão a tal respeito seria prematura. Quer isso dizer que as regras sobre distribuição do ônus da prova são aplicadas pelo órgão judicial no momento em que julga” (ibidem, p. 75/76).

Voto, por isso, no sentido de não conhecer do recurso especial.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOTERCEIRA TURMA

Número Registro: 2002/0032388-0 REsp 422778 / SP

Números Origem: 07395 1122724

PAUTA: 05/10/2006 JULGADO: 27/02/2007

Relator

Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

SecretáriaBela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SPAIPA S/A - INDÚSTRIA BRASILEIRA DE BEBIDASADVOGADOS : ESTEFANIA FERREIRA DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTRO

ORLANDO SILVEIRA MARTINS JUNIOR E OUTRORECORRIDO : FRANCISCO FERRAZ CALDAS FILHOADVOGADOS : ARNALDO MALFERTHEMER CUCHEREAVE

PAULO RANGEL DO NASCIMENTO E OUTRO(S)INTERES. : COMPANHIA PAULISTA DE SEGUROS

ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Trabalho - Acidente

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, não conhecendo do recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Aguarda o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.

Ausente, ocasionalmente, nesta assentada, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Brasília, 27 de fevereiro de 2007

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSOSecretária

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RECURSO ESPECIAL Nº 422.778 - SP (2002/0032388-0)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:

Trata-se de ação de indenização contra a empresa ré, fabricante de

Coca-Cola, alegando o autor que ao abrir uma garrafa de litro a tampinha “foi jorrada

com tanta força que veio atingir o olho direito do mesmo, causando lesões sérias (...)”.

A sentença julgou improcedente o pedido, condenado o autor nas custas

e honorários de advogado. Julgou, ainda, improcedente a denunciação à lide impondo à

denunciante as custas e honorários. Em resumo, o Juiz considerou que “Embora seja

incomum a tampa se soltar da garrafa, conforme todos sabem, tal fato não é impossível

de ocorrer, ainda que o fabricante tenha rigoroso processo de qualidade de produção

para segurança dos consumidores. Existem exceções e o caso dos autos, como se viu

foi um deles” (fl. 559). Mas a sentença reconhece a existência do dano, apesar de

apontar a ausência de prejuízo material direto com a perda da quase totalidade da visão,

sem prejuízo de afirmar que há o direito de indenizar, e que o valor deveria ser apurado

em liquidação de sentença. Ocorre que o Juiz entendeu não haver prova de que “a

empresa incorporada, Refrigerantes Marília Ltda, tenha sido a fabricante do produto de

forma a gerar a obrigação de indenizar” (fl. 563), ao fundamento de que não cuidou o

autor de fazer essa prova, sendo certo que o vendedor da garrafa poderia ter adquirido o

produto de outra empresa, bastando para isso que o autor tivesse “apresentado a

tampinha que lhe causou o ferimento e, dessa forma, noticiar a empresa produtora do

refrigerante. É de conhecimento geral que as tampinhas dos refrigerantes trazem o

nome do fabricante do produto” (fl. 563), ou, ainda, o depoimento dos proprietários do

estabelecimento “para que eles esclarecessem de qual fábrica da coca-cola haviam

adquirido o produto” (fl. 564). Disse, também, que “o consumidor está dispensado de

provar a culpa na fabricação do produto, mas não está dispensado de provar que o

produto foi produzido pela fábrica acionada” (fl. 564).

O Tribunal de Justiça de São Paulo proveu a apelação do autor. Depois de

examinar os termos da sentença que reconheceu a existência do dano e o nexo causal,

passou a enfrentar o óbice posto com relação à ausência de prova da fabricação

daquela garrafa pela empresa ré. Considerou o acórdão que é fato incontroverso ser a

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empresa ré responsável pela fabricação e distribuição do produto “na área em que se

localizava a lanchonete em que o autor adquiriu o refrigerante cuja tampa, em explosão,

causou-lhe o ferimento aqui narrado e demonstrado. Tendo-se em conta que o fato

relatado pelo autor ao médico que prontamente o atendeu é verdadeiro, ou seja, que o

refrigerante cuja tampa lhe atingiu o olho direito era de fato uma Coca-Cola, não poderia

ser outra que não a ré a empresa legítima para figurar no pólo passivo da presente

demanda” (fl. 627). Em seguida, destacou o Tribunal local que o tema está alcançado

pelo Código de Defesa do Consumidor, que no art. 6º, VIII, “impõe ao juiz a inversão do

ônus da prova em favor do hipossuficiente. A bem interpretar tal dispositivo, há de se

compreender, porque presunção júris tantum , a hipossuficiência (deixando-se a

verossimilhança da alegação quando se tratar de pessoas jurídicas, ou mesmo

pessoas físicas, mas sempre em igualdade de condições com o fornecedor),

invertendo-se, sempre, o ônus da prova, independentemente de expressa manifestação

do juiz nesse sentido. Ou seja, apenas quando o juiz, nos casos de hipossuficiência,

entender que se não deve inverter o ônus da prova, é que expressará seu critério. Caso

contrário, o alcance do artigo deixa de cumprir suas finalidades, considerando aqui

tratar-se o Código de Defesa do Consumidor de norma de proteção ao consumidor

hipossuficiente contra o fornecedor. E o critério para não se inverter o ônus da prova, há

de ser fundamentado pelo juiz, levando-se em conta entre os seus direito básicos a

facilitação da defesa de seus direitos” (fl. 627). Assim, no caso, “se a ré não se

considera parte legítima passiva ad causam , competia a ela demonstrar que não é a

fabricante do refrigerante Coca-Cola distribuído naquela região, ou mesmo demonstrar

que não efetuou vendas ao estabelecimento apontado pelo autor como aquele em que

adquiriu o refrigerante, provas que não fez. Bastava perquiri-se o estabelecimento onde

adquirido, bem como quem o vendera. Não o fazendo, evidente que, pela região, a ré

presume-se a revendedora, a representante do produto” (fl. 628). Assim, concluiu pela

condenação da ré a ressarcir “ao autor as quantias gastas com consultas, exames,

medicamentos e cirurgias referentes à lesão sofrida com o acidente, quantum que

será arbitrado em liquidação de sentença, conforme conseguir demonstrar o autor,

corrigidas desde o desembolso, e pelos danos morais, na quantia acima referida,

corrigida monetariamente da data do fato (devendo daí, também, fluir os juros

moratórios), conforme Súmula n. 54 do E. Superior Tribunal de Justiça” (fl. 629). O valor

do dano moral foi fixado em 150 vezes o salário que o autor percebia na época, não Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 33 de 45

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inferior ao mínimo.

Os embargos de declaração foram rejeitados.

O eminente Relator, Ministro Castro Filho, conheceu e proveu o especial

para determinar o retorno dos autos ao 1º grau de jurisdição para que possa a

recorrente fazer a prova dos fatos por ela alegados. O Relator enxergou violação do art.

6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Afirmou o Ministro Castro Filho que o

acórdão não examinou a presença dos requisitos para determinar a inversão,

limitando-se a considerar devida porquanto tratava-se de relação de consumo, sendo

hipossuficiente o consumidor. Lembrou o Relator precedente desta Corte no sentido de

não ser automática a inversão, dependendo de circunstâncias concretas que devem ser

aferidas pelo Juiz. Avançou o Ministro Castro Filho afirmando que a inversão deve ser

deferida antes da sentença, “pois se configura regra de procedimento, cuja finalidade é

de possibilitar que as partes possam melhor se conduzir no processo, especialmente

para que saibam a qual delas toca o ônus de produzir a prova” . Concluiu o Relator que,

“feita a inversão sem que dela tenha cuidado o juiz singular, não se manifestando sobre

a necessidade de tal inversão diante das provas testemunhal, pericial e documental,

entendo que ocorreu cerceamento de defesa. Não se pode falar em inversão

compulsória. É ao juiz, portanto, que toca verificar se estão presentes os pressupostos

que o autorizam e, ao assim proceder, deve prevalecer o princípio do contraditório” .

A Ministra Nancy Andrighi divergiu. Depois de afastar a existência de

omissão e de violação do art. 159 do antigo Código Civil, considerando que a

responsabilidade foi identificada com base na prova dos autos, enfrentou a alegada

violação do art. 333, I, do Código de Processo Civil. Para a Ministra Nancy Andrighi, “a

afirmação dogmática de que o fato negativo nunca se prova é inexata, pois há

hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa que pode ser

provada. Desse modo, sempre que for possível provar uma afirmativa contrária àquela

deduzida pela outra parte, tem-se como superada a alegação de 'prova negativa', ou

'impossível” . No caso, considerou a divergência que o posto de gasolina em que

adquirida a garrafa de Coca-Cola localiza-se em cidade pequena, com pouco mais de

6.000 habitantes, o que tornaria fácil para a empresa ré comprovar que nele não se

vendiam seus produtos, “o que poderia ser feito mediante perícia nos livros contábeis

da própria ré, onde se poderia constatar para quais estabelecimentos comerciais ela

Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 34 de 45

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efetuou ou não vendas de garrafas de refrigerante 'Coca-Cola” . Assim, “se a ré tivesse

provado que não vendia seus produtos na cidade de Iacri, o fato constitutivo alegado

pelo autor – de que adquiriu a garrafa de refrigerante 'Coca-Cola' fabricada pela ré num

posto de gasolina da cidade de Iacri – cairia por terra; vale dizer, não teria mais

verossimilhança a alegação feita pelo autor. Entretanto, a recorrente assim não

procedeu, razão pela qual, restou incontroversa a alegação feita na inicial de que ela

fabricou e comercializou o produto tido por defeituoso. Aliás, o próprio acórdão recorrido

reconhece isso, com acerto, ao afirmar que não tendo a recorrente feito prova de que

não vendeu seus produtos na cidade de Iacri, presume-se que foi ela a revendedora do

produto (fls. 628)” . Em seguida, o voto divergente desafia a alegada violação do art. 6º,

VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Aqui, a Ministra Nancy Andrighi considerou a

impugnação formulada no sentido de que a violação teria ocorrido porque o Tribunal

local entendeu a inversão do ônus da prova como regra de julgamento quando é, na

verdade, regra de instrução processual. Para a divergência, a doutrina prevalecente

indica que a inversão é regra de julgamento, devendo ocorrer quando do julgamento da

causa, assim podendo o Juiz proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus de

provar e dele não se desincumbiu. Por essa razão, prossegue a divergência, “se o

inciso VIII, do art. 6º, do CDC, determina que o juiz inverta o ônus da prova a favor do

consumidor quando entender verossímil a sua alegação ou quando considerá-lo

hipossuficiente; isso só pode ser feito senão após o oferecimento e valoração das

provas produzidas na fase instrutória, se e quando, após analisar o conjunto probatório,

ainda estiver em dúvida para julgar a demanda (sendo dispensável a inversão, caso

forme sua convicção com as provas efetivamente produzidas no feito). Assim, se no

momento do julgamento houver dúvida sobre algum ponto da demanda, essa dúvida

deve ser decidida a favor do consumidor, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC” . Depois

de reproduzir diversas lições doutrinárias e invocar precedente da Corte no sentido de

que a inversão é regra de julgamento, afastou a divergência a alegada violação do

dispositivo, “porquanto o Tribunal a quo aplicou-o corretamente no julgamento da

apelação, diante do reconhecimento da verossimilhança das alegações do consumidor,

conforme expressamente consta nas fls. 624/626, acima transcritas” . Finalmente, no

que diz com a letra "a", a Ministra Nancy Andrighi entendeu não haver violação do art.

84 do Código Brasileiro de Telecomunicações. A divergência jurisprudencial em torno

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do valor dos danos morais foi desqualificada por ausência de similitude fática.

Em seguida, o Ministro Ari Pargendler também em voto-vista reproduziu

a lição de José Carlos Barbosa Moreira no sentido de que “as regras sobre distribuição

do ônus da prova são aplicadas pelo órgão judicial no momento em que julga” . Anoto

que o voto do Ministro Ari Pargendler não cuidou especificamente da inversão do ônus

da prova tal como disciplinado no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Cuidou, sim, da situação decorrente dos resultados da instrução probatória, cabendo ao

Juiz, segundo o magistério autorizado de Barbosa Moreira, “ver se são completos ou

incompletos os resultados da atividade instrutória. Não lhe importa, na primeira

hipótese, a quem se deve o serem completos os resultados. Importar-lhe-á, sim, a

quem se deve o serem incompletos; ou mais precisamente, a quem se hão de atribuir

as conseqüências da remanescente incerteza” .

Pedi vista porque me alertou o destaque posto pelo eminente Relator no

que diz especificamente com a inversão automática do ônus da prova, tal e qual

afirmado no acórdão. É que, de fato, o acórdão apresentou uma interpretação que não

me parece a melhor para o inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Primeiro, afirmou que “apenas quando o juiz, nos casos de hipossuficiência, entender

que se não deve inverter o ônus da prova, é que expressará o seu critério” (fl. 627), ou

seja, inverte-se o ônus da prova independente da expressa manifestação do Juiz;

segundo, relegou a existência de elementos concretos para a inversão, ou seja, deu

pela presunção da hipossuficiência do consumidor e deixou a verossimilhança “da

alegação quando se tratar de pessoas jurídicas, ou mesmo pessoas físicas, mas

sempre em igualdade de condições com o fornecedor” (fl. 627). Isso, sem dúvida,

contraria a nossa jurisprudência que não hesita em afirmar que a hipossuficiência deve

ser reconhecida diante de elementos compatíveis de prova e que é necessária a

presença das circunstâncias concretas que demonstrem a verossimilhança da

alegação, estando a inversão no contexto da facilitação da defesa como apreciado nas

instância ordinárias (REsp nº 541.813/SP, da minha relatoria, DJ de 2/8/04; REsp nº

122.505/SP, da minha relatoria, DJ de 24/8/98; REsp nº 598.620/MG, da minha relatoria,

DJ de 18/4/05). Nesse último precedente assinalei em meu voto que não se pode

impedir que o Juiz, “presentes os requisitos do dispositivo de regência, defira a inversão

no momento da dilação probatória, para fazê-lo em outro, após a produção da prova” .

Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 36 de 45

Superior Tribunal de Justiça

Essa orientação foi também acolhida pela Quarta Turma, isto é, “dúvida não há quanto

ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória – momento, aliás,

logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe

qualquer surpresa às partes litigantes -, posicionamento que vem sendo adotado por

este Superior Tribunal” (REsp nº 662.608/SP, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa,

DJ de 5/2/07).

É certo que há precedente desta Terceira Turma, Relatora a Ministra

Nancy Andrighi, assentando que a “inversão do ônus da prova é regra de juízo e não

de procedimento, sendo irrelevante a decisão em agravo de instrumento afastando a

inversão do ônus probatório no curso do processo, pois é na sentença o momento

adequado para o juiz aplicar as regras sobre o ônus da prova” (AgRgMC nº 11.970/RJ,

DJ de 18/12/06). Há, portanto, controvérsia relevante sobre o momento em que melhor

se imporia o deferimento da inversão do ônus da prova.

Entendo que se deva deixar claro, pelo menos essa é minha convicção,

que não existe inversão automática do ônus, independente das condições estabelecias

no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. É imperativa a presença das

circunstâncias concretas previstas no dispositivo para que a inversão seja agasalhada

no contexto da facilitação da defesa. Por isso, ao contrário do que disse o acórdão, não

pode ser feita inversão se não estiverem presentes a necessidade de facilitar a defesa

do consumidor, “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele

hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” . Há, portanto, condições

para que a inversão ocorra, a critério do Juiz, sempre. Isso quer dizer que a inversão

pode ocorrer se o consumidor for hipossuficiente ou se for verossímil a alegação, isto é,

basta que apenas uma das hipóteses esteja presente. Anote-se que o Código de

Defesa do Consumidor estabelece possível inverter o ônus da prova, além do que

previsto no inciso VIII, subordinado ao critério do Magistrado, apenas por força de lei em

vários outros artigos, assim, os artigos 12, § 3º, e 14, § 3º, como assinala Cláudia Lima

Marques (cfr. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, RT, 2ª ed., 2006; pág.

184).

No plano teórico, portanto, não me parece que deva ser prestigiada a

orientação defendida pela ilustre Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o magistério

de Katsuo Watanabe. É que o momento oportuno para a inversão é o da dilação

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probatória considerando que a inversão dar-se-á a critério do Juiz e desde que, no

contexto da facilitação da defesa, esteja presente um dos elementos mencionados no

inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, isto é, a verossimilhança da

alegação ou a hipossuficiência do consumidor. É que os termos do dispositivo não

deixam margem a que deva o Juiz manifestar-se expressamente sobre a presença dos

elementos que são exigidos para que a inversão seja deferida. Por outro lado, essa

decisão afetará todo o sistema de provas no curso do processo. Veja-se nesse sentido

o magistério de Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

“Como vimos antes, a inversão se dá por decisão do juiz diante de alternativas postas pela norma: ele inverterá o ônus se for verossímil a alegação ou se for hipossuficiente o consumidor.

É que pode acontecer de nenhuma das hipóteses estar presente: nem verossímeis as alegações nem hipossuficiente o consumidor.

Anotamos acima que verossimilhança é conceito jurídico indeterminado. Depende de avaliação objetivas do caso concreto e da aplicação de regras máximas da experiência para o pronunciamento.

Logo, o raciocínio é de lógica básica: é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se o elemento da verossimilhança está presente.

Da mesma maneira a hipossuficiência depende de reconhecimento expresso do magistrado no caso concreto. É que o desconhecimento técnico e de informação capaz de gerar a inversão tem de estar colocado no feito sub judice . São as circunstâncias do problema aventado e em torno do qual o objeto da ação gira que determinarão se há ou não hipossuficiência (que, como vimos, regra geral atinge a maior parte dos consumidores). Pode muito bem ser senso caso de consumidor engenheiro que tinha claras condições de conhecer o funcionamento, de modo a ilidir sua presumida hipossuficiência. Como pode também ser engenheiro e ainda assim, para o caso, constatar-se sua hipossuficiência.

Então, novamente o raciocínio é de singela lógica: é preciso que o juiz se manifeste no processo para saber se a hipossuficiência foi reconhecida.

E já que assim é, o momento processual mais adequado para a decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o saneador. Na maior parte dos casos a fase processual posterior à contestação e na qual se prepara a fase instrutória, indo até o saneador, ou neste, será o melhor momento.

Não vemos qualquer sentido, diante da norma do CDC, que não gera inversão automática (à exceção do art. 38), que o magistrado venha a decidir apenas na sentença a respeito da inversão, como se fosse uma surpresa a ser revelada para as partes.

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Há, também, a importante questão do destinatário da norma estatuída no inciso VIII do art. 6º.

Entendemos que, muito embora essa norma trate da distribuição do ônus processual de provar dirigido às partes, ela é mista no sentido de determinar que o juiz expressamente decida e declare de qual das partes é o ônus.

Como a lei não estipula a priori quem está obrigado a se desonerar e a fixação do ônus depende da constatação da verossimilhança ou hipossuficiência, o magistrado está obrigado a se manifestar antes da verificação da desincumbência, porquanto é ele que dirá se é ou não caso de inversão” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, 2000, págs. 125/126).

Não é outra a lição ministrada por Carlos Roberto Barbosa Moreira em

precioso estudo sobre o tema, destacando que a inversão é ato do Juiz, não decorrendo

diretamente da lei, concluindo por afirmar que quando está já encerrada a instrução e

conclusos os autos para a sentença e o Juiz percebe que deveria ter invertido o ônus da

sucumbência, o único caminho compatível é a reabertura da fase instrutória para que o

fornecedor possa produzir a prova adequada a que se libere do novo ônus, sendo certo

que em qualquer caso caberá desta decisão agravo de instrumento (Notas Sobre

Inversão do Ônus da Prova Em Benefício do Consumidor, in “Estudos de Direito

Processual em memória de Luiz Machado Guimarães”, Forense, 1996).

Penso que sob esse aspecto, considerando, portanto, apenas o plano

teórico, não ofereceu boa interpretação ao dispositivo de regência o acórdão sob

exame. Dele, sem dúvida, divirjo.

Mas, no caso concreto, há outra questão a ser examinada, qual seja, a

identificação da responsabilidade independente dessa inversão acolhida pelo Tribunal

local. É que o acórdão considerou amplamente que houve o dano e o nexo causal com

base na prova dos autos. Mas, e aí a controvérsia, a sentença, embora reconhecendo

tudo isso, deixou de condenar a empresa porque não comprovada a sua legitimidade

passiva, ou seja, não seria ela a responsável pela garrafa que provocou o evento

danoso. O acórdão, entretanto, antes mesmo de mencionar a inversão do ônus da

prova, asseverou que o “autor, ao opor a presente ação contra Refrigerantes Marília

Ltda., que veio a ser sucedida por Sapipa S/A Indústria Brasileira de Bebidas, assim o

fez considerando que era aquela empresa a responsável pela fabricação e distribuição

do refrigerante Coca-Cola na região em que ocorreu o evento danoso – esse fato,

ressalte-se, resultou incontroverso – ou seja, era a ré a empresa que fabricava e Documento: 653860 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/08/2007 Página 39 de 45

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distribuía a Coca-Cola na área em que se localizava a lanchonete em que o autor

adquiriu o refrigerante cuja tampa, em explosão, causou-lhe o ferimento aqui narrado e

demonstrado. Tendo-se em conta que o fato relatado pelo autor ao médico que

prontamente o atendeu é verdadeiro, ou seja, que o refrigerante cuja tampa lhe atingiu o

olho direito era de fato uma Coca-Cola, não poderia ser outra que não a ré a empresa

legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda” (fls. 626/627). Isso quer

dizer que lhe competia demonstrar ser parte ilegítima, independentemente da inversão

do ônus da prova, o que não fez. Vejamos.

Na realidade, se há ação de responsabilidade civil ordinária, isto é, fora do

âmbito do Código de Defesa do Consumidor, e a parte ré entende que não é a

responsável, sendo parte ilegítima passiva, deve desde logo provar esse fato, haja, ou

não, a inversão do ônus da prova. É que o art. 333, II, do Código de Processo Civil

impõe ao réu provar a existência “de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito

do autor” . Ora, se não faz essa prova, no caso, possível, sem maiores dificuldades, no

momento oportuno, e é pertinente no sistema processual brasileiro que assim faça,

desde que tenha o autor provado o fato constitutivo do seu direito. Não há qualquer

surpresa sobre a distribuição do ônus da prova, prevista que está no