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CURSO DE DIREITO LIMITES À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO – O DIREITO DA EMPRESA – Adriano Bonjorno R.A. n.º 450.207-6 Turma 3209F Tels.: (11) 6236-8627 ou 9103-6502 [email protected]

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CURSO DE DIREITO

LIMITES À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

– O DIREITO DA EMPRESA –

Adriano Bonjorno

R.A. n.º 450.207-6

Turma 3209F

Tels.: (11) 6236-8627 ou 9103-6502

[email protected]

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CURSO DE DIREITO

LIMITES À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

– O DIREITO DA EMPRESA –

Trabalho de Curso apresentado ao

Curso de Direito do UniFMU como

requisito parcial para obtenção do

grau de Bacharel em Direito, sob

orientação do Prof. Dr. Luiz Antônio

Scavone Jr.

Adriano Bonjorno

R.A. n.º 450.207-6

Prof. Dr. Luiz Antônio Scavone Jr.

São Paulo

04 de Março de 2005

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FOLHA DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO DE CURSO

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Prof. Dr. Luiz Antônio Scavone Jr.

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Prof.(a) Dr.(a):

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Prof.(a) Dr.(a):

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Dedico este trabalho aos meus pais.

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SINOPSE

O presente trabalho trata de uma investigação e análise sobre os limites

frente à inversão do ônus da prova em processos judiciais onde a outra parte seja o

consumidor, haja vista a característica protetora inerente ao Código de Defesa do

Consumidor.

Objetiva-se a defesa da empresa (que passaremos a chamá-la de

fornecedor) e iremos demonstrar com quais argumentos isso pode ser feito, visto

que não se pode entender que o fornecedor, pelo simples fato de possuir maior

poder econômico na relação de consumo, tenha obrigatoriamente e

automaticamente contra si a inversão do ônus da prova.

Cumpre ressaltar que não estamos aqui repudiando esse importante

dispositivo legal. O que desejamos é, conforme determina o artigo 4°, inciso III do

Código de Defesa do Consumidor, manter a compatibilização da proteção do

consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico,

sempre com vistas à boa-fé e ao equilíbrio nas relações entre consumidores e

fornecedores.

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SUMÁRIO

Pág.

Introdução 1

1. As Tendências no Mundo dos Negócios 3

1.1. Tendências Sociais e Culturais 4

1.1.1. Isolamento em Busca de Paz e Proteção 6

1.1.2. Consumismo como Válvula de Escape 9

1.1.3. Pequenas Regalias 11

1.1.4. Geração do Eu Mereço 12

1.1.5. Mudar Radicalmente 13

1.1.6. Volta ao Passado 15

1.1.7. Uma Nova Qualidade de Vida 17

1.1.8. Consumidor Vigilante 19

1.1.9. Readquirir o Tempo 21

1.1.10. Nova Preocupação Social 22

1.1.11. Queda da Fertilidade Brasileira 23

1.1.12. Reversão do Êxodo Rural 24

1.2. Tendências Econômicas 25

1.2.1. A Volta às Precondições de Prosperidade da Década de 70 26

1.2.2. Novo Consumidor: Jovem Casal sem Filhos,

com Renda para o Supérfluo

28

1.2.3. Alta da Bolsa de Valores Melhora o Bom Humor do Setor

Empresarial

29

1.2.4. Mudança Estrutural da Economia 33

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2. O Surgimento do Direito do Consumidor

2.1. Aspectos Históricos 35

2.2. A Caracterização da Relação de Consumo 39

2.3. A Proteção do Consumidor no Brasil 42

2.4. Princípios das Relações de Consumo 45

2.4.1. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor 45

2.4.2. Princípio do Dever Governamental 46

2.4.3. Princípio da Garantia da Adequação (Art. 4°, II, d e V) 47

2.4.4. Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo 48

2.4.5. Princípio da Informação (Art. 4°, IV e VIII) 49

2.4.6. Princípio de Acesso à Justiça 50

2.5. Direito Comparado 51

3. A Inversão do Ônus da Prova

3.1. Conceito de Prova 53

3.2. Classificação da Prova 56

3.3. Conceito de Ônus da Prova 58

3.4. Inversão do Ônus da Prova 61

3.5. Inversão do Ônus da Prova Face à Publicidade Enganosa 66

4. Limites à Inversão do Ônus da Prova nas Relações de Consumo 69

4.1. Falta de Verossimilhança na Alegação 71

4.2. Ausência da Caracterização de Hipossuficiência do Consumidor 72

4.3. O Objeto Probatório não se Referir a Circunstâncias Técnicas,

Científicas ou Operacionais do Produto ou Serviço

74

4.4. Argüição de Fatos Absolutamente Impossíveis de se Provar 75

4.5. O Respeito aos Direitos Básicos do Consumidor 76

4.6. O Respeito ao Equilíbrio entre as Partes 78

Considerações Finais 79

Bibliografia 80

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INTRODUÇÃO

O Direito do Consumidor é obra relativamente recente na Doutrina e na

Legislação. Apesar dos direitos básicos do consumidor já constarem de resolução

da ONU, de 1985, tem seu surgimento no Brasil como ramo do Direito,

principalmente, na metade do século passado. Porém, indiretamente encontramos

contornos deste segmento do Direito presente, de forma esparsa, em normas das

mais diversas, em várias jurisprudências. Porém, não era concebido como uma

categoria jurídica distinta e, também, não recebia a denominação que hoje

apresenta.

A Lei 8.078 de 11 de Setembro de 1990 veio a solidificar essa categoria

jurídica, propiciando ao consumidor uma importante ferramenta para defesa de seus

interesses.

A matéria “proteção e defesa do consumidor” é por si só vasta e

complexa. É na prática impossível a previsão de tudo que diga respeito aos direitos

e deveres das partes de uma relação de consumo, a saber: consumidores e

fornecedores. Dessa forma, o Código vale muito mais pela perspectiva e diretrizes

que fixa para a defesa do consumidor, bem como, pela harmonia buscada nessa

relação, do que pela exaustão de normas que tendem a esses objetivos. Aponta,

ainda, para a utilização de certos instrumentos de defesa.

Estudaremos um desses instrumentos – a Inversão do Ônus da Prova –,

a qual consiste em uma defesa do consumidor, através da qual o fabricante deverá

responder pelo prejuízo causado pelo produto defeituoso, ou pela utilização de

produto por deficiência de informação quanto ao seu uso ou quanto aos riscos que

tal uso poderia ocasionar, independentemente de ter o consumidor de demonstrar

essa culpa.

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O objeto da monografia é o estudo de alegações para procurar evitar que

o juiz inverta o ônus da prova, o que poderia acarretar em custos, além do encargo

moral de uma certa presunção de culpa.

É de grande importância o estudo dos meios e argumentos que objetivam

proteger a empresa nesse sentido, uma vez que o que buscamos é um maior

equilíbrio entre as partes, para que a empresa não seja vítima de exageros

cometidos por alguns consumidores.

O trabalho encontra-se dividido em quatro partes:

1) Um estudo das tendências que movem o mundo empresarial, a fim de

nos situarmos em seu contexto atual;

2) O surgimento do direito do consumidor, uma vez que é imprescindível o

conhecimento dos seus direitos para possibilitar a definição dos seus limites,

evidentemente sem afrontar seus direitos;

3) Um estudo sobre o dispositivo legal de inversão do ônus da prova; e

4) Com base nessas três partes, procuraremos delinear os limites à essa

inversão, sempre respeitando os direitos inerentes aos consumidores.

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1. AS TENDÊNCIAS NO MUNDO DOS NEGÓCIOS

Para iniciarmos a análise do ônus da prova nas relações de consumo,

convém, previamente, traçarmos um panorama do que acontece e do que está por

vir em um mundo que, sem ele, não haveria relações de compra e venda: o mundo

dos negócios.

Antes de ingressarmos no assunto-cerne da monografia, é conveniente

uma análise do macro-ambiente do mundo empresarial, objetivando compreender as

peculiaridades que hoje se fazem presentes quando o assunto diz respeito a

Relações de Consumo.

Muito do que percebemos na atuação empresarial é influenciado por

aspectos sociais, culturais e tecnológicos – as tendências – algumas já presentes e

outras que ainda estão por vir. Todos sabem da relevância em conhecer o que move

o desejo pelo consumo. Faz-se imprescindível, portanto, a identificação do que é

capaz de mover esse desejo.

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1.1. TENDÊNCIAS SOCIAIS E CULTURAIS

As tendências podem ser consideradas como um mapa a respeito do que

virá no futuro, seja ele próximo ou distante. Juntas, traçam o perfil dos

consumidores. As tendências revelarão como esses consumidores sentir-se-ão, os

impulsos que os levarão a comprar um ou outro produto e os tipos de estratégia,

produto e serviço que aceitarão - ou não.

O estado de espírito dos consumidores de hoje - suas necessidades, seus

medos e os benefícios personalizados que procuram - são mais importantes do que

a faixa etária, os CEP´s ou estatísticas.

Por exemplo, sua pesquisa pode mostrar-lhe os jovens universitários

graduados residentes em áreas urbanas e que dispõem de uma determinada renda,

são seu mercado-alvo ideal. Mas ela omite que esse determinado grupo de

consumidores está se sentindo inquieto, sobrecarregado e deprimido. O que

realmente desejam é mudar de emprego, ir para o interior e viver com uma renda

menor. Portanto, talvez não sejam tão ideais para você.

Considerar o humor do consumidor oferece um quadro mais real do que

considerar os “tipos” de consumidor - psicografia e não demografia. A administração

através do estudo de tendências indicará uma audiência receptiva a produtos que

aliviam, a qualquer coisa que diminua o peso e o estresse.

As tendências são previsoras, pois começam pequenas e depois ganham

mais força. À medida que cada tendência vai se solidificando e abrindo caminho no

mercado, aumenta sua influência sobre o consumidor. E já que as tendências duram

em média dez anos, o momentum das tendências atuais fará qualquer negócio sair e

ficar na frente por um bom período.

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Embora as tendências possam mudar devido a eventos externos, cada

tendência contém energia, variedade e estabilidade suficientes para continuar

avançando na arena do mercado, e, além do mais, cada tendência é meramente

uma parte do todo, significando que para atuar de acordo com a tendência, há que

se entender como as tendências, juntas, definem o futuro.

Se as tendências parecem contradizer-se, é inevitável. Elas apenas

refletem os estados futuros dos consumidores, e como estes são seres humanos,

daí vêm as contradições. Estes impulsos antagônicos do consumidor são

conhecidos como “contra-tendências” ou inversões. Por exemplo, quando você cuida

da alimentação e se exercita durante toda a semana e, no final de semana, “tira-se a

barriga da miséria”. Você acha, com certa rebeldia e culpa, que depois de uma

semana de dureza, você merece. Essa é a tendência “Pequenas Indulgências”. É

importante entender que as duas tendências funcionam simultaneamente como

tendência/ contra-tendência.

As tendências podem ampliar a visão - de forma que se possa ver mais

claramente como será o futuro, e como a empresa pode lucrar a partir desta

perspectiva única do futuro. Apresentamos agora 12 tendências sociais e culturais,

que analisaremos a seguir (algumas delas já se começam a se fazer presentes):

1. Isolamento em Busca de Paz e Proteção

2. Consumismo como Válvula de Escape

3. Pequenas Regalias

4. Geração do Eu Mereço

5. Mudar Radicalmente

6. Volta ao Passado

7. Uma Nova Qualidade de Vida

8. Consumidor vigilante

9. Readquirir o Tempo

10. Nova Preocupação Social

11. Queda da Fertilidade Brasileira

12. A Reversão do Êxodo Rural

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1.1.1. TENDÊNCIA 1:

- Isolamento em Busca de Paz e Proteção -

Os últimos suspiros dos anos 90 viram os americanos enfurnados em

cavernas de alta tecnologia. O isolamento, a primeira tendência que foi prevista no

final da década de 70, estava com corda toda. Todos estavam procurando refúgio

em casa. Era um retiro total no último ambiente controlável (em termos) - as próprias

trincheiras. A palavra isolamento ecoou de tal forma na psique dos americanos que

entrou no vocabulário nacional.

“Nós a definimos, quando a cunhamos, como o impulso de ir para dentro

quando as coisas ficam muito violentas e assustadoras do lado de fora. Cercar-se de

uma concha de segurança, de forma que não se fique à mercê de um mundo cruel e

imprevisível - as molestações e assaltos que vão desde garçons rudes a crimes

relativos ao crack, passando pela poluição sonora, recessão, AIDS.”1 É como uma

espécie de superninho e refere-se à busca de paz, proteção, conforto e controle.

A frase “Quero sossego!” estava adquirindo um novo significado. As

pessoas ainda estavam saindo - quase que por costume - mas sonhando com as

alegrias do lar. Em vez das pessoas chegarem ao escritório segunda-feira contando

onde foram, quem viram, vinham com histórias sobre ficar em casa, sem fazer coisa

alguma. Nada a ver com ser anti-social - tinha a ver com um retiro da realidade.

Outros indicadores precoces da tendência prevista foram:

- o aumento das vendas de videocassete, DVD´s e do aluguel de fitas de vídeo;

- a fabricação de alimentos prontos;

O isolamento passou a ser uma grande preocupação e um número inédito

de pessoas reformou, redecorou e recuperou suas casas. Um outro fator que

justifica essa tendência é o aumento das vendas por mala-direta e telemarketing.

1 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 25.

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Estávamos passando por um recolhimento tanto emocional quanto físico.

Os anos 90 nos trouxeram uma época de entocamento pesado. A conversa gira em

torno de mais crimes, violência... Na verdade, as notícias sobre violência ressoam

profundamente na idéia de casa que temos no coração. Falamos de “abrigos

sólidos” e de “quartos selados” contra ataques.

Em vez disso, o isolamento passou para uma fase mais nova e negra -

tomando caminhos que estamos identificando como três novas Evoluções de

Tendência. O isolamento não tem mais a ver apenas com um lugar, a casa, mas

com um estado de espírito - a autoconservação. Eis as três evoluções:

1º) O isolamento armado:

Aumento do índice de posse de armas, bem como a procura por sistemas

de segurança para casas, dispositivos anti-espionagem, sistemas de vigilância

computadorizados ligados a guardas particulares e auxílio emergencial. Trata-se

mais do que um lugar; é um grupo de apoio, um clube privado que afasta mais as

pessoas do que as deixa entrar. Deve-se descobrir novas formas de chegar ao

consumidor isolado.

2º) O isolamento nômade:

O isolamento tem a ver com o controle do ambiente; e queremos sentir-

nos protegidos onde quer que vamos. Queremos um casulo que vá onde formos. A

solução tem sido transformar o meio de transporte em um tipo de casulo móvel. Já

estamos testemunhando isso na forma como as pessoas usam seu tempo no carro:

- estão fazendo mais “refeições” no carro;

- assistindo minitelevisões portáteis quando o sinal fecha;

- fazendo negócios e tarefas do dia-a-dia no telefone celular e conexões.

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3º) O isolamento “socializado”:

Assim como o isolamento tem a ver com distanciar-se de tudo, também se

refere - cada vez mais - com uma nova forma de relacionar-se com as outras

pessoas. Finalmente, notícias alegres sobre a evolução do isolamento. Estamos

transformando-o num novo tipo de festa, ou seja, estamos convidando, de forma

muito mais seletiva, um novo tipo de gente às nossas casas. Em muitos

condomínios já é preciso “ter o nome na lista” para ir à festa de um amigo.

Estamos nos divertindo em casa, mas não pelas razões costumeiras. Não

é tanto pela ascensão social ou pelos negócios ou mesmo comemorações

familiares. Tem mais a ver com cercar-se de compatriotas agradáveis, pessoas com

as quais nos sentimos bem, que nos ajudam a superar os tempos difíceis. Os grupos

mais corajosos saem para bares da vizinhança em bandos fechados.

Em qualquer uma de suas apresentações, o isolamento “socializado” está

na fase de surgimento, e promete ser uma grande oportunidade empresarial.

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1.1.2. TENDÊNCIA 2:

- Consumismo como Válvula de Escape -

Procuramos alívio para o estresse com um desespero criativo -

escapando fisicamente para as nossas casas, em busca de conforto; escapando

emocionalmente para o consumo, em busca de alívio.

Embora o consumismo possa parecer vir do lado mais corajoso do

cérebro, esse impulso tem a ver com a mesma busca de segurança. A saída indireta

através do consumismo está nos levando mais a shoppings; é assumir riscos sem

risco algum. Já há perigo de verdade em doses suficientes nas ruas.

Eis um resumo do que a aventura do consumismo trouxe ao mercado.

“Avoluma-se a aventura fabricada in loco. Um Hotel do Havaí atrai os saturados de

praia com reproduções dos canais de Veneza. A Disneylândia atrai atualmente mais

visitantes do que a capital dos Estados Unidos. E a tendência é mundial.” 2

Os alimentos são uma área generosa em possibilidades de consumismo.

Enquanto há uma ou duas décadas o consumidor americano tinha a opção de 65

diferentes produtos hortifrutigranjeiros, hoje esse número subiu para 250, com o

grande aumento na área conhecida como exóticos.

Qual a lição para os mercados futuros?

O apelo do produto, de enorme motivação, será oferecer o seguro e o

familiar com um tempo de aventura ou exotismo. O valor adicionado de sensações -

gosto, textura, som, cheiro, cor - faz com que os produtos sejam mais

“sensacionais”.

2 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 32.

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O simples fato de exposição de um produto em uma gôndola de

supermercado tem se transformado em uma arte. Os profissionais responsáveis pela

área de marketing em supermercados elaboram estudos minuciosos para decidir

qual a melhor localização de um produto na gôndola para que ele tenha “uma boa

saída”.

Alia-se a isso a questão da embalagem e percebemos o quanto os

empresários aproveitam essa tendência.

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1.1.3. TENDÊNCIA 3:

- Pequenas Regalias -

“Atualmente, há uma militância sobre o amor à boa vida, uma sensação

forte de merecimento. Numa cultura de consumo - ou seja, numa cultura que oferece

opções além do básico para a sobrevivência - o estímulo nunca foi a necessidade,

mas o desejo.” 3 Fazer a motivação virar desejo e depois merecimento é um

transformador cultural recente e poderoso.

A chave é a palavra “pequenas”. O que faz a tendência Pequenas

Regalias é uma espécie de equilíbrio de compensações. Estamos em busca de uma

solução emocional sem o estresse de preocupar-se com os custos. Enquanto há

uma década os consumidores estavam se endividando para comprar luxos vistosos,

hoje em dia estamos nos segurando. Fazemos um pequeno cruzeiro em vez de

passarmos quinze dias passeando na Europa. Uma massagem ao invés de ir a um

Spa.

Mas não se trata apenas de “substituir a gratificação” - “Vou comprar isso

porque não posso ter aquilo”. Também se refere a escolher uma pequena categoria

da sua vida e comprar o melhor que puder nessa arena. O mergulho nessa

tendência permite lançar a precaução ao vento. O risco é pequeno.

A questão óbvia é: será que essa satisfação diminuída continuará a nos

sustentar, alimentar nossa auto-estima nos novos dias tristes dessa nova década?

“Quanto pior ficar, mais precisaremos delas, dessas pequenas ajudas que dão vida

a vida, que nos ajudam a superar as fases difíceis”. A outra boa notícia é que se

prevê uma mudança para melhor na nossa época - nos nossos espíritos, na nossa

cultura, na nossa economia. Uma fé otimista e renovada no futuro.

E, nesse caso, nosso apetite pela regalia, pequena ou não, só tende a

aumentar. 3 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 35.

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1.1.4. TENDÊNCIA 4:

- Geração do Eu Mereço -

Essa geração é a de um narcisismo mais agradável. É a busca pelo

prazer pessoal, e ela se perfaz também pelo consumismo. “A busca por uma vida

cheia de delícias como vinhos, boa comida e viagens a lugares exóticos deixou de

ser exclusividade de milionários excêntricos.” 4

“Pessoas que querem apenas um pouco de atenção, um pouco de reconhecimento de que ninguém é como eu. Trata-se da individualização, diferenciação, personalização.” 5

A Geração do Eu Mereço significa que há lucro a ser colhido ao satisfazer

a necessidade do consumidor de personalização - seja no conceito do produto, no

desenho do produto ou no serviço pessoal.

Essa tendência pode ser considerada semelhante às Pequenas Regalias.

Nesta, a ênfase é no merecimento; naquela, o “Eu” é o centro das atenções. O “Eu

Mereço” muda a ênfase das prioridades do fornecedor para as prioridades do

consumidor; é o marketing de nichos levado ao extremo. Cada consumidor é

considerado um ocupante de seu próprio nicho.

Não é surpresa que vejamos a proliferação incrível do posicionamento de

nichos estreitos, muitíssimo mais estreitos no caso das revistas.

Se a onda de grupos de interesse especial, agora em evolução, indica

como somos subdivisíveis, a resposta é “muito”. Estamos nos unindo contra o

isolamento, em grupos que se congregam por razões desde pessoais a políticas.

4 NOGUEIRA, Tânia et RUBIN, Débora. A geração do eu mereço. Revista Época. São Paulo: n° 354: 76 – 83, 2005. 5 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 39.

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1.1.5. TENDÊNCIA 5:

- Mudar Radicalmente -

Esta Tendência “não se trata de falir, desistir ou vender tudo. Trata-se de

juntar tudo que você vem acumulando na sua carreira todos esses anos e ir

trabalhar num outro lugar, numa coisa que você deseja, como deseja.” 6

Após uma década de ambição, após anos de ir e voltar do trabalho, as

pessoas estão sonhando em reformar casas antigas, iniciar negócios práticos ou até

mesmo fazer o que fizeram durante toda a vida profissional - mas de acordo com

seu ritmo e condições. Estamos trocando as recompensas do sucesso tradicional

em favor de um ritmo mais lento e da qualidade de vida.

Nos anos 70, trabalhávamos para viver. Após os anos 80, vivíamos para

trabalhar. Agora, simplesmente queremos viver - muito e bem. Sair Fora se tornou a

saída.

O motivo de isso ocorrer agora, e não em outra época, deve-se à

aceleração do ritmo de vida. O sucesso tradicional na empresa demanda um esforço

extraordinário e exaustivo. Parece que estamos dizendo “Será que todo esse

estresse vale a pena?”, “Será que a vida que estou vivendo não está encurtando a

minha vida?”. Não acreditamos mais na bondade intrínseca do nosso governo; não

acreditamos mais em empresas paternalistas. Elas falham ao não cumprir com a

premissa básica da relação: segurança em troca das leais oito horas de suor.

6 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 45.

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Longe do escritório frio, estéril e alienador e de volta ao calor amigo do

isolamento: a empresa domiciliar. Estamos deixando nossas vidas, metaforicamente,

em troca do autocontrole. Escapando do caos e da incerteza que muitos de nós

sentimos enquanto marionetes nas mãos das empresas. Há pouca liberdade real e

não há muito lazer nas realidades de ser um empreendedor; isso implica muito

trabalho e um diferente tipo de incerteza. Mas o grande ideal da autoconfiança é a

recompensa. Duramente conquistada.

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1.1.6. TENDÊNCIA 6:

- Volta ao Passado –

O que foi previsto e agora está sendo testemunhado é uma

reinterpretação da definição de envelhecimento, uma espécie de

“desenvelhecimento” de todas as camadas da sociedade.

Estamos vendo um número maior de noivas com mais de 30 anos - ou

mesmo 40. Também, de uma forma mais impressionante, um aumento no número

de mulheres mães pela primeira vez com mais de 40 anos.

“Essa recusa de se ligar a limitações de idade tradicionais é a tendência

que chamamos de Volta ao Passado: redefinir, para menos, o comportamento

adequado a sua idade.” 7 Um novo fenômeno cultural profundo é o resultado de uma

preocupação mais do que inédita com a saúde e a longevidade. Veja, para isso, o

gasto com produtos para retardar o envelhecimento.

O primeiro aspecto da Volta ao Passado tem a ver com a redefinição

(para menos) da idéia de idade: 40, agora, é o que antes era 30; 50, o que antes era

40; 65, o início da segunda metade da vida, não o início do fim. Mas a parte

interessante da tendência atualmente não é tanto redefinir, mas liberar-se: “vamos

ver até onde podemos ir”.

Todos estão buscando diversão. A Volta ao Passado é a ponte através da

qual nós - adultos de todas as idades - tentamos ligar as infâncias despreocupadas

que lembramos com a maturidade nem sempre tão divertida na qual agora nos

encontramos.

7 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 52.

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“Entretanto, a Volta ao Passado tem seu lado negativo: um medo do consumidor com relação às verdadeiras ameaças a um futuro seguro e próspero. A assustada criança dentro do adulto não pode prometer aos próprios filhos que o mundo no qual crescerão será próspero e cheio de esperança. A assustada criança dentro do adulto não pode prometer aos seus pais envelhecendo que será saudável, rica e esperta o suficiente para cuidar deles, apropriada e carinhosamente. E a assustada criança dentro do adulto preocupa-se com a própria velhice.” 8

A oportunidade deve ser encontrada em quase qualquer coisa que faça a

pessoa sentir-se melhor, rir, se divertir, sentir-se criança.

O certo é que essa geração envelhecerá em grande estilo, encarando o

envelhecimento e a forma como envelhecer com mais energia do que qualquer outra

geração anterior.

E gastará mais dinheiro do que nunca para conseguir isso.

8 Ibid., p. 55.

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1.1.7. TENDÊNCIA 7:

- Uma Nova Qualidade de Vida -

Hoje em dia estamos seguindo uma busca mais ampla; não apenas de

uma vida melhor, mas de uma vida melhor, mais feliz e maior. De alguma forma, em

algum lugar, alguém tem a resposta à prevenção das doenças, do envelhecimento,

da morte em si.

O medo da doença é uma fobia coletiva na nossa cultura - e somos

metralhados com informações que fazem com que pareça relativamente bem

fundada. Embora desejemos longevidade, estamos todos relativamente cientes de

que, quanto mais vivermos, mais disponíveis estaremos para ser aniquilados pelos

assassinos horrorosos de hoje.

“O que acreditamos agora, pelo menos no nosso íntimo, é que a doença

não é resultado de algum infeliz golpe do destino ou genética, mas muitas vezes de

como escolhemos viver nossas vidas. O que comemos, se nos exercitamos, se

controlamos o estresse, onde escolhemos viver, o que escolhemos fazer...” 9

Tudo isso se resume numa nova forma de encarar a saúde - a forma

como vivemos nossas vidas e a forma como encaramos nossas mortes. A força

propulsora por trás dessa tendência é uma percepção coletiva de que todos, no final

das contas, devem se cuidar. Ninguém fará isso por você.

Os alimentos obtidos através da engenharia, visando à saúde, será o

futuro. Já estamos vendo modificações impressionantes: não apenas na indústria de

alimentos com menos calorias, mas também novas grandes combinações. “O

conhecimento e as alternativas médicas cruzarão as fronteiras culturais de uma

forma nunca vista. A homeopatia, a reflexologia, a acupuntura, o biofeedback e a

medicina holística passarão das margens para o centro da medicina.”10

9 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 58. 10 Ibid., p. 62.

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Cada vez mais, veremos que o verdadeiro significado da vida é melhorar

a qualidade da vida em si - e a vida, obviamente, começa nos nossos próprios

corpos.

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1.1.8. TENDÊNCIA 8:

- Consumidor Vigilante -

Essa tendência, que já se faz presente, é uma das mais importantes ao

estudo que se dedica a presente monografia: os limites às benesses concedidas ao

consumidor pela Lei 8.078/90, ao permitir que se inverta o ônus da prova nas

alegações feitas pelos próprios consumidores.

O consumidor está revidando. Ele está deixando de ser passivo nas

relações comerciais. Vimos essa tendência aproximando-se. Era inevitável: a

Geração do Protesto atinge a maioridade. “Confrontados diariamente com qualidade

inferior, irresponsabilidades e falsas verdades, os consumidores levantam a

bandeira do protesto contra a ‘imoralidade do marketing’” 11.

Iniciou-se o estudo desse novo comportamento do consumidor no final da

década de 70 e início da de 80. Naquela época, a questão girava unicamente em

torno da qualidade do produto. Vimos uma mudança no comportamento de compra:

comprar menos, mas melhor. Os consumidores passaram a investigar eles mesmos

os produtos, pesquisando a qualidade antes de escolher.

Após alguns anos, esse consumo trabalhoso começou a gerar

ressentimento. “Por que todos os produtos não podem ser tão bons quanto dizem?”,

“Por que tenho que ficar sempre em guarda enquanto consumidor?”.

11 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 63.

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O “x” da questão deixou de ser Qualidade e passou a ser Ética. “A voz

coletiva dos consumidores começou a anunciar às empresas americanas: ‘Ei, você

aí! Não minta! Não engane! Não roube!’” 12. E aqui repousa a lição crucial da

tendência do Consumidor Vigilante:

“Não é o erro que a empresa faz que o consumidor ache imperdoável,

mas como a empresa reage à descoberta do erro”.

No âmago da tendência do Consumidor Vigilante encontra-se o desejo de

que as empresas pudessem ser de certa forma mais humanas. Os consumidores

estão dispostos, até mesmo ansiosos, a dizer “todos erram... afinal de contas, errar

é humano” - se, na verdade, a empresa reagir assim. Não se trata de “o que

aconteceu”, mas se você vai consertá-lo ou não - de forma rápida, responsável e

honesta.

12 Ibid., p. 65.

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1.1.9. TENDÊNCIA 9:

- Readquirir o Tempo -

A velocidade da tecnologia nos traz os fatos da vida mais rápido do que

podemos assimilá-los. E a tecnologia da informação não faz apenas com que a

informação nos seja imediatamente acessível a qualquer momento - também nos

torna acessíveis à informação. Estamos, na maioria do tempo, “na linha”. Não há

para onde correr, onde esconder.

Portanto, qual é o antídoto ao estresse dessa situação? É o Isolamento, o

Consumismo como Escape, as Pequenas Regalias, Mudar Radicalmente ou a

salvação feita pela Reaquisição do Tempo, que é chamada de Agilização. “Não

queremos qualquer coisa mais. Agora queremos menos. Cada vez mais menos. ‘Dê-

me menos opções, muito menos opções. Torne minha vida mais fácil. Ajude-me a

fazer o máximo do meu bem mais valioso - os minutos da minha vida’” 13.

As pessoas estão cortando refeições e comendo roscas correndo. Até

mesmo as refeições para as quais nos reunimos, nos sentamos, são preparadas

rapidamente de uma forma ou de outra: em 1987 nos Estados Unidos, o forno de

microondas já tinha ultrapassado a lava-louças como o eletrodoméstico de cozinha

mais comum (quem é que usa pratos quando está beliscando?).

A lição para todos na reaquisição do tempo? Edite. Corte. Reduza.

Simplifique. Agilize.

Não tanto para que possamos todos viver ainda mais rápido (colocando

mais e mais em um só dia), mas para que possamos viver mais desaceleradamente

de novo. Realizações sem exaustão. Feitos com menos estresse.

O que realmente queremos é readquirir o tempo.

13 POPCORN, Faith, O Relatório Popcorn, p. 75.

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1.1.10. TENDÊNCIA 10:

- Nova Preocupação Social -

“Para entender uma sociedade, aprenda sobre ela como se fosse uma

criança: o condicionamento dos primeiros anos, a escola, as regras de conduta, as

lições básicas da infância. Para entender o futuro de uma sociedade, ouça as

perguntas que então as crianças farão.” 14

Veja as preocupações das crianças hoje em dia. É uma geração chamada

de crianças sobreviventes - pois sobreviver é sua principal preocupação. Uma

criança que não pode sair à rua para brincar devido à violência.

O que é exatamente essa Tendência? É qualquer esforço que contribua

para tornar essa década a primeira realmente responsável em termos sociais: a

Década da Decência, dedicada aos três E´s críticos: Ecologia, Educação e Ética.

“São os consumidores agindo individualmente para limpar os próprios

atos - mas, acima de tudo, é reconhecer que só a ação individual não basta.

Queremos que alguém assuma o controle. O problema é realmente muito grande

para ser resolvido por um único salvador.” 15 A consciência da necessidade de salvar

a sociedade nunca esteve tão alta.

Uma boa notícia: a batalha já está acontecendo. Talvez não seja um

verdadeiro maremoto em termos de esforços em massa, mas a ação coletiva é

suficiente para inspirar o otimismo. Os fundamentos ambientais estão, finalmente,

começando a ser percebidos pelo que são: fundamentos.

14 Ibid., p. 79. 15 Ibid., p. 80.

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1.1.11. TENDÊNCIA 11:

- Queda da Fertilidade Brasileira -

Uma questão importante é saber se haverá renda disponível para

sustentar o novo ciclo de crescimento esperado no Brasil, já que não existe

crescimento sem consumo. “De nada adianta investir bilhões de dólares na

economia brasileira se a população não tiver renda para girar a riqueza produzida.

Se olharmos com atenção alguns indicadores nesse campo, veremos que há boas

perspectivas em relação ao poder de compra do brasileiro”. 16

Um dos aspectos positivos está nas mudanças ocorridas no perfil da

população. Nas décadas de 1970 e 1980, a família brasileira passa a controlar o seu

tamanho, o que provoca um contínuo declínio na taxa de fertilidade. Segundo dados

do IBGE, dos 6,2 filhos por mulher, em 1960, passamos para 4,5 no início da década

de 70, para 3,0 no início da década de 1990, e terminamos o século em 2,38 filhos

por mulher. Nesse patamar, estamos um pouco acima da taxa média dos países

europeus, que é de 1,8 filhos por mulher.

16 KANITZ, Stephen Charles. O Brasil Que Dá Certo, p. 62.

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1.1.12. TENDÊNCIA 12:

Jovens Nascidos nas Capitais com Boa Formação vão para o Interior:

é a Reversão do Êxodo Rural -

Entre todas as transformações socioeconômicas ocorridas no período

recessivo da década de 1980, a mais fascinante de todas é a volta da economia

brasileira para o interior do país.

No decorrer de 200 anos, o Brasil habituou-se a contar histórias bem-

sucedidas de jovens, saídos do interior, atraídos para as capitais. Ótimo para eles,

péssimo para as cidades de origem que perdiam o seu elemento empreendedor e

péssimo para a distribuição de renda. “O que se assiste de forma acelerada na

década de 1990 são jovens nascidos de famílias estabelecidas nas capitais,

educados em conceituadas universidades, fazendo o caminho inverso, para o

interior. Junto eles levam dinheiro, talento e promissores negócios.” 17

“O Brasil já ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de franquias,

perdendo apenas para os Estados Unidos e para o Japão. De cada dez franquias

instaladas, nove acabam dando certo.” 18 A franquia traz um efeito fantástico no

desenvolvimento do espírito empreendedor. Dessa forma o empreendedor que vai

para o interior se sente amparado. A franquia formatada entrega o negócio com a

contabilidade organizada e as técnicas gerenciais estruturadas, permitindo ao

franqueado dedicar-se a questões-chave do negócio, como atrair, conquistar, manter

e ampliar a clientela.

“O interior não terá mais sua riqueza gerada exclusivamente no campo.”19

O aumento da produtividade causado por esse espírito empreendedor também

aumentará a renda nacional.

17 Ibid., p. 69. 18 Ibid., mesma página.. 19 Ibid., p. 70.

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1.2. TENDÊNCIAS ECONÔMICAS

O período de prosperidade vivido na década de 70 retornou. Tais

condições são semelhantes àquelas da década de 1970.

Após a análise das 12 Tendências Sociais e Culturais, veremos, em

seqüência, tendências (4) em relação ao aspecto econômico.

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1.2.1. TENDÊNCIA 13:

- A Volta às Precondições de Prosperidade da Década de 70 -

Uma melhor situação da economia brasileira nos anos 2000 indica um

novo ciclo de crescimento20:

• Juros internacionais baixos;

• Taxa de juros em 18,75% (em fevereiro) atraem recursos do

exterior para o Brasil. Risco - Brasil abaixo de 400 pontos.

• Capital externo na Bolsa de Valores, acumulado no ano, supera R$

2 bilhões. Trata-se de um valor superior a todo o ano 2004.

• Empresas com baixo endividamento prontas para um novo ciclo de

endividamento e crescimento;

• Empresas novamente rentáveis com capacidade de reinvestir 80%

dos seus lucros;

• Produção industrial fechou 2004 com crescimento de 8,3%;

• Enorme fluxo de capital estrangeiro via empréstimos bancários;

• Empresas com níveis de gerenciamento e qualidade no processo

de produção em situação bem melhor.

Essa previsão de crescimento já está acontecendo entre as 500 maiores

empresas brasileiras. A nossa imagem está mudando. Aliás, a classificação dos

investidores internacionais está criando uma situação mais propícia ao investimento

no Brasil.

Em 18 anos a indústria brasileira não verificava um desempenho tão

elevado. A expansão de 8,3% foi a maior desde o Plano Cruzado (1986) e foi

puxada por bens de consumo duráveis, bens de capital e exportações. Verificamos

que, apesar do arrocho monetário promovido pelo Banco Central desde setembro de

2004, a atividade econômica mantém resultados positivos.

20 KANITZ, Stephen Charles. O Brasil Que Dá Certo, p. 49.

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Segundo Silvio Sales, chefe de coordenação da Indústria do IBGE, o

padrão de crescimento ao longo do ano, impulsionado pela melhora das condições

de crédito, que alavancou os duráveis (automóveis, eletrodomésticos), começou a

mudar no final do ano, com melhor desempenho dos semiduráveis e não-duráveis

(alimentos, calçados), que dependem diretamente da renda líquida da população. 21

Há sinais de que o padrão de crescimento mudou, já que a desaceleração

(na expansão) está ocorrendo em áreas (bens de capital e duráveis) que lideraram a

expansão anterior, enquanto os bens não-duráveis passaram a ter papel mais

relevante na composição do crescimento. Os bens semi e não-duráveis registraram,

ante novembro, a maior expansão (3,4%) entre as quatro categorias de uso

pesquisadas pelo IBGE.22

Ainda segundo Sales, apesar da mudança na composição do crescimento

industrial no último trimestre, o crescimento foi observado ao longo do ano e não

apenas em determinados períodos. 26 dos 27 segmentos industriais pesquisados

registraram crescimento, com exceção do grupo de edição e impressão (-2,4%).

21 FARID, Jacqueline. Indústria tem melhor ano desde 86. Jornal O Estado de São Paulo. São Paulo: B1, 11/02/2005. 22 Ibid., mesma página.

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1.2.2. TENDÊNCIA 14:

- Novo Consumidor: Jovem Casal sem Filhos, com Renda para o Supérfluo -

Estes números indicam que o Brasil resolveu um dos seus mais sérios

problemas: o risco que se tinha no final da década de 1950 de uma explosão

populacional incontrolável.

O fenômeno recessivo de 1992 implantou no país um modelo familiar

antes limitado aos países do primeiro mundo, o jovem casal, no qual homem e

mulher trabalham fora, possuem renda superior aos casais mais velhos, adiam o

primeiro filho e tem mais dinheiro para gastar. 23

O ingresso maciço de mulheres no mercado de trabalho é outro fenômeno

social significativo ocorrido na década de 1970. O padrão tradicional da família

brasileira no qual só o homem sustentava a casa foi substituído pelo casal que

trabalha fora; a partir daí a mulher é uma nova e importante fonte de renda na

família.

23 KANITZ, Stephen Charles. O Brasil Que Dá Certo, p. 63.

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1.2.3. TENDÊNCIA 15:

- Alta da Bolsa de Valores Melhora o Bom Humor do Setor Empresarial -

Mais uma fonte de renda disponível na retomada do crescimento serão as

ações das Bolsas de Valores.

Estamos vivendo um novo período de euforia muito semelhante a 1971.

Naquele ano, as empresas aproveitaram o boom da Bolsa para abrir o seu capital

pela primeira vez; em conseqüência disso nós tivemos 10 anos de mau desempenho

no mercado acionário, à medida que uma empresa atrás da outra abriu 49% de seu

capital. 24

Dessa vez esse problema não se repetirá porque a maioria das empresas

já abriu 49% de seu capital, e como os empresários brasileiros gostam de manter o

controle de seu negócio, não entrarão mais papéis no mercado. O ritmo de busca de

recursos na Bolsa não será tão frenético quanto em 1971, porque as empresas

brasileiras estão muito pouco endividadas, o que afasta a necessidade de aporte de

capital. 25 Nesse cenário é fácil prever vários anos de crescimento e bom

desempenho nos papéis da Bolsa favorecendo a realização de lucros para muitos

investidores que certamente canalizarão parte dos seus ganhos para o consumo.

A alta da Bolsa melhora o bom humor do setor empresarial e acaba

contagiando todo o mundo dos negócios. Os bons negócios com ações estão de

volta e vão melhorar ainda mais com a retomada da economia. Uma ação é cotada

por apenas cinco vezes o seu lucro médio anual, enquanto nos Estados Unidos essa

relação chega a vinte vezes.

24 Ibid., p. 66. 25 Ibid., mesma página.

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Some-se a isso o efeito positivo sobre a Bolsa do aumento do lucro das

empresas brasileiras gerado pelo crescimento da economia. Reunindo todos esses

pontos positivos que influem no desempenho do mercado de ações, a Bolsa tem

plenas condições de crescimento.

Lucro líquido (R$ bilhões)

2,062

5,489

3,166

0,658

9,381

13,181

.1999 .2000 .2001 .2002 .2003 .2004

Lucro líquido (R$ bilhões)

9,381

13,181

.2003 .2004

Receita líquida (R$ bilhões)

92,720

107,713

.2003 .2004

Lucro operacional (R$ bilhões)

16,585

22,734

.2003 .2004

Fonte: Economática Consultoria

O bom desempenho da economia brasileira em 2004 trouxe resultados

recordes para as empresas com ações na Bolsa de Valores (Bovespa). Dos 37

balanços divulgados até fevereiro de 2005, verifica-se que as empresas faturaram

R$ 107,71 bilhões e lucraram R$ 13,18 bilhões em 2004, significando um

crescimento de 16,2% e 40,5%, respectivamente. O lucro operacional (lucro apurado

antes de juros e impostos), também foi o maior da história e avançou 37,1%, para

R$ 22,73 bilhões.

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Participação das exportações no faturamento da indústria brasileira (%)

7,3

9,2

10,7

9,210,3

12,0

13,9

15,4

18,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

.199

0

.199

1

.199

2

.199

3

.199

4

.199

5

.199

6

.199

7

.199

8

.199

9

.200

0

.200

1

.200

2

.200

3

.200

4

Fonte: FUNCEX

Esse desempenho é resultado, dentre outros fatores, das exportações

que, em 2004, registraram um crescimento de 30% (somando US$ 96,4 bilhões –

recorde histórico). Apesar do recuo do dólar, as empresas foram beneficiadas pela

conquista de novos mercados no cenário internacional e pela valorização das

commodities (produtos sem valor agregado).

Dívida financeira (R$ bilhões)

49,451

42,654

.2003 .2004

Relação lucro operacional/ dívida

31,2%

53,3%

.2003 .2004

Fonte: Economática Consultoria

Outro fator foi a redução do endividamento das companhias. Entre

dezembro de 2003 e dezembro de 2004, os débitos caíram R$ 6,79 bilhões, de

R$ 49,451 bilhões para R$ 42,654 bilhões. Parte do recuo é explicada pela queda do

dólar.

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A combinação desse resultado com o aumento do lucro operacional

melhorou o índice que mede a capacidade das empresas de honrar compromissos.

A relação entre lucro operacional e dívida financeira aumentou de 31,2% (2003) para

53,3% (2004), ou seja, para cada R$ 100 de dívida, as empresas conseguem gerar

R$ 53,30 de lucro operacional, representando uma folga maior no caixa das

companhias.

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1.2.4. TENDÊNCIA 16:

- Mudança Estrutural da Economia -

O grande impulso na retomada do crescimento está vindo das novas

regiões industriais que estão surgindo na Bahia, Rio Grande do Sul, Ceará, Santa

Catarina, interior de Minas Gerais e de São Paulo, fora dos pólos tradicionais da

economia brasileira. 26

Uma das mudanças mais importantes é que a nossa economia está

deixando de ser voltada a produzir bens e serviços aos 10% mais ricos da

população. Esta era a filosofia da política econômica de substituição das

importações que vigorou na década de 1970. O Brasil passou a produzir produtos

que antes eram importados pela parcela mais rica da população, com um padrão

tecnológico e um grau de sofisticação bem distantes da realidade da maioria do

povo. Como muitas empresas eram multinacionais, convinha fabricar aqui o mesmo

produto que era feito na matriz.

O novo padrão industrial brasileiro será voltado às faixas de renda mais

baixas na pirâmide social, ou seja, aos produtos populares. O modelo de produzir e

vender aos 10% mais ricos não tem mais sucesso. 27

A nossa indústria precisa adequar a sua produção ao nível de renda do

país. Produtos menos sofisticados e mais condizentes com a nossa realidade.

Enfim, rever o produto e dele retirar sofisticações tecnológicas mais adequadas ao

consumidor de primeiro mundo, acostumado a um alto grau de obsolescência, que

leva a um contínuo lançamento de modelos cada vez mais evoluídos.

26 KANITZ, Stephen Charles. O Brasil Que Dá Certo, p. 73. 27 Ibid., p. 74.

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No Brasil, quase 90% da população brasileira ainda não possui o produto

básico. As sofisticações são dispensáveis na primeira compra. Um dos desafios

mais importantes para quem quiser entrar no mercado de produtos populares é a

relação custo-benefício entre preço e qualidade. Afinar esse dueto é fundamental

para evitar que um produto com um pouco mais de qualidade extrapole o preço

possível ao consumidor brasileiro.

As empresas brasileiras terão de rever ainda os seus canais de

distribuição. O shopping center com piso de mármore certamente colocará o produto

fora do alcance do consumidor médio. Não é somente dinheiro que falta à população

de baixa renda para comprar mais, o tempo é um fator importante para o

consumidor. Por isso, é incompreensível, por exemplo, o fato de não terem sido

previstos mais espaços para comércio junto às estações do metrô nas grandes

cidades, a exemplo do Shopping Metrô Tatuapé.

É fundamental evoluir do sistema tradicional de vendas em lojas e facilitar

o acesso do consumidor com novas formas de venda, como o telemarketing, as

compras por reembolso postal, por meio de catálogos, as lojas de fábrica que

barateiam os custos de distribuição, entre outras.

Precisamos rever rapidamente o modelo de produzir artigos sofisticados

para o primeiro mundo e explorar melhor o potencial de exportação ao padrão de

consumo de pessoas de baixa renda. As estatísticas mostram que, no ano 2000,

três quartos da população mundial são compostos de pessoas de baixa renda.

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2. O SURGIMENTO DO DIREITO DO CONSUMIDOR

2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS

Passemos, agora, a um estudo acerca do surgimento do direito do

consumidor.

O direito do consumidor é obra recente. Seu surgimento ocorreu na

segunda metade do século XX, mas a proteção do consumidor faz-se presente

desde a época do Código de Hammurabi (1728 a 1686 a.C. ou 1792 a 1750 a.C.).

O fundamento do Código era garantir a qualidade da prestação de

serviços ao consumidor. As penas eram severas. Por exemplo, condenavam à morte

por afogamento a taberneira que fraudava o peso da mercadoria.

Mas não foi o Código de Hammurabi o responsável pelo surgimento da

defesa dos consumidores. Isso se deu no final do século XIX e início do século XX

com a produção em massa e a padronização de mercadorias, ocasionada inclusive

pela Revolução Industrial (séc. XVIII). O consumismo nasceu do crescimento

resultante dessa Revolução face à implantação de indústrias provocando o

crescimento da burguesia e da classe operária, além do crescimento da oferta de

produtos que saíram de um processo artesanal para a produção em massa.

A Revolução Industrial resultou no êxodo rural e no crescimento da

população urbana como mão-de-obra utilizada nas fábricas. A grande demanda

resultou, por sua vez, no aumento da produção que foi substituindo o processo

artesanal por uma maior industrialização dos bens, de modo a equilibrar o mercado.

Ficavam para trás as pequenas relações entre comerciantes e comprador

(consumidor).

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Foi sob esse contexto de crescimento da indústria e do comércio que os

fornecedores, objetivando acompanhar o ritmo de crescimento, passaram a tornar

impessoais aquelas relações que até então eram bem próximas, como era o caso

dos armazéns de bairro onde todos se conheciam. Esses armazéns de bairro foram

substituídos pelos supermercados e se perdeu o contato direto com os proprietários

do comércio.

O desenvolvimento da tecnologia resultou nesse distanciamento entre a

figura do fornecedor e a do consumidor, trazendo conseqüências severas, sobretudo

quando da ocorrência de dano, uma vez que o consumidor via-se impotente para

fazer valer seus direitos. O acesso à justiça não era fácil e a prova do nexo causal

era quase sempre impossível.

Com a massificação das relações de consumo, o Estado precisou intervir

e, no final do século XIX e início do século XX, foram elaboradas nos Estados

Unidos, as primeiras leis de proteção dos consumidores.

Nesse período, apesar de existirem legislações esparsas garantindo o

direito do consumidor, estes somente foram definidos e reconhecidos a partir da

segunda metade do século XX, devido à expansão da massificação dos produtos em

decorrência do modelo capitalista, surgindo, assim, a preocupação do Estado no

controle das relações de consumo devido ao desequilíbrio entre o poder econômico

dos fornecedores frente aos consumidores.

Para muitos, o momento inaugural encontra no Presidente Kennedy sua

maior expressão, quando do envio de sua mensagem ao Congresso em 12 de

março de 1962, definindo os direitos dos consumidores com os fundamentos

seguintes:

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“Os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para o uso; promovidos e apresentados de maneira que permita ao consumidor fazer uma escolha satisfatória; que a voz do consumidor seja ouvida no processo de tomada de decisão governamental que determina o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado; tenha o consumidor o direito de ser informado sobre as condições de bens e serviços e ainda o direito a preços justos.”

Outro aspecto relevante do consumismo foi a mudança da orientação

empresarial, ocorrida em meados do século XX.

Na primeira metade do século predominava a orientação para a produção.

As empresas preocupavam-se apenas em produzir e disponibilizar seus produtos no

mercado. Os consumidores não dispunham de opções e acabavam adquirindo

aqueles produtos, mesmo que não tivessem uma qualidade a contento.

Três fatores resultaram num novo modelo de sociedade, a sociedade de

consumo, na segunda metade do século XX:

• Desenvolvimento econômico e tecnológico:

Sedimentado pelas modificações inseridas no contexto social, com o

advento da Revolução Industrial, e pela expansão da massificação dos produtos em

decorrência do modelo capitalista. Surge a preocupação do Estado no controle das

relações de consumo devido ao desequilíbrio entre o poder econômico dos

fornecedores frente aos consumidores.

O século XX foi marcado por uma grande evolução na indústria, comércio,

ciência e tecnologia.

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• Explosão demográfica.

Houve um crescente aumento da população mundial, acarretando a

necessidade de agilizar as relações de consumo que integram o dia-a-dia de todo

cidadão, de modo a permitir o atendimento das necessidades da população.

• Expansão da classe média.

O grau de complexidade resultante desse quadro fez com que se

ampliasse o desenvolvimento e a adoção de novas técnicas de criação, montagem e

melhoria dos produtos e serviços, uma vez que a sociedade tornava-se cada vez

mais exigente e envolta num consumismo e num ambiente concorrencial maior. As

empresas se voltavam, agora, à orientação para o mercado, por uma questão de

sobrevivência (caso contrário seriam ultrapassadas pelas concorrentes).

Surgia, então, a terceira geração de direitos do ser humano: a proteção

dos interesses difusos e coletivos:

• 1ª Geração � direitos individuais

• 2ª Geração � direitos sociais

• 3ª Geração � direitos difusos e coletivos

Essa preocupação em garantir os direitos dos consumidores revela, por

parte dos processos de integração econômica, que a finalidade é o crescimento da

produção através da facilitação da circulação de mercadorias e dos serviços.

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2.2. A CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO

As relações de consumo têm sua origem estritamente ligada às

transações de natureza comercial e ao comércio propriamente dito.

No entanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de

consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais,

necessários para se identificar tal relação: Consumidor e Fornecedor.

Consumidor, nos termos do art. 2º da lei 8.078/90, é toda pessoa física ou

jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.

Por sua vez, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou

privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,

transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos

ou prestação de serviços (art. 4º).

Como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do

Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se

tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos

distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em

outro.

Através de uma simples análise, fica claro que os conceitos de

consumidor e fornecedor são muito amplos e trazem consigo muitas dúvidas acerca

da sua definição e utilização.

A dúvida mais importante que surge no que diz respeito à definição de

consumidor é com relação à palavra destinatário final, de suma importância para se

determinar essa figura.

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Destinatário final é aquela pessoa física ou jurídica que adquire ou se

utiliza de produtos ou serviços em benefício próprio. Portanto, é aquele que busca a

satisfação de suas necessidades através de um produto ou serviço, sem ter o

interesse de repassar este serviço ou produto a terceiros.

Caso o produto ou serviço seja repassado a terceiros, mediante

remuneração, inexiste a figura do consumidor e surge imediatamente a do

fornecedor.

É importante ressaltar que as pessoas jurídicas também podem se

enquadrar como consumidores, desde que adquiram produtos ou serviços como

destinatários finais.

Depois de identificadas as duas partes essenciais de uma relação de

consumo, que surgem dentro de um negócio jurídico, cabe aferir se existe uma

relação entre essas partes.

Verificada uma relação jurídica entre as partes e existindo o fornecedor de

um lado e consumidor do outro, está perfeitamente configurada uma relação de

consumo. O fornecedor não precisa ser necessariamente uma pessoa jurídica, já

que o texto legal traz a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender

assim por uma interpretação latu sensu, de que também figuram como fornecedores

aqueles que praticam atividades definidas em lei como fornecedor, podendo ser

definidos como tais as pessoas que atuam na economia informal, autônomos, etc...

Os entes de direito público que prestam serviços essenciais à sociedade

como serviços de fornecimento de água, luz e esgoto também se enquadram na

figura de fornecedores com base no art. 3º da lei 8.078/90.

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Portanto, resta claro que a importância de se identificar uma relação de

consumo dentro de um negócio jurídico está no fato de poder se estabelecer com

precisão a competência para a incidência do Código de Defesa do Consumidor para

dirimir os conflitos, pois, se configurada tal relação, o consumidor poderá

experimentar todas as vantagens relativas à sua aplicação.

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2.3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO BRASIL

A partir de 1985, com o retorno ao Estado Democrático de Direito no

Brasil, viabilizou-se em 1988, a promulgação da nova Constituição, a qual introduziu

uma série de inovações para a proteção e defesa do consumidor, conforme se

verifica no art. 5°, XXXII e art. 170, V da CF/88:

“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

...

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

...

V – defesa do consumidor...”

O art. 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, também trata do

assunto:

“Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da

Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”.

Na seqüência, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078) surge em

11 de Setembro de 1990, apresentando conceitos como adoção da responsabilidade

objetiva, desconsideração da personalidade jurídica e a inversão do ônus da prova.

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Trata o consumidor como parte fraca e vulnerável perante os

fornecedores, reconhece sua hipossuficiência. O Código de Defesa do Consumidor

brasileiro é um dos mais modernos e atualizados diplomas legais do mundo nessa

área, representando um pioneirismo, posteriormente acompanhado por outros

países.

Promover a consolidação negocial é, antes de tudo, um dever para as

partes envolvidas nas relações de consumo, muitas vezes diante de interesses

difusos, que devem ser sistematizados dentro de um padrão lógico através do direito

positivo (os códigos), ocorrência esta que prova a existência de uma maturidade

operacional.

Para Luiz Antônio Rizzatto Nunes , a Lei n. 8.078 é uma norma de ordem

pública e de interesse social, geral e principiológica, e que prevalece sobre todas as

demais normas específicas anteriores que com ela colidirem.

Vale ressaltar que toda norma de ordem pública é inderrogável por

vontade das partes na relação de consumo, embora possa haver livre disposição de

alguns interesses de caráter patrimonial.

Devido ao fato do Código de Defesa do Consumidor determinar, em seu

art. 90, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e da Lei da Ação Civil

Pública naquilo que não contrariar as suas disposições, é interessante, salientar que

o CDC e a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) interagem e se complementam

mutuamente.

O sistema legal, portanto, estabelece uma interligação entre as leis.

Arruda Alvim faz uma observação importante em relação a

complementaridade entre o CDC, o CPC e a Lei n. 7.347/85:

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“Havendo possibilidade de se aplicar o Código de Processo Civil ou a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, esta terá preferência, pois a analogia é a mais próxima entre esta lei e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. É neste sentido que se há de interpretar o significado e a função da analogia, a que se refere o art. 4° da Lei de Introdução ao Código Civil”.

A proximidade a que fazemos referência faz-se presente no art. 1°, inciso

II da mencionada Lei, ao fazer menção à responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados ao consumidor.

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2.4. PRINCÍPIOS DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

2.4.1. Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor

Este princípio atua como elemento informador da Política Nacional das

Relações de Consumo, e é tido como o núcleo base de onde se irradia todos os

outros princípios informadores do sistema consubstanciado no Código de Defesa do

Consumidor.

Isto acontece, a partir do momento em que se examina a cadeia

consumerista, ao perceber que o consumidor é o elemento mais fraco dela, por não

dispor do controle sobre a produção dos produtos, consequentemente acaba se

submetendo ao poder dos detentores destes.

Com precisão, Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin (1991, p.

224-225) demonstra a diferença entre a vulnerabilidade e hipossuficiência:

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou

pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é

marca pessoal, limitada a alguns - até mesmo a uma coletividade - mas nunca a

todos os consumidores.

Diante disso temos que, numa hipotética situação, determinado médico

neurocirurgião de grandes títulos durante a carreira, ao levar um automóvel seu

numa oficina mecânica para a realização de reparos no veículo, pode ser

considerado vulnerável frente ao fornecedor (neste caso, a oficina mecânica

prestadora do serviço), por não conhecer nada a respeito de mecânica de motores

automotivos.

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2.4.2. Princípio do Dever Governamental

Este princípio, elencado nos incisos II, VI e VII do art. 4° do Código de

Defesa do Consumidor, dever ser compreendido sob dois principais aspectos.

O primeiro é o da responsabilidade atribuída ao Estado, enquanto sujeito

máximo organizador da sociedade, ao prover o consumidor, seja ele pessoa jurídica

ou pessoa física, dos mecanismos suficientes que proporcionam a sua efetiva

proteção, seja através da iniciativa direta do Estado (art. 4°, II, b) ou até mesmo de

fornecedores, dos mais diversos setores e interesses nas relações consumeristas.

O segundo aspecto é o enfoque sob o "princípio do dever governamental",

em que é dever do próprio Estado de promover continuadamente a "racionalização e

melhoria dos serviços públicos" (art. 4°, VIII), ao surgir aqui a figura do Estado-

fornecedor além de suas eventuais responsabilidades.

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2.4.3. Princípio da Garantia da Adequação (Art. 4°, II, d e V)

É o princípio que emana a necessidade da adequação dos produtos e

serviços ao binômio qualidade/segurança.

Atende completamente aos objetivos da Política Nacional das Relações

de Consumo, elencado no caput do art. 4°. Este consistente no atendimento dos

eventuais problemas dos consumidores, no que diz respeito à sua dignidade, saúde

e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua

qualidade de vida.

A concretização desse princípio fica a cargo do fornecedor que será

oficialmente auxiliado pelo Estado, a quem está incumbido o dever de fiscalização,

que é uma outra atribuição do "princípio de dever governamental".

Preocupadas com tais aspectos, várias empresas, têm criado os

conhecidos "departamentos de atendimento ao consumidor".

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2.4.4. Princípio da Boa-Fé nas Relações de Consumo

Este princípio nas relações de consumo, que traz uma carga significativa

de regra geral de comportamento, está expressamente referido no inciso III, do art.

4°, e, de certa maneira, encontra-se difundido em grande parte dos dispositivos do

Código do Consumidor, desde a instituição de seus direitos básicos (art. 6°),

percorrendo pelo capitulo referente à reparação por danos pelo fato do produto, e,

orientando basicamente os capítulos referentes às práticas comerciais, a

publicidade, e a proteção contratual, merecedora de especial destaque de acordo

com o inciso IV do art. 51 do Código do Consumidor, que considera nulas de pleno

direito cláusulas contratuais que "sejam incompatíveis com a boa-fé e eqüidade".

A harmonia das relações de consumo e a transparência, indicadas no

caput do art. 4° como um dos escopos da Política Nacional das Relações de

Consumo, serão o resultado da conduta geral da boa-fé, que deve ser buscada

pelos dois pólos componentes das relações de consumo: consumidor e fornecedor,

mesmo que ocupem posições antagônicas frente ao conflito de seus interesses.

Nesse sentido, os componentes da relação consumerista devem buscar o

objetivo comum de melhor e com mais eficiência, fazer circular produtos e serviços

com objetivo da geração de riquezas e benefícios a todos os integrantes do mercado

de consumo.

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2.4.5. Princípio da Informação (Art. 4°, IV e VIII)

O direito à informação existe para que o consumidor tenha condições de

analisar previamente se produto ou serviço é o adequado às suas necessidades,

uma vez que ele não deve ser levado a uma compra que não lhe sirva aos seus

propósitos.

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2.4.6. Princípio de Acesso à Justiça

Apesar de este Princípio já estar expresso no art. 5°, XXXV da CF, ele

não se encontra no art. 4° do CDC. Entretanto, o próprio legislador criou diversos

mecanismos de acesso à justiça.

A necessidade de se dar efetividade ao processo, e facilitação ao acesso

à justiça, demandou que se fortalecesse o consumidor, ao inseri-lo numa ordem

mais ampla a partir do instante em que se construiu mecanismos processuais que

davam tratamento coletivo de pretensões individuais.

E por mencionar o "tratamento coletivo", destaca-se brevemente as ações

coletivas de modo geral, que visam a tutela dos interesses difusos (art. 81 § único,

inc. I do CDC), interesses coletivos (art. 81, § único, inc. II do CDC) e os interesses

individuais homogêneos de origem comum (art. 81, § único, III do CDC).

Em que o princípio do acesso à justiça não se encontra expresso no art.

4° do CDC, mas está exposto por outras normas também do CDC. Como exemplo,

vide o art. 6° inc. VII

“... o acesso aos órgãos judiciários e administrativo com vistas à

prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou

difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;"

Outro exemplo está no Título III do CDC (defesa do consumidor em juízo),

ao oferecer a oportunidade de fazer valer seus interesses mediante a ação de

órgãos e entidades com legitimidade processual para tanto. Também é possível

intentar ação de natureza individual.

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2.5. DIREITO COMPARADO

A grande necessidade de se proteger o consumidor resultou em situações

específicas e em diferentes aspectos nos diversos países do mundo.

Nos Estados Unidos da América, o presidente Kennedy, em seu

discurso proferido em 15/03/1962, definiu quatro direitos fundamentais: o direito à

segurança, à informação, à escolha e o direito de ser ouvido. O consumidor

americano passou a ter meios legais para viabilizar a garantia de seus direitos.

Na França, com a lei de 01/08/1905, já existia legislação protegendo os

consumidores contra fraude ou falsificação de alimentos. Em 1963, surgiu a lei

contra a publicidade enganosa, e, em1973, foi dada a autorização para que as

associações de consumidores ingressassem com ação civil.

Na Inglaterra, em 1932, a jurisprudência começou a se orientar no

sentido de inverter o ônus da prova nos casos de responsabilidade civil do produtor.

Na Itália, a jurisprudência também se orientou no sentido de inverter o

ônus da prova.

Em Portugal, a proteção do consumidor ocorreu partindo de decretos-lei

que regulavam áreas específicas.

Alguns países como a Suécia (1971), Noruega (1972), Dinamarca

(1974) e a Finlândia (por volta de 1945), instituíram a figura do Ombudsman para

atender reclamações de consumidores, visando solucionar conflitos provenientes de

relações de consumo.

No Canadá, em 1976, surgiu a Lei de Investigação Antimonopólio,

visando proteger os cidadãos de eventuais perdas e danos.

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Nesse mesmo contexto, a Comissão de Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas, em 1973, reconheceu como direitos universais e

fundamentais do consumidor os já declarados pelo presidente Kennedy. Em 1985, a

Assembléia Geral das Nações Unidas adotou normas protetivas do consumidor

instituídas pela Resolução 39/248, a saber:

• Segurança física do consumidor;

• Promoção e proteção de interesses econômicos do consumidor;

• Padrões para a segurança e qualidade dos serviços e bens do

consumidor;

• Meios de distribuição de bens e serviços essenciais para o

consumidor;

• Medidas que permitam ao consumidor obter ressarcimento;

• Programa de informação e educação do consumidor;

• Medidas referentes a áreas específicas (alimentos, água,

medicamentos); e,

• Cooperação internacional.

Foi em virtude dessa movimentação mundial que a nossa legislação

passou a desenvolver, na forma de leis esparsas, meios de se coibir os abusos.

Mesmo assim, os consumidores ainda ficavam em desvantagem, uma vez que

inexistia previsão para o direito coletivo e nem para o direito difuso, sendo que todas

as normas tinham caráter individual. As normas protetivas do consumidor

consistiam, antes da promulgação da Lei 8.078/90, nas leis esparsas e nos Códigos

Civil, Penal e Comercial.

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3. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

3.1. Conceito de Prova

Conforme os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, “Todos os

pretensos direitos subjetivos que podem figurar nos litígios a serem solucionados

pelo processo se originam de fatos (ex facto ius oritur). Por isso, o autor, quando

propõe a ação, e o réu, quando oferece sua resposta, hão de invocar fatos com que

procurem justificar a pretensão de um e a resistência do outro.” 28.

Prova é verificação e a demonstração de fatos; são afirmações que se

referem a fatos. Trata-se de uma operação lógica que, convincentemente, leva a

inteligência ao conhecimento da verdade de uma proposição alegada em juízo,

determinante da convicção ou do convencimento do magistrado.

A origem da palavra prova vem do latim probatio, que deriva do verbo

probare, o qual significa provar, verificar.

O juiz não tem a função de averiguar e ir à busca dos fatos, pois essa, a

princípio, é a função das partes. A palavra “averiguar” significa buscar os fatos e

investigá-los. Entretanto, isso não significa que o juiz seja uma figura estática no

processo. “Ao juiz é dada a faculdade, que se refere aos meios de prova, para

determinar a produção de determinada prova, e, indeferindo as diligências que

entender inúteis ou protelatórias (art. 130 do CPC), a fim de esclarecer dúvidas que

dificultem seu convencimento”. 29 Afinal, é o juiz quem preside o processo e, dessa

forma, ele passa a ter uma função ativa ao determinar as provas que seriam

convenientes à solução da lide.

28 Curso de Direito Processual Civil, 39ª ed., v. I, p. 375. 29 NOGUEIRA, Tania Lis Tizzoni. A prova no direito do consumidor. Curitiba: Ed. Juruá, 1998, p. 76.

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“As provas são obtidas através de fontes e meios” 30, os quais são

distintos. As fontes já existem antes do processo. São aquelas que atestaram, à

época dos fatos, o que se alega numa ação judicial. Os meios de prova, por sua vez,

existem no processo, estão inseridos nele. Portanto, são posteriores à propositura

da demanda.

O objetivo da prova é chegar à verdade por meio de esclarecimentos e

verificações. Mais do que um simples ato processual, a prova é uma garantia do

direito de defesa.

Entretanto, a doutrina divide-se a respeito da natureza das provas, no que

se refere à norma relativa ao ônus da prova. A maioria afirma ser norma de Direito

Processual. Vejamos algumas posições a respeito:

O Prof. Arruda Alvim afirma que “A prova é um dos capítulos do Direito

Processual”, não concordando que as normas a respeito das provas pertençam

exclusivamente ao Direito Material, sob a fundamentação de que o objetivo não é

convencer a parte contrária, mas sim o juiz. Ele justifica a sua posição alegando que

à exceção do tema relativo às provas legais que vêm explicitadas nos códigos de

Direito Material, as demais normas que regulam o assunto são de natureza

processual. Diz ainda que, por estarem as provas legais reguladas pelo Direito

Material e com repercussão no processo, este tema pertenceria à Teoria Geral do

Direito. 31

O Prof. Moacyr Amaral Santos fala da existência de cinco correntes: a dos

que entendem ser de Direito Material; a dos que atribuem natureza mista; a dos que

entendem ser de Direito Processual; a dos que entendem serem algumas normas de

Direito Material e outras de Direito Processual; e a dos que lhe conferem natureza

especial. Ele adota a corrente que classifica como sendo parte do Direito Material e

do Direito Processual.

30 SÁ DOS SANTOS, Sandra Aparecida. A inversão do ônus da prova como garantia constitucional do devido processo legal, p.55. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 31 Manual de Direito Processual Civil, vol. I, pp. 231/232.

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Para o Prof. Hermenegildo Souza Rego, “... excluindo-se as normas sobre

as presunções legais absolutas, sobre a forma ad solemnitatem e as que a pretexto

de cuidar de prova regulam o Direito Material, como é o caso do art. 350 do CPC, as

demais normas sobre provas são de Direito Processual, inclusive aquelas relativas a

institutos não processuais, mas que tem reflexo no aspecto processual.”

No que diz respeito aos tipos de ações em defesa do consumidor em

juízo, o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor admite todas as espécies de

ações. Neste aspecto, Rodolfo de Camargo Mancuso, explica que, “... as ações em

defesa do consumidor podem ser recepcionadas por qualquer dos processos

existentes: de conhecimento, de execução e cautelar...” 32.

Da mesma forma em relação ao procedimento, pois, em se tratando de

processo de conhecimento, as ações em defesa do consumidor seguirão o rito

ordinário, os demais tipos de processo seguirão o rito respectivo previsto no CPC,

desde que não contrarie alguma inovação do CDC. O que significa que onde o

sistema processual do CDC disponha de forma diferenciada ou incompatível com o

CPC, aplica-se o CDC. Um exemplo é o da prova da responsabilidade do

fornecedor, onde o código prevê a responsabilidade objetiva, segundo a qual a

configuração ocorre bastando-se a demonstração da ação ou omissão, do dano e do

nexo causal (não se faz necessária a culpa).

32 Manual do Consumidor em Juízo, p.

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3.2. Classificação da Prova

A doutrina oferece várias classificações de prova.

Para Framarino Malatesta, classifica-se quanto ao Objeto, quanto ao

Sujeito e quanto à Forma.

O Mestre Carnelutti classifica a prova quanto ao Sujeito, quanto ao

Objeto e quanto à Relação entre sujeito e objeto, subdividindo-a em Imediata e

Mediata.

O jurista inglês Bentham, classificou a prova em nove divisões:

1ª) Prova Pessoal e Prova Real;

2ª) Prova Direta e Prova Indireta;

3ª) Prova Pessoal Voluntária e Prova Pessoal Involuntária;

4ª) Prova por Depoimento e Prova por Documento;

5ª) Prova Literal Causal e Prova Literal Preconstituída;

6ª) Prova Independente e Prova Emprestada;

7ª) Prova Original e Prova Inoriginal;

8ª) Prova Perfeita e Prova Imperfeita; e,

9ª) Prova Inteira e Prova Mutilada ou Inferior.

O Prof. João Monteiro classifica a Prova em Propriamente Dita e

Presunções.

O Prof. Arruda Alvim classifica quanto ao Sujeito, quanto ao Objeto e

quanto à Forma.

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Segundo o Mestre Moacyr Amaral Santos, ao proceder a fusão das

quatro primeiras teorias, classifica a Prova quanto ao Sujeito (dividindo-se em

pessoal e real), quanto ao Objeto (dividindo-se em diretas ou históricas, e indiretas

ou críticas), e Quanto à Forma (dividindo-se em literais, testemunhais e materiais).

A doutrina ainda divide a prova em dois aspectos:

- Subjetivo: meio de demonstrar os fatos ao juiz.

- Objetivo: convicção que o juiz forma sobre os fatos.

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3.3. Conceito de Ônus da Prova

A origem da palavra “ônus” vem do latim ônus e significa carga, peso.

“Prova”, como vimos anteriormente, vem do latim probatio e significa provar,

verificar.

A maioria dos doutrinadores entende que a palavra ônus pertence à

Teoria Geral do Direito. Francesco Carnelutti, na obra Teoria Geral do Direito,

conceitua ônus como dever jurídico.

A expressão “ônus da prova” origina-se do latim ônus probandi e significa

o interesse de provar para atender o seu próprio interesse no processo; e, não o

fazendo, acarretará conseqüências negativas. Por outro lado, não significa

obrigação, pois o descumprimento de uma obrigação possibilitaria que outros

exigissem o cumprimento.

Segundo afirma Echandia, ônus da prova “é o poder ou faculdade de

executar livremente certos atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para

benefício e interesse próprios, sem sujeição nem coerção e sem que exista outro

sujeito que tenha o direito de exigir seu cumprimento, mas cuja inobservância

acarreta conseqüências desfavoráveis.” 33 Percebemos que o ônus é o responsável

pelas citadas “conseqüências negativas”.

É imprescindível a distinção entre ônus e obrigação. Em regra, a

obrigação está ligada ao direito material, onde requer uma conduta de

adimplemento, certo que a omissão do devedor poderá resultar na sua coerção para

que cumpra a obrigação. Já o ônus é uma faculdade que a parte tem, não se

sujeitando à coerção, mas aos efeitos que a passividade e a inércia resultarão.

33 ECHANDIA, Hernando Devis apud CIANCI, Mirna. A responsabilidade do Estado e o ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor sob o enfoque da teoria do risco administrativo, a.5, n.51.

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Para Arruda Alvim, outra distinção importante entre o ônus e obrigação "é

a circunstância de esta última ter um valor e poder, assim, ser convertida em

pecúnia, o que não ocorre no que tange ao ônus”. 34

Carnelutti estabeleceu a distinção entre ônus e direito de provar, onde,

"obrigação é o lado passivo a que corresponde do lado ativo um direito subjetivo.

Pode dizer-se que o direito subjetivo é um interesse protegido mediante um poder de

vontade concedido para a tutela de um interesse. Obtém-se a noção de obrigação

invertendo simplesmente a de direito subjetivo. É a obrigação um interesse

subordinado mediante um vínculo; ou em outros termos, um vínculo de vontade

imposto pela subordinação de um interesse". 35

Para PONTES DE MIRANDA, "a diferença entre dever e ônus está em

que (a) o dever é em relação a alguém, ainda que seja em sociedade; há relação

entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve; a satisfação é do interesse do sujeito

ativo; ao passo que (b) o ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre

sujeitos; satisfazer é do interesse do próprio onerado".

E complementa: "o ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes,

sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de provar, inclusive

quanto a negações. Uma vez que todos têm de provar, não há discriminação

subjetiva do ônus da prova. O ônus da prova, objetiva, regula conseqüência de se

não haver produzido prova. Em verdade, as regras sobre conseqüência da falta de

prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta a prova é que se tem de pensar

em determinar a quem se carrega a prova. O problema da carga ou ônus da prova é,

portanto, o de determinar a quem vão as conseqüências de se não provado; ao que

afirmou a existência do fato jurídico (e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-

afirmou (= negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do ato jurídico

afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu". 36

34 Manual de Direito Processual Civil, p. 476. 35 Diritto e Processo. Apud A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal, p. 66. 36 Tratado de Direito Privado. Vol. III, 2ª Ed.

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Já para Giuseppe Chiovenda, "(...) somente quando o autor trouxe provas

idôneas para demonstrar a existência do fato constitutivo de seu direito, tem o réu de

diligenciar, de seu lado, a sua prova. Mas, isto, a seu turno, pode ocorrer em dois

propósitos: a) ou o réu tende, somente como já foi dito, a provar fatos que provam a

inexistência do fato provado pelo autor, de modo direto ou indireto (e dizem-se

motivos) e temos daí a simples prova contrária ou contraprova; b) ou o réu, sem

excluir o fato provado pelo autor, afirma e prova a inexistência do fato que lhe elide

os efeitos jurídicos, e aí temos a verdadeira prova do réu, a prova da exceção. A

questão do ônus da prova reduz-se, portanto, no caso concreto, a estabelecer quais

os fatos considerados existentes pelo juiz devem bastar para induzi-lo a acolher a

demanda (constitutivos)". 37

37 Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II, p. 449.

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3.4. Inversão do Ônus da Prova

O princípio distributivo atinente ao ônus da prova tem base legal no

Código de Processo Civil. De acordo com esse sistema, incumbe ao autor a prova

da ação e, ao réu, da exceção. De modo mais simples, cada parte tem a faculdade

de produzir prova favorável às suas alegações, o denominado ônus da afirmação.

Resulta óbvio que nenhuma das partes será obrigada a (ou terá interesse

em) fazer prova contrária às suas alegações, a favor do demandante adverso,

ficando o tema restrito à seara da prova negativa quanto ao fato constitutivo.

A Lei 8.078/90, em seu artigo 6º, VIII, contém dispositivo que permite a

inversão do ônus da prova, desde que verificadas a verossimilhança do direito e a

condição de hipossuficiência do demandante. É importante ressaltar que é permitido

ao fornecedor contrariar a presunção de verossimilhança e a constatação da

hipossuficiência.

Entretanto, a simples condição de hipossuficiência não autorizaria, por si

só, essa modificação, uma vez que são necessárias evidências do nexo de

causalidade. Vale ressaltar que a inversão do ônus da prova decidida

exclusivamente no requisito da hipossuficiência pode acarretar situações

extremamente injustas, ao se imputar ao fornecedor uma sucumbência antecipada.

Um bom exemplo encontra-se nos ensinamentos de Rodrigo Xavier

Leonardo, em sua obra “Imposição e Inversão do Ônus da Prova” 38 . Suponhamos

que determinado fornecedor de alimentos (um sofisticado e caríssimo restaurante)

seja demandado por uma pessoa humilde que alega ter sofrido danos físicos e

emocionais provenientes da ingestão de uma refeição estragada no jantar da noite

passada. A despeito de não ser verossímil o consumo de alimentos, por uma pessoa

humilde, naquele restaurante, não se pode duvidar de eventual hipossuficiência do

consumidor em relação àquele fornecedor. 38 Op. cit., p. 272.

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Nesse caso, o deferimento da inversão do ônus da prova, com

fundamento na hipossuficiência do consumidor, poderia acarretar uma injusta

sucumbência antecipada do fornecedor.

Para Antonio Gidi, no tocante à verossimilhança, a alegação sempre tem

que ser verossímil. “A hipossuficiência do consumidor, de per se não respaldaria

uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é

destituído de um mínimo de racionalidade”. 39

O Código de Defesa do Consumidor apresenta, no art. 6°, VIII, uma

norma expressa sobre a inversão do ônus da prova:

Art. 6° São direitos básicos do consumidor:

...

VIII – a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da

prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a

alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências;

Portanto, num primeiro momento percebemos que é obrigatória a

presença de dois critérios.

O primeiro é a Verossimilhança, que segundo o dicionário Aurélio é “1.

semelhante à verdade; que parece verdadeiro; 2. que não repugna a verdade;

provável.” Isso seria uma circunstância obrigatória em toda ação, caso contrário

acarretaria indeferimento. Nesse sentido, é indispensável que do processo resulte

efetiva aparência de verdade material, sob pena de não ser acolhida a pretensão por

insuficiência de prova - o que equivale à ausência ou insuficiência de

verossimilhança. Não se exige a certeza da verdade, mas sim uma aparente

verdade demonstrada nas alegações do autor.

39 ECHANDIA, Hernando Devis apud CIANCI, Mirna. A responsabilidade do Estado e o ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor sob o enfoque da teoria do risco administrativo, a. 5, n. 51.

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O segundo é a Hipossuficiência e diz respeito à própria condição do

consumidor de ser vulnerável perante o fornecedor, no âmbito da produção de

provas. Isso diz respeito à falta de conhecimento técnico da atividade empresarial do

fornecedor e está ligada ao domínio de conhecimento técnico especializado que

desequilibra a relação de consumo e manifesta a posição de superioridade do

fornecedor em relação ao consumidor.

Segue jurisprudência sobre o assunto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO.

CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA -

PRESSUPOSTOS PRESENTES - AGRAVO DESPROVIDO. Os estabelecimentos

bancários como prestadores de serviços, estão submetidos às disposições do

código de defesa do consumidor. Assim evidenciada a hipossuficiência do agravado

em virtude do poderio técnico-econômico do banco agravante, bem como a

verossimilhança de suas alegações, é licita a inversão do ônus da prova, para que

se proceda no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor e

subordinado ao critério de prudente arbítrio do juiz. Improvimento do Agravo de

Instrumento (TJPR - AC 18947500 - 2ª C.Cível - Rel. Des. Sidney Mora - Julg.

13.03.2002).

É importante e imprescindível que o Autor prove através de fatos e

alegações subsistentes o seu direito, para que possa ser invertido o ônus da prova a

seu favor. Apenas alegações desprovidas de qualquer prova não são o suficiente

para que seja concedida a inversão do ônus da prova em favor do consumidor.

Neste sentido:

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CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CDC. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA NA

VERSÃO AUTORAL. PROVA DO PAGAMENTO INEXISTENTE. SENTENÇA DE

IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. Embora incidentes as regras do CDC, inaplica-se a

inversão do ônus da prova em favor do consumidor, quando sua versão é por

demais insubsistente, incrível e desprovida de qualquer prova a lhe dar algum

suporte, o que justifica a improcedência da postulação inicial. 2. A prova do

pagamento se faz consoante previsto nos arts. 939 e seguintes do Código Civil,

inadmitindo-se unicamente a mera assertiva verbal. 3. Recurso conhecido, com o

seu improvimento, mantendo-se íntegra a r. sentença recorrida.(TJDF - AC Nº

20020710013023 - 2ª T - Rel.Des. Benito Augusto Tiezzi - DJU 14.08.2002).

CONTRATO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ANULAÇÃO CUMULADA COM

DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS E RESSARCIMENTO DE

DANOS. Ajuizamento por consumidor. Autor induzido a erro, por meio de promessa

verbal, posteriormente não cumprida. Verossimilhança da alegação. Inversão do

ônus da prova. Art. 6°, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor. Evidência,

ademais, da conduta dolosa do representante do réu e da inidoneidade deste. Ação

procedente. Recurso provido. (TJSP, 16ª C. Civil, AC n° 249.967-2, j. em 14.2.95,

rel. des. Pereira Calças, m. v., JTJ-Lex 168/57-60).

Convém uma consideração sobre a parte final do inciso VIII do art. 6°.

O julgador, no momento de apreciação das provas e para alcançar a

certeza, poderá utilizar-se de regras de experiência. A regra de experiência é

processo lógico, baseado em fatos comuns, preexistentes e genéricos do

conhecimento humano, onde o julgador poderá presumir a verossimilhança da

existência de um direito alegado não provado, a partir do indício. A regra de

experiência surge da reiterada observação daquilo que normalmente acontece.

Com esse raciocínio lógico, poderá o juiz entender que um fato, apesar de

não comprovado, reveste-se de alta dose de probabilidade, se inexistir qualquer

prova do adversário que contrarie a presunção.

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Assim, ao se utilizar as regras de experiência, o juiz poderá aplicar de

modo diverso as regras do ônus da prova: por exemplo, as alegações do

demandante não foram por ele provadas, porém, segundo as regras de experiência,

são verossímeis e não foram contrariadas pelo adversário. Apesar de não se

desvencilhar de seu encargo em provar, o demandante não sofrerá a desvantagem

da incerteza do julgador, pois está a seu favor uma regra de experiência.

As regras de experiência somente são utilizadas se o juiz estiver em

dúvida sobre a realidade dos acontecimentos.

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3.5. Inversão do Ônus da Prova face à Publicidade Enganosa

O art. 38 do Código de Defesa do Consumidor trata da inversão do ônus

da prova face à publicidade enganosa, conforme segue:

Art. 38: O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou

comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Propaganda enganosa é aquela capaz de induzir em erro o consumidor a

respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem,

preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços (art. 37 § 1° do CDC).

Para Stephan Klaus Radloff, o ônus da veracidade e correção da

informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. “Nesse mister,

caberá ao fornecedor a obrigação de comprovar que a informação publicitária de seu

produto chegou ao consumidor, sem qualquer vício de origem ou distorção nas

características apresentadas”. 40

Francisco Cavalcanti afirma que “a previsão resulta, na prática, em

inversão do princípio previsto no Código de Processo Civil (art. 333) quanto ao ônus

da prova, e justifica-se como meio para alcançar a verdade real, pelo fato de ser,

aquele, detentor de fórmulas, dados, know how, referentes ao produto e serviço

objeto da comunicação ou da informação publicitária o mais habilitado para

comprovar”. 41

O fornecedor de serviços, antes de tudo, tem intenção de auferir lucro.

Caso contrário não haveria como perpetuar suas atividades. Assim como para

qualquer comerciante, aplica-se a teoria do risco onde deverá responder por ato

ilícito independentemente de culpa, como no caso da propaganda enganosa,

podendo para tanto distribuir tal responsabilidade.

40 A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, p. 70. 41 Comentários ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, p. 90.

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Deve-se levar em conta que a forma de aplicação do art. 38 do CDC

difere da forma do art. 6º. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem julgado no sentido

de que, ao contrário do previsto no inciso VIII do art. 6º do CDC, onde a facilitação

da defesa do direito do consumidor com a inversão do ônus da prova depende do

exclusivo critério do magistrado que, segundo as regras de experiência, deverá

verificar a verossimilhança das alegações e/ou a hipossuficiência do mesmo, na

hipótese contemplada no art. 38, a inversão do ônus da prova opera-se

automaticamente, sem que haja necessidade de uma fase pré-cognitiva de critério

subjetivo por parte do juiz (grifo nosso). 42

Para Stephan Klaus Radloff, é desnecessária a declaração taxativa no

despacho saneador de que caberá ao fornecedor o ônus da prova da veracidade e

correção da informação ou comunicação publicitária, pois havendo estabelecimento

da lide processual, antecipadamente e independentemente de qualquer

pronunciamento jurisdicional interlocutório ou definitivo, por norma legal cogente,

está o fornecedor obrigado a provar a obrigação contida no art. 38 da Lei n.º

8.078/90. 43 Segue o julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:

42 Tribunal de Justiça de São Paulo – Ap. Cível n.º 255.461-2, de 06.04.1995 – Rel. Aldo Magalhães. 43 A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, p. 75.

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CIVIL PROCESSO CIVIL. CDC. DEFEITO DE REPRESENTAÇÃO NÃO SANADO.

REVELIA. OFERTA EM ANÚNCIO DE JORNAL INTEGRA AS CONDIÇÕES DO

CONTRATO. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES. INVERSÃO DO ÔNUS DA

PROVA. FORNECEDOR QUE APENAS ALEGA, SEM NADA COMPROVAR.

PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. 1. constatado, no grau recursal, que quem

firmou a contestação foi outro advogado e não aquele constituído nos autos - o que

passou despercebido ao juiz sentenciante - e, intimada a ré, para sanar este defeito

de representação, não o faz, torna-se revel, aplicando-se os seus efeitos para que

sejam presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor em sua inicial. 2.

empresa fornecedora de produtos e serviços, do ramo de compra e venda de

automóveis, novos e usados, que anuncia, nos classificados de jornal, condições de

venda de determinado automóvel, está obrigada a vender o bem nas condições do

anúncio, segundo impõe a lei consumerista, em seu art. 30, onde prevê que as

condições da oferta integram o contrato a ser celebrado. 3. constatada a

verossimilhança das alegações do consumidor, inverte-se o ônus da prova,

mormente quando a fornecedora não contesta articuladamente os fatos da inicial,

limitando-se a alegar, sem nada comprovar. 4. recurso conhecido e provido, para

reformar a sentença monocrática, julgando procedente o pedido inicial. (TJDF - ACJ

nº 20010111219733 - 2ª T. - Rel. Des. Benito Augusto Tiezzi - DJU 06.09.2002).

PROVA – INVERSÃO DO ÔNUS – ADMISSIBILIDADE – HIPÓTESE DE

PROPAGANDA ENGANOSA – Inteligência do art. 38 do CDC – Inversão que não

depende da discricionariedade do juiz – Preliminar rejeitada – Recurso parcialmente

provido. O ônus da prova da veracidade e correção da informação publicitária cabe a

quem os patrocina, sendo independente sua atribuição da discricionariedade do juiz.

(Apelação Cível n. 255.461-2 – São Paulo – Relator: Aldo Magalhães – CCIV 9 –

v.u. – 06.04.95).

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4. LIMITES À INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Em regra, nas relações de consumo se aplicam as normas do Código de

Processo Civil a respeito do ônus da prova.

Há, entretanto, uma nova hipótese de distribuição prevista, conforme

vimos no art. 38 do CDC (no tocante à veracidade e incorreção publicitária). Essa

inversão ocorre automaticamente, não estando sujeita à discricionariedade do

magistrado.

A aludida discricionariedade encontra-se no art. 6°, inc. VIII do CDC, ao

mencionar a expressão “a critério do juiz” para se atestar a verossimilhança e a

hipossuficiência do consumidor. E é exatamente nesse ponto que ocorrem inúmeros

debates no meio forense (outro assunto que dá margem a entendimentos

conflitantes é o momento da sua inversão, ou seja, se deve ocorrer na fase

postulatória, saneadora ou na sentença).

Portanto, a inversão não é automática para todos os casos. Para que isso

ocorra é preciso a decisão do juiz nesse sentido, segundo as circunstâncias de cada

caso e as condições estabelecidas no art. 6°, inciso VIII.

No tocante a essas circunstâncias, o juiz considerará os fatos que

acabaram levando o consumidor ao processo.

Mas a aplicação objetiva da inversão do ônus da prova, em muitos casos,

prejudicará gravemente o fornecedor, uma vez que culminará em uma lesão a um

direito consagrado constitucionalmente como garantia fundamental, o contraditório e

a ampla defesa (art. 5º, LV, CF). Ocorre essa lesão no momento em que a prova

negativa é atribuída à empresa pela inversão do ônus da prova aplicada

objetivamente.

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Embora exista o Recurso de Agravo que permite ao fornecedor pleitear

uma reforma dessa decisão, entendemos existir limites para a inversão do ônus da

prova nas relações de consumo, perfazendo, juntamente com o determinado pela

legislação consumerista, os seguintes:

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4.1. Falta de Verossimilhança na Alegação

Convém, antecipadamente, compreendermos o conceito de

verossimilhança.

Para Rodrigo Xavier Leonardo, verossimilhança significa a “plausibilidade

da alegação das partes, de acordo com a observação do juiz do que costuma

acontecer, independentemente da existência de provas sobre o caso concreto”. 44

Podemos concluir, por conseguinte, que se trata da possibilidade de um

fato não provado ser verdadeiro.

A sua inexistência impede a inversão, nos termos do art. 6°, inciso VIII do

CDC. Mas vale ressaltar que não é necessária a certeza da verdade, basta a

aparência. Não havendo uma aparente verdade demonstrada nas alegações do

autor, comparadas com as regras de experiência, não será possível ensejar a

inversão.

Exemplo disso é revelado pela experiência internacional, revelando que

não é apenas o fornecedor que usa de artifícios engenhosos para fraudar o

consumidor. Há casos em que o consumidor faz argüições mentirosas ao

fornecedor, visando reparações pecuniárias indevidas. Isso justifica a conduta

cautelosa a ser tomada pelo juiz ao apreciar uma lide à égide do inciso VIII. 45

44 Imposição e inversão do ônus da prova, p. 275. 45 O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, p. 155.

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4.2. Ausência da Caracterização de Hipossuficiência do Consumidor

A suposição do legislador é a de que o consumidor hipossuficiente não

tem condições de suportar os gastos resultantes da atividade probatória, nos termos

do art. 2° § único da Lei 1.060/50 (Assistência Judiciária). Entretanto, a referida lei

limita a noção de hipossuficiência à uma idéia de desvantagem econômica.

Para uma melhor definição, partilhamos da idéia de que o consumidor é

hipossuficiente quando, “analisada as circunstâncias particulares de cada caso, for

perceptível uma sensível disparidade de condições técnicas, econômicas e, até

mesmo, intelectuais, para a produção de prova sobre os fatos pertinentes à relação

jurídica de consumo”. 46

Partilhamos, também, da lição de Aguiar Júnior47 ao afirmar que:

“A hipótese da hipossuficiência não corresponde apenas à idéia de pobreza e ocorrerá quando o consumidor não tiver condições pessoais de fazer a prova desejada, como nas seguintes hipóteses: a) na alegação de defeito de mecanismos de alta especialização ou da prestação de serviços de refinada sofisticação, assim nos programas de informática ou com produtos eletrônicos, frente aos quais o adquirente ou usuário está em nítida situação de inferioridade; isto é, ainda que seja pessoa abonada, na situação daquela relação de consumo, ela poderá ser considerada hipossuficiente; b) também o será quem não dispuser de recursos mínimos, ainda que se cuide de provar fatos corriqueiros.”

Além disso, como vimos, o fornecedor tem melhores condições de

produzir provas acerca de detalhes técnicos ligados à sua atividade.

46 Rodrigo Xavier Leonardo, Imposição e Inversão do Ônus da Prova, p. 278. 47 Aspectos do Código de Defesa do Consumidor. Ajuris, n. 52, a. XVIII, p. 168.

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Entretanto, defendemos a posição de que, se o consumidor tiver o

conhecimento técnico e intelectual especializado para a produção de prova sobre o

assunto, não se caracterizará a sua hipossuficiência. O mesmo raciocínio vale para

a hipótese da disponibilidade de recursos, de modo que o consumidor que dispuser

de recursos não se enquadrará como hipossuficiente.

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4.3. O Objeto Probatório não se Referir a Circunstâncias Técnicas, Científicas

ou Operacionais do Produto ou Serviço

Da mesma forma, o ônus da prova não deverá ser invertido se o seu

conteúdo não se referir a circunstâncias da produção do produto, uma vez que o

legislador partiu do pressuposto de que o fornecedor tem melhores condições de

produzir provas acerca de detalhes técnicos de um produto ou serviço ligado à sua

atividade.

Fora desse contexto técnico e científico, não haverá motivo para se

inverter o ônus da prova.

Sendo assim, tal dispositivo não se aplica em casos cujo objeto probatório

está desligado de circunstâncias técnicas, científicas ou operacionais do produto ou

serviço.

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4.4. Argüição de Fatos Absolutamente Impossíveis de se Provar

Os fatos que o consumidor invoca como causa de pedir devem ser

possíveis de se provar, caso contrário não poderá se valer dos mecanismos

processuais de inversão do ônus da prova para transferir ao fornecedor o encargo

de fazê-lo.

Dessa forma, se o consumidor acionar o fornecedor alegando fatos cujas

provas são impossíveis, “não ocorrerá a inversão do onus probandi, mas a

sucumbência inevitável da pretensão deduzida em juízo”.48

Para que a inversão se legitime, a prova deve ser possível, em tese, para

o fornecedor. Nesse sentido, a observação do mestre Antônio Gidi49 (grifo nosso):

“Não é suficiente, todavia, que o consumidor seja hipossuficiente e suas alegações sejam verossímeis para que a inversão se legitime. A prova há que ser possível, em tese, para o fornecedor, na qualidade de fornecedor. Com efeito, afrontaria o Princípio constitucional da isonomia a inversão pura e simples do ônus da prova em relação a todo e qualquer fato juridicamente relevante. Se o CDC o faz com legitimidade (constitucionalidade) é porque se fundamenta na hipossuficiência da parte mais fraca. Assim, inverte-se o ônus da prova em favor do consumidor porque ao fornecedor, detentor do conhecimento tecnológico, é mais fácil fazer (e, em muitos casos, somente a ele é possível a produção de prova). Apenas em relação a esse aspecto da falta de conhecimento é que há desigualdade entre o consumidor e o fornecedor no que diz respeito à atribuição do ônus da prova. Em relação a outros aspectos da dificuldade em produzir prova cabal de fatos constitutivos de seu direito, o consumidor não difere de nenhum outro autor em juízo. Assim, se está correto que a hipossuficiência do consumidor é relacionada com a falta de conhecimentos técnicos específicos da atividade do fornecedor, afigura-se de clareza meridiana que somente em relação a tais conhecimentos é legítima a inversão do ônus da prova. É preciso, como se vê, haver uma correlação racional entre a diferença que existe especificamente entre consumidor e fornecedor, é o efetivo benefício concedido pelo ordenamento. Caso contrário, a afronta ao princípio da igualdade das partes será manifesta.”

48 Radloff, Stephan Klaus, A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, p. 67. 49 In Revista “Direito do Consumidor”, n° 13, pp. 36 e 37.

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4.5. O Respeito aos Direitos Básicos do Consumidor, nos Termos do

art. 6° e seus Incisos do CDC

O CDC veio para coibir abusos nas relações de consumo, estabelecendo

a responsabilidade civil de forma mais abrangente e fazendo com que a reparação

do dano causado ao consumidor fosse dotada de indiscutível eficácia.

Entendemos que o respeito aos direitos insculpidos nos incisos do art. 6°

do CDC já são suficientes para revelar a obediência aos Princípios da

Transparência, da Boa-fé e da Confiança. Assim, não se justificaria penalizar o

fornecedor com a inversão do ônus probandi para além das situações já expostas.

Os direitos básicos do consumidor são os seguintes:

• Proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por praticas

no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

• A educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e

serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

• A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com

especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e

preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

• A proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comercias

coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou

impostas no fornecimento de produtos e serviços;

• A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações

desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as

tornem excessivamente onerosa;

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• A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,

coletivos e difusos;

• O acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou

reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,

assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

• A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da

prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a

alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiências;

• A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

• Dentre esses direitos, merece destaque o de ser informado sobre os diversos

aspectos da natureza da relação de consumo, de receber informações

verdadeiras e honestas, notadamente o que diz respeito ao caráter educativo

e didático da informação como um todo e da publicidade em particular.

• É de especial importância o consumidor ser informado sobre tudo o que tiver

relevância à sua decisão de compra, mormente para a defesa de sua

dignidade física e psíquica e de seu patrimônio.

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4.6. O Respeito ao Equilíbrio entre as Partes.

Qualquer que seja o tipo jurídico de relação de consumo, a base

principiológica do Código de Defesa do Consumidor é o equilíbrio entre as partes,

sempre tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor.

Entretanto, com as regras criadas para a facilitação da sua defesa, podem

surgir para o fornecedor certas ocasiões que dificultem a comprovação de

determinados fatos que não sejam referentes à natureza de sua atividade.

Se, por um lado, o Código de Defesa do Consumidor determina, em seu

art. 4°, inciso III, a harmonização entre os interesses do consumidor e a necessidade

de desenvolvimento econômico e tecnológico, sempre com base na boa-fé e no

equilíbrio entre consumidores e fornecedores, por outro lado este mesmo equilíbrio

há que ser respeitado de forma a evitar abusos contra o fornecedor. O que deve,

sem dúvida, ser um encargo para o fornecedor é a prova referente a características

técnicas, científicas ou operacionais.

Dessa forma, o magistrado deverá considerar, para a justa medida do

direito, a dosagem adequada de inversão do ônus da prova, de modo a evitar que a

outra parte da relação seja obrigada a fazer prova impossível, ou seja, que não

esteja ao seu alcance.

Conforme nos ensina Josimar Santos Rosa, “o equilíbrio perfeito não está

na quantidade de direitos e deveres que possam incidir sobre o fornecedor e o

consumidor, mas na qualidade requerida para o estabelecimento das relações de

consumo.”50(grifo nosso)

50 Relações de Consumo – A Defesa dos Interesses de Consumidores e Fornecedores, p. 99.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante a análise depreendida deste trabalho, pudemos concluir que a

proteção do consumidor não pode ser confundida com cerceamento do direito de

defesa do fornecedor.

Do mesmo modo, a proteção do consumidor não pode ensejar a

procedência de todas as demandas em seu favor pelo simples fato de ocuparem, em

tese, a posição mais fraca da relação de consumo.

O art. 4° da Lei 8.078/90 determina como princípio da política nacional

das relações de consumo o equilíbrio entre consumidores e fornecedores; a

concretização do negócio jurídico depende deste pré-requisito. E o sentido da

referida norma é evidente se considerarmos que é vital para toda a sociedade que

as relações de consumo se perpetuem, no sentido de manutenção do comércio e

desenvolvimento da sociedade, a despeito da já penalizante carga tributária que

quase inviabiliza o comércio no Brasil.

Cada uma das partes precisa da outra, não obstante terem interesses

aparentemente divergentes. A inversão do ônus da prova deve ser considerada não

mais do que um instrumento para se conseguir um equilíbrio entre os agentes, mas

nunca a sua aniquilação.

Com o presente trabalho pudemos verificar que há uma maior

possibilidade de defesa do fornecedor, numa hipótese de inversão do ônus da prova,

do que apenas os limites da verossimilhança e a hipossuficiência.

E, nesses novos tempos em que o consumidor aparece sob o manto

protetor da lei, é imprescindível o conhecimento desses limites, ficando desde já o

convite para ampliarmos essa relação, pois, apesar de todos nós sermos

consumidores, precisamos que os fornecedores continuem entregando produtos e

empregando consumidores, satisfeitos mutuamente !

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