Jornalismo comunitário e construção de memóri de pescadores

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X SEUR – VI Colóquio Internacional sobre as Cidades do Prata Jornal O Pescador – Jornalismo Comunitário e construção da Memória dos Pescadores da Colônia Z 3 Título da Comunicação Jerusa de Oliveira Michel, UFPEL, [email protected] Margareth de Oliveira Michel, UCPEL, [email protected] Resumo: este artigo tem como objetivo analisar a construção da memória na Z3 - Colônia de Pescadores em Pelotas, através de um jornal Comunitário – O Pescador. O tema reveste-se de importância pelos reflexos na vida, tanto da comunidade quanto dos acadêmicos de Jornalismo. É um campo de investigação amplo, abordado por diversas correntes teóricas, e tem despertado interesse em muitas áreas das ciências sociais, permitindo aos jornalistas uma visão mais próxima da responsabilidade no exercício de suas atividades, de sua possibilidade de interação neste processo, assim como de sua valiosa contribuição neste campo social. Palavras-chave: Memória, Jornalismo Comunitário, O Pescador. Abstract Deve ser incluído um resumo no mesmo idioma do artigo e ainda em outra língua oficial do encontro (espanhol ou inglês), com uma dimensão compreendida entre 5 e 10 linhas. O tipo de letra a utilizar será “Times New Roman”, tamanho 11, espaçamento simples. Introdução Nossa sociedade é chamada ‘sociedade sem memória’, porque parece que nela ninguém se lembra de nada, devido às muitas atividades que cada pessoa desenvolve, há pouco ou nenhum tempo para o registro das suas experiências e histórias de vida. Com relação à fluidez, um dos principais conceitos do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, ele coloca que tudo muda muito rápido, nada é feito para durar, para ser ‘sólido’ pois o movimento constante coloca em cena a instabilidade dos relacionamentos interpessoais e familiares. Para ele, nesse mundo ‘líquido’ tanto a solidez das coisas quanto a das relações humanas são interpretadas como ameaças: juramentos de fidelidade, compromissos de longo prazo são fardos que prenunciam um futuro sobrecarregado, cuja liberdade é limitada e ocorre a incapacidade de ‘pegar no vôo, as novas e ainda desconhecidas oportunidades (BAUMAN, 2011, p. 112). Há um descompasso entre as gerações de ‘jovens’ e ‘velhos’ marcado pelas mudanças profundas, aceleradas e contínuas, as sociedades ocidentais descartam objetos e pessoas como nunca antes na história, desenvolvendo um ‘apetite’ insaciável por novidades. Mas o sociológo, apesar de suas constatações coloca: “Desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios

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Este artigo tem como objetivo analisar a construção da memória na Z3 - Colônia de Pescadores em Pelotas, através de um jornal Comunitário – O Pescador. O tema reveste-se de importância pelos reflexos na vida, tanto da comunidade quanto dos acadêmicos de Jornalismo. É um campo de investigação amplo, abordado por diversas correntes teóricas, e tem despertado interesse em muitas áreas das ciências sociais, permitindo aos jornalistas uma visão mais próxima da responsabilidade no exercício de suas atividades, de sua possibilidade de interação neste processo, assim como de sua valiosa contribuição neste campo social.

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X SEUR – VI Colóquio Internacional sobre as Cidades do Prata

Jornal O Pescador – Jornalismo Comunitário e construção da Memória dos Pescadores da Colônia Z 3

Título da Comunicação

Jerusa de Oliveira Michel, UFPEL, [email protected]

Margareth de Oliveira Michel, UCPEL, [email protected]

Resumo: este artigo tem como objetivo analisar a construção da memória na Z3 - Colônia de Pescadores em Pelotas, através de um jornal Comunitário – O Pescador. O tema reveste-se de importância pelos reflexos na vida, tanto da comunidade quanto dos acadêmicos de Jornalismo. É um campo de investigação amplo, abordado por diversas correntes teóricas, e tem despertado interesse em muitas áreas das ciências sociais, permitindo aos jornalistas uma visão mais próxima da responsabilidade no exercício de suas atividades, de sua possibilidade de interação neste processo, assim como de sua valiosa contribuição neste campo social.

Palavras-chave: Memória, Jornalismo Comunitário, O Pescador.

Abstract

Deve ser incluído um resumo no mesmo idioma do artigo e ainda em outra língua oficial do encontro (espanhol ou inglês), com uma dimensão compreendida entre 5 e 10 linhas. O tipo de letra a utilizar será “Times New Roman”, tamanho 11, espaçamento simples.

Introdução

Nossa sociedade é chamada ‘sociedade sem memória’, porque parece que nela ninguém se

lembra de nada, devido às muitas atividades que cada pessoa desenvolve, há pouco ou nenhum tempo

para o registro das suas experiências e histórias de vida. Com relação à fluidez, um dos principais

conceitos do sociólogo polonês Zigmunt Bauman, ele coloca que tudo muda muito rápido, nada é feito

para durar, para ser ‘sólido’ pois o movimento constante coloca em cena a instabilidade dos

relacionamentos interpessoais e familiares. Para ele, nesse mundo ‘líquido’ tanto a solidez das coisas

quanto a das relações humanas são interpretadas como ameaças: juramentos de fidelidade,

compromissos de longo prazo são fardos que prenunciam um futuro sobrecarregado, cuja liberdade é

limitada e ocorre a incapacidade de ‘pegar no vôo, as novas e ainda desconhecidas oportunidades

(BAUMAN, 2011, p. 112). Há um descompasso entre as gerações de ‘jovens’ e ‘velhos’ marcado

pelas mudanças profundas, aceleradas e contínuas, as sociedades ocidentais descartam objetos e

pessoas como nunca antes na história, desenvolvendo um ‘apetite’ insaciável por novidades. Mas o

sociológo, apesar de suas constatações coloca: “Desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo

que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e

dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios

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agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.” Esta afirmativa de Bauman remete à

importância da manutenção dos relacionamentos entre pessoas e grupos sociais e das narrativas da

história e da manutenção de sua memória, pois embora reconhecendo as dificuldades da vida numa

sociedade fragmentada, que estimula o individualismo e a fragilidade dos laços humanos, ele acredita

na possibilidade de mudança.

As ‘tecnologias contemporâneas’ remetem a uma constante mudança e atualização de

instrumentos e conhecimentos, que segundo Nora (2000), levam a uma necessidade constante de obter

dispositivos para armazenar dados, memória. Para Nora, devido à fluidez e rapidez da nossa

experiência cotidiana, o que está mudando é a relação que os indivíduos mantêm com o passado,

experiência que precisa ser revista, revisitada, pois são as narrativas de memória que oferecem a

possibilidade de um retorno ao passado, e com esse retorno, uma construção de identidade e vida.

Os teóricos concordam com a premissa de que tanto as narrativas de vida quanto a memória

são essenciais para a construção das identidades pessoais quanto coletivas, especialmente na sociedade

contemporânea, na qual as identidades são tão fluidas, fragmentadas, descentradas, ou “líquidas”.

(Zygmunt Bauman (2005) e Stuart Hall (2005)). Em vista disso, deve ser levada em conta a posição de

Hall quando ele coloca que “nossa identidade, tenha ela a forma que tiver, é uma história sobre nós

mesmos, ou em última análise, uma ‘narrativa do eu’” (HALL, 2000, p.12), por certo construída com a

ajuda de nossa memória, por meio da nossa história de vida. Outro autor que reforça o elo entre

narrativa e memória, de forma destacada com relação aos grupos sociais, é Jay Winter, que afirma:

“uma identidade comum é uma divisão de um grupo de narrativas sobre o passado” (2006, p.78). De

acordo com Lima (2012, p. 144) “Nos estudos realizados sobre a produção de saberes, independente

de qualquer área do conhecimento, nota-se que as narrativas orais são excelentes ferramentas para que

os grupos sociais comuniquem suas experiências”.

Fazendo um contraponto com a sociedade moderna, “tão líquida”, a Colônia de Pescadores Z3

é uma comunidade onde compartilhar a memória ainda é importante seja de forma oral, seja através de

poesias e crônicas, como faz Dona Laura, poetiza da Z3, seja nas salas de aula do colégio Raphael

Brusque, seja nas páginas do jornal comunitário “O Pescador”.

Sobre a Comunidade de Pescadores Z3

Em 1912 o Governo Federal, através da Lei 2.5441, de 4 de janeiro coloca os pescadores sob a

tutela do estado. No artigo 73 a referida lei afirma que “Fica o governo autorizado a desenvolver a

industria da pesca, instituindo uma inspectoria superintendida pelo Ministério da Agricultura, Industria

e Commercio”. Essa política pública adotada pelo então governo de Hermes da Fonseca permite a

criação das primeiras colônias pesqueiras uma vez que a mesma lei permite

1 Diário Oficial da União - Seção 1 - 5/1/1912, Página 189 (Publicação Original), Coleção de Leis do Brasil - 1912, Página 12 Vol. 1 (Publicação Original)

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Aos pescadores, individualmente, e ás emprezas ou companhias de pesca, constituidas ou que se venham a constituir, de accôrdo com a legislação vigente, são assegurados os seguintes favores: 1º, concessão de terrenos de marinhas e terrenos publicos, nas costas e nas ilhas, para fundação de estabelecimentos de pesca; 2º, direito de desapropriação, por utilidade publica, dos terrenos necessarios á edificação de estaleiros, parques e depositos de salga e frigoríficos. (Lei nº 2.544, de 4 de Janeiro de 1912)

Surge então em 29 de junho de 1921 a Colônia de pescadores Z3. Localizada na zona rural de

Pelotas, a Colônia de São Pedro ou Arroio Sujo como também é conhecida a Colônia de Pescadores

Z3 é banhada pela Laguna dos Patos e integra a região da Costa Doce. Sobre a localização da Colônia

de Pescadores Z3, Niederle afirma que:

Sua posição à beira da região estuarina da Lagoa dos Patos permite aos pescadores fácil acesso às águas oceânicas. Esta região compreende cerca de 10% (971 Km²) da área total (10.360 Km²) da Lagoa e vai do canal de acesso com o mar, até uma linha imaginária entre o Saco do Rincão e a Ponta da Ilha da Feitoria. A única comunicação com o mar, onde ocorre a passagem de diferentes espécies marinhas, é um canal delimitado pelos molhes da barra de Rio Grande, possuindo apenas 4 km de comprimento e 0,5 a 3 km de largura. A situação hidrográfica de Pelotas, extremamente favorecida pela proximidade com o oceano, Lagoa dos Patos e canal São Gonçalo - que une a Lagoa dos Patos e Lagoa Mirim -, tem reflexos importantes sobre os aspectos físico-climáticos e sócio-econômicos. A Lagoa dos Patos, a maior do Brasil, é o principal local de pesca. De água doce na maior parte do ano, no verão e seu nível diminui significativamente permitindo a invasão das águas do Oceano Atlântico. Junto com a água salgada entram os peixes e camarões, que atualmente constituem a principal fonte de renda dos pescadores. (NIEDERLE, 2006. p. 45)

Sobre a história da Colônia Z3 como a conhecemos hoje, Silveira (2012)2 nos diz que:

No início eram aproximadamente 40 famílias que moravam na Z3. Em 29 de junho de 1921 era fundada a Colônia de Pescadores Z3, mais conhecida na época como Arroio Sujo. Em 1º de setembro de 1965 as terras foram doadas pela firma Coronel Pedro Osório. Desde aqueles tempos já enfrentavam-se problemas. Os barcos eram movidos pela força do vento, as redes eram confeccionadas em linha de algodão e banhadas em uma mistura com óleo de linhaça para ficarem mais resistentes à água. As roupas eram de lã. O camarão, que hoje em dia é muito valorizado, naquela época nem se pescava. O deslocamento era outro problema, para chegar até o centro de Pelotas ou se aventurava a pé, a cavalo ou então de barco até a praia do Laranjal, o que era mais fácil. Somente em 1950 chega o primeiro ônibus e, em 1978 é construída a estrada ligando a Z3 ao balneário dos Prazeres. (SILVEIRA, 2012, S/P)

Relatos parecidos com este podem ser encontrados na página web do “Ecomuseu da Colônia

Z3”3 e nas páginas do jornal “O Pescador”, em uma matéria de Flávia Guidotti e Elio Stolz com o

2 Disponível em http://www.pelotas.com.br. Acesso em 05 de junho de 2014.

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título “Um pouco de história da Colônia Z3” veiculada na segunda edição do jornal como podemos ver

na imagem abaixo.

Figura 1 – Matéria publicada na segunda edição do jornal “O Pescador” Fonte: Acervo da autora

Sobre as práticas sociais da Colônia Z3, Figueira (2009) nos diz que estas sempre se

organizaram e se articularam com base na atividade econômica partilhada sobre as águas da Lagoa dos

Patos, ou seja, a pesca. O autor explica que a comunidade definiu nas margens da Lagoa suas outras

atividades de trabalho, tais como: peixarias, galpões, ancoradouros, comércio tradicional artesanal de

pescados e frutos do mar... São nesses espaços, onde as redes são confeccionadas e reparadas, os

barcos recebem manutenção e o pescado é comercializado, que as pessoas passam a maior parte do

tempo quando não estão envolvidos diretamente na atividade pesqueira. Figueira (2009) explica que

[...] a atividade pesqueira na Colônia Z3 é desenvolvida como uma atividade de subsistência caracterizada pela coletividade familiar a partir da formação de uma espécie de microempresa chamada pelos pescadores de “parelha”, composta por membros da mesma família e por outras pessoas que possuam certo relacionamento com esta família (FIGUEIRA, 2009, p. 42).

Organizada a partir da cadeia produtiva da cultura da pesca, a realidade da Colônia de

Pescadores Z3 está baseada na possibilidade de boas safras. Para Figueira (2009, pág. 43) “a Colônia

de Pescadores Z3 se organiza produtiva e culturalmente a partir de um processo que envolve saída

3 A página tem como objetivo, de acordo com seus criadores, estimular as memórias, preservar os patrimônios cultural e ecológico, e promover o desenvolvimento do turismo local. Disponível em http://ecomuseudacoloniaz3.blogspot.com.br/2010/05/historia-da-colonia-de-pescadores-z3.html. Acesso em 09/06/2014.

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para pesca, coleta de pescados, comercialização e manutenção de suprimentos e equipamentos de

trabalho”. A Colônia de Pescadores Z3 é uma comunidade que traz consigo memórias e experiências

de vida – muitas alegres, muitas sofridas – compartilhadas, muitas vezes, de forma oral nos galpões de

pesca, lugares onde as redes são confeccionadas e reparadas, os barcos recebem manutenção e o

pescado é comercializado. São nesses galpões que as pessoas passam a maior parte do tempo quando

não estão envolvidos diretamente na atividade pesqueira é nesses lugares que a memória muitas vezes

é compartilhada, auxiliando no resgate, manutenção e construção de suas histórias e memórias. Por

isso o estudo da narrativa de suas histórias de vida, de suas memórias, reveste-se de tanto valor, pois

de certa forma, consiste na constatação de que esse conhecimento não se perdeu, continua a ser

mantido pelos seus moradores, através de uma memória que não é apenas individual, mas também

coletiva.

Sobre o Jornalismo e o Jornalismo Comunitário na Z34

O Jornalismo é uma atividade profissional que consiste em transmitir informações, dados e

notícias que ocorrem no mundo inteiro. O profissional de jornalismo deve coletar informações, e a

partir delas redigir as matérias que irão ser veiculadas nos meios de comunicação. Segundo Bond

(1962, p15), a palavra jornalismo “significa, hoje, todas as formas nas quais e pelas quais as notícias e

seus comentários chegam ao público. Todos os acontecimentos mundiais, desde que interessem ao

público, e todo o pensamento, ação e ideias que esses acontecimentos estimulam, constituem o

material básico para o jornalista”. Os jornalistas enxergam os fatos de um ponto de vista diferente da

maioria das pessoas. Os jornalistas vêem os acontecimentos como “estórias” e as notícias são

construídas como “estórias”, como narrativas, que não estão isoladas de “estórias” e narrativas

passadas (TRAQUINA, 2005).

A linguagem jornalística apesar de ser cotidianamente apreciada pelos leitores não se faz

patente considerando que os leitores buscam a informação e não a forma de criação jornalística. Os

jornalistas, ao contrário, compreendem vivamente as formas de apresentar as informações e as suas

finalidades. Este distanciamento entre o conhecimento jornalístico e a memória é refletido no sentido

de possibilitar ao leitor compreender a produção de um jornal. O documento jornalístico, o jornal,

segue padrões, e, muitas vezes, os pesquisadores não se referenciam nestes, tendo em vista que o

documento é tratado como um texto “puro” não estruturado. Não se dão conta que o editor e

jornalistas dão forma ao jornal para garantir que algumas formas de transmissão sejam asseguradas.

Sobre isto se tratará a seguir.

O jornalismo, como atividade, é visível a partir do modo como os jornais são produzidos, os

gêneros jornalísticos que contêm e que são determinados por manifestações culturais de cada

sociedade. Os estudiosos da área afirmam que o jornalismo é uma construção histórica e possui

estrutura linguística própria. Marques de Melo (2003) escreveu a obra mais consistente sobre os

4 Fonte: Projeto de Extensão da UCPEL. http://www.ucpel.edu.br/portal/?secao=noticias&id=5344 Acesso 30/10/2014

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gêneros jornalísticos em função das análises bibliográficas que fez ao longo do tempo sobre esse tema.

Desta forma as reportagens, notícias, entrevistas e outros gêneros de textos jornalísticos devem

contemplar questões como a autoria do texto, o assunto e o protagonismo das matérias, em que não só

representem aquele grupo social e sua identidade – mas contemplem sua história, sua construção de

mundo e da história recente, retomando em sua fala/conteúdo, acontecimentos considerados

“memoráveis”. Ao contextualizar as temáticas ocorre o movimento de constituição de memória. “O

trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse material

pode, sem dúvida, ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas”

(POLLAK, 1989).

Embora existam várias abordagens acerca do tema, utilizar-se-á neste trabalho a

classificação de gêneros estudados por Marques de Melo (1994, 2003), Medina (1986), e Piza (2003),

que atendem a critérios funcionais, de acordo com as funções que os textos desempenham em relação

ao leitor, que seriam informar, explicar ou orientar. Marques de Melo propõe três categorias básicas,

nas quais se enquadram os gêneros estudados pelos vários autores, a primeira caracterizada pelo

jornalismo informativo (nota, notícia, reportagem, e entrevista); a segunda em que se enquadra o

jornalismo interpretativo (reportagem em profundidade); e por fim, aquela que contém o jornalismo

opinativo (editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor).

O jornalismo comunitário, que é voltado para os interesses de uma determinada

comunidade, acaba por tornar-se um espaço em que seu cotidiano é expresso porque “É ele que vai

estabelecer a verdadeira comunicação entre os membros da comunidade, o debate de seus problemas e

a participação de todos nas soluções a serem dadas” (CALLADO; ESTRADA, 1985, p.08). Assim, o

texto jornalístico, com este objetivo, deve propor formas de compreender e reportar a realidade da

comunidade, com interpretações e enfoques do cotidiano, permitindo à comunidade o auto-

conhecimento. Peruzzo (2004), não só concorda com este posicionamento, como coloca que a

comunicação popular (comunitária ou alternativa) é uma comunicação voltada para as necessidades

dos movimentos sociais e das comunidades, envolvendo consciência coletiva, organização e ação

dentro de cada dinâmica, referindo-se ao particular de cada lugar. Assim, o jornalismo comunitário

pode contribuir com o desenvolvimento de relações de pertença, de relações sociais onde existe

proximidade, a qual deve estar presente no veículo comunitário.

[...] a proximidade entre as pessoas é a principal característica do meio comunitário. As pessoas se conhecem e se reconhecem (como dizia Paulo Freire) nos seus problemas, angústias, alegrias e ritos cotidianos. Essa reconhecibilidade também exige uma linguagem referenciada aos costumes do grupo social. É uma linguagem coloquial, de fácil entendimento, reconhecível em suas gírias e modismos (CELSO apud BICUDO; SEQUEIRA, 2007, p.08-09).

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Entende-se, portanto, que o jornalismo comunitário mobiliza conteúdos de reconhecimento

e representação coletivos, cujos textos constroem e reconstroem identidades coletivas, mobilizando as

ações em torno de objetivos comuns: ao mesmo tempo em que posicionam o indivíduo em um lugar

dentro do grupo criam laços de reconhecimento e de representação deste grupo para a sociedade. “É

por meio dos significados produzidos por estas representações que damos sentido à nossa experiência

e àquilo que somos” (WOODWARD, 2000, p.17),

Em maio de 2000 a comunidade da Colônia de Pescadores Z3 recebe um veículo de

comunicação próprio chamado “O Pescador”. É um jornal comunitário, criado pela Escola de

Comunicação Social da Universidade Católica de Pelotas, que tem como objetivo veicular assuntos

ligados diretamente ao dia-a-dia da comunidade, onde podemos visualizar muitos dos tópicos

relatados acima como, por exemplo, os problemas enfrentados pela comunidade na época do defeso, a

expectativa com as safras, a luta pelo seguro desemprego, etc. Ao veicular estas informações, o jornal

comunitário vai registrando a história da comunidade e de seus habitantes e ocupando lugar como um

registro de suas memórias.

Foi em uma tarde de sábado, no mês de junho de 2000 que aconteceu a distribuição da

primeira edição do jornal “O Pescador”. Realizada pelos próprios componentes da equipe, os alunos

distribuíram o jornal de mão em mão aos moradores e puderam sentir a reação da comunidade ao

receber, pela primeira vez, um jornal que falava da sua comunidade, da sua vida e do seu cotidiano,

onde era possível se encontrar ou encontrar algum conhecido nas páginas do jornal, fosse através de

fotografias, fosse mencionado em alguma das matérias que integravam a edição do jornal.

O projeto do jornal “O Pescador” surgiu na Escola de Comunicação Social da Universidade

Católica de Pelotas – no curso de Jornalismo, por uma reivindicação dos próprios alunos, com o

objetivo de discutir e desenvolver o jornalismo comunitário, ou seja, de novas formas de ação

jornalística, a partir de um processo comunicativo horizontal, alternativo, participativo e inclusivo.

Trata-se da produção de um jornal comunitário impresso, de periodicidade mensal e distribuição

gratuita direcionado à comunidade da Colônia de Pescadores Z3, bairro periférico da cidade de

Pelotas.

A escolha da Z3 como primeira comunidade a receber o projeto, se deu com base em alguns

critérios pré-determinados. Primeiro, por ser uma comunidade afastada do centro urbano. Segundo,

por ter vida própria, sua cultura, seu jeito de ser. Então, a Z3 se encaixou perfeitamente nesses

requisitos. O projeto nasceu tendo como ideal o desenvolvimento de novas formas de comunicação,

baseado nas teorias do jornalismo comunitário, ou seja, propor um veículo alternativo e popular,

voltado para os interesses da comunidade. O principal, no entanto, é que o jornal deveria ser feito a

partir dos moradores, que sempre tiveram uma participação forte e decisiva. A ideia ao criar “O

Pescador” foi inverter o processo comunicativo5, ou seja, um veículo que brotasse na comunidade e

5 Esse processo comunicativo refere-se aos dos Meios de Comunicação de Massa (jornais diários, rádio, televisão e cinema), assim batizados por se dirigirem, especificamente, a leitores que se caracterizam como

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fosse feito com essa comunidade, que é quem define como quer fazer o jornal e que temas o jornal

deve tratar.

Sobre a Memória Social

Maurice Halbwachs (2006), em sua análise sobre a memória coletiva reforça a força de

diferentes pontos que compõe a estrutura de nossa memória e que inserem essa memória na

coletividade à qual pertencemos. Entre esses pontos de referência estão: o patrimônio arquitetônico, as

paisagens, as datas e personagens históricas, as tradições e costumes, certas regras de interação, o

folclore e a música, e, por que não, as tradições culinárias. Ainda segundo Halbawachs a memória

aparentemente mais particular remete a um grupo. O indivíduo carrega em si a lembrança, mas está

sempre interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições. É no contexto destas relações que

construímos as nossas lembranças. Assim, entende-se que a memória individual se constitui na

tessitura das memórias dos diferentes grupos a que pertencemos e com que nos relacionamos. Essa

memória do grupo está impregnada das memórias dos que nos cercam, de maneira que, ainda que não

estejamos juntos, o que lembramos e o nosso jeito de perceber e ver o que nos cerca se constitui a

partir desse emaranhado de experiências.

As lembranças se constituem a partir das diversas memórias oferecidas pelo grupo, a que o

autor denomina 'comunidade afetiva'. Esta memória coletiva tem assim uma importante função de

contribuir para o sentimento de pertença a um grupo que compartilha memórias. Ela garante o

sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo

histórico, do real, mas, sobretudo no campo simbólico. Essa memória atua como um cimento social

que mantém unidas as partes

A memória se modifica e se rearticula conforme a posição ocupada e as relações estabelecidas

nos diferentes grupos de atuação. Também está submetida a questões inconscientes, como o afeto, a

censura, entre outros. As memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica e

incluem elementos mais amplos do que a memória construída pelo indivíduo e seu grupo.

Jornalismo Comunitário e Memória

O jornalismo, como já foi dito, surge historicamente da necessidade de construir um

conhecimento singular sobre os acontecimentos sociais, históricos e políticos, com o objetivo de

apreender as especificidades de cada aspecto do cotidiano, onde são tomadas decisões, definidos os

papéis sociais, idéias ou crenças. Para Meditsch (1996, p. 26), ao compreender-se o jornalismo como

“uma forma social de conhecimento”, ressalta-se a relevância do seu espaço na vida dos grupos

massa, na medida em que essa massa é, segundo definição de Charles Wright, “relativamente grande, heterogênea e anônima”. Sua característica é dirigir-se a qualquer pessoa – não importa sua origem, classe social, fé, escolaridade, etnia – que estiver interessada nas informações que veicula. Exercem poderosa influência na nossa cultura pois refletem, recriam e difundem o que se torna importante socialmente tanto ao nível dos acontecimentos (processo de informação) como do imaginário (através de noticiário, novelas, seriados, etc.).

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sociais. O autor coloca que, “Enquanto lugar de memória do cotidiano, o jornalismo cumpre a função

de ser referencial sobre a realidade. O jornalismo trafica, ao reconstruir o mundo, uma concepção

sobre o mundo”, (MEDITSCH, 1996, p. 31). Na perspectiva do autor, a prática jornalística como

conhecimento social acerca do dia-a-dia, propicia elementos para as reflexões sobre o passado, o

presente e o futuro. O ato de rememorar é reflexão, reconstrução, continuidade e descontinuidade em

uma experiência única:

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado (...) A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual (BOSI, 1995,p. 55)

Da colocação da autora entende-se que quando uma lembrança é reconhecida e reconstruída

por integrantes de um mesmo grupo ou sociedade, essa lembrança constitui-se em memória. Este

pensamento vai ao encontro do que é exposto por Halbwachs (2006, p.38) que afirma “quando as

representações de passado e presente, além dos significados, são compartilhados socialmente temos a

memória coletiva”. Esses são pontos de encontro entre a memória individual e a memória coletiva. Por

isso, o jornalismo, especialmente o comunitário que nasce das comunidades, ao gerar um

conhecimento sobre o cotidiano, traz para a comunidade uma notícia capaz de suscitar o sentido do

comum, do que deve ser socializado por despertar o interesse público, produz imagens e

representações, portanto, memórias.

Desta forma, quando se fala em memória, estamos trabalhando com pessoas, representações

sociais, tempos, espaços, significados, valores culturais, sentimentos individuais e coletivos. Essas

memórias sejam individualizadas e/ou coletivas constituem e organizam a história juntamente com as

práticas culturais de um determinado local, construindo suas identificações conforme as relações com

o(s) outro(s). Pode-se constatar isto na tabela a seguir, oriunda dos estudos já mencionados, em que

por meio da análise dos diferentes gêneros jornalísticos presentes no jornal comunitário “O Pescador”,

recortes dos perfis e depoimentos, saberes, conhecimentos e experiências são compartilhados pela e na

comunidade da Colônia de Pescadores Z3.

Tabela 1 - Material relativo à Memória no "O Pescador"

Categoria Memória

Período Material publicado no Jornal

Gênero Jornalístico

Ano 4 – N 17 -

2003

Página 2 - “Mais um Dia” na seção Mar de Letras.

Seção do Jornal em que os moradores contribuem com depoimentos e textos variados. Mais um dia é uma poesia de uma poetisa da Z3, Dona Laura, que descreve o pescador em seu dia-a-dia, quem ele é, como é sua rotina.

Ano 4 – N 21 -

2003

Pág. 8 – Depoimento - Olhar de Jarbas

O Depoimento relata a história da Z3 pelo olhar de Jarbas, traz o depoimento de Jarbas Mota, que há 68 anos mora na Colônia. Com 81 anos, relembra o tempo em que se mudou

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para a comunidade e acompanhou a maior parte das mudanças que aconteceram. Pescou durante 45 anos e se aposentou em 1976. Afirma, que hoje pescar é uma brincadeira, visto toda a tecnologia que facilita a vida dos pescadores.

Ano 4 – N 22 -

2003

Pág. 8 – Depoimento – Resgatando a História da Z3 – Histórias pela lembrança de Zezé

Este Depoimento traz a História da Colônia Z3 através das lembranças de Zezé, José Alberto Souza de Oliveira, 50 anos, pescador, morador da colônia desde 1969. Ele fala sobre a vida de pescador na colônia Z3 e como a colônia era pequena. Que vivia lá, mantinha sua família só com a pesca , e resume a vida de pescador dizendo que antes era só alegria e hoje é só tristeza. Ela fala sobre o descaso das autoridades quanto à poluição da lagoa, segundo o pescador isso faz com que não ocorra pesca o ano todo e o pescadores tenham que se manter com o seguro desemprego.

Ano 4 – N 23 -

2003

Pág. 8 – Depoimento - “Pedrinho”

Este Depoimento traz a História da Colônia Z3 através das lembranças de Pedro João Constantino, o Pedrinho, hoje com 74 anos.Ela fala sobre a vida da colônia desde que, aos 24 anos, se mudou de Laguna para tentar a sorte aqui. Fala do tempo em que o peixe era salgado e vendido por arrobas para as indústrias de Rio Grande, recorda também de um mini cinema construído de madeira e que funcionava somente à manivela. Pedro é casado e tem seis filhos nascido e criados na Colônia Z3.

Ano 4 – N 24 -

2003

Pág. 8 – Depoimento - Geraldo

Pág. 9 – Coluna - Pesando Recordações

Este Depoimento traz a História da Colônia Z3 através das lembranças de Geraldo Nicoleti, morador da Colônia Z-3 há 41 anos. Chegou sozinho e constituiu família de seis filhos, todos pescadores. Segundo ele, a colônia era pouco habitada, sem televisão, rádio, ou qualquer outro tipo de aparelho eletrônico. A casa era cercada de mato e habitualmente se deparava com cobras. Para ele o desenvolvimento da colônia era previsto, afirma que a comunidade é um local ótimo para se viver. Esta Coluna fala sobre as recordações da Colônia Z3 ou como era conhecida Arroio Sujo. Michel Constantino, seu autor, morador, aluno do curso de turismo fala sobre a criação de um lugar de memórias e diz que os moradores também deveriam se unir para participar deste trabalho de reconstrução do passado. A criação de uma casa de memória, poderia se transformar num prazeroso ponto turístico e ser visitado devolvendo o orgulho da comunidade e sendo um passo grandioso para o desenvolvimento do turismo local.

Ano 4 – N 25 - 2003

Pág. 8 – Depoimento - Mãe e filho

Neste Depoimento mãe e filho trazem a História da Colônia Z3 através de suas lembranças. Joana Santos, 78 anos, moradora da colônia há 30 diz que antigamente era mais tranqüilo e alegre. Ela diz que memso se dando bem com os vizinho e não tendo queixa de ninguém, não gosta da Z3. Já seu filho, o pescador Luis Fernando Santos, 49 anos, diz que quando chegou na Z3, não havia diversão para os rapazes da sua idade, apenas mais tarde surgiram, os bailes no salão do Marítimo. Salienta que a construção da Divinéia, sendo um fato marcante e que melhorou a vida dos pescadores.

Ano 4 – N 26 -

2003

Pág. 8 – Depoimento - A história da primeira casa da Rua Raphael Brusque

Este Depoimento traz a História da Colônia Z3 através das lembranças de seu Bernardi Costa e dona Leda Peres Costa, casados há 58 anos. Ela, hoje com 73, se mudou para a Z3 com 13 anos e ele mora na comunidade desde que nasceu. Suas histórias pessoais se fundem à história da Z3. A primeira casa da rua Raphael Brusque foi construída por eles em um terreno doado pelo senhor Antônio Rosa. Eles falam que naquela época a igreja ainda não havia sido construída e dona

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leda conta que os batizados eram realizados embaixo de uma figueira. O tem-po vai passando e através dos objetos e, principalmente, das palavras, vai-se regatando a história da Z3.

Ano 5 – N 27 -

2004

Pág. 8 – Depoimento – A ambulância que deu vida à Colônia Z-3

Este Depoimento traz a história de uma ambulância mantida pela comunidade lá pelos idos de 1975. Quem conta a história é Adão Nunes Macedo, conhecido como o “Adão da Sandu”. Ele foi o motorista da ambulância nos tempos em que a comunidade pode manter o veículo, antes da estrada do Laranjal ser asfaltada. Ele conta que havia dois modos de se chegar à cidade, pela estrada do cotovelo ou pelo posto branco. Em dias bons se levava cerca de 40 minutos, em dias de chuva a viagem podia levar até 4 horas. A ambulância guarda a história de muitas vidas, em sua maioria, mulheres grávidas. No início da década de 80, o veículo foi entregue à prefeitura. Sem o veículo seu Adão continuou a transportar os doentes em carro particular.

Ano 6 – N. 30 –

2005

Pág. Contra Capa – D. Laura

A Reportagem, traz a história de Laura Mateus, a dona Laura e sua participação no livro Literatura Marginal, lançado na feira do livro deste ano. A autora, que costuma escrever sobre a história da Colônia de Pescadores, relata que a Z3 é sua inspiração e fala também de sua participação nas páginas do jornal.

* Os perfis do jornal comunitário foram obtidos diretamente por relatos dos moradores da Colônia de Pescadores Z3, assim como os depoimentos.

A análise da categoria Memória, utiliza os gêneros jornalísticos presentes na tabela de

análise que se refere a esta categoria. Encontramos aqui, segundo a classificação de Marques de Melo

(2003), com maior ênfase no gênero jornalístico opinativo, em que se enquadram ‘comentário’,

‘depoimento’, entre outras. No recorte feito com relação aos exemplares do Jornal comunitário “O

Pescador” que se refere à memória, encontra-se 07 matérias que envolvem depoimentos. O primeiro,

“Olhar de Jarbas” registra o percurso da vida do personagem, sua história na comunidade e o

acompanhamento da “maior parte das mudanças que aconteceram”. O segundo, “Pela lembrança de

Zezé”, trata sobre a vida de pescador na colônia Z3 e como a colônia era pequena, das dificuldades

que são encontradas, hoje, na atividade pesqueira e no descaso das autoridades com a poluição da

Lagoa. O terceiro, traz a História da Colônia Z3 através das lembranças de Pedro João Constantino,

em que o peixe era salgado e vendido por arrobas para as indústrias de Rio Grande e em que foi

edificado um mini cinema construído de madeira, funcionando somente à manivela. O quarto é o

depoimento de Geraldo Nicoleti, vindo para a Z3 há 41 anos, quando a colônia era pouco habitada,

sem televisão, rádio, ou qualquer outro tipo de aparelho eletrônico, e a casa cercada de mato

propiciava o aparecimento de cobras. Ele constitui família e todos são pescadores. Outro depoimento

envolve mãe e filho: Joana Santos (78 anos) afirma que ‘antigamente era mais tranquilo e alegre’; seu

filho, o pescador Luis Fernando, (49 anos) diz que, antigamente, não havia diversão para os rapazes

mais jovens (mais tarde surgiram os bailes no salão Marítimo), e, também a construção da Divinéia foi

um fato marcante, melhorando a vida dos pescadores. O sexto traz a História da Colônia Z3, através

das lembranças de seu Bernardi Costa e dona Leda Peres Costa, casados há 58 anos. Seu Bernardi

conta que:

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Suas histórias pessoais se fundem à história da Z3. A primeira casa da rua Raphael Brusque foi construída por eles em um terreno doado pelo senhor Antônio Rosa. Eles falam que, naquela época, a igreja ainda não havia sido construída e dona leda conta que os batizados eram realizados embaixo de uma figueira. O tempo vai passando e através dos objetos e, principalmente das palavras, vai-se regatando a história da Z3.

O sétimo e último depoimento, de Seu Macedo, conhecido como o “Adão da Sandu”, conta

e traz a história de uma ambulância mantida pela comunidade lá pelos idos de 1975. Motorista da

ambulância, ele fala das dificuldades encontradas para chegar à cidade, o tempo de percurso e as

muitas histórias de vida. Mesmo depois que a ambulância foi entregue à prefeitura, na década de 80,

ele continuou a transportar os doentes em carro particular. Encerra a tabela a reportagem sobre Dona

Laura a escritora da Z3 em que ela relata que a Z3 é sua inspiração e fala também de sua participação

nas páginas do jornal, como forma de dividir com os moradores o seu conhecimento da história da

comunidade.

Conforme Pollak (1992), a memória é um elemento constituinte do sentimento de

identidade, tanto individual como coletivo, construído no conjunto pelas experiências e vivências do

indivíduo e de seu grupo. Pode ser submetida a transformações constantes, transmite a cultura local

herdada e é constituída por acontecimentos vividos socialmente. Nessa ótica, são três os elementos que

servem de apoio à memória: os acontecimentos vividos, as pessoas e os lugares. E, são estes os

elementos responsáveis pelo estabelecimento dos laços afetivos entre as pessoas. Para o autor, a

memória é seletiva, pois nem todos os fatos ficam registrados e os indivíduos só têm recordações dos

momentos a que dão importância e que, por alguma razão, ficaram marcados subjetivamente. É o que

se pode perceber nos relatos realizados, nos depoimentos acima. Parte das lembranças também podem

ser herdadas dos acontecimentos relacionados aos antepassados como, por exemplo, quando os

sujeitos contam as experiências vividas por seus pais e avós.

Ainda na perspectiva de Pollak (1992), os acontecimentos históricos são auxiliares na nossa

memória; não desempenham outro papel, senão as divisões do tempo assinaladas em relógio ou

determinadas pelo calendário. É o que se percebe nos conteúdos do jornal comunitário em estudo. Um

indivíduo para lembrar seu passado tem que se remeter às lembranças dos outros, que se constituem

em pontos de referência, onde estão fixados pela sociedade. Desta forma, a memória coletiva envolve

sentimentos de pertença e identidade, já que ela é sempre dependente das interações e dos grupos

sociais. Do gênero opinativo está presente a matéria jornalística conhecida como coluna, elaborada

por Constantino – aluno do curso de Turismo, apresenta as recordações da Colônia Z3 ou como era

conhecida Arroio Sujo, a ‘Pesando Recordações’. Ele relata:

a criação de um lugar de memórias e diz que os moradores também deveriam se unir para participar deste trabalho de reconstrução do passado. A criação de uma casa de memória poderia se transformar num prazeroso ponto

Page 13: Jornalismo comunitário e  construção de memóri de pescadores

turístico e ser visitado. devolvendo o orgulho da comunidade e sendo um passo grandioso para o desenvolvimento do turismo local.

Esta coluna traz a história da Divinéia, a casa de barcos da Z3. Aqui, Michel Constantino,

aluno do curso de Turismo, relata a história do pequeno ancoradouro-baia que tem a função de

proteger os barcos da fúria da mãe natureza.

Medina (1986), Piza (2003), Marques de Melo (1994, 2003), entre outros, que afirmam que

os textos jornalísticos têm como funções informar, explicar ou orientar os leitores, e se enquadram em

três categorias básicas; a primeira caracterizada pelo jornalismo informativo (nota, notícia,

reportagem, e entrevista); a segunda em que se enquadra o jornalismo interpretativo (reportagem em

profundidade); e, por fim, aquela que contém o jornalismo opinativo (editorial, artigo, crônica, opinião

ilustrada, opinião do leitor). As fontes iconográficas são importantes na linguagem jornalísticas, pois

na perspectiva de Kossoy (2005, p. 50), “dentre as diferentes formas de informação transmitidas pela

mídia, as imagens, em geral, se constituem num dos sustentáculos da memória”. Lima (2012) afirma

que

Quando se fala em memória, estamos trabalhando com pessoas, representações sociais, tempos, espaços, significados, valores culturais, sentimentos individuais e coletivos. Essas memórias sejam individualizadas e/ou coletivas constituem e organizam a história juntamente com as práticas culturais de um determinado local, construindo suas identificações conforme as relações com o outro. (LIMA, 2012, p. 145)

A memória, para Le Goff (2003), é expressa de forma tanto individual quanto coletiva. Cada

sujeito revela uma subjetividade, manifestada tanto em alguma coisa representativa do passado e

quanto a partir do momento que suas lembranças e experiências são compartilhadas pelos diferentes

grupos sociais, quando a memória se torna coletiva. É então que a memória contribui para sejam

apropriados saberes estabelecidos por experiências de grupos sociais, permitindo que se forme um elo

entre memória e narrativa.

Considerações

Assim, por meio do referencial teórico estudado e observando a produção das matérias

jornalísticas pode-se inferir que a memória é uma construção social, produzida pelos homens e grupos

sociais a partir de suas relações, de seus valores e de suas experiências vividas. A história dos

indivíduos toma um novo rumo, que sofre transformações à medida que o tempo passa, em função do

que se pode dizer que a memória não é apenas um registro histórico dos fatos, mas uma combinação

de construções sociais passadas, com fatores da vida social do presente que se tornam significativos, e

portanto, está sendo permanentemente reconstruída. Tal fato pode-se constatar no relato feito pelos

Page 14: Jornalismo comunitário e  construção de memóri de pescadores

pescadores e moradores da Colônia de Pescadores Z3 nas páginas do jornal comunitário, mesmo em

seus diferentes gêneros jornalísticos.

O conteúdo jornalístico produzido, em seus diferentes gêneros e categorias, analisados nas

diferentes tabelas, permite afirmar que o jornal está sim vinculado à história da comunidade,

retratando aspectos de sua identidade e as representações sociais dos grupos de pescadores e de suas

famílias, em que estão presentes elementos de sua cultura relacionados às condutas, atitudes e

conhecimentos constituindo uma construção individual e coletiva, portanto pertinente à memória

social daqueles indivíduos. “O Pescador” é um instrumento de comunicação comunitária que permite

o compartilhamento do legado histórico dos zeteresenses, valorizando as identidades, valores e raízes

culturais, discutindo os problemas sociais enfrentados e buscando facilitar as relações sociais,

tornando-se um repositório que mantém a memória viva e mais permanente na comunidade.

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