Frithjof Schuon - A Unidade Transcendente Das Religiões

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jfrttJjjof kjuon&Hmbabe Crancenbente ba^eltgtes(Ebtora Srgeto|3auIo-2 0 1 1HtbrobaCbtora3rget3&en#unon:Sntrobuo(geralaoCtubobaoutrina^tnbueuBebtr>eguuboo^ebanta CotersnobeJDantee>oPerttarbo &eibojftlunbo CriseboilunboJttoberno UutoribabeCpiritualeipobertemporal Ctabo jfllttplojBbo>er obreainiciao ipritupiosfboClculo3 nf i ti tes mal Sntctaoe3Realt?aoCprtual mnbolojfunbamentatbaCienciaSagraba Cstubosiobreaj f raneo -jftftaonara jforma{TrabctonateCiclosCmco3TuluCbola:3RetooltaContraojflunboilobernoHu?pontual:-^ocainbaacrebitaembemocraca?Frithjof SchuonA Unidade Transcendente das ReligiesTraduo:Alberto VasconcellosQueiroz MateusSoaresde AzevedoEditora IRGET So Paulo,invemode 2011Ttulo dooriginal:Dii1/UNITE TRANSCENDANTEDESRELIGIONS Publicado por ditionsdu Seuil.Nouvcllc cdition revue et augmente,Paris,1979.Instituto Ren Gunon de Estudos Tradicionais IRGET,Editora eDistribuidora SoPaulo-2011 Diretor:LuizPontual Fone (11)8384 4440 [email protected] WWW.RENEGUENON.NET Reservadosos direitosde publicao puraalnguaportuguesa.Copyright World WisdomInc.SUMRIOPREFCIO........................................................................................................................... 11I - DIMENSES CONCEITUAIS.......................................................................................17I! -LIMITAO DO EXOTERISMO................................................................................ 23III - TRANSCENDNCIA E UNIVERSALIDADE DO ESOTERISMO......................... 47IV - A QUESTO DAS FORMAS DE ARTE....................................................................75V- LIMITES DA EXPANSO RELIGIOSA..................................................................... 91VI - O ASPECTO TERNRIO DO MONOTESMO.......................................................109VII - CRISTIANISMO E ISL......................................................................................... 119VIII - NATUREZA PARTICULARE UNIVERSALIDADE DA TRADIO CRIST....139IX- SER HOMEM CONHECER................................................................................. 1679Spiritus ubi vult spirat:et vocem eius audis,sed nescisunde veniat,aut quo vadat: sic est omnis qui natus est ex spiritu.O esprito sopra aonde quer,tu ouves seu rudo, mas no sabes de onde ele vem,nem para onde vai: e assim todo aquele que nascido do EspritoJoo III:8PREFCIOAsconsideraesdestelivroprocedemdeuma doutrinaquenofilosfica,maspropriamentemetafsica; esta distino pode parecer ilegtima queles que tm por hbito englobarametafsicanafilosofa,mas,seencontramosesse tipo de assimilao j em Aristteles e em seus continuadores escolsticos,issoprovaprecisamentequetodafilosofiatem limitaes que, mesmo nos casos maisfavorveis como esses que acabamos de citar, excluem uma apreciao perfeitamente adequadada metafsica;esta,na realidade, possuiumcarter transcendentequeatomaindependentedeumpensamento puramentehumano,sejaestequalfor.Parabemdefinira diferena que h entre os dois modos de pensamento, diremos que a filosofia procede da razo, faculdade puramente individual, enquanto a metafsica est ligada exclusivamente ao Intelecto; este ltimo foi assim definido por Mestre Eckhart,com pleno conhecimentodecausa:Hnaalmaalgoqueincriado eincrivel;sea almainteira fosseassim,elaseria incriada e incrivel;eisto oIntelecto.H no esoterismo muulmano umadefinioanloga,masaindamaisconcisaemaisrica em valor simblico:OSufi(isto , o homem identificado ao Intelecto) no criado.Se o conhecimento puramente intelectual ultrapassa por definio o indivduo, se, portanto, ele de essncia supra- individual, universal ou divina e procede da Inteligncia pura, isto , direta e no discursiva, evidente que este conhecimento no s vai mais longe do que o raciocnio, mas at mesmo mais longedoqueaf,nosentidocorrentedotermo;emoutras palavras,oconhecimentointelectualultrapassaigualmenteo12 Fri thjof Schuon- AUnidutleTn i i i n i v i k Il miIc tiasRel i gi espontodevistaespecificamenteteolgico,que,noentanto, incomparavelmentesuperioraopontodevistafilosficoou, maisprecisamente,racionalista,pois,comooconhecimento melnllsico, ele emana de Deus e no do homem; mas, enquanto a metafsica procede inteiramente da intuio intelectual, a religio procede da Revelao; esta ltima a Palavra de Deus enquanto lile se dirige s Suas criaturas, ao passo que a intuio intelectual uma participao direta e ativa no Conhecimento Divino, e no uma participao indireta e passiva como a f. Dito de outro modo, no caso da intuio intelectual, o indivduo conhece no enquanto indivduo, mas sim na medida em que, em sua essncia profunda, ele no distinto deseu Princpio Divino;assim,a certeza metafsica absoluta em funo da identidade entre o conhecedor e o conhecido no Intelecto.Se nos permitem usar umexemplo da ordem sensvel para ilustrar a diferena entre os conhecimentos metafsico e teolgico, poderemos dizer que o primeiro,quechamaremosesotrico quandose manifesta pormeiodeumsimbolismoreligioso,tmconscinciada essncia incolor da luz e de seu carter de pura luminosidade; um determinado credo religioso, ao contrrio, admitir que a luz vermelha e noverde,enquanto outroafirmarocontrrio; ambos tero razo por estarem distinguindo a luz da escurido, masnoenquantoidentificam-naaumadeterminadacor. Queremos mostrar com esse exemplo bastante rudimentar que o ponto de vista teolgico ou dogmtico, pelo fato de se basear, no esprito dos crentes, numa Revelao e no num conhecimento acessvela todos- coisa,alis,irrealizvelpara umagrande coletividadehumana- confundenecessariamenteosmbolo ou a formacomaVerdadenuaesupra-formal,aopassoque a metafsica, que no se pode assimilar a um ponto de vista seno de um modo muito provisrio, poder servir-se do mesmo smbolooudamesmaformaattulodemeiodeexpresso, massemignorar-lhearelatividade;porissoquecadauma das grandes religies intrnsecamente ortodoxas pode, por seus dogmas,ritose outrossmbolos,servir de meio deexpressoPrefcio 13a toda verdadeconhecidadiretamente peloolho doIntelecto, rgo espiritual que o esoterismo muulmano denomina o olho do corao.Acabamos de dizer que a religio traduz as verdades metafsicasou universaisemlinguagemdogmtica;ora,seo dogma no acessvel a todos em sua Verdade intrnseca, que s o Intelecto pode atingir diretamente, ele nem por isso deixa de ser acessvel pela f, nico modo de participao possvel, para a grande maioria dos homens, nas Verdades Divinas. Quanto ao conhecimento intelectual,que,como vimos, no procede nem de uma crena, nem de um raciocnio, ele ultrapassa o dogma no sentido de que, sem nunca contradiz-lo, penetra sua dimenso interna, isto , a Verdade infinita que domina todas as formas.A fim desermos completamente clarossobreeste ponto, insistiremos ainda que o modo racional de conhecimento no ultrapassa em nada o domnio das generalidades e no atinge por sis nenhuma verdadetranscendente;ele pode,contudo, servir de meio de expresso a um conhecimento supra-racional-ocasoda ontologia aristotlica eescolstica ,masisso acontecer sempre em detrimento da integridade intelectual da doutrina.Algunsobjetarotalvezqueametafsica maispura por vezes distingue-se poucoda filosofia, que,como esta, ela usa de argumentaes e parece chegar a concluses;mas essa semelhanadeve-seaofatodequetodaconcepo,quando exprimida, reveste-se forosamente dos modos do pensamento humano,queracionaledialtico;oquedistingueaqui essencialmente a proposio metafsica da proposio filosfica queaprimeirasimblicaedescritiva,nosentidodeque seservedemodosracionaiscomosmbolosparadescrever outraduzirconhecimentosquecomportammaiscertezaque qualquer conhecimento da ordem sensvel, enquanto a filosofia-que nosem razofoichamadaancilla theologiae -nunca mais do que ela exprime; quando ela raciocina para resolver uma dvida, isso prova precisamente que seu ponto de partida umadvida queelaalmejasuperar,ao passoque,como j dissemos, o ponto de partida da enunciao metafsica sempre14 Frithjof Scbuon-AUnidadeTranscendentedasReligiesessencialmente umaevidncia ou umacerteza,a qualse trata decomunicar,quelesqueforemcapazesdereceb-la,por meiossimblicosoudialticosprpriosaatualizarneleso conhecimentolatentequetrazeminconscientemente,diremos tambm eternamente, em si mesmos.Tomemos,a ttulo deexemplodos trsmodosde pensamento que consideramos, a ideia de Deus: o ponto de vista filosfico, quando no nega Deus pura e simplesmente, mesmo seapenaspelasubstituiodosentidodestapalavraporum outroqueela notem,procuraprovarDeuspor todo tipode argumentaes;em outros termos, esse ponto de vistaprocura provar seja a existncia, seja a inexistencia de Deus, como se a razo, que no seno um intermedirio e de nenhum modo uma fonte de conhecimento transcendente, pudesse provar no importa oqu;alis, estapretensoautonomia da razo em domnios onde s a intuio intelectual, de um lado, e a Revelao, de outro, podem comunicar conhecimentos, caracteriza o ponto de vistafilosficoerevela todasuainsuficincia.Quantoao ponto de vista teolgico, ele no se preocupa em provar Deus -e se permite mesmo admitir que isso impossvel -mas, antes, baseia-se numa crena; acrescentaremos que a f no se reduz de nenhum modo simples crena, sem o que o Cristo no teria falado de f que move montanhas, pois evidente que a crena religiosa no temesta virtude.Metafisicamente, enfim, no se trata s nem de prova, nem de crena, mas exclusivamente de evidncia direta, evidncia intelectual que implica a certeza absoluta, mas que, no estado atual da humanidade, no mais acessvelsenoaumaeliteespiritualcadavezmaisrestrita; ora,a religio,porsua prpria naturezaeindependentemente das veleidades de seus representantes, que podem no ter mais conscincia disso, contm e transmite, sob o vu de seus smbolos dogmticoserituais,oConhecimentopuramenteintelectual, como observamos h pouco.As verdades acima expressas no so de propriedade exclusiva de qualquer escola ou indivduo; se fosse assim, no seriam verdades, pois estas no podem ser inventadas, mas devemPrefcio 15necessariamente ser conhecidas de toda civilizao tradicional integral.Contudo, poder-se-ia com todo o direito perguntar-se por quais razes, humanas e csmicas, verdades que podemos qualificar de esotricas num sentido muito geral so expostas e explicitadas precisamente em nossa poca, to pouco inclinada s especulaes; h a, com efeito, algo de anormal, no no fato deseexporemessasverdades,masnascondiesgeraisde nossa poca, que, marcando o fim de um grande perodo cclico da humanidade terrestre -o fim de um mah-yuga, segundo a cosmologa hindudeve recapitular ouremanifestar deuma maneira ou de outra tudo quanto se encontra includo no ciclo inteiro, conforme o adgio os extremos se tocam, de maneira quecoisasquesoanormaisemsimesmaspodemtomar-se necessrias em virtude das ditas condies. De um ponto de vista mais individual, o da simples oportunidade, deve-se convir que a confuso espiritual de nossa poca atingiu um grau tamanho que os inconvenientes que, em princpio, podem resultar para alguns docontatocom as verdades de quese trata socompensados pelas vantagens que outros tiraro dessas mesmas verdades; por outro lado, o termo esoterismo to frequentemente usurpado paramascararideiastopoucoespirituaisetoperigosas quanto possvel e o que se conhece das doutrinas esotricas to frequentemente plagiado e deformado -sem mencionar o fato de que a incompatibilidade exterior c prontamente exagerada das diferentes formas religiosas lana o maior descrdito, no esprito da maioria de nossos contemporneos, sobre toda religio -que nohsomentevantagem,masmesmoobrigao,dedara conhecer, por um lado, o que o verdadeiro esoterismo e o que ele no , e, por outro lado, o que faz a solidariedade profunda e eterna de todas as formas do esprito.No tocante ao principal assunto que nos propomos tratarnestelivro,insistiremosqueaunidadedasdiferentes religies no s no realizvel no plano exterior, o das formas, como no deve mesmo ser realizada neste plano, -supondo-se que isto seja possvelpois neste caso as formas reveladas seriam desprovidasderazosuficiente;dizerqueelassoreveladas dizer quesodesejadaspeloVerboDivino.Sefalamosde16 JrilJijof Sclnion- AUnidade Transcendente dasReligiesunidade transcendente, queremos dizer com isso que a unidade das formas religiosas deve ser realizada de maneira puramente interior e espiritual esem trair nenhumaforma particular.Os antagonismos dessas formas no afetam mais a Verdade nua e universal do que os antagonismos entre as cores opostas afetam a transmisso da luz una e incolor, para retomar a imagem que usamos h pouco; e, assim como toda cor, por sua negao da escurido e sua afirmao da luz, permite encontrar o raio que a toma visvel e voltar a subir por ele at sua fonte luminosa, do mesmo modo toda forma, todo smbolo, toda religio, todo dogma, por sua negao do erroesua afirmao da Verdade, permite voltar a subir pelo raio da Revelao, que no seno o do Intelecto, at sua Fonte Divina.Captulo IDIMENSES CONCEITUAIS17A compreenso verdadeira e integral de uma ideia ultrapassaemmuitoo primeiroassentimentodainteligncia, assentimentoesse que,na maioria dasvezes, tomadocomo a compreenso enquanto tal. Ora, se verdade que a evidncia que uma ideia comporta para ns realmente, em seu prprio nvel,umacompreenso,nopoderiasetratar,contudo,de todaaextensodacompreensooudesuatotalidade,pois essaevidnciapara ns,sobretudo,osinal de umaaptido paracompreenderintegralmenteessaideia.Defato,uma verdade pode ser compreendida em diferentes nveis e segundo diferentes dimenses conceituais, portanto segundo um nmero indefinidodemodalidadesquecorrespondemaosaspectos, tambm em nmero indefinido, da verdade em questo, ou seja, em todos os seus aspectos possveis; esta maneira de encarar a ideia nos leva, em suma, questo da realizao espiritual, cujas expresses doutrinais ilustram bem a indefinidade dimensional da concepo terica.A filosofia,noqueela temdelimitativo-eisso, alis, o que constitui seu carter especficoest baseada na ignorncia sistemtica do que acabamos de enunciar; em outros termos,elaignoraoqueseriasua prprianegao;porisso, elaoperasomentecomtiposdeesquemasmentaisque,com suapretensouniversalidade,elaquerabsolutos,enquanto que, do ponto de vista da realizao espiritual, esses esquemas no passam de uma srie de objetos simplesmente virtuaisou potenciais inutilizados, ao menos na medida em que se trata de ideias verdadeiras; mas, quando no assim, como em geral mais ou menos o caso na filosofa moderna, esses esquemas se reduzem a artifcios inutilizveis do ponto de vista especulativo eso,portanto,desprovidosdetodovalorreal.Quantos ideias verdadeiras, isto , aquelas que sugerem mais ou menos implicitamente aspectos da Verdade total e, consequentemente, estaprpriaVerdade,elasso,poressefatomesmo,chaves intelectuais e no tm nenhuma outra razo de ser; isso que s o pensamento metafsico capaz de perceber. Pelo contrrio, quer se trate de filosofia ou de teologia comum, h nesses dois modosdepensamentoumaignorncianosomentequanto natureza das ideias que se cr ter compreendido integralmente mas, antes de tudo, quanto ao alcance da teoria enquanto tal: a compreenso terica,comefeito, transitria por definio e sua delimitao ser, alis, sempre mais ou menos aproximativa.Acompreensopuramenteteorizantedeumaideia, compreenso que assimdenominamos por causa da tendncia limitativa quea paralisa, poderia muito bemser caracterizada pelo termo dogmatismo; o dogma religioso, ao menos enquanto consideradocomoexcluindooutrasformasconceituais,e no certamente emsi mesmo, representa,efetivamente, umaideia encarada segundo a tendncia teorizante, e esse modo exclusivo tornou-se mesmo caracterstico do ponto de vista religioso como tal. Um dogma religioso deixa, no entanto, de ser assim limitado na medida em que compreendido segundo sua verdade interna, quedeordemuniversal,eissooqueaconteceemtodo esoterismo;poroutrolado,noprprioesoterismo,comoem toda doutrina metafsica, as ideias a formuladas podem, por sua vez,ser compreendidassegundoatendncia dogmatizanteou teorizante, e estaremos ento em presena de un caso totalmente anlogo ao do dogmatismo religioso dc que acabamos de falar. A este propsito, h ainda que insistir sobre dois pontos: por um lado, que o dogma religioso no de modo algum um dogma em si mesmo, mas o unicamente pelo fato de ser encarado como tal, por uma espcie de confuso entre a ideia e a forma com que cia se revestiu, e, por outro lado, que a dogmatizao exterior de verdades universais perfeitamente justificada, dado que essas verdades ou ideias, devendo ser o fundamento de uma tradio,IKliilhjolSchunn - A l Iniciado Transcendente das ReligiesCaptuloI-DimensesConceituais 19devem ser assimilveis por todos em algum grau; o dogmatismo, por sua vez, no consiste na simples enunciao de uma ideia, ou seja, no fato de dar uma forma a uma intuio espiritual, mas, antes, numa interpretao que, em vez de reencontrar a Verdade informaltotalmesmotomandocomoseupontodepartida uma das formas desta Verdade, s faz de certo modo paralisar estaforma,negando-lhesuaspotencialidadesintelectuaise atribuindo-lhe um carter absoluto que s a Verdade informal e total pode ter.O dogmatismo revela-se no s por sua inaptido para conceber a ilimitaointerna ou implcitadosmbolo,isto, suauniversalidadequeresolvetodasasoposiesexteriores, mastambm por suaincapacidadedereconhecer,quandoem presenadeduasverdadesaparentementecontraditrias,o liameinterno que elasafirmam implicitamente, liameque faz delasaspectoscomplementaresdeumasemesma verdade. Poderamos tambm nosexprimirassim:aquele que participa doConhecimentouniversalconsiderarduasverdades aparentemente contraditrias do mesmo modo que consideraria dois pontos situados sobre um s e mesmo crculo que os religa por sua continuidade e os reduz, assim, unidade; na medida em que esses pontos estejam afastados um do outro, portanto opostos entre si, haver contradio, e esta ser levada ao seu mximo quandoosdoispontosestiveremsituadosrespectivamente nas duas extremidades de um dimetro da circunferncia; mas essa extrema oposio ou contradio s existe, precisamente, quandoospontossoisoladosdocrculo,esefazabstrao destecomoseelenoexistisse.Pode-seconcluirque,sea afirmaodogmatizante,isto,aquelaqueseconfundecom sua forma e noadmiteoutra, comparvel a um ponto que, comotal,contradiz,decertomodopor definio,todooutro pontopossvel,aenunciaoespeculativa,aocontrrio,ser comparvel a um elemento do crculo que, por sua forma mesma, indicasuaprpriacontinuidadelgicaeontolgica,portanto ocrculointeiroou,portransposioanalgica,aVerdade inteira;esta comparao traduzir talvez de melhor maneira a diferena que separa a afirmao dogmatizante da enunciao especulativa.A contradio exterior e proposital das enunciaes especulativaspodeaparecer,evidente,nosomentenuma Formanicalogicamenteparadoxal,talcomooAham Brahmsmi (Eu sou Brahma) vdico -a definio vedantina do yogi -ou o Anal-Haqq (Eu sou a Verdade) de Al-Hallaj, ouaindaaspalavrasdoCristoreferentesSuaDivindade, mas,commaiorrazoainda,entreformulaesdiferentes dasquaiscadaumapodeserlogicamentehomogneaemsi mesma;este caso se produzem todasasEscriturasSagradas, particularmente no Coro; lembremos somente, a este respeito, a contradio aparente entreas afirmaes de predestinao e delivre-arbtrio,afirmaesquessocontrriasnamedida emqueseexprimemrespectivamenteaspectosopostosde umanicaemesmarealidade.Mashtambm,fazendo-se abstraodasformulaesparadoxais- querparadoxaisem simesmasouumasemrelaosoutras- teoriasque,no obstante traduzirem a mais estrita ortodoxia, contradizem-se, no entanto, exteriormente, e isso em razo da diversidade de seus respectivos pontos de vista, que so, no escolhidos arbitrria e artificialmente, massim adquiridosespontaneamente graas a uma verdadeira originalidade intelectual.Voltandoaoquedizamossobreacompreensodas ideias, poderamos comparar uma noo terica viso de um objeto:assimcomoessavisonorevelatodososaspectos possveis, ou seja, em suma, a natureza integral do objeto do qual o perfeito conhecimento no seria seno a identidade com ele, do mesmo modo uma noo terica no corresponde em si mesma verdade integral, da qual ela no sugere necessariamente seno um aspecto, essencial ou no(l); o erro, por sua vez, corresponde,(1)Numtratadocontraafilosofiaracionalista,Al-Ghazzlfaladealguns cegos que, no tendo nenhum conhecimento, nem mesmo terico, do elefante, encontram-se um belo dia em presena deste animal e pem-se a apalpar-lhe as diferentespartes docorpo;ora,cada umfaz uma ideia doanimalsegundo o membro que tocou:para o primeiro cego,queapalpou uma pata,o elefante se parececomumacoluna,enquantoparaosegundo,queapalpouumadas presas,oelefanteseparececomumaestaca,eassimpordiante.Pormeio destaparbola,Al-Ghazzltentamostraroerroqueconsisteemquerer encerrarouniversalemvisesfragmentrias,ouemaspectosoupontosde.()rnlli4>lSchuon-AUnidade TransccndenlcdasReligiesCaptuloI-DimensesConceituais 21nesse exemplo, a uma viso inadequada do objeto, enquanto a concepo dogmatizante seria comparvel viso exclusiva de umsaspectodesseobjeto,visoquesuporiaaimobilidade dosujeitoquev;quantoconcepoespeculativa,portanto intelectualmente ilimitada, ela seria comparvel aqui ao conjunto indefinido dasdiferentes vises doobjetoconsiderado,vises que pressuporiam a faculdade de deslocamento ou de mudana de ponto de vista do sujeito, portanto um certo modo de identidade comasdimensesdoespaoque,estas,revelamanatureza integral do objeto,ao menossob oaspecto da forma,que o que estamos levando em conta nesse exemplo. O movimento no espao , com efeito, uma participao ativa nas possibilidades deste, enquanto a extenso esttica no espao, a forma de nosso corpo, por exemplo, uma participao passiva nestas mesmas possibilidades; destas consideraes pode-se facilmente passar a um plano superior efalar ento de espao intelectual, isto ,da onipossibilidadecognitiva,quefundamentalmente no senoa Oniscincia Divinae,por conseqncia,tambmdas dimensesintelectuais,quesoasmodalidadesinternas destaOniscincia;eoConhecimentopeloIntelectono senoa perfeita participao do sujeito nessas modalidades, o que,no mundofsico,representado pelomovimento.Pode- se, portanto, ao falar da compreenso das ideias, distinguirmos uma compreenso dogmatizante, que comparvel viso que partedeumspontodevista,eumacompreensointegral, especulativa, comparvel srie indefinida de vises do objeto, visesrealizadaspormudanasindefinidamentemltiplas do ponto de vista.E do mesmo modo que, para o olho que se desloca, as diferentes vises de um objeto so ligadas por uma perfeita continuidade que representa de certo modo a realidade determinante do objeto, assim tambm os diferentes aspectos de uma verdade, por mais contraditrios que possam parecer, novistaisoladoseexclusivos.ShriRmakrishnaretomaamesmaparbola paramostrarainsuficinciadoexclusivismodogmticonoqueeletemde negativo;poder-se-ia,contudo,exprimir a mesmaideiacomaajudadeuma imagemaindamaisadequada:diantedeumobjetoqualquer,unsdiriamque eleestaouaquelaforma,eoutrosqueeleestaouaquelamatria; outros,enfim,sustentariamqueeleesteouaquelenmero,ouesteou aquelepeso,e assim por diante.Iiiihjof Sdiiion-AUnidadeTranscendentedasReligiesla/cmseno descrever,noobstanteconterem implicitamente uma indelinidade de aspectos possveis, a Verdade integral que os supera e determina. Repetimos ainda o que dissemos acima: aafirmao dogmatizante corresponde a um ponto que,como tal,contradizpordefiniotodososoutrospontos,enquanto aenunciaoespeculativa,aocontrrio,sempreconcebida como um elemento de crculo que, por sua forma mesma, indica principialmentesuaprpriacontinuidadee,dessemodo,o crculo inteiro, portanto, a verdade inteira.Resulta disso que, nas doutrinas especulativas, o ponto de vista, por um lado, e o aspecto, por outro, que determinam a forma da afirmao, enquanto, no dogmatismo, esta se confunde com um ponto de vista e um aspecto determinados, excluindo porissomesmotodososoutrospontosdevistaeaspectos igualmente possveis(2).(2lOs Anjos so inteligncias limitadas a este ou aquele aspecto da Divindade; umestadoanglicoporconseqnciaumaespciedepontodevista transcendente.Alis,aintelectualidadedosanimaisedasespciesmais perifricasdoestadoterrestre,adasplantas,porexemplo,corresponde cosmolgicamente,numplanonotadamenteinferior,intelectualidade anglica:oquediferenciaumaespcievegetaldeoutra,narealidade,no seno omododesua inteligncia;emoutros termos, a forma,ou antes, a natureza integral de uma planta que revela o estado -eminentemente passivo, estclaro- decontemplaooudeconhecimentodesuaespcie;dizemos desua espcie porque,tomadaisoladamente,uma planta noconstituium indivduo.LembremosaquiqueoIntelecto,diferentenistodarazo,que nosenoumafaculdadeespecificamentehumanaenoseidentificade nenhummodocomainteligncia,nemcomanossa,nemcomadosoutros scrcs,deordemuniversaledeveencontrar-seemtudooqueexiste,de qualquer ordemque seja.Captulo II LIMITAO DO EXOTERISMO23O ponto de vista exotrico,quea rigor sexiste as tradies monotestas -ao menos no que ele tem de exclusivo perante as verdades superioresno no fundo seno o ponto de vista do interesse individual mais elevado, isto , estendido atodoociclodeexistenciadoindivduo,enolimitado simplesmente vida terrestre. A verdade exotrica, portanto, se encontra limitada por definio, e isso em razo da limitao de suafinalidade,semque,todavia,esta restrio possaafetar a interpretao esotrica de que esta mesma verdade susceptvel graasuniversalidadedeseusimbolismo,ou melhor,antes de tudo, graas dupla natureza, interior e exterior, da prpria Revelao;por conseguinte,odogmaumaideialimitadae um smbolo ilimitado ao mesmo tempo. Para dar um exemplo, diremosqueodogmadauni cidadedaIgrejadeDeusdeve excluirumaverdadecomoadavalidadedeoutrasformas religiosas ortodoxas, pois a ideia da universalidade tradicional notemqualquerutilidadeparaasalvaoepodemesmo lheserprejudicial,poisocasionariaquaseinevitavelmente, naqueles que no podem elevar-se acima de um ponto de vista individual, a indiferena religiosa e com isso a negligncia dos deveres religiosos, cujo cumprimento precisamente a principal condiodasalvao;poroutrolado,estamesmaideiada universalidade religiosa -ideia que em maior ou menor medida indispensvel via da Verdade total e desinteressada -nem por issodeixadeestarincludasimblicaemetafisicamentena definio dogmtica ou teolgica da Igreja ou do Corpo Mstico doCristo;ouainda,parafalaralinguagemdasduasoutras religiesmonotestas,o J udasmoeoIsl, respectivamente24 I nllijof Schuon-AUnidadeTranscendentedasReligiespelas concepes de Povo eleito, Israel, e de submisso, Alista, que se encontra simbolizada dogmaticamente a ortodoxia universal, o Santana-Dharma dos hindus.No preciso dizer que a limitao exterior do dogma, limitao que lhe confere precisamente este carter dogmtico, perfeitamente legtima, pois o ponto de vista individual, ao qual corresponde esta limitao, uma realidade no seu prprio nvel de existncia. em razo desta realidade relativa que o ponto de vista individual, nao no que ele pode ter de negativo diante de urna perspectiva superior, mas no que tem de limitado pelo simples fato de sua natureza, pode e deve mesmo integrar-se, de um modo ou de outro, em toda via com finalidade transcendente; sob este aspecto, o exoterismo, ou antes a forma enquanto tal, nomaisimplicaruma perspectivaintelectualmenterestrita, masrepresentarunicamenteopapeldeummeioespiritual acessrio, sem que a transcendncia da doutrina esotrica seja por isso afetada, nenhuma limitao lhe sendo imposta por razes de oportunidade individual. preciso, com efeito, no confundir a funo do ponto de vista exotrico enquanto tal com a funo do exoterismocomo um meio espiritual:o pontode vista em questo incompatvel, em uma s e mesma conscincia, com o Conhecimento esotrico, pois o ltimo dissolve este ponto de vista previamente para reabsorv-lo no centro de onde proveio; mas nem por isso os meios exotricos deixam de ser utilizveis, e eles o so de dois modos, seja por transposio intelectual para a ordem esotrica -e elessero ento suportes de atualizao intelectual-,sejaporsuaaoreguladorasobreaporo individual do ser.Oaspectoexotricodeumatradio,portanto, umadisposioprovidencialque,longedesercensurvel, necessrio,dadoqueaviaesotricanopoderiaconcernir, sobretudo nas condies atuais da humanidade terrestre, seno a uma minoria;o que criticvel, pois, no a existncia do exoterismo,massimsuaautocraciainvasora- atribuvel, talvez,nomundocristo,sobretudoestreitaprecisodo esprito latino -que faz com que muitos daqueles que seriamCaptuloII-LimitaesdoExoterismo 25qualificados para a via do puro Conhecimento no s se detenham no aspecto exterior da tradio, mas cheguem mesmo a rejeitar inteiramente o esoterismo, que eles no conhecem seno atravs dos preconceitos ou deformaes; a menos que, no encontrando no exoterismo o que convm sua inteligncia, eles se percam em doutrinas falsas e artificiais, em uma tentativa de encontrar algo que o exoterismo no lhes oferece e cr mesmo poder lhes interditar10.Opontodevistaexotrico,comefeito,estfadado, desdequenomaisvivificadopelapresenainteriordo esoterismo do qual ao mesmo tempo a irradiao exterior e o vu, a acabar negando a si prprio, no sentido de que a religio, na medida em que nega as realidades metafsicas e iniciticas e se cristaliza num dogmatismo literalista, engendra inevitavelmente a descrena; a atrofia causada aos dogmas pela privao de sua dimenso interna recai sobre eles do exterior, sob a forma de negaes herticas e ateias.A presena de um ncleo esotrico numa civilizao de carter especificamente exotricogarante-lhe um desenvolvimento normaleum mximo deestabilidade;estencleo noealis absolutamente uma parte, mesmo interior, do exoterismo, mas, aocontrrio,representaumadimensoquaseindependente emrelaoaesteltimo,2).Desdequeesta dimensooueste ncleo deixe de existir, o que s pode ocorrer em circunstncias totalmente anormais, ainda que cosmolgicamente necessrias, oedifcio religiosofica abalado, desmorona mesmo em parte,'11Lcmbrar-se- da maldio do Cristo: Ai de vs, doutores da Lei, que depois de terdesarrogado avsa chave dacincia,nemvsmesmosentrastes,nem deixastes entrar os quevinham paraentrar.(Lucas, XI,52)(21No que diz respeito tradio islmica, citemos esta reflexo de um prncipe muulmanodandia:Amaioriadosno-muulmanos.emesmomuitos muulmanosinteiramenteformadosnummeiodeculturaeuropeia,ignoram esteelementoparticulardoIslqueconstituisuamedulaecentro,qued realmentevida cfora s suas formase atividadesexteriorese que, graas ao carteruniversaldeseucontedo,podeabertamenteinvocarotestemunho dediscipulosdeoutrasreligies.(NawabA.HydariHydarNawazJung Bahadur, emseuprefciodos StudiesinTasamvuf de Khaja Khan.).V I'nlhiol'Scluum-AUnidade TranscendentedasReligiesc acaba por se encontrar reduzido quilo que comporta de mais exterior, a saber, o literalismo e a sentimentalidade