Shopping Center - A cultura sob controle

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Shopping Center: a cultura sob controle As relações atuais entre literatura e sociedade de consumo Dilma Mesquita Rio de Janeiro 2002 EDITORA ÁGORA DA ILHA

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Shopping Center:a cultura sob controle

As relações atuais entreliteratura e sociedade de consumo

Dilma Mesquita

Rio de Janeiro2002

EDITORA

ÁGORA DA ILHA

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COPYRIGHT: DILMA MESQUITA DE LACERDA LOUREIRO

[email protected]

Direitos desta edição reservados à autora, conforme contratocom a Editora. É proibida a reprodução total ou parcial

desta obra sem autorização expressa da mesma.

Shopping Center: a cultura sob controle /AS RELAÇÕES ATUAIS ENTRE LITERATURA E SOCIEDADE DE CONSUMO

Ensaio brasileiro / Ciência da Literatura

ILUSTRAÇÃO DA CAPA: FERNANDO MENDES LOUREIRO

RIO DE JANEIRO, NOVEMBRO DE 2002

Dilma Mesquita de Lacerda Loureiro (1966)

Shopping Center: a cultura sob controle / As relações atuaisentre literatura e sociedade de consumo

Rio de Janeiro, novembro de 2002122 páginas

Editora Ágora da Ilha ISBN 7576Ensaio brasileiro CDD-869-4BCiência da Literatura

EDITORA ÁGORA DA ILHA

TEL.: 0 XX 21 - [email protected]

FICHA CATALOGRÁFICA

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Ao Pedro e ao reconhecimentode um futuro não claustrofóbico.

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“O inferno dos vivos não é algo que será; seexiste, é aquele que já está aqui, o inferno noqual vivemos todos os dias, que formamosestando juntos. Existem duas maneiras de nãosofrer. A primeira é fácil para a maioria daspessoas: aceitar o inferno e tornar-se partedeste até o ponto de deixar de percebê-lo. Asegunda é arriscada e exige atenção eaprendizagem contínuas: tentar saber ereconhecer quem e o que, no meio do inferno,não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.”

Ítalo Calvino*

*CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Ed. Schwarcz, 1997.p. 150.

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Sumário

Introdução........................................................9

1 - O “shopping-panóptico”: a cultura vigiada.......211.1 - A construção ideológica....................................231.2 - Uma economia cultural......................................291.3 - Vida social, vida cultural e Nova Ordem Econô-mica.........................................................................361.4 - Arte e Mercado: diversão é o que importa.........39

2 - O in e o out - dois conceitos na matriz do pro-cesso de exclusão.............................................47

2.1 - Consumidores x excluídos.................................492.2 - Os novos heróis de consumo (os referenciais parauma arte in)...............................................................542.3 - Arte e desemprego: um roteiro para a excentrici-dade..........................................................................58

3 - As cidades: o espaço da violência e da liber-dade................................................................65

3.1 - Soft city e Hard city: o princípio da oposição....673.2 - Por um espaço plural (multicultural)..................703.3 - O lixo das cidades, o luxo da cultura (ou vice--versa)..................................................................743.4 - Cidade/desproteção, cidade/abrigo: duas visõesda solidão.................................................................783.5 - A “anti-Babel”...................................................86

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4 - Novos canais de divulgação, novas vias delegitimação (a tecnologia transformará o artista?)...91

4.1 - “Arte eletrônica” é Arte?....................................934.2 - Globalização e “culturalização”.........................954.3 - Da problematização dos conceitos à vida virtual..974.4 - O kitsch (não) é a saída.....................................1004.5 - Lazer high-tech...............................................106

Conclusão.......................................................109

Bibliografia...................................................119

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Introdução

“Assim como no Panteão romano vinham coexis-tir no sincretismo os deuses de todos os países emimenso digest, de igual modo no Super-ShoppingCenter, que é o nosso Panteão e Pandemônio, vêmcongregar-se todos os deuses ou demônios do con-sumo, isto é, todas as atividades, todos os traba-lhos, todos os conflitos e todas as estações abolidaspor idêntica abstração. Já não pode haver sentidona substância da vida assim unificada, em seme-lhante digest universal: deixou de ser possível oque fazia o trabalho do sonho, o trabalho poético,o trabalho do sentido, ou seja, os grandes esque-mas do deslocamento e da condensação, as gran-des figuras da metáfora e da contradição, que seassentam na articulação viva de elementos dis-tintos. Reina apenas a eterna substituição de ele-mentos homogêneos. Desapareceu a função sim-bólica: Há somente a eterna combinatória de“ambiência”, em primavera perpétua.”

Jean Baudrillard*

* BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70,1979. p. 15.

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Mass media, multiculturalismo e globalização: estas sãoas palavras-chave que compõem o eixo central de uma indús-tria cultural voltada muito mais para a produção de bens artís-ticos facilmente consumíveis do que propriamente para a pre-servação dos antigos espaços privilegiados de circulação dasartes ou mesmo para o incentivo à sobrevivência das formasmenos comprometidas. A esta altura, uma questão básica deveser colocada em pauta: qual o valor da arte (e da literatura,mais especificamente) na sociedade de consumo? E mais: qualo seu papel cultural e como ele é desempenhado?

Neste contexto, o Shopping Center sobe um degrau alémda mera categoria de espaço; ele é, na verdade, a perfeita me-táfora da cultura atual, cujos traços formais emergentes coin-cidem com o surgimento de um novo tipo de vida social e deuma nova ordem econômica, esta última caracterizada peloneocolonialismo e pela internacionalização do capital e a pri-meira impregnada de elementos novos e marcantes como ocrescimento da informática, da mídia eletrônica e, a reboquedesta, o crescimento do consumo.

Este “consumo” coloca-se como um negócio altamentelucrativo. Se a “alma” deste negócio é a propaganda, o seu“corpo” assume as elaboradas formas de seus produtos“culturalizados”. Simplista demais seria nossa análise se admi-tíssemos que os bens culturais têm sido democrática eirrestritamente comercializados. A realidade mercadológicareflete o movimento exatamente oposto – os bens de consu-mo, face às flutuações e exigências de mercado, “culturalizam-se” – surge aí um “consumo elegante” e renovado.

Abro espaço para a oportuna colocação de Baudrillard:

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O centro cultural torna-se parte integrante do cen-tro comercial. Não vamos a pensar que a culturase “prostitui” no seu interior; seria demasiado sim-ples. Culturaliza-se. Ao mesmo tempo, a merca-doria (vestuário, especiarias, restaurante, etc.)culturaliza-se igualmente, porque surge transfor-mada em substância lúdica e distintiva, em aces-sório de luxo, em elemento no meio de outros ele-mentos da panóplia geral dos bens de consumo.1

O Shopping é o espaço ideal de controle; controle primei-ramente de uma cultura que lhe serve de sustentáculo, conferin-do aos objetos ali comercializados a suposta “aura” nãodiferenciadora, mas sim minimizadora de conflitos e divergênci-as ideológicas, simplificadora de discursos e conteúdos. O po-der apresenta sua faceta mais perversa. O controle é exercido apartir de um núcleo central que “concede” espaço a formas de-cadentes de cultura (do ponto de vista mercadológico, a culturaacadêmica é uma delas) na medida em que lhe sirvam como“maquiagem” a tornar mais atraentes seus produtos.

À base deste tão falado “poder” coloca-se à disposiçãoum sistema totalizador (e apaziguador) que prevê subsistemasparticulares, específicos: um sistema organizador da cultura,da arte, da vida enfim, capaz de impor sua ordem ou mesmoexcluir, se para o bem do “todo”, elementos tidos até bempouco tempo como “inorganizáveis”, tal qual a natureza oumesmo o inconsciente. Este último, ao que parece, já provouo gosto amargo da ordem (nova?) imposta pelo constante mas-sacre do marketing e suas artimanhas. Afinal, como diria Ed-gar Morin, “a mente é mesmo a segunda África do mundo”2 –os resultados desta colonização têm mostrado de fato a eficá-cia das estratégias adotadas.

O sistema organizador foi batizado de “globalização” –seus efeitos na arte e na cultura são conseqüências desta novaordem mundial, na verdade, uma reinterpretação do velhodomínio do capital e da mercadoria, só que agora sob a luzda cultura, que deixou de ser um mundo à parte, uma estrutu-ra autônoma e paralela, para tornar-se muito mais: a própria

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lógica deste estágio.Articulações concretas mostram o nível de atuação cultu-

ral, ou melhor, mercadológica: assim como os grandes sistemasfinanceiros totalizam seus lucros, urge cada vez mais “totalizar”as ações e reações a esta lógica fragmentária vigente.

Unir para fragmentar _ este tem sido o lema de uma realida-de multicultural não igualitária. Multicultural, porém, com o traçode uma única cultura dominante _ a norte-americana.

A adoção de posturas crítico-teóricas vê-se diante deum dilema: de um lado, teóricos como Lyotard, decretandosua “guerra ao todo” e buscando situar as diferenças. Deoutro, a corrente de Jameson, que se debruça sobre este“todo” para destrinchá-lo. O fato é que os intelectuais, deforma geral, dividem-se entre a opção pelo engajamento oua aceitação do comprometimento _ o papel dos intelectuaisdentro deste contexto pós-moderno e da dita “cultura demassas” é um ponto, sem dúvida, fundamental no entendi-mento desse período a ser “mapeado”.

Percebe-se, entretanto, um nítido silêncio, evidentementeproposital, em torno da questão. A essência de gravidade quereside no objeto artístico tem perdido lugar para a noção deutilidade, irmã do consumo; o intelectual, de forma ampla, e oescritor, de forma específica, têm-se visto cercados por inúme-ros apelos do sistema que apontam, quase sempre, para doiscaminhos distintos: o da adesão cômoda à lógica do controlevigente, afinada com as formas concessivas e vendáveis, ou en-tão o da contestação, enquanto resistência às formasempobrecedoras que conduzem a arte para esse “beco sem saí-da” (aparentemente) que é o pós-modernismo.

Rever o papel do intelectual neste contexto é uma tarefaque se afina com o repensar da sobrevivência da “cultura acadê-mica”, da qual supostamente nos alimentamos.

O caminho e as evidências que por ele encontramos pare-cem nos mostrar novas diretrizes que apostam em parcerias antesnão cogitadas; face a uma realidade multicultural, uma críticaque se proponha de fato a valorizar o que nem sempre é “suces-so de mercado” deve igualmente evitar o lugar-comum das ve-

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lhas formas de análise, revigorando-se por uma perspectivamultidisciplinar.

Se podemos dizer que a obra de arte, a priori, não temmercado, podemos igualmente afirmar que o verdadeiro inte-lectual é aquele que, não compactuando com os gruposhegemônicos do poder, discute a linguagem dominante dentrode seu próprio discurso, driblando as regras do jogo sem fazer,porém, concessões; empreende-se ainda num profundo mergu-lho no centro do problema, mesmo que para isso seja, indefini-damente, colocado às margens do processo.

Repensar a questão da sobrevivência da arte a partir daquestão da postura do intelectual (“integrado ou apocalíptico”)pode (e deve) ser mais uma forma de resistência ao discursoalienante de aceitação. Abro espaço para a oportuna colocaçãode Foucault em seu Microfísica do poder.

Ora, o que os intelectuais descobriram recente-mente é que as massas não necessitam deles parasaber; elas sabem perfeitamente, muito melhor doque eles; e elas o dizem muito bem. Mas existeum sistema de poder que barra, proíbe, invalidaesse discurso, esse saber. Poder que não se encon-tra somente nas instâncias superiores da censura,mas que penetra muito profundamente, muito su-tilmente em toda a trama da sociedade. Os pró-prios intelectuais fazem parte desse sistema. Opapel do intelectual não é mais o de se colocarum pouco à frente ou um pouco de lado para di-zer a muda verdade de todos; é antes o de lutarcontra as forças de poder exatamente onde ele é,ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento.3

Assim como se fragmenta a intelectualidade, segmenta-sea sociedade em grupos que recebem a denominação de “tri-bos”: segmentos de mercado criados com a dupla finalidadede diversificar o consumo a partir da criação de novos públi-cos-alvo e de melhor exercer este controle central, num típicoprocesso de esfacelamento de uma unidade sócio-cultural, ede destruição da categoria de indivíduo, agora um “constructo”,

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uma ilusão. A esta segmentação, Habermas chamaria de “pro-cesso de guetização”, conforme o exposto em seus recentesestudos. Não se depreenda daí a intenção explícita dehierarquização: a palavra “gueto” perde, aparentemente, o seusentido mais pejorativo ou mesmo de juízo de valor, já que,como diria Baudrillard, objetos diferenciados como o últimonúmero da Playboy e um importante tratado de paleontologiatêm, dentro do ambiente programado da nova cultura doshopping, o mesmo valor.

Aprisionada, controlada e vigiada, a cultura dos cultos, acultura dos letrados, dos “Tratados de paleontologia” e de polí-tica, ou como quiserem chamá-la, comporta-se como elementoa respaldar a cultura de massa, a cultura do shopping. Ao me-nos, é exatamente esta a impressão que a estrutura central decontrole tenta nos passar: fazendo uso de suas “máscaras” cul-turais e estilísticas, não a rejeita por completo, porém, não aassume como discurso esclarecedor. De um falso esclarecimen-to até às estruturas mais intrínsecas de uma nova realidade decomportamento, quase sempre contemplativo e raramente ati-vo, muito da noção de “real” se perdeu no caminho.

Este processo de esquizofrenização inicia-se na lingua-gem: repartida em várias “linguagens”, pulveriza-se paralela-mente à fragmentação do tempo em uma série de presentesperpétuos que, mais uma vez, transformam a realidade emimagens isoladas – cada vez menos o suposto sujeito tem acessoao real verdadeiro, já que seu contato com as imagens(manipuláveis) intensifica-se. Segundo Jameson,

[...] a produção cultural foi empurrada para o interi-or da mente, para dentro do sujeito monádico: jánão mais fita diretamente, com os próprios olhos, omundo real, à procura do referente; como na caver-na de Platão, ele é forçado a buscar a suas imagensmentais do mundo nas paredes do seu confinamento.4

A morte definitiva do sujeito burguês é decretada face aocapitalismo corporativo, às burocracias empresariais e esta-

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tais; ele é agora um mito, uma mistificação filosófica, desliga-do de sua realidade, desterrado e hospedeiro em sua próprianação e anulado no conceito de “massa”.

Este “consumidor” voyeur das imagens da mídia está di-ante de um aparato cada vez mais moderno; ele e seu hologramaconfundem-se. O seu conhecimento (quando existe) é despre-zado em favor da informação que lhe chega aos ouvidos. Suavida privada, imersa no social, confunde-se com a pública, e oartista vê, não raras vezes, sua obra ser consumida e legitima-da muito mais pelo escândalo e pelas conotações biográficasdo que, propriamente, pelo seu teor e valor artístico. A ques-tão do público e do privado passa ainda pela noção demilitância: A quem este “ex-sujeito” seria leal”? Às empresas,aos estados ou aos grupos sociais?

A identidade passa a ser camaleônica, oblíqua; a informa-ção, manipulada e moldada ao gosto daqueles que a veiculam,garante a sobrevivência desta “cultura do narcisismo”.

O presente estudo propõe buscar algumas alternativas, jáque poucos, ou mesmo ninguém, até hoje, se propôs a dar umaresposta definitiva (se é que ela de fato existe), a uma pergunta-chave: haverá alguma chance de sobrevivência da arte (e daliteratura em específico) dentro deste texto/contexto?

Encerrando esta breve apresentação do tema central e dasvárias temáticas paralelas, fixo como obra a ser analisada oromance Estorvo, de Chico Buarque de Hollanda; a escolhada obra não foi aleatória - relaciona-se ao ponto fundamentalque a identifica com as categorias críticas aqui desenvolvidasdentro desta nova ótica cultural proposta pelos núcleos dedecisão da sociedade de consumo. As estratificações sociaisnão se apresentam mais de forma vertical, mas sim dispostashorizontalmente em simplificações do tipo in e out. De umlado, os novos heróis de consumo, ocupando o lugar dos anti-gos heróis românticos. De outro, a grande massa out, fora doscircuitos de poder e alienada dos grandes movimentos e deci-sões no interior da sociedade. A valorização do poder de com-pra, em detrimento do poder de ação, ativa as diferenças entreo que Hanna Arendt nomeia “vida ativa” e “vida contemplativa”

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– partindo do princípio de que o shopping é o espaço da con-templação por excelência e do culto ao voyeurismo, no lugarda idéia kantiana de “cidadão do mundo” prevalece a figurado espectador em oposição à do ator – não mais “atuamos” narealidade que nos cerca; o conceito de vontade geral viu-se,posteriormente, manipulado pelos meios de comunicação demassa que trabalham a opinião pública, moldando as “vonta-des”. Os espectadores têm, portanto, a falsa impressão de es-tarem “atuando” quando, na verdade, os possíveis conflitos echoques de opinião são bem gerenciados pelo poder e aca-bam, paradoxalmente, por fortalecê-lo.

O desempregado surge daí como a figura out mais signifi-cativa - um produto indesejável do capitalismo pós-industrial,exposto e dissecado na obra de Chico Buarque de forma exem-plar; o seu personagem central, meio louco, meio artista, per-corre as ruas numa atitude que mescla fuga e procura, numapostura contraditória e equivocada.

As cidades, as ruas e seus cenários, surgem como o espa-ço da violência e da liberdade, das quais é preciso fugir paraproteger-se. Em oposição às zonas de conflito zero doShopping Center, onde as tensões da dispersão da cultura, entreoutras, se anulam, coloca-se o espaço do suposto caos, o lu-gar da diferença, onde todas as discrepâncias e “dessintonias”pós-modernas revelam-se mesmo que involuntariamente, poisnão há mais como escondê-las. Neste espaço, o melting potou melting pop da nossa cultura mostra-se exuberante, apos-tando nos vários diálogos possíveis entre as diversas vertentesformadoras deste conjunto plural.

Saímos. Lá fora, desta vez, não havia como dis-farçar com neblina o calor, a realidade – eis oproblema desta cidade em seu centro nervoso: ocalor e a gente feia e suja, à espreita, não passa deum campo de batalha.3

Tendo em vista, entretanto, a pluralidade e a complexida-de do momento histórico que atravessamos, fixar determinada

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obra como ponto central de análise, em detrimento de tantasoutras tão “úteis” à discussão e tão desveladoras quanto aque-la, seria impor uma “camisa de força” ao debate rico em ma-nifestações e subsídios. Sem fugir ao objetivo principal do tra-balho crítico _ o repensar da literatura enquanto objeto artístico,teórico e até mesmo de consumo _ entrego-me à discussão ereleitura de obras como O quieto animal da esquina, de JoãoGilberto Noll, e também o conto “O duelo”, de Sérgio Sant’Anna,que inspirou-me a refazer criticamente o mesmo caminho já tri-lhado pelo escritor sem mercado, sem leitores e sem grandesperspectivas de sobrevivência, tal qual sua produção.

No interior do fenômeno literário está o método, o que,entretanto, não invalida as tantas chances de diálogo com asciências afins; esta é, sem dúvida, uma das mais fecundas idéi-as lançadas neste trabalho – fazer cair, definitivamente, as últi-mas barreiras existentes entre os textos das áreas “intraliterária”e “extraliterária”, acreditando ser preciso, mais do que nunca,trazer conhecimentos das áreas da cultura, sociologia e atémesmo da política para o interior do eixo central de discussãosob pena de, não o fazendo, incorrer no mais grave erro jácometido no campo das ciências humanas: a empobrecedorasetorização disciplinar.

Se nenhuma obra existe no vazio, mas sim imersa no con-texto social circundante, a questão do comportamento e cos-tumes de uma época, mais do que base ao texto literário, servetambém como inspiração para um modelo formal tão caóticoquanto a realidade (incoerente) que pretende reler. O ponto departida para esta releitura crítica (pura mimese) é o fenômenoliterário e seus desdobramentos. A relação entre os elementos“intra” e os elementos “extraliterários” mostra-se intrínseca,permeada por estratégias e mecanismos mantenedores do statusquo que, muitas vezes, passam despercebidos mesmo aos olha-res mais atentos. Cabe à arte e, especialmente, à literatura,cumprirem com sua função transgressora no resgate da verda-de das coisas ou, em última instância, de subversão às regrasque as oprimem e a tantos outros que ousam insurgir-se con-tra a suprema vontade do sistema. Cito Habermas: “A arte

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cola-se à pele do real, não para capitular diante dele, mas paradissolvê-lo por dentro.”5

Inicio aqui, portanto, minha caminhada; uma caminhadaque se utiliza das obras para debater não apenas as infinitaspossibilidades de leitura, mas sim a quase impossível atividadede escritura; leitura/escritura: processo circular de busca e pro-dução de conhecimento que agora se vê esmagado pela forçacentrífuga da mass media, produtora de informação e “seqües-tradora” do conhecimento.

Notas1 BAUDRILLARD, J. (1975), p. 202 MORIN, E. (1984), p. 1673 FOUCAULT, M. (1982), p. 714 JAMESON, F. (1996), p. 455 HABERMAS, J. (1980), p. 34

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* ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 116.

1 - O “shopping-panóptico”:a cultura vigiada

“Para todos algo está previsto; para que ninguémescape, as distinções são acentuadas e difundi-das. O fornecimento ao público de uma hierar-quia de qualidades serve apenas para umaquantificação ainda mais completa. Cada qualdeve se comportar, como que espontaneamente,em conformidade com o seu level,previamente ca-racterizado por certos sinais, e escolher a catego-ria dos produtos de massa fabricada para seu tipo.”

Adorno & Horkheimer*

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1.1 - A construção ideológicaA estrutura segura, equilibrada e bem controlada do

Shopping Center pressupõe a existência de um espaço ante-rior em desequilíbrio e descontrole, numa conflituosa rela-ção “dentro/fora” que expõe o momento crítico:

Encontrar aberta a cancela do sítio me perturba.Pensonos portões dos condomínios, e por um instante aquelacancela escancarada é mais impenetrável. Sinto que,ao cruzar a cancela, não estarei entrando em algumlugar, mas saindo de todos os outros.Dali avisto todo o vale e seus limites, mas ainda as-sim é como se o vale cercasse o mundo e eu agoraentrasse num lado de fora...1

O “trancar-se” tornou-se uma imposição: seja com a fi-nalidade de proteger-se ou mesmo com a intenção de propi-ciar qualquer tipo de “clima” para as relações, abaladas pelaculpa e por um sentimento irreparável de solidão:

Quatro anos e meio vivi com essa mulher. Masvivi de me trancar com ela, de café na cama, detelefone fora do gancho, de não dar a cara na rua.Um sorvete na esquina, no máximo uma sessãoda tarde, umas compras para o jantar, e casa. En-trei nuns empregos que ela me arrumou, na se-gunda semana eu caía doente, e casa.2

A relação “dentro/fora” possui, inegavelmente, uma sé-rie de significados que se modificam de acordo com oreferencial _ a tomada crítica, tal qual num jogo de câmeras,pode correr de um pólo ao outro mudando totalmente o sen-tido e, portanto, invertendo os valores: o que antes era “den-

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tro” passa a ser “fora” e vice-versa. O enfoque aqui propos-to, no entanto, evidencia o caráter controlador e cerceadordos espaços “dentro”: o personagem central do romance aoqual dedicamos essa análise parece hesitar ante a forçosaopção entre “entrar” ou “sair” _ entrar pode significar prote-ger-se, aliviar-se de sua existência (livrar-se da “mala”) oumesmo poder senti-la em toda a sua plenitude:

[...] Eu esperava por ela em casa. Habituei-mesem ela em casa, andava nu, cantava. Mudava aarrumação da sala... Já gostava da casa sem mi-nha mulher. Sozinho em casa eu tinha mais espa-ço para pensar [...]3

“Entrando” no Shopping, aqui visto como a metáfora porexcelência da cultura atual, estamos “saindo” de um espaço an-terior, de essência diametralmente oposta. Uma atitude incoe-rente que pode representar, acima de tudo, uma fuga da liberda-de, uma exposição muito mais do que uma proteção.

A presença de um sítio para onde foge instintivamente este“personagem” sem identidade de C. B. de Hollanda é mais umaevidência em nosso caminho crítico do quanto a categoria deespaço (e também de tempo) tornou-se parte integrante (e, porque não dizer, elemento estruturante) não só do texto literáriomas, sobretudo, do texto social. O sítio pode ser o nada, o espa-ço ideal, a alienação ou o encontro consigo mesmo, numa at-mosfera de constante contradição: “o sítio é uma ilha boiandono nada, com a neblina espessa vedando os seus contornos.”4

Mais uma vez, estar “dentro” significa proteger-se do peri-go que há lá fora, de uma perseguição constante, de um perigoiminente: “Não preciso olhar o sexto andar para saber que eleme vigia da minha janela. Verá que aperto o passo e sumo cor-rendo na primeira à esquerda...”5

Disfarçadas sob a forma de privilégio, fuga, alienação econseqüente solidão, terminam por gerar no sujeito pós-mo-derno uma certa aversão aos espaços de “fora”: “As pessoasque moram de frente para o mar não aparecem nas janelas...Mas as pessoas dos prédios modernos também têm pudor de

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aparecer nos terraços.”6

Presente com uma certa freqüência em nossa literatura, omar é também uma metáfora, a exemplo do Shopping: os sen-tidos, porém, não se equivalem _ pelo contrário, negam-se umao outro. Ir ao mar pode significar lançar-se, empreender al-guma mudança, aceitar o perigo inerente à própria existência.Já proteger-se no espaço de “dentro” pode significar até mes-mo, em última instância, inexistir. “Eu estava na praia olhandoo mar, o mar, o mar vomitando o mar, e agora já não é fácilatravessar de volta a avenida.”7

Num “mar” de dúvidas, o ex-sujeito pós-moderno, hesi-tante entre lançar-se ou meramente assistir a uma realidade (mas-carada) de camarote, é esmagado por uma cultura que o seduzcom um discurso de paz e segurança, ao seu alcance desde quehaja condições reais de comprá-lo.

Entretanto, nem sempre o direito à hesitação é concedido.Grande parte dos discursos são “sugados” para o interior daestrutura sem, para tanto, pedir-se licença. São discursos incor-porados (com ou sem choque) ao discurso maior de sedução econtrole. Ambos os componentes dessa fala central do poder sematerializam através do olhar enquanto absorção e prazer, ati-tude voyerista que evidencia o binômio partido ator/especta-dor: o olhar cúmplice do controle.

A sensação de estar sendo “olhado”, vigiado constantemen-te, poderá gerar, de certa forma, um prazer sado-masoquistacapaz de explicar determinadas atitudes “desencontradas” denosso personagem, que foge do controle/punição e procura ocontrole/proteção:

Agora me parece claro que ele está me vendo otempo todo. Através do olho mágico ao contrário,me vê como se eu fosse um homem côncavo. As-sim ele me viu chegar, grudar o olho no buraco etentar decifrá-lo, me viu fugir em câmera lenta...me viu voltar com a fisionomia contraída e ver queele me vê e me conhece melhor do que eu a ele.8

Uma espécie de onisciência (ou onipresença) paira no ar.

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O personagem foge deste olhar perseguidor, mas, paradoxal-mente, busca proteção sob o olhar fiscalizador de uma ex-esposa, de uma irmã milionária ou mesmo de uma mãe tãofútil quanto ausente, uma figura intangível como seu espaçode liberdade, nunca encontrado.

Sedução e armadilha ao mesmo tempo, é a partir do olharque a vigilância aplica-se, de forma exemplar, num modelosemelhante ao da estrutura “Panóptica” . O “Panóptico deBentham” é uma figura arquitetural, descrita por MichelFoucault em sua obra Vigiar e punir. Uma construção em for-ma de anel na periferia apresentando no centro uma torre; estaé vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna doanel – sobre a estrutura nos fala Foucault:

[...] a construção periférica é dividida em celas, cadauma atravessando toda a espessura da construção;elas têm duas janelas, uma para o interior,correspondendo às janelas da torre; outra, que dápara o exterior, permite que a luz atravesse a cela delado a lado. Basta então colocar um vigia na torrecentral, e em cada cela trancar um louco, um doen-te, um condenado, um operário ou um escolar. Peloefeito da contraluz, pode-se perceber da torre, re-cortando-se exatamente sobre a claridade, as peque-nas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantasjaulas, tantos pequenos teatros, em que cada atorestá sozinho, perfeitamente individualizado e cons-tantemente visível. O dispositivo panóptico organi-za unidades espaciais que permitem ver sem parar ereconhecer imediatamente. Em suma, o princípioda masmorra é invertido; ou antes, de suas três fun-ções – trancar, privar de luz e esconder – só se con-serva a primeira e suprimem-se as outras duas. Aplena luz e o olhar de um vigia captam melhor quea sombra, que finalmente protegia.9

Esta figura arquitetural é aqui tomada não apenas comosolução espacial dentro de um contexto assumidamente de con-trole, vigilância e punição. É o “Princípio Panóptico”, trans-posto para a estrutura do Shopping Center enquanto ponto dedifusão de novos hábitos de consumo culturalizado, que serve

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como um dos mais fortes alicerces para o estudo. A estruturapanóptica é ambígüa e serve-se da própria ambigüidade paracriar uma imagem difusa de sua real essência – construindo-sea partir de matrizes do tipo não ver/ser visto, sombra/luz; sua“construção ideológica”, muito mais do que um mero modeloarquitetônico, é aplicável a qualquer outro contexto em que sedeseja atingir o mesmo tipo de efeito controlador.

A partir de um controle quase imperceptível, cada indiví-duo tem a nítida sensação de estar protegido do “estado depeste” (a peste chamada violência) que reina lá fora; “objetosde uma informação e nunca sujeitos de uma comunicação”, osindivíduos têm ainda a impressão de serem capazes de guiar assuas escolhas, na pretensão de estarem exercendo uma espé-cie de livre-arbítrio – ledo engano: o que fazem é apenas en-quadrar-se nas pré-moldadas “tribos” que, a partir de uma fal-sa idéia de grupo espontaneamente formado a partir de afini-dades, acabam por implodir com a idéia e o sentido verdadeirode coletividade.

Segundo Foucault,

[...] A multidão, massa compacta, local de múlti-plas trocas, individualidades que se fundem, efei-to coletivo, é abolida em proveito de uma coleçãode individualidades separadas. Do ponto de vistado guardião, é substituída por uma multiplicidadeenumerável e controlável; do ponto de vista dosdetentos, por uma solidão seqüestrada e olhada.10

Este “guardião” a nos vigiar vê na dispersão do Shoppingo meio ideal para exercer seu controle. A multiplicidade assu-me um sentido bem diferente da noção de multiculturalismo;deve-se, ao contrário, tomar-se um extremo cuidado com autilização deste último termo. A multiplicidade adquire nocontexto em debate um caráter conivente com a natureza cru-el do controle – é mais fácil administrar a dispersão do que acoesão de grupos que poderiam, eventualmente, se transfor-mar em núcleos formadores de opinião.

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A Estrutura Panóptica tende, por seu trabalho incessantee minuciosamente elaborado, a “minar” as resistênciascomportamentais em contrário. Com a desculpa de estar cri-ando um ambiente seguro, ideal, protegido das tensões docotidiano deixadas “lá fora”, acaba se tornando a grande ame-aça a uma sociedade reduzida aos limites do previsível.

O Shopping-Panóptico, além de um excelente laboratóriode poder, serve também como fonte das linhas mestras da con-duta do bem-viver. O comportamento humano é alterado efi-cazmente e, em cada vitrine, em cada “esquina” de corredoresgélidos e bem iluminados, os objetos do poder parecem ririronicamente da sutileza com que penetram e modificam nos-sas velhas estruturas de pensamento.

É preciso estabelecer, no entanto, as diferenças entre o“dentro” e o “fora” – para atacar a “desordem”, a “peste” queimpera “lá fora” (no espaço aberto das cidades) é que o poderse levanta, partindo, caridosamente, em nossa “defesa”. Destemal extraordinário, nos fala Foucault:

O Panóptico funciona como uma espécie de laborató-rio de poder. Graças a seus mecanismos de observa-ção, ganha em eficácia e em capacidade de penetra-ção no comportamento dos homens; um aumento desaber vem se implantar em todas as frentes do poder,descobrindo objetos que devem ser conhecidos emtodas as superfícies onde este se exerça.Cidade pestilenta, estabelecimento panóptico, as di-ferenças são importantes. Elas marcam, com um sé-culo e meio de distância, as transformações do pro-grama disciplinar. Num caso, uma situação de exce-ção: contra um mal extraordinário, o poder se levan-ta; torna-se em toda parte presente e visível, inventanovas engrenagens; compartimenta, imobiliza,quadricula; constrói por algum tempo o que é aomesmo tempo contracidade e a sociedade perfeita;

Neste dualismo simples – “vida/morte” – tudo o que semovimente, a crítica, o questionamento (inimigos do imobilismo),qualquer força contrária, enfim, deve ser morta. Que estruturasde poder e que forças são essas?

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Tal qual a nossa sociedade, dividida em grupos de consumo(as “tribos” ou segmentos de mercado), vítima de uma“quadriculação” exemplar, a economia também pulverizou-se:não sabemos mais determinar quem detém o poder econômico,se este ou aquele grupo; na esfera política, a descentralizaçãoestá muito mais ligada ao atendimento dos interesses de ocasiãodo que propriamente ao estabelecimento de uma democraciaparticipativa plena. A fórmula “você decide” nos dá uma falsaimpressão de possuirmos algum poder determinante dos nossosdestinos. Determinar as estruturas de poder a partir de suas ori-gens pode ser, portanto, tarefa mais árdua do que a determina-ção de seus efeitos e mecanismos de execução.

O exercício do poder, agora mais leve e mais eficaz, vê naEstrutura Panóptica o “Ovo de Colombo” da ordem política. Asociedade de consumo e da mass media se vê esmagada pelareconfortante possibilidade de “paz” (mesmo que ilusória) ofe-recida por estes “paraísos artificiais”.

Esta unanimidade no que se refere ao Shopping enquantoespaço de conflito zero, lugar de “primavera perpétua” e fugadas tensões produtivas (de questionamentos, choques e ações)advém de um “conceito de vontade geral”, tão antigo quantoeficaz – manipulado pelos veículos que trabalham com a opi-nião pública, é capaz de gerar um efeito de prazer, segurança econseqüente mobilização em torno dos shoppings.

1.2 - Uma economia culturalDe maneira oposta, a recepção da literatura na socieda-

de de consumo passa, não raramente, muito mais pela ques-tão do gosto individual do que propriamente da aceitaçãocoletiva; trata-se sim de uma questão de opções que se apre-senta tanto àquele que produz o texto quanto àquele que oconsome – teorias (como a de Stendhal) que expõem a ques-tão dos poucos leitores (Happy few) já abordam a realidadedo fracasso e do ressentimento incorporados à trajetória dosintelectuais e escritores que investem num mergulho críticodas estruturas que, face às suas opiniões, passam a negar-lhes apoio. Oportuna é a citação de Augusto de Campos em

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seu O Anticrítico: “O que o público vaia, preserve. É você.”11

A compreensão tardia de uma arte adiada envolve aindamais nosso “personagem-estorvo” numa atmosfera de des-locamento e marginalidade: a presença de um amigo literatocom o hábito de declamar poesias e realizar discursos decunho socialista caracteriza-se como mais um indício de quecertas “linguagens” não encontram eco no meio social, aomenos no tempo presente:

[...] as poucas pessoas que suportam poesia, nãosuportam francês... Não sei o que as pessoas pen-sam de mim, do meu amigo, da nossa amizade.Às vezes eu achava que ele preferia mesmo dizercoisas que os outros só pudessem compreenderanos depois. As palavras que buscava, as pausas,e sobretudo o seu tom de voz, tão grave, faziam-me crer que ele era dessas poucas pessoas quesabem pensar e falar com o tempo dentro.12

Retomaremos, mais tarde, esta mesma questão de cará-ter anacrônico de certas obras.

A questão mercadológica, no entanto, fala mais alto: alista dos best-sellers ganha espaço privilegiado dentro docálculo de objetos do Shopping. É possível mesmo dizer quea literatura comumente comercializada nestes centros têmseu significado preso a uma significação total do ambienteque a abriga. A “mercadoria literária” forçou o escritor a“profissionalizar-se”, aceitando as regras do jogo e colocan-do-se a serviço dele, conscientemente ou não.

Um dos deslocamentos mais significativos que ocor-reram nos últimos quarenta anos tem que ver com asituação de classe dos escritores (ou, de modo maisamplo, dos intelectuais). [...] Esse fato abre contra-dições que não podem ser consideradas aqui (nemem termos sociológicos nem em termos culturais epolíticos). Mas urge salientar o que ele significa:como ser humano e como cidadão, o escritor funde-se, em massa, com condições indesejáveis de em-

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prego, de meio de vida e de auto-realização. Ele jánão pode ser socialmente porta-voz automático daselites e instrumento de dominação cultural, emboraseja levado a muitas ambigüidades e omissões, queo colocam, voluntariamente ou contra a vontade, aserviço dos donos do poder.13

Contrastando com a solidão dos povos consumidores deuma literatura quase restrita aos círculos acadêmicos, os “ob-jetos literários” de grande aceitação não se oferecem isola-damente; repartindo sua significação com outros objetos,mesmo os não literários, ela está presa ao contexto; conso-me-se a parte pelo todo, um todo de múltiplas ofertas, múlti-plas opções, que propõe uma atitude de não hierarquizaçãode um consumo tão descontrolado quanto indistinto, um des-controle e uma indistinção, obviamente, já previstos.

Nas ruas mais animadas de Londres, os armazénsapertam-se uns contra os outros e, por detrás dosseus olhos de vidro sem olhar, repartem-se todas asriquezas do universo: xales índios, revólveres ame-ricanos, porcelanas chinesas, espartilhos de Paris,vestidos de peles da Rússia e especiarias dos Trópi-cos; mas todos esses artigos, que já viram tantospaíses, apresentam fatais etiquetas esbranquiçadasonde se encontram gravados algarismos árabes se-guidos de caracteres lacônicos? L, S, D (libra ester-lina, xelim, pence). Eis a imagem que oferece a mer-cadoria ao aparecer na circulação.

A profusão, o amontoado de objetos, nos sugere uma at-mosfera de euforia, de espetáculo, de “festa”. Dentro deste pro-cesso de encadeamento de significantes nos vemos diante denecessidades que, na verdade, não existem. Diante de taluniversalismo e de um estilo próprio acrescido de alguma inteli-gência (mesmo que tomada por empréstimo), somos levados a“consumir” e “descartar” uma literatura que se presta a esse“uso” – na verdade, face à dissolução das velhas barreiras entrecultura letrada e cultura massiva, o que representa o verdadeirodesperdício (vide Bataille): a arte que se propõe a ser atemporal

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ou aquela que se enquadra nos padrões de descartabilidade?No modelo panóptico, a simplicidade do princípio de visi-

bilidade e controle assemelha-se à simplificação de conteúdose angústias da vida real, “Extra-Shopping”.

A visibilidade, afinal, passou a ser uma constante em nos-sas vidas _ quanto mais integrado à cultura dominante está oindivíduo, mais visível à estrutura este se coloca. A casa devidros da irmã rica e bem relacionada do personagem-centro éum típico exemplo de como colocar-se “à mostra” convenien-temente, “desaparecendo” apenas quando necessário:

A casa da minha irmã é uma pirâmide de vidro,sem o vértice. Uma estrutura de aço sustenta asquatro faces, que se compõem de peças de blindexem forma de trapézio, ora peças fixas, ora portas,ora janelas basculantes. As poucas paredes inte-riores de alvenaria foram projetadas de modo quequem entrasse no jardim poderia ver o oceano eas ilhas ao fundo, através da casa... Hoje é comose o jardim estivesse aprendendo arquitetura.14

Ver através da casa é a intenção: apenas o tipo de olhar éque será capaz de definir o sentido _ de fora para dentro ou dedentro para fora. A clareza, o estilo clean, o “dar-se” à visãodo outro, parecem coisas tão transparentes e simples quantosubstituir o conflito pela “felicidade”.

Dessa maneira, a complexidade de estruturas e conflitosentre trabalho, natureza e cultura é reduzida a zero; a angústiacede lugar ao “conforto” e a anarquia e o caos do espaço ex-terior dão lugar à “felicidade” de ter tudo ao alcance dos olhos,ao mesmo tempo em que também se é observado. O binômio“ver-ser visto” (e o provável prazer que dele advém) nunca foitão bem explorado; esta satisfação virtual nos faz estar presose vigiados e, paradoxalmente, contentes e incentivados a ali-mentar cada vez mais as raízes do processo através do consu-mo de seus bens.

Na “sociedade do espetáculo” a “cultura do narcisismo”se vê alimentada pela proposta individualizante traduzida na

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noção de consumidor-espectador, visível, tanto quanto con-trolável; tal qual Narciso, este consumidor situa-se eternamenteàs margens do processo, observando algo que supõe ser a suaimagem, forjada através do “quadriculamento disciplinar” queo faz integrar uma das tantas “tribos” existentes. Habitantedas margens, o consumidor (antigo indivíduo) simplesmenteignora os movimentos que ocorrem em seu interior, desco-nhecendo aqueles que o controlam e que detém o capital e,conseqüentemente, o poder. Insurgir-se contra ele numa reali-dade corporativista das grandes burocracias empresariais, dasmultinacionais e da crescente internacionalização do capital,torna-se, cada vez mais, uma tarefa praticamente impossível.

Em oposição a esta individualização proposta pelo siste-ma está a constatação da morte do indivíduo, agora uma cate-goria, um conceito teórico mais do que uma realidade. Queindivíduo é este, que vaga pelas ruas sem rumo, que sequerpossui um nome, um emprego ou um rosto?

Sem nomes, sem identificação: assim são os personagensem Estorvo. Apenas funções sociais e estereotipias marcam aexistência de figuras que perpassam a obra tão fortuitamentequanto as memórias de uma vida no limite da extinção.

Extinto mesmo está o velho “sujeito” burguês, uma meramistificação filosófica. Sua morte torna-se patente através dadifícil tarefa de “reconhecer” algo assim como um rosto forja-do, uma personalidade criada, nada autêntica.

Vou regulando a vista, e começo a achar que co-nheço aquele rosto de um tempo distante e confu-so... e é sempre alguém conhecido mas muito di-fícil de reconhecer... Não é bem um rosto, é maisa identidade de um rosto, que difere do rosto ver-dadeiro quanto mais você conhece a pessoa.15

A procura por uma identidade perdida passa a ser algo quebeira a insanidade, algo só possível pelo suplantar de todos ossentidos já existentes, incapazes de percebê-la, já que não exis-te: “... fica me olhando como um cego olha, não nos olhos, masem torno do meu rosto, como que procurando a minha aura.”16

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No ambiente do Shopping, reforça o autor, as individuali-dades (enquanto identidades) se perdem:

Invejo um pouco as cabeças que despontam no vão,que sobem curiosas uma atrás da outra na escadarolante, cabeças que esticam o pescoço, e vão crian-do corpo, e criam pés que saltam na sobreloja, eviram pessoas que agitam cabeças que falam, pis-cam, riem e mastigam triângulos de pizza por ali.17

O que temos são autômatos; a previsibilidade dos atos fazparte dos planos de controle. Mastigar, falar, andar, comprar,existir independentemente de qualquer sentido de existência, estaé a norma. As “invejáveis cabeças” que emergem da escada ro-lante nada mais são do que um exemplo de integração _ a pró-pria ex-mulher conseguiu integrar-se (“adaptar-se”): de antro-póloga à vendedora de uma butique de luxo.

A esta altura, outra metáfora comumente encontrada eminúmeras obras advém desta suposta “crise de identidade” (su-posta, já que a crise em questão, para existir, pressupõe a pré--existência de um sujeito): a metáfora do espelho; umespelhamento que busca pontos de identificação em traços for-jados, estereotipados e impostos, resultado do “quadriculamentodisciplinar” do qual nos fala Foucault e tão presente nos lugaresde confinamento (declarado ou não): “Eu não olhava o espelhohá tanto tempo que ele me toma por outra pessoa.”18

O “Panoptismo” dos shoppings é, em escala menor, umamicroestrutura em sintonia com uma realidade “macro”: a apo-teose do consumo é a afirmação dos mecanismos de poder econtrole, num espaço programado e artificial. Fala-nos Foucaultdo modelo panóptico:

Ele é (ressalvadas as modificações necessárias) apli-cável a todos os estabelecimentos onde, nos limitesde um espaço que não é muito extenso, é precisomanter sob vigilância um certo número de pessoas.19

A literatura, “absorvida” pelo processo, foi “sugada” pelas

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forças do interior desta estrutura, reagindo em concordânciacom os movimentos do meio circundante: cultura letrada e cul-tura massiva confundem-se pela ação do mimetismo neutro dopastiche, processo semelhante ao “multiculturalismo” tão em“voga”. Vivendo nesta vertigem do real, a homogeneização tor-na-se inevitável; se no pós-modernismo, segundo estudiososcomo John Barth, todos os estilos já foram inventados, resta àliteratura imitar estilos mortos, fazendo uso de máscarasestilísticas já que a inovação não é mais possível.

Em última análise, a moldura ficcional de sucesso do tipopolicial ou mesmo pornográfico está presente em Estorvo. Adiferença entre esta e outras obras igualmente “bem vendi-das” está no fio condutor da narrativa: o eixo sêmico princi-pal não é a questão da perseguição policial ou mesmo asrelações entre personagem central e ex-esposa, garota docabelo crespo e irmã (às quais, dirige, por vezes, um olharsexuado); de certo que há uma série de sinais pelo caminhoque apontam para as já citadas molduras, embora o autornão faça delas a lógica estruturante do romance. A fuga econseqüente erraticidade de seu personagem-centro, condu-zido pela narrativa ao invés de seu condutor, dão-se muitomais por uma imposição das “memórias” embaralhadas deum passado obscuro do que propriamente pela existênciadesse homem desconhecido/reconhecido através do olhomágico, a espreitar-lhe do outro lado da porta.

As “máscaras estilísticas”, portanto, caem na medida emque outros sinais sugerem o “pastiche” como prática de ummimetismo neutro; as molduras são aceitas, embora não pau-tem todo o discurso. O sucesso da obra, neste caso, podeestar muito mais associado à personalidade pública do autordo que à qualidade de seu livro, principalmente por tratar-se(autor) de uma “estrela” nos meios de comunicação de mas-sa, o que já é apelo suficiente ao consumo de seu produto.

Uma lógica que do ponto-de-vista artístico parece cruel,quando não fatalista, do ponto-de-vista prático representasimplesmente a lógica vigente da sociedade de consumo. Defato, uma economia cultural foi instaurada, anulando as

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antigas ideologias e promovendo a queda das grandes narra-tivas que não mais ecoariam numa sociedade preparada paraconsumir, e não para pensar, e onde as relações mudaram defoco: em lugar da relação Homem-Homem, a relação Ho-mem-Objeto, mediada pelas estratégias de venda. A indús-tria cultural, portanto, cuida de criar um “campo ilusório”,mistificador, que prega a noção do caos como fatordesagregador e condicionador de qualquer proposta teóricaemergente ao nada, ao vazio. Esta “alegoria da ruína”, jádescrita por Benjamin em seus trabalhos, assume um caráternão descritivo, mas sim pejorativo, tanto quanto impositivo– mecanismos opressores do livre-arbítrio, próprios da in-dústria cultural, transformam o universal em particular atra-vés de uma ideologia falsa e subjugam a obra de arte e, porextensão, o objeto artístico, à idéia de satisfação de um pú-blico-alvo – mais uma forma de controle em concordânciacom a racionalidade técnica instaurada.

1.3 - Vida social, vida cultural e Nova Ordem EconômicaA essência do pensamento científico na pós-modernidade

igualmente fragmentou-se. A leitura do texto/contexto doShopping Center engrossa a fileira das tantas leituras exis-tentes que se propõem a um fim dialético e não arbitraria-mente conclusivo. Sobre o assunto nos fala Stanley Aronowitzem seu ensaio “Pós-Modernismo e Política”:

O referencial do pensamento pós-moderno é a prá-tica, tanto na ciência quanto na conduta humana.Sua tarefa não é fornecer uma estrutura axiomáticaque guie o pensamento, mas realizar “leituras”sobre textos científicos, culturais e sociais: A fun-ção da leitura é reiterar a imanência do texto, ex-plicando suas antinomias e contradições (em ter-mos mais históricos, sua tendência) ou desvendarsua latência, verificando até que ponto se confor-ma a um princípio primeiro ou a uma lógica apriori, apesar dos protestos em contrário.20

É através destas leituras não conclusivas, diversas, contu-

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do, que se torna possível a correlação entre a emergência denovos traços formais na vida cultural com a emergência de umnovo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica, daqual o Shopping é eficaz representante e ponto difusor. Asso-ciar pós-modernismo à sociedade pós-industrial, sociedade deconsumo, sociedade da mídia ou do espetáculo, é muito maisdo que estabelecer relações lógicas: é chegar à chavedecifradora, à raiz do grande “mal-entendido” que se instalouna arte e, principalmente, nos seus processos legitimadores.

Utopia maior que o encontrar de respostas e saídasinterpretativas para a arte na sociedade de consumo é aquelacriada pelos shoppings: a da cidade perfeitamente governada.Para tal, fomenta-se a violência no espaço exterior para seacentuar os traços distintivos – os veículos de comunicaçãode massa incumbem-se da tarefa de veicular notícias “sangui-nolentas”, ao mesmo tempo em que incentivam a freqüentaçãodos shoppings, ressaltando as inúmeras vantagens por eles ofe-recidas. Para cada um, determinado espaço é oferecido; paraalguns, o espaço interior, para outros, o exterior. O importan-te é saber quem é ele (indivíduo) e onde deve estar. Sobre estacaracterização e este reconhecimento falaremos mais tarde.

Com a literatura não seria diferente: o mercado consumi-dor tenta manter o diálogo, rentável, com formas pop, como obest-seller, que se afirmam por “venderem bem” e não pelaqualidade do discurso veiculado. A “grande literatura”, no en-tanto, aposta não no compromisso com os seus contemporâ-neos (e o mercado que constituem), mas sim na possibilidadefutura de “consumo” da obra pelas suas sucessivas leituras àprocura dos alicerces de sua contemporaneidade. A bem di-zer, mesmo antes da época do cinema ou das artes dereprodutibilidade técnica, a literatura já era considerada porseus “artesãos” como pouco acessível ao comércio com seuscontemporâneos, anacrônica de fato. Machado de Assis, noprólogo “Ao leitor”, de seu Memórias póstumas de Brás Cu-bas, coloca esta questão interessante, dando o crédito da pri-meira abordagem do tema a Stendhal:

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Que Stendhal confessasse haver escrito um de seuslivros para cem leitores, cousa é que admira econsterna. O que não admira, nem provavelmen-te consternará, é se este outro livro não tiver oscem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nemvinte e, quando muito, dez.21

Alguns anos após a publicação do romance de Machadode Assis, encontramos em Nietzsche o mesmo tipo de coloca-ção; apesar de seguro da qualidade revolucionária de seu tra-balho filosófico e da importância do conhecimento dele para ahumanidade, Nietzsche não encontrou eco de suas idéias nasociedade de seu tempo, não conseguindo obter nas livrarias ena imprensa o reconhecimento de seus contemporâneos.

Os seus livros pouco vendiam e, portanto, pouco eramlidos; seu nome era ignorado. Em Ecce homo, o filósofo, emsua abertura, delineia o problema:

[...] a desproporção entre a grandeza de minha tare-fa e a pequenez de meus contemporâneos manifes-tou-se no fato de que não me ouviram, sequer meviram. Vivo de meu próprio crédito; seria um meropreconceito, que eu viva? Basta-me falar com qual-quer “homem culto” que venha à alta engadina noverão para convencer-me de que não vivo...22

Se o autor e sua obra são capazes de encontrar algumaperspectiva de sobrevivência ao menos na posteridade, talveza cultura e a arte encontrem também, mesmo dentro doconfinamento dos shoppings, alguma possibilidade de sobre-vivência futura, a partir de um possível despertar crítico que asdesvincule desse contexto minimizador e castrador. Não po-demos esperar, contudo, algum sentido de posteridade eeternização em obras que se valem do mercado, tais como obest-seller – pode-se, por outro lado, “medir” a importânciada obra justamente pelo silêncio equivocado que está na basede sua recepção pelos seus contemporâneos, a infinita coleti-vidade com a qual não assumiu compromisso.

O shopping-panóptico serve como o “termômetro” do “gos-

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to” coletivo. Diria Foucault:

O panóptico é um local privilegiado para tornarpossível a experiência com homens e para anali-sar as transformações que se pode obter neles. Opanóptico pode até constituir-se em aparelho decontrole de seus próprios mecanismos.23

1.4 - Arte e Mercado: diversão é o que importaEste “gosto” lança seu olhar em direção a uma “arte leve”,

descompromissada com qualquer ideal de purismo e compro-metida com as flutuações de mercado. Interessante é a coloca-ção de Adorno e Horkheimer sobre esta “arte consumível”:

A indústria cultural pode se ufanar de ter levado acabo com energia e de ter erigido em princípio atransferência muitas vezes desajeitada da arte paraa esfera do consumo, de ter despido a diversão desuas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoa-do o feitio das mercadorias. Quanto mais total elase tornou, quanto mais impiedosamente forçou osout siders seja a declarar falência, seja a entrar parao sindicato, mais fina e mais elevada ela se tornou,para enfim desembocar na síntese de Beethoven edo Cassino de Paris... A arte “leve” como tal, adiversão, não é uma forma decadente. Quem a las-tima como traição do ideal da expressão pura estáalimentando ilusões sobre a sociedade.24

Nos ambientes assépticos dos shoppings, a facilidade deacesso a esta arte cada vez mais atrai consumidores – um pú-blico consumidor de cultura, longe de ser um público pensa-dor de cultura, cai nas armadilhas do sistema e permite-se servigiado e controlado sem nem mesmo senti-lo; em vez disso, asensação de estar preso dá lugar a um sentido de proteção ebem-estar inigualáveis. À arte (a não “leve”) resta o lugar domal-estar e do mal entendido. O artista transforma-se numafigura marginal, incômoda, desagradável. Em lugar de pres-tar-se à função de resgate do real verdadeiro, à mimesisenfocada por Erich Auerbach, revivendo Aristóteles, esta arte

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consumível rejeita a catarsis e promove um efeito neutro epacífico de aceitação das imagens equivocadas, de flashes doreal, que mais se assemelham às imagens da caverna de Platão.

A cultura como diversão descarta por completo a idéia –quanto menos se pensa, maior é a diversão; a arte perde emoriginalidade para tornar-se um mero modelo repetitivo, umsimples prolongamento do trabalho. Diriam Adorno eHorkheimer: “A diversão é o prolongamento do trabalho sobo capitalismo tardio. Ela é procurada por quem quer escaparao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo emcondições de enfrentá-lo.”25

A repetição é a palavra de ordem; através dela não sóperpetuam-se os modelos num efeito de massificação do es-pectador, como também fecha-se a porta para possíveis mu-danças ou mesmo qualquer investida mais audaciosa de umintelectual ou artista pretensioso em excesso. Ainda naDialética do Esclarecimento acrescentam os autores:

O prazer acaba por congelar-se no aborrecimento,porquanto, para continuar a ser um prazer, não deveexigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosa-mente nos trilhos gastos das associações habituais. Oespectador não deve ter necessidade de nenhum pen-samento próprio, o produto prescreve toda reação:não por sua estrutura temática – que desmorona namedida em que exige o pensamento – mas através desinais. Toda ligação lógica que pressuponha um es-forço intelectual é escrupulosamente evitada.

A repetição gera o imobilismo: no Shopping-Panópticotudo se assemelha em cores, sons e tendências. O best-selleré a moldura estilística da “literatura” mais procurada. A “auto--ajuda”, ao lado do romance, por exemplo, passou à catego-ria de gênero e, diga-se de passagem, um dos mais procura-dos. Afinal, para que consumir um Nietzsche ou um Hegel sepodemos “aprender” tão interessantes fórmulas de “pensar”e proceder em verdadeiros “manuais” de magia, esoterismoou outro nome qualquer que se queira dar?

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É certo, contudo, que do diálogo com a cultura popularmuito se pode depreender; não é à toa que nos deparamoscom obras como o próprio Estorvo de Chico Buarque, na qualestamos investindo. Do diálogo entre a chamada cultura “eru-dita” e a cultura “popular” surgem produções de grande im-portância e, a bem dizer, a sobrevivência da cultura acadêmicadepende, em última instância, deste diálogo multidisciplinar,um diálogo a ser travado com as poucas produções que não sepropõem simplesmente a inculcar nas mentes a “mesmice” es-téril, mas sim a provocar qualquer tipo de reação (mesmo quecontrária) que estimule o indivíduo a exercitar a crítica e oraciocínio, há tanto abandonados.

Em suma, quanto mais solidifica-se a indústria culturalatravés de seus mecanismos de produção e difusão, maioressão o seu poder de controle e sua influência sobre os indivídu-os; ao consumir os produtos desta cultura estamos, de formaconsciente ou não, compactuando com o sistema produtivo.O shopping é o espaço planejado perfeito para a implantaçãoda disciplina de consumo e da possibilidade de diversão:

Quanto mais firmes se tornam as posições daindustria cultural, mais sumariamente ela podeproceder com as necessidades dos consumidores,produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e,inclusive, suspendendo a diversão: nenhuma bar-reira se eleva contra o progresso cultural... Di-vertir-se significa estar de acordo... Significa sem-pre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofri-mento até mesmo onde ele é mostrado.26

Pelas mãos hábeis do sistema controlador e de seus astutosargumentos, até mesmo o sofrer e a doença tornaram-se atraen-tes, consumíveis. No marketing dos planos de saúde, as ima-gens fantásticas vão desde hospitais tão alegres e ricamente de-corados qual galerias de arte, até helicópteros que dão a possi-bilidade de um “vôo” emergencial acima das mazelas dos po-bres mortais cá embaixo – prolifera a “literatura” enfocandoteorias do “bem-viver” e bem-estar físico, em detrimento do

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exercício mental tão saudável quanto as vitaminas consumidaspelos workolics mais inveterados.

Dentro de um programa de vida pré-estabelecido, freqüentaro shopping é um tema na ordem do dia – lá está a diversão, lá estáa cultura, lá está a arte, já que a arte pode estar em qualquer coisae qualquer coisa pode ser arte. Lá, supomos afastarmo-nos dotrabalho sem nunca, na verdade, esquecermos dele; apenas o tra-balho de pensar e intervir é colocado à parte – dele o sistema nãonecessita – ele necessita dos homens apenas como clientes e em-pregados, reduzindo toda a humanidade a esta fórmula exaustiva.Clientes e consumidores, que reconhecem na obra de arte não ovalor de troca que nela não reside, mas sim que a consomemsimplesmente pelo fetiche dos objetos ou ainda pela cadeia designificantes que ela possa vir a arrastar consigo, significantes ex-postos e exaltados pela publicidade.

A cultura do simulacro (cópia idêntica de algo cujo originalnunca existiu) não provê de qualquer significação as imagensexploradas pelo marketing. Já diria Frederic Jameson em seuPós-modernismo - a lógica cultural do capitalismo tardio:

De forma bastante apropriada, a cultura do simu-lacro entrou em circulação em uma sociedade emque o valor de troca se generalizou a tal ponto quemesmo a lembrança do valor de uso se apagou.27

Segundo ainda nosso personagem-andarilho de Estorvo,“...quanto mais perfeita for a cópia, maior será a sensação delogro.”28 De acordo com Guy Debord, “a imagem tornou-se aforma final da reificação”29 – de fato, o homem perdeu a no-ção de si mesmo – de um “eu” verdadeiro, encontrando-senuma identidade já pronta e menos trabalhosa. Nesta “socie-dade do espetáculo” há muito deixamos de encarnar o papelde atores para nos conformarmos com um lugar na “platéia”dos grandes movimentos e decisões dos verdadeiros atoresdeste enredo social: os detentores do poder sobre os mecanis-mos mais intrínsecos de controle.

Enquanto isso, do lado de cá do “espetáculo”, as falas e os

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grandes discursos parecem ter sido abolidos _ Estorvo não trazdiálogos, apenas o esboço deles, “diálogos” quebrados, trunca-dos, que nunca terminam e parecem omitir mais do que dizer. Apresença de um narrador cool dá o toque final: as questões sociaisnão são problematizadas; não há um lugar para uma crítica socialnem espaço para um discurso de classes, a não ser pela fala de umexcêntrico “amigo” dado a poesias e bebedeiras. Uma imagemestereotipada de um misto de artista, intelectual e boêmio:

Disse assim mesmo: “você é um bosta”. E disseque eu deveria fazer igual ao escritor russo querenunciou a tudo, que andava vestido como umcamponês, que cozinhava seu arroz, que abando-nou suas terras e morreu numa estação de trem...Também era uma bosta toda a lei vigente e todosos governos; e o meu amigo começou a se infla-mar na varanda, gritando frases, atirando pratose cadeiras no pátio, num escarcéu que acabou jun-tando gente do sítio para ver...30

O deslocamento, tanto da fala, quanto do personagem, é evi-dente. O espaço na obra, talvez reservado a algum tipo de crítica,vê-se esvaziado de conteúdo, beirando o lugar do ridículo.

O deslocamento, sensação constante ao longo do texto,não pode ser dissociado da idéia de esquizofrenia: um termoaqui utilizado com intenção descritiva e não diagnóstica _ cri-ando uma realidade própria, nosso “personagem-esquizo” per-de por completo o contato com um “real-verdadeiro” (lem-bre-se de Auerbach), vivendo sempre no limiar do sonho, doilusório, do difuso e até do pesadelo:

A comichão da palha na minha pele, ... os incômo-dos do corpo são apenas um despiste da insônia. Ainsônia verdadeira principia quando o corpo está dor-mente. Semilesado, o cérebro não tem boas idéias e éincapaz de resistir à chegada do homem do olho má-gico, por exemplo, que pode ser um amigo que perdide vista e que viria falar de assuntos vencidos..., eque, se fosse um sonho, arrancaria exasperado a pró-pria barba... convertendo-se no proprietário do imó-vel que vem cobrar o aluguel.31

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A noção de continuidade temporal igualmente inexiste: oesquizofrênico, afinal, está condenado a viver num presente per-pétuo; os fatos passados pouca conexão apresentam entre si enão há, ademais, nenhuma perspectiva em termos de futuro:“Mas mesmo aquilo que a gente não se lembra de ter visto umdia, talvez se possa ver depois por algum viés da lembrança.”32

A noção de tempo parece definitivamente perdida: “Acor-do sem saber se dormi pouco ou demais. É um meio de tarde,mas não sei de que dia.”33

Entre “passado” (lembranças vagas, recortes de um realquase sonho) e presente, a única conexão existente é, na verda-de, uma característica em comum: as imagens “chapadas” doreal, apresentado em recortes, em “tomadas” cinematográficas.Flashes de um real transformado em imagens – o “ex-sujeito”pós-moderno tem cada vez menos acesso à realidade e mais àimagem _ tratam de manter inabalado o poder que reforça erespalda o controle maior do sistema sobre o indivíduo: o poderda mídia. Real e montagem fundem-se na passagem:

Aí a índia perde a razão, agarra as lapelas do re-pórter e desata a chorar no microfone e berrar:“ele não é criminoso! Meu filho é um moço de-cente!” Mas o cameraman, que está trepado nocapô da camionete, grita: “não valeu, não gravounada, troca a bateria!”... Volta o repórter da TVPromontório e pede-lhe para repetir a fala anteri-or, que ele achou bem forte... Eu preferia que elanão fizesse aquela cena porque saiu confusa e vaicomprometer ainda mais o filho na televisão.34

Por fim, esta metáfora ideal de nossa cultura, que é o Shopping,surge como o elemento estruturador não só da própria análise daobra, mas sim, em sentido muitíssimo mais amplo, como o perfei-to modelo de confinamento, levado ao extremo pela sutileza comque é colocado em prática. Um confinamento que propicia umambiente perfeito para o controle, exercido em todas as direçõese em todos os campos da atividade humana que, de certa forma,estão ali, estrategicamente, “reunidos”.

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1 HOLLANDA, C. B. de. (1993), p. 242 Idem, p. 393 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 394 Idem, p. 705 Idem, p. 146 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 947 Idem, p. 998 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 129 FOUCAULT, M. (1987), p. 17710 FOUCAULT, M. (1987), p. 17711 CAMPOS, Augusto. (1986), p. 2512 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 4313 FERNANDES, F. In: BOSI, Alfredo. (1978), p. 22214 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 1415 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 1116 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 2617 Idem, p. 3718 FOUCAULT, M. (1994), p. 10119 Idem, p. 18120 ARONOWITZ, Stanley. (1992), p. 16521 ASSIS, M. (1991), p. 1222 NIETZSCHE, F. (1971), p. 1023 FOUCAULT, M. (1994), p. 18024 HORKHEIMER, M. (1994), p. 12625 HORKHEIMER, M. (1994), p. 12826 HORKHEIMER, M. (1994), p. 13527 JAMESON, F. (1996), p. 4528 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 4329 DEBORD, Guy. (1971), p. 10230 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 7831 Idem, p. 2832 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 7733 Idem, p. 8334 Idem, p. 45

Notas

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2 - O in e o out - dois conceitosna matriz do processo de exclusão

“Quanto mais fácil se tornar a vida numa socie-dade de consumidores ou de operários, mais difí-cil será preservar a consciência das exigências danecessidade que a impele, mesmo quando a dor eo esforço – manifestações externas da necessida-de – são quase imperceptíveis. O perigo é que talsociedade, deslumbrada ante a abundância de suacrescente fertilidade e presa ao suave funciona-mento de um processo interminável, já não seriacapaz de reconhecer a sua própria futilidade – afutilidade de uma vida que não se fixa nem serealiza em coisa alguma que seja permanente, quecontinue a existir após terminado o labor.”

Hannah Arendt*

*ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1995. p. 148.

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2.1 - Consumidores x excluídosNuma sociedade em que os homens são reduzidos à con-

dição de consumidores, torna-se evidente a necessidade de _trabalhar para consumir, para gastar, para readquirir – um ci-clo que, para ser mantido, deve exigir dos mecanismos de or-ganização social uma eficaz identificação e conseqüente agru-pamento dos homens não pelo que são, mas sim pelo que têm.

As estratificações sociais, portanto, não mais se dão deforma vertical, mas sim horizontal: o indivíduo (sujeito parti-do, $, uma cifra – o sujeito moderno é agora um constructoromântico), se detém o poder de compra, está in, se não odetém, está, conseqüentemente, out.

A valorização do poder de compra, em detrimento dopoder de ação, faz-nos lembrar as duas categorias levantadaspor Hannah Arendt: a de “vida ativa” em contraposição a umavida “contemplativa”; partindo do princípio de que o Shoppingé o espaço máximo da contemplação, no lugar da idéia kantianade cidadão do mundo, prevalece a figura do espectador emoposição à do ator – não mais “atuamos” na realidade que noscerca. O conceito de vontade geral viu-se, posteriormente,manipulado pelos meios de comunicação de massa que traba-lham a opinião pública, moldando esta “vontade” de acordocom os seus interesses, sempre de cunho mercadológico.

Importante é notar, no entanto, a “contradição que jaz noemprego do termo “contemplação” na presente análise: o ter-mo utilizado por Hannah num sentido mais específico de con-templação enquanto reflexão, assume aqui um sentido exata-mente oposto: a contemplação enquanto não reflexão, sinôni-

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mo, outrossim, de alienação. Se a divisão da sociedade paraKant entre homens “produtores” e homens “pensadores” fos-se transplantada para a realidade atual, certamente os segun-dos, se realmente dotados de um poder de reflexão um tantomais amadurecido que o da maioria de nossos intelectuais, jápoderiam engrossar as fileiras do grupo out.

Diz-se freqüentemente que vivemos numa socie-dade de consumidores; e, uma vez, como vimos,o labor e o consumo são apenas dois estágios deum só processo; imposto ao homem pelas neces-sidades da vida, isto é o mesmo que dizer quevivemos numa sociedade de operários (“labores”)ou seja, de homens que “laboram”.1

O consumo confunde-se com o lazer. O lazer como oposi-ção ao trabalho nada mais é que a sua continuidade: trabalha-sepensando no lazer e dedica-se ao lazer pensando-se no momen-to seguinte de voltar a trabalhar.

O princípio de exclusão é simples: antes de segmentar-se omercado consumidor nas diversas tribos, promove-se ahomogeneização a partir dessa “massa” operária. Sendo assim,cada um consome de acordo com a sua produção e toda a pro-dução é voltada para o posterior consumo.

Estar in significa deter o poder de compra; podendo consu-mir, o indivíduo tem acesso à produção com a marca do siste-ma; vítima de um “engodo”, os ingênuos consumidores se su-põem participantes, de alguma forma, dos mecanismos de pro-dução e, a reboque deste, do próprio núcleo de poder. Todavia,seu papel nunca é o de ator, mas sim o de espectador – as “fa-las” são consumidas e absorvidas sem choque e todo produtovindo da indústria cultural já se encontra pronto, não aceitandoqualquer tipo de retoque ou mesmo de diálogo. Os espectado-res têm, portanto, a falsa impressão de estarem “atuando”, quan-do, na verdade, os possíveis conflitos e choques de opinião sãobem gerenciados pelo poder e acabam, paradoxalmente, porfortalecê-lo. Enquanto a lógica consumista das massas passa aolargo do núcleo de poder (e por isso mesmo o alicerçando), as

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relações entre obra de arte e os movimentos do mundo passamcada vez mais pela matriz do consumo; novamente acentua-se adiferença entre atores (poucos) e espectadores (muitos), estesúltimos reduzidos à posição passiva de meros observadores dosmovimentos arquitetados por um controle central.

Considerando que a estrutura panóptica, como diriaFoucault, é mais do que um modelo arquitetônico, constituin-do-se, na verdade, num eficaz mecanismo de vigilância, pode-mos concebê-la como igualmente aplicável a ambos os ambien-tes freqüentados pelo operário/consumidor: no trabalho, emmuitas das fábricas, bancos ou mesmo grandes empresas, câmerascuidam de muito mais que a mera “segurança” dos funcionáriosou clientes – elas lá estão, senão para vigiar, ao menos paragerar o constrangimento de estar sendo observado, o que talvezjá não os incomode tanto assim. Igualmente nos shoppings, ascâmeras de vídeo parecem buscar o nosso menor ato para o seuarquivo visual; atitudes podem ser estudadas, o nível de aceita-ção de um produto pode ser medido ou mesmo a repulsa podeser induzida. De uma forma ou de outra, todos estão agregadosnum espaço perfeito – agregados e disciplinados.

Numa sociedade que se propõe a igualar todos os homenspelo princípio da produção voltada para o consumo, a únicaexceção admitida é o artista: a ele é reservada uma posição que,ao contrário de estar acima ou mesmo abaixo da maioria, situa-se, outrossim, à margem do núcleo decisório.

O que quer que façamos, devemos fazê-lo a fim de“ganhar o próprio sustento”; é este o veredicto dasociedade, e o número de pessoas que poderiamdesafiá-lo, especialmente nas profissões liberais, vemdiminuindo consideravelmente. A única exceção quea sociedade está disposta a admitir é o artista que,propriamente falando, é o único “trabalhador” querestou numa sociedade de operários.2

Fora do centro, o artista é o “excêntrico” nato; é a figuraestranha ao processo, embora se alimente dele. Por não oferecermaior perigo, sua existência situa-se nos limites do suportável.

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Sua atividade, no entanto, a partir do momento em que se com-promete a repensar as formas do poder, com o qual, muitas vezes,já está totalmente comprometido, é capaz de atingir um nível deconsciência do discurso tão elevado ao ponto de não ser aceito,ou mesmo compreendido, pela maioria dos “espectadores” se-quiosos por obras de consumo rápido e fácil assimilação.

O choque entre produção e intenção de consumo si-tua-se justamente na questão do trabalho em oposição aohobby e no lazer como continuidade do “labor”. Aindasegundo Hannah Arendt:

[...] todas as atividades sérias, independentemen-te dos frutos que produzam, são chamadas de “tra-balho”, enquanto toda atividade que não seja ne-cessária para a vida do indivíduo nem para o pro-cesso vital da sociedade, é classificada como lazer.

Do ponto de vista da arte e, mais especificamente, da lite-ratura, a perspectiva é desalentadora – se o objeto artísticonão possui, a priori, qualquer tipo de utilidade e se a maior“finalidade” da arte seria a de fazer “leituras” da realidade,desvelando até mesmo as estruturas mais escamoteadoras do“real” verdadeiro, finalidade esta totalmente descartada pelocentro regulador, qual a sua possibilidade real de sobrevivên-cia? Haveria alguma chance, por mais remota que fosse, deresistir a esta razão perversa?

Status quo inabalado, espaço concedido – esta é a normavigente. A censura, no entanto, é tão sutil que não é necessáriasequer a intervenção direta de um poder fiscalizador. A rejei-ção por parte do público tem início a partir do momento emque se apresenta a complexidade, repudiada quando o objeti-vo é, meramente, divertir-se. Assim como no panóptico deBentham, a “autoridade” controla os prisioneiros de uma tor-re central sem que eles a vejam e sem travar um contato diretocom qualquer um dos “condenados”. A visibilidade perfeitafaz de cada prisioneiro um guardião a vigiar o outro – é preci-so aceitar o gosto geral para igualmente ser aceito pelos ou-tros. Dessa forma, a arte aceita (de acordo com o “gosto” da

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maioria) pela massa dos consumidores é produto não do tra-balho, mas sim de uma atividade que é quase um “lazer” doartista; algo que em muito se assemelha a uma partida de tênis,a uma coleção de selos, enfim, a um mero hobby.

O artista identifica-se, portanto, com o desempregado, fi-gura out por excelência. Não é à toa que tantas obras o situamno centro da narrativa, questionando, direta ou indiretamente,a questão do papel da literatura e do autor na sociedade damass media: não só o Estorvo de Chico Buarque como tam-bém O quieto animal da esquina de João Gilberto Noll oumesmo “O duelo” de Sérgio Sant’anna o fazem. A dicotomiaLuxo x Lixo apresenta-se sob a ótica de uma inversão total devalores: luxo é tudo aquilo que é produzido pela indústria cul-tural, de gosto flutuante ao sabor dos modismos e consumívelpelo indivíduo in. Tais produtos caracterizam-se não só pelasimplicidade formal e conteudística, como também pela suaessência de descartabilidade. Se o indivíduo/consumidor/ope-rário não possui capital ou então nega-se a “consumir” estaarte, ele está, invariavelmente, fora do circuito: ele está out.

Um dos óbvios sinais do perigo de que talvez es-tejamos a ponto de realizar o ideal do “animallaborant” é a medida em que toda a nossa econo-mia já se tornou uma economia de desperdício,na qual todas as coisas devem ser devoradas eabandonadas quase tão rapidamente quanto sur-gem no mundo, a fim de que o processo não che-gue a um fim repentino e catastrófico.3

A sensação de estar out faz parte do deslocamento senti-do pelo personagem, excluído do “grupo”: “... As torneirastambém só querem girar para o outro lado, capricho a quecedo constrangido, sentindo a alma canhota.”4

A exclusão vira uma espécie de estereótipo, que acompa-nha o “personagem-estorvo”: “O grisalho diz que é sempre as-sim, que em toda a família que se preze existe um porra-louca.Meu cunhado quer me defender e diz que sou meio artista, dá-me um soco nas vértebras e diz ‘não é mesmo’?”5

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Caminhando no sentido oposto ao da “massa”, a exclusãotorna-se patente; são vários os indícios que levam a crer que aliteratura, ao caminhar no sentido oposto das “multidões”, tam-bém será excluída, ignorada. “Vejo a multidão fechando todosos meus caminhos, mas a realidade é que sou eu o incômodono caminho da multidão.”6

2.2 - Os novos heróis de consumo (os referenciais parauma arte in)

Em meio à cultura do desperdício, uma “subcultura la-boriosa” concede espaço ao surgimento dos novos heróis deconsumo. A antiga figura do herói tradicional é substituídapela heroificação do homem mediano que se destaca não porseus feitos, suas glórias ou suas ideologias, mas sim por de-ter o poder econômico e, por extensão, o poder de compra.A “verdadeira felicidade” apenas a eles é permitida, restandoaos indivíduos out (fora do circuito) apenas o simulacro.

A heroificação do indivíduo mediano faz parte doculto do barato. As estrelas mais bem pagas asse-melham-se a reclames publicitários para artigos demarca não especificada. Não é à toa que são esco-lhidas muitas vezes entre os modelos comerciais.O gosto dominante toma seu ideal de publicidade,da beleza utilitária. Assim, a frase de Sócrates, se-gundo a qual o belo é o útil, acabou por se realizarde maneira irônica.

A concepção do ideal de self made man é tão bem aceitaquanto difundida – integrando o contexto no qual se insere odiscurso, o deslocamento de valores sugere uma mudança deenfoque da figura de herói – ele passa a ser alguém que atingiuo ápice em termos de retorno, em moeda, de seu trabalho, todoele convertido em fator não propriamente de dignidade, mas empoder de compra.

Na vertente oposta encontra-se o artista, o anti-herói, ofracassado, o desempregado, enfim, todas as figuras estereoti-padas e marginalizadas típicas da pós-modernidade e que vem

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colocar em dúvida os valores vinculados ao “trabalho”. A figuracentral de várias obras confunde-se com o autor e com a obraem si, como é o caso do Estorvo, que se lança na tentativa desituar sua abordagem, dentro da temática dos contrastes, dolado oposto às molduras ficcionais já absorvidas pelo mercado,embora, de alguma forma, as mencione.

Considerando-se, segundo Hegel, a obra de arte (globalizadapela cultura) como produto geral do trabalho humano e, tendo-seem vista (muito além dos antigos postulados hegelianos) essa“metamorfose” sofrida pelos valores vinculados ao trabalho, po-demos entender o quão intrincada tornou-se esta cadeia significa-do/significante. Qual o outro significado que a obra de arte pode-ria assumir (assim contextualizada) que não fosse o de mercado-ria? Se a “verdadeira” obra de arte não tem mercado, o seu espa-ço seria então o da liberdade, e seu valor, puramente estético –com a ressalva de que até a estética já sofreu transformações.

A questão da arte como mercadoria envolve um outro com-ponente, indispensável às relações de troca estabelecidas pelomercado: a aceitação por parte do público “pensador” ou “con-sumidor” de cultura da obra de arte, como discutimos anterior-mente. É certo, entretanto, que a obra de arte deva passar porum processo de legitimação que pode se dar tanto pela vaiaquanto pelo aplauso. A tarefa de decifração da obra, muitasvezes, é delegada à posteridade. “Um dia a massa ainda vai co-mer do biscoito fino que fabrico.”7

Emoção e subjetividade estão na essência e na origem detoda criação artístico-literária, promotora de uma transformaçãoresponsável pela redescoberta do homem como ser social. Naseqüência de mal-entendidos, a arte, que, originalmente, não seprestaria à defesa de quaisquer propósitos de cunho ideológico esim tenderia à universalidade, acaba por comprometer-se comuma cultura de massas apostando muito mais numa “imbecilização”típica de uma arte concessiva do que propriamente com um pro-jeto libertário que redundaria numa provável ausência de público.

Se, segundo Auerbach, “a arte faz a mimese dodistanciamento estético... gera a tensão que levará à liberdade,enquanto elemento catártico”, a recuperação deste real verda-

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deiro, subjugado por um real mascarado, parece uma tarefa cadavez mais impossível face à inclusão de mais um “degrau” nestaescada até o real – a esquizofrenização, efeito gerado pelos meiosde produção típicos da comunicação de massas, é mais uma ins-tância mistificadora, onde antigos mitos são reciclados com novaroupagem, mantendo-se, porém, a mesma intenção dedistanciamento do real verdadeiro. Dos avanços da informáticano campo da realidade virtual às informações deturpadas pelostelejornais que transformam guerras e conflitos sangrentos embatalhas de video game, vislumbramos um imenso leque de re-cursos, quase sempre muito convincentes, que transformam qual-quer fato real em mistificação e vice-versa. A arte, transitandoentre as diversas instâncias, tenta, através deste “fingimento” (estaé a base da ficção) derrubar os mitos falseadores do discurso.Sobre a linguagem falseadora fala-nos Roland Barthes:

A literatura, no entanto, só começa perante o indi-zível, face à percepção de um algures estranho àprópria linguagem que procura. É esta dúvida cria-dora, esta morte fecunda, que a nossa sociedade con-dena na sua boa literatura e que exorciza na má...8

Ao artista, indivíduo out, autor de uma obra não reconhe-cida, resta, muitas vezes, apenas o silêncio. Se “não há fascis-mo pior que o de ter de falar” a estética do silêncio, típica dosexcluídos, coloca-se em contraposição às propostas in quegritam alto e em bom som suas fórmulas de sucesso peloscorredores primaveris dos shoppings e pelas páginas neutrasdos best-sellers. Do gosto médio, atingido pelas propostasmassificadoras, fala-nos Baudelaire em seu “Metapoema”:

Entre escritore leitor

posta-se o intermediário,E o gosto do intermediário

é bastante intermédio medíocre

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mesnadade medianeiros médios

pululana crítica

e nos hebdomadários.9

Podemos concluir, portanto, que a classificação em in e outaplica-se não só aos indivíduos da sociedade, mas também àarte por ela produzida e consumida; maniqueísmos e simplifica-ções à parte, constatamos o surgimento de uma “esfera públicaplebéia” (como bem o disse Habermas), um contingente iletradoconsumidor, em larga escala, dos bens produzidos pela indús-tria cultural. Outro conceito, paralelo ao de multiculturalismo,surge nos últimos estudos de Habermas: o conceito deguetização. Quem está out ocupa o espaço exterior, contemplao poder sem, ao menos, consumir seus produtos – sem ter aces-so sequer ao simulacro, os habitantes dos “guetos” culturais sãotão diversos quanto sutis são os mecanismos de seleção e exclu-são, sempre de cunho econômico.

Compactuar com os mecanismos de controle da estruturapanóptica dos shoppings significa estar in – àqueles que nãocompactuam, seja por questões ideológicas, seja por questõeseconômicas, resta o espaço da “diferença”, o espaço das cidades.

É justamente pelas cidades que perambulam os persona-gens do conto pós-moderno; personagens que, coincidente-mente, são desempregados, excluídos, out. São verdadeiros“estorvos” na sociedade:

Estorvo, estorvar, exturbare, distúrbio, perturbação,torvação, turva, torvelinho, turbulência, turbilhão,trovão, trouble, trápola, atropelo, tropel, torpor,estupor, estropiar, estrupício, estrovenga, estorvo.10

Andarilhos sem rumo, que fazem do cotidiano uma mes-cla de busca e fuga, obsessões presentes em quase todas asobras do período, ao menos naquelas sobre as quais nos de-bruçamos nesta análise:

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Minha irmã cruza os talheres limpos..., e sei queessa hora ela costuma se arrumar para sair. Pre-sumo que o chofer já esteja a postos com um mapana mão para levá-la aonde ela mandar, e cada diaela deve mandar seguir para um lugar diferente.11

“Estorvo” é também a própria obra – afinal, toda arte gera(ou ao menos assim o deveria) uma perturbação fecunda, capazde fazer-nos pensar e formular novos conteúdos para possíveisrespostas – é exatamente neste ponto que reside todo o fator deincômodo para a estrutura dominante, ameaçada pela possibilida-de de contestação.

A inadaptabilidade dos personagens ao trabalho é uma cons-tante; a grande massa, reduzida ao denominador comum de con-sumidores passivos ou, simplesmente, de excluídos, assume umaaparência amorfa: “Ando no meio do povo em linha reta, masparece que cruzo sempre com as mesmas pessoas. E essas pesso-as também parecem se admirar, me vendo passar tão repetido.”12

2.3 - Arte e desemprego: um roteiro para a excentricidadeO desempregado é figura central não só em Estorvo, mas

também em romances como, por exemplo, O quieto animal daesquina, de João Gilberto Noll; o autor centraliza sua obra nafigura de um excluído, alguém que sequer possui identidade pró-pria – a narrativa em primeira pessoa consolida a única presençano texto de um “mínimo eu” (Teoria de Cristopher Lasch) quepassa a perambular pelo centro da cidade de Porto Alegre.

Interessante é notar que tanto no romance de ChicoBuarque quanto no de Noll, ao contrário do que observarmosnos romances tradicionais (em geral circunscritos pelo realis-mo crítico), não há sequer um indício de descontentamentocom relação ao trabalho ou queixa contra o patrão ou contra oserviço; não há ressentimento por parte do espoliado – nãosabemos se os motivos que o levaram a ser dispensado dotrabalho são justos. A única reação esboçada com relação aofato é o desânimo. Igualmente no Estorvo, não nos é apresen-tado um personagem proletário, um analfabeto ou um miserá-vel. Lá, nosso personagem, segundo a classificação do cunha-

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do, é “meio louco, meio artista”, um excêntrico. No romancede Noll, a principal atividade do personagem central, enquan-to perambula pela cidade, é a leitura e, nos momentos em quepára nas filas de empregos, a escrita de versos. O contraste deatitudes (perda do emprego sem reivindicações, ressentimen-tos ou queixas) é indicador de um problema político muitomais amplo: o fato de o personagem ter vida intelectual nãosignifica que queira ou mesmo julgue importante exprimir umavisão lúcida e crítica dos problemas sociais.

Na ficção há, portanto, o nítido desejo de criação de umespaço, diferente do tradicional, para o desempregado: o lugarda margem. No plano real, todo discurso político ou mesmotoda reivindicação de luta subversiva perde o sentido. A quedadas narrativas mestras da humanidade reflete-se, mais uma vez,na obra de ficção. O único sentimento que impera é o desânimo,e o sujeito pós-moderno, para combatê-lo, torna-se um solitárioandarilho, numa caminhada eterna, sem destino.

No romance de Chico Buarque, a instância do olhar revelauma visão turva de uma realidade deturpada:

Para mim é muito cedo, fui deitar dia claro, nãoconsigo definir aquele sujeito através do olho mági-co. Estou zonzo, não entendo o sujeito ali parado deterno e gravata, seu rosto intumescido pela lente... econheço aquele rosto de quando ele ainda pertenciaao sonho... E é sempre alguém conhecido mas mui-to difícil de reconhecer... Não é bem um rosto, émais a identidade de um rosto, que difere do rostoverdadeiro quanto mais você conhece a pessoa.13

Da mesma forma, no romance de Noll a atmosfera das ci-dades mostra-se pesada, o ar carregado e a realidade sombria:“Quando cheguei na porta da biblioteca pública vi que caía umafuligem que ninguém sabia dizer de onde vinha, em certos tre-chos era tão espessa que não deixava ver o outro lado da rua.”14

Enquanto nas cidades a visão é “prejudicada” pelo ele-mento poluição, pelo caos e pela desordem, nos shoppingsa visão é clara, nítida, porém, em total discordância com o

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nosso “anti-herói”:

A Alfândega é uma butique cara num shopping mo-vimentado no quarteirão mais nobre da zona sul. Ven-de roupas importadas, acho, nunca entrei. Entro ago-ra pela primeira vez e não causo boa impressão. Umamulher que já foi linda, e que deve ser a dona, aoinvés de me atender, fica me especulando, conside-rando os meus sapatos. O balconista de rosto pálidovira o rosto, e minha ex-mulher, faz uma boca queparece estar pretendendo o riso. Chego mais perto ereparo que não, que é um alfinete que ela prende noslábios e cospe na concha da mão discretamente paradizer – “Espera lá fora.” – saio com dignidade, pas-sando o dedo nas roupas... Peço pizza de mozarella,mesmo achando que nós dois não combinamos maiscom pizza, com essa lanchonete, com esse shopping.15

Conformado com seu lugar “fora”, à margem da socieda-de, o indivíduo out assume seu posicionamento com naturalida-de, sem fomentar qualquer tipo de conflito com o segmento in:“Quatro anos e meio vivi com essa mulher... Entrei nuns empre-gos que ela me arrumou, na segunda semana caía doente, e casa- no último ano foi ela quem começou a trabalhar fora...”16

A literatura, representada em seus personagens, igualmenteluta por sobreviver, o que faz do escritor/poeta uma figurafadada ao fracasso e ao desemprego, caso decida não aderir àsregras do mercado. Um bom exemplo desta conflituosa rela-ção é o conto “O duelo”, de Sérgio Sant’anna, em que é trava-da uma verdadeira “batalha” entre escritor e editor – o primei-ro, à busca de um espaço para a sua obra, que a divulgue semadulterá-la; o segundo, à procura de um “produto” com vendacerta para jogar no mercado de bens culturais.

[...] descemos as escadas de braço dado, sob o olharaprovativo da recepcionista, e nada devia nos dife-renciar de um autor e seu editor nos velhos e bonstempos, quando as palavras impressas, as letras,enfim, possuíam uma respeitável credibilidade.17

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Destituída da sua “credibilidade”, à literatura resta apenas oespaço da diferença, quando, por imposição do mercado, ela pró-pria não acaba por condenar-se ao descrédito e ao esquecimento.Deste contraste entre literatura e seus “produtores”, mercado eseus “promotores de cultura”, fala-nos ainda Sérgio Sant’Anna:

De um lado vinha eu (de onde? desde quando?),com meu jeito nervoso de andar (muito cigarro,muita angústia), olhando para um ponto fixo crava-do dentro de mim mesmo, eliminando todo o supér-fluo da rua... Um bom observador apontaria que eucoxeava um pouco, não me lembrando de que for-ma fora atingido: provavelmente por dentro. Há ummomento em que cordas se partem, e é tudo.Do outro lado estava ele, o paletó na cadeira, umcolete de botões abertos... sentado desde sempre àminha espera... E livros, pastas, contratos bilín-gües. Papel, muito papel, eis o problema.18

Um “eu deslocado” segue neste duelo contra as tendênci-as simplificadoras das relações e das obras. Promovendo ummergulho interior, personagem/ex-sujeito e obra seguem “eli-minando os supérfluos” sem se darem conta, porém, da im-portância que tais superficialidades adquirem no contexto.

A dúvida entre integrar-se ou negar o sistema que o excluitambém atormenta autor/personagem; é impossível negar ofascínio exercido por toda uma estrutura exemplarmente mon-tada e nascida para “dar certo”:

[...] a tradição e o presente unindo-se na prospecçãodo futuro, um bom tema se nele me incluíssem:tecnologia up-to-date, relógios de bolso, marcosda história literária, a representação do mundo [...]19

A noção de ruptura igualmente partiu-se; tornou-se umaimprópria tarefa a vontade (irrealizada) de assumir uma pos-tura de rompimento com estilos e estratégias pré-existentes. Aqueda das narrativas mestras da humanidade equivale, maisdo que nunca, ao esvaziamento sofrido pelas vanguardas forade moda e sem os apelos sedutores da cultura de massas:

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– Isso foi no tempo em que ele tomava drogas, osanos utópicos, idealistas. Mas a vanguarda aca-bou, é chata, demodée, provinciana. A literaturacomercial do novo Montgomery é uma opção eum estilo, inclusive de vida. Tornar-se normal,um escritor de enredos fortes para o leitor comum,mas que permite ao leitor sofisticado uma outraperspectiva, está aí a verdadeira ironia, essenci-al, sem idiossincrasias, literatura.20

No contexto da Pós-modernidade, tudo parece fluir: as ve-lhas narrativas, as construções ideológicas e até as arquitetônicas;o plano moderno adquire ares de coisa ultrapassada e há um“quê” de nostalgia em todo o projeto vanguardista:

[...] por outro lado, não me parecia que nem eunem ele estávamos propriamente vivos, discutindotais questões naquela ruína. Reformada para pare-cer pós-moderna ou outra tolice do gênero (o pes-soal se esquece de que construções arquitetônicasnão são assim tão fáceis de serem substituídas quan-to quadros na parede ou meros conceitos). Tolicesde um vanguardista nostálgico, talvez ele me res-pondesse, talvez com alguma razão, tendo em vis-ta as minhas rugas e próteses dentárias, embora euconservasse os cabelos sadios e longos.21

A ruína da originalidade e do senso crítico abre caminhopara o avanço do domínio do kitsch (como veremos maisadiante), do clichê. A mídia possui, sem sombra de dúvida,papel decisivo na divulgação, publicidade e posterior aceita-ção do modelo kitsch e das formas rentáveis de arte, promo-vendo alterações no gosto coletivo, para alegria do merca-do: “... de repente a sociedade redesperta para certas coisas,sei lá, fenômenos epidêmicos como o romantismo obcecado.Às vezes basta um caso de pacto de morte, nos jornais.”22

A moldura estilística varia, portanto, de acordo com ogosto revelado pelo público; se as últimas tendências apon-tam para a moldura pornográfica, eis que surgem obras, comodiria Sérgio Sant’Anna, que são “... histórias de amor e sexo

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com frases de efeito...”.23

O fato é que o marketing, muito além de mera estraté-gia, passou a ser o conteúdo da obra, quando concluímosque, se o assunto (o tema) não está in, a obra, conseqüente-mente, estará mesmo out. Dessa forma sente-se também opróprio autor:

Limitei-me, porém, a olhar a janela, porque esta-va exaurido, já disse, e era um cara sem futuro, emesmo o meu passado se apagava sem aquele li-vro. O que podia então fazer, senão encarar a ja-nela, o presente, o vazio, porque não havia nemmesmo uma paisagem, apenas gente trabalhandonos escritórios em frente, naquela rua estreita depedestres no centro da cidade?24

“Fazer literatura” e “vender literatura” caracterizam-secomo atos cada vez mais distintos; a inviabilidade naconcretização de projetos dá-se na medida em que falta oespaço privilegiado de circulação, como também o devidointeresse em resgatá-lo.

Como fazer literatura aqui? Ele disse, com um gestolargo e bonachão para a praça cheia de vadios, lar-gando-me o braço. Aqui, nesta paisagem sórdida.A não ser uma literatura também sórdida, nemmesmo proletária, com essa multidão de lúmpense pequenos criminosos. Falta o mistério, emborade vez em quando, aqui e ali, haja algum golpeespetacular envolvendo gente graúda.25

Impedido de fazer literatura (e, é claro, de vendê-la), oescritor torna-se cada vez mais um excêntrico; colocado àsmargens do processo de multiplicação de bens culturais, eleestá mais próximo do desemprego, da solidão, damarginalidade; por outro lado, para que produzir? Trabalharpode representar tão-somente (neste contexto caótico edesalentador) uma forma de contribuir para o fortalecimentodas velhas estruturas de poder:

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Um caldo escuro escorrendo das minhas mãos de-baixo da torneira, eu tinha perdido um emprego,me despedia daquela graxa difícil de sair.Um caldo escuro escorrendo, lá se foram três me-ses, e eu pegando o hábito de ocupar o tempoperambulando pelo centro da cidade, leve desâ-nimo ao me ver no espelho de um banheiro públi-co, nada que um cara de dezenove anos não pu-desse eliminar andando mais um pouco.26

Trabalhar e contribuir para a “sujeira” ou simplesmenteafastar-se do centro, passando ao largo de uma estrutura cruele massacrante. Seria este o melhor roteiro para a excentrici-dade ou a única saída para o artista?

1 ARENDT, H. (1995), p. 138/1392 ARENDT, H. (1995), p. 1393 ARENDT, H. (1994), p. 1474 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 475 Idem, p. 576 Idem,, p. 1067 ANDRADE, O. In: PIGNATARI, D. (1975), p. 898 BARTHES, R. (1982), p. 89 BAUDELAIRE, C. In: CAMPOS, H. de (1969), p. 1010 HOLLANDA, C. B. de. (1993), p. 711 HOLLANDA, C. B. de. (1993), p. 1712 Idem, p. 2313 HOLLANDA, C. B. de. (1993), p. 1114 NOLL, J.G. (1991), p. 615 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 3616 Idem, p. 3917 SANT’ANNA, S. (1989), p. 1718 Idem, p. 919 SANT’ANNA, S. (1989), p. 1020 Idem, p. 1121 SANT’ANNA, S. (1989), p. 1222 Idem, p. 1323 Idem, p. 1624 SANT’ANNA, S. (1989), p. 1625 Idem, p. 1826 NOLL, J.G. (1991), p. 5

Nota

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* HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo : Ed. Loyola,1992. p. 79.

3 - As cidades: o espaço daviolência e da liberdade

“O populismo do livre mercado, por exemplo,encerra as classes médias nos espaços fechados eprotegidos dos shoppings e átrios, mas nada fazpelos pobres, exceto ejetá-los para uma nova ebem tenebrosa paisagem pós-moderna de falta dehabitação... O átrio do prédio da IBM em MadisonAvenue, Nova Iorque, ensaia uma atmosfera dejardim num lugar seguro, hermeticamente afas-tado de uma cidade perigosa, poluída e cheia deconstruções pesadas lá fora.”

David Harvey*

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3.1 - Soft city e Hard city: o princípio da oposiçãoDo lado oposto aos shoppings, o lugar da “paz” e do dis-

curso da segurança, situa-se o espaço do caos e da diferença,o espaço em “descontrole” das cidades – reservadas aos ex-cluídos, quase sempre são o palco de boa parte das ações dospersonagens, andarilhos por excelência, à procura de suas iden-tidades sociais.

A estruturação deste espaço sugere a existência de inú-meras vertentes culturais, tão distintas quanto o próprio con-ceito de multiculturalismo pode sugerir. Um espaço plural onde,no entanto, a indústria dos bens culturais vem inserir-se, cra-vando em seu interior as “ilhas” de primeiro mundo – osshoppings. A proposta democrática é, entretanto, um engodo:os mecanismos de poder e controle tentam, através da reediçãodas antigas fórmulas de coerção, agora mais sutis do que nun-ca, criar uma atmosfera de coexistência pacífica, de igualdadeentre raças, culturas e políticas quando, na verdade, este“multiculturalismo” está atrelado a uma ótica dominante – adas leis de mercado.

A globalização conseguiu criar o efeito de realidade maisapropriado ao momento; enquanto o sistema põe em ação todoo seu planejamento exemplar, a grande massa tem a falsa im-pressão de estar, cada vez mais, in. Aceitando as manifesta-ções culturais diversas, torna-se muito mais fácil aproximá-lasdo centro de controle e mantê-las, constantemente, sob vigi-lância. A ordem estabelecida pela Polis, a bem dizer, tem comoexpoente o shopping, a negação do espaço anterior, em visíveldecadência e desequilíbrio.

À “cidade pestilenta”, como a chamaria Foucault, é reser-vada a possibilidade de abrigar todo tipo de manifestação; o

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trabalho de convencimento da mídia, contudo, esmera-se na ta-refa de, deliberada e propositalmente, reservar às cidades umaimagem que tenda ao total desencorajamento à sua freqüentaçãopor parte do sujeito in (ou que ao menos se proponha a sê-lo) etambém à sua identificação com o sujeito totalmente out.

A seleção parte do princípio de deslocamento do eixo derelação homem-homem para o relacionamento homem-objeto.No “espaço de dentro”, o espetáculo de imagens e produtoscolocados à disposição nas prateleiras sugere uma “felicidade”incompatível com a cidade poluída, sem regra e sem medida.

A partir desta matriz comparativa, David Harvey apre-senta-nos os conceitos de Soft city e Hard city – a Soft citytem uma aparência clean; um planejamento prévio está implí-cito e pode ser sentido em cada um de seus objetos/constru-ções. Tal qual num best-seller, a história das soft cities trans-corre sem conflitos, sem tensões, travando um constante diá-logo com seus habitantes: “consuma meus bens e colaboremantendo minha imagem que em troca lhe oferecerei seguran-ça e uma nova concepção de bem-viver.” Haverá melhor exem-plo de Soft city do que o próprio Shopping Center?

Colocando-se em oposição (mesmo que forçosamente)ao espaço soft encontra-se a hard city: o local das diferenças,dos conflitos, do suposto caos. Este espaço, aparentementeem descontrole, abriga toda a diversidade sócio-cultural queem nada se assemelha a uma profusão exagerada, criadora doefeito de “festa” típico da estrutura anterior. A realidade apre-senta-se sem a maquiagem do marketing ou outras artima-nhas, pronta para mostrar-se num vasto leque de “tribos” etambém segmentos não previstos no cálculo de bens de con-sumo. O retrato desolador da realidade urbana se acentua apartir da descrição das condições miseráveis em que vivem ospersonagens nas obras de ficção ou mesmo através das inúme-ras cenas que se passam em cada uma das “caminhadas”.

Na “contra-mão” da realidade urbana, a soft city reproduzum empório de estilos típico da esquizofrenia pós-moderna – ainformação manipulada e o simulacro caracterizam este processode perda das imagens do real, fomentada pela mídia eletrônica.

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A ênfase dos ricos no consumo levou, no entanto,a uma ênfase muito maior na diferenciação de pro-dutos no projeto urbano. Ao explorarem os domí-nios dos gostos e preferências estéticas diferencia-dos (fazendo tudo o que podiam para estimular essatendência), os arquitetos e planejadores urbanosreenfatizaram um forte aspecto da acumulação decapital: a produção e consumo do que Bourdieuchama de “capital simbólico”, que pode ser defini-do como “o acúmulo de bens de consumo suntuo-sos e que atestam o gosto e a distinção de quem ospossui”. Esse capital se transforma, com efeito, emcapital-dinheiro, que produz seu efeito próprioquando, e somente quando, oculta o fato de se ori-ginar em formas “materiais” de capital.

A base real das distinções econômicas e da seletividadesocial (do tipo in/out) é ocultada pelo fetichismo dos objetos– estes são consumidos sem que os “compradores” se dêemconta dos significados que subjazem em cada um deles. Acultura e o “gosto” são trabalhados e moldados de acordocom o interesse maior ou menor em dado objeto ou ideolo-gia que o acompanhe. Já que a base da distinção social se dáa partir da aquisição dos símbolos de status, a aquisição daobra literária, não raras vezes, é mais um motivo de cons-trangimento do que, propriamente, o passaporte para umaescala social mais “elevada”.

Se, num processo metonímico quase inconsciente, con-sumimos parte – produto isolado – pelo todo (ambiente, con-texto maior), com relação à literatura pouco status teria umconsumidor de Kant, por exemplo, perto de um consumidorda última palavra em termos de literatura sobre arte culiná-ria. Esta é a faceta central do sistema de organização urbanapós-moderna; na hierarquia de objetos há um planejamentometiculoso e, quase sempre, uma preferência programada portal ou qual objeto.

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3.2 - Por um espaço plural (multicultural)A metrópole, concebida como um sistema de signos e

símbolos anárquicos e arcaicos em constante auto-renova-ção, traz em si o fecundo coexistir dos opostos dentro de ummesmo espaço físico, terreno fértil tanto à implantação deuma organização seletiva como também à abertura do diálo-go – um diálogo entre culturas que, quando bem conduzido,virá apenas enriquecer a arte em geral; se mal conduzido,servirá apenas como pano de fundo para a aceitação cegados subprodutos à venda nesta economia de mercado emfranca ascensão. Este diálogo aborda ainda o convívio dasformas de codificação clássica e moderna, o que talvez ve-nha a corroborar com o “efeito de balbúrdia” gerado ao fi-nal. No cômputo geral, todavia, a presentificação (odilaceramento do tempo em presentes perpétuos) revela, aseu turno, o quanto o processo de esquizofrenização avan-çou em nossa sociedade. Com o passado travamos uma rela-ção pautada pelo revival de algumas formas clássicasreeditadas, porém, sem o devido tratamento crítico-teórico.As falas são incorporadas num mimetismo neutro e num es-tilo amorfo. A referência histórica, muitas vezes, faz parte dainclinação pós-moderna de acumulação de referências a esti-los passados: tal qual o modelo “nostálgico” adotado pelamídia, temos, na realidade do cotidiano, a imitação destasimagens, como se todo o contexto real e, dentro dele, o pró-prio contexto urbano, pudesse ser encarado como um gran-de video-tape; ainda em Condição pós-moderna:

O impulso de preservar o passado é parte do im-pulso de preservar o eu. Sem saber onde estive-mos, é difícil saber para onde estamos indo. Opassado é o fundamento da identidade individuale coletiva; objetos do passado são a fonte da sig-nificação como símbolos culturais. A continuida-de entre passado e presente cria um sentido deseqüência para o caos aleatório e, como a mudan-ça é inevitável, um sistema estável de sentidosorganizados nos permite lidar com a inovação e adecadência. O impulso nostálgico é um impor-

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tante agente do ajuste à crise, é o seu emolientesocial, reforçando a identidade nacional quandoa confiança se enfraquece ou é ameaçada.1

Do museu imaginário da mente retiramos a seqüência deimagens que a mídia nos fornece e, a partir deste conjunto, acre-ditamos possuir de fato algum tipo de conhecimento; este equí-voco é comum a partir do momento em que os intelectuais oupseudo-intelectuais acreditam deter o conhecimento, enquanto,em realidade, detêm apenas o discurso, uma linguagem oca dequestionamentos e vazia de propostas. A convivência de ima-gens deste nosso museu imaginário atinge, muito além das cate-gorias de tempo e espaço, um ecletismo total capaz de congre-gar culturas distintas sem o menor estranhamento ou choque.

Por que nos restringirmos ao presente, ao local, sepodemos viver em épocas e culturas distintas? Oecletismo é a evolução natural de uma cultura quetem escolha... o ecletismo é o grau zero da culturageral contemporânea. Ouvimos resgate, assistimosfaroestes, almoçamos no McDonalds e jantamoscomida local, usamos perfume de Paris em Tóquioe roupas “retrô” em Hong Kong.

A citação eclética é o discurso predileto; este discursomultiplica-se nas cidades através de sua organização espaci-al, de suas tendências arquitetônicas e dos seus diversos ha-bitantes. Trata-se de um ponto – além do conceito deinternacionalização já tão rebatido – que consiste, sim, numaverdadeira pletora de pequenos grupos sociais dentro do gru-po maior que cedeu-lhe espaço.

Na “cultura do narcisismo” a imagem das cidades revelaum verdadeiro fascínio pelas superfícies que espelham exa-tamente a imagem que se quer ver: aquela que viabiliza oretorno financeiro do investimento já feito em cada fatia domercado, bem estudado e dissecado. Em meio ao ecletismoque tem nas cidades seu expoente máximo e ao superficialismoproposital das estruturas em termos formais e ideológicos, osistema investe em inúmeras tentativas de formar uma opi-

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nião menos lúcida e mais inofensiva a respeito das cidades:

Os líderes procuraram um símbolo em torno doqual construir a idéia da cidade como comunida-de, de uma cidade que pudesse confiar em si obastante para superar as divisões e a mentalidadede cerco com que o cidadão comum encarava ocentro da cidade e seus espaços públicos.2

No que tange a nossa realidade, observamos o movimen-to exatamente contrário: um trabalho de convencimento dasociedade acerca dos “perigos” oferecidos pela cidade temcomo intuito esvaziá-la para que um maior público consumi-dor se entregue à visitação dos shoppings. Este público confi-nado nos pequenos espaços programados deixa de ter contatocom a realidade exterior e passa a receber as informações já“filtradas” e convertidas em fator de alienação.

A cidade, enquanto discurso, tende a esvaziar-se pela açãoda mídia, para que o seu discurso correspondente também se es-vazie; um discurso que, na verdade, tem-se mostrado “comporta-do” na medida em que ocorre a total aceitação das máscaras a eleimpostas, sem qualquer conflito ou esboçar de reação. O meltingpot, termo utilizado por Nelson Mota em recente artigo, parecenão mais ambicionar o “transbordamento” de conteúdos, atémesmo com a intenção de promover um possível “ganho” finan-ceiro a partir desta pluralidade, deste multiculturalismo: “Ficção,fragmentação, colagem e ecletismo, todos infundidos de um sen-tido de efemeridade e de caos são, talvez, os temas que dominamas atuais práticas da arquitetura e do projeto urbano.”3

Este projeto, como qualquer outro dentro do contextopós-moderno, está imerso num mar de significações e inten-ções subjacentes. Significações que beiram a pura anarquia,sem, no entanto, aproximarem-se do caos; anarquia num sen-tido puro da palavra que, se levada em consideração a suaetimologia, nos remeterá não à noção de descontrole oudesgoverno, mas sim a uma visão de poder descentralizado,simplesmente. Não aceitando um centro rígido de poder econtrole, como esperar da cidade a aceitação ou mera adap-

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tação ao poder regulador que manifesta-se na estruturapanóptica aplicada aos shoppings? E mesmo que tal controlepudesse ser exercido, como mantê-lo de forma constante eeficaz face à extensão de território e ao grande e diversocontingente a ser fiscalizado?

Segundo colocação de Ítalo Calvino, “a tensão entreracionalidade geométrica e emaranhado das existências huma-nas”4 é a expressão máxima das cidades. Um emaranhadodesconstruído fio a fio e propositalmente disposto numa linhareta de uma lógica de poder igualmente linear, porque hipocri-tamente racional. A cidade é a rede que nos captura pela exu-berância de seu tecido/texto: segundo Roland Barthes, ela é“feita de escritas múltiplas, saídas de várias culturas e que en-tram umas nas outras em diálogo, em paródia, em contesta-ção”. Esta cidade mutante, lugar da diferença onde ecoam tantasvozes distintas, “metamorfoseia-se” em espaço controlado atra-vés da ação do sistema. Um sistema que tenta totalizar o frag-mentário e homogeneizar uma estrutura rica em diferenças.Do divórcio entre a cidade e sua lógica caótica estruturante,surge o shopping. A cidade é o perigo, o inimigo em potencialque pode, a qualquer momento, insurgir-se contra os seus “do-nos”; o shopping é a fratura do real que vem suplantar o peri-go, neutralizar as ameaças e formatar culturas e costumes.

A relação dentro/fora está desfocada. O eixo comparati-vo, partido. O referencial da sociedade de consumo é o poderde compra, aliado ao sentido de acumulação, produção e des-perdício. A cidade é o grande espaço “fora”, como fora tam-bém estão aqueles que com ela se identificam. Sua leitura estáimpregnada de um sentido cinematográfico – imagens tão frag-mentárias quanto a própria cidade o é.

Os flashes sucedem-se velozes, quebrando alinearidade lógica e a possibilidade da totalizaçãoda cidade. Privilegiam-se os fragmentos, as par-tes metonimicamente destacadas do todo, peloprocesso seletivo. Dá-se precedência às imagenssobre a mensagem, substitui-se a extensão da men-sagem pela tensão dos significantes.5

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A analisar pelo critério de descontinuidade, a cidade nunca“morrerá”. Não morrerá porque a cada novo flash uma imagemsuperpõe-se às demais – não podemos, todavia, confundir estaprofusão textual com o desperdício típico de uma cultura volta-da exclusivamente ao consumo de bens que já nascem com suamorte decretada. Interessante é pensarmos que a própria cidadenasceu e cresceu alimentada pela atividade do comércio, dasrelações de troca entre os homens.

Contraditoriamente, a origem das cidades deu-se pela ne-cessidade premente de se estabelecer trocas comerciais entre osartesãos e demais produtores de bens. A partir dos burgos, avontade subversiva de comercializar e burlar a vigilância, esca-pando ao controle dos antigos senhores feudais, fez com que ocomércio se transformasse na tônica das relações, ponto de par-tida para a existência (e sobrevivência) da sociedade organiza-da. Sem vassalos ou suseranos, esta nova estruturação socialteve início na transgressão das normas vigentes: as mercadoriascomercializadas inicialmente eram roubadas de seus donos – ossenhores – e trocadas “às escondidas”.

3.3 - O lixo das cidades, o luxo da cultura (ou vice-versa)Podemos notar o quanto as cidades, desde suas origens,

pautaram sua existência pela idéia de troca (e sobrevivência)e também o quanto a matriz subversiva inunda toda a suaorigem, permeando a sua vida posterior. Se antes os habitan-tes dos feudos almejaram estar “fora” para construir um novo“dentro”, que eram os burgos, pontos de partida para as atu-ais cidades, hoje, os atuais consumidores, vassalos reeditados,anseiam estar “dentro” para compartilhar da profusão de ele-mentos, da “festa” de consumo, oferecida, muitas vezes, ape-nas ao olhar voyeur do (ex-)sujeito pós-moderno.

No fundo, eu não compreendia porque não se po-dia usar em um quadro, com o mesmo direito comque usam as cores fabricadas pelos comerciantesmateriais como velhas passagens de bonde ou bi-lhetes de metrô, pedaços de madeira desbotados,ticketes de vestiário, restos de barbante, raios de

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bicicleta, em resumo: todo o velho bric-à-brac quehabita os depósitos de entulho ou o monte de lixo.Havia nisso, de certo modo, um ponto de vista so-cial, e no plano artístico, um prazer pessoal. Emúltima instância, havia, principalmente, este. Deià minha nova maneira, fundada no princípio doemprego desses materiais, o nome de merz, tiradoda segunda sílaba da palavra kommerz.”6

O deslocamento de elementos característicos dos produtos“não artísticos” comercializáveis para a obra de arte pós-moder-na constitui-se talvez na metalinguagem mais apropriada ao perí-odo. A absorção de tais elementos enquanto ponto de partidacrítico para uma análise mais profunda talvez não seja a únicameta da obra – em última instância, esta talvez necessite mesmode certos referenciais de consumo, para sobreviver à concorrên-cia com outros bens. Kurt Schwitters vislumbrou como ninguémestes dois pontos de partida para a análise do “objeto” artístico: autilização de referenciais transplantados da atividade comercial(“... com o mesmo direito com que usam as cores fabricadas pe-los comerciantes”) traz em si um sentido social único – estamoscercados pelo lixo-luxo, um processo cíclico de produção e des-perdício, para que novas necessidades sejam criadas, para quenovos produtos sejam consumidos e assim por diante.

Seu prazer pessoal residia na visão plástica da obra im-pregnada de todos aqueles fatores inegáveis de uma realidadecotidiana sem retoques; o lixo da sociedade alimenta o artista,dando-lhe o “enredo” e a tônica de suas obras. A obra em sipode ser o lixo convertido em luxo (caráter fútil de uma su-posta “aura” concedida ao objeto) ou, simplesmente, um pro-longamento do lixo anterior – algo supérfluo, sem utilidade e,portanto, sem valor de uso e/ou de troca.

Ao emprego de tais materiais na obra o artista deu o nomede kommerz. E não seria esta a função do comércio?Comercializar o lixo e vendê-lo como luxo e ainda fazer daobra de arte seu produto mais lucrativo?

A cidade é a grande fornecedora deste material de traba-lho. À colagem de elementos oriundos da vida da metrópole

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equivale a colagem das próprias imagens que acessamos a partirdo controle remoto ou dos vidros dos carros e janelas dosapartamentos. A arte, impregnada deste princípio de utilidadee/ou descartabilidade, vê-se diante do impasse fundamental –a resposta, muitas vezes, exterioriza-se através do silêncio,cheio de significação.

O que nós requeremos ésilêncio; mas o que o silêncio requeré que eu continue falando. [...]Agora há silêncios e aspalavras fazem ajudam a fazer ossilêncios eu não tenho nada a dizere o estou dizendo e isto époesia como eu quero.7

Os espaços vazios do texto equivalem às lacunas “irracio-nais” do tecido-cidade a serem preenchidas por significantes osmais variados; a leitura das entrelinhas de ambos os textos pres-supõe uma atividade de leitura maior dos antagonismos entreuma “estética do grito” – calcada na comercialização dos bensculturais e da obra de arte, e uma “estética do silêncio” que, aorevelar, escamoteia o verdadeiro conteúdo, e, ao calar, revela asíntese, através do silêncio, de toda a essência questionadora.

A relação cidade/espaço de fora com o shopping/espaço dedentro remete-nos à noção dos duplos: há, sem dúvida, um“espelhamento”, enquanto processo de busca de uma identida-de, nesta relação.

Cada cidade se divide em duas. Há duas maneirasde ler a cidade, embora não simétricas. Assim, é acidade de Valdrada, construída à beira de um lago,espelho de água, que a reflete de cabeça para baixo,ponto por ponto cujos valores às vezes se aumentamou se anulam, pois nem tudo o que parece valer aci-ma do espelho resiste a si próprio refletido no espe-lho. As duas cidades gêmeas não são iguais, porquenada do que acontece em Valdrada é simétrico.8

O shopping procura estruturar-se a partir deste espelhamento

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com as cidades – textos anteriores. Partindo da afirmação de prin-cípios ou da negação de lógicas estruturantes, o panoptismo doshopping prevê típicas soluções urbanas: praças, árvores, vitrinesque imitam os antigos estabelecimentos comerciais de rua, baza-res que simulam feiras, enfim, todo um conjunto de referenciaisque visam a estabelecer a conexão entre a antiga forma de orga-nização político-espacial da cidade e a nova forma de agrupa-mento sistemático do shopping. A imagem no lago está de cabeçapara baixo, como os valores também se encontram invertidos –pavor maior deveria nos causar o fato de estarmos sendo “espia-dos” constantemente por câmeras enquanto achamos agradávelnão sermos interpelados em nossas andanças por algum velhopedinte ou um garoto faminto. Já que “nem tudo o que parecevaler acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho”,talvez a cidade venha a sucumbir diante da sua imagem invertida:seu “terreno”, de alguma forma, foi perdido.

Apesar da existência deste nítido processo de espelhamento,não há propriamente uma simetria entre as duas estruturas, pelocontrário: as assimetrias são reforçadas e frisadas a todo mo-mento, numa tentativa de promover uma hierarquização queeleve o shopping à categoria de “ideal de cidade”, a “cidadeperfeita” ou o “comércio do futuro”.

É ponto pacífico entre os teóricos pós-modernos que nãohá como não entabular (ou ao menos tentar) um diálogointerdisciplinar com as vertentes em ação nesta “culturapanóptica”; travar o diálogo é inevitável até mesmo para aquelesque se propõem a não conceder espaço, fechando as portas desua arte não só àquilo que a escraviza, mas também às formasque poderiam enriquecê-la:

A primeira é fácil para a maioria das pessoas: Acei-tar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto dedeixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exigeatenção e aprendizagem contínuas: tentar saber re-conhecer quem e o quê, no meio do inferno, não éinferno, e preservá-lo, e abrir espaço.9

Discutir o poder dentro da própria linguagem talvez se

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torne um recurso mais convincente do que a simples negaçãode toda e qualquer influência que possa ser incorporada aodiscurso, senão em termos de conteúdo (sob o risco de origi-nar-se uma arte concessiva), ao menos em termos formais.Passar ao largo das inúmeras inovações de um tempo de co-municação acelerada, de Internet e “multiculturalismo”, soacomo algo artificial, impossível e um tanto recalcado. Mesmoque seja para negar todo e qualquer contato com as novasformas, ao menos a negação já pressupõe um anterior conhe-cimento (ou reconhecimento) daquilo que se nega e, por con-seguinte, admite-se existir.

Se o shopping é a perfeita metáfora da cultura atual, a cida-de é, a seu turno, um manancial interminável de metáforas infi-nitas. Real e mítico se fundem/confundem num jogo rico emsignificações, um “carnaval” de representações e espelhamentos.Articulando história e representação mítica, a cidade se mostracomo um tecido rico e complexo, fascinante por suas contradi-ções, suas “estranhezas”, seu amálgama de etnias e culturas,uma realidade bem diversa daquela imposta por um“quadriculamento disciplinar” de intenção geometrizante típicodo panoptismo dos grandes centros comerciais. Segundo Rena-to C. Gomes: “Faz reverberar na metrópole moderna asconotações do labirinto mítico: a perplexidade e o assombro, acomplicação do plano e a dificuldade do percurso.”10

O labirinto, acrescentaria o autor em questão, “não é atrilha para chegar-se ao centro; é, antes, marca da dispersão.”Uma dispersão típica do contexto pós-moderno – antítese dasíntese dos objetos agrupados racionalmente pelo sistema.

3.4 - Cidade/desproteção, cidade/abrigo: duas visões dasolidão

Se a partir da Revolução Industrial o fenômeno urbanoextrapolou os limites da cidade, hoje a organização na metró-pole lembra o agrupamento por interesses regionais do contin-gente humano: a grande massa operária “apinhava-se” nas cer-canias das fábricas, favorecendo o acesso ao trabalho. Hoje, otrabalho, o sistema e o poder instalam-se dentro das casas e no

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interior das mentes através do trabalho de convencimento bemplanejado da mídia. As geografias, até certo ponto, anularam-sepelo princípio da globalização – a aldeia global tem todos osseus habitantes ao alcance de suas mãos e ideologices obliterantes.Se a cidade é “a realização do antigo sonho humano do labirin-to” podemos considerar a possibilidade de nos “perdermos”dentro deste espaço rico em caminhos e visões. Esta possibili-dade de perda pressupõe um encontro mais adiante, o que, decerta forma, não deixa de nos estimular à caminhada. Afinal,segundo Clarice Lispector, “perder-se também é caminho.”

Sobre o papel das cidades quanto à organização social ates-taria Renato C. Gomes:

[...] este é o universo da grande cidade moderna,lugar da experiência de ser estranho no mundo, deestar sob o signo da precariedade e do desamparo,cujos heróis são os inadaptados, os marginais, osrejeitados que reagem à atrofia da experiência.11

O deslocamento experimentado pelo contingente excluídodos círculos decisórios encontra seu eco na cidade-abrigo; amesma cidade atacada pelos interesses centralizadores do po-der “globalizado”. Por ela transitam numa caminhada infinita osanti-heróis não consumidores, aqueles que, de forma alguma,conseguem abocanhar uma fatia da produção. A fatia que lhescabe, ao contrário, é a menor e a mais rejeitada do “bolo”consumível do mercado, a que lhes dá acesso a bens que nãoconferem status em grau algum. A cidade não rejeita ou acolhe:na verdade, ela absorve todas as “sobras” dos deslocamentossociais ocorridos. Valendo muito mais pelo que têm do que peloque são, os indivíduos se sentem cada vez mais estranhos frentea este universo do consumo.

A vida compartimentada, dividida em setores isolados, pres-ta-se muito mais ao controle que a vida dispersa, com liberdadede movimentos. Assim também ocorre na literatura: um proces-so semelhante a este experimentado entre cidade e shopping sefaz sentir através das inúmeras “molduras estilísticas” que“formatam” a obra destinada ao mercado. Mas, afinal, qual obra

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não seria destinada ao mercado?A ruína da sociabilidade é decretada pela relação objeto-ho-

mem; as relações entre os homens foram rompidas, entrando nolugar delas a troca de interesses, uma “troca simbólica”, segundoPierre Bourdieu, que pauta toda a economia política do texto, dasrelações, da vida enfim. O aspecto tecnológico da existência aca-bou por dominar os homens e, sob este aspecto, a arte se vêobrigada a pesquisar novos canais de divulgação, novas vias delegitimação e também novos caminhos formais e conteudísticos.No entanto, o “esforço modernizador” da arte é sempre uma ta-refa delicada, se levarmos em consideração a parcela de“irracionalidade” que reside em todo e qualquer objeto artístico.

O instinto de auto-preservação da arte, apesar do perigoconstatado e não mais iminente, não chega sequer próximo aoinstinto de auto-preservação do indivíduo. A indiferença pautaas relações tanto na cidade de “fora” quanto na cidade de “den-tro” – o indivíduo, assim distante e isolado, crê estar protegidode si próprio e dos outros, livre da violência e também da rela-ção com seus pares. Este “homem ímpar” está isolado, cercadopor grades, muros, protegido de si mesmo. Proliferam os gran-des condomínios onde o indivíduo mora, estuda, vai às com-pras, pratica esporte, freqüenta cinemas, “consome” arte e for-ma seu círculo de amizades. Fora dali, a sensação é de totaldesproteção e deslocamento, o que vem confirmar as tendênci-as de busca e atração por um ideal de confinamento regido pelogosto duvidoso (e muitas vezes até inconsciente) pelo controlee pela vigilância. Ser controlado significa não ter que se preocu-par em estabelecer e fixar certos referenciais na própria vida,entregue aos “cuidados” de alguém ou de alguma estrutura maiscapacitada(o) e competente no sentido de estabelecer parâmetrose limites. É desta “preguiça” ideológica, porém, que surgem asformas mais perversas, contudo eficazes, de dominação e con-trole. Do particular para o geral e do coletivo para o individual– o sistema vai organizando seus métodos e colocando em açãoseus planos controladores.

A divisão do tempo em “presentes perpétuos” equivale aoaspecto de transitoriedade e fugacidade dos objetos de nosso

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meio. Numa época de comunicação acelerada, as informaçõessão “oferecidas” ao público, circulam por algum tempo e, logoem seguida, deixam de representar “novidade” para serem subs-tituídas por novas informações, e assim por diante. Este é umcírculo vicioso em que o critério de “novidade” diferencia-se daconcepção de “novo”; o novo de fato guarda em si um caráterde verdadeira subversão ao poder vigente, já que ele tambémtraz em si o ideal de transformação. O novo é a transgressão dasregras informativas pautadas pelo critério da novidade. Estanovidade equivale ao modismo – o oposto ao modismo não é atransformação verdadeira, mas sim o “clássico”. O clássico é afórmula de comportamento já incorporada sem choques nemsurpresas, é o continuísmo e o “bom gosto”. O modismo, porsua vez, surge para saciar momentaneamente a sede pelo novo,intangível e inalcançável; o modismo não oferece qualquer perigoao continuísmo e à situação de poder instaurada já que, tão rapi-damente quanto surgiu, desaparece do circuito sem deixar maio-res influências ou mesmo transformações de costumes e idéiasno seu rastro. A descartabilidade das idéias é fundamental à pazdo sistema e muito útil ao centro de poder. Além de prestar-se aeste tipo de engodo, a novidade, quando oferecida nas “cidades-dentro” dos shoppings, ou em qualquer ambiente similar, presta-se perfeitamente ao consumo em larga escala.

As cidades unem o descartável e transitório ao perene econstante por uma mistura que reforça o aspecto heterogêneo emúltiplo de sua estruturação. Os modismos passam por ela,marcando o grande passeio humano por suas ruas e esquinasem perfeita harmonia com as velhas construções ou mesmo comas tradições de alguma comunidade estrangeira de imigrantesreunida num bairro ou outro setor qualquer da cidade plural.

Os próprios “pensadores” da cidade, dos costumes e dasartes, tornaram-se “mediáticos”: fabricados pela televisão e pelaimprensa eles são verdadeiros “inimigos” do pensamento, de-tendo o monopólio da comunicação com o público e impedin-do, muitas vezes, a divulgação das obras de real valor. Suasidéias são exemplos de um pensamento superficial, descartávele cheio de jargões quase incompreensíveis. São “pensadores”

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que aparecem e desaparecem, saindo de circulação tão rapida-mente quanto suas idéias são esquecidas. Como pouco ou mes-mo perigo algum oferecem ao status quo, estes “críticos do nada”recebem a concessão de um espaço para veicular algumas pala-vras agrupadas a título de idéias, o que, de algum modo, vemcontentar os ingênuos consumidores que “compram” estas ide-ologias fugazes acreditando estar “consumindo” uma culturarevestida de uma “aura” especial. Aquilo que parece ser umaoferta livre de qualquer tipo de compromisso com o poder é, naverdade, uma duplicação de um discurso dominador, que se dáde forma velada. Diria Pierre Bourdieu: “As classes dominantesobtêm, através de gestos de violência simbólica, a adesão dasclasses dominadas aos seus próprios critérios estéticos.”12

Ainda sobre as cidades, acrescenta Renato C. Gomes:

Sem dúvida, o bombardeio dos sentidos por umapluralidade de impressões produz um acentuadonervosismo. Este estado provoca mudança nas vári-as formas de defesa interior e distância social e, alémdisso, incita completa indiferença. Na metrópolelabiríntica, as coletividades indefinidas reúnem-see dissolvem-se. A multidão e outras configuraçõesdo acaso na vida dos indivíduos só ganham sentidoatravés de seu confinamento ou de sua dispersão noespaço social.13

É através do confinamento nos espaços fechados e artifi-ciais e também na dispersão no espaço social que a idéia degrupo, ou mesmo de multidão, ganha sentido. Fora isso, o queobservamos é um conjunto de individualidades cada vez maisfadadas ao isolamento total, à esquizofrenização e aodistanciamento do núcleo de poder que rege suas vidas, orde-na seus pensamentos e direciona seus gostos.

Na multidão, o choque é inevitável; a “turba” tem um as-pecto amorfo, um quê de falta de direção e de ordenamento:

Muitos dos passantes tinham um aspectoprazerosamente comercial e pareciam pensar ape-nas em abrir caminho através da turba.14

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A cena escrita da cidade faz-se sob o ponto de visi-bilidade; traduz-se no “dar a ver”.15

A visibilidade enquanto armadilha do modelo panóptico (a“cidade dentro”) traduz-se na “cidade fora” pela legibilidadedas metáforas diversas constitutivas de seu texto rico em figurase significações, nos remetendo a mais e mais significados. Acompreensão das duas realidades – a de dentro (intra-shoppingse espaços fechados) e a de fora (cidade variada, aberta) – passamuito pelo visual e também pelo voyeurismo; o olhar voyeur écultivado pela indústria do consumo como forma de preparaçãopara o consumo; o olhar é uma prévia do ato seguinte de com-pra. É pelo olhar que as trocas, as influências e até mesmo asrelações se dão na vida do homem no contexto “pós-moderno”.A negação da importância desta instância de apreensão não crí-tica (um olhar despolitizado e despretencioso) já é a afirmaçãoda categoria pré-existente, o que, por fim, acaba por favorecer asobrevivência do olhar voyeur.

O crescimento problemático da cidade (fora) vai criando,no entanto, problemas ao entendimento e à legibilidade de seutecido constitutivo: o planejamento urbano é mais uma moldu-ra, uma formatação imposta a um espaço que, ao final, acabapor receber elementos que são enxertados por seus habitantes eque lhe dão um sentido todo especial, marcando estaheterogeneidade tão instigante.

As metáforas orgânicas utilizadas na decifração das cida-des modernas dão-nos uma visão perfeita da cidade-organis-mo distinta da cidade-corpo (antigas cidades). Neste “orga-nismo” os órgãos são “tratados” para viverem em harmonia, oque nem sempre ocorre.

Quando a desarmonia acontece, todo o “corpo urbano” ado-ece. O “cérebro” desta estrutura é o sistema, mas a energia vitalque corre em suas veias, contrariando o poder regulador, é a di-versidade étnica e cultural, é o contingente humano diverso quese põe a comunicar de formas variadas seus conteúdos próprios esuas visões particulares. Para proclamar e exaltar as delícias domundo reduzido aos centros comerciais, ao drugstore, a “doen-

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ça” do organismo urbano é potencializada e seus efeitos aumen-tados. Fixadas as diferenças, reservados os devidos lugares paracada um de seus cidadãos, resta apenas o direcionamento ideoló-gico promovido pelas estratégias de comunicação e marketing.

Dessa forma, ao invés de cuidar do organismo, o sistemaencarrega-se de mantê-lo doente, fragilizado tanto quanto ataca-do pela mídia por ser a representação do caos, da violência e dodesvario – transitando pelas ruas abertas corre-se o sério risco detravar-se contato com “algo” tão distante e há tempos esquecido:o outro. Um outro sem significado ou consumível, já que trans-formado em herói pelo simples ter. Se ele tem, ele é bom, é exem-plo; se ele não tem, é tão excluído quanto nós, tão out, tão fora demoda e de interesse que não é conveniente que circule nas “ruasprotegidas” dos espaços fechados. Afinal, que teria ele a perderse a sua condição, se comparada a dos grandes heróis de consu-mo, é de miséria e exclusão? Os grandes heróis são, a seu turno,os exemplos a serem seguidos, o ideal de felicidade a ser alcança-do; eles atestam a saúde do organismo, ao mesmo tempo em quese nutrem de seus mananciais. Se ser feliz ainda é possível, porque não insistir na fórmula, por que não aceitar as necessidadesimpostas como as “verdadeiras necessidades” já que, das verda-deiras, perdemos a noção há muito tempo?

Segundo Benjamin, a modernidade e seu universo de mer-cadorias são o próprio “inferno” transplantado para a metrópo-le. O shopping é a metrópole ideal, tomada ao pé da letra, bemplanejada e alicerçada por patamares sólidos e garantidamenteconfortadores, apesar da maquiagem que tenta, a todo momen-to, provar o contrário. Diria Benjamin sobre a metrópole:

Um mundo caracterizado por uma rigorosadescontinuidade, o sempre Novo não é qualquercoisa de velho que permanece, nem algo do passa-do que volta. Mas uma só e mesma coisa atraves-sada por inumeráveis intermitências. Aintermitência faz que cada olhar se lance no espa-ço e descubra uma nova constelação.16

Esta metáfora do inferno, transplantada para a cidade, lem-

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bra-nos o caráter de confusão e caos, a liquidação da idéia decomunidade e unidade social, o silêncio ao qual são condenadosseus habitantes – indivíduos solitários e não comunicativos, aindividualização e, a reboque destes últimos, a total indiferença.

A atomização da cidade se dá, mais ainda, pela coexistên-cia de inúmeras linguagens, favorecidas pelas variadas mídias.Segundo assertiva de Renato Cordeiro,

A comunicação de grupos heterogêneos através doespaço; o desenvolvimento de uma cultura da in-dividualidade e das formas de violência. Estes sãoalguns dos sintomas que indicam a ilegibilidadedas megalópoles contemporâneas, que intensificamo caos e sancionam uma espécie de distopia: o “não-plano” de uma “não-cidade”.17

A “perda da habilidade” em interpretar os movimentos eos variados matizes desta cidade pictórea dá-se não só peloesforço alienante da mídia, mas também por uma compreensí-vel dificuldade em estabelecer, sem contar com a ajuda dodistanciamento crítico, as bases para uma análise mais profun-da e não comprometida. Ao integrar a realidade do cotidianoà metrópole, deixamo-nos levar por seus movimentos, suas“ondas” de influência certa, gosto duvidoso e ideologia bara-ta, sem nos darmos conta do quanto já estamos envolvidoscom as estruturas mais comprometedoras e menos elucidativas.Só através do esforço máximo de distanciamento é que sere-mos capazes de reconhecer no meio circundante as esferas depoder, os núcleos de consumo, as influências mais danosas,tudo, enfim, que represente elemento constitutivo da estrutu-ra em análise. Sem este distanciamento fundamental, as lacu-nas críticas começam a se revelar e muitas das obras que “tei-mam” em abordar o contexto atual vêem-se fadadas ao “con-sumo” e compreensão tardios.

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3.5 - A “Anti-Babel”Nesta “babel” de tendências, o princípio original de cidade

que se prestaria à realização não só das trocas necessárias àexistência humana, como também à plena realização da “felici-dade e satisfação do indivíduo”, parece-nos agora, acima detudo, uma concepção romântica e deslocada, destituída do pesonegativo que os problemas vividos, quando não criados e im-postos pela cidade, exercem. Conceber a cidade sem os taisproblemas, sem as existentes discrepâncias e antagonismos se-ria conceber um outro espaço de existência, nulo de tensões ede conflitos, uma anti-babel, um shopping a mais dentro de umespaço maior, dentro de outro e mais outro, num processo dereflexão contínua em que todas as cidades se igualam no qual ohomem não consegue fugir do esquema urbano; ao sair de umacidade, cai ele em outra, e, como o sistema parte do ideal dehomogeneização, todas, sob seu controle, passam a ser iguais.

O que foge à regra imposta pelo poder fiscalizador é oque importa à pesquisa: esta atitude das cidades de não supor-tar as “rédeas” do controle, ao menos não em toda a sua ex-tensão, é que nos fascina. As cidades rejeitam aqui, para ab-sorverem mais acolá. Mesmo que dividida em setores, a ci-dade ainda admite o out dentro da composição social de seutexto único, de leitura difícil porém inigualável. Tal qual o ocor-rido com a literatura, a cidade por vezes é out, por vezes é in.Sua sobrevivência depende exatamente da existência desta di-versidade, do enunciado destas vozes que fazem da pluralidadeforça retórica em potencial. A abertura ao diálogo transculturale transdisciplinar é a saída para ambos. A cidade, enquantotexto, é um “guia de sobrevivência” que aponta para a neces-sidade de novas leituras que a reinterpretem e a revigorem. Aliteratura, enquanto conjunto de textos, deve promover estediálogo com outras esferas que, interpretando-a e, até mesmo,questionando-a, possam dar sentido ao vazio deixado pelasmolduras estilísticas atuais, verdadeiras “camisas-de-força” aamarrar a criatividade, força produtiva e reformadora. Ainterdisciplinaridade é a saída para a interpretação do atualmomento literário e a busca por novos canais de divulgação

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talvez seja a resposta para uma ampliação do mercado e atémesmo para um melhor entendimento da obra. A integraçãomeio (de transmissão)/conteúdo é o pólo contrário da discus-são sobre a arte “aurática”; dentro do panoptismo em que nós(consumidores) vivemos, é de fundamental importância o en-contro de novas vias de legitimação do objeto artístico.

A cidade, como espaço da transgressão, ergue-se sob osigno da culpa, mesmo que sem punição. Como é possível trans-gredir dentro, por exemplo, de um shopping? Ante a impossibi-lidade de qualquer desmedida, de qualquer relaxamento de con-duta, sob pena de exclusão, às cidades resta o papel de garantiro ir e vir do sujeito “desencontrado”. Se, segundo GuimarãesRosa, “narrar é resistir”, caberia à Literatura a força maior deresistência, dizendo, mesmo que pelo proposital silêncio, “a mudaverdade das coisas”; o que esperar, portanto, de obras que vi-vem “dizendo” sem mesmo ter o que dizer? Ou pior, dizendoaquilo que o poder quer que elas digam? Navegar ao sabor dasondas provocadas pelo movimento de interesses maiores vin-dos “de cima”, transforma-se em perigosa atividade para aque-les que receam ficar à deriva ou naufragar em meio a este marde forças distintas e, é óbvio, antagônicas.

O mito de Babel é, decerto, uma das tantas referênciasmíticas que experimentamos ao dissecar a cidade. “Cidade pes-tilenta”, “babel dividida”, “cidade-vício” – estas são algumasdas tantas denominações e categorias passíveis de serem per-corridas numa caminhada crítica que percorra e perpasse as te-orias da atualidade. A referência bíblica de Babel, segundo Re-nato Cordeiro, faz-nos fixar mais ainda a idéia da cidade/espaçodos excluídos:

[...] Babel enraíza-se em Babilônia, o esplendorviciado, triunfo passageiro do mundo material,ou em Sodoma e Gomorra, a depravação, o vício,punindo o homem por seu culto a Mamon, o deusda cobiça, símbolo da riqueza prepotente.18

Mais rica imagem que a da cidade-babel talvez seja aimagem das cidades dentro da cidade, a babel da Babel, es-

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paços reduplicadores da “prepotência” que, talvez, já tenhaperdido um pouco a sua intensidade nos espaços urbanosabertos. Acrescenta o autor:

A cidade babélica dos homens, ilegível em sua re-alidade caótica, é a que se tornou consumível, oumesmo passível de ser gasta: o recipiente transfor-ma-se tão rapidamente quanto seu conteúdo. É acidade do transitório [...]19

As cidades na cidade, ao se tornarem gastas, são pronta-mente substituídas por outras, estas outras por terceiras e as-sim por diante, num movimento contínuo, numa continuidadecíclica incansável. A substituição das cidades por outras, naverdade, acaba por encerrar-se num duelo contra a própriaimagem. Relembramos o texto de Sérgio Sant’anna já citado;a tensão escritor x editor é a mesma entre liberdade x reificaçãoe indústria cultural. Trabalhando constantemente com a noçãodos duplos, o autor, demonstrando uma nítida auto-ironia, re-conhece a moldura pornográfica de seus textos, uma forma,na verdade, de inconsciente adesão ao espírito pós-modernoincorporador de vertentes, pasticheur. Lembremo-nos aindaque, mais do que nunca, o sexo é o reverso do poder.

A chave de leitura para o texto é auto-reflexiva. Numaausência de perspectivas para o futuro, o autor-indivíduo éatirado a um presente eterno, num processo típico deesquizofrenização: pouca relação (ou mesmo nenhuma) con-segue ser estabelecida entre os fatos do passado e o presente.

Qualificando sua escrita de espontânea e a de seu espelhoMontgomery de bad writing, o autor vai ao encontro da teoriado happy few, já comentada.

Nesta ficção auto-reflexiva (verdadeira metaficção),convencemo-nos, cada vez mais, de que o verdadeiro artista/intelectual está fadado ao fracasso. Na esperteza metaficcionalde qualificar sua escrita de bad writing, o autor “pisca” para oleitor inteligente: o mesmo já vai “preparado” para o “produ-to” que vai encontrar (eu – autor – não posso oferecer-lheuma escrita de melhor qualidade, a não ser essa). O que te-

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mos, na verdade, é um diálogo com o leitor capaz de nos trans-portar para esse “duelo” travado entre escritor x sistema, quetem como cenário o caos da cidade.

Pelo ato transformador de jogar o editor (e não o originalda obra) na lata de lixo, um novo eixo sêmico – luxo/lixo – éintroduzido; já explorado por escritores como os do grupo con-creto, somos enviados a novas associações que apontam para osilêncio como a forma mais pura do falar. A busca da perfeiçãoestá, em última instância, no silêncio. Do aspecto paradoxal sur-ge um texto fragmentado, tal qual sua cidade-cenário, que temcomo verdadeiro parâmetro a negação dos parâmetros vigen-tes. Os parâmetros falsos estariam nas leis de mercado e da mídia,personificadas num modelo estrangeiro imposto ao autor, quese vê sustentado por ideologias próprias as quais, no entanto, ocolocam na “contra-mão” do sucesso editorial, contra-mão deuma cidade em constante duelo consigo mesma.

Nota1 HARVEY, D. (1992), p. 852 HARVEY, D. (1992), p. 893 HARVEY, D. (1992), p. 964 CALVINO, Ítalo. (1997), p. 475 GOMES, R. C. (1994), p. 336 SHWITTERS, Kurt. In: CAMPOS, H. (1969), p. 35 e 367 CAMPOS, A. (1986), p. 2298 GOMES, R. C. (1994), p. 509 GOMES, R. C. (1994), p. 6110 GOMES, R. C. (1994), p. 6311 GOMES, R. C. (1994), p. 5212 BOURDIEU, P. (1995), p. 5513 GOMES, R. C. (1994), p. 7014 GOMES, R. C. (1994), p. 7315 Idem, p. 7616 GOMES, R. C. (1994), p. 7817 GOMES, R. C. (1994), p. 2818 GOMES, R. C. (1994), p. 8219 Idem, ibidem

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* ADORNO, T. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 1985. p. 126.

4 - Novos canais de divulgação,novas vias de legitimação

(a tecnologia transformará o artista?)

“... Essa mesmice regula também as relações como que passou. O que é novo na fase da cultura demassas em comparação com a fase do liberalismoavançado é a exclusão do novo. A máquina girasem sair do lugar. Ao mesmo tempo que já deter-mina o consumo, ela descarta o que ainda não foiexperimentado porque é um risco. ”

Adorno*

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4.1 - “Arte eletrônica” é Arte?Se as vias de legitimação da arte mergulhada no contexto

pós-moderno são contraditórias e duvidosas, resta-nos levantarhipóteses sobre os diferentes canais de divulgação que, a seuturno, podem “conferir” este caráter de legitimidade às obras.

Um marketing da cultura (e não um marketingculturalizado), se bem dimensionado, pode garantir espaçosabertos a uma produção de qualidade que não pode (e não deve)perder de vista os pontos críticos de questionamentos maisabrangentes. Usando o espaço da mídia, sem conceder-lheterreno conteudístico; utilizando-se dos recursos da informáticae da multimídia poderia a arte sobreviver à lógica perversa dasociedade de consumo?

Dialogar sem estabelecer concessões: eis a tarefa mais difí-cil; saber estabelecer os limites entre o que representa um recur-so e aquilo que já é dependência, regra, escravidão. Muitas ve-zes para combater os mecanismos de poder torna-se precisoconhecer a fala do sistema; e, diga-se de passagem, conhecê-lamuito bem, em profundidade. Utilizar sua fala para questioná-loe combatê-lo é quase sempre um recurso muito mais inteligentedo que a negação pura e simples: a própria negação já é a acei-tação de algo anterior que se procura anular, o que viria, dealguma forma, a fortalecer o poder estabelecido.

Quem duvidaria, por exemplo, de um computador virandoobra de arte? Até as composições mais inusitadas foram tenta-das, sempre a título de renovação. Tenta-se, basicamente, poresses “arranjos” inovadores, quebrar-se o tabu da obra de arteelitizante, buscando romper com o caráter clássico de galeria.Acreditar no poder dos meios eletrônicos de disseminarem aarte é uma atitude a qual muitos preferem simplesmente ignorar

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ou não assumir. Na sociedade tecnicista em que vivemos, o ca-ráter negativo dos “meios” eletrônicos virou tema de inúmerasconversas, debates e estudos. Que a relação homem-homem foisubstituída pela relação homem-objeto já sabemos. O que há denovo, ainda, é a possibilidade real de fugir-se ao “lugar-comum”transitando-se por um terreno que, em princípio, é a antítese doespírito criador, a negação da “aura” que deve envolver todoobjeto artístico uno, inimitável e irreconciliável com qualquerícone de cunho tecnológico.

Se invertermos as posições, entretanto, veremos (numa vi-são francamente otimista) que o artista tem a sensibilidade e opotencial para interferir e influenciar nos caminhos que atecnologia vai trilhar. Importante seria definir-se, mesmo semtermos chegado a uma “plenitude” social, se chegaríamos a esta“plenitude” técnica de maneira tão pacífica e, principalmente,sem nenhum estranhamento maior por parte do público. O pró-prio termo “arte eletrônica” parece-nos imerso em contradiçõese causa-nos ainda estranheza; ele é utilizado na intenção decategorizar-se diferentes mídias, fugindo um pouco do enfoqueartístico tradicional. Anteriormente, falava-se de pintura digital,video-instalação, música digital, animação em computação grá-fica. Hoje em dia, a mescla das diferentes mídias é tão múltipla,tão imprevisível, que os termos tradicionais não dão conta dequalificar uma realidade tão nova, tamanha a multiplicidade doobjeto a ser qualificado.

Segundo seus seguidores, uma “arte eletrônica” seria ummomento novo na arte; um momento em que você usa expres-são e comunicação artísticas para conjugar o ser sensível com oser tecnológico, através de um trabalho em que o importantenão é apenas que o público se “emocione”, mas que tome tam-bém consciência daquilo que sentiu. As formas tradicionais dearte, sabemos, absorvem de uma tal forma o público que este élevado a sentir, muitas vezes, uma emoção indecifrável, semtomar “consciência” do processo como um todo.

A questão da interatividade é outra faceta desta mesma re-alidade: o “particular”, muitas vezes, envolve uma atitude ingê-nua daqueles que acreditam estar, através de uma “interação”

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quase sempre falsa ou mesmo guiada, modificando e participan-do da criação da obra de arte. É importante notar, entretanto, aradical diferença entre dar uma pincelada no quadro pronto pre-viamente ou receber uma tela em branco a ser preenchida – naprimeira situação, você escolhe, mas quem decide de fato é osistema que, por um “acréscimo de bondade”, abre este supostoespaço aos receptores das obras, os quais, quase sempre, acre-ditam estar tomando parte deste processo maior que é a criaçãoartística quando, ao contrário, são ludibriados e levados a pen-sar que sua participação mudaria em algo o contexto. O poderrevela mais uma de suas artimanhas voltadas ao objetivo alienantede uma proposta obscurecida e obliterante. Perceber o que estáacontecendo, criticar, promover a modificação do social e doindividual são objetivos nunca (ou quase nunca) alcançados.

A tecnologia na chamada “arte eletrônica” é uma forma defazer com que determinado objetivo seja atingido; o objeto podeestar mais ou menos comprometido com o sistema de acordocom o tipo de comunicação que tenta travar. A diferença entreum trabalho comercial e uma arte desta maneira concebida está,primeiramente, no seu conteúdo – utilizar uma forma “seqües-trada” dos grandes meios de comunicação não quer dizer, ne-cessariamente, que o artista tenha de fazer concessões com re-lação ao conteúdo, comprometendo-se e alimentando-se daslinhas mestras de estruturação do controle global.

4.2 - Globalização e “culturalização”Essa “globalização” da arte pretende buscar uma saída

para a atual falta de público freqüentador das galerias, dosmuseus e até mesmo de público leitor das grandes obras literá-rias (ou até das não tão grandes assim). Se observarmos osúltimos movimentos e acontecimentos culturais, percebemosuma nítida tendência de controle dos bens culturais pela mídia.Os jornais de grande circulação oferecem obras literárias derenomados autores e de relevante conteúdo juntamente comseus exemplares diários – pagando-se uma pequena quantia amais é possível trazer das bancas uma “boa literatura”, quedeixou de ser exclusividade, ao que parece, das livrarias mais

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elitistas e bem freqüentadas da cidade.A “culturalização” dos canais de divulgação equivale à

culturalização dos bens de consumo que, maquiados pelo sis-tema, são colocados à venda na nítida intenção de gerar umefeito apaziguador: à total ausência de liberdade de escolha eao fechamento dos caminhos de acesso à apreciação das obrasde arte por seus canais de divulgação tradicionais, opõe-seuma falsa impressão de liberdade de escolha, um acesso dirigi-do a um espaço concedido e, portanto, vigiado; o que se vê éaquilo que nos é dado ver – o conhecimento é o “fruto proibi-do” e todos aqueles que desejam partilhar dele, subvertendo aordem imposta e o poder instituído, são transgressores fada-dos a carregar a culpa por seus atos de transgressão às nor-mas, condenados a viver às margens do social. Para estar emdia com a cultura e com a literatura basta, afinal, ser assíduoleitor de qualquer jornal de grande circulação.

A indústria cultural não entra em choque com os bens ou odiscurso do saber – ela os incorpora, os “suga” para o interiorde sua estrutura e, com isso, se fortalece. Com relação ao cine-ma, o processo é semelhante ao ocorrido com a literatura. Poralguns poucos reais a mais é possível levar para a “telinha” asgrandes obras do “telão”; neste caso, a mídia impressa, além deincorporar o discurso e favorecer-se do apelo às massas exerci-do pelo cinema, promove o gosto pela individualização, pela“diversão solitária”. O homem cada vez mais é afastado do ho-mem, tanto no trabalho quanto na sua extensão, o lazer. A partirdeste afastamento, qualquer princípio de organização das mas-sas é esvaziado antes mesmo de tomar corpo. Para tanto, osencontros sociais são evitados quando o assunto central é arte;digo, arte que se propõe a desvelar e não a encobrir os conteú-dos reformadores, uma arte sinônimo de esclarecimento e, con-seqüentemente, de perigo.

O “falso esclarecimento” promovido pela mídia segue peloscircuitos das galerias de arte e dos museus. A recente exposi-ção* de Monet e a já não tão recente assim de Rodin, fazem-nos crer que só é sucesso de público aquilo que a mídia querque seja. Através do marketing, até mesmo os textos mais

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complicados, as obras mais herméticas e os discursos maisprofundos tornam-se produtos de venda fácil, mercadorias derápida absorção. Uma perspectiva assustadora, se pensarmosque o controle destes meios está nas mãos de um poder cujaface não conhecemos; internacionalizado o capital, amalga-madas as culturas, nossos referenciais são aqueles que nos for-necem os senhores do saber e do capital, de acordo, obvia-mente, com os seus interesses.

A utilização do computador, que estendeu seus domíniospor toda a atividade humana, na chamada “arte eletrônica”, sepropõe a resgatar a comunicação visual: você tem as dimen-sões limitadas da tela, tem o uso predefinido de cores, tem aluz proveniente do monitor e outros fatores que podem, aomesmo tempo, facilitar como também complicar a leitura dasinformações. Através dos veículos tradicionais de divulgaçãoda obra de arte, muitos já tentaram promover esta “explora-ção” do aspecto visual da obra: em literatura, podemos dareste crédito ao concretismo – pelo viés do concreto, nega-se oenraizado gosto discursivo, incorporando-se os ideogramas,pesquisando-se o haicai e enriquecendo-se a obra pela nega-ção da linguagem verbal tirânica.

A questão da metacomunicação finalmente é problematizadana poesia – com um olhar atento sobre a necessidade de comu-nicação mais rápida dos objetos culturais e também sobre o poderrevolucionário da mídia bem aproveitada, os concretos rendem-se ao vasto leque de opções aberto pela linguagem da propa-ganda e até mesmo das histórias em quadrinhos. A poesia dialo-ga com a mass media sem, todavia, fazer concessões. Ela in-corpora facilmente traços estéticos da fala do poder – a obraconcreta dialoga com o sistema que, ameaçado, produz intelec-tuais e espectadores contrários ou alheios à nova estética – sem,entretanto, “comprar” a sua ideologia pautada pela previsibilidadeda moldura estilística do best-seller e das formas pacificadorasde manifestação.

4.3 - Da problematização dos conceitos à vida virtualA negação veemente das leis de mercado torna a arte con-

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creta algo caracterizável como poesia “menos editável”. Pro-gramas teóricos como o da “guerrilha cultural”, de DécioPignatari, marcaram o clima tenso do movimento sob acusa-ções da crítica. Os chamados “terroristas culturais” pensaramo nacional de forma crítica e não exótica, elaborando todas assuas obras num nível complexo de referências, transitando entreo dizer e o não dizer, trabalhando o branco da folha através deuma exploração experimental capaz de congregar as mais di-versas formas de arte (música, artes plásticas, intertextualidadesvariadas). A geração concreta apontou novas possibilidadesnão só para a arte como para a Teoria Literária, agora vistanão como ciência estanque, mas sim capaz de relacionar-secom as áreas afins (Filosofia, Psicologia, Antropologia etc.) etambém (e principalmente) com campos mais promissores (emtermos de recursos de penetração junto ao público) como o daInformática e da Teoria da Comunicação.

A partir de seu surgimento na década de 50, tornando-sepúblico através da revista Noigrandes, o movimento concretoatravessou o período de politização entre 61 a 64 acreditandoser possível politizar-se não através do populismo, mas simapostando numa não “imbecilização” da arte e do artista. Te-mos no cenário cultural a presença de duas nítidas vertentes:de um lado, o populismo representado pela corrente do CPC(Centro Popular de Cultura), jogando com a arte perecível umjogo perigoso que esconde, atrás de uma suposta preocupa-ção política, o grande problema; não problematizando a rela-ção da arte com o mercado, a obra vira mero panfleto e umclima de cumplicidade paira no ar quando se acredita ser pos-sível conscientizar o operariado numa sociedade de consumo.Por outro lado, o concretismo mostra-se apto a lançar-se àprodução de uma arte perene, cuja produção estéticadesvincula-se dos objetivos mais imediatos de mercado,problematizando uma relação que desemboca num “consu-mo” evidentemente difícil de suas obras.

A experiência do movimento concreto fixou-se, comovemos, não só na exploração das formas, mas, em última aná-lise, numa problematização fecunda dos conteúdos. A arte na

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era da informática, por sua vez, pode não apresentar tal preo-cupação, restringindo-se tão somente ao fetiche do objeto, àatitude “voyerista” de simples contemplação passiva da telado terminal a assumir diferentes cores e formas, não importan-do se há ou não algum conteúdo ali. Numa recente mostra derealidade virtual, alguns trabalhos destacaram-se por seremmais procurados pelo público – um deles caracterizava-se porum CD-Rom através do qual o espectador (suposto ator) iacaminhando numa caverna e, utilizando os “ícones”, poderiaescolher por quais portas gostaria de entrar, podendo olhar asparedes da caverna, circulando num espaço inexistente, virtu-al. Outro trabalho resumia-se numa suposta sala de espelhosonde, ao lado do espectador, havia dois atores em carne eosso interferindo na relação homem-máquina, algumas vezesajudando, outras atrapalhando. A realidade virtual, neste caso,serviria apenas como estopim para uma idéia maior, a do ques-tionar-se sobre a confiabilidade do outro.

Sob qualquer perspectiva de análise, a realidade virtual dainformática remete-nos ao simulacro, à virtualidade do mundoem que vivemos e das informações que captamos. Dentro da“cultura do narcisismo”, o homem e seu holograma confun-dem-se/fundem-se numa coisa só. O computador expõe natela, em tempos de Internet, um mundo já representado, em esca-la maior, nas cidades e nos shoppings. Sua utilização dá-se tantono trabalho quanto no lazer, e o indivíduo, um worker by day andswinger by night, encanta-se por morar em frente à praia, masnunca molhar-se no mar, por observar aquele “falso mundo” natela sem nunca, porém, participar diretamente da construção dele.Alguns críticos apresentam o assunto pressupondo uma possível“desumanização” da arte pelo uso dessas técnicas inovadoras,apontadas como influência perniciosa, negativa.

Atitude “quixotesca” de fato seria atacar indistintamentetodo tipo de diálogo entre arte e tecnologia: este diálogo podeser útil, desde que se determine a quem. Enquanto isso, o nú-mero de pessoas que têm curiosidade e acesso aos meios ele-trônicos cresce na mesma proporção em que as dificuldadessociais, a miséria e a pobreza aumentam. O “artista eletrôni-

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co” vê-se diante de um dilema: produzir arte lidando ao mes-mo tempo com tecnologia e sensibilidade, num país rodeadode miséria. Por outro lado, estas “dificuldades de percurso”acabam por levá-lo a lançar-se mais avidamente na busca porsaídas criativas que o ajudem a contornar o problema.

4.4 - O kitsch (não) é a saída

[...] Kitsch é, como se sabe, a etiqueta alemã paraos objetos, obras de arte ou espetáculos de maugosto, franca ou tacitamente “comerciais”, mascom pretensões a exibir valores “sublimes”. Ovulgar que aspira a parecer refinado, a cafonice(inconsciente) que “bota banca de beleza”.1

O produto mais autêntico da nossa tão falada cultura demassa é, sem dúvida, o kitsch, já que capaz de traduzir todoo espírito comercial de uma arte comprometida com um pú-blico nitidamente acrítico.

Caminhando pelas inovações propostas em termos dearte, acabamos, inevitavelmente, esbarrando em mais estaproblemática tipicamente pós-moderna: a confusão que aca-ba por estabelecer-se entre arte popular, arte de massa e “altacultura”. A primeira podemos considerar como nula desde asua origem _ afinal, se a arte é popular, somos levados aquestionar que “povo” é este que a produz _ um povo quesempre admirou os modelos da “alta cultura” e tentou, sem-pre que possível, aproximar-se deles, tanto em sua vida soci-al como em sua produção cultural. A situação agrava-se maisainda se pensarmos na discutida dissolução do ideal de povono conceito de massa _ o caráter amorfo desta massa nãopensante é que viabiliza a divulgação e o sucesso do kitsch.

Para não chegarmos ao extremo de admitir que a artevirtual é kitsch, podemos, ao menos, admitir a inversão: okitsch é uma arte virtual. Virtual no sentido de promover odisfarce de uma cultura de massa em cultura erudita; maisvirtual ainda se pensarmos no processo de criação do kitsche, principalmente, no que há por trás deste processo, que

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seria, nada menos, a intenção de promover a “diversão” livredo “peso” dos questionamentos e das incômodas reflexões.

O consumo sem culpa ou complexos do kitsch ascendeu àcategoria de modismo: ser kitsch é um estado de espírito. Areação controlada aos objetos consumidos e digeridos, antesmesmo de serem oferecidos ao consumo, é mais uma estraté-gia montada pela indústria cultural, pelas mãos daqueles que adominam. A morte da catarsis garante o surgimento de umanova categoria de prazer fácil em lugar de um saudávelestranhamento: “A ‘contemplação’ estética é isso: pura volúpiado perceber errante, livre de toda urgência prática.”2

Não vamos retornar aqui à discussão de categorias críticasexpostas anteriormente; a proposta maior neste momento émostrar o quanto urge perceber e provar o processo deimbecilização pelo qual passam aqueles que julgam estar in: viaInternet, freqüentando shoppings (virtuais ou não) e absorven-do todo o corte de cultura kitsch que é posta ao consumo.

Alta tecnologia, “aura” chique e pouco valor estético.Todos os ingredientes são misturados nas doses certas e eis areceita para uma arte culinária, na medida para o consumo.A fórmula “piegas” dá o tom final de que necessitam os con-sumidores, escravos de uma realidade que descarta a todomomento a emoção, a subjetividade, o espírito crítico e aprópria consciência do eu.

A função existencial da “reação controlada” nokitsch é a honesta “distração” ... O consumidorperfeito do kitsch é o indivíduo que só gosta defilmes carregados de “poesia”, a gente que repetefrases do gênero: “A vida já é tão cheia de proble-mas; no cinema, o que se deseja é um pouco dedistração”. Com o kitsch, o homem de negócios, oburocrata, o trabalhador procuram pateticamentedescansar do seu cansaço rotineiro, aliviando amaceração causada pela “fadiga urbana” [...]3

O kitsch vem, em última instância, ratificar o caráter deimpessoalidade que pauta as relações. Uma impessoalidade

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tão cruel quanto a própria noção “neo-sentimental”. Podemosconsiderar como neo-sentimentalismo atualmente todo tipode ansiedade geradora de um desejo (até certo ponto sádico)de travar contato com as mazelas do outro de forma distante,sob uma atmosfera de falsa piedade: esta é a fórmula (que,diga-se de passagem, tem conseguido alcançar grande suces-so) dos novos “programas populares” que proliferam na TV eque se tornaram marca registrada de algumas rádios. Há algomais kitsch que este tipo de “coisa”? E o que dizer dos inúme-ros artistas que freqüentam estes programas sob o rótulo de“entrevistados”? A grande onda de programas populares queinvade a TV convencional é, indubitavelmente, um exemplogenuíno do kitsch enquanto subproduto de uma cultura demassas cada vez mais alienante e castradora.

A distração do homem alienado, proporcionadaentre outros pela arte kitsch, é constitucionalmen-te solitária... Na tipologia dos sistemas culturais, asociedade de massa se caracteriza pela tendência areduzir os indivíduos a simples participantes dosvários “jogos” sociais; a reduzi-lo a um átomo es-tereotipado, peça eminentemente adaptada ao sis-tema social. Daí, na grande cidade, que é o teatroexistencial da sociedade de massa, o divórcio quese instala entre a vida abstrata do homem enquan-to intérprete de papéis desumanizados, excessiva-mente impessoais, e o “reino da alma” sempre embusca de compensações para o ego íntimo, para aindividualidade desprezada. A maioria dos mitosda arte kitsch, como a lenda dos self-made men, oua glamurosa “excentricidade” das vedetes dos massmedia, são clichês destinados a suprir a carênciade egotismo própria à cultura de massa.4

Os intelectuais e os artistas são, mais uma vez, convocadosa “distrair” o público, criando produtos comercializáveis queatendam aos apelos do mercado. A adaptação destes produtosàs novas tendências tecnológicas pode, na verdade, representarmais um artifício do poder “culturalizante” que se entrega à ta-refa de maquiar mesmo as maiores banalidades produzidas pela

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mass culture que, devidamente “kitschizadas”, mostram a pre-tensão de passarem à categoria de objetos valorosos de consu-mo chique, quando não esnobe. Sobre o trabalho e o papel dos“homens de letras”, face às novas exigências produtivas impos-tas por todo este contexto, fala-nos Hannah Arendt:

No século XVIII, os homens preparados para o po-der e ávidos, entre outras coisas, em aplicar o quehaviam aprendido com o estudo e a reflexão, eramchamados hommes de lettres, e essa é uma expres-são mais apropriada do que o nosso termo intelectu-ais, sob o qual agrupamos uma classe de escribas eescritores profissionais, cujos serviços são requeri-dos pelas burocracias cada vez mais amplas da ges-tão governamental e da administração empresarialmodernas, bem como pelas necessidades de entrete-nimento da sociedade de massa, que crescem quasena mesma proporção e em ritmo acelerado.5

Essa “prestação de serviço governamental” por séculoscaracteriza as atividades e a atuação do (pseudo) intelectual,conforme já comentamos; o sistema serve-se de seus présti-mos e, em troca, concede-lhe algum espaço, um lugar cadavez mais literalmente virtual. Como vemos, a virtualidade écaracterística muito anterior à entrada do termo para o halldos modismos da era da informática e seus “grandes avan-ços” em termos de propagação de cultura, principalmentevia Internet. A sub-informação toma lugar de prestígio nestetipo de canal de divulgação supostamente comprometido como novo e com uma alta (?) cultura; se esta denominação soaum tanto elitista ou mesmo pedante, o que dizer daseletividade implícita na essência da criação do meio? Sóaqueles que possuem capital suficiente para adquirir o pró-prio equipamento são capazes de acessar canais de divulga-ção como a Internet e passear por seus shoppings culturais/virtuais “despreocupadamente” e descompromissadamente;àqueles (grande maioria), que não se mostram economica-mente capazes de estar dentro (in) desta nova onda, resta ocircuito out da marginalidade cultural.

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De forma patética, o internauta convicto de seu supremopoder (fascinante?) de acessar, num piscar de olhos e click demouses, os acervos das mais bem aparelhadas bibliotecas, alémdas imagens frias das obras dos mais belos museus, afinando-se assim com o que há de mais “clássico” e caloroso em ter-mos de arte e cultura, acaba simplesmente aceitando de formacega a perversão de mais um precioso canal de divulgação e,por que não, de diálogo, pelo enraizamento incontestável dokitsch na consciência do homem contemporâneo.

A profusão de canais, o aumento de possibilidades estéti-cas pelo avanço tecnológico e a suposta “popularização” (atéque ponto?) do antes elitista mundo da informática, seriamindícios de uma evolução do nível de percepção e assimilaçãode valores culturais, mas, antes de tudo, mais um mecanismode imbecilização das massas tão somente. “Lê-se mais e com-preende-se menos”: a assertiva de José Guilherme Merquiorcai como uma luva no atual momento _ esta evolução de técni-cas e canais, ao invés de trazer consigo um igual avanço emtermos de percepção e compreensão, parece ter trazido, sim,uma necessidade de consumo cego de novos produtos kitschreeditados sob o rótulo de cultura de última geração (irmã deuma tecnologia carente de senso crítico).

A cultura de massa é, na verdade, anticultura. A mai-oria esmagadora de seus habitantes se compõe de anal-fabetos letrados... Na sociedade de massa, lê-se mais,porém, compreende-se menos... Nessas condições,como estranhar que o kitsch prospere, triunfe e con-tamine a vontade?... O kitsch é a expressão estéticada anticultura semianalfabeta e subletrada.6

Concluímos que o progresso da técnica, portanto, não trouxeconsigo um avanço da compreensão de seus próprios proces-sos. Ao contrário: acabou por reeditar a fórmula kitsch a partirda exigência de prazer, diversão quase “sado-masoquista”; apóshoras à frente de seu terminal, o sempre cansado homem-operá-rio pós-moderno parece cada vez mais sonâmbulo e alienado doque nunca; alienação que acaba por promover um mergulho

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ainda mais profundo numa solidão sem retorno.O efeito de liberdade gerado pela aparente autonomia go-

zada pelos usuários de sistemas como a Internet, advém, semdúvida, de uma característica “pseudo-anárquica”; por nãoexistir um centro de poder regulamentador nitidamente deli-neado, tem-se a falsa impressão de liberdade de ações e movi-mentos. Todavia, o que se nota é um seqüestro cada vez maisviolento do imaginário humano pela ação das “virtualidades”transformadas em objetos de consumo: os já mencionadosshoppings virtuais são mais um bom exemplo disto.

Imersa neste contexto, traduzido por uma realidadedesalentadora, a literatura busca caminhos que lhe abram es-paço para sobreviver. Estes caminhos, quando pautados pelosavanços da informática e seus inúmeros recursos, podem apon-tar para uma arte de vanguarda ou simplesmente para um kitschcom ares de inovação tecnológica, de imbecilização reeditada;podem também denotar uma capacidade de percepção ímpardo processo ideológico subjacente ao surgimento de novosespaços, quando a arte serve-se dos recursos disponíveis atítulo de inovação estética sem, contudo, fazer concessões emtermos de conteúdo. Mais uma vez, destacamos como a maisinteligente crítica aquela que questiona o poder “dentro” daprópria fala do poder, através de seus meios (media).

A questão, infinitamente ampla, é profunda. Acima de qual-quer compromisso estético está a importância do poderinterpretativo das entrelinhas do discurso, o que pressupõe abusca de novos horizontes (interdisciplinares) para a críticaliterária, a se comprometer menos com a estética e mais com odesvelar das intenções obliterantes:

A resposta filistina é conhecida: a literatura moder-na seria impopular por vício, por uma perversão caraao esnobismo mantido pela cabala entre escritoresherméticos, críticos e leitores pedantes. Mas paraquem tem um mínimo de sensibilidade diante doproblema íntimo da civilização contemporânea, essaé uma explicação demasiado curta. O aristocratismoda tradição moderna pode ser seqüestrado pelo es-

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nobismo; porém, não é, em si, um produto de ritosgratuitamente preciosísticos. A raiz do que há deintrinsecamente aristocrático na tradição modernaé o compromisso da arte com a crítica da cultura...Então a literatura, como toda a arte, visa a um nívelde excelência que não é simplesmente uma questãode técnica e de perfeição _ e sim uma questão deética e de conteúdo humano.”7

4.5 - Lazer high-techVariações em torno da mesma idéia vão surgindo, cada vez

com maior freqüência, quando o assunto é consumo. Seguindoa mesma linha proposta pelo Shopping Center, os “parquestemáticos” (como são chamados estes “centros de lazer” segu-ros, planejados e ideais) vêm engrossar ainda mais o filão criadopelo lazer rentável (já que vendável) e facilmente digerível.

Na verdade, tudo o que encontramos em oferta nestes cen-tros já foi digerido: até mesmo o chamado “tema” que lhe serviude inspiração. Este tema pode estar associado, de alguma for-ma, à cultura do país ou da localidade que lhe concede espaço,à comunidade que o circunda ou a algum referente que o façaparecer “autêntico”. Ledo engano: a fórmula inicial pode sofreresta ou aquela mudança a título de adaptação ao mercado con-sumidor, porém, a matriz é sempre a mesma _ o modelo de “lazerfamiliar”, imposto pela cultura do marketing.

A verdadeira riqueza temática das cidades é excluída emprol do domínio da virtualidade. O tema que servirá de basepara o projeto com certeza não passará pelo aspectomultifacetado do ambiente das cidades ou, ao contrário, passaráao largo de toda a violência, de todo o “caos” urbano enquantofatores de desconforto e incômodo. Postura muito mais confor-tável e segura é, de fato, manter os pobres e excluídos longe dasvistas dos freqüentadores deste “paraíso” criado para levar aoesquecimento das mazelas do dia-a-dia sempre igual.

O real, sublimado sob a forma de “brinquedos” ou experi-ências virtuais, convive lado a lado com o vasto leque de produ-tos à venda: de bonés e chaveiros a livros. Dentro deste contex-to, não seria de se estranhar que “objetos artísticos” tais como

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quadros, esculturas (ou mesmo os já citados livros), ou aindashows de música e peças teatrais, fossem colocados à venda e/ou exibidos sem o menor constrangimento ou o menor choquede vertentes. Tudo pode ser ofertado, basta um retoque aqui eali para moldar-se o objeto de acordo com o perfil (desejado)daqueles que vão consumi-lo.

Fugir deste tipo de diversão dirigida e excludente pareceser o destino de uma arte quase agonizante: onde encontrar pú-blico fora destes espaços em que se concentra o poder de com-pra e os poucos privilegiados que o detém? Refugiado de simesmo, o consumidor atônito parece não mais distinguir o queé de sua vontade consumir e o que é simplesmente (e cruelmen-te) imposto. Partindo deste pressuposto, qualquer “produto ar-tístico” pode ser colocado à venda sem o menor constrangi-mento e sem o receio de parecer algo impróprio – não há deslo-camento, desde que o produto passe por acertos e leve, final-mente, o “carimbo de aprovado” pela inspeção do marketing.

De mãos dadas com o consumo está, inevitavelmente, asegregação; os produtos que não se prestam à venda são colo-cados à parte, e aqueles que não se prestam a consumidores sãoexcluídos. Uma “racionalidade criativa” toma o lugar de umaquase morta emotividade ou “sensibilidade criativa”:

[...] también se podría suponer, teniendo en cuentalo anterior, que las industrias de cultura de masasencaran sus problemas de creación de una maneraenteramente racional , y que aplican toda la gamade técnicas comerciales centradas sobre los preciosde fabricación a la elaboración de una serie denuevos productos ... Los métodos empleados paraprever el precio de fabricación son mucho máscomplejos de los que se aplican normalmente en laindustria manufacturera de tipo clásico.8

O artista se vê, mais uma vez, convidado a adentrar estenovo espaço criado pelos parques temáticos, um possível mer-cado futuro para as artes, que podem servir como o própriotema ou mesmo como discurso paralelo, não importa; o que

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importa é enquadrar-se:Además, si se conocen ciertamente casos de artis-tas “serios” que se vieron llevados a trabajar enuna industria de la cultura “de masas” que provocóen ellos una tensión y una alienación considerables,tal vez ésta no sea, en nuestra sociedad, unasituación típica del sentimiento de alienación queexperimenta el artista.9

O triunfo do consumo está acima do triunfo do tema; todaa cultura de massas nada mais é do que um grande parquetemático: resta-nos saber qual o lugar da arte enquanto meioou “produto final” dentro desta nova realidade mercadológica.

Nota1 MERQUIOR, J. G. (1974), p. 7 e 82 MERQUIOR, J. G. (1974), p. 7 e 83 MERQUIOR, J. G. (1974), p. 114 MERQUIOR, J. G. (1974), p. 135 ARENDT, H. (1990), p. 816 MERQUIOR, J. G. (1974),p . 18 e 197 MERQUIOR, J. G. (1974), p. 228 SILBERMANN et alii. (1971), p. 879 SILBERMANN et alii. (1971), p. 94

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* SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira.

Conclusão

“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.”

José Saramago*

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Concluir um trabalho de pesquisa que envolve uma situa-ção/processo ainda em curso é uma tarefa, sem dúvida, tão ingra-ta quanto perigosa; a adoção de posturas conclusivas sugere umcerto radicalismo crítico do qual, exaustivamente, tentamos fugir.

Seguindo por caminhos tortuosos que envolveram não sóo conhecido (e reconhecido) discurso acadêmico como tam-bém a observação e posterior análise do rico texto/contextocircundante, ficamos ao final do percurso com uma nítida im-pressão de que a ordem habitual dos fatores fora invertida:não partimos da obra para a crítica, mas sim da crítica para aobra. Esta, entenda-se bem, como o eco de tantos fatores eteorias inerentes ao contexto e não como um agrupamento degraciosas figuras de retórica (vazia). A crítica, compreenda-semelhor ainda, como atividade lúcida de “digestão” dos postu-lados pré-existentes renovados pelo gosto novo do temperoda observação e da crítica de hábitos e costumes. Literatura etorres de marfim há muito não combinam.

Procurar pela lógica cultural específica do período é traba-lho inútil; a cultura passou a ser a própria “lógica” do sistemaorganizador. Um sistema que organiza arte, cultura, toda a vida,enfim, fazendo de seus mecanismos de controle sutis estratégiasque seduzem e enganam, despistam o olhar, que agora é maisum flerte do que, propriamente, o estopim do senso crítico.

Controlados, por obra do competente discurso totalizador,passam a controladores pelo simples prazer de multiplicar o dis-curso dominante; mesmo nos espaços vistos como canais liber-tos de qualquer poder fiscalizador, tal qual a Internet, subjazuma lógica ordenadora por debaixo de qualquer fala libertária.Uma certa “onipresença” é outra característica marcante da falacentral, a “grande voz”.

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Se a realização de leituras é a tarefa pós-moderna em essên-cia, certamente nossa pesquisa não esqueceu a questão. No en-tanto, o simulacro deve ser rejeitado não só na vida real, mastambém na teoria crítica _ dizer que a grande vilã é a sociedade deconsumo ou mesmo as modernas tecnologias, sem considerar asimplicações e as estruturas mais profundas de organização, é sersimplista e, por que não dizer, até leviano demais. O discurso deresistência, sem dúvida, não passa pela matriz do ressentimento.

Descrever e não explicar, problematizar e não concluir:queixa comum com relação à obra de muitos teóricos e, maisuma vez, nos deparamos com a necessidade e a urgência deuma “conclusão”.

Toda ideologia cedeu lugar à concepção de realidade prática:a concepção de mundo qualitativamente melhor desintegrou-sena dispersão da produção de bens culturais e/ou de consumo,dentro de uma economia global. No lugar das tradicionais lutasde classe, assistimos à “guerra” entre os grupos de interesses, decunho econômico, evidentemente.

Há, de fato, uma lógica de resistência ao aparato (contra)ideológico pós-moderno: ela passa ao largo dos bons índices devenda e das listas de best-sellers; igualmente não se nutre dacrítica rancorosa que proclama o óbvio a partir da negação deuma realidade que é e não mais está pura e simplesmente. Aquestão do consumo, no entanto, parece, mais do que nunca, asaída mais fácil, a imagem mais óbvia da sociedade pós-moder-na; um caminho já trilhado e longamente explorado por tantosteóricos como o tão citado Baudrillard, por exemplo, sem dúvi-da serviria apenas como um atalho para conclusões precipitadase carentes de um questionamento mais profundo.

Poderíamos substituir, portanto, o termo “sociedade de con-sumo” por “sociedade do confinamento”; com esta substitui-ção, as teorias emergentes ganhariam, certamente, muito maisem profundidade e amadurecimento. Uma cultura doconfinamento, trazida a reboque de uma cultura de massas (oude consumo, como queiram) surge como a forma sutil e maisinteligente de manter o controle sobre os grupos.

Nesta “cultura do confinamento”, dois aspectos devem ser

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considerados como exemplos dos dois níveis distintos de contro-le _ o controle do indivíduo e o controle da sociedade. Tornou-setarefa impossível dissociar estes dois aspectos na abordagem des-ta “teoria do confinamento”; partindo-se do geral para o específi-co, a sociedade não mais encerra em si o aspecto da “socializa-ção”, do convívio, da troca, características inerentes ao meio so-cial _ ao contrário, é o próprio indivíduo que acaba por espelhartoda a lei social predeterminada e que acaba por reger a sua vida.

Em oposição ao pensamento de muitos teóricos que acre-ditam ser o indivíduo o maior responsável pela perda do sentidode grupo e de unidade social, concluímos que, a bem dizer, oprimeiro nada mais faz do que refletir em sua existência umideal de confinamento ao qual submete-se, em larga escala, umadita “sociedade”.

A partir daí, podemos entender o quanto o Shopping Center,muito além de uma simples metáfora da cultura atual (e elemen-to estruturador da crítica das obras aqui analisadas), assume opapel de legítimo representante da estretégia de deformaçãopromovida pelo sistema que nos enclausura.

De acordo com Theodor Adorno:

O indivíduo deve sua cristalização às formas deeconomia política, em particular ao mercado ur-bano. Mesmo como oponente das pressões e dasocialização, ele permanece sendo seu produtomais característico e a ela semelhante.1

Desta forma, cada um de nós, enquanto indivíduos (sujei-tos “monádicos”), trazemos, de forma particular, microscópicae inconsciente, a realidade “macro” do Shopping, do espaço decontrole, do limitado, da vigilância convertida em sádico prazer,do olhar desvirtuado em regra de conduta dentro de nossas es-truturas mais íntimas de personalidade. Mesmo as reações deindependência e os movimentos aparentemente mais autênticosde resistência à lógica instaurada tiveram origem em questõesde vaidade ou afirmação de uma personalidade frustrada muitomais do que no desejo de integrar-se ao “social”.

A palavra “socialização”, portanto, encontra-se revestida

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de um sentido de hipocrisia tão profundo quanto a solidão a quecada um de nós condenou-se; o confinamento do indivíduo emsi ocorre na mesma medida em que “trancam-se” os grupos _ asociedade _ no interior dos bem organizados shoppings centers.O confinamento do confinamento: esta é a fórmula exata paraalcançarem-se os objetivos pretendidos de controle.

O controle, a seu turno, busca estimular este prazer queadvém do “estar confinado/estar protegido”; administrando omedo das pessoas com relação ao que Foucault chamaria de“cidade pestilenta” (peste = violência), um sistema organizador,tão inteligente quanto eficaz, demonstra a nítida capacidade deenvolver o grupo numa atmosfera de falsa liberdade _ falsa, po-rém convincente.

Iludido pelo suposto direito de opção, o ex-sujeito burguêsconverte-se, na verdade, em escravo de seu privilégio: o privilé-gio de ter acesso ao luxo do confinamento, representado porseus espaços fechados onde tudo é calculado previamente, atéos passos daqueles que os ocupam.

Com isso, a liberdade passa a ser a grande perdedora _ estarlivre pode significar estar out, excluído dos grupos hegemônicosde poder e “deslocado” de todo e qualquer ambiente reservadoao segmento in.

Escravos de sua “liberdade”, os indivíduos mostram-se “ven-cidos” por uma estrutura massacrante a qual ajudam a alimen-tar; as relações entre indivíduo e sociedade ocorrem, por conse-guinte, de maneira inversa ao fluxo tradicionalmente proposto _

afinal, não é o indivíduo e seu exacerbado “desejo de si próprio”que influenciam a sociedade de modo definitivo, mas sim a so-ciedade que revela-se a grande deformadora, a “carcereira” quealimenta sonhos, ilusões de liberdade, vertigens de realidade,sempre na medida certa a contentar o indivíduo proporcionan-do-lhe um obscuro prazer oriundo da sensação de “estar inte-grado”. Segundo assertiva de Adorno:

A sociedade é descrita por eles [teóricos da críti-ca reacionária] como a convivência imediata dehomens de cuja atitude o todo é conseqüência, e

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não como um sistema, que não só os encerra edeforma, mas penetra até aquela humanidade queum dia os determinava como indivíduos.2

Continua Adorno em seus postulados:

No interior da sociedade repressiva, a emancipa-ção do indivíduo não o beneficia apenas, mas tam-bém o prejudica. A liberdade em face da socieda-de priva-o da força para a liberdade.3

Privado de uma liberdade verdadeira, o contentamento deviver no simulacro dá a exata medida do estágio atual de nossasociedade, onde o potencial da liberdade converteu-se em re-alidade de opressão. Nem mesmo a “boa-vontade” dos pensa-dores deste processo é capaz de livrar-nos dos efeitos intenci-onalmente alcançados pela cultura massiva.

Ao perceber as dimensões do controle, exercido em todasas direções e de forma eficaz, o indivíduo lança-se numa fugaobsessiva, fruto de uma constante sensação de estar sendo “vi-giado”; em Estorvo, a fuga empreendida pelo personagem cen-tral evidencia um desespero que se traduz na realidade de umdia-a-dia que, banalizado, aparenta ser menos brutal do que narealidade o é. “Não adianta ficar aqui parado. Eu não posso meesconder eternamente de um homem que não sei quem é.”4

A razão da fuga, e mesmo a identidade dos personagens,estão ocultas no texto; parecem representar aspectos secun-dários num contexto em que o que realmente importa é esca-par ao olhar controlador _ um olhar que está em tudo e acimade todos. Por outro lado, a existência (e a insistência) desteolhar pode, contraditoriamente, gerar um certo efeito de con-forto e comodidade _ para tal, o discurso da cidade perfeita, aretórica do Shopping Center, vem ao encontro dos anseios dapopulação temerária das “cidades-fora”.

Este “temor”, que encontra seu fundamento no eficaz tra-balho de marketing realizado pela indústria cultural, represen-ta, em esfera maior, o próprio temor da mudança. A mudançarepresentada pela figura metafórica da “mala”; a mala-mudan-

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ça, a mala-viagem, a mala-reestruturação de espaços e tempo.A presença destas incômodas “bagagens”, destes conteúdosque vão desde as roupas antigas (passado) até um carrega-mento de drogas (presente, destituído de uma perspectiva emtermos de futuro), fazem este personagem-narrador sentir todoo incômodo de estar carregando um “peso” extra, além da-quele relativo à sua existência:

É noite e faz um calor abafado. A mala até queestá leve, mas carregá-la é incômodo... talvez umassaltante me livre da mala... poderia andar por aíaté amanhã, sem compromisso. Mas um homemsem compromisso, com uma mala na mão, estácomprometido com o destino da mala.5

Continua nosso personagem:

[...] antes que eu possa responder, uma silhuetaarranca a alça da minha mão. Apesar do tranco,fico agradecido; a mala encontrou seu destino eestou afinal solto dela. Penso que estou solto detudo, que a cidade me espera [...]6

Voltar para as ruas significa recuperar a liberdade perdida.Uma realidade que confunde-se com isolamento e com umsuposto direito de opção _ suposto a partir do momento emque a oferta somente ocorre após a aprovação da “censura”exercida pelo poder controlador.

Por toda a obra Estorvo, o narrador-personagem insistena obsessão da fuga e na sensação de isolamento: “Não possoficar aqui parado” ou “preciso levar essa mala até o fim” sãocolocações comuns.

Calcando-se no eixo sêmico _ espaço/tempo, a pesquisaorientou-se por essa relação conflituosa entre o permitido e ocoibido, a liberdade e o confinamento; o questionamento mai-or, no entanto, fica por conta da questão da arte e da produçãoliterária face a esta realidade castradora e obliterante.

A “revolução” da crítica pode ser a chave libertadora. Queela fuja, sempre, das fórmulas fáceis do “critiquês” muitas ve-

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zes imposto pelo próprio sistema _ e, para as conclusõessimplistas, obrigatórias tanto quanto desnecessárias, deixamosa lacuna, o vazio, o espaço em branco da página, enquanto umgrande texto, talvez o melhor discurso.

Notas1 ADORNO, T. (1993), p. 1302 ADORNO, T. (1993), p. 1313 Idem, p. 1314 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 215 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 296 HOLLANDA, C. B. de. (1991), p. 32

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Nota da autora

Da mesma forma que as “quedas” marcantes da contem-poraneidade colocaram abaixo torres, mitos, referenciais eco-nômicos e discursivos,a consciência de que as tensões no mun-do não estão definitivamente encerradas acabou deitando porterra certas teorias minimizadoras da dialética fecunda, pontode partida para a rediscussão e revisão de posturas.

O presente texto, produzido em 1998, procurou fazer domundo contemporâneo seu objeto maior de análise. Semcontradições, é possível afirmar (hoje) que a retomada devários tópicos aqui apresentados é mais que inevitável: é ur-gente. Portanto, deste trabalho que intencionava encerrar umpercurso (especificamente o de Mestrado) surgem novosprocessos, já em andamento: teorias serão redimensionadase os enfoques,atualizados. Das discussões empreendidas nocurso de Doutorado, novas idéias surgiram; a reboque dahistória (dimensão nunca esquecida) novas abordagens igual-mente surgirão, mostrando ao leitor crítico, talvez, que esteé apenas o estopim de uma pesquisa muito maior, num con-texto mais abrangente.

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EDITORA

ÁGORA DA ILHA

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