Resumo Dos Delitos e Das Penas

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Resumo: Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria Dos delitos e das penas Cesare Beccaria RESUMO por Esdras Vilas Boas I - INTRODUÇÃO Para Beccaria, a função das leis e da ordem é evitar injustiças e abusos dentro de uma sociedade. O autor afirma, porém, que esta sociedade geralmente, em um primeiro momento, negligencia a construção de leis justas e sábias, deixando ao acaso e às leis provisórias a função de promover justiça e tranqüilidade. Depois de muito sofrimento, essa sociedade passa a buscar melhorar seu ordenamento. Para o autor, já era momento de sua nação rever às leis penais, os abusos de poderes tirânicos, e buscar construir um sistema justo de leis criminais; não deveria haver mais espaço para condenações de crimes sem provas, torturas, penas a crimes insignificantes, prisões, masmorras monstruosas. O autor ressaltar a importância de se analisar os crimes e quais as penas a ele deveriam ser imputados, de forma justa; mais diz que em seu livro pretende tratar apenas dos princípios gerais que deveriam reger o sistema criminal. Ele dá exemplos de temas que pretende abordar em seu livro:

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Resumo: Dos delitos e das penas, de Cesare Beccaria

Dos delitos e das penas

Cesare Beccaria

RESUMO

por Esdras Vilas Boas

I - INTRODUÇÃO

Para Beccaria, a função das leis e da ordem é evitar injustiças e abusos dentro de

uma sociedade. O autor afirma, porém, que esta sociedade geralmente, em um primeiro

momento, negligencia a construção de leis justas e sábias, deixando ao acaso e às leis

provisórias a função de promover justiça e tranqüilidade. Depois de muito sofrimento,

essa sociedade passa a buscar melhorar seu ordenamento. Para o autor, já era momento

de sua nação rever às leis penais, os abusos de poderes tirânicos, e buscar construir um

sistema justo de leis criminais; não deveria haver mais espaço para condenações de

crimes sem provas, torturas, penas a crimes insignificantes, prisões, masmorras

monstruosas.

O autor ressaltar a importância de se analisar os crimes e quais as penas a ele

deveriam ser imputados, de forma justa; mais diz que em seu livro pretende tratar

apenas dos princípios gerais que deveriam reger o sistema criminal. Ele dá exemplos de

temas que pretende abordar em seu livro:

Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do

direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos

diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil,

necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da

sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão

ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de

prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em

todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes?

II - ORIGEM DAS PENAS E DIREITO PUNIR

Neste capítulo o autor, baseando na teoria do contrato social, atribui o direito de

punir de uma sociedade ao pacto inicial de seus membros, que, para viverem

harmoniosamente abririam mão de parte de sua liberdade, restringindo seus direitos e

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conseqüentemente os de seus pares, para que não houvesse abusos. Os homens

entregariam parte de sua liberdade, para preservar o resto dela. A soma dessas partes

constituiria o poder soberano de um Estado. Não bastava porém, apenas esse depósito.

Os homens teriam que se precaver da usurpação dele por parte dos particulares. Para

isso criaram as leis penais, para punirem aqueles que não respeitassem o pacto social e

desrespeitassem as leis.

Por fim o autor revela-nos os limites do direito de punir:

Por conseguinte, só a necessidade constrange os homens

a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só

consente em pôr no depósito comum a menor porção possível

dela, isto é, precisamente o que era preciso para empenhar os

outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas

pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de

punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso

e não justiça; é um poder de fato e não de direito (8) ; é uma

usurpação e não mais um poder legítimo. As penas que

ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação

pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão

quanto mais sagrada e inviolável for a segurança e maior a

liberdade que o soberano conservar aos súditos.

III - CONSEQÜÊNCIAS DESSES PRINCÍPIOS

Beccaria afirma que, tomando por pressuposto as idéias acima, só as leis

poderiam fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode

residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um

contrato social. O juiz não poderia aplicar uma pena não instituída por lei, tão pouco

aumenta-la em benefício do bem público. Também, ao soberano caberia criar leis

gerais, às quais todos deveriam submeter-se; a ele não caberia julgar os que

desobedecem tais leis. “No caso de um delito, haveria duas partes: o soberano,

afirmando que o contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É

preciso, pois, que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro

é o magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente

pronunciar se há um delito ou se não há.”

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Outra afirmação do autor nesse capítulo é a de que as penas cruéis, mesmo que

não atentem contra o bem público que é combater o crime, sendo consideradas inúteis,

deveriam ser tidas como odiosas.

IV - DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS

Segundo Beccaria, não caberia aos juizes interpretar as leis, visto que não são

legisladores. Aleis não seriam heranças recebidas dos magistrados pelos antepassados

da sociedade; as leis advem da sociedade atual, viva, da vontade de todos. A autoridade

da lei não estaria em executar velhas tradições, e sim executar a vontade geral, advinda

do pacto social, do juramento dos súditos feitos ao soberano, os quais, deixariam, assim,

de serem apenas escravos, rebanho sem vontade.

O interprete por excelência das leis seria o soberano; o juiz deveria fazer apenas

o silogismo perfeito: encaixar ou não o caso específico na lei geral. Se o magistrado faz

mais do que isso, torna o processo jurídico penal obscuro, confuso, inseguro.

O autor continua o capítulo mostrando a importância de se atentar a letra da lei,

evitando insegurança, arbitrariedade. Para ele, mesmo equivocada, a lei deve ser

cumprida estritamente, pois só assim pode-se garantir segurança e previsibilidade das

conseqüências das ações. E, dessa forma, os cidadãos evitariam os crimes e delitos, pois

calculariam o resultado de suas ações com tamanha certeza, que isso os forçariam a não

cometer certos atos.

V - DA OBSCURIDADE DAS LEIS

Neste capítulo, o autor, de forma genial, mostra a importância de ser ter leis

claras, precisas, escritas em língua vulgar, para se alcançar a estabilidade política e fazer

com que o poder resida sobre um corpo político e não sobre pessoas. Para ele, as leis

deveriam ser amplamente divulgadas, tornando-se livros de leitura comum entre os

cidadãos. Desse forma, estes poderiam planejar sua ações de acordo com leis fixas,

sabendo o resultado e conseqüência delas.

VI - DA PRISÃO

Beccaria afirma que era comum outorgar-se ao magistrado poderes

discricionários, para prender cidadãos sem critérios pré-estabelecidos. Para o autor,

somente a lei deve definir os casos em que a pena de prisão deva ser aplicada. Assim, a

lei deve estabelecer, de maneira fixa, por que indícios de delito um acusado pode ser

preso e submetido a interrogatório. Não deve ficar a cargo do juiz decidir tais questões,

pois devem ser claras e de conhecimento prévio dos cidadãos. Beccaria diz que o triste

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costume de sua época, de lançar pessoas em prisões horríveis, sem indícios, sem

critérios legais, é uma herança de seus antecedentes bárbaros.

VII - DOS INDÍCIOS DO DELITO E DA FORMA DOS JULGAMENTOS

Aqui, o autor descreve a uma forma interessante de se medir a certeza dos fatos

em relação aos seus indícios: se os indícios dependem uns dos outros, se para que um

seja válido os outros também devem o ser, pouca é a certeza a respeito do fato. Se,

porém, os indícios forem autônomos, independentes, cada um, por si só, revelando o

acontecimento, há maior grau de certeza sobre o fato. Beccaria fala sobre provas

perfeitas, ou seja irrefutáveis, e provas imperfeitas, as quais não excluem a possibilidade

de inocência do acusado. Para o autor, melhor é nos países em que os acusados são

julgados por pessoas escolhidas pela sorte, sem títulos de magistrados; estas, julgariam a

existência ou não do fato através do bom senso, e não como os magistrados, que buscam

culpados em toda parte. É importante também que o acusado seja acusado por seus

semelhantes, e não por pessoas muito diferentes dele. Isso evitaria julgamentos

preconceituosos ou influenciados por diferenças sociais.

VIII - DAS TESTEMUNHAS

Beccaria defende a idéia de que todo homem capaz de raciocinar deve ser tido

como testemunha. Porém, a confiança dada a seus depoimentos devem variar de acordo

com a quantidade de motivos que esse homem tiver para não dizer a verdade.

Quanto mais bárbaro e odioso o crime, menos provável que tenha acontecido;

quanto menor o interesse do acusado em cometê-lo, menor a probabilidade deste o ter

feito.

IX - DAS ACUSAÇÕES SECRETAS

Para Beccaria, as acusações secretas seriam um abuso consagrado em vários

governos pela fraqueza de sua constituição. Esse costume faria dos cidadãos falsos e

pérfidos; viveriam uns como delatores, traidores dos outros. O autor mostra a injustiça

deste instituto: “Quem poderá defender-se da calúnia, quando esta se arma com o

escudo mais sólido da tirania: o sigilo?”.No restante do capítulo, Beccaria refuta todos

os argumentos a favor das penas secretas, e coloca-se como defensor de julgamentos

públicos.

Quais são, pois, os motivos sobre os quais se

apoiam os que justificam as acusações e as penas

secretas? A tranqüilidade pública? A segurança e a

manutenção da forma de governo? É mister confessar que

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estranha constituição é aquela em que o governo, que tem

por si a força e a opinião, ainda mais poderosa do que a

força, parece todavia temer cada cidadão! Receia-se que

o acusador não esteja em segurança? As leis são, então,

insuficientes para defendê-lo, e os súditos são mais

poderosos do que o soberano e as leis. Desejar-se-ia

salvar o delator da infâmia a que se expõe? Seria, então,

confessar que se autorizam as calúnias secretas, mas que

se punem as calúnias públicas. Apoiar-se-ão na natureza

do delito? Se o governo for bastante infeliz para

considerar como crimes certos atos indiferentes ou

mesmo úteis ao público, terá razão: as acusações e os

julgamentos, nesse caso, jamais seriam bastante secretos.

X - DOA INTERROGATÓRIOS SUGESTIVOS

Neste ponto, Beccaria critica severamente os interrogatórios que utilizam a dor

como meio de se obter informações do acusado. Segundo o autor, a proibição de

interrogatórios sugestivos, que indiquem uma resposta direta do acusado, uma resposta

que o faça escaparda tortura, seria uma proibição hipócrita e contraditória, pois não

haveria nada mais sugestivo do que a dor infligida a uma pessoas ao ser questionada.

Esta, na primeira oportunidade, inventaria uma história para escapar daquele momento.

As confissões obtidas por força seguiriam o seguinte principio: “a punição será aplicada

por não ter você resistido a dor e ter confessado, não por ser um criminosos.” “E não lhe

puniria se você houvesse resistido, mesmo sendo um criminosos.”

XI - DOS JURAMENTOS

Para Beccaria, os juramentos em nome de Deus não deveriam ser feitos, pois

colocam o acusado em situação em que inevitavelmente irá ofender as leis divinas para

se proteger. O autor diz que os juramentos fazem com que os réus infrinjam as leis

divinas, pois essas não são temíveis por eles tanto quanto as conseqüências humanas,

mais próximas dos sentidos.

XII - DA QUESTÃO OU TORTURA

Neste capítulo Beccaria faz severas críticas à prática da tortura durante o

processo, a qual visa o esclarecimento ou confissãopor parte do acusado. Ou o crime é

certo ou incerto. “Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto”,

afirma Beccaria; “Se é certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura

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é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto,

não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele

cujo delito não se provou”.

Para o autor, nenhuma confissão que se consiga através de tortura é válida, pois

o acusado teria razões suficientes para mentir, e confessar um crime que não cometeu.

Da mesma forma, a não confissão depois de tortura não prova a inocência de ninguém:

prova somente sua resistência dor.

XIII - Da duração do processo e da prescrição

Beccaria divide os crimes entre crimes atrozes - homicídio e suas espécies - e os

crimes menos hediondos do que o homicídio.

Para ele, os crimes atrozes devem ter um processo rápido, pois a culpa do

acusado é improvável, dado que o homicídio é um crime que atenta contra leis naturais,

escritas no coração das pessoas.

Já os crimes menos atrozes, por serem mais prováveis – o direito a propriedade

não estaria escrito no coração dos homens – poderiam ter um processo mais longo.

Além disso, deveriam prescrever após certo tempo, dando a oportunidade do infrator

que viveu por muito tempo sob o risco de ser condenadopossa acertar sua vida e

continuar a vivê-la corretamente.

XIV- Dos crimes começados; dos cúmplices; da impunidade

Assim como os crimes consumados, as tentativas de crimes também devem ser

punidas, porém não com a mesma severidade. Para Beccaria, isso faria com que o

criminoso, durante algum intervalo entre o começo da ação e sua conclusão, possa

repensar e desistir de praticá-la.

Outro ponto neste capítulo é a importância de se punir mais o executor do que os

cúmplices de um crime; dessa forma seria difícil encontrar um entre o bando que

executasse a ação, pois seu risco seria maior.

XVI - DA PENA DE MORTE

Aqui, Beccaria faz uma reflexão sobre a pena de morte. Para ele, ela só é

importante em situação especificas:

(...) nos momentos de confusão em que uma nação fica

na alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade, nas

épocas de confusão, em que as leis são substituídas pela

desordem, e quando um cidadão, embora privado de sua

liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar

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contra a segurança pública, podendo sua existência produzir

uma revolução perigosa no governo estabelecido.

E continua:

(...) sob o reino tranqüilo das leis, sob uma forma de

governo aprovada pela nação inteira, num Estado bem

defendido no exterior e sustentado no interior pela força e pela

opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num país

em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as

riquezas só podem, proporcionar prazeres e não poder, não pode

haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a

menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos

crimes.

O autor conclui questionando a existência de penas de morte, pois a prática

indica que os criminosos não são amedrontados por ela. Se a lei condena o homicídio e

o declara hediondo, não deveria prática morticínios públicos.

XVII - DO BANIMENTO E DAS CONFISCAÇÕES

Beccaria sustenta que as penas de banimento podem ser aplicadas, mesmos sem

certeza absoluta de um crime. Para ele, é justo prevenir a sociedade de tal individuo,

mesmo que não esteja absolutamente comprovada sua conduta cirminosa.

Porém o autor questiona a pena de confiscação de bens para o que não for

provado culpado. A confiscação seria uma pena muito pior que o banimento; poderia

fazer famílias irem à ruína, tornar um inocente mendigo, pedinte ou bandido.

XVIII - DA INFÂMIA

Beccaria trata das penas de infâmia, que deve ser imputa àqueles cujas ações

criminosas possam ser tidas como heróicas pelo povo. A humilhação e a vergonha são

mais eficazes, pois outras penas poderiam realçar o caráter heróico do criminoso perante

as pessoas simples e ignorantes.

O autor porém adverte que tal pena não deve ser aplicada indiscriminadamente,

pois se muitos forem infames, ninguém mais o será.

XIX - DA PUBLICIDADE E DA PRESTEZA DAS PENAS

Neste capítulo brilhante, Beccaria fala a respeito do processo, da importância de

sua rápida duração; quanto mais rápida a aplicação, mais úteis e justas são as penas.

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O autor defende que durante os processos, só deve haver prisão para impedir a

fuga ou destruição de provas. Para ele, os juizes devem ser sensíveis, agilizando os

procedimentos, para que o acusado logo saiba de sua condenação ou absolvição.

Novamente o autor retoma a idéia de que as penas não devem ser cruéis, e que o

povo se sensibilizaria com penas menores, imaginando a situação dos condenados.

XX - QUE O CASTIGO DEVE SER INEVITÁVEL. - DAS GRAÇAS

Beccaria defende a idéia de que o que evita os crimes não seria a severidade da

pena, mas sim a certeza de sua aplicação. O autor diz que as penas devem ser brandas, e

os juizes devem estar sempre atentos, vigilantes, prontos aplica-las.

As graças e anistias, que são concedidas pelo soberano ou pelo ofendido, não

deveriam ser aplicados, pois as leis penais existiram em função do bem público. A partir

do momento em que as penas forem mais brandas, não será mais considerado uma

virtude conceder graça àqueles que praticaram atos criminosos.

XXI - DOS ASILOS

Não se deve conceder asilo aos criminosos. Isso geraria um sentimento de

impunidade. Para Beccaria os soberanos devem fazer permutação de criminosos pra que

estes sejam julgados nos países em que cometeram o crime, e não lhes sejam concedida

impunidade. Porém Beccaria faz uma ressalva:

(...) Não ousarei, porém, decidir essa questão, até que as

leis, tornando-se mais conformes aos sentimentos naturais do

homem, com penas mais brandas, impedindo o arbítrio dos

juizes e da opinião, assegurem a inocência e preservem a virtude

das perseguições da inveja; até que a tirania, relegada ao

Oriente, tenha deixado a Europa sob o doce império da razão,

dessa razão eterna que une com um laço indissolúvel os

interesses dos soberanos aos interesses dos povos.

XXIII. QUE AS PENAS DEVEM

SER PROPORCIONADAS AOS

DELITOS

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A intensidade da sanção deve ser proporcional à infração cometida, tendo em

vista o grau de prejuízo ao bem público. A distribuição desigual de penas produz

contradições, tendo em vista que o homem é motivado, em suas ações, a agir com vistas

a recompensa ou a evitar castigo. Daí, um criminoso sempre se inclinará a praticar

crimes com menores penas.

Portanto, é necessário que o legislador estabeleça divisões principais na

distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os

menores castigos aos maiores crimes.

XXIV. DA MEDIDA DOS DELITOS

A intensidade do crime não depende da intenção de quem o comete, porque a

intenção do acusado depende de um julgamento subjetivo circunstâncias. Muitas vezes,

com a melhor das intenções, um cidadão faz à sociedade os maiores males, ao passo que

um outro lhe presta grandes serviços com a vontade de prejudicar.

A gravidade do crime também não deve ser avaliada pela dignidade da pessoa

ofendida. Se esse método fosse aceito, uma pequena irreverência para com o Ser

supremo mereceria uma pena bem mais severa do que o assassínio de um monarca, pois

a superioridade da natureza divina compensaria infinitamente a diferença da ofensa.

Conclui-se que a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade

tendo em vista a preocupação do Direito regular o convívio social de forma harmoniosa.

XXV. DIVISÃO DOS DELITOS

Beccaria defende que, somente há ato criminoso se este atentar diretamente

contra a sociedade ou aos que a representam, se atingirem o cidadão em sua vida, nos

seus bens ou em sua honra e, finalmente, forem contrários ao que a lei prescreve ou

proíbe, tendo em vista o bem público. Fora isso, não há crime, sob pena de se incorrer

em prevalência de interesses particulares.

Essa definição de crime tendo como base o bem público é fundamental para que

moral e o Direito caminhem harmoniosamente. Todo cidadão pode fazer tudo o que não

é proibido por lei, sem temer outros inconvenientes além dos que podem resultar de sua

ação em si mesma. Esse dogma político deveria ser gravado no espírito dos povos,

proclamado pelos magistrados supremos e protegido pelas leis. Sem esse dogma

sagrado, toda sociedade legítima não pode subsistir por muito tempo, porque ele é a

justa recompensa do sacrifício que os homens fizeram de sua independência e de sua

liberdade.

XXVI. DOS CRIMES DE LESA-MAJESTADE

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Os crimes de Lesa-Majestade, para Beccaria, foram postos na classe dos grandes

crimes, porque causam grande dano à sociedade. Mas, a tirania e a ignorância, que

confundem as palavras e as idéias mais claras, deram esse nome a uma multidão de

delitos de natureza inteiramente diversa. Aplicaram-se as penas mais graves a faltas

leves, ferindo o princípio da proporcionalidade da penas.

XXVII. DOS ATENTADOS CONTRA A SEGURANÇA DOS

PARTICULARES E, PRINCIPALMENTE, DAS VIOLÊNCIAS

Tendo em vista que a segurança de seus cidadãos é o objetivo de todas as

sociedades humanas, para Beccaria, não se poderia deixar de punir com as penas mais

graves aquele que a atinge. Entre esses crimes, uns são atentados contra a vida, outros

contra a honra, e outros contra os bens.

Os atentados contra a vida e a liberdade devem ser considerados graves e

punidos com penas corporais , sendo que as penas das pessoas de mais alta linhagem

devem ser as mesmas que as do último dos cidadãos. A igualdade civil é anterior a todas

as distinções de honras, e de riquezas. Se todos os cidadãos não dependerem igualmente

das mesmas leis, as distinções deixarão de ser legítimas.

XXVIII. DAS INJÚRIAS

É de suma importância determinar uma noção de honra, tendo em vista sua

relevância na vida em sociedade. Para Beccaria, a honra deve ser uma garantia

protegida pelo Direito de forma a preservar a imagem de cada cidadão perante outro,

com determinação de reparação de dano quando é ferida.

As injúrias pessoais, contrárias à honra, isto é, a essa justa porção de estima que

todo homem tem o direito de esperar dos seus concidadãos, devem ser punidas pela

infâmia. Há uma contradição notória entre as leis, ocupadas, sobretudo com a proteção

da fortuna e da vida de cada cidadão, e as leis do que se chama a honra, que preferem a

opinião a tudo.

XXIX. DOS DUELOS

Com a idéia de honra, surge a idéia de defesa pessoal desta honra; tendo em

vista que a lei pune quem fere a honra de outrem, às vezes, de forma insatisfatória,

surgem os duelos, que são embates físicos pela defesa da honra.

Para Beccaria, o melhor meio de impedir o duelo é punir o agressor, isto é,

aquele que deu lugar ao embate, a declarar inocente aquele que, sem procurar tirar a

espada, se viu constrangido a defender a própria honra, isto é, a opinião, que as leis não

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protegem suficientemente, e mostrar aos seus concidadãos que pode respeitar as leis,

mas que não teme os homens.

XXX. DO ROUBO

O roubo sem violência só deve ser punido com uma pena pecuniária. É justo que

quem rouba o bem de outrem seja despojado do seu. Se, porém, o roubo é acompanhado

de violência, é justo a pena corporal, tendo em vista que além do dano patrimonial,

houve dano à pessoa.

Cabe ressaltar que no roubo sem violência motivado por miséria ou desespero,

se esse delito só é cometido por homens infortunados, a quem o direito de propriedade,

as penas pecuniárias contribuirão simplesmente para multiplicar os roubos, aumentando

o número dos indigentes, arrancando o pão a uma família inocente, para dá-lo a um rico

talvez criminoso. Nesse caso a pena mais justa será uma espécie de escravidão

temporária, a qual torna a sociedade senhora absoluta da pessoa e do trabalho do

culpado, para fazê-lo expiar, por essa dependência, o dano que causou e a violação do

pacto social.

XXXI. DO CONTRABANDO

Embora o contrabando seja um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a

nação, sua pena não deveria ser grave, porque a opinião pública não empresta nenhuma

infâmia a essa espécie de delito.

Isso se deve porque os homens sobre os quais as conseqüências remotas de um

ato só produzem impressões fracas, não vêem o dano que o contrabando pode causar-

lhes. Essa maneira de sentir é conseqüência do princípio incontestável de que todo ser

sensível só se interessa pelos males que conhece. Chegam mesmo, às vezes, a retirar

dele vantagens momentâneas. O confisco das mercadorias é uma pena justa.

XXXII. DAS FALÊNCIAS

É preciso distinguir o empresário que age pautado na boa fé daquele fraudulento.

Este deveria ser punido como o são os moedeiros falsos, porque não é maior o crime de

falsificar o metal amoedado, que constitui a garantia dos homens entre si, do que

falsificar essas obrigações mesmas.O falido de boa fé deve ser tratado com menos rigor.

O falido de boa fé acabou adquirindo tal condição devido a questões

econômicas, por circunstâncias do próprio mercado, o qual é voraz e arriscado por

natureza. O fraudulento usa a ocasião falimentar para obter vantagem pessoal, em

detrimento do bem público, e por isso deve ser punido, não de forma tão grave quanto

um crime contra a vida.

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XXXIII. DOS DELITOS QUE PERTURBAM A TRANQUILIDADE

PÚBLICA

Nesse grupo de crimes estão compreendidos atos de vandalismo e desordem que

prejudicam a tranqüilidade e a harmonia pública. Eles se baseiam no princípio que

expressa que os cidadãos devem saber o que precisam fazer para serem culpados, e o

que precisam evitar para serem inocentes.

As medidas para se prevenir tais delitos se encontram em medidas sociais como

a vigilância ostensiva, leis de silêncio e de ordem entre outras. Além disso, é

extremamente importante que haja mecanismos para garantir uma segurança jurídica e

social, cuidando para que as medidas não se baseiem em abusos e arbitrariedades, pois

estas somente causam revoltas na sociedade.

XXXIV. DA OCIOSIDADE

Cabe exclusivamente às leis definirem a espécie de ociosidade punível, de

acordo com a finalidade pública do Estado e sem ferir a liberdade individual de cada

indivíduo. É preciso encontrar uma proporção adequada entre a liberdade que tem cada

indivíduo de fazer qualquer coisa não proibida em lei e a finalidade pública.

XXXV. DO SUICÍDIO

O suicídio, em si, não é um crime contra os homens, nem contra a sociedade,

sendo impossível submeter seu agente a uma pena pois essa pena só poderia recair sobre

um corpo insensível e sem vida. O caso de punir os familiares é impensável, pois a pena

recairia sobre inocentes. Além disso, cabe ressaltar que ninguém pode ser,

concomitantemente, sujeitos ativo e passivo de um mesmo crime.

Cabe ressaltar também que, caso haja alguma pena para suicídio, isso certamente

não deteria a mão do infeliz determinado a morrer, pois, o próprio ato do suicídio já

mostra uma alternativa de punição pessoal, diga-se de passagem, a maior punição de

todas.

XXXVI. DE CERTOS DELITOS DIFÍCEIS DE CONSTATAR

Existem na sociedade certos delitos que são bastante. Entre eles estão o

adultério, a pederastia, o infanticídio.

O adultério e a pederastia são condutas que, considerado sob o ponto de vista

político, só são tão freqüentes porque as leis não são fixas e porque há atração física

natural. Envolvem questões morais e culturais complexas. É mais fácil ao legislador

determinar medidas quando ele não foi cometido, ou seja, de prevenção, do que reprimi-

lo quando já se estabeleceu. O infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel

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alternativa em que se acha uma infeliz, que só cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob

os esforços da violência. De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de

sentir a perda da vida: como não havia de preferir esse último partido, que a rouba à

vergonha, à miséria, juntamente com o desgraçado filhinho.

XXXVII. DE UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE DELITO

Os crimes contra liberdade religiosa são tratados isoladamente, tendo em vista

sua pontuação período da História. Procurar demonstrar como certas crenças religiosas,

entre as quais só podem achar-se diferenças sutis, obscuras e muito acima da capacidade

humana, podem, contudo perturbar a tranqüilidade pública, a menos que somente uma

seja autorizada e todas as outras proibidas.

Cabe acentuar que o Direito Penal deve tratar de crimes que pertencem ao

homem natural e que violam o contrato social e o bom convívio da sociedade devo

silenciar, porém, sobre os pecados cuja punição mesmo temporal deve ser determinada

segundo outras regras que não as da filosofia.

XXXVIII. DE ALGUMAS FONTES GERAIS DE ERROS E DE

INJUSTIÇAS NA LEGISLAÇÃO

A noção de utilidade para os legisladores é uma das fontes geradoras de

injustiças. Segundo o Beccaria: “É por uma falsa idéia de utilidade que se procura

submeter uma multidão de seres sensíveis à regularidade simétrica que pode receber

uma matéria bruta e inanimada; que se negligenciam os motivos presentes, únicos

capazes de impressionar o espírito humano de maneira forte e durável, para empregar

motivos remotos, cuja impressão é fraca e passageira, a menos que uma grande força de

imaginação, que só se se encontra num pequeno número de homens, supra o

afastamento do objeto, mantendo-o sob relações que o aumentam e o aproximam”.

Por exemplo, uma lei que proíbe o porte de armas desarma o cidadão pacífico,

ao passo que os criminosos mantém suas armas, ou seja, qual a real utilidade de

desarmar inocentes? Além de ferir a liberdade individual, submeteriam os inocentes a

fiscalizações que às quais só deveriam ser submetidos os infratores.

XXXIX. DO ESPÍRITO DE FAMÍLIA

O espírito de família é outra fonte geral de injustiças na legislação. Segundo

Beccaria: “O espírito de família é um espirito de minúcia limitado pelos mais

insignificantes pormenores; ao passo que o espírito público, ligado aos princípios gerais,

vê os fatos com visão segura, coordena-os nos lugares respectivos e sabe tirar deles

conseqüências úteis ao bem da maioria”.

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Desse modo ele coloca o espírito de família como algo divergente do espírito

público, deturpando as idéia de que numa república os homens são cidadãos com

igualdade de Direitos, tendo em vista que nesse sistema os homens convivem pautados

num contrato social, enquanto na família as relações são pautadas pela autoridade dos

pais, um sentimento sagrado e inviolável da natureza, caracterizando uma relação

desigual.

Conclui-se que a moral familiar inspira uma submissão e um temor, o que

diverge dos princípios de liberdade que deve dominar a relação entre cidadãos em uma

república.

XL. DO ESPÍRITO DO FISCO

O espírito do fisco, ou seja, sua forma de atuar, deve ter como eixo o interesse

público e não ser, simplesmente, um meio do Estado lucrar em cima de seus cidadãos, e

o Juiz tem papel fundamental nisso, tendo em vista que, através do processamento e do

julgamento das ações fiscais, ele tem o poder de usar os meios e os argumentos

favoráveis para impor o bem público sobre o abuso do poder estatal.

O juiz deve adotar uma postura imparcial para não se confundir com um

“advogado do fisco”. A imparcialidade evita uma tendência em favorecer o fisco

unicamente por questões financeiras.

O verdadeiro processo das informações e a investigação imparcial do fato deve

ser prescrita pela razão, seguida no ordenamento jurídico, zelando pela moral e pelo

bem público.

XLI. DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES

Sem dúvida, “É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo

legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa

legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e

preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos

bens e dos males desta vida”, diz Beccaria.

Ao fazer as leis contra os crimes é preciso ter clara a noção de nocividade da

conduta tipificada, pois se nada ela tiver de nociva acabará ensejando uma confusão

entre a dicotomia vício-virtude, fazendo com que novos crimes surjam.

Para prevenir os crimes é necessário fazer leis simples e claras e que a toda

nação esteja disposta a defendê-las e cumpri-las sem que minorias se preocupem

constantemente em destruí-las. Além disso, que a nação marche em rumo à liberdade,

iluminada pela ciência e pela razão.

Page 15: Resumo Dos Delitos e Das Penas

O próprio Beccaria conclui: “o assunto é vasto demais para entrar nos limites

que me prescrevi. Ouso, porém, dizer que está tão estreitamente ligado com a natureza

do governo que será apenas um campo estéril e cultivado somente por um pequeno

número de sábios, até chegarem os séculos ainda distantes em que as leis não terão

outro fim senão a felicidade pública.”

XLII. CONCLUSÃO

No fim de sua obra, Beccaria confirma que a pena deve ir ao encontro do

interesse público, sendo razoável e necessária ao delito, sendo definida pela lei, sendo

de importância fundamental a atuação virtuosa do legislador, para que não ocorra

violência contra o cidadão.