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1 Portugal deveria estar nos corredores turísticos da Europa Vasco Ricoca Peixoto, Alexandre Abrantes Centro de Investigação em Saúde Pública Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa Portugal tem bons indicadores de risco epidemiológico em relação à COVID-19, um sistema nacional de saúde com boa capacidade de resposta, boas opções de transporte aéreo, rodoviário e ferroviários e é um país democrático, de direito onde se cumpre a lei a ordem. A decisão do Reino Unido de não colocar Portugal no “corredor turístico seguro, devido à COVID-19, carece de rigor técnico-científico e de transparência. Interpretar valores de incidência de casos reportados sem considerar outros indicadores de risco epidemiológicos, a distribuição geográfica e sem considerar que diferentes países detetam diferentes percentagens do total real de casos, é errado e levou à adoção de políticas desadequadas que, sem contribuir de forma relevante para prevenir a transmissão, têm consequências negativas a nível socioeconómico, político e diplomático.

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Portugal deveria estar nos corredores turísticos da Europa Vasco Ricoca Peixoto, Alexandre Abrantes Centro de Investigação em Saúde Pública Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade NOVA de Lisboa Portugal tem bons indicadores de risco epidemiológico em relação à COVID-19, um sistema nacional

de saúde com boa capacidade de resposta, boas opções de transporte aéreo, rodoviário e

ferroviários e é um país democrático, de direito onde se cumpre a lei a ordem. A decisão do Reino

Unido de não colocar Portugal no “corredor turístico seguro, devido à COVID-19, carece de rigor

técnico-científico e de transparência. Interpretar valores de incidência de casos reportados sem

considerar outros indicadores de risco epidemiológicos, a distribuição geográfica e sem considerar

que diferentes países detetam diferentes percentagens do total real de casos, é errado e levou à

adoção de políticas desadequadas que, sem contribuir de forma relevante para prevenir a

transmissão, têm consequências negativas a nível socioeconómico, político e diplomático.

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Portugal should be in the European touristic corridors Vasco Ricoca Peixoto, Alexandre Abrantes Public Health Research Center, NOVA National School of Public Health

Portugal has good COVID-19 epidemiological indicators, has a national health system with good

capacity to respond to the pandemic, good transportation system by air, road and train, and is a

state where law and order are practiced. The United Kingdom decision to exclude Portugal from its

safe tourist corridors lacks technical and scientific rigor and transparency. COVID-19 incidence rates

need to be used in conjunction with other epidemiological indicators, consider that different

countries detect different proportion of cases, the geographical distribution of cases, as well as death

rates and hospital admissions. Lack of such approach led the UK to adopt an inadequate COVID-19

related travel policy that, without contributing in a relevant way to prevent transmission, has had a

significantly negative impact at the socio-economic, political and diplomatic levels.

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1. Introdução

O Reino Unido acaba de excluir Portugal da lista de países para os quais já não aplica a recomendação de limitar as viagens internacionais ao mínimo essencial. Do ponto de vista prático, isto quer dizer que qualquer viajante que chegue ao Reino Unido vindo de Portugal terá que ficar isolado durante 14 dias. O mesmo não terá que acontecer para viajantes chegados de outros países da Europa Ocidental, nomeadamente da Bélgica, Espanha, França e Itália. Esta decisão é baseada, segundo o Governo Britânico, em critérios de risco epidemiológico, capacidade dos sistemas de saúde locais, opções de transporte, e critérios de lei e ordem1, mas que não são clarificados. A situação epidemiológica da COVID-19 em Portugal e a posição do País em cada uma dessas outras áreas não justifica a exclusão de Portugal dos corredores turísticos do Reino Unido. Esta decisão tem implicações sócio económicas fortes na indústria do turismo e na economia nacional e de regiões específicas, uma vez que o Reino Unido é o principal mercado emissor de turistas para Portugal, tendo representado 19,2% das dormidas de estrangeiros em 2019 e, no Algarve, os turistas Ingleses representaram, nesse ano, 60 % das dormidas desse mercado.

2. Risco epidemiológico relativo à COVID-19 Como outros países, o Reino Unido considera a incidência de COVID-19 (nº de casos por cem mil habitantes) nos últimos 14 dias como o principal critério de risco epidemiológico para comparar a gravidade da pandemia em diferentes países e regiões, e decidir as suas políticas de contenção, nomeadamente para a abertura de fronteiras. A análise do risco epidemiológico da COVID-19 deve incluir um conjunto de outros indicadores, nomeadamente: a) sub-deteção de casos, b) política de testagem, c) políticas de testes diagnósticos, d) gravidade dos casos, medida pelas taxas de mortalidade, morbilidade, de internamento geral e em unidades de tratamento intensivo, e e) distribuição geográfica dos casos. Figura 1. Mapa de incidências de COVID-19 por 100.000 habitantes, nos últimos 14 dias, julho de 2020. Fonte ECDC.

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a) A sub-deteção de casos

Estudos realizados pelos Imperial College London4 e pela London School of Hygiene and

Tropical Medicine9, estimam que Portugal deteta cerca de 80% dos casos reais de COVID

19, uma percentagem de casos muito superior a muitos outros países Europeus. Se

tomarmos em consideração as estimativas da % do total de casos que é detetada em

diferentes países, a incidência real da COVID-19 por 100.000 habitantes em Portugal

aproxima-se de outros países que estão incluídos nos corredores turísticos do Reino Unido

e é muito inferior à incidência no próprio Reino Unido (Tabela 1).

Os relatórios em tempo real da London School of Hygiene and Tropical Medicine estimam a

capacidade de deteção de casos por após, ao longo do tempo, com base nas melhores

estimativas para taxas de letalidade global para a COVID-19 (entre 1% e 2%), mostrando que

Portugal poderá estar a detetar 79% (62%-93%) dos casos de COVID-19, enquanto que

outros estão a detetar percentagens inferiores: a Alemanha 43%, Itália 11%, Grécia 24% e

Reino Unido 18%. (Figura 2)

Figura 2. Estimativas de % de casos reportados ao longo do tempo em diferentes países (Fonte: London School of Hygiene and Tropical Medicine).

Nenhum país deteta 100% das novas infeções por COVID-19. A sub-deteção de casos tem

sido referida desde o início da pandemia como uma questão crítica com potenciais

implicações em decisões relevantes em termos de políticas de saúde 2 3 4 5 nacionais e

internacionais. A sub-deteção é um dos motivos pelos quais a incidência por habitante nos

últimos 14 dias, por si só, pode dar uma imagem distorcida da realidade porque só se

encontra aquilo que se testa. Há países que detetam menor % do número real de infeções

do que outros. Os países que mais testam, como Portugal, que detetam maior percentagem

do total real de casos, incluindo muitos casos ligeiros e assintomáticos, aparentam ter

situações epidemiológicas mais graves do que aqueles que testam uma menor percentagem

do número real de infetados.

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Tabela 1. Incidência, estimativas de % de casos detetados/reportados nos 14 dias anteriores á data referida e Incidência ajustada para sub-deteção estimada.

País Incidência 14 dias por

100.000 habitantes (30 junho)

Estimativas ICL % de

casos sintomáticos reportados (14 dias até

28 jun)

LSHTM % de casos

sintomáticos reportados

(14 dias até 7 julho)

Incidência ajustada para sub-

deteção (ICL)

Incidência ajustada para sub-deteção

(LSHTM)

Bélgica 9,9 30,2 33 32,8 30,0

Rep. Checa 16,3 - 74 - 22,0

França 10,3 29,7 30 34,7 34,3

Alemanha 8,9 48,8 43 18,2 20,7

Grécia 2,4 - 24 - 10,0

Itália 5,2 17,1 11 30,4 47,3

Portugal 47,4 90,1 79 52,6 60,0

Suécia 149,4 42,9 41 348,2 364,4

Reino Unido 22,7 13,5 18 168,1 126,1

Se tomarmos em consideração estas estimativas da % do total de casos que é detetada em diferentes países, a incidência real da COVID-19 por 100.000 habitantes em Portugal aproxima-se de outros países que estão incluídos nos corredores turísticos do Reino Unido e é muito inferior à incidência estimada para o Reino Unido. Uma parte do problema da sub-deteção está associada ao diagnóstico de casos assintomáticos. Discutiremos este assunto na secção que trata das políticas de testes diagnósticos para a COVID-19. Todas as estimativas têm limitações, mas uma vez que as estatísticas de mortalidade em países desenvolvidos são fiáveis e o padrão de infeções em termos de faixa etária na Europa é semelhante, estas estimativas podem ser considerados como robustas.

b) Política de testes diagnósticos para a COVID-19

Portugal tem um dos níveis de testagem por habitante mais elevado a nível Europeu,

muito mais alto do que os da Alemanha, Espanha ou Itália (Figura 3). Se Portugal tivesse

adotado uma política de testagem mais restrita, semelhante à desses países, a sua taxa de

incidência de COVID-19 por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias seria inferior àquela

que é registada. A política de testagem adotada por Portugal leva ao diagnóstico de

grande número de casos assintomáticos ou com sintomas ligeiros, que passam

despercebidos nos outros países europeus com políticas menos abrangentes.

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Só se encontra o que se procura. Se, em Portugal, só fossem testadas as pessoas que têm

tosse ou febre, não seriam diagnosticados casos de COVID-19 assintomáticos ou com

sintomas mais ligeiros. Se, em Portugal, não fossem testados, todos os contatos

assintomáticos em contextos de trabalho, familiar ou social, muitos dos casos agora

diagnosticados passariam despercebidos. Se, em Portugal, não se estivessem a realizar

rastreios alargados em contexto escolar e de trabalho, muitos dos casos agora

diagnosticados passariam despercebidos. Dirão alguns que isso facilitaria a propagação da

epidemia. Não seria necessariamente assim, se esses contactos fossem adequadamente

identificados e isolados durante 14 dias, impedindo a transmissão a outras pessoas, como

acontece noutros países com políticas de testagem mais restritas.

Figura 3. Testes de diagnóstico para COVID-19 por 1.000 habitantes. (Fonte: Our World in

Data)

Como referido anteriormente, uma parte do problema da sub-deteção está associada ao

diagnóstico de casos assintomáticos. Uma grande parte dos casos de COVID-19 é

assintomática, podendo a proporção de assintomáticos chegar aos 50% 6 7. No recente

inquérito serológico nacional realizado em Espanha8 a uma amostra representativa de

35.883 habitações e 61.075 participantes entre 27 de abril e 11 de maio, cerca de 1/3 dos

indivíduos com anticorpos para SARS-CoV-2 identificados não teve qualquer sintoma. Entre

os indivíduos que apresentaram anticorpos e que tinham reportado sintomas, apenas 16% a

20% tinham sido testados previamente o que demonstra um sub-deteção muito relevante.

A 11 de maio Espanha havia reportado 227.770 casos. Este estudo estimou que até essa

data haviam sido infetados 5% da população Espanhola (95% CI 4·7–5·4), ou seja

aproximadamente 2,5 milhões de infeções. Os casos reportados oficialmente por essa altura

eram então 9,1% do total de infetados.

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Importa também comparar a especificidade da política de testagem. Se aumentarmos a

probabilidade de os testes serem positivos - por exemplo saindo de uma fase de rastreios

alargados em contexto de reabertura de locais de trabalho, escolas e passando para rastreio

em contexto de contatos -, sem alterar o número de testes por habitante por período,

obteremos uma taxa de positividade mais elevada no período mais recente.

Nas últimas semanas Portugal registou não só uma das taxas mais elevadas de testes por

1.000 habitantes, mas também uma das taxas de positividade mais baixas na Europa e no

Mundo (Figuras 4 e 5), confirmando que a taxa da testagem em Portugal é muito mais

alargada e menos focalizada nos grupos de risco do que nos outros países Europeus. Note-

se que o reporte de número de testes não é uniforme na Europa (a Espanha e o Reino Unido

não têm números de testes por 100.000 habitantes nem % de positivos semanal no Country

Overview do ECDC 10) e , no inicio de julho, o Reino Unido anunciou o fim do reporte do

número de novos testes após 5 semanas em que não os reportou, tendo sido acusados de

falta de transparência ao impossibilitar escrutínio da política de testagem 11.

Figura 4. Testes por 100.000 habitantes e taxa de positividade por semana em Portugal

(Fonte: ECDC COVID-19 Country Overviews :https://www.ecdc.europa.eu/en/covid-

19/country-overviews

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Figura 5. Percentagem de testes positivos entre total de testes em diferentes países (Fonte:

Our World in Data)

c) Mortalidade, letalidade e Internamentos hospitalares e em cuidados intensivos por COVID-19

Portugal tem uma taxa de mortalidade acumulada de 15,8 óbitos por 100.000 habitantes e uma taxa de letalidade de 3,7 % por COVID-19, taxas que são muito mais baixas do que se registam na Espanha, França, Itália ou Reino Unido na Europa (Figura 6). Portugal tem também uma das taxas de ocupação hospitalar e em cuidados intensivos mais baixa da Europa. Estes critérios de risco epidemiológico deveriam ser tão ou mais importantes do que a incidência por 100.000 habitantes nos últimos 14 dias nas tomadas de decisão respeitantes aos movimentos transfronteiriços. Aquilo que torna tão grave a COVID-19 é a sua fácil transmissibilidade e a gravidade dos sintomas e a letalidade nas pessoas com mais de 60 anos. Mais de 80% dos casos de COVID-19 são assintomáticos ou têm sintomas muito ligeiros. Em Portugal, neste momento só 4% dos casos COVID-19 necessitaram de internamento hospitalar e só 0,6% precisaram de cuidados intensivos. O ECDC refere, no Rapid Risk assessment de 23 de Abril, que os principais objetivos no controle da COVID-19 deveriam ser reduzir morbilidade, doença grave e mortalidade.12 As taxas de mortalidade baixas, são um bom indicador da gravidade da COVID-19 em Portugal, uma vez que o nº de óbitos (o numerador) e a população residente (o denominador) são estatística fiáveis. As baixas taxas de letalidade podem refletir uma proteção relativamente eficaz da população mais idosas ou com certas comorbilidades que aumentam o risco de sofrerem doença grave ou morrer por COVID-19. Podem também, em parte, ser explicadas pelo fato do numerador da taxa de letalidade, o nº de óbitos, ser comparável entre os países

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Europeus, mas o denominador ser em Portugal maior, porque o País deteta uma maior proporção dos casos reais de infeção por COVID-19 Nas últimas semanas o aumento do nº de casos de infeção não foi acompanhado por um aumento do nº de internados ou de óbitos por COVID-19. Isto pode refletir o aumento do diagnóstico de infeções em jovens, assintomáticas ou com queixas ligeiras, e uma proteção eficaz de populações com risco mais elevado de doença grave, nomeadamente as mais idosas ou com certas comorbilidades. Figura 6: Incidência e mortalidade por COVID-19 por 100.000 habitantes, nos últimos 7 dias. Fonte:

The Economist

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d) Distribuição geográfica

As principais regiões turísticas de Portugal, nomeadamente o Algarve, a Madeira e mesmo

o Porto têm incidências de COVID-19 por 100.000 habitantes muito baixas. A decisão do

Reino Unido desaconselhar fortemente o turismo em Portugal inteiro, ao exigir 14 dias de

isolamento aos viajantes oriundos de Portugal, com base numa incidência elevada numa

região tão bem delimitada e que está fora dos circuitos turísticos, é questionável.

Mais de 70% dos novos casos de COVID-19 no País estão concentrados nos 5 concelhos da

periferia de Lisboa, onde se localizam as 19 freguesias com contextos de grande

vulnerabilidade socioeconómica, e que continuam sujeitas a medidas de mitigação que

correspondem ao “estado de calamidade”. Nenhuma destas freguesias se encontra nos

circuitos turísticos de Lisboa.

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Figura 7. Mapa com incidências de COVID-19 por 100.000 habitantes na Europa, nas

semanas 24 e 25 de 2020.

Figura 8: Mapa das freguesias em Estado de Calamidade. Governo de Portugal

O turismo implica um risco relativamente baixo de contrair a COVID-19. O risco de ser

infetado ou de infetar será reduzido se garantirmos que os turistas e a população que com

eles interage cumprem as medidas recomendadas pela Direção-Geral da Saúde, nos espaços

públicos interiores ou exteriores (uso de máscaras e distanciamento físico), no contexto

familiar e entre amigos (distanciamento físico). Nestas condições, a eventual transmissão

ficará limitada à família ou grupo de amigos que venha de férias.

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3. Capacidade relativa dos sistemas de saúde,

O bom desempenho do sistema nacional de saúde Português é reconhecido internacionalmente, através de vários indicadores e diferentes relatórios. De acordo com o Euro Health Consumer Index (EHCI) 2018, Portugal está classificado em 13.º lugar (em 35 países), imediatamente a seguir à Alemanha e melhor do que o do próprio Reino Unido. (Figura 5) 13. Não é claro como é que o Reino Unido considerou este critério na sua decisão de dificultar o turismo em Portugal O Reino Unido afirma que toma em consideração a capacidade relativa dos sistemas de saúde como um dos critérios que usa para decidir sobre os corredores turísticos seguros, embora não seja transparente quanto à forma como aplica esse critério. Figura 5. Ranking dos Sistemas de Saúde Europeus (EHCI). 2018.

Euro Health Consumer Index 2018 Verde>750 numa escala de 1000 pontos. Vermelho<650. https://healthpowerhouse.com/media/EHCI-2018/EHCI-2018-report.pdf O fato de em nenhum momento da pandemia ter sido ultrapassada a capacidade de resposta hospitalar, em geral, ou de cuidados intensivos, em particular, são um indicador relevante e específico da capacidade relativa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para responder aos desafios que foram impostos pela pandemia de COVID-19 14 15. Os hospitais de campanha montados para responder a picos de demanda que o SNS não pudesse acomodar fecharam sem nunca terem recebido um internado.

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4. Opções de transportes

Portugal continental é um país pequeno, com três aeroportos internacionais (Faro, Lisboa e Porto), uma excelente rede de estradas com boa conexão às redes Europeias, e boas conexões ferroviárias entre as principais regiões turísticas. Não é claro como é que o Reino Unido considerou este critério na sua decisão de excluir Portugal dos seus corredores turísticos.

5. Lei e ordem Portugal é reconhecido como um estado de direito, democrático e seguro, ocupando o 3º lugar do Global Peace Index de 2020, depois da Islândia e Nova Zelândia 16. Não é claro como é que o Reino Unido considerou este critério na sua decisão de excluir Portugal dos seus corredores turísticos. Tabela 2. Global Peace Index em 2020

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Conclusão

Portugal está a ser penalizado por uma métrica (a incidência de COVID-19 por 100.000

habitantes nos últimos 14 dias) que não reflete corretamente a gravidade da epidemia no

país, com graves consequências económicas e sociais.

Portugal está a ser penalizado por ter uma política de testagem abrangente, que identifica

um grande nº de casos assintomáticos e ligeiros que passam despercebidos noutros países,

e porque as análises internacionais não tomam em consideração a distribuição regional dos

casos, aplicando sanções a todo o território nacional, com base em números que se

referem, em grande parte, a 19 freguesias concentradas numa zona geográfica restrita, fora

dos circuitos turísticos.

Decisões deste tipo, deveriam tomar em consideração outros indicadores de risco

epidemiológico, nomeadamente:

1. Taxas de incidência ajustadas para a % de casos reais detetados;

2. Nº de testes per capita e as taxas de positividade nos últimos 7/14 dias;

3. Percentagem de novos casos assintomáticos e a % de testes realizados a pessoas

assintomáticas ou com sintomatologia ligeira, que não cabe na definição de caso

COVID-19 em vigor;

4. Nº médio de contágios por infetado (Rt), a níveis geográficos detalhados

(Concelho/Freguesia);

5. Taxas de mortalidade e letalidade por 100.000 habitantes nos últimos 7/14 dias;

6. Taxas de internamento geral e em unidades de tratamento intensivo por 100.000

habitantes nos últimos 7/14 dias;

7. Taxas de ocupação das camas COVID em internamento geral e em UCI; e

8. A distribuição geográfica dos casos, dos Rt, dos óbitos e dos internamentos.

Finalmente, no caso da decisão do Reino Unido para excluir Portugal dos corredores

turísticos, não é conhecida a forma como as autoridades inglesas tomaram em consideração

os outros critérios que dizem ser relevantes, nomeadamente a capacidade dos serviços de

saúde, as opções de transporte e o estado da lei e ordem em Portugal.

A COVID-19 é uma pandemia que exige uma resposta concertada a nível global e a da União Europeia. As decisões unilaterais do Reino Unido e de outros países da União Europeia (Áustria, Dinamarca, Grécia, e República Checa), sem coordenação Europeia, e baseadas em critérios técnico-científicos pouco rigorosos, estão a recompensar economicamente países com baixas taxas de deteção da infeção, com prejuízo daqueles que estão a detetar e reportar uma maior percentagem das infeções através de estratégias de testagem mais abrangentes.

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2020:2020.05.26.20098244. doi:10.1101/2020.05.26.20098244 15. Covid-19: Cuidados intensivos com ocupação de 65% na região de Lisboa -

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