Neurociência, modalidades sensoriais e aprendizagem ... · Neurociência, modalidades sensoriais e...

14
Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 Neurociência, modalidades sensoriais e aprendizagem: Reflexões para uma relação entre música e desenho Maria Lúcia Batezat Duarte UDESC/CEART [email protected] Teresa Mateiro UDESC/CEART [email protected] Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar Introdução Pretendemos neste trabalho refletir sobre as possibilidades de relacionamento entre o ensino de música e o ensino de desenho a partir das concepções neurocientíficas e da interseção entre as modalidades sensoriais visual e auditiva. O nosso foco está nas possibilidades cognitivas que essas combinações entre as modalidades sensoriais podem oferecer nos processos de aprendizagem, sem nos determos no ensino da música e no ensino de desenho em si mesmos. A relação entre aprendizagem e neurociência será discutida a partir de três perspectivas teóricas: as diferentes modalidades sensoriais e o funcionamento cerebral, recorrendo-se a autores da área neurocientífica (DAMÁSIO, 2011; RICHARD, 2004); o nível cognitivo de base e os processos categoriais, recorrendo-se às teses de Rosch (1973) e seus reflexos nos estudos de Darras (1998) e Duarte (2011); e, a significação e a aprendizagem como articulação entre modalidades sensoriais múltiplas, considerando-se que a audição e a visão estão relacionadas às percepções proprioceptivas (dos músculos, ossos e nervos) e à motricidade (RUSSELL, 2000; DUARTE, 2011; MATEIRO; DUARTE, 2012). Vislumbramos levar a cabo pesquisas que se utilizarão de músicas que descrevem e/ou representam sons de objetos e entidades da natureza como ferramentas pedagógicas essenciais à aprendizagem de elementos musicais e visuais. Além das canções infantis, a música programática ou descritiva e a música contemporânea poderão, também, ser consideradas. O Trenzinho do Caipira (Villa-Lobos) e Pacific 231 (Arthur Honegger), exemplos de peças musicais descritivas, e Étude aux chemins de fer (Pierre Schaeffer), música eletroacústica, inspiradas nos sons da locomotiva a vapor são, frequentemente, usadas em aulas de música a fim de desvendar, por meio do desenho, a percepção auditiva das crianças. Quando a atividade é cantar, são muitas as canções infantis que possibilitam essa relação entre as modalidades sensoriais. Tem gato na tuba é uma canção que permite uma analogia entre a imagem visual, o som de um gato e o instrumento tuba.

Transcript of Neurociência, modalidades sensoriais e aprendizagem ... · Neurociência, modalidades sensoriais e...

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

Neurociência, modalidades sensoriais e aprendizagem: Reflexões para uma

relação entre música e desenho

Maria Lúcia Batezat Duarte UDESC/CEART [email protected]

Teresa Mateiro UDESC/CEART [email protected]

Eixo temático: Conhecimento Interdisciplinar

Introdução

Pretendemos neste trabalho refletir sobre as possibilidades de relacionamento entre o ensino de

música e o ensino de desenho a partir das concepções neurocientíficas e da interseção entre as modalidades

sensoriais visual e auditiva. O nosso foco está nas possibilidades cognitivas que essas combinações entre as

modalidades sensoriais podem oferecer nos processos de aprendizagem, sem nos determos no ensino da

música e no ensino de desenho em si mesmos.

A relação entre aprendizagem e neurociência será discutida a partir de três perspectivas teóricas: as

diferentes modalidades sensoriais e o funcionamento cerebral, recorrendo-se a autores da área

neurocientífica (DAMÁSIO, 2011; RICHARD, 2004); o nível cognitivo de base e os processos categoriais,

recorrendo-se às teses de Rosch (1973) e seus reflexos nos estudos de Darras (1998) e Duarte (2011); e, a

significação e a aprendizagem como articulação entre modalidades sensoriais múltiplas, considerando-se que

a audição e a visão estão relacionadas às percepções proprioceptivas (dos músculos, ossos e nervos) e à

motricidade (RUSSELL, 2000; DUARTE, 2011; MATEIRO; DUARTE, 2012).

Vislumbramos levar a cabo pesquisas que se utilizarão de músicas que descrevem e/ou representam

sons de objetos e entidades da natureza como ferramentas pedagógicas essenciais à aprendizagem de

elementos musicais e visuais. Além das canções infantis, a música programática ou descritiva e a música

contemporânea poderão, também, ser consideradas. O Trenzinho do Caipira (Villa-Lobos) e Pacific 231

(Arthur Honegger), exemplos de peças musicais descritivas, e Étude aux chemins de fer (Pierre Schaeffer),

música eletroacústica, inspiradas nos sons da locomotiva a vapor são, frequentemente, usadas em aulas de

música a fim de desvendar, por meio do desenho, a percepção auditiva das crianças. Quando a atividade é

cantar, são muitas as canções infantis que possibilitam essa relação entre as modalidades sensoriais. Tem

gato na tuba é uma canção que permite uma analogia entre a imagem visual, o som de um gato e o

instrumento tuba.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

2

Quanto ao ato de desenhar e memorizar uma sequência gráfica, nossos estudos já demonstraram

(DUARTE, 2011) que a associação entre melodia e ritmo musicais, e duração e direção dos traçados do

desenho, pode ser um fator facilitador de aprendizagem. Apesar de existirem poucos estudos que tratem

sobre a importância do desenho para a aprendizagem musical, de acordo com Ilari (2004), usar o desenho na

aula de música é algo antigo, assim como usar músicas como estímulo à criação nas aulas de desenho e artes

visuais.

Nossa intenção é buscar bases teóricas que permitam realizar investigações visando uma maior

compreensão e uma resignificação das práticas docentes. A perspectiva, proporcionada pelos fundamentos

neurocientíficos atuais, aponta para a interdisciplinaridade como um importante recurso cognitivo.

1. Neurociência, modalidades sensoriais e aprendizagem

Nesta primeira parte da nossa reflexão abordaremos aspectos de conectividade entre diferentes áreas

cerebrais e as possíveis associações entre as modalidades sensoriais nos processos de aprendizagem. Para

isso é preciso primeiro compreender, conforme alerta Antonio Damásio (2000, 2011) que as percepções

físicas que ativam nosso corpo e nosso cérebro provocando sentimentos, pensamentos, ações e

aprendizagens, são oriundas de fora do nosso corpo (visão de um objeto, audição do cantar de um pássaro,

cheiro de uma comida), ou de dentro do nosso corpo (uma dor de dente, uma sensação de fome). A

participação ativa do nosso corpo físico, como o ato de perceber o sabor agradável de um doce sobre a nossa

língua, ou a suave compreensão do nosso corpo pelo corpo de amigo que nos abraça, é parte integrante e

indissociável dos processos cerebrais. A partir de um conjunto bem variado de experiências físicas e, em

dependência de sua duração e de sua significação, algumas se transformam em memória e aprendizagem.

Tudo leva a crer que quanto maior o número de associações (conectividade) entre as diferentes modalidades

sensoriais e as áreas específicas de decodificação dessas percepções no cérebro, maior o impacto, maior o

registro resultante no cérebro, isto é, maiores as chances de efetivação de uma memória e de uma

aprendizagem (LENT, 2005).

Olivier Houdé, psicólogo cognitivo e um dos principais neurocientistas franceses dedicado a

pesquisas com crianças e processos de aprendizagem, publicou em 2004 Psychologie de l’enfant e foi

saudado como um possível renovador das pesquisa de Jean Piaget. No livro citado ele narra o primeiro

experimento realizado em crianças com imageria cerebral1, realizado por Nathalie Tzourio-Mazoyer e

Bernard Tzourio-Mazoyer. Tal experimento foi possível porque os bebês, então com dois meses de idade,

1 Diferentes recursos tecnológicos que permitem fotografar e/ou filmar o cérebro em funcionamento localizando as áreas ativadas.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

3

haviam sofrido um grande estresse cerebral durante o nascimento e, nesse caso, o registro em TEP2 de seus

padrões de déficit sanguíneo cerebral fazia parte do acompanhamento médico. Relatou o autor:

A atividade cerebral dos bebês foi registrada quando eles estavam calmos (sem movimento de cabeça)

e atentos (olhos abertos e olhar dirigido para as estimulações), todo o registrofoi sistematicamente

controlado por um experimentador. A experiência propriamente dita foi dirigida à percepção de faces

femininas, desconhecidas para os bebês. Os resultados indicam que, desde os dois meses, eles ativam,

nos seus hemisférios direitos, a mesma região do cérebro que é conhecida nos adultos para a

percepção de faces (o giro fusiforme, sobre a via ventral do cérebro, dita „occipto-temporal‟). Mais

ainda, os bebês ativam as regiões do hemisfério esquerdo que, nos adultos, são associadas à

linguagem (o giro frontal inferior e o giro temporal superior) – mas, a linguagemsurge nas crianças

apenas entorno dos 2 anos de idade. Esses resultados demonstram que o desenvolvimento cognitivo se apóia muito precocemente (2 meses) sobre a ativação funcional de regiões cerebrais interconectadas

[...], mesmo que estas regiões não tenham ainda atingido sua maturação plena (HOUDÉ, 2005, p. 35-

6, tradução nossa).

Este experimento permite-nos supor que mesmo no cérebro da criança muito pequena, onde a

experiência da fala ainda não ocorreu, algum fator de cunho genético já prevê a associação entre áreas

cerebrais distintas que levarão mais tarde à identificação e memorização de objetos. Neste caso,

provavelmente, o rosto de pessoas e seus nomes.

No âmbito dos processos de aprendizagem e ao estudar como nós categorizamos os objetos, isto é,

como os identificamos e relacionamos a um grupo mais amplo de entidades semelhantes, Jean-François

Richard (2004) também aponta para associações cerebrais. Ele afirma que nós conceituamos e memorizamos

as entidades do mundo entrelaçando aspectos oriundos de várias modalidades sensoriais (ver também

ROCHA, 1999, DAMÁSIO 2000, 2011, DOIDGE, 2012). Assim, por exemplo, a categoria cognitiva na

qual agrupamos os “pássaros” não remete apenas a sua aparência visual, mas também ao modo com eles se

movimentam e voam, aos sons que emitem, etc.

Usando como referência o trabalho pioneiro com crianças de Cordier e Tijus (2001), Richard (2004,

p.28 e ss.) amplia o conjunto de propriedades elementares que atuam na caracterização dos objetos,

distinguindo: (a) propriedades perceptivas [formais], associadas a aparência visual, à forma, a cor, e ao

tamanho dos objetos; (b) propriedades componenciais, associadas a cada parte que, juntas, compõem o todo

do objeto como, por exemplo, a cabeça, bico, corpo, asas e patas de um pássaro; (c) propriedades funcionais,

associadas ao emprego que fazemos de alguns objetos como por exemplo uma “chave” cuja função é abrir e

fechar portas; (d) propriedades de utilização, associadas ao modo como o corpo humano age para usar tal ou

qual objeto, como por exemplo o uso dos dedos polegar e indicador para pegar a chave e abrir uma porta; e,

2 Tomografia computadorizada por Emissão de Pósitrons, uma das tecnologias que permite “imageria cerebral”.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

4

(e) propriedades de comportamento, associadas ao tipo de ação que um objeto ou entidade pode executar,

como por exemplo a ação de voar realizada pelos pássaros.

Para exemplificar as propriedades recorremos a dois tipos de objetos ou entidades: passáros e chave.

Isto ocorreu porque nem todos os objetos ou entidades do mundo possuem todas as propriedades que podem

auxiliar na sua categorização. Em uma chave é possível perceber propriedades formais, componenciais,

funcionais, de utilização, mas não podemos atribuir propriedades de comportamento. Quanto aos passáros é

possível atribuir propriedades formais, componenciais, e de comportamento. Mas, teríamos dificuldades em

atribuir propriedades funcionais e de utilização.

Entretanto, o que importa a esta reflexão é compreender que as propriedades que nos ajudam a

identificar, aprender e memorizar tanto os objetos quanto as entidades do mundo são instituídas a partir de

um conjunto de aspectos relacionados, cada um, a uma ou várias modalidades perceptivas. Facilmente

podemos associar as propriedades perceptivas formais e componenciais à modalidade visual, mas a

modalidade tátil também pode ter boa interferência se o objeto em análise e compreensão for dotado, por

exempo, de algum tipo de textura ou temperatura. Por outro lado, as propriedades funcionais e de utilização

podem estar vinculadas às modalidades proprioceptivas (as ações de nossos músculos, ossos e cartilagens)

requeridas ao bom uso dos objetos pelos seres humanos. O “click” sonoro que, por vezes, indica o correto

uso da chave e a consequente abertura da porta ou do cofre, requer a presença da modalidade auditiva.

Entendemos que todos esses dados fornecem os indícios e as comprovações necessárias sobre como

uma aprendizagem se efetiva, isto é, sobre os recursos de identificação, diferenciação, conceituação e

memorização que a aprendizagem demanda. Assim, parece possível afirmar que na maioria das vezes a

aprendizagem é “naturalmente” um processo multimodal, que requer e recorre aos registros de mais de uma

modalidade sensorial.

2. Processos categoriais na percepção visual e auditiva

2.1 O nível cognitivo de base e o desenho: os objetos concretos que auxiliam a aprendizagem3

Ao realizar pesquisas na comunidade dos Dani, habitantes de Papua-Nova Guiné, Eleanor Rosch

(1973, 1975) propôs uma teoria sobre o modo como o cérebro organiza os objetos do mundo em categorias

cognitivas. A tese primeira de seu pensamento é o reconhecimento de que precisamos agrupar os objetos ou

entidades do mundo e que procedemos esses agrupamentos usando a figura de um “protótipo”. Um protótipo

é o objeto mais típico de um conjunto de objetos similares e é também aquele que o cérebro humano

identifica mais facilmente.

3 Parte do texto que compõe esse subtítulo foi publicado por Duarte em 2011.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

5

Os Dani, estudados por Rosch, não possuíam palavras para as cores, apenas para a escuridão “mili” e

para a claridade “mola”, assim como não possuíam palavras para nomear as formas geométricas básicas:

círculo, quadrado, triângulo. Rosch criou uma série de testes nos quais os Dani deveriam escolher e

memorizar uma cor ou figura geométrica e depois apontá-la entre um conjunto de cores e figuras

apresentadas. Como resultado, os testes indicaram que as cores e formas escolhidas insistentemente eram

sempre cores e formas consideradas básicas, as mais relevantes e salientes. Isto é, sem a referência do

vocabulário verbal, os Dani respondiam aos testes indicando cores e figuras geométricas consideradas

nucleares ou básicas para as populações cuja linguagem já evidenciava essa primazia.

Os processos cerebrais de seleção e memorização revelaram-se iguais à revelia do idioma, da

presença ou ausência de vocábulo verbal para designar os objetos. Por exemplo, entre cartelas que

apresentavam as cores: vermelho carmim, vermelho, vermelho alaranjado; ou vermelho, vermelho

alaranjado, vermelho terra; a escolha dos Dani apontava para o “vermelho” puro, isto é, a cor básica. Eles

igualmente escolhiam o “círculo” quando lhes eram apresentadas cartelas com desenhos de ovoides, meio

círculo, círculo, círculo incompleto, etc.

As escolhas realizadas pelos Dani, baseadas na memorização dessa ou daquela cor, dessa ou daquela

forma visual, apontavam sempre para as entidades mais típicas (prototípicas), aquelas que são consideradas

organizadoras ou centrais em uma sistematização categorial. Essa investigação e várias outras levadas a

cabo ainda nos anos setenta permitiram que Rosch (1999) afirmasse que algumas cores e formas são

percebidas primeiro que outras e mais facilmente memorizadas. As cores e formas básicas, aquelas mais

facilmente identificadas e memorizadas, ajudam a organizar a experiência visual em categorias cujo

elemento principal é um protótipo, isto é, um objeto típico.

De algum modo, pais e professores seguem essa natureza perceptiva pois, por exemplo, ensinam

primeiro às crianças a cor “vermelho” para depois ensinarem as outras tonalidades e nuances que compõem

o grande conjunto, ou categoria, dos vários tipos de “vermelhos”, dos mais amarelados aos mais terrosos.

Assim, independentemente do número de variáveis tonais ou de denominações que a cor “vermelho” possa

adquirir em tal ou qual cultura, haverá sempre aquele representante cuja tonalidade, brilho e pureza de

pigmentação será considerado “o vermelho”, uma cor prototípica, percebida primeiro, de mais fácil

memorização em todas as culturas: um “vermelho” universal, apesar das variáveis linguísticas (red, rojo,

rouge, etc.). O que é universal, afirma Rosch (1999, p.2), “é a estrutura das categorias e o processo pelo qual

os sistemas de categorias são formados”.

As categorias permitem a redução das variedades e complexidades do mundo aprimorando o

funcionamento do cérebro. Seguindo o sentido empregado por Rosch, podemos dizer que uma categoria é

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

6

uma reunião de objetos considerados equivalentes, similares, tendo como princípios: reunir o máximo de

informação com o mínimo de esforço cognitivo (princípio da economia cognitiva); e, a informação

veiculada é eficaz porque o mundo perceptivo chega até nós de modo estruturado e sistematizado muito

mais do que de modo arbitrário ou aleatório (ROSCH, 1978).

As constatações sobre os modos perceptivos e sobre o fato de determinadas cores e formas serem

mais facilmente percebidas e memorizadas, tornando-se prototípicas, permitiu que Rosch elaborasse sua

teoria sobre os Níveis de Cognição, apontando três: o Nível Subordenado, o Nível de Base e o Nível

Superordenado. Todos eles tratam de uma organização mental, um modo de aprender e cognocere

(conhecer) os objetos do mundo. Mas eles tratam também de um sistema linguístico de expressão e

significação que define as sociedades humanas.

No Nível Subordenado, o que está presente na mente é um objeto real, concreto e particular. No

Nível Superordenado, o extremo oposto do Nível Subordenado, não há nenhum objeto concreto à vista do

olho, nem na mente do sujeito que fala ou do sujeito que escuta. Neste nível cognitivo, a fala (ou

pensamento) remete a um conceito geral, muito amplo, e por isso denominado por Rosch como totalmente

abstrato.

O nível intermediário foi aquele que Rosch denominou Nível de Base ou Nível Cognitivo de Base.

Nele encontram-se as categorias de objetos reunidas sob a organização proporcionada por um protótipo. O

Nível Cognitivo de Base não é totalmente concreto nem totalmente abstrato. A sua característica mais

importante é o fato de ele reunir uma imagem mental visual, concreta e, ao mesmo tempo, remeter a uma

palavra conceitual e abstrata. Um bom exemplo é a palavra cadeira, na frase: – Por favor, Aline, vá pegar

uma cadeira. Que cadeira Aline deverá pegar? A única resposta possível é qualquer cadeira. A prerrogativa

é que seja uma cadeira, isto é, um objeto com assento, encosto e quatro pés.

Por outro lado, o sujeito que diz “cadeira” está se referindo exatamente a uma cadeira qualquer e a

um conceito de cadeira. Refere-se a uma cadeira abstrata, imprecisa. A imagem mental conceitual criada é

genérica e neutra, porque se conhece o sentido do termo na língua portuguesa e, portanto, que o sujeito

falante está se referindo a um objeto que utilizamos para sentar. Cadeira é um vocábulo/objeto do nível

cognitivo de base por apresentar uma ideia, um conceito geral e abstrato de um agrupamento de objetos ou

entidades.

Assim como “cadeira”, outros objetos ou entidades típicas, gerais e neutras, cuja denominação se

abre conceitualmente e contempla um número plural e variado de objetos da mesma espécie, são

considerados pertencentes ao Nível Cognitivo de Base. No âmbito das artes visuais (DARRAS, 1998;

DUARTE, 2004) compreendeu-se que os esquemas gráficos desenhados por crianças entre os seis e os nove

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

7

anos refletem e repetem esse mesmo nível cognitivo apontado por Rosch como o nível de Base. Trata-se da

construção, seja no âmbito verbal quanto no âmbito gráfico, de um vocabulário básico de referências e

aprendizagens sobre o mundo.

2.2 As dimensões da percepção musical

No campo da Música, para identificar e classificar suas principais dimensões tem sido necessário

desenvolver taxonomias próprias. Os estímulos auditivos presentes são quantificados por meio de técnicas

específicas. Neste momento, nos interessam os métodos que agrupam os estímulos por determinado aspecto

de similaridade, isto é, utilizam a análise de agrupamento para representar espacialmente as proximidades

entre os estímulos auditivos utilizando técnicas de quantificação multidimensional. Assim, são realizados

experimentos com a intenção de verificar as reações dos ouvintes frente a peças musicais selecionadas e, às

vezes, apresentadas por pares (HARGREAVES, 1998). A variedade de processos que ocorrem enquanto

uma pessoa ouve música tem sido um dos temas principais dos estudos acerca da cognição musical. Trata-

se, neste momento, de diferenciar a atividade musical auditiva, daquela atividade do compositor ou do

músico intérprete.

De acordo com Sloboda (2008, p.199) o produto final principal da atividade auditiva “é uma série de

imagens mentais, sensações, memórias e antecipações passageiras altamente incomunicáveis”. Isto, porque o

ato de ouvir não tem um registro. Ao contrário, a produção de uma composição ou uma execução musical,

geram, cada qual a seu modo, uma partitura ou um tipo de registro comunicável indicado, também, pela

sequência de movimentos que produzem sons. A obtenção de um registro musical para a atividade de

audição ocorre quando se reconhece o que se ouviu, seja repetindo a canção que se acabou de aprender ou

quando se utilizam outros recursos como, por exemplo, a notação ou outros registros gráficos.

Os „princípios gestálticos da percepção‟, fundamentados em agrupamentos significativos, tem

legitimado as teorias sobre a maneira como os sons musicais são ouvidos, tendo em vista os estudos sobre a

percepção visual. Sloboda ressalta que:

a maioria dos mecanismos de agrupamento visual é motivada por necessidades de „ação‟. Eles ajudam

o organismo a orientar-se e a mover-se de maneira eficaz no ambiente, a localizar e reencontrar

objetos nesse ambiente, e assim por diante. É de se esperar que os mecanismos de agrupamento

auditivo tenham suas raízes em necessidades semelhantes (SLOBODA, 2008, p.204).

As pesquisas demonstram que as fontes sonoras, a localização e a altura são as tendências de

agrupamento de sons mais comuns nos ouvintes (KRUMHANSL, 2006). Ritmos, melodias e harmonias são

os elementos essenciais para se fazer música, sendo que a harmonia é mais característica na música

ocidental. Assim, as principais dimensões da maioria dos estilos musicais são o ritmo e a altura. Conforme

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

8

Krumhansl (2006, p.93), “um conjunto nuclear de princípios de agrupamento parece ser importante para a

formação de padrões rítmicos e melódicos”. Os princípios de agrupamento ocorrem por proximidade (em

tempo e altura), por repetição de elementos idênticos ou semelhantes, e por formação de padrões simples.

Esses agrupamentos são, geralmente separados por pausas, mudanças em duração, altura e

intensidade, como dinâmica ou contorno melódico e contrastes de timbres. Por exemplo, ao ouvir uma

música temos uma tendência a agrupar uma sequência de eventos separados, ainda que nada predetermine

esses agrupamentos.

Percebemos o ritmo como um padrão, como um todo e não como uma série de eventos isolados

(Gestalt). Assim, uma sequência de notas longas ou curtas pode sugerir um agrupamento. As pesquisas

realizadas por Gabrielsson (1993) demostram que a experiência rítmica é multidimensional, ou seja, é

composta pelo menos por quinze dimensões que podem ser encontradas através de técnicas multivariadas.

Essas dimensões foram agrupadas em três categorias: aspectos estruturais (métrica, posição e clareza dos

acentos; tipo e importância do padrão básico; subdivisões rítmicas; uniformidade versus variação; e,

simplicidade versus complexidade); aspectos de movimento (tempo e andamento; associações com

movimentos como caminhar, dançar, saltar, balancear, impulsionar; ) e emocionais (vital versus inerte;

excitado versus calmo; rígido versus flexível; e, solene versus brincalhão) com estreita relação entre eles.

Assim como Gabrielsson (1993), Krumhansl (2006, p.53) afirma que existe “um forte componente motor

relacionado à representação psicológica do ritmo”, ou seja, a associação entre a modalidade auditiva e a

modalidade sensoriomotora parece influir decididamente no tipo de emoção provocada pela audição

musical.

Percebemos as alturas na forma de categorias ou mediante um conjunto de regras que pode estar

relacionado aos intervalos musicais, à dimensão perceptiva de consonância versus dissonância e aos

sistemas de afinação (KRUMHANSL, 2006). Ademais, existem modelos teóricos de organização de alturas

(codificação, linguísticos e geométricos), experimentos acerca da organização melódica associada à

memória, e estudos sobre a relação da altura e do ritmo na percepção e memória musicais.

Uma pesquisa com crianças na faixa etária entre 7 a 12 anos que não tinham formação musical nem

experiência instrumental foi realizada por Frey-Streiff (1990). Foram escolhidas duas melodias de canções

populares para o estudo, sendo solicitado às crianças que representassem a notação dessas melodias de modo

que outra pessoa entendesse a quais canções estas se referiam. A análise dos dados permitiu verificar seis

tipos de notação e após isso a autora verificou que as crianças atribuíram maior importância às propriedades

relativas à altura do som, sendo que o resultado mais evidente dessa pesquisa é que a criança não idealiza a

unidade-som como elemento indispensável da melodia.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

9

A quantidade de pesquisas empíricas tem possibilitado algumas generalizações, entretanto, é

importante ressaltar que a faixa etária, o grau de conhecimento em música e/ou teoria musical, as

experiências musicais, a familiaridade com os estilos musicais, entre outros fatores, são variáveis a serem

consideradas nos processos de ensino e aprendizagem.

3. A significação e a aprendizagem como articulação entre modalidades sensoriais – as concepções

multimodais

O advento das tecnologias de neuroimagem como a Tomografia computadorizada por Emissão de

Pósitrons (TEP) e a Ressonância Magnética Funcional (IRMf) tornou os últimos vinte anos altamente

produtivos nos estudos sobre o cérebro e o seu funcionamento. A razão desse rápido desenvolvimento é

indissociável ao fato de esses equipamentos tecnológicos permitirem o estudo do cérebro em ação, seja em

casos patológicos ou de sujeitos com boa saúde. Cientistas brasileiros são unânimes ao apontar que os

processos cerebrais de consciência, memória e aprendizagem envolvem uma delicada e complexa inter-

conectividade entre as modalidades sensoriais (ROCHA, 1999; LENT, 2005; HERCULANO-HOUZEL,

2012). Com a mesma ênfase se manifestam neurocientistas estrangeiros (DAMÁSIO, 2000, 2011; HOUDÉ,

2004; DOIDGE, 2012; MLODINOW,2013). Antônio Damásio costuma comparar o funcionamento do

cérebro humano ao modus operandi de uma orquestra, na qual muito raramente atua um solista4 e compete

ao regente indicar e intensificar ou não a relação entre ao diferentes instrumentos e timbres. A investigação

realizada por Tzourio-Mazoyer e Tzourio-Mazoyer relatada na primeira parte deste artigo, demonstra que

algumas dessas conexões podem estar preparadas antes mesmo que o desenvolvimento infantil permita o seu

uso efetivo.

O longo estudo de caso realizado por uma de nós (DUARTE, 2011), enquanto buscava ensinar

desenho a uma criança cega, demonstrou claramente, por exemplo, as conexões necessárias, durante o ato de

desenhar, entre a modalidade tátil e a modalidade sensoriomotora. Mesmo sem poder usufruir dos recursos

da imageria cerebral, os exercícios gráficos (e suas repetições) realizados ao longo de sete anos com a

menina Manuella evidenciaram a interdependência entre a memória motora e a memória tátil tanto na

produção dos desenhos quanto na identificação (leitura) de desenhos em relevo produzidos por elaou

oferecidos à percepção. Durante esse estudo foi possível observar também que, no caso de Manuella, a

associação entre o ato de desenhar, dependente das modalidades sensoriomotora e tátil, e a melodia de uma

4 Este cientista reafirmou esta metáfora cerebral recentemente ou ser entrevistado no programa de televisão “Ciência e

Tecnologia” do canal Globo News.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

10

canção (modalidade auditiva) entoada por ela e pela pesquisadora, era, efetiva e eficazmente, um facilitador

de aprendizagem, significação e memorização.

Os efeitos de “duração” e “ritmo” de uma melodia associados a uma letra capaz de criar relações

verbais com o objeto a ser desenhado foram, neste caso, um importante recurso de aprendizagem. Para isso,

melodias de conhecidas canções infantis como “Ciranda, cirandinha” ou “Frère Jacques” receberam novos

versos para se adaptarem à aprendizagem pretendida. Uma adaptação da canção “Ciranda, cirandinha” foi

fundamental, por exemplo, na conquista do desenho de um quadrado (figura que exige quatro lados iguais e

linhas traçadas em quatro direções diferentes) cuja simetria foi alcançada mediante o ritmo (tempo/duração)

possibilitado pelo ato de cantar transformado quase em um solfejar. Na paráfrase dos versos adaptados,

buscou-se verbalizar a construção de uma casa - um lugar de moradia, de entrar e sair e receber os amigos –

para cuja configuração gráfica e esquemática o traçado do quadrado fornecia a necessária concretude de uma

“parede”.

Conforme já enunciamos em outro trabalho (MATEIRO; DUARTE, 2012) a aprendizagem requer

memorização, mas também requer significação e conceituação. Dizíamos, então, que identificamos uma

“maçã” combinando várias modalidades sensoriais: sua forma e cor (modalidade visual), seu cheiro

(modalidade olfativa), seu sabor (modalidade gustatória). Acreditamos, assim, e a partir do estudo de caso

citado, que a aprendizagem na infância, tanto de música quanto de desenho (Artes Visuais) pode ser

facilitada quando as duas modalidades sensoriais (visual e auditiva) forem combinadas possibilitando

diretamente, no cérebro, uma conectividade.

Frente a essas reflexões, é nossa intenção realizar pesquisas que experimentem a aprendizagem de

música e de desenho combinando as duas modalidades perceptivas. Pensamos em iniciar nossa investigação

utilizando o quarto movimento da peça Bachianas Brasileiras nº2, do compositor Villa-Lobos, conhecida

como O Trenzinho do Caipira5.

A música descreve os sons contínuos de uma locomotiva a vapor, parada, partindo, acelerando e

desacelerando, baseados na melodia de Villa-Lobos que mais tarde é verbalizada com o poema de Ferreira

Gullar. Pode-se ouvir os sons sibilantes característicos de um motor a vapor, incluindo o som do apito do

trem realizado, principalmente, pelos instrumentos de sopro e de percussão. A melodia bastante regular,

construída por intervalos curtos é, essencialmente,introduzida pelas cordas e mais tarde se expande para as

diferentes partes da orquestra. A música se intensifica e cresce acelerando, uma vez que descreve a

velocidade do trem. No final, há um diminuendo e o andamento reduz à medida que descreve o trem

5 Peça dividida em quatro movimentos: Prelúdio (O canto do Capadócio), Ária (O canto de nossa terra), Dança (Lembraça do

sertão) e Tocata (O trenzinho do caipira).

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

11

parando na próxima estação. A peça não requer uma imaginação muito vívida para retratar o trem e sua

viagem através dos sons altamente descritivos executados pela orquestra.

Ferreira Gullar, poeta Alogoano, aproveitou alguns de seus versos da obra Poema sujo para dar uma

letra à melodia do Trenzinho do Caipira. Se o ouvinte está familiarizado coma letra da melodia,

provavelmente irá ter mais imagens e visões do trem e sua jornada. O texto oferece outras possibilidades de

interpretação, uma vez que fala sobre a jornada sem fim de uma pessoa específica,um menino. Oposto à

música, o poema descreve uma viagem infinita que desaparece “no ar”, muito além da próxima estação de

trem, ponto de chegada e encerramento na composição de Villa-Lobos. O poema é, nesse sentido, mais

metafórico do que a música parece ser. Ainda assim, é muito visual em suas formulações, falando sobre a

floresta, o mar, o luar e as estrelas, acrescentando, portanto, um ambiente e luzes para as imagens da música.

Segundo Souza, o texto do poema

retrata imagens do Brasil, podendo o país ser visto pelo poeta através da janela desse trem,

alegorizado na música pela figura de um menino, que acompanha e observa os caminhos que a

máquina cruza. As imagens passam por essa janela, além de oferecerem as paisagens naturais de um

país tão diverso, evocam o imaginário, o sonho (SOUZA, 2010, p.6).

Pretendemos, a partir dessa música e canção, realizar uma primeira investigação sobre a relevância

das associações entre modalidades sensoriais nos processos de aprendizagem tendo como primeiro plano as

modalidades auditiva e visual, mas reconhecendo, que a modalidade sensoriomotora bem como aspectos

verbais e linguísticos da canção escolhida deverão atuar fortemente como recursos de conectividade.

Anunciando brevemente o protocolo de pesquisa, planejamos: (a) propor atividades diferenciadas

envolvendo o ensino de desenho (Artes Visuais) e de Música para cinco turmas de alunos com idade entre 9

e 10 anos - quarto ano do Ensino Fundamental; (b) registrar e analisar as atividades de ensino e a avaliação

de aprendizagem a partir das diferentes abordagens propostas; e, (c) verificar as possíveis diferenças de

aprendizagem e de memorização, dos recursos de desenho e da música trabalhada, provocadas pela

associação, ou não, entre as modalidades visual e auditiva, como apresentamos na Tabela 1.

Tabela 1: Protocolo de atividades para turmas de 4º ano do ensino fundamental

Turma Atividades

A Aprender a desenhar uma paisagem com um trem em perspectiva dando idéia de movimento.

B Escutar O Trenzinho do Caipira (versão instrumental) e repetir a melodia em bocachiusa e/ou

utilizando uma sílaba (lá ou nã).

C Escutar O Trenzinho do Caipira (versão cantada) e aprender a cantar a melodia com a letra.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

12

D Aprender a desenhar uma paisagem com um trem que passa. Escutar O Trenzinho do Caipira

(versão instrumental) e repetir a melodia em bocachiusa e/ou utilizando uma sílaba (lá ou nã).

Desenhar uma paisagem com um trem que passa enquanto escuta ou canta a música.

E Aprender a desenhar uma paisagem com um trem que passa. Escutar O Trenzinho do Caipira

(versão cantada) e e aprender a cantar a melodia com a letra. Desenhar uma paisagem com um

trem que passa enquanto escuta ou canta a música.

Nossa hipótese de trabalho aponta para o último procedimento, aquele no qual os alunos aprendem a

canção, cantam seus versos e desenham a paisagem com o trem, como aquele que deverá resultar em um

processo de aprendizagem mais eficaz e efetivo indicando a relevância de associações entre modalidades

sensoriais nos processos de aprendizagem. Para a avaliação deverão ser usados critérios como: por um lado,

no caso do desenho, a representação realista do trem e sua inserção na paisagem em perspectiva e, por outro,

no caso da música, o contorno melódico e o padrão rítmico que caracterizam a composição.

5. Considerações Finais

As questões que nos propusemos a enfrentar nesta reflexão sobre neurociência, modalidades

sensoriais e aprendizagem não são simples. A complexidade pode ser reportada aos mais variados fatores,

entre eles às dificuldades inerentes à novidade e à diversidade de pensamento no vasto campo denominado

neurociência, com suas imbricações tanto com a biologia quanto com a nova psicologia cognitiva, e,

inclusive, com a psicologia da gestalt.

A questão que nos persegue e inquieta é: Como se aprende? E, ainda: Quais os procedimentos de

ensino que as descobertas científicas, alicerçadas no grande desenvolvimento tecnológico atual, nos

propõem? Nossa reflexão tenta seguir esses indícios a partir de dois campos artísticos bastante

diferenciados: as bases das Artes Visuais (o desenho na infância) e a Música.

Como nos recorda Oliver Sacks (2007), de um lado a concretude, a espacialidade dramática e

cenográfica das Artes Visuais, de outro a extrema abstração da Música. Haveria um diálogo possível entre a

modalidade sensorial visual e a modalidade sensorial auditiva? Como relacionar a figura de um quadrado,

um protótipo da visualidade, com um agrupamento sonoro, um padrão musical?

Quando Eleanor Rosch distinguiu elementos verbais típicos e os classificou como pertencentes ao

Nível Cognitivo de Base (ver o exemplo de “cadeira”), ela destacou a importância desses elementos em

função de uma necessária economia cognitiva cerebral. Acreditamos que os “agrupamentos” musicais são,

do ponto de vista cognitivo, tão necessários quanto os esquemas gráficos desenhados pelas crianças ou as

palavras genéricas com as quais elas começam a formar o seu vocabulário.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

13

Sabemos o quanto a mobilidade e a motricidade do corpo humano são fundamentais nos processos de

identificação, diferenciação e significação dos objetos do mundo, sabemos que o ritmo musical é fortemente

marcado, no corpo, pelo componente motor que o qualifica também na esfera emocional. Nossa intenção

futura é investigar de modo protocolar e organizado se, na dinâmica escolar e nos processos de

aprendizagem, os entrelaçamentos entre figuras visuais e padrões musicais podem resultar em experiências

lúdicas e profícuas nas salas de aula do Ensino Fundamental.

Referências

DAMÁSIO, Antonio.O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

DAMÁSIO, Antonio. Como o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

DARRAS, Bernard. L‟ image un vue de l‟ esprit. Étude comparée de la pensée figurative et de la pensée

visuelle. Recherches em communication, v 9, p.77-99, 1998.

DOIDGE, Norman. O cérebro que se transforma. Como a neurociência pode curar as pessoas. Rio de

Janeiro: Record, 2011.

DUARTE, Maria Lúcia Batezat. Imagens mentais e esquemas gráficos: ensinando desenho a uma criança

cega. In: MEDEIROS, Maria Beatriz (Org.). Arte em pesquisa: especificidades. Ensino e aprendizagem da

arte e linguagens visuais. v. 2. Brasília, DF: UnB, 2004. p. 134-140.

DUARTE, Maria Lúcia Batezat. Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas. Razões e método. Curitiba:

Insight, 2011.

FREY-STREFF, Marguerite. A notação de melodias extraídas de canções populares. In: SINCLAIR,

Hemine (org.). Aprodução de notações na criança: linguagem, número, ritmos e melodias. São Paulo:

Cortez, 1990, p.125-168.

GABRIELSSON, Alf. The complexities of rhythm. In: TIGHE, Thomas J.; DOWLING, W. Jay

(ed.).Psychology and music.The understanding of melody and rhythm. London: Lawrence Erlbaum

Associates, 1993, p.93-120.

HARGREAVES, David J. (1998): Música y desarrollo psicológico, Barcelona: Graó, 1998.

HERCULANO-HOUZEL, Suzana. O cérebro nosso de cada dia. Descobertas da neurociência sobre a vida

cotidiana. Rio de Janeiro: Viera e Lent, 2012.

HOUDÉ, Olivier. Psychologie de l’enfant. Paris: PUF, 2004.

KRUMHANL, Carol L. Ritmo e altura na cognição musical. In: ILARI, Beatriz Senoi (org.). Em busca da

mente musical. Ensaios sobre os processos cognitivos em música – da percepção à produção. Curitiba:

UFPR, 2006, p.45-109.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios. Conceitos fundamentais de neurociência. São Paulo: Atheneu,

2005.

MATEIRO, Teresa. DUARTE, Maria Lúcia Batezat.Análise de uma aula de música para crianças

considerando procedimentos multimodais. In: Simpósio de Cognição e Artes Musicais, 8, Maio 22-25.

Anais... editado por Maurício Dottori, 26-36, Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina,

2012.

MLODINOW, Leonard. Subliminar. Como o inconsciente influencia nossas vidas.São Paulo: Zahar, 2013.

RICHARD, Jean-François. Les activités mentales. De l'interprétation de l'information à l'action. Paris:

Armand Colin, 2004.

ROCHA, Armando Freitas da. O cérebro. Um breve relato de sua função. Jundiaí, SP: CMYK, Design,

1999.

ROSCH. Eleanor. Natural categories.Cognitive Psychology, n. 4, p. 328-350, 1973.

Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,

na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

14

ROSCH. Eleanor. Cognitive representation of semantic categories. Journal of Experimental Psychology

General, n. 104, p. 192-233, 1975.

ROSCH. Eleanor. Principles of categorization. In: ______; LLOYD, B. (Eds.). Categorization and

cognition.N.J.: Hillsdale, 1978. p. 27-47.

ROSCH. Eleanor. Entrevista publicada. 1999. Disponível em: <www.dialogonleadership.org/Rosch-

1999.html>. Acesso em: 21/04/2008.

SACKS, Oliver. Alucinações musicais. Relatos sobre a música e o cérebro. São Paulo: Campanhia das

Letras, 1ª re, 2007;

SLOBODA, John A. A mente musical. A psicologia cognitica da música. Londrina: Eduel, 2008.

SOUZA, Marcus Vinícius. Trenzinho do Caipira: o musical e o poético se cruzam. Vertentes, n.36, p.113-

119, 2010.