FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO … · Sobretudo, podemos observar o que diz Neira...
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FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA
ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA
PAULO FREIRE E O CURRÍCULO CULTURAL DA
EDUCAÇÃO FÍSICA: DO PRETO E BRANCO DOS
LIVROS PARA O COLORIDO DO MUNDO
MARCOS A. MARTINEZ JUNIOR
SOROCABA
2015
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO
CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA
PAULO FREIRE E O CURRÍCULO CULTURAL DA
EDUCAÇÃO FÍSICA: DO PRETO E BRANCO DOS LIVROS
PARA O COLORIDO DO MUNDO
MARCOS A. MARTINEZ JUNIOR
ORIENTADOR: PROF° MS. RUBENS
ANTONIO GURGEL VIEIRA
Trabalho apesentado a Faculdade de
Educação Física da Associação Cristã de
Moços de Sorocaba como parte dos
requisitos para a obtenção do titulo de
Especialista em Educação Física escolar.
SOROCABA
2015
DEDICATÓRIA
À Thaisa Melo pelo apoio e pela ajuda nos bons e maus momentos, não apenas
nesse trabalho, mas em todos esses anos, eu te amo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus em primeiro lugar, a todos que acreditaram e apoiaram,
de maneira especial agradeço aos professores Marcos Neira, Marcos Reigota,
Sônia Chebel, Aldo Vannucchi e Mario Nunes por compartilharem conosco suas
histórias e experiências de vida, assim como gostaria de agradecer ao meu
orientador professor Rubens Vieira pela paciência e incentivo bem como a Thaisa
Melo pelo carinho em dias tão difíceis, e a todos do Grupo de Estudos em
Pedagogia da Educação Física da FEFISO pelo companheirismo e hora de estudo
e ao professor Mauricio Massari por aguentar os inúmeros e-mails de pedido de
socorro.
EPÍGRAFE
Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais,
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um
tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,:
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso, esperar, na forma em que esperas,
porquê esses recusam a alegria de tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente ,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera.
Canção Óbvia – Paulo Freire
RESUMO
Nossa pesquisa teve como base a revisão de literatura para observar a contribuição
do legado de Paulo Freire no currículo cultural da Educação Física. Para isso
apresentamos um quadro das mudanças curriculares que ocorreram durante os
anos, contamos a história de Paulo Freire e suas principais obras, destacamos
algumas diferenças entre os diversos currículos da Educação Física e, por fim
relacionamos o legado Freireano com o currículo cultural pós-critico sugerido por
Neira e Nunes (2009) , utilizamos também Freire (1987), Silva (2010) e Goodson
(1996), para entendermos a teorização curricular, Gadotti (1996) para base
histórica sobre a vida de Paulo Freire, Hall (2006) que nos deu base sobre as
discussões de identidade, entre outros. Também organizamos uma pesquisa com a
metodologia descrita por Mahyer (2002) denominada de História Oral Temática,
onde entrevistamos professores que tiveram contato com Paulo Freire como
alunos e como amigo e colega de trabalho, são eles, Marcos Reigota, Sonia
Chebel e Aldo Vannucchi. Bem como também conversamos com professores que
iniciaram a proposta do currículo cultural pós-critico da Educação Física, que são
Marcos Neira e Mario Nunes. As falas destes professores podem ser encontradas
no corpo da revisão de literatura de maneira fragmentada e ao final do trabalho em
sua integra. Nosso parecer sobre a pesquisa foi que há uma contribuição do legado
freireano neste currículo na metodologia de trabalho, mas também pudemos
observar que o respeito para com o aluno também liga de maneira forte o legado
ao currículo cultural pelo fato de ambos entenderem que se faz necessário dar voz
as minorias caladas e isso é apresentado em relatos de prático desse currículo
como também nas falas de quem conviveu e pode frequentar aulas com Paulo
Freire.
PALAVRAS-CHAVE: Paulo Freire; Currículo; Educação Física
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................................... 4
2.1. CURRÍCULO ........................................................................................................... 4
2.1.1. Currículo e Culturas: campo de luta e contestação ........................................... 6
2.1.2. Currículo e cultura: diferenças da diferença. .................................................. 10
2.2. PAULO FREIRE .................................................................................................... 13
2.2.1. De “Educação como pratica da liberdade”, até “Pedagogia da indignação”. .. 13
2.2.2. O “quefazer” de Paulo Freire. ......................................................................... 18
2.3. CURRÍCULO, CULTURA E FREIRE. ................................................................. 22
3. METODOLOGIA ....................................................................................................... 27
3.1. PRIMEIRA PARADA ........................................................................................... 29
3.1.1. Marcos Neira ................................................................................................... 29
3.2. SEGUNDA PARADA. ..................................................................................... 33
3.2.1. Marcos Reigota ......................................................................................... 33
3.3. TERCEIRA PARADA ........................................................................................... 38
3.3.1. Sônia Chebel ................................................................................................... 39
3.4. QUARTA PARADA .............................................................................................. 51
3.4.1. Aldo Vannucchi .............................................................................................. 52
3.5. QUINTA PARADA ............................................................................................... 59
3.5.1. Mario Nunes .................................................................................................... 60
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 68
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 70
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1. INTRODUÇÃO
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”
(FREIRE, 1996, p.23). A citação anterior nos remete, mesmo que de maneira
indireta, a uma discussão ampla sobre Currículo que vivemos atualmente na área
da Educação Física Escolar, as questões culturais.
O respeito ao conhecimento do aluno e a sua cultura, é fundamental para a
prática docente, dando ao aluno autonomia e fazendo com que o mesmo se
reconheça como individuo e não perca sua identidade perante práticas elitistas e
alienantes (FREIRE, 1996).
Sendo assim, para que os “educandos” não se tornem “hospedeiros” de
uma cultura que não pertence a eles, se faz necessário uma pratica educativa
libertadora, que dialogue com a cultura dos mesmos ao invés de reprimir e impor
outra (FREIRE, 1987).
Neira e Nunes (2011) afirmam que o currículo é fruto da cultura, pois o
mesmo é uma invenção da sociedade, assim, analisando o que foi descrito até
aqui, podemos entender que o currículo é um local de disputa onde, em alguns
momentos de uma maneira injusta, uma cultura tenta afirmar sua ideologia
marginalizando as demais.
Ao entendermos o que Hall (2006) nos diz quando fala sobre a identidade
na pós-modernidade, podemos afirmar que o homem pós-moderno não possui
uma identidade fixa, ela esta em constante mudança, é ditada pelo seu momento
histórico e não biológico, sendo assim o currículo tem forte influencia sobre a
identidade que estamos formando nas escolas.
Sacristán (2000), nos alerta para a importância que a cultura tem no
processo educativo, ou seja, no currículo, quando nos diz que não há sentido em
renovar estas ou aquelas praticas, ou conteúdos, se não houver uma preocupação
com o espaço que a cultura ocupa nesse meio.
Entendendo essas necessidades começamos a estudar o Currículo Cultural
da Educação Física e observamos a semelhança, em certos aspectos, a pedagogia
de Paulo Freire, ao qual também podemos observar o cuidado e importância que
se da aos saberes dos alunos, uma pergunta surgiu em meio aos estudos e que é
2
objeto de nossa pesquisa nesse trabalho: Qual a influencia de Paulo Freire no
currículo da Educação Física?
Então, temos a responsabilidade, nesse trabalho, de mostrar a real
influência do Pedagogo na construção deste currículo e relacionar, através de
pesquisa bibliográfica e entrevistas, essa possível linha de raciocínio.
A ideia surgiu das discussões e interesse de nossa parte sobre ambos os
assuntos. Com isso resolvemos aprimorar os conhecimentos já obtidos em estudos
anteriores e contribuir em estudos posteriores tanto na área da Educação Física
Escolar como na área da Educação em geral.
Ao começarmos os estudos a respeito de nossos objetos, se faz necessário
apresentar alguns aspectos e ideias para apresentar os caminhos que serão
percorridos. Assim, Vasconcellos (2011) fala sobre algumas definições de
currículo e diz que seu conceito é marcado por vários aspectos de quem o
contextualiza, sendo assim, o currículo é histórico, social, político, cultural, etc.
Sobretudo, podemos observar o que diz Neira e Nunes (2009), o currículo
funciona como um molde para o tipo de individuo desejado pela sociedade, ou
seja, nos moldando segundo a cultura dominante, onde cada qual tem seu lugar,
subjulgando as demais culturas para assim obter o poder.
Dando complemento a discussão, entendemos que essa situação se da pelo
fato de que, em tempos atuais, uma grande parcela da população tem maior acesso
a uma diversidade maior de conhecimentos, e cada vez mais o termo “Cultura”
não é entendida de maneira tão fechada, também devido a lutas travadas em
épocas anteriores e atuais, a parcela dominante da sociedade acaba por sentir-se
ela mesma incomodada e por conta disso o currículo acaba se tornando um campo
de intensa luta e contestação (FREIRE, 1987).
Tendo em vista a necessidade de aprofundamento em tais concepções,
fomos a campo e, nos apoiando em Meihy (2002) realizamos uma pesquisa com a
metodologia descrita como História Oral Temática, que consiste em uma coleta de
narrativas feita por através de meios eletrônicos, como gravadores, que tem por
objetivo, entre outras coisas, facilitar o conhecimento de determinado meio.
Ao longo do trabalho iremos intercalar falas das entrevistas realizadas com
nossa revisão de literatura para aproximar o que lapidamos das obras já escritas
sobre o assunto, e o que conseguimos documentar com as falas dos professores
Marcos Neira e Mario Nunes acerca do currículo cultural da Educação Física, dos
3
professores Marcos Reigota e Aldo Vannucchi sobre suas experiências no
convívio com Paulo Freire assim como a professora Sônia Chebel, que também
nos contou suas histórias com Paulo Freire.
Ao chegarmos neste ponto, entendemos que nosso estudo pode tomar
como base algumas diretrizes, como entender a pedagogia de Paulo Freire,
abordar e apresentar o currículo cultural da Educação Física, seus principais
autores e por fim, traçar uma linha transversal entre ambos.
4
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. CURRÍCULO
A palavra currículo vem do latim Curriculum que quer dizer carreira,
curso etc. Em grego não há uma palavra cujo sentido seja o mesmo, porem há
uma palavra que se encaixa perfeitamente ao significado em latim, a palavra
Paidéia, que significa curso da instrução (VASCONCELLOS, 2011).
Vasconcellos (2011) ainda nos fala sobre o sentido que ele tem dentro da
escola, currículo tem por base a seleção e organização de todas as experiências e
aprendizagem, que serão oferecidas aos alunos, ou seja, “o caminho a ser
percorrido” por eles dentro do âmbito escolar, o autor denomina como Proposta
Curricular, o que seria diferente de Curriculum Vitae, ou curso da vida, que seria
utilizado fora do ambiente escolar, para ilustrar o caminho profissional de um
individuo durante sua vida.
Entendendo essa diferença, é possível observar que, ao definirmos um
currículo, estamos de uma maneira particular, escrevendo a função de uma
determinada escola em um contexto histórico e social, ou seja, ao elaborar um
currículo, delimitamos a função que uma determinada instituição terá frente à
sociedade, sua contribuição política, cultural, econômica, biológica, etc.
(SACRISTÁN, 2000).
Segundo Arroyo (2007) a cada nova pratica pedagógica que surge é
necessário reorganizar o currículo, dando assim uma nova roupagem, e alocando-
o em seu período histórico, social e cultural.
Então, o currículo entendido, atualmente, como tendo uma dimensão mais
critica e voltada ao “por quê?” onde antes o “como” era a principal preocupação,
podemos enxergar o mesmo como sendo um artefato social e cultural, pois esta
sendo guiado por relações políticas, epistemológicas e sociológicas formando
identidades, já que não podemos dizer que o Currículo é neutro, ele é área de lutas
e relações de poder. (MOREIRA E SILVA, 2011).
Para Doll (1997) o currículo deve ser entendido como um processo onde o
conhecimento não deve ser transmitido de maneira pronta, mas sim explorado
pelos alunos e professor em uma troca constante de saberes onde não é apenas o
5
professor o centro da aprendizagem. Isto demonstra a visão pós-moderna do autor
em relação ao currículo, onde os paradigmas modernos de uma Ciência rígida e
absoluta dá lugar à outra mais abrangente, observando muito mais “Quem corre
do que a pista” como expõe o autor, a visão se volta a “Quem queremos formar”
muito mais do que no “Como”.
Aqui, mais uma vez, esta justificada a luta por poder que existe a cerca do
Currículo, pois se levarmos em conta o significado da palavra, sua etimologia já
descrita anteriormente, podemos dizer então, e afirmar que o poder do “curso” a
ser percorrido está nas mãos de quem elabora o currículo, o que vai dizer “Quem”
estamos formando e qual sociedade almejamos (GOODSON, 1995).
Por esses e outros motivos, que vamos apresentar ao longo de nosso
estudo, que o campo curricular vem ganhando força e sendo o centro das atenções
de autoridades políticas, professores e especialistas, bem como vem sofrendo
influências de diversas linhas de pensamento.
Está sofrendo influências das teorias pós-coloniais, pós-estruturalistas,
multiculturalismo, teoria queer, e outras que possam surgir. O pós- colonialismo,
que consiste em reivindicar a inclusão de manifestações culturais advindas de
povos, cujas identidades são marginalizadas e excluídas por povos de identidade
europeia dominante, vem, juntamente ao pós-estruturalismo e o pós-modernismo
para colocar em cheque, Através do currículo pós-critico, as formas de
conhecimento do sujeito europeu que vem sendo colocado em altares e exaltado e
colocado como o único valido dentro de nossas escolas pelos currículos atuais.
Doravante, vemos, também, dentro do currículo pós-critico, movimentos
vinculados raça e ao gênero como as teorias queer e movimentos feministas,
assim podemos observar que o currículo pós-critico tem um olhar que abrange não
apenas questões de classe, mas sim toda massa excluída e marginalizada (SILVA,
2010).
Então podemos afirmar que o currículo é um artefato social, não é neutro e
transmite visões sociais do ponto de vista de quem o constrói, tornando-o assim
um campo de luta, formando identidades sociais e individuais, e, ainda, caminha
lado a lado com o momento histórico tanto da sociedade em geral quanto da
educação (SILVA, 2010).
Assim, podemos analisar as discussões sobre a teorização de um currículo
pautado nas diversas culturas nos próximos tópicos de nossos estudos.
6
2.1.1. Currículo e Culturas: campo de luta e contestação
Para entender a teorização do currículo fundamentado nas culturas, se faz
necessário a compreensão do que vêm a serem os Estudos Culturais, campo de
estudos que teve sua origem nos anos de 1950 e 1960 na Inglaterra do segundo
pós-guerra visando à implantação de valores mais democráticos na sociedade da
época onde, com o surgimento e ganho de força das mídias, ganhava força uma
cultura homogenia influenciada pela classe com maior poder econômico (NEIRA
e NUNES, 2011).
(...) “nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe,
que é a base, trazer o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a
visão de cultura dos Estudos Culturais como campo de luta para
validação de significados, então na verdade quando a criança brinca,
dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não esta
mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado
ela também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de
significados produzidos em meio a relações de poder “(...) (NEIRA)
Foi neste sentido que estudiosos, oriundos das classes menos favorecidas,
começaram a criticar as praticas da classe dita como dominante, sendo assim,
resumindo, os Estudos Culturais surgiram como meio de contrapor a visão elitista
de cultura, e defendo a concepção de que nas camadas populares da sociedade
havia produção da mesma e não apenas consumo das que lhes eram apresentadas,
dizem os autores.
Os Estudos Culturais apresentam um novo olhar sobre o currículo, um
olhar que foge às concepções elitistas observadas até então, visando uma
aproximação da realidade do sujeito do processo de formação, pois, em tempos
onde a diversidade possibilita novos meios de comunicação entre as pessoas, ou
seja, diferentes identidades, o currículo deve ser o mais democrático possível
(NEIRA, 2011).
Porem, como já sabemos o currículo da Educação Física nem sempre teve
por objetivo a comunicação entre as diversas culturas de modo democrático,
Castellani (2007) nos fala das barreiras encontradas para que a disciplina fosse
vista como elemento educacional, já que em épocas coloniais a Educação Física
era associada somente a trabalhos braçais, que na época era realizado apenas por
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escravos, diferentemente dos trabalhos ditos intelectuais que sempre foram
associados à parte nobre da população.
Toda essa associação com trabalhos braçais é herança das três principais
raízes da Educação Física denominada: Método Ginástico Frances, Alemão e
Sueco, Bracht (1999) diz que tais métodos eram utilizados para se conseguir
homens aptos para o trabalho em indústrias na época tanto aqui no Brasil como no
mundo, observando o momento histórico de nossa sociedade.
Com o passar dos anos e com as mudanças sociais, a Educação Física foi
ganhando novas “tendências” que eram moldadas de acordo com a sociedade da
época para um fim especifico, como o período higienista da Educação Física onde
a mesma era usada pelos médicos para “assepsia” da população, fazendo com que
as pessoas se tornassem mais fortes e resistentes a doenças para que produzissem
mais. (DARIDO, 2008).
Também sobre esse período Neira e Nunes (2009) salienta que a ginastica escolar
deveria ser simples sem grandes dificuldades, isso era pensado para que não
houvesse necessidade de um mestre especializado facilitando o trabalho do
governo que, por sua vez, distribuía cartilhas com os exercícios que deveriam ser
ministrados pelos professores de sala, visando educar os corpos como controle
social que foi até meados de 1930 onde deu lugar a outra tendência importante: o
militarismo.
O militarismo, que tinha por objetivo despertar um forte senso de dever,
bem como “adestrar” e também fortalecer os valores morais, quem ministrava as
aulas eram militares, esta tendência prevaleceu até a década de 60 onde em 1964
ocorreu o golpe militar, e com isso, para mostrar ao mundo que o país estava indo
bem e que nada demais estava ocorrendo, surgiu uma nova tendência chamada
esportivista com foco no esporte, treinamentos e busca por futuros atletas nas
escolas, esse período também serviu para manter as massas em ordem e entreter a
população. Ainda sobre a tendência esportivista (DARIDO, 2008).
Logo após essa concepção esportivista, a Educação Física passa por um
período onde a mesma é desvalorizada como disciplina escolar, sendo utilizada
como um meio de ensinar outras disciplinas como Geografia, Matemática,
História, etc. A chamada psicomotricidade ou Educação Física pedagogicista, diz
Soares (1995). Castellani (2007) nos fala que tais tendências davam ênfase ao
corpo como produto meramente biológico desassociando o mesmo de suas demais
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dimensões, critica dizendo que ao levar em conta somente o biológico, a formação
do aluno era acrítica e completamente tecnicista, tendo como objetivo somente a
mão de obra qualificada necessária.
Nos anos 80, a Educação Física ganhava uma nova diretriz educacional e
uma visão diferente sobre o corpo, diz Soares (1995), a “Cultura Corporal De
Movimento” tinha olhar mais abrangente do ser humano que ia além do seu
biológico.
Este período, diz Bracht (1999) foi marcado pelas discussões acerca do
papel social da educação, bem como da Educação Física, sendo assim, o papel que
antes era apenas de educar o corpo para que ele se tornasse saudável, dócil e apto
para o trabalho agora tinha se modificado.
Após toda essa trajetória, a Educação Física que conhecemos hoje, é fruto
de toda sua história e tendências, trazendo um pouco de cada uma, e de todas as
influencias a qual ainda é submetida atualmente, devido às diversas mudanças
sociais. O homem é fruto dessas mudanças, e ele sendo aquele que produz tal
manifestação cultural, ambos estão em constante mudança (OLIVEIRA, 2009).
Levando em conta o que diz Hall (1997), é clara a preocupação daqueles
que lutam por uma Educação Física voltada a cultura que os alunos trazem
consigo, e a significação de suas atividades na sociedade onde atuam, o autor nos
diz claramente sobre o sentido em nossas ações, diz que o ser humano é um ser
interpretativo as ações sociais, que são o que nos diferenciam do aspecto
biológico e genético, isto é, nosso comportamento, esses códigos de significado
são nossa cultura, aquilo nos faz ver sentido em certas ações, ou seja, toda ação
social é por si só cultural pois expressa significado e assim a ação se torna
relevante.
Através do viés da centralidade da cultura, Neira e Nunes (2009) afirmam
que a cultura contida no currículo é apresentada de forma impar, que reforça certa
visão de sociedade, para formar certo tipo de sociedade, entendendo isso e o fato
de que essa sociedade é moldada por aqueles que detêm o poder sobre a
formulação deste currículo, conseguimos constatar que há um monopólio e uma
regulação daquilo que se deve aprender aos moldes da visão de quem formula o
currículo, fazendo com que o mesmo não tenha um significado para aqueles que
apenas tentam absorver aquilo que é imposto a eles.
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Ainda citando Neira e Nunes (2009), os autores expõe o modo com que
são selecionados os conteúdos culturais no currículo, de maneira a favorecer a
camada popular com vantagem nas relações sociais, fazendo com que o currículo
seja um instrumento para regular aquilo que será absorvido pelos alunos de
maneira que a sociedade seja favorável à visão da cultura dominante, para que
certos atos sejam previsíveis e não causem certo alarde.
“(...) e a maior parte da população não sabe o que esta acontecendo
por que os discursos vão tomando aqui e ali, então a gente pensou que
precisaríamos ter uma Educação Física não pra ser legal, não pra ser
bacana e dar certo, mas uma Educação Física que dialogasse com
esses problemas da escola, que é essa presença da diversidade, essas
questões multiculturais, pra gente politizar essa garotada pra uma
atuação mais efetiva na sociedade.” (NUNES).
Silva (2010) nos da uma perspectiva do que é o currículo na ótica critica
quando diz que o currículo contribui para a construção e reprodução da sociedade
capitalista, e continua afirmando que através do currículo, as diferentes classes
sociais aprendem seus respectivos papeis dentro do meio de produção capitalista.
Observando aqui um olhar ainda critico do currículo, Freire (1987) fala da
importância do currículo quando falamos da sociedade que oprime através de suas
pedagogias opressoras, e ressalta a importância dos educando libertarem a si
próprios desse modelo de educação e da luta para que seus saberes sejam
valorizados.
Contudo, Silva (2010) ressalta que o currículo pós-critico vai além das
lutas de classe, há uma descentralização dessa luta, não são apenas os
trabalhadores de classe menos favorecida financeiramente que são contemplados,
mas sim as questões de gênero, étnicas, religiosas, de cunho feminista, teoria
queer, e tantas outras minorias que ganharam voz no currículo em questão.
Esse confronto travado no currículo é fruto de duas realidades antagônicas
que imperam em nosso país, a classe com maior status social chamada de
dominante e a classe trabalhadora, enquanto a primeira luta para que seja mantida
a sua posição de domínio e opressora, a outra tenta com todas as forças que, seu
ponto de vista, sua cultura seja levada a serio (SOARES, et al, 1992).
Levando em conta o que dizem Lima e Neira (2010), podemos ver a
relação estreita que a escola tem com a formação do cidadão. Dizem os autores
que a escola é o espaço designado socialmente para que o patrimônio cultural
10
acumulado seja passado adiante, sendo assim a Educação Física tem como
principal missão social, apresentar aos alunos manifestações culturais
pertencentes a diversos grupos, levando em conta o contexto social da escola e a
própria diferença entre os alunos e ainda a partir, dessas diferenças e dos saberes
culturais construídos além dos muros da escola, construir um olhar de equidade
social nos alunos, ou seja, deixando de lado a pratica de ensino que visa transmitir
as “técnicas corporais melhores”, onde a cultura hegemônica é enaltecida,
principalmente se levarmos em conta que a escola é por si só um berço de
diferenças culturais.
2.1.2. Currículo e cultura: diferenças da diferença.
Ao falarmos de cultura surgem inúmeros autores para subsidiar a relação
com o campo da Educação Física. Entender essa relação se torna indispensável
para a compreensão de ambas as áreas tratadas nesse subcapitulo: currículo e
cultura.
Alguns autores como Daólio (1995), Kunz (1994), Soares et. al. (1992),
entre outros, propõem uma visão de Educação Física cultural, menos tecnicista e
biológica, apoiada nas ciências sociais, dando inicio a novos currículos da
Educação Física como o critico superador e emancipatório.
É importante ressaltar que não podemos falar de currículo sem dar ênfase
às relações de poder que permeiam toda a sua elaboração, trazendo praticas de
grupos dominantes da sociedade em detrimento a tantos outros, tudo isso salienta
ainda mais a força desse conceito e de tudo que o cerca (NEIRA, 2011).
O currículo proposto por Daólio baseia-se em estudos antropológicos
sobre o homem e sua cultura, o autor coloca que a cultura tem o mais alto
envolvimento com a Educação Física pelo fato de que toda manifestação corporal
humana advém de culturas passadas, adquirida por seus antepassados e passada de
geração em geração manifestando seus interesses, modo de vida entre outros
aspectos culturais (DAÓLIO, 2004).
Ao observarmos as colocações do autor acerca da cultura advindas de
fontes antropológicas, podemos entender as colocações sobre uma Educação
Física plural defendendo as diferenças entre os alunos, pois cada individuo traz
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consigo traços culturais, valores e normas, da realidade social que lhe é familiar
tornando a escola um local de plena diversidade cultural (DAÓLIO, 1995).
Conseguimos então fazer certa relação com o que diz Neira (2011) quando
afirma que a escola é um local de diversidade cultural e que o currículo cultural da
Educação Física propõe exatamente valorizar e trazer ao seu lugar de direito,
todas as mais variadas manifestações culturais deixadas de lado pelo currículo
tradicional e tecnicista apresentado a nós até então.
Podemos também trazer a discussão o conjunto de autores denominado
Coletivo de Autores, que em 1992 apresentaram a nós o currículo critico-
superador que visava não apenas observar as diferenças culturais trazidas pelos
alunos, como também trazer as lutas de classe para as aulas de Educação Física
que, até então, eram apenas para fazer valer a herança histórica deixada para a
área, a de tornar os cidadãos aptos para o trabalho, prontos para seguir friamente
as regras impostas por aqueles que detêm o poder sobre o que estará presente no
currículo escolar (SOARES, et al, 1992).
Assim como vimos anteriormente na perspectiva de Daólio (1995),
também podemos fazer uma ponte para o pensamento de Neira (2009) que aponta
para a escolha de conteúdos a serem estudados nas escolas, o autor coloca que tais
conteúdos são escolhidos justamente por aqueles que estão em uma camada
superior economicamente falado.
Já na concepção do currículo critico-emancipatório, apresentado por
Elenor Kunz, o “se movimentar” deve ganhar sentido, ou seja, o homem deve
compreender a intencionalidade do movimento para que assim possa emancipar-
se e ver o mundo além do movimento, aquilo que está escondido por traz de cada
gesto, o que busca dar significado para cada movimento (KUNZ, 1994).
Tal concepção, podemos observar na fala de Neira e Nunes (2011) quando
diz que ao supervalorizar uma pratica como o esporte em detrimento de outra que
não faz parte da grade curricular atual como o soltar pipa ou mesmo brincadeiras
de rua, essas se tornam desvalorizadas na concepção dos alunos, pois as mesmas
não tiveram a importância destacada por meio de debates além das quatro linhas
da quadra, mostra-se apenas o esporte espetáculo.
Com base em tais currículos, porem com um olhar que vai além delas, o
currículo cultural pós-critico sugerido por Neira, traz o olhar dos Estudos
Culturais para a Educação Física, ou seja, um olhar que aponta para a diversidade
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das minorias que são subjugadas pelo sistema capitalista, e que não se encaixam
nas concepções ditadas pela classe dominante, trazendo então discussões de
gênero, raça, religião além das lutas de classe já apresentadas no currículo critico
superador e emancipatório (NEIRA E NUNES, 2011).
“(...) nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe,
que é a base, trazer o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a
visão de cultura dos Estudos Culturais como campo de luta para
validação de significados, então na verdade quando a criança brinca,
dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não esta
mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado
ela também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de
significados produzidos em meio a relações de poder (...)”(NEIRA)
Algo relevante que se faz necessário abordar é a luta travada no campo
curricular, sendo que, na concepção pós-critica apresentada por Neira e Nunes
(2009), diferentemente das concepções anteriores, vemos o movimento entendido
como gesto, esse que se faz linguagem pelo qual podemos observar a cultura da
sociedade que o individuo que o faz pertence e traz consigo, e não apenas
reproduzir movimentos aceitos pela parcela dominante da sociedade, dando assim
voz aqueles que são calados por currículos que não veem além dos muros da
escola e não enxergam o aluno como individuo, mas somente como deposito de
conceitos pré-formatados.
Moreira e Silva (2011) também abordam as lutas no campo curricular
como uma luta de interesses e de relação de poder, sobre quem irá continuar
comandando a sociedade. Os autores dizem que, ao ingressar no ensino
fundamental, as crianças são expostas a um currículo onde ocorre uma espécie de
“peneira”, essa seleção elimina nos primeiros anos aqueles alunos filhos de
pessoas que já são dominadas pela parcela com maior poder econômico da
sociedade, fazendo com que os mesmos não possuam os ensinamentos que
estariam por vir nos anos subsequentes e, assim, tornando o ensino médio e
superior quase que exclusivo para aqueles que serão os próximos a “dominar”
essas relações de poder travadas.
Neira (2011) porem, se apoia nos Estudos Culturais para denunciar e
formular estratégias que são antagonistas destas que vemos hoje em nossas
escolas, trazendo à tona as minorias caladas e esquecidas nos cantos obscuros do
ensino, como a religião, gênero, etnia etc. usando assim o próprio conhecimento
13
dos alunos para gerar maior identificação e mostrar que práticas advindas de
grupos menos favorecidos pode ser pauta em um território quase que imaculado
como a escola.
Após observarmos tais pontos de vista acerca do currículo e das lutas
travadas para impor sua verdade, podemos buscar a relação entre a visão
pedagógica de Paulo Freire, ao qual vamos apresentar no capitulo subsequente, e
o currículo cultural da Educação Física, onde Freire (1996) diz que, assim como
os educadores, a escola deve ter um respeito maior pelos saberes dos educandos e
também discutir o “por que” desses saberes, que o próprio autor diz ser construída
socialmente, assim, como vimos anteriormente, também envolve a cultura, pois a
mesma é uma construção social, bem como o currículo. Por esse motivo
acreditamos em tal relação, a luta por uma educação libertadora, o empenho em
fazer valer a voz daqueles que estão sufocados por uma cultura hegemônica liga e
nos leva a indagar sobre qual a real contribuição e influencia da visão pedagógica
de Paulo Freire no currículo cultural que tanto temos lutado para construir dentro
da Educação Física, por isso no próximo capitulo vamos apresentar um pouco da
visão “Freiriana” acerca da Educação, sociedade e etc.
2.2. PAULO FREIRE
2.2.1. De “Educação como pratica da liberdade”, até “Pedagogia da indignação”.
Em Setembro de 1921 nascia, em Pernambuco, Paulo Reglus Neves Freire,
filho de Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire um dos maiores
educadores do Brasil e do mundo e um dos autores mais traduzidos, com obras
importantes e que servem de base até hoje, mostrando assim, a visão de futuro do
pedagogo pernambucano (PROJETO MEMORIA, 2014).
Começou a ler e escrever com a ajuda da mãe, no chão de terra em baixo
de uma mangueira no quintal de sua casa. Aos dez anos de idade, Paulo e sua
família mudou-se para Jaboatão, que fica a dezoito quilômetros de Pernambuco,
onde aos treze anos de idade, perdeu o pai e viu sua mãe enfrentar grandes
dificuldades para cria-lo juntamente com seus quatro irmãos (GADOTTI, 1996).
14
Paulo fala de sua primeira professora em uma entrevista concedida a
revista “Nova escola” que Gadotti (1996) cita chamada Eunice Vasconcelos, foi
muito importante em sua vida pelo seu jeito de ensinar. Segundo ele, não houve
ruptura do modo como foi alfabetizado em casa com a ajuda dos pais, com o jeito
da professora o ensinar as “sentenças”, que era o método usado por ela: dizia as
crianças para escrever quantas palavras elas conhecessem em uma folha e depois
com as mesmas palavras criavam-se as sentenças, talvez um indício do que mais
tarde viria ser o “Método Paulo Freire”.
Ao completar seus estudos regulares, Paulo Freire ingressou na Faculdade
de Direito de Pernambuco, pois na época não havia curso superior para formação
de educadores no Estado, e sendo esse o único curso voltado à área das ciências
humanas fez sua escolha pelo mesmo (GADOTTI, 1996).
A partir daí, Paulo Freire foi professor de português do colégio em que
estudou, Colégio Oswaldo Cruz, casou-se, foi diretor do recém-criado Setor de
Educação e Cultura do SESI, onde teve seu primeiro contato com a educação de
adultos e trabalhadores, e nos anos 1950 fundou, ao lado de outros educadores o
Instituto Capibaribe. No fim dos anos 50 prestou concurso e obteve o titulo de
Doutor em Filosofia e História da Educação, no ano seguinte foi nomeado
professor efetivo da disciplina de Filosofia e Historia da Educação da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Recife, tomando posse em 2 de
janeiro de 1961, tornando-se livre docente no ano seguinte da Escola de Belas
Artes na cadeira de Filosofia e Historia da Educação (GADOTTI, 1996).
Com o golpe militar de 1964, vários educadores, políticos e pessoas
ligadas ao governo de João Goulart, foram perseguidas, interrogadas, presas e até
mesmo torturadas, assim, Paulo Freire se viu forçado a buscar o exílio, primeiro
na embaixada boliviana, de lá foi para La Paz e logo depois para Santiago no
Chile por conta dos problemas de saúde decorrentes da altitude de La Paz e pelo
golpe de estado que depôs o então presidente Estensoro. Paulo Freire ficou
exilado por 16 anos (BARRETO, 2004).
“(...) Eu conheci Paulo Freire, primeiramente, em uma palestra em
Roma em 1968 que eu tinha saído daqui do Brasil por causa da
ditadura, foi uma palestra assim, eu o conheci de longe, e já tinha lido
o livro dele, já tinha apoiado o trabalho de alguns alunos da faculdade
de filosofia(...)” “(...)o conhecimento mais profundo, eu diria quase
15
total com o Paulo foi mais tarde em 1973, 1974 por que eu de novo
precisei sair do Brasil por causa da ditadura outra vez e fui morar em
Genebra na Suíça, e lá eu consegui emprego no Conselho Mundial de
Igrejas, o Conselho Mundial de igrejas(...)” “(...)Paulo era uma figura
muito sentimental, não só por ele e eu sermos brasileiros mas por ele
viver muito, sofrer muito a saudade de tudo que era do Brasil, ele
morava com a esposa e os filhos em Genebra em um apartamento,
tinha carro mas não dirigia, eu dirigi muitas vezes o carro dele, a vida
digamos assim, humana sentimental dele era muito intensa dependia
muito da esposa dona Elza, alias, dona Elza era professora primaria,
trabalhou lá em Recife como professora primaria uma pessoa
realmente muito, de personalidade muito rica(...)” (VANNUCCHI)
A primeira produção acadêmica de Paulo Freire foi sua tese para obter a
cadeira de Filosofia e História da Educação, da Faculdade de Belas Artes de
Pernambuco, intitulada “Educação e Atualidade Brasileira” diz Mafra (2007).
Essa obra marcou o inicio dos escritos de Paulo Freire. O exílio no Chile
foi marcado por vários desses escritos, dos quais dois devemos destacar, o
“Educação Como Pratica da Liberdade” e um dos mais famosos, “Pedagogia do
Oprimido,” sendo o primeiro publicado no Brasil em 1967 e o segundo em 1970,
com o intuito de mostrar uma pedagogia de resistência na alfabetização de
adultos, visando romper com a opressão que sofriam os trabalhadores e pessoas
com um status social mais baixo. Essa época foi marcada por muitas ideias
inovadoras a cerca da educação com ênfase na alfabetização, porem com o golpe
civil militar que ocorreu em abril de 1964, fez com que essas ideias inovadoras
fossem sufocadas, para que a voz da população fosse calada frente às injustiças
cometidas na época e que são vistas até hoje (SCOCUGLIA, 1999).
“Ação cultural para a liberdade”, é o nome do livro publicado em 1976 no
Rio de Janeiro, onde trazia vários escritos de Paulo Freire ainda inéditos no Brasil.
Também nos anos 1970, foi publicado o livro “Cartas a Guiné-Bissau” que mostra
dezesseis cartas escritas por Paulo Freire, endereçado a Mario Cabral que era
comissário de Estado para a Educação de Guiné-Bissau, onde o pedagogo
orientava sobre a prática do ensinar aprendendo e sobre como conhecer a
realidade opressora para assim transforma-la (GADOTTI, 1996).
Nos anos 1980, foram escritos livros como “Ideologia e Educação:
reflexões sobre a não neutralidade da educação”, “A importância do ato de ler”,
“Aprendendo com a própria história”, obras essas que também foram marcantes
16
na historia do educador e também na historia da educação não só no Brasil, mas
também no mundo. Ao entrarmos nos anos 1990, conhecemos obras como
“Conversando com educadores”, “Pedagogia da esperança”, este que foi um olhar
para o passado sobre o livro “Pedagogia do Oprimido”, nesta mesma década ainda
foram publicados, “Professora sim, Tia não”, “Cartas a Cristina”, “Política da
educação” e ainda “Pedagogia da autonomia”, que é visto até hoje como livro
obrigatório para educadores recém-formados e mesmo aqueles que lecionam há
mais tempo (GADOTTI, 1996).
Por fim chegamos ao livro “Pedagogia da Indignação”, que foi o ultimo
livro de Paulo Freire publicado após sua morte em 1997, por sua segunda esposa,
Ana Maria Araujo Freire, que depois de passados alguns meses da morte de
Paulo, decidiu ler seus últimos escritos. O livro é composto por “cartas
pedagógicas” escritas meses antes de sua morte, e outras em 1992, sendo que
algumas delas permaneceram inacabadas (FREIRE, 2000).
Paulo Freire ainda esteve em Sorocaba, logo após voltar do exilio, nas
convenções que fez na UNISO (Universidade de Sorocaba) a convite do professor
Aldo Vannucchi e que foi gravada e transcrita pela professora Sonia Chebel que
mais tarde foi publicada com o nome de “Paulo Freire ao vivo” pela editora
Loyola.
“Então, claro que eu voltei bem antes, me parece que ele voltou em 79
se eu não me engano a nossa amizade, logo depois que ele voltou
procurei contata-lo em São Paulo, estava dando aula na PUC e
convidando ele falou é claro que eu vou sem problema ai eu consegui
traze-lo 4 noites, não seguidas mas de tempo em tempo, eu me lembro
que uma noite eu o apresentei lá no salão Trujilo, Salão Vermelho,
antes de começar a palestra ele falou eu agradeço o convite estou aqui
mais uma vez eu quero dizer que devia estar hoje no Canada mas o
convite do Aldo foi mais importante. E ele falou então 4 vezes, e a
professora Sonia foi sempre muito amiga minha e grande professora,
um mandato eu fui diretor e ela foi vice diretora nessas palestras ela
gravou tudo com a autorização dele e depois então a gente decidiu
publicar o livro, que é o Paulo Freire Ao Vivo” (VANNUCCHI)
Essa convenção fazia parte do projeto “Vivendo e Aprendendo” e um dos
objetivos dessas palestras era buscar a ação educativa que leve à intervenção na
realidade e sua valorização. Foi um grande marco para a cidade de Sorocaba e
para os educadores que puderam estar presentes nesse evento.
17
“(...) eu acho que eu fui privilegiada de conhecer a obra dele de
participar de palestras, de ser aluno ouvinte no curso de pós graduação
na PUC, de encontra-lo em encontros religiosos ai em Itaici, de ficar
transcrevendo as conferencias, ouvindo a voz dele, agora, eu guardei
todas essas fitas K7 por que eu to falando de um período que não eram
filmadas as conferencias a faculdade não tinha filmadora e a gravação
não eram como os meios de hoje, eram fitas K7 de meia hora cada
lado e ainda tinha que virar né, mas mesmo assim, quando acabou
meu mandato eu deixei tudo no multimeios, nunca fui ver se
continuam lá por que eu tenho muito medo que tenham jogado por que
o que teria que fazer era fazer o que eu fiz com as minhas fitas,
transformar as fitas K7 em CD que a durabilidade é muito maior, mas
era a voz dele, era o arquivo sonoro do que ele falava assim como
Marcelo Rubens Paiva, todos que eram os grandes que vinham falar a
gente gravava e eu organizei o arquivo sonoro, mas de medo que isso
não existisse mais eu não fui procurar, mas olha tem muito, mudou um
pouco, mas tem muito pra mudar na educação brasileira pra melhor
conhecendo a obra de Paulo Freire e o mesmo livro, seja esse de
conscientização seja aquele condensado, não resumido, condensado
que é pedagogia da autonomia, cada vez que a gente lê, relê e lê de
novo eu acho que a gente descobre mais implicações na nossa vida
pessoal e profissional e que pena que muitos não conhecem ou que
conheceram pra fazer uma prova e não pra aquilo entrar na vida.”
(CHEBEL)
Ao chegarmos neste ponto, estamos talvez, de uma maneira ainda precária,
preparados para o próximo passo de nosso estudo, que será abordar as concepções
pedagógicas de Paulo Freire, suas ideias que, mesmo com o passar dos anos,
permanecem atuais.
18
2.2.2. O “quefazer” de Paulo Freire.
Nossos estudos sobre a prática pedagógica de Paulo Freire nos faz refletir
sobre varias outras praticas como a política e social, bem como de gênero e raça,
porém sua luta se fundamentou por aqueles que ele chama de “oprimidos”,
fazendo com que os mesmos entendessem qual era sua real posição perante
aqueles que detêm maior status social, oprimindo-os de tal maneira, que já não
conseguiam enxergar quão marginalizados e presos a esta situação se
encontravam (FREIRE, 1987).
Por esse motivo, Paulo Freire lutava por uma educação libertadora,
dialógica e reflexiva, denunciava o que ele chama de “educação bancária”, onde o
educador apenas “deposita” o que acha necessário ser aprendido em seus
educandos, sem levar em conta suas vivencias, seus saberes, suas histórias, enfim,
sua cultura (FREIRE, 1987).
Cultura essa que para Aranha (1996), é aquilo que nos faz diferentes dos
animais irracionais, que apenas vivem em determinado local, incapazes de
transformá-lo como nós somos, e o fazemos a todo instante, seja pintando grandes
quadros ou arquitetando um modo mais fácil de irrigar a plantação na seca
nordestina para não morrer de fome.
Também podemos dizer que a cultura só existe em homens e mulheres
reais, que vivem e convivem em um determinado ambiente, pertencentes a um ou
outro povo, raça e ainda, que convive em um regime político seja ele qual for,
pois o mesmo influencia e é influenciado por esse regime (VANNUCCHI, 1999).
Por essa razão entendemos por que Freire (1996), nos fala da importância
de respeitar os conhecimentos pré-adquiridos pelos educandos fora dos portões da
escola, e assim trazer um significado maior as aulas e ainda usar exemplos de seu
cotidiano para contextualizar certas denuncias de abuso de poder, falta de conduta
ética e principalmente a manipulação e homogeneidade cultural que vivemos e
que é fruto justamente de uma educação que, graças ao currículo monocultural,
apresenta apenas uma cultura como sendo a única viável e verdadeira em
detrimento as demais que coabitam dentro da escola deixando de lado a igualdade
que é apregoada pelos dirigentes da mesma. (NEIRA, 2011).
Ao entender que somos seres culturais, pensantes, reflexivos e
transformadores de nossa realidade, vamos assumir o papel que nos é de direito,
19
de seres comprometidos com a realidade em que estamos inseridos, ou seja, nossa
cultura. Como então podemos fazer de nossos alunos, pessoas reflexivas e capazes
de transformar sua própria realidade? Um desafio que se torna mais fácil quando o
mesmo se vê comprometido com tal realidade, quando o educando enxerga sua
cultura em meio às aulas, passa a fazer parte dela de maneira verdadeira e
comprometida (FREIRE, 1979).
(...) Paulo Freire cria a palavra desencadeadora então ele começa a
conversar com esses adultos e esses adultos “não o senhor que deve
falar, o senhor é que sabe”, e ele falou “eu sei algumas coisas e você
sabe outras” então educação é uma troca de saberes, não é vertical
como foi a minha colégio mas ela é horizontal se troca saberes, então
Paulo Freire começa a perguntar: o metro quadrado de parede quantos
tijolos vão? Como faz a argamassa? Quais as medidas pra faze-la? E
os alunos vão ficando felizes por que eles não são burros (...)
(CHEBEL).
É necessário que, ao observarmos nosso aluno, possamos enxergar nele
mais do que uma folha em branco, pronta para receber aquilo que nós queremos, é
preciso entender suas dificuldades, sua história, preconceitos e conceitos
formados durante sua vida ate aquele momento, saber lidar com essas emoções,
sentimentos e vivencias é primordial para que o aluno seja verdadeiramente parte
ativa no processo ensino aprendizagem, de maneira que o mesmo se encontre,
enxergue a si mesmo e aos que fazem parte de sua realidade em meio às aulas de
Educação Física (MARTINEZ JUNIOR, 2013).
“(...) eu pedia pra assistir mesmo como ouvinte por que nossa era uma
maravilha os alunos, eu via os alunos saindo da aula dele os
doutorandos em educação babando do conhecimento do respeito, e um
dia eu estava na aula a porta estava fechada estava frio era inverno,
bateram na porta Paulo Freire abril eram alunos do centro acadêmico
acho que do DCE, que queriam conversar com a classe, dar um recado
pra classe passar uma informação, o senhor autoriza? Ele falou eu
autorizo agora precisa ver se eles autorizam dai ele perguntou para
classe, vocês autorizam a gente para um pouquinho ouve o que eles
têm a dizer e todo mundo concordou (...)” (CHEBEL)
Ao observarmos o nosso aluno e tudo o que há em sua volta, podemos,
muito mais do que apenas ensinar algo aleatório, encontrar na realidade dele um
ponto de partida onde a aprendizagem faz sentido, pois a mesma esta atrelada ao
seu mundo, sua cultura. Brandão (1981) introduz o leitor no chamado “método
20
Paulo Freire”, onde comenta que ninguém educa ninguém nem se educa sozinho,
mas há um aprender mutuo, educando e educador trocam experiências e vivencias
e ambos constroem o conhecimento.
Tal conhecimento surge da comunicação entre seres inacabados,
inconclusos, que tem pleno conhecimento de seu “inacabamento”, que quando se
encontram trocam tais conhecimentos. Sendo assim, não há como dizermos que
existem pessoas educadas e não educadas, mas sim pessoas com saberes distintos,
saberes que surgem tanto através da educação sistematizada, como do cotidiano,
ou seja, todos têm algo a aprender com o próximo, pois o homem, por mais
instruído, não sabe todas as coisas, por essa razão não devemos marginalizar
nenhum tipo de conhecimento (FREIRE, 1979).
Contudo, o que podemos observar, não é essa troca de conhecimentos e
valorização das culturas que nos cercam, mas sim conflitos entre culturas, cada
qual com seu discurso, tais discursos geram ideologias, seja ela de descriminação
ou de resistência, onde a cultura dita dominante gera essa ideologia de
descriminação e a cultura dominada a de resistência. Sendo assim, é necessário
que provoquemos os alunos a pensarem sobre tais questões, para que entendam
que tal luta existe e ainda que possam conviver com as diferenças, de maneira que
possamos extinguir as ideologias, fazendo com que as mesmas tenham uma
relação dialética entre si, e assim viver a diversidade de maneira clara, não
evitando-a mas compreendendo e aprendendo aquilo que o outro tem a nos
ensinar, respeitando sua cultura, de ambos os lados (FREIRE, 2001).
“(...) era lá no refeitório depois das refeições naqueles bancos feitos de
taboa e cavaletes, mesas de taboa e cavalete, uma lousinha que ele
falava que era uma lousinha preta, hoje a lousa é verde, quando tem
lousa é verde, uma lousa preta pequenininha, um pico de luz que
iluminava mais ou menos e quem quisesse se alfabetizar ia nessas
aulas” (...)” “(...)’Alguém consegue fazer alguma palavra com essas
silabas além de tijolo?’, ai ele diz que uma mulher levanta a mão e ele
diz’ Fala minha senhora’, e ela diz ‘Tito’, ai ele pergunta ‘o que é
Tito?’, ai ela falou: ‘primeiro é nome de gente’(...)” “(...) dai o marido
dela diz: ‘e é o Pape que nois vota é tito’, você já imaginou se,
naquele momento, Paulo Freire falasse: ‘não é papé minha senhora é
papel, não é nois vota é nos votamos, e não é tito é titulo’ ninguém ia
querer fazer mais palavra nenhuma, ele vai corrigir, não naquela aula,
não naquele dia (...)” “(...)Paulo Freire agradece e ela senta e dai ele
21
pergunta se alguém quer formar uma outra palavra dai o marido dela
se levanta vai lá na lousa vira pra mulher e diz ‘Tu já lê’, isso é uma
frase, por que Ta, Te, Ti, To, Tu, Tijolo, Já, Je, Ji, Jo, Ju, Tu Já, La,
Le, Li, Lo, Lu Lê, você já lê! Tu já lê, naquele momento ele não vai
dizer olha a conjugação do verbo na segunda pessoa do singular é Tu
já lês, vão aprender verbo, não naquele momento (...)” (CHEBEL).
Em entrevista, Ana Maria Araujo Freire, ou simplesmente Nita Freire,
conta que Paulo não inventou apenas um método de alfabetização, mas sim uma
nova concepção de educação, que, ao alfabetizar, devolvia o direito que todo
homem e mulher têm de ler e escrever o mundo, visto que, em sua fala, diz Nita,
todos tem esse direito porem as sociedades quando priva tais direitos esta tirando
não apenas um direito descrito por lei, mas também ontológico (GERMANO E
REIGOTA, 2009).
(...) “uma outra é ligar o pensamento de Paulo Freire a um método o
método é uma consequência de um pensamento politico pedagógico,
não existe um método por si só, então aquele método, a pratica
pedagógica que ficou conhecida como método Paulo Freire continua
tendo muito do seu valor sem duvida nenhuma, mas ele não pode ser
pensado fora do pensamento politico pedagógico de Paulo Freire acho
que essas duas questões são as mais difíceis assim de serem superadas
no pensamento freiriano por que, bom o por que não sei te dizer, por
que acho que isso é algo mais complicado, que eu vejo nos textos dos
meus colegas, nas interpretações.” (REIGOTA)
Então, ao compreender que essa relação onde quem detém o poder
dominante impõe sua cultura e tira o direito de ler o mundo das pessoas com
menor status social pela ótica de sua própria cultura, Nita continua seu relato
dizendo que Paulo lutou para que essas pessoas tivessem voz e pudessem escrever
seus nomes na história e assim se tornarem um sujeito da história (GERMANO E
REIGOTA, 2009).
Garcia Canclini apud Neira (2011) explica que a globalização exige lucro,
sendo assim procura vender a cultura dominante fazendo com que todos se vistam
de maneira igual, assistam os mesmos programas, comam a mesma comida,
pensem da mesma maneira surgindo assim as ideologias que vimos anteriormente,
ou seja, acabam destruindo a cultura local tendo como consequência a destruição
da identidade das pessoas que ali residem.
22
Identidade essa que Neira (2007) diz ser difícil de construir, pois essa
identidade cultural é o que torna o individuo único, e ao mesmo tempo da
possibilidade ao mesmo de se reconhecer parte de uma comunidade. Resgatar tal
identidade através de práticas que valorizem sua cultura além de dar mais sentido
a vida e as aulas, ainda devolve ao educando sua individualidade e assim faz com
que lute por aquilo que lhe é de direito.
Com tudo, Hall (2006) nos fala que esse sujeito pós-moderno não possui
uma identidade fixa e essencialmente constituída como o sujeito do iluminismo
que tinha por base seu “eu” interior imutável e incorruptível, formado desde seu
nascimento e mantido sem transformações ao longo de sua vida. Assim também
não é como o sujeito sociológico que também possui um “molde” indenitário que
se transforma através da sociedade em que vive tal individuo, e acrescentando a
ele uma cultura única do local e do momento histórico em que esta inserido. Esse
tal sujeito pós-moderno não possui tal essência, ele é influenciado desde sempre
pela sociedade, não possuindo uma identidade fixa, mas sim, o confronto de
inúmeras identidades em constante conflito, tornando o sujeito pós-moderno
muito mais histórico do que biológico.
Freire (1996) diz que devemos valorizar os saberes do educando, saberes
construídos através de sua relação com a comunidade ao qual esta inserido,
costumes e praticas cotidianas que podem dar suporte para discussões acerca de
questões políticas, sociais, de raça, gênero entre outros. Através desta concepção
podemos observar indícios da influencia que Paulo Freire pode ter exercido no
campo curricular da Educação Física que se preocupa em valorizar as culturas
advindas das camadas menos favorecidas da sociedade.
Porem, onde começa e até onde vai essa influencia de pensamentos?
2.3. CURRÍCULO, CULTURA E FREIRE.
Neira e Nunes (2009) nos falam da importância do currículo para se
formar a sociedade almejada, reforçando assim certas culturas em detrimento de
outras, então não há aspectos técnicos para se elaborar um currículo, ou seja, o
currículo, na verdade, está nas mãos de determinados grupos sociais que, naquele
determinado contexto histórico, detém o poder e impõe sobre a grande massa seu
modo de enxergar o mundo.
23
Freire (1987) fala de uma educação “bancaria” onde os alunos são apenas
depósitos, não há dialogo entre educador e educando, apenas a submissão ao
conhecimento vindo do professor, que por sua vez é abstraído das classes mais
favorecidas socialmente, para que nada mude, ou seja, para que os alunos
continuem alienados frente a diversas questões que lhe são pertinentes e não
sejam capazes de lutar por seus direitos mais básicos como moradia, educação de
qualidade, saúde, entre outros.
Tudo isso se da pelo poder que insiste em ficar estacionado nas mãos da
classe dominante, pois, ao ocupar as carteiras das salas de aula das melhores
universidades publicas, ou seja, o conhecimento que “consumimos” nas escolas
publicas e nas universidades particulares estão atrelados e resumidos a estes
alunos que, ao saírem de camadas mais bem favorecidas da sociedade, não
entendem as reais dificuldades da população menos favorecida. Porem, Reigota
(2010), nos fala sobre uma pequena mudança nesse quadro. O autor afirma que,
com muito esforço, pessoas que vem de universidades particulares, de classes
menos favorecidas, estão conseguindo chegar às salas de mestrado e doutorado
que outrora era frequentada somente por alunos de classe mais alta. Esses alunos
que chegam das “margens”, como explica o autor, se deparam com debates e
discussões a cerca de livros e autores que tentam explicar a realidade da qual eles
próprios fazem parte, através de uma ótica erronia e pouco fiel a realidade.
Tal ótica é fruto da não compreensão do “inacabamento” do homem. Paulo
Freire (1979) ressalta que “a sabedoria parte da ignorância”, ou seja, ao tentar
mostrar o mundo ao aluno por uma ótica que não lhe é familiar, onde o mesmo
não se encontra e seus saberes são marginalizados como se nada soubesse, trás
angustia e perda de sua identidade cultural.
Sendo a identidade uma criação social e cultural, bem como a diferença, a
não valorização e a não aceitação da cultura do educando é a não aceitação de sua
identidade, de sua diferença, já que ambas são interdependentes, eu possuo uma
identidade por que sou diferente do meu próximo e vice versa (SILVA, 2014).
Neira (2011) explica que tal processo ocorre no ingresso de novas culturas
na escola, entrando em conflito com aquilo que historicamente era ensinado, ou
seja, o que vemos hoje nas escolas não são apenas filhos de pessoas com poder
aquisitivo elevado, brancas e com interesses em comum, mas sim de todas as
24
classes, raças e posições sociais tornando a escola um local de cultura heterogenia,
porem com um currículo monocultural.
Ao monopolizar o conteúdo curricular, deixamos de lado diversas culturas
que permeiam o ambiente escolar. Lima e Neira (2010) falam que a Educação
Física, veiculada ao Projeto Político Pedagógico da escola, se aproxima das
culturas marginalizadas, pois, ao analisar criticamente as manifestações da cultura
corporal vivenciadas pelos educandos em seu convívio social, conhecendo os
signos culturais em que estão inseridos e ainda o modo como esses grupos sociais
se relacionam e compreendendo que tudo que o homem produz, a maneira que se
expressa, esta inteiramente relacionada ao seu contexto sociocultural, um
currículo que valorize essas culturas se faz necessário para que isso realmente
aconteça.
Freire (1996) fala da importância de assumir-se como ser histórico, social
e cultural, tanto os alunos se enxergarem dessa maneira e aos colegas e professor,
quanto do professor fazer o mesmo. Levando em conta o que foi apresentado até
aqui, podemos dizer que o currículo cultural da Educação Física, tem vinculo com
as ideias de Paulo Freire acerca de construção de novos conhecimentos que
emergem dos da realidade dos próprios alunos e ainda, ao passar por diversas
bibliografias, entender que em determinados pontos a Educação Física contribui
para aquilo que Freire lutava para a libertação de uma sociedade monocultural que
exclui quem não se encaixa.
“(...) Paulo Freire também contribuiu, os estudos de Paulo Freire, o
trabalho de Paulo Freire, sobre tudo, a metodologia freiriana,
contribuíu com a ideia da pesquisa do universo cultural das crianças,
então quando a gente usa lá “mapeamento”, também tem
fundamentação em Paulo Freire então se você pensar em tematizar, é
procurar todas as interpelações possíveis entre a pratica corporal e o
que acontece na sociedade mais ampla, então a tematização é um
conceito freiriano, a problematização quando você vai discutir uma
briga de torcidas, quando você vai discutir a vestimenta das meninas
no voleibol, quando você vai discutir a relação do negro na capoeira, a
relação do branco na capoeira, ou seja, ai tudo isso é
problematização, então Paulo Freire nos ajuda com a ideia de
mapeamento, embora ele não use esse termo ele usa outro mas que
nos temos fundamento nele, nos ajuda na ideia de tematização e
problematização, assim como na pedagogia freiriana, na pedagogia
25
cultural que a gente esta trabalhando, os conteúdos emergem da
problematização, então você não tem conteúdos a serem ensinados a
priori, você precisa tematizar e problematizar determinados elementos
para que os conteúdos de ensino apareçam e os conteúdos de ensino
sejam então acessados pelos alunos.” (NEIRA)
Em entrevista concedida a Germano e Reigota (2006), Nita Freire fala que
Paulo, ao ser questionado sobre sua confiança e sobre o valor que dava ao
conhecimento popular, sempre dizia que nunca havia visto nenhum pensamento
cientifico que não partisse do senso comum, pois este veio muito antes da ciência
como a conhecemos hoje.
“(...) então Paulo Freire ele vai dar uma coisa interessante
por que o sujeito vai se tornar sujeito a partir do momento
que ele se entender como um sujeito que participa da
cultura, que produz cultura, então isso é muito forte no
currículo cultural essa coisa de o, nós nos baseamos muito
em Giroux e Giroux é um bebedor do Paulo Freire, então
essa ideia de dar voz, dar voz ao sujeito, mas não é dar voz
no sentido de tá lá dentro que o cara sabe tudo, é no
sentido de falar mesmo, você se sentir reconhecido, se
sentir valorizado.” (NUNES).
Tais conhecimentos surgem das relações de identidade e diferença, como
falamos anteriormente, Silva (2014) enfatiza que não podemos separar identidade
e diferença das relações de poder, das fronteiras que se formam ao tocarmos nesse
assunto, talvez por esse motivo seja tão complexa a convivência entre diferentes
identidades, e talvez ainda, esse seja mais um motivo pelo qual os autores do
currículo monopolizam e restringem o mesmo a uma única cultura em detrimento
a tantas outras que fazem parte do convívio escolar, porem essa restrição em favor
da falta de conflitos torna-se vazia e sem significado, alem de tornar os alunos
submissos às praticas elitistas que são protagonizadas dentro dos muros da escola.
Neira, Lima e Nunes (2012) comentam no livro Educação Física e
Culturas, ao qual organizaram, que uma maneira de ir contra tais ações
excludentes, é o questionamento de tais praticas. E ainda, ao comentar sobre a
identidade hibrida do homem que esta a sobra de nossa sociedade pós-moderna,
26
questionam qual identidade queremos formar com o currículo atual, o que vai de
encontro ao que indagamos no parágrafo acima.
O livro citado anteriormente foi publicado com as praticas de professores
que fazem parte do Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo, tal grupo se reuni para discutir suas
praticas acerca do currículo cultural. Livro este que, em seu segundo volume, traz
um ponto de vista dos autores onde falam que, as praticas norteadas pelos Estudos
Culturais, visam uma vida digna para cada cidadão, questionando marcadores
sociais como a raça gênero, religião ou posição social (NEIRA, LIMA e NUNES,
2014).
Freire (2001), nos fala da consciência, do entender-se como um ser em um
mundo onde habitam outros que não são ele próprio, trazendo uma conotação de
igualdade nas diferenças, um olhar consciente sobre um mundo onde habitam
diversas pessoas com culturas diferentes, diferentes raças, etnias, religiões, etc.
onde, o que deve reinar, sem sombra de duvidas, é a ética que deve ser vista como
ponto crucial.
“(...)‘Conscientização: teoria pratica da libertação’ aqui ele entra em
detalhes sobre o que é conscientização o que ele esta entendendo, e foi
um dos que eu mais usei no meu doutorado em educação para o
transito, conscientizar, por que eu às vezes vejo entrevistas de pessoas,
publicação em jornal, tem que conscientizar o motorista, mas
conscientizar pra eles é dar uma palestra, deu a palestra conscientizou,
aqui ele mostra que conscientização é um processo longo, demorado,
gradativo, mas que, felizmente, não tem volta(...)” (CHEBEL)
Ao observarmos tal posicionamento de Paulo Freire no paragrafo acima,
conseguimos entender o que dizem Françoso e Neira (2014) quando afirmam que,
apoiados no discurso e posicionamento politico e pedagógico de Freire, não veem
esperança para uma sociedade mais justa e democrática com os currículos
tradicionais e fechados ainda em evidencia, pois, os representantes das classes
oprimidas que coabitam no ambiente escolar, não tem voz e não estão
devidamente representados. Sendo assim, o legado de Paulo Freire não está bem
representado, pois o mesmo nos motiva a não aceitar qualquer conhecimento sem
critica.
27
3. METODOLOGIA
Ao apontar diferentes currículos da Educação Física, além de buscar
entender e relacionar a pedagogia freiriana ao currículo cultural proposto por
Neira e Nunes e colocado em pratica pelos professores do Grupo de Pesquisa em
Educação Física Escolar da faculdade de Educação da USP, Grupo este que se
tornou objeto de pesquisa de Martinez Junior (2013), onde apontamos as
dificuldades e importância de se trabalhar o currículo cultural em diversas
realidades sociais apresentadas pelos próprios professores, que lecionam na rede
estadual, municipal e privada tanto da cidade de São Paulo quanto outros
municípios.
Ao nos aprofundarmos nos estudos sobre o currículo e qual cidadão
queremos formar, surgiu à possibilidade de investigar qual a relação dos
ensinamentos pedagógicos formulados e colocados em pratico por Paulo Freire
neste currículo cultural, e, nos apoiando no que diz Freire (1997), ensinar exige
pesquisa, não há como ficar apenas em frente a um teclado e tela de computador,
o presente trabalho nos impulsionou a alçar voos mais altos, sendo assim,
decidimos ir a campo para por a prova nossa pesquisa literária para, além de
outras coisas, ampliar nossos saberes acerca do currículo cultural e buscar relação
com a pedagogia freiriana.
Sendo assim, tivemos o prazer de entrevistar cinco professores, sendo dois
deles, Professor Marcos Garcia Neira e Mario Ferrari Nunes, aos quais
conversamos sobre o currículo cultural da Educação Física e a pedagogia freiriana
dentro deste currículo. Os demais: Marcos Reigota, Sonia Chebel e Aldo
Vannucchi nos concederam entrevista com conteúdo relacionado à vida de Paulo
Freire, seu modo de relacionamento com os alunos e pessoas em geral, com os
colegas de trabalho e amigos.
Todo o processo de entrevistas foi embasado na metodologia de pesquisa
historia oral temática, descrita por Meihy e Holanda (2010), que traz como
proposta de pesquisa uma sequencia a ser seguida que se inicia com: a
apresentação do tema, a justificativa, problemática e hipótese, corpus documental
e objetivos, procedimento, bibliografia e o cronograma, como meio norteador das
analises das entrevistas realizadas.
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Apresentado o tema e as características da presente pesquisa, vamos nos
atentar, mesmo que de modo ainda superficial, a justificativa e a inquietação que
nos motivou a “correr” atrás, verbo esse que demonstra bem o caráter motivador
de ir ao encontro de tais pessoas, dos professores que nos deram o prazer de
registrar suas falas acerca do tema proposto.
As falas de Paulo Freire, seus ensinamentos pedagógicos e políticos foram
muito importantes para a educação no Brasil, porem atrelar tal pedagogia, ou
como diz Nita Freire “Paulo não criou apenas um método de alfabetização, ele
criou uma nova concepção de educação” (GERMANO E REIGOTA, 2009), ao
currículo cultural pós-critico que esta sendo pesquisado e colocado em pratica por
Neira, Nunes e pelo Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar da FEUSP
(Faculdade de Educação da USP) torna-se um desafio pelo momento histórico um
tanto distante e, como descrito na revisão de literatura, Paulo Freire foi um autor
que tinha como linha de pensamento as teorias criticas de currículo, pautadas nas
lutas de classe (SILVA, 2010), já no currículo cultural sugerido pelo GPEF e
Neira e Nunes é embasado nas teorias pós criticas que, além das lutas de classe,
abordam as diversas lutas por espaço das culturas que são excluídas e
marginalizadas que englobam as lutas de gênero, etnia, religião entre outras.
Sabendo desse distanciamento, porem intrigados com tal relação,
decidimos buscar em fontes reais, sair do papel e conversar com quem viveu e
vive próximo as duas realidades apresentadas, para dar mais vida ao trabalho e
buscar aprofundar nosso entendimento sobre ambos os assuntos.
Devo aqui citar nossa excitação em investigar tal relação, Paulo Freire e
currículo cultural pós-critico da Educação Física, do ponto de vista de pessoas que
viveram ao lado de Paulo Freire, seja como aluno ou colega de profissão, e
puderam realmente observar sua visão sobre educação, politica e sociedade nos
dando a oportunidade de questionar se tais pensamentos ainda permanecem vivos
no período histórico em que estamos, relacionando assim com um currículo
pautado nas teorias pós-criticas e nos Estudos Culturais, como é caso do currículo
proposto por Neira e Nunes (2009).
O que nos impulsionou a investigar o tema explicitado anteriormente foi
nada mais do que a hipótese de que essa relação existisse porem o “como” e o
“por que” ainda se faziam obscuros e omitidos em pilhas e mais pilhas de teses,
livros e documentos que, mesmo sendo de grande ajuda, não saciavam nossa sede
29
por historias que fossem coloridas por uma grade de corres maior do que o
simples, porem necessário, preto e branco de tais obras.
O que conseguimos lapidar de já tão belas historias esta descrito logo
abaixo a seguir, esperamos que tal viagem no tempo seja tão agradável de ser lida
quanto foi de ser escutada e documentada, tenhamos todos, uma boa viagem.
3.1. PRIMEIRA PARADA
Começamos nossas entrevistas na Universidade de Sorocaba (UNISO),
fomos assistir a defesa da tese de doutorado do professor Mauricio Massari, onde
o professor Marcos Neira, livre docente da USP, fazia parte da banca, não por
coincidência, pois já havíamos trocado e-mails e nesse dia seria fácil para ambos,
e assim foi.
Ao término da defesa fui até o professor Marcos que mesmo, cansado
pelas horas de banca vivenciadas há poucos instantes atrás, aceitou que
conversássemos na cantina da universidade. E ali conversamos sobre currículo e
sobre Paulo Freire, de uma maneira aberta e muito esclarecedora como podemos
acompanhar na transcrição a seguir:
3.1.1. Marcos Neira
Martinez Jr: Professor de onde surgiu a inquietação do currículo atual e o que
levou a pesquisar e propor um currículo menos tecnicista, mais voltado pra cultura
dos alunos.
Neira: Uma questão primeira que surge é essa sociedade que nós temos, então as
propostas da Educação Física convencionais, os currículos tecnicistas estão
alinhados com a sociedade baseado na classe e na promessa da escola como
ascensão social. Hoje nos temos uma outra configuração social, nos temos uma
sociedade multicultural, nos tivemos a partir dos anos 60, 70 e 80 uma serie de
movimentos que reconfiguraram as relações de poder, então nos não temos
relações pautadas unicamente na questão do lugar que você ocupa na relação de
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trabalho, nos temos, emergiram , eclodiram explicações sobre as relações sociais
baseadas no gênero, na religião, na etnia, no local de moradia e tantas outras.
Diante disso não podemos continuar com a escola pautada na mesma promessa de
ensinar os conhecimentos das culturas dominantes para circular na esfera publica
e ter sucesso na sociedade. Hoje nos pensamos e ate por conta da produção de
conhecimento sobre o assunto que não há uma hierarquia entre as culturas, que
todos os conhecimentos são importantes, historicamente a escola reservou um
espaço privilegiado para os conhecimentos da cultura dominante, mas não só eles,
então era necessário levar tudo isso para Educação Física, e pensar como a
Educação Física poderia se nutrir, dessas questões mais amplas que são discutidas
predominantemente pelas teorias pós criticas, pelo multiculturalismo , pelo
estudos culturais, pelo pós colonialismo, pelos estudos do gênero e assim por
diante.
Martinez Jr: Dentro dessa linha de pesquisa, quais foram os principais autores que
levaram você a formular esse pensamento, a querer levar esses estudos culturais
para a Educação Física.
Neira: A primeira questão importante, Marcos, é que eu não tenho feito nada
sozinho, isso só esta sendo feito por que é um grupo muito importante, que você
conheceu, de pessoas que vem estudando essas coisas e vem principalmente
colocando em pratica, então o que nós estamos aprendendo, o que se tem feito é
estar sintetizando as grandes contribuições que essas pessoas, que estão colocando
o currículo cultural em pratica, tem trazido. Os autores são tanto brasileiros como
internacionais como um dos autores principais do currículo como Tomaz Tadeu
da Silva, e depois também temos outros de currículo como Antônio Flavio
Moreira, Vera Candau, Cassimiro Lopes, Marluce Paraiso, do multiculturalismo,
Ana Cannen, Marisa Roben Costa, Sandra Coraza, portanto temos vários autores
tanto currículo, quanto multiculturalismo e estudos culturais que fizeram essas
discussões acho que no estudo de gênero né, Guacira Lopes Louro, e ai claro,
como já havia um grande acumulo de conhecimento na área da Educação Física
olhando sobre o âmbito cultura, sobre tudo a partir de autores que com base
inicialmente na antropologia, com Jocimar Daólio, e na filosofia como Kunz e
tantos outros autores, que ai a gente vai entender a motricidade, perdão, o
31
movimento como gesto, e a cultura corporal como objeto da Educação Física,
nossa contribuição é trazer pra ela essa discussão que já existe, que é a base, trazer
o olhar das teorias pós-criticas, principalmente a visão de cultura dos Estudos
Culturais como campo de luta para validação de significados, então na verdade
quando a criança brinca, dança, pratica esporte ou faz ginastica essa criança não
esta mobilizando somente a sua gestualidade como forma de significado ela
também esta produzindo cultura e está veiculando um conjunto de significados
produzidos em meio a relações de poder, por isso que existem as brincadeiras de
menino, perdão, as brincadeiras produzidas como brincadeiras de menino, os
esportes produzidos como esportes de elite, as ginasticas produzidas de forma
mercadológica, então não é só a ginastica nela mesma, a brincadeira nela mesma,
o esporte nele mesmo como produtos de um determinado grupo, esses produtos
também são atravessados por relações de poder, e na escola, o grande objetivo da
escola é ajudar as crianças a enxergar isso, e também colocar as crianças como
sujeitos desse processo de construção.
Martinez Jr: pensando em tudo isso, você diria que Paulo Freire foi um autor
importante para a estrutura do currículo cultural da Educação Física?
Neira: foi por que, é o seguinte, eu citei os autores que serviram como base
conceitual, o Paulo Freire é a nossa referencia obrigatória quando a gente vai
pensar em metodologia de trabalho, então há dois termos que são freireanos que a
gente trabalha que é a ideia da tematização e problematização. Paulo Freire
também contribuiu os estudos de Paulo Freire, o trabalho de Paulo Freire, sobre
tudo, a metodologia freireana, contribuiu com a ideia da pesquisa do universo
cultural das crianças, então quando a gente usa lá “mapeamento”, também tem
fundamentação em Paulo Freire então se você pensar em tematizar, é procurar
todas as interpelações possíveis entre a pratica corporal e o que acontece na
sociedade mais ampla, então a tematização é um conceito freireano, a
problematização quando você vai discutir uma briga de torcidas, quando você vai
discutir a vestimenta das meninas no voleibol, quando você vai discutir a relação
do negro na capoeira, a relação do branco na capoeira, ou seja, ai tudo isso é
problematização, então Paulo Freire nos ajuda com a ideia de mapeamento,
embora ele não use esse termo ele usa outro mas que nos temos fundamento nele,
32
nos ajuda na ideia de tematização e problematização, assim como na pedagogia
freireana, na pedagogia cultural que a gente esta trabalhando, os conteúdos
emergem da problematização, então você não tem conteúdos a serem ensinados a
priori, você precisa tematizar e problematizar determinados elementos para que os
conteúdos de ensino apareçam e os conteúdos de ensino sejam então acessados
pelos alunos.
Martinez Jr: Professor obrigado. Se quiser acrescentar algo...
Neira: Assim como eu acabei de dizer, lá dentro, eu sinto uma pena muito grande
porque os estudos de Paulo freire eles não aparecem tanto nos cursos de Educação
Física. Na cidade de educação nos temos uma disciplina só de Paulo Freire, para
todos os alunos e muitos cursos de pedagogia tem disciplina de Paulo Freire, mas
na Educação Física tem sido menos frequente, mas se você pega os autores, vou
citar duas obras importantes, há um livro chamado: “Visão didática da Educação
Física”, produzido pelo grupo de trabalho da Universidade Federal de Santa
Maria e Universidade Federal de Pernambuco em 1991, que é um livro de
Educação Física freireano porque se fundamentou muito em Paulo freire. Ao ler
também “Metodologia de ensino de Educação Física”, do chamado coletivo de
autores ou ao ler “Educação Física transformação didática pedagógica” do Kunz,
você enxerga nesses três materiais as contribuições de Paulo Freire. Então pra
gente entender um pouquinho da promessa freireana , não a do currículo cultural
de Educação física, a promessa freireana ,que uma educação libertadora, que é a
promessa desses três textos que acabei de mencionar, você tem que se
fundamentar em Paulo Freire. Então eu sugiro, eu estimulo seu trabalho para
conhecer mais a obra freireana, mais recomendaria menos, essa segunda parte do
trabalho freireano da década de 90, e muito mais as obras centrais de Paulo Freire:
“Pedagogia do oprimido”,” Educação como pratica de liberdade e
conscientização”, porque são as obras onde ele vai inaugurar discussão e vai
apresentar aqueles elementos que vão fundamentar também. Então acho
importante conhecer essa discussão ate pra você se deixar apaixonar por Freire.
33
3.2. SEGUNDA PARADA.
Nossa segunda entrevista foi com o professor Marcos Reigota, professor da
Universidade de Sorocaba (UNISO) que foi aluno de Paulo Freire, que também
estava na defesa de tese do professor Massari, porem como orientador.
Também fui até o professor Reigota depois da defesa me apresentar e marcar
para conversarmos outro dia. No dia marcado voltei a UNISO e conversamos na
sala do professor Reigota por quase uma hora sobre Paulo Freire, histórias e mais
histórias sobre os pensamentos políticos e pedagógicos de Freire com um
sentimento de carinho e admiração muito grande do professor inclusive para com
a professora Nita Freire, viúva de Paulo Freire.
Foi uma conversa descontraída e muito interessante que me trouxe um
sentimento de proximidade com Paulo Freire muito grande por parte do professor
Marcos Reigota, me senti a vontade inclusive de formular perguntas que extras
entre suas falas que não estavam previstas como vamos conferir a seguir.
3.2.1. Marcos Reigota
Martinez Jr.: Afetos, educação ambiental e política: Encontros com Nita e Paulo
Freire.
Neste artigo, a ultima frase escrita foi que Paulo Freire mudou sua vida.
Qual a real mudança que Paulo freire proporcionou a você No âmbito acadêmico
e fora dele...?
Reigota: bom, eu acho que nesse artigo eu tentei relatar um certo período uma
certa sequencia dessa influencia, e também como jovem professor com 23 anos
essas coisas né? E em quais os momentos eu estava mais próximo, em quais
momentos eu estava mais distante, inclusive fisicamente dele, e depois com a
Nita, toda essa minha relação com ela que, por exemplo, esse pôster que te dei de
um evento que aconteceu no sábado na Califórnia ela me enviou pra que eu desse
uma olhada, então isso continua toda essa reflexão de Paulo Freire, um pouco
antes de você chegar eu estava conversando com a professora Alda a disciplina
que nós vamos dar ano que vem pautada em Paulo Freire, então é uma
continuidade muito grande só que assim, a gente tenta fazer uma releitura, isso no
34
caso mais eu, falando de mim, uma releitura do Paulo Freire, o que ele significa
hoje, por exemplo, pra você que tem 23 anos hoje, que não teve essa convivência,
um Paulo Freire que chega pra você já é tão institucionalizado, tão conhecido,
então, ele permanece vivo? Essa é a pergunta! No sentido do seu pensamento
pedagógico politico, permanece vivo pra uma nova geração? Isso é uma coisa que
eu gostaria de saber. Depois de todos esses estudos, de todos esses trabalhos eu
considero que sim, mas eu sou de uma outra geração, de uma geração que já esta
saindo deixando o lugar entendeu? Mas eu acho que sim, por exemplo, eu estou
com um projeto para o ano que vem de estudar, além das disciplinas que eu te
falei, um projeto para estudar qual a influencia do pensamento Paulo Freire nos
Estado Unidos, principalmente relacionado com esses grupos sociais mais
marginalizados nos estados unidos ou que eram ate recentemente por que graças a
essa influencia você tem intelectuais muito importantes nos estados unidos que se
referem ao Paulo Freire como uma fonte de inspiração de movimento uma delas é
a Bell Hooks que eu te recomendo, a Bell Hooks que é uma mulher negra ela é um
pouco mais velha que eu, mas a gente é da mesma geração, ela conseguiu estudar
em Stanford que é uma das maiores universidades americana e lá quando ela
entrou em contato com Paulo freire ela participou de um seminário dele, mudou
completamente a vida dela a perspectiva politica, a perspectiva teórica, então essa
influencia aconteceu para muita gente, pelo menos até quando ele estava vivo,
então em termos acadêmicos é isso que eu quero continuar pesquisando, pensando
em Paulo Freire, não para embalsama-lo sabe? Não para te-lo assim como vários
colegas que falam assim:” por que Marx, por que Durkheim...” e é um estudo
embalsamado sabe? Para conservar alguma coisa no tempo que os caras
escreveram que era um outro tempo histórico era um outro contexto cultural
inclusive, então nesse momento, nesse contexto cultural que nós estamos, mais
globalizado, de mais conexões, tudo isso, esse pensamento pedagógico
permanece? Ele ainda é questionador? Ele ainda é radical no seu sentido assim, no
amago das questões, eu vou repetir, eu acredito que sim mas pode ser que eu
esteja enganado, então por isso a gente continua estudando ainda pesquisando e
isso é o que faz um autor estar, ser estudado como um pensamento parado na
historia mas um pensamento dinâmico que se refaz e se reconstrói.
Martinez Jr.: Qual a Visão de mundo de Paulo Freire na sua Perspectiva
35
Reigota: Uma visão humanista, um respeito pelo outro fundamental, mesmo que
as vezes com um certo tom até católico, religioso, que cai mais no teológico, isso
não me interessa, teologia não me interessa, como estudioso não me interessa, o
que me interessa é esse respeito essa solidariedade no seu sentido politico, então
essa visão de mundo de que a gente pode sempre torna-lo melhor, tornar este
mundo melhor e não é no seu sentido material mas é no seu sentido com o tempo
que a gente passa nesse mundo com toda essa violência com todas essas
injustiças, isso é uma criação humana, isso não é uma criação divina, da natureza,
isso é uma criação social! Então é possível ir contra isso, é uma pergunta e ao
mesmo tempo é uma afirmativa: “não, eu posso ir contra isso, eu não preciso viver
assim eu não quero viver assim e eu quero continuar vivendo e eu não quero pegar
em armas”. Então esse pra mim é o mundo de Paulo Freire, embora varias pessoas
tenham pego em armas e de uma forma que você pode questionar aceitar ou não,
mas eu acho que essa visão de mundo que Paulo Freire trás que é muito
influenciado por um pensamento cristão sem duvida nenhuma, ele esta pautado
em uma visão de solidariedade e isso pra mim é fundamental.
Martinez Jr.: Uma questão que me surgiu agora é que se há alguma e qual a
influencia freireana em alguns movimentos sociais como o MST?
Reigota: Muita, muita, a toda formação que acontece no MST é freireana assim do
inicio ao fim, eu estou lendo hoje, até vindo pra cá, eu moro em São Paulo, vindo
pra cá, eu vim lendo um projeto de uma colega colombiana, ela estará aqui ano
que vem na UNISO, justamente o que ela faz, a pesquisa dela é verificar qual a
influencia desse pensamento freireano em vários movimentos sociais radicais na
américa latina e em um deles num trabalho dela e que ela se refere é o MST sem
duvida nenhuma, e o que o MST reivindica? Não é só terra, é uma reivindicação
de justiça, de distribuição dos recursos aos bens coletivos então claro que tem uma
perspectiva socialista ai né, de uma economia socialista, que talvez seja a parte
mais ingênua do MST, nesse tempo que agente vive, mas no MST tem uma utopia
de uma construção de uma sociedade justa, democrática de uma distribuição de
bens, que eu sou totalmente favorável, e, sem duvida nenhuma, isso vem de uma
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mescla de vários pensadores, e um deles fundamental é o Paulo Freire sem duvida
nenhuma.
Martinez Jr.: O que estudar Paulo Freire muda na vida de um professor?
Reigota: Acho que eu já te respondi, mas vamos lá! Depende de que professor,
por que, sabe em todas as profissões tem muita gente acomodada que não quer né,
e a própria atividade de professor é, e isso é muito de Paulo freire, é uma atividade
politica, então esse entendimento é muito sofisticado e aparentemente ele é
simples, mas ele é muito sofisticado essa compreensão de sua atividade
pedagógica como uma atividade politica, mesmo por que nesse tempo que a gente
vive é de muita banalidade as pessoas consomem bobagens, ideias completamente
inócuas e então, claro assim, você estava falando que entrou na Educação Física
pra ir para a academia e de repente você se viu professor isso de outra forma
também aconteceu comigo, é por que você não esta satisfeito com o mundo que
você vive de uma forma ou de outra isso vai sair, então eu acho assim, se são
esses professores inquietos, se são esses professores insatisfeitos não no sentido
puramente material da insatisfação, mas do tempo que a gente vive as pessoas que
não se deixam dominar essas pessoas que buscam pela liberdade pela justiça tudo
isso e ai pouco importa se é professor agricultor juiz então...
Martinez Jr.: Talvez ele influencie mais pessoas do que somente professores?
Reigota: Exatamente! São as pessoas com essa sede de justiça de liberdade,
solidariedade. Às vezes eu tenho um pouco de receio assim “vamos ter que
estudar Paulo Freire” como que uma obrigação eu acho que é matar Paulo freire é
matar seu pensamento eu acho que a gente pode dizer assim “vamos estudar Paulo
Freire não para copia-lo, mas para ver se ele tem uma pertinência hoje pra você
para o outro” por que pode ser que para você não tenha nenhuma e pro seu colega
do lado tenha uma pertinência muito grande eu acho que isso é o principio
pedagógico do Paulo Freire é impossível de você institucionaliza-lo então se
alguém que vai, por exemplo um professor que vai ensinar sobre Paulo freire ou
que vai dar aula de Paulo freire se ele não acreditar naquilo ou naqueles mesmos
princípios ele tá matando qualquer possibilidade de um aluno dele ser afetado pelo
Paulo freire.
37
Martinez Jr.: Quais os ensinamentos de Paulo Freire continuam atuais e
necessários para o mundo atual?
Reigota: Solidariedade, justiça e liberdade tá bom?
Martinez Jr.: O que Paulo Freire pensava que não cabe para o mundo atual?
Reigota: Olha, ai a gente precisava de um estudo mais aprofundado, mas eu acho
que um termo que o Paulo Freire utilizou e depois ele foi muito criticado e ele
refez essa observação e realmente isso mudou muito, é o próprio termo de
conscientização, “eu vou lá conscientizar alguém” é como se o professor o
intelectual o artista estivesse imbuído de uma consciência maior e que ele
precisava passar pra alguém então eu acho que isso não cabe mais, nesse sentido
de “eu te conscientizo” e ele refez esse pensamento mas no pedagogia do
oprimido ainda aparece isso, ou pelo menos foi lido, interpretado assim então eu
acho que sempre você tem que se lembrar quando Paulo Freire pensava a
conscientização você para um pouquinho, qual período ele falou isso por que
depois ele vai praticamente a obra toda dele ele vai refazer essa noção e ela parece
que grudou assim não sai, uma outra é ligar o pensamento de Paulo Freire a um
método o método é uma consequência de um pensamento politico pedagógico,
não existe um método por si só, então aquele método, a pratica pedagógica que
ficou conhecida como método Paulo Freire continua tendo muito do seu valor sem
duvida nenhuma, mas ele não pode ser pensado fora do pensamento politico
pedagógico de Paulo Freire acho que essas duas questões são as mais difíceis
assim de serem superadas no pensamento freireano por que, bom o por que não
sei te dizer, por que acho que isso é algo mais complicado, que eu vejo nos textos
dos meus colegas, nas interpretações.
Martinez: algo que me vem à cabeça quando escuto “método Paulo Freire” é essa
divisão do Paulo Freire com seus pensamentos de cunho politico do Paulo Freire
educador.
Reigota: Exatamente e isso não existe, por exemplo, se eu fosse trabalhar o
método utilizando as palavras geradoras, hoje aqui na universidade de Sorocaba
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eu não conseguiria fazer, mas tendo como perspectiva a sua base politica e
pedagógica eu consigo dar uma aula freireana, às vezes até sem fala de Paulo
Freire.
Eu tenho um texto que eu não falo de Paulo Freire em nenhum momento, e
quando as pessoas leem dizem “isso é puro Paulo freire” e eu digo exatamente
você entendeu o que eu quis dizer, não tem como separar isso vai impregnando na
sua concepção você vai detalhando, e eu não estou falando de palavra geradora de
conscientização nada disso, e por que também são diferentes formas de você
interpretar um autor de trabalhar com ele e nessa perspectiva eu viajo muito vou a
muitos seminários fora do país e essa é uma pergunta que sempre aparece: “Paulo
Freire ainda tem sentido no mundo atual?” bom, de qual Paulo freire você esta
falando? Se você estiver falando do método talvez não, então são essas coisas
assim. Um autor ele permanece a partir do momento que ele vai sendo
reinterpretado, recontextualizado.
3.3. TERCEIRA PARADA
A ideia inicial deste projeto era modesta e pretendia apenas envolver os
dois primeiros relatos descritos acima, porém, ao termino da conversa com o
professor Reigota, ele me sugeriu entrevistar a professora Sonia Chebel por que
ela teria histórias muito boas para contar a respeito de Paulo Freire por ter gravado
e transcrito o áudio das convenções realizadas na UNISO pelo próprio Paulo
Freire a convite do professor Aldo Vannucchi logo que Freire voltou do exilio, na
verdade a primeira palestra depois do exilio.
Comentei sobre a ideia com o diretor da Fefiso (Faculdade de Educação
Física de Sorocaba) Mauricio Massari que conhecia e tinha o e-mail da professora
Sonia, ele gostou muito da ideia e me incentivou a prosseguir.
Enviei na mesma hora um e-mail para a professora Chebel perguntado se
ela poderia me conceder a entrevista. De pronto obtive uma resposta positiva com
um agradável convite para ir até a sua casa e lá conversaríamos sobre Paulo
Freire.
No dia combinado fui até sua casa e fui muito bem recebido pela
professora, seu esposo e por seus gatos de estimação que logo se familiarizaram
39
com a minha presença. Foi uma tarde ótima de conversa e de muita emoção em
cada história contada pela professora que me emocionou pela sua paixão pelo ato
de ensinar e por sua admiração por Paulo Freire que vamos conferir abaixo.
3.3.1. Sônia Chebel
Martinez: Qual a mudança que Paulo Freire trouxe pra sua vida acadêmica e
pessoal?
Chebel: Olha, eu estudei 11 anos em um colégio de freiras aqui em Sorocaba,
colégio Santa Escolástica, mas, naquela época, a maioria das freiras era de origem
alemã, hoje o colégio existe bem mais flexível e com a maioria das freiras
brasileiras, mas elas eram alemãs e vinham de uma educação bastante rígida, eu
não vou condenar aquilo que eu tive, acho que caracterizou uma época mas assim
um autoritarismo muito grande, comparando com Paulo Freire era uma educação
bancaria e um autoritarismo muito grande, embora eu reconhecesse a
competências das freiras e a preocupação com o aprendizado dos alunos mas
assim, era respeito através do medo, bom e lá eu estudo do meu primeiro ano
primário, como era chamado na época hoje o primeiro ano do ensino fundamental,
até o terceiro colegial dai eu presto o vestibular pra fazer pedagogia na faculdade
de filosofia de Sorocaba e o primeiro livro que eu vou ler, eu presto o vestibular
1967 e o primeiro livro que eu vou ler é “A Educação Como Pratica da
Liberdade” de Paulo Freire que é mudança da agua pro vinho em termos de
concepção de educação, Paulo Freire escreve exilado lá no Chile, então dai eu
começo a descobrir uma outra maneira de olhar as pessoas de olhar o aluno, um
outro relacionamento professor/aluno e principalmente a concepção de educação,
então me chama muita atenção nesse livro o modo como ele metodologicamente,
do ponto de vista metodológico de Paulo Freire e do ponto de vista filosófico
como é que ele via a educação de adultos como é que ele enxergava a pessoa e
como ele inseriu o processo de alfabetização nesse contexto então por exemplo
numa comunidade de adultos analfabetos que eram pedreiros e que lidavam com
tijolo com massa com cimento com agua com areia o dia inteiro ele falou “é um
crime alfabetizar esse pessoal a noite depois de ter trabalhado o dia inteiro, ta
cansado mão calejada, pegar uma cartilha que era o que se fazia na época e
40
alfabetizar o adulto com a cartilha infantil dizendo assim: “Pedro viu a uva”, “o
neném baba”, ele dizia “como?”. Paulo Freire cria a palavra desencadeadora então
ele começa a conversar com esses adultos e esses adultos “não o senhor que deve
falar, o senhor é que sabe”, e ele falou “eu sei algumas coisas e você sabe outras”.
Então educação é uma troca de saberes, não é vertical como foi a minha colégio,
mas ela é horizontal se troca saberes, então Paulo Freire começa a perguntar: o
metro quadrado de parede quantos tijolos vão? Como faz a argamassa? Quais as
medidas pra faze-la? E os alunos vão ficando felizes por que eles não são burros,
eles sabem alguma coisa e dai o Paulo freire diz bom nessa comunidade eu vou
começar alfabetizando com a palavra tijolo, e dai Ta, Te, Ti, To, Tu, mostrando as
famílias silábicas etc. eu sei que hoje pra alfabetização infantil tem muito que não
usam esse método usam um outro mas eu acho que usar um outro método sem ter
certeza é pior do que usar o silábico por que a criança não sabe direito como é que
escreve e etc. o interessante é que eu me lembro que então das palestras das
conferencias que o Paulo freire fez na faculdade de filosofia de Sorocaba na
década de oitenta quando ele volta do exilio e que são essas que se transformaram
nesse livro “Paulo Freire ao vivo” que eu tive ai a chance, a oportunidade, o
privilegio de gravar de transcrever depois Paulo freire corrigiu pra ser publicado,
ele explica nessas palestras, lembro dele assim escrevendo, projetando os slides da
família silábica do tijolo Ta, Te, Ti, To, Tu, dai ele diz que ele pergunta pra uma,
pra classe, uma classe de pouquíssimos alunos, os operários da construção civil de
Brasília, Brasília esta sendo construída, que eram chamados de “candangos”, era o
apelido que eles receberam a maioria vinha do nordeste pra construir Brasília e
que era lá no refeitório depois das refeições naqueles bancos feitos de taboa e
cavaletes, mesas de taboa e cavalete, uma lousinha que ele falava que era uma
lousinha preta, hoje a lousa é verde, quando tem lousa é verde, uma lousa preta
pequenininha, um pico de luz que iluminava mais ou menos e quem quisesse se
alfabetizar ia nessas aulas depois, a noite e alguns vinham com a mulher do
nordeste enquanto eles trabalhavam na construção civil de dia elas trabalhavam no
refeitório fazendo aquela enormidade de comida pra todos, e dessas mulheres
muitas eram analfabetas então elas vinham com os maridos assistir as aulas. Então
pra esse grupo ele pergunta, mostra as famílias silábicas, como ele fez lá na
faculdade de filosofia de Sorocaba, e ele pergunta “Alguém consegue fazer
alguma palavra com essas silabas além de tijolo?”, ai ele diz que uma mulher
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levanta a mão e ele diz” Fala minha senhora”, e ela diz “Tito”, ai ele pergunta “o
que é Tito?”, ai ela falou: “primeiro é nome de gente”, preciso contextualizar, Tito
era o imperador da Iugoslávia, e que estava visitando o Brasil naquele mês. Como
que ela sabia se ela não lia? Ficava com o radio ligado o tempo todo enquanto
fazia comida e se informava, então o Tito, imperador da Iugoslávia estava vindo
para o Brasil, então primeiro é nome de gente, essa mulher fala, mais ou menos
55, 60 anos Paulo Freire dizia que ela tinha, então ela viu o Ta, Te, Ti, To, Tu, o
Tito dai o marido dela diz: “e é o Pape que nois vota é tito”, você já imaginou se,
naquele momento, Paulo Freire falasse: “não é papé minha senhora é papel, não é
nois vota é nos votamos, e não é tito é titulo” ninguém ia querer fazer mais
palavra nenhuma, ele vai corrigir, não naquela aula, não naquele dia. Então Paulo
Freire também coloca a importância da correção no momento da correção você
corrige uma palavra erra você não desqualifica a pessoa não é falar pro aluno que
ele é burro, é fala olha você escreveu casa com Z, mas é com S então você corrige
o erro você não desqualifica o aluno, não xinga, não apelida não desqualifica não
chama de burro nada disso, bom dai o Paulo Freire agradece, a não lembrei, é a
própria mulher que diz que é nome de gente e depois é o papé com que nois vota,
dai no Paulo Freire agradece e ela senta e dai ele pergunta se alguém quer formar
uma outra palavra dai o marido dela se levanta vai lá na lousa vira pra mulher e
diz “Tu já lê”, isso é uma frase, por que Ta, Te, Ti, To, Tu, Tijolo, Já, Je, Ji, Jo,
Ju, Tu Já, La, Le, Li, Lo, Lu Lê, você já lê! Tu já lê, naquele momento ele não vai
dizer olha a conjugação do verbo na segunda pessoa do singular é Tu já lês, vão
aprender verbo, não naquele momento. Então mudança na vida profissional e na
vida pessoal, pra mim, na vida profissional ainda não tinha começado eu ainda
estava fazendo o primeiro ano da faculdade o segundo de um curso de quatro
anos, não era bem uma mudança, era uma formação, quer dizer, uma mudança em
termos daquilo que eu aprendi no colegial e do que eu estava aprendendo na
faculdade mas era uma formação de como deveria atuar como professora para
poder evitar alguns erros, algumas coisas erronias que podia ter feito e que deu
tempo de não fazer por que graças a Deus logo no primeiro, segundo ano da
faculdade eu já entrei em contato com a obra dele. E mudança a vida, depois que
você entra em contato com a obra do Paulo Freire você não consegue mais
enxergar não só o aluno, se a sua profissão é professor, enxergar o mundo da
mesma maneira, tudo passa a ser valorizado, não há conhecimento inferior e
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superior, em Pedagogia do Oprimido Paulo Freire fala de não existir a
absolutização do saber e a absolutização da ignorância. Essa absolutização
colocada em outras palavras, na visão do Paulo mesmo nas palavras dele é que
ninguém é tão sábio que não tenha mais nada para aprender e ninguém é tão
ignorante que não tenha nada pra ensinar, então não há alguém que é ignorante em
absoluto e outro que seja sábio em absoluto ai eu lembro do Mauricio citando lá o
barqueiro que perguntam pra ele se ele já leu isso e aquilo e ele diz que não ai o
barco virou, e os que perguntaram eram doutores e o barqueiro pergunta vocês
sabem nadar? E os doutores respondem não, antes eles falaram para o barqueiro
que ele havia perdido metade da vida se você não leu tal obra, eram professores
universitários na travessia de uma rio num barco e tudo que eles perguntaram de
literatura o barqueiro não conhecia e dai o barco virou deu uma ventania e ele
pergunta e você sabe nadar? O professor responde não e ele diz então você perdeu
a vida inteira por que tinham falado que ele havia perdido a metade da vida. Então
é agora essa visão eu acho assim tão fundamental e não é só em relação ao aluno
maduro analfabeto ou ao adulto universitário que da pra gente dizer que ninguém
é tão sábio que não tenha mais nada pra aprender e ninguém é ignorante que não
tenha nada para ensinar isso se refere a uma criança, uma pergunta que uma
criança de pré-escola faz e quanto é difícil pra gente responder com honestidade
num nível que ela consiga entender, “por que o céu é azul?” a resposta supõe
conhecimentos de física porque o céu é azul? Não é assim por que Deus quis,
“oque é quando?” você não vira pra uma criança de três anos e diz é um adverbio
de tempo, por que ela pergunta o que é quando? Por que ela queria tomar sorvete
ai os pais falaram quando você sarar da gripe, queria ir à casa da vó, quando
chegar domingo, ela queria sair passear, a mãe falou espera quando seu pai chegar
do trabalho, então o que é quando que pra ir na casa da vó é quando chegar
domingo ou quando sarar do resfriado ou quando o papai chegar então você tem
que dizer olha é uma condição que precisa acontecer antes, precisa acontecer
primeiro essa pra depois a outra, você precisa se fazer entender então responder
uma pergunta de uma criança é um momento de reflexão do adulto pra responder
com honestidade e num nível de conhecimento que essa criança tem, bom deixa
eu passar pra outra pergunta se não eu fico só nessa por que olha não há mudança
na vida profissional sem a vida pessoal nem a pessoal sem a profissional elas são
interdependentes.
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Martinez Jr.: Pelo que a senhora estudou e pelo tempo que conviveu junto do
Paulo qual a visão de mundo que ele tinha ao seu entender?
Chebel: eu acho que é uma visão de respeito, solidariedade e ajuda mutua entre as
pessoas, o mundo físico e o mundo cultura, a concepção que ele pega pra falar de
mundo é tudo aquilo que é produto, produzido pelo ser humano, que na época ele
dizia homem depois ele vai, tem uma obra que ele vai dizer que toda vez que ele
falava homem era homem e mulher então ele passa a dizer agora ser humano, tudo
aquilo que é produto do ser humano, um tijolo, uma colher, um bolo, um livro,
uma ideia, uma pesquisa, seja produto concreto, objeto, ou seja, produto no
sentido de ideias é cultura, não é natureza, é cultura e essa cultura tem que ser
socializada as pessoas tem direito a conhecer tem direito ao saber então a
concepção de mundo dele, mundo social nesse caso, é uma concepção de troca, de
solidariedade, de respeito, de ajuda mutua, de compartilhar tudo, não é uma
concepção de classes, de egoísmo, de “ eu mando e você obedece”, então existe
maneiras de você chegar em uma conclusão do que deve ser melhor para aquele
grupo pra fazer, mas não você fazer pelo outro mas fazer com o outro, eu acho
que isso em termos de educação seja popular ou seja qualquer expressão que se
use, é sempre com a participação do outro, olha se você olhar isso na escola de
hoje e na escola de 40 anos atrás quando eu comecei a minha vida estudantil nos
somos muito longe dessas ideias, não elas sejam impossíveis de conseguir colocar
em pratica mas é que a maioria das pessoas não conhece, hoje sim Paulo freire
esta um pouco mais estudado e divulgado no Brasil, quando ele começa a ser
estudado no Brasil, exclusivamente nos cursos de pedagogia, então mesmo que o
professor de historia se formou vai lecionar historia, o de Educação Física vai
lecionar Educação Física, vai ser professor diziam, não ele não vai precisar saber
disso é o pedagogo que tem que estudar Paulo Freire, hoje eu já estrou vendo que
a Educação, outro dia vieram aqui conversar comigo alunos de jornalismo que
sabiam quem era Paulo Freire, tinham lido alguma obra dele de algumas ideias
dele, então eu acho que mesmo devagar, mesmo faltando muito mas hoje ainda o
Brasil esta conhecendo um pouco mais a obra dele que é muito mais conhecida no
exterior valorizada e posta em pratica enquanto, as vezes no Brasil esta
procurando importar modelos de Portugal, da Suécia etc. que talvez deu certo lá
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não sei se daria certo aqui, mas aqui nos não precisamos buscar modelos deve
conhecer tudo que acontece em educação no mundo mas não precisa imitar,
buscar pra imitar por em pratica eu acho que eu diria que a concepção de mundo
de é esperançosa e critica, de uma esperança critica e não de uma esperança
ingênua, a esperança ingênua em dizer que o mundo vai ser melhor e cruza os
braços, a esperança critica é aquele que acredita que o mundo vai ser melhor por
que ele esta agindo não por que ele cruzou os e não esperar que tudo venha de
Deus por que, pode-se nem ter uma visão religiosa, mas que venha da obra do ser
humano em grupo, compartilhada, e , deixa só eu falar um pouco dessa esperança
na concepção de mundo, na pedagogia da esperança ele diz que o professor tem
que ser esperançoso ele tem que ser inerente, é uma necessidade vital! Por quê?
Por que se não ele não tem esperança que o aluno vai aprender, que o aluno não
vai ser melhor, que a educação vai melhorar a vida de todos, o que ele esta
fazendo ali? Agora não é essa esperança assim de ingenuidade “ah vai ser tudo
melhor!” é da práxis, é da ação, reflexão, ação, quer dizer eu estou ensinando
Educação Física pra oitava serie em um determinado momento de um
determinado modo os alunos estão indisciplinados, será que eles são
indisciplinados? Será que é o meu modo de trabalhar a disciplina? Será que se eu
fizer alguma mudança aqui eu produzo interesse neles? Isso é práxis, ação-
reflexão-ação, mas eu tenho que ter esperança, mas eu tenho que ser autocritico
também, uma autocritica, mudanças, melhorias dentro de uma visão esperançosa.
Acho que eu tenho uma imagem que expressa isso o progresso, a melhora e a
esperança não são uma linha reta, são uma espiral, aqui eu melhorei, aqui eu errei
aqui eu melhorei aqui eu errei, aqui eu acertei com essa classe aqui eu acertei de
novo, veja, a direção é ascendente, mas é uma espiral como toda a vida humana é
feita de erros e acertos e a reflexão é que vai dizer errei no que? Da pra melhorar
no que?
Martinez Jr.: o que estudar Paulo Freire muda na vida de um professor?
Chebel: pra não ser repetitiva no que eu falei, muda visão de escola, muda visão
de ser humano, muda visão de aluno, muda visão de mundo, muda visão de
televisão, acho que muda a visão de tudo, e ajuda o professor a ser mais autentico,
a ser mais eficiente, no modo que ele esta trabalhando com aquele conteúdo, no
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modo como ele da exemplo, como ele vai exemplificar, adaptado a idade a
finalidade daquele curso, se é alfabetização pra crianças de 6 ou 7 anos se é um
curso universitário por que estudar Paulo Freire ajuda a desempenhar o papel de
professor em qualquer nível de ensino desde a escola até o pós doutorado é uma
visão diferente de respeito a pessoa de troca de saberes e não dizer assim “eu sei,
como é que ele não aprendeu?” vou dar um exemplo, eu estava na sexta serie e o
professor de Matemática estava dando um exercício de matemática que, supunha,
aquilo que aprendeu na quinta e muitos alunos não lembravam mais ou nem
tinham aprendido dai ele vai tomar satisfação com o professor da quinta serie,
como o senhor não ensinou tal coisa? E ele disse, claro que eu ensinei! E por que
eles não aprenderam? Quer dizer, não da pra dizer eu ensinei se não houve
aprendizagem, então não foi bem ensinado, os métodos não foram os melhores ou
o método foi bom mas a classe tinha medo do professor e o medo, as vezes,
impede que a gente aprenda, quanto, as vezes, o medo impediu os alunos de
pronunciarem corretamente as palavras em inglês? Professor de inglês que era
muito rígido, que era muito bravo, o aluno tinha a capacidade pra aprender inglês
mas, ele tinha medo, aquilo bloqueava, na hora de pronunciar pronunciava errado
então, o que ajuda ao professor lendo Paulo Freire, dentre tantas coisa eu acho que
essa visão bancaria e libertadora, visão bancaria é acumulo de conhecimento
parece que assim, eu falei, necessariamente, ele aprendeu e o conhecimento é uma
somatória eu vou somando. A visão libertadora você vai interagindo com o
conhecimento, você vai refletindo, você vai criticando, o aluno tem que exercer a
capacidade crítica, a escola não pode ter medo de critica, o professor não pode ter
medo de critica, critica não quer dizer depredar a escola, mas, assim não é ato de
violência, mas a critica é mostrar aquilo que não esta indo bem do seu ponto de
vista, então é essa ideia de troca mesmo de experiência e de troca de saberes.
Martinez Jr.: Quais pensamentos de Paulo Freire continuam atuais?
Chebel: Fazendo o inverso, se você perguntar o que ele pensava que não esta
atual, que não cabe mais no mundo atual que não pode ser usado, olha assim de
supetão em uma entrevista eu não consigo enxergar nenhum que não seja atual,
talvez em uma releitura das obras ou de uma maneira mais critica eu encontre,
mas, olhe consciência do inacabamento, todos nos somos seres inconclusos,
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incompletos, inacabados, que nos temos que aprender sempre isso continua atual.
Educação bancaria e libertadora, conscientização, ele tem um livro só sobre
conscientização, “Conscientização: teoria pratica da libertação” aqui ele entra em
detalhes sobre o que é conscientização o que ele esta entendendo, e foi um dos
que eu mais usei no meu doutorado em educação para o transito, conscientizar,
por que eu às vezes vejo entrevistas de pessoas, publicação em jornal, tem que
conscientizar o motorista, mas conscientizar pra eles é dar uma palestra, deu a
palestra conscientizou, aqui ele mostra que conscientização é um processo longo,
demorado, gradativo, mas que, felizmente, não tem volta, quer dizer, uma pessoa
conscientizada sobre educação ambiental sobre jogar o lixo no lixo, sobre não ser
imprudente no transito não tem recaída, quer dizer ele não deixa de ser consciente
e volta ao processo anterior, então eu acho que esse conceito do Paulo Freire
ainda esta longe de ser conhecido em profundidade como ele falou, quer ver um
exemplo, agora eu vou falar do transito, vamos supor uma pessoa que joga pela
janela papel de bala, palito de sorvete, tudo pela janela do carro vamos supor e
tem preguiça de por a sacolinha e jogar as coisas ali dentro da sacolinha dentro do
carro, e um dia essa pessoa vamos supor, viu o que eu presenciei na avenida
marginal Dom Aguirre aqui em Sorocaba, perto de onde fica o corpo de
bombeiros na marginal, tem um semáforo e eu estava dirigindo na pista do meio e
na minha frente um ônibus que faz a ligação Sorocaba São Paulo, e o semáforo
estava fechado, então os carros já estavam em uma velocidade menor por que
tinham que parar pois o sinal estava vermelho e uma pessoa no fundo do ônibus
joga pela janela uma latinha de refrigerante vazia, a latinha foi cair na pista da
direita batendo no capacete de um motociclista que se desiquilibrou, você já
imaginou você esta dirigindo e cai uma lata no seu capacete, isso eu presenciei e
de repente ele perdeu o equilíbrio e a moto caiu e graças a Deus que o semáforo
estava fechado e os carros estavam devagar por que o carro que estava atrás dele
brecou e não passou por cima, não atropelou, se não eu teria presenciado tudo ali.
Bom eu nem sei se esse passageiro do ônibus teve a consciência do que ele
provocou, mas o que eu sei é que os carros ao redor, eu, o que estava atrás de mim
e principalmente o que estava atrás do motociclista e que todos viram aquela lata
voando e batendo no capacete eu acho que ali foi um momento que desencadeou
uma conscientização: Não devo jogar lixo da janela do carro, do ônibus, do
caminhão, por que além de poluir a rua posso causar um grave acidente de
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transito. Então acontecimentos há acontecimentos que parece que dão um choque
assim e a pessoa diz olha poxa o que eu vi, olha a consequência e aquilo vai
mudando vai refletindo e ela passa a não jogar mais nada, não por que tem multa,
mas por que é perigoso e pode matar alguém uma palestra nem sempre provoca
isso, um cartaz “se beber não dirija” ou então uma propaganda na televisão, aquilo
virou um slogan, propaganda de cerveja, qualquer coisa e aparece embaixo “ se
beber não dirija” um dos questionamentos que os meus alunos entrevistados da
área da saúde da PUC fizeram quando a gente estava refletindo educação para o
transito foi: saber oque é correto todo mundo sabe, por que nem todo mundo faz?
É a conscientização, quer dizer, a pessoa sabe se beber não dirija, não ultrapasse
pelo acostamento não exceda o limite de velocidade se você tiver com seu celular
falando, você pode estar distraído por que sua atenção esta na conversa com a
pessoa e não vê que uma pessoa esta atravessando e a atropela saber o correto
todo mundo sabe por que nem todo mundo faz é a questão da conscientização
agora no caso da educação, nessa pergunta dos ensinamentos atuais eu acho que
uma parte dos professores pode estar dentro dessa visão, saber o que seria correto,
o que seria ideal, por que ele não procede assim? Por que talvez seja mais difícil,
conseguir a disciplina de uma classe através do respeito, através do dialogo
através do interesse pela disciplina é demorado, mas é muito mais recompensador
do que conseguir a disciplina através do medo, olha como a classe fica quieta com
ela, mas por que eles morrem de medo dela, não por que estão interessados na
disciplina no assunto etc. agora outros professores eu acho que nem chegaram
nesse ponto de saber oque seria melhor para a educação por que nem estudaram
Paulo Freire, ou decoraram para a prova, a educação bancaria, pelos ensinamentos
atuais, você aprende para ir bem na prova, você aprende pra passar no vestibular,
pra ir bem no ENEM, não é aprender pra vida o que o Paulo Freire fala para a
educação libertadora é aprender para vida, numa visão assim sem ser uma analise
mais aprofundada, sem pegar de novo as obras de Paulo freire e reler eu lembro é
do que eu li uma vez, as vezes duas vezes cada obra mas não todos os livros que
eu tenho dele eu não li duas vezes, eu vi que todos os ensinamentos dele são
atuais agora talvez com uma analise mais aprofundada apontasse um outro que
não fosse atual mas, então eu estou tentando recordar, educação bancaria,
libertadora, conscientização consciência do inacabamento, esperança critica, são
muitas coisas, é eu acho que são todos atuais e aqueles pensamentos que não
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cabem mais no mundo atual eu creio que não são pensamentos talvez exemplos,
por exemplo, nesse livro “Paulo Freire ao vivo” ele da exemplo de propaganda
televisiva e faz a critica da propaganda de 1980 nos estamos em 2014, talvez
aquela propaganda hoje não esteja na televisão mas a critica que ele faz continua
valida, eu lembro que um dos exemplos que ele dava é que em um supermercado
pra classe C, mais popular classe D você punha as compras em um saco de
supermercado e tinha que ficar abraçado carregando ele isso quando ele volta do
exilio em 1980 e que um dia ele entra em um shopping em São Paulo e aquele
mesmo Supermercado que existia em lojas de rua agora esta dentro de um
shopping é uma filial desse supermercado que esta dentro de um shopping, e lá a
compra que as pessoas fazem não é só em um saco de supermercado assim, tem
uma alça, é uma sacola, então ele diz “por que esse tratamento?” de classe A, o
saco de supermercado tem uma alça, é mais pratico de você levar e o outro não
você tem que ficar carregando, os dois são sacos de papelão, só que um é sacola,
tem alça e a alça é reforçada, essa propaganda não tem mais esse supermercado,
por ética eu não vou nem falar o nome, não está passando mais na televisão, mas a
critica dele é valida no sentido de diferenciar o tratamento das pessoas pela classe
social que você imagina que ela pertença.
Martinez Jr.: A senhora respondeu as duas perguntas finais juntas então vou
deixar o espaço para uma ultima fala.
Chebel: eu queria então, informalmente dizer que quando Paulo Freire participa
desses seminários na faculdade de filosofia a convite do professor Aldo que tinha
trabalhado com ele em Genebra no conselho mundial das igrejas, veja pra mim o
que eu tinha lido em pedagogia do oprimido e principalmente em Educação como
pratica da liberdade, conhecer a pessoa, nesse tratamento pessoal, de ver com ele a
condução de São Paulo a Sorocaba com a Elza, que era viva, de ver o que ele ia
almoçar, o que ele ia jantar etc. reflete nesses assuntos a concepção dele de
educação, de mundo, de relacionamento com pessoas, veja eu era vice-diretora da
faculdade e trabalhava na mesma sala que o Aldo que era o diretor por que a
faculdade estava em reforma por que quando eu comecei o mandato era uma sala
pra cada um de nós com a reforma nós ficamos um ano e meio trabalhando na
mesma sala e eu batia a maquina, datilografava muito rapidamente veja não tinha
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computador eu estou falando de 1980, 81, 82 não tinha computador, as pessoas
entravam as vezes, professores de outras faculdades ou então um conferencista e,
se o Aldo estivesse ausente, mesmo que ele fosse ao banheiro se ele estivesse
ausente ali as pessoas olhavam pra mim e diziam: e o professor Aldo? E eu dizia,
ele se ausentou um pouquinho e já volta, você é secretaria dele? Eu respondia não
sou vice diretora a faculdade esta em reforma e nos estamos usando a mesma sala
o único que não perguntou se eu era secretaria do Aldo foi o Paulo Freire a
primeira vez que ele entrou, o Aldo estava na faculdade mas não estava na sala e o
funcionário da recepção o encaminhou para a diretoria e dai eu falei olha o
professor Aldo esta no prédio mas não esta aqui na sala o senhor quer se sentar a
senhora quer se sentar ele já volta, filha, filha por que a minha idade em 1980 e
pela idade do Paulo Freire com a barba, naquela época uma barba que vinha até
aqui depois ele cortou, então eu era filha mesmo podia ate dizer neta mas ele falou
filha o que você faz aqui? Veja ele não falou você é secretaria do Aldo? Embora
se eu fosse secretaria do Aldo não tinha problema nenhum, mas assim, minha
posição era outra, a vice direção o Aldo entrava de férias eu assumia a faculdade,
filha o que você faz aqui? Então veja o tratamento, ele faz uma pergunta, ele não
emite uma opinião, e o outro exemplo que me marcou muito, quando eu estava
fazendo o mestrado e o doutorado na PUC, o mestrado era o segundo eu fiz o
primeiro na década de 70 depois eu voltei em 90 fazer o segundo mestrado e
engatar no doutorado, o Paulo Freire era o professor do mestrado e doutorado em
educação e eu estava fazendo em psicologia, mas algumas aulas eu pedia pra
assistir mesmo como ouvinte por que nossa era uma maravilha os alunos, eu via
os alunos saindo da aula dele os doutorandos em educação babando do
conhecimento do respeito, e um dia eu estava na aula a porta estava fechada
estava frio era inverno, bateram na porta Paulo Freire abril eram alunos do centro
acadêmico acho que do DCE, que queriam conversar com a classe, dar um recado
pra classe passar uma informação, o senhor autoriza? Ele falou eu autorizo agora
precisa ver se eles autorizam dai ele perguntou para classe, vocês autorizam a
gente para um pouquinho ouve o que eles têm a dizer e todo mundo concordou ai
na hora eu cai em mim, quantas vezes eu estava aqui, na faculdade de filosofia
sando aula pra um curso, Historia, Geografia, Matemática a classe lotada alguém
batia na porta pra dar um recado do centro acadêmico, a senhora autoriza? Sim.
Eu nunca consultei a classe, dava essa ideia, eu autorizo eu autorizo, eles tem que
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autorizar também eu autorizo pode entrar, mas olha o respeito do Paulo Freire, eu
sim vamos ver eles, por que se a aula estava num ponto extremamente interessante
e que a classe não quisesse parar talvez ele falasse para os moços olha voltem
depois, voltem depois do intervalo não sei né mas, e as vezes que eu subia pelo
elevador por que a pós graduação na PUC no campo central que fina na Monte
Alegre bairro de Perdizes em São Paulo fica no 4°, 5° andar, 6° andar, tinha
elevador então eram andares altos, então a gente ia de elevador e o dia que eu
estava no segundo andar pra ir pro quinto, abre a porta do elevador, já tinham
pessoas dentro e a primeira era o Paulo Freire ai eu falei nossa! Sabe assim é
como se você pensasse numa pessoa extremamente famosa na época na área da
Educação Física e que de repente você vai na cantina do quarto andar quinto andar
e ele esta lá, e uma vez eu fui pra Itaici, é uma cidadezinha perto de Indaiatuba no
caminho de Campinas, que tinha as reuniões dos bispos do Brasil, antes era em
Itaici, hoje eu acho que é em Brasília, e convidaram Paulo Freire para falar sobre
educação para os bispos, por que educação religiosa, educação de um modo geral,
e cada cidade cada diocese podia mandar dois ou três leigos também pra ir, não
eram só padres e bispos, e o bispo de Sorocaba, não o Dom Eduardo hoje, o Dom
José Alambert que é falecido, nessa época eu estava na direção da faculdade de
filosofia, foi de 1988 a 92 que eu fui diretora a gente já estava caminhando para o
projeto da universidade, e dai o bispo perguntou se eu podia ir representando os
leigos, eu falei nossa que honra, dai ficamos três dias em Itaici refletindo sobre
educação de maneira geral e depois educação religiosa com o Paulo Freire lá,
então assim, eu acho que eu fui privilegiada de conhecer a obra dele de participar
de palestras, de ser aluno ouvinte no curso de pós graduação na PUC, de encontra-
lo em encontros religiosos ai em Itaici, de ficar transcrevendo as conferencias,
ouvindo a voz dele, agora, eu guardei todas essas fitas K7 por que eu to falando de
um período que não eram filmadas as conferencias a faculdade não tinha
filmadora e a gravação não eram como os meios de hoje, eram fitas K7 de meia
hora cada lado e ainda tinha que virar né, mas mesmo assim, quando acabou meu
mandato eu deixei tudo no multimeios, nunca fui ver se continuam lá por que eu
tenho muito medo que tenham jogado por que o que teria que fazer era fazer o que
eu fiz com as minhas fitas, transformar as fitas K7 em CD que a durabilidade é
muito maior, mas era a voz dele, era o arquivo sonoro do que ele falava assim
como Marcelo Rubens Paiva, todos que eram os grandes que vinham falar a gente
51
gravava e eu organizei o arquivo sonoro, mas de medo que isso não existisse mais
eu não fui procurar, mas olha tem muito, mudou um pouco, mas tem muito pra
mudar na educação brasileira pra melhor conhecendo a obra de Paulo Freire e o
mesmo livro, seja esse de conscientização seja aquele condensado, não resumido,
condensado que é pedagogia da autonomia, cada vez que a gente lê, relê e lê de
novo eu acho que a gente descobre mais implicações na nossa vida pessoal e
profissional e que pena que muitos não conhecem ou que conheceram pra fazer
uma prova e não pra aquilo entrar na vida
.
Martinez Jr.: Obrigado Professora.
Chebel: Eu que agradeço.
3.4. QUARTA PARADA
Assim como aconteceu com a professora Sônia, a entrevista com o
professor Aldo Vannucchi aconteceu por conta da indicação e incentivo da
professora Sônia que, ao final da entrevista, me perguntou se eu já havia
entrevistado o professor Aldo. Quando disse que não ela me passou o numero da
secretária dele e disse pra eu entrar em contato, pois seria interessante colocar o
relato dele no trabalho.
Mandei e-mail para o professor Aldo e fiquei feliz ao obter uma resposta
positiva a respeito da entrevista por conta da imensa importância dele na história
da educação em Sorocaba, por ter trabalhado e ser amigo intimo de Paulo Freire
durante e após o exilio de ambos.
Nesse momento percebi o tamanho da responsabilidade do trabalho que
estava redigindo por lidar com sentimentos de saudade que moldaram a didática e
a postura de quem foi aluno de Paulo Freire, e ainda pude contemplar a saudade e
o carinho de quem conviveu ao lado dele em um momento tão difícil na vida de
ambos com as histórias de Aldo Vannucchi que vamos acompanhar agora.
52
3.4.1. Aldo Vannucchi
Martinez: O senhor poderia contar pra mim onde conheceu Paulo Freire?
Vannucchi: Eu conheci Paulo Freire, primeiramente, em uma palestra em Roma
em 1968 que eu tinha saído daqui do Brasil por causa da ditadura, foi uma palestra
assim, eu o conheci de longe, e já tinha lido o livro dele, já tinha apoiado o
trabalho de alguns alunos da faculdade de filosofia onde eu era diretor para que
eles fizessem alfabetização dentro da metodologia do Paulo Freire e eles
realmente fizeram um trabalho na vila Angélica em Sorocaba, mas o
conhecimento mais profundo, eu diria quase total com o Paulo foi mais tarde em
1973, 1974 por que eu de novo precisei sair do Brasil por causa da ditadura outra
vez e fui morar em Genebra na Suíça, e lá eu consegui emprego no Conselho
Mundial de Igrejas, o Conselho Mundial de igrejas é, só para comparar e
simplificar é o vaticano dos protestantes, assim como o vaticano é a central da
igreja católica no mundo o Conselho Mundial de Igrejas é o órgão central, e não
de vinculação obrigatória para toda e qualquer igreja evangélica mas que tem
umas trezentas igrejas evangélicas afiliadas, e lá o organismo, então com essa
finalidade, mas lá há muitos católicos trabalhando, e eu então, fui trabalhar como
um católico lá dentro, e a própria igreja católica, não é membro desse conselho e
nem podia ser né, mas ela é convidada e tem acento lá dentro, eu primeiro fui
trabalhar no setor das relações internacionais na área de direitos humanos, mas
logo depois pediram para eu passar a trabalhar na área da educação quando o
Paulo era a grande e principal figura, não figura executiva mas própria da missão
dele um grande educador o grande conferencista que naquele tempo corria o
mundo convidado por toda e qualquer nação, qualquer igreja e ele vivia viajando,
mas a gente ficou logo muito amigo por que o Paulo era uma figura muito
sentimental, não só por ele e eu sermos brasileiros mas por ele viver muito, sofrer
muito a saudade de tudo que era do Brasil, ele morava com a esposa e os filhos
em Genebra em um apartamento, tinha carro mas não dirigia, eu dirigi muitas
vezes o carro dele, a vida digamos assim, humana sentimental dele era muito
intensa dependia muito da esposa dona Elza, alias, dona Elza era professora
primaria, trabalhou lá em Recife como professora primaria uma pessoa realmente
muito, de personalidade muito rica, sem vaidade nenhuma mas uma experiência
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fabulosa e muito equilibrada, ela que punha equilíbrio na vida do Paulo, esse
aspecto brasileiro sentimental dele, agente via , por exemplo na comida eu tinha o
compromisso que ele criou comigo de jantar toda quarta feira no apartamento dele
e sempre que eu podia é claro que eu ia com muito gosto e era a comida que a
dona Elza fazia por que na vida dele de muita viajem ele vivia comendo fora e
mesmo em Genebra em reuniões de trabalho então o jantar na casa deles
especialmente na quarta feira era um momento muito interessante de conversa, de
amizade, de vida familiar. Outro aspecto interessante na vida do Paulo é que ele
falava inglês e espanhol, morava em Genebra onde predominava o francês, mas
ele detestava o francês e não falava, a Elza por sua vez não falava nenhuma língua
e era adorada pelas outras senhoras, pelas outras mães por que muitos pastores,
muitos chefes de igreja, muitos teólogos das varias igrejas, das muitas igrejas
evangélicas do mundo trabalhavam lá dentro e evidentemente foram morar em
Genebra com suas famílias, e essas senhoras as vezes ficavam sem ter o que fazer,
o marido o dia inteiro lá no conselho mundial então eram muito comuns reuniões
dessas senhoras e a dona Elza participava sem falar nenhuma outra língua mas
muito agradável muito segura de si muito querida de todas. O Paulo teve vários
filhos né, Madalena, Cristina, a outra eu não me lembro, Joaquim e o mais novo
que, por sinal, dirige em São Paulo o Instituto Paulo Freire um nome interessante
eu não me lembro agora, o Joaquim é um grande violonista, parece que continua
morando em Genebra, a Madalena filha mais velha trabalhou em São Paulo e esta
em São Paulo ainda muitos anos, ela é uma espécie de Paulo Freire feminino em
São Paulo tem também obras publicadas.
Martinez Jr.: como foi para o senhor trabalhar com Paulo Freire em Genebra?
Vannucchi: como eu estava dizendo, foi muito interessante por que ele por
incrível que pareça precisava de apoio humano assim, por que a vida dele lá era
muito oficial, era um ídolo então tinha relações muito formais ou então relação
muito esporádica hoje tava na Guiné africana daqui a pouco estava no Canada
outro dia tava na Alemanha então contato assim muito esporádico sempre com
muita formalidade, sempre na linha do trabalho pedagógico dele, então o trabalho
comigo foi muito mais humano, muito mais simples de conversas e coisas bem
intimas até, e um dos compromissos que ele tinha em Genebra que ele atendia
54
todo mundo né, foi dar essa orientação pedagógica para o trabalho dos padres
espanhóis que trabalhavam na Suíça como capelães da coroa espanhola lá na
Suíça, você sabe que a suíça era e hoje continua sendo um pais onde a mão de
obra mais simples é feita por portugueses, espanhóis, italianos la do sul da Itália,
hoje em dia de árabes, e naqueles anos a colônia espanhola era muito grande la,
muitos trabalhadores espanhóis trabalhavam lá e evidentemente a Espanha
católica na sua grande maioria e ai havia um grupo ali, 8 ou 10 padres espanhóis
que trabalhavam com a colônia espanhola e iam para a Inglaterra, Zurique,
Basileia, toda parte da Suíça e ele inicialmente atendeu a esses padres espanhóis,
mas logo que eu cheguei ele pediu, falou, você chegou em boa hora eu vou passar
pra você e você trabalha, você agora vai trabalhar com eles e foi para mim, muito
interessante , reuniões sobre a Pedagogia do Oprimido, como que eles podiam
combinar a vida pastoral com a ação pedagógica e então esse foi
profissionalmente a ligação maior que eu tive com ele lá na Suíça.
Martinez Jr.: Depois que vocês voltaram do exilio, o que mudou na vida de vocês?
Vannucchi: A mudou muito, eu não posso falar por ele, mas para mim mudou
muito por que, bom mudou e não mudou, eu voltei no começo de 75 ainda estava
em plena ditadura, a ditadura foi ate 85, e a minha volta foi ate um ato de coragem
por que os amigos aqui no Brasil me escreviam e recomendavam, não volte ainda
é muito cedo, espere mais, mas eu me aventurei e voltei, mas aqui eu continuava
seguido e perseguido, tudo que eu falava, tudo que eu escrevia eu tinha alunos, eu
voltei, eu tinha sido diretor da faculdade de filosofia mas eu voltei como simples
professor, e como professor eu tinha aluno delegado de policia e eu via o cara la
tomando nota de tudo que eu falava e eu continuava falando de tudo que eu
sempre falei, escrevendo no jornal, falando na radio Cacique, dando aula, sempre
a mesma linha né de falar da justiça social cristã segundo a doutrina da igreja de
acordo com a realidade que eu via e sabia da cidade de Sorocaba onde eu trabalhei
muito com universitários e operários e era tão seguido que depois que acabou a
ditadura eu consegui a minha ficha no DOPIS em São Paulo foram 118 folhas
uma delas é interessante que da pra rir e chorar ou da pra chorar e pra rir que uma
noite eu fui visto saindo da pizzaria no centro de Sorocaba o delegado de
Sorocaba oficiando para o delegado de São Paulo delegado geral que o senhor
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Aldo Vannucchi foi visto saindo da pizzaria Pizza na Pedra que ficava na bulevar
Braguinha ali no centro.
Martinez Jr.: Depois do exilio como surgiu a ideia de convidar Paulo freire para
fazer as convenções aqui em Sorocaba?
Vannucchi: Então, claro que eu voltei bem antes, me parece que ele voltou em 79
se eu não me engano a nossa amizade, logo depois que ele voltou procurei
contata-lo em São Paulo, estava dando aula na PUC e convidando ele falou é claro
que eu vou sem problema ai eu consegui traze-lo quatro noites, não seguidas, mas
de tempo em tempo, eu me lembro que uma noite eu o apresentei lá no salão
Trujilo, Salão Vermelho, antes de começar a palestra ele falou eu agradeço o
convite estou aqui mais uma vez eu quero dizer que devia estar hoje no Canada
mas o convite do Aldo foi mais importante. E ele falou então quatro vezes, e a
professora Sonia foi sempre muito amiga minha e grande professora, um mandato
eu fui diretor e ela foi vice-diretora nessas palestras ela gravou tudo com a
autorização dele e depois então a gente decidiu publicar o livro, que é o Paulo
Freire Ao Vivo, você viu ou não?
Martinez Jr. Já cheguei a ver, mas não li, ainda não tive acesso.
Vannucchi: editora Loyola, infelizmente a editora foi muito infeliz na capa, muito
escura, muito mesmo, mas o livro esta ai vendido ate hoje, as palestras dele com
uma introdução minha e antes de publicar, evidentemente a gente passou pra ele ai
foi um trabalho duro que só por muita amizade ele aceitou, ele precisou reler tudo
chamou uma secretaria pra mudar isso aquilo demorou um pouco, mas, o livro
saiu. Então é uma contribuição interessante na bibliografia do Paulo Freire que é
imensa, se você já a viu praticamente não tem fim continuamente sai livro,
palestra, artigos sobre a obra dele no Brasil e no mundo e quando ele vinha ele
trazia a Elza e eles ficavam em casa era uma delicia.
Martinez Jr.: Paulo freire sempre zelou pela cultura do aluno, utilizar a cultura
deles para alfabetizar, na educação brasileira, no atual cenário histórico e politico,
essa valorização ainda é presente?
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Vannucchi: esse é um problema muito serio eu tenho ate um livro publicado
Cultura Brasileira, o que é e como se faz, esta na quarta edição, onde a minha tese,
desse livro e de inúmeras palestras que eu já fiz e é ligada a essa visão do Paulo
Freire que cultura é a transformação da natureza pelo ser humano, então o
lavrador, alias, o que é agricultura? Agricultura é cultura do agro, cultura do
campo, a cultura humana surgiu no campo, o primeiro ser humano que olhando a
natureza viu brotar isso brotar aquilo deve ter pensado e pensou se eu trabalhar
isso ai talvez eu consiga fazer crescer mais nascer mais e ai veio toda a vida
agrícola rural que é o começo da humanidade e continua ate hoje, a moça que
trabalha na sua casa ou na minha casa que pega um punhado de arroz um punhado
de feijão a farinha um pouco disso e daquilo e faz o almoço ela sabe fazer o que
eu com mestrado não sei fazer então há diferentes níveis culturais mas tudo é
cultura não só quem sabe varias línguas, não é só quem viajou pelo mundo, não é
só quem tem muitos livros muita leitura que é culto, o pedreiro é capaz de fazer
não só a parede mas uma casa, um palácio, uma catedral eu não sei levantar nem
três tijolos um em cima do outro não sei fazer o reboco então cada um tem a sua
cultura e a cultura o que é no fundo? É o domínio que o ser humano tem sobre a
natureza. A vaca da leite, leite aquilo é produto natural o queijo não é a vaca que
da é o ser humano que produz o queijo é produto cultural, o livro é produto
cultural não tem arvore que de livro, mas o pêssego a manga que alguém cultiva
produz e vende é também um produto cultural entende, essa visão assim tão
simples é fundamental por que democratiza o saber, democratiza a vida escolar
democratiza a vida social é oque a gente não tem infelizmente, eu infelizmente
acho que essa visão não é a visão da maioria dos professores a maioria insiste e eu
também insisto em leitura, leitura e leitura tudo bem mas não esqueça de valorizar
o pai daquela aluna daquele aluno lá do Jardim Tatiane que é pedreiro que é
ferreiro que é auxiliar de limpeza da escola pode ate ser analfabeto mas ela
também tem cultura então essa visão faz com que o pais ou fara com que o pais
seja realmente democrático e isso esta na raiz da pedagogia do método de
alfabetização do Paulo Freire que fala do tijolo disso e daquilo.
Martinez Jr: em Pedagogia do oprimido tem uma frase que eu acho muito
interessante que é “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os
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homens se libertam e comunhão,” e ele diz o mesmo sobre a educação, o que o
senhor pode me dizer sobre essa frase?
Vannucchi: essa visão que eu disse da cultura é justamente isso, se você se sente
tão respeitoso com a empregada da casa, com quem cuida do lixo da rua como
com o prefeito, o bispo, o governador, o doutor fulano todos você se sente
necessário e os outros necessários pra você, um nexo cultural humano profundo
que nivela culturalmente todo mundo nivela em nível de respeito de valor claro
que sempre haverá diferenças, a diferença não é o mau mas a desigualdade é um
mau, nos somos todos diferentes um do outro, mas nos temos que lutar para que
não haja desigualdade um comendo bem outro passando fome, um podendo ler e o
outro analfabeto, um morando bem e outro sem ter onde morar, a desigualdade é
que fere a dignidade humana e não a diferença.
Martinez Jr: por que as obras de Paulo Freire foram tão revolucionarias e
importantes antigamente e nos dias de hoje também?
Vannucchi: precisamente por isso, por que mostra como a educação não pode ser
formalizada demais ela precisa ser basicamente humana para poder ser uma
educação libertadora por que se ela não respeitar a dignidade humana básica
fundamental que esta em qualquer ser humano ela vai tomar caminhos de
privilégios e de desigualdades a libertação é fruto de uma consciência própria da
própria dignidade e da dignidade dos outros por isso ele disse que ninguém se
educa que ninguém se liberta sozinho na mediada que a educação é um processo
de um crescimento pessoal mais um crescimento de acordo com a vida humana no
universo onde entra então, a natureza bruta, a natureza trabalhada, a natureza
física e a natureza, hoje, tecnológica e sempre a natureza humana essa visão
universal holística é fundamental para a pessoa se sentir bem colocada no mundo
sem perder o sentido da própria vida hoje é comum gente deslumbrada com a
tecnologia que realmente é maravilhosa, mas a tecnologia não é o caminho, ela
sozinha não é o caminho da nossa educação e da nossa libertação ela deve ser
conjugada com a educação artística, com a educação cientifica, com a educação
filosófica, com a educação religiosa, o saber humano verdadeiro não é unilateral.
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Martinez Jr: Os estrangeiros valorizam mais Paulo Freire que nós brasileiros?
Vannucchi: essa é uma estatística difícil de dizer, mas em termos assim, digamos
matemáticos e geográficos é bem provável que sim por que o Brasil é um e tem
mais uns duzentos países pelo mundo, outro aspecto também é que a universidade
brasileira é muito jovem, não tem cem anos e as universidades europeias têm
séculos e séculos, então é possível ou é certo sem duvida nenhuma que há muito
mais doutores, há muito mais pedagogos, há muito mais cientistas da educação
fora do Brasil do que no Brasil consequentemente pode haver, deve haver mais
leitores e conferencistas sobre Paulo Freire lá fora.
Martinez Jr: Nas convenções que Paulo Freire fez aqui em Sorocaba, no projeto
“Vivendo e Aprendendo” um dos objetivos das convenções era: “Buscar a ação
educativa que leve à intervenção na realidade e sua valorização”, ou seja,
aprendendo com a vida. O que Paulo Freire ensinou ao senhor que interveio em
sua realidade que o senhor carrega ate hoje?
Vannucchi: então foi, não só Paulo Freire evidentemente, minha formação é em
filosofia eu dei aula muitos e muitos anos sobre filosofia, conheço muito filósofos
e é evidente que isso esta na base da minha formação e o Paulo Freire foi algo a
mais, e algo assim muito, afetivamente, ligado a mim e essa visão de viver é
aprender e aprender é viver foi fundamental na minha vida eu sempre procurei
muito trabalhar o que eu sabia o que eu aprendia o que eu queria saber juntando
com aquilo que eu via com aquilo que eu sentia com na população, no mundo,
especialmente no mundo mais pobre, no mundo operário de Sorocaba, naquele
tempo Sorocaba não era a de hoje, naquele tempo Sorocaba vivia muito da
Sorocabana, estrada de ferro Sorocabana e mais ainda da indústria têxtil, fabricas
de tecido que de tempo em tempo a Sorocaba era apelidada de Manchester
paulista, Manchester da Inglaterra era a grande cidade onde a indústria têxtil
floresceu mais do que qualquer outro lugar e de lá vieram maquinas, engenheiros
e famílias trabalhar em Sorocaba, a gente vê ate hoje nome de rua, alameda
Kenvort, Comendador Oeter, Largo do Lider que o nome real é Frank’s Piers,
tudo isso mostra que Sorocaba vivia muito da indústria têxtil e tinha, naquele
tempo, uma grande força exportadora e a exportação era periódicas temporadas de
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produzir tudo ao máximo para mandar pra Santos pra ir embora pra África, para a
Europa a produção sorocabana, e nesse esforço de ganhar ao máximo os
industriais exploravam ao máximo então era muito comum operários operarias
serem obrigados a dormir na fabrica com lanche com sanduiche, a legislação
trabalhista naquela época era muito falha e eu sabia disso e eu tinha programa
diário no radio, tinha jornal, eu tinha escola faculdade, falava contra isso
frequentemente e ao mesmo tempo aprendia fazia com que a minha palavra
procurasse ser sempre muito direta muito simples eu sempre parti daquele
principio que o mais difícil é falar fácil, quando o professor começa a falar difícil
a classe não entende muito, ou ele não preparou bem a aula ou ele não domina
aquele assunto, quem não é capaz de falar em publico sobre um assunto ou está
nervoso, foi pego de surpresa ou está enrolando de proposito é o que a gente vê
muito em politico fala, fala, fala e não diz nada de concreto.
3.5. QUINTA PARADA
Nossa quinta e ultima parada foi para “equilibrar” as coisas digamos
assim. Era necessário mais um ponto de vista a respeito da Educação Física e
sobre o currículo cultural, foi quando o nome do professor Mario Nunes surgiu e
veio para ser a cereja do bolo.
Conversando com ele por e-mail decidimos que nos encontraríamos em
Campinas, mais precisamente na Unicamp (Universidade de Campinas) que fica a
mais ou menos uma hora de Sorocaba.
Ainda melhorando de uma gripe, fui a Campinas para me encontrar com o
professor Mario que me recebeu muito bem, conversamos alguns minutos antes de
começarmos a entrevista sobre a minha saga entrevistando os demais professores
até chegar nele.
A entrevista do professor Mario, assim como as demais foi muito
esclarecedora em todos os sentidos mas em especial na compreensão do inicio do
currículo cultural, de como emergiu e emerge, foi uma ótima experiência pra
fechar nossa viagem.
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3.5.1. Mario Nunes
Martinez Jr.: O que levou você, o professor Neira e o grupo de estudos na USP a
propor um currículo mais voltado à cultura, mais humanizado.
Nunes: bom é uma trajetória né, começa por uma trajetória tanto minha como do
Marcos, como professores da educação básica, nós tivemos a mesma formação,
nós não nos conhecíamos, a gente foi se conhecer bem mais a frente, fizemos a
mesma faculdade e saímos trabalhando do mesmo jeito, e ai esta o que todos os
professores sofrem a gente vai pra faculdade, aprende coisas sobre a pratica
pedagógica, um fazer, e esse fazer nunca vai dialogando com a escola, a gente vai
vendo a garotada se afastando, alguns garotos se interessam, algumas garotas se
interessam outra parte não e ai você vai se incomodando com isso, esse é um
ponto, que vai fazer a gente sempre estar atento.
Acho que um segundo ponto que eu acho que o Marcos também deve ter colocado
pra você é que a gente atravessou um período da nossa formação, eu me formei no
começo dos anos 80, é um período, vamos dizer assim de “demonização” do
esporte na escola, fim da ditadura, ai chegam outras ideias do exterior pra cá, as
ideias de desenvolvimento, psicomotricidade, etc. então quando eu me formei e
comecei a trabalhar a escola que eu fui trabalhar já não aceitava aquilo que eu
tinha aprendido na faculdade, ao colocar isso em pratica eu sofri uma pressão da
escola e aquela coisa do conflito com os alunos, ai eu fui estudando
psicomotricidade, ai eu vivenciei o desenvolvimento motor e tudo isso a gente foi
aplicando na prova, após a formação eu me tornei um psicomotricista e também
não dava certo e me tornei aquilo outro. Lá nos anos 90 eu acessei as teorias
criticas, mas também não davam certo, vamos dizer assim, não é que não davam
certo, por que nada da certo, mas elas não atendiam a leitura que a gente tem eu
tinha uma formação mais politizada, então ela não tinha, não atendia e não batia
com aquilo que a gente de mundo, então pedagogia critica até que sim, mas na
prática não, e essa trajetória eu e o Marcos a gente esteve junto, sem estar junto, a
gente vivenciou as mesmas coisas e por questão de interesse, assim como o seu,
eu fui procurar pesquisar essas questões, ai eu tomei contato com outras leituras,
esse momento de tomar contato com outras leituras, vamos chamar de leituras
pós, vamos deixar nesse buraco pra gente saber do que eu estou falando, que não
61
são as criticas, é o momento que eu resolvi então fazer o meu mestrado, resolvi
pesquisar essas questões de identidade que me interessaram, e um pouquinho
antes disso eu encontrei o Marcos, a gente se cruzou ai na vida acadêmica, e ele
passava pelas mesmas coisas, ele já era professor da universidade, eu era
professor na escola, e, ao ter um curso em que ele era meu professor, eu fui
questionando o curso, ele estava atento a estas questões, a gente se aproximou, foi
tomar café, eu sempre brinco que ele não pagou o café que ele disse que ia pagar,
quem pagou fui eu, e a partir dali a gente começou a discutir essa possibilidade de
pensar outras coisas a partira daquilo que a gente estava estudando, então o que
nos levou eu acho que foi essa trajetória que esta desde uma formação voltada
para um segmento, a vivencia com outras e o diálogo com a sociedade, diálogo
com os alunos, diálogo com os professores e diálogo com o mundo, então a gente
estava em um momento de sociedade extremamente, estamos ainda no mesmo
momento, que essa questão multicultural efervescente, hoje mesmo no Brasil essa
volta do conservadorismo, esse grupo tentando segurar as coisas, e a maior parte
da população não sabe o que esta acontecendo por que os discursos vão tomando
aqui e ali, então a gente pensou que precisaríamos ter uma Educação Física não
pra ser legal, não pra ser bacana e dar certo, mas uma Educação Física que
dialogasse com esses problemas da escola, que é essa presença da diversidade,
essas questões multiculturais, pra gente politizar essa garotada pra uma atuação
mais efetiva na sociedade.
Martinez Jr.: O currículo cultural colocado em prática vem te surpreendendo?
Nunes: vou partir para uma cena um pouco mais ampla, quando a gente pensou
nisso na verdade a gente já fazia, tanto eu que era professor na escola quando ele
que era professor de metodologia, a gente já tentava fazer na pratica coisas a partir
das coisas que a gente esta lendo, eu falo isso para os alunos, não existe assim um
cara que faz uma teoria que todo mundo segue se você se apropria de um
determinado campo teórico, e a partir daquilo você consegue enxergar e ele te da
as ferramentas pra você enxergar coisas no seu cotidiano você faz coisas no teu
cotidiano, mas na escola é a mesma, a educação é uma ciência, ela vai produzindo
uma serie de discursos que se você se apropria daquilo, você começa a olhar pra
pratica e diz assim “poxa”, então esse currículo ele surge da prática, e não um
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currículo teórico, eu era professor de sala de aula, professor de escola, ele era um
professor que tinha passado pela a escola mas era um professor de formação de
professores, então ele estava ali nos grupos, com a atuação docente, então com a
maneira que gente foi lendo aquilo, e quando a gente se encontrou a gente lia as
mesmas, lia coisas similares não as mesmas coisas, a gente “inventava” vamos
dizer assim, situações, a gente escrevia como a Sandra Couraza fala né, a gente
escrevia um currículo a partir daquilo que a gente lia, então acho que é por isso
que esse currículo de alguma maneira encanta as pessoas, não só pela sua proposta
em si, mas é por que ele é um currículo da prática, ao contrario de quando você
pega, por exemplo as leituras da psicomotricidade são propostas de laboratório,
que servem para crianças em determinadas situações, não pra situação complexa
que é a escola eu penso assim, investigo e vejo isso, então eu acho que essa é a
questão do currículo que surge da prática, a partir da prática ele vai gerando
situações que necessitam o tempo inteiro de outras explicações essas explicações
são construídas ali no grupo ou pode ser construída pelos professores ou a gente
vai buscar explicações em pessoas que já pensaram aquilo que a gente já viu ou
esta vendo acho que essa é a questão que faz você gostar é um currículo de carne
e osso, por isso que ele é aberto vamos dizer assim né, os alunos perguntam assim
professor como que eu faço, ai eu digo não sei, não conheço os seus alunos quem
vai saber é você mas precisa ter um conhecimento pra poder dar conta disso né.
Martinez Jr: Paulo Freire fez parte da sua formação durante a graduação?
Nunes: Não, Paulo Freire, bom também tudo depende como é o acaso, tudo é
contingencial Foucault é forte em dizer isso da questão contingencial, nos anos 80
quando eu me formei em 84, eu trabalhava em uma escola marista que é uma
escola confessional, mas é uma escola confessional de cunho progressista, os
maristas são conhecidos, eles não são padres são irmãos eles não rezam missa,
mas eles são conhecidos na educação como um pessoal progressista, eles estão
sempre na frente, e eles tem uma visão de religião, uma visão cristã muito
diferente da maioria das outras congregações cristãs por que uma coisa que a
gente precisa sempre falar, e eu gosto de falar e as pessoas pensam que eu sou
coroinha, é que Cristo só existe depois que Jesus morre, o Jesus, aquele que
passou a vida pregando o amor, quando ele vai pra cruz ele é o Jesus de Nazaré,
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quando ele morre os seus seguidores o chamam de Cristo, o ungido, o escolhido, e
a partir dali, dos seus discípulos o cristianismo, então a gente pode falar que
existem coisas distintas, então os maristas eles são irmãos em Maria, então eles
tem uma filosofia que não é cristã do cristianismo, ela é marista que vem de
Maria, e eles estão sempre em uma situação de vanguarda, quando eu comecei o
meu trabalho, eu estudei nessa escola, eu fui fazer faculdade e comecei nesse
trabalho, fui para uma escola marista também que estava sendo uma das primeiras
escolas a estudar construtivismo no Brasil, então tinha toda uma discussão lá de
Piaget, então eu tinha que estudar pra caramba por que havia uma exigência, ao
mesmo tempo os professores do ensino religioso daquela escola eles eram
freireanos, por que Paulo Freire tem uma concepção toda, o pessoal na faculdade
de educação principalmente em pós, tira o lado cristão dele pra não misturar, mas
ele era um fervoroso, um católico fervoroso, então Paulo Freire era muito forte ali.
Quando eu entrei nessa escola em 88, quando eu entrei nessa escola é que eu fui
descobrir que o Paulo Freire existia, na época ele era vivo tinha acabado de voltar
do exilio e tal e eu não sabia o mínimo né, quando eu, foi nos anos 90 quando eu
fui para uma outra escola de cunho religioso que não era uma escola
conservadora, mas tinha uma equipe de ensino religioso de vanguarda e a diretora
da escola, que era freira, era muito fã de outras religiões, então ela fazia retiro
budista, ai você vai pensar assim que doido né, então essa freira, esse pessoal do
ensino religioso era tudo da teologia da libertação pessoal do MST eles eram
ligados a esses movimentos, ai o Paulo Freire chegou e eu era coordenador da
escola e Paulo Freire chegou como literatura ou seja, eu tinha que estudar Paulo
Freire, então eu comecei, mas assim, uma leitura ou outra, Pedagogia do
Oprimido e a Pedagogia da Autonomia que ele vai escrever nessa época que ele
vai morrer nesse período ai que eu estava lá. Então Paulo Freire entra na minha
formação a partir do momento que eu já era professor já em atuação, mas eu não
tenho a formação em Paulo Freire que o Marcos tem, Marcos é um cara que leu
toda obra de Paulo Freire por que ao chegar à faculdade de educação e fazer
pedagogia, a Faculdade de Educação da USP era toda freireana, mas eu já
dialogava com ele. Quando eu fiz faculdade a gente não lia nada, a gente no
máximo tinha a apostila com nome de osso, nome de musculo, e tinha que saber o
ciclo de Krebs né, o resto eram aulas praticas e a gente era avaliado, eu estava até
comentando com um colega aqui, que a prova de ginástica você sorteava uma
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situação um aparelho e você tinha que desenvolver 10 exercícios para o aparelho,
a prova de condicionamento físico, eu nem lembro o nome da matéria, eram
sempre provas assim, musculação, agente nem tinha matéria de musculação mas
aprova era assim, faça 5 exercícios que envolva tais músculos, então não tinha
nenhuma leitura como vocês tem hoje, era um curso prático, tanto é que, quando
eu me formo, era licenciatura plena depois que vem uma discussão pra a
Educação Física ser um curso universitário.
Martinez Jr.: Paulo Freire tem alguma contribuição no currículo cultural?
Nunes: Tem, mas a gente precisa muito situar, e ai cabe uma explicação um pouco
mais densa, a base do currículo cultural é o pensamento pós-critico, o pensamento
pós-critico não é um pensamento que vem depois do critico, ele é um pensamento
que critica o critico e vê os seus limites, ai é uma discussão de estruturalismo e
pós-estruturalismo, uma discussão filosófica, o Paulo Freire ele é um autor
moderno, ele é um autor de uma pedagogia critica, apesar de até a gente compara-
lo ou inseri-lo nas discussões pós-coloniais por que ele tem uma prática
libertadora, as ideias que ele trás não estão na mesma base epistemológica que
está no currículo cultural vamos dizer assim, mas não podemos negar algumas
contribuições que Paulo Freire produziu e a gente, em alguma medida, ressitua,
ou, reterritorializa, usando um termo desse referencial, então por exemplo: a gente
entender a ideia do ciclo de cultura, vou usar alguns conceitos freireanos que
alguma medida estão atravessados ali né, então o ciclo de cultura é aquele espaço
onde todo o sujeito é portador de cultura, portador de conhecimento, então logo é
capaz de ensinar algo para alguém. Então quando você traz a ideia de que a gente
vai mapear os saberes dos alunos mapear as praticas corporais de cada
comunidade, depois esse alunos, o skatista, vem e conta como é o skate, como faz,
como ele aprende como ele aprendeu, oque ele pensa, etc. isso ai esta baseado na
ideia de ciclo de cultura, a ideia de conscientização do Paulo Freire ela também
tem que ser repensada, o Paulo Freire partiu daquela ideia de um sujeito
essencialista que foi tomado pelos dominantes e teve a realidade alienada dele, e o
Paulo Freire vai fala isso ele da uma mudada nessa discussão mais marxista, ele
não é, ele trabalha em uma outra perspectiva, é aquela ideia da consciência
ingênua, você manja isso né? Tem a consciência ingênua a transitiva e a critica. O
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que a gente pode pensar a partir disso é que as crianças fazem uma leitura da
realidade, mas não de forma ingênua, eles fazem leitura da realidade, o professor é
aquele que vai proporcionar pra eles uma ferramenta pra ele poder reler aquela
realidade de um outro jeito e ver existem muitas leituras, dai você vai dizer assim
que isso não tem nada a ver com a ideia de conscientização, não tem mais inspira
por que seria a ideia de você passar de um estado de que você conhece uma
realidade e agora você entende que aquela realidade não é dada aquela realidade é
construída etc. mas você pode dizer ai é a mesma coisa, não é a mesma coisa do
ponto de vista epistemológico mas ela se alinham, então é possível a gente beber
também dessa fonte né. Fundamental do Paulo Freire é a ideia do conhecimento
popular tão valido quanto o conhecimento acadêmico, que isso é uma coisa que,
por exemplo, outros autores Brasileiros críticos questionavam Paulo Freire, como
Saviani. Saviani era contra essa ideia do conhecimento popular por que é o que
você falou que os professores questionam né, então quando você estuda os pós-
estruturalistas, estuda discurso, Foucault, você vai perceber que todo o
conhecimento tido como superior, ele é superior coisa nenhuma, é apenas um
conhecimento que tornou-se superior por relações de poder, e que outros
conhecimentos tornaram-se descaracterizados, desconsiderados, então Paulo
Freire ele vai dar uma coisa interessante por que o sujeito vai se tornar sujeito a
partir do momento que ele se entender como um sujeito que participa da cultura,
que produz cultura, então isso é muito forte no currículo cultural essa coisa de o,
nós nos baseamos muito em Giroux e Giroux é um bebedor do Paulo Freire, então
essa ideia de dar voz, dar voz ao sujeito, mas não é dar voz no sentido de tá lá
dentro que o cara sabe tudo, é no sentido de falar mesmo, você se sentir
reconhecido, se sentir valorizado. Então é fundamental essa coisa, como é que a
gente vai buscar certos conhecimentos que nunca entraram na escola e agora esses
conhecimentos podem entrar, podem entrar por que qualquer conhecimento pode
entrar na escola, acho que são essas as, se eu pensar bem, que o Paulo Freire vai
falar em dialética e agente não vai falar, a ideia de cultura dele é outra, mas a
contribuição caminha por ai, a ideia, por exemplo, de você mapear, essa ideia de
você mapear parte de Paulo Freire, apesar de outros autores falarem isso de outro
jeito, então Foucault vai falar em fazer cartografias, em fazer esse desenho do
espaço e ver o que está acontecendo ali, isso é um casamento, essa ideia de trazer
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o conhecimento popular, de trazer o conhecimento dos alunos e ver outras coisas
junto com esse mapa.
Martinez Jr.: foram essas as perguntas professor, se quiser deixar uma ultima
palavra está aberto.
Nunes: Se você for fazer uma nota alguma coisa, eu acho que é fundamental pra
quem for ler seu trabalho é entender assim, que todo o conhecimento ele é uma
produção da própria cultura que a gente esta inserido, então quando a nossa
cultura não dialoga com aquilo que a gente conhece a gente nega isso dai, então
isso é fundamental a gente entender assim, que esse conhecimento que sustenta
esse currículo é o conhecimento para produzir outros conhecimentos, e é logico
que ele parte de alguma coisa, o que os autores fizeram ou todo mundo que faz
esta fazendo é uma costura, e é fundamental que a gente entenda de onde vêm
essas coisas pra não dizer que é tudo a mesma coisa, nesses tempos esquisitos que
a gente está vivendo de recrudescimento dos sistemas conservadores, com redes
sociais violentas todo mundo batendo em todo mundo, eu tenho usado uma
estratégia que eu acho bem engraçada as pessoas sabem o que eu penso, as
pessoas mais próximas né, ai começam, a por que o marxismo, a por que a
esquerda, ai eu entro no Facebook e falo assim, por favor me explique o que é o
marxismo? E ai oque é que você percebe?
Martinez Jr.: Ninguém conhece
Nunes: Ninguém conhece! Ninguém sabe, as pessoas falam né, então até o Paulo
Freire tem sido combatido nessas redes sociais como pensador marxista, gente,
Paulo Freire leu Habermas ele não um marxista, Habermas é uma versão mais
adiante do marxismo, na teoria critica do colégio de Frankfurt, então as pessoas
precisam, ao ler seu trabalho, e você também precisa tomar esse cuidado de
entender aonde as coisas vão, e você foi muito feliz quando disse que eu entendia
de um jeito, mas entendia de um jeito por que é o repertório que você tem,
iluminado pela psicologia, quer ver outra coisa, as pessoas confundem muito
mapeamento com diagnóstico, mapeamento é você construir um mapa,
diagnóstico é você ver qual é a doença do seu paciente, é um paciente sem
67
conhecimento e eu vou dar conhecimento pra ele, não é isso. A ideia é o que você
sabe, o que você contribui, como é que eu posso desconstruir aquilo que você sabe
e como é que você pode construir outra coisa, eu só posso fazer isso a partir de um
mapa e às vezes as pessoas pensam que mapeamento é a mesma coisa que
diagnóstico.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando todo o caminho traçado até essas páginas finais, podemos
entender um pouco mais sobre a estrada que percorremos até chegar aqui e,
percebendo que nosso trabalho tomou rumos diferentes dos imaginados
inicialmente, gostaríamos aqui de ressaltar, não considerações finais de fato, pois
entendemos que o projeto e principalmente as histórias nele contidas não podem
ser encerrados, mas sim reinventados, desconstruídos e reconstruídos novamente.
Tentaremos aqui colocar alguns pontos importantes que entendemos ser
relevantes para que, ao termino da leitura deste, haja uma reflexão e
principalmente para que não se encerre nestas palavras um tema tão rico e de
singular importância não apenas para a Educação Física, mas para a área da
Educação em geral.
Estudar as contribuições dos pensamentos pedagógicos de Paulo Freire em
um currículo da Educação Física é um desafio por conta do pouco contato que
temos nos cursos de graduação, seja por falta de espaço na grade, ou mesmo por
desinteresse por meio dos estudantes.
Decidimos investigar o currículo cultural pós-critico pelo fato de dar
continuidade ao trabalho feito no curso de graduação que também apresentava o
currículo cultural pós-critico como uma das possibilidades de ensinar Educação
Física na escola.
Através da literatura revisada pudemos enxergar algumas contribuições,
ainda que de maneira tímida, nas questões de luta para que os alunos tenham voz,
saibam se colocar frente ao cenário politico como também valorizar a cultura do
aluno.
Porem, o trabalho, ao iniciarmos as entrevistas, tomou um rumo
inesperado e muito interessante pelo fato de podermos ouvir histórias de como era
o tratamento e modo com que Paulo Freire trabalhava com relação ao respeito ao
saberes dos alunos e valor que dava ao que o aluno sabia.
No currículo cultural pós-critico da Educação Física entendemos que o
trato para com o aluno é de grande respeito e de dar voz a minoria calada através
de gestualidades que vem sendo deixadas do lado de fora da escola justamente por
fazerem parte de um grupo minoritário.
69
Entretanto sabemos que a escola, nos dias de hoje, abriga uma diversidade
muito grande de pessoas de diversos grupos sociais, etnias, gêneros, religiões e
precisa estar atenta a estas questões para que não todos possam enxergar todos
como pessoas em uma sociedade que é formada pela diversidade.
Ao ouvir os relatos e realmente perguntar qual era a possível ligação de
Paulo Freire com esse currículo, o que encontramos foi que a pesquisa do meio
cultural do aluno, o “Mapeamento”, esse método de trabalho que visa conhecer a
cultura e o meio que o aluno está inserido para que dali possa emergir os temas a
serem trabalhos e os conteúdos que nele podemos abordar e problematizar, esse
ponto nos chamou atenção em relação ao método de trabalho.
Por fim, escutando os relatos gravados e as conversas que antecederam e
sucederam as entrevistas, nos fizeram ver o quão grande foi a experiências das
pessoas que conviveram e tiveram aula com Paulo Freire, não pelo fato de ensinar
a ler e escrever, mas por mostrar para o aluno que ele também sabia coisas, seu
legado foi construído por fazer a diferença na vida dessas e tantas outras pessoas,
assim podemos associar com o currículo cultural pós-critico da Educação Física,
pois quando trazemos manifestações da cultura corporal que nunca entraram na
escola, ou adentraram com um discurso branco, heterossexual, masculino,
estamos fazendo a diferença na vida dos alunos que talvez não tivessem a
oportunidade de acessar outros discursos se não esses. Ainda, ao ouvir muitos
relatos de aulas nessa perspectiva, posso ver essa semelhança, onde tais diferenças
ganham voz e os discursos são desconstruídos e reconstruídos, talvez outras
minorias, porém as intenções se esbarram.
Com isso esperamos ter deixados perguntas e questionamentos em aberto
para que os próximos trabalhos possam busca, não repostas, mas sim novos
caminhos que possam ser lidos de maneiras diferentes por pessoas diferentes,
sejamos, então, diferentes e façamos a diferença.
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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