Entrevista sobre o conceito de Storytelling para a Revista Brasileira de Administração, uma...

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UMA BOA HISTÓRIA QUANDO SE SABE CONTAR, O CONTO SE TRANSFORMA EM UM CASE DE SUCESSO... uem é que não para pra escutar um conto bem contado? Real ou “de pescador”, não importa. O que é fato é que tem algo de muito bom nas boas histórias, que faz com que todo mundo se renda. Mais do que “o que” se conta, é a maneira de contar. Sabendo disso, os profissionais de marketing e publicidade estão cada vez mais se utilizando do conceito de Storytelling para fortale- cer o elo entre empresas e clientes. E têm agradado. O Administrador, mestre e doutorando em Marketing Ricardo Vernieri de Alencar explica que o grau de impor- tância que as empresas dão à publicidade varia conforme o contexto de mercado em que a organização se insere. “Em segmentos mais competitivos a ‘lei da sobrevivência’ organizacional força os gestores a colocarem em primeira ordem o planejamento estratégico; neste cenário, o inves- timento em marketing ganha relevância por conta da ne- cessidade constante das empresas em manter ou aumen- tar a participação de mercado”, afirma. Nesse sentido, segundo ele, a ótica passa a ser a conquista de um “espaço” relevante para a marca na mente do con- sumidor: ele precisa lembrar-se da marca no momento em que surgir um desejo de consumo ou receber um estímulo comunicacional e a isto relacionar os valores aos quais a marca está associada. “Assim sendo, as organizações de- vem procurar desenvolver um contínuo esforço de marke- ting para construir imagens sólidas junto ao seu público-alvo e isso passa necessariamente por um planejamento de marketing”, completa o especialista. Complementando as estratégias de marketing, as estra- tégias de comunicação também são fundamentais para construir esse elo. O tipo de estratégia ou ação de comu- nicação de marca de uma empresa dependerá, como ex- plica Alencar, da análise de variáveis de mercado, como, por exemplo, o perfil do público-alvo; o posicionamento de imagem dos concorrentes; as estratégias de comunicação desenvolvidas pela concorrência; entre outros. Como ainda lembra o professor, há algum tempo, o tipo de estratégia bem-sucedida normalmente correspondia à tecnologia midiática da época. Assim foi com os co- merciais do rádio, depois da televisão, onde inicialmente os anúncios eram feitos ao vivo, chegando ao seu ápice a partir de meados dos anos 1980, época em que começou o boom da publicidade brasileira e sua valorização. MAIO/JUNHO – 2014 | Nº 100 21 STORYTELLING POR_NÁJIA FURLAN

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UMA BOA HISTÓRIA

QUANDO SE SABE CONTAR, O CONTO SE TRANSFORMA

EM UM CASE DE SUCESSO...

Q uem é que não para pra escutar um conto bem

contado? Real ou “de pescador”, não importa. O

que é fato é que tem algo de muito bom nas boas

histórias, que faz com que todo mundo se renda. Mais do

que “o que” se conta, é a maneira de contar. Sabendo disso,

os profissionais de marketing e publicidade estão cada vez

mais se utilizando do conceito de Storytelling para fortale-

cer o elo entre empresas e clientes. E têm agradado.

O Administrador, mestre e doutorando em Marketing

Ricardo Vernieri de Alencar explica que o grau de impor-

tância que as empresas dão à publicidade varia conforme

o contexto de mercado em que a organização se insere.

“Em segmentos mais competitivos a ‘lei da sobrevivência’

organizacional força os gestores a colocarem em primeira

ordem o planejamento estratégico; neste cenário, o inves-

timento em marketing ganha relevância por conta da ne-

cessidade constante das empresas em manter ou aumen-

tar a participação de mercado”, afirma.

Nesse sentido, segundo ele, a ótica passa a ser a conquista

de um “espaço” relevante para a marca na mente do con-

sumidor: ele precisa lembrar-se da marca no momento em

que surgir um desejo de consumo ou receber um estímulo

comunicacional e a isto relacionar os valores aos quais a

marca está associada. “Assim sendo, as organizações de-

vem procurar desenvolver um contínuo esforço de marke-

ting para construir imagens sólidas junto ao seu público-alvo

e isso passa necessariamente por um planejamento de

marketing”, completa o especialista.

Complementando as estratégias de marketing, as estra-

tégias de comunicação também são fundamentais para

construir esse elo. O tipo de estratégia ou ação de comu-

nicação de marca de uma empresa dependerá, como ex-

plica Alencar, da análise de variáveis de mercado, como,

por exemplo, o perfil do público-alvo; o posicionamento de

imagem dos concorrentes; as estratégias de comunicação

desenvolvidas pela concorrência; entre outros.

Como ainda lembra o professor, há algum tempo, o tipo

de estratégia bem-sucedida normalmente correspondia

à tecnologia midiática da época. Assim foi com os co-

merciais do rádio, depois da televisão, onde inicialmente

os anúncios eram feitos ao vivo, chegando ao seu ápice a

partir de meados dos anos 1980, época em que começou o

boom da publicidade brasileira e sua valorização.

MAIO/JUNHO – 2014 | Nº 100 21

STORYTELLING

POR_NÁJIA FURLAN

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Storytelling

“Na época, a comunicação era para um

público-alvo que exercia o papel de re-

ceptor passivo. A partir da virada do sé-

culo 21, com o aumento do uso da inter-

net como meio de comunicação e com o

aparecimento da internet 2.0 e das re-

des digitais (blogs, Facebook, Youtube,

Twitter etc.), o consumidor passou a

dividir o seu tempo, antes dedicado ao

consumo diário de televisão, com essas

outras fontes de informação e entrete-

nimento”, conta o Administrador.

Esse novo cenário, segundo Alencar, de-

safia a empresa a desenvolver um tipo

de comunicação voltada a essa nova

realidade. “Já não é tão fácil chamar a

atenção do consumidor; novas mídias

e formatos de interação começam a fa-

zer parte do composto de comunicação

organizacional. Atualmente, quando se

planeja uma ação de marketing e co-

municação, faz-se pensando em uma

amplitude maior de formatos e mídias,

porque o consumidor está presente, si-

multaneamente, em várias plataformas

midiáticas”, afirma.

CONCEITO

Como explica o pesquisador, o

Storytelling é um conceito antigo adap-

tado a essa realidade, pois trabalha, em

síntese, na criação de uma narrativa,

uma história contada, como forma de

prender a atenção do espectador, esteja

ele na frente de uma televisão, compu-

tador, tablet ou smartphone.

“A intenção é envolver o consumidor

na trama e associá-la a uma marca

específica, aumentando as possibili-

dades de fixação de marca na mente

do consumidor justamente pela ca-

racterística envolvente da história”,

esclarece Alencar. Mas essa inserção,

contudo, segundo o professor, tem que

se dar de forma sutil e conectada com

o contexto da história contada.

HISTÓRIA

O conceito é antigo, como lembra

Ricardo, os ancestrais já o utilizavam

para perpetuar seus feitos, valores,

tradições: faziam isso por meio das

histórias contadas em torno das fo-

gueiras nas cavernas e aldeias. Da his-

tória oral, o storytelling passou para os

formatos da escrita e, por fim, para o

audiovisual. “Sua aplicação no campo

da comunicação publicitária consiste

na arte e técnica de contar histórias

por meio de uma narrativa que inclua

a história da empresa, marca ou até

mesmo uma categoria de produtos. Por

exemplo: o consumo de vodca aumen-

tou consideravelmente nos Estados

Unidos após a inserção de cenas com

o consumo da bebida nos filmes do

‘Agente 007 – James Bond’”, afirma o

pesquisador da área de marketing.

Com ainda explica Alencar, não existe

uma realidade específica para aplicar

o conceito. Como toda e qualquer es-

tratégia de comunicação, a aplicação

do Storytelling deve vir acompanha-

da por uma boa análise do ambiente

de marketing, incluindo o perfil do

público-alvo da marca. Ou seja, toda

empresa, produto ou serviço pode ge-

rar uma boa história.

Imag

ens: R

epro

duçã

o

CASE

Outro exemplo que a agência tem

de aplicação do conceito, como

destaca ainda Pignatari, é o do Visa

Platinum para tratar dos benefícios

de aproveitar 100%, ou seja, tudo o

que o cartão oferece.

“A equipe conta a história de um

homem que passou a usar 100% do

cérebro. Desenvolveu-se tanto que

passou a compreender a linguagem

e tornou-se amigo de um gol�nho.

Conversando com o animal, ele des-

cobre que o gol�nho tem um sonho:

visitar o Caribe. O homem, então,

utiliza o seu cartão Visa Platinum para

realizar esse sonho do gol�nho e ain-

da muito mais”, conta o redator.

Essa campanha também está disponível

no Youtube, mas, como a da Kombi,

está construída em diversas plataformas

(mídias) que se completam e fecham a

história que se quer contar.

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Imag

ens:

Rep

rod

uçã

o

A DESPEDIDA DA KOMBI

Quem é que não viu e se emocionou com “Os Últimos Desejos da Kombi”, que

marca a última edição do veículo da Volkswagen? Este é um belo exemplo de

storytelling. Como concorda o especialista, a narrativa dá vida a um produto

(Kombi), transformando-o em um personagem humano que conta sua história

de vida, pontuando as várias relações pessoais (clientes) que teve, ou seja, uma

narrativa perfeita com início, meio e 'm acoplada a um contexto mercadológico

que é o 'm de sua produção. Por isso, a RBA foi conversar um pouco com quem

ajudou a desenvolver a campanha.

Conversamos com Marcelo Pignatari, redator e um dos criativos da campanha,

pela agência AlmapBBDO, de São Paulo. Ele conta que a primeira peça foi um

anúncio, que comunicava que a Kombi estava se despedindo (a última Kombi

do mundo seria fabricada em dezembro de 2013). Na foto, uma Kombi branca

partia. Abaixo da imagem, as frases “Vai aí a Kombi. Em breve, em nenhuma

concessionária perto de você” e, embaixo delas, um texto convidava as pessoas a

compartilharem as histórias que tinham com o veículo em 56 anos de existência.

“Aí, criamos um hotsite para as pessoas contarem essas lembranças. Foram mi-

lhares de histórias. Selecionamos as mais interessantes, que nos possibilitassem

recontar a história dos 56 anos da Kombi, por meio de histórias reais de várias

pessoas”, conta Pignatari. Desse material, a equipe da AlmapBBDO chegou à

terceira e mais emocionante peça da campanha – o vídeo-testamento (este,

disponível no Youtube).

E às histórias selecionadas pela equipe para “o testamento”, milhares de ou-

tras histórias, de pessoas que não foram citadas na campanha, se conectam.

“Todo mundo, direta ou indiretamente, tem uma história com uma Kombi”,

comenta o publicitário.

Segundo o pro'ssional, todo produto (serviço ou empresa) pode se encaixar no

conceito do Storytelling. “Mas é preciso avaliar o que se pode tirar para poder

contar uma história de maneira diferente e criativa: esse é o segredo”, a'rma.

Assim sendo, as

organizações devem

procurar desenvolver

um contínuo esforço

de marketing para

construir imagens

sólidas junto ao seu

público-alvo e isso

passa necessariamente

por um planejamento de

marketing”

RICARDO VERNIERI

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