DESAPOSENTAÇÃO NO BRASIL

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À DESAPOSENTAÇÃO NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO Como já vimos à aposentadoria constitui direito personalíssimo, sob o qual não se admite transação ou transferência a terceiros. O que não significa que a mesma seja um direito indisponível do segurado. Roberto Luis Luchi Demo explica: A aposentadoria, a par de ser direito personalíssimo (não admitindo, só por isso, a transação quanto a esse direito, v. g., transferindo a qualidade de aposentado a outrem) é ontologicamente direito disponível, por isso que direito subjetivo e patrimonial decorrente da relação jurídica-previdenciária. Assim, entramos na ceara do instituto da desaposentação, que seria essa desistência ou renúncia expressa do segurado à aposentadoria já concedida. De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari: “A desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.” Na Carta Magna não há qualquer vedação à desaposentação. Na legislação específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo legal proibitivo da renúncia aos direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no Decreto regulamentador, o que se pode afirmar inconstitucional, posto que limitando direito quando a lei não o fez. É patente que um decreto, como norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o. Destacamos, entretanto, que a desaposentação é muito mais fruto da construção doutrinária e jurisprudencial do que propriamente retirada do texto legal. O que existe no sistema previdenciário brasileiro é a ausência de norma proibitiva, tanto no tocante a desaposentação quanto no tocante à nova contagem do tempo referente ao período utilizado na aposentadoria renunciada. O TRF da 4ª Região já se manifestou sobre a matéria, mas de forma diversa da Turma Recursal, tendo decidido, em Embargos Infringentes, favorável a desaposentação, nesse caso igualando a mesma à renúncia da aposentadoria, mas salientando a necessidade de restituição dos valores recebidos. Vejamos a ementa :

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À DESAPOSENTAÇÃO NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO Como já vimos à aposentadoria constitui direito personalíssimo, sob o qual não se admite transação ou transferência a terceiros. O que não significa que a mesma seja um direito indisponível do segurado. Roberto Luis Luchi Demo explica:

A aposentadoria, a par de ser direito personalíssimo (não admitindo, só por isso, a transação quanto a esse direito, v. g., transferindo a qualidade de aposentado a outrem) é ontologicamente direito disponível, por isso que direito subjetivo e patrimonial decorrente da relação jurídica-previdenciária.

Assim, entramos na ceara do instituto da desaposentação, que seria essa desistência ou renúncia expressa do segurado à aposentadoria já concedida. De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:

“A desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário.”

Na Carta Magna não há qualquer vedação à desaposentação. Na legislação específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo legal proibitivo da renúncia aos direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no Decreto regulamentador, o que se pode afirmar inconstitucional, posto que limitando direito quando a lei não o fez. É patente que um decreto, como norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o. Destacamos, entretanto, que a desaposentação é muito mais fruto da construção doutrinária e jurisprudencial do que propriamente retirada do texto legal. O que existe no sistema previdenciário brasileiro é a ausência de norma proibitiva, tanto no tocante a desaposentação quanto no tocante à nova contagem do tempo referente ao período utilizado na aposentadoria renunciada. O TRF da 4ª Região já se manifestou sobre a matéria, mas de forma diversa da Turma Recursal, tendo decidido, em Embargos Infringentes, favorável a desaposentação, nesse caso igualando a mesma à renúncia da aposentadoria, mas salientando a necessidade de restituição dos valores recebidos. Vejamos a ementa:

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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA À BENEFICIO PREVIDENCIARIO EM OUTRO SISTEMA DE PREVIDÊNCIA. NECESSIDADE DE RESTITUIR OS VALORES AUFERIDOS A TITULO DE APOSENTADORIA. 1. Se o segurado pretende renunciar ao benefício concedido pelo INSS para postular aposentadoria junto a outro regime de previdência, com a contagem do tempo que serviu para o deferimento daquele benefício, os proventos recebidos da autarquia previdenciária deverão ser restituídos. 2. Embargos Infringentes providos.15 14 Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina. Proc. 2004.92.95.003417-4, Relator Juiz Ivori Luis da Silva Scheffer, Sessão de 5.8.2004. 15 EIAC nº 1999.04.01.067002-2/RS, 3ª Seção, Rel. Des Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado. DJU de 15.01.2003.

O TRF DA 3ª Região também considera necessário para o desfazimento da aposentadoria a devolução dos valores. Mas no caso, não explica se essa devolução seria apenas no caso de utilização do tempo para outra aposentadoria. Segue a decisão:

Administrativo. Previdenciário. Aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Desfazimento Desfazimento, a pedido do próprio beneficiário, do ato de concessão. Possibilidade. Juros de moras, Correção monetária. Honorários advocatícios. I – Não mais convindo ao beneficiário a percepção de aposentadoria previdenciária, é licito o pleito de sua desaposentação, mediante a conseqüente devolução dos valores pertinentes ao INSS, ante a inexistência de norma legal expressa em sentido contrário. II- A cláusula constitucional do direito adquirido, esculpida como um dos direitos e garantias individuais na forma do art. 5º, XXXVI, da Carta Magna, visa proteger o cidadão das investidas do Poder Público, municia-o de instrumento para que possa ficar ao abrigo de eventuais medidas que venham a lhe trazer prejuízos que de outro modo, restariam sem qualquer tutela. Logo, no caso vertente, não cabe invocá-lo contra o apelado, com o intuito de obrigá-lo a permanecer aposentado, contra os seus interesses.16

Resumimos portanto que a desaposentação é possível no direito brasileiro,existindo entretanto, discordâncias no tocante a necessidade da devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria para que o tempo possa ser reutilizado para a concessão de novo jubilamento. Por isso alguns julgadores e doutrinadores diferenciam a desaposentação da simples renúncia da aposentadoria, que seria aquele na qual o aposentado não ressarci os cofres públicos, mas também não manteria o direito de utilizar o tempo já considerado.

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Muitos propõem que para poder reutilizar esse tempo o segurado seria obrigado a devolver os valores recebidos anteriormente. Entretanto, outro dado deve ser anexado ao estudo: a natureza alimentar das verbas recebidas a título de aposentadoria. Como já definimos no item 2.1, a aposentadoria se destina a prover a subsistência do aposentado. É pacífico o entendimento de que os valores recebidos mensalmente a título de aposentadoria têm natureza alimentar, ficando portanto, protegidos pelo PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE OU DA NÃO DEVOLUÇÃO DOS ALIMENTOS. Tal posicionamento vem sendo adotado pelos tribunais pátrios, entre eles o STJ. Vejamos: Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários é inadmissível a pretensão de restituição dos valores pagos aos segurados, em razão do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. (TRF-3º Reg.- Ac. 98.03.037653-5/SP-Ap. n. 420.325/SP, Proc. n. 98.03.037653-5- DJU 3.11.98, Rel. Theotônio Costa, in Revista de Previdência Social 219/119) É indevida a restituição dos valores recebidos a título de conversão da renda mensal do benefício previdenciário em URV por se tratar de benefício previdenciário, que tem natureza alimentar. 1 Inadmissível o pleito de restituição dos valores pagos aos segurados por força da decisão rescindida, em razão do reconhecimento da natureza alimentar dos benefícios previdenciários. INCIDE, À ESPÉCIE, O PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. Precedentes.2

Assim, a análise da devolução dos valores não é simples, como querem fazer parecer alguns julgadores. E tampouco estaria atrelada a possibilidade de utilização do tempo com a devolução dos valores recebidos. Isso porque, não se podem considerar indevidos os vencimentos pagos pelo INSS à época da aposentadoria, tampouco, pelo caráter alimentar, pode ser considerada válida a vinculação da nova utilização do tempo com a devolução das verbas recebidas.

1 18 STJ, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 697633, Processo: 200401512008 UF: SC Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Relator (a) FELIX FISCHER. Data da decisão: 07/04/2005, DJ DATA:16/05/2005 PÁGINA:399. 2 19 STJ, AGRESP - - 723228, Processo: 200500205672 UF: SC Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Relator (a) GILSON DIPP, Data da decisão: 07/04/2005, DJ DATA:02/05/2005 PÁGINA:414.

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PONTOS LEVANTADOS PELO INSS E DEMAIS OPOSITORES A DESAPOSENTAÇÃO

1- Caráter irrenunciável da aposentadoria Os opositores da desaposentação defendem o caráter indisponível e irreversível da aposentadoria, conforme disposto no artigo 181-B do Decreto n. 3.048/99. Vejamos os ditames do Decreto:

Art.181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis. (Artigo acrescentado pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99)

Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou Programa de Integração Social, ou até trinta dias da data do processamento do benefício, prevalecendo o que ocorrer primeiro. Acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003)

Entretanto, é patente que um Decreto, como norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o, quando a lei quedou-se omissa. E no tocante a admissibilidade da renúncia, a mesma já resta pacificada na jurisprudência pátria. Não podem prosperar os argumentos de irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria, que constituem garantias em favor do segurado, quando da pretensão de tolhimento do benefício pelo concessor do mesmo, não cabendo sua utilização em desfavor do aposentado, quando o mesmo optar pela desaposentação.

2- Necessidade de Anuência do Órgão Previdenciário

Alguns doutrinadores sustentam sua posição no entendimento que a renúncia não poderia ser configurada como renúncia posto que depende de requerimento e concordância da Administração (órgão pagador e gestor do benefício), excluindo-se assim a necessária unilateralidade do instituto.

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Nesse tópico devemos lembrar que restando pacificado o entendimento da disponibilidade do direito a aposentadoria não haveria que se falar na impossibilidade de renúncia. E assim, a anuência do poder ou órgão gestor deveria ser automática. Isso porque, como vimos anteriormente, a aposentadoria, apesar de influir no direito da coletividade (fundo previdenciário do regime geral, caráter solidário do sistema) é um direito eminentemente pessoal e individual, sendo intransferível. Portanto, se adotarmos tal entendimento, a Autarquia poderia apenas criar requisitos para a anuência da desaposentação, como por exemplo a devolução dos valores, desde prevista a necessidade em lei. Entretanto, não haveria que se falar no interesse público, até porque não nos parece lógico pensar que o interesse público (no caso, da continuidade da aposentadoria) poderia se sobrepor ao do indivíduo (que seria o da desaposentação). Não se pode portanto, obrigar alguém a continuar aposentado, da mesma forma que não se poderia obrigá-lo a continuar trabalhando uma vez implementadas as condições para a concessão de uma aposentadoria. Por óbvio que no caso em análise o direito individual se sobrepõe ao público, ainda que subsistam lado a lado. 3- AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL Também é invocado pelo INSS bem como pelos opositores da desaposentação o princípio da legalidade de observância obrigatória para a administração pública, nos termos do artigo 37, caput da CF/88. Sob esse enfoque, a ausência de previsibilidade legal para o procedimento de desaposentação e suas implicações no sistema de seguridade seria impeditivos da concessão do requerimento por parte da Autarquia. No caso, os autores defendem que a Administração Pública estaria impedida de conceder a desaposentação por ausência de previsão legal, mas interpretando de forma oposta aos defensores da tese. Ou seja, uns defendem que no tocante ao segurado ela seria possível porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Já outros defendem que à Administração pública somente é permitido aquilo que a lei prevê. Logo, pela ausência de previsão, não haveria que se falar em direito a desaposentação. Até porque, assim como a concessão do benefício, a desaposentação também seria um ato vinculado feito pela Autarquia Previdenciária. 4- ENRIQUECIIMENTO ILICITO DO SEGURADO Tema controverso no tocante a desaposentação é a devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria que se esta renunciando.

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No caso, existem, mesmo entre os autores que defendem a possibilidade de desaposentação, aqueles que acreditam ser necessária a devolução dos valores ao erário para que o tempo possa ser contato para nova aposentadoria. O entendimento da jurisprudência muitas vezes tem pendido para tal necessidade, como já vimos anteriormente. Inclusive, há quem diferencie a renúncia simples (no caso, sem o interesse de utilização do tempo, e portanto, sem a necessidade de devolução dos valores), da desaposentação, que seria a desistência da aposentadoria com o intuito da utilização do tempo na busca de uma melhor aposentadoria. Mas, como já vimos, a natureza alimentar das verbas recebidas a titulo de aposentadoria impossibilitam a devolução das parcelas recebidas. CONCLUSÃO Não restam dúvidas, portanto, quanto ao direito dos beneficiários de renunciarem a suas aposentadorias, fazendo uso do instituto da desaposentação. Encontra-se fundamento doutrinário, jurisprudencial e legal (permissiva omissiva), além de uma expectativa de fundamento legal, tudo a respaldar o direito de renuncia à aposentadoria para a desaposentação e o conseqüente direito de aproveitamento do tempo de serviço que tenha dado origem ao benefício para efeitos de nova jubilação. No tocante a permissão legal, a ausência de impedimento expresso, no presente caso, deve ser interpretado de forma a permitir a desaposentação. O maior problema para a instrumentalização da desaposentação nos aprece a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria que se vai renunciar. Como o assunto ainda não é pacífico, e a própria jurisprudência difere nos entendimentos sobre a necessidade ou não da devolução aos cofres públicos, somente uma resolução legislativa poria fim à discussão. Entretanto, o Projeto de Lei nº 7.154/2002, pelo menos como se encontra até o momento, não parece trazer solução para esse problema. Outro ponto importante a ser atentado pelos aposentados é que a legislação previdenciário tem sofrido inúmeras modificações 28 tanto para o regime geral quanto para o regime próprio, que acabaram por transformar de forma marcante o cálculo de renda mensal dos benefícios previdenciários. Atualmente, nem sempre um benefício com mais tempo de contribuição resultará num valor de renda mensal maior. Assim, a análise sobre a benéficie da desaposentação deve ser feita caso a caso, já que ainda que legalmente cabível, pode ser mais vantajoso ao segurado permanecer aposentado pelas regras anteriores.

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Desta forma, ainda que reste comprovado o direito dos aposentados que continuarem a contribuir em optarem pela desaposentação visando um aumento de seus benefícios, a análise deve ser cuidadosa de forma a prever as modificações legais que poderão afetar o valor final desse novo benefício. Principalmente se estivermos considerando a hipótese ainda não excluída totalmente da devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria renunciada. MATERIA RECENTEMENTE PUBLICADA SOBRE O TEMA

Contra fator, aposentado busca se 'desaposentar' e pedir novo benefício Fator previdenciário reduz ganho para quem se aposenta mais jovem. Congresso aprovou fim do mecanismo e Lula tem até o dia 15 para vetar. Mariana OliveiraDo G1, em São Paulo

Pessoas que se aposentaram mais jovens e tiveram seus benefícios reduzidos por conta do fator previdenciário ou por receberem aposentadoria proporcional apostam na "desaposentação" para tentar melhorar seus vencimentos. Segundo advogados e entidades consultadas pelo G1, esse tipo de processo é recente no país e começa a proliferar nas varas previdenciárias. Poucos casos já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas ainda não há consenso no próprio tribunal sobre o tema. A desaposentação nada mais é do que o ato de renunciar ao atual benefício para obter um novo em condições mais favoráveis. Mas só vale para quem continuou trabalhando ou trabalhou por algum tempo depois de aposentado. Ao fazer as contas anos depois, a pessoa percebe que seu benefício seria melhor se fossem consideradas as condições atuais. Como, uma vez aposentado, não é possível pedir uma revisão ao próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), esses beneficiários optam por ir à Justiça.

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O presidente tem até a próxima terça-feira (15) para decidir se concorda com o fim do fator previdenciário De acordo com advogados ouvidos pelo G1, ações do tipo começaram a ser protocoladas alguns anos depois da adoção do fator previdenciário, em 1999, quando aposentados sob o mecanismo refizeram as contas após atingir mais idade e perceberam que podiam ter um benefício maior. O mesmo aconteceu com que se aposentou com benefício proporcional, o que era permitido até o fim de 1998. No fim de maio, o Congresso Nacional aprovou o fim do fator, que, na prática, reduz o benefício de quem se aposenta mais jovem, independentemente do tempo de contribuição. O mecanismo tenta inibir as aposentadorias precoces para ajudar as contas da Previdência. O governo reagiu e os ministros da Fazenda e do Planejamento recomendaram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vete o fim do fator. O presidente tem até a próxima terça-feira (15) para decidir, segundo o governo - pela Constituição, o prazo é de 15 dias úteis após o recebimento do projeto. Não há nenhuma lei que permita a desaposentação, mas não também não existe proibição de se tentar obter uma nova aposentadoria na Justiça. Consultado pelo G1, o Ministério da Previdência disse que "não é contra nem a favor da desaposentação. A legislação brasileira é que não permite. De acordo com a legislação, a aposentadoria é irreversível e irrenunciável a partir do recebimento da primeira parcela", informou a assessoria da pasta por e-mail. Segundo especialistas, a preocupação do governo é de que os gastos públicos podem aumentar. O principal argumento das ações sobre o tema que tramitam na Justiça é o de que é injusto que os beneficiários que continuam trabalhando não tenham como reaver as contribuições feitas após a aposentadoria. É o caso do analista de sistemas Carlos Paes, de 58 anos, morador de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Ele se aposentou em 1998, antes do fator previdenciário, com 46 anos de idade. "Fiz os cálculos e percebi que não compensava esperar porque ia entrar a nova lei do fator previdenciário e o valor da aposentadoria ia cair muito."

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Eu não vou ficar esperando regulamentarem isso, porque acho que é meu direito (obter uma aposentadoria melhor)" Carlos Paes, que entrou na Justiça pedindo desaposentadoria

Paes disse que, depois de se aposentar, trabalhou cerca de seis anos com um negócio próprio. Em 2004, conseguiu um emprego para voltar ao mercado de trabalho com registro em carteira. "Foi uma sorte conseguir emprego. É que na área que trabalho, mainframe (computador de grande porte), a garotada não se interessa muito e acaba sobrando espaço para pessoas mais experientes." Recentemente, soube que podia tentar melhorar o benefício se levasse em conta os últimos anos que trabalhou. Foi aí que entrou na Justiça com pedido de desaposentação. "Eu não vou ficar esperando regulamentarem isso, porque acho que é meu direito (obter uma aposentadoria melhor)." Segundo os cálculos feitos pelo advogado de Carlos Paes, se ele se aposentasse com a situação atual, seu benefício seria 70% mais alto. Para Benedito Marcílio, vice-presidente da Federação dos Aposentados do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Previdência Social, a desaposentação é uma alternativa para os aposentados que continuam trabalhando. Segundo dados do IBGE, em 2008, os aposentados e pensionistas no país somavam 22 milhões. Entre eles, 6,7 milhões estavam ocupados - cerca de 30% do total. "O ideal seria se tivéssemos aposentadorias com critérios justos onde o cidadão que trabalhasse 30, 35 anos, recebesse uma aposentadoria que lhe garantisse a sobrevivência. (...) Hoje em dia os critérios são perversos com esse fator previdenciário. Quem se aposenta tem perda de cara de mais de 35% do que se tivesse trabalhando. (...) São mais de 2 milhões de aposentados com carteira assinada. A desaposentação acaba sendo uma forma de corrigir distorções." Benedito Marcílio diz que o fim do fator previdenciário é uma das bandeiras do movimento de aposentados. "Se o Lula vetar vai ter que assumir os desgastes desse veto. A responsabilidade é dele e ele vai pagar por isso, afinal é ano de decisão política", afirma. Ação na Justiça Como a procura por processos de desaposentação começou a crescer, no fim do ano passado a Defensoria Pública da União (DPU) no Paraná entrou na Justiça para possibilitar que todos os aposentados possam pedir por via administrativa a revisão do seu benefício, sem necessitar do processo por desaposentação.

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A ação pedia uma liminar para que o INSS começasse a revisar os benefícios de imediato, mas a Justiça negou. O Ministério Público Federal no estado opinou pela rejeição do processo por entender que não é dever da DPU fazer pedido em prol da coletividade. O processo está com juiz para uma decisão. Como a questão da aposentadoria é tratada como direito fundamental, provavelmente isso vai acabar gerando questão constitucional para o STF" Alfeu Eleandro Fabiane, defensor público da União que ingressou na Justiça com ação para que todos consigam obter a desaposentadoria

O defensor público Alfeu Eleandro Fabiane diz que se a Justiça considerar o pedido procedente (válido) na 1ª instância, mesmo que a Previdência recorra, pode ser um "precedente positivo" para ação individual. "Mas conto com a possibilidade de que seja improcedente na primeira instância. Se acontecer, vamos recorrer. No TRF 4 (da região do Paraná), há entendimento de que a desaposentação possa ocorrer, mas eles dizem que o aposentado tem de devolver todos os valores já recebidos. Somos contra porque não recebeu indevidamente, tinha o direito." Eleandro Fabiane diz que o tema deve ter um consenso em breve no STJ ou chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Como a questão da aposentadoria é tratada como direito fundamental, provavelmente isso vai acabar gerando questão constitucional para o STF. É uma questão nova. Pontualmente algumas pessoas conseguem esse direito, mas pontualmente. Não há decisões de maior alcance." Segundo o defensor, só na DPU de Curitiba (PR) há cerca de 20 casos de pessoas pedindo desaposentação em andamento. Quem pode pedir Segundo a advogada Melissa Folmann, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, só é possível tentar a desaposentação para quem continuou trabalhando após começar a receber o benefício. "Nos casos em que a pessoa que se aposentou cedo, sofreu incidência do fator previdenciário, e que após ter se aposentado manteve o fator contributivo ou passou a contribuir com valores maiores, vale a pena pedir a desaposentação." Ela afirma, porém, que trata-se de um processo longo. "Demora entre cinco e sete anos. É um processo longo e deve ir ao Superior Tribunal de Justiça, uma vez que muitos juízes de primeira e segunda instância têm negado os pedidos." A advogada disse que a ação deve pedir a renúncia do benefício por outro melhor, e não a revisão. "Desaposentação não é revisão.

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A revisão ocorre por um erro cometido. Na desaposentação, é preciso provar que contribuiu depois de se aposentar e que espera um novo benefício." Melissa afirma ainda que é necessário fazer adequadamente os cálculos para saber se o processo vale a pena. O G1 identificou pelo menos dois projetos no Congresso que criam regras para a desaposentação, mas ainda estão em estágios iniciais de tramitação. Regulamentação Para o professor Fábio Zambitte, especialista na área de Direito Previdenciário, autor de "Desaposentação: o caminho para uma melhor aposentadoria" e servidor de carreira no Ministério da Previdência, a desaposentação é um "instrumento adequado", desde que não seja usado para fraudes. "Defendo que tenha ocorrido pelo menos um ano de contribuição. Mas o ideal é que isso seja regulamentado. Cada juiz analisa conforme seu entendimento, e o Judiciário ocupa esse vácuo de poder, já que o legislador não resolve." O G1 identificou pelo menos dois projetos no Congresso que criam regras para a desaposentação, mas ainda estão em estágios iniciais de tramitação. Zambitte também crê no veto ao fim do fator e considera que pelo sistema atual, o melhor é que o mecanismo continue vigorando. Ele afirma, porém, que a implantação de uma idade mínima poderia para aposentadoria poderia resolver a questão. A Previdência alega que se for concedida a desaposentação, o segurado tem de devolver. Mas entendemos que a aposentadoria naquele momento foi legal." Danilo Perez Garcia, advogado especializado em direito previdenciário

Preocupação Para os advogados que atendem aos aposentados que buscam melhorar o benefício, a preocupação é sobre o tema chegar ao Supremo Tribunal Federal. O advogado Danilo Perez Garcia afirmou que atende diversos aposentados com esse perfil e já chegou a obter uma sentença favorável na primeira instância, mas a Previdência recorreu. Nesse caso, o benefício atual de R$ 1,5 mil iria para R$ 2,9 mil se considerados os últimos anos de trabalho.

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Garcia destaca que muitos tribunais têm aceitado a desaposentação, mas determinando que o segurado devolva todos os valores recebidos anteriormente. "A Previdência alega que se for concedida a desaposentação, o segurado tem de devolver. Mas entendemos que a aposentadoria naquele momento foi legal. Só se deve devolver valores no caso de concessões indevidas ou fraude." O advogado destaca que em um caso que chegou ao STJ o tribunal opinou pela não devolução. "São processos novos. Nós começamos a mexer com desaposentação em 2008 e é agora, 2010 2011, que começa a chegar nos tribunais superiores", afirma Garcia. Para ele, quando muitos casos começarem a aparecer pode ser publicada uma súmula que delibere sobre o assunto. Viviane Masotti, mestre em direito previdenciário e advogada há 20 anos, é defensora da desaposentação, que classifica com uma "tese jurídica nova". "Acredito na desaposentação, embora ainda seja muito jovem. (...) A desaposentação é hoje praticamente o único caminho que enxergamos para quem se aposentou e continuou trabalhando reaver as contribuições. É um direito que a pessoa tem", afirma. Ela afirmou que explica aos clientes que se trata de um processo novo, mas não esconde a preocupação com o STF. "Já temos decisões favoráveis no STJ. A preocupação é o STF, se não vão ser revertidas." Contra Contrário à tese, o advogado Mauricio Maluf Barella, especialista em direito tributário, afirmou que é procurado para fazer as ações de desaposentação, mas se recusa. "Acho que não vale a pena porque pode cair mais para frente. (...) Eu não costumo brincar com o direito dos outros. Acho que pode acabar piorando a vida de muita gente. Não posso enganar o cliente, tem muitas decisões que pedem a devolução dos valores." ENTENDA A DESAPOSENTAÇÃO

O que é?

É o ato de renunciar a atual aposentadoria para que passe a receber um novo benefício que leva em consideração a situação atual, como idade e recolhimentos feitos à Previdência após ter se aposentado. Ou então para utilizar o tempo de contribuição em outro regime previdenciário, como por exemplo, passar do regime geral, no setor privado, para um próprio do setor público.

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ENTENDA A DESAPOSENTAÇÃO

Como pode ser pedida?

Não está prevista em lei e portanto não basta pedir revisão administrativa ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Atualmente, a desaposentação para um novo benefício só pode ser pedida pela via judicial. Alguns advogados pedem para a Previdência e incluem a negativa como parte do processo.

O que diz o governo sobre a desaposentação?

Considera que a aposentadoria é um "ato jurídico irreversível e irrenunciável". Diz não ser contra, mas afirma que a lei não permite a desaposentação.

O que pediam as primeiras ações?

Que os aposentados no Regime Geral da Previdência (por exemplo, os funcionários de empresas privadas) que começaram a trabalhar no serviço público após a aposentadoria pudessem abrir mão do benefício e contar o tempo de serviço antigo para se aposentar no regime próprio com uma condição mais vantajosa. A partir disso, começaram a ser protocoladas também ações de aposentados pelo Regime Geral que continuaram contribuindo no mesmo regime e buscavam o direito de ampliar seu benefício.

Qual a alegação principal das ações que pedem desaposentação?

A partir de 1994, foi extinto o benefício do Pecúlio Previdenciário, que é a devolução das contribuições previdenciárias realizadas após a aposentadoria quando fosse comprovado o fim da atividade por meio da rescisão do contrato. Isso significa que atualmente, pela lei, não há possibilidade de o segurado aposentado obter retorno sobre as contribuições feitas após 1994.

Como funcionam as aposentadorias hoje?

Homens podem se aposentar com benefício integral com 35 anos de contribuição e as mulheres, com 30. No entanto, quem se aposenta mais jovem tem o benefício reduzido por conta do fator previdenciário. É possível pedir aposentadoria só por idade para homens com 65 anos de idade para mulheres a partir dos 60, respeitando a carência de 180 contribuições em qualquer dos casos. Atualmente, só pode pedir aposentadoria proporcional - 53 anos e 30 de trabalho para homens e 48 anos e 25 de trabalho para mulheres - quem se filiou à Previdência antes de 16/12/1998. Na aposentadoria proporcional, além do tempo mínimo é exigido trabalhar mais 40% do tempo que faltava para a aposentadoria em dezembro de 1998. Quem se filiou à Previdência após esse período, não pode mais obter aposentadoria proporcional.

De modo geral, quem pede a desaposentação?

Geralmente o segurado que se aposentou mais jovem com o benefício proporcional. Com as contribuições feitas depois, esse beneficiário passou a ter condições de obter um benefício melhor.

Por que o número de ações cresceu após o fator previdenciário?

A adoção do fator previdenciário, em 1999, reduziu os benefícios de quem se aposenta só por tempo de contribuição, sem atingir a idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres. Muitos continuaram a trabalhar mesmo depois da aposentadoria e, dessa forma, mantiveram as contribuições ao INSS. Ao atingirem a idade mínima, alguns beneficiários refizeram os cálculos e perceberam que os benefícios podiam ser bem maiores.

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ENTENDA A DESAPOSENTAÇÃO

Como a Justiça tem se posicionado?

Segundo advogados e especialistas, a maioria dos juízes de primeira e segunda instância tem rejeitado o pedido de desaposentação. Alguns magistrados, porém, aceitam a desaposentação, com a condição de que os aposentados devolvam todo o dinheiro recebido da Previdência, para ter direito a um novo benefício. No entanto, um processo que chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válida a desaposentação e rejeitou a necessidade da devolução dos valores. Nenhum processo sobre o tema foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Alguém já conseguiu receber uma nova aposentadoria com valor maior?

Entre os especialistas e advogados consultados pelo G1, há poucos casos de ações transitadas em julgado, sem mais possibilidade de recurso, em que o aposentado já esteja recebendo uma aposentadoria com valor maior do que a anterior. A Previdência não soube informar quantos.

Os aposentados podem perder com o pedido de desaposentação?

Segundo advogados consultados pelo G1, é preciso fazer cálculos para saber se realmente vale a pena renunciar à aposentadoria por um novo benefício. O pedido judicial também deve deixar claro que se trata de uma renúncia por uma nova aposentadoria. Há possibilidade de pedir desde o começo que todo o dinheiro já recebido não tenha de ser devolvido. Todos os especialistas consultados pela reportagem temem que a possibilidade de pedir nova aposentadoria por esse mérito seja suspensa pelo STF caso alguma ação chegue ao tribunal.

Por: RONAN EUSTÁQUIO ROCHA Advogado Militante Contagem/Minas, 10/10/2010