Apostila Direitos e Garantias Fundamentais
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 1
MBA GERENCIAMENTO DE
PROJETOS
DIREITOS E GARANTIAS
FUNDAMENTAIS
PROFESSOR: GUILHERME SANDOVAL GES
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 2
NDICE
APRESENTAO 7
AULA 1: EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS 7
AULA 2: TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8
AULA 3: DOGMTICA PS-POSITIVISTA 8
AULA 4: INTERPRETAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8
AULA 5: DIREITOS SOCIAIS NO PS-POSITIVISMO 9
AULA 6: NCLEO ESSENCIAL DIREITOS FUNDAMENTAIS 9
AULA 7: COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 9
AULA 8: METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 10
AULA 1: O PERFIL DE EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS E SUA
FUNDAMENTAO TICA 11
INTRODUO 11
CONTEDO 12
CONHEA AGORA A QUESTO TERMINOLGICA 12
A PR-HISTRIA DOS DIREITOS HUMANOS 14
A FASE DE AFIRMAO DOS DIREITOS NATURAIS PELO JUSCONTRATUALISMO 20
A FASE DE CONSTITUCIONALIZAO: DA DEMOCRACIA LIBERAL SOCIAL DEMOCRACIA 24
O CONSTITUCIONALISMO LIBERAL E A PROTEO DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS 25
O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E A INTERVENO NO DOMNIO PRIVADO 27
ATIVIDADE PROPOSTA 29
EXERCCIOS DE FIXAO 30
REFERNCIAS 37
AULA 2: TEORIA DIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 38
INTRODUO 38
INTRODUO 39
CONHEA AS PRINCIPAIS TEORIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 39
CONHEA AGORA A TEORIA DO STATUS DE JELLINEK 46
A TEORIA TRIDIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 49
OS DIREITOS CIVIS E POLTICOS SOB A GIDE DO ESTADO LIBERAL DE DIREITO 51
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 3
OS DIREITOS SOCIAIS, ECONMICOS, CULTURAIS E TRABALHISTAS SOB A GIDE DO
ESTADO DEMOCRTICO SOCIAL DE DIREITO 53
A TERCEIRA DIMENSO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: OS DIREITOS COLETIVOS,
DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGNEOS 56
ATIVIDADE PROPOSTA 58
APRENDA MAIS 58
EXERCCIOS DE FIXAO 59
REFERNCIAS 62
AULA 3: A DOGMTICA PS-POSITIVISTA E A NORMATIVIDADE DOS
PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS 63
INTRODUO 63
CONTEDO 64
INTRODUO 64
BREVE DISTINO ENTRE CASOS FCEIS E CASOS DIFCEIS 66
A INSUFICINCIA DO POSITIVISMO JURDICO NA SOLUO DOS CASOS DIFCEIS (HARD
CASES) 73
AS DIFERENAS ENTRE REGRAS E PRINCPIOS LUZ DA DOGMTICA PS-POSITIVISTA 80
ATIVIDADE PROPOSTA 86
EXERCCIOS DE FIXAO 87
REFERNCIAS 90
AULA 4: CAMINHOS HERMENUTICOS PARA A PLENA EFETIVIDADE DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS 91
INTRODUO 91
CONTEDO 92
CONSIDERAES INTRODUTRIAS ACERCA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS 92
OS CAMINHOS PARA A EFETIVIDADE NA DOUTRINA ESTRANGEIRA: A NORMATIVIDADE
CONSTITUCIONAL EM KONRAD HESSE E CANOTILHO 96
A CONSTRUO DOUTRINRIA BRASILEIRA NO PLANO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS 103
AS NOVAS MODALIDADES DE EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS LUZ DA
DOGMTICA PS-POSITIVISTA 108
A EFICCIA NEGATIVA, A EFICCIA NUCLEAR E A EFICCIA POSITIVA OU SIMTRICA 108
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 4
A EFICCIA VEDATIVA DE RETROCESSO E A EFICCIA INTERPRETATIVA 112
ATIVIDADE PROPOSTA 115
EXERCCIOS DE FIXAO 116
REFERNCIAS 119
AULA 5: ANLISE DA EFICCIA DOS DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE
PS-POSITIVISMO JURDICO 121
INTRODUO 121
CONTEDO 122
INTRODUO 122
O CONCEITO DE RESERVA DO POSSVEL FTICA 124
OS IMPACTOS DOGMTICOS DA RESERVA DO POSSVEL FTICA NO PLANO DA EFETIVIDADE
DOS DIREITOS SOCIAIS 127
O CONCEITO DE RESERVA DO POSSVEL JURDICA 134
OS IMPACTOS DOGMTICOS DA RESERVA DO POSSVEL JURDICA NO PLANO DA
EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS 136
A DIFICULDADE CONTRAMAJORITRIA DO PODER JUDICIRIO E A FORMULAO DE
POLTICAS PBLICAS 141
ATIVIDADE PROPOSTA 146
EXERCCIOS DE FIXAO 147
REFERNCIAS 151
AULA 6: O NCLEO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS -
DIREITOS FUNDAMENTAIS 153
INTRODUO 153
CONTEDO 154
NCLEO ESSENCIAL: UMA INTRODUO AO ESTUDO 154
O CONTEDO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 158
A EFICCIA POSITIVA OU SIMTRICA DO NCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS 168
O CONCEITO DE EFICCIA NEGATIVA DO NCLEO ESSENCIAL 171
ATIVIDADE PROPOSTA 174
EXERCCIOS DE FIXAO 175
REFERNCIAS 179
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 5
AULA 7: A COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: POR UMA
ESTRATGIA HERMENUTICA PS-POSITIVISTA DE SOLUO 180
INTRODUO 180
CONTEDO 181
INTRODUO 181
O CONFLITO DE REGRAS E A COLISO DE PRINCPIOS: OS CONTRIBUTOS DE RONALD
DWORKIN E ROBERT ALEXY 186
ESTRATGIAS POSSVEIS: CONCORDNCIA PRTICA OU PROPORCIONALIDADE? 193
ESTRATGIA HERMENUTICA DA PONDERAO HARMONIZANTE E O PRINCPIO DA
CONCORDNCIA PRTICA 195
A ESTRATGIA HERMENUTICA DA PONDERAO EXCLUDENTE E O PRINCPIO DA
PROPORCIONALIDADE 198
ATIVIDADE PROPOSTA 200
EXERCCIOS DE FIXAO 202
REFERNCIAS 205
AULA 8: A FASE METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 206
INTRODUO 206
CONTEDO 207
INTRODUO TEMTICA 207
O FIM DA GUERRA FRIA E SEUS IMPACTOS NA FORMAO DO CONSTITUCIONALISMO DA
PS-MODERNIDADE 210
DIREITOS HUMANOS E PAX AMERICANA: A DESCONSTRUO DA DEMOCRACIA
COSMOPOLITA 220
ATIVIDADE PROPOSTA 228
EXERCCIOS DE FIXAO 229
REFERNCIAS 232
CHAVES DE RESPOSTA 234
AULA 1 234
ATIVIDADE PROPOSTA 234
EXERCCIOS DE FIXAO 234
AULA 2 236
ATIVIDADE PROPOSTA 236
EXERCCIOS DE FIXAO 236
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 6
AULA 3 237
ATIVIDADE PROPOSTA 237
EXERCCIOS DE FIXAO 238
AULA 4 239
ATIVIDADE PROPOSTA 239
EXERCCIOS DE FIXAO 239
AULA 5 240
ATIVIDADE PROPOSTA 240
EXERCCIOS DE FIXAO 241
AULA 6 242
ATIVIDADE PROPOSTA 242
EXERCCIOS DE FIXAO 242
AULA 7 243
ATIVIDADE PROPOSTA 243
EXERCCIOS DE FIXAO 244
AULA 8 245
ATIVIDADE PROPOSTA 245
EXERCCIOS DE FIXAO 245
BIBLIOGRAFIA 248
BIBLIOGRAFIA BSICA 248
BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR 248
APRESENTAO CONTEUDISTA 249
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 7
Direitos e Garantias Fundamentais - apostila
APRESENTAO
Esta disciplina insere-se no conjunto do Mdulo de Direito Constitucional e
dedica-se ao estudo do regime jurdico de proteo dos Direitos
Fundamentais no mbito do novo movimento hermenutico, denominado
neoconstitucionalismo.
Para tanto, contempla temas da teoria dos Direitos Fundamentais,
especialmente a dogmtica ps-positivista que busca reaproximar o direito da
tica.
Nesse sentido, est constituda em torno do princpio da dignidade da pessoa
humana como novo eixo axiolgico do hodierno Estado Democrtico de
Direito. Em consequncia, sua base terica a atribuio de fora
normativa aos princpios constitucionais e ao catlogo jusfundamental do
cidado comum.
Sendo assim, essa disciplina tem como objetivos:
1. Analisar o perfil de evoluo do regime jurdico de proteo dos
direitos humanos ao longo dos diferentes paradigmas estatais da
modernidade e da ps-modernidade.
2. Compreender o papel do princpio da dignidade da pessoa humana no
mbito da reconstruo neoconstitucionalista do direito.
Objetivos
Aula 1: Evoluo dos Direitos Humanos
Nesta aula, definiremos a questo terminolgica envolvendo os conceitos de
Direitos do Homem, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Alm disso,
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 8
estudaremos a pr-histria dos Direitos Humanos e identificaremos a fase de
afirmao dos Direitos naturais pelo Juscontratualismo: as obras de Hobbes,
Locke e Rousseau. Em seguida, compreenderemos a fase de
constitucionalizao: da democracia liberal social democracia. Por fim,
reconheceremos o constitucionalismo liberal e a proteo das liberdades
individuais, assim como o constitucionalismo social e a interveno no
domnio privado.
Aula 2: Teoria dos Direitos Fundamentais
Nesta aula, identificaremos as principais teorias dos Direitos Fundamentais,
assim como a teoria do status de Jellinek. Alm disso, definiremos os Direitos
Civis e Polticos sob a gide do Estado Liberal de Direito. Em seguida,
estudaremos os Direitos Sociais, Econmicos, Culturais e Trabalhistas sob a
gide do Estado Democrtico de Direito. Por fim, compreenderemos a terceira
dimenso dos Direitos Fundamentais: os Direitos Coletivos, Difusos e
Individuais Homogneos.
Aula 3: Dogmtica Ps-Positivista
Nesta aula, faremos uma breve distino entre casos fceis e difceis (hard
cases). Alm disso, estudaremos a insuficincia do positivismo jurdico na
soluo dos casos difceis (hard cases). Por fim, identificaremos as diferenas
entre regras e princpios luz da dogmtica ps-positivista.
Aula 4: Interpretao dos Direitos Fundamentais
Nesta aula, estudaremos as consideraes introdutrias acerca da efetividade
dos Direitos Fundamentais. Compreenderemos os caminhos para a efetividade
na doutrina estrangeira: a normatividade constitucional em Konrad Hesse e
Canotilho. Definiremos a construo doutrinria brasileira no plano da
efetividade dos direitos fundamentais. Em seguida, reconheceremos as novas
modalidades de eficcia das normas constitucionais luz da dogmtica ps-
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 9
positivista. Por fim, identificaremos a eficcia negativa, a eficcia nuclear e a
eficcia positiva ou simtrica, assim como a eficcia vedativa de retrocesso e
a eficcia interpretativa.
Aula 5: Direitos Sociais no Ps-Positivismo
Nesta aula, identificaremos o conceito de reserva do possvel ftica, assim
como os impactos dogmticos da reserva do possvel ftica no plano da
efetividade dos direitos sociais. Compreenderemos o conceito de reserva do
possvel jurdica. Definiremos os impactos dogmticos da reserva do possvel
jurdica no plano da efetividade dos direitos sociais. Por fim, descreveremos a
dificuldade contramajoritria do poder judicirio e a formulao de polticas
pblicas.
Aula 6: Ncleo Essencial Direitos Fundamentais
Nesta aula, faremos uma introduo ao estudo do Ncleo Essencial.
Compreenderemos o contedo essencial das normas constitucionais. Em
seguida, analisaremos a eficcia positiva ou simtrica do ncleo essencial dos
direitos fundamentais. Por fim, definiremos o conceito de eficcia negativa do
Ncleo essencial.
Aula 7: Coliso de Direitos Fundamentais
Nesta aula, definiremos o conflito de regras e a coliso de princpios: os
contributos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Em seguida, analisaremos a
concordncia prtica ou a proporcionalidade das Estratgias possveis.
Identificaremos a estratgia hermenutica da ponderao harmonizante e o
princpio da concordncia prtica. Por fim, estudaremos a estratgia
hermenutica da ponderao excludente e o princpio da proporcionalidade.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 10
Aula 8: Metaconstitucional dos Direitos Humanos
Nesta aula, descreveremos o fim da Guerra Fria e seus impactos na formao
do constitucionalismo da ps-modernidade. Em seguida, identificaremos os
Direitos Humanos e Pax Americana: a desconstruo da democracia
cosmopolita. Por fim, estudaremos a proteo internacional dos Direitos
Humanos.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 11
Aula 1: O perfil de evoluo dos
direitos humanos e sua
fundamentao tica
Introduo
Na presente aula, ser estudado o perfil de evoluo dos direitos humanos e
sua fundamentao tica, cujo contedo programtico tem como escopo o
estudo dos seguintes temas centrais: a questo terminolgica, a pr-histrica
dos direitos humanos, a afirmao dos direitos naturais pelas correntes
juscontratualistas e a formao do constitucionalismo democrtico.
Destarte, no que tange pr-histria dos direitos humanos, destaca-se o
exame da democracia direta ateniense e da escolstica da era medieval. J o
estudo da afirmao dos direitos naturais do homem ser desenvolvido a
partir das obras de Hobbes, Locke e Rousseau. Finalmente, a formao do
constitucionalismo democrtico englobar a anlise do Estado liberal de
Direito e o Estado social de Direito, aqui compreendidos como paradigmas
estatais da modernidade.
Objetivos
1. Compreender a questo terminolgica e a evoluo do regime jurdico-
filosfico de proteo dos direitos humanos, desde seus primrdios at
o incio do constitucionalismo da modernidade;
2. Analisar os elementos essenciais do constitucionalismo democrtico da
modernidade e suas fases liberal e social.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 12
Contedo
Conhea agora a questo terminolgica
Antes de enfrentar as questes relativas s fases de evoluo dos direitos
humanos, importante compreender a questo terminolgica envolvendo os
conceitos de direitos naturais do homem, direitos humanos e direitos
fundamentais.
Com efeito, o estudioso dos direitos humanos no pode deixar de considerar
esta questo terminolgica, na medida em que tais expresses apresentam
dimenses conceituais prprias, razo pela qual se impe tal rigor de termos.
nesse diapaso, portanto, que importante traar os elementos
diferenciadores dos conceitos em tela.
Assim, a ideia de direitos do homem designa os direitos naturais do homem
e ainda no positivados, seja na esfera interna, seja em sede internacional.
Em linhas gerais, a expresso direitos do homem apresenta contornos amplos
ligados aos direitos naturais e pr-estatais. J o termo direitos humanos
simboliza os direitos naturais do homem que j foram positivados na esfera
internacional, vale dizer, nos textos dos documentos internacionais, como por
exemplo, a Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Finalmente, a expresso direitos fundamentais estaria reservada para
designar aqueles direitos cujo reconhecimento est garantido em sede
constitucional. Ou seja, os direitos fundamentais so os valores reconhecidos
e positivados por cada ordem constitucional, o que evidentemente significa
dizer que os direitos fundamentais variam de Estado para Estado, seja em
termos de efetividade, seja em termos de proteo.
A questo termininolgica, longe de ter apenas valor acadmico, ganha
vitalidade inquestionavel quando se tem em conta as caractersticas dos
direitos fundamentais. Assim, lcito falar-se em universalidade dos direitos
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 13
do homem ou dos direitos humanos (direitos do homem positivados em
documentos internacionais) e na pretendida universalizao dos direitos
humanos (tenta-se implementar, em toda a comunidade internacional, a
garantia dos direitos assegurados nas Declaraes Universais e Regionias de
Direitos Humanos). Com efeito, a proteo internacional dos direitos humanos
ainda se encontra em fase incipiente, muito embora se saiba que tal
concretizao global, na prtica, venha ganhando corpo e j apresente sinais
reais de efetividade no mbito das cortes internacionais.
Diferentemente dos direitos humanos, a ideia de direitos fundamentais fica
associada aos valores reconhecidos em sede constitucional, formando um rol
de direitos que se colocam acima do prprio Estado. Assim sendo, no
contexto jurdico de proteo do cidado comum, o smbolo dos direitos
fundamentais fica caracterizado como opo de cada Estado nacional. Isto
significa dizer que os direitos fundamentais sero aqueles previstos nos
ordenamentos constitucionais dos Estados.
E assim que, enquanto os direitos humanos simbolizam direitos ligados
aspirao de supranacionalidade e superconstitucionalidade, a noo de
direitos fundamentais conceito mais restrito conectado a uma Constituio
especfica de um Estado nacional. Destarte, os direitos fundamentais so os
direitos naturais do homem que foram efetivamente positivados na
Constituio de um determinado pas soberano.
por isso que os direitos fundamentais so limitados no espao e no tempo,
ou seja, so os direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e
limitados espao temporalmente (J.J. Gomes Canotilho). Em termos
comparativos, os "direitos humanos" so direitos de contornos mais amplos
e imprecisos do que os direitos fundamentais, estes ltimos com sentido
mais preciso e restrito que delimita espacial e temporalmente o catlogo
jusfundamental a ser respeitado pelo sistema jurdico do Estado.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 14
A figura abaixo sintetiza a questo terminolgica envolvendo os conceitos de
direitos do homem, de direitos humanos e de direitos fundamentais.
NOME DA AULA AULA1
NOME DA DISCIPLINA
A QUESTO TERMINOLGICA DOS DIREITOS HUMANOS
DIREITOS DO HOMEM
POSITIVADOS EM
UMA DETERMINADA
CONSTITUIO
DIREITOS
FUNDAMENTAIS
POSITIVADOS EM
DOCUMENTOS
INTERNACIONAIS
DIREITOS
HUMANOS
Em suma, tudo isso demonstra que o regime jurdico de proteo dos direitos
humanos fruto de lutas e conquistas polticas e sociais, dentro de um
processo histrico cheio de obstculos e caracterizado por avanos e
retrocessos.
nesse sentido, que vamos em seguida analisar tal caminho, longo e rduo,
desde a fase de pr-histria dos direitos humanos at seu atual estado da
arte, denominado pela doutrina de fase de constitucionalizao dos direitos
fundamentais.
A pr-histria dos direitos humanos
O objetivo acadmico deste segmento temtico compreender as
transformaes do espao jurdico-filosfico operadas no curso da evoluo
dos direitos humanos durante o perodo que a doutrina chama de pr-histria.
Nesse sentido, importante destacar a classificao de Klaus Stern que
mostra a evoluo dos direitos humanos a partir de trs fases bem distintas, a
saber:
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 15
1) pr-histria dos direitos humanos;
2) fase de afirmao dos direitos naturais;
3) fase de constitucionalizao dos direitos fundamentais.
Com relao tradicional classificao das fases de evoluo dos direitos
humanos concebida por Klaus Stern, Ingo Wolfgang Sarlet faz o seguinte
resumo:
Sintetizando o devir histrico dos direitos fundamentais at o seu
reconhecimento nas primeiras Constituies escritas, K. Stern,
conhecido mestre de Colnia, destaca trs etapas: a) uma pr-
histria, que se estende at o sculo XVI; b) uma fase
intermediria, que corresponde ao perodo de elaborao da
doutrina jusnaturalista e da afirmao dos direitos naturais do
homem; c) a fase de constitucionalizao, iniciada em 1776, com as
sucessivas declaraes de direito dos novos estados americanos. 1
Sem nenhuma dvida, esta classificao uma maneira simplificada de
perceber a evoluo do regime jurdico de proteo dos direitos humanos,
mas que, no entanto, no deixa de abordar a incessante marcha de avanos e
retrocessos de todas as etapas de evoluo do constitucionalismo e dos
paradigmas estatais.
Em linhas gerais, a pr-histria dos direitos humanos antecede a fase de
elaborao de afirmao dos direitos naturais desenvolvida pelos grandes
pensadores da teoria contratualista, quais sejam Thomas Hobbes, John Locke
e Jean-Jacques Rousseau.
Assim sendo, a fase pr-histrica dos direitos humanos pode ser
considerada como sendo aquela primeira etapa de evoluo de direitos
naturais do homem que se desenvolve desde o mundo antigo (estoicismo
greco-romano) at o fim do feudalismo (filosofia crist medieval). Em
1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev.atual.,ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 40.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 16
decorrncia, lcito afirmar que, entre outras, tal fase engloba dois grandes
modelos de Estado diferentes, isto , o Estado-cidade grego e o Estado
medieval.
Lenio Streck e Bolzan de Morais estabelecem como formas estatais pr-
modernas o Estado oriental ou teocrtico, a Polis Grega, a Civitas Romana e o
Estado Medievo (a principal forma estatal pr-moderna). Para os autores, trs
elementos caracterizam a forma estatal medieval: cristianismo, invases
brbaras e feudalismo.2
Dessarte, vale insistir na ideia-fora de que a fase de pr-histria dos direitos
humanos no permite obter grande entusiasmo em termos de regime jurdico
estatal de proteo do homem comum, na medida em que no se tinha nem
mesmo a desvinculao ao direito divino. Portanto, uma fase que se liga aos
modelos de Estado pr-moderno, seja com a polis grega (concepo
aristotlico-tomista do Estado), seja com o Estado medieval (sistema
teolgico cristocntrico).
Eis que a pr-histria aquela primeira etapa de evoluo dos direitos
humanos que se desenvolve desde o mundo antigo (doutrina estoica greco-
romana) at o fim do feudalismo. importante, por conseguinte, examinar as
caractersticas dessas duas grandes modalidades de Estado.
Em primeiro lugar, vale trazer a lume a antiguidade clssica e seu modelo
predominante de Estado-Cidade, cuja dinmica j se apresentava revestida da
ideia de governo das leis e exerccio direto do poder poltico a partir da
democracia direta ou pura. Como bem destaca Lus Roberto Barroso:
Atenas historicamente identificada como o primeiro grande
precedente de limitao do poder poltico - governo de leis, e no
2 STRECK Lenio Luiz; MORAIS, Jos Luis Bolzan de. Cincia poltica & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 23-24.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 17
de homens - e de participao dos cidados nos assuntos pblicos.
Embora tivesse sido uma potncia territorial e militar de alguma
expresso, seu legado perene de natureza intelectual, como bero
do ideal constitucionalista e democrtico. Ali se conceberam e
praticaram ideias e institutos que ainda hoje se conservam atuais,
como a diviso das funes estatais por rgos diversos, a
separao entre o poder secular e a religio, a existncia de um
sistema judicial e, sobretudo, a supremacia da lei, criada por um
processo formal adequado e vlida para todos.3
Em consequncia, pode-se afirmar que a fase pr-histrica ou fase pr-
moderna dos direitos humanos remonta aos tempos do Estado-Cidade,
cuja nota diferenciadora o exerccio da democracia direta, sistema no
representativo sem nenhuma necessidade de mandato poltico. Ou seja, no
gora, praa pblica onde se fazia o comrcio e onde costumeiramente se
realizavam as assembleias do povo, o cidado participava diretamente das
decises polticas fundamentais do Estado.4
Sem embargo da relevncia da participao direta do cidado no exerccio do
poder poltico, o fato que a democracia ateniense, em essncia, no
passava de uma repblica aristocrtica no sentido que lhe emprestava
Aristteles ao definir a forma pura do governo de alguns. No era
verdadeiramente uma democracia na medida em que no praticava o sufrgio
universal.5
3 BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo. Os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 6. 4 Nesse sentido, precisa a lio de Paulo Bonavides quando preleciona que: Cada cidade que se prezasse da prtica do sistema democrtico manteria com orgulho um gora, uma praa, onde os cidados se congregassem todos para o exerccio do poder poltico. O gora, na cidade grega, fazia, pois, o papel do Parlamento nos tempos modernos. Um povo sem gora era um povo escravo, como hoje um povo sem liberdade de opinio e sem direito ao sufrgio (Cf. BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 323.) 5 Nelson Nery Costa, mostrando a evoluo da polis grega, tambm destaca esse carter de organizao poltica excludente que segregava mulheres, estrangeiros e escravos, verbis: A funo poltica a era vista como um dever da cidadania e, no, como um privilgio, tanto que diversos cargos eram atribudos por meio de sorteios e a instncia mxima era uma assembleia, dos cidados, excluindo mulheres, estrangeiros e escravos. (COSTA, Nelson Nery. Cincia poltica. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1.)
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 18
So estas as caractersticas da democracia do Estado-Cidade, um paradigma
democrtico imperfeito, mas que simboliza um tipo de constitucionalismo de
democracia direta sem representao poltica; um espao de liberdade do
cidado desvinculado da atuao de um agente poltico mandatrio da
vontade popular e maculado pelo vcio da escravido e da opresso.
Uma vez examinada a contribuio da democracia direta ateniense para o
curso de evoluo dos direitos humanos, vale agora examinar o
constitucionalismo medieval e sua concepo dual de poder.
Com efeito, no campo terico, o Estado medieval se caracterizava pelo poder
dual, vale explicitar, poder disputado pela Igreja e pelo Estado. De observar-
se, com ateno, que esta dualidade de poder impedia a consolidao do
conceito de soberania una e indivisvel dentro de um estado territorial de
fronteiras definidas e sem pretenses universais, como era, a contrario sensu
o objetivo da Igreja e do cristianismo.
bem de ver, portanto, que o Estado medieval se caracterizava pela disputa
da supremacia poltica entre o poder temporal do Estado e o poder
eclesistico da Igreja, resultando da um pluralismo jurdico que envolvia o
direito da Igreja, o direito das universidades, o direitos dos feudos, o direito
das corporaes de ofcio, enfim, uma ordem jurdica plural sem uma nica
fonte de poder.
De tudo isso importante extrair que, durante a vigncia do
constitucionalismo medieval, floresceu a ideia de que a autoridade dos
governantes se fundava num contrato com os sditos: o pactum subjectionis.
Por este pacto, o povo se sujeitava a obedecer ao prncipe enquanto este se
comprometia a governar com justia, ficando Deus como rbitro e fiel do
cumprimento do contrato. Assim, violando o prncipe a obrigao de justia,
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 19
exoneravam-se os sditos da obedincia devida, pela interveno do Papa,
representante da divindade sobre a Terra. 6
Nesse sentido, desponta a obra seminal (Summa Theologica) 7 de Santo
Toms de Aquino (1225-1274), cuja relevncia para a teoria dos direitos
fundamentais surge com a teorizao acerca da doutrina da coexistncia
harmnica dos poderes temporal e eclesistico, porm com preponderncia
da autoridade espiritual.
bem de ver que, durante toda a fase de pr-histria, no se pode falar em
doutrinas do direito natural da pessoa humana e muito menos ainda em
doutrinas eminentemente democrticas acerca da origem e do exerccio do
poder poltico. O ponto alto do constitucionalismo feudal a retomada das
ideias de Plato por Santo Agostinho e de Aristteles por Santo Toms de
Aquino, fato que faz avanar a teoria dos direitos humanos, na medida em
que, sem se desvincular dos princpios basilares do cristianismo, cria as bases
tericas do tomismo, um dos principais segmentos da doutrina escolstica.
E assim que a escola tomista de Santo Toms de Aquino recupera o
prestgio do pensamento clssico de Aristteles e consegue sem se afastar
da perspectiva teolgica da supremacia divina valorizar a investigao
cientfica do mundo natural, do domnio real. Com isso, lcito afirmar que a
teoria tomista de inspirao aristotlica fixa a diferenciao entre filosofia e
teologia e, na sua esteira, a conciliao entre a f e a razo. Em outro dizer,
muito embora j comeasse a separar a f da razo, a teoria tomista do
constitucionalismo feudal no se ops ao dogma cristo, na medida em que
no afastou a ideia de que a fonte de todo o poder vem de Deus.
6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva 2009. p. 6. 7 AQUINO, Santo Toms de. Suma Teolgica. So Paulo: Editora Loyola, 2001.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 20
Em concluso, a fase pr-histrica dos direitos humanos ainda uma fase
tmida, principalmente quando se leva em considerao que um perodo no
qual os direitos naturais do homem no esto desvinculados da perspectiva
divina.8
A fase de afirmao dos direitos naturais pelo juscontratualismo
Aps a anlise da pr-histria dos direitos humanos, importa agora examinar
a segunda fase de evoluo, qual seja a fase de elaborao das doutrinas
contratualistas do direito natural.
Nesta fase, vamos examinar o pensamento dos grandes filsofos do
contratualismo jurdico (Thomas Hobbes, 9 John Locke 10 e Jean-Jacques
Rousseau11), na medida em que suas obras cientficas iro neutralizar as
doutrinas teocrticas do poder divino dos reis, substituindo-as pelas correntes
filosficas do contrato social como origem da sociedade.
Com isso, as correntes do contratualismo jurdico fazem avanar
cientificamente o conceito de direitos naturais, muito especialmente pelo elo
que criam com as teorias democrticas da origem do poder.
O primeiro grande filsofo do contratualismo Thomas Hobbes, que pauta
seu pensamento no conceito de Estado leviat absolutista. Com efeito,
Hobbes foi o primeiro grande teorizador de uma doutrina do direito natural
com consistncia metodolgico-conceitual capaz afastar a noo de poder
originrio supra-humano e divino. Para tanto, Hobbes parte da viso de
Estado enquanto sociedade poltica que nasce de um contrato celebrado pelos
cidados e cujo objetivo a cesso de direitos naturais a um poder comum, a
8 Ingo Sarlet preleciona que da doutrina estoica greco-romana e do cristianismo advieram as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade (para os cristos, perante Deus). Cf. Ob. cit. p. 41. 9 HOBBES, Thomas. Leviatn o la Materia, Forma y Poder de una Repblica, Eclesistica y Civil. Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1940. 10 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. So Paulo: Ed. Ibrasa, 1963. 11 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Ed. Cultrix, So Paulo, 1971.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 21
cuja autoridade os cidados passam a respeitar, sem qualquer tipo de
contestao. Trata-se, portanto, de um pacto de submisso.
Com isso, a teorizao de Hobbes comea a afirmar cientificamente os
direitos naturais e, o que mais importante, comea a negar o modelo
tomista atinente supremacia da autoridade espiritual sobre a autoridade
terrena (Santo Toms de Aquino).
Entretanto, sem embargo de seu perfil democrtico em relao origem do
poder poltico, o fato que a tese hobbesiana serviu para justificar as
pretenses absolutistas do Estado moderno ps-feudal, ou seja, as leis do
Estado leviat, por mais injustas que fossem, ainda assim deveriam ser
obedecidas pelos sditos porque melhores que o caos do estado de natureza.
Assim, no pensamento contratualista hobbesiano, o homem em seu estado de
natureza no tinha como chegar paz e segurana, necessitava, pois, do
Estado forte (poder comum) atuando como um verdadeiro Leviat, o Deus
mortal, o nico capaz de superar o caos da guerra de todos contra todos.
Portanto, o Estado leviat seria o instrumento com poder total para afastar a
guerra de todos contra todos, criando o estado societal de paz e segurana.
Desta feita, Hobbes justifica o nascente Estado absoluto.
Totalmente diferente era a linha de pensamento de John Locke surgida mais
de quarenta anos depois (1692). Para este autor, o paradigma contratual no
poderia se configurar no pacto de submisso hobbesiano, e, sim, no pacto de
consentimento que somente legitima a ao do Governo Civil voltada para o
objetivo de assegurar as liberdades individuais do cidado comum,
garantindo-lhe seus direitos vida, liberdade e propriedade. Como bem
destaca Norberto Bobbio, o estado de natureza de Locke difere frontalmente
de outros filsofos, verbis:
No estado de natureza, para Lucrcio, os homens viviam more
ferarum (como animais): para Ccero, in agris bestiarum modo
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 22
vagabantur (vagavam pelos campos como animais); e, ainda para
Hobbes, comportavam-se, nesse estado natural, uns contra os
outros, como lobos. Ao contrrio, Locke que foi o principal
inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do homem
comea o captulo sobre o estado de natureza com as seguintes
palavras: "Para entender bem o poder poltico e deriv-lo de sua
origem, deve-se considerar em que estado se encontram
naturalmente todos os homens; e esse um estado da perfeita
liberdade de regular as prprias aes e de dispor das prprias
posses e das prprias pessoas como se acreditar melhor, nos limites
da lei de natureza, sem pedir permisso ou depender da vontade de
nenhum outro.12
Portanto, a obra de Locke serviu de inspirao para as Declaraes de
Direitos que iriam acontecer no futuro com base no axioma de que todos so
iguais perante a lei (igualdade formal). Com efeito, o art. 1 da Declarao
Universal (todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos) simboliza
o Estado liberal e a ideia de igualdade formal.
Com espeque no direito de resistncia, que no entender do prprio John
Locke era um instrumento poltico de aperfeioamento do Estado, surge o
Estado de Direito. Nesse passo, a lgica de construo da obra de Locke a
limitao do poder estatal a partir desse direito de resistncia.
Eis que o pensamento de Locke inova a cincia jurdica dada, na medida em
que reconhece ao cidado comum a prerrogativa de resistir s autoridades
tirnicas. Atingido o ponto de no direito, abre-se a perspectiva de aplicao
do direito de resistncia, caracterizando o pacto de consentimento, cuja
essncia est na limitao do poder do Estado, vale dizer, o pacto de
consentimento somente legitima as aes do Estado voltadas para a garantia
dos direitos civis e polticos do cidado. Com isso, Locke justifica a ideia-fora
de Estado liberal.
12 Cf. A era dos direitos, p. 75.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 23
Destarte, a natureza do contrato social na obra de Locke o faz precursor do
liberalismo, seja pela negao da cesso de direitos naturais (cada cidado
entrega ao Estado apenas a prerrogativa de resolver conflitos, permanecendo
com o restante dos direitos naturais), seja pela interveno mnima do Estado
nas relaes jurdicas privadas. Em consequncia, os direitos naturais atuam
como limites ao do estado, cuja legitimao depende da garantia das
liberdades individuais. Por conta disso, o ncleo central do iderio liberal a
garantia dos direitos civis e polticos, cuja lgica estatal minimalista rejeita o
estado absolutista.
Com esse tipo de inteleco em mente, fica mais fcil compreender o esprito
que anima o paradigma contratual de Locke, qual seja sufragar as liberdades
individuais ante o arbtrio do poder estatal. Eis aqui estampadas, com todas
as letras, as razes pelas quais John Locke apontado como sendo o pai do
Estado liberal burgus.
No mbito do contratualismo liberal lockiano, no se pode falar em direitos
sociais ou em proteo dos hipossuficientes ou ainda em igualdade real ou
material. Tal perspectiva somente vai ser alcanada com o pensamento
contratualista de Jean Jacques Rousseau e a sua defesa da democracia
plebiscitria. Com efeito, a teorizao do contrato social de Rousseau, terceira
grande corrente do contratualismo jurdico, calcada na vontade geral, que,
em essncia, uma vontade prpria que no se confunde com a simples
soma das vontades individuais, sendo, com rigor, sua sntese.
Para alm disso, o contrato social faz referncia ao conceito de igualdade
natural que por sua vez projeta a ideia de que o pacto rousseauniano visa a
reduzir as desigualdades fsicas, transformando-as em igualdades em
direitos.13
13 Dalmo de Abreu Dallari, em feliz sntese acerca da matria preleciona, verbis: Em resumo, verifica-se que vrias das ideias que constituem a base do pensamento de Rousseau so hoje
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 24
Com isso, acreditamos que entre todos os contratualistas, Rousseau aquele
que mais se aproxima do princpio democrtico. Na verdade, a posio
teorizante de Rousseau o coloca na vanguarda da defesa da democracia
plebiscitria, vez que sua ideia de mandato imperativo classifica o
representante poltico como mero comissionrio do povo. A partir da obra de
Rousseau, possvel vislumbrar a formao de um ncleo essencial de uma
democracia participativa de vis plebiscitrio, que garanta efetivamente a
igualdade de oportunidades.
Em Rousseau, colhem-se conceitos deveras avanados, muito superiores
formulao hobbesiana de Estado-Leviat e do Estado-burgus liberal de
Locke e que podem servir de fonte de inspirao para o aperfeioamento da
democracia participativa no Estado contemporneo.
A fase de constitucionalizao: da democracia liberal social democracia
Uma vez examinadas as correntes do contratualismo jurdico e sua
importncia no curso de evoluo dos direitos humanos, vale agora iniciar o
estudo da fase de constitucionalizao dos direitos fundamentais, que se
inicia com as revolues liberais do sculo XVIII e perdura at hoje.
Com efeito, no campo terico, possvel estabelecer dois grandes ciclos
democrticos distintos desta fase, a saber:
a) o perodo de democracia liberal que vai da Revoluo francesa (1789) at a
Constituio de Weimar na Alemanha (1919); e
consideradas fundamentos da democracia. o que se d, por exemplo, com a afirmao da
predominncia da vontade popular, com o reconhecimento de uma liberdade natural e com a busca de igualdade, que se reflete, inclusive, na aceitao da vontade da maioria como
critrio para obrigar o todo, o que s se justifica se for acolhido o princpio de que todos os
homens so iguais. Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. So Paulo: Saraiva, 2005. p.18.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 25
b) o perodo de democracia social que se estende de Weimar at o fim da
queda do muro de Berlim (1989). 14
Destarte, a partir deste momento, nossa inteno passa a ser examinar os
dois ciclos democrticos da modernidade (democracia liberal e social
democracia).
O constitucionalismo liberal e a proteo das liberdades individuais
A fase de democracia liberal marca o incio de uma nova etapa na proteo
dos direitos humanos, cujo apogeu vem com a interpretao dogmtico-
jurdica dos direitos humanos feita luz de um estado de direito. Muitos
autores entendem que nesta fase que os direitos do homem se
transformam em efetivos direitos fundamentais, ou seja, a
constitucionalizao que cria um catlogo de direitos fundamentais a partir da
preexistncia de direitos naturais.
A fase de constitucionalizao inaugurada a partir da Declarao de Direitos
do Povo da Virgnia de 1776 ou ento da Declarao Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidado de 1789. Qual desses dois marcos histricos merece
receber a glria de ser o smbolo do nascimento do Estado de Direito e
constitucionalismo democrtico ocidental?
Lus Roberto Barroso citando Hannah Arendt destaca o fato intrigante de
que foi a Revoluo Francesa, e no a Inglesa ou a Americana, que correu
mundo e simbolizou a diviso da histria da humanidade em antes e depois.15
14 Cf. GES, Guilherme Sandoval. Geopoltica e ps-modernidade. In: Revista da Escola Superior de Guerra, vol. 48, n. jul 2007, p. 96. Disponvel em: . 15 Cf. BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio, p.320.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 26
Optamos por homenagear a Revoluo Francesa de 1789 como smbolo
inaugural da democracia liberal e da primeira verso do Estado de Direito. A
racionalidade que cimenta nossa argumentao tem triplo aspecto, a saber:
(i) a Revoluo Francesa que sela definitivamente o fim do regime
monrquico absolutista, um verdadeiro estado de no direito;
(ii) a Revoluo Francesa que instaura a ordem constitucional liberal com
penetrao universal;
(iii) a Revoluo Francesa que consolida a ideia-fora de direitos
fundamentais constitucionais que se posicionam acima das prprias
razes de Estado.
De tudo se v, por conseguinte, que foi nesse ambiente de transformao
que a Revoluo Francesa de 1789 introduz a perspectiva liberal burguesa
focada na proteo das liberdades individuais perante o Estado. De fato, os
processos revolucionrios americano e francs simbolizam no s o
nascimento da primeira dimenso dos direitos fundamentais, mas, tambm, a
passagem do Estado Absoluto (Estado de no direito) para o Estado Liberal
(Estado Legislativo de Direito).
Observe que nesse mister, o modelo Liberal de Estado lana as bases do
Estado de Direito, quais sejam: a separao de poderes e a declarao de
direitos fundamentais acima do prprio Estado. a dico legal do artigo 16
da Declarao de 1789 que projeta esta ideia-fora: A sociedade em que no
esteja assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a
separao de poderes no tem Constituio.
Eis aqui muito bem delineado o ncleo constitucional do Estado Liberal: a
limitao do poder estatal (Estado Mnimo que no se intromete na esfera das
relaes privadas) e o respeito ao catlogo das liberdades pblicas, mais
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 27
precisamente a proteo dos direitos civis e polticos (primeira dimenso
dos direitos fundamentais).
Sem embargo de sua importncia para a consolidao do constitucionalismo
democrtico ocidental, entendemos que o Estado Liberal circunscreveu, em
essncia, uma era histrica que se entremostrou insuficiente na busca da
igualdade material, vale dizer, aquelas condies mnimas de vida digna e
capaz de gerar a igualdade de oportunidades para todos os cidados. Esta a
razo pela qual o liberalismo entra em crise, suscitando a criao da segunda
verso do Estado de Direito, qual seja, o Welfare State, entre ns,
denominado de Estado do Bem-Estar Social ou simplesmente Estado Social.
O constitucionalismo social e a interveno no domnio privado
Neste segmento temtico, pretende-se analisar a passagem da democracia
liberal para a social democracia. Com efeito, o encurtamento jurdico do
Estado e as conquistas democrticas do constitucionalismo liberal no tiveram
o condo de garantir para todos os cidados a dignidade da pessoa humana,
ainda que em sua expresso mnima.
De fato, as bases da democracia liberal fincadas na igualdade formal e na
plena autonomia privada (crena na fora reguladora do mercado) foram
incapazes de criar as condies mnimas de vida digna para todos. No dizer
de Vicente de Paulo Barretto:
O Estado Liberal, por trs de sua aparente neutralidade, na
realidade estava a servio de uma classe social, a classe dos
detentores dos meios de produo, que necessitavam de um
sistema jurdico que regulasse de forma igual os conflitos que
ocorressem na sociedade civil e garantissem a atividade econmica
da interveno do Estado, para que assim pudesse ser realizado o
reino da autonomia e da liberdade individual.16
16 Cf. O fetiche dos direitos humanos e outros temas, p. 210.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 28
De fato, o constitucionalismo liberal protegia as classes dominantes, na
medida em que o tratamento igual de desiguais nada mais fez do que gerar
grandes desigualdades sociais. por isso que surge uma nova segmentao
de direitos fundamentais, agora ditos de segunda dimenso, cuja
concretizao efetiva deveria ser patrocinada pelo prprio Estado mediante
aes prestacionais positivas.
Portanto, o constitucionalismo social tem a pretenso de assegurar bens
imprescindveis para a materializao da dignidade da pessoa humana,
solapada que tinha sido pelo ciclo democrtico liberal. Ou seja, os direitos
sociais podem servir como instrumento poltico-jurdico de distribuio de
justia social e de concretizao do princpio da dignidade da pessoa humana.
Assim sendo, o novo paradigma constitucional passa a operar num domnio
hermenutico em que imperam trs novos elementos essenciais: dirigismo
constitucional, igualdade material e dignidade da pessoa humana. Tais
elementos essenciais representam, de certo modo, as condies de
possibilidade para a realizao do sentimento constitucional de justia, bem
como o ncleo duro do ciclo do Estado Democrtico Social de Direito.
Destarte, a pedra angular do dirigismo constitucional o estabelecimento de
uma Carta pice composta de normas programticas que traam aes e
metas a serem implementadas pelo legislador ordinrio e pelo Poder
Executivo. Com rigor, no se trata apenas de regular a vida poltico-
administrativo-financeira do Estado, mas, sim, de garantir condies mnimas
de vida digna para todos, dentro de uma perspectiva de igualdade material,
na qual cabe ao Estado Social suprir o dficit econmico e social das classes
menos favorecidas (hipossuficientes).
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 29
Atividade proposta
Leia o texto abaixo de autoria de Lus Roberto Barroso:
Entre a luz e a sombra, descortina-se a ps-modernidade. O rtulo genrico
abriga a mistura de estilos, a descrena no poder absoluto da razo, o
desprestgio do Estado. Vive-se a angstia do que no pde ser e a
perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma poca aparentemente
ps-tudo: ps-marxista, ps-kelseniana, ps-freudiana. O Estado passou a ser
o guardio do lucro e da competitividade.
A partir da leitura do texto acima, responda, justificadamente, se, o contexto
da ps-modernidade, como acima descrito, repotencializa o constitucionalismo
welfarista.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 30
Exerccios de fixao
Questo 1
Acerca das fases de evoluo dos direitos fundamentais, analise as seguintes
afirmativas:
I. A elaborao da doutrina juscontratualista, cujos principais
teorizadores foram Hobbes, Locke e Rousseau, marca o incio da fase
de constitucionalizao dos direitos fundamentais;
II. A essncia democrtica da obra de John Locke vem da ideia de que o
pacto entre cidados um ato de transferncia de direitos inerentes ao
homem para o Estado;
III. A teorizao de Hobbes desconstri a doutrina da coexistncia
harmnica dos poderes temporal e eclesistico, com supremacia da
autoridade espiritual, formulada por Santo Toms de Aquino;
IV. So caractersticas do pacto de consentimento de John Locke, entre
outras, a proteo das liberdades individuais e o reconhecimento do
direito de resistncia.
Somente CORRETO o que se afirma em:
a) ( ) I e III;
b) ( ) II e IV;
c) ( ) III e IV;
d) ( ) I, II e IV;
e) ( ) II, III e IV.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 31
Questo 2
Analise cada item a seguir e informe se as alternativas so VERDADEIRAS OU
FALSAS:
I. A teorizao poltica de Locke faz avanar a afirmao dos direitos
naturais, na medida em que reconhece o direito de resistncia como
um instrumento importante na limitao do poder estatal que deve,
portanto, respeitar as liberdades individuais;
II. O pacto social da vontade geral de Rousseau informa o princpio
democrtico e em especial a democracia participativa plebiscitria;
III. J o pacto de submisso de Thomas Hobbes justifica o Estado Liberal
burgus;
IV. O conceito de Estado-leviat simboliza a reao antiabsolutista, cujo
objetivo era limitar o poder do Estado em prol das liberdades
individuais.
a) ( ) V; F; F; V;
b) ( ) V; V; F; F;
c) ( ) V; F; V; F;
d) ( ) F; F; V; F.
Questo 3
No que tange fundamentao tica dos direitos humanos, analise as
afirmativas abaixo e assinale a resposta CORRETA:
O pacto de submisso de Thomas Hobbes que rejeita o direito de resistncia
deve ser associado (ao):
a) ( ) Estado Liberal.
b) ( ) Estado Social.
c) ( ) Estado Ps-moderno.
d) ( ) Estado Absoluto.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 32
Questo 4
Acerca da terminologia envolvendo os direitos humanos e os fundamentais,
CORRETO afirmar que pela constitucionalizao so transformados:
a) ( ) direitos fundamentais em direitos das gentes.
b) ( ) direitos humanos em direitos do homem.
c) ( ) direitos naturais do homem em direitos fundamentais.
d) ( ) direitos fundamentais em direitos do homem.
Questo 5
Analise as assertivas abaixo e marque a resposta correta.
O pacto de consentimento de John Locke pode ser associado :
I. subordinao da burguesia ascendente ao poder aristocrtico;
II. supremacia do capital sobre a terra;
III. primazia do social sobre o individual;
IV. prevalncia do Estado Mnimo sobre o Estado-Empresrio.
Somente CORRETO o que se afirma em:
a) ( ) I e II;
b) ( ) II e IV;
c) ( ) I e III;
d) ( ) I e IV.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 33
Questo 6
O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o tat
Gendarme, associado s presses decorrentes da industrializao em marcha,
o impacto do crescimento demogrfico e o agravamento das disparidades no
interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicaes, impondo ao
Estado um papel ativo na realizao da justia social. O ideal absentesta do
Estado liberal no respondia, satisfatoriamente, s exigncias do momento.
Uma nova compreenso do relacionamento Estado/sociedade levou os
poderes pblicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse
superar as suas angstias estruturais. Da o progressivo estabelecimento
pelos estados de seguros sociais variados, importando interveno intensa na
vida econmica e a orientao das aes estatais por objetivos de justia
social.
(MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. So
Paulo: Saraiva, 2007. p. 223.)
Esse texto caracteriza, em seu contexto histrico, a
a) ( ) primeira gerao de direitos fundamentais.
b) ( ) segunda gerao de direitos fundamentais.
c) ( ) terceira gerao de direitos fundamentais.
d) ( ) quarta gerao de direitos fundamentais.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 34
Questo 7
Com relao ao perfil de evoluo da proteo dos direitos humanos, assinale
a alternativa CORRETA:
a) ( ) A democracia liberal representativa surgiu com a Revoluo
Francesa como uma reao ao poder monoltico do Estado absoluto.
b) ( ) Uma das caractersticas do constitucionalismo liberal a busca da
igualdade material e da proteo dos hipossuficientes.
c) ( ) O constitucionalismo social volta-se para a defesa dos direitos
fundamentais de primeira gerao (direitos civis e polticos) ligados s
liberdades individuais.
d) ( ) O constitucionalismo medieval considerado um dos ciclos estatais
da modernidade e s foi superado em definitivo com o tratado de
Utrecht.
Questo 8
A democracia liberal surge a partir da Revoluo Francesa com a ascenso da
burguesia, detentora do poder econmico, porm sem o respectivo poder
poltico. Assim sendo, analise as caractersticas e assinale aquelas
correspondentes democracia liberal:
I. Proteo dos hipossuficientes.
II. Predominncia de direitos negativos.
III. Igualdade material.
IV. Garantia das liberdades individuais.
V. Igualdade formal.
So caractersticas da democracia liberal:
a) ( ) I, II e IV;
b) ( ) I e II;
c) ( ) II e IV;
d) ( ) II, IV e V.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 35
Questo 9
Associado questo da aplicao dos direitos fundamentais de segunda
dimenso lcito afirmar que so direitos que tm sua efetividade afirmada
segundo:
a) ( ) A reserva do possvel encontrada na dignidade da pessoa humana.
b) ( ) O mnimo existencial do Estado que o impossibilita de atender todas
as demandas sociais prestacionais.
c) ( ) A reserva do possvel do Estado que obriga o atendimento das
demandas sociais independentemente de recursos oramentrios.
d) ( ) O mnimo existencial encontrado na dignidade da pessoa humana.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 36
Questo 10
Leia o trecho abaixo de autoria de Lus Roberto Barroso:
Entre a luz e a sombra, descortina-se a ps-modernidade. O rtulo genrico
abriga a mistura de estilos, a descrena no poder absoluto da razo, o
desprestgio do Estado. Vive-se a angstia do que no pde ser e a
perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma poca aparentemente
ps-tudo: ps-marxista, ps-kelseniana, ps-freudiana. O Estado passou a ser
o guardio do lucro e da competitividade. E a triste constatao que o Brasil
chega ao neoliberalismo sem ter conseguido ser liberal nem moderno.
A partir do esprito do texto acima transcrito, assinale a resposta CORRETA:
a) ( ) A ideia de que o Estado o guardio do lucro e da competitividade
compatvel com o paradigma do welfare state (constitucionalismo
social).
b) ( ) O desprestgio e a negatividade do Estado so caractersticas do
constitucionalismo dirigente do Estado Bem-Estar Social.
c) ( ) O ciclo estatal liberal tem por caracterstica a busca da democracia
direta participativa, da proteo dos hipossuficientes e da igualdade
material.
d) ( ) A concepo de Estado guardio do lucro e da competitividade o
eixo do Estado neoliberal, que defende a no interveno do Estado no
domnio das relaes jurdicas privadas.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 37
Referncias
BARROSO, Lus Roberto. A reconstruo democrtica do direito pblico
no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
_______. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos
fundamentais e a construo do novo modelo. 3. ed. So Paulo: Saraiva,
2011.
PIOVESAN, Flvia. Temas de direitos humanos. 4. ed. So Paulo: Saraiva,
2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 10. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 38
Aula 2: Teoria dimensional dos
direitos fundamentais
Introduo
Na presente aula, ser estudada a teoria dimensional dos direitos
fundamentais, cujo desenvolvimento feito a partir da anlise dos diferentes
regimes jurdicos de proteo dos direitos fundamentais ao longo do
constitucionalismo democrtico moderno.
Destarte, no que tange teorizao feita sob a gide dos direitos
fundamentais, esta aula pretende investigar o perfil de evoluo dessa
proteo jurdica e sua correlao com os diferentes paradigmas de Estado de
Direito (Estado Liberal de Direito Estado Democrtico Social de Direito
Estado Ps-moderno de Direito).
Em linhas gerais, o desiderato acadmico da presente aula evidenciar tal
paralelismo que tem, sem nenhuma dvida, o condo de acoplar as
dimenses de direitos fundamentais e seus respectivos modelos de Estado de
Direito, desvelando desse modo a matriz de impactos cruzados que faz a
conexo entre o constitucionalismo democrtico e o sistema de proteo dos
direitos humanos.
Objetivos
1. Sendo assim, esta aula tem como objetivo a compreenso das bases
tericas que informam a teoria dimensional dos direitos fundamentais,
desde a formao do constitucionalismo liberal garantista at a crise do
constitucionalismo welfarista dirigente.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 39
Contedo
Introduo
Antes de enfrentar as questes relativas teoria dimensional dos direitos
fundamentais, importante reconhecer que existem diversas teorias sobre os
direitos fundamentais, no havendo, aqui, mais uma vez, consenso de
nomenclaturas e nem de correntes propriamente ditas.
Conhea as principais teorias dos direitos fundamentais
Destarte, vale encetar tal investigao cientfica trazendo para reflexo a
classificao de Ernst Wolfgang Bckenfrde, 17 que estabelece a seguinte
diviso:
a) teoria liberal,
b) teoria institucional,
c) teoria axiolgica,
d) teoria democrtico-funcional,
e) teoria do Estado Social.
Bckenfrde procura sistematizar cada uma de suas concepes a partir de
uma viso global que agrega diversos fatores dos direitos fundamentais, e.g.,
finalidade e alcance normativo material perante o Estado e o prprio vis
ideolgico.
A teoria liberal de Bckenfrde tem como pressuposto uma determinada
categoria de direitos de liberdade do indivduo frente ao Estado. Para avaliar
esta teoria, portanto, necessrio colocar em evidncia alguns elementos
essenciais das limitaes da interveno estatal na esfera privada.
17
BCKENFRDE, Ernst Wolfgang. Teoria e interpretacin de los derechos fundamentales. In: Escritos sobre derechos fundamentales. Traduo de Ignacio Villaverde Menendez. Baden-Baden:
Nomos, 1993.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 40
Dessa perspectiva, uma primeira considerao a ser feita a seguinte: do
ponto de vista da teoria liberal, os direitos fundamentais de liberdade tm a
misso hermenutica de afastar a ameaa da interferncia estatal no mbito
da liberdade individual. Esta a tese liberal de Bckenfrde, pois dela decorre
que qualquer ao estatal soberana precisa reconhecer e lidar com tal
limitao. Ou seja, a interpretao dos direitos fundamentais segundo a teoria
liberal feita no sentido de que a liberdade garantida para alm da
regulao poltica do Estado, no possuindo, pois, limites ou restries, bem
como no se vinculando a determinados fins ou objetivos pr-definidos. Nesse
sentido, Gustavo Amaral mostra com preciso que:
no mbito dessa ideia-fora que se compreende decises como a
da Suprema Corte norte-americana no caso Lochner v. New York,
onde declarou a inconstitucionalidade de uma lei da cidade de Nova
Yorque que introduzira jornada mxima de trabalho de 10 horas
dirias e 60 horas semanais para empregados de padaria, sob o
argumento de que tal medida constitua uma indevida interferncia
estatal na ampla liberdade de contratar conferidas s partes.18
O segundo ponto a considerar que, a partir do desenvolvimento da teoria
liberal, consolidou-se a ideia de liberdade perante o Estado, vale dizer, a
realizao das liberdades individuais pertence, sob a tica do
constitucionalismo liberal, ao prprio indivduo, livre de qualquer imperativo
social, no tendo o Estado qualquer participao nesse processo de realizao
efetiva da liberdade (liberdade sem mais, sem limites ou objetivos pr-
definidos).
J na teoria institucional de Bckenfrde, um dos mais expressivos
pontos a defender o lado objetivo-institucional dos direitos fundamentais,
em detrimento do lado subjetivo-individual defendido pela teoria liberal. Ou
seja, h que se reconhecer que os direitos fundamentais possuem um
18
AMARAL, Gustavo. Interpretao dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: Teoria dos direitos fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
p.105-106.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 41
contedo juridicamente objetivo, o que significa dizer por outras palavras,
que a dimenso institucional calcada na garantia jurdico-constitucional de
mbitos normativos orientados a determinados interesses concretos.
Com efeito, a teoria institucional vislumbra os direitos fundamentais como
direitos objetivos reconhecidos pelo legislador democrtico, que tem
legitimidade para atribuir contedo, funo e sentido das normas
jusfundamentais, ampliando o leque de atuao do Estado, visto que no o
reconhece mais como uma mera ameaa liberdade individual (como na
teoria liberal), mas sim como uma garantia de uma liberdade objetivada e
concebida institucionalmente.
De um lado, portanto, as liberdades individuais que garantem aos seus
titulares determinados direitos subjetivos, tal qual professado pela teoria
liberal, do outro, as liberdades objetivadas, ordenadas e configuradas por
meio de uma dimenso institucional, na qual desponta a realizao do sentido
objetivo-institucional da garantia da liberdade. J no se trata de uma
liberdade juridicamente indefinida (teoria liberal), mas, sim, de uma liberdade
objetivada (Gustavo Amaral). A esta teoria cabe o mrito de fortalecer a
liberdade institucionalizada, seja a liberdade do indivduo, seja a liberdade da
coletividade.
Nesse ponto, a teoria institucional projeta para a interpretao dos direitos
fundamentais a exaltao de uma moldura normativa do contedo, sentido e
condies do exerccio de tais direitos. Como visto, toda a base da teoria
institucional enfatiza a importncia de conjuntos normativos postos pelo
legislador que garantem a reconfigurao dos direitos fundamentais com
espeque na realidade social e, no, apenas, na liberdade individual
juridicamente livre e soberana. Revaloriza-se o papel do legislador
democrtico, uma vez que a norma posta se constitui no elemento fundante
da teoria institucional, dando aos direitos fundamentais orientao, contedo,
medida e sentido.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 42
Ou seja, a teoria institucional amplia o espao normativo dos direitos
fundamentais, na medida em que j no basta apenas limitar a atuao do
Estado como pretende a teoria liberal , mas, sim, engendrar o contedo de
um catlogo de direitos objetivados e configurados institucionalmente. Com
isso, tal teoria nega a viso liberal de uma dimenso exclusivamente
subjetiva.
Para a teoria axiolgica, os direitos fundamentais conformam uma ordem
objetiva de valores, e, no, uma ordem de direitos ou pretenses subjetivas.
Na viso da teoria axiolgica, os direitos fundamentais so dotados de
unidade material, cujo contedo decorre de fundamento axiolgico advindo
de um processo de integrao da sociedade. No dizer de Gustavo Amaral:
Para a teoria axiolgica dos direitos fundamentais, que parte da
teoria da integrao de Rudolf Smend, tais direitos fixam valores
fundamentais da comunidade, formando um sistema de valores ou
de bens, um sistema cultural atravs do qual os indivduos
alcanam um status material. Do mesmo modo que na teoria
institucional, os direitos fundamentais tm carter de normas
objetivas e no de pretenses subjetivas. Recebem seu contedo
objetivo como emanao do fundamento axiolgico da comunidade
estatal e como expresso de uma deciso axiolgica que a
comunidade toma para si. Isso repercute no contedo da liberdade.
Ela em cada caso liberdade para a realizao dos valores
expressos nos direitos fundamentais e o marco de uma ordem de
valores; no preexiste totalidade estatal. A liberdade est
determinada realizao e cumprimento do valor expressado nela
pelo direito fundamental.19
Com efeito, grande parte da doutrina aponta o alemo Rudolf Smend como o
grande terico da teoria da integrao, que a base epistemolgica da teoria
axiolgica dos direitos fundamentais. Nesse sentido, correto afirmar que a
19
Ibidem, p. 106.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 43
interpretao axiolgica dos direitos fundamentais tem como elemento
fundante a deciso axiolgica que a sociedade toma levando em considerao
os valores de um sistema cultural.
Em outro dizer, a teoria da integrao de Rudolf Smend, publicada no seu
livro Constituio e Direito Constitucional (Verfassung und Verfassungsrecht),
surgiu como reao ao positivismo jurdico. Com rigor, a teoria da integrao
de Smend desenvolve a ideia de que os direitos fundamentais so normas
objetivas que exprimem valores sociais constitucionalizados a partir de
decises axiolgicas integradoras da comunidade.
De tal conceito, pode-se extrair a inteleco de que aspecto relevante no o
da normatividade da Constituio, mas, sim, sua pretenso de atuar como
uma ordem objetiva de valores, da a pesada crtica que recebe, uma vez que
no fornece elementos cientficos para a superao da frmula positivista
fechada do mero decisionismo judicial.
Com efeito, h que se reconhecer a fraqueza hermenutica da teoria
axiolgica que, muito embora seja importante no reconhecimento dos direitos
fundamentais como elementos de concretude de uma verdadeira ordem
social, a cuja observncia se subordinam, no apenas o legislador, mas,
tambm o administrador democrtico, o aplicador do direito e o prprio
particular, no consegue superar a fundamentao vazia de uma ordem de
valores concebida agora pelo intrprete do direito.
No que tange teoria democrtico-funcional dos direitos
fundamentais, importante destacar desde logo a inteleco de que sua
base de compreenso o processo poltico-democrtico. Com efeito, a
partir da funo pblica e poltica que se descortina a teoria democrtico-
funcional dos direitos fundamentais.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 44
A dimenso democrtica da teoria surge com a viso de que os direitos
fundamentais so concedidos aos cidados comuns a partir de um livre
processo poltico de produo democrtica de normas constitucionais. Para
alm desta dimenso, importante compreender que a formao da vontade
poltica vem de um movimento teleolgico-funcional dos direitos
fundamentais, no seio do qual se encontra um cidado ativo com grau de
liberdadde suficiente para possibilitar e garantir o devido processo poltico-
democrtico. Na verdade, a base da teoria democrtico-funcional a
concepo de que os direitos fundamentais so concedidos aos cidados na
qualidade de membros de uma comunidade e para serem exercidos em nome
do interesse pblico, dentro de processo constitucional de legitimao das
liberdades individuais.
Nessa acepo, os direitos fundamentais no so concebidos como direitos
que o cidado pode dispor livremente, ao revs, so direitos que sero
exercidos na qualidade de membro de uma comunidade e em prol do
interesse pblico. Ou seja, em outras palavras, o constitucionalismo
democrtico surge tanto da limitao do poder estatal, quanto da conjugao
de vontades individuais constitucionalmente protegidas e suas autolimitaes
impostas consensualmente, fazendo com que a ordem constitucional vigente
seja criada democraticamente pelos cidados, mas que, tambm, se
encontram submetidos a ela.
Enfim, sob a tica da teoria democrtico-funcional, os direitos fundamentais
materializam-se com a converso dessas vontades e liberdades individuais em
disposies constitucionais feitas dentro de um livre processo de produo
democrtica, isto , os direitos fundamentais somente sero verdadeiramente
democrticos quando garantirem a todas as pessoas a capacidade (liberdade
e igualdade) de controlar e manter as condies funcionais do processo
poltico-democrtico.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 45
Finalmente, a teoria do Estado Social em cujo cerne se encontra o choque
entre a liberdade jurdica e a liberdade real, entre a igualdade formal perante
a lei e a igualdade substancial das aes estatais prestacionais.
Com efeito, observa-se um grande um salto em relao teoria liberal, na
medida em que se opera a substituio do espao vital individual dos direitos
fundamentais pelo espao social dos direitos fundamentais a prestaes
estatais. Agora, os direitos fundamentais, sob os influxos da teoria do Estado
Social, transcendem a negatividade estatal para atingir a exigncia de
interveno do Estado nos campos jurdico-poltico com o desiderato de
garantir a efetividade de tais direitos, tendo em vista ser tambm um objetivo
do prprio Estado Democrtico Social de Direito.
Em outras palavras, a implementao da teoria do Estado social dos direitos
fundamentais implicou a superao da estatalidade negativo-absentesta que,
a partir de ento, passou para o campo positivo, vale dizer, o Estado deixou
de ser o principal violador e passou a ser o principal garantidor da efetividade
dos direitos fundamentais.
Em suma, a teoria do Estado Social no vislumbra os direitos fundamentais
como simples abstenes estatais, mas, sim, como prestaces estatais
positivas que buscam a consagrao de uma liberdade real e de uma
igualdade substancial para todos. Note-se que o conceito de liberdade
distinto nas concepes das teorias liberal e do Estado social, isto , enquanto
na primeira tem-se a liberdade perante o Estado, na segunda tem-se a
liberdade por intermdio do Estado.
Finalmente, impende destacar que a classificao de Paulo Bonavides abarca
trs grandes vertentes, a saber: teoria liberal, teoria institucional e teoria dos
valores.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 46
Conhea agora a teoria do status de jellinek
Uma vez compreendidas as teorias de Ernst Wolfgang Bckenfrde e de Paulo
Bonavides, no Brasil, vale a pena investigar a teoria dos quatro status de
Georg Jellinek. Em essncia, a doutrina do status de Jellinek foi desenvolvida
para sistematizar os direitos pblicos subjetivos e identificar a pluralidade de
relaes entre o Estado e o indivduo.
O pensamento do professor Ricardo Lobo Torres mostra, em feliz sntese,
praticamente, as principais notas de tal teoria:
Quatro so os status, que compreendem as condies nas quais
pode se encontrar o indivduo como membro do Estado:
a) status subiectionis, no qual excluda a autodeterminao, pois a
personalidade sempre relativa e limitada;
b) status libertatis, no qual o membro do Estado senhor absoluto, livre
do imperium;
c) status civitatis, que se apresenta como o fundamento do complexo de
prestaes estatais no interesse individual;
d) status activae civitatis, no qual o indivduo autorizado a exercitar os
direitos polticos. 20
Na viso do autor, os status acima expostos exibem, respectivamente, os
aspectos passivo, negativo, positivo e ativo. E usando as prprias palavars de
Jellinek, Ricardo Lobo Torres destaca que o aspecto passivo est relacionado
s prestaes ao Estado, o aspecto negativo liberdade frente ao Estado, o
aspecto positivo pretenso contra o Estado, e, finalmente, o aspecto ativo
prestao por conta do Estado. Esses so os pontos de vistas dos quais pode
ser considerada a situao do direito pblico do indivduo.
20
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos direitos fundamentais (Org. Ricardo Lobo Torres) 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 254-
255.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 47
Com rigor, Ricardo Lobo Torres mostra que a teorizao da doutrina do status
de Georg Jellinek foi concebida com o objetivo de identificar as relaes entre
o Estado e o indivduo a partir da sistematizao dos direitos pblicos
subjetivos. nesse sentido que possvel afirmar a conexo entre o Estado
Liberal e o indivduo a partir do status libertatis (direitos negativos de defesa)
e do status activae civitatis (direitos polticos).
Observe, com ateno, que o constitucionalismo liberal se volta
precipuamente para a limitao do poder do Estado, o que evidentemente
gera a concepo de estatalidade negativa. Ora, isso significa dizer, sem
nenhuma dvida, de que no h nenhum vnculo direto entre o Estado liberal
e o indivduo a partir do status positivus socialis, uma vez que no h aes
estatais prestacionais focadas na garantia dos direitos sociais. Ao revs, o que
predomina na relao entre o Estado Liberal e o indivduo o status libertatis,
vale dizer liberdade frente ao Estado.
nesse sentido de crtica ao positivismo formal do paradigma liberal que
Ricardo Lobo Torres destaca a ampliao da teoria do status para incluir a
viso de Hberle sobre o status ativus processualis. Nas palavras do autor: A
teoria moderna ampliou o quadro dos status e o adaptou nova realidade do
Estado Social de Direito. Hberle defende a ideia de status ativus
processualis, para determinar o processo de concretizao dos direitos
fundamentais 21. Enfim, certo afirmar que o paradigma democrtico liberal
encontrou na doutrina do status de Georg Jellinek o pano de fundo da
legitimao da jusfundamentalidade material dos direitos negativos de defesa
ligados ao status libertatis, no qual o membro do Estado livre do imperium,
ou seja, o Estado deve garantir as liberdades individuais e no o contrrio
(garantismo constitucional).
21
Ibidem, p. 255.
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De observar-se, portanto, que a teorizao de Jellinek revela em toda a sua
extenso o real significado do constitucionalismo garantista liberal, cuja pedra
angular o vnculo do status libertatis (liberdade frente ao Estado), acrescido
do vnculo do status activae civitatis (livre exerccio dos direitos polticos).
Esta fundamentao feita com base nos status permite elaborar o quadro
conceitual do projeto constitucional garantista, evidenciando nitidamente a
formao de um ncleo jurdico-normativo de direitos civis e polticos, sem
qualquer preocupao com a dimenso social dos direitos fundamentais
(status positivus libertatis). Todo o projeto constitucional do Estado Liberal de
Direito comea e termina na questo da limitao do poder estatal a partir de
um catlogo de direitos fundamentais negativos de defesa.
De feito, resta indubitvel que o projeto constitucional garantista (tica
liberal) se afasta completamente do status positivus, que somente ser
observado na vigncia do Estado Social de Direito, gestando um novo sistema
de direitos fundamentais que congloba ao mesmo tempo as liberdades
clssicas e os direitos econmicos, sociais e culturais. Nesse sentido, preciso o
pensamento de Vicente de Paulo Barretto:
Com a superao da tica liberal, o conceito de direitos fundamen-
tais deixou de estar circunscrito ao status negativus libertatis, que
vedava a interferncia do Estado nas atividades da sociedade civil.
A instituio dos direitos sociais supunha tambm a garantia do
status positivus libertatis, que compreende o terreno das
exigncias, postulaes e pretenses com que o indivduo,
dirigindo-se ao poder pblico, recebe em troca prestaes. ,
portanto, o status positivus que permite ao Estado construir
socialmente as condies da liberdade concreta e efetiva. Deste
modo, o Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal,
inclui no sistema de direitos fundamentais no s as liberdades
clssicas, mas tambm os direitos econmicos, sociais e culturais. A
satisfao de certas necessidades bsicas e o acesso a certos bens
fundamentais, para todos os membros da comunidade, passam a
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 49
ser vistos como exigncias ticas a que o Estado deve
necessariamente responder. 22
Uma vez examinadas algumas teorias dos direitos fundamentais, importante
agora estudar a teoria dimensional dos direitos fundamentais, que, com rigor,
no deixa de ser uma variante dessas outras teorias.
A teoria tridimensional dos direitos fundamentais
O direito constitucional passa por grandes transformaes, mormente em
pases perifricos, onde a ideologia neoliberal a partir da globalizao da
economia traz consequncias negativas marcantes, seja em relao
efetividade dos direitos fundamentais do cidado comum, seja em relao ao
aumento da excluso social.
O fato que a efetividade ou eficcia social dos direitos fundamentais ainda
nos dias de hoje no se acha plenamente consolidada na periferia do sistema
capitalista; falta, sem nenhuma dvida, garantir as condies mnimas de vida
digna para toda a populao. Como bem lembra Paulo Bonavides: O projeto
constitucional de nossa primeira assembleia constituinte anunciava, h mais
de sculo e meio, como um dever de dignidade humana, o direito de
resistncia. E mais adiante, arremata o grande jurista ptrio:
Na mesa verde das bolsas que o cassino das finanas os
direitos da terceira gerao, como o direito dos povos ao
desenvolvimento, so friamente imolados. Hecatombes
financeiras desabam sobre os chamados pases emergentes por
obra de um clculo de especuladores, que veem o lucro e no o
homem, o capital e no a nao, o interesse e no o trabalho.
22
BARRETTO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 211.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 50
o perfil internacional do desespero e da injustia que faz
escravos, ao invs de fazer cidados, que suprime a identidade
dos povos e globaliza a resignao dos fracos.
f pnica dos globalizadores neoliberais ope-se o
humanismo do Estado social e sua filosofia do bem comum e do
poder legtimo. Estado social que, gerado no constitucionalismo
de inspirao weimariana (...) 23
Tal pensamento de Paulo Bonavides retrata, com preciso, a ideia neoliberal
de desconstruo dos direitos fundamentais sociais. Com efeito, grande parte
da doutrina j no hesita mais em professar o fim do Estado Social de Direito
e na sua esteira a efetividade dos direitos sociais, econmicos, culturais e
trabalhistas.
Aqui reside, portanto, a relevncia acadmica da teoria dimensional dos
direitos fundamentais, qual seja, compreender a longa evoluo do regime
jurdico de proteo dos direitos fundamentais (dimenses dos direitos
fundamentais), desde a implantao do constitucionalismo garantista liberal
em 1789, perpassando pelo constitucionalismo dirigente da Constituio de
Weimar de 1919, at, finalmente, chegar-se ao tempo presente, do assim
chamado constitucionalismo da ps-modernidade.
Assim, o primeiro ponto importante a destacar a viso de que os direitos
fundamentais so classificados em trs grandes dimenses ou geraes, cada
uma delas representando um regime jurdico especfico de proteo dos
direitos fundamentais. Esta a razo pela qual vamos, em seguida, examinar
estas trs grandes e diferentes dimenses dos direitos fundamentais.
23
BONAVIDES, Paulo. Do pas constitucional ao pas neocolonial. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 21.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 51
Os direitos civis e polticos sob a gide do Estado liberal de direito
A primeira dimenso dos direitos fundamentais tem por fundamento filosfico
o pensamento iluminista, pautado no individualismo burgus. Com efeito, o
Estado liberal de Direito nasce com a pretenso de garantir os direitos de
primeira dimenso, ou seja, os direitos civis e polticos.
No centro de gravidade da primeira dimenso dos direitos fundamentais,
encontra-se induvidosamente a proteo das liberdades individuais ante o
intervencionismo estatal. Sob o signo da estatalidade mnima, a primeira
dimenso busca afastar privilgios estamentais e corporativos do Estado
interventor. nesse sentido que os direitos de primeira dimenso so
predominantemente negativos que, em regra, no demandam aes estatais
positivas para a sua concretizao.
Instaura-se, dessarte, o Estado liberal de Direito com dois grandes pilares de
sustentabilidade: a separao de poderes e declarao de direitos
fundamentais que se colocam acima do prprio Estado. Nesse diapaso, a
prpria dico legal do artigo 16 da Declarao de 1789 que projeta esta
ideia-fora, quando estabelece que: A sociedade em que no esteja
assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a
separao de poderes no tem Constituio.
Ou seja, o Estado que no tenha poderes independentes e harmnicos entre
si, nem a fixao de um catlogo de direitos fundamentais limitadores da
atuao estatal no um verdadeiro Estado de Direito. Fcil perceber,
portanto, que Estado liberal de Direito tinha como objetivo a realizao da
liberdade do indivduo perante o Estado agressor, da a demarcao de reas
jurdicas de no interferncia do Estado no campo privado.
O importante aqui compreender que o Estado liberal de Direito a reao
ao Estado absolutista (Estado de no direito) at ento em vigor. Com rigor,
a burguesia em ascenso, em Frana, que oprimida pelo Estado leviat
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 52
hobbesiano, engendra o constitucionalismo liberal como instrumento de
limitao do Estado.
Nesse sentido, certo dizer que o constitucionalismo democrtico nasceu das
reivindicaes burguesas oriundas das revolues polticas do final do sculo
XVIII. Seu substrato jurdico-poltico a positivao de direitos em textos
constitucionais escritos dotados de supremacia sobre os poderes constitudos
do Estado. nesse contexto que surge o Estado liberal de Direito atrelado aos
direitos civis e polticos (primeira dimenso dos direitos fundamentais). Em
essncia, a finalidade do paradigma liberal a garantia das liberdades
individuais perante o Estado, da mesma forma que sua pretenso
metodolgica a fixao de comandos constitucionais meramente negativos
(constitucionalismo garantista), voltados precipuamente para a limitao do
poder do Estado e para a proteo de um catlogo jusfundamental
absentesta.
Logo, no centro do constitucionalismo liberal os direitos negativos de defesa
focados nas liberdades individuais. Nesse diapaso, as palavras de Jrgen
Habermas:
Ao mesmo tempo, os direitos privados subjetivos foram
complementados, atravs de direitos de defesa estruturalmente
homlogos, contra o prprio poder do Estado. Esses direitos de
defesa protegiam as pessoas privadas contra interferncias ilegais
do aparelho do Estado na vida, liberdade e propriedade. 24
Enfim, preciso compreender que, por de trs do Estado liberal de Direito,
encontra-se a fora de um processo de normatizao jurdica focado na
operacionalizao de direitos negativos absentestas de defesa. Nesse sentido,
bem de ver que a tica do Estado liberal se afasta da proteo dos
hipossuficientes e tambm da busca da igualdade material ou real.
24
HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. v. 1. Traduo de
Flvio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 48.
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DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 53
Sem embargo de sua importncia para a consolidao do conceito de Estado
de Direito, entendemos que o Estado liberal de Direito circunscreveu, em
essncia, uma era histrica que se entremostrou insuficiente no
estabelecimento daquelas condies mnimas de vida digna para todos.
Destarte, afigura-se-nos justo concluir que o Estado liberal de Direito,
partindo da concepo de estatalidade mnima, protegia, na verdade, a classe
burguesa e no o homem comum em si. Tendo como epicentro constitucional
a autonomia privada, o Estado liberal de Direito nada mais fez seno acentuar
as assimetrias sociais e econmicas, gerando um quadro lamentvel de
verdadeira misria humana, sem precedentes na Histria.
Esta a razo pela qual o liberalismo entra em crise, suscitando a criao da
segunda dimenso dos direitos fundamentais, bem como da ideia de Estado
social de Direito, isto , o Welfare State, entre ns, denominado de Estado do
Bem-Estar Social ou simplesmente Estado Social.
Os direitos sociais, econmicos, culturais e trabalhistas sob a gide do
estado democrtico social de direito
Como acabamos de constatar, as bases da democracia liberal fincadas na
igualdade formal e na autonomia privada (crena na fora reguladora do
mercado) foram incapazes de criar as condies mnimas de vida digna para
todos.
Realmente, por trs de sua estatalidade mnima e no decurso da evoluo da
sociedade, o Estado liberal de Direito nada mais f