Apostila Direitos e Garantias Fundamentais

249
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 1 MBA GERENCIAMENTO DE PROJETOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PROFESSOR: GUILHERME SANDOVAL GÓES

description

Direito

Transcript of Apostila Direitos e Garantias Fundamentais

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 1

    MBA GERENCIAMENTO DE

    PROJETOS

    DIREITOS E GARANTIAS

    FUNDAMENTAIS

    PROFESSOR: GUILHERME SANDOVAL GES

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 2

    NDICE

    APRESENTAO 7

    AULA 1: EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS 7

    AULA 2: TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8

    AULA 3: DOGMTICA PS-POSITIVISTA 8

    AULA 4: INTERPRETAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8

    AULA 5: DIREITOS SOCIAIS NO PS-POSITIVISMO 9

    AULA 6: NCLEO ESSENCIAL DIREITOS FUNDAMENTAIS 9

    AULA 7: COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 9

    AULA 8: METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 10

    AULA 1: O PERFIL DE EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS E SUA

    FUNDAMENTAO TICA 11

    INTRODUO 11

    CONTEDO 12

    CONHEA AGORA A QUESTO TERMINOLGICA 12

    A PR-HISTRIA DOS DIREITOS HUMANOS 14

    A FASE DE AFIRMAO DOS DIREITOS NATURAIS PELO JUSCONTRATUALISMO 20

    A FASE DE CONSTITUCIONALIZAO: DA DEMOCRACIA LIBERAL SOCIAL DEMOCRACIA 24

    O CONSTITUCIONALISMO LIBERAL E A PROTEO DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS 25

    O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E A INTERVENO NO DOMNIO PRIVADO 27

    ATIVIDADE PROPOSTA 29

    EXERCCIOS DE FIXAO 30

    REFERNCIAS 37

    AULA 2: TEORIA DIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 38

    INTRODUO 38

    INTRODUO 39

    CONHEA AS PRINCIPAIS TEORIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 39

    CONHEA AGORA A TEORIA DO STATUS DE JELLINEK 46

    A TEORIA TRIDIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 49

    OS DIREITOS CIVIS E POLTICOS SOB A GIDE DO ESTADO LIBERAL DE DIREITO 51

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 3

    OS DIREITOS SOCIAIS, ECONMICOS, CULTURAIS E TRABALHISTAS SOB A GIDE DO

    ESTADO DEMOCRTICO SOCIAL DE DIREITO 53

    A TERCEIRA DIMENSO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: OS DIREITOS COLETIVOS,

    DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGNEOS 56

    ATIVIDADE PROPOSTA 58

    APRENDA MAIS 58

    EXERCCIOS DE FIXAO 59

    REFERNCIAS 62

    AULA 3: A DOGMTICA PS-POSITIVISTA E A NORMATIVIDADE DOS

    PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS 63

    INTRODUO 63

    CONTEDO 64

    INTRODUO 64

    BREVE DISTINO ENTRE CASOS FCEIS E CASOS DIFCEIS 66

    A INSUFICINCIA DO POSITIVISMO JURDICO NA SOLUO DOS CASOS DIFCEIS (HARD

    CASES) 73

    AS DIFERENAS ENTRE REGRAS E PRINCPIOS LUZ DA DOGMTICA PS-POSITIVISTA 80

    ATIVIDADE PROPOSTA 86

    EXERCCIOS DE FIXAO 87

    REFERNCIAS 90

    AULA 4: CAMINHOS HERMENUTICOS PARA A PLENA EFETIVIDADE DOS

    DIREITOS FUNDAMENTAIS 91

    INTRODUO 91

    CONTEDO 92

    CONSIDERAES INTRODUTRIAS ACERCA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS 92

    OS CAMINHOS PARA A EFETIVIDADE NA DOUTRINA ESTRANGEIRA: A NORMATIVIDADE

    CONSTITUCIONAL EM KONRAD HESSE E CANOTILHO 96

    A CONSTRUO DOUTRINRIA BRASILEIRA NO PLANO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS 103

    AS NOVAS MODALIDADES DE EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS LUZ DA

    DOGMTICA PS-POSITIVISTA 108

    A EFICCIA NEGATIVA, A EFICCIA NUCLEAR E A EFICCIA POSITIVA OU SIMTRICA 108

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 4

    A EFICCIA VEDATIVA DE RETROCESSO E A EFICCIA INTERPRETATIVA 112

    ATIVIDADE PROPOSTA 115

    EXERCCIOS DE FIXAO 116

    REFERNCIAS 119

    AULA 5: ANLISE DA EFICCIA DOS DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE

    PS-POSITIVISMO JURDICO 121

    INTRODUO 121

    CONTEDO 122

    INTRODUO 122

    O CONCEITO DE RESERVA DO POSSVEL FTICA 124

    OS IMPACTOS DOGMTICOS DA RESERVA DO POSSVEL FTICA NO PLANO DA EFETIVIDADE

    DOS DIREITOS SOCIAIS 127

    O CONCEITO DE RESERVA DO POSSVEL JURDICA 134

    OS IMPACTOS DOGMTICOS DA RESERVA DO POSSVEL JURDICA NO PLANO DA

    EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS 136

    A DIFICULDADE CONTRAMAJORITRIA DO PODER JUDICIRIO E A FORMULAO DE

    POLTICAS PBLICAS 141

    ATIVIDADE PROPOSTA 146

    EXERCCIOS DE FIXAO 147

    REFERNCIAS 151

    AULA 6: O NCLEO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS -

    DIREITOS FUNDAMENTAIS 153

    INTRODUO 153

    CONTEDO 154

    NCLEO ESSENCIAL: UMA INTRODUO AO ESTUDO 154

    O CONTEDO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 158

    A EFICCIA POSITIVA OU SIMTRICA DO NCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS 168

    O CONCEITO DE EFICCIA NEGATIVA DO NCLEO ESSENCIAL 171

    ATIVIDADE PROPOSTA 174

    EXERCCIOS DE FIXAO 175

    REFERNCIAS 179

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 5

    AULA 7: A COLISO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: POR UMA

    ESTRATGIA HERMENUTICA PS-POSITIVISTA DE SOLUO 180

    INTRODUO 180

    CONTEDO 181

    INTRODUO 181

    O CONFLITO DE REGRAS E A COLISO DE PRINCPIOS: OS CONTRIBUTOS DE RONALD

    DWORKIN E ROBERT ALEXY 186

    ESTRATGIAS POSSVEIS: CONCORDNCIA PRTICA OU PROPORCIONALIDADE? 193

    ESTRATGIA HERMENUTICA DA PONDERAO HARMONIZANTE E O PRINCPIO DA

    CONCORDNCIA PRTICA 195

    A ESTRATGIA HERMENUTICA DA PONDERAO EXCLUDENTE E O PRINCPIO DA

    PROPORCIONALIDADE 198

    ATIVIDADE PROPOSTA 200

    EXERCCIOS DE FIXAO 202

    REFERNCIAS 205

    AULA 8: A FASE METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 206

    INTRODUO 206

    CONTEDO 207

    INTRODUO TEMTICA 207

    O FIM DA GUERRA FRIA E SEUS IMPACTOS NA FORMAO DO CONSTITUCIONALISMO DA

    PS-MODERNIDADE 210

    DIREITOS HUMANOS E PAX AMERICANA: A DESCONSTRUO DA DEMOCRACIA

    COSMOPOLITA 220

    ATIVIDADE PROPOSTA 228

    EXERCCIOS DE FIXAO 229

    REFERNCIAS 232

    CHAVES DE RESPOSTA 234

    AULA 1 234

    ATIVIDADE PROPOSTA 234

    EXERCCIOS DE FIXAO 234

    AULA 2 236

    ATIVIDADE PROPOSTA 236

    EXERCCIOS DE FIXAO 236

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 6

    AULA 3 237

    ATIVIDADE PROPOSTA 237

    EXERCCIOS DE FIXAO 238

    AULA 4 239

    ATIVIDADE PROPOSTA 239

    EXERCCIOS DE FIXAO 239

    AULA 5 240

    ATIVIDADE PROPOSTA 240

    EXERCCIOS DE FIXAO 241

    AULA 6 242

    ATIVIDADE PROPOSTA 242

    EXERCCIOS DE FIXAO 242

    AULA 7 243

    ATIVIDADE PROPOSTA 243

    EXERCCIOS DE FIXAO 244

    AULA 8 245

    ATIVIDADE PROPOSTA 245

    EXERCCIOS DE FIXAO 245

    BIBLIOGRAFIA 248

    BIBLIOGRAFIA BSICA 248

    BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR 248

    APRESENTAO CONTEUDISTA 249

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 7

    Direitos e Garantias Fundamentais - apostila

    APRESENTAO

    Esta disciplina insere-se no conjunto do Mdulo de Direito Constitucional e

    dedica-se ao estudo do regime jurdico de proteo dos Direitos

    Fundamentais no mbito do novo movimento hermenutico, denominado

    neoconstitucionalismo.

    Para tanto, contempla temas da teoria dos Direitos Fundamentais,

    especialmente a dogmtica ps-positivista que busca reaproximar o direito da

    tica.

    Nesse sentido, est constituda em torno do princpio da dignidade da pessoa

    humana como novo eixo axiolgico do hodierno Estado Democrtico de

    Direito. Em consequncia, sua base terica a atribuio de fora

    normativa aos princpios constitucionais e ao catlogo jusfundamental do

    cidado comum.

    Sendo assim, essa disciplina tem como objetivos:

    1. Analisar o perfil de evoluo do regime jurdico de proteo dos

    direitos humanos ao longo dos diferentes paradigmas estatais da

    modernidade e da ps-modernidade.

    2. Compreender o papel do princpio da dignidade da pessoa humana no

    mbito da reconstruo neoconstitucionalista do direito.

    Objetivos

    Aula 1: Evoluo dos Direitos Humanos

    Nesta aula, definiremos a questo terminolgica envolvendo os conceitos de

    Direitos do Homem, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Alm disso,

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 8

    estudaremos a pr-histria dos Direitos Humanos e identificaremos a fase de

    afirmao dos Direitos naturais pelo Juscontratualismo: as obras de Hobbes,

    Locke e Rousseau. Em seguida, compreenderemos a fase de

    constitucionalizao: da democracia liberal social democracia. Por fim,

    reconheceremos o constitucionalismo liberal e a proteo das liberdades

    individuais, assim como o constitucionalismo social e a interveno no

    domnio privado.

    Aula 2: Teoria dos Direitos Fundamentais

    Nesta aula, identificaremos as principais teorias dos Direitos Fundamentais,

    assim como a teoria do status de Jellinek. Alm disso, definiremos os Direitos

    Civis e Polticos sob a gide do Estado Liberal de Direito. Em seguida,

    estudaremos os Direitos Sociais, Econmicos, Culturais e Trabalhistas sob a

    gide do Estado Democrtico de Direito. Por fim, compreenderemos a terceira

    dimenso dos Direitos Fundamentais: os Direitos Coletivos, Difusos e

    Individuais Homogneos.

    Aula 3: Dogmtica Ps-Positivista

    Nesta aula, faremos uma breve distino entre casos fceis e difceis (hard

    cases). Alm disso, estudaremos a insuficincia do positivismo jurdico na

    soluo dos casos difceis (hard cases). Por fim, identificaremos as diferenas

    entre regras e princpios luz da dogmtica ps-positivista.

    Aula 4: Interpretao dos Direitos Fundamentais

    Nesta aula, estudaremos as consideraes introdutrias acerca da efetividade

    dos Direitos Fundamentais. Compreenderemos os caminhos para a efetividade

    na doutrina estrangeira: a normatividade constitucional em Konrad Hesse e

    Canotilho. Definiremos a construo doutrinria brasileira no plano da

    efetividade dos direitos fundamentais. Em seguida, reconheceremos as novas

    modalidades de eficcia das normas constitucionais luz da dogmtica ps-

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 9

    positivista. Por fim, identificaremos a eficcia negativa, a eficcia nuclear e a

    eficcia positiva ou simtrica, assim como a eficcia vedativa de retrocesso e

    a eficcia interpretativa.

    Aula 5: Direitos Sociais no Ps-Positivismo

    Nesta aula, identificaremos o conceito de reserva do possvel ftica, assim

    como os impactos dogmticos da reserva do possvel ftica no plano da

    efetividade dos direitos sociais. Compreenderemos o conceito de reserva do

    possvel jurdica. Definiremos os impactos dogmticos da reserva do possvel

    jurdica no plano da efetividade dos direitos sociais. Por fim, descreveremos a

    dificuldade contramajoritria do poder judicirio e a formulao de polticas

    pblicas.

    Aula 6: Ncleo Essencial Direitos Fundamentais

    Nesta aula, faremos uma introduo ao estudo do Ncleo Essencial.

    Compreenderemos o contedo essencial das normas constitucionais. Em

    seguida, analisaremos a eficcia positiva ou simtrica do ncleo essencial dos

    direitos fundamentais. Por fim, definiremos o conceito de eficcia negativa do

    Ncleo essencial.

    Aula 7: Coliso de Direitos Fundamentais

    Nesta aula, definiremos o conflito de regras e a coliso de princpios: os

    contributos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Em seguida, analisaremos a

    concordncia prtica ou a proporcionalidade das Estratgias possveis.

    Identificaremos a estratgia hermenutica da ponderao harmonizante e o

    princpio da concordncia prtica. Por fim, estudaremos a estratgia

    hermenutica da ponderao excludente e o princpio da proporcionalidade.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 10

    Aula 8: Metaconstitucional dos Direitos Humanos

    Nesta aula, descreveremos o fim da Guerra Fria e seus impactos na formao

    do constitucionalismo da ps-modernidade. Em seguida, identificaremos os

    Direitos Humanos e Pax Americana: a desconstruo da democracia

    cosmopolita. Por fim, estudaremos a proteo internacional dos Direitos

    Humanos.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 11

    Aula 1: O perfil de evoluo dos

    direitos humanos e sua

    fundamentao tica

    Introduo

    Na presente aula, ser estudado o perfil de evoluo dos direitos humanos e

    sua fundamentao tica, cujo contedo programtico tem como escopo o

    estudo dos seguintes temas centrais: a questo terminolgica, a pr-histrica

    dos direitos humanos, a afirmao dos direitos naturais pelas correntes

    juscontratualistas e a formao do constitucionalismo democrtico.

    Destarte, no que tange pr-histria dos direitos humanos, destaca-se o

    exame da democracia direta ateniense e da escolstica da era medieval. J o

    estudo da afirmao dos direitos naturais do homem ser desenvolvido a

    partir das obras de Hobbes, Locke e Rousseau. Finalmente, a formao do

    constitucionalismo democrtico englobar a anlise do Estado liberal de

    Direito e o Estado social de Direito, aqui compreendidos como paradigmas

    estatais da modernidade.

    Objetivos

    1. Compreender a questo terminolgica e a evoluo do regime jurdico-

    filosfico de proteo dos direitos humanos, desde seus primrdios at

    o incio do constitucionalismo da modernidade;

    2. Analisar os elementos essenciais do constitucionalismo democrtico da

    modernidade e suas fases liberal e social.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 12

    Contedo

    Conhea agora a questo terminolgica

    Antes de enfrentar as questes relativas s fases de evoluo dos direitos

    humanos, importante compreender a questo terminolgica envolvendo os

    conceitos de direitos naturais do homem, direitos humanos e direitos

    fundamentais.

    Com efeito, o estudioso dos direitos humanos no pode deixar de considerar

    esta questo terminolgica, na medida em que tais expresses apresentam

    dimenses conceituais prprias, razo pela qual se impe tal rigor de termos.

    nesse diapaso, portanto, que importante traar os elementos

    diferenciadores dos conceitos em tela.

    Assim, a ideia de direitos do homem designa os direitos naturais do homem

    e ainda no positivados, seja na esfera interna, seja em sede internacional.

    Em linhas gerais, a expresso direitos do homem apresenta contornos amplos

    ligados aos direitos naturais e pr-estatais. J o termo direitos humanos

    simboliza os direitos naturais do homem que j foram positivados na esfera

    internacional, vale dizer, nos textos dos documentos internacionais, como por

    exemplo, a Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948.

    Finalmente, a expresso direitos fundamentais estaria reservada para

    designar aqueles direitos cujo reconhecimento est garantido em sede

    constitucional. Ou seja, os direitos fundamentais so os valores reconhecidos

    e positivados por cada ordem constitucional, o que evidentemente significa

    dizer que os direitos fundamentais variam de Estado para Estado, seja em

    termos de efetividade, seja em termos de proteo.

    A questo termininolgica, longe de ter apenas valor acadmico, ganha

    vitalidade inquestionavel quando se tem em conta as caractersticas dos

    direitos fundamentais. Assim, lcito falar-se em universalidade dos direitos

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 13

    do homem ou dos direitos humanos (direitos do homem positivados em

    documentos internacionais) e na pretendida universalizao dos direitos

    humanos (tenta-se implementar, em toda a comunidade internacional, a

    garantia dos direitos assegurados nas Declaraes Universais e Regionias de

    Direitos Humanos). Com efeito, a proteo internacional dos direitos humanos

    ainda se encontra em fase incipiente, muito embora se saiba que tal

    concretizao global, na prtica, venha ganhando corpo e j apresente sinais

    reais de efetividade no mbito das cortes internacionais.

    Diferentemente dos direitos humanos, a ideia de direitos fundamentais fica

    associada aos valores reconhecidos em sede constitucional, formando um rol

    de direitos que se colocam acima do prprio Estado. Assim sendo, no

    contexto jurdico de proteo do cidado comum, o smbolo dos direitos

    fundamentais fica caracterizado como opo de cada Estado nacional. Isto

    significa dizer que os direitos fundamentais sero aqueles previstos nos

    ordenamentos constitucionais dos Estados.

    E assim que, enquanto os direitos humanos simbolizam direitos ligados

    aspirao de supranacionalidade e superconstitucionalidade, a noo de

    direitos fundamentais conceito mais restrito conectado a uma Constituio

    especfica de um Estado nacional. Destarte, os direitos fundamentais so os

    direitos naturais do homem que foram efetivamente positivados na

    Constituio de um determinado pas soberano.

    por isso que os direitos fundamentais so limitados no espao e no tempo,

    ou seja, so os direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e

    limitados espao temporalmente (J.J. Gomes Canotilho). Em termos

    comparativos, os "direitos humanos" so direitos de contornos mais amplos

    e imprecisos do que os direitos fundamentais, estes ltimos com sentido

    mais preciso e restrito que delimita espacial e temporalmente o catlogo

    jusfundamental a ser respeitado pelo sistema jurdico do Estado.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 14

    A figura abaixo sintetiza a questo terminolgica envolvendo os conceitos de

    direitos do homem, de direitos humanos e de direitos fundamentais.

    NOME DA AULA AULA1

    NOME DA DISCIPLINA

    A QUESTO TERMINOLGICA DOS DIREITOS HUMANOS

    DIREITOS DO HOMEM

    POSITIVADOS EM

    UMA DETERMINADA

    CONSTITUIO

    DIREITOS

    FUNDAMENTAIS

    POSITIVADOS EM

    DOCUMENTOS

    INTERNACIONAIS

    DIREITOS

    HUMANOS

    Em suma, tudo isso demonstra que o regime jurdico de proteo dos direitos

    humanos fruto de lutas e conquistas polticas e sociais, dentro de um

    processo histrico cheio de obstculos e caracterizado por avanos e

    retrocessos.

    nesse sentido, que vamos em seguida analisar tal caminho, longo e rduo,

    desde a fase de pr-histria dos direitos humanos at seu atual estado da

    arte, denominado pela doutrina de fase de constitucionalizao dos direitos

    fundamentais.

    A pr-histria dos direitos humanos

    O objetivo acadmico deste segmento temtico compreender as

    transformaes do espao jurdico-filosfico operadas no curso da evoluo

    dos direitos humanos durante o perodo que a doutrina chama de pr-histria.

    Nesse sentido, importante destacar a classificao de Klaus Stern que

    mostra a evoluo dos direitos humanos a partir de trs fases bem distintas, a

    saber:

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 15

    1) pr-histria dos direitos humanos;

    2) fase de afirmao dos direitos naturais;

    3) fase de constitucionalizao dos direitos fundamentais.

    Com relao tradicional classificao das fases de evoluo dos direitos

    humanos concebida por Klaus Stern, Ingo Wolfgang Sarlet faz o seguinte

    resumo:

    Sintetizando o devir histrico dos direitos fundamentais at o seu

    reconhecimento nas primeiras Constituies escritas, K. Stern,

    conhecido mestre de Colnia, destaca trs etapas: a) uma pr-

    histria, que se estende at o sculo XVI; b) uma fase

    intermediria, que corresponde ao perodo de elaborao da

    doutrina jusnaturalista e da afirmao dos direitos naturais do

    homem; c) a fase de constitucionalizao, iniciada em 1776, com as

    sucessivas declaraes de direito dos novos estados americanos. 1

    Sem nenhuma dvida, esta classificao uma maneira simplificada de

    perceber a evoluo do regime jurdico de proteo dos direitos humanos,

    mas que, no entanto, no deixa de abordar a incessante marcha de avanos e

    retrocessos de todas as etapas de evoluo do constitucionalismo e dos

    paradigmas estatais.

    Em linhas gerais, a pr-histria dos direitos humanos antecede a fase de

    elaborao de afirmao dos direitos naturais desenvolvida pelos grandes

    pensadores da teoria contratualista, quais sejam Thomas Hobbes, John Locke

    e Jean-Jacques Rousseau.

    Assim sendo, a fase pr-histrica dos direitos humanos pode ser

    considerada como sendo aquela primeira etapa de evoluo de direitos

    naturais do homem que se desenvolve desde o mundo antigo (estoicismo

    greco-romano) at o fim do feudalismo (filosofia crist medieval). Em

    1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev.atual.,ampl.

    Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 40.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 16

    decorrncia, lcito afirmar que, entre outras, tal fase engloba dois grandes

    modelos de Estado diferentes, isto , o Estado-cidade grego e o Estado

    medieval.

    Lenio Streck e Bolzan de Morais estabelecem como formas estatais pr-

    modernas o Estado oriental ou teocrtico, a Polis Grega, a Civitas Romana e o

    Estado Medievo (a principal forma estatal pr-moderna). Para os autores, trs

    elementos caracterizam a forma estatal medieval: cristianismo, invases

    brbaras e feudalismo.2

    Dessarte, vale insistir na ideia-fora de que a fase de pr-histria dos direitos

    humanos no permite obter grande entusiasmo em termos de regime jurdico

    estatal de proteo do homem comum, na medida em que no se tinha nem

    mesmo a desvinculao ao direito divino. Portanto, uma fase que se liga aos

    modelos de Estado pr-moderno, seja com a polis grega (concepo

    aristotlico-tomista do Estado), seja com o Estado medieval (sistema

    teolgico cristocntrico).

    Eis que a pr-histria aquela primeira etapa de evoluo dos direitos

    humanos que se desenvolve desde o mundo antigo (doutrina estoica greco-

    romana) at o fim do feudalismo. importante, por conseguinte, examinar as

    caractersticas dessas duas grandes modalidades de Estado.

    Em primeiro lugar, vale trazer a lume a antiguidade clssica e seu modelo

    predominante de Estado-Cidade, cuja dinmica j se apresentava revestida da

    ideia de governo das leis e exerccio direto do poder poltico a partir da

    democracia direta ou pura. Como bem destaca Lus Roberto Barroso:

    Atenas historicamente identificada como o primeiro grande

    precedente de limitao do poder poltico - governo de leis, e no

    2 STRECK Lenio Luiz; MORAIS, Jos Luis Bolzan de. Cincia poltica & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 23-24.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 17

    de homens - e de participao dos cidados nos assuntos pblicos.

    Embora tivesse sido uma potncia territorial e militar de alguma

    expresso, seu legado perene de natureza intelectual, como bero

    do ideal constitucionalista e democrtico. Ali se conceberam e

    praticaram ideias e institutos que ainda hoje se conservam atuais,

    como a diviso das funes estatais por rgos diversos, a

    separao entre o poder secular e a religio, a existncia de um

    sistema judicial e, sobretudo, a supremacia da lei, criada por um

    processo formal adequado e vlida para todos.3

    Em consequncia, pode-se afirmar que a fase pr-histrica ou fase pr-

    moderna dos direitos humanos remonta aos tempos do Estado-Cidade,

    cuja nota diferenciadora o exerccio da democracia direta, sistema no

    representativo sem nenhuma necessidade de mandato poltico. Ou seja, no

    gora, praa pblica onde se fazia o comrcio e onde costumeiramente se

    realizavam as assembleias do povo, o cidado participava diretamente das

    decises polticas fundamentais do Estado.4

    Sem embargo da relevncia da participao direta do cidado no exerccio do

    poder poltico, o fato que a democracia ateniense, em essncia, no

    passava de uma repblica aristocrtica no sentido que lhe emprestava

    Aristteles ao definir a forma pura do governo de alguns. No era

    verdadeiramente uma democracia na medida em que no praticava o sufrgio

    universal.5

    3 BARROSO, Lus Roberto. Curso de direito constitucional contemporneo. Os conceitos fundamentais e a construo do novo modelo. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 6. 4 Nesse sentido, precisa a lio de Paulo Bonavides quando preleciona que: Cada cidade que se prezasse da prtica do sistema democrtico manteria com orgulho um gora, uma praa, onde os cidados se congregassem todos para o exerccio do poder poltico. O gora, na cidade grega, fazia, pois, o papel do Parlamento nos tempos modernos. Um povo sem gora era um povo escravo, como hoje um povo sem liberdade de opinio e sem direito ao sufrgio (Cf. BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 323.) 5 Nelson Nery Costa, mostrando a evoluo da polis grega, tambm destaca esse carter de organizao poltica excludente que segregava mulheres, estrangeiros e escravos, verbis: A funo poltica a era vista como um dever da cidadania e, no, como um privilgio, tanto que diversos cargos eram atribudos por meio de sorteios e a instncia mxima era uma assembleia, dos cidados, excluindo mulheres, estrangeiros e escravos. (COSTA, Nelson Nery. Cincia poltica. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1.)

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 18

    So estas as caractersticas da democracia do Estado-Cidade, um paradigma

    democrtico imperfeito, mas que simboliza um tipo de constitucionalismo de

    democracia direta sem representao poltica; um espao de liberdade do

    cidado desvinculado da atuao de um agente poltico mandatrio da

    vontade popular e maculado pelo vcio da escravido e da opresso.

    Uma vez examinada a contribuio da democracia direta ateniense para o

    curso de evoluo dos direitos humanos, vale agora examinar o

    constitucionalismo medieval e sua concepo dual de poder.

    Com efeito, no campo terico, o Estado medieval se caracterizava pelo poder

    dual, vale explicitar, poder disputado pela Igreja e pelo Estado. De observar-

    se, com ateno, que esta dualidade de poder impedia a consolidao do

    conceito de soberania una e indivisvel dentro de um estado territorial de

    fronteiras definidas e sem pretenses universais, como era, a contrario sensu

    o objetivo da Igreja e do cristianismo.

    bem de ver, portanto, que o Estado medieval se caracterizava pela disputa

    da supremacia poltica entre o poder temporal do Estado e o poder

    eclesistico da Igreja, resultando da um pluralismo jurdico que envolvia o

    direito da Igreja, o direito das universidades, o direitos dos feudos, o direito

    das corporaes de ofcio, enfim, uma ordem jurdica plural sem uma nica

    fonte de poder.

    De tudo isso importante extrair que, durante a vigncia do

    constitucionalismo medieval, floresceu a ideia de que a autoridade dos

    governantes se fundava num contrato com os sditos: o pactum subjectionis.

    Por este pacto, o povo se sujeitava a obedecer ao prncipe enquanto este se

    comprometia a governar com justia, ficando Deus como rbitro e fiel do

    cumprimento do contrato. Assim, violando o prncipe a obrigao de justia,

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 19

    exoneravam-se os sditos da obedincia devida, pela interveno do Papa,

    representante da divindade sobre a Terra. 6

    Nesse sentido, desponta a obra seminal (Summa Theologica) 7 de Santo

    Toms de Aquino (1225-1274), cuja relevncia para a teoria dos direitos

    fundamentais surge com a teorizao acerca da doutrina da coexistncia

    harmnica dos poderes temporal e eclesistico, porm com preponderncia

    da autoridade espiritual.

    bem de ver que, durante toda a fase de pr-histria, no se pode falar em

    doutrinas do direito natural da pessoa humana e muito menos ainda em

    doutrinas eminentemente democrticas acerca da origem e do exerccio do

    poder poltico. O ponto alto do constitucionalismo feudal a retomada das

    ideias de Plato por Santo Agostinho e de Aristteles por Santo Toms de

    Aquino, fato que faz avanar a teoria dos direitos humanos, na medida em

    que, sem se desvincular dos princpios basilares do cristianismo, cria as bases

    tericas do tomismo, um dos principais segmentos da doutrina escolstica.

    E assim que a escola tomista de Santo Toms de Aquino recupera o

    prestgio do pensamento clssico de Aristteles e consegue sem se afastar

    da perspectiva teolgica da supremacia divina valorizar a investigao

    cientfica do mundo natural, do domnio real. Com isso, lcito afirmar que a

    teoria tomista de inspirao aristotlica fixa a diferenciao entre filosofia e

    teologia e, na sua esteira, a conciliao entre a f e a razo. Em outro dizer,

    muito embora j comeasse a separar a f da razo, a teoria tomista do

    constitucionalismo feudal no se ops ao dogma cristo, na medida em que

    no afastou a ideia de que a fonte de todo o poder vem de Deus.

    6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva 2009. p. 6. 7 AQUINO, Santo Toms de. Suma Teolgica. So Paulo: Editora Loyola, 2001.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 20

    Em concluso, a fase pr-histrica dos direitos humanos ainda uma fase

    tmida, principalmente quando se leva em considerao que um perodo no

    qual os direitos naturais do homem no esto desvinculados da perspectiva

    divina.8

    A fase de afirmao dos direitos naturais pelo juscontratualismo

    Aps a anlise da pr-histria dos direitos humanos, importa agora examinar

    a segunda fase de evoluo, qual seja a fase de elaborao das doutrinas

    contratualistas do direito natural.

    Nesta fase, vamos examinar o pensamento dos grandes filsofos do

    contratualismo jurdico (Thomas Hobbes, 9 John Locke 10 e Jean-Jacques

    Rousseau11), na medida em que suas obras cientficas iro neutralizar as

    doutrinas teocrticas do poder divino dos reis, substituindo-as pelas correntes

    filosficas do contrato social como origem da sociedade.

    Com isso, as correntes do contratualismo jurdico fazem avanar

    cientificamente o conceito de direitos naturais, muito especialmente pelo elo

    que criam com as teorias democrticas da origem do poder.

    O primeiro grande filsofo do contratualismo Thomas Hobbes, que pauta

    seu pensamento no conceito de Estado leviat absolutista. Com efeito,

    Hobbes foi o primeiro grande teorizador de uma doutrina do direito natural

    com consistncia metodolgico-conceitual capaz afastar a noo de poder

    originrio supra-humano e divino. Para tanto, Hobbes parte da viso de

    Estado enquanto sociedade poltica que nasce de um contrato celebrado pelos

    cidados e cujo objetivo a cesso de direitos naturais a um poder comum, a

    8 Ingo Sarlet preleciona que da doutrina estoica greco-romana e do cristianismo advieram as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade (para os cristos, perante Deus). Cf. Ob. cit. p. 41. 9 HOBBES, Thomas. Leviatn o la Materia, Forma y Poder de una Repblica, Eclesistica y Civil. Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1940. 10 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. So Paulo: Ed. Ibrasa, 1963. 11 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Ed. Cultrix, So Paulo, 1971.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 21

    cuja autoridade os cidados passam a respeitar, sem qualquer tipo de

    contestao. Trata-se, portanto, de um pacto de submisso.

    Com isso, a teorizao de Hobbes comea a afirmar cientificamente os

    direitos naturais e, o que mais importante, comea a negar o modelo

    tomista atinente supremacia da autoridade espiritual sobre a autoridade

    terrena (Santo Toms de Aquino).

    Entretanto, sem embargo de seu perfil democrtico em relao origem do

    poder poltico, o fato que a tese hobbesiana serviu para justificar as

    pretenses absolutistas do Estado moderno ps-feudal, ou seja, as leis do

    Estado leviat, por mais injustas que fossem, ainda assim deveriam ser

    obedecidas pelos sditos porque melhores que o caos do estado de natureza.

    Assim, no pensamento contratualista hobbesiano, o homem em seu estado de

    natureza no tinha como chegar paz e segurana, necessitava, pois, do

    Estado forte (poder comum) atuando como um verdadeiro Leviat, o Deus

    mortal, o nico capaz de superar o caos da guerra de todos contra todos.

    Portanto, o Estado leviat seria o instrumento com poder total para afastar a

    guerra de todos contra todos, criando o estado societal de paz e segurana.

    Desta feita, Hobbes justifica o nascente Estado absoluto.

    Totalmente diferente era a linha de pensamento de John Locke surgida mais

    de quarenta anos depois (1692). Para este autor, o paradigma contratual no

    poderia se configurar no pacto de submisso hobbesiano, e, sim, no pacto de

    consentimento que somente legitima a ao do Governo Civil voltada para o

    objetivo de assegurar as liberdades individuais do cidado comum,

    garantindo-lhe seus direitos vida, liberdade e propriedade. Como bem

    destaca Norberto Bobbio, o estado de natureza de Locke difere frontalmente

    de outros filsofos, verbis:

    No estado de natureza, para Lucrcio, os homens viviam more

    ferarum (como animais): para Ccero, in agris bestiarum modo

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 22

    vagabantur (vagavam pelos campos como animais); e, ainda para

    Hobbes, comportavam-se, nesse estado natural, uns contra os

    outros, como lobos. Ao contrrio, Locke que foi o principal

    inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do homem

    comea o captulo sobre o estado de natureza com as seguintes

    palavras: "Para entender bem o poder poltico e deriv-lo de sua

    origem, deve-se considerar em que estado se encontram

    naturalmente todos os homens; e esse um estado da perfeita

    liberdade de regular as prprias aes e de dispor das prprias

    posses e das prprias pessoas como se acreditar melhor, nos limites

    da lei de natureza, sem pedir permisso ou depender da vontade de

    nenhum outro.12

    Portanto, a obra de Locke serviu de inspirao para as Declaraes de

    Direitos que iriam acontecer no futuro com base no axioma de que todos so

    iguais perante a lei (igualdade formal). Com efeito, o art. 1 da Declarao

    Universal (todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos) simboliza

    o Estado liberal e a ideia de igualdade formal.

    Com espeque no direito de resistncia, que no entender do prprio John

    Locke era um instrumento poltico de aperfeioamento do Estado, surge o

    Estado de Direito. Nesse passo, a lgica de construo da obra de Locke a

    limitao do poder estatal a partir desse direito de resistncia.

    Eis que o pensamento de Locke inova a cincia jurdica dada, na medida em

    que reconhece ao cidado comum a prerrogativa de resistir s autoridades

    tirnicas. Atingido o ponto de no direito, abre-se a perspectiva de aplicao

    do direito de resistncia, caracterizando o pacto de consentimento, cuja

    essncia est na limitao do poder do Estado, vale dizer, o pacto de

    consentimento somente legitima as aes do Estado voltadas para a garantia

    dos direitos civis e polticos do cidado. Com isso, Locke justifica a ideia-fora

    de Estado liberal.

    12 Cf. A era dos direitos, p. 75.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 23

    Destarte, a natureza do contrato social na obra de Locke o faz precursor do

    liberalismo, seja pela negao da cesso de direitos naturais (cada cidado

    entrega ao Estado apenas a prerrogativa de resolver conflitos, permanecendo

    com o restante dos direitos naturais), seja pela interveno mnima do Estado

    nas relaes jurdicas privadas. Em consequncia, os direitos naturais atuam

    como limites ao do estado, cuja legitimao depende da garantia das

    liberdades individuais. Por conta disso, o ncleo central do iderio liberal a

    garantia dos direitos civis e polticos, cuja lgica estatal minimalista rejeita o

    estado absolutista.

    Com esse tipo de inteleco em mente, fica mais fcil compreender o esprito

    que anima o paradigma contratual de Locke, qual seja sufragar as liberdades

    individuais ante o arbtrio do poder estatal. Eis aqui estampadas, com todas

    as letras, as razes pelas quais John Locke apontado como sendo o pai do

    Estado liberal burgus.

    No mbito do contratualismo liberal lockiano, no se pode falar em direitos

    sociais ou em proteo dos hipossuficientes ou ainda em igualdade real ou

    material. Tal perspectiva somente vai ser alcanada com o pensamento

    contratualista de Jean Jacques Rousseau e a sua defesa da democracia

    plebiscitria. Com efeito, a teorizao do contrato social de Rousseau, terceira

    grande corrente do contratualismo jurdico, calcada na vontade geral, que,

    em essncia, uma vontade prpria que no se confunde com a simples

    soma das vontades individuais, sendo, com rigor, sua sntese.

    Para alm disso, o contrato social faz referncia ao conceito de igualdade

    natural que por sua vez projeta a ideia de que o pacto rousseauniano visa a

    reduzir as desigualdades fsicas, transformando-as em igualdades em

    direitos.13

    13 Dalmo de Abreu Dallari, em feliz sntese acerca da matria preleciona, verbis: Em resumo, verifica-se que vrias das ideias que constituem a base do pensamento de Rousseau so hoje

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 24

    Com isso, acreditamos que entre todos os contratualistas, Rousseau aquele

    que mais se aproxima do princpio democrtico. Na verdade, a posio

    teorizante de Rousseau o coloca na vanguarda da defesa da democracia

    plebiscitria, vez que sua ideia de mandato imperativo classifica o

    representante poltico como mero comissionrio do povo. A partir da obra de

    Rousseau, possvel vislumbrar a formao de um ncleo essencial de uma

    democracia participativa de vis plebiscitrio, que garanta efetivamente a

    igualdade de oportunidades.

    Em Rousseau, colhem-se conceitos deveras avanados, muito superiores

    formulao hobbesiana de Estado-Leviat e do Estado-burgus liberal de

    Locke e que podem servir de fonte de inspirao para o aperfeioamento da

    democracia participativa no Estado contemporneo.

    A fase de constitucionalizao: da democracia liberal social democracia

    Uma vez examinadas as correntes do contratualismo jurdico e sua

    importncia no curso de evoluo dos direitos humanos, vale agora iniciar o

    estudo da fase de constitucionalizao dos direitos fundamentais, que se

    inicia com as revolues liberais do sculo XVIII e perdura at hoje.

    Com efeito, no campo terico, possvel estabelecer dois grandes ciclos

    democrticos distintos desta fase, a saber:

    a) o perodo de democracia liberal que vai da Revoluo francesa (1789) at a

    Constituio de Weimar na Alemanha (1919); e

    consideradas fundamentos da democracia. o que se d, por exemplo, com a afirmao da

    predominncia da vontade popular, com o reconhecimento de uma liberdade natural e com a busca de igualdade, que se reflete, inclusive, na aceitao da vontade da maioria como

    critrio para obrigar o todo, o que s se justifica se for acolhido o princpio de que todos os

    homens so iguais. Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. So Paulo: Saraiva, 2005. p.18.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 25

    b) o perodo de democracia social que se estende de Weimar at o fim da

    queda do muro de Berlim (1989). 14

    Destarte, a partir deste momento, nossa inteno passa a ser examinar os

    dois ciclos democrticos da modernidade (democracia liberal e social

    democracia).

    O constitucionalismo liberal e a proteo das liberdades individuais

    A fase de democracia liberal marca o incio de uma nova etapa na proteo

    dos direitos humanos, cujo apogeu vem com a interpretao dogmtico-

    jurdica dos direitos humanos feita luz de um estado de direito. Muitos

    autores entendem que nesta fase que os direitos do homem se

    transformam em efetivos direitos fundamentais, ou seja, a

    constitucionalizao que cria um catlogo de direitos fundamentais a partir da

    preexistncia de direitos naturais.

    A fase de constitucionalizao inaugurada a partir da Declarao de Direitos

    do Povo da Virgnia de 1776 ou ento da Declarao Francesa dos Direitos do

    Homem e do Cidado de 1789. Qual desses dois marcos histricos merece

    receber a glria de ser o smbolo do nascimento do Estado de Direito e

    constitucionalismo democrtico ocidental?

    Lus Roberto Barroso citando Hannah Arendt destaca o fato intrigante de

    que foi a Revoluo Francesa, e no a Inglesa ou a Americana, que correu

    mundo e simbolizou a diviso da histria da humanidade em antes e depois.15

    14 Cf. GES, Guilherme Sandoval. Geopoltica e ps-modernidade. In: Revista da Escola Superior de Guerra, vol. 48, n. jul 2007, p. 96. Disponvel em: . 15 Cf. BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio, p.320.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 26

    Optamos por homenagear a Revoluo Francesa de 1789 como smbolo

    inaugural da democracia liberal e da primeira verso do Estado de Direito. A

    racionalidade que cimenta nossa argumentao tem triplo aspecto, a saber:

    (i) a Revoluo Francesa que sela definitivamente o fim do regime

    monrquico absolutista, um verdadeiro estado de no direito;

    (ii) a Revoluo Francesa que instaura a ordem constitucional liberal com

    penetrao universal;

    (iii) a Revoluo Francesa que consolida a ideia-fora de direitos

    fundamentais constitucionais que se posicionam acima das prprias

    razes de Estado.

    De tudo se v, por conseguinte, que foi nesse ambiente de transformao

    que a Revoluo Francesa de 1789 introduz a perspectiva liberal burguesa

    focada na proteo das liberdades individuais perante o Estado. De fato, os

    processos revolucionrios americano e francs simbolizam no s o

    nascimento da primeira dimenso dos direitos fundamentais, mas, tambm, a

    passagem do Estado Absoluto (Estado de no direito) para o Estado Liberal

    (Estado Legislativo de Direito).

    Observe que nesse mister, o modelo Liberal de Estado lana as bases do

    Estado de Direito, quais sejam: a separao de poderes e a declarao de

    direitos fundamentais acima do prprio Estado. a dico legal do artigo 16

    da Declarao de 1789 que projeta esta ideia-fora: A sociedade em que no

    esteja assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a

    separao de poderes no tem Constituio.

    Eis aqui muito bem delineado o ncleo constitucional do Estado Liberal: a

    limitao do poder estatal (Estado Mnimo que no se intromete na esfera das

    relaes privadas) e o respeito ao catlogo das liberdades pblicas, mais

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 27

    precisamente a proteo dos direitos civis e polticos (primeira dimenso

    dos direitos fundamentais).

    Sem embargo de sua importncia para a consolidao do constitucionalismo

    democrtico ocidental, entendemos que o Estado Liberal circunscreveu, em

    essncia, uma era histrica que se entremostrou insuficiente na busca da

    igualdade material, vale dizer, aquelas condies mnimas de vida digna e

    capaz de gerar a igualdade de oportunidades para todos os cidados. Esta a

    razo pela qual o liberalismo entra em crise, suscitando a criao da segunda

    verso do Estado de Direito, qual seja, o Welfare State, entre ns,

    denominado de Estado do Bem-Estar Social ou simplesmente Estado Social.

    O constitucionalismo social e a interveno no domnio privado

    Neste segmento temtico, pretende-se analisar a passagem da democracia

    liberal para a social democracia. Com efeito, o encurtamento jurdico do

    Estado e as conquistas democrticas do constitucionalismo liberal no tiveram

    o condo de garantir para todos os cidados a dignidade da pessoa humana,

    ainda que em sua expresso mnima.

    De fato, as bases da democracia liberal fincadas na igualdade formal e na

    plena autonomia privada (crena na fora reguladora do mercado) foram

    incapazes de criar as condies mnimas de vida digna para todos. No dizer

    de Vicente de Paulo Barretto:

    O Estado Liberal, por trs de sua aparente neutralidade, na

    realidade estava a servio de uma classe social, a classe dos

    detentores dos meios de produo, que necessitavam de um

    sistema jurdico que regulasse de forma igual os conflitos que

    ocorressem na sociedade civil e garantissem a atividade econmica

    da interveno do Estado, para que assim pudesse ser realizado o

    reino da autonomia e da liberdade individual.16

    16 Cf. O fetiche dos direitos humanos e outros temas, p. 210.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 28

    De fato, o constitucionalismo liberal protegia as classes dominantes, na

    medida em que o tratamento igual de desiguais nada mais fez do que gerar

    grandes desigualdades sociais. por isso que surge uma nova segmentao

    de direitos fundamentais, agora ditos de segunda dimenso, cuja

    concretizao efetiva deveria ser patrocinada pelo prprio Estado mediante

    aes prestacionais positivas.

    Portanto, o constitucionalismo social tem a pretenso de assegurar bens

    imprescindveis para a materializao da dignidade da pessoa humana,

    solapada que tinha sido pelo ciclo democrtico liberal. Ou seja, os direitos

    sociais podem servir como instrumento poltico-jurdico de distribuio de

    justia social e de concretizao do princpio da dignidade da pessoa humana.

    Assim sendo, o novo paradigma constitucional passa a operar num domnio

    hermenutico em que imperam trs novos elementos essenciais: dirigismo

    constitucional, igualdade material e dignidade da pessoa humana. Tais

    elementos essenciais representam, de certo modo, as condies de

    possibilidade para a realizao do sentimento constitucional de justia, bem

    como o ncleo duro do ciclo do Estado Democrtico Social de Direito.

    Destarte, a pedra angular do dirigismo constitucional o estabelecimento de

    uma Carta pice composta de normas programticas que traam aes e

    metas a serem implementadas pelo legislador ordinrio e pelo Poder

    Executivo. Com rigor, no se trata apenas de regular a vida poltico-

    administrativo-financeira do Estado, mas, sim, de garantir condies mnimas

    de vida digna para todos, dentro de uma perspectiva de igualdade material,

    na qual cabe ao Estado Social suprir o dficit econmico e social das classes

    menos favorecidas (hipossuficientes).

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 29

    Atividade proposta

    Leia o texto abaixo de autoria de Lus Roberto Barroso:

    Entre a luz e a sombra, descortina-se a ps-modernidade. O rtulo genrico

    abriga a mistura de estilos, a descrena no poder absoluto da razo, o

    desprestgio do Estado. Vive-se a angstia do que no pde ser e a

    perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma poca aparentemente

    ps-tudo: ps-marxista, ps-kelseniana, ps-freudiana. O Estado passou a ser

    o guardio do lucro e da competitividade.

    A partir da leitura do texto acima, responda, justificadamente, se, o contexto

    da ps-modernidade, como acima descrito, repotencializa o constitucionalismo

    welfarista.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 30

    Exerccios de fixao

    Questo 1

    Acerca das fases de evoluo dos direitos fundamentais, analise as seguintes

    afirmativas:

    I. A elaborao da doutrina juscontratualista, cujos principais

    teorizadores foram Hobbes, Locke e Rousseau, marca o incio da fase

    de constitucionalizao dos direitos fundamentais;

    II. A essncia democrtica da obra de John Locke vem da ideia de que o

    pacto entre cidados um ato de transferncia de direitos inerentes ao

    homem para o Estado;

    III. A teorizao de Hobbes desconstri a doutrina da coexistncia

    harmnica dos poderes temporal e eclesistico, com supremacia da

    autoridade espiritual, formulada por Santo Toms de Aquino;

    IV. So caractersticas do pacto de consentimento de John Locke, entre

    outras, a proteo das liberdades individuais e o reconhecimento do

    direito de resistncia.

    Somente CORRETO o que se afirma em:

    a) ( ) I e III;

    b) ( ) II e IV;

    c) ( ) III e IV;

    d) ( ) I, II e IV;

    e) ( ) II, III e IV.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 31

    Questo 2

    Analise cada item a seguir e informe se as alternativas so VERDADEIRAS OU

    FALSAS:

    I. A teorizao poltica de Locke faz avanar a afirmao dos direitos

    naturais, na medida em que reconhece o direito de resistncia como

    um instrumento importante na limitao do poder estatal que deve,

    portanto, respeitar as liberdades individuais;

    II. O pacto social da vontade geral de Rousseau informa o princpio

    democrtico e em especial a democracia participativa plebiscitria;

    III. J o pacto de submisso de Thomas Hobbes justifica o Estado Liberal

    burgus;

    IV. O conceito de Estado-leviat simboliza a reao antiabsolutista, cujo

    objetivo era limitar o poder do Estado em prol das liberdades

    individuais.

    a) ( ) V; F; F; V;

    b) ( ) V; V; F; F;

    c) ( ) V; F; V; F;

    d) ( ) F; F; V; F.

    Questo 3

    No que tange fundamentao tica dos direitos humanos, analise as

    afirmativas abaixo e assinale a resposta CORRETA:

    O pacto de submisso de Thomas Hobbes que rejeita o direito de resistncia

    deve ser associado (ao):

    a) ( ) Estado Liberal.

    b) ( ) Estado Social.

    c) ( ) Estado Ps-moderno.

    d) ( ) Estado Absoluto.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 32

    Questo 4

    Acerca da terminologia envolvendo os direitos humanos e os fundamentais,

    CORRETO afirmar que pela constitucionalizao so transformados:

    a) ( ) direitos fundamentais em direitos das gentes.

    b) ( ) direitos humanos em direitos do homem.

    c) ( ) direitos naturais do homem em direitos fundamentais.

    d) ( ) direitos fundamentais em direitos do homem.

    Questo 5

    Analise as assertivas abaixo e marque a resposta correta.

    O pacto de consentimento de John Locke pode ser associado :

    I. subordinao da burguesia ascendente ao poder aristocrtico;

    II. supremacia do capital sobre a terra;

    III. primazia do social sobre o individual;

    IV. prevalncia do Estado Mnimo sobre o Estado-Empresrio.

    Somente CORRETO o que se afirma em:

    a) ( ) I e II;

    b) ( ) II e IV;

    c) ( ) I e III;

    d) ( ) I e IV.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 33

    Questo 6

    O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o tat

    Gendarme, associado s presses decorrentes da industrializao em marcha,

    o impacto do crescimento demogrfico e o agravamento das disparidades no

    interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicaes, impondo ao

    Estado um papel ativo na realizao da justia social. O ideal absentesta do

    Estado liberal no respondia, satisfatoriamente, s exigncias do momento.

    Uma nova compreenso do relacionamento Estado/sociedade levou os

    poderes pblicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse

    superar as suas angstias estruturais. Da o progressivo estabelecimento

    pelos estados de seguros sociais variados, importando interveno intensa na

    vida econmica e a orientao das aes estatais por objetivos de justia

    social.

    (MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. So

    Paulo: Saraiva, 2007. p. 223.)

    Esse texto caracteriza, em seu contexto histrico, a

    a) ( ) primeira gerao de direitos fundamentais.

    b) ( ) segunda gerao de direitos fundamentais.

    c) ( ) terceira gerao de direitos fundamentais.

    d) ( ) quarta gerao de direitos fundamentais.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 34

    Questo 7

    Com relao ao perfil de evoluo da proteo dos direitos humanos, assinale

    a alternativa CORRETA:

    a) ( ) A democracia liberal representativa surgiu com a Revoluo

    Francesa como uma reao ao poder monoltico do Estado absoluto.

    b) ( ) Uma das caractersticas do constitucionalismo liberal a busca da

    igualdade material e da proteo dos hipossuficientes.

    c) ( ) O constitucionalismo social volta-se para a defesa dos direitos

    fundamentais de primeira gerao (direitos civis e polticos) ligados s

    liberdades individuais.

    d) ( ) O constitucionalismo medieval considerado um dos ciclos estatais

    da modernidade e s foi superado em definitivo com o tratado de

    Utrecht.

    Questo 8

    A democracia liberal surge a partir da Revoluo Francesa com a ascenso da

    burguesia, detentora do poder econmico, porm sem o respectivo poder

    poltico. Assim sendo, analise as caractersticas e assinale aquelas

    correspondentes democracia liberal:

    I. Proteo dos hipossuficientes.

    II. Predominncia de direitos negativos.

    III. Igualdade material.

    IV. Garantia das liberdades individuais.

    V. Igualdade formal.

    So caractersticas da democracia liberal:

    a) ( ) I, II e IV;

    b) ( ) I e II;

    c) ( ) II e IV;

    d) ( ) II, IV e V.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 35

    Questo 9

    Associado questo da aplicao dos direitos fundamentais de segunda

    dimenso lcito afirmar que so direitos que tm sua efetividade afirmada

    segundo:

    a) ( ) A reserva do possvel encontrada na dignidade da pessoa humana.

    b) ( ) O mnimo existencial do Estado que o impossibilita de atender todas

    as demandas sociais prestacionais.

    c) ( ) A reserva do possvel do Estado que obriga o atendimento das

    demandas sociais independentemente de recursos oramentrios.

    d) ( ) O mnimo existencial encontrado na dignidade da pessoa humana.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 36

    Questo 10

    Leia o trecho abaixo de autoria de Lus Roberto Barroso:

    Entre a luz e a sombra, descortina-se a ps-modernidade. O rtulo genrico

    abriga a mistura de estilos, a descrena no poder absoluto da razo, o

    desprestgio do Estado. Vive-se a angstia do que no pde ser e a

    perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma poca aparentemente

    ps-tudo: ps-marxista, ps-kelseniana, ps-freudiana. O Estado passou a ser

    o guardio do lucro e da competitividade. E a triste constatao que o Brasil

    chega ao neoliberalismo sem ter conseguido ser liberal nem moderno.

    A partir do esprito do texto acima transcrito, assinale a resposta CORRETA:

    a) ( ) A ideia de que o Estado o guardio do lucro e da competitividade

    compatvel com o paradigma do welfare state (constitucionalismo

    social).

    b) ( ) O desprestgio e a negatividade do Estado so caractersticas do

    constitucionalismo dirigente do Estado Bem-Estar Social.

    c) ( ) O ciclo estatal liberal tem por caracterstica a busca da democracia

    direta participativa, da proteo dos hipossuficientes e da igualdade

    material.

    d) ( ) A concepo de Estado guardio do lucro e da competitividade o

    eixo do Estado neoliberal, que defende a no interveno do Estado no

    domnio das relaes jurdicas privadas.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 37

    Referncias

    BARROSO, Lus Roberto. A reconstruo democrtica do direito pblico

    no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

    _______. Curso de direito constitucional contemporneo: os conceitos

    fundamentais e a construo do novo modelo. 3. ed. So Paulo: Saraiva,

    2011.

    PIOVESAN, Flvia. Temas de direitos humanos. 4. ed. So Paulo: Saraiva,

    2010.

    SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 10. ed.

    Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 38

    Aula 2: Teoria dimensional dos

    direitos fundamentais

    Introduo

    Na presente aula, ser estudada a teoria dimensional dos direitos

    fundamentais, cujo desenvolvimento feito a partir da anlise dos diferentes

    regimes jurdicos de proteo dos direitos fundamentais ao longo do

    constitucionalismo democrtico moderno.

    Destarte, no que tange teorizao feita sob a gide dos direitos

    fundamentais, esta aula pretende investigar o perfil de evoluo dessa

    proteo jurdica e sua correlao com os diferentes paradigmas de Estado de

    Direito (Estado Liberal de Direito Estado Democrtico Social de Direito

    Estado Ps-moderno de Direito).

    Em linhas gerais, o desiderato acadmico da presente aula evidenciar tal

    paralelismo que tem, sem nenhuma dvida, o condo de acoplar as

    dimenses de direitos fundamentais e seus respectivos modelos de Estado de

    Direito, desvelando desse modo a matriz de impactos cruzados que faz a

    conexo entre o constitucionalismo democrtico e o sistema de proteo dos

    direitos humanos.

    Objetivos

    1. Sendo assim, esta aula tem como objetivo a compreenso das bases

    tericas que informam a teoria dimensional dos direitos fundamentais,

    desde a formao do constitucionalismo liberal garantista at a crise do

    constitucionalismo welfarista dirigente.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 39

    Contedo

    Introduo

    Antes de enfrentar as questes relativas teoria dimensional dos direitos

    fundamentais, importante reconhecer que existem diversas teorias sobre os

    direitos fundamentais, no havendo, aqui, mais uma vez, consenso de

    nomenclaturas e nem de correntes propriamente ditas.

    Conhea as principais teorias dos direitos fundamentais

    Destarte, vale encetar tal investigao cientfica trazendo para reflexo a

    classificao de Ernst Wolfgang Bckenfrde, 17 que estabelece a seguinte

    diviso:

    a) teoria liberal,

    b) teoria institucional,

    c) teoria axiolgica,

    d) teoria democrtico-funcional,

    e) teoria do Estado Social.

    Bckenfrde procura sistematizar cada uma de suas concepes a partir de

    uma viso global que agrega diversos fatores dos direitos fundamentais, e.g.,

    finalidade e alcance normativo material perante o Estado e o prprio vis

    ideolgico.

    A teoria liberal de Bckenfrde tem como pressuposto uma determinada

    categoria de direitos de liberdade do indivduo frente ao Estado. Para avaliar

    esta teoria, portanto, necessrio colocar em evidncia alguns elementos

    essenciais das limitaes da interveno estatal na esfera privada.

    17

    BCKENFRDE, Ernst Wolfgang. Teoria e interpretacin de los derechos fundamentales. In: Escritos sobre derechos fundamentales. Traduo de Ignacio Villaverde Menendez. Baden-Baden:

    Nomos, 1993.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 40

    Dessa perspectiva, uma primeira considerao a ser feita a seguinte: do

    ponto de vista da teoria liberal, os direitos fundamentais de liberdade tm a

    misso hermenutica de afastar a ameaa da interferncia estatal no mbito

    da liberdade individual. Esta a tese liberal de Bckenfrde, pois dela decorre

    que qualquer ao estatal soberana precisa reconhecer e lidar com tal

    limitao. Ou seja, a interpretao dos direitos fundamentais segundo a teoria

    liberal feita no sentido de que a liberdade garantida para alm da

    regulao poltica do Estado, no possuindo, pois, limites ou restries, bem

    como no se vinculando a determinados fins ou objetivos pr-definidos. Nesse

    sentido, Gustavo Amaral mostra com preciso que:

    no mbito dessa ideia-fora que se compreende decises como a

    da Suprema Corte norte-americana no caso Lochner v. New York,

    onde declarou a inconstitucionalidade de uma lei da cidade de Nova

    Yorque que introduzira jornada mxima de trabalho de 10 horas

    dirias e 60 horas semanais para empregados de padaria, sob o

    argumento de que tal medida constitua uma indevida interferncia

    estatal na ampla liberdade de contratar conferidas s partes.18

    O segundo ponto a considerar que, a partir do desenvolvimento da teoria

    liberal, consolidou-se a ideia de liberdade perante o Estado, vale dizer, a

    realizao das liberdades individuais pertence, sob a tica do

    constitucionalismo liberal, ao prprio indivduo, livre de qualquer imperativo

    social, no tendo o Estado qualquer participao nesse processo de realizao

    efetiva da liberdade (liberdade sem mais, sem limites ou objetivos pr-

    definidos).

    J na teoria institucional de Bckenfrde, um dos mais expressivos

    pontos a defender o lado objetivo-institucional dos direitos fundamentais,

    em detrimento do lado subjetivo-individual defendido pela teoria liberal. Ou

    seja, h que se reconhecer que os direitos fundamentais possuem um

    18

    AMARAL, Gustavo. Interpretao dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: Teoria dos direitos fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

    p.105-106.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 41

    contedo juridicamente objetivo, o que significa dizer por outras palavras,

    que a dimenso institucional calcada na garantia jurdico-constitucional de

    mbitos normativos orientados a determinados interesses concretos.

    Com efeito, a teoria institucional vislumbra os direitos fundamentais como

    direitos objetivos reconhecidos pelo legislador democrtico, que tem

    legitimidade para atribuir contedo, funo e sentido das normas

    jusfundamentais, ampliando o leque de atuao do Estado, visto que no o

    reconhece mais como uma mera ameaa liberdade individual (como na

    teoria liberal), mas sim como uma garantia de uma liberdade objetivada e

    concebida institucionalmente.

    De um lado, portanto, as liberdades individuais que garantem aos seus

    titulares determinados direitos subjetivos, tal qual professado pela teoria

    liberal, do outro, as liberdades objetivadas, ordenadas e configuradas por

    meio de uma dimenso institucional, na qual desponta a realizao do sentido

    objetivo-institucional da garantia da liberdade. J no se trata de uma

    liberdade juridicamente indefinida (teoria liberal), mas, sim, de uma liberdade

    objetivada (Gustavo Amaral). A esta teoria cabe o mrito de fortalecer a

    liberdade institucionalizada, seja a liberdade do indivduo, seja a liberdade da

    coletividade.

    Nesse ponto, a teoria institucional projeta para a interpretao dos direitos

    fundamentais a exaltao de uma moldura normativa do contedo, sentido e

    condies do exerccio de tais direitos. Como visto, toda a base da teoria

    institucional enfatiza a importncia de conjuntos normativos postos pelo

    legislador que garantem a reconfigurao dos direitos fundamentais com

    espeque na realidade social e, no, apenas, na liberdade individual

    juridicamente livre e soberana. Revaloriza-se o papel do legislador

    democrtico, uma vez que a norma posta se constitui no elemento fundante

    da teoria institucional, dando aos direitos fundamentais orientao, contedo,

    medida e sentido.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 42

    Ou seja, a teoria institucional amplia o espao normativo dos direitos

    fundamentais, na medida em que j no basta apenas limitar a atuao do

    Estado como pretende a teoria liberal , mas, sim, engendrar o contedo de

    um catlogo de direitos objetivados e configurados institucionalmente. Com

    isso, tal teoria nega a viso liberal de uma dimenso exclusivamente

    subjetiva.

    Para a teoria axiolgica, os direitos fundamentais conformam uma ordem

    objetiva de valores, e, no, uma ordem de direitos ou pretenses subjetivas.

    Na viso da teoria axiolgica, os direitos fundamentais so dotados de

    unidade material, cujo contedo decorre de fundamento axiolgico advindo

    de um processo de integrao da sociedade. No dizer de Gustavo Amaral:

    Para a teoria axiolgica dos direitos fundamentais, que parte da

    teoria da integrao de Rudolf Smend, tais direitos fixam valores

    fundamentais da comunidade, formando um sistema de valores ou

    de bens, um sistema cultural atravs do qual os indivduos

    alcanam um status material. Do mesmo modo que na teoria

    institucional, os direitos fundamentais tm carter de normas

    objetivas e no de pretenses subjetivas. Recebem seu contedo

    objetivo como emanao do fundamento axiolgico da comunidade

    estatal e como expresso de uma deciso axiolgica que a

    comunidade toma para si. Isso repercute no contedo da liberdade.

    Ela em cada caso liberdade para a realizao dos valores

    expressos nos direitos fundamentais e o marco de uma ordem de

    valores; no preexiste totalidade estatal. A liberdade est

    determinada realizao e cumprimento do valor expressado nela

    pelo direito fundamental.19

    Com efeito, grande parte da doutrina aponta o alemo Rudolf Smend como o

    grande terico da teoria da integrao, que a base epistemolgica da teoria

    axiolgica dos direitos fundamentais. Nesse sentido, correto afirmar que a

    19

    Ibidem, p. 106.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 43

    interpretao axiolgica dos direitos fundamentais tem como elemento

    fundante a deciso axiolgica que a sociedade toma levando em considerao

    os valores de um sistema cultural.

    Em outro dizer, a teoria da integrao de Rudolf Smend, publicada no seu

    livro Constituio e Direito Constitucional (Verfassung und Verfassungsrecht),

    surgiu como reao ao positivismo jurdico. Com rigor, a teoria da integrao

    de Smend desenvolve a ideia de que os direitos fundamentais so normas

    objetivas que exprimem valores sociais constitucionalizados a partir de

    decises axiolgicas integradoras da comunidade.

    De tal conceito, pode-se extrair a inteleco de que aspecto relevante no o

    da normatividade da Constituio, mas, sim, sua pretenso de atuar como

    uma ordem objetiva de valores, da a pesada crtica que recebe, uma vez que

    no fornece elementos cientficos para a superao da frmula positivista

    fechada do mero decisionismo judicial.

    Com efeito, h que se reconhecer a fraqueza hermenutica da teoria

    axiolgica que, muito embora seja importante no reconhecimento dos direitos

    fundamentais como elementos de concretude de uma verdadeira ordem

    social, a cuja observncia se subordinam, no apenas o legislador, mas,

    tambm o administrador democrtico, o aplicador do direito e o prprio

    particular, no consegue superar a fundamentao vazia de uma ordem de

    valores concebida agora pelo intrprete do direito.

    No que tange teoria democrtico-funcional dos direitos

    fundamentais, importante destacar desde logo a inteleco de que sua

    base de compreenso o processo poltico-democrtico. Com efeito, a

    partir da funo pblica e poltica que se descortina a teoria democrtico-

    funcional dos direitos fundamentais.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 44

    A dimenso democrtica da teoria surge com a viso de que os direitos

    fundamentais so concedidos aos cidados comuns a partir de um livre

    processo poltico de produo democrtica de normas constitucionais. Para

    alm desta dimenso, importante compreender que a formao da vontade

    poltica vem de um movimento teleolgico-funcional dos direitos

    fundamentais, no seio do qual se encontra um cidado ativo com grau de

    liberdadde suficiente para possibilitar e garantir o devido processo poltico-

    democrtico. Na verdade, a base da teoria democrtico-funcional a

    concepo de que os direitos fundamentais so concedidos aos cidados na

    qualidade de membros de uma comunidade e para serem exercidos em nome

    do interesse pblico, dentro de processo constitucional de legitimao das

    liberdades individuais.

    Nessa acepo, os direitos fundamentais no so concebidos como direitos

    que o cidado pode dispor livremente, ao revs, so direitos que sero

    exercidos na qualidade de membro de uma comunidade e em prol do

    interesse pblico. Ou seja, em outras palavras, o constitucionalismo

    democrtico surge tanto da limitao do poder estatal, quanto da conjugao

    de vontades individuais constitucionalmente protegidas e suas autolimitaes

    impostas consensualmente, fazendo com que a ordem constitucional vigente

    seja criada democraticamente pelos cidados, mas que, tambm, se

    encontram submetidos a ela.

    Enfim, sob a tica da teoria democrtico-funcional, os direitos fundamentais

    materializam-se com a converso dessas vontades e liberdades individuais em

    disposies constitucionais feitas dentro de um livre processo de produo

    democrtica, isto , os direitos fundamentais somente sero verdadeiramente

    democrticos quando garantirem a todas as pessoas a capacidade (liberdade

    e igualdade) de controlar e manter as condies funcionais do processo

    poltico-democrtico.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 45

    Finalmente, a teoria do Estado Social em cujo cerne se encontra o choque

    entre a liberdade jurdica e a liberdade real, entre a igualdade formal perante

    a lei e a igualdade substancial das aes estatais prestacionais.

    Com efeito, observa-se um grande um salto em relao teoria liberal, na

    medida em que se opera a substituio do espao vital individual dos direitos

    fundamentais pelo espao social dos direitos fundamentais a prestaes

    estatais. Agora, os direitos fundamentais, sob os influxos da teoria do Estado

    Social, transcendem a negatividade estatal para atingir a exigncia de

    interveno do Estado nos campos jurdico-poltico com o desiderato de

    garantir a efetividade de tais direitos, tendo em vista ser tambm um objetivo

    do prprio Estado Democrtico Social de Direito.

    Em outras palavras, a implementao da teoria do Estado social dos direitos

    fundamentais implicou a superao da estatalidade negativo-absentesta que,

    a partir de ento, passou para o campo positivo, vale dizer, o Estado deixou

    de ser o principal violador e passou a ser o principal garantidor da efetividade

    dos direitos fundamentais.

    Em suma, a teoria do Estado Social no vislumbra os direitos fundamentais

    como simples abstenes estatais, mas, sim, como prestaces estatais

    positivas que buscam a consagrao de uma liberdade real e de uma

    igualdade substancial para todos. Note-se que o conceito de liberdade

    distinto nas concepes das teorias liberal e do Estado social, isto , enquanto

    na primeira tem-se a liberdade perante o Estado, na segunda tem-se a

    liberdade por intermdio do Estado.

    Finalmente, impende destacar que a classificao de Paulo Bonavides abarca

    trs grandes vertentes, a saber: teoria liberal, teoria institucional e teoria dos

    valores.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 46

    Conhea agora a teoria do status de jellinek

    Uma vez compreendidas as teorias de Ernst Wolfgang Bckenfrde e de Paulo

    Bonavides, no Brasil, vale a pena investigar a teoria dos quatro status de

    Georg Jellinek. Em essncia, a doutrina do status de Jellinek foi desenvolvida

    para sistematizar os direitos pblicos subjetivos e identificar a pluralidade de

    relaes entre o Estado e o indivduo.

    O pensamento do professor Ricardo Lobo Torres mostra, em feliz sntese,

    praticamente, as principais notas de tal teoria:

    Quatro so os status, que compreendem as condies nas quais

    pode se encontrar o indivduo como membro do Estado:

    a) status subiectionis, no qual excluda a autodeterminao, pois a

    personalidade sempre relativa e limitada;

    b) status libertatis, no qual o membro do Estado senhor absoluto, livre

    do imperium;

    c) status civitatis, que se apresenta como o fundamento do complexo de

    prestaes estatais no interesse individual;

    d) status activae civitatis, no qual o indivduo autorizado a exercitar os

    direitos polticos. 20

    Na viso do autor, os status acima expostos exibem, respectivamente, os

    aspectos passivo, negativo, positivo e ativo. E usando as prprias palavars de

    Jellinek, Ricardo Lobo Torres destaca que o aspecto passivo est relacionado

    s prestaes ao Estado, o aspecto negativo liberdade frente ao Estado, o

    aspecto positivo pretenso contra o Estado, e, finalmente, o aspecto ativo

    prestao por conta do Estado. Esses so os pontos de vistas dos quais pode

    ser considerada a situao do direito pblico do indivduo.

    20

    TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos direitos fundamentais (Org. Ricardo Lobo Torres) 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 254-

    255.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 47

    Com rigor, Ricardo Lobo Torres mostra que a teorizao da doutrina do status

    de Georg Jellinek foi concebida com o objetivo de identificar as relaes entre

    o Estado e o indivduo a partir da sistematizao dos direitos pblicos

    subjetivos. nesse sentido que possvel afirmar a conexo entre o Estado

    Liberal e o indivduo a partir do status libertatis (direitos negativos de defesa)

    e do status activae civitatis (direitos polticos).

    Observe, com ateno, que o constitucionalismo liberal se volta

    precipuamente para a limitao do poder do Estado, o que evidentemente

    gera a concepo de estatalidade negativa. Ora, isso significa dizer, sem

    nenhuma dvida, de que no h nenhum vnculo direto entre o Estado liberal

    e o indivduo a partir do status positivus socialis, uma vez que no h aes

    estatais prestacionais focadas na garantia dos direitos sociais. Ao revs, o que

    predomina na relao entre o Estado Liberal e o indivduo o status libertatis,

    vale dizer liberdade frente ao Estado.

    nesse sentido de crtica ao positivismo formal do paradigma liberal que

    Ricardo Lobo Torres destaca a ampliao da teoria do status para incluir a

    viso de Hberle sobre o status ativus processualis. Nas palavras do autor: A

    teoria moderna ampliou o quadro dos status e o adaptou nova realidade do

    Estado Social de Direito. Hberle defende a ideia de status ativus

    processualis, para determinar o processo de concretizao dos direitos

    fundamentais 21. Enfim, certo afirmar que o paradigma democrtico liberal

    encontrou na doutrina do status de Georg Jellinek o pano de fundo da

    legitimao da jusfundamentalidade material dos direitos negativos de defesa

    ligados ao status libertatis, no qual o membro do Estado livre do imperium,

    ou seja, o Estado deve garantir as liberdades individuais e no o contrrio

    (garantismo constitucional).

    21

    Ibidem, p. 255.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 48

    De observar-se, portanto, que a teorizao de Jellinek revela em toda a sua

    extenso o real significado do constitucionalismo garantista liberal, cuja pedra

    angular o vnculo do status libertatis (liberdade frente ao Estado), acrescido

    do vnculo do status activae civitatis (livre exerccio dos direitos polticos).

    Esta fundamentao feita com base nos status permite elaborar o quadro

    conceitual do projeto constitucional garantista, evidenciando nitidamente a

    formao de um ncleo jurdico-normativo de direitos civis e polticos, sem

    qualquer preocupao com a dimenso social dos direitos fundamentais

    (status positivus libertatis). Todo o projeto constitucional do Estado Liberal de

    Direito comea e termina na questo da limitao do poder estatal a partir de

    um catlogo de direitos fundamentais negativos de defesa.

    De feito, resta indubitvel que o projeto constitucional garantista (tica

    liberal) se afasta completamente do status positivus, que somente ser

    observado na vigncia do Estado Social de Direito, gestando um novo sistema

    de direitos fundamentais que congloba ao mesmo tempo as liberdades

    clssicas e os direitos econmicos, sociais e culturais. Nesse sentido, preciso o

    pensamento de Vicente de Paulo Barretto:

    Com a superao da tica liberal, o conceito de direitos fundamen-

    tais deixou de estar circunscrito ao status negativus libertatis, que

    vedava a interferncia do Estado nas atividades da sociedade civil.

    A instituio dos direitos sociais supunha tambm a garantia do

    status positivus libertatis, que compreende o terreno das

    exigncias, postulaes e pretenses com que o indivduo,

    dirigindo-se ao poder pblico, recebe em troca prestaes. ,

    portanto, o status positivus que permite ao Estado construir

    socialmente as condies da liberdade concreta e efetiva. Deste

    modo, o Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal,

    inclui no sistema de direitos fundamentais no s as liberdades

    clssicas, mas tambm os direitos econmicos, sociais e culturais. A

    satisfao de certas necessidades bsicas e o acesso a certos bens

    fundamentais, para todos os membros da comunidade, passam a

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 49

    ser vistos como exigncias ticas a que o Estado deve

    necessariamente responder. 22

    Uma vez examinadas algumas teorias dos direitos fundamentais, importante

    agora estudar a teoria dimensional dos direitos fundamentais, que, com rigor,

    no deixa de ser uma variante dessas outras teorias.

    A teoria tridimensional dos direitos fundamentais

    O direito constitucional passa por grandes transformaes, mormente em

    pases perifricos, onde a ideologia neoliberal a partir da globalizao da

    economia traz consequncias negativas marcantes, seja em relao

    efetividade dos direitos fundamentais do cidado comum, seja em relao ao

    aumento da excluso social.

    O fato que a efetividade ou eficcia social dos direitos fundamentais ainda

    nos dias de hoje no se acha plenamente consolidada na periferia do sistema

    capitalista; falta, sem nenhuma dvida, garantir as condies mnimas de vida

    digna para toda a populao. Como bem lembra Paulo Bonavides: O projeto

    constitucional de nossa primeira assembleia constituinte anunciava, h mais

    de sculo e meio, como um dever de dignidade humana, o direito de

    resistncia. E mais adiante, arremata o grande jurista ptrio:

    Na mesa verde das bolsas que o cassino das finanas os

    direitos da terceira gerao, como o direito dos povos ao

    desenvolvimento, so friamente imolados. Hecatombes

    financeiras desabam sobre os chamados pases emergentes por

    obra de um clculo de especuladores, que veem o lucro e no o

    homem, o capital e no a nao, o interesse e no o trabalho.

    22

    BARRETTO, Vicente de Paulo. O fetiche dos direitos humanos e outros temas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 211.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 50

    o perfil internacional do desespero e da injustia que faz

    escravos, ao invs de fazer cidados, que suprime a identidade

    dos povos e globaliza a resignao dos fracos.

    f pnica dos globalizadores neoliberais ope-se o

    humanismo do Estado social e sua filosofia do bem comum e do

    poder legtimo. Estado social que, gerado no constitucionalismo

    de inspirao weimariana (...) 23

    Tal pensamento de Paulo Bonavides retrata, com preciso, a ideia neoliberal

    de desconstruo dos direitos fundamentais sociais. Com efeito, grande parte

    da doutrina j no hesita mais em professar o fim do Estado Social de Direito

    e na sua esteira a efetividade dos direitos sociais, econmicos, culturais e

    trabalhistas.

    Aqui reside, portanto, a relevncia acadmica da teoria dimensional dos

    direitos fundamentais, qual seja, compreender a longa evoluo do regime

    jurdico de proteo dos direitos fundamentais (dimenses dos direitos

    fundamentais), desde a implantao do constitucionalismo garantista liberal

    em 1789, perpassando pelo constitucionalismo dirigente da Constituio de

    Weimar de 1919, at, finalmente, chegar-se ao tempo presente, do assim

    chamado constitucionalismo da ps-modernidade.

    Assim, o primeiro ponto importante a destacar a viso de que os direitos

    fundamentais so classificados em trs grandes dimenses ou geraes, cada

    uma delas representando um regime jurdico especfico de proteo dos

    direitos fundamentais. Esta a razo pela qual vamos, em seguida, examinar

    estas trs grandes e diferentes dimenses dos direitos fundamentais.

    23

    BONAVIDES, Paulo. Do pas constitucional ao pas neocolonial. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2001. p. 21.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 51

    Os direitos civis e polticos sob a gide do Estado liberal de direito

    A primeira dimenso dos direitos fundamentais tem por fundamento filosfico

    o pensamento iluminista, pautado no individualismo burgus. Com efeito, o

    Estado liberal de Direito nasce com a pretenso de garantir os direitos de

    primeira dimenso, ou seja, os direitos civis e polticos.

    No centro de gravidade da primeira dimenso dos direitos fundamentais,

    encontra-se induvidosamente a proteo das liberdades individuais ante o

    intervencionismo estatal. Sob o signo da estatalidade mnima, a primeira

    dimenso busca afastar privilgios estamentais e corporativos do Estado

    interventor. nesse sentido que os direitos de primeira dimenso so

    predominantemente negativos que, em regra, no demandam aes estatais

    positivas para a sua concretizao.

    Instaura-se, dessarte, o Estado liberal de Direito com dois grandes pilares de

    sustentabilidade: a separao de poderes e declarao de direitos

    fundamentais que se colocam acima do prprio Estado. Nesse diapaso, a

    prpria dico legal do artigo 16 da Declarao de 1789 que projeta esta

    ideia-fora, quando estabelece que: A sociedade em que no esteja

    assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a

    separao de poderes no tem Constituio.

    Ou seja, o Estado que no tenha poderes independentes e harmnicos entre

    si, nem a fixao de um catlogo de direitos fundamentais limitadores da

    atuao estatal no um verdadeiro Estado de Direito. Fcil perceber,

    portanto, que Estado liberal de Direito tinha como objetivo a realizao da

    liberdade do indivduo perante o Estado agressor, da a demarcao de reas

    jurdicas de no interferncia do Estado no campo privado.

    O importante aqui compreender que o Estado liberal de Direito a reao

    ao Estado absolutista (Estado de no direito) at ento em vigor. Com rigor,

    a burguesia em ascenso, em Frana, que oprimida pelo Estado leviat

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 52

    hobbesiano, engendra o constitucionalismo liberal como instrumento de

    limitao do Estado.

    Nesse sentido, certo dizer que o constitucionalismo democrtico nasceu das

    reivindicaes burguesas oriundas das revolues polticas do final do sculo

    XVIII. Seu substrato jurdico-poltico a positivao de direitos em textos

    constitucionais escritos dotados de supremacia sobre os poderes constitudos

    do Estado. nesse contexto que surge o Estado liberal de Direito atrelado aos

    direitos civis e polticos (primeira dimenso dos direitos fundamentais). Em

    essncia, a finalidade do paradigma liberal a garantia das liberdades

    individuais perante o Estado, da mesma forma que sua pretenso

    metodolgica a fixao de comandos constitucionais meramente negativos

    (constitucionalismo garantista), voltados precipuamente para a limitao do

    poder do Estado e para a proteo de um catlogo jusfundamental

    absentesta.

    Logo, no centro do constitucionalismo liberal os direitos negativos de defesa

    focados nas liberdades individuais. Nesse diapaso, as palavras de Jrgen

    Habermas:

    Ao mesmo tempo, os direitos privados subjetivos foram

    complementados, atravs de direitos de defesa estruturalmente

    homlogos, contra o prprio poder do Estado. Esses direitos de

    defesa protegiam as pessoas privadas contra interferncias ilegais

    do aparelho do Estado na vida, liberdade e propriedade. 24

    Enfim, preciso compreender que, por de trs do Estado liberal de Direito,

    encontra-se a fora de um processo de normatizao jurdica focado na

    operacionalizao de direitos negativos absentestas de defesa. Nesse sentido,

    bem de ver que a tica do Estado liberal se afasta da proteo dos

    hipossuficientes e tambm da busca da igualdade material ou real.

    24

    HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2. ed. v. 1. Traduo de

    Flvio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 48.

  • DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 53

    Sem embargo de sua importncia para a consolidao do conceito de Estado

    de Direito, entendemos que o Estado liberal de Direito circunscreveu, em

    essncia, uma era histrica que se entremostrou insuficiente no

    estabelecimento daquelas condies mnimas de vida digna para todos.

    Destarte, afigura-se-nos justo concluir que o Estado liberal de Direito,

    partindo da concepo de estatalidade mnima, protegia, na verdade, a classe

    burguesa e no o homem comum em si. Tendo como epicentro constitucional

    a autonomia privada, o Estado liberal de Direito nada mais fez seno acentuar

    as assimetrias sociais e econmicas, gerando um quadro lamentvel de

    verdadeira misria humana, sem precedentes na Histria.

    Esta a razo pela qual o liberalismo entra em crise, suscitando a criao da

    segunda dimenso dos direitos fundamentais, bem como da ideia de Estado

    social de Direito, isto , o Welfare State, entre ns, denominado de Estado do

    Bem-Estar Social ou simplesmente Estado Social.

    Os direitos sociais, econmicos, culturais e trabalhistas sob a gide do

    estado democrtico social de direito

    Como acabamos de constatar, as bases da democracia liberal fincadas na

    igualdade formal e na autonomia privada (crena na fora reguladora do

    mercado) foram incapazes de criar as condies mnimas de vida digna para

    todos.

    Realmente, por trs de sua estatalidade mnima e no decurso da evoluo da

    sociedade, o Estado liberal de Direito nada mais f