Analisando a prática pedagógica - Marli Zibetti
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MARLI LCIA TONATTO ZIBETTI
ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA
Uma experincia de formao de professores na educao infantil
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.
So Paulo 1999
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MARLI LCIA TONATTO ZIBETTI
ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA
Uma experincia de formao de professores na educao infantil
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia
rea de concentrao: Psicologia
Escolar e do Desenvolvimento humano
Orientador: Prof. Dr. Lino de Macedo
So Paulo 1999
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ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA Uma experincia de formao de professores na educao infantil
Marli Lcia Tonatto Zibetti
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
(Nome e Assinatura)
______________________________________
(Nome e Assinatura)
______________________________________
(Nome e Assinatura)
Dissertao defendida e aprovada em: _____/_____/____
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Dedicatria
minha querida Ana Gabriela que com sua alegre curiosidade e sede de aprender me faz lutar para que todas as crianas tenham respeitado seu direito ao saber. Ao meu esposo, que assumiu tambm o papel de me em minhas ausncias. Aos meus pais, exemplo de fora e determinao que marcaram meu jeito de ser.
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AGRADECIMENTOS
s professoras que participaram deste trabalho, sem as quais nada disso
teria sido possvel.
Ao professor Lino de Macedo, pela orientao segura, pacincia com meu
no-saber, exemplo de coerncia entre a teoria defendida e a prtica vivenciada.
Aos colegas de Mestrado, amigos que contriburam para que esta caminhada
fosse tambm uma lio de vida.
Aos Colegas orientandos do Professor Lino de Macedo, pela leitura do
texto, pelo apoio e sugestes.
amiga Elizabeth Martines e a toda a sua famlia por serem as pessoas to
especiais que so.
s amigas de uma vida: Ana Lcia Espndola, Snia Maria Ribeiro de
Souza, Mnica Schart Fo Ribeiro, Norma Dilma dos Reis Almeida e Patrcia de
Oliveira Guimares por estarem sempre presentes, mesmo longe...
mestra que fez diferena em minha vida: La de Lourdes Calvo da Silva.
Aos colegas da Universidade Federal de Rondnia pelo incentivo e apoio,
especialmente para Arlene Mariani Fujihara e Ins Fontanella Fachinello.
Aos meus alunos com quem aprendi e continuo aprendendo todos os dias.
s professoras Telma Weisz e Marilene Proena Rebello de Souza pelas
contribuies durante a qualificao e por serem as profissionais que so.
Aos professores Gilmar e Ensia pela leitura atenta das verses deste
trabalho.
Aos funcionrios da Diretoria do Instituto de Psicologia/USP: Ins, Islaine,
Maurcio e Gerson, pelo socorro em todas as dificuldades.
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SUMRIO
LISTA DE TABELAS .............................................................................................i
RESUMO ................................................................................................................ii
ABSTRACT .......................................................................................................... iii
1 INTRODUO ................................................................................................1
1.1 - FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES....................................4
1.1.1- Aspectos conceituais ...............................................................................5
1.1.2 - Aspectos histricos.................................................................................7
1.1.3 - Pressupostos ........................................................................................12
1.1.4 - A formao continuada e o professor de educao infantil...................16
1.2. UMA LEITURA PIAGETIANA DA CONSTRUO DO
CONHECIMENTO DO PROFESSOR SOBRE O ENSINO ...............................21
1.2.1 - Dilemas: situaes-problema na prtica pedaggica ...........................21
1.2.2 - A teoria da equilibrao das estruturas cognitivas...............................23
1.2.3 - Os observveis e as coordenaes........................................................28
1.3. - AS PRTICAS DE FORMAO DE PROFESSORES............................32
1.3.1 - A anlise das prticas pedaggicas em contextos de formao de
professores......................................................................................................32
1.3.2 - O dirio de aula como instrumento de formao..................................38
1.4 OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA..............................................................44
1.4.1 Objetivo geral .....................................................................................44
1.4.2 Objetivos Especficos ..........................................................................44
1.4.3 Justificativa.........................................................................................44
2 - METODOLOGIA ...........................................................................................46
2.1 SUJEITOS .................................................................................................47
2.2 INSTRUMENTOS.....................................................................................48
2.3 LOCAIS DE REALIZAO DA PESQUISA ...........................................49
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2.4 PROCEDIMENTOS ..................................................................................49
2.4.1 Primeira fase.......................................................................................49
2.4.2 Segunda fase .......................................................................................50
2.4.3 Terceira fase .......................................................................................52
3 RESULTADOS ...............................................................................................53
3.1. ENTREVISTAS INICIAIS: .......................................................................55
3.2 OS DIRIOS DAS PROFESSORAS.........................................................63
3.2.1-Metodologia de anlise ..........................................................................64
3.2.2- Caracterizao geral dos dirios ..........................................................65
3.2.3- A anlise do projeto de formao por meio dos dirios.........................75
3.3- AS REUNIES PARA TEMATIZAO DAS PRTICAS ..................... 103
3.4 - OS SEMINRIOS.................................................................................... 111
3.5 - AS ENTREVISTAS FINAIS.................................................................... 115
4- DISCUSSO................................................................................................... 125
4.1- O CONTEXTO DA FORMAO: OS SUJEITOS E SUA REALIDADE 126
4.2- AS ESTRATGIAS FORMATIVAS ........................................................ 132
4.3- UNIVERSIDADE, FORMAO DE PROFESSORES E DE
FORMADORES. .............................................................................................. 137
5- CONSIDERAES FINAIS ......................................................................... 143
ANEXOS............................................................................................................. 147
ANEXO I - ROTEIRO PARA ENTREVISTA INICIAL ..................................148
ANEXO II - ROTEIRO PARA ENTREVISTA FINAL .................................... 149
ANEXO III - DIRIOS DE AULA ..................................................................150
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................... 153
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LISTA DE TABELAS.
Tabela 1: Caracterizao dos sujeitos......................................................................47 Tabela 2: Dirios das professoras............................................................................66 Tabela 3: Principais atividades propostas pela Prof. Ana..........................................78 Tabela 4: Principais atividades propostas pela Prof. Beatriz...................................89 Tabela 5: Principais atividades propostas pela Prof. Giulia. ...................................98 Tabela 6: Participao em reunies para tematizao das prticas ......................... 103 Tabela 7: Exemplos de situaes-problema analisadas durante as reunies para
tematizao das prticas. ............................................................................... 106 Tabela 8: Exemplos de ampliao de proposta de trabalho. ................................... 110
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ZIBETTI, Marli Lcia Tonatto. Analisando a prtica pedaggica. Uma experincia de formao de professores na educao infantil. So Paulo, 1999. 160 p. Dissertao (Mestrado). IP USP.
RESUMO
No trabalho analisa-se um projeto de formao continuada de professores na
educao infantil do ponto de vista das estratgias utilizadas, verificando sua
contribuio ao processo de reflexo das professoras sobre sua prtica pedaggica.
Partindo de um referencial terico piagetiano, procura-se identificar nas
prticas das professoras, situaes-problema que geram desequilbrios obrigando a
construo de novas respostas e, conseqentemente, novas aprendizagens.
Participaram do projeto oito professoras de pr-escolar com idades entre 22 e
29 anos e com experincias profissionais de dois a sete anos de trabalho em educao
no municpio de Rolim de Moura, RO. As referidas professoras foram entrevistadas
no incio e ao final do projeto, alm de registrarem seu trabalho em dirios de aula
que serviram de base para a tematizao das prticas pedaggicas em reunies com a
formadora. Tambm foram realizados seminrios tericos nos quais o grupo discutia
textos previamente lidos, relacionando-os aos problemas prticos identificados.
A anlise dos dados evidencia os problemas enfrentados pelas professoras em
sua formao inicial, ingresso na profisso e nas prticas pedaggicas desenvolvidas,
identificando suas dificuldades e necessidades no exerccio das funes docentes.
Permite constatar ainda, a importncia da escrita reflexiva para o incremento da
capacidade de observao das professoras favorecendo a identificao de situaes-
problema na prtica pedaggica. Por outro lado, demonstra que a reflexo sobre a
prtica e a introduo de inovaes no fazer docente, esto diretamente relacionadas
s trocas entre as professoras, destas com a formadora e com a teoria.
Aponta para a necessidade de que os projetos de formao continuada partam
dos saberes, dificuldades e necessidades dos sujeitos envolvidos, considerando a
etapa de desenvolvimento profissional em que se encontram. Para isso, h que se
preparar melhor os formadores e investir em uma poltica de formao articulada
com a carreira docente e com os conhecimentos cientficos existentes nesta rea
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ZIBETTI, Marli Lcia Tonatto. Analyzing the educational practice. An experience in
training teachers to the education of children. So Paulo, 1999. 160p. Master
Thesis. IP - USP.
ABSTRACT
In the present work, we have analyzed a project of continual training of
teachers regarding the education of children. The strategies employed, as well as
their contribution to help teachers reflect on their educational practice have been
considered. According to Piaget's theory, we have tried to identify in these teachers'
practice some problem-situations that do provoke some difficulties, thus requiring
new answers and subsequently, new learning techniques.
Eight kindergarten teachers took part in the project. They were all between 22 and 29 years old and had between two to seven years of professional experience in educating children in the town of Rolim de Moura, RO (state of Rondnia, north of Brazil). These teachers were interviewed at the beginning and at the end of the project and they also described their work in school reports on which the meetings to discuss the many educational practices were based. Also, there have been some theoretical seminars during which the group used to discuss some texts that had been previously read and that were then related to the practical problems faced by the group.
The analysis of the results shows clearly the problems faced by the teachers
during their former training, their entrance to the profession and the educational
practices developped, thus identifying their difficulties and needs when performing
their teaching functions. It also enables to verify the importance of reflexive writing
in order to improve teachers' capacity to observe the facts, thus favouring the
identification of problem-situations in the educational practice. On the other hand, it
demonstrates that both the fact of thinking about this practice and the fact of
introducing innovations in the teaching activity are directly related to the exchanges
among teachers, between teachers and their training teacher and their relation with
the theory.
It points out the necessity that the projects of continual training contemplate
knowledge, difficulties and needs of those who are involved, considering their stage
of professional development. To do so, we have to better prepare the training
teachers as well as to invest on a training policy which is in connection with the
teaching career and the scientific knowledge in this area.
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1 INTRODUO
Quando trabalhamos com formao de professores, trs questes bsicas so
motivo de preocupao. A primeira delas diz respeito nfase reiterada na literatura
educacional, importncia dos investimentos em formao de professores, quando
h a pretenso de afetar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Torna-se
necessrio criar oportunidades para os docentes refletirem sobre sua prtica e
adquirirem subsdios que os levem a reconstru-la em direo ao sucesso escolar de
todos os alunos. (Andr, 1996, p.99).
Neste sentido, desafia-nos tambm a distncia existente entre o que
recomenda a teoria e a realidade das prticas. Ou como afirma Nvoa, (1999)1 o
excesso dos discursos e a pobreza das prticas formativas, indicando que preciso
um esforo por parte dos formadores e novas diretrizes nas polticas pblicas de
formao, para a superao deste contraste.
A segunda questo diz respeito pesquisa na formao de professores.
Concordamos com Andr (op.cit.) quando afirma que a pesquisa em educao
precisa assumir tambm um carter didtico que, alm de levantar dados sobre a
situao em que se d o ensino na escola ou regio pesquisada, possa gerar
conhecimentos teis para a prtica educativa dos professores envolvidos, permitindo-
lhes beneficiarem-se destes conhecimentos construdos em parceria.
A dicotomia constatada nos projetos formativos entre a teoria utilizada para
explicar a aprendizagem dos alunos e a teoria aplicada para a formao dos
professores, constitui-se na terceira questo que nos preocupa e que demanda
maiores estudos e pesquisas, uma vez que ainda no foi superada. Enquanto
utilizamos um discurso de que o aluno constri conhecimentos e, portanto, o
processo de ensino deve ser organizado no sentido de defront-lo com situaes que
promovam esta construo, para os professores o processo adotado tem sido a
transmisso de teorias e mtodos construdos e sistematizados por outros.
O foco deste estudo est na anlise de um projeto de formao continuada
de professores de educao infantil onde, articulando pesquisa e formao, buscamos
1 Palestra realizada em 20/05/99 na Faculdade de Educao. USP.
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a superao das dicotomias explicitadas acima. Projeto este, com o qual trabalhamos
a partir das prticas pedaggicas das docentes envolvidas, atravs da discusso de
seus prprios registros escritos. Buscou-se neste processo, discutir os problemas
emergentes no cotidiano da sala de aula com vistas a sua superao, atravs das
trocas entre as professoras e entre estas e a formadora, intermediada pelos textos
tericos estudados.
A contribuio deste trabalho consiste em apontar para algo que possvel e
necessrio dentro de projetos de formao mas que, por inmeras razes, acaba
sendo considerado impossvel. Ou seja, realizar uma experincia de formao de
professores em que as prticas das professoras e da formadora sejam o ponto de
partida e de chegada para novas aprendizagens e no para a crtica que imobiliza.
Aponta ainda para a possibilidade de uma pesquisa que seja ao mesmo
tempo, prtica, registro e reflexo sobre o trabalho realizado, apontando para novos
possveis; mostrando-se relevante para a pesquisa educacional por experimentar em
um contexto especfico, estratgias de formao que buscam a articulao entre
teoria-prtica, utilizando diferentes formas de registro, anlise e apresentao dos
dados coletados durante esta experincia.
Teoricamente, o estudo sustenta-se em trs eixos: a formao continuada
enquanto direito e necessidade do professor; a teoria de Piaget enquanto
possibilidade de compreenso das estruturas mentais acionadas no enfrentamento dos
dilemas prticos vividos pelos professores; e um terceiro eixo que nos remete para a
questo metodolgica dos projetos de formao que tenham como princpio um
professor construtor de conhecimentos.
O projeto que objeto de anlise nesta dissertao foi desenvolvido com
oito professoras de educao pr-escolar que registraram em dirios de aula o
trabalho realizado com seus alunos no perodo de agosto a dezembro de 1998.
A anlise deste projeto foi feita considerando-se o processo vivido pelas
professoras e pela formadora. Ao evidenciar as concepes das professoras
envolvidas e as alteraes inseridas por elas em suas prticas pedaggicas, estvamos
tambm desvelando o trabalho formativo realizado pela formadora, constatando-se
suas contribuies ao crescimento das professoras e tambm os aspectos que
deveriam ter sido melhor trabalhados.
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De um lado, buscamos identificar nos registros das professoras os aspectos
da prtica pedaggica que receberam prioridade em seus relatos e quais os dilemas
prticos que foram expressos por elas. Por outro lado, procuramos nos relatrios da
formadora, identificar os dilemas que foram objeto de discusso durante a formao,
o modo como foram encaminhados e a que teorias nos remeteram durante os estudos
com as professoras.
Este relatrio est organizado em cinco partes: a primeira rene os estudos
tericos que sustentaram a formulao da pesquisa e a anlise de dados. Esta parte
encontra-se dividida em trs textos que representam os eixos explicitados
anteriormente: A formao continuada de professores, Uma leitura piagetiana da
construo do conhecimento pelo professor sobre o ensino, e As prticas de
formao de professores.
Na segunda parte, apresentamos a metodologia desenvolvida no trabalho de
pesquisa-formao descrevendo os sujeitos, os instrumentos, os locais em que a
pesquisa foi feita bem como os procedimentos utilizados nas trs fases do projeto.
Na terceira parte, so apresentados os resultados da anlise de dados,
divididos em quatro momentos: no primeiro, analisamos as entrevistas iniciais
realizadas com as professoras selecionadas; no segundo, os dirios escritos pelas
participantes do projeto. No terceiro momento, encontram-se os dados relativos s
reunies de discusso e aos seminrios realizados durante o projeto, analisados a
partir dos relatrios de pesquisa da formadora. Finalmente, no ltimo momento,
encontram-se os dados coletados por meio das entrevistas finais com as professoras.
A discusso dos dados da pesquisa apresentada na quarta parte do trabalho
e significou a busca de articulao entre os dados sistematizados e a teoria que
orientou toda a trajetria.
Nas consideraes finais ltima parte do trabalho, destacamos brevemente
as questes fundamentais que emergiram da pesquisa.
Esperamos que as limitaes deste trabalho no invalidem sua contribuio,
principalmente enquanto experincia de formao que aponta para a possibilidade do
uso de estratgias inovadoras nesta rea.
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1.1 - FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES
As rpidas transformaes presentes na sociedade atual esto a requerer dos
profissionais que nela atuam novas competncias para atender s exigncias, no s
do mercado de trabalho, mas da prpria sobrevivncia numa comunidade onde
conhecimentos cada vez mais diversificados passam a ser necessrios.
As escolas como responsveis pela formao dos sujeitos que atuam nesta
sociedade, precisam modificar-se para poder contribuir com a formao de cidados
capazes de se informar, de ampliar esta informao, de situar-se e mover-se no
mundo do trabalho dentro de um viver tico, com responsabilidades partilhadas.
(Gatti,1997, p.90)
Neste sentido, pesquisas, estudos e trabalhos na rea de formao dos
profissionais da educao, num tempo de tantas transformaes e novas exigncias,
continuam sendo necessrias, principalmente considerando-se as mudanas que esto
sendo implantadas no sistema educacional brasileiro com a nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional (Lei n. 9394/96). E esta necessidade no se restringe
formao inicial, mas envolve tambm a formao continuada.
Na formao inicial dos professores polivalentes (sries iniciais do ensino
fundamental e educao infantil) os problemas, segundo Gatti (op. cit.) comeam
com a desmontagem crescente dos cursos de 2 grau que tm se caracterizado pela
fragmentao e desarticulao entre as disciplinas de contedos bsicos e de
contedos pedaggicos e conseqentemente entre teoria e prtica, culminando com a
realizao de estgios que no representam situaes efetivas de aprendizagem.
Na habilitao magistrio de 1 grau nos cursos de pedagogia, os problemas
enfrentados so semelhantes aos da formao inicial em nvel mdio: falta
instrumentao pedaggica especfica para as primeiras sries, desenvolve-se um
tratamento superficial e desarticulado dos contedos; h um distanciamento entre os
centros de formao e as escolas de 1 a 4 sries e, conseqentemente, com os
problemas concretos da rede escolar; a maior parte dos cursos tem durao reduzida
(trs anos) funcionando no perodo noturno, em escolas de baixa qualidade; os
estgios no so integrados ao restante do curso e nem sempre so acompanhados
devidamente.
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Quanto formao continuada, que nosso campo de estudo, preciso
partir da prpria idia que sustenta este tipo de projeto, pois segundo Rodrigues e
Esteves (1993) no existe unidade de concepo nem de organizao da formao
contnua ao nvel de cada pas, diferentemente do que acontece com a formao
inicial.(p.47).
Optar pela formao continuada como campo de estudo e pesquisa no
significa ignorar os investimentos necessrios na formao inicial, apenas representa
uma oportunidade de investigar determinadas situaes que podem contribuir com os
conhecimentos sobre a aprendizagem do professor. Neste primeiro texto estamos
analisando o conceito de formao continuada, sua histria e as diferentes
concepes que sustentam cada iniciativa nesta rea. Alm disso procuramos definir,
fundamentando-nos em alguns estudiosos, quais os pressupostos que devem sustentar
projetos de formao continuada, relacionando-os formao do professor de
educao infantil.
1.1.1- Aspectos conceituais
Atualmente, h uma necessidade, decorrente do prprio contexto histrico e
social, em conceber-se a formao de professores como um processo de educao
permanente que no se esgote com a freqncia a cursos de habilitao formal, ao
contrrio, estenda-se ao longo da carreira, atendendo s necessidades sentidas pelo
prprio professor ou apresentadas pelas situaes de ensino, pois impossvel
conceber-se uma formao inicial, por melhor que esta seja, capaz de atender todas
as necessidades do formando ao longo da profisso.
s atividades de formao que ocorrem aps a concluso do curso de
habilitao inicial, ao longo da carreira profissional, atribui-se a denominao,
formao contnua. Atividades que visam principal ou exclusivamente melhorar os
conhecimentos, as habilidades prticas e as atitudes dos professores na busca de
maior eficcia na educao dos alunos.(Rodrigues e Esteves, 1993, p.44).
Nesta concepo, no se trata de acreditar que a formao contnua, sozinha,
seja capaz de resolver o problema da aquisio insuficiente de conhecimentos pelos
professores durante a formao inicial, sendo necessrio para isso, investir na
melhoria destes cursos. Mas, acredita-se que a formao contnua pode ser
instrumento de mudana das qualificaes dos professores contribuindo inclusive,
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quando devidamente acompanhada e avaliada, com o fornecimento de dados para a
modificao e o ajustamento dos currculos de formao inicial. (op. cit., p.48).
Alm disso, independentemente de como este professor foi formado, precisa
continuar estudando no s para atualizar-se quanto aos novos conhecimentos
produzidos, mas principalmente, porque h uma razo muito mais premente e mais
profunda, que se refere prpria natureza do fazer pedaggico. Esse fazer que do
domnio da prxis e, portanto, histrico e inacabado (Barbieri, Carvalho e Uhle,
1995, p.32) que se constri como qualquer fazer humano, na relao entre o que se
faz e o que se pensa sobre aquilo que se faz.
Outra razo para que a educao continuada seja considerada fundamental
no processo de construo da competncia pedaggica do professor que h,
segundo Barbieri, Carvalho e Uhle, uma prtica pretendida que foi pensada e
trabalhada durante a formao e que se realiza numa escola concreta com condies
reais para que ocorra uma prtica consentida dentro dos limites dados pela
instituio. Limites estes, condicionados s regras do sistema scio-poltico e
econmico em que est inserida.
A partir do momento em que o professor comea a perceber a relao entre sua formao acadmica e sua prtica, os descompassos, as imposies, a no-avaliao sistemtica do seu trabalho, a desvalorizao do seu salrio, pode efetuar rupturas, assumindo a coordenao do processo de ensino-aprendizagem seu e de seus alunos, recorrendo ao extra-classe, ao no-previsto, como elemento indispensvel para a construo da sua autonomia e da de seus alunos. (id. ibid. p.34).
Por outro lado, se a insero deste professor no processo de trabalho escolar
se der em ambiente em que somente o saber cristalizado nos programas e livros
didticos for valorizado, em uma escola alienada no domnio da tcnica, no haver
possibilidades de crescimento e inovao a partir do saber trazido da formao
inicial. O envolvimento do coletivo escolar em processos de formao continuada
pode garantir a construo de um saber prtico-refletido, em sintonia com as
descobertas mais recentes da cincia e com as necessidades do mundo em constante
mudana. Mundo este, para o qual esto sendo educados os adolescentes e as
crianas que hoje freqentam esta instituio.
Pode-se entender ainda por formao continuada, o processo de
desenvolvimento da competncia dos educadores (Fusari e Rios, 1995, p.38
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grifo dos autores) compreendendo-se o duplo carter dessa competncia: o tcnico e
o poltico.
A dimenso tcnica da competncia diz respeito ao conjunto organizado e sistematizado dos conhecimentos e aos meios e estratgias para socializ-los. Na dimenso poltica, referimo-nos ao compromisso assumido pelo educador, compromisso que indica a escolha, a definio do direcionamento da prtica. (Fusari e Rios, 1995,p.40).
Os autores afirmam ainda que um projeto de formao continuada deve
prestar ateno a tudo o que envolve a qualificao dos educadores, buscando de
maneira prtica, as melhores formas de fornecer-lhes condies para que exeram
com competncia sua profisso.
Perrenoud (1993) alerta para a necessidade de redimensionar o conceito de
competncia, uma vez que as questes com as quais o professor se depara no
exerccio de suas funes colocam-no diante de situaes que exigem solues
rpidas, para as quais nem sempre h tempo disponvel para pesar os prs e os
contras de cada deciso. Neste sentido, o autor define competncia da seguinte
forma:
Uma competncia um saber-mobilizar. Trata-se no de uma tcnica ou de mais um saber, mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos conhecimentos, know-how, esquemas de avaliao, ferramentas, atitudes a fim de enfrentar com eficcia situaes complexas e inditas. (Perrenoud, 1998, p.208)
Para o autor, a nica maneira de formar os professores para que consigam
atuar de maneira mais eficiente diante das circunstncias imprevisveis do dia-a-dia,
proporcionar-lhes a vivncia regular deste tipo de experincia durante a formao
levando-os a analisar suas reaes: o que pensaram, sentiram e fizeram. Desta
maneira seria possvel chegar-se a um consenso do que teria sido necessrio fazer,
auxiliando os profissionais a dominarem melhor suas aes.
Nem sempre as concepes de educao continuada foram estas que
acabamos de expressar. Uma reviso histrica dos termos e caractersticas dos
projetos desenvolvidos pode elucidar aspectos importantes na trajetria deste tipo de
formao docente.
1.1.2 - Aspectos histricos
De acordo com estudos de Silva e Frade (1997), os programas de formao
continuada sofreram influncia dos trs grandes momentos polticos vividos no
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Brasil nas ltimas dcadas: ditadura militar, movimento de democratizao da
sociedade e os movimentos de globalizao da cultura e da economia.
Durante a ditadura militar, principalmente na dcada de 70, o que
caracterizou a formao docente, segundo as autoras, foi o princpio da
racionalidade tcnica, da hierarquizao de funes, da burocratizao da escola
(id.. ibid. p.33), reforando a separao j existente entre os que pensam e planejam o
trabalho pedaggico e entre os que o realizam. So exemplos de modalidades de
formao desenvolvidas neste perodo, as reciclagens e os treinamentos.
Segundo Nvoa (1994) este tipo de iniciativa corresponde ao processo de
racionalizao do ensino que desde os anos setenta busca o controle do ato educativo
eliminando todos os fatores externos e imprevisveis que possam atrapalhar o
processo educacional. Os professores so vistos como tcnicos cuja tarefa consiste,
essencialmente, na aplicao rigorosa de idias e procedimentos elaborados por
outros grupos sociais ou profissionais.(p. 24)
Este processo estimulou o crescimento do nmero de especialistas
pedaggicos, contribuindo para a proletarizao do professorado ao mesmo tempo
em que aumentou o trabalho burocrtico destes, com a introduo do controle
administrativo via formulrios de avaliao. O professor passou a ser um mero
executor das tarefas planejadas por outros, seu saber prtico foi desvalorizado e sua
estima profissional diminuda.
Racionalizao, proletarizao e privatizao do ensino so aspectos diferentes de uma mesma agenda poltica que tende a olhar para a educao segundo uma lgica economicista e a definir a profisso docente segundo critrios essencialmente tcnicos. Segundo esta tendncia, a sada da crise de identidade dos professores far-se-ia atravs de uma espcie de nivelamento por baixo, de um esvaziamento das aspiraes tericas e intelectuais do professor, de um controlo mais apertado da profisso docente. (Nvoa, 1994, p.25)
Na dcada de 80, o pas vivia um momento de luta pela redemocratizao
que influenciou tambm o processo educacional, dando origem a movimentos de
renovao pedaggica que passaram a exigir um novo perfil para o professor mais
voltado para a dimenso poltica da prtica docente. (Silva e Frade, 1997, p.33).
neste perodo que se multiplicam as lutas sindicais por melhores condies salariais e
de trabalho, levando os cursos de formao a investir na preparao destes
profissionais para uma maior participao poltica, tanto em sala de aula, como nos
movimentos trabalhistas ou comisses e rgos colegiados da escola.
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Este processo ocorre sob a influncia das teorias Crtico-Reprodutivistas2
que, ao apontarem a escola como aparelho ideolgico do estado, portanto,
reprodutora da ideologia dominante, indicam a necessidade de atuao do professor
em outros espaos como os sindicatos ou partidos polticos para lutar pela
transformao social.
Em um estudo realizado sobre os programas de formao continuada
oferecidos pela Secretaria de Educao no Estado de So Paulo, Barbieri, Carvalho e
Uhle (1995) afirmam que na dcada de 80 a nfase dada foi para os cursos de
atualizao. A restrio que se faz que em geral o termo atualizar se refere mais a
pr em dia contedos (grifo das autoras), tarefa que um curso de 30 horas no
consegue fazer. (p.32).
A dcada de 90, caracteriza-se pela globalizao da cultura e da economia,
pelo desenvolvimento tecnolgico e pela rapidez com que se sucedem as mudanas
nas diferentes reas da vida humana. Andr (1997), em artigo denominado
Perspectivas atuais da pesquisa sobre docncia, aponta alguns aspectos dos
programas de formao contnua desenvolvidos na Amrica Latina que necessitam
ser revistos luz de estudos recentes que permitem uma leitura mais crtica desta
problemtica.
Para a autora que cita palestra realizada por Rosa Maria Torres (PUC,
1996), tem havido uma nfase nos ltimos anos na formao de professores em
servio. Isto estaria ocorrendo devido ao incentivo de organismos internacionais
como o Banco Mundial que justifica esta escolha afirmando que os investimentos
feitos at aqui na formao inicial no trouxeram os resultados esperados, levando-os
a dar prioridade neste momento, formao em servio.
Andr adverte para as possveis conseqncias de aes como estas,
alertando que as pesquisas na rea de formao em servio ainda so poucas e no
permitem qualquer concluso sobre sua ineficcia; alm disso, precisamos considerar
que, enquanto na maior parte dos pases a formao docente para o ensino
fundamental realizada em instituies de ensino superior (Barreto, 1996), no Brasil,
isto ainda uma meta, havendo um consenso nacional de que h uma necessidade
2 Segundo Saviani (1997), as teorias Crtico-reprodutivistas caracterizam-se por atriburem
educao a funo de reproduzir a sociedade na qual est inserida.(p.27)
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emergente de que a formao cientfica e cultural dos professores brasileiros seja
progressivamente elevada. (Pimenta, 1996,p.348).
Neste sentido os investimentos em projetos de formao distncia, como
uma forma de realizao da formao continuada, tambm precisam ser repensados.
Apontados como tendncia nas polticas de educao dos pases do Terceiro Mundo,
estes projetos visam minimizar ou suprir a formao precria do professor, porm,
no tm atingido os resultados esperados conforme comprovam os resultados de
pesquisas sobre o tema:
...as avaliaes que vm sendo feitas do potencial ou do impacto desses processos distncia tem levantado srias dvidas sobre a sua eficcia, chamando a ateno para o importante papel das interaes dos monitores com os cursistas no sucesso desse tipo de estratgia. Evidenciam que no possvel prescindir da mediao humana para que os resultados possam ser realmente efetivos. (Andr,1997,p.66).
Outro aspecto apontado pelo texto de Andr (op. cit.) a preocupao ainda
presente nos projetos de formao continuada com a atualizao de contedos. Este
tipo de iniciativa que parte da premissa que os professores apresentam lacunas em
sua formao, levam ao planejamento de cursos (em geral de curta durao) cuja
nfase repassar os conhecimentos mais recentes sobre a rea de atuao do
professor e sobrevivem apesar das crticas feitas pelos estudiosos. Cursos realizados
com este propsito no consideram questes fundamentais
como o processo de construo da identidade pessoal do professor, a sua (des) valorizao social, o peso das condies de trabalho na sua prtica e outras que o auxiliariam a tomar conscincia das eventuais lacunas existentes na sua formao e a assumir-se como sujeito do processo de auto formao.(Andr, 1997, p.66).
Um equvoco que ocorre quando so planejados projetos de formao
continuada a desarticulao com programas mais amplos de reforma educacional.
Isto , a formao dos professores s pensada a posteriori, aps terem sido
implantadas as reformas pretendidas pelos dirigentes, caracterizando-se muitas vezes
em planos de persuaso docente, gastando-se boa parte do tempo e dos recursos
destinados formao para convencer os docentes da importncia das medidas
adotadas.
A ausncia de participao dos professores no planejamento e elaborao de
programas destinados a sua prpria formao outro aspecto apontado pelas
pesquisas como caracterstica bsica dos projetos atuais nesta rea. Segundo Andr
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(1997), estes projetos feitos para os docentes, deveriam ser concebidos com eles e
questiona: quando eles vo comear a ser ouvidos na definio das propostas que
lhe dizem respeito? (p.66).
A identificao dos desafios que se colocam aos formadores neste campo
constitui-se no primeiro passo para enfrent-los. Os instrumentos que podero
contribuir para isto podem ser encontrados nos conhecimentos acumulados atravs
das pesquisas j desenvolvidas onde possvel perceber em que caminho devero ser
construdas novas investigaes.
O enfoque prtico reflexivo na formao docente tem recebido uma nfase
bastante grande nas publicaes atuais e a origem de seus fundamentos foi buscada
em Dewey e em seu princpio pedaggico da aprendizagem pela ao. Porm, foram
os trabalhos de Donald Schn os responsveis pela aplicao recente deste conceito
que assim definido por Alarco:
...a reflexo (...) uma forma especializada de pensar. Implica uma prescrutao ativa, voluntria, persistente e rigorosa daquilo em que se julga acreditar ou daquilo que habitualmente se pratica, evidencia os motivos que justificam as nossas aes ou convices e ilumina as conseqncias a que elas conduzem.(1996, p.175).
Ao criticar o paradigma racionalista tcnico de formao Schn (1992)
defende que seja includo o componente de reflexo a partir de situaes reais de
prtica, na formao dos futuros profissionais. Para ele a atuao do educador
implica o conhecimento prtico (conhecimento na ao, saber-fazer); a reflexo na
ao (a transformao do conhecimento prtico em ao); e, uma reflexo sobre a
ao e sobre a reflexo na ao (que o nvel reflexivo).
O processo de reflexo-na-ao (...) pode ser desenvolvido numa srie de momentos. (...) primeiramente um momento de surpresa: um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo aluno (...) segundo momento (...) pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez, e, simultaneamente, procura compreender a razo por que foi surpreendido. (...) Num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situao (...) num quarto momento, efetua uma experincia para testar a sua nova hiptese.(Schn, 1992, p.83).
O que se espera com um trabalho de formao voltado para o
desenvolvimento da capacidade reflexiva que o professor seja capaz de atuar de
uma forma mais autnoma, menos dependente de manuais ou de planejadores
externos ao processo de seus alunos. Construindo formas de atuao com base em
teorias que se tornam aes de acordo com as solicitaes do meio. Em outras
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palavras, que seja um profissional no sentido explicitado por Zabalza: Profissional
aquele que sabe o que faz e por que o faz e, alm disso, est empenhado em faz-
lo da melhor maneira possvel.(1994, p.3l Grifo do autor).
A busca de um profissional assim, talvez justifique o grande interesse
despertado pelos trabalhos de Schn, pois nas palavras de Alarco, por trs da
epistemologia da prtica que Schn defende est uma perspectiva do conhecimento,
construtiva e situada, e no uma viso objetiva e objetivante como a que subjaz ao
racionalismo tcnico.(1996, p.17). E a autora acrescenta ainda, que se acreditarmos
que a prtica um elemento formativo importante, preciso averiguar de que
maneira possvel inclu-la em projetos de formao de professores.
A participao dos professores em processos de investigao sobre o
desenvolvimento curricular, sobre seu prprio crescimento profissional e prtico,
contribui para que seja superada a histrica separao entre os que pensam e os que
executam, pois permite aos professores colocarem-se tambm na posio de
produtores de conhecimentos, utilizando-os na melhoria da prtica pedaggica.
Acreditamos conforme Macedo (1994) que, para que haja uma mudana nas
prticas dos professores, preciso criar espaos nas escolas para que eles conversem
sobre seu fazer, que troquem idias, e tenham a oportunidade de criar e experimentar
novas formas de trabalhar, criticando e aperfeioando sua prtica em um trabalho em
que o erro seja encarado construtivamente, como o professor faz com seus alunos.
1.1.3 - Pressupostos
Autores como Fusari e Rios (1995), Candau (1996), Nvoa (1992), e
Zeichner (1993) enfatizam a necessidade de que os projetos de formao continuada
de professores sejam pensados e realizados a partir de alguns pressupostos que
considerem o professor como sujeito de seu processo de construo do saber,
valorizando-se neste sentido, alguns conhecimentos j construdos neste caminho de
democratizao e renovao da educao.
Fusari e Rios (1995) destacam alguns aspectos que devem pautar uma
poltica para a educao do educador em servio que resumiremos abaixo:
1. preciso considerar que o educador brasileiro um sujeito concreto e
determinado pelas condies de vida e de trabalho a que est submetido. Assim,
sempre se dever considerar o conjunto de fatores condicionantes estruturais e
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conjunturais que agem sobre sua prtica, delimitando seu espao real de
possibilidades. (p. 38).
2. Reconhecer as deficincias da formao inicial do educador preciso para que se
possa identificar as necessidades de interveno, porm no se pode pretender
que a educao em servio seja capaz de sanar todas as lacunas.
3. A educao continuada deve ser pensada e realizada como um processo,
articulado em diferentes fases que representem a continuidade do trabalho,
sempre procurando-se relacionar o contexto de trabalho intra-escolar com a
conscincia em relao realidade social mais ampla. (p.38).
4. O levantamento das necessidades de formao deve ser realizado com a
participao dos educadores, discutindo os problemas encontrados de forma que
esta fase j faa parte do projeto de formao e no seja apenas um relato (oral ou
escrito) das dificuldades enfrentadas pelos professores.
5. A prtica pedaggica deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada do
processo de formao, estimulando-se uma reflexo com auxlio da teoria que
amplie a conscincia do educador em relao aos problemas e que aponte
caminhos para uma atuao competente.(p.39).
Nvoa ao propor a formao do professor para a autonomia e conseqente
auto-formao aponta trs aspectos neste processo: produzir a vida do professor
(desenvolvimento pessoal), produzir a profisso docente (desenvolvimento
profissional) e produzir a escola (desenvolvimento organizacional).
Produzir a vida do professor implica valorizar, como contedos de sua
formao, seu trabalho crtico-reflexivo sobre as prticas que realiza e sobre suas
experincias compartilhadas. (Pimenta, 1996, p.85). Nvoa entende que a teoria
fornece alguns instrumentos ao professor mas o adulto acaba retendo apenas o que
est ligado a sua experincia. E neste sentido a formao deve passar sempre pela
mobilizao de vrios tipos de saber: saberes de uma prtica reflexiva; saberes de
uma teoria especializada; saberes de uma militncia pedaggica. (Nvoa, 1992, p.28).
Produzir a profisso docente significa valorizar e identificar no s os
conhecimentos cientficos que embasam o trabalho docente, mas tambm considerar
que os saberes da experincia constituem instrumentos importantes para o
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enfrentamento das situaes-problema especficas e altamente complexas que
precisam ser resolvidas pelos professores em sua prtica diria.
Produzir a escola consiste em transform-la em espao de trabalho e
formao, o que implica consider-la como local privilegiado para os projetos
formativos, atravs da construo coletiva das propostas pedaggicas das escolas por
meio das quais a formao dar-se-ia em situaes reais de aprendizagem.
Zeichner (1993) tem procurado apontar alguns aspectos fundamentais que
devem ser observados no desenvolvimento de projetos de formao baseados na
reflexo para que no se incorra em erros que, segundo ele, tomem o ato reflexivo
como um fim em si mesmo. Destacaremos aqui, as trs caractersticas principais da
abordagem deste autor sobre a formao do professor como prtico-reflexivo.
A primeira recomendao para que a prtica de ensino reflexivo preocupe-
se em voltar a ateno do professor tanto para dentro (sua prpria prtica) quanto
para fora (condies sociais nas quais ocorre a prtica). A no considerao dos
aspectos sociais, polticos e econmicos que envolvem a prtica pedaggica pode
levar os profissionais a uma viso distorcida do processo de ensino e de seu prprio
papel enquanto sujeitos.
A segunda caracterstica que deve ser considerada em processos reflexivos
diz respeito s decises dos professores quanto s questes que envolvem direitos e
situaes de desigualdade e injustia dentro das salas de aula.
Reconhecendo o carcter fundamentalmente poltico de tudo o que os professores fazem, a reflexo dos professores no pode ignorar questes como a natureza da escolaridade e do trabalho docente ou as relaes entre raa e classe social por um lado e o acesso ao saber escolar e o sucesso escolar por outro. (Zeichner, 1993, p. 26).
Outro aspecto destacado por Zeichner a necessidade de que a reflexo seja
considerada uma prtica social, de tal forma que os professores auxiliem-se
mutuamente e na troca entre iguais, construam seus conhecimentos. Este
compromisso tem um valor estratgico importante para a criao de condies
visando a mudana institucional e social. No basta atribuir-se individualmente poder
aos professores, que precisam de ver a sua situao ligada dos seus colegas. (Id.
ibid. p.26)
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Os Referenciais para Formao de Professores Polivalentes partem do
pressuposto que o conhecimento profissional do professor a ser construdo em
projetos de formao,
no apenas acadmico, racional, feito de fatos e teorias, nem simplesmente um conhecimento prtico. um saber que consiste em gerir a informao disponvel e adequ-la estrategicamente ao contexto de situao educacional que, a cada momento se situa, sem perder de vista os objetivos traados. um saber agir em situao. (Brasil, 1998a, p.73-74).
Por este motivo, definem cinco mbitos de conhecimento que devem ser
trabalhados em programas de formao profissional do professor: Conhecimento
sobre crianas, adolescentes, jovens e adultos; Conhecimento para atuao
pedaggica; Conhecimento sobre a dimenso cultural, social e poltica da
educao; Cultura geral e profissional e Conhecimentos experienciais
contextualizados.
Em relao aos conhecimentos sobre crianas, adolescentes, jovens e
adultos, a proposta do MEC afirma que os programas de formao devem garantir a
aquisio de saberes necessrios para uma atuao adequada s caractersticas de
desenvolvimento e aprendizagem de cada faixa etria, atentando para a importncia
das experincias anteriores dos sujeitos, sua origem social e cultural e a preocupao
que o professor deve ter em conhecer as formas de vida em que esto inseridos seus
alunos, procurando estar em sintonia com o que desperta seus interesses e atenes.
Conhecimento para atuao pedaggica envolve diferentes dimenses do
processo de ensino: currculo escolar, didtica e reas de conhecimento.
Consideramos que este tipo de conhecimento tem sido o que recebeu maior nfase
nos programas de formao. preciso, no entanto, direcion-lo para um trabalho
relacionado com os demais tipos de conhecimento e num enfoque que priorize a
articulao destes saberes com sua manifestao na prtica escolar.
Para contemplar na formao de professores conhecimentos sobre a
dimenso cultural, social e poltica da educao preciso incluir contedos
vinculados ao contexto em que se d a ao educativa. Para isso so necessrias
anlises da realidade social e poltica, e sua repercusso na educao, as expresses
culturais, os conhecimentos sobre o sistema educativo e as dimenses social e
poltica do papel do professor.
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Um profissional da educao precisa dispor de um repertrio cultural amplo
como elemento bsico para a realizao de um trabalho criativo e estimulador dos
progressos dos alunos nesta rea. A formao deste profissional deve ter como uma
de suas metas a ampliao do universo cultural do professor, e para isso a
organizao do ambiente educacional como um espao de acesso a este saber,
permitindo-se o intercmbio com outras instituies, fundamental.
O tipo de conhecimento denominado de experiencial contextualizado
aquele produzido pelo professor a partir da anlise e discusso das prticas
pedaggicas, sua ou de seus colegas. Valorizar este tipo de conhecimento, significa
considerar que tornar-se professor um processo que se desenvolve com o tempo
(Brasil, 1998a, p.83) atravs de estudos, experincias prticas, reflexes sobre estas
experincias, em um contexto que permita a investigao e as trocas entre os
parceiros.
Os Referenciais apresentam ainda uma srie de critrios que devem ser
observados na organizao de programas de educao continuada. Uma anlise
destes critrios permite-nos perceber que so coerentes com os pressupostos
explicitados neste texto com base nas idias de Fusari e Rios, Nvoa e Zeichner,
principalmente quanto :
Continuidade dos projetos;
Concepo de formao como prtica coletiva;
Definio de objetivos a partir do levantamento das necessidades dos
professores;
Articulao entre teoria e prtica com base em anlise e resoluo de
situaes-problema;
Utilizao de recursos que contribuam para a tematizao da prtica real:
dirios, vdeos, observaes produes dos alunos, etc.;
Incluso, nos projetos de formao, de oportunidades de acesso cultura e
ao saber que ampliem o universo cultural do professor.
1.1.4 - A formao continuada e o professor de educao infantil
Nas ltimas dcadas, as iniciativas de atendimento em educao infantil
apresentaram um significativo aumento, no s a nvel nacional mas internacional
tambm. Dentre as causas apontadas por Barreto (1998) para este crescimento,
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podemos citar: os movimentos de urbanizao e industrializao; o crescimento da
participao da mulher no mercado de trabalho; a modificao na organizao e
estrutura da famlia contempornea o que tem solicitado novos espaos institucionais
para o cuidado e a educao das crianas; o reconhecimento social da importncia
das experincias da infncia para o desenvolvimento das crianas e, principalmente,
as conquistas sociais dos movimentos pelos direitos das crianas.
No Brasil, a constituinte que culminou com a promulgao da Constituio de
1988, assegurou atravs do artigo 208 da Constituio (Inciso IV) o direito educao
infantil: O dever do Estado com a educao ser efetivado (...) mediante garantia de
atendimento em creches e pr-escolas s crianas de zero a seis anos. (Brasil, 1988, p.38).
Outro avano significativo foi obtido atravs da insero na Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 9394/96), do termo educao
infantil para designar o atendimento s crianas de zero a seis anos. Definida como
primeira etapa da educao bsica, deve ser oferecida em creches para crianas de
zero a trs anos e em pr-escolas para as crianas de quatro a seis anos, sem
diferenas no entanto, quanto ao carter que em ambos os casos deve ser educativo.
A Educao Infantil oferecida para, em complementao ao da famlia, proporcionar condies adequadas de desenvolvimento fsico, emocional, cognitivo e social da criana e promover a ampliao das suas experincias e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformao da natureza e pela convivncia em sociedade. (Brasil, 1994a, p.15).
Devido forma como se deu a expanso do atendimento a esta faixa etria
no Brasil, sem os investimentos tcnicos e financeiros necessrios, a qualidade
encontra-se ainda bastante comprometida, especialmente nas creches que atendem
crianas de baixa renda, por terem surgido a partir da idia de apenas servir como
abrigo s crianas enquanto os pais trabalham.
Alm de uma poltica de investimentos que assegure a efetivao, na
prtica, dos direitos garantidos em lei de acesso educao infantil para todos os que
dela necessitarem, um dos maiores desafios para um atendimento de qualidade o da
formao e valorizao dos profissionais que atuam na rea. Autores como Barreto
(1998) e Campos (1997) afirmam, com base em reviso de pesquisas, que um dos
fatores mais relevantes para o xito dos programas de educao infantil no
desenvolvimento posterior das crianas a formao especfica dos profissionais que
nela atuam.
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De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, o professor de educao infantil
deve ter formao em nvel superior, admitindo-se como formao mnima a
modalidade normal. Ocorre que esta meta ainda est longe de ser atingida pois
conforme dados do MEC de 1996 (apresentados por Barreto, 1998), 61,4% dos
professores que atuam na pr-escola possuem a habilitao Magistrio de segundo
grau e apenas 18,2 tm curso superior, no havendo dados que permitam analisar
quantos destes possuem habilitao especfica para atuar na pr-escola. Mas a mesma
autora afirma que o nmero reduzido de oferta desta habilitao no pas, permite
concluir que a quantidade de professores habilitados tambm pequena. preciso
considerar ainda a presena de professores que no concluram o ensino fundamental
atuando tanto na educao infantil quanto nas sries iniciais.3
Outro agravante neste quadro a no-incluso das questes relativas
educao infantil na formao dos professores tanto a nvel mdio, quanto superior.
...os cursos de magistrio existentes atualmente no contemplam no seu currculo a faixa de 0 a 4 anos; quando tratam das crianas pequenas, geralmente enfocam a faixa de 4 a 6 anos, que vem sendo atendida pela pr-escola e, prioritariamente, detm-se no seu desenvolvimento cognitivo. Tambm no nvel do 3 grau quase no h possibilidades de se realizar a formao necessria para o trabalho com essa faixa etria.(Cruz, 1996, p.82).
Neste contexto, alm dos investimentos necessrios e urgentes em cursos de
formao inicial, os projetos de formao continuada podem desenvolver um
trabalho importante junto aos profissionais que, do ponto de vista legal possuem
habilitao (cursos de 2 ou 3 grau), porm em termos de conhecimentos especficos
sobre a educao infantil, carecem de uma formao slida. A superao dos mitos4
correntes nesta rea de que basta ser mulher para possuir as habilidades necessrias
para cuidar de crianas, s ser obtida atravs da profissionalizao desta funo
docente, com a adequada formao de seu quadro de educadores.
Segundo recomendaes do I Simpsio Nacional de Educao Infantil
(Brasil, 1994b) a formao deste profissional deve pautar-se pela preocupao de que
o atendimento nesta faixa etria deve estar alicerado no binmio educao e
cuidado, implicando uma reviso no atendimento que at hoje tem sido feito: nas
3 Dados do MEC de 1996 afirmam que 1.071.603 funes docentes de pr-escolar at a 4 srie so
ocupadas por professores que no concluram o ensino fundamental (Brasil,1998a). 4 Em recente trabalhado denominado Jardineira, tia e professorinha: a realidade dos mitos, Arce
(1997) afirma que a no valorizao salarial, a inferioridade perante os demais docentes, a
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19
creches a nfase ao cuidado, na pr-escola, uma excessiva preocupao com a
escolarizao imitando a escola fundamental.
Outra recomendao presente nos documentos produzidos durante o
Simpsio de que a formao precisa ser entendida como um direito do profissional
e deve respeitar a necessidade de que se trabalhe conjuntamente com a formao e a
profissionalizao atravs de propostas prprias para atender as diferentes situaes
existentes em cada rede e em cada regio. Entendendo-se como parte da
profissionalizao o acesso a cursos de habilitao, mesmo em servio, para os
profissionais que a eles no tiveram acesso, tanto em nvel de 1 ou 2 grau.
Kramer (1994) alerta para a inferiorizao existente em relao aos
profissionais de creche e pr-escola e afirma que uma formao de nvel menor,
implica em remunerao inferior sendo necessrio articular formao continuada e
habilitao. Neste sentido afirma a necessidade de:
Uma diretriz poltica que tenha seu eixo calcado na formao permanente para os profissionais que j esto em servio, aliada a uma poltica que articule, a mdio prazo, a formao com a carreira, e que seja desenvolvida atravs de atividades que tenham uma periodicidade e que esto organizadas num projeto mais amplo de qualificao, com avano progressivo na escolaridade para aqueles que dela necessitam. (p.23)
Neste sentido, Cruz (1996) prope que haja programas de formao
(inclusive em nvel de cursos supletivos para os professores que no possuem 1
Grau) tomando-se o cuidado para no cair na superficialidade da formao, atravs
de projetos bem elaborados com a preocupao de garantir aos professores tanto as
informaes, quanto as habilidades necessrias ao exerccio da profisso.
A autora aponta para a importncia de trabalhar com dois grandes conjuntos
de informaes que estariam intimamente relacionados: as informaes sobre as
crianas e suas famlias (desenvolvimento infantil e condies scio-econmicas,
valores da famlia, etc.); informaes relacionadas creche/pr-escola e ao trabalho
que deve desenvolver junto s crianas (histrico, e situao das crianas com viso
crtica de programas, contedos relacionados s diferentes reas do conhecimento,
informaes sobre necessidades fsicas das crianas, legislao, tica, etc.).
Penso que as informaes tm por objetivo permitir repensar, sistematizar, situar em contextos mais abrangentes, ampliar e enriquecer os conhecimentos que a
vinculao do seu trabalho com o domstico, o privado e a deficincia na formao aparecem como resultado desta imagem. (p.119).
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profissional j acumulou, dando-lhe elementos para terem compromisso maior com o seu trabalho e atuar de forma mais adequada, consistente e proveitosa. (Cruz, 1996, p.84).
Quanto s habilidades e competncias que precisam ser desenvolvidas Cruz
(1996) destaca a observao (das crianas e de si mesma) como a principal, uma vez
que permite ao professor modificar um pouco o foco do trabalho, que normalmente
centrado nele mesmo, para tentar compreender o ponto de vista da criana. Para isso
preciso que ele, a partir da observao, se disponha a questionar o pensamento das
crianas procurando entend-lo, question-lo e instig-lo.(p.84).
Mas como desenvolver estas capacidades nos professores? De que forma as
situaes que o professor enfrenta em seu dia-a-dia podem significar momentos de
aprendizagem?
Consideramos que a teoria Piagetiana pode contribuir para uma leitura do
processo de aprendizagem do professor e conseqentemente fornecer indicaes para
o trabalho dos formadores.
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1.2. UMA LEITURA PIAGETIANA DA CONSTRUO DO CONHECIMENTO DO PROFESSOR SOBRE O ENSINO
1.2.1 - Dilemas: situaes-problema na prtica pedaggica
Autores como Nvoa (1992, 1995), Schn (1992), Zeichner(1993), Prez
Gmes (1998) apontam para a importncia de considerar-se as aprendizagens
oriundas das prticas pedaggicas dos professores, como um tipo de conhecimento
prtico que define suas aes no cotidiano escolar. Zabalza (1994) esclarece em que
consiste este conhecimento:
Quando se fala de conhecimento prtico para referir o tipo particular de informao e aprendizagens que a prtica proporciona e que se vo consolidando como um autntico corpo de conhecimentos a partir do qual os professores descrevem e justificam a sua aco. (p. 51)
Ainda segundo o autor, comum contrapor-se este tipo de conhecimento do
professor s teorias adquiridas em cursos de formao, livros etc., quando na verdade
preciso considerar que ele resultado das diversas situaes vividas desde sua
experincia enquanto aluno, as teorias estudadas e seu trabalho profissional. Estes
saberes construdos a partir das diferentes situaes de formao ou da experincia
profissional consolidam-se em princpios que so acionados no momento da ao.
Os princpios constituem os suportes lgicos que os professores constroem para
explicar e justificar a sua actuao na aula. Como todo conhecimento prtico precede
a aco e serve-lhe de guia, mas por sua vez surge da prpria aco e recria-se nela.
(Zabalza, 1994, p. 56).
Estas situaes de confronto dos princpios construdos pelo professor com
as situaes reais constituem o que Zabalza (op. cit.) denomina dilemas conjunto de
situaes bipolares ou multipolares que se apresentam ao professor no
desenvolvimento da sua atividade profissional (p.61), o que implica entender-se a
atuao do professor como um dilogo constante entre o que ele sabe, o que sabe
fazer, o que parece adequado ser feito, o que est disposto a fazer e o que a situao
concreta permite que seja feito.
Nem sempre os processos de conhecimento e de resoluo do dilema so
conscientes para o professor ou ento no o so em todos os casos com a mesma
intensidade, tornando necessrio um trabalho de formao voltado para a anlise e
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discusso das prticas que permita a identificao dos dilemas, as diferentes
possibilidades de resoluo dentro das alternativas mais adequadas que se colocam
em cada situao.
Segundo Zabalza (1994)) h dois aspectos no conceito de dilema que so
particularmente importantes:
a) Os dilemas so construtos descritivos (isto identificam situaes dialcticas e/ou conflituais que se produzem nas situaes didcticas) e esto prximos da realidade: referem-se no a grandes esquemas conceituais mas antes a actuaes concretas relativas a situaes problemticas no decorrer da aula.
b) Rompem um pouco com a idia de linearidade da conexo pensamento-aco. Nos dilemas, o pensamento-desejo pode estar claro sem que o pensamento-aco o esteja.(...). A nvel de aco, as contradies no so algo de excessivamente estranho ou incongruente: fazem parte do desenvolvimento da aco, da dialctica entre o desejvel e o possvel, e exprimem a participao na aco de componentes no-lgicas (situacionais, pessoais, simblicas, etc.). (p.62).
Podemos aproximar a idia de dilema, conforme explicitada acima, com a
caracterizao de situao problema feita por Macedo (1999a) com base na obra A
equilibrao das estruturas cognitivas (Piaget, 1977a). Para ele, uma situao
problema pode ser caracterizada como uma alterao ou modificao de uma dada
situao que desencadeia uma perturbao, conflito ou problema podendo levar a
construo de regulaes e compensaes (p.2).
O esclarecimento das afirmaes acima depende da compreenso do sistema
cognitivo piagetiano como um sistema ao mesmo tempo aberto e fechado. Aberto nas
trocas (interaes) com o meio e fechado enquanto ciclos que compem o sistema e
que buscam um constante equilbrio. Desta forma, quando ocorre uma alterao ou
modificao, o sujeito pode agir de diferentes formas: usar uma resposta pronta
negando a alterao; aceitar a alterao como conflito ou problema e
conseqentemente investir no trabalho de construo de respostas que pedem
regulaes ou compensaes.
Isso ocorre porque, segundo Piaget (1977a), no sistema cognitivo h um
estgio de equilbrio virtual, hipottico que quando alterado por intervenes de
diversas ordens busca, a todo custo, o retorno ao equilbrio. Em decorrncia disto,
Macedo (1999b) afirma que uma situao-problema mais do que uma estratgia
de pesquisa, um modo de conceber os processos de desenvolvimento e
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23
conhecimento (...). um modo de aprendizagem que evoca no a repetio do
padro, mas de um novo jeito de ver o mundo. (p.9)
A partir destas consideraes, a pergunta que nos colocamos : como a
teoria da equilibrao das estruturas cognitivas explica o trabalho de equilibrao do
sujeito nas diferentes formas de interao com o meio?
Buscaremos em Piaget subsdios para compreender o processo cognitivo
vivido pelo professor para construir respostas s perturbaes surgidas durante as
interaes professor-aluno, professor-professor, professor-teoria, etc., ocasionadas
pela sua atuao pedaggica.
1.2.2 - A teoria da equilibrao das estruturas cognitivas
A teoria de Piaget parte da idia central que os conhecimentos no so
originados apenas atravs das experincias do sujeito com os objetos, nem somente
de sua herana gentica, mas so fruto de construes contnuas e elaborao de
novas estruturas que ocorrem atravs de um processo central de equilibrao,
entendido como processo que leva de certos estados de equilbrio aproximado para
outros, qualitativamente diferentes, passando por muitos desequilbrios e
reequilibraes. (Piaget, 1977a, p.13).
O equilbrio cognitivo depende dos processos de assimilao e acomodao,
por meio dos quais o sujeito interage com o mundo. Atravs da assimilao ocorre a
incorporao de um elemento exterior aos esquemas conceituais do sujeito. A
acomodao consiste no segundo processo e ocorre a partir da necessidade sentida
via assimilao, de considerar as caractersticas prprias do elemento a assimilar,
levando o sujeito a alterar seus esquemas em funo desta acomodao.
As interaes estabelecidas nos processos de assimilao e acomodao so
necessrias ao ser humano devido sua incompletude de sistema aberto. Quanto
mais aberto um sistema, mais incompleto ele e mais interativo ele tem que ser. H
uma parte de mim que s o outro dispe e por isso eu estou fadado a esse outro como
complementao. (Macedo, 1999d , p.12)
Piaget (1977a) considera que existem trs formas de equilibrao derivadas
dos tipos de interao que o sujeito estabelece com o mundo: interao fundamental
inicial entre o sujeito e os objetos (...). Interaes entre os subsistemas (...) e relaes
que unem subsistemas a uma totalidade que os engloba. (p.20).
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Conforme Macedo (1994), a primeira forma de equilibrao decorrente da
interao entre o sujeito e os objetos implica numa assimilao dos objetos aos
esquemas de ao do sujeito e a acomodao destes aos objetos. (p. 147). o que
ele denomina relao de um todo com outro todo e os desafios que se colocam ao
sistema so os de fechamento e abertura em uma relao em que ocorre,
simultaneamente, transformao e conservao. O sujeito transforma-se para
incorporar o novo em sua estrutura que, ao mesmo tempo, conserva-se enquanto
totalidade saindo realimentada da relao. Ou seja, cada nova aprendizagem ou
desafio desencadeia um trabalho construtivo de reorganizao.
Nas interaes entre os subsistemas denominadas por Macedo (id. ibid.) de
relao entre as partes de um mesmo todo, o desafio a assimilao recproca que
permite a conservao mtua dos sistemas implicando em trocas no plano horizontal.
A terceira forma de interao, entre os subsistemas e a totalidade que os
engloba (relao das partes com o todo) ocorre uma relao vertical que implica
integrao (assimilao) e diferenciao (acomodao). Interagir uma coisa
revolucionria, radical e por isso, construtiva. (...) o destino das trocas a
transformao. (Macedo, 1999d, p.10).
Para Macedo (id. ibid.) as trocas que se estabelecem entre os sujeitos s
interessam quando possuem um valor construtivo para o sistema enquanto totalidade.
Se, em um contexto de trocas apenas uma das partes se beneficia, cedo ou tarde o
equilbrio se rompe e isto pode significar a morte do sistema.
No trabalho do professor vrias so as oportunidades em que ele vivencia
situaes de troca: com a teoria, com os colegas, com os alunos, etc.. Tomemos
como exemplo a relao professor-aluno. Se ambos falam ao mesmo tempo, ou se no
momento em que o professor est falando o aluno est pensando em outras coisas, a
troca do aluno est sendo estabelecida com outros contedos e no com o professor.
Se, na relao professor-aluno, apenas uma das partes se beneficia, no esto
ocorrendo trocas construtivas e cedo ou tarde, esta relao tende a fracassar.
Na relao do professor com sua turma de alunos, as trocas que so
estabelecidas implicam que o docente saiba trabalhar num contexto de integrao e
diferenciao. Integrao quando pensa na turma como um todo sendo composta por
vrios alunos e que, em algumas situaes, precisam ser considerados enquanto
turma, com idades semelhantes, num mesmo ciclo de escolaridade. Por outro lado, h
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momentos em que preciso fazer diferenciao entre os alunos de uma mesma turma
quanto compreenso de determinados contedos ou nvel de desenvolvimento.
Na escola, o professor pode estabelecer trocas, ainda, com os colegas de
trabalho num nvel de horizontalidade em que a interao entre as partes de um
mesmo todo (grupo de professores da escola) pode levar construo de
conhecimentos a partir do enfrentamento de problemas comuns e concretos no
cotidiano escolar.
No jogo das trocas descrito acima, os sujeitos deparam-se com situaes-
problema que podem causar desequilbrios momentneos, sem os quais no haveria
desenvolvimento dos sistemas cognitivos uma vez que s os desequilbrios obrigam
um sujeito a ultrapassar o seu estado actual e procurar seja o que for em direes
novas. (Piaget, 1977a ,p.23).
Qualquer transformao ou alterao no complexo sistema de interaes
pode causar desequilbrios de diversas ordens. Mas o que interessa ao sistema
como ele reage s alteraes ou perturbaes enfrentadas.
...os desequilbrios desempenham apenas um papel de arranque, porque a sua fecundidade se mede pela possibilidade de os ultrapassar (...) a fonte real do progresso tem de ser procurada na reequilibrao, no no sentido (...) de um regresso forma de equilbrio anterior (...) mas sim no sentido de um aperfeioamento desta forma precedente. (Piaget, 1977a , p. 24-25).
o que Piaget denomina equilibrao majorante. Termo utilizado para
expressar uma troca ou transformao qualitativamente melhor.
Nem sempre, no entanto, as perturbaes levam a equilibraes majorantes,
pois de acordo com Piaget (op. cit.) existem duas grandes classes de modificaes
que provocam perturbaes. A primeira compreende as perturbaes que se opem
s acomodaes (p.32). So as aes que pedem correo por terem sido
insuficientes para alcanar o objetivo proposto e por isso causam perturbao,
desencadeando regulaes por feedback negativo.
Uma segunda classe de perturbaes caracterizada por lacunas que
deixam as necessidades insatisfeitas. (Piaget, 1977a, p.32). So situaes que pedem
o aprofundamento de um esquema de assimilao j ativado que no foi suficiente
para a resoluo do problema. O tipo de regulao desencadeado corresponde a um
feedback positivo.
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As regulaes podem ser tambm ativas ou automticas. Na regulao ativa
intervm uma necessidade de fazer escolhas mudando os meios selecionados para
determinada ao. Este tipo de regulao provoca uma tomada de conscincia. A
regulao automtica ou passiva, origina-se de uma regulao ativa que se tornou
automtica, no levando por si s tomada de conscincia. um tipo de regulao
em que no h a necessidade de pensar ou tomar decises pois caracteriza-se pela
repetio de um padro.
Na teoria de Piaget, o sistema cognitivo regulado por um regulador interno
que o prprio todo. a conservao da totalidade como totalidade que conserva a
sua estrutura durante a assimilao em vez de ser modificada pelos elementos
assimilados.(Piaget, 1977a, p.37).
preciso considerar, no entanto, que nem todas as situaes de alterao
implicam em um trabalho de regulao, conforme alerta-nos Macedo (1994), uma
vez que so necessrias algumas condies inerentes ao prprio sistema para que as
influncias externas tenham alguma repercusso a nvel interno, nos sujeitos.
...h modificaes no ambiente ou no prprio organismo que no perturbam o sujeito. No perturbam porque ele no possui um sistema cognitivo suficientemente desenvolvido ou porque, simplesmente, essas modificaes no constituem perturbaes para ele. (Macedo, 1994, p. 149).
Para o desenvolvimento interessam as alteraes ou perturbaes que
desencadeiam um trabalho construtivo de superao o que significa que o sujeito
aceitou a perturbao e assumiu-a como pergunta para a qual buscar uma resposta.
No processo de formao interessa investigar como possvel colocar
questionamentos aos professores de maneira que sejam aceitos como perguntas
perturbadoras capazes de desencadear um trabalho de construo de respostas. A
interpretao dos acontecimentos escolares como situaes problemticas possveis de
ser enfrentadas coletivamente pelos educadores por meio da construo de projetos que
visem suprir a falta , a incompletude que caracteriza os seres humanos, o desafio que
se coloca aos formadores pois s assim haver construo de novos conhecimentos.
Se eu aceito algo como pergunta, a resposta o que completa esse todo que agora
pede outra parte. (...) o conhecimento a resposta. (Macedo, 1999d, p. 23).
Portanto, trabalhar com dilemas, com identificao e soluo de problemas
na formao docente mais do que uma estratgia formativa. uma necessidade
imposta pelas condies singulares em que se d a prtica educativa: condies
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determinadas pelo grupo-classe, pelo contexto em que realizada e pelos recursos
materiais e humanos envolvidos.
Segundo Macedo (1994), podemos afirmar que se existem modificaes que
perturbam o sujeito, implicando em regulaes, da mesma forma, algumas
regulaes implicam compensaes. Uma compensao uma ao de sentido
contrrio a determinado efeito que tende a anul-lo ou neutraliz-lo. (p. 150).
Graas s compensaes, os sujeitos podem lidar com as transformaes ocasionadas
pelas perturbaes reagindo ou antecipando-se a elas, consistindo estes processos de
regulao e compensao em construes novas.
A constncia com que este ciclo repete-se a partir do levantamento de novos
problemas medida que os anteriores so resolvidos, levou Piaget (1977a ) a afirmar
que a equilibrao cognitiva nunca tem um ponto de paragem, a no ser
provisoriamente. (p. 45). Porm como j o fizemos anteriormente, trata-se de
destacar que esta equilibrao tem uma direo positiva, consistindo na construo
de estruturas orientadas para um equilbrio melhor e que denominado equilibrao
majorante.
Esta majorao traduz-se de duas maneiras, conforme as melhorias resultam apenas do xito das regulaes compensadoras, e, portanto, do equilbrio momentneo atingido, ou as novidades ressaltam (por abstraes reflectivas) do prprio mecanismo destas regulaes. (Piaget, 1977a, p. 47)
A continuidade do processo modificao-perturbao-regulao-
compensao-equilibrao, garante uma melhoria sucessiva das estruturas do sujeito
que a cada reequilibrao incorporaria as construes precedentes garantindo que
cada novo equilbrio seja sempre majorante. Este novo equilbrio d-se por abstrao
reflexiva que consiste em tomar ao nvel precedente elementos que podem permitir
uma reconstruo ou reorganizao cognitiva num nvel superior.
As regulaes evoluem em dois sentidos: um que se alimenta das
construes anteriores e outro que antecipa as necessidades do momento seguinte,
dando origem a novas equilibraes atravs da abstrao reflexiva. ...o sistema
superior constitui ento um regulador que exerce a sua orientao sobre as
regulaes do patamar inferior. (Piaget, 1977a , p. 52).
Considerando-se os aspectos da teoria piagetiana explicitados at aqui,
convm refletirmos se os processos de formao de professores tm atuado em
direo ao favorecimento das construes de novas estruturas pelos sujeitos
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envolvidos. Ser que, sem envolver os formandos num processo de tomada de
conscincia das suas limitaes ou dificuldades possvel abrir novas possibilidades
de aprendizagem? E enquanto os processos formativos no estimularem as interaes
entre o professor-teoria, professor-professor, professor-formador, haver a
possibilidade de construo de novos conhecimentos no lugar da atual transmisso?
1.2.3 - Os observveis e as coordenaes
De acordo com Macedo (1999e), os observveis e as coordenaes seriam
como duas grandes tecnologias que utilizamos para nos relacionarmos com o mundo.
So como dois grandes instrumentos cognitivos de acesso ao conhecimento.
Piaget (1977a) define observveis e coordenaes da seguinte forma: Um
observvel o que a experincia permite notar por uma leitura imediata dos prprios
factos dados, ao passo que uma coordenao compreende inferncias necessrias e
ultrapassa assim a fronteira dos observveis. (p. 62).
O observvel o que pode ser observado por uma leitura imediata dos fatos
em si mesmo. o que eu penso ler no mundo, enquanto que a coordenao implica
uma relao, uma inferncia, uma interpretao daquilo que visto. A coordenao
relacional. (...) h uma articulao de duas coisas ou mais (...) vendo algo entre
elas, mas no nelas. (Macedo, 1999e, p.4).
Os observveis do sujeito dependem das coordenaes do sujeito que lhe
permitem notar aquilo que observa. As coordenaes do objeto dependem das
coordenaes do sujeito que quem atribui ao objeto suas propriedades, que no se
expressam por si mesmas.
Utilizemos o professor e sua prtica pedaggica como exemplo. Um
professor enquanto sujeito teria sua prtica pedaggica como objeto. Esta prtica tem
caractersticas prprias, uma estrutura e uma dinmica funcional que a definem e que
demonstram sua regularidade. As coordenaes do objeto so, ento, a estrutura que
define a prtica pedaggica como ela . Um professor convidado a explicar sua
prtica, pode no express-la da mesma forma que outro observador o faria,
principalmente se este observador for, por exemplo um formador de professores.
Por isso a afirmao de Piaget (op. cit.) de que os observveis do objeto
dependem dos observveis do sujeito e de suas coordenaes. Observveis, temos
de defini-los (...) por meio daquilo que o sujeito cr notar e no apenas daquilo que
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pode ser notado. Isto significa que uma observao nunca independente dos
instrumentos de registro (...) de que o sujeito dispe. (p.63).
Observveis so condicionados por coordenaes de grau precedente, que se
sucedem incorporando as anteriores e subdividem-se em observveis notados pelo
sujeito sobre suas prprias aes e observveis registrados sobre o objeto. (Macedo,
1999c).
Quanto s coordenaes, implicam em inferncias necessrias e consistem
em construo de relaes novas que vo alm do observvel. H coordenaes que
por centrarem-se em aspectos muito delimitados levam a observaes incorretas,
bem como coordenaes lacunares ou muito globais que resultam em observaes
falsas.
As coordenaes podem ser subdivididas em coordenaes entre aes,
coordenaes entre objetos e coordenaes que incidem em propriedades
momentneas dos objetos.
Macedo (1999e) esclarece que os observveis e as coordenaes expressam
o real sob perspectivas diferentes: a perspectiva do objeto e a perspectiva do sujeito.
A perspectiva do objeto est relacionada com a objetividade do conceito, a lgica
da cincia que importante porm insuficiente e incompleta.
Na perspectiva do sujeito, a lgica est calcada na interpretao, na certeza
subjetiva que tambm lacunar e insuficiente. preciso haver um equilbrio entre as
duas lgicas, construindo-se conhecimento a partir da interdependncia entre ambas.
O exemplo citado por Macedo (id. ibid.), adequa-se ao campo de
investigao deste trabalho e consiste em analisar dentro da primeira perspectiva a
didtica como uma cincia que do ponto de vista conceitual possui um campo de
conhecimentos bem delimitado sobre o objeto que o ensino (princpios
metodolgicos sobre planejamento e prtica de ensino). Na segunda perspectiva,
preciso considerar o ponto de vista do professor enquanto sujeito: o que ele pensa
sobre sua prtica, que estratgias utiliza ao ensinar, como se relaciona com as
cincias da educao.
Um trabalho de formao precisa articular estas duas perspectivas atuando
ao mesmo tempo no sentido de tornar o objeto (neste exemplo, a didtica) menos
formal e levar o sujeito (professor) a refletir tanto sobre os estudos tericos quanto
sobre suas aes. Neste contexto a reflexo assume um duplo sentido: retirar algo de
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um plano terico (livros, aulas, etc.) ou prtico (aes) e projet-lo no plano da
representao, reorganizando este conhecimento em outro nvel.
Segundo Piaget (1978, p. 172),
A ao constitui um conhecimento (um savoir faire) autnomo, cuja conceituao somente se efetua por tomadas de conscincia posteriores e que estas procedem de acordo com uma lei de sucesso que conduz da periferia para o centro, isto , partindo das zonas de adaptao ao objeto para atingir as coordenaes internas das aes.
Em outra obra, (Piaget, 1977b), o autor esclarece que, quando uma ao
fracassa, necessrio buscar as causas do fracasso e por meio deste processo chega-
se tomada de conscincia: a partir do que observado em relao aos resultados
possvel buscar os pontos em que houve falha na aplicao dos esquemas do sujeito
que frustraram a finalidade ou objetivo da ao. Para superar a falha preciso
concentrar a ateno nos meios empregados e nas possveis correes ou
substituies que se fazem necessrias. O mecanismo de tomada de conscincia
aparece (...) como um processo de conceituao que reconstri e depois ultrapassa no
plano da semiotizao e da representao o que era adquirido no plano dos esquemas
de ao.(Piaget, 1977b, p. 204).
Considerando estes aspectos apontados pela teoria possvel inferir que a
valorizao do saber fazer dos professores um aspecto que precisa ser considerado
durante a formao, sem no entanto, ignorar a necessidade de estimul-los a irem
alm do conhecido, onde a tomada de conscincia sobre o que faz ou sobre o que
pensa sobre aquilo que faz apenas o primeiro ponto desta caminhada longa e
complexa. Ter um melhor conhecimento, tanto dos contedos escolares, quanto das
caractersticas de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, ampliar os
observveis e as coordenaes do professor, permitindo que ele observe e relacione
aspectos do seu trabalho que anteriormente no conseguia faz-lo. (Macedo, 1994).
A articulao entre a teoria e a prtica na formao contribuir para que o
professor atue de forma mais consciente levando-o a perceber os valores culturais de
seu trabalho olhando criticamente para as atividades e procedimentos que utiliza em
sua sala de aula. Adquirindo maior autonomia sobre os aspectos que sustentam e
determinam sua prtica, o professor deixar de ser um transmissor de conhecimentos,
assumindo um papel de pesquisador capaz de recriar o velho e produzir novos
saberes. Ser um profissional que alm de fazer, compreende aquilo que faz.
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...fazer compreender em ao uma dada situao em grau suficiente para atingir os fins propostos, e compreender conseguir dominar, em pensamento, as mesmas situaes at poder resolver os problemas por elas levantados, em relao ao porqu e ao como das ligaes constatadas e, por outro lado, utilizadas na ao. (Piaget, 1978, p.176).
deste profissional que a educao atual est necessitando. Algum que
no seja capaz apenas de executar aes automatizadas ou pensadas por outros e sim
um sujeito que se preocupe com o como e o porqu, tendo em vista o carter nico
da prtica pedaggica, uma vez que esta resulta de uma interao professor-aluno,
cuja qualidade e riqueza no podem ser programadas na vspera, nem facilitadas por
um manual.(Macedo, 1994, p.53).
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1.3. - AS PRTICAS DE FORMAO DE PROFESSORES
Nesta parte do trabalho mostraremos as contribuies mais recentes sobre as
estratgias que se utilizam da discusso das prticas pedaggicas na formao de
professores, detendo-nos na fundamentao do trabalho com os