Analisando a prática pedagógica - Marli Zibetti

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  • MARLI LCIA TONATTO ZIBETTI

    ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA

    Uma experincia de formao de professores na educao infantil

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia.

    So Paulo 1999

  • MARLI LCIA TONATTO ZIBETTI

    ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA

    Uma experincia de formao de professores na educao infantil

    Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia

    rea de concentrao: Psicologia

    Escolar e do Desenvolvimento humano

    Orientador: Prof. Dr. Lino de Macedo

    So Paulo 1999

  • ANALISANDO A PRTICA PEDAGGICA Uma experincia de formao de professores na educao infantil

    Marli Lcia Tonatto Zibetti

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________

    (Nome e Assinatura)

    ______________________________________

    (Nome e Assinatura)

    ______________________________________

    (Nome e Assinatura)

    Dissertao defendida e aprovada em: _____/_____/____

  • Dedicatria

    minha querida Ana Gabriela que com sua alegre curiosidade e sede de aprender me faz lutar para que todas as crianas tenham respeitado seu direito ao saber. Ao meu esposo, que assumiu tambm o papel de me em minhas ausncias. Aos meus pais, exemplo de fora e determinao que marcaram meu jeito de ser.

  • AGRADECIMENTOS

    s professoras que participaram deste trabalho, sem as quais nada disso

    teria sido possvel.

    Ao professor Lino de Macedo, pela orientao segura, pacincia com meu

    no-saber, exemplo de coerncia entre a teoria defendida e a prtica vivenciada.

    Aos colegas de Mestrado, amigos que contriburam para que esta caminhada

    fosse tambm uma lio de vida.

    Aos Colegas orientandos do Professor Lino de Macedo, pela leitura do

    texto, pelo apoio e sugestes.

    amiga Elizabeth Martines e a toda a sua famlia por serem as pessoas to

    especiais que so.

    s amigas de uma vida: Ana Lcia Espndola, Snia Maria Ribeiro de

    Souza, Mnica Schart Fo Ribeiro, Norma Dilma dos Reis Almeida e Patrcia de

    Oliveira Guimares por estarem sempre presentes, mesmo longe...

    mestra que fez diferena em minha vida: La de Lourdes Calvo da Silva.

    Aos colegas da Universidade Federal de Rondnia pelo incentivo e apoio,

    especialmente para Arlene Mariani Fujihara e Ins Fontanella Fachinello.

    Aos meus alunos com quem aprendi e continuo aprendendo todos os dias.

    s professoras Telma Weisz e Marilene Proena Rebello de Souza pelas

    contribuies durante a qualificao e por serem as profissionais que so.

    Aos professores Gilmar e Ensia pela leitura atenta das verses deste

    trabalho.

    Aos funcionrios da Diretoria do Instituto de Psicologia/USP: Ins, Islaine,

    Maurcio e Gerson, pelo socorro em todas as dificuldades.

  • SUMRIO

    LISTA DE TABELAS .............................................................................................i

    RESUMO ................................................................................................................ii

    ABSTRACT .......................................................................................................... iii

    1 INTRODUO ................................................................................................1

    1.1 - FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES....................................4

    1.1.1- Aspectos conceituais ...............................................................................5

    1.1.2 - Aspectos histricos.................................................................................7

    1.1.3 - Pressupostos ........................................................................................12

    1.1.4 - A formao continuada e o professor de educao infantil...................16

    1.2. UMA LEITURA PIAGETIANA DA CONSTRUO DO

    CONHECIMENTO DO PROFESSOR SOBRE O ENSINO ...............................21

    1.2.1 - Dilemas: situaes-problema na prtica pedaggica ...........................21

    1.2.2 - A teoria da equilibrao das estruturas cognitivas...............................23

    1.2.3 - Os observveis e as coordenaes........................................................28

    1.3. - AS PRTICAS DE FORMAO DE PROFESSORES............................32

    1.3.1 - A anlise das prticas pedaggicas em contextos de formao de

    professores......................................................................................................32

    1.3.2 - O dirio de aula como instrumento de formao..................................38

    1.4 OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA..............................................................44

    1.4.1 Objetivo geral .....................................................................................44

    1.4.2 Objetivos Especficos ..........................................................................44

    1.4.3 Justificativa.........................................................................................44

    2 - METODOLOGIA ...........................................................................................46

    2.1 SUJEITOS .................................................................................................47

    2.2 INSTRUMENTOS.....................................................................................48

    2.3 LOCAIS DE REALIZAO DA PESQUISA ...........................................49

  • 2.4 PROCEDIMENTOS ..................................................................................49

    2.4.1 Primeira fase.......................................................................................49

    2.4.2 Segunda fase .......................................................................................50

    2.4.3 Terceira fase .......................................................................................52

    3 RESULTADOS ...............................................................................................53

    3.1. ENTREVISTAS INICIAIS: .......................................................................55

    3.2 OS DIRIOS DAS PROFESSORAS.........................................................63

    3.2.1-Metodologia de anlise ..........................................................................64

    3.2.2- Caracterizao geral dos dirios ..........................................................65

    3.2.3- A anlise do projeto de formao por meio dos dirios.........................75

    3.3- AS REUNIES PARA TEMATIZAO DAS PRTICAS ..................... 103

    3.4 - OS SEMINRIOS.................................................................................... 111

    3.5 - AS ENTREVISTAS FINAIS.................................................................... 115

    4- DISCUSSO................................................................................................... 125

    4.1- O CONTEXTO DA FORMAO: OS SUJEITOS E SUA REALIDADE 126

    4.2- AS ESTRATGIAS FORMATIVAS ........................................................ 132

    4.3- UNIVERSIDADE, FORMAO DE PROFESSORES E DE

    FORMADORES. .............................................................................................. 137

    5- CONSIDERAES FINAIS ......................................................................... 143

    ANEXOS............................................................................................................. 147

    ANEXO I - ROTEIRO PARA ENTREVISTA INICIAL ..................................148

    ANEXO II - ROTEIRO PARA ENTREVISTA FINAL .................................... 149

    ANEXO III - DIRIOS DE AULA ..................................................................150

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................... 153

  • LISTA DE TABELAS.

    Tabela 1: Caracterizao dos sujeitos......................................................................47 Tabela 2: Dirios das professoras............................................................................66 Tabela 3: Principais atividades propostas pela Prof. Ana..........................................78 Tabela 4: Principais atividades propostas pela Prof. Beatriz...................................89 Tabela 5: Principais atividades propostas pela Prof. Giulia. ...................................98 Tabela 6: Participao em reunies para tematizao das prticas ......................... 103 Tabela 7: Exemplos de situaes-problema analisadas durante as reunies para

    tematizao das prticas. ............................................................................... 106 Tabela 8: Exemplos de ampliao de proposta de trabalho. ................................... 110

  • ZIBETTI, Marli Lcia Tonatto. Analisando a prtica pedaggica. Uma experincia de formao de professores na educao infantil. So Paulo, 1999. 160 p. Dissertao (Mestrado). IP USP.

    RESUMO

    No trabalho analisa-se um projeto de formao continuada de professores na

    educao infantil do ponto de vista das estratgias utilizadas, verificando sua

    contribuio ao processo de reflexo das professoras sobre sua prtica pedaggica.

    Partindo de um referencial terico piagetiano, procura-se identificar nas

    prticas das professoras, situaes-problema que geram desequilbrios obrigando a

    construo de novas respostas e, conseqentemente, novas aprendizagens.

    Participaram do projeto oito professoras de pr-escolar com idades entre 22 e

    29 anos e com experincias profissionais de dois a sete anos de trabalho em educao

    no municpio de Rolim de Moura, RO. As referidas professoras foram entrevistadas

    no incio e ao final do projeto, alm de registrarem seu trabalho em dirios de aula

    que serviram de base para a tematizao das prticas pedaggicas em reunies com a

    formadora. Tambm foram realizados seminrios tericos nos quais o grupo discutia

    textos previamente lidos, relacionando-os aos problemas prticos identificados.

    A anlise dos dados evidencia os problemas enfrentados pelas professoras em

    sua formao inicial, ingresso na profisso e nas prticas pedaggicas desenvolvidas,

    identificando suas dificuldades e necessidades no exerccio das funes docentes.

    Permite constatar ainda, a importncia da escrita reflexiva para o incremento da

    capacidade de observao das professoras favorecendo a identificao de situaes-

    problema na prtica pedaggica. Por outro lado, demonstra que a reflexo sobre a

    prtica e a introduo de inovaes no fazer docente, esto diretamente relacionadas

    s trocas entre as professoras, destas com a formadora e com a teoria.

    Aponta para a necessidade de que os projetos de formao continuada partam

    dos saberes, dificuldades e necessidades dos sujeitos envolvidos, considerando a

    etapa de desenvolvimento profissional em que se encontram. Para isso, h que se

    preparar melhor os formadores e investir em uma poltica de formao articulada

    com a carreira docente e com os conhecimentos cientficos existentes nesta rea

  • ZIBETTI, Marli Lcia Tonatto. Analyzing the educational practice. An experience in

    training teachers to the education of children. So Paulo, 1999. 160p. Master

    Thesis. IP - USP.

    ABSTRACT

    In the present work, we have analyzed a project of continual training of

    teachers regarding the education of children. The strategies employed, as well as

    their contribution to help teachers reflect on their educational practice have been

    considered. According to Piaget's theory, we have tried to identify in these teachers'

    practice some problem-situations that do provoke some difficulties, thus requiring

    new answers and subsequently, new learning techniques.

    Eight kindergarten teachers took part in the project. They were all between 22 and 29 years old and had between two to seven years of professional experience in educating children in the town of Rolim de Moura, RO (state of Rondnia, north of Brazil). These teachers were interviewed at the beginning and at the end of the project and they also described their work in school reports on which the meetings to discuss the many educational practices were based. Also, there have been some theoretical seminars during which the group used to discuss some texts that had been previously read and that were then related to the practical problems faced by the group.

    The analysis of the results shows clearly the problems faced by the teachers

    during their former training, their entrance to the profession and the educational

    practices developped, thus identifying their difficulties and needs when performing

    their teaching functions. It also enables to verify the importance of reflexive writing

    in order to improve teachers' capacity to observe the facts, thus favouring the

    identification of problem-situations in the educational practice. On the other hand, it

    demonstrates that both the fact of thinking about this practice and the fact of

    introducing innovations in the teaching activity are directly related to the exchanges

    among teachers, between teachers and their training teacher and their relation with

    the theory.

    It points out the necessity that the projects of continual training contemplate

    knowledge, difficulties and needs of those who are involved, considering their stage

    of professional development. To do so, we have to better prepare the training

    teachers as well as to invest on a training policy which is in connection with the

    teaching career and the scientific knowledge in this area.

  • 1 INTRODUO

    Quando trabalhamos com formao de professores, trs questes bsicas so

    motivo de preocupao. A primeira delas diz respeito nfase reiterada na literatura

    educacional, importncia dos investimentos em formao de professores, quando

    h a pretenso de afetar a qualidade do ensino e da aprendizagem. Torna-se

    necessrio criar oportunidades para os docentes refletirem sobre sua prtica e

    adquirirem subsdios que os levem a reconstru-la em direo ao sucesso escolar de

    todos os alunos. (Andr, 1996, p.99).

    Neste sentido, desafia-nos tambm a distncia existente entre o que

    recomenda a teoria e a realidade das prticas. Ou como afirma Nvoa, (1999)1 o

    excesso dos discursos e a pobreza das prticas formativas, indicando que preciso

    um esforo por parte dos formadores e novas diretrizes nas polticas pblicas de

    formao, para a superao deste contraste.

    A segunda questo diz respeito pesquisa na formao de professores.

    Concordamos com Andr (op.cit.) quando afirma que a pesquisa em educao

    precisa assumir tambm um carter didtico que, alm de levantar dados sobre a

    situao em que se d o ensino na escola ou regio pesquisada, possa gerar

    conhecimentos teis para a prtica educativa dos professores envolvidos, permitindo-

    lhes beneficiarem-se destes conhecimentos construdos em parceria.

    A dicotomia constatada nos projetos formativos entre a teoria utilizada para

    explicar a aprendizagem dos alunos e a teoria aplicada para a formao dos

    professores, constitui-se na terceira questo que nos preocupa e que demanda

    maiores estudos e pesquisas, uma vez que ainda no foi superada. Enquanto

    utilizamos um discurso de que o aluno constri conhecimentos e, portanto, o

    processo de ensino deve ser organizado no sentido de defront-lo com situaes que

    promovam esta construo, para os professores o processo adotado tem sido a

    transmisso de teorias e mtodos construdos e sistematizados por outros.

    O foco deste estudo est na anlise de um projeto de formao continuada

    de professores de educao infantil onde, articulando pesquisa e formao, buscamos

    1 Palestra realizada em 20/05/99 na Faculdade de Educao. USP.

  • 2

    a superao das dicotomias explicitadas acima. Projeto este, com o qual trabalhamos

    a partir das prticas pedaggicas das docentes envolvidas, atravs da discusso de

    seus prprios registros escritos. Buscou-se neste processo, discutir os problemas

    emergentes no cotidiano da sala de aula com vistas a sua superao, atravs das

    trocas entre as professoras e entre estas e a formadora, intermediada pelos textos

    tericos estudados.

    A contribuio deste trabalho consiste em apontar para algo que possvel e

    necessrio dentro de projetos de formao mas que, por inmeras razes, acaba

    sendo considerado impossvel. Ou seja, realizar uma experincia de formao de

    professores em que as prticas das professoras e da formadora sejam o ponto de

    partida e de chegada para novas aprendizagens e no para a crtica que imobiliza.

    Aponta ainda para a possibilidade de uma pesquisa que seja ao mesmo

    tempo, prtica, registro e reflexo sobre o trabalho realizado, apontando para novos

    possveis; mostrando-se relevante para a pesquisa educacional por experimentar em

    um contexto especfico, estratgias de formao que buscam a articulao entre

    teoria-prtica, utilizando diferentes formas de registro, anlise e apresentao dos

    dados coletados durante esta experincia.

    Teoricamente, o estudo sustenta-se em trs eixos: a formao continuada

    enquanto direito e necessidade do professor; a teoria de Piaget enquanto

    possibilidade de compreenso das estruturas mentais acionadas no enfrentamento dos

    dilemas prticos vividos pelos professores; e um terceiro eixo que nos remete para a

    questo metodolgica dos projetos de formao que tenham como princpio um

    professor construtor de conhecimentos.

    O projeto que objeto de anlise nesta dissertao foi desenvolvido com

    oito professoras de educao pr-escolar que registraram em dirios de aula o

    trabalho realizado com seus alunos no perodo de agosto a dezembro de 1998.

    A anlise deste projeto foi feita considerando-se o processo vivido pelas

    professoras e pela formadora. Ao evidenciar as concepes das professoras

    envolvidas e as alteraes inseridas por elas em suas prticas pedaggicas, estvamos

    tambm desvelando o trabalho formativo realizado pela formadora, constatando-se

    suas contribuies ao crescimento das professoras e tambm os aspectos que

    deveriam ter sido melhor trabalhados.

  • 3

    De um lado, buscamos identificar nos registros das professoras os aspectos

    da prtica pedaggica que receberam prioridade em seus relatos e quais os dilemas

    prticos que foram expressos por elas. Por outro lado, procuramos nos relatrios da

    formadora, identificar os dilemas que foram objeto de discusso durante a formao,

    o modo como foram encaminhados e a que teorias nos remeteram durante os estudos

    com as professoras.

    Este relatrio est organizado em cinco partes: a primeira rene os estudos

    tericos que sustentaram a formulao da pesquisa e a anlise de dados. Esta parte

    encontra-se dividida em trs textos que representam os eixos explicitados

    anteriormente: A formao continuada de professores, Uma leitura piagetiana da

    construo do conhecimento pelo professor sobre o ensino, e As prticas de

    formao de professores.

    Na segunda parte, apresentamos a metodologia desenvolvida no trabalho de

    pesquisa-formao descrevendo os sujeitos, os instrumentos, os locais em que a

    pesquisa foi feita bem como os procedimentos utilizados nas trs fases do projeto.

    Na terceira parte, so apresentados os resultados da anlise de dados,

    divididos em quatro momentos: no primeiro, analisamos as entrevistas iniciais

    realizadas com as professoras selecionadas; no segundo, os dirios escritos pelas

    participantes do projeto. No terceiro momento, encontram-se os dados relativos s

    reunies de discusso e aos seminrios realizados durante o projeto, analisados a

    partir dos relatrios de pesquisa da formadora. Finalmente, no ltimo momento,

    encontram-se os dados coletados por meio das entrevistas finais com as professoras.

    A discusso dos dados da pesquisa apresentada na quarta parte do trabalho

    e significou a busca de articulao entre os dados sistematizados e a teoria que

    orientou toda a trajetria.

    Nas consideraes finais ltima parte do trabalho, destacamos brevemente

    as questes fundamentais que emergiram da pesquisa.

    Esperamos que as limitaes deste trabalho no invalidem sua contribuio,

    principalmente enquanto experincia de formao que aponta para a possibilidade do

    uso de estratgias inovadoras nesta rea.

  • 4

    1.1 - FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES

    As rpidas transformaes presentes na sociedade atual esto a requerer dos

    profissionais que nela atuam novas competncias para atender s exigncias, no s

    do mercado de trabalho, mas da prpria sobrevivncia numa comunidade onde

    conhecimentos cada vez mais diversificados passam a ser necessrios.

    As escolas como responsveis pela formao dos sujeitos que atuam nesta

    sociedade, precisam modificar-se para poder contribuir com a formao de cidados

    capazes de se informar, de ampliar esta informao, de situar-se e mover-se no

    mundo do trabalho dentro de um viver tico, com responsabilidades partilhadas.

    (Gatti,1997, p.90)

    Neste sentido, pesquisas, estudos e trabalhos na rea de formao dos

    profissionais da educao, num tempo de tantas transformaes e novas exigncias,

    continuam sendo necessrias, principalmente considerando-se as mudanas que esto

    sendo implantadas no sistema educacional brasileiro com a nova Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional (Lei n. 9394/96). E esta necessidade no se restringe

    formao inicial, mas envolve tambm a formao continuada.

    Na formao inicial dos professores polivalentes (sries iniciais do ensino

    fundamental e educao infantil) os problemas, segundo Gatti (op. cit.) comeam

    com a desmontagem crescente dos cursos de 2 grau que tm se caracterizado pela

    fragmentao e desarticulao entre as disciplinas de contedos bsicos e de

    contedos pedaggicos e conseqentemente entre teoria e prtica, culminando com a

    realizao de estgios que no representam situaes efetivas de aprendizagem.

    Na habilitao magistrio de 1 grau nos cursos de pedagogia, os problemas

    enfrentados so semelhantes aos da formao inicial em nvel mdio: falta

    instrumentao pedaggica especfica para as primeiras sries, desenvolve-se um

    tratamento superficial e desarticulado dos contedos; h um distanciamento entre os

    centros de formao e as escolas de 1 a 4 sries e, conseqentemente, com os

    problemas concretos da rede escolar; a maior parte dos cursos tem durao reduzida

    (trs anos) funcionando no perodo noturno, em escolas de baixa qualidade; os

    estgios no so integrados ao restante do curso e nem sempre so acompanhados

    devidamente.

  • 5

    Quanto formao continuada, que nosso campo de estudo, preciso

    partir da prpria idia que sustenta este tipo de projeto, pois segundo Rodrigues e

    Esteves (1993) no existe unidade de concepo nem de organizao da formao

    contnua ao nvel de cada pas, diferentemente do que acontece com a formao

    inicial.(p.47).

    Optar pela formao continuada como campo de estudo e pesquisa no

    significa ignorar os investimentos necessrios na formao inicial, apenas representa

    uma oportunidade de investigar determinadas situaes que podem contribuir com os

    conhecimentos sobre a aprendizagem do professor. Neste primeiro texto estamos

    analisando o conceito de formao continuada, sua histria e as diferentes

    concepes que sustentam cada iniciativa nesta rea. Alm disso procuramos definir,

    fundamentando-nos em alguns estudiosos, quais os pressupostos que devem sustentar

    projetos de formao continuada, relacionando-os formao do professor de

    educao infantil.

    1.1.1- Aspectos conceituais

    Atualmente, h uma necessidade, decorrente do prprio contexto histrico e

    social, em conceber-se a formao de professores como um processo de educao

    permanente que no se esgote com a freqncia a cursos de habilitao formal, ao

    contrrio, estenda-se ao longo da carreira, atendendo s necessidades sentidas pelo

    prprio professor ou apresentadas pelas situaes de ensino, pois impossvel

    conceber-se uma formao inicial, por melhor que esta seja, capaz de atender todas

    as necessidades do formando ao longo da profisso.

    s atividades de formao que ocorrem aps a concluso do curso de

    habilitao inicial, ao longo da carreira profissional, atribui-se a denominao,

    formao contnua. Atividades que visam principal ou exclusivamente melhorar os

    conhecimentos, as habilidades prticas e as atitudes dos professores na busca de

    maior eficcia na educao dos alunos.(Rodrigues e Esteves, 1993, p.44).

    Nesta concepo, no se trata de acreditar que a formao contnua, sozinha,

    seja capaz de resolver o problema da aquisio insuficiente de conhecimentos pelos

    professores durante a formao inicial, sendo necessrio para isso, investir na

    melhoria destes cursos. Mas, acredita-se que a formao contnua pode ser

    instrumento de mudana das qualificaes dos professores contribuindo inclusive,

  • 6

    quando devidamente acompanhada e avaliada, com o fornecimento de dados para a

    modificao e o ajustamento dos currculos de formao inicial. (op. cit., p.48).

    Alm disso, independentemente de como este professor foi formado, precisa

    continuar estudando no s para atualizar-se quanto aos novos conhecimentos

    produzidos, mas principalmente, porque h uma razo muito mais premente e mais

    profunda, que se refere prpria natureza do fazer pedaggico. Esse fazer que do

    domnio da prxis e, portanto, histrico e inacabado (Barbieri, Carvalho e Uhle,

    1995, p.32) que se constri como qualquer fazer humano, na relao entre o que se

    faz e o que se pensa sobre aquilo que se faz.

    Outra razo para que a educao continuada seja considerada fundamental

    no processo de construo da competncia pedaggica do professor que h,

    segundo Barbieri, Carvalho e Uhle, uma prtica pretendida que foi pensada e

    trabalhada durante a formao e que se realiza numa escola concreta com condies

    reais para que ocorra uma prtica consentida dentro dos limites dados pela

    instituio. Limites estes, condicionados s regras do sistema scio-poltico e

    econmico em que est inserida.

    A partir do momento em que o professor comea a perceber a relao entre sua formao acadmica e sua prtica, os descompassos, as imposies, a no-avaliao sistemtica do seu trabalho, a desvalorizao do seu salrio, pode efetuar rupturas, assumindo a coordenao do processo de ensino-aprendizagem seu e de seus alunos, recorrendo ao extra-classe, ao no-previsto, como elemento indispensvel para a construo da sua autonomia e da de seus alunos. (id. ibid. p.34).

    Por outro lado, se a insero deste professor no processo de trabalho escolar

    se der em ambiente em que somente o saber cristalizado nos programas e livros

    didticos for valorizado, em uma escola alienada no domnio da tcnica, no haver

    possibilidades de crescimento e inovao a partir do saber trazido da formao

    inicial. O envolvimento do coletivo escolar em processos de formao continuada

    pode garantir a construo de um saber prtico-refletido, em sintonia com as

    descobertas mais recentes da cincia e com as necessidades do mundo em constante

    mudana. Mundo este, para o qual esto sendo educados os adolescentes e as

    crianas que hoje freqentam esta instituio.

    Pode-se entender ainda por formao continuada, o processo de

    desenvolvimento da competncia dos educadores (Fusari e Rios, 1995, p.38

  • 7

    grifo dos autores) compreendendo-se o duplo carter dessa competncia: o tcnico e

    o poltico.

    A dimenso tcnica da competncia diz respeito ao conjunto organizado e sistematizado dos conhecimentos e aos meios e estratgias para socializ-los. Na dimenso poltica, referimo-nos ao compromisso assumido pelo educador, compromisso que indica a escolha, a definio do direcionamento da prtica. (Fusari e Rios, 1995,p.40).

    Os autores afirmam ainda que um projeto de formao continuada deve

    prestar ateno a tudo o que envolve a qualificao dos educadores, buscando de

    maneira prtica, as melhores formas de fornecer-lhes condies para que exeram

    com competncia sua profisso.

    Perrenoud (1993) alerta para a necessidade de redimensionar o conceito de

    competncia, uma vez que as questes com as quais o professor se depara no

    exerccio de suas funes colocam-no diante de situaes que exigem solues

    rpidas, para as quais nem sempre h tempo disponvel para pesar os prs e os

    contras de cada deciso. Neste sentido, o autor define competncia da seguinte

    forma:

    Uma competncia um saber-mobilizar. Trata-se no de uma tcnica ou de mais um saber, mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos conhecimentos, know-how, esquemas de avaliao, ferramentas, atitudes a fim de enfrentar com eficcia situaes complexas e inditas. (Perrenoud, 1998, p.208)

    Para o autor, a nica maneira de formar os professores para que consigam

    atuar de maneira mais eficiente diante das circunstncias imprevisveis do dia-a-dia,

    proporcionar-lhes a vivncia regular deste tipo de experincia durante a formao

    levando-os a analisar suas reaes: o que pensaram, sentiram e fizeram. Desta

    maneira seria possvel chegar-se a um consenso do que teria sido necessrio fazer,

    auxiliando os profissionais a dominarem melhor suas aes.

    Nem sempre as concepes de educao continuada foram estas que

    acabamos de expressar. Uma reviso histrica dos termos e caractersticas dos

    projetos desenvolvidos pode elucidar aspectos importantes na trajetria deste tipo de

    formao docente.

    1.1.2 - Aspectos histricos

    De acordo com estudos de Silva e Frade (1997), os programas de formao

    continuada sofreram influncia dos trs grandes momentos polticos vividos no

  • 8

    Brasil nas ltimas dcadas: ditadura militar, movimento de democratizao da

    sociedade e os movimentos de globalizao da cultura e da economia.

    Durante a ditadura militar, principalmente na dcada de 70, o que

    caracterizou a formao docente, segundo as autoras, foi o princpio da

    racionalidade tcnica, da hierarquizao de funes, da burocratizao da escola

    (id.. ibid. p.33), reforando a separao j existente entre os que pensam e planejam o

    trabalho pedaggico e entre os que o realizam. So exemplos de modalidades de

    formao desenvolvidas neste perodo, as reciclagens e os treinamentos.

    Segundo Nvoa (1994) este tipo de iniciativa corresponde ao processo de

    racionalizao do ensino que desde os anos setenta busca o controle do ato educativo

    eliminando todos os fatores externos e imprevisveis que possam atrapalhar o

    processo educacional. Os professores so vistos como tcnicos cuja tarefa consiste,

    essencialmente, na aplicao rigorosa de idias e procedimentos elaborados por

    outros grupos sociais ou profissionais.(p. 24)

    Este processo estimulou o crescimento do nmero de especialistas

    pedaggicos, contribuindo para a proletarizao do professorado ao mesmo tempo

    em que aumentou o trabalho burocrtico destes, com a introduo do controle

    administrativo via formulrios de avaliao. O professor passou a ser um mero

    executor das tarefas planejadas por outros, seu saber prtico foi desvalorizado e sua

    estima profissional diminuda.

    Racionalizao, proletarizao e privatizao do ensino so aspectos diferentes de uma mesma agenda poltica que tende a olhar para a educao segundo uma lgica economicista e a definir a profisso docente segundo critrios essencialmente tcnicos. Segundo esta tendncia, a sada da crise de identidade dos professores far-se-ia atravs de uma espcie de nivelamento por baixo, de um esvaziamento das aspiraes tericas e intelectuais do professor, de um controlo mais apertado da profisso docente. (Nvoa, 1994, p.25)

    Na dcada de 80, o pas vivia um momento de luta pela redemocratizao

    que influenciou tambm o processo educacional, dando origem a movimentos de

    renovao pedaggica que passaram a exigir um novo perfil para o professor mais

    voltado para a dimenso poltica da prtica docente. (Silva e Frade, 1997, p.33).

    neste perodo que se multiplicam as lutas sindicais por melhores condies salariais e

    de trabalho, levando os cursos de formao a investir na preparao destes

    profissionais para uma maior participao poltica, tanto em sala de aula, como nos

    movimentos trabalhistas ou comisses e rgos colegiados da escola.

  • 9

    Este processo ocorre sob a influncia das teorias Crtico-Reprodutivistas2

    que, ao apontarem a escola como aparelho ideolgico do estado, portanto,

    reprodutora da ideologia dominante, indicam a necessidade de atuao do professor

    em outros espaos como os sindicatos ou partidos polticos para lutar pela

    transformao social.

    Em um estudo realizado sobre os programas de formao continuada

    oferecidos pela Secretaria de Educao no Estado de So Paulo, Barbieri, Carvalho e

    Uhle (1995) afirmam que na dcada de 80 a nfase dada foi para os cursos de

    atualizao. A restrio que se faz que em geral o termo atualizar se refere mais a

    pr em dia contedos (grifo das autoras), tarefa que um curso de 30 horas no

    consegue fazer. (p.32).

    A dcada de 90, caracteriza-se pela globalizao da cultura e da economia,

    pelo desenvolvimento tecnolgico e pela rapidez com que se sucedem as mudanas

    nas diferentes reas da vida humana. Andr (1997), em artigo denominado

    Perspectivas atuais da pesquisa sobre docncia, aponta alguns aspectos dos

    programas de formao contnua desenvolvidos na Amrica Latina que necessitam

    ser revistos luz de estudos recentes que permitem uma leitura mais crtica desta

    problemtica.

    Para a autora que cita palestra realizada por Rosa Maria Torres (PUC,

    1996), tem havido uma nfase nos ltimos anos na formao de professores em

    servio. Isto estaria ocorrendo devido ao incentivo de organismos internacionais

    como o Banco Mundial que justifica esta escolha afirmando que os investimentos

    feitos at aqui na formao inicial no trouxeram os resultados esperados, levando-os

    a dar prioridade neste momento, formao em servio.

    Andr adverte para as possveis conseqncias de aes como estas,

    alertando que as pesquisas na rea de formao em servio ainda so poucas e no

    permitem qualquer concluso sobre sua ineficcia; alm disso, precisamos considerar

    que, enquanto na maior parte dos pases a formao docente para o ensino

    fundamental realizada em instituies de ensino superior (Barreto, 1996), no Brasil,

    isto ainda uma meta, havendo um consenso nacional de que h uma necessidade

    2 Segundo Saviani (1997), as teorias Crtico-reprodutivistas caracterizam-se por atriburem

    educao a funo de reproduzir a sociedade na qual est inserida.(p.27)

  • 10

    emergente de que a formao cientfica e cultural dos professores brasileiros seja

    progressivamente elevada. (Pimenta, 1996,p.348).

    Neste sentido os investimentos em projetos de formao distncia, como

    uma forma de realizao da formao continuada, tambm precisam ser repensados.

    Apontados como tendncia nas polticas de educao dos pases do Terceiro Mundo,

    estes projetos visam minimizar ou suprir a formao precria do professor, porm,

    no tm atingido os resultados esperados conforme comprovam os resultados de

    pesquisas sobre o tema:

    ...as avaliaes que vm sendo feitas do potencial ou do impacto desses processos distncia tem levantado srias dvidas sobre a sua eficcia, chamando a ateno para o importante papel das interaes dos monitores com os cursistas no sucesso desse tipo de estratgia. Evidenciam que no possvel prescindir da mediao humana para que os resultados possam ser realmente efetivos. (Andr,1997,p.66).

    Outro aspecto apontado pelo texto de Andr (op. cit.) a preocupao ainda

    presente nos projetos de formao continuada com a atualizao de contedos. Este

    tipo de iniciativa que parte da premissa que os professores apresentam lacunas em

    sua formao, levam ao planejamento de cursos (em geral de curta durao) cuja

    nfase repassar os conhecimentos mais recentes sobre a rea de atuao do

    professor e sobrevivem apesar das crticas feitas pelos estudiosos. Cursos realizados

    com este propsito no consideram questes fundamentais

    como o processo de construo da identidade pessoal do professor, a sua (des) valorizao social, o peso das condies de trabalho na sua prtica e outras que o auxiliariam a tomar conscincia das eventuais lacunas existentes na sua formao e a assumir-se como sujeito do processo de auto formao.(Andr, 1997, p.66).

    Um equvoco que ocorre quando so planejados projetos de formao

    continuada a desarticulao com programas mais amplos de reforma educacional.

    Isto , a formao dos professores s pensada a posteriori, aps terem sido

    implantadas as reformas pretendidas pelos dirigentes, caracterizando-se muitas vezes

    em planos de persuaso docente, gastando-se boa parte do tempo e dos recursos

    destinados formao para convencer os docentes da importncia das medidas

    adotadas.

    A ausncia de participao dos professores no planejamento e elaborao de

    programas destinados a sua prpria formao outro aspecto apontado pelas

    pesquisas como caracterstica bsica dos projetos atuais nesta rea. Segundo Andr

  • 11

    (1997), estes projetos feitos para os docentes, deveriam ser concebidos com eles e

    questiona: quando eles vo comear a ser ouvidos na definio das propostas que

    lhe dizem respeito? (p.66).

    A identificao dos desafios que se colocam aos formadores neste campo

    constitui-se no primeiro passo para enfrent-los. Os instrumentos que podero

    contribuir para isto podem ser encontrados nos conhecimentos acumulados atravs

    das pesquisas j desenvolvidas onde possvel perceber em que caminho devero ser

    construdas novas investigaes.

    O enfoque prtico reflexivo na formao docente tem recebido uma nfase

    bastante grande nas publicaes atuais e a origem de seus fundamentos foi buscada

    em Dewey e em seu princpio pedaggico da aprendizagem pela ao. Porm, foram

    os trabalhos de Donald Schn os responsveis pela aplicao recente deste conceito

    que assim definido por Alarco:

    ...a reflexo (...) uma forma especializada de pensar. Implica uma prescrutao ativa, voluntria, persistente e rigorosa daquilo em que se julga acreditar ou daquilo que habitualmente se pratica, evidencia os motivos que justificam as nossas aes ou convices e ilumina as conseqncias a que elas conduzem.(1996, p.175).

    Ao criticar o paradigma racionalista tcnico de formao Schn (1992)

    defende que seja includo o componente de reflexo a partir de situaes reais de

    prtica, na formao dos futuros profissionais. Para ele a atuao do educador

    implica o conhecimento prtico (conhecimento na ao, saber-fazer); a reflexo na

    ao (a transformao do conhecimento prtico em ao); e, uma reflexo sobre a

    ao e sobre a reflexo na ao (que o nvel reflexivo).

    O processo de reflexo-na-ao (...) pode ser desenvolvido numa srie de momentos. (...) primeiramente um momento de surpresa: um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo aluno (...) segundo momento (...) pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez, e, simultaneamente, procura compreender a razo por que foi surpreendido. (...) Num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situao (...) num quarto momento, efetua uma experincia para testar a sua nova hiptese.(Schn, 1992, p.83).

    O que se espera com um trabalho de formao voltado para o

    desenvolvimento da capacidade reflexiva que o professor seja capaz de atuar de

    uma forma mais autnoma, menos dependente de manuais ou de planejadores

    externos ao processo de seus alunos. Construindo formas de atuao com base em

    teorias que se tornam aes de acordo com as solicitaes do meio. Em outras

  • 12

    palavras, que seja um profissional no sentido explicitado por Zabalza: Profissional

    aquele que sabe o que faz e por que o faz e, alm disso, est empenhado em faz-

    lo da melhor maneira possvel.(1994, p.3l Grifo do autor).

    A busca de um profissional assim, talvez justifique o grande interesse

    despertado pelos trabalhos de Schn, pois nas palavras de Alarco, por trs da

    epistemologia da prtica que Schn defende est uma perspectiva do conhecimento,

    construtiva e situada, e no uma viso objetiva e objetivante como a que subjaz ao

    racionalismo tcnico.(1996, p.17). E a autora acrescenta ainda, que se acreditarmos

    que a prtica um elemento formativo importante, preciso averiguar de que

    maneira possvel inclu-la em projetos de formao de professores.

    A participao dos professores em processos de investigao sobre o

    desenvolvimento curricular, sobre seu prprio crescimento profissional e prtico,

    contribui para que seja superada a histrica separao entre os que pensam e os que

    executam, pois permite aos professores colocarem-se tambm na posio de

    produtores de conhecimentos, utilizando-os na melhoria da prtica pedaggica.

    Acreditamos conforme Macedo (1994) que, para que haja uma mudana nas

    prticas dos professores, preciso criar espaos nas escolas para que eles conversem

    sobre seu fazer, que troquem idias, e tenham a oportunidade de criar e experimentar

    novas formas de trabalhar, criticando e aperfeioando sua prtica em um trabalho em

    que o erro seja encarado construtivamente, como o professor faz com seus alunos.

    1.1.3 - Pressupostos

    Autores como Fusari e Rios (1995), Candau (1996), Nvoa (1992), e

    Zeichner (1993) enfatizam a necessidade de que os projetos de formao continuada

    de professores sejam pensados e realizados a partir de alguns pressupostos que

    considerem o professor como sujeito de seu processo de construo do saber,

    valorizando-se neste sentido, alguns conhecimentos j construdos neste caminho de

    democratizao e renovao da educao.

    Fusari e Rios (1995) destacam alguns aspectos que devem pautar uma

    poltica para a educao do educador em servio que resumiremos abaixo:

    1. preciso considerar que o educador brasileiro um sujeito concreto e

    determinado pelas condies de vida e de trabalho a que est submetido. Assim,

    sempre se dever considerar o conjunto de fatores condicionantes estruturais e

  • 13

    conjunturais que agem sobre sua prtica, delimitando seu espao real de

    possibilidades. (p. 38).

    2. Reconhecer as deficincias da formao inicial do educador preciso para que se

    possa identificar as necessidades de interveno, porm no se pode pretender

    que a educao em servio seja capaz de sanar todas as lacunas.

    3. A educao continuada deve ser pensada e realizada como um processo,

    articulado em diferentes fases que representem a continuidade do trabalho,

    sempre procurando-se relacionar o contexto de trabalho intra-escolar com a

    conscincia em relao realidade social mais ampla. (p.38).

    4. O levantamento das necessidades de formao deve ser realizado com a

    participao dos educadores, discutindo os problemas encontrados de forma que

    esta fase j faa parte do projeto de formao e no seja apenas um relato (oral ou

    escrito) das dificuldades enfrentadas pelos professores.

    5. A prtica pedaggica deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada do

    processo de formao, estimulando-se uma reflexo com auxlio da teoria que

    amplie a conscincia do educador em relao aos problemas e que aponte

    caminhos para uma atuao competente.(p.39).

    Nvoa ao propor a formao do professor para a autonomia e conseqente

    auto-formao aponta trs aspectos neste processo: produzir a vida do professor

    (desenvolvimento pessoal), produzir a profisso docente (desenvolvimento

    profissional) e produzir a escola (desenvolvimento organizacional).

    Produzir a vida do professor implica valorizar, como contedos de sua

    formao, seu trabalho crtico-reflexivo sobre as prticas que realiza e sobre suas

    experincias compartilhadas. (Pimenta, 1996, p.85). Nvoa entende que a teoria

    fornece alguns instrumentos ao professor mas o adulto acaba retendo apenas o que

    est ligado a sua experincia. E neste sentido a formao deve passar sempre pela

    mobilizao de vrios tipos de saber: saberes de uma prtica reflexiva; saberes de

    uma teoria especializada; saberes de uma militncia pedaggica. (Nvoa, 1992, p.28).

    Produzir a profisso docente significa valorizar e identificar no s os

    conhecimentos cientficos que embasam o trabalho docente, mas tambm considerar

    que os saberes da experincia constituem instrumentos importantes para o

  • 14

    enfrentamento das situaes-problema especficas e altamente complexas que

    precisam ser resolvidas pelos professores em sua prtica diria.

    Produzir a escola consiste em transform-la em espao de trabalho e

    formao, o que implica consider-la como local privilegiado para os projetos

    formativos, atravs da construo coletiva das propostas pedaggicas das escolas por

    meio das quais a formao dar-se-ia em situaes reais de aprendizagem.

    Zeichner (1993) tem procurado apontar alguns aspectos fundamentais que

    devem ser observados no desenvolvimento de projetos de formao baseados na

    reflexo para que no se incorra em erros que, segundo ele, tomem o ato reflexivo

    como um fim em si mesmo. Destacaremos aqui, as trs caractersticas principais da

    abordagem deste autor sobre a formao do professor como prtico-reflexivo.

    A primeira recomendao para que a prtica de ensino reflexivo preocupe-

    se em voltar a ateno do professor tanto para dentro (sua prpria prtica) quanto

    para fora (condies sociais nas quais ocorre a prtica). A no considerao dos

    aspectos sociais, polticos e econmicos que envolvem a prtica pedaggica pode

    levar os profissionais a uma viso distorcida do processo de ensino e de seu prprio

    papel enquanto sujeitos.

    A segunda caracterstica que deve ser considerada em processos reflexivos

    diz respeito s decises dos professores quanto s questes que envolvem direitos e

    situaes de desigualdade e injustia dentro das salas de aula.

    Reconhecendo o carcter fundamentalmente poltico de tudo o que os professores fazem, a reflexo dos professores no pode ignorar questes como a natureza da escolaridade e do trabalho docente ou as relaes entre raa e classe social por um lado e o acesso ao saber escolar e o sucesso escolar por outro. (Zeichner, 1993, p. 26).

    Outro aspecto destacado por Zeichner a necessidade de que a reflexo seja

    considerada uma prtica social, de tal forma que os professores auxiliem-se

    mutuamente e na troca entre iguais, construam seus conhecimentos. Este

    compromisso tem um valor estratgico importante para a criao de condies

    visando a mudana institucional e social. No basta atribuir-se individualmente poder

    aos professores, que precisam de ver a sua situao ligada dos seus colegas. (Id.

    ibid. p.26)

  • 15

    Os Referenciais para Formao de Professores Polivalentes partem do

    pressuposto que o conhecimento profissional do professor a ser construdo em

    projetos de formao,

    no apenas acadmico, racional, feito de fatos e teorias, nem simplesmente um conhecimento prtico. um saber que consiste em gerir a informao disponvel e adequ-la estrategicamente ao contexto de situao educacional que, a cada momento se situa, sem perder de vista os objetivos traados. um saber agir em situao. (Brasil, 1998a, p.73-74).

    Por este motivo, definem cinco mbitos de conhecimento que devem ser

    trabalhados em programas de formao profissional do professor: Conhecimento

    sobre crianas, adolescentes, jovens e adultos; Conhecimento para atuao

    pedaggica; Conhecimento sobre a dimenso cultural, social e poltica da

    educao; Cultura geral e profissional e Conhecimentos experienciais

    contextualizados.

    Em relao aos conhecimentos sobre crianas, adolescentes, jovens e

    adultos, a proposta do MEC afirma que os programas de formao devem garantir a

    aquisio de saberes necessrios para uma atuao adequada s caractersticas de

    desenvolvimento e aprendizagem de cada faixa etria, atentando para a importncia

    das experincias anteriores dos sujeitos, sua origem social e cultural e a preocupao

    que o professor deve ter em conhecer as formas de vida em que esto inseridos seus

    alunos, procurando estar em sintonia com o que desperta seus interesses e atenes.

    Conhecimento para atuao pedaggica envolve diferentes dimenses do

    processo de ensino: currculo escolar, didtica e reas de conhecimento.

    Consideramos que este tipo de conhecimento tem sido o que recebeu maior nfase

    nos programas de formao. preciso, no entanto, direcion-lo para um trabalho

    relacionado com os demais tipos de conhecimento e num enfoque que priorize a

    articulao destes saberes com sua manifestao na prtica escolar.

    Para contemplar na formao de professores conhecimentos sobre a

    dimenso cultural, social e poltica da educao preciso incluir contedos

    vinculados ao contexto em que se d a ao educativa. Para isso so necessrias

    anlises da realidade social e poltica, e sua repercusso na educao, as expresses

    culturais, os conhecimentos sobre o sistema educativo e as dimenses social e

    poltica do papel do professor.

  • 16

    Um profissional da educao precisa dispor de um repertrio cultural amplo

    como elemento bsico para a realizao de um trabalho criativo e estimulador dos

    progressos dos alunos nesta rea. A formao deste profissional deve ter como uma

    de suas metas a ampliao do universo cultural do professor, e para isso a

    organizao do ambiente educacional como um espao de acesso a este saber,

    permitindo-se o intercmbio com outras instituies, fundamental.

    O tipo de conhecimento denominado de experiencial contextualizado

    aquele produzido pelo professor a partir da anlise e discusso das prticas

    pedaggicas, sua ou de seus colegas. Valorizar este tipo de conhecimento, significa

    considerar que tornar-se professor um processo que se desenvolve com o tempo

    (Brasil, 1998a, p.83) atravs de estudos, experincias prticas, reflexes sobre estas

    experincias, em um contexto que permita a investigao e as trocas entre os

    parceiros.

    Os Referenciais apresentam ainda uma srie de critrios que devem ser

    observados na organizao de programas de educao continuada. Uma anlise

    destes critrios permite-nos perceber que so coerentes com os pressupostos

    explicitados neste texto com base nas idias de Fusari e Rios, Nvoa e Zeichner,

    principalmente quanto :

    Continuidade dos projetos;

    Concepo de formao como prtica coletiva;

    Definio de objetivos a partir do levantamento das necessidades dos

    professores;

    Articulao entre teoria e prtica com base em anlise e resoluo de

    situaes-problema;

    Utilizao de recursos que contribuam para a tematizao da prtica real:

    dirios, vdeos, observaes produes dos alunos, etc.;

    Incluso, nos projetos de formao, de oportunidades de acesso cultura e

    ao saber que ampliem o universo cultural do professor.

    1.1.4 - A formao continuada e o professor de educao infantil

    Nas ltimas dcadas, as iniciativas de atendimento em educao infantil

    apresentaram um significativo aumento, no s a nvel nacional mas internacional

    tambm. Dentre as causas apontadas por Barreto (1998) para este crescimento,

  • 17

    podemos citar: os movimentos de urbanizao e industrializao; o crescimento da

    participao da mulher no mercado de trabalho; a modificao na organizao e

    estrutura da famlia contempornea o que tem solicitado novos espaos institucionais

    para o cuidado e a educao das crianas; o reconhecimento social da importncia

    das experincias da infncia para o desenvolvimento das crianas e, principalmente,

    as conquistas sociais dos movimentos pelos direitos das crianas.

    No Brasil, a constituinte que culminou com a promulgao da Constituio de

    1988, assegurou atravs do artigo 208 da Constituio (Inciso IV) o direito educao

    infantil: O dever do Estado com a educao ser efetivado (...) mediante garantia de

    atendimento em creches e pr-escolas s crianas de zero a seis anos. (Brasil, 1988, p.38).

    Outro avano significativo foi obtido atravs da insero na Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 9394/96), do termo educao

    infantil para designar o atendimento s crianas de zero a seis anos. Definida como

    primeira etapa da educao bsica, deve ser oferecida em creches para crianas de

    zero a trs anos e em pr-escolas para as crianas de quatro a seis anos, sem

    diferenas no entanto, quanto ao carter que em ambos os casos deve ser educativo.

    A Educao Infantil oferecida para, em complementao ao da famlia, proporcionar condies adequadas de desenvolvimento fsico, emocional, cognitivo e social da criana e promover a ampliao das suas experincias e conhecimentos, estimulando seu interesse pelo processo de transformao da natureza e pela convivncia em sociedade. (Brasil, 1994a, p.15).

    Devido forma como se deu a expanso do atendimento a esta faixa etria

    no Brasil, sem os investimentos tcnicos e financeiros necessrios, a qualidade

    encontra-se ainda bastante comprometida, especialmente nas creches que atendem

    crianas de baixa renda, por terem surgido a partir da idia de apenas servir como

    abrigo s crianas enquanto os pais trabalham.

    Alm de uma poltica de investimentos que assegure a efetivao, na

    prtica, dos direitos garantidos em lei de acesso educao infantil para todos os que

    dela necessitarem, um dos maiores desafios para um atendimento de qualidade o da

    formao e valorizao dos profissionais que atuam na rea. Autores como Barreto

    (1998) e Campos (1997) afirmam, com base em reviso de pesquisas, que um dos

    fatores mais relevantes para o xito dos programas de educao infantil no

    desenvolvimento posterior das crianas a formao especfica dos profissionais que

    nela atuam.

  • 18

    De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases, o professor de educao infantil

    deve ter formao em nvel superior, admitindo-se como formao mnima a

    modalidade normal. Ocorre que esta meta ainda est longe de ser atingida pois

    conforme dados do MEC de 1996 (apresentados por Barreto, 1998), 61,4% dos

    professores que atuam na pr-escola possuem a habilitao Magistrio de segundo

    grau e apenas 18,2 tm curso superior, no havendo dados que permitam analisar

    quantos destes possuem habilitao especfica para atuar na pr-escola. Mas a mesma

    autora afirma que o nmero reduzido de oferta desta habilitao no pas, permite

    concluir que a quantidade de professores habilitados tambm pequena. preciso

    considerar ainda a presena de professores que no concluram o ensino fundamental

    atuando tanto na educao infantil quanto nas sries iniciais.3

    Outro agravante neste quadro a no-incluso das questes relativas

    educao infantil na formao dos professores tanto a nvel mdio, quanto superior.

    ...os cursos de magistrio existentes atualmente no contemplam no seu currculo a faixa de 0 a 4 anos; quando tratam das crianas pequenas, geralmente enfocam a faixa de 4 a 6 anos, que vem sendo atendida pela pr-escola e, prioritariamente, detm-se no seu desenvolvimento cognitivo. Tambm no nvel do 3 grau quase no h possibilidades de se realizar a formao necessria para o trabalho com essa faixa etria.(Cruz, 1996, p.82).

    Neste contexto, alm dos investimentos necessrios e urgentes em cursos de

    formao inicial, os projetos de formao continuada podem desenvolver um

    trabalho importante junto aos profissionais que, do ponto de vista legal possuem

    habilitao (cursos de 2 ou 3 grau), porm em termos de conhecimentos especficos

    sobre a educao infantil, carecem de uma formao slida. A superao dos mitos4

    correntes nesta rea de que basta ser mulher para possuir as habilidades necessrias

    para cuidar de crianas, s ser obtida atravs da profissionalizao desta funo

    docente, com a adequada formao de seu quadro de educadores.

    Segundo recomendaes do I Simpsio Nacional de Educao Infantil

    (Brasil, 1994b) a formao deste profissional deve pautar-se pela preocupao de que

    o atendimento nesta faixa etria deve estar alicerado no binmio educao e

    cuidado, implicando uma reviso no atendimento que at hoje tem sido feito: nas

    3 Dados do MEC de 1996 afirmam que 1.071.603 funes docentes de pr-escolar at a 4 srie so

    ocupadas por professores que no concluram o ensino fundamental (Brasil,1998a). 4 Em recente trabalhado denominado Jardineira, tia e professorinha: a realidade dos mitos, Arce

    (1997) afirma que a no valorizao salarial, a inferioridade perante os demais docentes, a

  • 19

    creches a nfase ao cuidado, na pr-escola, uma excessiva preocupao com a

    escolarizao imitando a escola fundamental.

    Outra recomendao presente nos documentos produzidos durante o

    Simpsio de que a formao precisa ser entendida como um direito do profissional

    e deve respeitar a necessidade de que se trabalhe conjuntamente com a formao e a

    profissionalizao atravs de propostas prprias para atender as diferentes situaes

    existentes em cada rede e em cada regio. Entendendo-se como parte da

    profissionalizao o acesso a cursos de habilitao, mesmo em servio, para os

    profissionais que a eles no tiveram acesso, tanto em nvel de 1 ou 2 grau.

    Kramer (1994) alerta para a inferiorizao existente em relao aos

    profissionais de creche e pr-escola e afirma que uma formao de nvel menor,

    implica em remunerao inferior sendo necessrio articular formao continuada e

    habilitao. Neste sentido afirma a necessidade de:

    Uma diretriz poltica que tenha seu eixo calcado na formao permanente para os profissionais que j esto em servio, aliada a uma poltica que articule, a mdio prazo, a formao com a carreira, e que seja desenvolvida atravs de atividades que tenham uma periodicidade e que esto organizadas num projeto mais amplo de qualificao, com avano progressivo na escolaridade para aqueles que dela necessitam. (p.23)

    Neste sentido, Cruz (1996) prope que haja programas de formao

    (inclusive em nvel de cursos supletivos para os professores que no possuem 1

    Grau) tomando-se o cuidado para no cair na superficialidade da formao, atravs

    de projetos bem elaborados com a preocupao de garantir aos professores tanto as

    informaes, quanto as habilidades necessrias ao exerccio da profisso.

    A autora aponta para a importncia de trabalhar com dois grandes conjuntos

    de informaes que estariam intimamente relacionados: as informaes sobre as

    crianas e suas famlias (desenvolvimento infantil e condies scio-econmicas,

    valores da famlia, etc.); informaes relacionadas creche/pr-escola e ao trabalho

    que deve desenvolver junto s crianas (histrico, e situao das crianas com viso

    crtica de programas, contedos relacionados s diferentes reas do conhecimento,

    informaes sobre necessidades fsicas das crianas, legislao, tica, etc.).

    Penso que as informaes tm por objetivo permitir repensar, sistematizar, situar em contextos mais abrangentes, ampliar e enriquecer os conhecimentos que a

    vinculao do seu trabalho com o domstico, o privado e a deficincia na formao aparecem como resultado desta imagem. (p.119).

  • 20

    profissional j acumulou, dando-lhe elementos para terem compromisso maior com o seu trabalho e atuar de forma mais adequada, consistente e proveitosa. (Cruz, 1996, p.84).

    Quanto s habilidades e competncias que precisam ser desenvolvidas Cruz

    (1996) destaca a observao (das crianas e de si mesma) como a principal, uma vez

    que permite ao professor modificar um pouco o foco do trabalho, que normalmente

    centrado nele mesmo, para tentar compreender o ponto de vista da criana. Para isso

    preciso que ele, a partir da observao, se disponha a questionar o pensamento das

    crianas procurando entend-lo, question-lo e instig-lo.(p.84).

    Mas como desenvolver estas capacidades nos professores? De que forma as

    situaes que o professor enfrenta em seu dia-a-dia podem significar momentos de

    aprendizagem?

    Consideramos que a teoria Piagetiana pode contribuir para uma leitura do

    processo de aprendizagem do professor e conseqentemente fornecer indicaes para

    o trabalho dos formadores.

  • 21

    1.2. UMA LEITURA PIAGETIANA DA CONSTRUO DO CONHECIMENTO DO PROFESSOR SOBRE O ENSINO

    1.2.1 - Dilemas: situaes-problema na prtica pedaggica

    Autores como Nvoa (1992, 1995), Schn (1992), Zeichner(1993), Prez

    Gmes (1998) apontam para a importncia de considerar-se as aprendizagens

    oriundas das prticas pedaggicas dos professores, como um tipo de conhecimento

    prtico que define suas aes no cotidiano escolar. Zabalza (1994) esclarece em que

    consiste este conhecimento:

    Quando se fala de conhecimento prtico para referir o tipo particular de informao e aprendizagens que a prtica proporciona e que se vo consolidando como um autntico corpo de conhecimentos a partir do qual os professores descrevem e justificam a sua aco. (p. 51)

    Ainda segundo o autor, comum contrapor-se este tipo de conhecimento do

    professor s teorias adquiridas em cursos de formao, livros etc., quando na verdade

    preciso considerar que ele resultado das diversas situaes vividas desde sua

    experincia enquanto aluno, as teorias estudadas e seu trabalho profissional. Estes

    saberes construdos a partir das diferentes situaes de formao ou da experincia

    profissional consolidam-se em princpios que so acionados no momento da ao.

    Os princpios constituem os suportes lgicos que os professores constroem para

    explicar e justificar a sua actuao na aula. Como todo conhecimento prtico precede

    a aco e serve-lhe de guia, mas por sua vez surge da prpria aco e recria-se nela.

    (Zabalza, 1994, p. 56).

    Estas situaes de confronto dos princpios construdos pelo professor com

    as situaes reais constituem o que Zabalza (op. cit.) denomina dilemas conjunto de

    situaes bipolares ou multipolares que se apresentam ao professor no

    desenvolvimento da sua atividade profissional (p.61), o que implica entender-se a

    atuao do professor como um dilogo constante entre o que ele sabe, o que sabe

    fazer, o que parece adequado ser feito, o que est disposto a fazer e o que a situao

    concreta permite que seja feito.

    Nem sempre os processos de conhecimento e de resoluo do dilema so

    conscientes para o professor ou ento no o so em todos os casos com a mesma

    intensidade, tornando necessrio um trabalho de formao voltado para a anlise e

  • 22

    discusso das prticas que permita a identificao dos dilemas, as diferentes

    possibilidades de resoluo dentro das alternativas mais adequadas que se colocam

    em cada situao.

    Segundo Zabalza (1994)) h dois aspectos no conceito de dilema que so

    particularmente importantes:

    a) Os dilemas so construtos descritivos (isto identificam situaes dialcticas e/ou conflituais que se produzem nas situaes didcticas) e esto prximos da realidade: referem-se no a grandes esquemas conceituais mas antes a actuaes concretas relativas a situaes problemticas no decorrer da aula.

    b) Rompem um pouco com a idia de linearidade da conexo pensamento-aco. Nos dilemas, o pensamento-desejo pode estar claro sem que o pensamento-aco o esteja.(...). A nvel de aco, as contradies no so algo de excessivamente estranho ou incongruente: fazem parte do desenvolvimento da aco, da dialctica entre o desejvel e o possvel, e exprimem a participao na aco de componentes no-lgicas (situacionais, pessoais, simblicas, etc.). (p.62).

    Podemos aproximar a idia de dilema, conforme explicitada acima, com a

    caracterizao de situao problema feita por Macedo (1999a) com base na obra A

    equilibrao das estruturas cognitivas (Piaget, 1977a). Para ele, uma situao

    problema pode ser caracterizada como uma alterao ou modificao de uma dada

    situao que desencadeia uma perturbao, conflito ou problema podendo levar a

    construo de regulaes e compensaes (p.2).

    O esclarecimento das afirmaes acima depende da compreenso do sistema

    cognitivo piagetiano como um sistema ao mesmo tempo aberto e fechado. Aberto nas

    trocas (interaes) com o meio e fechado enquanto ciclos que compem o sistema e

    que buscam um constante equilbrio. Desta forma, quando ocorre uma alterao ou

    modificao, o sujeito pode agir de diferentes formas: usar uma resposta pronta

    negando a alterao; aceitar a alterao como conflito ou problema e

    conseqentemente investir no trabalho de construo de respostas que pedem

    regulaes ou compensaes.

    Isso ocorre porque, segundo Piaget (1977a), no sistema cognitivo h um

    estgio de equilbrio virtual, hipottico que quando alterado por intervenes de

    diversas ordens busca, a todo custo, o retorno ao equilbrio. Em decorrncia disto,

    Macedo (1999b) afirma que uma situao-problema mais do que uma estratgia

    de pesquisa, um modo de conceber os processos de desenvolvimento e

  • 23

    conhecimento (...). um modo de aprendizagem que evoca no a repetio do

    padro, mas de um novo jeito de ver o mundo. (p.9)

    A partir destas consideraes, a pergunta que nos colocamos : como a

    teoria da equilibrao das estruturas cognitivas explica o trabalho de equilibrao do

    sujeito nas diferentes formas de interao com o meio?

    Buscaremos em Piaget subsdios para compreender o processo cognitivo

    vivido pelo professor para construir respostas s perturbaes surgidas durante as

    interaes professor-aluno, professor-professor, professor-teoria, etc., ocasionadas

    pela sua atuao pedaggica.

    1.2.2 - A teoria da equilibrao das estruturas cognitivas

    A teoria de Piaget parte da idia central que os conhecimentos no so

    originados apenas atravs das experincias do sujeito com os objetos, nem somente

    de sua herana gentica, mas so fruto de construes contnuas e elaborao de

    novas estruturas que ocorrem atravs de um processo central de equilibrao,

    entendido como processo que leva de certos estados de equilbrio aproximado para

    outros, qualitativamente diferentes, passando por muitos desequilbrios e

    reequilibraes. (Piaget, 1977a, p.13).

    O equilbrio cognitivo depende dos processos de assimilao e acomodao,

    por meio dos quais o sujeito interage com o mundo. Atravs da assimilao ocorre a

    incorporao de um elemento exterior aos esquemas conceituais do sujeito. A

    acomodao consiste no segundo processo e ocorre a partir da necessidade sentida

    via assimilao, de considerar as caractersticas prprias do elemento a assimilar,

    levando o sujeito a alterar seus esquemas em funo desta acomodao.

    As interaes estabelecidas nos processos de assimilao e acomodao so

    necessrias ao ser humano devido sua incompletude de sistema aberto. Quanto

    mais aberto um sistema, mais incompleto ele e mais interativo ele tem que ser. H

    uma parte de mim que s o outro dispe e por isso eu estou fadado a esse outro como

    complementao. (Macedo, 1999d , p.12)

    Piaget (1977a) considera que existem trs formas de equilibrao derivadas

    dos tipos de interao que o sujeito estabelece com o mundo: interao fundamental

    inicial entre o sujeito e os objetos (...). Interaes entre os subsistemas (...) e relaes

    que unem subsistemas a uma totalidade que os engloba. (p.20).

  • 24

    Conforme Macedo (1994), a primeira forma de equilibrao decorrente da

    interao entre o sujeito e os objetos implica numa assimilao dos objetos aos

    esquemas de ao do sujeito e a acomodao destes aos objetos. (p. 147). o que

    ele denomina relao de um todo com outro todo e os desafios que se colocam ao

    sistema so os de fechamento e abertura em uma relao em que ocorre,

    simultaneamente, transformao e conservao. O sujeito transforma-se para

    incorporar o novo em sua estrutura que, ao mesmo tempo, conserva-se enquanto

    totalidade saindo realimentada da relao. Ou seja, cada nova aprendizagem ou

    desafio desencadeia um trabalho construtivo de reorganizao.

    Nas interaes entre os subsistemas denominadas por Macedo (id. ibid.) de

    relao entre as partes de um mesmo todo, o desafio a assimilao recproca que

    permite a conservao mtua dos sistemas implicando em trocas no plano horizontal.

    A terceira forma de interao, entre os subsistemas e a totalidade que os

    engloba (relao das partes com o todo) ocorre uma relao vertical que implica

    integrao (assimilao) e diferenciao (acomodao). Interagir uma coisa

    revolucionria, radical e por isso, construtiva. (...) o destino das trocas a

    transformao. (Macedo, 1999d, p.10).

    Para Macedo (id. ibid.) as trocas que se estabelecem entre os sujeitos s

    interessam quando possuem um valor construtivo para o sistema enquanto totalidade.

    Se, em um contexto de trocas apenas uma das partes se beneficia, cedo ou tarde o

    equilbrio se rompe e isto pode significar a morte do sistema.

    No trabalho do professor vrias so as oportunidades em que ele vivencia

    situaes de troca: com a teoria, com os colegas, com os alunos, etc.. Tomemos

    como exemplo a relao professor-aluno. Se ambos falam ao mesmo tempo, ou se no

    momento em que o professor est falando o aluno est pensando em outras coisas, a

    troca do aluno est sendo estabelecida com outros contedos e no com o professor.

    Se, na relao professor-aluno, apenas uma das partes se beneficia, no esto

    ocorrendo trocas construtivas e cedo ou tarde, esta relao tende a fracassar.

    Na relao do professor com sua turma de alunos, as trocas que so

    estabelecidas implicam que o docente saiba trabalhar num contexto de integrao e

    diferenciao. Integrao quando pensa na turma como um todo sendo composta por

    vrios alunos e que, em algumas situaes, precisam ser considerados enquanto

    turma, com idades semelhantes, num mesmo ciclo de escolaridade. Por outro lado, h

  • 25

    momentos em que preciso fazer diferenciao entre os alunos de uma mesma turma

    quanto compreenso de determinados contedos ou nvel de desenvolvimento.

    Na escola, o professor pode estabelecer trocas, ainda, com os colegas de

    trabalho num nvel de horizontalidade em que a interao entre as partes de um

    mesmo todo (grupo de professores da escola) pode levar construo de

    conhecimentos a partir do enfrentamento de problemas comuns e concretos no

    cotidiano escolar.

    No jogo das trocas descrito acima, os sujeitos deparam-se com situaes-

    problema que podem causar desequilbrios momentneos, sem os quais no haveria

    desenvolvimento dos sistemas cognitivos uma vez que s os desequilbrios obrigam

    um sujeito a ultrapassar o seu estado actual e procurar seja o que for em direes

    novas. (Piaget, 1977a ,p.23).

    Qualquer transformao ou alterao no complexo sistema de interaes

    pode causar desequilbrios de diversas ordens. Mas o que interessa ao sistema

    como ele reage s alteraes ou perturbaes enfrentadas.

    ...os desequilbrios desempenham apenas um papel de arranque, porque a sua fecundidade se mede pela possibilidade de os ultrapassar (...) a fonte real do progresso tem de ser procurada na reequilibrao, no no sentido (...) de um regresso forma de equilbrio anterior (...) mas sim no sentido de um aperfeioamento desta forma precedente. (Piaget, 1977a , p. 24-25).

    o que Piaget denomina equilibrao majorante. Termo utilizado para

    expressar uma troca ou transformao qualitativamente melhor.

    Nem sempre, no entanto, as perturbaes levam a equilibraes majorantes,

    pois de acordo com Piaget (op. cit.) existem duas grandes classes de modificaes

    que provocam perturbaes. A primeira compreende as perturbaes que se opem

    s acomodaes (p.32). So as aes que pedem correo por terem sido

    insuficientes para alcanar o objetivo proposto e por isso causam perturbao,

    desencadeando regulaes por feedback negativo.

    Uma segunda classe de perturbaes caracterizada por lacunas que

    deixam as necessidades insatisfeitas. (Piaget, 1977a, p.32). So situaes que pedem

    o aprofundamento de um esquema de assimilao j ativado que no foi suficiente

    para a resoluo do problema. O tipo de regulao desencadeado corresponde a um

    feedback positivo.

  • 26

    As regulaes podem ser tambm ativas ou automticas. Na regulao ativa

    intervm uma necessidade de fazer escolhas mudando os meios selecionados para

    determinada ao. Este tipo de regulao provoca uma tomada de conscincia. A

    regulao automtica ou passiva, origina-se de uma regulao ativa que se tornou

    automtica, no levando por si s tomada de conscincia. um tipo de regulao

    em que no h a necessidade de pensar ou tomar decises pois caracteriza-se pela

    repetio de um padro.

    Na teoria de Piaget, o sistema cognitivo regulado por um regulador interno

    que o prprio todo. a conservao da totalidade como totalidade que conserva a

    sua estrutura durante a assimilao em vez de ser modificada pelos elementos

    assimilados.(Piaget, 1977a, p.37).

    preciso considerar, no entanto, que nem todas as situaes de alterao

    implicam em um trabalho de regulao, conforme alerta-nos Macedo (1994), uma

    vez que so necessrias algumas condies inerentes ao prprio sistema para que as

    influncias externas tenham alguma repercusso a nvel interno, nos sujeitos.

    ...h modificaes no ambiente ou no prprio organismo que no perturbam o sujeito. No perturbam porque ele no possui um sistema cognitivo suficientemente desenvolvido ou porque, simplesmente, essas modificaes no constituem perturbaes para ele. (Macedo, 1994, p. 149).

    Para o desenvolvimento interessam as alteraes ou perturbaes que

    desencadeiam um trabalho construtivo de superao o que significa que o sujeito

    aceitou a perturbao e assumiu-a como pergunta para a qual buscar uma resposta.

    No processo de formao interessa investigar como possvel colocar

    questionamentos aos professores de maneira que sejam aceitos como perguntas

    perturbadoras capazes de desencadear um trabalho de construo de respostas. A

    interpretao dos acontecimentos escolares como situaes problemticas possveis de

    ser enfrentadas coletivamente pelos educadores por meio da construo de projetos que

    visem suprir a falta , a incompletude que caracteriza os seres humanos, o desafio que

    se coloca aos formadores pois s assim haver construo de novos conhecimentos.

    Se eu aceito algo como pergunta, a resposta o que completa esse todo que agora

    pede outra parte. (...) o conhecimento a resposta. (Macedo, 1999d, p. 23).

    Portanto, trabalhar com dilemas, com identificao e soluo de problemas

    na formao docente mais do que uma estratgia formativa. uma necessidade

    imposta pelas condies singulares em que se d a prtica educativa: condies

  • 27

    determinadas pelo grupo-classe, pelo contexto em que realizada e pelos recursos

    materiais e humanos envolvidos.

    Segundo Macedo (1994), podemos afirmar que se existem modificaes que

    perturbam o sujeito, implicando em regulaes, da mesma forma, algumas

    regulaes implicam compensaes. Uma compensao uma ao de sentido

    contrrio a determinado efeito que tende a anul-lo ou neutraliz-lo. (p. 150).

    Graas s compensaes, os sujeitos podem lidar com as transformaes ocasionadas

    pelas perturbaes reagindo ou antecipando-se a elas, consistindo estes processos de

    regulao e compensao em construes novas.

    A constncia com que este ciclo repete-se a partir do levantamento de novos

    problemas medida que os anteriores so resolvidos, levou Piaget (1977a ) a afirmar

    que a equilibrao cognitiva nunca tem um ponto de paragem, a no ser

    provisoriamente. (p. 45). Porm como j o fizemos anteriormente, trata-se de

    destacar que esta equilibrao tem uma direo positiva, consistindo na construo

    de estruturas orientadas para um equilbrio melhor e que denominado equilibrao

    majorante.

    Esta majorao traduz-se de duas maneiras, conforme as melhorias resultam apenas do xito das regulaes compensadoras, e, portanto, do equilbrio momentneo atingido, ou as novidades ressaltam (por abstraes reflectivas) do prprio mecanismo destas regulaes. (Piaget, 1977a, p. 47)

    A continuidade do processo modificao-perturbao-regulao-

    compensao-equilibrao, garante uma melhoria sucessiva das estruturas do sujeito

    que a cada reequilibrao incorporaria as construes precedentes garantindo que

    cada novo equilbrio seja sempre majorante. Este novo equilbrio d-se por abstrao

    reflexiva que consiste em tomar ao nvel precedente elementos que podem permitir

    uma reconstruo ou reorganizao cognitiva num nvel superior.

    As regulaes evoluem em dois sentidos: um que se alimenta das

    construes anteriores e outro que antecipa as necessidades do momento seguinte,

    dando origem a novas equilibraes atravs da abstrao reflexiva. ...o sistema

    superior constitui ento um regulador que exerce a sua orientao sobre as

    regulaes do patamar inferior. (Piaget, 1977a , p. 52).

    Considerando-se os aspectos da teoria piagetiana explicitados at aqui,

    convm refletirmos se os processos de formao de professores tm atuado em

    direo ao favorecimento das construes de novas estruturas pelos sujeitos

  • 28

    envolvidos. Ser que, sem envolver os formandos num processo de tomada de

    conscincia das suas limitaes ou dificuldades possvel abrir novas possibilidades

    de aprendizagem? E enquanto os processos formativos no estimularem as interaes

    entre o professor-teoria, professor-professor, professor-formador, haver a

    possibilidade de construo de novos conhecimentos no lugar da atual transmisso?

    1.2.3 - Os observveis e as coordenaes

    De acordo com Macedo (1999e), os observveis e as coordenaes seriam

    como duas grandes tecnologias que utilizamos para nos relacionarmos com o mundo.

    So como dois grandes instrumentos cognitivos de acesso ao conhecimento.

    Piaget (1977a) define observveis e coordenaes da seguinte forma: Um

    observvel o que a experincia permite notar por uma leitura imediata dos prprios

    factos dados, ao passo que uma coordenao compreende inferncias necessrias e

    ultrapassa assim a fronteira dos observveis. (p. 62).

    O observvel o que pode ser observado por uma leitura imediata dos fatos

    em si mesmo. o que eu penso ler no mundo, enquanto que a coordenao implica

    uma relao, uma inferncia, uma interpretao daquilo que visto. A coordenao

    relacional. (...) h uma articulao de duas coisas ou mais (...) vendo algo entre

    elas, mas no nelas. (Macedo, 1999e, p.4).

    Os observveis do sujeito dependem das coordenaes do sujeito que lhe

    permitem notar aquilo que observa. As coordenaes do objeto dependem das

    coordenaes do sujeito que quem atribui ao objeto suas propriedades, que no se

    expressam por si mesmas.

    Utilizemos o professor e sua prtica pedaggica como exemplo. Um

    professor enquanto sujeito teria sua prtica pedaggica como objeto. Esta prtica tem

    caractersticas prprias, uma estrutura e uma dinmica funcional que a definem e que

    demonstram sua regularidade. As coordenaes do objeto so, ento, a estrutura que

    define a prtica pedaggica como ela . Um professor convidado a explicar sua

    prtica, pode no express-la da mesma forma que outro observador o faria,

    principalmente se este observador for, por exemplo um formador de professores.

    Por isso a afirmao de Piaget (op. cit.) de que os observveis do objeto

    dependem dos observveis do sujeito e de suas coordenaes. Observveis, temos

    de defini-los (...) por meio daquilo que o sujeito cr notar e no apenas daquilo que

  • 29

    pode ser notado. Isto significa que uma observao nunca independente dos

    instrumentos de registro (...) de que o sujeito dispe. (p.63).

    Observveis so condicionados por coordenaes de grau precedente, que se

    sucedem incorporando as anteriores e subdividem-se em observveis notados pelo

    sujeito sobre suas prprias aes e observveis registrados sobre o objeto. (Macedo,

    1999c).

    Quanto s coordenaes, implicam em inferncias necessrias e consistem

    em construo de relaes novas que vo alm do observvel. H coordenaes que

    por centrarem-se em aspectos muito delimitados levam a observaes incorretas,

    bem como coordenaes lacunares ou muito globais que resultam em observaes

    falsas.

    As coordenaes podem ser subdivididas em coordenaes entre aes,

    coordenaes entre objetos e coordenaes que incidem em propriedades

    momentneas dos objetos.

    Macedo (1999e) esclarece que os observveis e as coordenaes expressam

    o real sob perspectivas diferentes: a perspectiva do objeto e a perspectiva do sujeito.

    A perspectiva do objeto est relacionada com a objetividade do conceito, a lgica

    da cincia que importante porm insuficiente e incompleta.

    Na perspectiva do sujeito, a lgica est calcada na interpretao, na certeza

    subjetiva que tambm lacunar e insuficiente. preciso haver um equilbrio entre as

    duas lgicas, construindo-se conhecimento a partir da interdependncia entre ambas.

    O exemplo citado por Macedo (id. ibid.), adequa-se ao campo de

    investigao deste trabalho e consiste em analisar dentro da primeira perspectiva a

    didtica como uma cincia que do ponto de vista conceitual possui um campo de

    conhecimentos bem delimitado sobre o objeto que o ensino (princpios

    metodolgicos sobre planejamento e prtica de ensino). Na segunda perspectiva,

    preciso considerar o ponto de vista do professor enquanto sujeito: o que ele pensa

    sobre sua prtica, que estratgias utiliza ao ensinar, como se relaciona com as

    cincias da educao.

    Um trabalho de formao precisa articular estas duas perspectivas atuando

    ao mesmo tempo no sentido de tornar o objeto (neste exemplo, a didtica) menos

    formal e levar o sujeito (professor) a refletir tanto sobre os estudos tericos quanto

    sobre suas aes. Neste contexto a reflexo assume um duplo sentido: retirar algo de

  • 30

    um plano terico (livros, aulas, etc.) ou prtico (aes) e projet-lo no plano da

    representao, reorganizando este conhecimento em outro nvel.

    Segundo Piaget (1978, p. 172),

    A ao constitui um conhecimento (um savoir faire) autnomo, cuja conceituao somente se efetua por tomadas de conscincia posteriores e que estas procedem de acordo com uma lei de sucesso que conduz da periferia para o centro, isto , partindo das zonas de adaptao ao objeto para atingir as coordenaes internas das aes.

    Em outra obra, (Piaget, 1977b), o autor esclarece que, quando uma ao

    fracassa, necessrio buscar as causas do fracasso e por meio deste processo chega-

    se tomada de conscincia: a partir do que observado em relao aos resultados

    possvel buscar os pontos em que houve falha na aplicao dos esquemas do sujeito

    que frustraram a finalidade ou objetivo da ao. Para superar a falha preciso

    concentrar a ateno nos meios empregados e nas possveis correes ou

    substituies que se fazem necessrias. O mecanismo de tomada de conscincia

    aparece (...) como um processo de conceituao que reconstri e depois ultrapassa no

    plano da semiotizao e da representao o que era adquirido no plano dos esquemas

    de ao.(Piaget, 1977b, p. 204).

    Considerando estes aspectos apontados pela teoria possvel inferir que a

    valorizao do saber fazer dos professores um aspecto que precisa ser considerado

    durante a formao, sem no entanto, ignorar a necessidade de estimul-los a irem

    alm do conhecido, onde a tomada de conscincia sobre o que faz ou sobre o que

    pensa sobre aquilo que faz apenas o primeiro ponto desta caminhada longa e

    complexa. Ter um melhor conhecimento, tanto dos contedos escolares, quanto das

    caractersticas de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, ampliar os

    observveis e as coordenaes do professor, permitindo que ele observe e relacione

    aspectos do seu trabalho que anteriormente no conseguia faz-lo. (Macedo, 1994).

    A articulao entre a teoria e a prtica na formao contribuir para que o

    professor atue de forma mais consciente levando-o a perceber os valores culturais de

    seu trabalho olhando criticamente para as atividades e procedimentos que utiliza em

    sua sala de aula. Adquirindo maior autonomia sobre os aspectos que sustentam e

    determinam sua prtica, o professor deixar de ser um transmissor de conhecimentos,

    assumindo um papel de pesquisador capaz de recriar o velho e produzir novos

    saberes. Ser um profissional que alm de fazer, compreende aquilo que faz.

  • 31

    ...fazer compreender em ao uma dada situao em grau suficiente para atingir os fins propostos, e compreender conseguir dominar, em pensamento, as mesmas situaes at poder resolver os problemas por elas levantados, em relao ao porqu e ao como das ligaes constatadas e, por outro lado, utilizadas na ao. (Piaget, 1978, p.176).

    deste profissional que a educao atual est necessitando. Algum que

    no seja capaz apenas de executar aes automatizadas ou pensadas por outros e sim

    um sujeito que se preocupe com o como e o porqu, tendo em vista o carter nico

    da prtica pedaggica, uma vez que esta resulta de uma interao professor-aluno,

    cuja qualidade e riqueza no podem ser programadas na vspera, nem facilitadas por

    um manual.(Macedo, 1994, p.53).

  • 32

    1.3. - AS PRTICAS DE FORMAO DE PROFESSORES

    Nesta parte do trabalho mostraremos as contribuies mais recentes sobre as

    estratgias que se utilizam da discusso das prticas pedaggicas na formao de

    professores, detendo-nos na fundamentao do trabalho com os