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Estudos Especializados sobre a Gestão do Judiciário Catarinense – Volume 4 181 A relação da gestão de recursos humanos com o estágio de direito não obrigatório nos cartórios de vara única do Poder Judiciário de Santa Catarina Marilaine Eni Hebert Gilberto de Oliveira Moritz 1 Introdução Para o exercício da atividade jurisdicional na Justiça de Primeiro Grau de Santa Catarina, funcionam 111 comarcas, classificadas em entrância inicial, entrância final e entrância especial. Estas comarcas, quando o movimento forense assim o exigir, podem ser divididas em mais de uma vara, conforme estabelece o Código de Divisão e Orga- nização Judiciárias do Estado de Santa Catarina (Lei n. 5.624, de 09 de novembro de 1979). Atualmente existem 70 comarcas de entrân- cia inicial. Destas, 52 são classificadas como comarcas de vara única, constituídas de apenas um chefe de cartório e um chefe de secretaria, e três estagiários, além dos demais servidores efetivos. Para executar a atividade-meio, considerada o cumprimento de despachos e sentenças, além dos servidores efetivos e comissionados o Poder Judiciário conta com o trabalho de terceirizados, estagiários remunerados e não remunerados, de nível médio e superior, distri- buídos no Tribunal de Justiça e na Justiça de Primeiro Grau, quadro de pessoal gerenciado e supervisionado pela Diretoria de Recursos Humanos. O estágio de nível superior é uma oportunidade de o estudante vivenciar em uma realidade real o aprendizado teórico adquirido na faculdade, caracterizando-se o estágio não obrigatório como aquele

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A relação da gestão de recursos humanos com o estágio de direito não obrigatório nos cartórios de vara única do

Poder Judiciário de Santa Catarina

Marilaine Eni HebertGilberto de Oliveira Moritz

1 Introdução

Para o exercício da atividade jurisdicional na Justiça de Primeiro Grau de Santa Catarina, funcionam 111 comarcas, classificadas em entrância inicial, entrância final e entrância especial. Estas comarcas, quando o movimento forense assim o exigir, podem ser divididas em mais de uma vara, conforme estabelece o Código de Divisão e Orga-nização Judiciárias do Estado de Santa Catarina (Lei n. 5.624, de 09 de novembro de 1979). Atualmente existem 70 comarcas de entrân-cia inicial. Destas, 52 são classificadas como comarcas de vara única, constituídas de apenas um chefe de cartório e um chefe de secretaria, e três estagiários, além dos demais servidores efetivos.

Para executar a atividade-meio, considerada o cumprimento de despachos e sentenças, além dos servidores efetivos e comissionados o Poder Judiciário conta com o trabalho de terceirizados, estagiários remunerados e não remunerados, de nível médio e superior, distri-buídos no Tribunal de Justiça e na Justiça de Primeiro Grau, quadro de pessoal gerenciado e supervisionado pela Diretoria de Recursos Humanos.

O estágio de nível superior é uma oportunidade de o estudante vivenciar em uma realidade real o aprendizado teórico adquirido na faculdade, caracterizando-se o estágio não obrigatório como aquele

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de iniciativa do próprio aluno. Quando formalizado o contrato, o es-tudante passa a fazer parte do quadro de pessoal da comarca, como estagiário, exercendo atividades similares às dos servidores efetivos, porém com natureza contratual distinta.

Conforme Relatório Estatístico – 2010 elaborado pela Assesso-ria de Planejamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC, 2010), o ano foi concluído com 1.676 estagiários remunerados na área de direito, distribuídos em Cartórios e Gabinetes de 1º e 2º graus. O trabalho dos servidores efetivos, aliado a este número ex-pressivo de estagiários, contribui para o cumprimento de despachos e sentenças, no que concerne aos cartórios judiciais.

Enquanto o estagiário adquire a informação teórica na univer-sidade e a articula com o cotidiano das comarcas, os servidores do quadro efetivo são capacitados por meio de vários cursos, em todas as áreas, sobretudo os que exercem funções de gerência, no que diz respeito à gestão de recursos humanos, em atenção às metas defla-gradas pelo Conselho Nacional de Justiça.

A tendência atual na área de administração de recursos huma-nos coloca as pessoas e a organização em parceria, uma agregando valor à outra. A oportunidade de o colaborador adquirir novos co-nhecimentos e reciclar o conhecimento que já detém, agrega valor à organização, tornando-a mais competitiva. O Poder Judiciário de Santa Catarina está sensível a essas mudanças e vem procurando se adaptar a elas. Conforme o Plano de Ação Estratégica por uma Jus-tiça Democrática e Cidadã, resultante do Planejamento Estratégico iniciado em 2000 (TJSC, 2012?a), “a modernidade gerencial que al-cança a iniciativa privada e a torna eficaz e produtiva tem de ser im-plementada, com os devidos temperos também no serviço público.”

Na tendência abordada em que o setor de recursos humanos trabalhará mais com o desenvolvimento das pessoas em organiza-ções que aprendem, o Programa de Estágio do Poder Judiciário de Santa Catarina requer um olhar inovador. Considerando o número significativo de estagiários de direito, a transitoriedade nas unidades judiciais e as atividades que exercem na Justiça de Primeiro Grau,

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pretende o presente trabalho identificar qual é a relação da gestão de recursos humanos com o estágio de direito não obrigatório no Poder Judiciário de Santa Catarina.

Para responder à pergunta do presente trabalho buscou-se apontar a legislação brasileira acerca do estágio não obrigatório, des-crever o funcionamento do Programa de Estágio do Poder Judiciário de Santa Catarina e estabelecer uma relação com os quatro mode-los teóricos de gestão de recursos humanos concebidos por Fischer (2002).

2 Referencial teórico

2.1 Legislação que disciplina o estágio de terceiro grau

O estágio de estudantes encontra-se disciplinado na Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008, que altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo De-creto-Lei n. 5.452, de 1º. de maio de 1943, e a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis n. 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6º da Medida Provisória n. 2.164-41, de 24 de agosto de 2001.

Apresenta-se ao estudante, futuro trabalhador, a opção do es-tágio, por um período máximo de dois anos, enquanto oportunidade para o desenvolvimento de competências por meio da aplicação prá-tica do conhecimento adquirido nos bancos escolares. O artigo 1º da Lei n. 11.788/08 define:

Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desen-volvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam fre-qüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamen-

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tal, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.

A lei apresenta a Definição, a Classificação e as Relações de Es-tágio, disciplinando as obrigações e direitos da Instituição de Ensino, da Parte Concedente e do Estagiário. Estabelece ainda acerca da Fis-calização e das Disposições Gerais.

2.2 O estágio de terceiro grau na gestão de recursos humanos do Poder Judi-ciário de Santa Catarina

No âmbito do Poder Judiciário de Santa Catarina, o geren-ciamento e supervisão do quadro de pessoal da Justiça de Primeiro Grau e da Secretaria do Tribunal de Justiça, são realizados pela Di-retoria de Recursos Humanos. A Seção de Terceirizados e Estagiá-rios da Divisão de Provimento de Cargos cuida da movimentação do estágio de direito não obrigatório, também entendido como estágio remunerado.

A atribuição definida no sítio do Poder Judiciário para sua Dire-toria de Recursos Humanos encontra-se expressa a seguir:

Compete à Diretoria de Recursos Humanos planejar, coordenar, organizar, supervisionar, executar, orientar e controlar o sistema de pessoal relativo à captação, capa-citação, movimentação, avaliação, acompanhamento e remuneração, bem como ao controle de registros de direi-tos, deveres e benefícios funcionais dos magistrados e ser-vidores ativos e inativos do Poder Judiciário e dos juízes de paz e seus suplentes. (SANTA CATARINA, 2008).

No que diz com o estágio encontramos:

Seção de Terceirizados e Estagiários. Controlar e acom-panhar as vagas de estágio obrigatório e não obrigatório; analisar processos de contratação de estagiários; entrevis-tar e selecionar estagiários do Ensino médio para atuação

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junto a Secretaria do Tribunal de Justiça; elaborar termos de compromisso de estágio remunerado e não-remunera-do; efetuar contatos com instituições de ensino; controlar os postos de trabalho terceirizado; analisar e emitir pare-cer nos processos de pagamento às empresas terceiriza-das e controlar e acompanhar as vagas do serviço volun-tário. (SANTA CATARINA, 2008).

A Resolução n. 18/08-GP, alterada pela Resolução n. 26/2010-GP disciplina o estágio de Estudantes de Educação Superior e En-sino Médio, mediante Programa de Estágio, adequando-se a Lei n. 11.788/08. Estabelece a resolução, entre outras, a responsabilidade da Direção do Foro da Comarca pelo recrutamento e seleção dos estagi-ários; a descrição no termo de compromisso com a instituição de ensino acerca das tarefas a serem realizadas pelo estagiário serem compatíveis com o projeto pedagógico do curso; a indicação de professor orientador; a responsabilidade do Tribunal de Justiça em indicar supervisor de está-gio e este de fiscalizar as atividades do acadêmico.

A Instrução Normativa n. 01/09-DRH disciplina a contratação de estagiários nos termos da Resolução n. 18/08-GP e estabelece que a forma de recrutamento e seleção dos estagiários de nível superior será por conta de cada unidade judiciária.

2.3 Histórico dos modelos de Gestão de Recursos Humanos

Dispor do potencial das pessoas em prol da organização, visan-do conferir a esta maior competitividade, tem sido a preocupação atual da maioria das empresas privadas e públicas. A maneira como a pessoa emprega sua força de trabalho contribuindo para a excelên-cia da empresa, ao mesmo tempo em que esta lhe garante oportuni-dades de desenvolvimento, ganha preocupação dos administradores desta época visando níveis de excelência na prestação de serviços e oferta de produtos. Isso nem sempre foi assim, considerando-se que a visão das pessoas, no decorrer da história, foi meramente de “um recurso a ser administrado” (DUTRA, 2002).

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Segundo Dutra (2002), extraindo o pensamento da maioria dos autores brasileiros, o modelo de gestão de pessoas no Brasil acompa-nhou as fases históricas brasileiras, demonstrando que os dirigentes profissionais foram formados numa escola da administração baseada em referenciais tayloristas e em características legais. Da década de noventa em diante esta formação começou a ser repensada.

De acordo com Fischer (2002, p. 12), a gestão de pessoas é a “maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orien-tar o comportamento humano no trabalho” estabelecendo princípios, estratégicas, políticas e processos de gestão que servem de base para as pessoas que nela trabalham. A forma de administrar os recursos humanos foi se modificando no tempo, influenciada pelo momento histórico, em sua dimensão social, política e comportamental. Anali-sando estas influências, o autor divide os modelos de gestão de pes-soas em quatro correntes históricas: departamento de pessoal, gestão do comportamento, gestão estratégica e vantagem competitiva.

No modelo de Gestão de Pessoas como Departamento de Pes-soal o empregado é visto como um fator de produção igual aos de-mais custos da empresa. As tarefas são analisadas em função de seus tempos e movimentos. Os departamentos pessoais surgiram nos Esta-dos Unidos como necessidade do desenvolvimento industrial, volta-dos aos trâmites processuais e burocráticos. A função dos gerentes de pessoas era recrutar pessoas que produzissem mais com menor custo.

A Gestão do Comportamento Humano foi um modelo influen-ciado pela psicologia e suas teorias organizacionais deslocando o cen-tro da atenção das tarefas para o ser humano. No modelo humanista a pessoa passou a ser vista como essencial para a organização. Nesta fase os gerentes de linha passaram a ter importância. Destacam-se o treinamento gerencial e a motivação. O foco era o comprometimento dos empregados e sua adaptabilidade com a empresa.

Neste ponto da história evidencia-se a transição da administra-ção de pessoal para a gestão de recursos humanos; embora estes ter-mos sejam muitas vezes utilizados como sinônimos, esforçam-se os estudiosos com estudos acerca de sua diferenciação.

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No modelo Gestão Estratégica de Pessoas a gestão de recursos hu-manos é questão estratégica da organização, ou seja, deve ser pensada a partir das políticas corporativas da empresa. Neste modelo, a área de recursos humanos vincula-se ao planejamento estratégico, não sendo ne-cessária apenas a busca pela motivação genérica do indivíduo. O mode-lo de gestão passa a ser um elemento de diferenciação.

No modelo Gestão de Pessoas baseado nas Competências a atuação da empresa é considerada em um ambiente competitivo e voltada para o cliente externo. O desempenho humano, que afetava diretamente a organização na fase anterior, agora ganha mais ênfa-se. Este modelo enfatiza “a relação entre o desempenho humano e o resultado da organização”. (GIRARDI, 2009, p. 12). A empresa deve proporcionar o desenvolvimento das competências do ser humano melhorando o desempenho individual para que ela, como organiza-ção, também se desenvolva.

3 Metodologia

A presente pesquisa é de natureza quantitativa, com caráter des-critivo e exploratório em face de não existir estudos pertinentes ao tema. Conforme Roesch (2009) para obter-se a opinião dos integran-tes de um grupo usa-se um “estudo de caso de caráter descritivo” e para os temas pouco abordados utilizam-se “pesquisas exploratórias”.

Para obtenção dos dados da pesquisa utilizou-se do estudo de caso, bem como da pesquisa de campo, da pesquisa bibliográfica, da observação participante e da pesquisa documental.

O universo da pesquisa foi o número total de Comarcas de Vara Única do Poder Judiciário de Santa Catarina, consideradas no mês de novembro de 2011. As motivações da escolha foram o fato de que neste tipo de Unidade atua apenas um Juiz de Direito, por conseguin-te é o Diretor do Foro e um chefe de cartório, além da facilidade de localização do correio eletrônico das varas únicas no sítio do Tribunal de Justiça para envio do questionário.

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A pesquisa foi aplicada através de questionário semiestruturado, enviado às varas únicas por meio do correio eletrônico institucional, aberto diariamente pelos chefes de cartório. Solicitou-se a eles que respondessem ao questionário e o enviassem também por correio ele-trônico. O questionário foi elaborado com dezoito questões, formula-das com base no quadro teórico, abrindo espaço na última questão para considerações. Foi aplicado um único pré-teste.

4 Apresentação e análise dos dados

Registra-se que a data de envio dos questionários (fim de no-vembro de 2011), próxima do recesso do poder Judiciário, prejudi-cou as respostas. A aplicação de um único pré-teste impediu a obser-vância de outros fatores impeditivos ao estímulo nas respostas, como uma possível percepção pelo respondente do questionário objetivar extrair somente o tipo de gestão local em relação ao estágio. A impor-tância do tema não ficou clara para os responsáveis pelas unidades.

Mesmo com um retorno de 11,54% dos questionários, os da-dos obtidos acerca do funcionamento do estágio não remunerado nas unidades judiciais pesquisadas firmam a importância da relevância do tema. A realidade é conhecida empiricamente. Quando se propôs a pesquisa sua preocupação maior era trazer o tema à baila. E este objetivo encontra-se aqui cumprido.

De acordo com os resultados obtidos, revela-se o cumprimento da legislação aplicada nas comarcas pesquisadas, como a existência da figura do supervisor, a seguir descrita:

Inciso III do artigo 9º da Lei n. 11.788/2008 – “Indicar funcio-nário de seu quadro de pessoal, com formação ou experiência pro-fissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até 10 (dez) estagiários simultaneamente;”

Inciso IV do artigo 11 da Resolução n. 18/08-GP – “Indicar, no Termo de Compromisso, o nome do servidor/magistrado que atuará como supervisor do estágio;”

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Artigo 12 da Instrução Normativa n. 01/09-DRH – “O Poder Judiciário deverá designar servidor para exercer as funções de Su-pervisor de Estágio, comunicando à Instituição de Ensino se houver alteração.”

A função de supervisor é delegada ao chefe de cartório, não tendo recebido ele qualquer tipo de treinamento sobre o referido pa-pel. Registrou-se a inexistência de reunião entre o Professor Orienta-dor, o Supervisor de Estágio e o Estudante, figuras que integram as relações de estágio.

A legislação interna do Poder Judiciário, através das Resoluções e Instruções Normativas apontadas no presente artigo, confere à Dire-ção do Foro a responsabilidade pelo recrutamento e seleção dos esta-giários. Nas Unidades estudadas constatou-se que os participantes da seleção se dividem em chefe de cartório e juiz diretor do foro; chefe do cartório, chefe da secretaria e TJA; e assessor e juiz. Conclui-se uma ampliação da compreensão da normatização. O estagiário atua-rá no cartório e sob a supervisão do chefe de cartório, logo nada mais coerente o chefe de cartório participar da seleção definindo inclusive seus critérios.

Existe uma preocupação com o recrutamento dando-lhe algum rigor formal, como o edital de seleção divulgado nas universidades. Em relação à seleção, menção para a prova escrita acerca de temas da atualidade e redação, além de entrevista para análise de desen-voltura, segurança e conhecimento. Houve uma resposta que indicou como critério ser a questão financeira do candidato uma regra de le-gislações anteriores.

Também verifica-se a prática da seleção por currículos, entrevis-tas e indicações, sobretudo em comarcas com poucos estudantes nela residentes ou interessados. Nenhuma pergunta é feita ao candidato ao estágio acerca do seu conhecimento sobre a Missão do Poder Ju-diciário, com exceção de uma resposta onde o respondente acredi-ta que o Juiz procura ver a visão do candidato sobre a conciliação. “Promover meios adversariais de solução de conflitos” é um dos ob-jetivos esculpidos em Procedimentos Internos no Planejamento Estra-

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tégico do Poder Judiciário visando atingir a Visão de “Ser reconheci-do como um Judiciário eficiente, célere e respeitado pela Sociedade”. (SANTA CATARINA, 2009).

O aprendizado do estagiário fica a cargo dos Técnicos Judiciá-rios Auxiliares e do chefe de cartório através da realização de tarefas similares às dos servidores efetivos, como atendimento e expedição de documentos. Na medida de seu aprendizado, exerce atividades mais complexas. O estagiário geralmente não completa o período de dois anos em cartório, sendo relotado no gabinete do Juiz, sobretudo quando se destaca. Isso gera alta rotatividade para o cartório, além de demanda com replanejamento e capacitação de novos estagiários.

Nas considerações apontadas pelos respondestes é descrita a importância do trabalho do estagiário e como a figura deste é de grande contribuição nas unidades desprovidas de Técnicos Judiciá-rios Auxiliares (TJA’s). Realidade reconhecida como sendo modifica-da pelo Poder Judiciário com a ampliação de seu quadro funcional e a colocação de novos TJA’s e Analistas Jurídicos.

Ainda em relação às considerações, destaque para um respon-dente que reconhece o não funcionamento adequado do estágio, mas que, dada a realidade das unidades, pelo excesso de serviço, pouco pode ser feito.

Os gestores das varas judiciais fazem seus papéis. Agora a área de recursos humanos deve estudar uma política que agregue uma proposta em nível estadual.

Cada comarca foi adaptando seu jeito de recrutar, selecionar e proporcionar o aprendizado, com pontos comuns e isolados, sem par-ticipação da Diretoria de Recursos Humanos, que cumpre a função apenas legal de orientar para a devida observância dos aspectos le-gais.

Conforme Fischer (2002), quando a organização pauta sua pre-ocupação com o cumprimento dos aspectos burocráticos e processuais o modelo de gestão de pessoas pode ser qualificado como Depar-tamento de Pessoal. No que diz com a condução do Programa de

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Estágio este parece ser o modelo adotado pelo Poder Judiciário. No entanto, os gestores locais criam um sistema próprio de recrutamento, seleção e treinamento, aproximando-se ao modelo Gestão do Com-portamento Humano.

5 Conclusão

Foi possível, no presente estudo, verificar que a legislação bra-sileira acerca do estágio não obrigatório no Poder Judiciário é devi-damente observada e que o Programa de Estágio deste Poder foi de-vidamente adequado conforme Resoluções e Instruções Normativas.

A direção do foro da unidade judicial, cumprindo o papel de-finido na lei, amplia a compreensão da norma e, com criatividade, crias mecanismos de seleção, agregando outros agentes na mesma, como o chefe de cartório. Esta prática pode ser entendida como um passo avançado, porém pode ser considerada um retrocesso quando, após a seleção, a lógica da produção supera a lógica do aprendizado.

A percepção da figura do estagiário é de ser ele mais um no cumprimento nas tarefas; e essa crença passou a fazer parte da cultu-ra organizacional do Poder Judiciário. Segundo Fleury, 2004:

a cultura é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expresso em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação.

A área de recursos humanos exerce papel preponderante no se-tor público contribuindo para que ele preste um serviço com mais efe-tividade. Significa que a postura diante do recurso humano estagiário deve transcender ao modelo de administradora de tarefas. O sistema ganha-ganha pode ser aplicado ao programa de Estágio: a Instituição

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define o perfil do estagiário e este recebe aprendizado eficaz ao seu futuro profissional.

Outro ponto importante trazido no presente estudo é acerca da alta rotatividade dos estagiários em cartório. Além da previsão de apenas dois anos de estágio, alguns estagiários permanecem menos do que isso em cartório, pois são remanejados aos gabinetes. Con-forme relatado, ascendem os que se destacam, ou seja, além do ônus do replanejamento, o chefe de cartório ainda perde um bom recurso humano. Embora não se tenha levantado este dado na pesquisa, é possível que haja o desestímulo dos demais estagiários, com a sobre-carga de trabalho e o não reconhecimento.

Quando fala-se em Instituição, fala-se em todos os seus colabo-radores, logo políticas específicas de gestão podem ser pensadas para o Programa de Estágio, conferindo ao Poder Judiciário um diferen-cial competitivo em relação aos demais Estados. Quando o cidadão é atendido a ele não importa se o servidor é efetivo ou estagiário, aliás, geralmente é o estagiário quem faz o atendimento.

Não foram encontrados estudos acerca do proposto no presente artigo. Os poucos estudos que existem gravitam em torno de questões trabalhistas ou da exploração do estagiário como mão de obra bara-ta. A Lei n. 11.788/08 avançou em relação aos direitos dos estagiá-rios, porém não era objetivo deste trabalho entrar nesta discussão.

A pretensão deste artigo era registrar que os estagiários integram os recursos humanos do Poder Judiciário, constituindo-se em clientes internos. Assim, o Programa de Estágio pode ser pensado para além de um cumprimento burocrático e legalista, mediante a ampliação do conceito da normatização, conferindo à mesma um caráter mais pe-dagógico e menos processualista. Requer uma política global e não localizada. Os estagiários serão os operadores futuros do direito: juí-zes, promotores, delegados, servidores efetivos e advogados. Devem ser profissionais mais qualificados diante da oportunidade do estágio.

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Referências

BRASIL. Lei n. 11.788, de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de estudantes; altera a redação do art. 428 da consolidação das leis do trabalho - clt, aprovada pelo decreto-lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, e a lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as leis n°s 6.494, de 7 de dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do art. 82 da lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6° da medida provisória n° 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Legislativo, Brasília, DF, p. 3, 26 set. 2008.

DUTRA, Joel Souza. Gestão de Pessoas. Modelo, processos, tendências e perspectivas. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

FISCHER, A. L. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: FLEURY, M. (org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002.

FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza Leme. Estratégias empresariais e formação de competências. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

GIRARDI, Dante. Gestão do conhecimento e gestão de pessoas. Consultoria interna de RH: conceitos e procedimentos. Florianópolis: Pandion, 2009. Vol. 1.

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A relação da gestão de recursos humanos com o estágio de direito não obrigatório nos cartórios de vara única do Poder Judiciário de Santa Catarina

SANTA CATARINA. Lei n. 5.624, de 09 de novembro de 1979. Dispõe sobre a adaptação do Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado de Santa Catarina à Lei Orgânica da Magistratura Nacional e dá outras providências. Diário Oficial 11.60. Assembléia Legislativa, Santa Catarina, 22 nov. 1979.

______. Resolução n. 18/2008–GP, de 05 de novembro de 2008. Disciplina o estágio de estudantes de Educação Superior e Ensino Médio, mediante Programa de Estágio. Revoga as Resoluções: 21/00-GP, 38/02-GP, 26/06-GP, 27/06-GP, 36/07-GP. Alterado o inciso I do art. 4º pela Resolução n. 01/09-GP, acrescentando-se, ainda, o parágrafo único. Diário da Justiça Eletrônico n. 565, p. 1-3, 05 nov. 2008.

______. Instrução normativa n. 01/09-DRH, de 30 de janeiro de 2009. Disciplina a contratação de estagiários, nos termos da Resolução n. 18/2008-GP. Diário da Justiça Eletrônico n. 616, p. 9-11, 02 fev. 2009.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Relatórios estatísticos. 2010. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/institucional/estatistico/2010/index.html>. Acesso em: 20 out. 2011.

______. Assessoria de Planejamento. Plano de Ação Estratégica. [2012?]a. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/adm/asplan/plano_de_acao_estrategica.pdf>. Acesso em 15 jan. 2012.

______. Diretorias. Seção de terceirizados e estagiários. [2012?]b. Disponível em <http://www.tjsc.jus.br/institucional/diretorias/drh/atribuicoes.htm>. Acesso em: 20 out. 2011.