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O Judiciário Catarinense na Perspectiva dos seus Servidores – Volume 3 163 A Ferramenta de Prospecção de Cenários no Processo de Tomada de Decisão Marlon Negri Wanderley Horn Hulse 1 Introdução A velocidade do aumento do conhecimento, assim como sua aplicação como forma de sobrevivência organizacional, implica e re- sulta em rápidas transformações no ambiente, nem sempre previsí- veis, que exigem posturas diferentes dos gestores, colocados diante de ambientes bem mais instáveis que outrora (MORITZ, 2008, p. 69). Assim, para melhorar o enfrentamento de tais mudanças e pro- vocar um salto qualitativo na elaboração das estratégias das organiza- ções e no seu processo de tomada de decisão, a prospecção de cená- rios representa um recurso significativo para se visualizar e formular situações futuras. Aliás, a prospecção de cenários é um esforço da ciência em son- dar o tempo, através de seus atores e de suas variáveis, no sentido de revelar as tendências que devem ser observadas e identificadas no esforço constante do homem em busca de entender e compreender cada vez mais o seu futuro e o seu destino neste universo de comple- xidade que se verifica (MORITZ et al., 2010, p. 2). Porém, elaborar cenários não é um exercício de predição, mas sim um esforço de fazer descrições plausíveis e consistentes de situa- ções futuras possíveis, apresentando condicionantes do caminho en- tre a situação atual e cada cenário futuro e destacando os fatores rele- vantes às decisões que precisam ser tomadas (WRIGHT, 2010, p. 59).

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O Judiciário Catarinense na Perspectiva dos seus Servidores – Volume 3 163

A Ferramenta de Prospecção de Cenários no Processo de Tomada de Decisão

Marlon NegriWanderley Horn Hulse

1 Introdução

A velocidade do aumento do conhecimento, assim como sua aplicação como forma de sobrevivência organizacional, implica e re-sulta em rápidas transformações no ambiente, nem sempre previsí-veis, que exigem posturas diferentes dos gestores, colocados diante de ambientes bem mais instáveis que outrora (MORITZ, 2008, p. 69).

Assim, para melhorar o enfrentamento de tais mudanças e pro-vocar um salto qualitativo na elaboração das estratégias das organiza-ções e no seu processo de tomada de decisão, a prospecção de cená-rios representa um recurso significativo para se visualizar e formular situações futuras.

Aliás, a prospecção de cenários é um esforço da ciência em son-dar o tempo, através de seus atores e de suas variáveis, no sentido de revelar as tendências que devem ser observadas e identificadas no esforço constante do homem em busca de entender e compreender cada vez mais o seu futuro e o seu destino neste universo de comple-xidade que se verifica (MORITZ et al., 2010, p. 2).

Porém, elaborar cenários não é um exercício de predição, mas sim um esforço de fazer descrições plausíveis e consistentes de situa-ções futuras possíveis, apresentando condicionantes do caminho en-tre a situação atual e cada cenário futuro e destacando os fatores rele-vantes às decisões que precisam ser tomadas (WRIGHT, 2010, p. 59).

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Para melhor compreensão da matéria, mas sem o objetivo de esgotá-la, e de verificar se, de fato, o recurso da prospecção de ce-nários é importante para o processo de tomada de decisão nas or-ganizações, o presente trabalho debruçar-se-á sobre a decisão em administração e o processo decisório, bem como sobre a ferramenta de prospecção de cenários, historiando-a no mundo e no Brasil para, posteriormente, conceituá-la e apresentar, com brevidade, suas carac-terísticas e outros aspectos, findando com a sua importância no pro-cesso de tomada de decisão.

A presente pesquisa mostra-se relevante na medida em que o processo de tomada de decisão é uma das maiores responsabilidades do administrador de uma organização, de modo que, para que tal processo revele-se mais eficaz e eficiente, é muito importante que o tomador de decisão entenda e controle no maior nível possível o am-biente no qual atua.

2 Revisão da literatura

Decisão é o ato ou efeito de decidir. Decidir significa escolher uma dentre várias alternativas de ação que se oferecem para alcançar determinado propósito e renunciar a todas as outras. Toda decisão é, portanto, um processo que envolve simultaneamente escolha e re-núncia (ABRAMCZUK, 2009, p. 27).

A cadeia de reflexões e ações que se estende entre o instante em que ocorrer a percepção da necessidade de agir e o momento em que se escolhe uma linha de ação é denominada processo de decisão (ABRAMCZUK, 2009, p. 43).

A técnica de cenários, que auxilia o administrador no processo de tomada de decisão, é um conjunto formado pela descrição coeren-te de uma situação futura e pelo encaminhamento imaginado e cria-do dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação futura (GODET, 1993 apud MORITZ; PEREIRA, 2005, p. 2).

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Segundo Schwartz (2006, p. 18), os cenários aparecem pela pri-meira vez logo após a Segunda Guerra Mundial, como um método de planejamento militar. A Força Aérea dos EUA tentou imaginar o que seu oponente tentaria fazer e preparou estratégias alternativas. Nos anos 60, Herman Kahn, que fizera parte do grupo da Força Aé-rea, aprimorou os cenários como ferramenta para o uso comercial.

A finalidade dos cenários é, consoante Heijden (apud MORITZ et al., 2009, p. 5), “ampliar a compreensão do sistema, identificar os elementos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos que conduziam esse sistema, o que levaria a uma melhor tomada de decisão”.

3 Metodologia

Uma pesquisa ou um estudo pode ser definido como um proce-dimento racional e sistemático, que tem como objetivo procurar res-postas aos problemas propostos (GIL, 2002).

Conforme Moretto et al. (2009), diversas classificações, utili-zando-se um leque expressivo de autores na área, podem ser usadas para descrever um mesmo estudo, as quais se diferenciam de acordo com as variáveis, técnicas e instrumentos utilizados nas etapas desen-volvidas durante o processo de pesquisa ou de estudo.

No tocante ao tipo de estudo, pode-se classificá-lo como sen-do qualitativo e predominante descritivo e interpretativo, cujas suposições baseiam-se na ideia de que a realidade social não existe em um sentido concreto, mas isso sim é produto da subjetividade e das experiências dos indivíduos e das organizações (MORITZ et al., 2010, p. 3).

Para atingir o objetivo a que se destina esta pesquisa, foram pesquisados livros sobre decisão em administração e processo deci-sório, sem querer esgotá-los. A seguir, foram feitas pesquisas nos prin-cipais livros de cenários prospectivos e nos artigos mais recentes que

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abordam as tendências relevantes que irão influenciar o futuro das organizações e da sociedade.

Assim, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, o método de abordagem indutivo e o método de procedimento monográfico.

Outrossim, o presente artigo cientifico é eminentemente de revi-são, pois analisa e discute trabalhos já publicados e está baseado em revisões bibliográficas.

A verificação da importância da técnica de prospecção de ce-nários no processo de tomada de decisão é o objetivo final. Ela foi analisada com base no que já foi escrito sobre o assunto em pauta.

Salienta-se, em arremate, que, em função da complexidade do assunto, muitas limitações surgiram ao longo do estudo efetu-ado e, em decorrência, espera-se que os leitores transformem estas limitações em sugestões para novos estudos e pesquisas neste campo imprevisível de conhecimento que é o futuro.

4 Apresentação e análise dos dados

4.1 Decisão em administração

Definir decisão não é tarefa simples. Na literatura sobre proces-so decisório, dependendo do autor escolhido, a definição de decisão pode incluir ou excluir conceitos auxiliares, ser mais sintética ou deta-lhada, ampla ou restrita, descritiva ou prescritiva, enfim, pode enve-redar por caminhos distintos na viagem do conhecimento, cada um representando particular abordagem do problema e delimitando um dado interesse de análise (YU et al., 2011, p. 4).

Objetivamente, tem-se, porém, que decisão é o ato ou efeito de decidir. Decidir significa escolher uma dentre várias alternativas de ação que se oferecem para alcançar determinado propósito e renunciar a todas as outras. Toda decisão é, portanto, um processo que envolve simultaneamente escolha e renúncia (ABRAMCZUK, 2009, p. 27).

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Decidir é um dos atos humanos mais realizados todos os dias, muitas vezes sem a percepção do seu exercício – desde decisões sim-ples e com consequências triviais até casos que, pela complexidade e grande responsabilidade, traduzem momentos marcantes na vida e interferem no sono e na qualidade de vida (YU et al., 2011, p. 3).

Ainda, consoante Yu et al. (2011, p. 5):

Seja um time de futebol, envolvendo negócios na casa dos milhões, ou uma corporação industrial que decide seus planos estratégicos de crescimento no mercado glo-bal, duas premissas tornaram-se reais no decorrer histó-rico das organizações mundiais: (i) administrar é decidir, e (ii) todas e quaisquer ações precisam ser escolhidas em função de restrições ambientais. As funções administrati-vas básicas de planejar, organizar, dirigir e controlar, des-de quando foram estabelecidas pelos pais da Administra-ção Moderna, Taylor e Fayol, envolvem intrinsecamente o ato de decidir. Analogamente, as atividades organizacio-nais são essencialmente atividades de tomada de decisão e resolução de problemas, seja qual for o nível hierárqui-co observado ou a natureza organizacional, possibilitando a constante reorientação de seus objetivos e atividades.

Assim, verifica-se que o processo de tomada de decisão é uma das maiores responsabilidades do administrador de uma organiza-ção (MORITZ et al., 2009, p. 2). Haverá aqueles que se preparam à exaustão para esse momento, outros que preferem a intuição e a emergência natural de uma luz sobre o problema ou dúvida em ques-tão. Entre os metódicos, time dos primeiros, e os iluminados, repre-sentando os segundos, há uma combinação e grande variedade de estilos observada sobre aqueles que decidem nas organizações. Na-turalmente, entretanto, todos dirão que decidir não é uma das tarefas mais fáceis no interior da vida organizacional. Evidentemente haverá alguém que dirá que adora decidir, mas provavelmente não gosta de

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implementar as decisões e talvez descobrir-se-á que esse é um caso de incompletude organizacional (YU et al., 2011, p. 5-6).

Aliás, segundo Yu et al. (2011, p. 21):

O decisor deverá estar treinado tecnicamente para operar o processo, mas também para evitar erros de percepção e de julgamento, os quais, quando não identificados e devidamente tratados, aumentam a incerteza da decisão pelo lado de quem deve analisar a interpretar os dados. Portanto, tomar decisões é um processo que pode ser en-sinado e treinado. É uma combinação de arte e ciência cujo treinamento permite aumentar a probabilidade dos acertos, vendo-se a qualidade do processo decisório não como uma garantia de sucesso, mas como um conjunto de providências e ações que permitem conscientemen-te (i) aumentar as chances de sucesso, (ii) minimizar as chances de fracasso e, se mesmo assim, o risco diminuído não evitar o erro, (iii) aprender com ele e não repeti-lo.

Em que pesem abordagens mais intuitivas e de criatividade, o foco da Decisão em Administração privilegia o conceito de raciona-lidade limitada que o prêmio Nobel, Herbert Simon, na década de 1950, estabeleceu claramente como pano de fundo dos processos de-cisórios nas organizações. Segundo essa perspectiva, a decisão sem-pre se relaciona a quem decide e às condições da situação que envol-ve. No lugar da decisão ótima, mas também a considerando como alternativa, discute-se a decisão possível e mais plausível. Novas des-cobertas vieram depois, a neurociência descobrindo a fonte dos pro-cessos intuitivos, o comportamento aparentemente irracional do ser humano em algumas escolhas, enfim, outro Nobel premiou aspectos da tomada de decisão por meio de Daniel Kahneman em 2002, que, com Tversky, desenvolveu pesquisas sobre o comportamento das pessoas em decisões que envolvem riscos. Ambos descobriram que os indivíduos possuem características como tendências ou vieses em seus processos decisórios, o que os torna suscetíveis a erros de jul-gamento baseados nessas regras ou preferências inconscientes. Uma

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aparente irracionalidade dessas decisões demonstrou aversão do ser humano às meras alusões às perdas. O fato é que, antes de serem abordagens excludentes, a visão normativa, de como se deve proce-der no processo de tomada de decisões, e a descritiva, de como elas realmente acontecem na vida e na organizações com as limitações da mente humana, são perspectivas que se complementam e devem ser incluídas em um processo racional de decisão. Afinal, foi a razão que permitiu à Ciência descobrir as limitações da estrita lógica em alguns casos, e também é a mesma Ciência que indica as limitações de tal prática sugerindo como e quando considerar falhas de percepção e sua quantificação em riscos. Essa Ciência é a Ciência da Tomada de Decisão, respeitando a natureza das decisões nas Organizações e suas diversas dimensões (YU et al., 2011, p. 14).

4.2 Processo Decisório

A cadeia de reflexões e ações que se estende entre o instante em que ocorrer a percepção da necessidade de agir e o momento em que se escolhe uma linha de ação é denominada processo de decisão (ABRAMCZUK, 2009, p. 43).

O sucesso ou fracasso é dado em boa medida pela qualidade do processo de tomada de decisão. Todavia, embora existam casos em que o chamado feeling levou à decisão acertada, ao passo que um grupo de tomadores de decisão envoltos por técnicas e dados e após exaustivas reuniões tomaram o caminho equivocado, é preciso ter cuidado: o fato de haver tais situações outliers pode levar à apro-ximação do sofisma daqueles que dizem não ser preciso trabalhar, afirmando que há pessoas milionárias graças aos ganhos na loteria. O processo de tomada de decisão deve ser focado do ponto de vis-ta racional, em suas etapas, seus elementos e estratégias, procuran-do dar ao administrador condições de escolher a melhor abordagem no gerenciamento da tomada de decisão, de forma a aumentar suas probabilidades de sucesso no alcance dos objetivos. Um treinador de futebol, por exemplo, caso escolha os batedores mais qualificados e preparados para as condições daquela partida específica e, ainda, na

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sequência mais adequada, aumentará em muito as chances de su-cesso. Da mesma forma um executivo, envolto nos cenários possíveis para a economia e o mercado que busca atingir. Entretanto, não se pode garantir que nenhum jogador perderá a penalidade máxima, tampouco o executivo pode garantir 100% de certeza de que não ha-verá risco algum envolvendo a decisão sobre mercado. A questão é que as opções não são binárias (0 ou 1), no sentido de que a decisão será absolutamente certa ou absolutamente errada. Ou tudo ou nada, como se costuma dizer. Na verdade, as decisões fazem parte de am-bientes complexos. Neles surgem variáveis, pessoas, reações, estrutu-ra, controle, sigilo, riscos, recursos, todos envolvidos por informações muitas vezes incertas, aleatórias e não presumíveis, sem olvidar de considerar a existência do próprio acaso. Uma boa decisão leva em conta tudo isso, analisa, disseca, estabelecendo alternativas e preven-do consequências (YU et al., 2011, p. 9-10).

Tem-se, pois, como posto, que a boa decisão é resultado da qualidade de todo um processo racional, que pode ser repetido e tra-rá os mesmos resultados de análise nas mesmas condições conside-radas. Portanto, não se mede uma boa decisão pelo resultado. Este pode ser fortuito, produto do acaso. Os decisores competentes em busca da boa decisão dedicam-se a levantar os dados para análise e evitar erros de julgamento vinculados a preconceitos ou ideias pre-concebidas. Convocam os agentes que devem ser ouvidos a parti-cipar do processo. São mediadores de uma dinâmica em que fatos e dados devem interagir em um processo estruturado de onde irão emergir as alternativas que serão avaliadas segundo critérios também definidos nesse processo (YU et al., 2011, p. 16).

Heijden (2009, p. 35) reafirma que “a qualidade da decisão não pode ser medida pelo resultado, mas tão-somente pelo modo como se chegou a ela, isto é, por quão habilidoso e vigilante se foi ao se tomar a decisão”.

Para tanto, segundo Yu et al. (2011, p. 16), é preciso que se crie uma estrutura de análise que proverá direção aos tomadores de de-cisão, indicando qual o melhor caminho a seguir, com base em todas

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as influências e variáveis envolvidas. Na referida obra, resume-se a contribuição de diversos autores com a seguinte estrutura básica:

a) entender o problema, incluindo contexto ou distintos contextos e cenários possíveis;b) estabelecer critérios de escolha segundo os objetivos do decisor ou da organização;c) criar alternativas e estabelecer influências entre as vari-áveis das alternativas e dos objetivos;d) coletar informações para estimar as consequências de cada alternativa e para gerar outras alternativas;e) avaliar as alternativas quanto a custos, resultados, ris-cos e outros objetivos estabelecidos;f) escolher e implementar; eg) acompanhar resultados e se necessário voltar à primei-ra etapa.

Abramczuk (2009, p. 47) adverte, porém, que a apresentação sequencial que se faz do processo de decisão tem caráter didático, jamais o de norma para a prática. Idas e vindas entre estágios não somente ocorrem, mas devem ser feitas em todos os estágios que pre-cedem a decisão final, como forma de refinar a qualidade de coleta e análise das alternativas que serão apresentadas para tal.

4.3 Prospecção de cenários

Como visto, o processo de tomada de decisão é uma das maio-res responsabilidades do administrador de uma organização. Para que o processo de decisão seja mais eficaz e eficiente é muito importante que o tomador de decisão entenda e controle no maior nível possível o ambiente no qual atua (MORITZ et al., 2009, p. 2).

Neste pensar, diversas ferramentas foram desenvolvidas para auxiliar o administrador no processo de tomada de decisão, dentre as quais está a prospecção de cenários.

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4.3.1 Escorço histórico

Segundo Marcial e Grumbach (2002 apud MORITZ et al., 2010, p. 4), o desejo de conhecer o futuro existe desde o início da huma-nidade e, na busca por este conhecimento, o homem saía à procu-ra dessas informações com o objetivo de minimizar o risco de suas decisões.

Há inúmeras passagens que demonstram a preocupação em co-nhecer o futuro, conforme relatos no Antigo e Novo Testamento, nas histórias sobre a Idade Média, no Renascimento Italiano, no século XVIII com as obras de Pierre Maupertuis, matemático francês, no século XIX com a revolução industrial na Inglaterra e o surgimento do pensamento racionalista-mecanicista sustentado nas obras de Descar-tes, Locke, Espinosa, Newton e Darwin e no século XX com o roman-cista e futurólogo inglês Herbert George Wells, associando fatos do presente com ficção científica (MORITZ et al., 2010, p. 4).

Consoante Schwartz (2006, p. 18), porém, os cenários apare-cem pela primeira vez logo após a Segunda Guerra Mundial, como um método de planejamento militar. A Força Aérea dos EUA tentou imaginar o que seu oponente tentaria fazer e preparou estratégias al-ternativas. Nos anos 60, Herman Kahn, que fizera parte do grupo da Força Aérea, aprimorou os cenários como ferramenta para o uso co-mercial. Ele se tornou o maior futurólogo ou visionário da América, prevendo que o crescimento e a prosperidade seriam inevitáveis. Po-rém, os cenários atingiram uma nova dimensão no início da década de 70, com o trabalho de Pierre Wack, que era um planejador nos escritórios de Londres da Royal Dutch/Shell, o grupo internacional de petróleo, num novo departamento chamado Grupo de Planejamento.

Wack não tinha por objetivo prever o futuro. Sua meta era a liberação dos insights das pessoas. A finalidade dos cenários explora-tórios era ampliar a compreensão do sistema, identificar os elemen-tos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos que conduziam esse sistema, o que levaria a uma melhor tomada de decisão (MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 30).

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Heijden (2009, p. 27) complementa que foi Kahn quem ado-tou o termo “cenário”, com sua associação a Hollywod, como sendo um esboço detalhado de um futuro filme de ficção, reforçando sua afirmação de que o cenário não fazia previsões precisas, mas gerava histórias a serem exploradas.

Ademais, o primeiro a empregar a palavra “prospectiva” foi o filósofo e pedagogo Frances Gastón Berger em sua obra A atitude prospectiva, de 1957, estabelecendo como descrever um futuro dese-jável para o mundo, sendo que Berger propôs o uso do termo “pros-pectiva” para mostrar a necessidade de uma atitude orientada para o futuro e porque a palavra “previsão” estava demasiadamente impreg-nada do sentido de profecia. Pretendia, com isso, separar também os conceitos de previsão (construir um futuro à imagem do passado) e prospectiva (em que o futuro é decididamente diferente do passado) (MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 28).

No Brasil, por seu turno, segundo Marcial e Grumbach (2008, p. 31), a prática de elaboração de cenários é relativamente recente. As primeiras empresas a utilizarem tal prática foram o BNDES, a Ele-trobras, a Petrobras e a Eletronorte, em meados da década de 1980, em função de operarem com projetos de longo período de matura-ção, o que exigia uma visão de longo prazo.

Complementam que, no final dos anos 1980 e início dos 90, foram feitos outros estudos prospectivos no Brasil. Buarque (1998 apud MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 31-32) relata as iniciativas do CNPq em 1989, da Finep em 1992 e da Seplan-PR com o Projeto Aridas em 1994, que possuíam diferentes enfoques e cortes setoriais, temáticos ou espaciais.

O mesmo autor sugere que a instabilidade e a incerteza em que o Brasil vivia durante esse período foram fatores inibidores da maior difusão das técnicas de construção de cenários. Contudo, argumenta que esse possível comportamento é paradoxal, já que são justamente esses fatores que aumentam a importância e a necessidade de explo-rar alternativas futuras, afirmando que, “quanto maior a incerteza e a velocidade das transformações, mais necessária se faz a antecipação

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de futuros, de modo a preparar as empresas e os governos para as surpresas e descontinuidades”.

Ainda, uma nova utilização da técnica prospectiva no Brasil foi coordenada pela antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, que iniciou em 1996 os estudos que gera-ram, em 1997, os Cenários exploratórios do Brasil 2020 e, em 1998, os Cenários desejados para o Brasil. É preciso destacar que a inicia-tiva da SAE incentivou a discussão do tema no país. Ademais, outra grande iniciativa foi a do Ipea, em 1997, com o estudo O Brasil na virada do século – trajetória do crescimento e desafios do desenvolvi-mento (MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 32).

Enfim, consoante os precitados autores (2008, p. 32), com o aumento da incerteza na década de 1990, cresceu significativamente o número de organizações, em todo o mundo, que passaram a utilizar o método de cenários para definir suas estratégias.

4.3.2 Conceito

A técnica de cenários, que auxilia o administrador no processo de tomada de decisão, é um conjunto formado pela descrição coeren-te de uma situação futura e pelo encaminhamento imaginado e cria-do dos acontecimentos que permitem passar da situação de origem à situação futura (GODET, 1993 apud MORITZ; PEREIRA, 2005, p. 2).

Para Schwartz (2006, p. 15), “cenários são uma ferramenta para nos ajudar a adotar uma visão de longo prazo num mundo de grande incerteza”. Cenário é, então, “uma ferramenta para ordenar as percepções de uma pessoa sobre ambientes futuros alternativos nos quais as consequências de sua decisão vão acontecer.” Colocado de outra maneira: “um conjunto de formas organizadas sobre o nosso futuro.”

Schoemaker e Heijden (1992 apud MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 49) lecionam que os cenários são ferramentas que têm por objetivo melhorar o processo decisório, com base no estudo de pos-síveis ambientes futuros. Não devem ser tratados como previsões ca-

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pazes de influenciar o futuro, nem como histórias de ficção científi-ca montadas somente para estimular a imaginação. Os cenários têm como foco assuntos e informações de grande importância para toma-dores de decisão, assim como os elementos previsíveis e imprevisíveis do ambiente que afetam o sistema em que a empresa está inserida.

Simpson (1992 apud MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 49) se-gue a mesma linha de Schoemaker e Heijden ao definir planejamento baseado em cenários como uma disciplina que gera uma visão mais ampla do ambiente externo, e relata alguns benefícios desse planeja-mento para as organizações, como o entendimento das percepções dos gerentes e a maior velocidade de decisão. Chama atenção para o fato de que o valor dos cenários não é medido pelo interesse que possam despertar, mas por sua efetiva utilização na tomada de decisões.

Cenários, no entanto, adverte Schwartz (2006, p. 17), não são previsões. Simplesmente não é possível prever o futuro com um razoável grau de certeza. Um velho provérbio árabe diz: aquele que prevê o futuro mente, mesmo se disser a verdade. Em vez disso, os cenários são veículos que ajudam pessoas a aprender. Ao contrário da previ-são tradicional de negócios ou da pesquisa de mercado, os cenários apresentam imagens alternativas do futuro; eles não extrapolam sim-plesmente as tendências presentes.

Wright et al. (2010, p. 60), por sua vez, aduzem que, “no cam-po dos estudos do futuro, podem ser identificadas duas áreas de pes-quisas que apresentam pressupostos e técnicas distintas, sendo elas a previsão (forecasting) e a prospecção (foresight)”.

Nesse sentido, segundo Jouvenel (2000 apud WRIGHT et al., 2010, p. 60), o processo prospectivo apresenta traços essenciais que o distanciam da previsão em geral. Em primeiro lugar, a prospecção usa um enfoque pluridisciplinar de inspiração sistêmica baseado no princípio de que os problemas não podem ser corretamente com-preendidos se reduzidos a uma dimensão, como ocorre geralmente quando são abordados a partir de disciplinas acadêmicas distintas. Em vez disso, a prospecção oferece uma abordagem que captura as

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realidades em suas totalidades, com todas as variáveis que agem so-bre elas, baseada no estudo de todos os fatores e suas interrelações.

Heijden (2009, p. 136) também esclarece a diferença entre pre-visões e cenários:

A previsão pressupõe que seja possível prever o futuro com base no que chamamos de uma ‘teoria de variância’, isto é, correlações consistentes e contínuas entre variáveis no ambiente de negócios persistindo ao longo do tempo. Isto está intimamente relacionado com o pressuposto ra-cionalista de que existe uma resposta certa para a questão da estratégia e que a arte de formulá-la é chegar o mais próximo possível dela. A tarefa de prever, portanto, deve ser dada às pessoas com a inteligência e com a capacida-de heurística necessárias, uma vez que isso garantirá que a resposta será a mais próxima possível.O planejamento por cenários tem um ponto de partida fundamentalmente diferente. O futuro não é previsível, mas contém incerteza irredutível. No entanto, existe uma estrutura causal subjacente aos eventos e é possível de-senvolver uma “teoria de processos” de por que as coisas acontecem da forma que acontecem. Portanto, não existe uma única melhor resposta, mas a estrutura causal impli-ca elementos predeterminados que podem emergir e ser articulados. O planejamento por cenários leva a percep-ções novas e originais nos eventos que impulsionaram a estrutura subjacente com base na qual a formulação es-tratégica é possível. No entanto, existe um ponto além do qual não se pode melhorar a precisão. Isto significa que é importante que os tomadores de decisão enfrentem a in-certeza irredutível. Fazer uma previsão numa área em que existe incerteza fundamental é perigoso, uma vez que tira do tomador de decisões informações necessárias para se chegar a um decisão responsável.

Marcial e Grumbach (2008, p. 18), de igual sorte, assentam que os estudos prospectivos não têm como objetivo prever o futuro, mas

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sim estudar as diversas possibilidades de futuros plausíveis existentes e preparar as organizações para enfrentar qualquer uma delas, ou até mesmo criar condições para que modifiquem suas probabilidades de ocorrência, ou minimizar seus efeitos. Apesar de serem muitas vezes confundidos com previsões ou projeções, tratam-se de estudos do fu-turo com abordagem completamente diferente.

Em resumo, Heijden (2009, p. 139-140) bem elucida a questão:

[...] previsão e planejamento por cenários têm finalidades muito diferentes. A pergunta estratégica tem sua origem na incerteza, tanto do ambiente como da organização. Quanto mais longe enxergamos, maior a incerteza. A pre-visão é útil a curto prazo, no qual as coisas são razoa-velmente previsíveis e a incerteza é baixa em compara-ção à nossa capacidade de prever. Dentro dessa gama, o planejamento racional de ‘prever e controlar’ faz sentido e é necessário. Em muito longo prazo, com baixa previ-sibilidade, ele não é uma atividade útil. É no futuro in-termediário, no qual a incerteza e a previsibilidade são importantes, que o planejamento por cenários faz sua contribuição. Esta também é a tarefa da estratégia. Por-tanto, a gestão estratégica e o planejamento por cenários estão intimamente ligados.Os cenários podem ajudar a enfrentar a incerteza, de três maneiras especificas:1. Eles ajudam a organização a compreender melhor o ambiente, permitindo que muitas decisões sejam vis-tas não como eventos isolados, mas como parte de um processo de ‘oscilações e ciclos’. Dessa maneira, o plane-jamento por cenários ajuda os gestores a evitar um con-servadorismo excessivo, permitindo que assumam riscos ‘calculados’.2. Os cenários põem em pauta a incerteza estrutural, mostrando à organização que tipos de acidentes ‘estão à espera para acontecer’. Dessa forma, o planejamento por cenários ajuda os gestores a evitar riscos indevidos.

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3. Os cenários ajudam a organização a se tornar mais adaptável, pois expande seus modelos mentais, amplian-do com isso a capacidade de percepção necessária para reconhecer eventos inesperados e tomar atitudes proati-vas.

Para o Departamento de Prospecção e Planejamento de Por-tugal (1997 apud WRIGHT et al., 2010, p. 60) pode-se ir mais longe no confronto entre as abordagens da previsão e da prospecção, nos termos do Quadro 1 abaixo:

PREVISÃO PROSPECÇÃOConcentra-se nas Certezas; Oculta as Incertezas.

Concentra-se nas Incertezas, legitiman-do o seu reconhecimento.

Origina projeções sobre um único pon-to e lineares.

Origina imagens diversas, mas lógicas, do futuro.

Privilegia as Continuidades. Leva em consideração as Rupturas.Afirma o primado do Quantitativo sobre o Qualitativo.

Alia Qualitativo e Quantitativo.

Oculta os Riscos. Sublinha os Riscos.

Favorece a Inércia.Favorece uma atitude de Flexibilidade e o espírito de Responsabilidade.

Parte do que é Simples para o que é Complexo.

Parte do que é Complexo para o que é Simples.

Adota uma abordagem normalmente setorial.

Adota uma abordagem global.

Quadro 1: Diferenças entre Previsão e Prospecção Fonte: Departamento de Prospecção e Planejamento de Portugal (1997 apud WRIGHT

et al., 2010, p. 60)

A previsão, conforme mostra a coluna esquerda do Quadro 1, é amplamente apoiada por métodos estatísticos e modelagem econométrica, partindo do pressuposto que o passado é um bom preditor do futuro, podendo-se, portanto, privilegiar continuidades e certezas. Por outro lado, a prospecção, coluna direita do Quadro 1, considera que o futuro pode ser marcado por incertezas e descon-tinuidades, devendo-se considerá-las em uma abordagem flexível e qualitativa (WRIGHT, 2010, p. 61).

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É importante destacar, por fim, que os cenários prospectivos são plausíveis, surpreendentes e têm o poder de quebrar paradigmas antigos. Criar cenários exige dos tomadores de decisão na organiza-ção questionarem seus pressupostos mais profundos sobre como o mundo funciona, para que enxerguem possibilidades de decisão que, de outra forma, seriam perdidas ou ignoradas (MORITZ; PEREIRA, 2005, p. 4).

4.3.3 Características gerais e outros breves aspectos

Sinteticamente, o cenário completo, consoante Moritz et al. (2009, p. 5), geralmente contém sete componentes principais: título, filosofia, variáveis, atores, cenas, trajetória e cena final. O título condensa a essência da história, dá a ideia da lógica dos cenários. A filosofia sintetiza a direção fundamental do sistema. As variáveis representam aspectos ou elementos do contexto. Os atores são os indivíduos ou grupos que influenciam e são influenciados dentro do sistema. A cena descreve as relações e como estão organizados os atores e as variáveis. A trajetória descreve o movimento do sistema a partir da cena inicial até a final, não necessariamente de forma re-gular. Outras características importantes são: visão plural do futuro, ênfase no aspecto qualitativo e capacidade de quebra de modelos mentais.

Além destas características, os cenários podem ser classificados em normativos e exploratórios. Os normativos estabelecem primeiro o futuro desejado para depois traçar as trajetórias para alcançá-lo, en-quanto os cenários exploratórios simulam futuros possíveis através de certas condições iniciais (MORITZ et al., 2009, p. 5).

Diante de tal classificação, é possível construir três hipóteses so-bre um cenário. Um cenário de trajetória mais provável, uma variação do otimista do cenário provável e uma variação pessimista do cenário provável.

De outro norte, segundo Masini e Vasquez (2000 apud WRI-GHT et al., 2010, p. 62), as diferentes escolas de pensamento sobre a elaboração de cenários adotam um conjunto de tipos, conforme mos-

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tra o Quadro 2, visto que, em linhas gerais, os cenários podem ser tendenciais ou extrapolativos, normativos ou desejáveis, catastróficos, utópicos e contrastantes:

ESCOLAS TIPOS E DEFINIÇÕES

Cenários Extrapolativos e Normativos: Erich Jantsch

Cenários Extrapolativos usam dados referentes ao passado e ao presente, tendo em vista o que é possível e provável.Cenários Normativos são projetados do futuro para o presente, retornando ao futuro novamente.Cenários Extrapolativos podem ser também norma-tivos quando, além de contemplar o que é possível e provável, contemplam o que é desejável.

Cenários Prováveis e Dese-jáveis: Escola Francesa

Cenários Prováveis correspondem ao que acontecerá no futuro, a partir do conhecimento das atividades dos atores.Cenários Desejáveis indicam o horizonte para o qual se deve direcionar os esforços quando se quer que as coisas se modifiquem significativamente e quando pretende-se ir além dos prognósticos do cenário provável, provendo uma solução para os problemas que emergem do sistema.

Cenários de Primeira e Se-gunda Geração: Escola Shell-SRI

Cenários de Primeira Geração são usual-mente exploratórios e possuem as seguintes características: ajudam a obter um melhor enten-dimento da realidade e são capazes de levantar de forma melhor as questões; não oferecem auxílio maior para a tomada de decisão; são orientados para o entendimento e não para a ação.Cenários de Segunda Geração são baseados em uma análise sólida da realidade; eles modificam as premissas e suposições de decisores sobre como o mundo funciona e os obriga a reorganizar seus mo-delos mentais de realidade; são também ferramen-tas educacionais, pois trabalham nos mecanismos ou no mundo interno dos tomadores de decisões.

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ESCOLAS TIPOS E DEFINIÇÕES

Cenários Tendenciais, Oti-mistas, Pessimistas e Con-trastantes: H. Kahn e Estu-dos dos Futuros Humano e Social

Cenários Tendenciais-Inerciais ou Cenários de Tendencia: descrevem o prolongamento da situacao presente − o que e presente agora. Nao pressupõem mudanças, como se tudo fosse conti-nuar constante, exatamente igual.Cenários Utópicos: descrevem o melhor dos mun-dos possíveis, qual seria a situação ideal. Apesar de usualmente inatingível, o cenário utópico é o mais desejável, e tem uma proposta altamente didática quando mostra o que não é atingível.Cenários Catastróficos: descrevem o pior dos mun-dos possíveis, piorando o que foi identificado como cenário tendencial.Cenários Normativos: descrevem uma situação desejável e atingível que melhora o cenário ten-dencial, estruturando os objetivos para o futuro. São úteis para definir um certo número de metas atingíveis e razoáveis, e para definir os estágios necessários para atingir as metas.Cenários Contrastantes: descrevem diferentes situações a partir de variações em determina-das variáveis-chave. Geralmente são o oposto do cenário tendencial, e apresentam situações extre-mas. São aqueles construídos como se todas as surpresas, presumidas como improváveis no mo-mento de sua enunciação, acontecessem. Entretan-to, eles não são totalmente arbitrários e focam na descoberta por meio da análise racional de relações entre fatos que podem não estar suficientemente visíveis.

Quadro 2: Tipos de Cenários Fonte: Masini e Vasquez (2000 apud WRIGHT et al., 2010, p. 63-64)

Ainda, conforme Moritz et al. (2009, p. 6), uma questão funda-mental é reconhecer que o conceito de “provável” depende de uma série de fatores. A quantidade de informações disponíveis, o compor-tamento passado de agentes sociais e de determinados processos, o julgamento que cada pessoa faz sobre o que pode acontecer, entre outros aspectos devem ser considerados para que seja possível ela-borar conjuntos de relações coerentes e modelar visões de futuro que sejam plausíveis.

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Em arremate, no que se refere ao método de elaboração, Go-det (2000 apud WRIGHT et al., 2010, p. 64) afirma que, na prática, não há um único método para o desenvolvimento de cenários, mas uma variedade de métodos para a construção, sendo alguns sim-plistas e outros sofisticados. Entretanto, pontua o autor que há um consenso que o termo Método de Cenários somente se aplica para uma abordagem que inclua um número de etapas específicas inter-relacionadas – análise de sistemas, retrospectiva, estratégia dos ato-res e elaboração de cenários. Coates (2000 apud WRIGHT et al., 2010, p. 64) sugere que cenários devem ser elaborados a partir da identificação e definição do universo de preocupação, definição das variáveis que serão importantes para moldar o futuro, identificação dos temas para os cenários e, finalmente, a criação dos cenários. Em linha semelhante, Jouvenel (2000 apud WRIGHT et al., 2010, p. 64) propõe que, basicamente, há cinco estágios para o procedimento prospectivo: definição do problema e escolha do horizonte de tempo, identificação das variáveis e construção do sistema, coleta de dados e elaboração de hipóteses, exploração de futuros possíveis e de esco-lhas estratégicas.

4.4 A ferramenta de prospecção de cenários no processo de tomada de decisão

Nas organizações contemporâneas, pode-se constatar uma cres-cente discussão acerca da necessidade de se utilizarem estudos do fu-turo, em função do aumento das pressões exógenas, que obrigam-nas a tentar alcançar uma forma apropriada de se relacionar com este ambiente, com objetivo de garantir a sua sobrevivência (MORITZ et al., 2010, p. 3-4).

Diante dessa realidade, a Ciência da Administração vem reco-mendando o uso das ferramentas de Gestão Estratégica, Inteligência Competitiva, Aprendizagem Organizacional e Prospecção de Cenários, para o enfrentamento desse contexto turbulento. Em consequência, a técnica de cenários vem assumindo lugar de extrema relevância entre as ferramentas de suporte ao processo de tomada de

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decisão nas organizações públicas e privadas, já que a sua utilização é uma forma de garantir aos gestores que suas decisões sejam tomadas com mais qualidade, criatividade e intensidade estratégica (MORITZ et al., 2010, p. 4).

Schwartz (2006, p. 16), aliás, revela ter usado cenários com al-guns dos maiores negócios do mundo e instituições governamentais, ao iniciar um pequeno negócio e até mesmo para tomar decisões pes-soais sobre dieta e saúde. Para ele é possível usar cenários para pla-nejar um negócio pequeno, para escolher a educação, para procurar emprego, para avaliar um investimento ou até mesmo para examinar um casamento. Com frequência, os cenários podem ajudar pessoas a tomar melhores decisões, normalmente decisões difíceis que de outra maneira elas não perceberiam ou até negariam.

Assim, percebe-se que os cenários propiciam um ambiente que enriquece o debate sobre questões críticas relacionadas com o futuro da organização e permitem que os dirigentes desta tomem decisões de risco com mais transparência. Permitem ainda a identificação de oportunidades e de ameaças ao negócio, promovem o desenvolvi-mento e a análise de novas opções de futuro frente a mudanças no ambiente externo e propiciam uma visão de futuro que pode ser com-partilhada pelos membros da organização (MARCIAL; GRUMBACH, 2008, p. 49).

Ou melhor, nas palavras de Schwartz (2006, p. 18), “os cenários permitem que um administrador diga: estou preparado para o que der e vier. É esta capacidade de agir com um sentido conhecido de risco e recompensa que distingue tanto o executivo quanto o indiví-duo inteligente dos burocratas ou apostadores”.

Para Moritz e Pereira (2005, p. 3), reafirma-se, a técnica de ce-nários vem assumindo lugar de extrema importância entre as ferra-mentas de suporte ao processo de tomada de decisão nas organiza-ções, já que sua utilização permite ao gestor agir com mais confiança e melhor conhecimento da incerteza presente no ambiente organiza-cional, assim garantindo, no processo decisório, que as decisões se-

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jam tomadas com mais qualidade, criatividade, segurança e, por con-seguinte, agilidade.

Pontua Huss (1988 apud WRIGHT et al., 2010, p. 61), outros-sim, que o resultado mais importante da ferramenta não é predizer exatamente a sequência de eventos, antes disso, deve oferecer enten-dimento sobre a dinâmica do ambiente, as tendências chaves para monitorar e os limites dos desfechos do futuro para o qual se pre-tende planejar. Esses insights auxiliam os tomadores de decisão, se não a prever pontos de inflexão, pelo menos a acessá-los quando as condições são corretas para uma mudança estrutural de maior porte.

À propósito, a finalidade dos cenários é, consoante Heijden (apud MORITZ et al., 2009, p. 5), “ampliar a compreensão do siste-ma, identificar os elementos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos que conduziam esse sistema, o que levaria a uma melhor tomada de decisão”.

Outrossim, na lição de Schwartz (2006, p. 20), “o propósito dos cenários é ajudar você a mudar sua visão da realidade para combiná-la mais intimamente com a realidade como ela é, e como ela será. O resultado final, entretanto, não é um fotografia precisa do amanhã, e sim melhores decisões sobre o futuro”.

Na maior parte das empresas, as grandes decisões relacionadas ao futuro estão ligadas a projetos. Cada projeto é avaliado em rela-ção a um conjunto de, por exemplo, dois ou três cenários; assim, são gerados dois ou três resultados, um para cada cenário, e a decisão a respeito de seguir em frente com o projeto é tomada com base nesses múltiplos resultados possíveis, e não em um número de ir/não ir. O objetivo é desenvolver projetos com probabilidades de retornos po-sitivos sob qualquer um dos cenários. Os cenários em si não consti-tuem o cálculo de decisão que indica seguir ou não seguir em frente com um projeto; são mecanismos para a produção de informações que sejam relevantes para a decisão. As decisões nunca se baseiam no fato de um cenário ser mais provável do que outro; os responsá-veis pelos projetos efetuam uma otimização simultânea em relação a vários futuros diferentes que são considerados igualmente plausíveis e

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tratados com o mesmo peso. Dessa maneira, tanto o valor quanto o risco potencial do projeto são avaliados (HEIJDEN, 2009, p. 28).

Moritz et al. (2009, p. 7) alertam, porém, que:

Após a identificação de fatores relevantes presentes nos cenários, é importante tomar decisões estratégicas para manter-se competitivo quando da efetivação das mudanças previstas.Mesmo sabendo da importância do planejamento, ain-da existe muita resistência a mudanças. Muitas vezes os cenários considerados mais irreais pelos executivos são aqueles que realmente se concretizam, e a idéia de mu-dar o rumo da empresa para se preparar para o futuro só parece coerente quando o futuro chega e ninguém se encontra preparado.A implementação é um problema crucial, pois além de apresentar vários componentes de ordem prática, também apresenta aspectos culturais e psicológicos. Não basta criar cenários e apenas verificar qual o melhor para os objetivos da empresa, é necessário que ocorra a execução das atividades, assim como é fundamental que todos estejam engajados no seu desenvolvimento.A principal dificuldade no alinhamento do planejamento estratégico com a prospecção de cenários está em cons-cientizar todos os colaboradores da importância de traba-lhar com um objetivo em longo prazo. Já na diretoria é possível identificar uma enorme resistência com relação à adoção de mudanças e a aceitação de que é preciso trabalhar em função de um futuro incerto; e se os exe-cutivos não forem convincentes, os demais colaboradores também serão resistentes aos novos objetivos.

Assim, em arremate, pensar o futuro, procurando prospectar seus possíveis cenários, configura uma habilidade que deve ser de-senvolvida na organização. Tal habilidade possibilita ao gestor agir com mais confiança e consistência diante das incertezas do ambiente

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organizacional, preparando-o para enfrentar, por exemplo, os desafios decorrentes das rápidas mudanças tecnológicas que podem provocar, dentre outros fatores, grande impacto na atuação das organizações no ambiente (MORITZ, 2008, p. 69).

5 Conclusão

O processo de tomada de decisão é uma das maiores responsa-bilidades do administrador.

O atual momento pelo qual passam as organizações está envol-to num elevado grau de complexidade e velocidade de mudanças ja-mais visto na história, motivo pelo qual a margem de erro facultado ao gestor contemporâneo no processo de tomada de decisão vem re-duzindo drasticamente.

Tomar decisões é um processo que pode ser ensinado e treina-do. É uma combinação de arte e ciência cujo treinamento permite aumentar a probabilidade dos acertos, vendo-se a qualidade do pro-cesso decisório não como uma garantia de sucesso, mas como um conjunto de providências e ações que permitem conscientemente au-mentar as chances de sucesso, minimizar as chances de fracasso e, se mesmo assim, o risco diminuído não evitar o erro, aprender com ele e não repeti-lo.

A boa decisão é resultado da qualidade de todo um processo racional, que pode ser repetido e trará os mesmos resultados de aná-lise nas mesmas condições consideradas. Portanto, não se mede uma boa decisão pelo resultado. Este pode ser fortuito, produto do acaso.

Dentre as ferramentas criadas para auxiliar o administrador no processo de tomada de decisão encontra-se a prospecção de cená-rios.

Os estudos prospectivos, porém, não têm como objetivo prever o futuro, mas sim estudar as diversas possibilidades de futuros plau-síveis existentes e preparar as organizações para enfrentar qualquer uma delas, ou até mesmo criar condições para que modifiquem suas

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probabilidades de ocorrência, ou minimizar seus efeitos. Apesar de serem muitas vezes confundidos com previsões ou projeções, tratam-se de estudos do futuro com abordagem completamente diferente.

O propósito dos cenários é ajudar o administrador a mudar sua visão da realidade para combiná-la mais intimamente com a realida-de como ela é, e como ela será. O resultado final, entretanto, não é uma fotografia precisa do amanhã, e sim melhores decisões sobre o futuro.

A técnica de cenários vem assumindo lugar de extrema impor-tância entre as ferramentas de suporte ao processo de tomada de de-cisão nas organizações, já que sua utilização permite ao gestor agir com mais confiança e melhor conhecimento da incerteza presente no ambiente organizacional, assim garantindo, no processo decisório, que as decisões sejam tomadas com mais qualidade, criatividade, se-gurança e agilidade.

Em decorrência, não restam dúvidas de que o uso da ferramen-ta de prospecção de cenários revela-se extremamente útil aos gestores para se melhorar cada vez mais a qualidade da tomada de decisão.

Espera-se, porém, que a técnica não sirva apenas como alerta. É preciso que os tomadores de decisão, ao se depararem com cená-rios prospectados, ajam conforme o planejado, de modo a valorar a ferramenta, aumentar o nível de acerto no ato decisório e, por conse-guinte, fazer com que a organização supere a situação verificada sem maiores problemas.

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