3813-13898-1-PB

download 3813-13898-1-PB

of 316

description

revista

Transcript of 3813-13898-1-PB

  • RBEP

    ISSN 0034-7183ISSN 2176-6681 OnlineRev. bras. Estud. pedagog. (online), Braslia, v. 96, nmero especial, 2015.

  • PRESIDNCIA DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

    MINISTRIO DA EDUCAO - MEC

    SECRETARIA EXECUTIVA

    INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA - INEP

    EDITORIA CIENTFICA

    Ana Maria Ioris Dias UFC Fortaleza, Cear, BrasilAna Maria de Oliveira Galvo UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilFlvia Obino Crrea Werle Unisinos So Leopoldo, Rio Grande do Sul, BrasilGuilherme Veiga Rios Inep Braslia, Distrito Federal, BrasilMaria Clara Di Piero USP So Paulo, So Paulo, BrasilRogrio Diniz Junqueira Inep Braslia, Distrito Federal, BrasilWivian Weller UnB Braslia, Distrito Federal, Brasil

    CONSELHO EDITORIAL

    Nacional:Alceu Ravanello Ferraro UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilAna Maria Saul PUC-SP So Paulo, So Paulo, BrasilCarlos Roberto Jamil Cury PUC-MG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilCelso de Rui Beisiegel USP So Paulo, So Paulo, BrasilCipriano Luckesi UFBA Salvador, Bahia, BrasilClarissa Baeta Neves UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilDelcele Mascarenhas Queiroz Uneb Salvador, Bahia, BrasilGuacira Lopes Louro UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilJader de Medeiros Britto UFRJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BrasilJanete Lins de Azevedo UFPE Recife, Pernambuco, BrasilLeda Scheibe UFSC Florianpolis, Santa Catarina, BrasilLuiz Carlos de Freitas Unicamp Campinas, So Paulo, BrasilMagda Becker Soares UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilMarta Kohl de Oliveira USP So Paulo, So Paulo, BrasilMiguel Arroyo UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilNilda Alves UERJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BrasilPetronilha Beatriz Gonalves Silva UFSCar So Carlos, So Paulo, BrasilRosa Helena Dias da Silva Ufam Manaus, Amazonas, BrasilRosngela Tenrio Carvalho UFPE Recife, Pernambuco, Brasil

    Internacional:Almerindo Janela Afonso Universidade do Minho Minho, Braga, Portugal Carlos Alberto Torres University of California Los Angeles (UCLA), EUA Carlos Prez Rasetti Universidad Nacional de la Patagonia Austral Ciudad Autnoma de Buenos Aires, ArgentinaDomingos Fernandes Universidade de Lisboa Lisboa, PortugalGuiselle M. Garbanzo Vargas Universidad de Costa Rica San Jos, Costa RicaIzabel Galvo Universidade de Paris 13 Paris, FranaJuan Carlos Tedesco Instituto Internacional de Planeamiento de la Educacin IIPE/Unesco, Buenos Aires, ArgentinaMargarita Poggi Instituto Internacional de Planeamiento de la Educacin IIPE/Unesco, Buenos Aires, Argentina

  • O MANIFESTO EDUCADOR:OS PIONEIROS 80 ANOS DEPOIS

    Carlos Roberto Jamil CuryClio da Cunha

    (Organizadores)

    Antonio CandidoClarice Nunes

    Fernando de AzevedoJader Medeiros Britto

    Jorge NagleLibnia Nacif Xavier

    Luciano Mendes de Faria FilhoLuciene de Almeida Simonini

    Marta Maria Chagas de Carvalho

  • Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep) permitida a reproduo total ou parcial desta publicao, desde que citada a fonte.

    ASSESSORIA TCNICA DE EDITORAO E PUBLICAESClara Etiene Lima de Souza [email protected] Mariana de Mateus [email protected]

    EDITORIA EXECUTIVA Andreza Jesus Meireles [email protected] Costa Santos [email protected] Maria Castro [email protected]

    PROJETO GRFICO Marcos Hartwich

    CAPARaphael Caron Freitas

    DIAGRAMAOMarcos HartwichLilian dos Santos Lopes

    REVISO Amanda Mendes Casal Elaine de Almeida CabralJair Santana Moraes Mariana Fernandes dos Santos

    NORMALIZAO BIBLIOGRFICA Clarice Rodrigues da CostaElisangela Dourado ArisawaJair Santana MoraesSmara Roberta de Sousa Castro

    PESQUISA FOTOGRFICA Alexandre Ramos de Azevedo

    ACERVO FOTOGRFICO Associao Brasileira de Educao ABE

    FICHA CATALOGRFICA Elisangela Dourado Arisawa

    TIRAGEM 2.000 exemplares

    EDITORIA Inep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSetor de Indstrias Grficas Quadra 04 Lote 327, Trreo, Ala B CEP 70.610-908 Braslia-DF Brasil Fones: (61) 2022-3077, [email protected] http://www.rbep.inep.gov.br

    DISTRIBUIOInep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSetor de Indstrias Grficas - Quadra 04 Lote 327 Trreo Ala B CEP 70.610-908 Braslia-DF Brasil - Fone: (61) [email protected] http://www.publicacoes.inep.gov.br

    A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidosso de responsabilidade dos autores.

    ESTA PUBLICAO NO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIO GRATUITA.PUBLICADA EM 2015

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira. v. 96, n. esp. Braslia, DF : O Instituto, 2015.

    Verso eletrnica (desde 2007): ISSN 0034-7183 (impresso); 2176-6681 (online)

    1. Educao - Brasil. 2. Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira.

    CDU 37

    SUMRIO.......................................................................................................................................................................................

  • 5Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.

    APRESENTAO .............................................................................................. 9

    INTRODUO ................................................................................................ 15

    INTRODUO: O MANIFESTO COMO O GRANDE EDUCADORClio da Cunha ................................................................................................ 19

    DEPOIMENTO SOBRE FERNANDO DE AZEVEDOAntonio Candido ............................................................................................. 31

    REVISO CRTICA E ATUALIDADE DO MANIFESTO .................................. 35

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS E A HISTRIA DA EDUCAO BRASILEIRAJorge Nagle ...................................................................................................... 39

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932):

    O COMPROMISSO COM UMA SOCIEDADE EDUCADAClarice Nunes .................................................................................................. 51

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA E A IV CONFERNCIA NACIONAL DE EDUCAOMarta Maria Chagas de Carvalho .................................................................. 89

    SUMRIO.......................................................................................................................................................................................

  • Sumrio

    6 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.

    OS SENTIDOS DA RENOVAO EDUCACIONAL: ECOS DO DEBATE SOBRE A ESCOLA NOVA NA EDIO E APROPRIAO DE RUI BARBOSA NA DCADA DE 1940

    Luciano Mendes de Faria Filho .................................................................... 113

    O MANIFESTO DE 1932 E A DEMOCRACIA COMO VALOR UNIVERSAL

    Libnia Nacif Xavier ...................................................................................... 133

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA NA CORRESPONDNCIA DOS SIGNATRIOS PARA ANSIO TEIXEIRA (1931-1935)

    Luciene de Almeida Simonini ...................................................................... 157

    REEDIES: O MANIFESTO E A NOVA POLTICA EDUCACIONAL ........ 171

    EXPLICAO NECESSRIA ............................................................................. 175

    INTRODUO AO MANIFESTO DE 1932

    Fernando de Azevedo .................................................................................. 179

    A RECONSTRUO EDUCACIONAL NO BRASIL AO POVO E AO GOVERNO:

    MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932) ........................ 195

  • 7Sumrio

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.

    A NOVA POLTICA EDUCACIONAL: ESBOO DE UM PROGRAMA

    EDUCACIONAL EXTRADO DO MANIFESTO

    Fernando de Azevedo .................................................................................. 223

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA

    Fernando de Azevedo .................................................................................. 239

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA

    E O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO BRASILEIRA MESA-REDONDA

    Esther de Figueiredo Ferraz, Lena Castello Branco Ferreira Costa,

    Abgar Renault, Luiz Antnio C. Rodrigues da Cunha,

    Carlos Roberto Jamil Cury, Pe. Jos de Vasconcellos, Helena Lewin,

    Clio da Cunha, Walter Garcia ..................................................................... 255

    RESENHA ...................................................................................................... 303

    UM ESTUDO SOBRE O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO

    NOVA (1932)

    Jader Medeiros Britto .................................................................................. 307

    SOBRE OS AUTORES ................................................................................... 311

  • APRESENTAO

  • APRESENTAOA revoluo que se

    chama educao.......................................................................................................................................................................................

  • 11Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.

    APRESENTAOA revoluo que se

    chama educao.......................................................................................................................................................................................

    Mal passaram duas semanas da derrubada do governo das

    oligarquias, dos carcomidos da Repblica Velha, e a revoluo triunfante

    de 1930 criava o Ministrio da Educao e Sade. Rompia, assim, com uma

    tradio de governo alrgica aos assuntos sociais. Uma frase certamente

    apcrifa se atribua ao ltimo presidente do regime deposto, Washington

    Luiz: a questo social caso de polcia, teria ele dito. Como muitas frases

    maldosas, provvel que fosse falsa; mas ela colou no seu suposto autor,

    porque calhava como uma luva nas polticas conduzidas pela maior parte

    dos presidentes que o Brasil teve entre 1894 e 1930 inclusive o prprio

    Washington Luiz. Se no era genuna, era um bom achado.

    O MEC, com seu irmo gmeo, o Ministrio da Sade, um dos

    poucos ministrios do Brasil criados em decorrncia de uma revoluo, de

    uma ruptura institucional, de uma quebra com o passado. Seguido, doze

    dias depois, do Ministrio do Trabalho, smbolo e realidade de um

    governo que no mais queria enquadrar a questo social nas aes policiais.

    Da uma convico que com frequncia reponta em nosso Pas: as grandes

    transformaes da sociedade as revolues que so necessrias viro

    pela via educacional, ou educativa, jogando com o parentesco das duas

    palavras. No portugus do Brasil, educacional mais descritivo, enquanto

    educativo mais valorativo. A ao educacional s pode ser educativa. Ponto.

    Renato Janine RibeiroMinistro de Estado da Educao

  • Apresentao

    12 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.

    Os textos reunidos nesta publicao foram escritos para comemorar

    os oitenta anos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em 1932.

    O manifesto continua vivo, o que timo e tambm uma pena. pena porque

    nem tudo o que seus autores defenderam se realizou e timo porque mostra

    a pujana de sua reflexo.

    Em 19 de maro de 1932, data da publicao do Manifesto, o Ministrio

    da Educao (e Sade, lembremos) tinha pouco mais de um ano. A Universidade

    do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criada no papel

    em 1920 dizem que apenas para conceder um doutorado honoris causa

    ao rei da Blgica, de visita ao Pas , s ento comeava a ser instalada.

    A Universidade de So Paulo (USP) seria instituda dois anos depois. Quatro

    sculos depois de iniciado o povoamento sistemtico do Pas pelo colono

    portugus, somente, ento, se dirigia o Pas para o ensino superior. Nosso

    atraso em relao ao continente sul-americano era de sculos! Basta lembrar

    que em nossa vizinha, a Argentina, a primeira universidade surgiu em 1613:

    a Universidade de Crdoba, fundada por jesutas e dominicanos, a partir

    de uma concepo aristotlico-tomista. J no sculo 19, abraando ideais

    iluministas, a educao passou a girar em torno do comrcio, da agricultura,

    dos ofcios, assumindo um carter menos filosfico-teolgico e mais laico e

    pragmtico. Na Europa, ento, constitua-se a universidade humboldtiana,

    modelo destinado a um longo futuro. O estado chileno, por sua vez, inaugurou

    sua primeira universidade republicana em 1842, sendo que j havia uma

    universidade colonial, a Santo Toms de Aquino, instituda em 1622. verdade

    que historiadores jesutas mais recentes afirmam que o Brasil teria tido uma

    primeira Universidade do Brasil, nas palavras do padre Serafim Leite o

    Colgio dos Jesutas da Bahia, que, embora no reconhecido oficialmente

    em sua poca (sculo 17) como uma instituio de ensino superior, formava

    sacerdotes e bacharis em artes, assim como engenheiros militares. No sculo

    18, foi inaugurado o curso de matemtica no colgio. Entretanto, as peties

    enviadas para Portugal pelo reconhecimento do Colgio dos Jesutas como

    universidade foram todas rejeitadas pela Coroa Portuguesa. Em 1759, os

    jesutas foram expulsos dos territrios portugueses e suas instituies foram

    fechadas. O historiador Lus dos Santos Vilhena (1744-1814) escreve que a

    expulso acarretou uma deteriorao do ensino no Brasil.

    Quais as razes dessa fraqueza do ensino no Brasil colonial, que se

    mantm no primeiro sculo da Independncia? amplamente sabido que a

    Coroa Portuguesa temia o poder que o conhecimento poderia trazer s suas

  • 13

    Apresentao

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.

    colnias. Se o intento manter um povo colonizado, que no se d a ele

    educao. Nem informao. At mesmo a imprensa esteve proibida no Brasil,

    at 13 de maio de 1808, pouco depois de a famlia real portuguesa chegar

    a nossas terras colonizadas. Mesmo depois dessa data, tanto a Impresso

    Rgia quanto a Gazeta do Rio de Janeiro (fundada em 10 de setembro de

    1808) tinham pouca funo informativa, funcionando mais como mquina

    de propaganda da Coroa. irnico observar que o primeiro jornal brasileiro

    independente da famlia real foi lanado em Londres, em 1 de junho de

    1808, pelo jornalista exilado Hiplito Jos da Costa (1774-1823), que mais

    tarde se tornaria patrono da cadeira de nmero 17 da Academia Brasileira de

    Letras. Refiro-me ao Correio Braziliense, cuja repercusso foi tamanha ao ser

    distribudo em nosso Pas, que foi proibido e tinha suas edies apreendidas.

    Toda colonizao ruim, mas as colnias espanholas pelo menos

    tinham imprensa e universidades desde o sculo 16. A Amrica do Sul j lia e se

    educava havia sculos, enquanto o Brasil no conseguia ter nem mesmo uma

    universidade religiosa reconhecida. A pouca disposio das elites para dotar

    nosso Pas de universidades se prolonga depois da Independncia; embora

    algumas instituies isoladas de ensino superior tenham sido criadas desde a

    chegada da Famlia Real, elas no tinham as caractersticas de universidade.

    nesse quadro que o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova

    de 1932 brilha pelo vigor. J em sua poca, teve o poder de reunir pessoas

    de orientaes ideolgicas bastante diferentes, o que ilustra a capacidade

    unificadora da educao. O Plano de Reconstruo Nacional do Manifesto

    acertadamente destaca a importncia da educao bsica, evocando os

    fundamentos de novas doutrinas e de novas concepes escolares

    e depois aborda, no tpico c, o conceito moderno de universidade e

    o problema universitrio no Brasil. Aqui nossos pioneiros defendem um

    modelo universitrio que ouse ir alm da formao em Medicina, Direito

    e Engenharia. Apontam para a relevncia dos cursos de Cincias Sociais,

    Naturais e Econmicas; e de Filosofia, Letras e Artes. A educao superior

    que, ressalte-se, tambm evocada como pblica seria a responsvel

    pela criao de um novo modelo de elite, no qual a inteligncia, e no as

    meras posses materiais, representaria o diferencial entre uma sociedade

    opaca e uma nao reluzente. Uma ptria educadora, que nosso atual lema

    e mais forte compromisso, demanda esprito crtico e cientfico, sendo ambos

    resultantes do notvel poder da curiosidade. Curiosidade para estudar no

    apenas aquilo que nos traz resultados prticos de curto prazo, mas que nos

  • Apresentao

    14 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.

    permite o enlevo da fascinao pelo conhecimento. Fazendo um paralelo com

    nosso momento atual, possamos nos inspirar nesse papel para nos unirmos

    em torno da expanso quantitativa e da valorizao qualitativa em nosso

    sistema de ensino.

    Entre todas as bandeiras defendidas, o mais estrelado lbaro do

    Manifesto o da defesa de uma escola nica, pblica, gratuita, obrigatria

    e, principalmente, laica, para que todos os brasileiros, sem distino de

    origem, tenham acesso a uma educao de qualidade. Oitenta anos depois

    da publicao do Manifesto, continuamos na luta. Nesta edio especial

    da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos (Rbep), do Instituto Nacional

    de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), o esprito dos

    pioneiros resgatado por autores de no menor envergadura. Refiro-me a

    Antonio Candido de Mello e Souza, Carlos Roberto Jamil Cury, Clio da Cunha,

    Clarice Nunes, Fernando de Azevedo, Jader Medeiros Britto, Libnia Nacif

    Xavier, Luciano Mendes de Faria Filho, Luciene de Almeida Simonini e Marta

    Maria Chagas de Carvalho. Na maioria deles, o leitor reconhecer sobrenomes

    portugueses. Se Portugal um dia impediu o Brasil de se desenvolver

    educacionalmente (e esse um fato recordado no como ressentimento

    infrutfero, mas como entendimento histrico), esta revista a prova de que

    seus filhos no fogem luta. Devemos, num ministrio que nasceu de uma

    revoluo e justamente aquela que, at ento, promoveu a maior mudana

    no tecido social do Pas , promover a maior mudana de que nosso Pas hoje

    necessita, que converter a educao num portal de oportunidades aberto

    igualmente a todos.

  • INTRODUO

  • 19Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    INTRODUO:O MANIFESTO COMO

    O GRANDE EDUCADOR.......................................................................................................................................................................................

    Por ocasio do octogsimo aniversrio do Manifesto dos Pioneiros da

    Educao Nova, divulgado ao povo e ao governo no comeo de maro de 1932,

    o ministro de Estado da Educao, senador Aloizio Mercadante, constituiu

    uma comisso de especialistas e dirigentes do Ministrio da Educao

    (MEC)1para propor uma agenda de estudos e eventos pblicos. A iniciativa

    teve como objetivo, por um lado, manter viva a memria dos signatrios

    desse documento histrico e, por outro, promover debates e reflexes sobre

    sua atualidade no contexto das polticas de educao do Brasil. Entre as vrias

    sugestes feitas pela comisso, uma das mais importantes foi a de produzir

    um livro com a contribuio de vrios estudiosos da educao no Brasil, que

    pudesse refletir a relevncia histrica do Manifesto e seu lugar na evoluo

    educacional do Pas.

    Para levar avante esse projeto, a comisso delegou ao professor Carlos

    Roberto Jamil Cury, coadjuvado por Clio da Cunha, a responsabilidade de

    1 A Comisso foi instituda pela Portaria n 724, de 31/5/2012, e integrada pelos seguintes membros: Celio da Cunha (Presidente), Arnbio Marques de Almeida Jnior (Secretrio Executivo), Flvia Maria de Barros Nogueira (Secretria Executiva Adjunta), Carlos Roberto Jamil Cury, Moacir Gadotti, Celso de Rui Biesiegel, Walter Esteves Garcia, Ilona Becskehzy e Jder de Medeiros Britto. Posteriormente, foi includo Joo Pessoa de Albuquerque, da Associao Brasileira de Educao (ABE).

    Clio da Cunha

    .......................................................................................................................................................................................

  • Clio da Cunha

    20 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    identificar os especialistas e organizar a referida publicao, que ora editada

    pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    (Inep). Alm de uma parte dedicada reviso crtica e atualidade do

    Manifesto, foi includa uma segunda parte, de reedio de textos histricos,

    e uma terceira para divulgar, sob a forma de resenha, uma tese sobre o

    Manifesto. Para a abertura do volume, por sugesto de Moacir Gadotti, foi

    escolhido um texto emblemtico, escrito em 1988 por Antonio Candido sobre

    Fernando de Azevedo, autor do Manifesto.

    Das vrias contribuies inseridas neste livro, passaremos a destacar

    cada uma delas e a comentar, de forma breve, sua importncia e seu alcance

    para a atualidade da poltica educacional, comeando pelo texto de Antonio

    Candido sobre Fernando de Azevedo. Nesse depoimento de discpulo e

    assistente, como se qualificou, o autor comea dizendo que Fernando de

    Azevedo foi um exemplo raro de responsabilidade e aguada lucidez ao assumir

    a posio socialista, que se liga ao desejo de preparar a sociedade nova pela

    elaborao de uma mentalidade transformadora embebida nas sugestes e

    necessidades do meio (Candido, 2014). Em seguida, tece comentrios sobre

    o pioneirismo de Fernando de Azevedo na introduo do ensino e da pesquisa

    em sociologia em nvel superior, ao tempo de intelectuais e professores como

    P. Arbousse-Bastide, Claude Lvi-Strauss, Roger Bastide e Emilio Willems.

    E registra a atitude corajosa e independente do autor de A cultura brasileira

    por ocasio do inqurito policial-militar, instaurado em 1964, que convocou

    para depor professores da eminncia de Joo Cruz Costa, Mario Schenberg,

    Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Mesmo aposentado,

    Fernando de Azevedo se apresentou espontaneamente aos inquiridores para

    marcar seu protesto e apoiar colegas e antigos alunos (Candido, 2014). Como

    se pode deduzir desse depoimento, feito por um dos maiores intelectuais da

    histria da cultura e das cincias humanas e sociais do Brasil, o Manifesto foi

    redigido por uma figura que, alm de sua posio consolidada como pensador

    da poltica educacional brasileira, era tambm um intelectual de vanguarda, de

    grande ousadia e defensor estrnuo da liberdade humana.

    Com relao aos artigos includos na primeira parte, o primeiro deles

    foi escrito por Jorge Nagle, autor de Educao e sociedade na Primeira

    Repblica, um dos clssicos da histria da educao brasileira. Em seu texto,

    intitulado O Manifesto dos Pioneiros e a histria da educao brasileira,

    ele assinala que o Manifesto no somente constituiu um legado memria

    coletiva, como tambm continua sendo um documento para ser, sempre,

  • 21

    Introduo: O Manifesto como o Grande Educador

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    ativado (Nagle, 2014). Pode-se conjeturar que o Manifesto dos Pioneiros

    contribuiu como um bom indicador para a periodizao da educao

    brasileira antes e depois dele (Nagle, 2014). Procede a proposta de

    Nagle, pois, na evoluo das ideias pedaggicas no Brasil, foi a partir dos

    movimentos renovadores da educao dos anos vinte e trinta do sculo

    passado brilhantemente sintetizados no Manifesto dos Pioneiros, poca

    em que surgem algumas das figuras mais emblemticas da nossa histria

    educacional, como Fernando de Azevedo, Ansio Teixeira e Loureno Filho

    que se inicia uma luta que, mesmo silenciada por dois perodos ditatoriais,

    a rigor, nunca se interrompeu, passando pela aprovao da nossa primeira

    Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, promulgada em dezembro

    de 1961, que Ansio, ponderadamente, considerou uma meia vitria, at

    uma vitria mais ampla representada pela Constituio de 1988.

    Mas Jorge Nagle, em suas reflexes sobre o 80 Aniversrio do

    Manifesto, vai mais longe, afirmando que o Manifesto dos Pioneiros uma

    herana rica no somente quanto aos princpios e valores com os quais ele

    fundamenta uma nova poltica de educao, como, ainda, tem o mrito de

    propor um modelo de operar. Esses dois polos valores/princpios e modelo

    de operao , insiste Nagle, no devem ser esquecidos, sob pena de realizar

    narrativa educacional truncada, com estreitamento intelectual, portanto

    (Nagle, 2014). Sem dvida, devido densidade intelectual que encerra,

    bem como seus fundamentos nas cincias de educao aliados sua rica

    vertente de poltica educacional, acrescido que foi de um plano operacional

    que contemplava aes de profundas implicaes na estrutura educacional

    do Pas, o Manifesto continua mais de oito decnios depois a inspirar e

    desafiar em mltiplas direes quer sejam de natureza acadmica, quer

    sejam no mbito dos formuladores de polticas pblicas. Nessa perspectiva,

    h uma passagem no artigo de Jorge Nagle que sintetiza o sentido histrico

    do Manifesto: O Manifesto um grande educador. referncia, pela sua

    arquitetura, pelo seu engenho organizativo, pela ausncia de preconceitos na

    relao fins-meios, pela viso republicana, democrtica (Nagle, 2014).

    Se o texto de Jorge Nagle, depois de tecer vrias e profundas

    consideraes sobre os fundamentos do Manifesto, classifica-o como um

    documento educador e republicano, a contribuio de Clarice Nunes sob o

    ttulo de Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932): o compromisso

    com uma sociedade educada prope uma releitura do Manifesto em duas

    vertentes: a primeira, como um movimento de ideias que se conforma numa

  • Clio da Cunha

    22 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    crena a favor do compromisso com a educao no Pas; e a segunda, como

    proposta em ao durante a dcada de 1930, com as possibilidades e os

    obstculos enfrentados na tentativa de criar uma coerncia entre a inteno,

    a palavra e o gesto. A autora encerra seu texto destacando os motivos da

    longevidade do Manifesto, por mais de oitenta anos (Nunes, 2014).

    No marco dessa concepo, Clarice Nunes desenvolve reflexes

    e consideraes crticas relevantes para a compreenso do Manifesto no

    contexto de sua poca. Uma delas, que sobressai pela atualidade, assevera que

    o Manifesto foi uma resposta desiluso com o regime republicano em relao

    educao do Pas, colocando a escola como tema central da agenda pblica

    e, por conseguinte, mostrando que a educao coisa pblica e como tal deve

    ser tratada (Nunes, 2014). Poder-se-ia at mesmo acrescentar que o Manifesto

    procurou interromper a desiluso no somente com a Repblica, como ainda

    com as seguidas omisses e equvocos da histria educacional do Pas.

    H no artigo de Clarice Nunes uma interpretao do papel da Escola

    Nova, na evoluo pedaggica do Pas, que importa destacar. A Escola Nova

    preconizada pelo Manifesto, na viso de Clarice Nunes, pode ser reinscrita

    numa tradio pedaggica dissidente, na qual se incluem, por exemplo, a

    reforma pombalina no perodo colonial, ou os efeitos da presena dela no pas

    das escolas protestantes. Ela foi um sinal dos tempos no sentido de que sua

    lgica repousou sobre a experincia deliberada e compartilhada de secularizar

    a Repblica e de ampliar o papel do Estado na implementao de polticas

    pblicas de educao (Nunes, 2014). Talvez seja oportuno adicionar que um

    dos prceres da Escola Nova nos Estados Unidos, John Dewey, cuja influncia

    no pensamento de Ansio Teixeira amplamente conhecida, representava

    nesse tempo a corrente mais progressista do pensamento pedaggico norte-

    americano, sendo, por vezes, considerado adepto da ideologia comunista

    pelos segmentos mais conservadores daquele pas.

    Entre os vrios tesouros que, de forma direta ou indireta, se fazem

    presentes no Manifesto ou que passaram a ser revelados em experincias

    levadas avante sob sua influncia, Clarice Nunes lembra um deles de

    importncia incomensurvel: a criao da Universidade do Distrito Federal,

    pensada e implementada por Ansio Teixeira, em 1935, que, em sua Escola

    de Educao, admitiu pela primeira vez no Pas professores primrios para

    formao em nvel superior, em cursos de dois anos (Nunes, 2014). Tivesse

    essa proposta prosseguimento, certamente no estaria hoje o Brasil frente a

  • 23

    Introduo: O Manifesto como o Grande Educador

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    um de seus maiores desafios, que o de assegurar nos anos iniciais do ensino

    fundamental uma efetiva alfabetizao, e, seguramente, o programa lanado

    pelo MEC ao tempo da gesto Aloizio Mercadante o Pacto pela Alfabetizao

    na Idade Certa no teria sido necessrio.

    Clarice Nunes encerra seu denso texto com reflexes oportunas sobre

    a aura do Manifesto. A partir da afirmao de Ansio Teixeira de que se

    deveriam perdoar as falhas das geraes passadas, porque elas, sem dvida,

    sofreram mais do que ns, a autora afirma que devemos gerao dos

    anos de 1930 o Manifesto, que persiste como uma vibrao sutil de ideias,

    convidando-nos ao. Ideias que no foram apenas bandeiras, mas valores

    instituintes com a inteno de configurar outra realidade. Nessa direo, o

    Manifesto inaugurou uma sistematizao de ideias de valorizao da educao

    pblica, traduzida em propostas polticas como nunca antes qualquer outro

    documento havia feito (Nunes, 2014).

    Marta Carvalho, por sua vez, no artigo O Manifesto dos Pioneiros da

    Educao Nova e a IV Conferncia Nacional de Educao, valendo-se dos

    resultados de sua pesquisa realizada nos arquivos da Associao Brasileira

    de Educao (ABE), defende a tese de que a grande novidade do Manifesto

    foi seu impacto na redefinio dos debates educacionais, pois o prprio

    nome dado ao Manifesto deixava evidente que, no mago das disputas que

    vinham ocorrendo entre escola nica versus escola dual, ensino pblico

    versus ensino particular ou ensino leigo versus ensino religioso, enraizava-se

    uma ciso profunda no campo terico-doutrinrio da pedagogia alimentada

    pelas novas ideias que fervilhavam na Europa e nos Estados Unidos e que

    ficariam mais explcitas, em 1935, quando do afastamento de Ansio Teixeira

    do cargo de diretor-geral da Instruo Pblica do Distrito Federal (Carvalho,

    2014). A histria dessa ciso, observa Marta Carvalho, derivava da sintonia

    entre os organizadores da Conferncia e o governo, com a expectativa de

    que ela viesse a referendar a orientao religiosa na poltica educacional do

    Pas. O governo, conforme mostra Carvalho, no s tinha conhecimento dos

    objetivos e do programa da Conferncia como tambm participou de sua

    organizao (Carvalho, 2014). nesse sentido que se evidencia o alcance

    da viso estratgica de Nbrega da Cunha, que, percebendo o alcance da

    solicitao de Vargas e Francisco Campos Conferncia para a formulao

    de uma poltica que definisse o sentido pedaggico da revoluo, procedeu

    a uma interveno que culminaria com a indicao de Fernando de Azevedo

    para traar os rumos da nova poltica. Da o argumento de Marta Carvalho

  • Clio da Cunha

    24 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    no sentido de que a interveno de Nbrega da Cunha provocou um

    deslocamento politicamente relevante, pois o Manifesto trouxe um novo

    temrio para o debate pblico, bem diferente das questes propostas pela IV

    Conferncia, e o alterou qualitativamente ao afirmar, como princpio, a escola

    pblica, leiga, obrigatria e gratuita e a coeducao, inaugurando um novo

    captulo na histria da escola brasileira (Carvalho, 2014).

    O quarto artigo que compe a presente publicao, de autoria de

    Luciano Mendes de Faria Filho, Os sentidos da renovao educacional: ecos

    do debate sobre a Escola Nova na edio e apropriao de Rui Barbosa na

    dcada de 1940, como o prprio ttulo sugere, foi produzido com o objetivo

    de examinar como dois intelectuais da educao brasileira Thiers Martins

    Moreira e M. B. Loureno Filho , que participaram ativamente do movimento

    escolanovista, se apropriaram das ideias de Rui Barbosa, demonstrando,

    como salienta Luciano Farias Filho, a genialidade de Rui na introduo da

    pedagogia moderna no Brasil (Faria Filho, 2014). Thiers Moreira, prefaciando

    a edio pela Casa de Rui Barbosa, no comeo da dcada de 1940, dos

    histricos pareceres de Rui Barbosa sobre o ensino secundrio e superior,

    de 1882, procura mostrar a continuidade entre Rui Barbosa e a Escola Nova

    por intermdio de um duplo movimento, afirmando, em primeiro lugar,

    que o mtodo intuitivo e a formao cientfica, ambos defendidos por

    Rui em seus pareceres, so uma espcie de precursores da Escola Nova,

    como propugnavam Fernando de Azevedo e Loureno Filho; em seguida,

    afirma que esses dois elementos mtodo intuitivo e formao cientfica

    demonstravam a no atualidade dos pareceres, pois Thiers Moreira, catlica e

    integralista, combatia as interpretaes do movimento escolanovista que lhe

    eram adversrias. As ideias de Rui se distanciavam do que vinha sendo defendido

    pelos ativistas catlicos (Farias Filho, 2014).

    Com relao a Loureno Filho, em suas leituras e anlises sobre

    os pareceres, o autor reconhece o pioneirismo de Rui, afirmando que sua

    pedagogia precursora do ativismo e do pragmatismo. Para demonstrar a

    atualidade da obra pedaggica de Rui, compara excertos dos pareceres com

    trechos de obras de autores e pensadores como William Kilpatrick, A. Ferrire

    e Fernando de Azevedo. A monumentalidade dos pareceres transparece na

    anlise de Loureno Filho, que enfatiza tanto a dimenso pedaggica quanto

    a social (Farias Filho, 2014).

    Apesar da sintonia das ideias de Rui Barbosa com as do movimento

    escolanovista, durante todo o movimento de renovao educacional das

  • 25

    Introduo: O Manifesto como o Grande Educador

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    dcadas de 1920 e 1930, ele permaneceu margem. Foi somente a partir da

    dcada de 1940, sobretudo por ocasio da edio das obras completas dele,

    que foi possvel colocar seu legado no centro dos estudos de algumas reas

    do conhecimento, entre elas, a educao (Farias Filho, 2014). Contribuiu

    para esse resgate e mesmo reparao a conferncia pronunciada por

    Loureno Filho intitulada margem dos pareceres de Rui sobre o ensino,

    em A pedagogia de Rui Barbosa, editado pela primeira vez em 1943.

    Provavelmente, um dos fatores que contriburam para a marginalidade

    de Rui Barbosa durante os debates de ideias no movimento de renovao

    educacional das dcadas de 1920 e 1930 tenha sido a no continuidade de

    suas reflexes e ponderaes feitas por ocasio da elaborao dos pareceres.

    Os pensadores mais fecundos dessa poca, como Ansio Teixeira, Fernando

    de Azevedo e Loureno Filho, centralizaram na educao o melhor e o mais

    fecundo de suas reflexes e continuaram lutando, incansavelmente, at o fim

    da vida, o que certamente contribuiu para influenciar as geraes seguintes.

    Fizeram escolas de pensamento.

    Nessa direo, ou seja, da influncia do Manifesto e dos pioneiros

    que o assinaram nas geraes seguintes, destaca-se o artigo de Libnia Nacif

    Xavier, O Manifesto de 1932 e a democracia como valor universal. Nesse

    trabalho, a autora procura mostrar em que sentido e dimenso Darcy Ribeiro

    e Florestan Fernandes preservaram o compromisso do Manifesto com a

    educao pblica, o que atesta a eficcia da gerao dos renovadores,

    medida pelo grau de aceitao e de legitimao dos modelos de ao

    defendidos pelo grupo fundador e pela incorporao ou reviso de conjunto

    de sua produo intelectual e institucional das geraes posteriores (Xavier,

    2014). Nunca ser demais acrescentar que Florestan Fernandes foi assistente

    de Fernando de Azevedo, que o convidou para integrar o corpo de professores

    e pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade

    de So Paulo (USP), e que Darcy Ribeiro trabalhou com Ansio Teixeira e tinha

    por ele e por suas ideias admirao ilimitada.

    Sintetizando o papel histrico da gerao do Manifesto dos Pioneiros,

    Libnia Xavier assinala que

    A rememorao do Manifesto de 1932 tem funcionado como uma senha

    para a retomada da luta, construindo tanto no nvel simblico quanto no

    mbito da ao prtica a linha de continuidade que atribui a este documento

    uma atualizao constante e submete seus atores e propostas polticas a um

  • Clio da Cunha

    26 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    permanente processo de avaliao histrica que nos fala tanto dos embates do

    presente quanto das lutas do passado (Xavier, 2014).

    O ltimo texto a compor a primeira parte da presente publicao,

    referente reviso crtica e atualidade do Manifesto, foi escrito por Luciene

    de Almeida Simonini e denominado: O Manifesto dos Pioneiros da Educao

    Nova na correspondncia dos signatrios para Ansio Teixeira (1931-1935).

    Esse texto tem a virtude de mostrar, entre outras coisas, o esforo de Fernando

    de Azevedo para que o Manifesto fosse assinado por figuras de destaque

    da intelectualidade nacional e tivesse a mais ampla divulgao. Simonini,

    apoiando-se, sobretudo, no estudo de Libnia Xavier, mostra a importncia

    das correspondncias trocadas entre os pioneiros do Manifesto e insere

    trechos de algumas cartas que so necessrios para compreender o esforo

    de Fernando de Azevedo em fazer do Manifesto, como de fato aconteceu, um

    divisor de guas na evoluo do pensamento pedaggico nacional.

    Na linha de continuidade a que se refere Libnia Xavier, pode-se afirmar

    uma sintonia ao longo do tempo em relao luta, liderada pelo Estado, por

    uma escola pblica de qualidade para todos, e que teve no Manifesto dos

    Pioneiros ponto marcante e emblemtico. Este tambm se tornaria bandeira

    das geraes de educadores que se destacaram nas dcadas seguintes e

    que j se foram, como Florestan Fernandes, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, os

    quais tambm fizeram escola e legaram gerao atual um impressionante

    acervo de conhecimentos sobre os fins e os meios da educao. Essa bandeira

    de lutas, que teve na Constituio de 1988 o seu desfecho mais promissor,

    continua a ser empunhada por educadores e pensadores da educao na

    esteira dos mesmos ideais do Manifesto, entre eles, Dermeval Saviani, Carlos

    Roberto Jamil Cury, Miguel Arroyo, Luiz Antonio Cunha, Moacir Gadotti,

    Bernadete Gatti e Pedro Demo. So educadores que, alm de tantos outros,

    nas instituies de ensino e pesquisa s quais se vinculam, ou nas reunies

    da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd)

    e da Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (Anpae) e

    de outras entidades, continuam defendendo os ideais maiores do Manifesto.

    Mesmo com enfoques e posies diferentes o que constitui uma

    condio enriquecedora de perspectivas , a linha do tempo do pensamento

    pedaggico e das polticas de educao inauguradas pelo Manifesto dos

    Pioneiros, com precursores intelectuais como Rui Barbosa, como mostra o

    artigo de Luciano Mendes de Farias Filho, ou ainda Manoel Bomfim, teve a

  • 27

    Introduo: O Manifesto como o Grande Educador

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    fora para superar duas ditaduras, chegando aos nossos dias com a vantagem

    de que os signatrios da atualidade j no so somente os vinte e seis de 1932,

    ou os quase duzentos do Manifesto de 1959, mas milhares de educadores

    espalhados por todo o Pas em salas de aulas, projetos de pesquisa ou em

    instncias de gesto que no medem esforos para a construo de uma

    escola pblica inclusiva e de boa qualidade.

    Alm disso, quando lanado, em 1932, o Manifesto foi visto com

    desconfiana pelo Governo Federal da poca, o que no acontece com

    o Ministrio da Educao que temos hoje. Os ltimos ministros e o atual

    declararam, publicamente, que buscaram no Manifesto inspiraes e ideias

    para nortear suas gestes. Henrique Paim, por exemplo, ao anunciar, em julho

    de 2014, a estratgia de operacionalizao do II PNE mediante a elaborao

    dos planos decenais dos Estados, do Distrito Federal e dos municpios,

    reafirmou sua importncia como documento de referncia para a construo

    dos referidos planos na linha da doutrina federativa defendida por Fernando

    de Azevedo no Manifesto. Da sua dimenso educadora e republicana,

    como assinalou Jorge Nagle em seu artigo, que inspirou o ttulo da presente

    introduo.

    Na parte reservada reedio de documentos histricos, o primeiro

    documento um artigo de Fernando de Azevedo publicado por ocasio do

    25 aniversrio do Manifesto, em 1957, escrito com a mesma sobriedade

    de estilo, profundidade e contundncia que caracterizam sua obra. Entre

    as vrias consideraes importantes feitas 25 anos depois, ele afirma que o

    Manifesto no foi causa, mas um dos mais importantes efeitos do movimento

    de renovao das dcadas de 1920 e 1930. Refletiu o mpeto renovador dessa

    poca, que se traduziu num documento pblico com os princpios e os conceitos

    fundamentais que o inspiraram, fornecendo uma bandeira que apontou os

    rumos da nova poltica educacional. O que antes era um pouco vago e impreciso

    e talvez obscuro adquiriu clareza e objetividade com o Manifesto (Azevedo,

    2014). Fernando de Azevedo comenta, com nfase, a repercusso obtida por

    meio de vrias manifestaes de apoio oriundas de diversas regies do Pas.

    Esse movimento de simpatia proveio, lembra ele, no somente em decorrncia

    das posies firmes defendidas pelo Manifesto, mas tambm devido ao fato

    de todos, poca, j se sentirem fatigados de perplexidades e hesitaes.

    A nova poltica educacional pretendida pelo Manifesto contemplava questes

    fundamentais para o futuro da educao nacional, entre elas, o estabelecimento

    de um sistema completo de educao, com uma estrutura orgnica conforme

  • Clio da Cunha

    28 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    as necessidades do Pas e as novas diretrizes econmicas e sociais da civilizao.

    O Manifesto considerava a educao como uma funo social e um servio

    essencialmente pblico que o Estado chamado a realizar em cooperao com

    todas as instituies sociais (Azevedo, 2014).

    O segundo documento histrico contempla a sntese final da mesa-

    redonda promovida pelo Inep, em 1984, sobre o Manifesto, como parte do

    quadragsimo ano de circulao da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos,

    com a participao dos seguintes educadores: Abgard Renault, Luiz Antonio

    Cunha, Carlos Roberto Jamil Cury e o Padre Jos de Vasconcellos. Foi um debate

    auspicioso que focalizou diferentes aspectos do Manifesto, sua atualidade e

    sua importncia na evoluo pedaggica do pas. A seguir, destacaremos de

    cada expositor e debatedor pontos que acreditamos como fundamentais para

    a poltica educacional do Pas.

    Abgard Renault, que foi ministro da Educao (1955-1956), em sua

    exposio, procurou refletir em que direo marchou o Brasil na rea da

    educao, de 1932 at 1984, ano da realizao da mesa-redonda. Depois de

    sublinhar pontos nucleares do Manifesto que no haviam sido contemplados

    pela poltica educacional do Pas, ele conclui que, em muita coisa, o ponto

    de partida do Brasil, em matria de educao, est ainda em 1932 (Renault,

    2014).

    Por sua vez, Luiz Antnio Cunha, na condio de debatedor, comeou

    afirmando que o Manifesto de 1932 atualssimo (Cunha, 2014), malgrado o

    tom pessimista da interveno desse pensador da educao, e nem poderia ser

    diferente, em face do quadro crtico da educao brasileira na dcada de 1980.

    Em sua fala, Luiz Antonio Cunha deu relevo a um problema atual, que o fato de

    o Manifesto ter apontado o descompasso entre as reformas educacionais e as

    reformas econmicas. Destacou, ainda, outro ponto importante do Manifesto,

    que foi a defesa da escola com finalidade prpria, e no necessariamente

    econmica, e mostrou que o desenvolvimento da personalidade humana,

    em perspectiva deweyiana, no tinha carter instrumental. Nesse sentido,

    Fernando de Azevedo e os demais signatrios deixavam, pela primeira vez, num

    documento histrico, essa perspectiva de grande alcance tambm esquecida

    (Cunha, 2014).

    O segundo expositor foi Carlos Roberto Jamil Cury, que deu destaque

    a um dos fundamentos mais estruturantes do Manifesto. Como ele afirmou,

  • 29

    Introduo: O Manifesto como o Grande Educador

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    durante a mesa-redonda, para os pioneiros, era de evidncia cristalina a

    funo essencialmente pblica da educao e por pblica se entendia o dever

    do Estado em assumi-la como servio, em resposta a um direito (Cury, 2014).

    Da a nfase que Jamil Cury atribui firme posio do Manifesto de que, mesmo

    admitindo o direito de escolas privadas, sobressai o dever indeclinvel do

    Estado de no admitir dentro do sistema escolar escolas que s tenham acesso

    a uma minoria, devido a um privilgio essencialmente econmico (Manifesto,

    2014). Por isso, sublinha Cury, no cerne da questo est o problema de como

    garantir o acesso igual aos bens socioculturais, pressuposto indispensvel da

    cidadania, quando a desigualdade no s permeia a sociedade de classes, mas

    se agrava e se aprofunda, de modo brbaro e selvagem, nos pases perifricos

    (Cury, 2014). Um Estado realmente pblico, argumenta ainda Cury, que lute

    contra as desigualdades para superar a estreiteza dos interesses classistas,

    constitui condio imprescindvel para o Pas se distanciar de humilhantes

    lugares que vem ocupando no cenrio internacional (Cury, 2014).

    certo que, nos ltimos anos, com a prioridade estabelecida s

    polticas sociais, a desigualdade e a pobreza diminuram no Brasil, no a

    ponto de possibilitar a todos uma dignidade mnima existencial, mas, pelo

    menos, a ponto de colocar em evidncia que s pelo caminho da reduo

    das desigualdades ser possvel atingir estgios mais elevados de tica

    civilizatria. Nessa direo, procede a concluso de Cury ao afirmar que uma

    viso prospectiva do Manifesto que subalterne ou ignore esta dinmica se

    condena a querer que a histria caminhe para trs (Cury, 2014).

    O segundo debatedor da mesa-redonda foi o Padre Jos de Vasconcellos,

    que presidiu por muitos anos o Conselho Federal de Educao. Iniciou o

    debate ressaltando a exposio de Jamil Cury pelo equilbrio, lucidez, clareza

    e objetividade, reconhecimento que no derivava somente de sua polidez

    em situaes pblicas, como tambm da admirao que tinha o religioso

    a propsito do pensamento pedaggico de Jamil Cury. Sua interveno no

    debate, como ele mesmo admitiu, poderia frustrar algumas expectativas. Em

    seu comentrio, teceu crticas a alguns aspectos do Manifesto. Uma delas, em

    relao educao pelo trabalho, argumentou estar superado o antagonismo

    educao acadmica versus educao liberal, em face da Lei n 5.692/71.

    Em seus comentrios, ele admitiu tambm o mal-entendido que se escondia

    nas entrelinhas do Manifesto no sentido de que o cristianismo se opunha

    educao tecnolgica. Sobre essas crticas sempre oportuno lembrar que

    Fernando de Azevedo, ao defender a escola do trabalho, sob a influncia

  • Clio da Cunha

    30 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.

    das ideias do pensador alemo G. Kerchensteiner, o fazia numa concepo

    de educao integrada entre os valores acadmicos e os da vida prtica,

    sem distino de status. O autor do Manifesto foi um grande humanista,

    centralizando sua concepo de mundo numa viso interdisciplinar do

    conhecimento, sendo exemplo dessa posio epistemolgica o projeto que

    ajudou a elaborar para a USP, especialmente no captulo da Faculdade de

    Filosofia, Cincias e Letras.

    Ainda na parte dedicada reedio de documentos, foram inseridos

    no somente o texto do Manifesto, como tambm um texto introdutrio,

    uma explicao necessria e o esboo da poltica educacional extrada do

    Manifesto. So documentos fundamentais para o seu estudo e, sobretudo,

    para mostrar a viso ampla de Fernando de Azevedo no sentido de pensar

    e conceber, certamente ouvindo seus companheiros de luta, como Ansio

    e Loureno Filho, no somente os fundamentos de uma nova poltica de

    educao inspirada na doutrina federativa, mas de propor um plano de ao

    que, tivesse sido levado avante, com certeza nos dias atuais estaramos em

    condies de perseguir metas bem mais ambiciosas. E no foi por falta da

    insistncia de Alzira Vargas, filha de Getlio que, por algumas vezes, tentou

    convencer o pai a nomear Fernando de Azevedo, ministro da Educao, sendo

    que as condies e exigncias do autor do Manifesto nunca foram admitidas

    por Vargas.

    Fernando de Azevedo, ao redigir o Manifesto, teve o cuidado de

    contemplar e conciliar as diversas tendncias presentes no movimento

    de renovao da educao brasileira desse tempo, o que constitui outra

    dimenso importante do autor de A educao na encruzilhada em matria

    de poltica educacional, qual seja, a conscincia de que os avanos na

    educao demandam previamente a obteno de consensos.

    Por ltimo, o livro inclui uma resenha de autoria de Jader de Medeiros

    Britto a propsito de um estudo feito por Libnia Nacif Xavier sobre o

    Manifesto. De acordo com Britto, a amplitude das fontes consultadas, Libnia

    primrias e secundrias, como tambm a rica base bibliogrfica de apoio

    constituda por livros, artigos publicados em jornais e revistas, discursos,

    relatrios, entre outros, revela o alcance da pesquisa histrica realizada pela

    referida educadora.

    DEPOIMENTO SOBREFERNANDO DE AZEVEDO

    .......................................................................................................................................................................................

  • 31Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, 2015.

    Fernando de Azevedo foi um exemplo raro de homem que gosta da

    responsabilidade e cuja lucidez aguada, no embotada, pelas dificuldades,

    porque elas espicaam o seu nimo combativo. Formando na disciplina

    rigorosa dos jesutas, tinha aspectos que o ligavam ao passado, inclusive a

    polidez meticulosa e elaborada, bem como o gosto por um cavalheirismo meio

    espetacular. Portanto, no de espantar que haja feito nome, inicialmente,

    como conhecedor e cronista da antiguidade greco-romana; mas o fato

    que desde logo extraiu do passado um senso firme do presente, que o fazia

    estar sempre busca das posies mais avanadas. Assim, a Antiguidade lhe

    inspirou o culto pela educao fsica, de que foi um dos primeiros tericos do

    Brasil, revelando a fora educativa da ginstica e do esporte.

    Alis, ele prprio foi, na mocidade, bom cavalheiro e esgrimista e, por

    volta dos cinquenta anos, obteve o brevet de piloto amador. Do mesmo modo,

    o humanismo clssico, dentro de cujo estmulo traduziu muitos dilogos de

    Plato, abriu o seu esprito para a necessidade de reformar a instruo do seu

    tempo e do seu pas. Mas nesse sentido o elemento decisivo deve ter sido, ao

    lado das modernas teorias pedaggicas, a iniciao na sociologia, sobretudo

    a obra de mile Durkheim. Ela lhe revelou outro horizonte, marcado pelo

    DEPOIMENTO SOBREFERNANDO DE AZEVEDO

    .......................................................................................................................................................................................

    Antonio Candido

  • Antonio Candido

    32 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, maio/ago. 2015.

    entendimento do fato educacional como funo da sociedade, e do seu

    conhecimento como atividade de cunho sistemtico.

    Ao mesmo tempo, confirmou o seu senso muito humano da educao

    para o progresso atitude liberal que ele ampliou at alcanar estgios

    avanados ao assumir a posio socialista segundo a qual a capacidade de

    a educao atuar de maneira plena se liga ao desejo de preparar a sociedade

    nova, pela elaborao de uma mentalidade transformadora embebida nas

    sugestes e necessidades do meio.

    Em meados do decnio de 1920, j estava armado com os instrumentos

    intelectuais que o levaram a integrar a grande falange dos renovadores da instruo

    pblica no Brasil, e em seus diferentes graus. Instruo leiga, antiautoritria,

    racional, cientfica e ajustada s mudanas sociais, que se traduziu na prtica

    por uma primeira etapa de luta a favor dos modernos mtodos pedaggicos, da

    modernizao formao dos docentes e atualizao da administrao escolar.

    No pice estava prevista a Universidade, que era ento um projeto irrealizado, ou

    realizado apenas nominalmente, e que deveria ter como fecho de abboda as

    Faculdades de Filosofia, Cincias, Letras e Educao.

    E eis que surge para ele grande oportunidade, sob a forma do convite

    que, em 1927, lhe fez Antnio Prado Jnior, prefeito do antigo Distrito Federal,

    para reformar a respectiva instruo pblica.

    O Pas sabe o que foi essa luta gloriosa e difcil. Ao lado das reformas

    anteriores do Cear, de Pernambuco, de Minas Gerais, a sua tem um aspecto

    tempestuoso peculiar, graas ousadia e profundidade das modificaes,

    e graas aura de radicalidade transformadora que inquietou grupos

    tradicionais, culminando no atentado sua vida num momento em que

    expunha o projeto.

    Viu-se, ento, a tmpera de ao desse homem franzino e intemerato;

    viu-se a firmeza com que cumpria o seu dever e lutava pelas suas ideias. O Pas

    tomou conscincia da necessidade de generalizar a reforma, e ele emergiu

    como um lder.

    Nos anos de 1930, reformou a instruo pblica em So Paulo e contribuiu

    de maneira decisiva para organizar a Universidade de So Paulo (USP), cujo

    estatuto foi elaborado por ele. J ento o socilogo tinha predominado sobre

  • 33

    Depoimento sobre Fernando de Azevedo

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, 2015.

    o educador, e Fernando de Azevedo era, sobretudo, um dos instauradores do

    ensino e da pesquisa da Sociologia em nvel superior, ao lado de homens como

    Paul Arbousse-Bastide, Claude Lvi-Straus, Roger Bastide e Emlio Willems.

    A sua vida se confundiu cada vez mais com a Faculdade de Filosofia, da

    qual foi diretor, e com o Departamento de Sociologia e Antropologia, de que

    foi um dos fundadores e professor-chefe durante longos anos. De certo modo,

    ele acabou encarnando a prpria conscincia da instituio, cuja defesa no

    trepidou em assumir no ano de 1964, quando se instaurou nela um inqurito

    policial-militar que convocou professores da eminncia de Joo Cruz Costa,

    Mrio Schenberg, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

    Embora aposentado, Fernando de Azevedo se apresentou espontaneamente

    aos inquiridores, para marcar o seu protesto e apoiar os colegas, seus antigos

    alunos.

    Esse trao ajuda a compreender como, do humanista ao educador,

    do educador ao socilogo, houve sempre nele um homem de viso poltica,

    no sentido geral do termo. Pensemos, no campo sociolgico, em seu livro

    Canaviais e engenhos na vida poltica do Brasil, de 1948, em que mostra de

    que maneira os fatos polticos funcionam como uma espcie de elemento

    conector dos vrios aspectos da vida social, como sistema de normas que

    permite o funcionamento das outras normas, travejando a organizao da

    sociedade.

    Isso serve para compreender a sua constante preocupao com o lado

    poltico do pensamento e da ao educacional, embora nunca tenha aderido

    a nenhum partido. Mas declarava-se homem de esquerda, e na verdade

    era um socialista democrtico independente, ainda imbudo dos ideais da

    Ilustrao e tenazmente confiante na forma transformadora do ensino, desde

    que associado mudana indispensvel da sociedade.

    Como seu aluno, e em seguida, seu colaborador de muitos anos; como

    seu discpulo e amigo, quero que este testemunho sirva principalmente para

    transmitir s geraes novas a lembrana de um homem insigne, que possua

    a retido escarpada dos lutadores e a ternura afetuosa dos grandes coraes.

  • REVISO CRTICA E ATUALIDADE DO MANIFESTO

  • 39Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    .......................................................................................................................................................................................

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS E A HISTRIA DA EDUCAO

    BRASILEIRA*.......................................................................................................................................................................................

    Jorge Nagle

    Habent sua fata libelli**

    Terenciano Mauro

    Entre os historiadores da educao (escolar) brasileira, h pouca,

    se tanta, preocupao com a perspectiva histrica. sempre necessrio,

    nas anlises e discusses sobre educao, possuir referncias histricas,

    incluindo, claro, sobre desenvolvimento de valores, de ideias, instituies,

    mecanismos de atuao, metodologias... No esquecer, tambm: no caso

    da educao, foroso perceber um sistema de relaes, no sentido de que

    h aspectos restritos, intermedirios e compreensivos. Trata-se, na

    verdade, de no negligenciar o sentido de Historia. O que no significa fazer

    reproduo, mas aproveitar o que foi bem feito e que, ainda, mesmo com

    alteraes, pode ser til.

    Se cada historiador da educao brasileira pensar que os estudos

    histricos nessa rea comeam com seu trabalho especializado, isto , cada

    vez mais limitado ao campo especifico da educao, praticamente, sem

    * Agradeo os trabalhos de computao realizados por Natalia da Costa Souza, auxiliar administrativa da Fundao Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, onde este trabalho foi realizado.

    ** Os livros tm seu destino. O aforismo de Terenciano Mauro alude a obras de valor, esquecidas.

  • Jorge Nagle

    40 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    qualquer preocupao em oferecer encaixe em quadros compreensivos para

    enriquecer a anlise, esse historiador comete uma falha indesculpvel j

    se assinalou a pobreza intelectual daqueles que s leem o terceiro volume

    da Cultura brasileira, de Fernando de Azevedo; portanto, no tomam

    conhecimento das duas primeiras partes que versam, respectivamente, sobre

    Os fatores da cultura e A cultura. Essas duas partes fornecem um amplo

    quadro histrico-social, do qual parte a educao. No se est dizendo que

    o melhor quadro nem que o terceiro volume sobre cultura/educao continue

    perfeito; mas um bom exemplo para se trabalhar, no como simples

    especialista dos fenmenos educacionais. Essas mesmas consideraes

    valem, igualmente, para o estudo do Manifesto dos Pioneiros da Educao

    Nova e da obra Cultura brasileira; ambos devem continuar sendo momentos

    excepcionais da memria histrica brasileira. So propriamente documentos/

    monumentos. Esto relacionados com os temas passado/presente, antigo/

    moderno1 (Enciclopdia, 1984).

    De qualquer modo, no se deve supor que caractersticas de momentos

    anteriores desaparecem, por passe de mgica, das caractersticas atuais.

    preciso recordar Caio Prado Junior. Na Introduo Formao do Brasil

    contemporneo (1972), o autor afirma que, para a interpretao do Brasil

    atual, o passado colonial nos cerca de todos os lados, passado longnquo

    no tempo. Dito de outra maneira, s as vestimentas mudam. produtivo

    considerar esse ponto de vista.

    Afinal, a vida social apresenta uma multiplicidade de aspectos, uma

    riqueza em sua vida cultural. A educao, encaixada nessa multiplicidade,

    enriquece-se. A educao no um valor absoluto, nem a escola

    uma instituio incondicionada, diz L. A. Costa Pinto em Sociologia e

    desenvolvimento (1963).

    De maneira incisiva: necessrio vincular a educao com o quadro

    maior da matriz histrico-social. A relao texto/contexto/subtexto continua

    decisiva para uma narrativa histrica da educao. Essa uma exigente tarefa

    para o intelectual brasileiro que se aventura no campo educacional.

    1 Consultar Enciclopdia: memria/histria (1984). Especialmente os captulos Memria e Documento/Monumento, ambos de Jacques Le Goff.

  • 41

    O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    Assim deve ser estudado o MP.2 O MP uma herana do passado.

    Herana rica no s quanto aos valores/princpios, mas tambm como modelo

    de operar, pois introduziu na vida escolar interna esses dois polos igualmente

    importantes valores/princpios e modelo de operao , desenvolvidos

    por instrumentos intermedirios, desdobramento dos valores/princpios:

    Filosofia da Educao, Filosofia Poltica da Educao, cincias intermedirias

    como a Sociologia e a Psicologia, maneiras tcnicas de efetivao, como

    Administrao Escolar, Tecnologia Educacional, Didtica. Destacar: Filosofia

    Poltica da Educao.

    Esse modelo do MP no pode e no deve ser esquecido, sob pena

    de realizar narrativa educacional truncada, com estreitamento intelectual,

    portanto insuficiente.

    O MP deve tornar-se uma escolha dos historiados da educao

    brasileira para orientar a formulao dos planos de educao, para comparar

    planos de educao, discutir alternativas. No , portanto, s um testemunho

    histrico, um legado memria coletiva; texto para ser, sempre, ativado.

    Pode-se conjeturar que o MP contribui como um bom indicador para a

    periodizao da educao brasileira antes e depois dele.

    Se essa posio pode ser aceita sem grandes objees ao menos

    como tentativa de valorizao, merecidamente, do texto , ento no se deve

    dar apoio a duas posies.

    A primeira consiste em afirmar que o MP texto datado, no sentido

    de desqualific-lo. Datado passa a significar vinculao exclusivamente ao

    momento em que apareceu.

    Sabe-se que a datao um elemento importante para o historiador

    situar-se; para enquadrar um texto, uma narrativa, num quadro mais geral,

    que lhe d sentido. Dever-se-ia saber, tambm, que determinado texto, por

    estar datado, e conforme a data de seu aparecimento, no est predestinado

    2 A publicao A reconstruo educacional no Brasil (1932) traz informaes sobre cada signatrio e outros pronunciamentos. Outra edio: Azevedo (1958); pelas minhas lembranas, h edies do Conselho Estadual de Educao de So Paulo e do Servio Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).

  • Jorge Nagle

    42 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    a ter seu significado restringido a esse momento.3 Apenas para exemplificar:

    como considerar as grandes obras do passado, s vezes, bem distantes no

    tempo, simplesmente como datadas e, portanto, desqualificadas para o

    presente? Mesmo aquelas j superadas ou melhoradas, quer na Filosofia, nas

    Cincias, nas Artes?

    O MP tem uma data. Apresenta uma ampla e rigorosa resposta ao

    pedido do Governo Provisrio. A data, porm, no pode ser isolada de um

    momento revolucionrio e tampouco de momentos anteriores, de que

    foi continuao. Os Pioneiros aceitaram o desafio proposto pelo governo

    provisrio. E aceitaram porque, entre outros motivos, j possuam uma forte

    posio de luta pela educao. A dcada de 1920 representa o tempo de

    afirmao de propostas: as reformas estaduais; a batalha com os catlicos

    e com o atraso educacional; mais amplamente, a afirmao modernista,

    a de partido poltico democrtico; enfim, a vigorosa proposta de um

    republicanismo, no de fachada, mas autntico. Acrescentar: as mudanas

    no campo econmico-social, bem como as tentativas de enfraquecimento

    das oligarquias regionais, o desenvolvimento do movimento operrio, os

    conflitos antiautoritrios. O passado renovador dos Pioneiros deve ter sido

    decisivo para o apelo feito pelo novo governo. No se pode desprezar, por

    sua vez, o fato de o ministro da Educao e Sade, Francisco Campos, deixar

    de lado o aguerrido grupo catlico, que, entre outras iniciativas, pregava,

    num Estado laico, o retorno do ensino religioso nas escolas pblicas. Tambm

    sem desprezar o fato de o mesmo ministro, quando no governo de Minas,

    instituir o ensino religioso facultativo nas escolas pblicas, inaugurando a

    primeira vitria da corrente catlica.

    A segunda, que merece esclarecimentos, a questo das possveis

    influncias de outros textos sobre o texto do MP.

    Estudiosos da Histria da Educao Brasileira se surpreendem com

    a utilizao que o MP faz de determinadas fontes ou de determinadas

    obras; da certa surpresa do que consideram um grande achado. Merece

    3 Em Notas republicanas, Alberto Venncio Filho afirma que Vitor Nunes Leal, em nova edio de sua obra Coronelismo, enxada e voto, considera a descrio realizada exemplo de um momento da vida poltica brasileira. Portanto, datada, inservvel para momentos posteriores. Modstia? O tema do livro ultrapassa a questo do municpio e atinge at o governo central, at porque o coronel no est ilhado das foras governamentais, estaduais e federais, para no ir mais longe. Atualmente, com meu colega de trabalho Almiro Vicente Heitor, estou relendo o livro para entender o coronelismo acadmico.

  • 43

    O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    algum esclarecimento a questo das influncias de outros textos sobre o

    texto do MP.

    Se o estudioso fosse aberto bibliografia, alm das fronteiras

    limitadas da educao, conseguiria perceber, com maior clareza, a questo

    das influncias. Por exemplo, que narrativas do passado continuam a ser

    aproveitadas em textos do presente? Ateno: textos do presente no so

    virgens, no sentido de que nascem sem quaisquer impurezas do passado.

    Se o estudioso da Historia da Educao Brasileira conhecesse um

    pouco, ao menos, da retrica antiga (Aristteles, Ccero, Quintiliano,

    por exemplo) perceberia o valor positivo da imitao, da emulao. Se

    fosse um pouco mais curioso com a bibliografia em geral, teria tomado

    conhecimento da obra do professor Joo Cezar de Castro Rocha, Machado

    de Assis: por uma potica da emulao (2013). Levaria em conta, ento, as

    seguintes propostas desse professor: os autores anteriores como mestres;

    o modelo original engendra nova obra; o anacronismo no uma runa,

    a base das aes humanas. Nessa obra, o estudioso da Histria da

    Educao Brasileira encontraria, igualmente, amplo temrio, por exemplo:

    o valor da tradio; o fetiche da ideia de originalidade; a filiao e a

    influncia; a leitura cruzada; a apropriao; a esttica normativa; o plgio,

    a originalidade, a imitao, a cpia enfim, o problema da produo

    literria em pases no hegemnicos.

    Para lembrar, o Manifesto Antropofgico, de Oswald de Andrade:

    ao consumir a cultura estrangeira (e nacional?), mastigar bem, engolir,

    digerir, eliminar pelas vias prprias o que deve ser eliminado, aproveitar o

    aproveitvel, ajustado ao nosso paladar cultural canibalismo cultural.

    E se tivesse contato com as obras de Harold Bloom, por exemplo,

    A angstia da influncia, Anatomia da influncia? E com artigos de

    jornais, por exemplo: Quem nunca? (plgio, referncias, cpias); Imitar

    a forma mais segura de lisonjear; Copiar nem sempre prejudica a

    criatividade na verdade, estimula; Van Gogh, afinal, tambm copiava.

    Por sua vez, a leitura do Manifesto Republicano (MR), de 1870,

    ponto de partida da campanha pela Repblica. Uma comparao, mesmo

    ligeira, com o MP, mostra a distncia doutrinria e operacional entre os dois

  • Jorge Nagle

    44 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    manifestos. De um lado, um texto genrico, omisso em vrios aspectos; de

    outro, um texto denso, de frmulas doutrinrias firmes, com mecanismos

    de efetivao dos princpios, agora, fortemente republicanos (MP). Exemplo

    de omisso do MR: a questo pertinente ao tema educao. A palavra

    ensino aparece uma vez: liberdade de ensino; a palavra povo, cinco

    vezes: soberania do povo (duas vezes); a sorte do povo, o povo foi

    dispensado, vontade do povo, povo livre. A pergunta: se o analfabeto

    no vota, e constitui a maior parte da populao, como dar poder ao povo,

    sem, ao menos, abrir-lhe as portas da educao?

    Exemplo de texto denso o do MP ao tratar dos seguintes temas:

    os princpios doutrinrios e os mecanismos de efetivao, os princpios

    republicanos; a importncia da educao e a necessidade de reconstruo

    educacional; as bases e as diretrizes do movimento; as finalidades da

    educao, a questo de valores; a educao, funo essencialmente pblica;

    a laicidade, a gratuidade, a obrigatoriedade e a coeducao; a escola comum

    ou escola nica; as linhas do plano; o conceito de universidade; a unidade de

    formao de professores; a democracia.

    No texto A nova poltica educacional. Esboo de um programa

    educacional extrado do Manifesto,4 ressaltar os seguintes pontos do

    esboo: o sistema completo de educao; a funo social da educao;

    o servio essencialmente pblico; os Estados federados e a Unio; a

    educao integral, a base do sistema; a organizao da escola secundria e

    o desenvolvimento da educao tcnica profissional; a universidade e sua

    trplice funo; a fiscalizao do Estado; a reorganizao da administrao

    escolar a reconstruo do sistema educacional para contribuir com a

    interpenetrao das classes sociais e a formao de uma sociedade humana

    mais justa, com escola unificada do jardim de infncia universidade.

    E difcil resistir s sugestes de Francis Bacon, tanto no Novum

    Organom, como em Nova Atlntida.

    No primeiro, a questo dos dolos e das noes falsas. So quatro

    os dolos: Da tribo, da caverna, do foro, do teatro. Para esclarecer muitos

    problemas do historiador brasileiro, oportuna a leitura sobre o dolo da

    4 Ver no Anexo resumo do MP, de cuja autoria no me lembro. Serve para fornecer um panorama do texto e dos que o subscreveram.

  • 45

    O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    caverna (e relembrar Plato). Da mesma forma, muito sugestiva a proposta

    de um colgio de sbios e de um instituto de pesquisa, a Casa de Salomo

    (por curiosidade rever, tambm, de Plato, a questo de Atlntida).

    E tambm difcil fugir de um anacronismo: prestar o justo respeito

    a Mnemosine, personificao da Memria, me das musas (o pai, Zeus!),

    e a Clio, a musa da Histria.

    ***

    O destino do Manifesto dos Pioneiros

    da Educao Nova : sempre servir.

    entusiasmante, tanto pessoal quanto academicamente, a iniciativa

    de continuar estudando o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova.

    Entusiasmante academicamente porque o MP deve ser analisado e discutido

    como um grande documento sobre a educao brasileira, ainda insupervel

    apesar de tanta documentao produzida no Pas. E pode, sem favor

    algum, ser confrontado com textos semelhantes de outros pases. atual,

    fonte rica de pensamento e de atuao para nossas academias, para nossas

    autoridades. Iniciativa afortunada, particularmente para os tempos poucos

    promissores que enfrentamos. Representa uma fora educativa. O Manifesto

    um grande educador. referncia, pela sua arquitetura, pelo seu engenho

    organizativo, pela ausncia de preconceitos na relao fins/meios, pela viso

    republicana, democrtica.5

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropfago. Revista de

    Antropofagia, v. 1, n. 1, maio 1928.

    AZEVEDO, Fernando de. A educao entre dois mundos:

    problemas, perspectivas e orientaes. So Paulo: Melhoramentos,

    1858. (Obras Completas, v. XVI).

    5 Quando estudei, com mais tempo, o MP, acabei pensando numa futura publicao, mais ou menos com as seguintes partes: 1) Introduo, estudo compreensivo sobre o MP, de carter histrico-social. A perspectiva histrica deve estar sempre presente na anlise dos posteriores temas. 2) Estudo dos temas mais significativos do MP. 3) Repercusso do MP at os dias atuais. 4) Livros, artigos, comentrios a respeito do MP (levantamento, classificao, bibliografia comentada). 5) Anlise de obras de educao comparada para discutir o MP com outros textos semelhantes. 6) Glossrio. 7) ndice remissivo, especialmente de temas.

  • Jorge Nagle

    46 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.

    A RECONSTRUO educacional no Brasil: ao povo e ao governo:

    Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. So Paulo: Companhia

    Ed. Nacional; Dedalus, 1932.

    BACON, Francis. Nova Atlntida. Traduo e notas de Jos Aluysio Reis

    de Andrade. 3. ed. So Paulo: Abril cultural, 1984. (Os pensadores).

    COSTA PINTO, Luiz de Aguiar. Sociologia e desenvolvimento: temas

    e problemas do nosso tempo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    1963.

    ENCICLOPDIA: memria/histria. v. 1. Turim: Einaudi; Rio de Janeiro:

    Impressa Nacional; Casa da Moeda, 1984.

    PRADO JUNIOR, Caio. Formao do Brasil contemporneo. So Paulo:

    Brasiliense, 1972.

    ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma potica

    da emulao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2013. 368 p.

    ANEXO.......................................................................................................................................................................................

  • 47Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.

    ANEXO.......................................................................................................................................................................................

    Excertos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932)

    Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importncia e

    gravidade ao da educao. Nem mesmo os de carter econmico lhe podem

    disputar a primazia nos planos de reconstruo nacional.

    Nunca chegamos a possuir uma cultura prpria, nem mesmo uma cultura

    geral que nos convencesse da existncia de um problema sobre objetivos e

    fins da educao.

    Movimento de renovao educacional

    luz dessas verdades e sob a inspirao de novos ideais de educao, que

    se gerou, no Brasil, o movimento de reconstruo educacional, com que,

    reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores,

    nestes ltimos dozes anos, transferir do terreno administrativo para os planos

    poltico-sociais a soluo dos problemas escolares.

    Diretrizes que se esclarecem

    Aos que tomaram posio na vanguarda da campanha de renovao

    educacional, cabia o dever de formular, em documento pblico, as bases e

    diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o pblico

    e o governo, a posio que conquistaram e vm mantendo desde o incio das

    hostilidades contra a escola tradicional.

  • Excertos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932)

    48 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.

    Reformas e a Reforma

    Mas a educao que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma

    social no pode, ao menos em grande proporo, se realizar seno pela ao

    extensa e intensiva da escola sobre o individuo e deste sobre si mesmo nem se

    produzir, do ponto de vista das influncias exteriores, seno por uma evoluo

    contnua, favorecida e estimulada por todas as foras organizadas de cultura

    e de educao.

    Finalidades da educao

    Toda a educao varia sempre em funo de uma concepo da vida,

    refletindo, em cada poca, a filosofia predominante que determinada, a

    seu turno, pela estrutura da sociedade. evidente que as diferentes camadas

    e os grupos (classes) de uma sociedade dada tero, respectivamente,

    opinies diferentes sobre a concepo do mundo, que convm fazer

    adotar ao educando e sobre o que necessrio considerar como qualidade

    socialmente til.

    Valores mutveis e valores permanentes

    O trabalho, a solidariedade social e a cooperao, em que repousa a ampla

    utilidade das experincias; a conscincia social, que nos leva a compreender as

    necessidades do indivduo atravs das da comunidade; e o esprito de justia,

    de renncia e de disciplina no so, alis, grandes valores permanentes que

    elevam a alma, enobrecem o corao e fortificam a vontade, dando expresso

    e valor vida humana?.

    O Estado em face da educao

    a) A educao, uma funo essencialmente pblica

    b) A questo da escola nica

    c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducao

    A funo educacional

    a) A unidade da funo educacional

    b) A autonomia da funo educacional

    c) A descentralizao

    O processo educativo

    a) O conceito e os fundamentos da educao nova

    Plano de reconstruo educacional

    a) As linhas gerais do plano

    b) O ponto nevrlgico da questo

  • 49

    Anexo

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.

    c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitrio no Brasil

    d)O problema dos melhores

    A unidade de formao de professores e a unidade de esprito

    O papel da escola na vida e a sua funo social

    A democracia, um programa de longos deveres

    Assinaturas: Fernando de Azevedo (redator), Afrnio Peixoto, A. de Sampaio

    Doria, Ansio Spinola Teixeira, M. Bergstrom, Loureno Filho, Roquette Pinto,

    J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casasanta, C.

    Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P Fontenelle, Roldo Lopes

    de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco

    Venncio Filho, Paulo Maranho, Ceclia Meirelles, Edgar Sussekind de

    Mendona, Armanda lvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nbrega da Cunha

    Paschoal Lemme e Raul Gomes.

  • O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932): O COMPROMISSO COM UMA

    SOCIEDADE EDUCADA.......................................................................................................................................................................................

  • 51Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 51-88, 2015.

    O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932): O COMPROMISSO COM UMA

    SOCIEDADE EDUCADA.......................................................................................................................................................................................

    Clarice Nunes

    Em 2012, o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, dirigido ao

    povo e ao governo, completou 80 anos. Esse documento, considerado um

    clssico da literatura pedaggica, smbolo de um legado que, impregnado

    pelas tenses das convices polticas de seus signatrios, afirma a luta

    e o debate em torno da democratizao do acesso escola pblica. Sobre

    ele vrias dissertaes e teses1 j foram escritas ou se debruaram como

    um aspecto relevante na construo de seus objetos de estudo. Mereceu

    reflexes intensivas e extensivas em artigos2 e livros.3 Tem sido debatido nos

    encontros, seminrios e congressos de pesquisadores de histria da educao.4

    Tem servido de bssola para a discusso de problemas contemporneos da

    1 Entre os vrios trabalhos existentes, exemplificamos com a dissertao de mestrado de Libnia Nacif Xavier (2002), publicada em livro.

    2 Ver, por exemplo, entre diversos trabalhos, o de Paschoal Lemme (1984, p. 212-255).

    3 Citamos como exemplos dessas publicaes: (Magaldi, Gondra, 2003; Xavier, 2004).

    4 Citamos como exemplos a mesa-redonda sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova e o desenvolvimento da educao brasileira na j citada Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n. 150, p. 426-456, com a participao de Esther de Figueiredo Ferraz (ento ministra da Educao), Lena Castello Branco Ferreira Costa (diretora-geral do Inep poca), ministro Abgar Renault, Luiz Antonio C. Rodrigues da Cunha, Carlos Roberto Jamil Cury, Pe. Jos Vasconcellos. Outro momento significativo de debate sobre o Manifesto ocorreu na abertura da II Conferncia Brasileira de Educao, em Belo Horizonte, no ano de 1982, quando Carlos Roberto Jamil Cury salientou a corajosa postura do documento.

  • Clarice Nunes

    52 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 51-88, 2015.

    educao brasileira e para a reviso de questes histricas da nossa sociedade

    e da nossa pedagogia. Foi analisado sob vrios ngulos.5

    Paschoal Lemme (1984, p. 264-265), um de seus signatrios, numa

    sntese feliz, elencou suas caractersticas fundamentais que retomo

    resumidamente: a concepo de educao integral para todas as classes

    sociais; a educao como direito dentro do princpio democrtico de

    igualdade de oportunidades para todos; o dever de o Estado assegurar

    esse direito, tornando-se, assim, a educao uma funo essencialmente

    pblica; a escola nica, obrigatria pelo menos at os 18 anos de idade,

    gratuita, leiga, em regime de igualdade para os dois sexos; a adoo pelo

    Estado de uma poltica global e nacional para todos os nveis e modalidades

    de educao e ensino; a adoo do princpio da descentralizao

    administrativa; mtodos, processos e avaliao da aprendizagem

    concebidos luz das conquistas das Cincias Sociais, da Psicologia e das

    tcnicas pedaggicas; a constituio de um sistema de educao a partir

    de planos definidos do jardim da infncia universidade; a formao do

    professorado num esprito de unidade.

    Os intelectuais que assinaram o Manifesto dos Pioneiros6 viam-se

    como profissionais da educao nas principais cidades brasileiras, menos por

    uma carreira j existente e que, na verdade, ajudaram a constituir, e mais

    pela sua escolha, que articula a histria pessoal, a experincia geracional e a

    produo intelectual. Desse feixe parte uma diversidade de vises de mundo

    e de opes poltico-ideolgicas muitas vezes difcil de discernir, em parte

    pela grande efervescncia da dcada de 30 do sculo passado, em parte pela

    convenincia, para os intelectuais em questo, em fazer do envolvimento

    existencial com a educao no s uma grande bandeira da causa

    educacional, mas um anteparo que unificasse entre eles, de acordo com as

    circunstncias, divergncias s vezes profundas e polmicas complicadas.

    5 Tive a oportunidade de redigir pelo menos dois captulos de livros sobre o Manifesto dos Pioneiros: Um manifesto e seus mltiplos sentidos, publicado em: (Magaldi, Gondra, 2003, p. 45-64), e s margens do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em: (Xavier, 2004, p. 39-66).

    6 Assinaram o Manifesto dos Pioneiros: Fernando de Azevedo, Afrnio Peixoto, A. de Sampaio Doria, Ansio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Loureno Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Jlio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mrio Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldo Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attlio Vivcqua, Francisco Venncio Filho, Paulo Maranho, Ceclia Meireles, Edgard Sussekind de Mendona, Armanda lvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nbrega da Cunha, Pachoal Lemme e Raul Gomes.

  • 53

    O Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932): O Compromisso com uma Sociedade Educada

    Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 51-88, 2015.

    Apesar da tentativa de passar uma coeso de perspectivas entre os educadores

    que assinam o Manifesto, as tenses do prprio texto so reveladoras das

    diferenas de convices que se espremem e se matizam entre posturas mais

    ou menos democrticas. Grosso modo, assinam o Manifesto intelectuais que

    se apresentam como liberais, fossem eles moderados ou inclinados mais

    esquerda ou direita.7 O Manifesto procurou conciliar essa diversidade,

    incorporando argumentos caros a um e outro grupo e defendendo ao mesmo

    tempo uma escola nova com bases cientficas e uma escola socializada

    apoiada no trabalho, uma escola vinculada ao meio social e acima das classes

    sociais, mas tambm voltada para o indivduo. Levantava a polmica de uma

    cultura geral que incorporasse a preparao para o trabalho visando chegar

    ao princpio da escola nica ou unitria ou unificada. Tentava unir, no plano

    legal, a defesa da Federao e da descentralizao e, no plano cultural, a

    unidade nacional e os consensos da campanha educacional da dcada de 20 a

    novas e ousadas propostas como a da escola nica, laica, obrigatria, gratuita

    e coeducativa. A rigor, apesar da crtica concepo dualista de educao,

    o Manifesto no rompia definitivamente com ela (Ca