3813-13898-1-PB
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RBEP
ISSN 0034-7183ISSN 2176-6681 OnlineRev. bras. Estud. pedagog. (online), Braslia, v. 96, nmero especial, 2015.
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PRESIDNCIA DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
MINISTRIO DA EDUCAO - MEC
SECRETARIA EXECUTIVA
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANSIO TEIXEIRA - INEP
EDITORIA CIENTFICA
Ana Maria Ioris Dias UFC Fortaleza, Cear, BrasilAna Maria de Oliveira Galvo UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilFlvia Obino Crrea Werle Unisinos So Leopoldo, Rio Grande do Sul, BrasilGuilherme Veiga Rios Inep Braslia, Distrito Federal, BrasilMaria Clara Di Piero USP So Paulo, So Paulo, BrasilRogrio Diniz Junqueira Inep Braslia, Distrito Federal, BrasilWivian Weller UnB Braslia, Distrito Federal, Brasil
CONSELHO EDITORIAL
Nacional:Alceu Ravanello Ferraro UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilAna Maria Saul PUC-SP So Paulo, So Paulo, BrasilCarlos Roberto Jamil Cury PUC-MG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilCelso de Rui Beisiegel USP So Paulo, So Paulo, BrasilCipriano Luckesi UFBA Salvador, Bahia, BrasilClarissa Baeta Neves UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilDelcele Mascarenhas Queiroz Uneb Salvador, Bahia, BrasilGuacira Lopes Louro UFRGS Porto Alegre, Rio Grande do Sul, BrasilJader de Medeiros Britto UFRJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BrasilJanete Lins de Azevedo UFPE Recife, Pernambuco, BrasilLeda Scheibe UFSC Florianpolis, Santa Catarina, BrasilLuiz Carlos de Freitas Unicamp Campinas, So Paulo, BrasilMagda Becker Soares UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilMarta Kohl de Oliveira USP So Paulo, So Paulo, BrasilMiguel Arroyo UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, BrasilNilda Alves UERJ Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, BrasilPetronilha Beatriz Gonalves Silva UFSCar So Carlos, So Paulo, BrasilRosa Helena Dias da Silva Ufam Manaus, Amazonas, BrasilRosngela Tenrio Carvalho UFPE Recife, Pernambuco, Brasil
Internacional:Almerindo Janela Afonso Universidade do Minho Minho, Braga, Portugal Carlos Alberto Torres University of California Los Angeles (UCLA), EUA Carlos Prez Rasetti Universidad Nacional de la Patagonia Austral Ciudad Autnoma de Buenos Aires, ArgentinaDomingos Fernandes Universidade de Lisboa Lisboa, PortugalGuiselle M. Garbanzo Vargas Universidad de Costa Rica San Jos, Costa RicaIzabel Galvo Universidade de Paris 13 Paris, FranaJuan Carlos Tedesco Instituto Internacional de Planeamiento de la Educacin IIPE/Unesco, Buenos Aires, ArgentinaMargarita Poggi Instituto Internacional de Planeamiento de la Educacin IIPE/Unesco, Buenos Aires, Argentina
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O MANIFESTO EDUCADOR:OS PIONEIROS 80 ANOS DEPOIS
Carlos Roberto Jamil CuryClio da Cunha
(Organizadores)
Antonio CandidoClarice Nunes
Fernando de AzevedoJader Medeiros Britto
Jorge NagleLibnia Nacif Xavier
Luciano Mendes de Faria FilhoLuciene de Almeida Simonini
Marta Maria Chagas de Carvalho
-
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep) permitida a reproduo total ou parcial desta publicao, desde que citada a fonte.
ASSESSORIA TCNICA DE EDITORAO E PUBLICAESClara Etiene Lima de Souza [email protected] Mariana de Mateus [email protected]
EDITORIA EXECUTIVA Andreza Jesus Meireles [email protected] Costa Santos [email protected] Maria Castro [email protected]
PROJETO GRFICO Marcos Hartwich
CAPARaphael Caron Freitas
DIAGRAMAOMarcos HartwichLilian dos Santos Lopes
REVISO Amanda Mendes Casal Elaine de Almeida CabralJair Santana Moraes Mariana Fernandes dos Santos
NORMALIZAO BIBLIOGRFICA Clarice Rodrigues da CostaElisangela Dourado ArisawaJair Santana MoraesSmara Roberta de Sousa Castro
PESQUISA FOTOGRFICA Alexandre Ramos de Azevedo
ACERVO FOTOGRFICO Associao Brasileira de Educao ABE
FICHA CATALOGRFICA Elisangela Dourado Arisawa
TIRAGEM 2.000 exemplares
EDITORIA Inep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSetor de Indstrias Grficas Quadra 04 Lote 327, Trreo, Ala B CEP 70.610-908 Braslia-DF Brasil Fones: (61) 2022-3077, [email protected] http://www.rbep.inep.gov.br
DISTRIBUIOInep/MEC Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio TeixeiraSetor de Indstrias Grficas - Quadra 04 Lote 327 Trreo Ala B CEP 70.610-908 Braslia-DF Brasil - Fone: (61) [email protected] http://www.publicacoes.inep.gov.br
A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidosso de responsabilidade dos autores.
ESTA PUBLICAO NO PODE SER VENDIDA. DISTRIBUIO GRATUITA.PUBLICADA EM 2015
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira. v. 96, n. esp. Braslia, DF : O Instituto, 2015.
Verso eletrnica (desde 2007): ISSN 0034-7183 (impresso); 2176-6681 (online)
1. Educao - Brasil. 2. Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira.
CDU 37
SUMRIO.......................................................................................................................................................................................
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5Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.
APRESENTAO .............................................................................................. 9
INTRODUO ................................................................................................ 15
INTRODUO: O MANIFESTO COMO O GRANDE EDUCADORClio da Cunha ................................................................................................ 19
DEPOIMENTO SOBRE FERNANDO DE AZEVEDOAntonio Candido ............................................................................................. 31
REVISO CRTICA E ATUALIDADE DO MANIFESTO .................................. 35
O MANIFESTO DOS PIONEIROS E A HISTRIA DA EDUCAO BRASILEIRAJorge Nagle ...................................................................................................... 39
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932):
O COMPROMISSO COM UMA SOCIEDADE EDUCADAClarice Nunes .................................................................................................. 51
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA E A IV CONFERNCIA NACIONAL DE EDUCAOMarta Maria Chagas de Carvalho .................................................................. 89
SUMRIO.......................................................................................................................................................................................
-
Sumrio
6 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.
OS SENTIDOS DA RENOVAO EDUCACIONAL: ECOS DO DEBATE SOBRE A ESCOLA NOVA NA EDIO E APROPRIAO DE RUI BARBOSA NA DCADA DE 1940
Luciano Mendes de Faria Filho .................................................................... 113
O MANIFESTO DE 1932 E A DEMOCRACIA COMO VALOR UNIVERSAL
Libnia Nacif Xavier ...................................................................................... 133
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA NA CORRESPONDNCIA DOS SIGNATRIOS PARA ANSIO TEIXEIRA (1931-1935)
Luciene de Almeida Simonini ...................................................................... 157
REEDIES: O MANIFESTO E A NOVA POLTICA EDUCACIONAL ........ 171
EXPLICAO NECESSRIA ............................................................................. 175
INTRODUO AO MANIFESTO DE 1932
Fernando de Azevedo .................................................................................. 179
A RECONSTRUO EDUCACIONAL NO BRASIL AO POVO E AO GOVERNO:
MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932) ........................ 195
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7Sumrio
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 5-7, 2015.
A NOVA POLTICA EDUCACIONAL: ESBOO DE UM PROGRAMA
EDUCACIONAL EXTRADO DO MANIFESTO
Fernando de Azevedo .................................................................................. 223
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA
Fernando de Azevedo .................................................................................. 239
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA
E O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO BRASILEIRA MESA-REDONDA
Esther de Figueiredo Ferraz, Lena Castello Branco Ferreira Costa,
Abgar Renault, Luiz Antnio C. Rodrigues da Cunha,
Carlos Roberto Jamil Cury, Pe. Jos de Vasconcellos, Helena Lewin,
Clio da Cunha, Walter Garcia ..................................................................... 255
RESENHA ...................................................................................................... 303
UM ESTUDO SOBRE O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO
NOVA (1932)
Jader Medeiros Britto .................................................................................. 307
SOBRE OS AUTORES ................................................................................... 311
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APRESENTAO
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APRESENTAOA revoluo que se
chama educao.......................................................................................................................................................................................
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11Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.
APRESENTAOA revoluo que se
chama educao.......................................................................................................................................................................................
Mal passaram duas semanas da derrubada do governo das
oligarquias, dos carcomidos da Repblica Velha, e a revoluo triunfante
de 1930 criava o Ministrio da Educao e Sade. Rompia, assim, com uma
tradio de governo alrgica aos assuntos sociais. Uma frase certamente
apcrifa se atribua ao ltimo presidente do regime deposto, Washington
Luiz: a questo social caso de polcia, teria ele dito. Como muitas frases
maldosas, provvel que fosse falsa; mas ela colou no seu suposto autor,
porque calhava como uma luva nas polticas conduzidas pela maior parte
dos presidentes que o Brasil teve entre 1894 e 1930 inclusive o prprio
Washington Luiz. Se no era genuna, era um bom achado.
O MEC, com seu irmo gmeo, o Ministrio da Sade, um dos
poucos ministrios do Brasil criados em decorrncia de uma revoluo, de
uma ruptura institucional, de uma quebra com o passado. Seguido, doze
dias depois, do Ministrio do Trabalho, smbolo e realidade de um
governo que no mais queria enquadrar a questo social nas aes policiais.
Da uma convico que com frequncia reponta em nosso Pas: as grandes
transformaes da sociedade as revolues que so necessrias viro
pela via educacional, ou educativa, jogando com o parentesco das duas
palavras. No portugus do Brasil, educacional mais descritivo, enquanto
educativo mais valorativo. A ao educacional s pode ser educativa. Ponto.
Renato Janine RibeiroMinistro de Estado da Educao
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Apresentao
12 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.
Os textos reunidos nesta publicao foram escritos para comemorar
os oitenta anos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em 1932.
O manifesto continua vivo, o que timo e tambm uma pena. pena porque
nem tudo o que seus autores defenderam se realizou e timo porque mostra
a pujana de sua reflexo.
Em 19 de maro de 1932, data da publicao do Manifesto, o Ministrio
da Educao (e Sade, lembremos) tinha pouco mais de um ano. A Universidade
do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criada no papel
em 1920 dizem que apenas para conceder um doutorado honoris causa
ao rei da Blgica, de visita ao Pas , s ento comeava a ser instalada.
A Universidade de So Paulo (USP) seria instituda dois anos depois. Quatro
sculos depois de iniciado o povoamento sistemtico do Pas pelo colono
portugus, somente, ento, se dirigia o Pas para o ensino superior. Nosso
atraso em relao ao continente sul-americano era de sculos! Basta lembrar
que em nossa vizinha, a Argentina, a primeira universidade surgiu em 1613:
a Universidade de Crdoba, fundada por jesutas e dominicanos, a partir
de uma concepo aristotlico-tomista. J no sculo 19, abraando ideais
iluministas, a educao passou a girar em torno do comrcio, da agricultura,
dos ofcios, assumindo um carter menos filosfico-teolgico e mais laico e
pragmtico. Na Europa, ento, constitua-se a universidade humboldtiana,
modelo destinado a um longo futuro. O estado chileno, por sua vez, inaugurou
sua primeira universidade republicana em 1842, sendo que j havia uma
universidade colonial, a Santo Toms de Aquino, instituda em 1622. verdade
que historiadores jesutas mais recentes afirmam que o Brasil teria tido uma
primeira Universidade do Brasil, nas palavras do padre Serafim Leite o
Colgio dos Jesutas da Bahia, que, embora no reconhecido oficialmente
em sua poca (sculo 17) como uma instituio de ensino superior, formava
sacerdotes e bacharis em artes, assim como engenheiros militares. No sculo
18, foi inaugurado o curso de matemtica no colgio. Entretanto, as peties
enviadas para Portugal pelo reconhecimento do Colgio dos Jesutas como
universidade foram todas rejeitadas pela Coroa Portuguesa. Em 1759, os
jesutas foram expulsos dos territrios portugueses e suas instituies foram
fechadas. O historiador Lus dos Santos Vilhena (1744-1814) escreve que a
expulso acarretou uma deteriorao do ensino no Brasil.
Quais as razes dessa fraqueza do ensino no Brasil colonial, que se
mantm no primeiro sculo da Independncia? amplamente sabido que a
Coroa Portuguesa temia o poder que o conhecimento poderia trazer s suas
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13
Apresentao
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.
colnias. Se o intento manter um povo colonizado, que no se d a ele
educao. Nem informao. At mesmo a imprensa esteve proibida no Brasil,
at 13 de maio de 1808, pouco depois de a famlia real portuguesa chegar
a nossas terras colonizadas. Mesmo depois dessa data, tanto a Impresso
Rgia quanto a Gazeta do Rio de Janeiro (fundada em 10 de setembro de
1808) tinham pouca funo informativa, funcionando mais como mquina
de propaganda da Coroa. irnico observar que o primeiro jornal brasileiro
independente da famlia real foi lanado em Londres, em 1 de junho de
1808, pelo jornalista exilado Hiplito Jos da Costa (1774-1823), que mais
tarde se tornaria patrono da cadeira de nmero 17 da Academia Brasileira de
Letras. Refiro-me ao Correio Braziliense, cuja repercusso foi tamanha ao ser
distribudo em nosso Pas, que foi proibido e tinha suas edies apreendidas.
Toda colonizao ruim, mas as colnias espanholas pelo menos
tinham imprensa e universidades desde o sculo 16. A Amrica do Sul j lia e se
educava havia sculos, enquanto o Brasil no conseguia ter nem mesmo uma
universidade religiosa reconhecida. A pouca disposio das elites para dotar
nosso Pas de universidades se prolonga depois da Independncia; embora
algumas instituies isoladas de ensino superior tenham sido criadas desde a
chegada da Famlia Real, elas no tinham as caractersticas de universidade.
nesse quadro que o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova
de 1932 brilha pelo vigor. J em sua poca, teve o poder de reunir pessoas
de orientaes ideolgicas bastante diferentes, o que ilustra a capacidade
unificadora da educao. O Plano de Reconstruo Nacional do Manifesto
acertadamente destaca a importncia da educao bsica, evocando os
fundamentos de novas doutrinas e de novas concepes escolares
e depois aborda, no tpico c, o conceito moderno de universidade e
o problema universitrio no Brasil. Aqui nossos pioneiros defendem um
modelo universitrio que ouse ir alm da formao em Medicina, Direito
e Engenharia. Apontam para a relevncia dos cursos de Cincias Sociais,
Naturais e Econmicas; e de Filosofia, Letras e Artes. A educao superior
que, ressalte-se, tambm evocada como pblica seria a responsvel
pela criao de um novo modelo de elite, no qual a inteligncia, e no as
meras posses materiais, representaria o diferencial entre uma sociedade
opaca e uma nao reluzente. Uma ptria educadora, que nosso atual lema
e mais forte compromisso, demanda esprito crtico e cientfico, sendo ambos
resultantes do notvel poder da curiosidade. Curiosidade para estudar no
apenas aquilo que nos traz resultados prticos de curto prazo, mas que nos
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Apresentao
14 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 11-14, 2015.
permite o enlevo da fascinao pelo conhecimento. Fazendo um paralelo com
nosso momento atual, possamos nos inspirar nesse papel para nos unirmos
em torno da expanso quantitativa e da valorizao qualitativa em nosso
sistema de ensino.
Entre todas as bandeiras defendidas, o mais estrelado lbaro do
Manifesto o da defesa de uma escola nica, pblica, gratuita, obrigatria
e, principalmente, laica, para que todos os brasileiros, sem distino de
origem, tenham acesso a uma educao de qualidade. Oitenta anos depois
da publicao do Manifesto, continuamos na luta. Nesta edio especial
da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos (Rbep), do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), o esprito dos
pioneiros resgatado por autores de no menor envergadura. Refiro-me a
Antonio Candido de Mello e Souza, Carlos Roberto Jamil Cury, Clio da Cunha,
Clarice Nunes, Fernando de Azevedo, Jader Medeiros Britto, Libnia Nacif
Xavier, Luciano Mendes de Faria Filho, Luciene de Almeida Simonini e Marta
Maria Chagas de Carvalho. Na maioria deles, o leitor reconhecer sobrenomes
portugueses. Se Portugal um dia impediu o Brasil de se desenvolver
educacionalmente (e esse um fato recordado no como ressentimento
infrutfero, mas como entendimento histrico), esta revista a prova de que
seus filhos no fogem luta. Devemos, num ministrio que nasceu de uma
revoluo e justamente aquela que, at ento, promoveu a maior mudana
no tecido social do Pas , promover a maior mudana de que nosso Pas hoje
necessita, que converter a educao num portal de oportunidades aberto
igualmente a todos.
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INTRODUO
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19Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
INTRODUO:O MANIFESTO COMO
O GRANDE EDUCADOR.......................................................................................................................................................................................
Por ocasio do octogsimo aniversrio do Manifesto dos Pioneiros da
Educao Nova, divulgado ao povo e ao governo no comeo de maro de 1932,
o ministro de Estado da Educao, senador Aloizio Mercadante, constituiu
uma comisso de especialistas e dirigentes do Ministrio da Educao
(MEC)1para propor uma agenda de estudos e eventos pblicos. A iniciativa
teve como objetivo, por um lado, manter viva a memria dos signatrios
desse documento histrico e, por outro, promover debates e reflexes sobre
sua atualidade no contexto das polticas de educao do Brasil. Entre as vrias
sugestes feitas pela comisso, uma das mais importantes foi a de produzir
um livro com a contribuio de vrios estudiosos da educao no Brasil, que
pudesse refletir a relevncia histrica do Manifesto e seu lugar na evoluo
educacional do Pas.
Para levar avante esse projeto, a comisso delegou ao professor Carlos
Roberto Jamil Cury, coadjuvado por Clio da Cunha, a responsabilidade de
1 A Comisso foi instituda pela Portaria n 724, de 31/5/2012, e integrada pelos seguintes membros: Celio da Cunha (Presidente), Arnbio Marques de Almeida Jnior (Secretrio Executivo), Flvia Maria de Barros Nogueira (Secretria Executiva Adjunta), Carlos Roberto Jamil Cury, Moacir Gadotti, Celso de Rui Biesiegel, Walter Esteves Garcia, Ilona Becskehzy e Jder de Medeiros Britto. Posteriormente, foi includo Joo Pessoa de Albuquerque, da Associao Brasileira de Educao (ABE).
Clio da Cunha
.......................................................................................................................................................................................
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Clio da Cunha
20 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
identificar os especialistas e organizar a referida publicao, que ora editada
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
(Inep). Alm de uma parte dedicada reviso crtica e atualidade do
Manifesto, foi includa uma segunda parte, de reedio de textos histricos,
e uma terceira para divulgar, sob a forma de resenha, uma tese sobre o
Manifesto. Para a abertura do volume, por sugesto de Moacir Gadotti, foi
escolhido um texto emblemtico, escrito em 1988 por Antonio Candido sobre
Fernando de Azevedo, autor do Manifesto.
Das vrias contribuies inseridas neste livro, passaremos a destacar
cada uma delas e a comentar, de forma breve, sua importncia e seu alcance
para a atualidade da poltica educacional, comeando pelo texto de Antonio
Candido sobre Fernando de Azevedo. Nesse depoimento de discpulo e
assistente, como se qualificou, o autor comea dizendo que Fernando de
Azevedo foi um exemplo raro de responsabilidade e aguada lucidez ao assumir
a posio socialista, que se liga ao desejo de preparar a sociedade nova pela
elaborao de uma mentalidade transformadora embebida nas sugestes e
necessidades do meio (Candido, 2014). Em seguida, tece comentrios sobre
o pioneirismo de Fernando de Azevedo na introduo do ensino e da pesquisa
em sociologia em nvel superior, ao tempo de intelectuais e professores como
P. Arbousse-Bastide, Claude Lvi-Strauss, Roger Bastide e Emilio Willems.
E registra a atitude corajosa e independente do autor de A cultura brasileira
por ocasio do inqurito policial-militar, instaurado em 1964, que convocou
para depor professores da eminncia de Joo Cruz Costa, Mario Schenberg,
Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Mesmo aposentado,
Fernando de Azevedo se apresentou espontaneamente aos inquiridores para
marcar seu protesto e apoiar colegas e antigos alunos (Candido, 2014). Como
se pode deduzir desse depoimento, feito por um dos maiores intelectuais da
histria da cultura e das cincias humanas e sociais do Brasil, o Manifesto foi
redigido por uma figura que, alm de sua posio consolidada como pensador
da poltica educacional brasileira, era tambm um intelectual de vanguarda, de
grande ousadia e defensor estrnuo da liberdade humana.
Com relao aos artigos includos na primeira parte, o primeiro deles
foi escrito por Jorge Nagle, autor de Educao e sociedade na Primeira
Repblica, um dos clssicos da histria da educao brasileira. Em seu texto,
intitulado O Manifesto dos Pioneiros e a histria da educao brasileira,
ele assinala que o Manifesto no somente constituiu um legado memria
coletiva, como tambm continua sendo um documento para ser, sempre,
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21
Introduo: O Manifesto como o Grande Educador
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
ativado (Nagle, 2014). Pode-se conjeturar que o Manifesto dos Pioneiros
contribuiu como um bom indicador para a periodizao da educao
brasileira antes e depois dele (Nagle, 2014). Procede a proposta de
Nagle, pois, na evoluo das ideias pedaggicas no Brasil, foi a partir dos
movimentos renovadores da educao dos anos vinte e trinta do sculo
passado brilhantemente sintetizados no Manifesto dos Pioneiros, poca
em que surgem algumas das figuras mais emblemticas da nossa histria
educacional, como Fernando de Azevedo, Ansio Teixeira e Loureno Filho
que se inicia uma luta que, mesmo silenciada por dois perodos ditatoriais,
a rigor, nunca se interrompeu, passando pela aprovao da nossa primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, promulgada em dezembro
de 1961, que Ansio, ponderadamente, considerou uma meia vitria, at
uma vitria mais ampla representada pela Constituio de 1988.
Mas Jorge Nagle, em suas reflexes sobre o 80 Aniversrio do
Manifesto, vai mais longe, afirmando que o Manifesto dos Pioneiros uma
herana rica no somente quanto aos princpios e valores com os quais ele
fundamenta uma nova poltica de educao, como, ainda, tem o mrito de
propor um modelo de operar. Esses dois polos valores/princpios e modelo
de operao , insiste Nagle, no devem ser esquecidos, sob pena de realizar
narrativa educacional truncada, com estreitamento intelectual, portanto
(Nagle, 2014). Sem dvida, devido densidade intelectual que encerra,
bem como seus fundamentos nas cincias de educao aliados sua rica
vertente de poltica educacional, acrescido que foi de um plano operacional
que contemplava aes de profundas implicaes na estrutura educacional
do Pas, o Manifesto continua mais de oito decnios depois a inspirar e
desafiar em mltiplas direes quer sejam de natureza acadmica, quer
sejam no mbito dos formuladores de polticas pblicas. Nessa perspectiva,
h uma passagem no artigo de Jorge Nagle que sintetiza o sentido histrico
do Manifesto: O Manifesto um grande educador. referncia, pela sua
arquitetura, pelo seu engenho organizativo, pela ausncia de preconceitos na
relao fins-meios, pela viso republicana, democrtica (Nagle, 2014).
Se o texto de Jorge Nagle, depois de tecer vrias e profundas
consideraes sobre os fundamentos do Manifesto, classifica-o como um
documento educador e republicano, a contribuio de Clarice Nunes sob o
ttulo de Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932): o compromisso
com uma sociedade educada prope uma releitura do Manifesto em duas
vertentes: a primeira, como um movimento de ideias que se conforma numa
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Clio da Cunha
22 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
crena a favor do compromisso com a educao no Pas; e a segunda, como
proposta em ao durante a dcada de 1930, com as possibilidades e os
obstculos enfrentados na tentativa de criar uma coerncia entre a inteno,
a palavra e o gesto. A autora encerra seu texto destacando os motivos da
longevidade do Manifesto, por mais de oitenta anos (Nunes, 2014).
No marco dessa concepo, Clarice Nunes desenvolve reflexes
e consideraes crticas relevantes para a compreenso do Manifesto no
contexto de sua poca. Uma delas, que sobressai pela atualidade, assevera que
o Manifesto foi uma resposta desiluso com o regime republicano em relao
educao do Pas, colocando a escola como tema central da agenda pblica
e, por conseguinte, mostrando que a educao coisa pblica e como tal deve
ser tratada (Nunes, 2014). Poder-se-ia at mesmo acrescentar que o Manifesto
procurou interromper a desiluso no somente com a Repblica, como ainda
com as seguidas omisses e equvocos da histria educacional do Pas.
H no artigo de Clarice Nunes uma interpretao do papel da Escola
Nova, na evoluo pedaggica do Pas, que importa destacar. A Escola Nova
preconizada pelo Manifesto, na viso de Clarice Nunes, pode ser reinscrita
numa tradio pedaggica dissidente, na qual se incluem, por exemplo, a
reforma pombalina no perodo colonial, ou os efeitos da presena dela no pas
das escolas protestantes. Ela foi um sinal dos tempos no sentido de que sua
lgica repousou sobre a experincia deliberada e compartilhada de secularizar
a Repblica e de ampliar o papel do Estado na implementao de polticas
pblicas de educao (Nunes, 2014). Talvez seja oportuno adicionar que um
dos prceres da Escola Nova nos Estados Unidos, John Dewey, cuja influncia
no pensamento de Ansio Teixeira amplamente conhecida, representava
nesse tempo a corrente mais progressista do pensamento pedaggico norte-
americano, sendo, por vezes, considerado adepto da ideologia comunista
pelos segmentos mais conservadores daquele pas.
Entre os vrios tesouros que, de forma direta ou indireta, se fazem
presentes no Manifesto ou que passaram a ser revelados em experincias
levadas avante sob sua influncia, Clarice Nunes lembra um deles de
importncia incomensurvel: a criao da Universidade do Distrito Federal,
pensada e implementada por Ansio Teixeira, em 1935, que, em sua Escola
de Educao, admitiu pela primeira vez no Pas professores primrios para
formao em nvel superior, em cursos de dois anos (Nunes, 2014). Tivesse
essa proposta prosseguimento, certamente no estaria hoje o Brasil frente a
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23
Introduo: O Manifesto como o Grande Educador
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
um de seus maiores desafios, que o de assegurar nos anos iniciais do ensino
fundamental uma efetiva alfabetizao, e, seguramente, o programa lanado
pelo MEC ao tempo da gesto Aloizio Mercadante o Pacto pela Alfabetizao
na Idade Certa no teria sido necessrio.
Clarice Nunes encerra seu denso texto com reflexes oportunas sobre
a aura do Manifesto. A partir da afirmao de Ansio Teixeira de que se
deveriam perdoar as falhas das geraes passadas, porque elas, sem dvida,
sofreram mais do que ns, a autora afirma que devemos gerao dos
anos de 1930 o Manifesto, que persiste como uma vibrao sutil de ideias,
convidando-nos ao. Ideias que no foram apenas bandeiras, mas valores
instituintes com a inteno de configurar outra realidade. Nessa direo, o
Manifesto inaugurou uma sistematizao de ideias de valorizao da educao
pblica, traduzida em propostas polticas como nunca antes qualquer outro
documento havia feito (Nunes, 2014).
Marta Carvalho, por sua vez, no artigo O Manifesto dos Pioneiros da
Educao Nova e a IV Conferncia Nacional de Educao, valendo-se dos
resultados de sua pesquisa realizada nos arquivos da Associao Brasileira
de Educao (ABE), defende a tese de que a grande novidade do Manifesto
foi seu impacto na redefinio dos debates educacionais, pois o prprio
nome dado ao Manifesto deixava evidente que, no mago das disputas que
vinham ocorrendo entre escola nica versus escola dual, ensino pblico
versus ensino particular ou ensino leigo versus ensino religioso, enraizava-se
uma ciso profunda no campo terico-doutrinrio da pedagogia alimentada
pelas novas ideias que fervilhavam na Europa e nos Estados Unidos e que
ficariam mais explcitas, em 1935, quando do afastamento de Ansio Teixeira
do cargo de diretor-geral da Instruo Pblica do Distrito Federal (Carvalho,
2014). A histria dessa ciso, observa Marta Carvalho, derivava da sintonia
entre os organizadores da Conferncia e o governo, com a expectativa de
que ela viesse a referendar a orientao religiosa na poltica educacional do
Pas. O governo, conforme mostra Carvalho, no s tinha conhecimento dos
objetivos e do programa da Conferncia como tambm participou de sua
organizao (Carvalho, 2014). nesse sentido que se evidencia o alcance
da viso estratgica de Nbrega da Cunha, que, percebendo o alcance da
solicitao de Vargas e Francisco Campos Conferncia para a formulao
de uma poltica que definisse o sentido pedaggico da revoluo, procedeu
a uma interveno que culminaria com a indicao de Fernando de Azevedo
para traar os rumos da nova poltica. Da o argumento de Marta Carvalho
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Clio da Cunha
24 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
no sentido de que a interveno de Nbrega da Cunha provocou um
deslocamento politicamente relevante, pois o Manifesto trouxe um novo
temrio para o debate pblico, bem diferente das questes propostas pela IV
Conferncia, e o alterou qualitativamente ao afirmar, como princpio, a escola
pblica, leiga, obrigatria e gratuita e a coeducao, inaugurando um novo
captulo na histria da escola brasileira (Carvalho, 2014).
O quarto artigo que compe a presente publicao, de autoria de
Luciano Mendes de Faria Filho, Os sentidos da renovao educacional: ecos
do debate sobre a Escola Nova na edio e apropriao de Rui Barbosa na
dcada de 1940, como o prprio ttulo sugere, foi produzido com o objetivo
de examinar como dois intelectuais da educao brasileira Thiers Martins
Moreira e M. B. Loureno Filho , que participaram ativamente do movimento
escolanovista, se apropriaram das ideias de Rui Barbosa, demonstrando,
como salienta Luciano Farias Filho, a genialidade de Rui na introduo da
pedagogia moderna no Brasil (Faria Filho, 2014). Thiers Moreira, prefaciando
a edio pela Casa de Rui Barbosa, no comeo da dcada de 1940, dos
histricos pareceres de Rui Barbosa sobre o ensino secundrio e superior,
de 1882, procura mostrar a continuidade entre Rui Barbosa e a Escola Nova
por intermdio de um duplo movimento, afirmando, em primeiro lugar,
que o mtodo intuitivo e a formao cientfica, ambos defendidos por
Rui em seus pareceres, so uma espcie de precursores da Escola Nova,
como propugnavam Fernando de Azevedo e Loureno Filho; em seguida,
afirma que esses dois elementos mtodo intuitivo e formao cientfica
demonstravam a no atualidade dos pareceres, pois Thiers Moreira, catlica e
integralista, combatia as interpretaes do movimento escolanovista que lhe
eram adversrias. As ideias de Rui se distanciavam do que vinha sendo defendido
pelos ativistas catlicos (Farias Filho, 2014).
Com relao a Loureno Filho, em suas leituras e anlises sobre
os pareceres, o autor reconhece o pioneirismo de Rui, afirmando que sua
pedagogia precursora do ativismo e do pragmatismo. Para demonstrar a
atualidade da obra pedaggica de Rui, compara excertos dos pareceres com
trechos de obras de autores e pensadores como William Kilpatrick, A. Ferrire
e Fernando de Azevedo. A monumentalidade dos pareceres transparece na
anlise de Loureno Filho, que enfatiza tanto a dimenso pedaggica quanto
a social (Farias Filho, 2014).
Apesar da sintonia das ideias de Rui Barbosa com as do movimento
escolanovista, durante todo o movimento de renovao educacional das
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25
Introduo: O Manifesto como o Grande Educador
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
dcadas de 1920 e 1930, ele permaneceu margem. Foi somente a partir da
dcada de 1940, sobretudo por ocasio da edio das obras completas dele,
que foi possvel colocar seu legado no centro dos estudos de algumas reas
do conhecimento, entre elas, a educao (Farias Filho, 2014). Contribuiu
para esse resgate e mesmo reparao a conferncia pronunciada por
Loureno Filho intitulada margem dos pareceres de Rui sobre o ensino,
em A pedagogia de Rui Barbosa, editado pela primeira vez em 1943.
Provavelmente, um dos fatores que contriburam para a marginalidade
de Rui Barbosa durante os debates de ideias no movimento de renovao
educacional das dcadas de 1920 e 1930 tenha sido a no continuidade de
suas reflexes e ponderaes feitas por ocasio da elaborao dos pareceres.
Os pensadores mais fecundos dessa poca, como Ansio Teixeira, Fernando
de Azevedo e Loureno Filho, centralizaram na educao o melhor e o mais
fecundo de suas reflexes e continuaram lutando, incansavelmente, at o fim
da vida, o que certamente contribuiu para influenciar as geraes seguintes.
Fizeram escolas de pensamento.
Nessa direo, ou seja, da influncia do Manifesto e dos pioneiros
que o assinaram nas geraes seguintes, destaca-se o artigo de Libnia Nacif
Xavier, O Manifesto de 1932 e a democracia como valor universal. Nesse
trabalho, a autora procura mostrar em que sentido e dimenso Darcy Ribeiro
e Florestan Fernandes preservaram o compromisso do Manifesto com a
educao pblica, o que atesta a eficcia da gerao dos renovadores,
medida pelo grau de aceitao e de legitimao dos modelos de ao
defendidos pelo grupo fundador e pela incorporao ou reviso de conjunto
de sua produo intelectual e institucional das geraes posteriores (Xavier,
2014). Nunca ser demais acrescentar que Florestan Fernandes foi assistente
de Fernando de Azevedo, que o convidou para integrar o corpo de professores
e pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade
de So Paulo (USP), e que Darcy Ribeiro trabalhou com Ansio Teixeira e tinha
por ele e por suas ideias admirao ilimitada.
Sintetizando o papel histrico da gerao do Manifesto dos Pioneiros,
Libnia Xavier assinala que
A rememorao do Manifesto de 1932 tem funcionado como uma senha
para a retomada da luta, construindo tanto no nvel simblico quanto no
mbito da ao prtica a linha de continuidade que atribui a este documento
uma atualizao constante e submete seus atores e propostas polticas a um
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Clio da Cunha
26 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
permanente processo de avaliao histrica que nos fala tanto dos embates do
presente quanto das lutas do passado (Xavier, 2014).
O ltimo texto a compor a primeira parte da presente publicao,
referente reviso crtica e atualidade do Manifesto, foi escrito por Luciene
de Almeida Simonini e denominado: O Manifesto dos Pioneiros da Educao
Nova na correspondncia dos signatrios para Ansio Teixeira (1931-1935).
Esse texto tem a virtude de mostrar, entre outras coisas, o esforo de Fernando
de Azevedo para que o Manifesto fosse assinado por figuras de destaque
da intelectualidade nacional e tivesse a mais ampla divulgao. Simonini,
apoiando-se, sobretudo, no estudo de Libnia Xavier, mostra a importncia
das correspondncias trocadas entre os pioneiros do Manifesto e insere
trechos de algumas cartas que so necessrios para compreender o esforo
de Fernando de Azevedo em fazer do Manifesto, como de fato aconteceu, um
divisor de guas na evoluo do pensamento pedaggico nacional.
Na linha de continuidade a que se refere Libnia Xavier, pode-se afirmar
uma sintonia ao longo do tempo em relao luta, liderada pelo Estado, por
uma escola pblica de qualidade para todos, e que teve no Manifesto dos
Pioneiros ponto marcante e emblemtico. Este tambm se tornaria bandeira
das geraes de educadores que se destacaram nas dcadas seguintes e
que j se foram, como Florestan Fernandes, Paulo Freire e Darcy Ribeiro, os
quais tambm fizeram escola e legaram gerao atual um impressionante
acervo de conhecimentos sobre os fins e os meios da educao. Essa bandeira
de lutas, que teve na Constituio de 1988 o seu desfecho mais promissor,
continua a ser empunhada por educadores e pensadores da educao na
esteira dos mesmos ideais do Manifesto, entre eles, Dermeval Saviani, Carlos
Roberto Jamil Cury, Miguel Arroyo, Luiz Antonio Cunha, Moacir Gadotti,
Bernadete Gatti e Pedro Demo. So educadores que, alm de tantos outros,
nas instituies de ensino e pesquisa s quais se vinculam, ou nas reunies
da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd)
e da Associao Nacional de Poltica e Administrao da Educao (Anpae) e
de outras entidades, continuam defendendo os ideais maiores do Manifesto.
Mesmo com enfoques e posies diferentes o que constitui uma
condio enriquecedora de perspectivas , a linha do tempo do pensamento
pedaggico e das polticas de educao inauguradas pelo Manifesto dos
Pioneiros, com precursores intelectuais como Rui Barbosa, como mostra o
artigo de Luciano Mendes de Farias Filho, ou ainda Manoel Bomfim, teve a
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Introduo: O Manifesto como o Grande Educador
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
fora para superar duas ditaduras, chegando aos nossos dias com a vantagem
de que os signatrios da atualidade j no so somente os vinte e seis de 1932,
ou os quase duzentos do Manifesto de 1959, mas milhares de educadores
espalhados por todo o Pas em salas de aulas, projetos de pesquisa ou em
instncias de gesto que no medem esforos para a construo de uma
escola pblica inclusiva e de boa qualidade.
Alm disso, quando lanado, em 1932, o Manifesto foi visto com
desconfiana pelo Governo Federal da poca, o que no acontece com
o Ministrio da Educao que temos hoje. Os ltimos ministros e o atual
declararam, publicamente, que buscaram no Manifesto inspiraes e ideias
para nortear suas gestes. Henrique Paim, por exemplo, ao anunciar, em julho
de 2014, a estratgia de operacionalizao do II PNE mediante a elaborao
dos planos decenais dos Estados, do Distrito Federal e dos municpios,
reafirmou sua importncia como documento de referncia para a construo
dos referidos planos na linha da doutrina federativa defendida por Fernando
de Azevedo no Manifesto. Da sua dimenso educadora e republicana,
como assinalou Jorge Nagle em seu artigo, que inspirou o ttulo da presente
introduo.
Na parte reservada reedio de documentos histricos, o primeiro
documento um artigo de Fernando de Azevedo publicado por ocasio do
25 aniversrio do Manifesto, em 1957, escrito com a mesma sobriedade
de estilo, profundidade e contundncia que caracterizam sua obra. Entre
as vrias consideraes importantes feitas 25 anos depois, ele afirma que o
Manifesto no foi causa, mas um dos mais importantes efeitos do movimento
de renovao das dcadas de 1920 e 1930. Refletiu o mpeto renovador dessa
poca, que se traduziu num documento pblico com os princpios e os conceitos
fundamentais que o inspiraram, fornecendo uma bandeira que apontou os
rumos da nova poltica educacional. O que antes era um pouco vago e impreciso
e talvez obscuro adquiriu clareza e objetividade com o Manifesto (Azevedo,
2014). Fernando de Azevedo comenta, com nfase, a repercusso obtida por
meio de vrias manifestaes de apoio oriundas de diversas regies do Pas.
Esse movimento de simpatia proveio, lembra ele, no somente em decorrncia
das posies firmes defendidas pelo Manifesto, mas tambm devido ao fato
de todos, poca, j se sentirem fatigados de perplexidades e hesitaes.
A nova poltica educacional pretendida pelo Manifesto contemplava questes
fundamentais para o futuro da educao nacional, entre elas, o estabelecimento
de um sistema completo de educao, com uma estrutura orgnica conforme
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Clio da Cunha
28 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
as necessidades do Pas e as novas diretrizes econmicas e sociais da civilizao.
O Manifesto considerava a educao como uma funo social e um servio
essencialmente pblico que o Estado chamado a realizar em cooperao com
todas as instituies sociais (Azevedo, 2014).
O segundo documento histrico contempla a sntese final da mesa-
redonda promovida pelo Inep, em 1984, sobre o Manifesto, como parte do
quadragsimo ano de circulao da Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos,
com a participao dos seguintes educadores: Abgard Renault, Luiz Antonio
Cunha, Carlos Roberto Jamil Cury e o Padre Jos de Vasconcellos. Foi um debate
auspicioso que focalizou diferentes aspectos do Manifesto, sua atualidade e
sua importncia na evoluo pedaggica do pas. A seguir, destacaremos de
cada expositor e debatedor pontos que acreditamos como fundamentais para
a poltica educacional do Pas.
Abgard Renault, que foi ministro da Educao (1955-1956), em sua
exposio, procurou refletir em que direo marchou o Brasil na rea da
educao, de 1932 at 1984, ano da realizao da mesa-redonda. Depois de
sublinhar pontos nucleares do Manifesto que no haviam sido contemplados
pela poltica educacional do Pas, ele conclui que, em muita coisa, o ponto
de partida do Brasil, em matria de educao, est ainda em 1932 (Renault,
2014).
Por sua vez, Luiz Antnio Cunha, na condio de debatedor, comeou
afirmando que o Manifesto de 1932 atualssimo (Cunha, 2014), malgrado o
tom pessimista da interveno desse pensador da educao, e nem poderia ser
diferente, em face do quadro crtico da educao brasileira na dcada de 1980.
Em sua fala, Luiz Antonio Cunha deu relevo a um problema atual, que o fato de
o Manifesto ter apontado o descompasso entre as reformas educacionais e as
reformas econmicas. Destacou, ainda, outro ponto importante do Manifesto,
que foi a defesa da escola com finalidade prpria, e no necessariamente
econmica, e mostrou que o desenvolvimento da personalidade humana,
em perspectiva deweyiana, no tinha carter instrumental. Nesse sentido,
Fernando de Azevedo e os demais signatrios deixavam, pela primeira vez, num
documento histrico, essa perspectiva de grande alcance tambm esquecida
(Cunha, 2014).
O segundo expositor foi Carlos Roberto Jamil Cury, que deu destaque
a um dos fundamentos mais estruturantes do Manifesto. Como ele afirmou,
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Introduo: O Manifesto como o Grande Educador
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
durante a mesa-redonda, para os pioneiros, era de evidncia cristalina a
funo essencialmente pblica da educao e por pblica se entendia o dever
do Estado em assumi-la como servio, em resposta a um direito (Cury, 2014).
Da a nfase que Jamil Cury atribui firme posio do Manifesto de que, mesmo
admitindo o direito de escolas privadas, sobressai o dever indeclinvel do
Estado de no admitir dentro do sistema escolar escolas que s tenham acesso
a uma minoria, devido a um privilgio essencialmente econmico (Manifesto,
2014). Por isso, sublinha Cury, no cerne da questo est o problema de como
garantir o acesso igual aos bens socioculturais, pressuposto indispensvel da
cidadania, quando a desigualdade no s permeia a sociedade de classes, mas
se agrava e se aprofunda, de modo brbaro e selvagem, nos pases perifricos
(Cury, 2014). Um Estado realmente pblico, argumenta ainda Cury, que lute
contra as desigualdades para superar a estreiteza dos interesses classistas,
constitui condio imprescindvel para o Pas se distanciar de humilhantes
lugares que vem ocupando no cenrio internacional (Cury, 2014).
certo que, nos ltimos anos, com a prioridade estabelecida s
polticas sociais, a desigualdade e a pobreza diminuram no Brasil, no a
ponto de possibilitar a todos uma dignidade mnima existencial, mas, pelo
menos, a ponto de colocar em evidncia que s pelo caminho da reduo
das desigualdades ser possvel atingir estgios mais elevados de tica
civilizatria. Nessa direo, procede a concluso de Cury ao afirmar que uma
viso prospectiva do Manifesto que subalterne ou ignore esta dinmica se
condena a querer que a histria caminhe para trs (Cury, 2014).
O segundo debatedor da mesa-redonda foi o Padre Jos de Vasconcellos,
que presidiu por muitos anos o Conselho Federal de Educao. Iniciou o
debate ressaltando a exposio de Jamil Cury pelo equilbrio, lucidez, clareza
e objetividade, reconhecimento que no derivava somente de sua polidez
em situaes pblicas, como tambm da admirao que tinha o religioso
a propsito do pensamento pedaggico de Jamil Cury. Sua interveno no
debate, como ele mesmo admitiu, poderia frustrar algumas expectativas. Em
seu comentrio, teceu crticas a alguns aspectos do Manifesto. Uma delas, em
relao educao pelo trabalho, argumentou estar superado o antagonismo
educao acadmica versus educao liberal, em face da Lei n 5.692/71.
Em seus comentrios, ele admitiu tambm o mal-entendido que se escondia
nas entrelinhas do Manifesto no sentido de que o cristianismo se opunha
educao tecnolgica. Sobre essas crticas sempre oportuno lembrar que
Fernando de Azevedo, ao defender a escola do trabalho, sob a influncia
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Clio da Cunha
30 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 19-30, 2015.
das ideias do pensador alemo G. Kerchensteiner, o fazia numa concepo
de educao integrada entre os valores acadmicos e os da vida prtica,
sem distino de status. O autor do Manifesto foi um grande humanista,
centralizando sua concepo de mundo numa viso interdisciplinar do
conhecimento, sendo exemplo dessa posio epistemolgica o projeto que
ajudou a elaborar para a USP, especialmente no captulo da Faculdade de
Filosofia, Cincias e Letras.
Ainda na parte dedicada reedio de documentos, foram inseridos
no somente o texto do Manifesto, como tambm um texto introdutrio,
uma explicao necessria e o esboo da poltica educacional extrada do
Manifesto. So documentos fundamentais para o seu estudo e, sobretudo,
para mostrar a viso ampla de Fernando de Azevedo no sentido de pensar
e conceber, certamente ouvindo seus companheiros de luta, como Ansio
e Loureno Filho, no somente os fundamentos de uma nova poltica de
educao inspirada na doutrina federativa, mas de propor um plano de ao
que, tivesse sido levado avante, com certeza nos dias atuais estaramos em
condies de perseguir metas bem mais ambiciosas. E no foi por falta da
insistncia de Alzira Vargas, filha de Getlio que, por algumas vezes, tentou
convencer o pai a nomear Fernando de Azevedo, ministro da Educao, sendo
que as condies e exigncias do autor do Manifesto nunca foram admitidas
por Vargas.
Fernando de Azevedo, ao redigir o Manifesto, teve o cuidado de
contemplar e conciliar as diversas tendncias presentes no movimento
de renovao da educao brasileira desse tempo, o que constitui outra
dimenso importante do autor de A educao na encruzilhada em matria
de poltica educacional, qual seja, a conscincia de que os avanos na
educao demandam previamente a obteno de consensos.
Por ltimo, o livro inclui uma resenha de autoria de Jader de Medeiros
Britto a propsito de um estudo feito por Libnia Nacif Xavier sobre o
Manifesto. De acordo com Britto, a amplitude das fontes consultadas, Libnia
primrias e secundrias, como tambm a rica base bibliogrfica de apoio
constituda por livros, artigos publicados em jornais e revistas, discursos,
relatrios, entre outros, revela o alcance da pesquisa histrica realizada pela
referida educadora.
DEPOIMENTO SOBREFERNANDO DE AZEVEDO
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31Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, 2015.
Fernando de Azevedo foi um exemplo raro de homem que gosta da
responsabilidade e cuja lucidez aguada, no embotada, pelas dificuldades,
porque elas espicaam o seu nimo combativo. Formando na disciplina
rigorosa dos jesutas, tinha aspectos que o ligavam ao passado, inclusive a
polidez meticulosa e elaborada, bem como o gosto por um cavalheirismo meio
espetacular. Portanto, no de espantar que haja feito nome, inicialmente,
como conhecedor e cronista da antiguidade greco-romana; mas o fato
que desde logo extraiu do passado um senso firme do presente, que o fazia
estar sempre busca das posies mais avanadas. Assim, a Antiguidade lhe
inspirou o culto pela educao fsica, de que foi um dos primeiros tericos do
Brasil, revelando a fora educativa da ginstica e do esporte.
Alis, ele prprio foi, na mocidade, bom cavalheiro e esgrimista e, por
volta dos cinquenta anos, obteve o brevet de piloto amador. Do mesmo modo,
o humanismo clssico, dentro de cujo estmulo traduziu muitos dilogos de
Plato, abriu o seu esprito para a necessidade de reformar a instruo do seu
tempo e do seu pas. Mas nesse sentido o elemento decisivo deve ter sido, ao
lado das modernas teorias pedaggicas, a iniciao na sociologia, sobretudo
a obra de mile Durkheim. Ela lhe revelou outro horizonte, marcado pelo
DEPOIMENTO SOBREFERNANDO DE AZEVEDO
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Antonio Candido
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Antonio Candido
32 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, maio/ago. 2015.
entendimento do fato educacional como funo da sociedade, e do seu
conhecimento como atividade de cunho sistemtico.
Ao mesmo tempo, confirmou o seu senso muito humano da educao
para o progresso atitude liberal que ele ampliou at alcanar estgios
avanados ao assumir a posio socialista segundo a qual a capacidade de
a educao atuar de maneira plena se liga ao desejo de preparar a sociedade
nova, pela elaborao de uma mentalidade transformadora embebida nas
sugestes e necessidades do meio.
Em meados do decnio de 1920, j estava armado com os instrumentos
intelectuais que o levaram a integrar a grande falange dos renovadores da instruo
pblica no Brasil, e em seus diferentes graus. Instruo leiga, antiautoritria,
racional, cientfica e ajustada s mudanas sociais, que se traduziu na prtica
por uma primeira etapa de luta a favor dos modernos mtodos pedaggicos, da
modernizao formao dos docentes e atualizao da administrao escolar.
No pice estava prevista a Universidade, que era ento um projeto irrealizado, ou
realizado apenas nominalmente, e que deveria ter como fecho de abboda as
Faculdades de Filosofia, Cincias, Letras e Educao.
E eis que surge para ele grande oportunidade, sob a forma do convite
que, em 1927, lhe fez Antnio Prado Jnior, prefeito do antigo Distrito Federal,
para reformar a respectiva instruo pblica.
O Pas sabe o que foi essa luta gloriosa e difcil. Ao lado das reformas
anteriores do Cear, de Pernambuco, de Minas Gerais, a sua tem um aspecto
tempestuoso peculiar, graas ousadia e profundidade das modificaes,
e graas aura de radicalidade transformadora que inquietou grupos
tradicionais, culminando no atentado sua vida num momento em que
expunha o projeto.
Viu-se, ento, a tmpera de ao desse homem franzino e intemerato;
viu-se a firmeza com que cumpria o seu dever e lutava pelas suas ideias. O Pas
tomou conscincia da necessidade de generalizar a reforma, e ele emergiu
como um lder.
Nos anos de 1930, reformou a instruo pblica em So Paulo e contribuiu
de maneira decisiva para organizar a Universidade de So Paulo (USP), cujo
estatuto foi elaborado por ele. J ento o socilogo tinha predominado sobre
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Depoimento sobre Fernando de Azevedo
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 31-33, 2015.
o educador, e Fernando de Azevedo era, sobretudo, um dos instauradores do
ensino e da pesquisa da Sociologia em nvel superior, ao lado de homens como
Paul Arbousse-Bastide, Claude Lvi-Straus, Roger Bastide e Emlio Willems.
A sua vida se confundiu cada vez mais com a Faculdade de Filosofia, da
qual foi diretor, e com o Departamento de Sociologia e Antropologia, de que
foi um dos fundadores e professor-chefe durante longos anos. De certo modo,
ele acabou encarnando a prpria conscincia da instituio, cuja defesa no
trepidou em assumir no ano de 1964, quando se instaurou nela um inqurito
policial-militar que convocou professores da eminncia de Joo Cruz Costa,
Mrio Schenberg, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.
Embora aposentado, Fernando de Azevedo se apresentou espontaneamente
aos inquiridores, para marcar o seu protesto e apoiar os colegas, seus antigos
alunos.
Esse trao ajuda a compreender como, do humanista ao educador,
do educador ao socilogo, houve sempre nele um homem de viso poltica,
no sentido geral do termo. Pensemos, no campo sociolgico, em seu livro
Canaviais e engenhos na vida poltica do Brasil, de 1948, em que mostra de
que maneira os fatos polticos funcionam como uma espcie de elemento
conector dos vrios aspectos da vida social, como sistema de normas que
permite o funcionamento das outras normas, travejando a organizao da
sociedade.
Isso serve para compreender a sua constante preocupao com o lado
poltico do pensamento e da ao educacional, embora nunca tenha aderido
a nenhum partido. Mas declarava-se homem de esquerda, e na verdade
era um socialista democrtico independente, ainda imbudo dos ideais da
Ilustrao e tenazmente confiante na forma transformadora do ensino, desde
que associado mudana indispensvel da sociedade.
Como seu aluno, e em seguida, seu colaborador de muitos anos; como
seu discpulo e amigo, quero que este testemunho sirva principalmente para
transmitir s geraes novas a lembrana de um homem insigne, que possua
a retido escarpada dos lutadores e a ternura afetuosa dos grandes coraes.
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REVISO CRTICA E ATUALIDADE DO MANIFESTO
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39Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
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O MANIFESTO DOS PIONEIROS E A HISTRIA DA EDUCAO
BRASILEIRA*.......................................................................................................................................................................................
Jorge Nagle
Habent sua fata libelli**
Terenciano Mauro
Entre os historiadores da educao (escolar) brasileira, h pouca,
se tanta, preocupao com a perspectiva histrica. sempre necessrio,
nas anlises e discusses sobre educao, possuir referncias histricas,
incluindo, claro, sobre desenvolvimento de valores, de ideias, instituies,
mecanismos de atuao, metodologias... No esquecer, tambm: no caso
da educao, foroso perceber um sistema de relaes, no sentido de que
h aspectos restritos, intermedirios e compreensivos. Trata-se, na
verdade, de no negligenciar o sentido de Historia. O que no significa fazer
reproduo, mas aproveitar o que foi bem feito e que, ainda, mesmo com
alteraes, pode ser til.
Se cada historiador da educao brasileira pensar que os estudos
histricos nessa rea comeam com seu trabalho especializado, isto , cada
vez mais limitado ao campo especifico da educao, praticamente, sem
* Agradeo os trabalhos de computao realizados por Natalia da Costa Souza, auxiliar administrativa da Fundao Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, onde este trabalho foi realizado.
** Os livros tm seu destino. O aforismo de Terenciano Mauro alude a obras de valor, esquecidas.
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Jorge Nagle
40 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
qualquer preocupao em oferecer encaixe em quadros compreensivos para
enriquecer a anlise, esse historiador comete uma falha indesculpvel j
se assinalou a pobreza intelectual daqueles que s leem o terceiro volume
da Cultura brasileira, de Fernando de Azevedo; portanto, no tomam
conhecimento das duas primeiras partes que versam, respectivamente, sobre
Os fatores da cultura e A cultura. Essas duas partes fornecem um amplo
quadro histrico-social, do qual parte a educao. No se est dizendo que
o melhor quadro nem que o terceiro volume sobre cultura/educao continue
perfeito; mas um bom exemplo para se trabalhar, no como simples
especialista dos fenmenos educacionais. Essas mesmas consideraes
valem, igualmente, para o estudo do Manifesto dos Pioneiros da Educao
Nova e da obra Cultura brasileira; ambos devem continuar sendo momentos
excepcionais da memria histrica brasileira. So propriamente documentos/
monumentos. Esto relacionados com os temas passado/presente, antigo/
moderno1 (Enciclopdia, 1984).
De qualquer modo, no se deve supor que caractersticas de momentos
anteriores desaparecem, por passe de mgica, das caractersticas atuais.
preciso recordar Caio Prado Junior. Na Introduo Formao do Brasil
contemporneo (1972), o autor afirma que, para a interpretao do Brasil
atual, o passado colonial nos cerca de todos os lados, passado longnquo
no tempo. Dito de outra maneira, s as vestimentas mudam. produtivo
considerar esse ponto de vista.
Afinal, a vida social apresenta uma multiplicidade de aspectos, uma
riqueza em sua vida cultural. A educao, encaixada nessa multiplicidade,
enriquece-se. A educao no um valor absoluto, nem a escola
uma instituio incondicionada, diz L. A. Costa Pinto em Sociologia e
desenvolvimento (1963).
De maneira incisiva: necessrio vincular a educao com o quadro
maior da matriz histrico-social. A relao texto/contexto/subtexto continua
decisiva para uma narrativa histrica da educao. Essa uma exigente tarefa
para o intelectual brasileiro que se aventura no campo educacional.
1 Consultar Enciclopdia: memria/histria (1984). Especialmente os captulos Memria e Documento/Monumento, ambos de Jacques Le Goff.
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O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
Assim deve ser estudado o MP.2 O MP uma herana do passado.
Herana rica no s quanto aos valores/princpios, mas tambm como modelo
de operar, pois introduziu na vida escolar interna esses dois polos igualmente
importantes valores/princpios e modelo de operao , desenvolvidos
por instrumentos intermedirios, desdobramento dos valores/princpios:
Filosofia da Educao, Filosofia Poltica da Educao, cincias intermedirias
como a Sociologia e a Psicologia, maneiras tcnicas de efetivao, como
Administrao Escolar, Tecnologia Educacional, Didtica. Destacar: Filosofia
Poltica da Educao.
Esse modelo do MP no pode e no deve ser esquecido, sob pena
de realizar narrativa educacional truncada, com estreitamento intelectual,
portanto insuficiente.
O MP deve tornar-se uma escolha dos historiados da educao
brasileira para orientar a formulao dos planos de educao, para comparar
planos de educao, discutir alternativas. No , portanto, s um testemunho
histrico, um legado memria coletiva; texto para ser, sempre, ativado.
Pode-se conjeturar que o MP contribui como um bom indicador para a
periodizao da educao brasileira antes e depois dele.
Se essa posio pode ser aceita sem grandes objees ao menos
como tentativa de valorizao, merecidamente, do texto , ento no se deve
dar apoio a duas posies.
A primeira consiste em afirmar que o MP texto datado, no sentido
de desqualific-lo. Datado passa a significar vinculao exclusivamente ao
momento em que apareceu.
Sabe-se que a datao um elemento importante para o historiador
situar-se; para enquadrar um texto, uma narrativa, num quadro mais geral,
que lhe d sentido. Dever-se-ia saber, tambm, que determinado texto, por
estar datado, e conforme a data de seu aparecimento, no est predestinado
2 A publicao A reconstruo educacional no Brasil (1932) traz informaes sobre cada signatrio e outros pronunciamentos. Outra edio: Azevedo (1958); pelas minhas lembranas, h edies do Conselho Estadual de Educao de So Paulo e do Servio Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
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Jorge Nagle
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a ter seu significado restringido a esse momento.3 Apenas para exemplificar:
como considerar as grandes obras do passado, s vezes, bem distantes no
tempo, simplesmente como datadas e, portanto, desqualificadas para o
presente? Mesmo aquelas j superadas ou melhoradas, quer na Filosofia, nas
Cincias, nas Artes?
O MP tem uma data. Apresenta uma ampla e rigorosa resposta ao
pedido do Governo Provisrio. A data, porm, no pode ser isolada de um
momento revolucionrio e tampouco de momentos anteriores, de que
foi continuao. Os Pioneiros aceitaram o desafio proposto pelo governo
provisrio. E aceitaram porque, entre outros motivos, j possuam uma forte
posio de luta pela educao. A dcada de 1920 representa o tempo de
afirmao de propostas: as reformas estaduais; a batalha com os catlicos
e com o atraso educacional; mais amplamente, a afirmao modernista,
a de partido poltico democrtico; enfim, a vigorosa proposta de um
republicanismo, no de fachada, mas autntico. Acrescentar: as mudanas
no campo econmico-social, bem como as tentativas de enfraquecimento
das oligarquias regionais, o desenvolvimento do movimento operrio, os
conflitos antiautoritrios. O passado renovador dos Pioneiros deve ter sido
decisivo para o apelo feito pelo novo governo. No se pode desprezar, por
sua vez, o fato de o ministro da Educao e Sade, Francisco Campos, deixar
de lado o aguerrido grupo catlico, que, entre outras iniciativas, pregava,
num Estado laico, o retorno do ensino religioso nas escolas pblicas. Tambm
sem desprezar o fato de o mesmo ministro, quando no governo de Minas,
instituir o ensino religioso facultativo nas escolas pblicas, inaugurando a
primeira vitria da corrente catlica.
A segunda, que merece esclarecimentos, a questo das possveis
influncias de outros textos sobre o texto do MP.
Estudiosos da Histria da Educao Brasileira se surpreendem com
a utilizao que o MP faz de determinadas fontes ou de determinadas
obras; da certa surpresa do que consideram um grande achado. Merece
3 Em Notas republicanas, Alberto Venncio Filho afirma que Vitor Nunes Leal, em nova edio de sua obra Coronelismo, enxada e voto, considera a descrio realizada exemplo de um momento da vida poltica brasileira. Portanto, datada, inservvel para momentos posteriores. Modstia? O tema do livro ultrapassa a questo do municpio e atinge at o governo central, at porque o coronel no est ilhado das foras governamentais, estaduais e federais, para no ir mais longe. Atualmente, com meu colega de trabalho Almiro Vicente Heitor, estou relendo o livro para entender o coronelismo acadmico.
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O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
algum esclarecimento a questo das influncias de outros textos sobre o
texto do MP.
Se o estudioso fosse aberto bibliografia, alm das fronteiras
limitadas da educao, conseguiria perceber, com maior clareza, a questo
das influncias. Por exemplo, que narrativas do passado continuam a ser
aproveitadas em textos do presente? Ateno: textos do presente no so
virgens, no sentido de que nascem sem quaisquer impurezas do passado.
Se o estudioso da Historia da Educao Brasileira conhecesse um
pouco, ao menos, da retrica antiga (Aristteles, Ccero, Quintiliano,
por exemplo) perceberia o valor positivo da imitao, da emulao. Se
fosse um pouco mais curioso com a bibliografia em geral, teria tomado
conhecimento da obra do professor Joo Cezar de Castro Rocha, Machado
de Assis: por uma potica da emulao (2013). Levaria em conta, ento, as
seguintes propostas desse professor: os autores anteriores como mestres;
o modelo original engendra nova obra; o anacronismo no uma runa,
a base das aes humanas. Nessa obra, o estudioso da Histria da
Educao Brasileira encontraria, igualmente, amplo temrio, por exemplo:
o valor da tradio; o fetiche da ideia de originalidade; a filiao e a
influncia; a leitura cruzada; a apropriao; a esttica normativa; o plgio,
a originalidade, a imitao, a cpia enfim, o problema da produo
literria em pases no hegemnicos.
Para lembrar, o Manifesto Antropofgico, de Oswald de Andrade:
ao consumir a cultura estrangeira (e nacional?), mastigar bem, engolir,
digerir, eliminar pelas vias prprias o que deve ser eliminado, aproveitar o
aproveitvel, ajustado ao nosso paladar cultural canibalismo cultural.
E se tivesse contato com as obras de Harold Bloom, por exemplo,
A angstia da influncia, Anatomia da influncia? E com artigos de
jornais, por exemplo: Quem nunca? (plgio, referncias, cpias); Imitar
a forma mais segura de lisonjear; Copiar nem sempre prejudica a
criatividade na verdade, estimula; Van Gogh, afinal, tambm copiava.
Por sua vez, a leitura do Manifesto Republicano (MR), de 1870,
ponto de partida da campanha pela Repblica. Uma comparao, mesmo
ligeira, com o MP, mostra a distncia doutrinria e operacional entre os dois
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manifestos. De um lado, um texto genrico, omisso em vrios aspectos; de
outro, um texto denso, de frmulas doutrinrias firmes, com mecanismos
de efetivao dos princpios, agora, fortemente republicanos (MP). Exemplo
de omisso do MR: a questo pertinente ao tema educao. A palavra
ensino aparece uma vez: liberdade de ensino; a palavra povo, cinco
vezes: soberania do povo (duas vezes); a sorte do povo, o povo foi
dispensado, vontade do povo, povo livre. A pergunta: se o analfabeto
no vota, e constitui a maior parte da populao, como dar poder ao povo,
sem, ao menos, abrir-lhe as portas da educao?
Exemplo de texto denso o do MP ao tratar dos seguintes temas:
os princpios doutrinrios e os mecanismos de efetivao, os princpios
republicanos; a importncia da educao e a necessidade de reconstruo
educacional; as bases e as diretrizes do movimento; as finalidades da
educao, a questo de valores; a educao, funo essencialmente pblica;
a laicidade, a gratuidade, a obrigatoriedade e a coeducao; a escola comum
ou escola nica; as linhas do plano; o conceito de universidade; a unidade de
formao de professores; a democracia.
No texto A nova poltica educacional. Esboo de um programa
educacional extrado do Manifesto,4 ressaltar os seguintes pontos do
esboo: o sistema completo de educao; a funo social da educao;
o servio essencialmente pblico; os Estados federados e a Unio; a
educao integral, a base do sistema; a organizao da escola secundria e
o desenvolvimento da educao tcnica profissional; a universidade e sua
trplice funo; a fiscalizao do Estado; a reorganizao da administrao
escolar a reconstruo do sistema educacional para contribuir com a
interpenetrao das classes sociais e a formao de uma sociedade humana
mais justa, com escola unificada do jardim de infncia universidade.
E difcil resistir s sugestes de Francis Bacon, tanto no Novum
Organom, como em Nova Atlntida.
No primeiro, a questo dos dolos e das noes falsas. So quatro
os dolos: Da tribo, da caverna, do foro, do teatro. Para esclarecer muitos
problemas do historiador brasileiro, oportuna a leitura sobre o dolo da
4 Ver no Anexo resumo do MP, de cuja autoria no me lembro. Serve para fornecer um panorama do texto e dos que o subscreveram.
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O Manifesto dos Pioneiros e a Histria da Educao Brasileira
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
caverna (e relembrar Plato). Da mesma forma, muito sugestiva a proposta
de um colgio de sbios e de um instituto de pesquisa, a Casa de Salomo
(por curiosidade rever, tambm, de Plato, a questo de Atlntida).
E tambm difcil fugir de um anacronismo: prestar o justo respeito
a Mnemosine, personificao da Memria, me das musas (o pai, Zeus!),
e a Clio, a musa da Histria.
***
O destino do Manifesto dos Pioneiros
da Educao Nova : sempre servir.
entusiasmante, tanto pessoal quanto academicamente, a iniciativa
de continuar estudando o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova.
Entusiasmante academicamente porque o MP deve ser analisado e discutido
como um grande documento sobre a educao brasileira, ainda insupervel
apesar de tanta documentao produzida no Pas. E pode, sem favor
algum, ser confrontado com textos semelhantes de outros pases. atual,
fonte rica de pensamento e de atuao para nossas academias, para nossas
autoridades. Iniciativa afortunada, particularmente para os tempos poucos
promissores que enfrentamos. Representa uma fora educativa. O Manifesto
um grande educador. referncia, pela sua arquitetura, pelo seu engenho
organizativo, pela ausncia de preconceitos na relao fins/meios, pela viso
republicana, democrtica.5
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANDRADE, Oswald de. Manifesto Antropfago. Revista de
Antropofagia, v. 1, n. 1, maio 1928.
AZEVEDO, Fernando de. A educao entre dois mundos:
problemas, perspectivas e orientaes. So Paulo: Melhoramentos,
1858. (Obras Completas, v. XVI).
5 Quando estudei, com mais tempo, o MP, acabei pensando numa futura publicao, mais ou menos com as seguintes partes: 1) Introduo, estudo compreensivo sobre o MP, de carter histrico-social. A perspectiva histrica deve estar sempre presente na anlise dos posteriores temas. 2) Estudo dos temas mais significativos do MP. 3) Repercusso do MP at os dias atuais. 4) Livros, artigos, comentrios a respeito do MP (levantamento, classificao, bibliografia comentada). 5) Anlise de obras de educao comparada para discutir o MP com outros textos semelhantes. 6) Glossrio. 7) ndice remissivo, especialmente de temas.
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46 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 39-46, 2015.
A RECONSTRUO educacional no Brasil: ao povo e ao governo:
Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova. So Paulo: Companhia
Ed. Nacional; Dedalus, 1932.
BACON, Francis. Nova Atlntida. Traduo e notas de Jos Aluysio Reis
de Andrade. 3. ed. So Paulo: Abril cultural, 1984. (Os pensadores).
COSTA PINTO, Luiz de Aguiar. Sociologia e desenvolvimento: temas
e problemas do nosso tempo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
1963.
ENCICLOPDIA: memria/histria. v. 1. Turim: Einaudi; Rio de Janeiro:
Impressa Nacional; Casa da Moeda, 1984.
PRADO JUNIOR, Caio. Formao do Brasil contemporneo. So Paulo:
Brasiliense, 1972.
ROCHA, Joo Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma potica
da emulao. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2013. 368 p.
ANEXO.......................................................................................................................................................................................
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47Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.
ANEXO.......................................................................................................................................................................................
Excertos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932)
Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importncia e
gravidade ao da educao. Nem mesmo os de carter econmico lhe podem
disputar a primazia nos planos de reconstruo nacional.
Nunca chegamos a possuir uma cultura prpria, nem mesmo uma cultura
geral que nos convencesse da existncia de um problema sobre objetivos e
fins da educao.
Movimento de renovao educacional
luz dessas verdades e sob a inspirao de novos ideais de educao, que
se gerou, no Brasil, o movimento de reconstruo educacional, com que,
reagindo contra o empirismo dominante, pretendeu um grupo de educadores,
nestes ltimos dozes anos, transferir do terreno administrativo para os planos
poltico-sociais a soluo dos problemas escolares.
Diretrizes que se esclarecem
Aos que tomaram posio na vanguarda da campanha de renovao
educacional, cabia o dever de formular, em documento pblico, as bases e
diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o pblico
e o governo, a posio que conquistaram e vm mantendo desde o incio das
hostilidades contra a escola tradicional.
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Excertos do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932)
48 Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.
Reformas e a Reforma
Mas a educao que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma
social no pode, ao menos em grande proporo, se realizar seno pela ao
extensa e intensiva da escola sobre o individuo e deste sobre si mesmo nem se
produzir, do ponto de vista das influncias exteriores, seno por uma evoluo
contnua, favorecida e estimulada por todas as foras organizadas de cultura
e de educao.
Finalidades da educao
Toda a educao varia sempre em funo de uma concepo da vida,
refletindo, em cada poca, a filosofia predominante que determinada, a
seu turno, pela estrutura da sociedade. evidente que as diferentes camadas
e os grupos (classes) de uma sociedade dada tero, respectivamente,
opinies diferentes sobre a concepo do mundo, que convm fazer
adotar ao educando e sobre o que necessrio considerar como qualidade
socialmente til.
Valores mutveis e valores permanentes
O trabalho, a solidariedade social e a cooperao, em que repousa a ampla
utilidade das experincias; a conscincia social, que nos leva a compreender as
necessidades do indivduo atravs das da comunidade; e o esprito de justia,
de renncia e de disciplina no so, alis, grandes valores permanentes que
elevam a alma, enobrecem o corao e fortificam a vontade, dando expresso
e valor vida humana?.
O Estado em face da educao
a) A educao, uma funo essencialmente pblica
b) A questo da escola nica
c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducao
A funo educacional
a) A unidade da funo educacional
b) A autonomia da funo educacional
c) A descentralizao
O processo educativo
a) O conceito e os fundamentos da educao nova
Plano de reconstruo educacional
a) As linhas gerais do plano
b) O ponto nevrlgico da questo
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Anexo
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 47-49, 2015.
c) O conceito moderno de Universidade e o problema universitrio no Brasil
d)O problema dos melhores
A unidade de formao de professores e a unidade de esprito
O papel da escola na vida e a sua funo social
A democracia, um programa de longos deveres
Assinaturas: Fernando de Azevedo (redator), Afrnio Peixoto, A. de Sampaio
Doria, Ansio Spinola Teixeira, M. Bergstrom, Loureno Filho, Roquette Pinto,
J. G. Frota Pessoa, Julio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casasanta, C.
Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P Fontenelle, Roldo Lopes
de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attilio Vivacqua, Francisco
Venncio Filho, Paulo Maranho, Ceclia Meirelles, Edgar Sussekind de
Mendona, Armanda lvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nbrega da Cunha
Paschoal Lemme e Raul Gomes.
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O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932): O COMPROMISSO COM UMA
SOCIEDADE EDUCADA.......................................................................................................................................................................................
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51Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 51-88, 2015.
O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAO NOVA (1932): O COMPROMISSO COM UMA
SOCIEDADE EDUCADA.......................................................................................................................................................................................
Clarice Nunes
Em 2012, o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, dirigido ao
povo e ao governo, completou 80 anos. Esse documento, considerado um
clssico da literatura pedaggica, smbolo de um legado que, impregnado
pelas tenses das convices polticas de seus signatrios, afirma a luta
e o debate em torno da democratizao do acesso escola pblica. Sobre
ele vrias dissertaes e teses1 j foram escritas ou se debruaram como
um aspecto relevante na construo de seus objetos de estudo. Mereceu
reflexes intensivas e extensivas em artigos2 e livros.3 Tem sido debatido nos
encontros, seminrios e congressos de pesquisadores de histria da educao.4
Tem servido de bssola para a discusso de problemas contemporneos da
1 Entre os vrios trabalhos existentes, exemplificamos com a dissertao de mestrado de Libnia Nacif Xavier (2002), publicada em livro.
2 Ver, por exemplo, entre diversos trabalhos, o de Paschoal Lemme (1984, p. 212-255).
3 Citamos como exemplos dessas publicaes: (Magaldi, Gondra, 2003; Xavier, 2004).
4 Citamos como exemplos a mesa-redonda sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova e o desenvolvimento da educao brasileira na j citada Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n. 150, p. 426-456, com a participao de Esther de Figueiredo Ferraz (ento ministra da Educao), Lena Castello Branco Ferreira Costa (diretora-geral do Inep poca), ministro Abgar Renault, Luiz Antonio C. Rodrigues da Cunha, Carlos Roberto Jamil Cury, Pe. Jos Vasconcellos. Outro momento significativo de debate sobre o Manifesto ocorreu na abertura da II Conferncia Brasileira de Educao, em Belo Horizonte, no ano de 1982, quando Carlos Roberto Jamil Cury salientou a corajosa postura do documento.
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Clarice Nunes
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educao brasileira e para a reviso de questes histricas da nossa sociedade
e da nossa pedagogia. Foi analisado sob vrios ngulos.5
Paschoal Lemme (1984, p. 264-265), um de seus signatrios, numa
sntese feliz, elencou suas caractersticas fundamentais que retomo
resumidamente: a concepo de educao integral para todas as classes
sociais; a educao como direito dentro do princpio democrtico de
igualdade de oportunidades para todos; o dever de o Estado assegurar
esse direito, tornando-se, assim, a educao uma funo essencialmente
pblica; a escola nica, obrigatria pelo menos at os 18 anos de idade,
gratuita, leiga, em regime de igualdade para os dois sexos; a adoo pelo
Estado de uma poltica global e nacional para todos os nveis e modalidades
de educao e ensino; a adoo do princpio da descentralizao
administrativa; mtodos, processos e avaliao da aprendizagem
concebidos luz das conquistas das Cincias Sociais, da Psicologia e das
tcnicas pedaggicas; a constituio de um sistema de educao a partir
de planos definidos do jardim da infncia universidade; a formao do
professorado num esprito de unidade.
Os intelectuais que assinaram o Manifesto dos Pioneiros6 viam-se
como profissionais da educao nas principais cidades brasileiras, menos por
uma carreira j existente e que, na verdade, ajudaram a constituir, e mais
pela sua escolha, que articula a histria pessoal, a experincia geracional e a
produo intelectual. Desse feixe parte uma diversidade de vises de mundo
e de opes poltico-ideolgicas muitas vezes difcil de discernir, em parte
pela grande efervescncia da dcada de 30 do sculo passado, em parte pela
convenincia, para os intelectuais em questo, em fazer do envolvimento
existencial com a educao no s uma grande bandeira da causa
educacional, mas um anteparo que unificasse entre eles, de acordo com as
circunstncias, divergncias s vezes profundas e polmicas complicadas.
5 Tive a oportunidade de redigir pelo menos dois captulos de livros sobre o Manifesto dos Pioneiros: Um manifesto e seus mltiplos sentidos, publicado em: (Magaldi, Gondra, 2003, p. 45-64), e s margens do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova, em: (Xavier, 2004, p. 39-66).
6 Assinaram o Manifesto dos Pioneiros: Fernando de Azevedo, Afrnio Peixoto, A. de Sampaio Doria, Ansio Spinola Teixeira, M. Bergstrom Loureno Filho, Roquette Pinto, J. G. Frota Pessoa, Jlio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Mrio Casassanta, C. Delgado de Carvalho, A. Ferreira de Almeida Jr., J. P. Fontenelle, Roldo Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira, Hermes Lima, Attlio Vivcqua, Francisco Venncio Filho, Paulo Maranho, Ceclia Meireles, Edgard Sussekind de Mendona, Armanda lvaro Alberto, Garcia de Rezende, Nbrega da Cunha, Pachoal Lemme e Raul Gomes.
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O Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932): O Compromisso com uma Sociedade Educada
Rev. bras. Estud. pedagog. Braslia, v. 96, nmero especial, p. 51-88, 2015.
Apesar da tentativa de passar uma coeso de perspectivas entre os educadores
que assinam o Manifesto, as tenses do prprio texto so reveladoras das
diferenas de convices que se espremem e se matizam entre posturas mais
ou menos democrticas. Grosso modo, assinam o Manifesto intelectuais que
se apresentam como liberais, fossem eles moderados ou inclinados mais
esquerda ou direita.7 O Manifesto procurou conciliar essa diversidade,
incorporando argumentos caros a um e outro grupo e defendendo ao mesmo
tempo uma escola nova com bases cientficas e uma escola socializada
apoiada no trabalho, uma escola vinculada ao meio social e acima das classes
sociais, mas tambm voltada para o indivduo. Levantava a polmica de uma
cultura geral que incorporasse a preparao para o trabalho visando chegar
ao princpio da escola nica ou unitria ou unificada. Tentava unir, no plano
legal, a defesa da Federao e da descentralizao e, no plano cultural, a
unidade nacional e os consensos da campanha educacional da dcada de 20 a
novas e ousadas propostas como a da escola nica, laica, obrigatria, gratuita
e coeducativa. A rigor, apesar da crtica concepo dualista de educao,
o Manifesto no rompia definitivamente com ela (Ca