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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA ANÁLISE DO PATRIMONIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL Por: Davi Mendonça Normandes Orientador Professor: Mario Luiz Brasília 2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ANÁLISE DO PATRIMONIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

Por: Davi Mendonça Normandes

Orientador

Professor: Mario Luiz

Brasília

2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

ANÁLISE DO PATRIMONIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL

Apresentação de monografia à Universidade

Cândido Mendes - Instituto a Vez do Mestre, Pós

Graduação lato-sensu, como requisito parcial para

obtenção do título de Especialista em Gestão

Pública.

Por: Davi Mendonça Normandes

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RESUMO

A presente pesquisa tratou de identificar e analisar as características do patrimonialismo na administração pública do DF. Primeiramente foram realizadas pesquisas teóricas a respeito do patrimonialismo no Brasil, seu conceito e características, no desenvolvimento da obra foram analisados identificados com dados secundários os órgãos da administração pública distrital, que contém os indícios patrimoniais, principalmente no que tange a barganha político-partidária, entre os cargos comissionados e na comissão e omissão legislativa com o fulcro da administração patrimonialista. Por fim, foram elencadas após análise, algumas consequências da prática nos órgãos e na prestação de serviços públicos, a influência direta e indireta da conduta da administração patrimonial na gestão da coisa pública e as possíveis soluções de curto e longo prazo para este estigma histórico cultural.

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METODOLOGIA

Além da base teórico-cientifica a respeito do patrimonialismo serão

realizadas pesquisas bibliográficas, na web, em jornais, revistas, artigos, dvd`s

e na legislação do DF. Como também uma pesquisa nos principais órgãos que

compõe a organização administrativa do DF para consolidação de dados

quantitativos e qualitativos. Estabelecendo assim a relação de consequência

entre a identificação das condutas patrimoniais com a prestação do serviço

público. Dentre as principais referências teóricas destacam-se os autores: Max

Weber, Norberto Bobbio, Raymundo Farao, Florestan Fernandes, Sergio

Buarque de Holanda, Simon Schwartzman e Velez Rodriguez.

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LISTA DE SIGLAS

ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade

CF: Constituição Federal

CLDF: Câmara Legislativa do Distrito Federal

DF: Distrito Federal

GDF: Governo do Distrito Federal

LODF: Lei Orgânica do Distrito Federal

MPDFT: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

OAB/DF: Ordem dos Advogados do Brasil do DF

RA: Região Administrativa

SECPLAN: Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento

TJDFT: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

UF: Unidade da Federação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 7

CAPÍTULO I- PATRIMONIALISMO NO BRASIL.............................................. 9

1.1 Características do patrimonialismo ............................................................ 12

1.2 A Evolução conceitual de patrimonialismo ................................................. 14

CAPÍTULO II- ANÁLISE DO PATRIMONIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA DO DF .............................................................................................. 16

2.1 Peculiaridades da estrutura político-administrativa do DF ......................... 16

2.2 Cargos Públicos como prebendas ............................................................. 19

2.3 As Administrações Regionais ―cabide de emprego‖ .................................. 26

CAPÍTULO III- CONSEQUÊNCIAS DO PATRIMONIALISMO NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO DF ............................................................... 31

3.1 Amadorismo na prestação do serviço público ............................................ 31

3.2 Corrupção .................................................................................................. 34

3.3 Ensaio a ruptura do resquício patrimonialista no DF .................................. 36

CONCLUSÃO .................................................................................................. 38

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 40

ANEXOS .......................................................................................................... 45

I- ... Decisão completa ADI pelo TJDFT, Acordão 713958 .......................... 45

II- .. Matéria de 9 de janeiro de 2014, a respeito dos comissionados sem

vínculo no DF ................................................................................... 77

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INTRODUÇÃO

O tema deste estudo é o patrimonialismo na administração pública, que

terá como questão central da pesquisa o patrimonialismo na administração

pública do Distrito Federal e suas consequências para a prestação do serviço

público nesta unidade federada.

Resquício da formação cultural brasileira o patrimonialismo na

administração pública, é uma chaga que sobrevive ao longo do tempo e das

reformas constitucionais e administrativas (burocrática e gerencial) no país,

tendo este conceito se modificado ou transformado à medida que a sociedade

foi evoluindo (clientelismo, fisiologismo, neopatrimonialismo).

Entretanto, sua essência permanecesse viva no que foi estabelecido no

conceito weberiano, como à forma de dominação que se exerce em função do

pleno direito pessoal, originariamente orientada pela tradição, em que falta a

distinção entre a esfera privada e a pública. A administração pública é tratada

como assunto pessoal do governante, e a propriedade pública como parte de

seu patrimônio pessoal.

No primeiro capítulo da obra foram utilizadas referências teóricas a

respeito do conceito origem, características e desenvolvimento de

patrimonialismo. No segundo capítulo as peculiaridades da administração

pública distrital, como também o quantitativo de órgãos na estrutura do DF. No

próximo capitulo foi realizada a análise dos indícios patrimoniais, as barganhas

políticos partidárias com cargos públicos e principalmente a comissão e

omissão legislativa no trato dos servidores e da figura atípica no DF das

Administrações Regionais, configurando a conduta viciosa. No último capítulo

são elencadas as consequências diretas e indiretas na gestão pública como o

amadorismo na prestação de serviço público e a corrupção. Para concluir

ensaios de soluções de curto e longo prazo para dirimir a postura

patrimonialista na administração pública.

Sendo assim, os principais objetivos dessa pesquisa é verificar se em

pleno século XXI há indícios dessa infância da administração pública brasileira

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no DF. Como também, identificar as peculiaridades da organização politico-

administrativa, analisar alguns pontos que favorecem a implicação de práticas

patrimoniais na legislação (principalmente na LODF), verificar alguns órgãos

que são afetados pela conduta patrimonialista, analisar quais consequências

do patrimonialismo na prestação do serviço público e elucubrar possíveis

soluções a prática do patrimonialismo no Distrito Federal.

Entender e identificar traços do patrimonialismo numa atual Unidade da

Federação de um Estado Democrático de Direito é compreender de maneira

holística como a prestação do serviço público é afetada por essa conduta

histórica- cultural perniciosa.

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Capítulo I

Patrimonialismo no Brasil

Para compreensão geral desse fenômeno é necessária a devida

compreensão conceitual do patrimonialismo principalmente no que tange sua

identificação e interpretação no contexto brasileiro. Para tanto, primeiro faz-se

necessário entender os tipos de dominação que segundo Max Weber (2000, p.

85) ―Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de

determinado conteúdo entre determinadas pessoas indicáveis‖. Por intermédio

desse conceito de dominação, em todo Estado Nacional deve existir alguma

relação na qual os governantes (dominadores) exercem autoridade sobre os

indivíduos (dominados), sendo assim a dominação é o somatório de poder com

legitimidade. E pode ser dividida em três tipos segundo Weber (2000, p. 90):

Dominação Tradicional – Baseia-se na tradição, nos costumes arraigados, nos relacionamentos construídos por gerações. O ―senhor‖ governa não porque tenha algum mérito ou competência específica, mas porque seu pai governava antes dele, e antes dele seu avô, etc. Dominação Carismática – Baseada no carisma de uma pessoa. Acredita-se que aquele indivíduo possui qualidades e características extraordinárias, fora do comum, que o credenciam a liderar seus ―súditos‖ ou ―seguidores‖. Estes lhe conferem um afeto e uma lealdade muitas vezes ―cegos‖. Dominação Racional-legal – Baseada na lei. Nesse tipo de dominação, não seguimos um indivíduo, mas devemos obediência a uma série de normas e regulamentos. A Burocracia moderna baseia-se na dominação racional-legal.

O patrimonialismo origina-se do conceito de patrimônio, que do latim

patrimonium, em seu sentido original, significava um conjunto dos bens

paternos, herança familiar. Quando se fala em patrimonialismo brasileiro, Faoro

(2001) demonstra que o estado e administração pública no país têm origens no

patrimonialismo como marcas perceptíveis de uma ética, em que a apropriação

da coisa pública se expressa especialmente, nas práticas administrativas e

estatais.

Segundo Faoro (2001), as tradições portuguesas foram reproduzidas no

Brasil por intermédio de Dom Pedro I, desde o tempo do Império, quando se dá

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a reformulação do Estado brasileiro, por intermédio da Carta de 1824. Para

esse autor, um dos problemas nessa época era que os representantes da

nação se preocupavam em representar seus próprios interesses, em

detrimento dos interesses das bases eleitorais.

A leitura da obra de Faoro (2001) demonstra ainda que, a formação e o

surgimento do patrimonialismo no Brasil tiveram origem no período colonial,

quando o Brasil era apenas um patrimônio da coroa portuguesa.

Segundo Faoro (2001), os portugueses enviavam seus funcionários para

estas terras com o objetivo de ocupar cargos administrativos. As funções

públicas só eram determinadas pelo rei. Em decorrência, a posição e status de

nobreza de tais funções, mesmo sendo vendidos pelo rei, demonstrando dessa

forma a não diferenciação entre o público e o privado, só eram concedidos aos

letrados e aos homens armados que viera a formar uma classe dominante e

usufruíam de diversas prerrogativas.

Conforme se pode observar ainda nos estudos de Faoro (2001), esses

funcionários, mesmo sendo patrimonialistas como o rei, eram corruptos e infiéis

às suas ordens. Suas funções e hierarquia não eram definidas, a posição que

ocupavam no controle do Estado lhes permitia mandar e desmandar, e

aproveitavam de suas posições em proveito próprio.

Faoro (2001) relata ainda que nessa época havia uma mistura entre os

poderes administrativo, legislativo e o judiciário, que eram exercidos pelas

mesmas pessoas que tinham como objetivo organizar a sociedade e o sistema

produtivo fundamentado em grandes propriedades rurais.

Colaborando com essa questão, Coelho (2006) assinala que, a partir do

momento em que o Estado é infestado por esses indivíduos, a sociedade torna-

se guerra de todos contra todos, restando apenas a subjetivação completa do

direito, discriminando não mais as regras universais, mais particulares. Nessa

tal sociedade, inexistem a estabilidade e segurança; as mudanças no poder

estatal mudam as condições dos favorecidos e desfavorecidos; a competência

dá lugar ao agrado; a virtude deixa de ser uma excelência unanimemente

reconhecida, pois agradar ao chefe é a grande virtude.

Todavia, Faoro (2001) relata que, estas práticas vigoraram por muitos

anos criando raízes no Brasil, mesmo depois de ter deixado de ser colônia. Os

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proprietários de terras continuaram com as mesmas práticas, criando e

executando as leis e favorecendo aos seus próximos.

Elucidando essa questão, Holanda (2009) observa que nossas bases

coloniais foram formadas fora do meio urbano e que as cidades eram apenas

dependências daquelas. As profissões liberais e a política eram exercidas por

filhos de fazendeiros, que acabaram por ser responsáveis pelo

desenvolvimento urbano. A justificativa da preferência dos senhores do

engenho pelo campo em detrimento ao urbano justificava-se porque o campo

representava para eles um Estado independente dentro de outro, onde

prevaleciam sua autoridade e vontade e ele tirava seu sustento Segundo o

autor Weber, uma grande parte dos grandes impérios continentais apresentou,

até os inícios da época moderna e ainda dentro desta época, um caráter

fortemente patrimonial.

Paralelamente à opinião de Holanda, Vélez (2006) colaborando com

essa questão, afirma que o patrimonialismo é uma forma de dominação

tradicional em que se aceita, por costume, que o Estado seja organizado pelo

soberano de forma análoga à organização doméstica.

O Patrimonialismo é uma forma de dominação tradicional, na qual o

governante gerência a coisa pública de maneira análoga aos seus domínios

particulares. Essa prática social que não estabelece diferença entre a esfera

pública e a particular na vida política, adquiriu diversas interpretações

explicações políticas ou culturalistas no Brasil, que atribuíam o atraso nacional

à vida longa da monarquia escravagista, à herança lusitana, à excessiva

miscigenação, enraizando-se no patamar estrutural do pais dando margem a

maiores horizontes.

O modelo patrimonialista foi introduzido no Brasil pela própria

administração portuguesa quando o Brasil ainda era uma colônia. Como

Portugal era uma monarquia, todo o Estado era patrimônio da família real.

Quando Dom João VI chegou aqui, em 1808, vindo fugido dos exércitos de

Napoleão, trouxe grande parte da máquina administrativa portuguesa consigo.

Desta forma, herdamos o modo de administrar português e adaptamos à

realidade brasileira durante o império.

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Neste sistema, existe uma confusão natural entre os bens públicos e

particulares, pois o Rei (ou chefe político) não diferencia seu patrimônio

particular do estatal. No patrimonialismo, segundo Weber, o senhor tem um

relacionamento de ―troca‖ com seus súditos, pois depende da boa vontade

deles para manter sua capacidade de prestar serviços e manter seu poder

político. Em troca desta boa vontade, o senhor passa a ―dever‖ também uma

atenção especial a seus súditos, como proteção a perigos externos e auxílio

em momentos difíceis. Este ―dever‖ não está escrito em nenhuma ordem ou lei,

mas deriva dos costumes, da tradição.

O governante trata dos assuntos do Estado como se fosse uma

extensão de sua vida pessoal. Seus súditos seriam sua ―família‖. Desta forma,

no patrimonialismo existe uma dificuldade deste senhor de diferenciar ―esfera

pública‖ da ―esfera estatal‖. O personagem mais exemplar na história brasileira

deste período é o ―coronel‖, oligarca do interior, que dominava (e em certos

aspectos ainda domina) o cenário da política regional através da utilização do

poder econômico e da ―troca de favores‖ entre seus partidários. Neste modelo,

a posse em cargos públicos acontecia por livre nomeação do soberano. Desta

forma, estes cargos eram direcionados a amigos e parentes. Assim, não

existiam carreiras organizadas e profissionalizadas no estado. Portanto, uma

característica forte deste modelo é o nepotismo e a corrupção. Os bens

públicos são utilizados para fins pessoais e os cargos públicos são usados

como ―moeda de troca‖ de favores ao soberano. Como o soberano está acima

das regras, a racionalidade é subjetiva, ou seja, depende da opinião, da

discricionariedade (e das arbitrariedades) do senhor no momento, inclusive nas

decisões da Justiça.

No modelo patrimonialista, o patrimônio público é "capturado" por grupos

de interesse da sociedade (que podem ser empresários, sindicatos, burocratas,

etc.). Ou seja, este patrimônio deixa de servir à coletividade para passar a

servir aos interesses do grupo dominante. Desta forma, esse modelo é

conhecido por sua tendência à corrupção e ao nepotismo.

1.1- Características do Patrimonialismo

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Diante da dominação tradicionalista e da dificuldade de distinção de

esfera pública da privada, esse modelo de gestão tem características fortes

arraigadas no personalismo e corrupção como esclarece o autor Velez (2006 p.

67-74):

1- Senhores de terra e mandatários reais são mais fortes que a sociedade. Sem poder social a população não tem representação e torna-se marginal na dinâmica político-administrativa. 2- O Estado, embora maior que a sociedade, não possui instância pública de bem estar social. Simon Schwartz define bem a questão: Para outros povos a política é um meio de melhorar os negócios, aqui ela é o grande negócio. 3- Complexo de clã: A solidariedade social só se estende ao grupo parental. Ocorre a privatização do Estado. 4- Supõe-se o Estado como garantidor da riqueza da nação. A tributação nestes países converte-se em confisco. A poupança e o investimento são dificultados. 5- Autoritarismo e terrorismo político se justificam pela tese de que o Estado precisa de poder total para solucionar os problemas. 6- Corporativismo desenvolve-se como forma macro do complexo de clã. Defende-se irracionalmente a classe ou grupo em detrimento do bem geral. 7- A cidadania, ou seja, o direito do indivíduo, não vale nada. Só o pertencimento a um grupo de poder constitui direito. É um refinamento da lei do mais forte. 8- Aparelho jurídico se adapta, tornando-se permissivo para o Estado e rigoroso contra os inimigos do Estado, o povo. 9- Partidos se organizam em função de grupos pessoais de poder. 10- Retórica política desvia da representatividade direta e cidadania para a idealização total da nação no carisma do governante 11- Estabelece-se a ética privada ou de grupo como norma. A essência do Patrimonialismo é a corrupção da noção de Estado como esfera do público. 12- Teologia da pobreza, inclusive teologia da libertação. 13- Tendências modernizadoras esporádicas baseadas no tecnicismo ou burocratização do Estado Patrimonial.

Já para Fadul e Souza (2006, pág. 4), em termos de modelos de gestão

pública, o patrimonialismo moldou e consolidou algumas especificidades que o

caracterizou na administração pública como:

a) confusão daquilo que é público com o privado;

b) predomínio da vontade unipessoal do dirigente;

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c) cargos públicos como prebendas;

d) corrupção; e

e) servilismo.

Nesse sentido, segundo (Weber apud Diegues,2008 p. 29)

além da administração propriamente dita, cabe a todos os funcionários a

representação e o serviço pessoal, e em oposição à burocracia não

existe a especialização profissional;

o senhor recruta seus funcionários do círculo pessoalmente submetidos,

pois da obediência destes ele pode ter certeza absoluta, pois o serviço

prestado ao senhor oferecia às pessoas livres vantagens tão

consideráveis que estes se conformavam com a submissão;

ao cargo patrimonial falta, sobretudo a distinção burocrática entre a

esfera privada e oficial, pois também a administração política é tratada

como assunto puramente pessoal do senhor, e a propriedade e o

exercício de seu poder político, como parte integrante de seu patrimônio

pessoal;

a forma como o senhor exerce o poder é objeto de seu livre-arbítrio;

a utilização da dotação como uma prebenda ou feudo para os

funcionários patrimoniais;

De acordo com (Coelho apud Diegues 2008, pág. 31), ao se analisar

estas características, fica evidenciado que:

a) o direito do grupo prevalece sobre o direito individual;

b) a idéia de que a ―a união faz a força‖ é levada ao extremo, numa verdadeira

fragmentação social em que os numerosos grupos familiares compreendem a

si mesmos como defensores exclusivos de seus membros e se o direito é de

nós para nós, ele deve ser contra os outros.

1.2- Evolução conceitual do Patrimonialismo

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Com a herança político administrativa de Portugal o patrimonialismo

como modelo de gestão pública perdurou até a reforma burocrática no Brasil.

Entretanto, mesmo depois das reforma burocrática e até mesmo no

gerencialismo moderno (ultima reforma administrativa) algumas novas praticas

patrimonialistas foram introduzidas no modelo de Estado Democrático de

Direito. Abaixo seguem algumas práticas advindas do cerne do conceito

clássico de patrimonialismo.

Clientelismo - caracterizado por uma relação pessoal com os clientes,

sendo essa relação sustentada pelo vínculo de fidelidade pessoal,

partidária e de copaternidade, para citar apenas algumas dentre outras

expressões de proteção política e social - em contrapartida a essa

lealdade, são solicitados empregos, recursos políticos e ou financeiros,

dentre outros, e ofertados pelos patrões ou chefes políticos;

Populismo - caracterizado pelo contato direto entre o líder carismático e

a massa urbana - sendo o líder eleito através de um vínculo emocional e

não racional com o povo – e tem como principal mecanismo de governo,

um sistema de políticas ou métodos para a atração das classes sociais

de baixo poder aquisitivo, como forma de angariar votos e prestígio;

Fisiologismo - está intrinsecamente ligado à corrupção política e refere-

se a uma forma de relação de poder político em que as ações políticas e

decisões são tomadas em troca de favores, favorecimentos e outros

benefícios e interesses individuais;

Estatismo - definido como a tendência de se considerar o Estado como o

ordenador da sociedade e considerado como a principal marca no

relacionamento entre Estado e sociedade no contexto do

patrimonialismo brasileiro;

Coorporativismo- como um sistema de organização social no qual os

grupos são ―órgãos do Estado‖, ou seja, partes integrantes do Estado.

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Capitulo II

Análise do patrimonialismo na administração pública

do DF

2.1 Peculiaridades da estrutura político-administrativa do DF

Sendo objeto desta pesquisa o Distrito Federal, torna-se necessário a

análise do funcionamento da sua estrutura político-administrativa para

identificação de aspectos patrimonialista.

Brasília é a capital federal. Brasília é a capital da União, sediando,

também, o governo do Distrito Federal. Diz-se que Brasília é a capital da União

porque ela é a sede do governo federal, consistindo num autêntico núcleo

decisório da República Federativa do Brasil.

O Distrito Federal surge com a Constituição de 1891, da transformação

do antigo Município Neutro, sede do governo e capital do Império. Na CF/88, o

DF passa a integrar a Federação brasileira, sendo que antes não passava de

uma Autarquia territorial, tendo a relevante função de abrigar em seu território

Brasília, a Capital Federal.

Por ser um ente federado anômalo em nosso ordenamento pode-se

distinguir o DF por características impares em sua organização segundo a

Constituição Federal e a LODF:

O DF não é nem Estado, nem Município, mas tem as competências

legislativas de ambos.

É vedado ao DF dividir-se em Municípios.

O DF é dividido em Regiões Administrativas caracterizadas por serem

meras descentralizações administrativas, mas não políticas, uma vez

que é vedado ao DF dividir-se em Municípios. Atualmente são 31

Regiões Administrativas:

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O DF é pessoa jurídica de direito público interno, dotada de autonomia:

a) Auto-organização: o DF se auto-organizará por Lei Orgânica, votada em 2

turnos, com interstício mínimo de 10 dias, aprovada por 2/3 da Câmara

Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na CF. A

Lei Orgânica do DF constitui instrumento normativo primário destinado a

regular, de modo subordinante a vida jurídico-administrativa e político-

institucional do DF. Ou seja, a Lei Orgânica do DF equivale às Constituições

Estaduais .

b) Autogoverno: a Eleição direta do seu Governador e Vice-Governador, além

dos deputados distritais que comporão a Câmara Legislativa do DF, os quais,

de maneira autônoma, conduzirão a vida política distrital.

c) Auto-administração: Existência de órgãos e servidores públicos próprios,

integrantes da Administração Pública Distrital direta e indireta.

d) Autonomia tributária e financeira: O DF possui competência para instituir

tributos estaduais e municipais, além de contar com orçamento próprio.

Autonomia parcialmente tutelada pela União: O DF não tem

competência para organizar e manter o Poder Judiciário local, isso é

competência da União. A CF/88 determina que compete privativamente

à União organizar, manter e legislar sobre o Poder Judiciário, o

Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios.

Compete à União organizar e manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o

Corpo de Bombeiros do DF, bem como prestar assistência financeira ao

DF para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio –

Fundo Constitucional do Distrito Federal, Lei nº 10.633/02.

Ao DF são atribuídas as competências legislativas dos Estados e dos

Municípios.

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Segue abaixo a composição dos órgãos da administração pública do DF

nos três poderes segundo a SECPLAN/DF:

Poder Executivo

Tabela 1- Quantidade de órgãos do Poder Executivo do Distrito Federal em 2012.

Nome dos órgãos do Poder Executivo Quantidade

Governadoria 1

Vice-Governadoria 1

Órgãos Especializados 5

Administrações Regionais 31

Órgãos Relativamente autônomos 2

Autarquias 5

Autarquias em Regime Especial 5

Fundações 6

Empresas Públicas 7

Sociedades de Economia Mista 4

Total 101

Fonte: SECPLAN/DF 2012.

Poder Legislativo

Câmara Legislativa do Distrito Federal

Poder Judiciário (União)

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

Órgãos Independentes

Tribunal de Contas do Distrito Federal

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Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (União)

Depois de observar os principais conceitos e características do

patrimonialismo, como também a estrutura politico administrativa do DF, será

feito levantamento na legislação do DF e nos órgãos da administração pública

distrital, no intuito de identificar condutas patrimonialistas.

No DF os deputados distritais são geralmente eleitos por suas ―bases‖

nas cidades ―satélites‖1, ou seja, é o representante de determinada Região

Administrativa onde tem o maior volume de votos, eleitores. Entretanto, o

parlamentar pode ser votado por qualquer eleitor pertencente ao DF, segue-se

a lógica proporcional como na disputa pelo pleito estadual nas outras UFs.

Assim, forma-se a composição da Câmara Legislativa do DF com 24 deputados

eleitos pelo povo.

As eleições feitas para o governo do DF, também são feitas no mesmo

ano que as eleições para deputado distrital, dai surgem as já tão conhecidas

coligações partidárias para a integração ou continuação de um novo governo

uma nova gestão pública. Estabelecida às coligações há um verdadeiro

loteamento de cargos públicos no âmbito dos 101 órgãos do governo do

Distrito Federal, com o fulcro do Poder Executivo saciar as demandas da base

aliada do Poder Legislativo.

2.2 Cargos Públicos como prebendas2 no DF

1 O Decreto n° 19.040 de 18 de fevereiro de 1998. Proíbe a utilização de ‗satélite‖ para designar as cidades situadas no território do DF, nos documentos oficiais e outros documentos públicos no âmbito do GDF. 2 O termo foi utilizado por Max Weber, ao analisar os tipos de dominação. No patrimonialismo, que é uma forma de dominação tradicional, o aparelho de Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, de modo que a separação entre assuntos públicos e privados, entre patrimônio público e privado desaparece. O quadro administrativo é constituído de dependentes pessoais do governante - familiares ou agregados, amigos, pessoas ligadas a ele através de vínculos de fidelidade e troca de favores.

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Diante desse cenário é possível a análise no que tange a aspectos

patrimonialistas na LODF, no que se refere ao ingresso e composição de

servidores públicos no âmbito do DF:

Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, transparência das contas públicas, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte: (Caput com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 68, de 2013.)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

O concurso público é ferramenta de recrutamento e seleção advinda da

meritocracia (reforma burocrática) e pode ser considerado o rompimento mais

proeminente da antiga e supracitada maneira patrimonial de alocar pessoas no

serviço público (clássica prebenda), como também, uma forma mais

profissional de tratar o Estado.

Mas em análise a LODF e ao percentual nos órgãos distritais, a título

de manutenção da governabilidade o cargo comissionado é utilizado como

regra para a manutenção e funcionamento das instituições de governo e não

ao contrário. Na Administração Pública passada e recente do DF, em análise

do artigo 19 combinado com o inciso V, revela que a quantidade mínima para

cargos em comissão (livre provimento e nomeação, sem vínculo) é de 50%

para os órgãos da Administração Pública Distrital. É importante salientar que o

cargo comissionado é destinado apenas para atribuições de direção, chefia e

assessoramento.

O DF por sua vez utilizando-se da omissão regulamentar legislativa

para alocar esse percentual de 50%, engloba todo o Poder e não a

porcentagem legal em cada órgão dos Poderes, o que transforma os órgãos do

GDF numa anomalia administrativa, maculando veementemente a

razoabilidade e moralidade princípios basilares da LODF e da CF/88.

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A situação ficou tão insustentável com percentuais tão discrepantes

nos órgãos do Executivo Distrital, que a mídia e os diversos meios de

comunicação pressionaram o governo a regulamentação, e no ano de 2012 o

GDF decidiu regulamentar o artigo da LODF. Tendo o governo à maioria na

Câmara dos Deputados o Projeto de lei foi discutido e aprovado, mas foi

aprovado ratificando a conduta patrimonialista existente ao invés de consagrar

os 50% para cada órgão. Segue abaixo o trecho específico da lei :

LEI Nº 4.858, DE 29 DE junho DE 2012. Publicação DODF nº 128, de 02/07/12.

Págs. 1 e 2.

Regulamenta, no Poder Executivo, o art. 19, inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal e dá outras providências.

Art. 2º Pelo menos cinquenta por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

§ 3º A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.

Com o respaldo legislativo, regulando questão tão polêmica segue

abaixo tabela com o resumo do percentual quantitativo de servidores

comissionados no ano de 2013, que não pertencem ao quadro efetivo no

Âmbito da Administração Pública do DF nos Três poderes (Poder Judiciário e

MPDFT pertencem a União):

Tabela 2- Percentual de comissionados sem vínculo nos Poderes do DF.

Poder / Órgão DF Percentual de comissionados

(sem vínculo)

Câmara Legislativa do DF 77,2%

Governo do Distrito Federal 48,2%

Tribunal de Contas do DF 30,3%

Tribunal de Justiça do DF e Territórios 1,2%

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(União)

Ministério Público do DF e Territórios

(União)

5%

Fonte: Correio Brasiliense, Helena Mader (09/01/2014).

A primeira constatação e a enorme diferença de percentual de

comissionados sem vinculo dos órgãos atuantes no DF que pertencem a União

como o MPDFT (5%) e o TJDFT (1,2%). Realidade é muito diferente quando se

trata do Poder Legislativo, dos 1.070 servidores comissionados da Câmara

Legislativa 826 foram indicados por políticos da Casa.

Já no Poder Executivo, que é o maior provedor de servidores por sua

essencial missão na LODF abarca o maior contingente de servidores públicos e

é principalmente nesse Poder aonde incide a utilização da máquina pública

como ―moeda de troca‖ para as coligações político-partidárias. O limite de 50%

de acordo com a Lei Distrital 4858/2012 aprovada, esta sendo respeitada pelo

GDF (17.635 mil servidores sem concurso em cargos em comissão equivalente

a 48,2%). Entretanto, essa delimitação é na composição geral dos órgãos do

Executivo Distrital, segue abaixo a título de exemplo alguns órgãos do

Executivo e o número de servidores comissionados (sem vínculo) no ano de

2013:

Tabela 3- Percentual de Comissionados sem vínculo em alguns Órgãos do GDF.

Algumas Secretarias Percentual Comissionados

(sem vínculo)

Micro e Pequena Empresa 91%

Mulher 78%

Assuntos Estratégicos 92%

Comunicação Social 92%

Entorno 93%

Justiça 79%

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Regularização e Condomínios 84%

Trabalho 87%

Transportes 73%

Copa 85%

Idoso 98%

Alguns Órgãos Percentual Comissionados

Arquivo Público 60%

Ceasa 58%

Codhab 85%

Codeplan 65%

Terracap 55%

Novacap 89%

DFtrans 63%

Iprev 82%

Fonte: Correio Brasiliense, Helena Mader (08/01/2014).

Tal disparidade foi tamanha e tão desproporcional que o Ministério

Público do Distrito Federal e Territórios, entrou com uma Ação Direta de

Inconstitucionalidade em relação ao §3º do art. 2º da Lei Distrital nº 4.858, de

29/06/12, abaixo segue um trecho do argumento fundamentado utilizado pela

Procuradora de Justiça, Dra. Zenaide Souto Martins:

Em outras palavras, o tratamento dado ao tema pela Lei 4.858, em lugar de maximizar a eficácia da norma constitucional para toda a Administração Pública, enseja que a Carta Política local valha nada para alguns e mais do que preceitua para outros. Certamente, não é essa a orientação fixada pelos postulados da razoabilidade e da moralidade. Não há como admitir o entendimento ao mandamento constitucional na apuração em exercício de atividade puramente discricionária do Poder Público, dependente da escolha do Administrador onde serão providos cargos em comissão com servidores efetivos ou onde

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se permitirá o ingresso de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público. Ao assim preceituar o modo de apuração do quantitativo de cargos em comissão, o legislador distrital contrariou exatamente o mencionado topoi que impede, no exercício da atividade de conformação de preceito constitucional, a devolução da atividade regulamentadora à discricionariedade administrativa. Essa devolução, que frustra o preceito constitucional, substancia a ora apontada contrariedade aos postulados da moralidade e da razoabilidade, igualmente consagrados no art. 19 da LODF.

Por Unanimidade o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do §3º do art. 2º

da Lei Distrital nº 4.858, de 29/06/12, com efeitos ex-tunc e eficácia erga

omnes. Declarada a inconstitucionalidade da lei, o Tribunal de Contas do DF e

o MPDFT passaram a exigir o patamar de 50% para cada órgão do Executivo.

Vejamos trechos do voto do relator do processo Desembargador J .J. Costa

Carvalho:

Apesar de o Governador defender que a definição do percentual é de sua competência, em razão da governabilidade, é importante esclarecer que a insurgência não é dirigida ao número em si, mas à forma de distribuição dos servidores comissionados dentro da Administração Pública. O percentual, inclusive, é previsto originariamente na Lei Orgânica. A disposição legal impugnada, ao determinar que a base de incidência é o total de cargos comissionados da Administração, esvazia a disposição prevista na LODF, que, ao prever que metade dos cargos comissionados deve ser preenchido por servidores efetivos, busca uma proporcionalidade em cada órgão ou entidade individualmente considerados, evitando a prevalência de servidores sem vínculo em detrimento dos concursados. Além disso, o parágrafo 3º do art. 2º da Lei 4.858/2012 viola os princípios constantes do caput do art. 19, segundo o qual “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público...”. Em que pese a própria Constituição Federal garantir o cargos comissionados, buscando conciliar a regra do concurso público e a governabilidade, a exceção não pode virar regra, ainda que somente em alguns órgãos da Administração, ainda mais porque tais cargos são reservados às atribuições de chefia, assessoramento e direção.

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Com efeito, o dispositivo legal não é razoável, porque restringe a norma constitucional, afastando a sua eficácia no âmbito da Administração Pública. Tampouco é proporcional, porque, a pretexto de manter a governabilidade, fulminaria com outros valores constitucionais, como a regra do concurso público. Conforme ensina Pedro Lenza, ―sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo preendido, supera a restrição de outros valores constitucionalizados‖. O artigo também viola o princípio da moralidade, porque, mesmo em se entendendo necessária uma margem de discricionariedade e flexibilidade na condução da política, não é crível admitir que algumas das estruturas da Administração sejam ocupadas integralmente por servidores não efetivos. No linguajar popular, em muitos órgãos da Administração existiriam mais chefes que subordinados! É importante enfatizar que a moralidade administrativa, também prevista na CF, não está sujeita a uma análise de oportunidade e conveniência; ao contrário, sujeita-se a uma aferição de ilegalidade. Na visão da doutrina, a ―moralidade administrativa independe da concepção subjetiva (pessoa) da conduta moral, ética, que o agente público tenha; importa, sim, a noção objetiva, embora indeterminada, passível de ser extraída do conjunto de normas concernentes à conduta de agentes públicos, existentes no ordenamento jurídico‖.

Todavia mesmo com a derrocada do §3º do art. 2º da Lei Distrital nº

4.858, de 29/06/12, e a obrigatoriedade de se respeitar o percentual de 50%

(cargos comissionados sem vínculo em cada órgão e não no Poder como um

todo) gerou descontentamento por parte do Governo e de muitos

parlamentares. Tal medida enfraqueceria as barganhas políticas entre os

Poderes, pois, a criação ou mesmo a transformação de órgãos eminentemente

para atendimento de demandas políticas acabariam ou no mínimo se

enfraqueceria.

Então em agosto de 2013, o GDF enviou o Projeto de Emenda da Lei

Orgânica N°57/2013 que altera diversos dispositivos da LODF, para adapta-la a

Constituição da República Federativa do Brasil, entretanto, em meio a tantas

modificações no projeto, surge na Comissão Especial para Análise das

Propostas de Emenda a Leio Orgânica o Parecer n° 2 CEPGLO/2014, que

configura nova tentativa temerária de se estabelecer a distribuição da

porcentagem global de servidores comissionados ao Poder, o parecer foi

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aprovado pelos parlamentares da Comissão. Vejamos o argumento utilizado na

questão exarado pela relatora do projeto, Deputada Distrital Arlete Sampaio:

Relativamente à terceira inovação proposta na PELO n.

57/2013, a consideramos igualmente meritória. Pretende o

novel paragrafo 9 do art. 19 que a apuração do percentual de

que trata o inciso V do mesmo artigo seja feita em relação ao

somatório dos cargos em comissão providos na administração

direta, autárquica e fundacional de cada Poder. Ora, a forma de

cálculo proposta harmoniza-se com o parâmetro federal, fixado

pelo Decreto Presidencial n. 5.497, de 21 de julho de 2005,

cujo art. 1°, paragrafo 4°, determina que os percentuais dos

cargos em comissão providos por servidores de carreira sejam

aferidos em relação ao conjunto de órgãos e entidades da

Administração Pública Federal. Por total compatibilidade com o

modelo adotado na esfera federal é que consideramos

meritória, no ponto, a inovação PELO n. 57/2013.

2.2 Administração Regional “cabide de emprego”

A atipicidade da figura da Administração Regional abre margem à ampla

discricionariedade por parte do Poder Executivo, que faz uso desse órgão para

suprimento de demandas políticas, segue abaixo trecho da LODF sobre as

Administrações Regionais:

Art. 10. O Distrito Federal organiza-se em Regiões Administrativas, com vistas à descentralização administrativa, à utilização racional de recursos para o desenvolvimento socioeconômico e à melhoria da qualidade de vida.

§ 1º A lei disporá sobre a participação popular no processo de escolha do Administrador Regional.

Art. 11. As Administrações Regionais integram a estrutura administrativa do Distrito Federal.

Art. 12. Cada Região Administrativa do Distrito Federal terá um Conselho de Representantes Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras, na forma da lei.

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Art. 13. A criação ou extinção de Regiões Administrativas ocorrerá mediante lei aprovada pela maioria absoluta dos Deputados Distritais.

Por mais de vinte anos essas leis ainda não foram editadas por parte do

Poder Legislativo. A inercia do Executivo local em todo esse tempo em propor

um projeto de lei para regulamentação da questão foi objeto de análise que

culminou na proposição de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, uma

impetrada pelo MPDFT outra pela OAB/DF. O TJDFT acatou por unanimidade

o pleito. Faz-se mister as palavras do desembargador relator da ADI Dr.

George Lopes Leite ―O que temos hoje tem se demonstrado um desastre. As

administrações não podem servir como cabide de empregos, mas são um

instrumento de extrema importância para o cidadão”.

Segue abaixo a notícia extraída do site do TJDFT no qual se refere à LODF:

Em sessão realizada nesta terça-feira, 14/1/2014, o Conselho Especial do TJDFT julgou procedente duas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão e determinou ao chefe do executivo local o prazo de 18 meses para elaboração e encaminhamento de projeto de lei sobre participação popular na escolha de administrador regional e formação de conselho de representantes comunitários. A decisão foi por maioria de votos e o prazo começa a contar a partir da comunicação do acórdão. Em seguida foi julgado um mandado de injunção sobre o mesmo assunto, que foi julgado extinto, por perda superveniente do objeto.

Uma das ações tinha como autor a Procuradoria-Geral de Justiça do Distrito Federal e a outra, o Conselho Seccional da OAB/DF. Devido à conexão dos pedidos foi feita a reunião dos processos. O objetivo das ações foi sanar omissão do governador do DF em deflagrar o processo legislativo de elaboração e aprovação de lei regulamentadora dos artigos 10, § 1º e 12, da Lei Orgânica do Distrito Federal, que determinam a participação popular na escolha do Administrador Regional e formação de Conselho de Representantes Comunitários de cada Região Administrativa da capital federal. Os autores alegam que a Lei Orgânica do DF conferiu privativamente àquela autoridade a iniciativa de lei para estruturar e organizar os órgãos e entidades da administração pública direta e os cargos e servidores de sua composição e que o Supremo Tribunal Federal reputou constitucional a determinação ao julgar a ADI 2.558. Por isso, requereram a procedência da ação para que fosse reconhecida a mora legislativa, fixando-se

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prazo para o governador encaminhar o projeto de lei que regulamente os dispositivos da LODF.

De acordo com o voto do relator, os artigos 10, § 1º e 12, da Lei Orgânica do Distrito Federal são dispositivos de eficácia limitada, que precisam de lei para produzir efeitos, cabendo ao chefe do poder executivo elaborar a norma regulamentadora. O magistrado afirmou que a participação popular é um requisito exigido pela lei e sem ela o resultado pode ser desastroso. Segundo ele, não pode haver burla de exigência de caráter constitucional, pois a exigência de participação popular serve para impedir abusos e desvios de finalidade.

A maioria dos desembargadores do Conselho Especial acompanhou o voto do desembargador relator.

Tal medida busca sanear anomalia patrimonialista já estabelecida no

âmbito da escolha do administrador regional. O administrador regional é

nomeado pelo Governador do DF. Entretanto, com o fito de estabelecer

coligações político partidárias, a escolha do administrador é realizada na

maioria das vezes por indicação do Deputado Distrital integrante da base aliada

do governo que escolhe pessoa de confiança para dar continuidade aos

interesses políticos eleitorais na RA acordada com o governo.

Geralmente o deputado que tem maior votação em determinada RA e

faz parte da base aliada indica o administrador que é uma espécie de ―braço

direito‖ do Deputado ou importante figura no cenário político local. Os outros

cargos dentro da RA por sua vez, são distribuídos entre a equipe desse

deputado, transformando a Administração regional em um ―cabide de emprego‖

para ―cabos eleitorais‖, distanciando-se assim da finalidade de servir o público

para servir interesses de poder, ocasião típica advinda do patrimonialismo e

suas novas adaptações ao Regime Democrático de Direito classificadas como

fisiologismo e clientelismo.

Segue abaixo o número assustador de servidores comissionados sem

vínculo nas administrações regionais:

Tabela 4- Percentual de Comissionados sem vínculo nas Administrações Regionais.

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Administração Regional Percentual de comissionados

sem vínculo

Ceilândia 87,00%

Fercal 93,00%

Águas Claras 94,00%

Brasília 93,00%

Brazlândia 80,00%

Candangolândia 86,00%

Planaltina 88,00%

Samambaia 85,00%

Santa Maria 94,00%

São Sebastião 91,00%

Sobradinho 87,00%

Sobradinho II 88,00%

Taguatinga 91,00%

Cruzeiro 94,00%

Gama 90,00%

Guará 96,00%

Itapoã 91,00%

Jardim Botânico 91,00%

Lago Norte 87,00%

Lago Sul 91,00%

Núcleo Bandeirante 85,00%

Paranoá 92,00%

Park Way 90,00%

Recanto das Emas 89,00%

Riacho Fundo 92,00%

Riacho Fundo II 90,00%

SCIA 89,00%

SIA 96,00%

Vicente Pires 90,00%

Sudoeste/Octogonal 98,00%

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Fonte: Correio Brasiliense, Helena Mader (08/01/2014).

Em análise realizada de ambos os casos tanto da comissão legislativa

na utilização de cargos públicos como prebendas, como da omissão legislativa

para postergar a participação popular na indicação do administrador regional,

patenteiam o resquício secular do patrimonialismo na Administração Pública do

DF.

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CAPÍTULO III

Consequências do patrimonialismo na

administração pública do DF

Por intermédio da análise do patrimonialismo na estrutura da

administração pública do DF, foi possível encontrar aspectos dessa arcaica

forma de gerir o Estado principalmente no que tange à forma de alocação de

pessoas no serviço público, como também, na sua estrutura organizacional

descentralizada (as Administrações Regionais).

3.1 Amadorismo na prestação do serviço público

A primeira consequência dessa prática é o amadorismo na prestação do

serviço público. Como visto acima, constatou-se um grande percentual de

servidores comissionados sem vínculo como maioria do quadro de servidores

em vários órgãos do DF. Essa desproporcionalidade constatada gera

consequências no âmbito da prestação de serviços públicos,

desprofissionalizando a máquina pública em detrimento da utilização dos

órgãos para alocar pessoas como ―moeda de troca‖ para apoios politico-

partidários.

Para efeito de amostragem, utilizando o Relatório Anual de Atividades da

Ouvidoria Pública do DF, na tipologia Reclamações as maiores reclamações no

ano de 2013, estão associadas ao transporte público, vejamos o quadro abaixo:

Tabela 5- Quantitativo e Ranking de Reclamações na Ouvidoria do GDF 2013.

Ranking Reclamações 56216 100,00%

DESCUMPRIMENTO DE HORÁRIO NA PARADA DE ÔNIBUS 3253 6,29%

MÁ CONDUTA DO MOTORISTA DE ÔNIBUS 2836 5,48%

FALTA DE PONTUALIDADE DO TRANSPORTE 1946 3,76%

MAU ATENDIMENTO EM UNIDADE DE SAÚDE 1647 3,18%

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DIFICULDADE NO AGENDAMENTO DA CONSULTA 1551 3,00%

RECLAMAÇÃO SOBRE POLUIÇÃO SONORA 1513 2,92%

FALTA DE ÔNIBUS 1485 2,87%

FALTA DE MEDICAMENTO NA REDE SUS 1207 2,33%

FALTA DE ESPECIALIDADE MÉDICA 874 1,69%

ATENDIMENTO INADEQUADO EM ÓRGÃO PÚBLICO 869 1,68%

Fonte: Relatório Anual de Atividades da Ouvidoria Pública do DF ano de 2013.

Obviamente os fatores que levaram os cidadãos as reclamações são

multifatoriais, entretanto, com esse dado é possível estabelecer uma relação

com a falta de profissionalização do órgão destinado a formular, executar e

monitorar as políticas públicas de transporte, ou seja, a Secretaria de

Transportes, que como evidenciado acima possui 73% do quadro de servidores

públicos comissionados sem vínculo o que acaba direta ou indiretamente

afetando a qualidade na prestação de serviços públicos, podendo ser

considerado como um ―órgão político‖ de atendimento a demanda política, pois,

é bastante desproporcional o número de servidores comissionados.

Nesse mesmo quadro é importante salientar o relevante número de

reclamações a respeito do atendimento em órgão público, 859 cidadãos

formalizaram reclamações a respeito do atendimento.

Outro dado do relatório é a estatística no que se refere à Órgãos

Demandados. Fazendo a mesma análise acima podemos observar que os

órgãos mais demandados do DF, possuem relação com o número de

servidores comissionados sem vínculo, muito maior que o estipulado na lei, o

que nos remete a falta de qualidade na prestação de serviço publico do órgão

devido a politização das instituições. Vejamos abaixo:

Tabela 6- Órgãos mais demandados na ouvidoria do GDF e o número de servidores

comissionados sem vínculo.

Classificação dos Órgãos

mais demandados do DF

na Ouvidoria.

Número/Porcentagem de

demandas a Ouvidoria

Porcentagem de

servidores

comissionados sem

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vínculo

2° lugar DFtrans 15. 919 / 13,73% 63%

3° lugar Novacap 11.022 / 9,55% 89%

Fonte: Fonte: Relatório da Ouvidoria do DF 2013/ Correio Brasiliense Helena Mader.

Ainda utilizando o relatório da ouvidoria na tipologia Denúncias, é

constatado que as maiores denúncias se referem a obras, invasões e

construções irregulares, segue o quadro abaixo:

Tabela 7- Quantitativo e Ranking de Denuncias na Ouvidoria do GDF.

Ranking Denúncias 9608 100,00%

CONSTRUÇÃO IRREGULAR DE OBRAS PRIVADAS 1351 14,83%

INVASÃO DE ÁREA PÚBLICA 1003 11,01%

OBRA / EDIFICAÇÃO SEM ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO 391 4,29%

INVASÃO DE ÁREA PÚBLICA RESIDÊNCIAL 263 2,89%

DESCUMPRIMENTO DA CARGA HORÁRIA 262 2,88%

DENUNCIA DE IRREGULARIDADE DE UNIDADE EDUCACIONAL 237 2,60%

ABUSO DE AUTORIDADE PRATICADO POR SERVIDOR PÚBLICO 218 2,39%

USO INDEVIDO DE VEÍCULO OFICIAL 209 2,29%

VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO 190 2,09%

CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA PÚBLICA 187 2,05%

Fonte: Relatório Anual de Atividades da Ouvidoria Pública do DF ano de 2013.

Interessante notar que um aspecto da área social foi configurado na

estatística de denúncias, a violência contra o idoso 190 pessoas denunciaram,

parece pouco expressivo, entretanto, esse dado foi formalizado e é incomum

esse tipo denúncia ao órgão de ouvidoria o que nos remete a melhorias nas

politicas públicas de proteção ao idoso. Mais incomum ainda é a criação de

uma Secretaria específica para atendimento das demandas do idoso, atitude

louvável se não fosse o interesse eminentemente político. Nota-se claramente

essa intenção por intermédio do quantitativo de servidores comissionados na

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Secretaria (98% comissionados sem vínculo), o que acaba interferindo na

qualidade dos serviços.

3.2 Corrupção

Outra distorção advinda do patrimonialismo é a corrupção. Uma chaga

extremamente contumaz na história recente do DF. Praticamente em todas as

gestões como na atual, existem condutas que se transformam em processos

por práticas subversivas a moralidade apregoada na CF/88 e LODF, seja por

ação ou omissão na gestão da coisa pública e dos recursos públicos. A

corrupção no DF chegou a patamares tão altos que no ano de 2010 o

Procurador Geral da República, à época Roberto Gurgel, formulou parecer

pedindo Intervenção Federal no DF, segue abaixo trechos do parecer:

Cumpre enfatizar que a intervenção não é uma violência aos poderes constituídos; ao contrário, é um remédio para situações de ―metástase institucional‖, como bem qualificou o Presidente do Supremo Tribunal Federal. Violência, de fato, foi a ação prévia não só de irresponsabilidade como de crime coletivo cometido pelos agentes públicos, bem assim a notória indolência quanto ao encargo de apurar responsabilidades.

Violência à autonomia é, sob a aparência da normalidade institucional, pretender a locupletação do bem público e a perpetuação da irresponsabilidade administrativa, política e criminal. É o fato de a Câmara não só participar, como negar-se peremptoriamente – por seus atos protelatórios e contrários às exigências constitucionais – a cumprir seus deveres apuratórios.

Abaixo interessante trecho utilizado no parecer para Intervenção Federal do

documento recebido de líderes comunitários do DF a respeito da corrupção:

A corrupção é ruim não apenas porque é proibida por lei. Não só porque representa ameaça ao dinheiro público. Muito mais grave, a corrupção é ruim, sobretudo, porque solapa a confiança mútua que deve sustentar a sociedade entre pessoas. Este o sentido clássico do termo: numa sociedade corrupta, a depravação estabelece-se como parâmetro, e a

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conduta ética é vista como uma excentricidade, quando não como motivo de risadas. Como elucida Renato Janine Ribeiro, acerca da corrupção como um dos maiores 'inimigos da república':

'Qual a sua ideia de corrupção? É quase certo que você fale em desvio, por um administrador desonesto, do dinheiro público.

É a ideia que se firmou hoje em dia. Mas, antes disso, a corrupção era termo mais abrangente, designando a degradação dos costumes em geral. (...)

Pensar o mau político como corrupto e, portanto, como ladrão simplifica demais as coisas. É sinal de que não se entende o que é a vida em sociedade. O corrupto não furta apenas: ao desviar dinheiro, ele mata gente. Mais que isso, ele elimina a confiança de um no outro, que talvez seja o maior bem público. A indignação hoje tão difundida com a corrupção, no Brasil, tem esse vício enorme: reduzindo tudo a roubo (do 'nosso dinheiro'), a mídia ignora – e faz ignorar – o que é a confiança, o que é o elo social, o que é a vida republicana‖.

Analisando o incrível número de servidores comissionados sem vínculo

nas Regiões Administrativas observamos que a qualidade na prestação do

serviço público fica comprometida e esse é um fator que contribui

demasiadamente para desprofissionalização dos serviços. Essa questão de

utilização das RAs como ―cabide de emprego‖, e a nomeação aleatória do

administrador regional, influenciou direta ou indiretamente no recente caso de

corrupção deflagrado pela operação Átrio da Policia Civil em conjunto com o

MPDFT:

Na manhã desta quinta-feira, dia 7 de novembro de 2013, os promotores de Justiça Criminais de Taguatinga, com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e da Delegacia Especializada de Combate ao Crime Organizado (Deco) da Polícia Civil do DF, cumpriram dois mandados de prisão temporária, dez mandados de condução coercitiva e buscas e apreensões em 13 endereços. A Operação Átrio atende a decisão da 2ª Vara Criminal de Taguatinga.

As investigações envolvem corrupção de agentes públicos por violarem exigências urbanísticas e ambientais referentes a diversos empreendimentos imobiliários nas Regiões Administrativas de Taguatinga e Águas Claras. Além da concessão ilegal de alvarás, os empreendimentos causaram danos urbanísticos, provocando transtornos à população local. O Ministério Público ressalta que as pessoas presas

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temporariamente e conduzidas à Delegacia, assim como aquelas contra as quais foram executadas ordens de busca e apreensão em seus domicílios ou residências, são presumidamente inocentes até prova em contrário. Fonte: MPDFT

Em análise as RAs investigadas criminalmente a Administração Regional

de Taguatinga possui um quantitativo de 91% de servidores comissionados

sem vínculo, já a Administração Regional de Águas Claras possui um

quantitativo de 94%. Ambas com índices extremamente desproporcionais ao

estabelecido lei, chefiadas por administradores que não tiveram a legitimidade

popular direta.

3.3 Ensaios a ruptura do resquício patrimonialista no DF

Os exemplos acima demonstram a título de amostragem como a

politização dos órgãos afeta na qualidade do serviço publico ao usuário final, o

cidadão, e que esse amadorismo é perceptível e apontado pela população.

Isso sem mencionar as inúmeras reclamações, denúncias e queixas que não

são formalizadas pelo povo. A seguir algumas elucubrações referentes a

problemática do patrimonialismo no DF:

Regulamentação da LODF e Votação Direta para Administrador

Regional

No campo da legislação do DF, diversas são as leis que corroboram

para o patrimonialismo as chamadas ―brechas legislativas‖. Objetivamente

identificada seria a mudança ou a regulamentação de alguns pontos da LODF,

principalmente no que tange a nomeação do Administrador Regional ter a

legitimidade da população da RA por intermédio do escrutínio direto, acabando

com as ―costuras políticas‖ entre Legislativo e Executivo na nomeação do

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administrador local, o que melhoraria para ambos os poderes a finalidade na

alocação de servidores para as instituições do estado.

Abertura de concurso público nos Poderes Legislativo e Executivo.

Notadamente verificam-se ilhas de excelência onde existe maior número

de servidores estatutários, para melhorar a situação nas administrações

regionais, nas secretarias e no parlamento do DF, é condição sine qua non a

abertura de concurso público, recrutar e selecionar cidadãos a investidura

pública por mérito e não para saciar conluios políticos partidários. Preceito já

consolidado no Brasil nas reformas burocrática e gerencial. Isso para começar

a desconstruir a cultura arcaica e perniciosa do fisiologismo e clientelismo na

alocação de pessoas no DF. E principalmente o respeito a norma de no

máximo apenas 50% dos servidores sem vínculos em cada órgão do Poder

Executivo.

Mudança Cultural

O constante atentado à moralidade também é ponto comum no DF e a

resoluão para estigma do patrimonialismo seria mudança na cultura dos

agentes políticos e depois nas instituições e órgãos, deixar da ter como

prioridade a manutenção no poder para dispor dos recursos públicos com o fito

única e exclusivamente ao bem estar da população, obviamente para isso é

necessário um processo de amadurecimento paulatino na conduta ético moral

de todo aquele que pleiteie e esteja investido de uma função pública.

Os aspectos analisados são os mais proeminentes, pois o

patrimonialismo é resquício histórico cultural no modo de gerir a coisa pública

que abarca a conjectura politica, social, administrativa, constitucional e

sociológica do DF e do Brasil.

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CONCLUSÃO

O patrimonialismo no Brasil é herança do antiquado modelo de gestão

proveniente ainda do império português, com as reformas constitucionais e

administrativas as características patrimoniais foram diluindo-se, entretanto,

não desapareceram. No intuído de encontrar características do patrimonialismo

na gestão pública de uma atual Unidade da Federação essa pesquisa

constatou o modus operandi patrimonial em algumas práticas administrativas

executadas na LODF e outras legislações principalmente no que tange a

organização administrativa e alocação de pessoas ao serviço público do DF.

Por ser um ente federado anómalo, o DF, possui peculiaridades que

aumentam a discricionariedade do Poder Executivo, como também o dota de

maior autonomia administrativa, por intermédio da criação das Regiões

Administrativas. Numa análise com dados secundários foi encontrado na

LODF diversas normas de eficácia contida e limitada, como a participação

popular na nomeação do Administrador Regional e a questão do percentual da

nomeação de servidores comissionados sem vínculo.

Na análise efetuada referente à organização administrativa do DF

verificou-se o fisiologismo e o clientelismo, no intenso intercâmbio político

partidário entre os Poderes Executivo e Legislativo e a falta de legitimidade na

nomeação dos Administradores Regionais. No que diz respeito à forma de

ingresso de pessoas ao serviço público encontrou-se a omissão legislativa, a

utilização de órgãos públicos como prebendas os ―cabides de empregos‖ com

percentuais elevadíssimos de servidores que não constam nos quadros efetivo

dos órgãos. Essas condutas são típicas do passado patrimonial, onde a

finalidade do ato público era motivado por interesses particulares.

Outros aspectos relevantes revelado na pesquisa foram às

consequências geradas pela conduta patrimonial, que se destacam duas: o

amadorismo na prestação de serviços públicos e a corrupção. Fruto da

essência do patrimonialismo ambas as condutas são a discrepância mais

evidente desse modo de gerir a coisa pública, a finalidade de qualquer ato

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público é a de servir a coletividade e com o estilo patrimonial ainda vigente no

―espírito‖ dos agentes públicos ao longo da curta história do DF, essas

condutas imorais tornam-se incompatíveis com os anseios cada vez mais

apurados da população, que almeja o serviço público probo e de qualidade.

Situação essa geradora de diversos descontentamentos por parte do

povo que se materializa por meio de petições, reclamações e até

manifestações em vias públicas. Em divagações sobre a problemática foi

sugerida uma mudança cultural holística, no que se refere a medidas de curto

prazo são sugeridas mudanças pontuais como o respeito às determinações

judiciais, regulamentação dos artigos LODF e votação direta para administrador

regional e a abertura de concurso público para os poderes Executivo e

Legislativo.

Cabe ressaltar que a análise do patrimonialismo é extremamente

profunda e abrangente remonta toda vivencia histórica- cultural da origem e

formação do país, os aspectos analisados são algumas das muitas evidências

dessa chaga e a resolução de problema tão enraizado no amago das

instituições seria a radical mudança não só de algumas legislações, mas

principalmente no ―espírito público‖ dos agentes políticos a mudança no ―fazer

política‖ no DF, com modificação sistêmica também em âmbito nacional.

Assim, foi evidenciado e caracterizado o patrimonialismo e suas

consequências perniciosas na prestação de serviço público a população do DF.

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ANEXOS

Anexo I - Decisão completa da ADI pelo TJDFT , Acordão 713958.

Órgão : CONSELHO ESPECIAL

Classe : AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

N. Processo : 2012 00 2 016845 4

Requerente (s) : PROCURADORA-GERAL DO DISTRITO FEDERAL e TERRITÓRIOS

Apelado (a) (s) : GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL E OUTROS

Relator Des. : J. J. COSTA CARVALHO

Acórdão N. : 713958

EMENTA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – SUSCITAÇÃO PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÂMETRO DA AÇÃO (ART. 19, V, DA LEI ORGÂNICA) – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – NORMA DE CARÁTER ESTADUAL EM RELAÇÃO À CONSTITUIÇÃO FEDERAL - COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PREVISÃO DO PARÁGRAFO 3º DO ART. 2º DA LEI DISTRITAL 4.858/2012 – REGULAMENTAÇÃO DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL - PREENCHIMENTO DE CARGOS COMISSIONADOS NA ADMINISTRAÇÃO DO DF – CRITÉRIO LEGAL QUE CONSIDERA A DISTRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES EFETIVOS E NÃO EFETIVOS EM RELAÇÃO AO TOTAL DE CARGOS COMISSIONADOS NA ADMINISTRAÇÃO E NÃO EM RELAÇÃO A CADA ÓRGÃO – DISTORÇÃO E INVERSÃO DA LÓGICA ESTABELECIDA NA LEI ORGÂNICA –

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OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA PROPRCIONALIDADE.

1. É possível ao Tribunal de Justiça a apreciação da constitucionalidade de leis estaduais e municipais em face da Constituição Federal apenas em se tratando de controle difuso. Não cabe o acolhimento de pedido de declaração de inconstitucionalidade em tese de artigo da Lei Orgânica do Distrito Federal, que possui natureza jurídica equivalente a de constituição estadual, sob pena de implicar usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe precipuamente a guarda da Constituição Federal e o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

2. É inconstitucional disposição legal que estabelece que o percentual previsto na Lei Orgânica do DF para o preenchimento de cargos em comissão deve ser considerado em relação ao total de cargos existentes na Administração Pública, por subverter a lógica advinda da hermenêutica constitucional no sentido de que deve haver paridade entre servidores efetivos e não efetivos em cada órgão administrativo.

3. A previsão de ocupação de cargos comissionados por servidores não concursados, ainda que tenha por objetivo garantir um mínimo de governabilidade, não pode suprimir a regra geral do acesso ao cargo mediante concurso público. A lei, ao possibilitar que um determinado órgão contemple, em quase sua integralidade, apenas servidores não concursados, ofende também os princípios da proporcionalidade e da moralidade administrativa.

4. Pedido julgado procedente. Declaração de inconstitucionalidade em tese, com efeitos ex tunc e erga omnes do artigo de lei.

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ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores do CONSELHO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, J. J. COSTA CARVALHO Relator, SANDRA DE SANTIS, FLAVIO ROSTIROLA, ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, JAIR SOARES, VERA ANDRIGHI, MARIO-ZAM BELMIRO, GEORGE LOPES LEITE, JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, JOÃO EGMONT, ROMÃO C. OLIVEIRA, LECIR MANOEL DA LUZ, ROMEU GONZAGA NEIVA, CARMELITA BRASIL e SÉRGIO BITTENCOURT - Vogais, sob a presidência do Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT, em REJEITAR A PRELIMINAR, UNÂNIME, E JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3° DO ARTIGO 2º DA LEI DISTRITAL 4.858, DE 29/06/2012, COM EFEITOS EX-TUNC E EFICÁCIA ERGA OMNES, MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 25 de junho de 2013

Des. J. J. COSTA CARVALHO

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em

face do parágrafo 3º do artigo 2º da Lei Distrital nº 4.858/2012:

“Art. 2º. Pelo menos cinquenta por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

(...)

§ 3º. A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.”

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Segundo a autora, o modo de apuração estabelecido no § 3º

do art. 2º é inconstitucional, por gerar grave distorção e restrição do alcance da noma

prevista na Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF), segundo a qual pelo menos 50%

dos cargos em comissão devem ser preenchidos por servidores da carreira (art. 19,

V). Assim, ―ao determinar que a apuração dos cargos em comissão observe „o total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional

do Poder Executivo‟, o dispositivo legal dá azo a que este ou aquele órgão ou

entidade do Distrito Federal, em lugar de observar o preceito constitucional,

simplesmente se valha da integralidade de cargos em comissão em favor de

pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público‖.

Com base nessa premissa, a autora requer a procedência do

pedido, para se declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do art. 2º da Lei

4858/2012, com efeitos ex tunc e erga omnes.

A Mesa Diretora da Câmara Legislativa do Distrito Federal

prestou informações, aduzindo que não entende como inconstitucional o dispositivo

atacado, além de que ―a interpretação ou modo de cálculo que o autor da ação

direta busca destacar como única possível a partir do texto constitucional é, em

alguns casos, absurda, pois a depender do que se entenda por órgão – pode-se

chegar a estruturas mínimas – simplesmente não há como cumprir a regra de

reserva‖ (fls. 24/26).

O Governador do Distrito Federal também prestou

informações, suscitando preliminarmente a inconstitucionalidade do parâmetro

utilizado na ação direta de inconstitucionalidade, pois é o art. 19, V, da Lei Orgânica do

DF (LODF) que se mostra inconstitucional perante a Constituição Federal, uma vez

que esta prevê, em seu art. 37, V, que a criação de cargos em comissão e a definição

de percentuais a serem preenchidos por servidores da carreira são matérias

reservadas à lei. Dessa forma, ―não faz sentido que o TJDFT, instado a declarar a

inconstitucionalidade de uma lei por afronta a preceito da LODF, acabe por

declarar a inconstitucionalidade daquela (no caso, o § 3º do art. 2º da Lei Distrital

nº 4848/2012) e reconheça a constitucionalidade desta (o inciso V do art. 19 da

LODF), quando na verdade for esta última que afronte diretamente o parâmetro

normativo que lhe é superior (isto é, a Constituição Federal)‖.

Ultrapassada a preliminar, a autoridade defende a inexistência

de regras constitucionais quanto à adequada proporção entre o número de cargos em

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comissão e o número de cargos na Administração Pública, sendo que tal matéria se

encontra no âmbito da discricionariedade do Chefe do Poder Executivo, sendo

possível o controle jurisdicional apenas em casos de absurda anormalidade.

Dessa forma, requer a extinção do processo, sem resolução

do mérito, em razão da impossibilidade jurídica do pedido de declaração de

inconstitucionalidade do dispositivo legal. Superada a preliminar, requer a

improcedência do pedido (fls. 28/55).

O Procurador-Geral do Distrito Federal, na condição de

curador do ato impugnado, manifestou-se pela constitucionalidade do dispositivo

invocado, reiterando os mesmos argumentos expendidos pelo Governador do DF (fls.

61/89).

O Ministério Público oficiou pela procedência do pedido (fls.

92/102).

É o relatório.

V O T O S

O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO -

Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em

face do parágrafo 3º do artigo 2º da Lei Distrital nº 4.858/2012, assim transcrito:

“Art. 2º. Pelo menos cinquenta por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

(...)

§ 3º. A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo”.

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A Lei 4.858/2012 foi editada para regulamentar o art. 19, V, da

Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF), que assim prevê:

“Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinqüenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;”

Segundo a autora, o parágrafo 3º do artigo 2º da Lei Distrital

nº 4.858/2012 é inconstitucional, porque restringe o alcance da norma constante da lei

orgânica, permitindo que ―este ou aquele órgão ou entidade do Distrito Federal, em

lugar de observar o preceito constitucional, simplesmente se valha da

integralidade de cargos em comissão em favor de pessoas estranhas aos

quadros do funcionalismo público‖.

Ainda segundo a autora, o modo de apuração dos cargos

comissionados não atende aos princípios constitucionais da moralidade e da

razoabilidade, pois, não obstante a lei preserve o percentual mínimo previsto na LODF

(50%), afasta a proporcionalidade entre servidores de carreira e servidores não

efetivos no preenchimento dos cargos em comissão em relação à cada órgão ou

entidade individualmente considerados.

Preliminar de inconstitucionalidade do parâmetro da ação

(art. 19, V, da LODF)

O Governador do Distrito Federal e o Procurador-Geral do

Distrito Federal, em suas informações, suscitam em preliminar a inconstitucionalidade

do inciso V do art. 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal, que serve como parâmetro

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de constitucionalidade na presente ação, em função da sua natureza jurídica de

constituição estadual.

De acordo com as suas alegações, o dispositivo da LODF é

inconstitucional em relação à Constituição Federal, uma vez que esta determina, em

seu artigo 37, inciso V, que o percentual relativo aos cargos em comissão é matéria

reservada à lei.

Pois bem.

Assim dispõe o art. 37, V, da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;”

De fato, a Constituição Federal dispõe que os cargos

comissionados - situação excepcional em face da regra que impõe à Administração a

realização de concurso público -, submeter-se-ão a percentuais mínimos previstos em

lei. A LODF, por sua vez, estipula desde logo que pelo menos 50% dos cargos

comissionados serão exercidos por servidores efetivos (art. 19, V), sem delegar a

matéria à lei.

Entretanto, em que pese a tese levantada pelos

representantes do DF, é incabível a discussão incidental sobre a alegada

inconstitucionalidade do artigo da lei orgânica.

De acordo com o art. 125, § 2º, da Constituição Federal3, cabe

aos Estados e ao Distrito Federal a instituição de representação de

3 Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

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inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da

Constituição Estadual, competindo o julgamento ao tribunal de justiça local.

A interpretação do artigo conduz à conclusão de que ―o

controle abstrato estadual por meio de ADI só poderá apreciar lei ou ato

normativo estadual ou municipal que forem confrontados perante a Constituição

estadual, ou lei ou ato normativo distrital perante a Lei Orgânica do DF. Assim, o

TJ só realiza controle abstrato tendo como parâmetro a CE, não podendo ter

como parâmetro (controle concentrado e abstrato) a CF e, no caso do DF, tendo

como parâmetro a Lei Orgânica do DF‖4.

É certo que se mostra possível ao Tribunal de Justiça, em se

tratando de controle difuso, a apreciação da constitucionalidade de lei estadual (ou

distrital) em face da Constituição Federal, desde que respeite a cláusula de reserva de

plenário. Tratando-se de controle difuso, a apreciação da inconstitucionalidade é

questão prejudicial ao julgamento do pedido, sendo que os efeitos de tal declaração

são inter partes e ex tunc, isto é atingem apenas as partes do processo, sem retroagir.

Entretanto, o que se pretende não é a declaração da

inconstitucionalidade como questão incidental, prejudicial ao julgamento da pretensão;

pretende-se a declaração em tese, de forma a implicar a perda do objeto do objeto da

presente ação, uma vez que o parâmetro de constitucionalidade passaria a não mais

existir no mundo jurídico.

A declaração de inconstitucionalidade do art. 19, V, da LODF,

nos moldes do controle abstrato, é incompatível com a via eleita, pois a ADI é

conceituada como processo objetivo, isto é as partes são apenas formais e não existe

uma lide a respeito da qual pudesse haver uma declaração incidental.

Dessa forma, não se mostra possível o acolhimento do pedido,

sob pena de usurpação da competência do STF, a quem compete precipuamente a

(...)

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

4 Lenza, Pedro. ―Direito Constitucional Esquematizado‖. 17ª edição, Ed. Saraiva, pg. 415.

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guarda da Constituição Federal e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo federal ou estadual (CF, art. 102, I, ―a‖).

Por fim, a autora também suscita a inconstitucionalidade da lei

distrital em razão da ofensa a princípios constantes da LODF (em reprodução à CF),

que são também considerados parâmetros para a verificação da constitucionalidade.

Dessa forma, ainda que o inciso V do art. 19 não pudesse ser considerado, subsistiria

o caput – ―A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer

dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse

público...” – como parâmetro.

Assim, rejeito a preliminar.

Mérito da ação

O objeto da presente ação é o parágrafo 3º do art. 2º da Lei

4.858/2012, precisamente no que se refere à base de incidência do percentual

reservado ao preenchimento de cargos comissionados por servidores de fora do

quadro.

Apesar de o Governador defender que a definição do

percentual é de sua competência, em razão da governabilidade, é importante

esclarecer que a insurgência não é dirigida ao número em si, mas à forma de

distribuição dos servidores comissionados dentro da Administração Pública. O

percentual, inclusive, é previsto originariamente na Lei Orgânica.

A disposição legal impugnada, ao determinar que a base de

incidência é o total de cargos comissionados da Administração, esvazia a disposição

prevista na LODF, que, ao prever que metade dos cargos comissionados deve ser

preenchido por servidores efetivos, busca uma proporcionalidade em cada órgão ou

entidade individualmente considerados, evitando a prevalência de servidores sem

vínculo em detrimento dos concursados.

Conforme muito bem pontuado pelo Ministério Público, em seu

parecer, ―ao determinar que a apuração dos cargos em comissão observe „o total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do

Poder Executivo‟, o dispositivo legal dá azo a que este ou aquele órgão ou entidade do Distrito Federal, em lugar de observar o preceito constitucional,

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simplesmente se valha da integralidade de cargos em comissão em favor de

pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público‖.

Em termos práticos, diante da lei agora impugnada, o

percentual mínimo estabelecido na Lei Orgânica perde a importância, pois é possível

que, em um determinado órgão, a totalidade dos quadros seja ocupada por servidores

comissionados.

O próprio Ministério Público, em seu parecer, demonstra, com

base no quadro divulgado pela Coordenadoria das Cidades/Casa Civil no Diário Oficial

de 03/10/2012, os efeitos da lei. Na Administração Regional do Gama, os servidores

sem vínculo somam 90% do total de cargos; na de Taguatinga, 95,5%; na de Santa

Maria, 92%; na de Recanto das Emas, 89,7%; na de Vicente Pires, 84%.

Assim, em que pesem as informações da Mesa da Câmara

Legislativa do DF, a ―interpretação‖ dada à Lei Orgânica pela autora da ação não

poderia ser outra. Na realidade, o art. 19, V, da LODF é que não dá margem para que

a Administração, independentemente do percentual estabelecido, distribua os cargos

afastando um sistema de paridade entre servidores efetivos e servidores sem vínculo.

Não há dúvida de que o artigo legal contraria a LODF, pois o estabelecimento de

percentual mínimo de cargos comissionados para servidores efetivos implica a

conseqüência lógica de que a divisão seja respeitada em cada órgão da

Administração.

Por outro lado, ainda que a LODF admitisse interpretação, as

técnicas de hermenêutica constitucional não contemplariam o método estabelecido

parágrafo 3º do art. 2º da Lei 4.858/2012. Com efeito, segundo o princípio

interpretativo da justeza ou da conformidade, o intérprete da Constituição ―será

responsável por estabelecer a força normativa da Constituição, não podendo

alterar a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo

constituinte originário, como é o caso da separação de poderes, no sentido de

preservação do Estado de Direito. O seu intérprete final „não pode chegar a um

resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional

constitucionalmente estabelecido (EHMKE)‘‖5 (fl. 160). A lei, mesmo mantendo o

5 Lenza, Pedro. ―Direito Constitucional Esquematizado‖. 17ª edição. Ed. Saraiva. Pg. 160.

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percentual estabelecido na LODF, inverte a lógica constitucional para permitir que, em

determinados universos da Administração, a paridade seja completamente afastada.

Além disso, o parágrafo 3º do art. 2º da Lei 4.858/2012 viola

os princípios constantes do caput do art. 19, segundo o qual “A administração

pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito

Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público...”. Em que pese a

própria Constituição Federal garantir o cargos comissionados, buscando conciliar a

regra do concurso público e a governabilidade, a exceção não pode virar regra, ainda

que somente em alguns órgãos da Administração, ainda mais porque tais cargos são

reservados às atribuições de chefia, assessoramento e direção.

Com efeito, o dispositivo legal não é razoável, porque restringe

a norma constitucional, afastando a sua eficácia no âmbito da Administração Pública.

Tampouco é proporcional, porque, a pretexto de manter a governabilidade, fulminaria

com outros valores constitucionais, como a regra do concurso público. Conforme

ensina Pedro Lenza, ―sendo a medida necessária e adequada, deve-se investigar

se o ato praticado, em termos de realização do objetivo preendido, supera a

restrição de outros valores constitucionalizados‖6.

O artigo também viola o princípio da moralidade, porque,

mesmo em se entendendo necessária uma margem de discricionariedade e

flexibilidade na condução da política, não é crível admitir que algumas das estruturas

da Administração sejam ocupadas integralmente por servidores não efetivos. No

linguajar popular, em muitos órgãos da Administração existiriam mais chefes que

subordinados! É importante enfatizar que a moralidade administrativa, também

prevista na CF, não está sujeita a uma análise de oportunidade e conveniência; ao

contrário, sujeita-se a uma aferição de ilegalidade. Na visão da doutrina, a ―moralidade

administrativa independe da concepção subjetiva (pessoa) da conduta moral, ética,

que o agente público tenha; importa, sim, a noção objetiva, embora indeterminada,

passível de ser extraída do conjunto de normas concernentes à conduta de agentes

públicos, existentes no ordenamento jurídico‖. Portanto ―como se trata de controle de

6 Lenza, Pedro. ―Direito Constitucional Esquematizado‖. 17ª edição, Ed. Saraiva, pg. 162.

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legalidade ou legitimidade, este pode ser efetuado pela Administração e, também, pelo

Poder Judiciário (desde que provocado).‖7

Pelo exposto, julgo procedente o pedido, para declarar, em

tese e com efeitos ex tunc e erga omnes, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 2º da

Lei Distrital 4858/2012.

É o voto.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS – Vogal

Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal

Excelência, considerei de suma relevância a sustentação oral.

Parece-me que a norma do governador estaria em consonância com o art. 37, V, da

Constituição Federal.

O Relator nos apresenta dados quanto à ocupação de cargos

em comissão.

Peço vista para melhor me inteirar sobre a matéria.

A Senhora Desembargadora ANA MARIA DUARTE

AMARANTE – Vogal

Senhor Presidente, peço licença ao eminente Desembargador

Flavio Rostirola para adiantar o meu voto, e o faço por considerar que o princípio da

proporcionalidade, no qual se lastreia o voto do eminente Relator, está ínsito ao

próprio princípio da legalidade. A proporcionalidade se assenta, segundo alguns

autores, nos subprincípio da razoabilidade, da justa medida e da adequação de meios

afins. Ele consubstancia o devido processo legal substantivo, o substantive due

process of law.

7 ―Direito Administrativo Descomplicado‖, 19ª edição, Ed. Método, de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, pg. 192.

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No caso vertente, aplicar-se um percentual sobre a totalidade

dos integrantes da Administração desequilibra a distribuição proporcional desses

cargos em comissão, e esse desequilíbrio afetará justamente a proporcionalidade.

Com essas breves considerações, pedindo vênia para adiantar

o voto, agora que as ideias estão ainda mais claras, acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador JAIR SOARES – Vogal

Senhor Presidente, também peço vênia ao eminente

Desembargador Flavio Rostirola para antecipar o meu voto.

Quando o inciso V do art. 19 da Lei Orgânica do DF, ofendido

pela lei ora impugnada, estabelece o percentual de 50% dos cargos em comissão a

serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições estabelecidos,

não indica se esse percentual é por órgão ou em toda a Administração do DF. Coloca

―nos casos e condições previstos em lei‖.

Numa primeira leitura, pode-se concluir que é livre fixar, por

lei, o percentual em cada órgão. Ocorre que, quando se colocou, na lei impugnada,

―considerar todos os órgãos da Administração do Distrito Federal‖, acabou-se

resultando naquele exemplo citado pela autora da ação: administrações regionais de

cidades satélites chegam a ter 95% de servidores comissionados. Por que isso é

possível? Porque determinados órgãos da Administração do DF não precisam

trabalhar com cargos comissionados, porque só podem exercê-los os servidores de

carreira, a exemplo das atividades típicas de Estado — Secretaria de Segurança —,

ou os médicos, na área de saúde.

Assim, fica fácil: cria-se uma quantidade enorme de cargos,

estabelece-se um percentual geral, para toda a Administração, e, nas administrações

regionais em que se sabe que os Administradores são escolhidos por critérios

políticos, colocam-se todos aqueles que têm afinidades com os políticos que dominam

essas administrações. Além de atentar contra o princípio da razoabilidade, provoca a

situação de não haver servidores do quadro para exercerem as atribuições típicas dos

servidores de carreira.

Com essas ligeiras considerações, acompanho o eminente

Relator.

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A Senhora Desembargadora VERA ANDRIGHI – Vogal

Senhor Presidente, também peço licença para adiantar o meu

voto.

Acompanho o Relator.

O Senhor Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO – Vogal

Também, Senhor Presidente, peço licença ao Desembargador

Flavio Rostirola para adiantar o meu voto. Já tenho a minha convicção firmada, em

razão dos doutos votos que me precederam. Por isso, não tecerei outras

considerações.

Acompanho o douto Relator.

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal

Aguardo, Senhor Presidente.

O Senhor Desembargador JOÃO TIMÓTEO – Vogal

Peço as mais respeitosas vênias para acompanhar o eminente

Relator.

O Senhor Desembargador ANTONINHO LOPES – Vogal

Aguardo.

O Senhor Desembargador JOÃO EGMONT – Vogal

Também peço licença para acompanhar o douto Relator.

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O Senhor Desembargador ROMÃO C. OLIVEIRA – Vogal

O Desembargador Flavio Rostirola nos brinda com os

melhores pronunciamentos, mas, no caso, estou convicto de que dificilmente mudaria

aquilo que já estruturei, e não teria a menor dificuldade em fazê-lo, porque essa não

seria a primeira vez em que mudaria voto para render-me aos melhores argumentos.

Por enquanto, Senhor Presidente, tenho como certo que a

metodologia defendida pelo Distrito Federal é absolutamente inadequada e está na

contramão daquilo que restou escrito na Lei Orgânica do Distrito Federal. Haveria um

prejuízo desmedido.

Determinada secretaria, entregue a um partido de menor

expressão, certamente seria cuidada por servidores de carreira. Todos os cargos

comissionados viriam àquelas secretarias cujos secretários fossem correligionários do

governo de maior expressão, ao alvedrio do Secretário. Isso é burla, até burla política.

Havia a burla da lei e burla política. Não seria possível, em um sistema em que se

governa em uma congregação de forças, que a lei admitisse isso. A lei não o fez. E ao

Tribunal de Justiça cumpre corrigir a lei, até para garantir o bom desenvolvimento

político do Distrito Federal.

O acordo político para a governabilidade se faz em sua

plenitude e na modalidade da lei existente. Não tenho dúvidas, portanto, de que o que

se pretende é esvaziar as secretarias de menor importância, ou aquela que é

absolutamente técnica. Em sua grande maioria, a atividade é técnica — como é o

caso da Secretaria de Segurança — ou específica, que não pode ser exercitada de

forma comissionada. Já uma Secretaria do Trabalho, essa não, recebe todos

comissionados de fora. Isso não se compadece com a Lei Orgânica do Distrito Federal

nem se compadece com o plano político estabelecido pelo próprio governo.

Portanto, acompanho o eminente Relator, que explanou a

matéria em todos os ângulos e da melhor forma possível.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ –

Vogal

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Peço as mais respeitosas vênias ao eminente Desembargador

Flavio Rostirola para acompanhar o eminente Relator.

Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta

pela Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e

Territórios, contra o parágrafo 3.º, do artigo 2.º, da Lei distrital n.º 4.858, de 29 de

junho de 2012, em face do artigo 19, inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Destaco o aludido dispositivo legal atacado, in verbis:

“Art. 2º. Pelo menos cinqüenta (sic) por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

(...).

§ 3º. A apuração dos cinqüenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.”

A Lei n.º 4.858/2012 veio regulamentar o artigo 19, inciso V,

da Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF, o qual prevê que:

“Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinqüenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.”

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Relata a autora que o dispositivo legal enseja a possibilidade

de determinado órgão ou entidade do Distrito Federal deixar de observar ao preceito

constitucional insculpido no artigo 37, inciso V e “simplesmente se valha da

integralidade de cargos em comissão em favor de pessoas estranhas aos quadros do

funcionalismo público”, além de reduzir a aplicabilidade da norma constante na LODF.

Aponta, assim, afronta aos princípios constitucionais da

moralidade e da razoabilidade, também consagrados no artigo 19 da LODF, uma vez

que deixa de atender ao percentual mínimo de 50% dos cargos em comissão

destinados a servidores efetivos, a ser observado por órgão ou entidade da

Administração Pública do Distrito Federal.

Requer, por fim, a procedência do pedido para declarar a

inconstitucionalidade do parágrafo 3.º, do artigo 2.º, da Lei Distrital nº 4.858/2012, com

efeitos ex tunc e erga omnes.

Da preliminar de inconstitucionalidade material do

parâmetro de controle invocado

O Governador do Distrito e o Procurador-Geral do Distrito

Federal, em informações de fls. 28/55 e 61/89, respectivamente, suscitam preliminar

de inconstitucionalidade do parâmetro de controle tido por violado, ou seja, o artigo 19,

inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal, bem como aos princípios da moralidade

e da proporcionalidade.

Argumentam que o aludido artigo, na verdade, afronta à

própria Constituição Federal, não se prestando, pois, à declaração de

inconstitucionalidade da norma impugnada.

Logo, pretendem seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade extinta sem apreciação do mérito, por falta de parâmetro válido

para o desenvolvimento do processo.

Sem razão as ilustres autoridades.

O Exmo. Senhor Governador do Distrito Federal e o Exmo.

Senhor Procurador-Geral do Distrito Federal argúem a preliminar de incompetência

desta eg. Corte para o julgamento da ação, ao fundamento de que os artigos da Lei

Orgânica do Distrito Federal, apontados como ofendidos pelo Requerente, seriam

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princípios constitucionais meramente reproduzidos na Lei local maior, o que deslocaria

a competência para o Supremo Tribunal Federal.

Ponderam, assim, a ausência de parâmetro de controle tido

por violado.

Frise-se que as leis e os atos normativos federais ou estaduais

podem ser objeto do controle abstrato de normas, conforme estipula a alínea ―a‖ do

item I do artigo 102 da Constituição Federal, assim como resta caracterizada a

possibilidade do controle da constitucionalidade de leis estaduais ou municipais, tendo

como parâmetro a Lei Orgânica do Distrito Federal, por equivaler esta a um verdadeiro

estatuto constitucional, essencialmente equiparável às constituições promulgadas

pelos estados-membros.

Acrescente-se que a ADI é classificada como processo

objetivo, ou seja, as partes são formais e não existe uma lide sobre a qual possa haver

uma declaração incidental.

Assim, não há que se falar em usurpação da competência do

Excelso STF, haja vista a sua competência precípua de guarda da Constituição

Federal, bem como o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo federal ou estadual, nos termos do artigo 102, inciso I, alínea ―a‖, da CF.

Logo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

é competente para julgar as demandas que versem sobre violação por lei local, da Lei

Orgânica do Distrito Federal.

Rejeito, pois, a preliminar arguida pelas ilustres autoridades.

Passo, por conseguinte, ao exame do mérito.

A presente ação possui por objeto o parágrafo 3.º, do artigo

2.º, da Lei n.º 4.858/2012, ao questionar o percentual relativo ao preenchimento dos

cargos em comissão por pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público.

É oportuno ressaltar que a Emenda Constitucional n.º 19/1998

eliminou a redação original do artigo 37, inciso V, da Constituição Federal, em que

constava que os cargos em comissão e as funções de confiança seriam exercidos

―preferencialmente‖ por servidores de carreira.

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De acordo com a aludida emenda, o mencionado inciso V do

artigo 37 passou a prever que as funções de confiança são exclusivas de ocupantes

de cargo efetivo, ao passo que os cargos em comissão, com funções próprias e

podendo ser desempenhados por agentes públicos não concursados, destinam-se

apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Todavia, ao eliminar a regra do livre provimento para os

cargos em comissão, a emenda 19 determinou um percentual mínimo a ser definido

por lei, a ser investido por servidores de carreira.

Portanto, patente é a inconstitucionalidade do parágrafo 3.º do

artigo 2.º, da Lei n.º 4.858/2012, em face do inciso V do artigo 19, da LODF, o qual

prevê o percentual de “cinqüenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei.”

Por pertinente, faço referência ao douto Parecer de fls. 92/102,

da lavra da em. Procuradora de Justiça, Dra. Zenaide Souto Martins, que esclareceu

com percuciência a distorção gerada pela aplicação do parágrafo 3.º do artigo 2.º da

Lei distrital n.º 4.858/2012.

Confira-se:

“(...)

A título exemplificativo, destaca-se do referido quadro de composição o percentual de cargos em comissão ocupados por servidores sem vínculo com o GDF da Administração Regional do Gama (90%), de Taguatinga (95,5%), de Santa Maria (92%), do Recanto das Emas (89,7%) e de Vicente Pires (84%).

Em outras palavras, o tratamento dado ao tema pela Lei 4.858, em lugar de maximizar a eficácia da norma constitucional para toda a Administração Pública, enseja que a Carta Política local valha nada para alguns e mais do que preceitua para outros. Certamente, não é essa a orientação fixada pelos postulados da razoabilidade e da moralidade. Não há como admitir o entendimento ao mandamento constitucional na apuração em exercício de atividade puramente discricionária do Poder Público, dependente da escolha do Administrador onde serão providos cargos em comissão com servidores efetivos ou onde se permitirá o ingresso de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público.

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Ao assim preceituar o modo de apuração do quantitativo de cargos em comissão, o legislador distrital contrariou exatamente o mencionado topoi que impede, no exercício da atividade de conformação de preceito constitucional, a devolução da atividade regulamentadora à discricionariedade administrativa.

Essa devolução, que frustra o preceito constitucional, substancia a ora apontada contrariedade aos postulados da moralidade e da razoabilidade, igualmente consagrados no art. 19 da LODF.

(...)”. Fl. 99. Grifos no original.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar em

tese e com efeitos ex tunc e erga omnes a inconstitucionalidade do parágrafo 3.º do

artigo 2.º da Lei Distrital n.º 4.858/2012.

É como voto.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA –

Vogal

Aguardo.

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL – Vogal

Peço vênia ao Desembargador Flavio Rostirola para adiantar o

meu voto, acompanhando o eminente Relator.

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT –

Presidente e Vogal

Aguardo o douto voto do eminente Desembargador Flavio

Rostirola.

O Senhor Desembargador FLAVIO ROSTIROLA – Vogal

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65

Senhor Presidente, na sessão de julgamento do dia 21 de

maio de 2013, pedi vista dos autos para uma melhor análise da questão posta.

Inicialmente, justifico a devolução dos autos somente nesta

data em razão de meu afastamento da corte por licença para compensação de

plantão.

Feita essa observação inicial, passo ao voto.

Desde já, ponho-me de acordo com as questões preliminares

para conhecer da presente ação.

Quanto ao mérito, passo a me manifestar.

Como relatado, cuida-se de Ação Direta de

Inconstitucionalidade que busca a invalidação do §3° do art. 2.° da Lei Distrital n.°

4.858/2012, que regulamenta o art. 19, inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

O dispositivo impugnado – §3° do art. 2.° da Lei Distrital n.°

4.858/2012 – ostenta a seguinte redação:

§3º A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.

De outro lado, o parâmetro de controle consiste no inciso V, do

art. 19 da LODF com a seguinte redação:

Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:

(…)

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

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Como visto, a Lei Orgânica estabelece o seguinte regramento:

(a) as funções de confiança serão exercidas exclusivamente

por servidores ocupantes de cargo efetivo;

(b) pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão

devem ser preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em

lei.

A respeito da interpretação legislativa acerca da matéria,

tenho como correta, no ponto em que distingue os dois cargos. O professor José dos

Santos Carvalho Filho também reconhece que as funções de confiança devem ser

providas por servidores efetivos, ao afirmar que:

“A Constituição refere-se também às funções de confiança (art. 37, V). Correspondem elas ao exercício de algumas funções específicas por servidores que desfrutam de confiança de seus superiores, os quais, por isso mesmo, percebem certa retribuição adicional para compensar tal especificidade. Retratam, em última análise, modalidade de gratificação, paga em virtude do tipo especial de atribuições, e somente podem ser exercidas por servidores que ocupem cargos efetivos” (FILHO José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.550).

Como se observa, a Lei Orgânica faz uma distinção entre

cargos e funções, embora os dois conceitos estejam vinculados ao desenvolvimento

de atividades de direção, chefia e assessoramento.

Basicamente a distinção entre cargos em comissão e funções

comissionadas é que estas, por imposição constitucional, devem ser providas por

servidores efetivos, já quanto aqueles, optou o constituinte por deixá-los, no que tange

ao aspecto aqui abordado, submetidos à norma constitucional de eficácia limitada,

cabendo aos diversos órgãos e entidades da administração pública definir o universo –

que lhe seja conveniente – de servidores efetivos a partir do qual o limite fixado (50%).

Portanto, na hipótese em estudo, a Lei Orgânica não definiu

o critério do universo a ser considerado. Desse modo, a norma infraconstitucional

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respeitou o percentual mínimo de postos destinados ao preenchimento por servidores

de carreira.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas,

não diviso qualquer inconstitucionalidade na norma impugnada.

Outro ponto merece destaque.

Dentro do debate atinente à intensidade do controle dos outros

Poderes pelo Poder Judiciário, Humberto Ávila assinala que ―uma das grandes

dúvidas concernentes à aplicação do postulado da proporcionalidade é a relativa

intensidade do controle a ser exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos dos

Poderes Executivo e Legislativo‖.

Nesse sentido, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a

exigência de justificação da restrição a um direito deverá ser tanto MAIOR quanto

maior for:

(1) a condição para que o Poder Judiciário construa um juízo

seguro a respeito da matéria tratada pelo Poder Legislativo;

(2) a evidência de equívoco da premissa escolhida pelo Poder

Legislativo como justificativa para a restrição do direito;

(3) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido;

(4) a importância do bem jurídico constitucionalmente

protegido, a ser aferida pelo seu caráter fundante ou função de suporte relativamente

a outros bens (por exemplo, vida e igualdade) e pela sua hierarquia sintática no

ordenamento constitucional (por exemplo, princípios fundamentais).

Partindo dessa premissa, o controle pelo Poder Judiciário

pode ser maior, pois ―o Poder Legislativo só irá realizar ao máximo o princípio

democrático se escolher a premissa concreta que melhor promova a finalidade pública

que motivou sua ação ou se tiver uma razão justificadora para ter se afastado da

escolha da melhor premissa. Se o Poder Legislativo podia ter avaliado melhor, sem

aumento de gastos, a sua competência não foi exercida em consonância com o

princípio democrático, que lhe incumbe realizar ao máximo‖.

De outro lado, a intervenção deverá ser tanto MENOR,

quanto mais:

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(1) duvidoso for o efeito futuro da lei;

(2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento da

matéria;

(3) aberta for a prerrogativa de ponderação atribuída ao Poder

Legislativo pela Constituição.

Presentes esses fatores, menor deverá ser o controle exercido

pelo Poder Judiciário, já que se toma mais difícil uma decisão autônoma desse Poder

(ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios

jurídicos. 12. ed., ampl. São Paulo: Malheiros, 2011).

No caso em comento, a tese principal da ação pode ser

extraída do seguinte trecho que ora transcrevo:

“Com efeito, ao determinar que a apuração dos cargos em comissão observe „o total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo‟, o dispositivo legal dá azo a que este ou aquele órgão ou entidade do Distrito Federal, em lugar de observar o preceito constitucional, simplesmente se valha da integralidade de cargos em comissão em favor de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público.

De modo mais claro, o tratamento dado ao tema pela Lei 4.858, em lugar de maximizar a eficácia da norma constitucional para toda a Administração Pública, enseja que a Carta Política local valha nada para alguns e mais do que preceitua para outros. Certamente, não é essa a orientação fixada pelos postulados da razoabilidade e da moralidade. Não há como admitir o atendimento ao mandamento constitucional na apuração, em exercício de atividade puramente discricionária do Poder Público, dependente da escolha do Administrador onde serão providos cargos em comissão com servidores efetivos ou onde se permitirá o ingresso de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público.

Ao assim preceituar o modo de apuração do quantitativo de cargos em comissão, o legislador distrital contrariou exatamente o mencionado topoi que impede, no exercício da atividade de conformação de preceito constitucional, a devolução da atividade regulamentadora à discricionariedade administrativa.

Essa devolução, que frustra o preceito constitucional, substancia a ora apontada contrariedade aos postulados da moralidade e da razoabilidade, igualmente consagrados no art. 19 da LODF” (fls. 08/09).

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69

Nada obstante tais razões, tenho que assiste razão ao

Governador quando assinala que ―os princípios constitucionais da eficiência e da

economicidade seriam mais bem realizados, e o gestor público poderia, assim, fazer

frente às necessidades circunstanciais apresentadas pelo interesse público sem

necessariamente ter que recorrer à realização de concursos públicos impertinentes,

que apenas colaboram para o inchaço de carreiras sem necessidade permanente de

um determinado número excessivo de servidores efetivos‖ (fl. 87).

Com efeito, não sendo possível saber se o resultado obtido

com a intervenção – anulação da norma – é proporcional à carga coativa da mesma,

tenho como inviável a declaração de inconstitucionalidade da lei objurgada.

Ante o exposto, com a devida vênia, JULGO

IMPROCEDENTE a presente ação.

É o voto.

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE – Vogal

Senhor Presidente, enquanto aguardávamos este julgamento,

tive oportunidade de ler, com atenção, o voto lapidado do eminente Desembargador

Flavio Rostirola e me convenci da razão de S. Ex.ª. Penso que a intervenção do Poder

Judiciário nos atos do Poder Executivo deve se pautar realmente pela estrita

necessidade, observados os princípios aqui citados do autor Humberto Bergmann

Ávila.

Peço vênia ao eminente Relator e àqueles que o

acompanharam para comungar com as ideias ora expostas pelo eminente

Desembargador Flavio Rostirola e também julgar improcedente a ação.

Rejeito a preliminar.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA –

Vogal

Senhor Presidente, rejeito a preliminar.

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No mérito, o eminente Relator me convenceu do acerto do seu

voto, mormente na esteira do conteúdo do parecer ministerial, ao qual me aludo e

peço licença para tomar como fundamentos para decidir.

Acompanho o eminente Relator.

O Senhor Desembargador SÉRGIO BITTENCOURT –

Presidente e Vogal

Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta

pela Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, objetivando a

declaração de inconstitucionalidade do § 3º, artigo 2º, da Lei Distrital 4.858, de 29 de

junho de 2012, de autoria do Poder Executivo.

A autora sustenta que referido dispositivo da norma

combatida, que ―Regulamenta, no Poder Executivo, o art. 19, inciso V, da Lei Orgânica

do Distrito Federal e dá outras providências‖, é materialmente inconstitucional, por

afrontar o art. 19, caput, bem como seu inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Assevera que o § 3º do art. 2º da lei impugnada, ―ao

determinar que a apuração dos cargos em comissão observe o „total de cargos em

comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo‟ (...)

dá azo a que este ou aquele órgão ou entidade do Distrito Federal, em lugar de

observar o preceito constitucional, simplesmente se valha da integralidade de cargos

em comissão em favor de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público‖,

ferindo os princípios da moralidade e da razoabilidade, bem como a regra do art. 19,

inc. V, da Lei Orgânica, que dispõe sobre ―as funções de confiança, exercidas

exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinquenta

por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira

nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,

chefia e assessoramento”.

Requer a declaração, em tese e com efeitos ex tunc e eficácia

erga omnes, de inconstitucionalidade do artigo 2º, § 3º, da Lei distrital 4.858/2012.

A Mesa Diretora da Câmara Legislativa manifestou-se às fls.

24/26, pugnando pela improcedência do pedido.

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O Governador e o Procurador-Geral do Distrito Federal, este

na condição de curador da lei combatida, prestaram, respectivamente, as informações

de fls. 28/55 e 61/89. Suscitaram preliminar de não conhecimento da ação, alegando

que o art. 19, inc. V, da LODF, utilizado como parâmetro na presente ação é

inconstitucional por afrontar o art. 37, inc. V, da Constituição Federal. No mérito,

afirmaram que ―a proporção entre o número de cargos em comissão e o número total

de cargos na esfera da Administração Pública‖ não foi tratada pelo constituinte, que

remeteu à legislação ordinária a definição dos critérios de apuração de seu

quantitativo.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, na qualidade de custos

legis, oficia pelo conhecimento da ação, com a rejeição da preliminar, e, no mérito,

pela procedência do pedido (fls. 92/102).

Antes de analisar as preliminares aventadas, mister

transcrever a norma impugnada, de autoria do Poder Executivo, in verbis:

―LEI Nº 4.858, DE 29 DE junho DE 2012.

Regulamenta, no Poder Executivo, o art. 19, inciso V, da Lei Orgânica do Distrito Federal e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL,

Faço saber que a Câmara Legislativa do Distrito Federal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º As funções de confiança e os cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo são exercidas por servidores que atendam aos requisitos previstos em lei ou regulamento.

§ 1º As funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo de carreira do Poder Executivo.

§ 2º Os cargos em comissão, incluídos os de natureza especial, são exercidos por servidor:

I – ocupante de cargo de provimento efetivo;

II – requisitado de qualquer órgão ou entidade do Distrito Federal, União, Estado ou Município;

III – sem vínculo com o serviço público.

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Art. 2º Pelo menos cinquenta por cento do total de cargos em comissão, incluídos os cargos de natureza especial, da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, devem ser exercidos por servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.

§ 1º Do quantitativo de cargos em comissão previstos neste artigo excluem-se os cargos:

I – de Secretário de Estado;

II – com o mesmo nível hierárquico de Secretário de Estado;

III – de Administrador Regional;

IV – de titular de autarquia, fundação, órgão relativamente autônomo e órgão especializado da administração direta;

V – de Secretário-Adjunto de Estado.

§ 2º São computados como servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo, para os efeitos deste artigo, os servidores de qualquer órgão ou entidade do Distrito Federal.

§ 3º A apuração dos cinquenta por cento de cargos em comissão de que trata este artigo é feita em relação ao total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.

Art. 3º Anualmente, em até trinta dias após a publicação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o órgão central de pessoal do Poder Executivo publicará, no Diário Oficial do Distrito Federal, o quantitativo dos cargos em comissão exercidos por servidores:

I – efetivos;

II – requisitados;

III – requisitados de outro poder ou ente da federação;

IV – sem vínculo com o serviço público.

§ 1º Entre o dia 1º e 10 do mês subsequente ao encerramento de cada semestre, o órgão central de pessoal publicará, em meio eletrônico, o quadro atualizado previsto no caput.

§ 2º Constatada a insuficiência de cargos em comissão exercidos por servidor efetivo, o Governador providenciará a complementação em até trinta dias após a publicação na imprensa oficial ou em meio eletrônico.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.‖ (grifei)

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Merece ser afastada a preliminar de não conhecimento da

presente ação, suscitada pelo Governador e pelo Procurador-Geral do Distrito Federal

sob o fundamento de que o art. 19, inciso V, da LODF, apontado como violado, é

inválido por contrariar o art. 37, inciso V, da Carta Magna.

Diversamente do afirmado, o inciso V do artigo 19 da LODF, e

o artigo 37, inciso V, da Constituição Federal, são totalmente compatíveis. E nem

poderia ser diferente, eis que aquele dispositivo resulta do exercício de competência

legislativa própria do poder constituinte distrital, como asseverado na inicial. Aliás,

basta uma simples leitura dos citados dispositivos legais para se verificar que estão

em perfeita sintonia. Confira-se:

―Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte:

V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e pelo menos cinquenta por cento dos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos e condições previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Inciso com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 50, de 2007.)8”

―Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

8 Texto original: V – os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos preferencialmente por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei;

Texto alterado: V – no mínimo cinquenta por cento dos cargos em comissão e cinquenta por cento das funções de confiança serão exercidos por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional. (Inciso com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 26, de 1998. Ver ADI nº 1981 – STF, Diário de Justiça de 5/11/1999.)

Texto alterado: V – os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos preferencialmente por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei; (Inciso com a redação da Emenda à Lei Orgânica nº 29, de 1999. Ver ADI nº 1981 – STF, Diário de Justiça de 5/11/1999.)

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V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;‖

Bastante esclarecedoras, a propósito, as assertivas da

Procuradora-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que peço vênia para

transcrever:

“A Constituição Federal, convém rememorar, reúne em si toda a competência legislativa federal: é dizer, por se tratar de norma de hierarquia superior (para alguns, máxima), ela reúne atos de competência formal estabelecidos a diplomas legais de hierarquia inferior. De igual modo, a Constituição local (rectius, a Lei Orgânica do Distrito Federal), reúne em seu corpo toda a competência normativa formalmente outorgada ao Distrito Federal. Logo, não há óbice que ela, Lei Orgânica, traga em seu bojo matérias de competência reservada a Lei Complementar, Lei ordinária, Decretos etc. A norma de hierarquia superior, assim, abrange a competência de atos formalmente inferiores”.

Ainda que fosse diferente, inviável seria a extinção do feito

sem resolução do mérito, já que o inciso V do art. 19 da Lei Orgânica não foi o único

dispositivo indicado como parâmetro de controle de constitucionalidade. Como visto,

os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no caput do mesmo artigo,

também fundamentam a impugnação do dispositivo legal atacado.

MÉRITO

Sustenta a autora que o § 3º do art. 2º da Lei distrital

4.858/2012 feriu os princípios da moralidade e da razoabilidade contidos no caput do

art. 19 da LODF, tendo em vista que não considerou cada órgão ou entidade da

Administração Pública do Distrito Federal na aferição do percentual mínimo dos cargos

comissionados reservados a servidores efetivos.

De fato, o dispositivo ora impugnado utiliza como referência a

totalidade dos cargos comissionados na Administração. Ao disciplinar dessa forma, o

texto normativo altera o sentido original da Lei Orgânica que, em verdade, buscou a

proporcionalidade em cada órgão ou entidade, evitando preferências e privilégios para

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servidores que não prestaram concurso público, em detrimento dos concursados. Vale

dizer: a norma impugnada desvirtua o sentido primário da LODF e, assim, cria espaço

para discriminações.

Note-se que não se está aqui tratando tão somente do aspecto

quantitativo. Se assim fosse, teria razão o senhor Governador ao defender que a

fixação do percentual é de sua competência. Ocorre que a eiva de

inconstitucionalidade tem uma extensão muito maior, pois leva em conta a distribuição

proporcional do total de servidores comissionados na Administração que, frise-se, tem

como pano de fundo caros princípios constitucionais, como o da isonomia, legalidade,

moralidade e, quiçá, eficiência.

Como bem salientado pela d. Procuradora-Geral no parecer

de fls. 92/102, a norma vergastada cria privilégios inconstitucionais:

“Com efeito, ao determinar que a apuração dos cargos em comissão observe „o total de cargos em comissão da administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo‟, o dispositivo legal dá azo a que este ou aquele órgão ou entidade do Distrito Federal, em lugar de observar o preceito constitucional, simplesmente se valha da integralidade de cargos em comissão em favor de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público.

(...)

Em outras palavras, o tratamento dado ao tema pela Lei 4.858, em lugar de maximizar a eficácia da norma constitucional para toda a Administração Pública , enseja que a Carta Política local valha nada para alguns e mais do que preceitua para outros. Certamente, não é essa a orientação fixada pelos postulados da razoabilidade e da moralidade. Não há como admitir o atendimento ao mandamento constitucional na apuração, em exercício de atividade puramente discricionária do Poder Público, dependente da escolha do Administrador onde serão providos cargos em comissão com servidores efetivos ou onde se permitirá o ingresso de pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo público” (grifo no original).

Note-se que a norma impugnada gera discrepâncias quanto à

distribuição do percentual de servidores com cargo comissionado que já são

claramente perceptíveis atualmente, embora a lei tenha pouco menos de um ano de

vigência. De acordo com o parecer do Ministério Público, na data de 03/10/2012, a

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proporção de cargos em comissão ocupados por servidores sem vínculo era de 90%

na Administração Regional do Gama, 95,5% em Taguatinga, 92% em Santa Maria,

89,7% no Recanto das Emas e 84% em Vicente Pires (fl. 99).

Nesse sentido, evidente é a distorção gerada pela

interpretação conferida pelo legislador infraconstitucional ao art. 19, inciso V, da

LODF. Tal leitura dá margem a esse excesso de servidores comissionados sem

qualquer vínculo com a Administração, em detrimento daqueles que se esforçaram

para prestar concurso público.

É inegável, portanto, a inconstitucionalidade do dispositivo

legal impugnado, tendo em vista que se abre a possibilidade de inúmeros setores da

Administração serem quase que exclusivamente ocupados por servidores não

efetivos. O desrespeito à ordem jurídica é, pois, flagrante.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a

inconstitucionalidade do §3º do art. 2º da Lei Distrital 4.858, de 29 de junho de

2012, com eficácia ex tunc e efeitos erga omnes.

É como voto.

DECISÃO

Rejeitada a preliminar. Unânime. Julgou-se procedente a ação

para declarar a inconstitucionalidade do §3º do art. 2º da Lei Distrital nº 4.858, de

29/06/12, com efeitos ex-tunc e eficácia erga omnes. Maioria.

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Anexo II – Matéria de 9 de janeiro de 2014, a respeito dos comissionados sem vínculo no DF.

Farra de comissionados para atender os distritais

Entre os poderes, o Legislativo é o que tem o maior percentual de funcionários em cargo de confiança sem concurso em 2014 77,2%. No GDF, são 48,2%, e no Judiciário, 1,2%. Já nas administrações, os apadrinhados políticos somam 84%.

A Câmara Legislativa é a instituição com maior número de cargos de confiança ocupados por servidores sem concurso entre os três poderes do Distrito Federal. Dos 1.070 comissionados da Casa, 826 foram indicados pelos deputados distritais e seus aliados, o equivalente a 77,2% do total (confira quadro). O percentual é bem maior do que o registrado no Governo do Distrito Federal e no Tribunal de Justiça. No Ministério Público do DF e no Tribunal de Contas, a proporção de comissionados não concursados também é bem inferior às estatísticas do Legislativo. A direção da Câmara promete realizar concurso ainda este ano para minimizar a discrepância no quadro de pessoal.

Lotadas de comissionados, as administrações regionais, como a do Guará, estão com baixa quantidade de funcionários neste começo de ano

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Dos 826 comissionados sem concurso, 717 (86%) atuam nos gabinetes e nas lideranças partidárias. O Sindicato dos Servidores da Câmara Legislativa e do Tribunal de Contas do DF (Sindical) lançou uma campanha, em dezembro, para pressionar a direção do Legislativo a fazer concursos públicos. A iniciativa tem o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF). O presidente do sindicato, Adriano Campos, lembra que a Câmara só promoveu três processos seletivos desde a sua fundação, em 1990. “Só houve três concursos, em 1992, 1997 e 2005. Hoje, há 322 cargos vagos, o que causa um grande deficit. No último concurso, já existiam essas vagas para servidores concursados, mas não foram preenchidas”, explica. ...

No Sudoeste, cadeiras e mesas vazias revelam movimento reduzido

No SIA, o quadro é parecido, mas o comando diz que está tudo normal

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Adriano Campos afirma ainda que há uma previsão de que 100 concursados se aposentem nesta legislatura. “É muito séria a discrepância com relação à quantidade de servidores da carreira e os sem concurso. Se essa legislatura não fizer uma seleção, entrará para a história como a responsável pela pior proporção entre funcionários de carreira e os indicados políticos”, diz. O sindicato estuda entrar com uma ação na Justiça pedindo que a Câmara realize seleção pública ou reduza o número de cargos de confiança ocupados por pessoas que não fizeram concurso. Organização O secretário-geral da Câmara Legislativa, George Burns, explica que, se for considerado o quadro total de funcionários da Casa, 49,6% dos servidores fizeram concurso. Mas ele afirma que há um esforço para reduzir o número de comissionados que não passaram por processo seletivo. “No fim do ano passado, foi constituída uma comissão para organizar o concurso. A Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014 prevê 40 vagas. O concurso será feito ainda este ano mas, por restrições da legislação eleitoral, as contratações podem ficar para 2015”, garante George. Ele explica que não é possível contratar um número maior de servidores concursados porque isso poderia significar o desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. “O presidente Wasny de Roure tem uma preocupação grande de indicar servidores concursados para cargos importantes, como na Secretaria-Geral e na Assessoria de plenário”, acrescenta Burns. O Correio mostrou na edição de ontem que 48,2% dos servidores comissionados do GDF não passaram por concurso. Nas administrações regionais, a situação é mais grave: 84% dos funcionários não têm vínculo com o GDF e foram indicados por políticos. A Lei Orgânica do DF estabelece que pelo menos 50% dos cargos comissionados da administração pública dos poderes do Distrito Federal com atribuições de chefia, direção ou assessoramento devem ser ocupados por servidores de carreira. No Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, somente 16 dos 315 servidores comissionados não são concursados, o equivalente a 5% do total. No Tribunal de Justiça, o percentual é ainda menor: a Corte tem 2.888 comissionados em seu quadro de pessoal, dos quais 37 não passaram por concurso público. No Tribunal de Contas do DF, há 158 funcionários de confiança que foram contratados sem passar por processo de seleção pública, o equivalente a 30,3% do total de comissionados. Controle nos conselhos Uma lei aprovada no mês passado na Câmara Legislativa criou novas

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regras para a ocupação de cargos nos conselhos de administração e fiscal de empresas públicas do Distrito Federal. A nova legislação, de autoria do deputado distrital Chico Leite (PT), prevê requisitos para a indicação de pessoas. Os conselheiros terão de comprovar experiência técnica e profissional ou notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e de administração pública. A lei também exige que o indicado tenha curso superior e idade mínima de 35 anos, além de idoneidade moral e reputação ilibada. O governador Agnelo Queiroz ainda não sancionou a norma. Distribuição Câmara Legislativa Total de comissionados: 1.070 Percentual de comissionados sem concurso: 77,2% Governo do Distrito Federal Total de comissionados: 17.635 Percentual de comissionados sem concurso: 48,2% Tribunal de Contas do DF Total de comissionados: 158 Percentual de comissionados sem concurso: 30,3% Tribunal de Justiça Total de comissionados: 2.888 Percentual de comissionados sem concurso: 1,2% Ministério Público Total de servidores: 315 Percentual de comissionados sem concurso: 5 %

Fonte: Helena Mader - Correio Braziliense - 09/01/2014 - - 08:51:30