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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O ARQUÉTIPO E A JORNADA DO HERÓI NA SAGA DE HARRY POTTER Por: Lívia Sheila Dias Rodrigues de Oliveira Orientador Prof. Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O ARQUÉTIPO E A JORNADA DO HERÓI NA SAGA DE HARRY

POTTER

Por: Lívia Sheila Dias Rodrigues de Oliveira

Orientador

Prof. Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

O ARQUÉTIPO E A JORNADA DO HERÓI NA SAGA DE HARRY

POTTER

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em arteterapia

Por: Lívia Sheila Dias Rodrigues de Oliveira

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AGRADECIMENTOS

Aos colegas de profissão Ricardo Silva

e Leonardo Rosa por debaterem

comigo temas de interesse comum,

concernentes a este trabalho.

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4

DEDICATÓRIA

Ao meu pai

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RESUMO

. Este trabalho visa estabelecer paralelos entre a saga de Harry Potter e a

jornada do herói descrita pelo mitólogo Joseph Campbell e o conceito de

arquétipo de Carl Jung, fundador da psicologia analítica, também utilizado por

Campbell.

Nas culturas de todos os tempos observa-se a presença da figura do

herói. Mitologias, tradições orais tribais e, mais recentemente os contos de

fadas descrevem esse alguém que sacrifica sua vida cotidiana em prol de um

bem comum, defendendo desde as pessoas que o cercam até a humanidade,

ainda que nem todos tenham ciência, de perigos aparentemente insuperáveis.

Nessa jornada o herói passa por etapas específicas trilhando um caminho de

autoconhecimento rumo a individuação, se separando do seu mundo, iniciando

sua vida de herói e retornando bem sucedido.

Harry Potter, fenômeno literário e cinematográfico do final do século XX

e início deste, apresenta inúmeros traços descritos por estes teóricos como

característicos de um herói típico e do caminho que ele segue.

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METODOLOGIA

Este trabalho foi produzido a partir da leitura da obra de ficção da autora

J.K Rowling, do estudo do conceito de arquétipo do psicanalista Carl Jung e a

descrição da jornada do herói do mitólogo Joseph Campbell, traçando-se

paralelos após o levantamento bibliográfico.

Tendo em vista que o lançamento do filme Harry Potter e o Enigma do

príncipe se deu durante a elaboração deste trabalho, também foram feitas

observações em locais de aglomeração de fãs da série como cinemas e

shoppings, além de consulta a sites de internet que falam do fenômeno Harry

Potter.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Herói Atemporal 10

CAPÍTULO II - O herói Harry Potter 20

CAPÍTULO III - Traçando paralelos 25

CONCLISÃO 36

BIBLIOGRAFIA 38

ÍNDICE 40

FOLHA DE AVALIAÇÃO 41

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INTRODUÇÃO

Em 1997, uma escritora inglesa, até então desconhecida no mundo

literário, lançou no mercado britânico, através da editora Bloomsbury, "Harry

Potter e a Pedra Filosofal", primeiro livro da série cujo personagem principal é

um bruxo adolescente que conquistou não somente a literatura infanto-juvenil,

como também os cinemas mundiais.

Em pleno final do século XX pudemos observar a explosão de interesse

por bruxos, caldeirões e varinhas, na velha luta do bem contra o mal. Mas se

engana quem acha que Harry Potter é só isso. Características de heróis

contemporâneos dentro de um roteiro que segue a trajetória clássica que

fazem os heróis desde a antiguidade é uma mistura que inicia as explicações

sobre esse fenômeno de vendas entre leitores com idades entre 7 e 40 anos.

Elemento míticos como sereias, unicórnios e elfos, misturados à

Inglaterra de hoje com seu sistema de governo e seus tradicionais colégios

para a aristocracia, revistos, reinventados e cuidadosamente costurados de

forma complexa onde cada ponta solta é atada cedo ou tarde no percurso da

narrativa fazem, não só da saga em si como também dos efeitos sociais que

causa e/ou evidencia, objeto de estudo de diversas áreas de saber, gerando

assim inúmeros debates e teorias, além de centenas de novos livros.

Um personagem comum, carismático, que tem um desafio, que enfrenta

desvantagens aparentemente insuperáveis e consegue de algum modo vencer,

aprendendo alguma coisa com sua aventura: esta é a definição simples de

Herói. Entretanto existe muito mais para se falar sobre este arquétipo do que

esta definição superficial, e sobre as muitas nuances possíveis na jornada que

ele trilha.

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Rever a história de Harry Potter, e nos debruçarmos sobre ela enquanto

narrativa e fenômeno social, sob a perspectiva da abordagem da psicologia

analítica de Jung e dos estudos do mitólogo Joseph Campbell se mostra assim

uma rica oportunidade de aprofundamento teórico sobre um aparentemente

simples fenômeno de vendas.

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CAPITULO I

HERÓI ATEMPORAL

1.1 - Jung e o conceito de arquétipo

A difusão da psicanálise durante todo o século XX, tornou o termo

inconsciente conhecido e apropriado pelo senso comum. Dentre as figuras que

relacionamos como ilustres em função de suas contribuições para as Ciências

Humanas/Sociais podemos incluir, sem hesitar, Carl Gustav Jung que foi

pupilo e dissidente de Sigmund Freud na fundação e difusão da Psicanálise,

tendo com o rompimento de suas relações intelectual e pessoal com o seu

“mentor”, a possibilidade de criar sua própria e relevante Psicologia Analítica.

O conceito de inconsciente, cunhado por Freud, trata de um

inconsciente de natureza exclusivamente pessoal, com conteúdos de

tonalidade emocional. Absorvido pelo senso comum, o referido conceito diz

respeito a um inconsciente pessoal, depositário de rejeitos do consciente a

partir dos conflitos vivenciados pelo sujeito, limitando-se a designar o estado

dos conteúdos reprimidos ou esquecidos que tem origem em experiências e

aquisições pessoais.

Já para Jung (1875-1961), esse inconsciente pessoal é apenas a

camada superficial de algo mais amplo cuja base ele denominou Inconsciente

Coletivo.

Sendo Jung o principal discípulo de Freud, a construção de sua

Psicologia Analítica baseia-se também no conceito de inconsciente, assim

como a estrutura da psique compõe-se de conteúdos conscientes e

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inconscientes. Entretanto, em sua teoria, o inconsciente não se resume aos

conteúdos individuais reprimidos ou esquecidos pela consciência, é algo mais

complexo e abrangente, que contempla a memória de um passado ancestral,

da consciência da humanidade acumulada de gerações passadas. Para

estabelecer tal distinção, Jung propôs uma nova conceituação para o que

entendia ser este inconsciente diferenciando assim um Inconsciente Pessoal

(ou Individual) e um Inconsciente Coletivo.

O inconsciente coletivo seria uma camada mais profunda do

inconsciente. Inata, não depende assim de experiências individuais para existir.

De memória ancestral, é dinâmico, produz conteúdos, reagrupa os já

existentes e trabalha numa relação compensatória e complementar com o

consciente, demonstrando que, no inconsciente, encontram-se em movimento,

conteúdos das experiências pessoais, adquiridos durante a vida e mais as

produções do próprio inconsciente. É um inconsciente de natureza universal,

comum a toda humanidade, cujos conteúdos, imagens psíquicas, são

chamados de ARQUÉTIPOS.

A palavra arquétipo, derivada do grego arché, significa “o primeiro

modelo de alguma coisa”. O termo foi proposto em 1919 por Jung, mas a

primeira idéia de arquétipo remonta a Platão, com o conceito de idéias eternas,

“imagens primordiais guardadas como formas eternamente transcendentes.”

(Jung, 2008 pg. 42).

O próprio Jung reconhece que se inspirou nas leituras feitas em Platão

durante a construção de seu conceito para elucidação do que estava a

postular, concluindo que, os arquétipos, são as partes herdadas da psique,

padrões de estruturação, ou seja, entidades hipotéticas irrepresentáveis em si

mesmas e evidentes somente através de suas manifestações diante de certas

situações vivenciadas pelo sujeito.

Durante a formulação da Teoria dos Arquétipos, de Jung, podem-se

identificar três períodos cruciais. Em 1912 ele escreveu sobre imagens

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primordiais que reconhecia na vida inconsciente de seus pacientes, como

também em sua própria auto-análise. Na concepção de Jung, o inconsciente

coletivo promove tais imagens. Por volta de 1917, escrevia sobre dominantes

não-pessoais ou pontos nodais na psique, que atraem energia e influenciam o

funcionamento de uma pessoa. Somente em 1919 que, pela primeira vez, fez

uso do termo arquétipo, a fim de deixar claro q dizia respeito ao conteúdo e

não o esboço ou padrão inconsciente e irrepresentável, ou seja, distinguindo

uma imagem arquetípica compreensível (ou compreendida) pelo homem

(DICIONÁRIO CRÍTICO DE ANÁLISE JUNGUIANA, 2009).

Ao contrário do que pode parecer, os arquétipos são, a princípio, formas

sem conteúdo, um modelo hipotético abstrato, não são idéias herdadas, mas

sim suas possibilidades, tornando-se posteriormente visíveis (imagéticos),

preenchidas com material da experiência consciente. A partir daí, temos o que

Jung definiu como idéias arquetípicas, diferente de arquétipos, embora tenha

se convencionado nominar as mesmas como tal. A assunção dessa imagem

se dá através de imaginação ativa (fantasia gerada pela concentração

intencional) e, principalmente, sonhos. Ainda de acordo com Jung, “o

arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se

modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que

variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta” (Jung,

2008. pg. 17). Por estes motivos, os arquétipos podem ressurgir

espontaneamente em qualquer tempo e lugar não tendo transmissão externa

como pré-condição.

1.2 - Arquétipo do Herói

Segundo Jung, repetições imprimiram na constituição psíquica humana,

tantos arquétipos quantas são as situações típicas da vida. Quando a situação

correspondente a determinado arquétipo ocorre, o mesmo é ativado, ou seja,

os arquétipos a serem descobertos e assimilados são aqueles que ao serem

evocados melhor darão forma às imagens básicas dos rituais e às mitologias

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das diferentes culturas. Os ensinamentos tribais primitivos, por exemplo, são

uma típica expressão de conteúdos coletivos, originalmente provindos do

inconsciente que, após se tornarem fórmulas conscientes, são transmitidas sob

a forma de ensinamentos dentro de uma tradição. Dentre os arquétipos mais

conhecidos, podemos citar o da grande mãe de onde derivam as deusas e as

santas, e do velho sábio, aquele media conflitos, aconselha, é um mentor, nos

remetendo aos nossos avós e mestres religiosos.

Neste trabalho, nos ateremos especificamente ao arquétipo do herói. Os

arquétipos ocorrem a nível etnológico, ou seja, ”se enquadrando”, no contexto

cultural. Sendo assim, as mitologias, que fornecem explicações primordiais do

universo, fenômenos e divindades das culturas, bem como os contos de fadas,

contos maravilhosos e fábulas de todos os tempos, podem nos dar diversos

exemplos de como o arquétipo do herói toma forma.

Assim como o sonho simboliza a dinâmica da psique, o mito é o sonho

despersonalizado. Poderíamos chamar os mitos, de maneira ilustrativa, de

sonhos da humanidade, visto que também são produções de um inconsciente,

mas, como já vimos, de um inconsciente coletivo.

Ainda hoje os heróis mitológicos tem suas historias reproduzidas de

todas as formas. Eles são um ótimo exemplo da atuação universal das idéias

arquetípicas visto que historias semelhantes entre si podem ser observadas

nos primórdios de diferentes culturas.

Heróis podem ser prestativos e bravos, ou relutantes. Eles podem

possuir um forte elo familiar ou para com um grupo, ou mesmo serem

solitários. Eles podem crescer e mudar por si só, ou agir como um catalisador

para que outros possam crescer e se tornar heróis. Um herói pode ser um

inocente, um andarilho, um mártir, um guerreiro, um destruidor vingativo, um

ditador ou mesmo um tolo. Mas a essência do herói é o sacrifício que ele tem

que fazer para atingir seu objetivo.

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O caminho do herói simboliza a jornada que todo ser humano precisa

empreender em direção ao que Jung chamou de individuação, onde ele se

reconhece, se aceita e, apesar disso, consegue viver em sociedade.

O processo de individuação propicia à pessoa tornar-se ela mesma,

inteira, indivisível e distinta de outras pessoas ou da psicologia coletiva; a

pessoa se torna consciente no que tange a ela ser tanto como um ser humano

único quanto, ao mesmo tempo, não mais que um homem ou uma mulher

comum. O objetivo do processo é o desenvolvimento da personalidade e

pressupõe e inclui relacionamentos coletivos, isto é, não ocorre em um estado

de isolamento. (DICIONÁRIO CRÍTICO DE ANÁLISE JUNGUIANA, 2009). A

individuação envolve um grau de oposição a normas sociais que não têm uma

validade absoluta e na jornada do herói esta oposição chega a ser vital.

Uma jornada heróica seja nas histórias contadas pelos gregos, maias,

chineses ou africanos, sempre é composta por três etapas: a iniciação do herói

através de sua entrega à missão, a transformação e o retorno.

O estímulo para esta jornada é a mudança de algo em seu mundo

comum, e ele parte para buscar a restauração deste mundo, ou ele está

insatisfeito em seu mundo e parte para provocar uma mudança. Uma jornada,

onde ele deixa o seu mundo comum e cotidiano e parte para novas

descobertas e desafios. Em ambos os casos o motivo da jornada é a falta de

alguma coisa. O herói se sente incompleto e vai em busca de sua plenitude. O

resultado é a transformação do próprio herói. Mesmo que o ambiente não se

altere o herói não o enxerga mais da mesma forma. O sacrifício foi feito e o

herói do começo da história morre, as vezes no sentido literal para dar lugar a

outro

O herói é aquele personagem que possui características e valores tidos

como um modelo a ser seguido: são honestos, altruístas, generosos ainda que

não necessariamente perfeitos, até porque todo arquétipo tem aspectos

positivos e negativos. É através dos heróis que a sociedade reproduz valores

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considerados importantes tanto numa dada época ou região, quanto valores

mais universais (como auto-sacrifício pelo bem de todos, a busca da

preservação da espécie humana). O herói é o guardião dos valores nobres e

justos de uma cultura, responsáveis não só pela defesa física como pela

transmissão destes valores. Mais que isso, os heróis são uma metáfora da

busca humana de autoconhecimento, mostrando o caminho a ser seguido para

que esta busca chegue ao seu destino.

O mitólogo americano Joseph Campbell (1997), no seu livro “As mil

faces do Herói” fez um paralelo entre uma série narrativas míticas heróicas de

várias culturas distintas, em diversas épocas da história, observando assim um

certo padrão na jornada do herói. Para ele, “o percurso padrão da aventura

mitológica do herói é uma magnificação da fórmula representada nos rituais de

passagem: separação-iniciação-retorno.” (pg. 17). Neste livro, Campbell,

atraves da análise de várias jornadas heróicas, sistematiza as referidas etapas

e suas possíveis variações, ou seja, sub etapas não obrigatórias mas

recorrentes em narrativas heróicas de todos os tempos e culturas.

Geralmente, o que move o herói a iniciar sua jornada é o sentimento de

incompletude, que irá levá-lo a buscar sua plenitude. Pode iniciar, por exemplo,

pela mudança de algo em seu mundo comum, o que irá motivá-lo a buscar a

restauração desse mundo. Ou então, quando ele está insatisfeito e parte para

provocar uma mudança. Em todos os casos, para iniciar é necessário ter

coragem, disposição e desprendimento do que se considera seguro e

conhecido.

Ao aceitar o chamado da aventura ou ser levado a ela por forças

maiores, o herói vai ao encontro de uma nova terra, quase sempre distante,

com perigos e tesouros, habitada por seres estranhos e desconhecidos, enfim,

um cenário bem diferente do que o herói conhecia até então. O disparador da

jornada pode vir por um erro, um acaso ou até mesmo por uma determinação

histórica.

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Visto que essa busca não se trata apenas de coisas relacionadas à

realidade física, concreta, o herói sai também em busca dos seus porquês, das

causas da sua forma de existir, da clarificação da origem de suas dificuldades

(mas também dos seus poderes previamente manifestos), tirando proveito

dessas informações durante a jornada. Simultaneamente, em termos coletivos,

estas descobertas geram a desconstrução dos demônios infantis de sua

cultura, ou seja, provocando um deslocamento do lugar de mal absoluto e

intransponível, ocupado por seus oponentes.

Embora muitas vezes solitário, neste caminho o herói frequentemente

recebe auxílios sobrenaturais, tem uma figura protetora (que nos remete ao

arquétipo do velho sábio) e alguns companheiros de viagem, também com

características heróicas embora com personalidades diferentes (mas

complementares) da do herói. Estes auxílios, seja de objetos ou de pessoas,

dará recursos para a passagem pelo limiar, depois do qual o herói enfrentará

as maiores batalhas, as mais intensas, perigosas e decisivas.

Em seu caminho, o herói também se depara com sombras e enfrenta

seres assustadores e, a priori, mais forte que ele (pelo menos aparentemente).

Entretanto, ele descobre uma série de habilidades que, antes no conforto do

cotidiano, não seria possível. Isto revela seu poder de tomar decisões

relativamente rápidas, enfrentar situações arriscadas com assertividade e

responsabilidade, analisar o contexto calculando os riscos, argumentar e

assumir posições, quando há situações conflitantes, e perceber quando o

emocional está interferindo nas decisões.

O confronto com a morte é outra característica deste arquétipo. A morte

pode ser física ou simbólica, mas está presente. Na maior parte dos casos o

herói se depara com a morte eminente e triunfa sobre ela, se tornando um

mártir (quando ocorre a morte física) ou renascendo a partir de sua própria

destruição (quando a morte física foi apenas uma ameaça ou quando a morte

é simbólica), em ambos os casos o herói triunfa.

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Terminada a busca do herói, após ter sofrido uma visível transformação

durante o período descrito como inciação, ele volta ao seu lugar de origem

onde a bênção (o sucesso na luta) alcançada pode servir à renovação desde

um pequeno grupo até todo o planeta.

O fim da jornada é a transformação do próprio herói. E, mesmo que o

ambiente não sofra alterações, ele não irá enxergá-lo mais da mesma forma.

Com uma bagagem repleta de informações e experiências colhidas em seu

trajeto, o herói não só retorna transformado como também poderá, inclusive,

transformar seu povo. Em todo seu percurso salienta-se no herói a capacidade

de se entregar ao sacrifício para atingir a meta estabelecida em seu intento.

O próprio Campbell resumiu a aventura do herói da seguinte forma:

“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraídos, levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com irmão, batalha com dragão; oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo oponente e descer morto (desmembramento, crucificação). Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, algumas das quais o ameaçam fortemente, ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares). Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua própria divinização (apoteose) ou, mais uma vez - se as forçar tiverem se mantido hostis a ele -, pelo roubo por parte do herói, da benção que ele foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação, transfiguração, libertação). O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele agora

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retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele compreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de obstáculos). No limiar de retorno, as forças transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A benção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir).”

O arquétipo do herói não é exclusivo do protagonista de uma série, mito

ou conto, muitas personagens podem ter atitudes heróicas. Da mesma forma

que o herói pode ter características de outros arquétipos. Poucos acreditam em

heróis que só praticam o bem pelo bem e em vilões que só praticam o mal pelo

mal. A riqueza de uma personagem é sua complexidade, a capacidade de

assumir outros arquétipos, sem se esquecer do principal, dá uma dimensão

humana permitindo a identificação e a credibilidade.

1.3 - Heróis na contemporaneidade

Engana-se, quem pensa que a existência de um herói e seu tempo de

permanecia em voga é um fato limitado aos fãs. Além de alavancar vendas em

um mercado que movimenta bilhões de dólares (com gibis, livros, videogames,

brinquedos e quinquilharias baseadas em personagens), o comportamento, as

decisões, a linha de raciocínio deste herói, estão profundamente relacionadas

aos valores vigentes na sociedade.

No caso dos super-heróis de histórias em quadrinhos, por exemplo,

onde personagens atravessam décadas, observa-se não só a mudança deles

como em alguns casos, morte e ressurreição do mesmo, “devidamente”

alardeadas. Estes eventos na vida do herói abrem caminho para mudanças

necessárias a adequação do perfil do mesmo às novas gerações, às

mudanças de valores.

Um herói, independente do meio pelo qual é veiculada sua história,

representa um padrão de valor, tem a capacidade de satisfazer à necessidade

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de um povo, encarna os valores que simboliza. É, ou se torna, de maneira

emblemática, uma soma das aspirações de um indivíduo, de uma sociedade,

de uma época. Ainda tendo as historias em quadrinhos como exemplo, para

terem vida longa, seus heróis são obrigados a mudar para continuarem a

encarnar os valores vigentes. Mas tal mudança não pode descaracterizá-los.

O gênero fantástico, categoria na qual se enquadra Harry Potter, é

inventado na segunda metade do século XIX (Cani, 2008), num momento pós

industrialização onde o racional ocupava todos os espaços. Mas o herói cético

ou incrédulo da modernidade presencia eventos inexplicáveis trazendo o medo

novamente como possibilidade. Drácula, vampiros e bruxos ressurgem.

“A idéia é sempre a mesma: esses bruxos,

que pareciam desaparecidos há séculos, ainda estão aqui entre nós, em plena Nova York. Cruéis, perigosos, eles escondem sob vestimentas modernas suas ciências e crenças arcaicas e, por trás de seus ares plebeus, invocam o diabo e enfeitiçam seus vizinhos.” (Cani, 2008. Pg.71)

Estes personagens atravessam a segunda grande guerra e são tingidos

de cores e simpatia, deixando de ter caráter maléfico, sendo possível ocupar o

lugar de herói1.

1 Outro fenômeno literário recente do mundo editorial adolescente é a série Crepúsculo, da autora Stephanie Meyer, onde uma garota comum fica entre o amor de um vampiro e um lobisomem, ambos “do bem”.

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CAPITULO II

O HERÓI HARRY POTTER

2.1 - O fenômeno Harry Potter

Em 1997, a escritora J. K. Rowling, atualmente a mulher mais rica do

Reino Unido, mas que até então era um escritora pobre e desconhecida no

mundo literário, lançou no mercado britânico, "Harry Potter e a Pedra Filosofal",

primeiro livro de uma série de romances fantásticos cujo personagem principal

é o bruxinho que conquistou não somente a literatura infanto-juvenil, como

também os cinemas mundiais.

Embora tenha recebido uma repercussão positiva logo no começo, a

obra apenas chegou às livrarias brasileiras em 2000, quando foi publicada pela

Rocco. Publicado em 200 territórios e 64 idiomas, "Harry Potter e a Pedra

Filosofal" e os seis livros subsequentes2 continua alcançando fãs ao redor do

mundo.

Composto de uma série de 7 livros sendo o maior3 com 704 páginas,

Harry Potter tem entre seus leitores desde crianças recém saídas da

alfabetização a adultos de até 40 anos (Cani, 2008).

A tradução dos livros para o português demora uma média de quatro

meses, mas a fissura dos fãs é tanta, que o último da série tinha uma

tradução, feita em mutirão pelos fãs, disponível na internet apenas quatro dias

2 Harry Potter e a Câmara Secreta (1998), Harry Potter e o Prisioneiro de Azkabam (1999), Harry Potter e o Cálice de Fogo (2000), Harry Potter e a Ordem da Fênix (2003), Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2005), Harry Potter e as Relíquias da Morte (2007). 3 ROWLING, J.K. Harry Potter e a ordem da fênix. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

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depois do lançamento do original em inglês. Apesar disso a publicação oficial

não é afetada em termos de vendas. O último livro da série, por exemplo, teve

2,2 milhões de reservas no mundo, batendo o recorde de 1,5 milhão

estabelecido no sexto livro, apenas no site amazon.com. Na editora

Bloomsbury o numero de vendas no Reino Unido ultrapassaram em 17% o

volume total de vendas em comparação com o sexto livro.Ao se colocar as

palavras "Harry Potter" no portal de buscas Google, aparecerão 106 milhões

de resultados4, contra 8,4 milhões no fim de 2005.

As livrarias promovem festas no primeiro dia de vendas de cada volume

com decoração e horários diferenciados já que os leitores fazem fila na porta

várias horas antes do rigoroso horário de lançamento dos livros, que antes

disso são guardados a sete chaves.

No cinema, os filmes são aguardados com ansiedade. Outros filmes

com o mesmo público alvo mudam datas de lançamento para não concorrer

com Harry Potter. As estréias são mundiais, ou seja, a mesma data para todos

os países. Os filmes de Harry Potter não apenas eclipsaram gigantes como a

trilogia Star Wars em bilheteria mundial, mas terminaram como a franquia

cinematográfica número um na história com 4,5 bilhões de dólares.

Em 15 de julho de 2009, estréia mundial do sexto filme (Harry Potter e o

enigma do príncipe), podia se observar nos grandes shoppings do Rio de

Janeiro, grupos de adolescentes vestidos a caráter (com roupas similares ao

uniforme da Escola de Magia e Bruxaria de Rogwarts), além de imensas filas

nas salas de cinema que se formavam bem mais de uma hora antes de cada

sessão. Os canais de TV, na mesma semana, fizeram maratonas com os

filmes anteriores, demonstrando que o sucesso de Harry Potter está longe de

terminar.

4 Consultado em 14 de julho de 2009

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2.2 - A saga do bruxo-herói

Harry Potter é uma criança humilhada e incompreendida. Adotado por

sua tia materna, seu único vínculo familiar após o assassinato de seus pais,

com um feitiço mortal, quando tinha apenas um ano de idade, a parte da casa

onde vive que lhe cabe é o armário debaixo da escada, lá estão seus poucos

pertences e é onde dorme, acompanhado de aranhas. Ao completar 11 anos,

idade de ingresso de crianças bruxas na escola de magia, ele começa a

descobrir sua história. Harry não é apenas um bruxo. Ele é famoso no mundo

mágico por ter sobrevivido ao ataque do mais poderoso bruxo das trevas, que

na época tentava tomar o poder. Ao resistir a esse ataque, Harry, que era

apenas um bebê, faz com que este bruxo desapareça.

Na sua nova escola, Harry Potter descobre um mundo do qual se sente

pertencente; sua história familiar, pessoas que conviveram com os pais que ele

não conheceu.

Coincidentemente ou não, neste mesmo ano, descobre-se que o grande

vilão, Lord Voldemort, “Aquele-que-não-deve-ser-nomeado”, ainda que

enfraquecido, tenta voltar a uma vida plena através da aquisição da pedra

filosofal, que garante vida eterna ao seu possuidor, no que é impedido por

Harry. Inicia-se aí uma guerra que afeta todo mundo mágico e que, descobre-

se ao longo do ciclo, havia sido disparada por uma profecia, que explica

também o ataque que levou à morte os pais de Harry. A busca mal sucedida

de Voldemort pela pedra filosofal é apenas a primeira das sete aventuras,

narradas pela autora ao longo dos sete livros do ciclo, que remetem direta ou

indiretamente à luta entre Harry e Voldemort visto que a profecia, precursora

ao nascimento do herói, afirma que apenas um dos dois pode sobreviver.

Harry Potter, embora chamado de série, na verdade funciona em forma

de ciclo (Cani, 2008) pois traz mudanças irreversíveis a vida dos personagens,

conta a passagem da infância a idade adulta, descreve o amadurecimento que

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passa inevitavelmente por desafios, perdas e elaboração do luto. Na série por

sua vez, falta um enredo global, os personagens não envelhecem5.

Os leitores de HP não passam imunes aos efeitos do aumento gradativo

de realidade em contraposição ao encantamento infantil dos primeiro livros,

especialmente aqueles que acompanharam a saga “em tempo real”. O tempo

de espera entre um livro e outro equivale a um processo de “desintoxicação”

sendo esse um dos grandes diferenciais de Harry Potter.

2.3 - Sete Jornadas em uma

A narrativa de Harry Potter é estruturada em sete volumes sendo cada

um deles uma saga dentro da saga maior, havendo um enigma a se resolver

em cada livro.

Cada volume corresponde a um ano e segue um padrão relativamente

estável, coincidindo com marcações do calendário da Escola de Magia e

bruxaria de Hogwarts, a qual pertence Harry.6

Podemos, em linhas gerais, dividir os livros da seguinte forma:

1) Harry passa a maior parte das férias de Verão da escola na casa dos

Dursley, no mundo dos não-bruxos (denominados trouxas na tradução para o

português do Brasil) suportando o mau tratamento que aí recebe. Esta parte

termina com Harry indo a um local diferente.

2) Fim do Verão: pouco antes do começo das aulas, no outono, Harry vai por

motivos que variam em cada livro, ao Beco Diagonal fazer compra de material

escolar, à A Toca, casa de seu melhor amigo, Rony Weasley, cuja família é

5 Um bom exemplo de série é o seriado americano Friends, transmitido entre 1994 e 2004, onde os personagens, a despeito da idade em torno dos 30, continuavam a dividir apartamentos e a se comportar como estudantes universitários. 6 No quarto livro, Harry Potter e o Cálice de Fogo, J.K Rowling (2000) cita outras escolas bruxas, Beauxbatons, localizada no sul da França e Drumstrang, ao norte da Europa, fazendo os leitores suporem que existem várias delas ao redor do mundo.

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toda formada por bruxos ou ao Largo Grimmauld, Número Doze, sede da

Ordem da Fênix, que nos últimos livros, visa proteger Harry e combater Lord

Voldemort. Termina com a entrada no expresso de Hogwarts. O trem, que

parte da plataforma 9 e meia, uma plataforma mágica na principal estação

ferroviária de Londres, King´s Cross, leva os alunos à escola de magia.

3) Novo ano letivo na escola: personagens novas ou redefinidas tomam vida, e

Harry ultrapassa novos desafios diários, tais como testes difíceis, amores

estranhos e professores mal-humorados, além de infinitas novas descobertas

sobre o mundo mágico onde está; tudo isto termina normalmente perto do

Halloween, que coincidentemente é o dia que Voldemort matou seus pais,

Lílian e Tiago Potter.

4)Conflitos surgem: Harry, seus amigos e colegas de escola começam a

perceber que algo se passa e começam a reagir.

5) Clímax: Harry e os seus amigos fazem uma descoberta importante, e Harry

corre desesperadamente para um determinado local para um conflito maior,

normalmente envolvendo uma batalha contra os vilões. Geralmente acontece

perto ou logo após os exames finais.

6) Conclusão: Harry começa a recuperar da batalha e aprende lições

importantes através de relatos e discussões com Alvo Dumbledore, o diretor da

escola, poderoso e experiente bruxo e uma espécie de mestre pessoal e tutor

de Harry. Os livros terminam com Harry apanhando o Expresso de Hogwarts e

regressando à casa dos tios, no mundo trouxa, onde ele fica até o recomeço

das aulas em setembro.

Apenas no último livro este calendário sistemático é rompido por motivos

que veremos mais adiante.

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CAPITULO III

TRAÇANDO PARALELOS

Não é por acaso que o ciclo de Harry Potter começa na pré

adolescência. O arquétipo do herói está profundamente relacionado com essa

fase da vida embora não corresponda necessariamente a ela. Na

adolescência, exatamente como na jornada do herói, nos distanciamos de

nosso lugar de origem, empregando energias em busca de auto-afirmação e

autonomia, isto é, na redescoberta de nossa identidade. Na narrativa de J.K

Rowling este lugar da adolescência é ainda mais claro, visto que existem

regras a serem respeitadas até que se alcance a maioridade e mesmo depois

dela, refutando a idéia de que quando se tem poderes mágicos tudo é

permitido.

Adolescentes podem ser “Harry Potters” que tem de abandonar velhos

modelos (os que já tem e os dos que o cercam) e construir os seus próprios

novos conceitos, numa verdadeira cruzada heróica em direção ao

desenvolvimento de sua personalidade. Terá que lutar contra a um senhor

absoluto do mal de quem se diferencia apenas através de suas escolhas, visto

que tem inúmeras características em comum com este. Podem ser também

como Rony ou Hermione, já que o arquétipo do Herói não se manifesta apenas

no personagem principal. Leais e inteligentes, os companheiros de jornada de

Harry, realizam inúmeros atos heróicos, salvando inclusive a vida do próprio

Potter, o protagonista, algumas vezes durante os sete anos de luta.

O leitor acompanha o amadurecimento de Harry Potter conseguido a

duras penas, onde o mundo fantástico e encantador descoberto aos 11 anos

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vai dando lugar a cenários pouco a pouco mais sombrios7 num

desencantamento progressivo. Segundo Cani (2008) a estrutura da obra

“enfeitiça, encanta, porém seu verdadeiro

tema é o desencanto; sua duração, sua dificuldade e, por fim, o seu preço. Nisso ela trata menos sobre esse maravilhoso país da infância – para onde ninguém jamais retorna e que, consequentemente, é tão difícil de deixar – do que sobre a passagem progressiva à idade adulta, nunca rápida ou evidente, mas sim exigente e dolorosa, sempre diante de si, sempre a cumprir.” (pg. 41)

Como já vimos, a obra é estruturada em sete volumes sendo cada um

deles uma saga dentro da saga maior. As etapas entrega à missão,

transformação e retorno podem ser observadas em cada um deles. No

contexto da história completa, as etapas correspondentes e suas possíveis

variações descritas por Campbell são identificáveis, em maior ou menor escala

de acordo com o desdobramento da narrativa.

“a primeira tarefa do herói consiste em retirar-se da cena mundana dos efeitos secundários e iniciar uma jornada pelas regiões causais da psique, onde residem efetivamente as dificuldades, para torná-las claras, erradicá-las em favor de si mesmo e penetrar no domínio da experiência e da assimilação, diretas e sem distorções daquilo que C.G.Jung denominou “imagens arquetípicas” (Campbell, 1997, p. 27)

Para Harry, é o início da busca de respostas dos porquês da sua vida:

causa da morte dos pais, maus tratos da tia, coisas estranhas acontecidas ao

seu redor em momentos de tensão ocasionadas por poderes mágicos dos

quais ele não se sabia possuidor. Estas respostas virão em doses

homeopáticas, com revelações graduais em cada livro. O leitor só toma

conhecimento delas quando Harry Potter também fica sabendo.

7 Nos filmes observa-se claramente a partir do terceiro, o literal escurecimento do mundo de Harry Potter.

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3.1 O chamado da aventura

“O envelope era grosso e pesado, feito de pergaminho amarelado e endereçado com tinta verde-esmeralda. Não havia selo. Quando virou o envelope, com a mão tremula, Harry viu um lacre de cera púrpura com um brasão; um leão, uma águia, um texugo e uma cobra circulando uma grande letra ‘H’” (Rowling, 1997. pg 35)

Campbell (1997) define o primeiro momento da aventura do herói como

“o chamado da aventura” ou “os indícios da vocação do herói”.

Como já vimos, os poderes do herói são manifestos preliminarmente

sem grandes explicações até que, num determinado momento, ele é chamado,

convocado a um grande empreendimento histórico, ainda que essa

convocação não deixe clara as dimensões deste empreendimento.

O leitor que está sendo apresentado a Harry Potter no primeiro livro,

acompanha o episódio em que ele, involuntariamente, num momento de raiva,

faz sumir no zoológico a proteção de vidro que separa seu primo Duda de uma

cobra, fazendo-o cair junto a ela. Trata-se de magia involuntária causada por

tensão. Este indício da vocação do herói soma-se a outros ao longo da

narrativa, onde se confirma que previamente a vida dele já apontava para o

que estava por vir.

O chamado da aventura em HP é uma convocação literal. Harry recebe

uma carta que o comunica do início das aulas na escola de magia. Isso

acontece próximo ao seu aniversário de 11 anos, ou seja, no inicio da

Os momentos de tensão se tornam mais longos e os conflitos psicológicos cada vez mais complexos.

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adolescência, fase da vida em que o ser humano passa por etapas muito

semelhantes às que passa o herói em sua jornada.

É a aproximação da passagem por um limiar onde os padrões

emocionais familiares são deixados pra trás e para Harry potter, o inicio da sua

incursão no mundo bruxo, foi também o início do autoconhecimento que a

aventura do herói possibilita a este. Além de ter explicações sobre seus

poderes, ele começa a saber sobre sua história, o verdadeiro motivo da morte

de seus pais e o significado da sua cicatriz em forma de raio na testa.

“Você nunca se perguntou como arranjou essa marca na testa? Isso não foi um corte normal. Isso é o que se ganha quando um feitiço poderoso e maligno atinge a gente; destruiu os seus pais e até a sua casa e é por isso que você é famoso Harry. Ninguém nunca sobreviveu depois que ele decidiu matá-lo, ninguém a não ser você (...) você era apenas um bebe, e sobreviveu.” (Rowling, 1997. Pg. 53)

3.2 Auxilio sobrenatural

O herói pode recusar o chamado por diversos motivos que, conclui-se

após breve analise das histórias, são essencialmente uma recusa à renúncia

de interesses próprios, à vida que o herói já conhece. Não é o que acontece

com Harry que, vivendo como vive, sendo ignorado e maltratado, não tem nada

a perder. Aceitando a partida para a aventura, o herói recebe o que Campbell

(1997) chamou de auxilio sobrenatural.

“Para aqueles que não recusaram o chamado, o primeiro encontro da jornada do herói se dá com a figura protetora (que, com freqüência, é uma anciã ou um ancião), que fornece ao aventureiro amuletos que o protejam contra forças titânicas com que ele está prestes a deparar-se” (Campbell, 1997, p.74)

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Esta figura que aparece subitamente como guia, exerce fascínio e

marca um novo estágio da vida do herói. Embora tenha sido Hagrid quem

apareceu subitamente, oferecendo ajuda e marcando o início da nova etapa de

sua vida, no caso de Harry Potter, não há dúvida de que esta figura do guia é o

professor Dumbledore, diretor da escola de magia, tendo sido o próprio que

deu instruções a Hagrid para buscar Harry. É com Hagrid, um meio gigante

que resgata Harry da ilha onde os tios o esconderam tentando evitar que ele

receba as cartas de convocação para Hogwarts, que pela primeira vez Harry

comemora o seu aniversário, é também Hagrid que o leva para fazer compras

no beco diagonal8 mostrando a passagem da Londres dos trouxas (não-

bruxos) para a Londres dos bruxos, coexistente mas que passa despercebida.

Hagrid goza de total confiança de Dumbledore e por isso é o escolhido para

buscar “o menino que sobreviveu”.

No seu primeiro natal em Hogwarts Harry Potter recebe de presente de

Dumbledore, ainda que não saiba, a capa da invisibilidade de seu pai, uma

aprovação silenciosa a sua já demonstrada pendência a burlar as regras a fim

de resolver mistérios como, por exemplo, perambular pela escola em horários

proibidos. A capa é só o primeiro recurso de vários outros que virão não só do

diretor Dumbledore, mas também de outras figuras de autoridade e auxiliarão o

herói nas suas muitas lutas contra Voldemort e seus aliados. Podemos incluir

na categoria de auxilio e proteção não só recursos concretos, mas também

controle e aprimoramento da capacidade mágica que possui, já que Harry tem

aulas especiais visando defesa em situações específicas de perigo.

8 O Beco Diagonal é um dos lugares pertencentes ao mundo bruxo que estão escondidos no mundo dos trouxas. Entra-se no Beco Diagonal pelo bar O Caldeirão Furado. A entrada do bar, em Londres, fica na Charing Cross. Uma vez que se entra no bar, é necessário ir até um pequeno pátio murado, onde se conta os tijolos acima da lata de lixo. A parede de tijolos se afasta abrindo uma passagem em forma de arco que dá entrada ao Beco Diagonal. É uma rua de pedras irregulares, cheia de lojas com artefatos necessários ao cotidiano bruxo e, erguendo-se entre elas, o banco dos bruxos, Gringotes.

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3.3 A Passagem pelo primeiro limiar

Visto que há um “trânsito” freqüente entre o mundo bruxo e o mundo

trouxa, que coexistem geograficamente, e que há uma história maior além da

narrativa de cada livro, o limiar, a divisão entre a vida presente do herói e a

nova vida que ele vai encontrar, pode em Harry Potter, ser chamado de uma

via de mão dupla, se considerarmos que esse limiar, em termos da história

global, são representados pela primeira passagem para o beco diagonal e pelo

embarque na plataforma mágica de King´s Cross Railway Station9. Ambas são

acessíveis apenas a quem as conhece, no caso os bruxos, ainda que sejam

localizáveis na Londres real.

Podemos considerar também como passagens de limiar, uma área de

força ampliada, além do olhar paternal, lugar inexplorado, deserto, fora das

vias normais pelas quais transita o herói, cada um dos ápices dos livros do

ciclo de Harry Potter. A câmara secreta do segundo livro, o cemitério a que é

levado por uma armadilha no quarto livro, a gruta onde acha a falsa horcrux10

no sexto livro dentre outros.

Além disso, o cenário de Harry Potter está cheio de “mini-limiares”,

fronteiras de lugares proibidos como passagens secretas no colégio, a floresta,

a casa dos gritos. Estes lugares são campos livres para a projeção de

conteúdos inconscientes corroborando com a idéia da origem arquetípica da

estrutura da história.

9 Para chegar na plataforma, é preciso atravessar uma barreira mágica entre as plataforma 9 e 10. Em homenagem à série, a administração da plataforma, na vida real, instalou entre as plataformas 9 e 10, uma placa onde se lê: Plataforma 9 ¾. King´s Cross é uma importante estação ferroviaria de Londres, de onde partem trens com destino a diferentes localidades do nordeste do Reino Unido, além de ser integrada ao metrô. 10 Horcrux é a palavra usada para um objeto em que a pessoa ocultou parte da própria alma, visando atingir a imortalidade. A pessoa divide a alma, através de assassinatos cometidos, e esconde uma metade dela em um objeto externo ao corpo. Então, mesmo que seu corpo seja atacado ou destruído, a pessoa não poderá morrer, porque parte de sua alma continuará presa à terra, intacta. O vilão Voldemort dividiu sua alma em 7 partes e usou Horcruxes pra esconde-las. Nos dois ultimo libros da saga, o herói Harry Potter as encontra e as destrói, destruindo, consequentemente, o próprio Voldemort.

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Sendo o limiar o portal para o novo mundo no qual o herói deve entrar

para mudar e crescer, O guardião do limiar é o primeiro obstáculo que o herói

encontra em sua jornada. O herói irá se deparar com o guardião do limiar logo

no começo da história, geralmente logo que começa a sua busca. Ele

geralmente não é o antagonista da história e sim um servo deste, podendo se

apresentar ainda como um personagem neutro ou até mesmo um aliado em

potencial. Apenas depois de superar esse teste inicial que o herói irá se

deparar face a face com o verdadeiro desafio e o arquiinimigo. O papel do

guardião do limiar é testar a força e o merecimento do herói para iniciar a sua

jornada e para demonstrar que essa jornada não será fácil.

Harry Potter e a pedra filosofal, primeiro livro da série mostra claramente

esta situação. Logo no quinto capítulo, Harry é apresentado ao professor

Quirrel num encontro casual. O perfil desse professor da, se verá durante o

ciclo, mais importante disciplina lecionada em Hogwarts: Defesa Contra a Arte

das Trevas é de alguém nervoso e frágil fazendo as suspeitas de tentativas de

roubo da pedra filosofal caírem sobre o odiado professor Severo Snape. No

final descobre-se que esse professor possui (esta incorporado por) parte da

alma do Lorde das Trevas, sendo apenas uma via de acesso a Harry Potter

que tem, no final do livro, um confronto com ele nos moldes descritos no

parágrafo anterior.

Ao cruzar o limiar o herói adentra a uma paisagem onírica, povoada de

seres ambíguos, formas fluidas e uma sucessão de provas. Mesmo aqueles

que não acompanham de perto o fenômeno Harry Potter sabem, ainda que só

pela propaganda das megaproduções cinematográficas, o quanto o cenário da

história se encaixa nesta descrição, com sua floresta proibida onde habitam

unicórnios e aracnídeos gigantes, rodeando uma escola que existe no meio do

Reino Unido, mas que não pode ser vista por pessoas comuns, um lago

populado por sereias, uma cidade onde todos os moradores são bruxos ainda

que incrustada no Reino Unido “real”.

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O conhecimento, os amuletos e toda ajuda que encontrou antes de cruzar

o limiar são usados de forma direta ou indireta neste momento.

3.4 caminho de provas

O limiar é o início do caminho de provas, o ápice da aventura do herói, seu

momento decisivo.

Dentre as muitas mudanças rumo ao autoconhecimento que o herói passa

no seu “caminho de provas”, está o que Campbell (1997) chama de

“reajustamento de sua relação emocional com as figuras parentais”. Um leitor

desatento poderia não detectar esse aspecto contido em Harry Potter.

Lílian e Tiago, pai de Harry, são citados sempre com saudade e

admiração. Aqueles que os conheceram fazem questão de destacar como

Harry Potter se parece em tudo com o pai, exceto pelos olhos, herdados da

mãe, encantando assim o menino órfão que cresceu ouvindo falarem mal dos

pais que não conheceu. Embora tenha sido uma antiga e poderosa magia do

amor materno que tenha salvo Harry da morte, é com o pai que ele se

identifica, não só pela semelhança física mas também pela habilidade no

quadribol e nas travessuras, sentindo-o assim como irmão mais velho, rebelde

e incontrolável, protetor e cúmplice.

Há uma relação de quase veneração entre Harry Potter e o pai que

perdura durante vários anos. O leitor compartinha dessa visão até Harry ter

acesso,por magia, às memórias do professor Snape que estudou com seu pai

sendo cruelmente maltratado e humilhado por Tiago, quando se percebe que

algo fica fora dos relatos elogiosos. Harry contudo, leva um pouco mais de

tempo para resignificar esse pai, de quem Harry pode se orgulhar e com quem

gosta de parecer, mas arrogante e cruel nas lembranças de Snape, o que só é

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conseguido aos 17 anos, logo, no final da aventura, quando Harry revive, por

meio de lembranças de Voldemort, assassino de seus pais, a morte destes.

“Os falsos adultos estão todos presos em suas verdades subjetivas; todos pararam cedo ou tarde naquilo que eles tinham como verdade em função de seus interesses ou de seus sentimentos. Harry, que os entende, ultrapassa todos, até o próprio Dumbledore, que havia percorrido antes dele uma grande parte do mesmo caminho. É somente se tornando mais lúcido e mais sábio que seu verdadeiro mestre que Harry pode entrar na idade adulta e levar consigo seus leitores” (Cani, 2008. Pg. 130)

3.5 Retorno

A cada livro, há para Harry Potter um retorno da aventura do clímax, onde

ele enfrenta perigos e sai vitorioso. Este é o retorno citado por Campbell “onde

a benção alcançada pode servir à renovação da comunidade, da nação, do

planeta, dos dez mil mundos” (pg. 195), pois ao evitar o retorno definitivo do

maior bruxo das trevas, Harry salva não só o mundo bruxo como evita os

reflexos negativos que a ascensão de um bruxo das trevas, inimigo declarado

de não bruxos e mesmo de bruxos filhos de não bruxos, pode vir a trazer para

o mundo destes, o mundo que conhecemos.

"- Como iria saber o que está acontecendo na comunidade... eh... bruxa? - retorquiu o Primeiro-Ministro. - Tenho um país para governar e preocupações neste momento sem... - Temos as mesmas preocupações - interrompeu-o Fudge - A ponte de Brockedale não ruiu por desgaste natural. Aquilo não foi realmente um furacão. Os homicídios não foram obras de trouxas. E a família de Humberto Chorley estaria mais segura sem ele. Neste momento estamos providenciando sua remoção para o Hospital St Mungus para doenças e acidentes mágicos.” (Rowling, 2005. Pg. 14)

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Mas encontramos também na saga de Harry Potter a “recusa do retorno”,

outra possibilidade de variação dada por Campbell para esta fase da jornada

heróica. Esta recusa, no caso de Harry Potter, é observada ao final de cada

ano letivo, quando ele tem, obrigatoriamente, que voltar a casa dos tios, no

subúrbio de Londres. Visto que há um feitiço protetor atrelado o vinculo de

Harry com sua família (linhagem materna) até que ele se torne maior de idade

(aos 17 anos, no mundo bruxo), este retorno é obrigatório, ainda que

claramente desagrade ao herói; simboliza o retorno à "vida normal", o fim de

uma aventura.

Ainda no caminho de volta, há a possibilidade da “fuga mágica” e nada

mais mágico do que o mundo de Harry Potter. Se para outros heróis a fuga

mágica é algo excepcional, em Harry Potter ela é esperada não só por se tratar

de um ambiente mágico em sua totalidade, mas também pela forma de

narrativa de JK Rowling que deixa “pontas soltas” ao longo do ciclo e que

surgem como cartas na manga para os desfechos da história e dão ao seu

herói mais recursos além da magia que ele já conhece por ser bruxo.

A fuga mágica configura-se, como “aquela na qual são deixados objetos

no caminho para falarem pelo fugitivo e retardarem a perseguição” (Campbell,

1997. pg. 200) e soma-se a ela, ainda em caráter de ajuda ao herói nas suas

maiores batalhas, o “resgate com auxilio externo”, ou seja, quando o mundo vai

ao encontro do herói a fim de resgatá-lo da sua aventura sobrenatural. Os

aurores, bruxos funcionários do ministério da magia e especializado em defesa

contra a arte das trevas, cumprem esse papel nas histórias de Harry Potter.

“Os dois mundos, divino e humano, só podem ser descritos como distintos entre si – diferentes como a vida e morte, o dia e a noite. As aventuras do herói

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se passam fora da terra nossa conhecida, na região das trevas; ali ele completa sua jornada, ou apenas se perde para nós, aprisionado ou em perigo; e seu retorno é descrito como uma volta do além. Não obstante – e temos diante de nós uma grande chave da compreensão do mito e do símbolo – os dois reinos são, na realidade, um só e único reino. O reino dos deuses é uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos. E a exploração dessa dimensão, voluntária ou relutante, resume todo sentido da façanha do herói.” (Campbell, 1997. pg.213)

Neste trecho, podemos substituir o termo “divino” por mágico e mais

uma vez Harry Potter se mostrará um herói clássico. A passagem pelo limiar

do retorno torna o herói o “senhor dos dois mundos” através da liberdade de ir

e vir pela linha invisível que os divide. Estamos falando aqui do mundo mágico

verso o mundo “trouxa”, mas a complexidade da narrativa de Harry Potter pode

nos remeter também a divisão entre o mundo da magia clássica versus as

artes das trevas e mesmo sob esse ponto de vista, o herói Harry Potter é

“senhor dos dois mundos” já que transita entre eles

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CONCLUSÃO

Heróis e vilões da pos modernidade, angustiados pela solidão, ainda sim

seguem o modelo apresentado neste trabalho. Amargurado de ter que vencer

sempre e provar sua invencibilidade, ainda que sua imagem reflita sensações

de dor e medo, o herói mantém a característica principal desse arquétipo.

Como vimos, a principal característica que define o arquétipo do herói é

capacidade que ele tem de se sacrificar em nome do bem estar comum. O

desenvolvimento da trama está pautado nas ações do herói perante o

ambiente que lhe é apresentado e no resultado destas ações.

Assim como a aventura do herói o assunto de um ciclo é a passagem do

tempo e seus efeitos sobre os personagens. A passagem do tempo em Harry

Potter cumpre esta função de assimilação da seqüência, etapa por etapa,

diminuindo-se a doçura da infância e aumentando gradativamente as doses de

realidade do mundo adulto caracterizando o processo de autoconhecimento

descrito por Jung ao versar sobre o arquétipo do herói. As etapas separação,

iniciação e retorno se mostram na história global e em cada um dos livros da

série.

A utilização de símbolos universais em Harry Potter, claramente

observados nesse trabalho e recorrentes em tantas narrativas heróicas a ponto

de serem estudadas por vários teóricos, se mostram uma boa explicação para

o enorme sucesso da série pois os personagens são facilmente

compreendidos havendo empatia entre eles e o público. Quanto mais humana

a feição do seu herói mais provável a identificação. É preciso que o herói tenha

suas qualidades louváveis e desejadas pelo leitor/espectador e ao mesmo

tempo possua fraquezas que o tornem mais humano e mais próximo. Essa

identificação acontece com as histórias dos herois mitológicos, na ancestral

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tentativa de explicar o mundo, mostrando mais uma fez que um fenômeno

contemporâneo como Harry Potter possui elementos presentes na memória

coletiva e exaustivamente estudados.

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BIBLIOGRAFIA

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JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6ªed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

Rahde, Maria Beatriz Furtado. A solidão do Herói. In Sessões do imaginário.

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ROWLING, J.K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Rocco,

1997.

____________. Harry Potter e a câmara secreta. Rio de Janeiro: Rocco,

1998.

____________. Harry Potter e o prisioneiro de azkabam. Rio de Janeiro:

Rocco, 1999.

____________. Harry Potter e o cálice de fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

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____________. Harry Potter e o príncipe mestiço. Rio de Janeiro: Rocco,

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____________. Harry Potter e as relíquias da morte. Rio de Janeiro: Rocco,

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DICIONÁRIO CRÍTICO DE ANÁLISE JUNGUIANA

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l Acesso em: 15 abr 2009.

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http://www.vorpal.com.br/?p=136 Acesso em: 15 abr 2009.

http://www.potterpedia.org/ Acesso em: 10 jul 2009.

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INDICE

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Jung e o conceito de arquétipo 10

1.1 O arquétipo do Herói 10 1.2 A jornada do Herói 12 1.3 O herói contemporâneo 18

CAPÍTULO II - O herói Harry Potter 20

2.1 O fenômeno Harry Potter 20 2.2 A saga Harry Potter 22 2.3 Sete jornadas em uma 23 CAPÍTULO III - Traçando paralelos 25

3.1 O chamado da aventura 27 3.2 Auxilio sobrenatural 28 3.3 A passagem pelo primeiro limiar 30 3.4 Caminho de provas 32 3.5 Retorno 33 CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA 38

ÍNDICE 40

FOLHA DE AVALIAÇÃO 41

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

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