UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA … · Tiradentes (UNIT) como parte dos requisitos ... como...
Transcript of UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA … · Tiradentes (UNIT) como parte dos requisitos ... como...
UNIVERSIDADE TIRADENTES – UNIT
DEPARTAMENTO DE PESQUISA E EXTENSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS
KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA
UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA
URBANIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS COMUNIDADES
TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA GRANDE
ARACAJU
ARACAJU-SE, BRASIL
FEVEREIRO DE 2017
KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA
UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA
URBANIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS COMUNIDADES
TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA GRANDE
ARACAJU
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade
Tiradentes (UNIT) como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre
em Direito na área de concentração em Direitos
Humanos.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Jeane
Helfemsteller Coelho Dornelles
ARACAJU-SE, BRASIL
FEVEREIRO DE 2017
UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE
OS DIREITOS DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA
GRANDE ARACAJU
KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA
Aprovada por:
Prof.ª Dr.ª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles
Orientadora
Prof. Dr. Clóvis Carvalho Britto
(Membro Externo da Banca)
Prof. Dr. Tagore Trajano de Almeida Silva
(Membro Interno da Banca)
Prof.ª Dr.ª Liziane Paixão Silva Oliveira
(Membro Suplente da Banca)
ARACAJU-SE, BRASIL
FEVEREIRO DE 2017
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM DIREITO DA UNIVERSIDADE
TIRADENTES COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A
OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
EM DIREITO NA ÁREA DE
CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS.
SIB- Sistema Integrado de Bibliotecas
Lima, Kellen Josephine Muniz de
L732c Uma cachoeira para Xangô: impactos da urbanização sobre os direitos das
comunidades tradicionais de matriz africana na grande Aracaju / Kellen Josephine Muniz de Lima; orientação [de] Profª. Drª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles
– Aracaju: UNIT, 2017.
229 f. il.: 30 cm
Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Universidade Tiradentes, 2017.
Inclui bibliografia.
1. Religião afro-brasileira. 2.Urbanização. 3. Natureza. 4. Liberdade religiosa. 5.
Dignidade humana. I. Lima, Kellen Josephine Muniz de. II. Dornelles, Carla Jeane
Helfemsteller Coelho. (orient.). III. Universidade Tiradentes. VI. Título.
CDU: 342.725:299.6
AGÔ!
Pedir Agô nas religiões afro-brasileiras significa pedir licença e esse pedido se dirige
especialmente aos mais velhos, aos antepassados, como uma forma de respeito e de
reconhecimento da sabedoria acumulada ao longo dos anos de vida e experiência. Sendo assim,
peço Agô para, pelo menos nesse pequeno espaço, falar em primeira pessoa e sem preocupação
com as formalidades do universo acadêmico e científico.
Peço Agô para falar pouco sobre o caminho percorrido nessa jornada chamada pesquisa
de campo em que, a todo tempo, estive buscando e sendo buscada. Deveria falar sobre as
situações com as quais me deparei no campo mas peço Agô para silenciar. Possivelmente
receberei críticas e esse silenciamento talvez me custe um certo empobrecimento da narrativa
sobre o caminho percorrido enquanto pesquisadora. Dirão, talvez, que a riqueza do campo
precisa ser compartilhada com o leitor, as suas nuances, dores e belezas, seus sons, cores,
cheiros, impressões e sentimentos causados, angústias, infortúnios, surpresas, revelações,
alegrias, suas marcas deixadas. Sim, é verdade! Mas embora pesquisadora não deixei de ser
nativa, afrorreligiosa, e a partir do entre-lugar por mim ocupado o processo de espelhamento
foi inevitável.
Neste sentido, as dificuldades e peculiaridades do campo em muito dialogam com meu
íntimo espelhado em falas, gestos, sentimentos e principalmente silêncios dos entrevistados e
entrevistadas. Falar sobre isso não cabe nas linhas desse trabalho. Com a devida vênia, mas por
hora isso permanecerá apenas em minha memória. Ademais, muitas das dificuldades
encontradas no campo também se referem a própria lógica interna das religiões afro-brasileiras,
que estão pautadas no segredo1. E eu, enquanto nativa, não poderia desrespeitar qualquer das
leis que nos sustentam e nos ancoram. Opto por pagar o preço e manter o silêncio a fim de
preservar uma das nossas mais importantes leis, a lei do segredo!
Assim, opto por também sustentar o empobrecimento deste trabalho que carece de
fotografias e imagens dos terreiros investigados e de seus rituais religiosos que, por certo, em
1 Sobre a lei do segredo no candomblé Bastide (1971, p. 334) explica: “todos os etnógrafos que se interessam pela
vida dos candomblés são surpreendidos pela importância que aí desempenha o ‘segredo’ como arma de defesa
contra os brancos”; “Não se pode revelar os segredos de uma só vez; é preciso paciência e tempo [...] o segredo
tem uma força mística perigosa, como tudo o que lhe é atribuído e que é preciso neutralizar. Em suma, a lentidão
na divulgação dos conhecimentos secretos do candomblé é uma espécie de inoculação progressiva, de vacinação
de coisas cada vez mais fortes, para que o dom do segredo não se transforme em perigo, tanto para quem o ‘dá’
como para quem o ‘recebe’” (BASTIDE, 1971, p. 346). Rabelo (2015) explica que o processo de aprendizado no
candomblé se assemelha ao trabalho de juntar folhas, em virtude da fragmentação que se opera. Parte do
conhecimento religioso “é considerado secreto (fundamento) e mantido fora do alcance não só dos de fora, mas
também daqueles, de dentro, que se situam na base da hierarquia religiosa” (RABELO, 2015, p. 238).
muito enriqueceriam visualmente o resultado final. Entretanto, o curto tempo do mestrado,
especialmente do campo, não permitiu uma maior inserção e convivência nos terreiros
pesquisados a fim de que eu pudesse romper algumas barreiras naturalmente impostas “aos de
fora”. Por isso, ainda em respeito à essa mesma lei do segredo, não me senti confortável para
fazer qualquer registro fotográfico, ainda que autorizado por alguns entrevistados. Orixá
sustentou os caminhos por mim percorridos no campo desde o primeiro passo até o último, e
em respeito a Orixá optei por preservar seus espaços sagrados e cultos. Ademais, a internet está
repleta de imagens que podem satisfazer a curiosidade ou expectativas dos que tiverem
necessidade de “ver”. A mim, enquanto nativa e a partir do entre-lugar que ocupo, a única opção
ética possível foi pelo respeito ao segredo!
Peço Agô para agradecer e reverenciar a força de Orixá que me sustenta de pé, que me
impulsiona, que me fortalece e que é a minha própria vida. Se talvez eu ainda não saiba QUEM
SOU, sei muito bem DE QUEM SOU: SOU DE ORIXÁ! Kawô Kabiecile! Odô iá! Okê Arô!
Peço Agô para agradecer e reverenciar a força de Jurema e de São Miguel Arcanjo,
professores, curadores e alimento da minha alma!
Peço Agô para agradecer aos mentores que me amparam: Laroyê Exu! Adorei as almas!
Okê Caboclo! Oni Beijada! Optchá!
Peço Agô para agradecer aos deste mundo que iluminam meu caminho e aquecem meu
coração: pais biológicos, pais espirituais, esposo, filhos de quatro patas, amigos, irmãos.
Peço Agô para agradecer aos que abriram as portas de seus barracões para me receber,
e que entre tantos afazeres e obrigações típicas da vida religiosa, reservaram um tempo para
refletir e responder às questões por mim propostas. Fui acolhida do primeiro ao último terreiro,
fui acolhida por cada um dos Orixás, Inquices, Voduns, Guardiões, Protetores e Mentores de
cada terreiro por onde passei. Os relatos e histórias ouvidas não foram apenas registradas,
transcritas e tabuladas, mas foram sentidas e reverberaram em mim provocando uma série de
angústias e inquietações. São muitas as carências, são muitos os silenciamentos, são muitas as
desesperanças, mas uma força é maior do que todos os desencantos, a FÉ! E dessa Fé emerge a
alegria, a felicidade e a plenitude de viver em Orixá e para Orixá! Por isso o nome desse povo
é Resistência!
Peço Agô para agradecer a Prof.ª Dr.ª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles,
orientadora deste trabalho, ao Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, demais professores e
professoras do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unit, ao professor Clóvis Carvalho
Britto da UFS, além de todas e todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a
conclusão desse ciclo.
RESUMO
A sacralização da natureza constitui um dos principais elementos dos cultos religiosos afro-
brasileiros. Os ambientes naturais são considerados domínios dos deuses africanos e o uso de
ervas e plantas também é indispensável nas liturgias. Pesquisas realizadas e sistematizadas
como dados secundários demonstraram que em decorrência da urbanização o acesso às folhas
e ambientes naturais sagrados tem se tornado cada vez mais difícil. Neste sentido, diante da
inexistência de estudos específicos sobre esse fenômeno em Sergipe, especialmente na Grande
Aracaju, demonstrando a relevância da coleta de dados a nível local, o presente trabalho teve
por objetivo principal identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o uso/conservação
dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz africana na Grande
Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população
investigada. A pesquisa foi do tipo qualitativa, de abordagem naturalista e objetivo exploratório;
utilizou como procedimento a pesquisa de campo e a entrevista semiestruturada como técnica
de coleta de dados. Para a fundamentação teórica também se utilizou de levantamento
documental e bibliográfico. Adotou-se como base de amostragem da população investigada as
informações reunidas pelo “Projeto “Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”. O tamanho da
amostra foi definido através de cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta (2002) e
extraída do todo por meio de uma amostragem aleatória simples. O trabalho está dividido em
quatro capítulos: o primeiro apresenta noções gerais sobre as religiões afro-brasileiras; o
segundo trata da importância do espaço “mato” e do uso das folhas nas liturgias discutindo as
modificações impostas a partir da urbanização; o terceiro aborda o uso de ambientes naturais
sagrados e impactos da urbanização na conservação e continuidade de acesso a esses ambientes;
o quarto apresenta as elaborações a partir dos resultados obtidos na pesquisa de campo,
especialmente a discussão sobre a ocorrência de violações ao direito de liberdade religiosa e
dignidade humana da população investigada e as possibilidades de transformação dessa
realidade a partir das formulações teóricas de Boaventura de Sousa Santos. Constatou-se que
em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos das comunidades tradicionais de
matriz africana estão sendo violados, especialmente o direito ao amplo exercício da liberdade
religiosa, posto que passam a enfrentar sérias dificuldades para manutenção de suas práticas
tradicionais que dependem do uso de espécies vegetais e ambientes naturais preservados. Neste
cenário, se fortalece o risco de descaracterização de saberes e práticas tradicionais,
configurando uma violação ao direito de culto que atinge a dignidade humana dos
afrorreligiosos. Os resultados apontam a necessidade de abertura de um canal de diálogo com
o poder público objetivando a efetiva construção de uma política pública de proteção, a exemplo
da criação de um espaço que reúna as condições necessárias à garantia do amplo exercício da
liberdade de culto das comunidades tradicionais de matriz africana, o que foi apontado nos
resultados da pesquisa como principal solução para a superação das dificuldades enfrentadas na
utilização de ambientes naturais para fins religiosos em Sergipe.
Palavras-chave: Religiões afro-brasileiras; Urbanização; Natureza; Liberdade Religiosa;
Dignidade Humana.
ABSTRACT
One of the elements in the Afro-Brazilian cults is the nature sacralization. Natural environments
are considered the African gods domains and the use of herbs and plants is also indispensable
in liturgies. Researches that were done and systematized as secondary data has shown that
access to sacred natural leaves and environments has become increasingly difficult as a result
of urbanization. In this sense, considering the lack of specific studies about that phenomenon
in Sergipe, especially in Greater Aracaju, demonstrating the relevance of local data collection,
the main objective of this study was to identify and analyze the impacts of urbanization on the
use / conservation of the territories consecrated by the traditional African-based communities
in Greater Aracaju, as well as their unfolding of the right to religious freedom of the researched
population. The research was of the qualitative type, in the Naturalist approach and Exploratory
Objective. The semistructured interview as data collection technique had used as field research
procedure. For the theoretical basis, we also used documentary and bibliographic research. The
information collected by the "Ododuwá Project - The Feminine Part of Creation" was taken as
the sampling base of the investigated population. The sample size was defined by calculation
based on the formula proposed by Barbetta (2002) and extracted entirely by means of a "simple
random sampling.The work is divided into four chapters: the first presents general notions about
Afro-Brazilian religions; the second deals with the importance of the space "bush" and the use
of the leaves in the liturgies, discussing the modifications imposed from the urbanization; the
third addresses the use of sacred natural environments and impacts of urbanization on the
conservation and continuity of access to those environments; the fourth presents the
elaborations from the results obtained in the field research, especially the discussion about the
occurrence of violations to the right of religious freedom and human dignity of the researched
population and the possibilities of transformation of this reality from the theoretical
formulations of Boaventura de Sousa Saints. It was verified that as a result of the urbanization
in Great Aracaju, rights of the traditional communities of African matrix are being violated,
especially the right to the ample exercise of religious freedom, since they face serious
difficulties to maintain their traditional practices that depend on the use of plant species and
preserved natural environments. In this scenario, the risk of decharacterization of traditional
knowledge and practices is strengthened, configuring a violation of the cult right that affects
the human dignity of afro-religious. The results point out the need to open a channel for dialogue
with the public authorities, aiming at the effective construction of a public policy of protection,
such as the creation of a space that meets the necessary conditions to guarantee the widespread
exercise of the freedom of cults from the traditional communities of African matrix, which was
pointed out in the results of the research as the main solution to overcome the difficulties faced
in the use of natural environments for religious purposes in Sergipe.
Keywords: Afro-Brazilian Religions; Urbanization; Nature; Religious Freedom; Human
Dignity.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico1 – Grau de satisfação com o local onde o terreiro se encontra ...................................58
Gráfico 2 – Motivos de satisfação com o local ........................................................................59
Gráfico 3 – Motivos de insatisfação com o local .....................................................................59
Gráfico 4 – Presença de “espaço mato” nos terreiros investigados .........................................75
Gráfico 5 – Caracterização dos terreiros que informaram ter “espaço mato”...........................75
Gráfico 6 – Grau de satisfação com o espaço interno do terreiro reservado às ervas/plantas..76
Gráfico 7 – Motivos para inexistência de “espaço mato” nos terreiros investigados ..............77
Gráfico 8 – Inexistência de “espaço mato” e dificuldades .......................................................86
Gráfico 9 – Dificuldades decorrentes da inexistência de “espaço mato”..................................87
Gráfico 10 – Fontes externas de ervas e plantas litúrgicas para os terreiros ............................88
Gráfico 11 – Urbanização no entorno dos terreiros investigados ............................................99
Gráfico 12 – Urbanização e dificuldades internas .................................................................100
Gráfico 13 – Dificuldades decorrentes da urbanização ..........................................................100
Gráfico 14 – Motivos que modificam a continuidade de uso de ambientes naturais .............157
Gráfico 15 – Dificuldades encontradas pelos terreiros na utilização de ambientes naturais..168
Gráfico 16 – Principais dificuldades e/ou impedimentos ......................................................168
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Diferenças entre “espaço mato” e “espaço cultivado”...........................................82
Quadro 2 – Uso de territórios externos pelos terreiros investigados .....................................134
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 7, bloco IV........................................61
Tabela 2 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 8, bloco IV........................................78
Tabela 3 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 9 e 10, bloco IV.............................89
Tabela 4 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 11 e 12, bloco IV ........................102
Tabela 5 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 1, 2, 3 e 8, bloco V ......................122
Tabela 6 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 4 e 5, bloco V...............................149
Tabela 7 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 6 e 7, bloco V ..............................170
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23
1 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: ENTRE O ÒRUN E O ÀIYÉ ................................ 23
1.1 Òrùn: Elementos Estruturantes e Cosmovisão ............................................................ 28
1.2 Àiyé - O Terreiro ......................................................................................................... 40
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 52
2 KÓ SÍ EWÉ, KÓ SÍ ÒRÌSÀ– A IMPORTÂNCIA DAS FOLHAS E DO “ESPAÇO
MATO” ................................................................................................................................. 52
2.1 Presença e Conservação do “espaço mato” nos terreiros investigados ....................... 57
CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 117
3 TERRITÓRIOS EXTERNOS: TERRITÓRIOS DE AXÉ! ............................................. 117
3.1 Em busca dos territórios de Axé em Sergipe ............................................................ 121
CAPÍTULO IV ...................................................................................................................... 189
4 ELABORAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS: IMPACTOS SOBRE A LIBERDADE
RELIGIOSA E DIGNIDADE HUMANA DA POPULAÇÃO INVESTIGADA .............. 189
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 209
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 212
REFERÊNCIAS DAS ENTREVISTAS ............................................................................. 222
ANEXOS ............................................................................................................................... 223
ANEXO 1: Termo de consentimento livre e esclarecido.................................................... 223
ANEXO 2: Roteiro de entrevista semiestruturada .............................................................. 226
12
INTRODUÇÃO
O presente trabalho não tem a pretensão de ser um tratado sobre as religiões afro-
brasileiras (ou de matriz africana), por este motivo não contém uma revisão bibliográfica
exaustiva sobre as inúmeras obras que se debruçaram sobre esse universo religioso, em suas
mais diversas nuances. Apenas serão apresentadas algumas noções sobre seus elementos
estruturantes e visão de mundo2 (cosmovisão), a partir de alguns autores clássicos, a fim de que
o leitor possa melhor compreender o objeto de estudo desta dissertação, que consiste em analisar
e discutir os desdobramentos da urbanização nos direitos dos “povos e comunidades
tradicionais de matriz africana”3 da Grande Aracaju4.
O interesse por esse tema surgiu por volta de 2011 quando, enquanto afrorreligiosa
integrante de um determinado terreiro em Aracaju, surgiu a necessidade de buscar uma
cachoeira que reunisse algumas características específicas para realização de uma oferenda a
Xangô. A cachoeira de Macambira/SE costumava ser utilizada para esse fim há alguns anos,
contudo, já não oferecia as mesmas condições favoráveis, pois passou a ser muito procurada
para fins de turismo e lazer, impondo algumas dificuldades ao seu uso religioso.
Na época se cogitou realizar a oferenda em uma das cachoeiras da Serra de Itabaiana,
entretanto, essa possibilidade foi descartada por se tratar de um Parque Nacional. Outras
cachoeiras também foram indicadas, a exemplo das localizadas nos municípios de Nossa
Senhora de Lourdes, Areia Branca, Lagarto e Pirambu, entretanto, todas foram descartadas pelo
mesmo motivo: eram muito requisitadas como espaços turísticos e de lazer. O fato é que aquela
determinada oferenda já não vinha sendo feita há alguns anos e, até minha saída do terreiro em
2013, continuou sem ser realizada.
Desse episódio nasceu o interesse em investigar se outros terreiros estavam tendo as
mesmas dificuldades para realização de práticas religiosas em ambientes naturais. Mas, naquela
época essa problemática ainda não estava bem formulada de modo que a percepção quanto à
existência de um entrelaçamento com o processo de urbanização só foi amadurecida quando da
elaboração do projeto de pesquisa, já em 2014.
2 Geertz explica que a visão de mundo de um povo “é o quadro que elabora das coisas como elas são, na simples
realidade, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade” (GEERTZ, 1978, p. 144). 3 “[...] grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por
africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano
no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela
prestação de serviços à comunidade” (BRASIL, 2013, p.12). 4 Constituída por Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão.
13
O universo das religiões afro-brasileiras é recheado de símbolos5 estranhos ao mundo
judaico-cristão-ocidental. Portanto, somente a partir de um mínimo entendimento sobre as
lógicas inseridas neste modus de vida dessas religiões é que se torna possível compreender a
construção interna do que, para seus nativos, representa a salvaguarda dos seus direitos
religiosos e o quanto essa defesa está diretamente entrelaçada à proteção de ambientes naturais
e da dignidade humana.
As religiões afro-brasileiras foram criadas a partir da reunião de diversos elementos dos
cultos de origem africana trazidos para o Brasil pelos negros escravizados. Herdaram dessa raiz
uma forte integração do homem com a natureza, apresentando diversos rituais que utilizam a
paisagem natural como local de culto, a exemplo de matas, cachoeiras, rios, pois são nesses
ambientes que reside a força das divindades cultuadas no panteão africano.
Estruturalmente, os terreiros costumavam ser constituídos por um espaço “urbano” –
local onde acontecem as atividades litúrgicas e que, eventualmente, também serve de moradia
para membros da comunidade religiosa – e um espaço “mato”, onde se encontram árvores
consagrados aos orixás, ervas e plantas sagradas indispensáveis ao culto. Contudo,
especialmente em razão da intensificação dos processos de urbanização nas cidades, vem se
observando um contínuo processo de estrangulamento dos terreiros do que decorre um impacto
direto na preservação do citado espaço “mato”.
Além disso, devido à forte relação mantida entre o culto e a natureza, visto que é nela
que se encontram os domínios das divindades africanas, alguns rituais de relevância central
ocorrem em ambientes naturais considerados sagrados pelos religiosos e que se encontram em
espaços fora dos limites internos dos terreiros. A literatura (SILVA, 1995; DUARTE, 1998;
BARROS, 2011; RÊGO, 2006; MOUTINHO DA COSTA, 2011) tem apontado que, também
em decorrência do avanço da urbanização, o uso ritualístico desses ambientes naturais pelas
comunidades tradicionais de matriz africana tem sofrido restrições, trazendo dificuldades para
os religiosos que vão desde a necessidade de buscar espaços em locais cada vez mais distantes
até passar a realizar dentro dos próprios terreiros rituais que, tradicionalmente, eram realizados
na natureza, o que configura uma descaracterização do culto, por razões que serão apresentadas
e analisadas ao longo do trabalho ora apresentado.
Todo esse panorama tem levado a uma gradativa subtração dos afrorreligiosos de seu
meio ambiente sagrado. Tal cenário é preocupante pois representa uma violação ao exercício
5 Segundo Geertz, os símbolos funcionam como um vínculo entre algo, ou objeto, e uma concepção. Neste sentido,
o símbolo é “algo que é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como
vínculo a uma concepção – a concepção é o significado do símbolo” (GEERTZ, 1978, p. 105).
14
do direito à liberdade religiosa das comunidades tradicionais de matriz africana, problemática
essa que emerge como desdobramento do adensamento urbano.
Ao reunir informações sobre essa problemática, foi possível constatar a inexistência de
dados sobre a preservação de “espaços matos” nos terreiros da Grande Aracaju, bem como
sobre os territórios externos que são utilizados nas liturgias afrorreligiosas, o que tornava
impossível mensurar o impacto da urbanização para as religiões afro-brasileiras em Sergipe.
Entretanto, pesquisas realizadas e sistematizadas como dados secundários neste estudo
demonstraram que o processo de urbanização tem trazido impactos negativos sobre os direitos
religiosos das comunidades tradicionais de matriz africana como um todo, desde a extinção de
algumas de liturgias à imposição de difíceis adaptações nas suas práticas ritualísticas (SILVA,
1995; DUARTE, 1998; BARROS, 2011; RÊGO, 2006; OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO
JR., 2010; MOUTINHO DA COSTA, 2011).
Decorre daí a relevância do presente trabalho em coletar dados capazes de mensurar os
impactos decorrentes da urbanização para as comunidades afrorreligiosas na Grande Aracaju.
Trata-se, pois, de uma abordagem original no campo do Direito, especialmente em razão do
silêncio que ainda reina com relação às intersecções entre direitos humanos e liberdade religiosa
das comunidades afro-brasileiras, o que sugere uma perspectiva multidisciplinar do trabalho. O
estudo ganha maior relevância ao apresentar uma pesquisa de campo, evidenciando a
problemática em um estudo de caso e abordagem ainda inédita na Grande Aracaju.
O trabalho foi desenvolvido a partir do seguinte problema: Como o processo de
urbanização na Grande Aracaju tem impactado na preservação e uso religioso de territórios
tidos como sagrados para as comunidades tradicionais de matriz africana?
A partir desse problema foram formulados os objetivos a serem buscados. O objetivo
geral da pesquisa consistiu em identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o
uso/conservação dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz
africana na Grande Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade
religiosa da população investigada. Para alcançar o objetivo geral foram definidos os
seguintes objetivos específicos:
1. Identificar se, em decorrência da urbanização, tem ocorrido um “estrangulamento” dos
terreiros a ponto de comprometer a presença e conservação dos “espaços mato”, demonstrando
a relação interdependente entre a perda do espaço interno e externo;
2. Identificar o uso de territórios externos pelos terreiros investigados e possíveis dificuldades
e adaptações decorrentes do processo de urbanização no uso desses territórios.
15
Aqui é importante esclarecer que, após a qualificação, foram feitos alguns ajustes nos
objetivos inicialmente propostos. Isso porque se identificou a necessidade de melhor destacar a
contribuição e a originalidade que a pesquisa propõe, que consiste no tratamento dessa temática
no campo do direito, de modo que a questão da dignidade humana e da liberdade religiosa
pudessem ganhar evidência. Percebeu-se, também, que o terceiro objetivo específico proposto
na qualificação, qual seja, “analisar as políticas públicas implantadas no Rio de Janeiro
(“Espaço Sagrado”), a fim de inferir se podem servir como modelo de proteção dos territórios
afrorreligiosos na Grande Aracaju”, na verdade constituiria uma outra pesquisa, razão pela qual
optamos por abrir mão desse objetivo abordando esse aspecto como consequência das
considerações finais após a pesquisa de campo.
Para alcançar os objetivos definidos se utiliza da pesquisa Naturalista, por meio de
Pesquisa de Campo, buscando identificar os impactos da urbanização na subtração de espaços
litúrgicos afrorreligiosos na Grande Aracaju. É importante esclarecer que foi eleita uma
amostragem apenas de terreiros localizados na Grande Aracaju (Aracaju, São Cristóvão e Nossa
Senhora do Socorro).
Adotou-se como referencial da população total as informações levantadas pelo “Projeto
“Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”, desenvolvido a partir de uma parceria entre o
Fórum Sergipano das Religiões de Matriz Africana, Secretaria de Estado da Inclusão,
Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de Sergipe e Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal, reunidas no catálogo “Religiões de
Matriz Africana do Estado de Sergipe”. Por sua vez, chegou-se ao tamanho da amostra em
número de 18 (dezoito) terreiros a partir do cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta
(2002) para cálculo do tamanho mínimo da amostra.
Após definido, dentro da população total, o número de terreiros a serem investigados, a
amostra foi extraída do todo por meio de uma “amostragem aleatória simples”. Do sorteio
realizado para composição da “amostragem aleatória simples” resultaram 18 (dezoito) terreiros,
dos quais, 16 (dezesseis) aceitaram participar da pesquisa. Insta esclarecer que, apesar de na
primeira fase de coleta de dados do campo ter sido possível manter contato com os 16
(dezesseis) participantes da amostra, quando da fase de imersão na pesquisa de campo não foi
possível realizar as entrevistas com 3 (três) deles, de modo que a amostra final foi reduzida a
13 (treze) terreiros.
O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa de campo foi a entrevista
semiestruturada com membros ocupantes de cargos hierárquicos em cada terreiro. Além da
pesquisa de campo também foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, com o
16
objetivo de fundamentar através de livros, artigos, outros estudos, políticas públicas e legislação
nacional.
O referencial teórico divide-se em quatro capítulos de desenvolvimento. O primeiro
capítulo apresentará noções gerais sobre as religiões de matriz africana, seus elementos
estruturantes e cosmovisão. O segundo capítulo trará a configuração estrutural dos terreiros
demonstrando a importância da preservação do “espaço mato” com especial foco na presença
e conservação desses espaços nos terreiros investigados; apresentará a resposta ao objetivo
primeiro específico com base na análise e discussão dos dados obtidos na pesquisa de campo.
O terceiro capítulo tratará sobre os territórios de Axé, ou seja, os espaços sagrados presentes
na natureza que guardam íntima relação com as divindades do panteão africano, demonstrando
a importância da preservação desses territórios sagrados como forma de proteção do direito à
liberdade religiosa das comunidades tradicionais de matriz africana em Sergipe; apresentará a
resposta ao segundo objetivo específico com base na análise e discussão dos dados obtidos na
pesquisa de campo. O quarto capítulo trará as elaborações que emergiram a partir dos
resultados da pesquisa de campo, especialmente a discussão sobre a ocorrência de violações ao
direito de liberdade religiosa e dignidade humana da população investigada e as possibilidades
de transformação dessa realidade a partir das formulações teóricas de Boaventura de Sousa
Santos, respondendo ao objetivo principal da pesquisa.
Cabe ainda, uma ponderação importante quanto à grafia das palavras de origem iorubá
presentes neste trabalho. Com todo respeito à referida língua mãe, mas optamos por grafar a
maioria das palavras religiosas de origem iorubá de acordo com suas adaptações para a língua
portuguesa como uma forma de reforçar que o presente estudo não tratou de religiões africanas,
ou do chamado culto tradicional iorubá, mas sim das religiões afro-brasileiras, que resultaram
da fusão entre elementos dos cultos africanos e adaptações tipicamente brasileiras.
Quanto aos procedimentos metodológicos trata-se de pesquisa de abordagem naturalista
e objetivo exploratório. Seus procedimentos foram: pesquisa bibliográfica, documental e de
campo.
A pesquisa naturalista “não envolve manipulação de variáveis, nem tratamento
experimental; é o estudo do fenômeno em seu acontecer natural” (ANDRÉ, 1995, p. 17).
Os desafios que concerne tal opção epistemológica são conhecidos na comunidade
acadêmica. Sobre isto, André (1995) tem nos apresentado uma reconstrução conceitual que
caracteriza o período atual de transição paradigmática que ocorre também no âmbito das
pesquisas nas ciências humanas. Neste, a autora problematiza a fragilidade do termo pesquisa
qualitativa apontando as reconstruções que a história deste fenômeno tem realizado:
17
Se num determinado momento foi até interessante utilizar o termo qualitativo para
identificar uma perspectiva de conhecimento que se contrapunha ao positivismo, esse
momento parece estar superado. Esse momento foi justamente o final do século XIX,
quando surge o enfoque qualitativo em oposição ao quantitativo. (...) Esse debate teve
um importante papel porque permitiu pôr em questão o valor da orientação positivista
no trabalho científico e fez emergirem questões de natureza filosófica e
epistemológica – como o critério de verdade no trabalho científico, a relevância dos
resultados da pesquisa, a questão do objetivismo x realismo etc. – que foram, sem
dúvida, importantes para a evolução da pesquisa nas ciências sociais e, em
decorrência, na área da educação (ANDRÉ, 1995, p.25).
Com suas elaborações André (1995, p. 24) supera uma possível visão reducionista do
termo “pesquisa quantitativa” identificada enquanto uma pesquisa positivista de ciência,
demonstrando que há uma inter-relação entre as abordagens quantitativa e qualitativa que
inclusive podem ser utilizadas conjuntamente e uma pesquisa qualitativa que é, por sua vez,
definida considerando aspectos mais complexos. Neste sentido a autora adverte que “associar
quantificação com positivismo é perder de vista que quantidade e qualidade estão intimamente
relacionadas”. Faz-se necessário ultrapassar a dicotomia: qualitativo x quantitativo,
considerando seu caráter de complementaridade, visto que:
É muito mais interessante e ético dizer que “30% dos entrevistados consideraram a
proposta autoritária” do que afirmar genericamente que “alguns professores
consideraram a proposta autoritária”. Deixa o estudo de ser qualitativo porque
reportou números? É evidente que não. No caso, o número ajuda a explicitar a
dimensão qualitativa. (ANDRÉ, 1995, p. 24).
Outro elemento a ser destacado na obra de André (1995, p. 24), se refere à
problematização quanto à utilização ampla e genérica do termo pesquisa qualitativa ao que é
sugerido o emprego dos termos quantitativo e qualitativo “para diferenciar técnicas de coleta
ou, até melhor, para designar o tipo de dado obtido”. Para determinar o tipo de pesquisa
realizada, a autora propõe que se utilizem denominações mais precisas: histórica, descritiva,
participante, etnográfica, fenomenológica, etc. Sua proposição desloca a centralidade do debate
para a questão metodológica como tema a ser aprofundado, considerando o entendimento de
que qualidade e quantidade estão intimamente relacionadas (FREITAS, 2004; COELHO,
2011).
Estas compreensões demonstram o tencionamento e o redimensionamento das questões
em torno das quais se problematizam os processos de investigação. O questionamento acerca
dos pressupostos epistemológicos e dos procedimentos metodológicos que sustentam a
pesquisa, antecede a distinção entre pesquisas quantitativas e qualitativas.
18
[...] as discussões hoje devem se centrar em questões mais consistentes como: a
natureza do conhecimento científico e sua função social; o processo de produção e o
uso desse conhecimento; critérios para a avaliação do trabalho científico; critérios
para seleção e apresentação de dados qualitativos; métodos e procedimentos de análise
de dados, entre outros (ANDRÉ, 1995, p.16).
Neste sentido, assume-se a necessidade de se buscar um novo paradigma que dê
sustentação à busca de respostas às questões fundamentais com que se depara o/a pesquisador/a
no enfrentamento do cotidiano, tais como:
O que caracteriza um trabalho científico? O que diferencia o conhecimento científico
de outros tipos de conhecimento? Quais os critérios para se julgar uma boa pesquisa?
O que se pode considerar como válido e confiável na pesquisa? Como deve ser tratada
a problemática da generalização? Qual o papel da teoria na pesquisa? Como articular
o micro e o macrossocial? Como trabalhar a subjetividade na pesquisa? Quais as
formas mais apropriadas de análise dos dados qualitativos? (ANDRÉ, 1995, p.25).
De acordo com Gil (2005), as Pesquisas Exploratórias são aquelas que têm por objetivo
explicitar e proporcionar maior entendimento de um determinado problema. Nelas o
pesquisador procura um maior conhecimento sobre o tema em estudo Trata-se de uma pesquisa
que pretende descrever características de um fenômeno (TRIVINOS, 1987). Vergara (2000)
explica que a Pesquisa exploratória é realizada em áreas ainda pouco exploradas. Por ser uma
pesquisa naturalista caracterizada de acordo com explicações acima, não exige a formulação de
hipóteses.
A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas com o
aprofundamento da compreensão de um determinado grupo social. Preocupa-se com aspectos
da realidade que não podem ser quantificados, trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, centrando-se na compreensão e explicação da
dinâmica das relações sociais (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009).
Kant de Lima e Lupetti Batista (2010) destacam a relevância da realização de pesquisas
empíricas para a compreensão do Direito e de suas instituições e a necessidade de se começar
a pensar o Direito a partir de outra perspectiva que não as que vêm sendo tradicionalmente
utilizadas pelo campo dogmático, o que justifica a escolha por este tipo de pesquisa. Assim
pronunciam os autores:
Logo, estudar Direito, suas práticas, instituições e tradições, sob uma perspectiva
empírica é o que permitirá perceber, como inúmeras pesquisas já apontaram que o
Direito que se pratica está muito distante do Direito que se idealiza. Olhar para a
realidade vai possibilitar ver em que medida essa distância se verifica e, a partir disso,
sem negar nem criminalizar as eventuais discrepâncias, engendrar, pelo contrário, o
19
que é necessário fazer para alterar o rumo desses caminhos tão dissonantes [...].
(KANT DE LIMA; LUPETTI BATISTA, 2010, p. 22).
O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa qualitativa de campo foi,
portanto, a entrevista semiestruturada, visto que constitui uma técnica alternativa para coleta de
dados não documentados sobre determinado tema, como se pretende obter no presente caso. É
uma técnica de interação social em que uma das partes busca obter dados, e a outra se apresenta
como fonte de informação. Nesse tipo de entrevista, o pesquisador organiza um roteiro de
questões sobre o tema, mas permite que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão
surgindo como desdobramentos do tema principal (GERHARDT et al., 2009). Esse método
possibilita uma maior flexibilidade e respostas mais amplas, o que poderia ser limitado caso
fosse eleito o questionário, mesmo que este instrumento utilizasse perguntas abertas.
A população investigada é constituída por dirigentes e responsáveis pelas liturgias e
administração dos terreiros, ou seja, ocupantes de cargos hierárquicos. Diante disso, os critérios
de inclusão para a escolha dos membros entrevistados foram: 1) pertencer a religiões afro-
brasileiras; 2) ter conhecimento das circunstâncias que se pretende investigar; 3) ter
disponibilidade de tempo para participar da pesquisa; 4) ter interesse em participar da pesquisa;
5) ocupar cargo hierárquico no terreiro. Os critérios de exclusão foram: 1) todos aqueles que
não aceitarem fazer parte da pesquisa, 2) todos aqueles que não possuíam tempo disponível
para fazer parte da pesquisa; 3) os que não contemplaram os critérios de inclusão.
A pesquisa de campo foi desenvolvida junto a 13 (treze) terreiros de Aracaju, São
Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro, e buscou identificar os impactos da urbanização na
subtração de espaços litúrgicos afrorreligiosos na Grande Aracaju.
É importante esclarecer que foi eleita uma amostragem apenas de terreiros localizados
na Grande Aracaju (Aracaju, São Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro) por se acreditar que
essa região é a que vem sofrendo maior impacto decorrente do intenso processo de urbanização.
Adotou-se como base de amostragem da população as informações levantadas pelo “Projeto
“Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”, desenvolvido a partir de uma parceria entre o
Fórum Sergipano das Religiões de Matriz Africana, Secretaria de Estado da Inclusão,
Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de Sergipe e Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal, reunidas no catálogo “Religiões de
Matriz Africana do Estado de Sergipe”, que apresentou informações sobre o que o projeto
considerou como sendo as 32 (trinta e duas) principais casas de religiosidade de matriz africana
existentes em Sergipe, sendo 22 (vinte e duas) as situadas na Grande Aracaju.
20
Por sua vez, chegou-se, inicialmente, ao tamanho da amostra em número de 18 (dezoito)
terreiros a partir do cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta (2002) para cálculo do
tamanho mínimo da amostra. Considerando o tamanho da população igual a 22 (vinte e dois)
terreiros e o erro amostral tolerável de 10% (0,10), tem-se que:
𝑛0 =1
𝐸02
e
𝑛 =𝑁 ∗ 𝑛0𝑁 + 𝑛0
Onde:
N = tamanho da população
E0 = erro amostral tolerável
n0 = primeira aproximação do tamanho da amostra
n = tamanho da amostra
𝑛0 =1
(0,10)2= 100
𝑛 =22 ∗ 100
22 + 100≅ 18
Neste sentido, após definido o número de terreiros a serem investigados, qual seja, 18
(dezoito), a amostra foi extraída do todo por meio de uma “amostragem aleatória simples”, que
consiste em fazer uma lista da população e sortear os elementos que farão parte da amostra.
Desta forma, cada subgrupo da população tem a mesma chance de ser incluída na amostra
(BARBETTA, 2002; RICHARDSON, 2012). Do sorteio realizado para composição da
“amostragem aleatória simples” resultaram os seguintes: Ilê Axé Obé Fará (Aracaju), Abaçá
Ogum Marinho (Aracaju), Abaçá Ogum de Ronda (Aracaju), Ilê Axé Acorônirê (Aracaju),
Centro Nossa Senhora da Conceição (Aracaju), Ilê Axé Dematáni Sahara (Aracaju), Centro
Santo Antonio (Nossa Sra. do Socorro), Congregação Social e Espírita São Lázaro (Aracaju),
Ilê Axé Ajussun Salêbeuá (Aracaju), Abaçá São Jorge (Aracaju), Ilê Axé Oloia Tassitaôô
21
(Aracaju), Abaça Mameto Oxum (Aracaju), Abaçá Oxossi Kacileci (Aracaju), Centro Espírita
de Umbanda Paraíso dos Orixás (Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Oyá Bagan Yanganga (Nossa
Sra. do Socorro), Abaça Ilê Ogum Tambalajô (Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Odé Talecy
(Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Obá Abaça Odé Bamirê (São Cristóvão).
Entretanto, convém esclarecer que, dentre a amostra dos 18 (dezoito) terreiros acima
apontados, o Abaça Ilê Ogum Tambalajô optou por não participar da pesquisa; e o Centro Nossa
Senhora da Conceição está sem realizar atividades. Portanto, a amostra inicial foi reduzida em
número de 02 (dois), sendo colhidas as anuências de 16 (dezesseis). Todavia, quando da fase
de imersão no campo não foi possível realizar as entrevistas em 3 (três) terreiros: Abaçá Ogum
Marinho: em razão da idade avançada e frágil saúde da dirigente espiritual; Congregação Social
e Espírita São Lázaro e Ilê Axé Ajussun Salêbeuá: por não ter conseguido manter contato
pessoal nem telefônico com dirigentes dos terreiros. Por esse motivo a amostra final foi
reduzida a 13 (treze) terreiros.
As entrevistas foram gravadas, transcritas e tabuladas por meio da codificação,
classificação e interpretação, tendo como base as referências teóricas utilizadas. A partir daí as
variáveis numéricas e resultados serão apresentados por meio de tabelas e gráficos discutidos
nos capítulos de desenvolvimento. É importante frisar que as transcrições das entrevistas foram
feitas respeitando as expressões orais de cada entrevistado sem qualquer tipo de interferência
da pesquisadora com vistas ao cumprimento de normas de gramática.
Sobre a análise dos dados na pesquisa qualitativa Gil (2008) explica que depende muito
da capacidade e do estilo do pesquisador, pois não existem regras rígidas de análise, fórmulas
predefinidas ou uma única maneira de fazê-la. Nesse processo, é importante a criatividade e
interpretação do pesquisador, cabendo a ele, muitas vezes, desenvolver a sua própria
metodologia (GIL, 2008).
A metodologia da pesquisa foi definida a partir de levantamento bibliográfico preliminar
sobre os marcos conceituais e teóricos dessa pesquisa, quais sejam: religiões de matriz africana,
espaço mato, territórios sagrados, urbanização, liberdade religiosa, direitos humanos.
É importante ressaltar que a pesquisa de campo somente teve início após aprovação do
Comitê de Ética em Pesquisa. Ressaltamos que o trabalho executado está de acordo com as
diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde,
que fala sobre pesquisas envolvendo seres humanos, ficando revogadas as Resoluções CNS
nº196/96, 303/2000 e 404/2008.
Mantem-se o anonimato e sigilo das informações adquiridas através da elaboração de
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado individualmente por cada
22
um dos sujeitos participantes desta investigação, garantindo-lhes o direito de anonimato
(motivo pelo qual são identificados neste trabalho por meio de pseudônimos), bem como foi
garantido o direito de se retirarem desta investigação em qualquer fase do processo. Os
pseudônimos utilizados para identificação dos entrevistados foram escolhidos a partir do
próprio universo religioso afro-brasileiro, entre divindades do panteão africano e santos
católicos inseridos nesse universo por meio do sincretismo.
Finalizadas as etapas preliminares e aprovado o projeto pelo Comitê de Ética em
Pesquisa – CEP, foi realizado o primeiro contato com o campo e, após a explicação acerca da
pesquisa e da coleta de assinaturas do termo de consentimento livre e esclarecido, foram
aplicadas as entrevistas semiestruturadas. A coleta de dados teve início em meados de junho de
2016 e perdurou até final de outubro de 2016. Nessa etapa, os dados foram gravados e anotados
e posteriormente tabulados no computador. Após a tabulação foi feita análise dos dados, tendo
como base a pesquisa bibliográfica preliminar.
Ademais, os sujeitos participantes foram esclarecidos quanto à existência de risco de
danos psicológicos decorrentes de sua participação, ainda que ínfimos, tendo em vista que as
perguntas referentes as dificuldades que enfrentam para manter suas práticas religiosas
poderiam desestabilizá-los emocionalmente. Esse foi, também, um dos motivos que levou a se
optar pela aplicação da entrevista semiestruturada, pois desse modo a pesquisadora teve maior
liberdade e flexibilidade para escolher a melhor forma de abordar as questões, e, inclusive, optar
por não dar continuidade à entrevista quando percebesse que poderia efetivamente gerar danos
psicológicos a algum dos sujeitos, minimizando, assim, os riscos da pesquisa.
Espera-se que as informações coletadas a partir desse estudo possam vir a subsidiar a
construção de políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade dos territórios sagrados
das religiões afro-brasileiras, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das
comunidades tradicionais de matriz africana em Sergipe.
23
CAPÍTULO I
1 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: ENTRE O ÒRUN6 E O ÀIYÉ7
“Eles extraem esse sentimento de orgulho da fé real que
conservaram em relação ao poder de seus Orixás e
Voduns que para eles, nos momentos penosos, são o
amparo mais seguro contra a angústia e as humilhações e
que, nos momentos de alegria, lhes proporcionam o
sentimento exaltado do gênio de sua própria raça. [...]
Durante as cerimônias, o corpo dos adeptos é visitado
pelos Deuses e, quando estes partem, permanecem em
seus filhos reflexos que os engrandecem e enobrecem. De
empregadas domésticas e lavadeiras humilhadas, de
carregadores e operários mal pagos, eles se tornam filhos
e filhas de Deuses, respeitados, admirados, cortejados
[...].” (VERGER, 2012, p. 24).
As religiões afro-brasileiras, ou de matriz africana, nasceram no Brasil e foram
engendradas a partir da reelaboração de elementos provenientes dos cultos e ritos africanos,
conhecidos como cultos de nação8; são, portanto, filhas dos cultos africanos. Compartilham
com estes uma série de similaridades mas também apresentam um outro tanto de distinções
fruto das reelaborações que foram necessárias para reconstruir, em terra brasileira, uma
realidade fragmentada pela diáspora, preservando, entretanto, sua matriz fundadora (SODRÉ,
2002). São portanto, africanas em sua origem mas brasileiras em sua organização, daí mesmo
a nomenclatura afro-brasileiras (BERKENBROCK, 1998).
De maneira simplista, é possível dizer que as religiões afro-brasileiras são resultado de
uma estratégia de resistência e sobrevivência utilizada pelos negros africanos trazidos para o
Brasil na condição de escravos (RÊGO, 2006). Impedidos de cultuar as divindades do panteão
africano, submetidos não apenas ao trabalho escravo mas também aos valores culturais e
6 Refere-se ao mundo dos deuses, “é o espaço sobrenatural, o outro mundo [...] é um mundo paralelo ao mundo
real que coexiste com todos os conteúdos deste” (SANTOS, 1976, p. 53-54). 7 Refere-se ao mundo dos vivos, “compreende o universo físico concreto e a vida de todos os seres naturais que o
habitam” (SANTOS, 1976, p. 53). 8 Verger (1981), falando sobre o sistema de crenças e cultos tradicionais na África explica que lá cada divindade
estava relacionada a uma cidade ou a uma nação inteira formando uma infinidade de cultos regionais e nacionais,
por isso a terminologia “cultos de nação”. Braga (1988) explica que, em solo brasileiro, a palavra ‘nação’ passou
a ser empregada para distinguir as casas de candomblé através de sua origem e da tradição religiosa a que
pertencem. Prandi (1991) explica que o termo nação serve para identificar a etnia originária a que se vincula
determinada modalidade de rito. Para uma melhor análise do conceito de ‘nação’ ver: LIMA, Vivaldo da Costa. A
família de santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia. Salvador: Corrupio, 2003.
24
religiosos europeus, os africanos trazidos para o Brasil fizeram uso do sincretismo9 para que
pudessem dar continuidade ao culto de suas divindades ancestrais, ainda que de maneira velada.
Nesse sentido, diversos autores clássicos apontam que da necessidade de esconder dos
senhores e da Igreja Católica suas verdadeiras crenças, surgiu uma série de associações entre as
divindades africanas e os santos católicos (a partir de características similares encontradas em
ambos), o chamado sincretismo10, promovendo um processo de modificações no sistema de
crenças e organização dos cultos tradicionais africanos que resultou em sua versão brasileira:
as religiões afro-brasileiras (CARNEIRO, 1967; SANTOS, 1976; VERGER, 1981; BRAGA,
1988; PRANDI, 1991; BASTIDE, 2001; RODRIGUES, 2006). O resultado desse processo,
diria Bastide (1971, p. 361), foi que “a máscara colonial ficou pregada no deus negro, mesmo
onde não existe identificação entre um e outro”.
Entretanto, para além da estratégia de preservação do culto africano, alguns autores
também sinalizam um outro papel desempenhado pelo sincretismo: o de preenchimento de
lacunas. Bastide (1971, p. 380) afirma que “o sincretismo aparece para preencher as lacunas da
memória coletiva”. Segato (2005) explica que o sincretismo parece ter servido para satisfazer
uma necessidade relacionada ao caráter fragmentário da mitologia trazida pelos negros
africanos. Segundo ela, quando a mitologia falhava em alguma nuance descritiva das
características de determinada divindade africana, era comum as pessoas recorrerem ao
sincretismo católico para preencher as lacunas na construção da imagem daquela divindade.
Desse modo, “o sincretismo católico completou a mitologia [africana], empobrecida pelas
pressões da escravidão, com imagens extraídas de uma fonte alternativa”, consistindo em uma
forma de apropriação11 (SEGATO, 2005, p. 142).
Verger (2012) também chega a sinalizar uma interpretação similar quando afirma que o
que antes era apenas uma estratégia de disfarce, tempos depois se modificou. O que teria
iniciado apenas como uma justaposição de símbolos religiosos, mantidas as distinções de cada
9 Em que pese o termo “sincretismo” seja atualmente problematizado pela academia que indica como mais
adequado o termo “hibridismo”, optamos por não adentrar nessa problematização neste trabalho e utilizar a palavra
sincretismo por essa, ao nosso ver, ter um alcance maior no sentido de conseguir remeter o leitor, ainda que leigo
no assunto, diretamente ao universo de significados religiosos, tal a popularidade que o termo alcançou. 10 Mesmo no período pós-abolição o sincretismo entre as divindades africanas e os santos católicos permaneceu:
se inicialmente serviu para escapar dos castigos dos senhores, no período pós-colonial funcionou como subterfúgio
para escapar das perseguições policiais (CARNEIRO, 1967). Para maior aprofundamento sobre o sincretismo afro-
brasileiro ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma sociologia das
interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 359-392. 11 Neste mesmo sentido, Mota (1975): “[...] O sincretismo não representa, assim sem mais, concessão de escravos
a senhores ou de senhores a escravos, disfarce de negro amedrontado. Ao contrário, constitui apropriação, legítima
e justa, dos bens do opressor pelo oprimido. O céu é do condor, os santos são de todos nós” (MOTA, 1975, p.
198).
25
universo simbólico (católico e africano), teria posteriormente cedido lugar a uma verdadeira
fusão12. As novas gerações passaram a considerar santo e orixá como um só, “que apenas o
nome muda, mas que, de acordo com o lugar ou momento, é bom dirigir-se a ele em latim ou
em uma língua da África” (VERGER, 2012, p. 24).
Sodré (2002), por sua vez, rejeita tanto a ideia de sincretismo quanto a de fusão. O autor
fala de uma certa estratégia de sedução13 utilizada pelos negros comparada à evocatio romana,
mecanismo utilizado pelo Império Romano em suas conquistas e que permitia uma assimilação
interna dos deuses de seus adversários vencidos (ao invés da rejeição ou destruição desses cultos
locais). Assim, Sodré (2002) explica que os negros fizeram uso de mecanismo similar ao
associarem deuses do panteão africano a santos católicos, construção feita a partir da
identificação de símbolos e funções semelhantes14, mas que “é clara a noção de lugar próprio,
do território específico de cada um. ‘Lugar de santo é na igreja; lugar de orixá é no terreiro’,
sentenciavam os antigos nas comunidades [...]” (SODRÉ, 2002, p. 62).
Convém esclarecer, a esta altura, que não temos a intenção de exaurir a discussão teórica
sobre o lugar ocupado pelo sincretismo (ou hibridismo, ou justaposições, ou apropriações) na
formação das religiões afro-brasileiras, até porque esse não é o objetivo do presente trabalho.
A proposta deste capítulo, como já explicado, é apenas fornecer ao leitor um certo panorama
geral sobre o universo das religiões afro-brasileiras, o que inevitavelmente passa pelo elemento
do que ficou popularmente conhecido como sincretismo religioso.
O fato é que, fazendo uso de estratégias de disfarce, os negros africanos cantavam,
dançavam e cultuavam suas divindades nos dias de descanso, entretanto, quando questionados
pelos senhores sobre o sentido do que cantavam respondiam que estavam louvando aos santos
católicos, é o que se vê nessa passagem de Verger (2012):
Quando o senhor passava ao lado de um grupo no qual eram cantados a força e o poder
vingador de Sạngo, o trovão, ou de Ọya, divindade das tempestades e do rio Níger, ou
de Ọbatala, divindade da criação, e quando ele perguntava o significado daquelas
cantigas, respondiam-lhe sem falta: ‘Yoyo, adoramos à nossa maneira e em nossa
língua São Jerônimo, Santa Bárbara ou o Senhor do Bonfim’. É que cada divindade
africana havia sido assimilada aos santos e virgens da religião católica. Foi assim que,
ao abrigo de um aparente sincretismo, as antigas tradições mantiveram-se através do
tempo”. (VERGER, 2012, p. 23-24).
12 Por esse motivo Nina Rodrigues via o sincretismo como um processo dinâmico e progressivo, constituído por
etapas ou fases (ROGRIGUES, 2006). 13 Segundo Sodré (2002, p. 62): “Ao associarem alguns de seus deuses, os orixás, com santos, da religião católica,
os negros não sincretizavam coisa alguma, mas respeitavam (como procediam em relação aos deuses das diversas
etnias) e seduziam as diferenças graças à analogia de símbolos e funções [...]”. 14 Foi através desse processo de identificação de semelhanças que se pôde, por exemplo, correlacionar o Senhor
do Bonfim a Oxalá, uma vez que o princípio da criação está presente em ambas as entidades (SODRÉ, 2002).
26
Os batuques, como eram chamadas essas reuniões realizadas pelos negros nos dias de
descanso para cantar e louvar os deuses africanos (RODRIGUES, 1945), portanto, diferente do
que fora intencionado pelo Governo15, tiveram como consequência direta a manutenção e
sobrevivência dos cultos às divindades africanas, pois, embora já batizados em solo brasileiro,
os negros africanos permaneceram fieis às suas crenças de origem16. Assim, apesar de
escamoteadas pelo sincretismo, “suas cantigas e suas danças, que aos olhos dos senhores
pareciam simples distrações de negros nostálgicos, eram, na realidade, reuniões nas quais eles
evocavam os Deuses da África” (VERGER, 2012, p. 23).
Os cultos de matriz africana receberam variadas denominações17 nas diferentes regiões
do Brasil, a exemplo de Xangô18 em Pernambuco e Alagoas; Tambor de Mina19 no Maranhão;
Batuque20 no Rio Grande do Sul e Amazônia. No Rio de Janeiro e São Paulo eram conhecidos
como Macumba21, já na Bahia receberam a denominação genérica de Candomblé22 (VERGER,
15 “[...] O Governo, porém, olha os batuques como para um ato que obriga os negros, insensível e maquinalmente,
de oito em oito dias, a renovar as ideias de aversão recíproca que lhes eram naturais desde que nasceram, e que
todavia se vão apagando pouco a pouco com a desgraça comum; ideias que podem considerar-se como o garante
mais poderoso da segurança das grandes cidades do Brasil, pois que se uma vez as diferentes nações da África se
esqueceram totalmente da raiva com que a natureza as desuniu, então os de Agomés vierem a ser irmãos com os
Nagôs, os Gêges com os Haussas, os Tapas com os Sentys, e assim os demais; grandíssimo e inevitável perigo
deste então assombrará e desolará o Brasil. E quem duvidará que a desgraça tem o poder de fraternizar os
desgraçados? Ora, pois, proibir o único ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o
Governo indiretamente a união entre eles, do que não posso ver senão terríveis consequências.” (RODRIGUES,
1945, p. 253). 16 Carneiro (1967) concorda com Nina Rodrigues quando este considerava uma ilusão a catequese dos negros
africanos. Assim, informa que “a sociedade brasileira não conseguiu desafricanizar o negro, no referente às suas
crenças religiosas, enquanto teve foros oficiais a religião católica, como o fez no referente à língua, à vestimenta,
aos costumes em geral”. (CARNEIRO, 1967, p. 35). 17 Sobre as origens de cada uma das denominações citadas ver: CARNEIRO, Edison de Sousa. Candomblés da
Bahia. Ilustrações de Carybé e Kantor. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967. (Coleção Brasileira de Ouro), p. 19-21. 18 Sobre os xangôs no Nordeste ver: GONÇALVES, Fernandes. Xangôs do Nordeste: investigação sobre os cultos
negro-fetichistas do Recife. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937. 19 Sobre o Tambor de Mina e influência daomeana no Maranhão ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas
no Brasil: contribuições a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p.
256-266. 20 Sobre o batuque ver: CORRÊA, Norton F. O Batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião
afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992; BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil:
contribuições a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 287-298. 21 “No Rio de Janeiro as ‘nações’ fundiram-se umas nas outras, deixando-se também penetrar profundamente por
influências exteriores, ameríndias, católicas, espíritas, dando nascimento a uma religião essencialmente sincrética,
a macumba” (BASTIDE, 2001, p. 30). Carneiro (1967) informa que posteriormente o termo genérico macumba
teria sido substituído por Umbanda. Sobre a macumba no Rio de Janeiro ver: RIO, João do. As religiões no Rio.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. (Sabor literário); Sobre as origens da Umbanda ver: GIUMBELLI, Emerson.
Zélio de Moraes e as origens da umbanda no Rio de Janeiro. In: SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Caminhos
da alma: memória afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002. p. 183-217. 22 “Termo que primitivamente significava dança e instrumento de música e, por extensão, passou a designar a
própria cerimônia religiosa dos negros” (RAMOS, 1943, p. 359); “Candomblé é o nome dado na Bahia às
cerimônias africanas. Ele representa, para seus adeptos, as tradições dos antepassados vindos de um país distante,
fora de alcance e quase fabuloso. Trata-se de tradições mantidas com tenacidade e que lhes deram a força de
continuar sendo eles mesmos, apesar dos preconceitos e do desprezo de que eram objeto suas religiões [...]”
(VERGER, 2012, p. 24). Sobre a origem da palavra candomblé ver também: CARNEIRO, Edison de Sousa.
27
2012, p. 23). Inseridas nesse universo de herança africana também estão a Umbanda23, os
Catimbós24, a Pajelança25 e as Encantarias26.
Quanto às várias denominações que os cultos de matriz africana recebiam pelo Brasil
afora, Carneiro (1967) entendia não se tratar apenas de diferentes nomenclaturas regionais, mas
de verdadeiros cultos distintos entre si. Veja-se neste sentido:
À meia-noite, numa cerimônia de macumba carioca ou paulista, todos os crentes são
possuídos por Exu – uma prática que constitui um verdadeiro absurdo para os
fregueses dos candomblés da Bahia. O tocador de atabaque de qualquer ponto do país
ficará surpreendido e atrapalhado ao encontrar esse instrumento montado sobre um
cavalete, horizontalmente, com um couro de cada lado, no Maranhão. Que o pessoal
das macumbas no Rio de Janeiro se apresente uniformizado, e não com vestimentas
características de cada divindade, não pode ser entendido por quem frequenta os
candomblés da Bahia, os xangôs do Recife ou os batuques de Porto Alegre. E, vendo
dançar o babaçuê do Pará com lenços (espadas) e cigarros de tauari, os crentes de
outros Estados certamente franzirão o sobrolho. Se tais coisas normalmente
acontecem, não será porque esses cultos são diversos entre si? (CARNEIRO, 1967, p.
14).
Entretanto, mesmo sinalizando a existência de distinções nos elementos e estrutura dos
cultos, Carneiro (1967) também aponta algumas características que lhes são comuns, formando
uma espécie de núcleo duro dos cultos de matriz africana, independente da denominação que
recebam. São elas: a possessão pela divindade (se dá através de médiuns que servem de
instrumento para a manifestação da divindade); o caráter pessoal da divindade27 (cada divindade
que se manifesta através de seu respectivo médium é única e somente pode se manifestar através
dele); o oráculo (Ifá é o instrumento adivinhatório através do qual as divindades fornecem
respostas) e o mensageiro (Exu é o intermediário que leva às divindades os pedidos dos
homens). Essas características comuns demonstram a existência de uma unidade, ou seja, de
Candomblés da Bahia. Ilustrações de Carybé e Kantor. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967. (Coleção Brasileira de
Ouro), p. 19-20. 23 Existe uma divergência no que se refere a Umbanda: alguns autores entendem se tratar de uma religião afro-
brasileira, ou seja, que possui origem africana, assim como o candomblé; outros entendem ser uma religião
exclusivamente brasileira, possuindo apenas alguns elementos africanos. Sobre essa discussão ver: GIUMBELLI,
Emerson. Presença na recusa: a África dos pioneiros umbandistas. Revista Esboços, v. 17, n. 23, p. 107-117, 2010. 24 Sobre o Catimbó ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro: pesquisa do catimbó e notas da magia branca no
Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978; BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma
sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 243-256. 25 Sobre a Pajelança ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma sociologia das
interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 243-256. 26 Sobre Encantarias ver: PRANDI, Reginaldo. Encantaria brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e
Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004. 27 Verger (1981) explica que existe uma diferença entre o orixá na África e no Brasil, pois enquanto na África toda
a coletividade de uma determinada cidade ou nação cultuava apenas um orixá [por isso a terminologia ‘cultos de
nação’], formando, portanto, uma série de cultos regionais e nacionais, no Brasil “o orixá assumiu um caráter
individual, ligado ao destino do escravo, agora separado de seu grupo familiar originário” (VERGER, 1981, p.
33).
28
uma certa uniformidade nos cultos, muito embora a diversidade das formas assumidas em cada
região (CARNEIRO, 1967).
De todo modo, o que se pode afirmar é que o universo das religiões afro-brasileiras
atualmente é composto por uma infinidade de credos, alguns com características e influências
bastante regionais, e outros revestidos de um caráter mais universal contribuindo para o recente
fenômeno da transnacionalização28 dessas religiões, que se tornaram produto de exportação
sendo hoje encontradas em países como Argentina, Uruguai, Portugal e Inglaterra (PRANDI,
2007).
O que se pode notar é que o processo de formação e conformação das religiões afro-
brasileiras foi conduzido a partir de uma séria de mudanças e apropriações que lhes garantem,
dentre outros aspectos, um caráter dinâmico. Como aponta Prandi (2007), fazendo uso de
processos sincréticos os cultos africanos se mesclaram aos santos católicos gestando, assim, as
religiões afro-brasileiras. Depois, no período pós-abolição, essas religiões passaram a adotar
valores cristãos e continuaram fazendo uso do sincretismo para escapar da perseguição policial
e conseguir inserção na sociedade geral. Desse processo teria nascido a Umbanda, religião de
caráter menos étnico e mais universal; e posteriormente, após o reconhecimento do direito à
liberdade religiosa de forma ampla no Brasil, partiu em viagem à África buscando sua origem
perdida, iniciando um processo de reafirmação de identidade e de reconhecimento enquanto
religião autônoma e não dependente do catolicismo, o que se deu a partir de dois pilares – a
africanização e dessincretização (PRANDI, 2007).
1.1 Òrùn: Elementos Estruturantes e Cosmovisão
Para uma melhor compreensão das lógicas internas inseridas no universo das religiões
afro-brasileiras é importante conhecer alguns elementos fundamentais que estruturam seus
cultos e sua cosmovisão. Não é pretensão deste trabalho, todavia, fazer crer que exista uma
uniformidade ou homogeneidade nessa dupla construção (de elementos estruturantes e
cosmovisão), pois em realidade não existe, até porque foram múltiplas as etnias africanas
trazidas para o Brasil e que emprestaram suas diversas visões de mundo (ou cosmovisões) para
a formação das religiões afro-brasileiras.
28 Sobre esse tema ver: ORO, Ari Pedro. As religiões afro-brasileiras no Cone Sul. Cadernos de Antropologia,
nº 10. Porto Alegre, UFRGS, 1993; PORDEUS, Ismael. Lisboa de caso com a umbanda. Revista USP, São Paulo,
nº 31, p. 90-103, 1996.
29
Assim, cada culto, ou melhor, cada casa religiosa contém em si uma lógica própria,
única, que recebe influências das mais diversas ordens (físicas e metafísicas, regionais ou locais,
religiosas ou profanas) formando um ethos29 diferenciado. Entretanto, é possível indicar certos
elementos e certas visões/concepções de mundo que lhes são comuns, e é isso que será
apresentado nesta seção.
As divindades comumente cultuadas nas religiões afro-brasileiras são denominadas
Orixás, Inquices ou Voduns, a depender do lugar de origem30 (ou nação) do culto. Grosso modo
é possível dizer que os Orixás são cultuados pelas nações de origem Sudanesa31, os Inquices
nas de origem Banto32 e os Voduns de origem Fon33. Entretanto, desde Nina Rodrigues,
precursor dos estudos afro-brasileiros, os pesquisadores têm indicado uma prevalência dos
cultos de origem sudanesa sobre os demais, sinalizando que o modelo estrutural fornecido pelos
nagôs34 (ou iorubás) teria sobressaído por ser o que melhor conservou a “pureza”35 africana.
29 Geertz explica que “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético
e sua disposição, é a sua atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete” (GEERTZ,
1978, p. 143) 30 Rodrigues (2010) e Ramos (1947) destacam a origem para as religiões afro-brasileiras a partir de três grupos
étnicos: os bantos, os sudaneses e os malês. Carneiro (1967) faz remissão a uma classificação por grupos
linguísticos, apontando dois grandes grupos: sudaneses (os da Guiné e da Costa da Mina) e bantos (de Angola e
Congo). Bastide (2001), falando especificamente sobre os candomblés da Bahia, informa que estes podem ser de
‘nações’ diversas, portanto, de tradições diferentes; “angola, congo, jeje (isto é, euê), nagô (termo com que os
franceses designavam todos os negros de fala iorubá, da Costa dos Escravos), queto, ijexá. É possível distinguir
essas nações uma das outras pela maneira de tocar o tambor (seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo
idioma dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vezes pelos nomes das divindades, e enfim, por certos traços
do ritual” (BASTIDE, 2001, p. 29). 31 Carneiro (1967) explica que os sudaneses se subdividem em várias nações (keto, ijêxá, alaketo, muçurumim,
etc.) e em designações como nagô, yorubá, ilú-ijêxá, etc. Sobre os sudaneses, Barros (2011) aponta que os jêjes
vieram da região do antigo Daomé, atual Golfo do Benin e que os nagôs eram constituídos por diversos grupos
étnicos (Egba, Egbado, Ijesa, Sábé, Ijebu, Òyó), mas principalmente os Ketu – originários das regiões da atual
Nigéria e do Golfo do Benin. Santos (1976) explica que “nagô” era o nome genérico através do qual eram
conhecidos no Brasil os grupos étnicos provenientes do Sul e do Centro do Daomé e do Sudeste da Nigéria, de
uma região que se convencionou chamar Yoru baland. Na Nigéria eram chamados de Yorubá [de Yoru baland],
em Cuba de Lucumí, e no Brasil ficaram conhecidos como nagô, termo usado para designar coletivamente todos
esses grupos que falavam uma mesma língua, apenas com variantes de dialetos. 32 Carneiro (1967) explica que de Angola e do Congo vieram para o Brasil grupos de língua banto, conhecidos
pelos nomes “caçanjes, benguelas, rebolos, cambindas, muxicongos” (CARNEIRO, 1967, p. 16). 33 Os Fon ficaram conhecidos pela denominação genérica de jêjes ou minas, pertenciam aos povos de língua Ewe.
Os jêjes eram povos oriundos da região do antigo Daomé, atual Golfo do Benin (RODRIGUES, 2010; BARROS,
2011). 34 Neste sentido: “[...] a mítica ioruba absorveu, no Brasil, todas as outras espécies religiosas” (RAMOS, 1947, p.
137); “[...] O modelo nagô foi aceito em toda parte, uma vez organizado o culto” (CARNEIRO, 1967, p. 17); “O
prestígio dos ‘nagôs’ impôs-se, pois, finalmente em toda parte. E esse prestígio se deve ao fato de conservarem
com maior fidelidade a religião ancestral, tal como havia sido trazida para as costas americanas [...] sem corromper
e falsificar nada desta tradição [...]” (BASTIDE, 1971, p. 275). Verger (2012) também informa que, em virtude da
considerável predominância numérica dos nagôs em relação aos bantos, a influência cultural e religiosa desse
grupo foi mais forte de modo que o modelo de culto dos nagôs melhor conservou seu caráter africano, exercendo
influência também sobre os cultos das outras nações. 35 Sobre “pureza nagô” ver a crítica feita por DANTAS, Beatriz Góis em Vovó Nagô e Papai Branco: usos e
abusos da África no Brasil, Rio de Janeiro: Graal, 1988.
30
A partir da apresentação dessa classificação dos modelos de culto, cabe a abertura de
um parêntese: se por um lado esse trabalho não tem a pretensão de concordar ou discordar da
teoria relativa à suposta “pureza nagô”, pois adentrar nessa discussão nada acrescenta ao
entendimento que se pretende fornecer com a construção desse capítulo. Para a persecução dos
objetivos propostos neste trabalho foi feita a opção de não demarcar as distinções existentes
entre os modelos de culto (de origem sudanesa, banto ou fon), uma vez que, de fato, é possível
notar nos modelos fornecidos pelos bantos e pelos fon, ora mais, ora menos, a influência
religiosa sudanesa (nagô/iorubá). Por esse motivo, em razão da predominância do modelo de
culto nagô/iorubá no Brasil (o que também se verifica em Sergipe), quando nos referirmos às
divindades do panteão afro-brasileira, faremos uso genérico da denominação “orixá”. Do
mesmo modo, passaremos também a adotar a denominação “candomblé”36, mantendo a
indistinção entre as nações de culto, por ser a terminologia predominante em Sergipe.
Segundo Verger (2012) a definição de Orixá é complexa: por um lado representa uma
força da natureza e por outro representa um ser humano divinizado, que quando vivo soube
estabelecer uma ligação íntima com essa força da natureza de modo a “assentá-la, domesticá-
la, criar entre ela e ele um laço de interdependência, através do qual atraía sobre ele e os seus a
ação benéfica e protetora dessa força e direcionava seu poder destrutivo para seus inimigos”
(VERGER, 2012, p. 37). Bastide (2001) apresenta explicação semelhante, mas traça uma
distinção entre o que os orixás representavam na África e o que passaram a representar no
Brasil:
Na África, os orixás são deuses de clãs; são considerados como antepassados que
outrora viveram na terra e que foram divinizados depois da morte. Mas ao mesmo
tempo constituem forças da natureza, fazem chover, reinam sobre a água doce, ou
representam uma atividade sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia; não
são, pois, adorados apenas pelos descendentes, membros do clã, mas ainda por todos
que necessitam de seu apoio – camponeses que desejam boas colheitas, pescadores,
ferreiros. [...] Quando passamos da África para o Brasil, os clãs africanos desaparecem
na confusão das misturadas etnias [...] A escravidão destrói a sociedade tribal, o
regime das grandes fazendas mistura raças e clãs. Os orixás conservam, sim seus mitos
de antepassados divinizados, mas não são mais deuses de clãs; são deuses de
confrarias religiosas especializadas. Perdem, pois, seus caracteres de chefes de
linhagens; aparecem daí por diante unicamente como personificações da tempestade,
da guerra, do vento, do arco-íris, etc. São personificações das diversas forças da
natureza, dirigem-nas do alto. Do céu em que habitam. Do céu de que formam a corte
real (BASTIDE, 2001, p. 154).
36 Neste trabalho quando nos referimos genericamente a “candomblé” estamos fazendo sob a perspectiva de Verger
(1962) que pontua: “o Candomblé [...] é uma afirmação de união e concórdia, pois nele também as religiões se
mesclaram, e, como no corpo mestiço de seus fiéis, os Orixás nagôs, os Voduns jejes se confundiram e se uniram
com os santos católicos para serem adorados com o mesmo fervor” (VERGER, 1962, p.12).
31
Vê-se, portanto, que o culto ao orixá contém uma dupla construção – culto à força da
natureza e culto ao ancestral divinizado – que se unem formando um todo (VERGER, 2012).
Ambas as partes, entretanto, evidenciam a condição de imaterialidade37 do orixá, ou seja, de
elemento integrante do mundo sobrenatural, metafísico. Sendo assim, este só pode se manifestar
no mundo dos vivos por intermédio de um ser humano que apresente certas condições que
permitam a chamada possessão. São os chamados filhos e filhas de santo (iyaworiṣa ou iyawo),
escolhidos para lhe servir de médium (VERGER, 2012).
Por meio da possessão, momento em que o orixá toma o corpo do seu filho ou filha para
lhe servir de veículo de manifestação, os mundos dos deuses e dos homens se tocam e se fundem
em um ato de comunhão38. O filho (ou filha) já não é apenas um protegido do orixá, mas é
parte dele, comunga de sua origem mítica e divina e dele carrega qualidades e defeitos
(PRANDI, 1991).
Para seus adeptos, mais do que uma religião, o candomblé constitui uma coletividade
familiar-espiritual em que a vida social e a vida religiosa se integram. Daí as expressões “família
de santo”39, “povo de santo” ou “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”40,
utilizadas para denominar pessoas que compartilham crenças, práticas rituais e visões de mundo
próprias das religiões afro-brasileiras, incluindo o candomblé. São pessoas que partilham de
uma herança comum que contém “[...] um sistema de concepções herdadas, expressas em
formas simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1978, p. 103).
Não só o sentimento religioso une a família ou povo de santo, mas também o sentido
social, político e identitário que foi construído a partir de uma trajetória de lutas e resistência
37 Sodré (2002, p. 80) se refere aos orixás como “princípios cósmicos”. Justamente por essa condição de
imaterialidade é que a representação dos orixás, segundo Carneiro (1967), se dá de forma indireta, ou seja “[...] o
que verdadeiramente as representa são a sua morada favorita – pedras, conchas, pedaços de ferro, frutos e árvores
– ou, secundariamente, as suas insígnias. A única representação direta das divindades se dá quando os crentes, por
elas possuídos, lhes servem de instrumento” (CARNEIRO, 1967, p. 23). 38 “[...] Assim se realiza a comunhão dos seres humanos com os deuses e com os ancestrais. Não se trata de uma
vaga comunhão espiritual, simbólica e remota, como no catolicismo, nem de uma simples ligação passageira e
acidental com os mortos, como no espiritismo. Os dois mundos se confundem no candomblé. Os deuses e os
mortos se misturam com os vivos, ouvem as suas queixas, aconselham, concedem graças, resolvem as suas
desavenças e dão remédio para as duas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante,
nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua beneficência. Eis a razão
do extraordinário vigor do candomblé [...]” (CARNEIRO, 1967, p. 39). 39 Sobre “família de santo” e estrutura social do candomblé ver: LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos
candomblés jeje-nagôs da Bahia. 2. ed. Salvador: Corrupio, 2003. 40 “[...] grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por
africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano
no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela
prestação de serviços à comunidade” (BRASIL, 2013, p.12).
32
(PRANDI, 2001). O que se vê é o fortalecimento de identidades e de laços de solidariedade41
que são edificados em torno do sentimento de pertencimento, formando comunidades guardiãs
do legado de uma memória coletiva: a memória mítico-religiosa africana.
Essas comunidades religiosas possuem uma visão de mundo comum, regras específicas
de convivência e de organização social e sua lógica interna de manutenção e transmissão de
poder e saber. A autoridade moral e espiritual máxima pertence ao pai ou mãe de santo42, que
se submete apenas à autoridade dos orixás. Na prática, porém, existe uma certa distribuição
dessa autoridade de acordo com critérios pautados principalmente pela antiguidade dos
membros (não necessariamente se trata de idade nos moldes convencionais, mas de idade no
santo, ou seja, o tempo de iniciação religiosa), formando uma espécie de cadeia hierárquica43
(CARNEIRO, 1967; BASTIDE, 2001; VERGER, 2012).
Toda essa estrutura interna, seja de autoridade, de hierarquias, de organização das
relações (religiosas e/ou sociais), está fincada em elementos que formam o que se pode chamar
de cosmovisão dessas comunidades, ou seja, sua visão de mundo, os valores e princípios que
regem suas relações internas e externas. Nesse sentido, o que podemos chamar de cosmovisão
religiosa de matriz africana, ou cosmovisão religiosa afro-brasileira, carrega muito da herança
mítica, social, cultural e religiosa africana, portanto, para compreender os valores que
estruturam as lógicas internas dessas comunidades religiosas é preciso compreender um pouco
da cosmovisão africana que foi trazida para o Brasil pelos negros na diáspora.
A cosmovisão africana44 está carregada de princípios dentre os quais destacamos a
integração, a ancestralidade e a diversidade. Esses princípios acompanharam os negros
41 Bastide (1971) aponta quais são as principais funções exercidas pelo candomblé: “garantir a segurança dos
indivíduos, por sua estreita solidariedade a um grupo de assistência mútua e por sua identificação com os deuses;
permitir simultaneamente a satisfação dos desejos pessoais de prestígio e de melhora da posição social, ligando-a
à posição mística; enfim, assegurar a satisfação das necessidades estéticas ou recreativas da multidão, pela música,
pelo canto, pela dança” (BASTIDE, 1971, p. 308). 42 Outras denominações comuns são: babalorixá ou iyalorixá, zelador ou zeladora, sacerdote ou sacerdotisa. 43 Pais e mães de santo são assistidos por alguns membros da comunidade religiosa, sendo eles: “um pai ou mãe
pequenos [babá kêkêre e iyá kêkêre], seus substitutos em caso de necessidade, pelo alagbe, responsável pelos
atabaques, pelo aṣogun, encarregado dos sacrifícios, e pelos ogan, dignitários escolhidos entre os simpatizantes
dos Oriṣa. Os ogan são encarregados da proteção do terreiro e são materialmente responsáveis por seu bom
andamento” (VERGER, 2012, p. 24-25). 44 “Alojada no útero da ancestralidade está a cosmovisão africana, isto é, sua epistemologia própria que, por ser
absolutamente singular e absolutamente contemporânea, partilha seus regimes de signos com todo o mundo,
enviesando sistemas totalitários, contorcendo esquemas lineares, tumultuando imaginários de pureza, afirmando
multiplicidade dentro da identidade. Fruto do agora, a ancestralidade ressignifica o tempo do ontem. Experiência
do passado ela atualiza o presente e desdenha do futuro, pois não há futuro no mundo da experiência. A cosmovisão
africana é, então, a epistemologia dessa ontologia que é a ancestralidade. De uma epistemologia marcadamente
antirracista para uma ontologia da diversidade. De uma epistemologia da inclusão para uma ontologia da
heterogeneidade. De uma forma cultural abrangente para um regime de signos específico. De uma semiótica
abrangente para uma forma cultural de organizar experiências singulares” (OLIVEIRA, 2012, p. 40).
33
africanos na diáspora, que preservaram em sua memória os mitos45 e os rituais de suas tradições
e, através deles, chegaram ao Brasil sustentados e preservados principalmente pela fé e
religiosidade. Na cosmovisão africana a religiosidade ultrapassa a dimensão restrita à esfera
sagrada e invade todas as esferas do cotidiano de modo a sacralizar a vida (OLIVEIRA, 2012).
Por força dessa herança, as religiões afro-brasileiras percebem e leem o mundo de forma
integrada, pois acreditam que tudo está em tudo de forma complementar (sagrado e profano,
homem e natureza, moderno e primitivo, ciência e tradição, individual e coletivo). O passado e
o presente se fundem em uma concepção circular do tempo em que a influência da herança
deixada pelos ancestrais é marcante.
Trata-se, pois, de uma visão de mundo fundada em mitos e que tem na oralidade46 e na
memória47 importantes formas de preservação das tradições e transmissão de saberes. Os
princípios da diversidade, da integração, da harmonia com a natureza, da senioridade, do senso
comunitário, constituem elementos organizadores das comunidades tradicionais de matriz
africana, como é o caso das comunidades religiosas (OLIVEIRA, 2012).
Bastide (2001) descreve os candomblés como “verdadeiras sociedades de socorro
mútuo, de auxílio fraterno, que mantêm o espírito comunitário africano” (BASTIDE, 2001, p.
63). A força desses laços comunitários, dessa solidariedade, sinaliza que as divindades africanas
não possuem apenas um significado religioso, mas que elas emanam também um “suporte
simbólico” (SODRÉ, 2002, p. 58) de grande relevância para a continuidade daquele
determinado grupo. Neste sentido, cultuar as divindades africanas “implica aderir a um sistema
de pensamento, uma ‘filosofia’, capaz de responder a questões essenciais sobre o sentido da
existência do grupo” (SODRÉ, 2002, p. 58).
A comunhão sempre constituiu, portanto, um valor inerente à cosmovisão religiosa de
matriz africana, ancorada na solidariedade e na integração. Esse espírito comunitário decorre,
45
Barros (1993) explica que os mitos são histórias usadas constantemente pelo grupo para ‘reviver a sua história’,
transmitir os conhecimentos aos mais novos e transferir padrões de comportamento. Prandi (2001) informa que os
mitos “falam de grandes acontecimentos, atos heróicos, descobertas e toda sorte de eventos dos quais a vida
presente seria a continuação” (PRANDI, 2001, p. 48-49). Para Bastide (1971, p. 335) “o mito retrata os
acontecimentos de um passado misterioso, representa a estrutura de uma determinada sociedade, reflete a
organização das linhagens, a formação da autoridade, as regras da vida comunitária”. 46 A transmissão do conhecimento e do saber no candomblé se dá pela tradição oral. Santos (1976) explica que a
oralidade, no candomblé, é o principal mecanismo no processo de transmissão do saber, pois o saber religioso dos
mais velhos é transmitido para os mais novos pela comunicação oral. A autora explica, ainda, que a linguagem
oral vai muito além da fala e também está associada aos gestos e expressões corporais, elementos rituais não-
verbais, a exemplo das danças sagradas. Esse aprendizado, portanto, se estabelece primordialmente a partir da
convivência entre os mais velhos e os mais novos, do que também decorre a importância do princípio da
senioridade, que será abordado mais adiante. 47 Para Pollak (1989, p. 10), “a memória consiste em uma operação coletiva dos acontecimentos e das
interpretações do passado que se quer salvaguardar, através de tentativas de definição e reforço de sentimentos de
pertencimento [...]”.
34
por um lado, possivelmente da própria luta histórica que os negros precisaram travar pela
sobrevivência individual, grupal, cultural e religiosa; e por outro lado, do forte sentido de
integração que permeia toda a visão de mundo inerente à religiosidade de matriz africana. Nessa
visão integral do universo não existem elementos isolados, tudo se comunica e se complementa
formando uma grande teia de interações em que todas as partes são mutuamente necessárias
para formação do todo: o princípio da inclusão é o regente dessa grande orquestra (OLIVEIRA,
2006).
O princípio da senioridade (respeito aos mais velhos) e a valorização da ancestralidade
também constituem uma das pedras fundamentais dessa visão de mundo. Mas aqui não se trata
de uma senioridade em termos biológicos, mas sim de uma senioridade espiritual, ou seja, de
antiguidade iniciática (“idade de santo”). Em outras palavras, o tempo de iniciação religiosa
que é levado em consideração. Esse princípio também decorre da valorização dos que primeiro
chegaram ao lugar habitado pelo grupo (SODRÉ, 2002).
Na hierarquia religiosa, a senioridade norteia toda a estrutura social das comunidades
tradicionais de matriz africana (LIMA, 2003) e está na base do processo de transmissão do
saber, que segue dos mais velhos para os mais novos. Essa transmissão de saber, como já visto,
se dá principalmente pela oralidade, ou seja, por meio de ensinamentos que fazem uso de uma
linguagem não-escrita, mas que não está restrita à fala, compreendendo também elementos
rituais não-verbais, como é o caso das danças sagradas (CASTILLO, 2010).
Por meio da tradição oral, os mais velhos transmitem aos mais jovens não apenas o seu
saber, mas também o seu “axé”, pois a palavra vai além da sua dimensão meramente linguística
e está carregada de força vital (CASTILLO, 2010). O axé também é um princípio base da
cosmovisão religiosa de matriz africana; ele é a força que “assegura a existência dinâmica, que
permite o acontecer e o devir. Sem axé, a existência estaria paralisada, desprovida de toda
possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital” (SANTOS, 1976,
p. 39). Neste sentido, o saber religioso e o axé são transmitidos/compartilhados pelos mais
velhos aos mais novos, pela comunicação oral, em uma cadeia que fortalece laços de identidade,
solidariedade e alimenta a força vital dinâmica do grupo.
Já a valorização da ancestralidade, por sua vez, torna possível a preservação da
identidade48 do grupo, uma vez que fornece elementos sobre quem somos e de onde viemos,
implicando em um processo de conhecimento e reconhecimento de histórias e trajetórias.
48 Woodward (2012) explica que a identidade é marcada por meio de símbolos que demarcam as particularidades
dos indivíduos, ou seja, os traços que os diferenciam uns dos outros. Em outras palavras, a identidade é marcada
pela diferença.
35
Assim, “pensar no processo de formação identitária sem a referência à ancestralidade é como
pensar em uma árvore sem raiz” (GUIMARÃES, 2014, p. 277).
Essa formação identitária remete aos modos de existência ou de representação que
definem o grupo através de alguns atributos selecionados no seu complexo cultural (língua,
religião, arte, sistemas políticos, economia, visão do mundo), de sua história, de seus traços
psicológicos, etc., entendidos como mais significativos do que outros e que o diferenciam de
demais grupos ou comunidades, religiões, nações, etnias, etc. (MUNANGA, 2012). Em se
tratando das comunidades religiosas de matriz africana, preservar essa identidade coletiva é
garantir o direito à preservação das tradições, dos saberes, da memória, enfim, da identidade
étnica49 dessas comunidades.
A valorização das tradições é uma das estratégias utilizadas pelas religiões afro-
brasileiras para proteger essa formação identitária do grupo, e, consequentemente, preservar a
comunidade religiosa. Isso não significa dizer, entretanto, que a manutenção dessas tradições
faz desse sistema religioso algo engessado, visto que quando é preciso, em nome do bem-estar
coletivo (que consiste em um objetivo maior), modificações e adaptações são inseridas. Existe,
portanto, dinamismo e não estagnação (OLIVEIRA, 2006).
Embora o tempo dos ancestrais (dos antepassados) remeta a um tempo passado, isso não
se dá no sentido de algo que ficou para trás, ultrapassado. A cosmovisão religiosa de matriz
africana está assentada em uma concepção de tempo cíclico50, em que “se acredita que a vida é
uma eterna repetição do que já aconteceu num passado remoto narrado pelo mito” (PRANDI,
2001, p. 43). Portanto, é no passado, revivido pelos mitos, que se encontram as respostas para
as dificuldades do tempo presente, pois é nele que reside a sabedoria dos ancestrais
(OLIVEIRA, 2012).
Na escala ocidental do tempo “os acontecimentos são enfileirados uns após outros, em
sequencias que permitem organizá-los como anteriores e posteriores, uns como causa e outros
como consequência [...] que conhecemos como história” (PRANDI, 2001, p. 48). Essa
concepção, entretanto, não se verifica na cosmovisão africana que concebe o tempo como uma
“composição dos eventos que já aconteceram ou que estão para acontecer imediatamente [...],
49 Cada ser humano guarda uma relação muito forte com o grupo étnico a que pertence, com suas tradições, valores
e cosmovisão. A essa relação de pertencimento dá-se o nome de “identidade étnica”, direito intimamente ligado à
liberdade cultural, parte vital do desenvolvimento humano (PNUD, 2004). 50 Prandi explica que a lógica do tempo cíclico segue a do tempo da natureza e da memória “que não se perde, mas
se repõe. O tempo da história, em contrapartida, é o tempo irreversível, um tempo que não se liga nem à eternidade,
nem ao eterno retorno. O tempo do mito e o tempo da memória descrevem um mesmo movimento de reposição:
sai do presente, vai para o passado e volta ao presente – não há futuro” (PRANDI, 2001 p. 49).
36
passado imediato está intimamente ligado ao presente, do qual é parte [...] o futuro nada é que
a continuação daquilo que já começou a acontecer no presente” (PRANDI, 2001, p. 48).
Em consonância com essa concepção não linear do tempo, Boaventura de Sousa Santos
(2007), ao erigir as bases da sua “sociologia das ausências”51, elenca cinco lógicas ou modos de
produção de ausências (ou não-existências): monocultura do saber e do rigor do saber;
monocultura do tempo linear; lógica da classificação social; lógica da escala dominante; lógica
produtivista. Essas cinco monoculturas produziram um amplo conjunto de populações, formas
de ser, de viver e de saber tidos como ignorantes ou inferiores (SANTOS, 2007, p. 30).
A monocultura do tempo linear, especificamente, consiste na ideia de que “a história
tem um sentido, uma direção, [...] inclui o conceito de progresso, modernização,
desenvolvimento e, agora, globalização”. Dela decorre a concepção de que existem sociedades
que são primitivas e selvagens e outras modernas e civilizadas (SANTOS, 2007, p. 29). Para
Santos (2007), entretanto, é importante permitir que cada forma de sociabilidade tenha sua
própria concepção de temporalidade, como é o caso das comunidades fundadas nessa
cosmovisão ancestral africana.
A diversidade, por sua vez, que também constitui um dos princípios norteadores da
cosmovisão africana, está diretamente relacionada ao princípio da integração. Por se tratar de
uma visão de mundo inclusiva, dela decorre a aceitação do que é diferente. Ela resulta,
sobretudo, da própria natureza plural e multifacetada do continente africano, em que diferenças
étnicas e culturais convivem e se alimentam mutuamente a partir da diferença (OLIVEIRA,
2012).
Dentro da lógica da diversidade não cabem dicotomias entre bem-mal52, certo-errado,
céu-inferno, sagrado-profano, masculino-feminino. Essas classificações engessam a realidade
e limitam a pluralidade das representações humanas, fazendo com que inúmeras experiências e
possibilidades sejam perdidas pelo simples fato de não se encaixarem dentro dessas
perspectivas engessadas (OLIVEIRA, 2012).
51 “A Sociologia das Ausências é um procedimento transgressivo, uma sociologia insurgente para tentar mostrar
que o que não existe é produzido ativamente como não-existente, como uma alternativa não-crível, como uma
alternativa descartável, invisível à realidade hegemônica do mundo” (SANTOS, 2007, p. 28-29). Essa teoria será
aprofundada no terceiro capítulo desse trabalho. 52
Verger (2012) faz um alerta quanto ao perigo em dualizar bem e mal, pecado e salvação, dentre outros conceitos
de origem judaico-cristã, quando se trata da intepretação das premissas religiosas de origem africana. O autor
aponta: “Ao abordar o estudo dessas religiões, é necessário abstrair certos postulados: bem e mal, que
correspondem exatamente a nosso conceito de bem e de mal, pecado original, divina providência, e substituí-los
pelos conceitos de eficácia, força, luta pela existência em que tudo se ganha, se merece, se conquista [...]”
(VERGER, 2012, p. 16).
37
É o princípio da diversidade que faz das religiões afro-brasileiras espaços plurais, de
inclusão e acolhimento das diferenças, em que se operam a lógica do reconhecimento da
alteridade através do respeito às diversidades, onde há espaço para todos não importando
posição social, pertencimento étnico-racial53, ideologia política, orientação ou identidade
sexual, idade, escolaridade, etc. Sobre esse aspecto Prandi (1996, p. 42) afirma que “O
candomblé não discrimina o bandido, o adúltero, o travesti e todo tipo de rejeitado social [...]
O candomblé se preocupa sobretudo com aspectos concretos da vida: doença, dor, desemprego,
deslealdade, falta de dinheiro, comida e abrigo”.
As mais diversas ressignificações pelas quais as religiões afro-brasileiras passaram,
muitas vezes como forma de adaptação necessária para continuidade e sobrevivência, também
foram possíveis em razão dessa capacidade de abraçar a diversidade. A própria construção do
candomblé, originado a partir do hibridismo de diferentes estruturas litúrgicas africanas, revela
formas de adaptação que os negros escravizados encontraram para preservar suas religiosidades
ante às diversas perseguições que lhes foram impostas.
A cosmovisão religiosa de matriz africana implica também em uma relação estreita com
a natureza, pois é na natureza que estão as divindades africanas e muitas vezes esses signos
representam a mesma coisa (a divindade é a própria natureza: são as matas, rios, lagos,
cachoeiras, etc.), portanto, é impossível falar em religiosidade de matriz africana sem sua
integração e interdependência com a natureza.
A cosmovisão religiosa de matriz africana não percebe o homem separado da natureza,
mas sim como elemento integrado e integrante desta. Trata-se do que Pelizzoli (2002) chama
de postura holístico-revolucionária, que consiste em uma perspectiva filosófica de mundo que
remete à ideia de Unidade, de ser Um com o Todo. Nesse aspecto de Unidade a relação
homem/natureza se dá numa base espiritual, simbólica, de interação com o sagrado, de interação
com a natureza através de um viés sagrado. O que o autor chama de relação “eco-sistêmica”
com a natureza (PELIZZOLI, 2002, p. 27).
Trata-se de uma maneira própria de viver na sociedade que privilegia a relação homem-
natureza, por meio de uma perspectiva biocêntrica pautada em um compromisso com o
reconhecimento de uma inter-relação, com a consciência de que “a vida está no centro e os seres
humanos situam-se como seres vivos tão importantes como todas as formas de vida existentes.
53 Sobre essa tendência a abraçar a diversidade Bastide (2001) destacou que “[...] A religião do candomblé, embora
africana, não é religião só de negros. Penetram no culto não somente mulatos, mas também brancos e até
estrangeiros. É preciso dissociar completamente religião e cor de pele. É possível ser africano, sem ser negro [...]”
(BASTIDE, 2001, p. 25).
38
Daí uma valorização a tudo o que tem vida” (COELHO, 2011, p. 156). Para Oliveira (2006) a
religiosidade de matriz africana está impregnada por uma visão de mundo que constitui
[...] uma forma cultural ecosófica pois não compreende a natureza como um elemento
passivo. Ao contrário, ela não reifica a separação binária homem-natureza ou
natureza-cultura. O homem é natureza. Forma com ela um elo indissociável. Há aqui
um holismo filosófico com consequências políticas. E este é o ponto “chave”, o
motivo no qual reside a resistência da cosmovisão africana num espaço onde os
valores cristãos/capitalistas privilegiam a instrumentalização da natureza e sua
consequente exploração, onde a ênfase cultural recai sobre o extraordinário e não
sobre o ordinário, sobre o pós-morte, o pecado, a culpa, a moral e não sobre o
imanente, a liberdade, o prazer e a ética. Nas comunidades de Candomblé as
organizações se dão a partir de experiências religiosas de caráter mágico, o irracional
é racionalizado, sendo passível de ser controlado e transformado. (OLIVEIRA, 2006,
p. 61).
Essa forma peculiar de ler, interpretar e se posicionar no mundo se contrapõe ao modelo
civilizatório hegemônico alicerçado na racionalidade, na noção de progresso material e
desenvolvimento econômico nos moldes da modernidade científica e industrial. A cosmovisão
religiosa de matriz africana é sistêmica, integrativa e pautada na interdependência de todas as
coisas (OLIVEIRA, 2006), ela é pautada por uma relação de integração homem-natureza que
se dá “numa base espiritual, simbólica, de interação com o sagrado, interação com a natureza
via caráter do sagrado” (PELIZZOLI, 2002, p. 27).
A sacralização da natureza, portanto, constitui um dos fundamentos centrais das
religiões afro-brasileiras, o espaço sagrado54 não se delimita ao templo, existem outros locais
considerados sítios naturais sagrados (sobre os quais trataremos melhor no capítulo 3) com os
quais são mantidas estreitas relações de afetividade e pertencimento. Falando sobre o
candomblé, por exemplo, Bastide (2001, p. 82) cita que “[...] Os cultos de Iemanjá e de Oxum,
deusas da água salgada e da água doce, reclamam principalmente oferendas atiradas na margem
ou de uma barca em alto-mar [...]”.
A cosmovisão religiosa afro-brasileira, além de constituir um patrimônio mítico-cultural
africano que se reconstruiu no Brasil, representa também um sistema de valores e princípios
que fortalecem os laços de solidariedade, o senso de coletividade, promovendo o bem-estar e a
harmonia social, acolhendo a diversidade e as pluralidades, cultivando valores de integração,
54
Eliade (1992) explica que existem distinções e rupturas qualitativas entre o espaço sagrado e o espaço não-
sagrado que são perceptíveis ao homem religioso. Para esse homem religioso o espaço sagrado é “significativo” e
implica uma “hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico
que o envolve e o torna qualitativamente diferente” (ELIADE, 1992, p. 25-30).
39
respeito, tolerância, que inspiram novos paradigmas de inclusão e de proteção da dignidade
humana que não estão engessados e limitados pela razão ocidental55.
Para além do desencantamento produzido por essa razão ocidental moderna, que tem no
capitalismo neoliberal seu modelo hegemônico, existem outras experiências de resistência que
funcionam como “linhas de fuga que potencializam a criação de outros regimes semióticos”
(OLIVEIRA, 2012, p. 42-43). O modelo sociocultural fornecido a partir da visão de mundo das
religiões de matriz africana representa uma dessas “linhas de fuga” capaz de promover justiça
social, emancipação humana e preservação do ecossistema planetário a partir de uma visão de
mundo holística/sistêmica.
As religiões afro-brasileiras, portanto, fornecem um modelo sociocultural contra
hegemônico em meio à cultura capitalista predominante, por meio de outro sistema cognitivo
que não está refém das teias do modelo racionalista-científico ocidental, que fragmenta o ser
humano e os saberes, ou do capitalismo neoliberal, que faz pouco caso dos interesses coletivos
em detrimento do individualismo exacerbado.
A partir desse modelo contra hegemônico emerge uma outra concepção de dignidade
humana. Essa outra concepção dialoga com a proposta da teoria crítica dos direitos humanos,
que formula seu constructo justamente a partir da constatação de que são diversas as formas de
concepção cultural sobre dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual propõe uma nova
formulação de direitos humanos56 que operem a partir de valores locais, mas que tenham
alcance global (SANTOS, 2006; FLORES, 2010). Esses valores locais são os princípios
norteadores das lógicas internas a partir das quais os nativos regulam seus modos de vida. No
presente caso, são os princípios que formam a cosmovisão religiosa de matriz africana.
Portanto, dos valores locais fornecidos por essa cosmovisão resulta uma concepção de
dignidade humana que não subsiste se pensada de forma dissociada de categorias como
memória, pertencimento, resistência, sacralidade. Nessa construção, a ideia de identidade está
ligada ao território; pensar em memória é pensar em memória coletiva e subterrânea; pensar em
resistência é pensar em uma luta constante por sobrevivências; pensar em sacralidade é pensar
em uma história de perseguição e estigmatização de uma religião tida como subalterna.
Pensar em todas essas categorias indissociáveis da concepção de dignidade humana que
emerge da visão de mundo que norteia as religiões afro-brasileiras é, sob essa ótica, pensar em
55 Oliveira (2012, p. 42) caracteriza a razão ocidental como “pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa
palavra, desencantada”. 56 Douzinas (2010) enuncia que os direitos humanos são uma subcategoria dos direitos que protegem importantes
bens jurídicos, como a vida e a liberdade, e que são conferidos às pessoas por causa de sua humanidade,
independente de filiação ao estado, nação ou comunidade.
40
uma história de silenciamentos, produção de ausências57 e violação de direitos. Como alerta
Boaventura de Sousa Santos (2002), a insistência na adoção de um modelo único e autoritário
de direitos humanos traz como consequência a produção de uma série de ausências.
1.2 Àiyé - O Terreiro
Como vimos, a cosmovisão religiosa afro-brasileira constitui um patrimônio58 mítico-
cultural que foi reconstruído pelos negros africanos em solo brasileiro. A preservação desse
patrimônio foi possível através do terreiro, que representa historicamente uma forma de
resistência cultural e de coesão social (BARROS; TEIXEIRA, 2000).
O terreiro aparece como a base físico-cultural de um patrimônio simbólico (a
religiosidade africana) através do qual o negro africano teve a possibilidade de se
“reterritorializar”, ainda que de forma condensada. Se na África cada região ou “nação”
cultuava apenas um orixá (que na maioria das vezes se acreditava ter uma relação de
ancestralidade com a dinastia do clã), no Brasil, entretanto, os clãs foram desfeitos e as diversas
etnias misturadas; os orixás, portanto, também foram reunidos sob uma devoção condensada,
um culto único que abarca os orixás de todos os clãs fragmentados pela diáspora. Cria-se um
novo espaço mítico “responsável pela continuidade da cosmologia africana no exílio”.
(SODRÉ, 2002, p. 59).
O espaço do terreiro é, portanto, também um espaço mítico que remete à criação do
mundo. Neste sentido, uma passagem de Bastide (2001) sobre essa reprodução de uma narrativa
mítica de criação do mundo que se opera no espaço do terreiro tem profundo valor simbólico:
[...] Quando nele dançam os orixás, por intermédio do corpo das filhas-de-santo
possuídas, o aposento [o salão principal] se torna a própria imagem do mundo. O solo
é a terra [Odudua], o teto é o céu [Obatalá]; entre as duas divindades, os orixás imitam
com sua mímica a vida dos elementos da natureza, a tempestade que se desencadeia
(Iansã), o ziguezague do relâmpago (Xangô), o murmúrio dos regatos (Oxum), as
vagas do oceano (Iemanjá), e também as ações dos homens que vivem no mundo – os
caçadores (Oxóssi), ferreiros (Ogum), ou a passagem das doenças epidêmicas
(Omolu); o salão de dança é então o microcosmo, ou também o mundo reconstituído
em sua realidade mística, que é sua verdadeira realidade [...] (BASTIDE, 2001, p. 88).
57 Trataremos detidamente sobre a teoria de Boaventura de Sousa Santos sobre produção de ausências no terceiro
capítulo desse trabalho. 58 Sodré (2002, p. 52) se refere a patrimônio como “uma metáfora para o legado de uma memória coletiva, de algo
culturalmente comum a um grupo”.
41
Pode-se dizer que o terreiro corresponde (ou pretende corresponder) a uma África em
miniatura, funcionando como “um verdadeiro microcosmo59 da terra ancestral” (BASTIDE,
2001, p. 76). Entendimento semelhante é partilhado por Sodré (2002) ao destacar que, mesmo
quando se trata de um terreiro de espaço físico reduzido que não comporta essa divisão
tradicional, ali se organiza a simbologia de um Cosmos: “é uma África qualitativa que se faz
presente, condensada, reterritorializada [...]instaura-se aí por meio da palavra mítica (a narração
ritualística das origens e do futuro), um ‘lugar sagrado’ [...]” (SODRÉ, 2002, p. 55).
Retratado por Sodré (2002) como a principal forma social negro-brasileira60, o terreiro
consiste na própria organização da comunidade litúrgica (ou egbé), em cujo espaço se preserva
e se reproduz a cosmovisão de matriz africana, e onde são construídas identidades religiosas
segundo um modelo mítico (BARROS, 2011; SODRÉ, 2002). Através dos terreiros os diversos
grupos étnicos da diáspora conseguiram conservar um profundo sentido de comunidade.
O primeiro terreiro de candomblé no Brasil teria sido o Iyá Omi Àse Ayra Intilé,
instalado inicialmente próximo a Igreja da Barroquinha em Salvador/BA, sendo posteriormente
transferido e se estabelecido definitivamente na Av. Vasco da Gama, com o nome atual de Ilé
Iyá Naso, também conhecido como Casa Branca do Engenho Velho. Estudiosos como Carneiro
(1967), Santos (1976), Bastide (1971), Verger (1981) e Sodré (2002) apontam a senioridade da
Casa Branca e informam que sua fundação remonta, mais ou menos, o ano de 1830.
As religiões afro-brasileiras nasceram urbanas, ou no máximo suburbana, com poucos
terreiros encontrados nas zonas rurais, como aponta Carneiro (1967) quando se refere ao
candomblé como “fenômeno de cidade”. Entretanto, entre o final do século XIX e início do
século XX, intensificaram-se as regras de segregação territorial no Brasil por meio de uma série
de políticas urbanas higienistas61, que consistiram em intervenções no espaço urbano cujo mote
oficial era o controle dos processos de transmissão das doenças infectocontagiosas através do
saneamento. A incorporação de práticas higienistas às políticas urbanas teve início em Paris e
funcionou como modelo urbanístico que passou a ser adotado por outras cidades do mundo, a
exemplo de Londres e Berlim, chegando às cidades brasileiras dentre as quais Rio de Janeiro e
59 Por meio de algumas cerimônias particulares a força (ou axé) das divindades africanas é fixada nesse
microcosmo (BASTIDE, 2001). 60 “[...] o terreiro afigura-se como a forma social negro-brasileira por excelência, porque além da diversidade
existencial e cultural que engendra, é um lugar originário de força ou potência social para uma etnia que
experimenta a cidadania em condições desiguais. Através do terreiro e de sua originalidade diante do espaço
europeu, obtêm-se traços fortes da subjetividade histórica das classes subalternas no Brasil” (SODRÉ, 2002, p.
20). 61 Sodré (2002) descreve essas políticas como fruto de “discursos produzidos no quadro de uma ideologia médico-
higienista, motor das grandes transformações urbanísticas da época, geradora de um saber adequado às demandas
de saúde do novo ambiente industrial-capitalista que havia triunfado na Europa e ganhava os Estados Unidos”
(SODRÉ, 2002, p. 40).
42
São Paulo foram as primeiras62, seguidas por Santos, Recife, Porto Alegre, Salvador e outras
(ROLNIK, 1989; GUIMARÃES, 2001; CUNHA JR., 2007; RAMOS, 2007).
Entretanto, no Brasil as políticas higienistas assumiram a feição de missão civilizatória63
se revelando como um projeto de extermínio de tudo que se acreditava ser responsável pelas
mazelas sociais e contrário ao modelo de civilização europeu64. Dentro desse projeto, pois, a
presença de populações afrodescendentes (dentro das quais estavam incluídas as comunidades
de terreiro) nos centros urbanos era insustentável65 (ROLNIK, 1989; CUNHA JR., 2007;
RAMOS, 2007).
Por meio de políticas higienistas, justificadas pela necessidade de melhoramentos
urbanos, foi feita a remoção das populações africanas e afrodescendentes dos centros urbanos
para instalá-las em áreas periféricas distantes, carentes de políticas urbanísticas, o que impôs
uma série de dificuldades a essas populações (MARQUES, 1994; SODRÉ, 2002; CUNHA JR.,
2007; RAMOS, 2007). O que se viu foi “[...]uma política segregacionista dos espaços no Brasil,
sem, entretanto terem esta denominação, naquela época, estas práticas afetaram
significativamente as maiorias afrodescendentes consolidadas no meio urbano [...]” (CUNHA
JR., 2007, p. 66).
Essas áreas periféricas, que então se tornaram verdadeiros territórios negros, passaram
então por contínuos processos de estigmatização através de sucessivas “representações sociais
construídas de modo a desmoralizar os afrodescendentes e seus modos de vida”, evidenciando
uma segregação urbanística e social (RAMOS, 2007, p. 112).
62 “De forma mais ou menos intensa, as duas cidades viveram, na virada do século, uma transformação profunda
que repercutiu, em um primeiro momento, no crescimento populacional e no aumento da densidade demográfica,
mas que significou, também, um embranquecimento e uma intensa redefinição territorial. Essa reestruturação
vinha adaptar a cidade senhorial-escravista aos padrões da cidade capitalista, onde terra é mercadoria e o poder é
medido por acumulação de riqueza. A face urbana desse processo é uma espécie de projeto de “limpeza” da cidade,
baseado na construção de um modelo urbanístico e de sua imposição através da intervenção de um poder municipal
recém-criado. Um dos principais alvos de intervenção foram, nas duas cidades, justamente os territórios negros
[...]” (ROLNIK, 1989, p. 34). 63 “Em paralelo a um discurso das teorias higienistas e eugênicas, havia também o discurso ‘civilizatório’:
modernização, normatização, moralização dos costumes, combatendo os péssimos hábitos da população aos quais
se associavam às ideias de pobreza, insalubridade, promiscuidade, imoralidade, subversão, associados, sobretudo,
aos hábitos da população negra” (RAMOS, 2007, p. 116). 64 “[...] Desafricanizar as cidades, isto é, desmontar esses territórios negros apagando os traços afro-brasileiros na
cidade, era fundamental para intensificar o poder das aparências europeias, trazendo uma nova imagem de cidade
para a República” (RAMOS, 2007, p. 112). 65 Nesse período o Brasil já vinha recebendo grande volume de imigrantes europeus com o intuito de suprir uma
suposta carência de mão-de-obra que sucedeu o pós-abolição mas, principalmente, esses imigrantes eram atraídos
por generosas políticas brasileiras que, motivadas pelas teorias científicas raciais que se fortaleciam na época,
buscavam, sobretudo, o embranquecimento da população brasileira (ROLNIK, 1989). Sobre essas questões ver
também: RAMOS, Maria Estela R. Origens da segregação espacial da população afrodescendente em cidades
brasileiras. In: CUNHA JR., Henrique e RAMOS, Maria Estela R. (Orgs.). Espaço urbano e afrodescendência:
estudos da espacialidade negra urbana para o debate de políticas públicas. Fortaleza: Edições UFC, 2007. p. 97-
120;
43
Aqui cabe ressaltar que, nesse contexto, as religiões dos africanos e afrodescendentes
eram tidas como práticas primitivas de feitiçaria66 (MAGGIE, 1992; RIO, 2006) não
condizentes com o modelo de civilização europeu que se estava construindo por meio das
políticas urbanas higienistas. Assim, se estabeleceu uma violenta perseguição ao culto67,
consubstanciada pela repressão policial da época, que também é apontada como elemento que
interferiu no processo de deslocamento dos terreiros, pressionando pais e mães de santo, antes
estabelecidos nos centros das cidades68, a irem para regiões cada vez mais afastadas onde o
toque dos atabaques não pudessem ser escutados, de modo a se tornarem “invisíveis”,
provocando um isolamento das comunidades afrorreligiosas (BARROS; NAPOLEÃO, 2011).
Aliado a isso, as modestas condições financeiras da comunidade religiosa no período
pós-abolicionista também colaboraram para a instalação nas regiões mais periféricas, onde as
terras eram mais baratas, conforme aponta Pierson (1971). Silva (1995), em pesquisa realizada
em São Paulo na década de 90, também aponta que inicialmente havia um forte predomínio das
casas de candomblé na periferia da cidade e explica que um dos motivos da referida segregação
territorial era justamente o baixo poder aquisitivo das populações que constituíam a maioria
absoluta dos fiéis.
Depoimento colhido por meio de entrevista semiestruturada em um dos terreiros
investigados na pesquisa de campo realizada neste trabalho evidenciou que, na Grande Aracaju,
o elemento financeiro ainda exerce forte influência na continuidade desse padrão de ocupação
66 Para maior aprofundamento ver: MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992; RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
(Sabor literário). 67 Sobre o desrespeito à liberdade de culto das religiões de origem africana merecem destaque dois trechos
encontrados, respectivamente, nas obras de Edson Carneiro e Nina Rodrigues: “Nenhuma das liberdades civis tem
sido tão impunemente desrespeitada, no Brasil, como a liberdade de culto. O texto constitucional não tem clareza,
embora seja claro como o dia o princípio democrático que lhe serve de base – e qualquer beleguim da polícia se
acha com o direito de intervir numa cerimônia religiosa para semear o terror entre os crentes. Esta violência já se
tornou um hábito, sem que contra ela se eleve sequer uma voz de protesto [...] Esse desrespeito a uma liberdade
tão elementar atinge apenas as religiões chamadas inferiores. E, quanto mais inferiores, mais perseguidas [...]”
CARNEIRO (1964, p. 185); “Absolutamente elas [as práticas religiosas dos negros] não são um crime, e não
justificam as agressões brutais da polícia, de que são vítimas. O texto da nossa Constituição política é claro e
terminante. A todos os habitantes deste país, ela garante plena liberdade de consciência e de culto. O Código Penal
da República qualifica os crimes de violência contra a liberdade de cultos e marca-lhes a penalidade. Em que
direito se baseia, pois, a constante intervenção da polícia na abusiva violação dos templos ou terreiros africanos,
na destruição dos seus ídolos e imagens, na prisão, sem formalidades legais, dos pais de terreiro e diretores de
candomblés?” (RODRIGUES, 2010, p. 272). 68
Neste sentido Bastide (2001) e Carneiro (1967): “Existiam outrora candomblés em pleno centro da cidade. [...]
Mas em geral agrupam-se longe do centro, nos vales umbrosos, suspensos nos flancos das colinas ou entre as dunas
marinas, escondidos pelas árvores, pelos renques de bananeiras, abrigando-se sob os coqueiros. [...] Cercam a
cidade como uma coroa mística [...]”. (BASTIDE, 2001, p. 30); “Os candomblés situam-se, a bem dizer, no meio
do mato, nos arrabaldes e subúrbios mais afastados da Cidade” (CARNEIRO, 1967, p. 43).
44
dos terreiros em áreas mais periféricas69, onde os valores dos imóveis (para locação ou
aquisição) costumam ser mais acessíveis. O referido terreiro iniciou suas atividades em 2010 e
está localizado no bairro industrial em um imóvel alugado que possui espaço consideravelmente
pequeno para a realização das atividades religiosas. Questionada se quando da escolha do
imóvel para locação chegou a encontrar outros com espaço mais amplo, a entrevistada forneceu
a seguinte resposta:
Foi possível até encontrar mas os valores eram exorbitantes que fugia a nossa
realidade. Aí aqui foi o espaço que mais condizia com o que o terreiro ia exigir de
área, de espaço, e aí a gente conseguiu esse espaço aqui depois de muito caminhar,
uns seis meses a procura e a gente conseguiu aqui, conversou com a dona da casa,
explicou a situação a ela que a gente ia fazer aqui e ela aceitou. Porque também é
difícil as pessoas ter imóvel alugado e aceitar porque ainda há muita discriminação
né, achar que a gente vai fazer rituais satânicos, enfim e muita gente tem preconceito
e não deixa você alugar uma casa e fazer um terreiro de candomblé. (LEGBARA,
2016, informação verbal70).
A fala de outro entrevistado também faz referência aos valores dos imóveis como um
elemento que limita a escolha do local onde o terreiro é instalado. Vejamos:
Eu gostaria de ter mais espaço, mais terreno para ter vários elementos que eu poderia
usar mais dentro da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,
folha é vida. Aqui tenho algumas mas geralmente a gente tem que ir no mato para
buscar ou a gente tem que comprar. Eu tenho vontade de ter uma chácara no futuro.
Mas tem a questão financeira que hoje em dia é tudo muito caro. (OGUM, 2016,
informação verbal71).
Vê-se, pois, que tanto o preconceito social ainda existente quanto o aspecto financeiro
continuam interferindo diretamente na manutenção de um mesmo padrão de ocupação dos
terreiros, que vem se reproduzindo desde o século XIX.
Tratando especificamente sobre como se deu esse processo em Aracaju/SE, Souza Filho
(2013) cita o Código de Posturas Municipal, datado de 1856, que, influenciado pelas tendências
urbanísticas europeias e norte-americanas, delimitava um perímetro dentro do chamado
“quadrado da cidade” (região central) onde as edificações deveriam seguir rigorosamente as
69 Sobre espaços urbanos denominados de periferias, Cunha Jr. (2007, p. 76-77) explica que “[...] são espaços
urbanos segregados, áreas de concentração de desigualdades sociais [...] São áreas marcadas pela ausência de
políticas públicas específicas e direcionadas para a decisão autônoma dos moradores destas áreas. São áreas de
comunicações restritas com as demais áreas urbanas. As restrições são determinadas pelos meios de transporte,
pela localização e pelas barreiras simbólicas [...]”. 70 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 71 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
45
exigências aprovadas pela Resolução Provincial n. 458, de 1856. Segundo o autor, assim como
o Códigos de Postura de São Paulo, em Aracaju também se utilizou das políticas higienistas
para promover a segregação territorial da população negra.
Souza Filho (2013) cita um exemplo de local que no início do século XX teria sido
favorável à instalação de terreiros: a região hoje conhecida como bairro Siqueira Campos era
distante do centro de Aracaju (então ocupado pelas elites e funcionários públicos, já como
resultado das políticas higienistas de segregação territorial), era praticamente desabitado, o que
mantinha os terreiros “invisíveis” e “livres” das denúncias de vizinhos e, consequentemente,
das perseguições policiais. Essa caracterização do bairro Siqueira Campos é corroborada pelo
depoimento da entrevistada de pseudônimo São Jorge, que forneceu a seguinte informação:
Nós já moramos na rua de Vitória Torta, perto da rodoviária velha do centro; depois
moramos ali no Siqueira Campos, na rua de Goiás e na rua de Paraná. O candomblé
era muito perseguido não podia ficar em ruas que tinha vizinho, nós tínhamos sempre
que separar para ficar no lugar que eles achavam que não incomodava eles. (SÃO
JORGE, 2016, informação verbal72).
Entretanto, essa condição favorável do bairro só perdurou enquanto este ainda era uma
região tida como periférica, condição que se modificou com o processo de metropolização de
Aracaju, que se intensificou a partir da década de 197073, vindo a se tornar importante centro
comercial (SOUZA FILHO, 2013).
Neste sentido, a população negra, e consequentemente os terreiros, que no início do
século XX já haviam sido deslocados do perímetro central de Aracaju para áreas periféricas da
cidade, em razão das políticas urbanísticas de segregação, a partir do processo de
metropolização na década de 70 sofreram novo deslocamento, agora de regiões que até então
eram periféricas (como o bairro Siqueira Campos) mas que passaram a ser inseridas nos planos
de expansão da capital, para as chamadas franjas da periferia, regiões que perpetuam a lógica
da exclusão74 mantendo a população sem acesso à políticas públicas essenciais, como
transporte, energia elétrica e saneamento básico (SOUZA FILHO, 2013).
72 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 73 “A partir dos anos 1970, [a urbanização] alcança novo patamar, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do
ponto de vista qualitativo. [...] tivemos, primeiro, uma urbanização aglomerada, com o aumento do número – e da
população respectiva – dos núcleos com mais de 20 mil habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada,
com a multiplicação de cidades de tamanho intermédio, para alcançarmos, depois, o estágio da metropolização,
com o aumento considerável do número de cidades milionárias e de grandes cidades médias (em torno do meio
milhão de habitantes)” (SANTOS, 2009, p. 77). 74 “[...]nota-se que a expulsão espacial se deu de forma drástica e histórica, expulsando as populações negras e
pobres dos centros urbanos, e que atualmente, desencadeia em ‘manchas’ de segregação urbanística nas cidades
[...] Politicamente é uma estratégia relegar os territórios negros das políticas públicas, de modo a enfraquecer a
46
Essa realidade foi observada na pesquisa de campo realizada neste trabalho, em que 03
(três) dos 13 (treze) terreiros investigados passaram por mais de um processo de deslocamento,
sendo que todos se deram entre regiões tidas como periféricas. Foram os casos dos terreiros
hoje estabelecidos no Povoado Pai André - Nossa Senhora do Socorro, no Bairro América -
zona oeste de Aracaju e no Bairro Eduardo Gomes – São Cristóvão.
Em entrevistas realizadas com Bagan, São Jorge e Xangô, quando questionados sobre o
início das atividades de seus respectivos terreiros e sobre as características dos locais onde estão
instalados, forneceram as seguintes respostas:
Comecei na Piabeta, em 1995 mas a casa estava em proposta de compra e eu não
consegui concluir a compra, tive que devolver e sair da casa. Depois fui para o Santos
Dumont, também casa de aluguel, fiquei lá uns 3 anos começando a fazer meus
trabalhos, as consultas, algumas iniciações de bori...Aí depois eu desci, para aquela
rua professor Maria Marx, para uma casa maior onde tinha um barracão. E de lá fui
para a Soledade e da Soledade vim parar aqui. Quando eu vim para cá não tinha
energia na rua, a gente usava gambiarra que vinha lá de cima da pista, depois foi que
ligaram a energia, a água. A água foi aquele programa “luz para todos e água para
todos”. Só que aí botaram água mas não botaram o nome de ninguém, saíram botando
as águas até em terreno baldio sabe? E aí ficou assim a coisa a migué (sic) [...] Nós
não temos saneamento básico, a festa mesmo que demos agora, a feijoada de Ogum
tivemos problema de muita gente voltar lá de cima porque os carros atolaram, não deu
para descer porque estava chovendo muito e isso eu me sinto prejudicada. Perco
também muitos clientes que ficam de vim fazer consulta mas quando sabe que é aqui
desiste de vim porque acha que é um local violento e não tem policiamento e a questão
da lama né, que você mesmo já se atolou aqui né! [...] Mas é um lugar que eu sei que
os vizinhos jamais vão chegar pra fazer abaixo-assinado pra me tirar daqui, porque eu
não incomodo ninguém, né? (BAGAN, 2016, informação verbal75).
Nós já moramos na rua de Vitória Torta, perto da rodoviária velha do centro; depois
moramos ali no Siqueira Campos, na rua de Goiás e na rua de Paraná. O candomblé
era muito perseguido não podia ficar em ruas que tinha vizinho, nós tínhamos sempre
que separar para ficar no lugar que eles achavam que não incomodava eles; era
perseguido demais pela polícia e pela Igreja católica também; os padres perseguiam
muito a gente mais até que a polícia[...] Aqui no Bairro América já tem 62 anos;
quando viemos para cá aqui só tinha a penitenciária, não tinha água nem luz, nem
igreja, nem mercado, era tudo mato. A energia foi puxada da penitenciária até aqui.
Não tinha a Igreja São Judas Tadeu, tempos depois foi que começou a construção.
Então o Abaçá tem uma relação muito boa com a comunidade por conta desse tempo
que tem aqui, as pessoas que foram chegando já sabiam e por isso tem uma relação
muito boa da comunidade e o Abaçá, graças a Deus! [...] Eles estão muito
acostumados e a gente também procura não fazer muito barulho, durante o ano todo
aqui só tem três festas justamente por isso [...] (SÃO JORGE, 2016, informação
verbal76).
Começou na rua Rio Grande do Sul, no Siqueira Campos, em 1951. Depois passou
para a rua Rio de Janeiro, depois foi para o Rio de Janeiro e aí veio para cá, desde
consciência política de seus moradores em lutar pelo direito ao espaço urbano digno e aos seus territórios
construídos socialmente” (RAMOS, 2007, p. 118-119). 75 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 76 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).
47
1979. Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar ainda sem habitação, não tinha
muitos vizinhos, tinha um sítio na frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios
e o G. Barbosa, que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos. Aí com essa
urbanização cresceu bastante [...]. Quando meu avô chegou no Rio o barracão também
era em um lugar com pouca habitação ao redor, quando ficou tudo muito povoado ele
veio embora para cá e aqui era pouco habitado. Aí agora a coisa tá habitada de novo.
(XANGÔ, 2016, informação verbal77).
É possível observar que os três relatos apresentam características em comum:
deslocamentos entre bairros periféricos; baixo índice inicial de habitação nos bairros onde se
estabeleceram; preocupação com a relação com os vizinhos; ausência de estrutura básica nos
locais ocupados. Outras entrevistas realizadas também forneceram informações que corroboram
esse padrão de ocupação inicial em regiões sem estrutura local e pouco habitadas (portanto,
“livre” de problemas com vizinhos). Vejamos:
Quando a minha comprou aqui era tudo sítio. Minha mãe, bem antes dela comprar,
ela falou que aqui era aldeia de índio. Mas eu não lembro porque era muito pequena,
ela comprou e aqui era tudo aberto, tudo muito bom, era uma outra época. (OYÁ,
2016, informação verbal78).
Aqui tinha as casas mas a rua ainda não tinha planagem certa, ainda era barro mas isso
não incomodou não. Depois foi que evoluiu. (OXÓSSI, 2016, informação verbal79).
Aqui tinha uma estradinha de barro, cerquinhas de macambira e sítio que era do finado
Mário Valois, não tinha essas indústrias que a gente vê hoje, não tinha isso. (IBEJIS,
2016, informação verbal80).
Aqui era um conjunto bem rústico que era considerado de origem de mutirão, só tinha
loteamentos e os terrenos para as pessoas construírem e nós adquirimos dois espaços
residenciais onde nós criamos o nosso terreiro [...] Na época que eu vim pra cá aqui
era um bairro isolado de tudo, de pessoas muito humildes sem condições, pra você ter
uma ideia o ônibus saia de manhã, chegava meio dia, saia uma hora e voltava cinco
horas da tarde. (SAHARA, 2016, informação verbal81).
Eu sou mais velho aqui do que esses vizinhos. Tinha umas casinhas aqui com frente,
com fundo pra maré, e que foi crescendo, foi rendendo, foi fazendo casa. Isso aqui
tudo era viveiro, salina, bem por aqui mesmo. Mas o povo foi aterrando, foi fazendo
e hoje tá esse lugar grande, mas não era não. (SANTO ANTONIO, 2016, informação
verbal82).
Quando eu cheguei aqui para construir o terreiro, porque esse terreiro aqui foi
construído ao longo do tempo, eram pouquíssimas casas. Ninguém queria vim morar
77 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 78 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 79 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.). 80 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 81 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 82 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine
Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.).
48
aqui, quando chovia alagava, não entrava carro, só existia uma avenida principal que
era essa que você veio, o acesso aqui interno era para arregaçar a calça porque se
atolava quando chovia, esse tipo de coisa. E mesmo na estação seca persistiam as
poças d’água por conta até da umidade, porque aqui é próximo ao oceano, aqui por
trás tem o Rio do Sal, isso favorece também a evaporação das águas e com isso
chegam as nuvens constantemente aqui, aí alaga. (ODÉ, 2016, informação verbal83).
Vê-se, pois, que esse modelo de ocupação urbana periférica, descrito pelos estudiosos
desde Carneiro (1967) e Bastide (1977), também se reproduziu na Grande Aracaju. Dos 13
(treze) terreiros investigados encontramos a seguinte ocupação espacial: 5 (cinco) estabelecidos
na região da Grande Aracaju (1 em São Cristóvão e 4 em Nossa Senhora do Socorro), dos quais
3 (três) estão localizados em povoados da zona rural de Nossa Senhora do Socorro; dos 8 (oito)
estabelecidos em Aracaju nenhum está localizado na zona sul84 da capital. Os bairros onde estão
os 8 (oito) terreiros pesquisados em Aracaju são: Industrial, Palestina, Bugio III, Novo Paraíso,
América, Santa Maria e Jabotiana.
Portanto, desde o final do século XIX e início do século XX, vem se desenhando nas
cidades brasileiras uma forte segregação urbana que deu origem a processos de favelização e
criação de “territórios negros”85 construídos a partir de uma história de exclusão e
estigmatização que promoveu uma verdadeira “limpeza” étnico-social nos centros urbanos.
Esses territórios são maciçamente habitados pela população negra e estão nas zonas periféricas
das cidades, regiões carentes de atuação do poder público (sem saneamento básico, redes de
atendimento nas áreas de saúde e educação, com transporte público deficiente), onde os
princípios mínimos de cidadania e de uma vida digna são desrespeitados. E, como visto, é
nesses territórios que uma parcela predominante dos terreiros é encontrada.
Entretanto, apesar dessa segregação territorial ter se iniciado com as políticas urbanas
higienistas do início do século XX, não se trata de um projeto acabado, mas sim de um processo
ainda em construção nos dias atuais, o que confere aos terreiros uma situação de instabilidade
e insegurança, pois se veem constantemente a mercê da necessidade de uma nova “migração”,
determinada pelo avanço da cidade em decorrência do acelerado processo de adensamento
urbano.
83 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 84 Bairros: Aeroporto, Atalaia, Farolândia, Coroa do Meio, São Conrado, Inácio Barbosa, Jardins, Luzia, Grageru,
Salgado Filho, 13 de Julho, São José, Pereira Lobo e Suissa. 85 Ao falar sobre territórios negros, Rolnik (1989) afirma se tratar de uma construção de singularidade e elaboração
de um repertório comum à partir de uma história de exclusão que tem início na senzala passando pelo terreiro e
quilombos urbanos. São territórios postos à margem social e que, portanto, confinam a comunidade à posição
estigmatizada de marginal.
49
Sobre esse fenômeno, Silva (1995, p. 171) destaca que “[...] terreiros fundados em
décadas anteriores na região periférica da cidade, hoje foram alcançados pelo progresso advindo
da urbanização, obrigando-os a novas redes de vizinhança e novos comportamentos [...]”.
Assim, vai se verificando um fenômeno de estrangulamento dos terreiros, que vão sendo
engolidos pela cidade que avança em sua direção. E, a cada vez que a cidade lhes alcança são
impelidos a um novo processo migratório para áreas cada vez mais afastadas ou a adaptações
para sobrevivência do culto, pois a condição de “invisibilidade” que lhes foi socialmente
imposta desde o pós-abolição ainda permanece como uma exigência (OLIVEIRA; OLIVEIRA;
BARTHOLO JR., 2010).
O que se vê, portanto, é que muito embora tenha nascido como um “fenômeno de
cidade”86, o crescimento urbano parece atuar como agente violador da liberdade religiosa das
comunidades-terreiro. É o que retrata a seguinte fala:
[...]Toda casa de candomblé quando é iniciada procura se afastar da urbanização, pra
não incomodar e pra não ser incomodado, mas é difícil porque depois vai chegando o
progresso e não tem mais como não incomodar nem ser incomodado[...] (SÃO
JORGE, 2016, informação verbal87).
Em uma das entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo foi possível colher um
depoimento que demarca essa tensão existente entre o processo de urbanização e a presença de
terreiros em espaços urbanos. O entrevistado Xangô, quando questionado se a urbanização
trouxe algum tipo de dificuldade para o terreiro, forneceu a seguinte resposta:
Sim; com essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não está cercado de
tudo aquilo que a gente precisava não. Junto com a quantidade de gente vem a
quantidade de opiniões e aumenta a quantidade de preconceito ou de não
conhecimento do que é o candomblé. Então alguns vizinhos ficam dizendo que nós
somos coisa do demônio, quando na verdade o demônio não faz parte de nada nosso.
Outros vizinhos são de outras religiões e acabam se incomodando com o barulho dos
nossos atabaques, e aí acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí no fim-de-
semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha.
Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância, é sempre
assim. O ser humano é sempre um sistema complexo de você compreender. A pessoa
chegou e já existia aquele candomblé ali mas cada um se sente sempre muito dono,
muito dentro da razão. E a falta de conhecimento do que é o candomblé faz as pessoas
também quererem acabar. (XANGÔ, 2016, informação verbal88).
86 Classificação feita por Carneiro (1967). 87 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 88 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).
50
Essa é uma sinalização de que, pelo menos na Grande Aracaju, o processo de
urbanização, direta ou indiretamente, de alguma forma afeta a rotina de (pelo menos) uma
parcela das comunidades-terreiro trazendo dificuldades. Por hora, entretanto, não adentraremos
nessa discussão, pois os resultados da pesquisa de campo sobre os impactos decorrentes da
urbanização (se existentes ou não e de que forma afetam essas comunidades) serão apresentados
e discutidos profundamente mais adiante.
Quanto à sua estrutura organizacional89, o modelo tradicional de terreiro compreende
basicamente dois espaços que Santos (1976) classifica como “urbano” e “mato”. No espaço
“urbano” do terreiro se encontram as edificações de uso público e privado; a exemplo do peji
(correspondente ao altar), barracão (salão onde acontecem as cerimônias públicas), os
assentamentos dos orixás (espécies de casinholas ou pequenos quartos onde são mantidos os
elementos de culto dos orixás), além de quartos e outros ambientes que servem para moradia
pessoas do terreiro.
Já o espaço “mato” não possui edificações, nele são encontradas árvores consagradas
aos orixás, variedade de ervas que podem ser coletadas para uso ritualístico (mas que não são
cultivadas pela ação do homem) e muitas vezes uma fonte90. Esse espaço equivale a uma
tentativa de representação da floresta africana “cortado por árvores, arbustos e toda a sorte de
ervas e constitui um reservatório natural onde são recolhidos os ingredientes vegetais
indispensáveis a toda a prática litúrgica” (SANTOS, 1976, p. 33-34).
Silva (1995), entretanto, ressalta que são poucos os terreiros que ainda conseguem
manter essa estrutura usualmente encontrada nos modelos tradicionais do início do século XX,
contemplados com grandes espaços internos, daí a denominação de “roças”, e sobre os quais os
etnógrafos como Rodrigues, Ramos, Carneiro, Verger, Bastide e outros se debruçaram. O autor
informa que hoje os terreiros foram alcançados pelo perímetro urbano das cidades o que lhes
impõe uma série de adaptações e novos comportamentos.
No capítulo seguinte abordaremos a importância do “espaço mato” para as liturgias
internas dos terreiros e faremos a análise dos resultados relativos ao primeiro objetivo
específico da pesquisa, que consiste em identificar se, em decorrência da urbanização, tem
89 Para maior aprofundamento ver Carneiro (1967, p. 45-56); Silva (1995, p. 167-182); Sodré (2002, p. 54-55);
Verger (2012, p. 24-25). 90 A existência de fontes naturais de água dentro dos limites do terreiro era valorizada, pois além de sua utilização
nos afazeres domésticos rotineiros, as águas também são consideradas moradia para algumas divindades, e,
portanto, utilizadas para muitas atividades litúrgicas, incluindo aí a realização dos banhos ritualísticos, o preparo
da alimentação e das comidas votivas (ofertadas às divindades). Neste sentido, importante destacar o ritual de
abertura dos ciclos de festas dos candomblés da nação ketu – as “Águas de Oxalá”, em que os adeptos percorrem
o espaço compreendido entre a Fonte de Oxum, que deve estar dentro do terreiro ou nas suas cercanias, e o
assentamento de Oxalá, transportando água dentro de uma quartinha até este local (RÊGO, 2006, p. 73).
51
ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros a ponto de comprometer a presença e conservação
dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente entre a perda do espaço interno e
externo.
52
CAPÍTULO II
2 KÓ SÍ EWÉ, KÓ SÍ ÒRÌSÀ91– A IMPORTÂNCIA DAS FOLHAS E DO “ESPAÇO
MATO”
“[...]Salvem as folhas brasileiras
Oh salvem as folhas pra mim
Se me der a folha certa
E eu cantar como aprendi
Vou livrar a Terra inteira
De tudo que é ruim[...]”
(VELLOSO, 2009).
Como visto no primeiro capítulo, uma soma de fatores contribuiu para a solidificação
de um padrão de instalação inicial dos terreiros em áreas afastadas dos centros urbanos. Esses
fatores foram: as políticas higienistas do final do séc. XIX e início do séc. XX; a perseguição
policial aos cultos afro-brasileiros; as modestas condições financeiras dos fiéis no período pós-
abolicionista, o que colaborou para a busca por terras mais baratas nas regiões periféricas.
Por outro lado, se essa soma de fatores contribuiu para a instalação dos terreiros em
áreas isoladas, Barros e Napoleão (2011) também apontam que esse fenômeno teria
proporcionado uma reaproximação com a natureza, pois os terreiros agora instalados em regiões
mais distantes das zonas urbanas estariam em ambientes mais favorável devido a riqueza natural
e maior variedade de espécies vegetais para uso ritualístico.
Vimos que o Axé é a força vital, a força dinâmica de realização sem a qual não existe
vida (SANTOS, 1976; BASTIDE, 2001). É a força que tem origem nas próprias divindades e
que é distribuída através de diversos elementos fixadores e revitalizadores do Axé, sendo os
principais as folhas (ervas e plantas sagradas) e o sangue92 (SANTOS, 1976). Daí se dizer que
“sem folha não há orixá”, pois nenhum ritual sagrado, dentro ou fora dos terreiros, se dá sem a
presença do elemento vegetal. A importância das folhas sagradas para as religiões afro-
brasileiras foi apontada por diversos estudiosos, a exemplo de Carneiro (1967), Santos (1976),
Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011).
91 Trata-se de um ditado que significa “sem folha não há orixá” (BARROS, 2011, p. 24). 92 Santos (1976) explica que existem três categorias de “sangue” portadores de axé: o vermelho, o branco e o preto.
Essas três categorias sempre estão presentes nos reinos animal, vegetal e mineral, por isso os elementos desses três
reinos são indispensáveis às liturgias. Vejamos: “O àse é contido numa grande variedade de elementos
representativos do reino animal, vegetal e mineral, quer sejam da água (doce e salgada), que da terra, da floresta,
do ‘mato’ ou do espaço ‘urbano’[...]” (SANTOS, 1976, p. 41). Para aprofundamento neste assunto ver: SANTOS,
Juana Elbein dos. Os Nàgô e a morte: Pàdè, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Traduzido pela Universidade Federal
da Bahia. Petrópolis: Vozes, 1976.
53
Cada tipo de folha, ou seja, cada espécie vegetal, apresenta características e qualidades
propiciatórias específicas que, quando misturadas entre si, dão origem a unguentos, chás,
banhos rituais, preparados medicinais com propriedades curativas diversas (SANTOS, 1976).
Também são utilizadas na preparação dos alimentos rituais, oferendas, na decoração e
sacralização dos terreiros, estando presente em diversos rituais “[...]ocupando, nesta
constelação de símbolos, ora uma posição dominante, primordial, ora um lugar mais discreto,
porém de importância inconteste na trama simbólica” (BARROS, 2011, p. 8).
Silva (1995) explica que o conhecedor das propriedades mágicas de cada folha é capaz
de obter combinações que podem potencializar ou enfraquecer certos atributos dos orixás com
os quais cada folha se relaciona, modificando, consequentemente, características de seus
respectivos filhos, sendo possível obter curas ou até mesmo provocar a morte. Segundo Bastide
(2001, p. 126) é nas folhas que reside o “segredo do candomblé”. O conhecimento sobre os
segredos de cada folha, segundo a mitologia dos orixás, pertencia exclusivamente a Ossaim,
porém, após uma intervenção de Xangô, Ossaim teria repartido parte deste conhecimento dando
uma folha para cada orixá93.
Disso tudo decorre a importância do chamado espaço “mato” na constituição interna dos
terreiros, local reservados às espécies vegetais e árvores sagradas que, segundo Santos (1976),
equivaleria à floresta africana. A referida autora oferece importante definição sobre as
características do espaço “mato”, o que faz a partir da descrição do espaço existente em um dos
terreiros matriciais de Salvador/BA, o Ilê Axé Opô Afonjá:
93 “Ossaim, filho de Nanã e irmão de Oxumarê, Euá e Obaluaê, era o senhor das folhas, da ciência e das ervas, o
orixá que conhece o segredo da cura e o mistério da vida. Todos os orixás recorriam a Ossaim para curar qualquer
moléstia, qualquer mal do corpo. Todos dependiam de Ossaim na luta contra a doença. Todos iam à casa de Ossaim
oferecer seus sacrifícios. Em troca Ossaim lhes dava preparados mágicos: banhos, chás, infusões, pomadas, abô,
beberagens. Curava as dores, as feridas, os sangramentos; as disenterias, os inchaços, as fraturas; curava as pestes,
febres, órgãos corrompidos; limpava a pele purulenta e o sangue pisado; livrava o corpo de todos os males. Um
dia Xangô, que era o deus da justiça, julgou que todos os orixás deveriam compartilhar o poder de Ossaim,
conhecendo os segredos das ervas e o dom da cura. Xangô sentenciou que Ossaim dividisse suas folhas com os
outros orixás. Mas Ossaim negou-se a dividir suas folhas com os outros orixás. Xangô então ordenou que Iansã
soltasse o vento e trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossaim para que fossem distribuídas aos
orixás. Iansã fez o que Xangô determinara. Gerou um furacão que derrubou as folhas das plantas e as arrastou pelo
ar em direção ao palácio de Xangô. Ossaim percebeu o que estava acontecendo e gritou: ‘Euê uassá! As folhas
funcionam!’. Ossaim ordenou às folhas que voltassem às suas matas e as folhas obedeceram às ordens de Ossaim.
Quase todas as folhas retornaram para Ossaim. As que já estavam em poder de Xangô perderam o axé, perderam
o poder de cura. O orixá-rei, que era um orixá justo, admitiu a vitória de Ossaim. Entendeu que o poder das folhas
devia ser exclusivo de Ossaim e que assim devia permanecer através dos séculos. Ossaim, contudo, deu uma folha
para cada orixá, deu uma euê para cada um deles. Cada folha com seus axés e seus ofós, que são cantigas de
encantamento, sem as quais as folhas não funcionam. Ossaim distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais
o invejassem. Eles também podiam realizar as proezas com as ervas, mas os segredos mais profundos ele guardou
para si. Ossaim não conta seus segredos para ninguém, Ossaim nem mesmo fala. Fala por ele seu criado Aroni. Os
orixás ficaram gratos a Ossaim e sempre o reverenciam quando suam as folhas”. (PRANDI, 2001, p. 153-154).
54
O espaço ‘mato’ cobre quase dois terços do ‘terreiro’. É cortado por árvores, arbustos
e toda sorte de ervas e constitui um reservatório natural onde são recolhidos os
ingredientes vegetais indispensáveis a toda prática litúrgica. É um espaço perigoso,
muito pouco frequentado pela população urbana do ‘terreiro’. Os sacerdotes de
Òsanyìn, òrìsa patrono da vegetação e, em geral, os sacerdotes pertencentes ao grupo
dos òrìsas caçadores – Ògún e Òsòsì – realizam os ritos que devem ser executados no
‘mato’. De modo geral, o ‘mato’ é sagrado” (SANTOS, 1976, p. 34).
Apesar de não usar a denominação espaço “mato”, cunhada posteriormente por Santos
(1976), Carneiro (1967) destaca a presença e importância das árvores sagradas normalmente
encontradas nos arredores dos barracões (espaço destinado às festas públicas), dentre as quais
destaca especialmente a gameleira branca. Bastide (2001) aponta que todo o terreiro funciona
como uma África em miniatura e destaca a tentativa de reprodução da floresta africana dentro
dos limites do terreiro, onde se encontram importantes elementos vegetais sagrados. Sodré
(2002) já se refere especificamente ao espaço “mato” e o descreve como sendo formado pela
vegetação onde se encontram as espécies e árvores sagradas que constituem morada das
divindades africanas. Barros (2011), por sua vez, indica que o espaço “mato” é uma tentativa
simbólica de reconstrução da floresta africana dentro do terreiro, proporcionando a manutenção
de uma memória em que a integração com a natureza é indissociável. Entretanto, o autor traz
uma abordagem diferenciado ao destacar que muitas vezes esse “mato” não se restringe apenas
ao espaço interno do terreiro.
É importante destacar que as árvores sacralizadas presentes no espaço “mato” recebem
um culto especial pois se entende que elas servem de morada para os deuses e ancestrais e, em
alguns casos, são consideradas representação do próprio orixá, como é o caso do Irôko. Durante
as festividades seus troncos são envolvidos por laços de tecido e a elas são destinadas oferendas
(CARNEIRO, 1967; BARROS, 2011). Interessante caso é relatado por Silva (1995) que
descreve um culto rendido ao tronco de uma árvore colocado em um determinado terreiro de
São Paulo em substituição à árvore sagrada:
[...]Na falta de espaço para a mata sagrada vê-se ali um tronco colocado verticalmente
sobre o chão de cimento representando a árvore sagrada. Nele, cada membro do
terreiro deverá, no dia de finados, amarrar um pano branco durante um ritual que tem
por finalidade consolidar a ligação dos filhos entre si e com o axé da casa, propiciando
beneficamente mais um ano. É significativo que, na impossibilidade de se ter uma
árvore à qual se pudesse associar às folhas, galhos, tronco e raízes o crescimento da
vida do terreiro, este simbolismo continue presente (metonimicamente) apenas em um
tronco (sem folhas ou raízes), colocado sobre o chão de cimento (infértil portanto).
(SILVA, 1995, p. 173).
Ainda sobre as características do chamado espaço “mato”, Santos (1976, p. 34)
informa que, diferente do espaço ‘urbano’, que não guarda mistérios ou perigos pois está
55
submetido ao controle do ser humano, o espaço “mato’ é “[...]selvagem, fértil, incontrolável e
habitado por espíritos e entidades sobrenaturais[...]”. Bastide (2001, p. 127) também faz
semelhante oposição entre o que ele chama de “mundo da cultura” e “mundo selvagem” e
ressalta que as plantas domesticadas, cultivadas, não apresentam valor litúrgico algum, pois,
segundo ele, Ossaim, senhor das ervas e das plantas, “não se aventura nos lugares em que o
homem disciplinou a natureza”.
Divergindo, entretanto, dessa caracterização, Barros (2011, p. 16) pontua que no
espaço “mato” acham-se presentes tanto “espécies selvagens quanto domesticadas, ambas
transplantados para este território mítico, indispensável à crença dos orixás e ancestrais”
(BARROS, 2011, p. 16). A diferença na abordagem feita pelo autor talvez decorra da
constatação quanto as adaptações impostas em consequência da aceleração do processo de
urbanização das cidades, que tornou cada vez mais difícil para os terreiros a manutenção de
amplos espaços internos com vegetação “intocada”.
O adensamento urbano passa a impor aos terreiros dificuldades para a manutenção de
suas tradições e realização de seus rituais. Regiões antes pouco povoadas e de grande riqueza
natural se modificaram com o tempo dando espaço a construções urbanas, transformando
completamente os ambientes. Assim, vai se verificando um fenômeno de estrangulamento dos
terreiros, que vão sendo engolidos pela cidade que avança em sua direção. Barros (2011) aponta
que os terreiros de Salvador surgidos no século XIX, que então eram periféricos, hoje estão
dentro do perímetro urbano da cidade dificultando a manutenção dos espaços originais94. Santos
(1995, p. 171) também destaca que “[...] em alguns casos aqueles aspectos que caracterizam os
espaços urbanos, como sua transformação acelerada, exiguidade e valorização imobiliária,
acabam mesmo dificultando a sobrevivência dos terreiros no contexto urbano [...]”.
Silva (1995), em pesquisa realizada em São Paulo na década de 90, constatou que já
naquela época poucos terreiros conseguiam manter os grandes espaços internos usualmente
encontrados nos modelos tradicionais do início do século XX, que também eram conhecidos
como “roças”. Mattoso (1992 apud RÊGO, 2006, p. 37), no livro Bahia Século XIX: uma
Província do Império, denunciou a impossibilidade de inúmeros terreiros da cidade de Salvador
possuírem uma dupla estrutura interna, “espaço mato” e “espaço urbano”, identificada por
etnógrafos a exemplo de Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981) e Bastide (2001), pois
94 Santos (1995) traz um exemplo da dificuldade enfrentada pelos terreiros, mesmo os mais antigos, em conseguir
manter seus espaços originais frente às investidas da urbanização: “[...]Em Salvador, a decisão da Prefeitura de
construir uma passarela para pedestres no espaço do Terreiro de Oxumarê, próximo ao centro da cidade, previa o
derrubamento da árvore sagrada, Irocô. Com a mobilização popular pela preservação da vegetação sagrada do
terreiro, a passarela foi construída fora dos limites deste [...]” (SILVA, 1995, p. 171).
56
se encontravam instalados em casas situadas no centro da cidade. A autora assinala que, nesses
casos, os terreiros urbanos possuíam um “mato” nos espaços verdes aos arredores, o que
configurava um “espaço mato externo”.
De modo semelhante Barros (2011), apesar de destacar a importância de todo terreiro
possuir um espaço mato onde se possa colher os elementos vegetais indispensáveis ao culto,
também pontua que quase sempre esse espaço “mato” ultrapassa os limites internos do terreiro
“alcançando reservas naturais ainda não tocadas pela urbanização, espalhando-se pela cidade
como um todo, onde algumas espécies recebem um culto especial, onde quer que estejam”
(BARROS, 2011, p. 16).
Além do espaço “mato”, Barros (1993) também faz referência a existência do que ele
chama de “espaço cultivado”. Nesse, diferente do que aconteceria no “mato”, onde as plantas e
ervas são apenas coletadas, predominam plantas que necessitam de cultivo, portanto,
dependentes da ação humana. Enquanto o espaço “mato” está sob a influência do orixá Òsányìn
– dono das folhas, o espaço “cultivado” tem proteção do orixá Oko – senhor da agricultura.
Santos (1995) também faz referência a presença desse espaço “cultivado” nos terreiros de São
Paulo, por ele investigados na década de 90:
Nos terreiros inseridos na metrópole torna-se, assim, muito comum, ver-se plantadas
numa pequena área de terra no quintal algumas espécies vegetais mais utilizadas.
Quando isto não é possível por falta de espaço, o que é frequente, a comunidade
encarrega-se de plantar em vasos e jardineiras as espécies mais fáceis de serem
cuidadas [...] Também é muito comum que a comunidade encarregue alguns de seus
membros que residem em áreas com alguma vegetação de prover o terreiro com as
folhas de uso mais frequente, como as de bananeira (utilizadas nos acassás oferecidos
nos ebós) que muitas vezes são guardadas na geladeira para garantir seu uso futuro”
(SILVA, 1995, p. 212).
Se em outros tempos até mesmo o cultivo das plantas era um impedimento ao seu uso
litúrgico, pois dessa forma as folhas não estavam sob a influência de Ossaim e, portanto, não
apresentavam as propriedades indispensáveis ao culto, hoje, em razão das dificuldades que os
terreiros encontram em manter um espaço “mato” ou mesmo espaço “cultivado”, foram
necessárias adaptações para sobrevivência do culto, a exemplo da utilização litúrgica de “folhas
secas” (desidratadas), facilmente encontradas nos mercados e lojas de artigos religiosos,
embora a recomendação seja de que as folhas utilizadas nas liturgias devem preferencialmente
ser frescas, estado em que melhor conservam seu Axé (SILVA, 1995).
Neste sentido, as reconfigurações espaciais decorrentes do avanço das sociedades
urbanas impõem às religiões afro-brasileiras a necessidade de buscar alternativas para
sobrevivência diante de um cenário em que a carência de folhas sagradas e de espaços verdes é
57
cada vez mais acentuada. Para tanto, as comunidades de terreiro passam a elaborar diversas
estratégias, seja se deslocando para regiões cada vez mais distantes dos centros urbanos ou,
quando isso não é possível, buscando os poucos pontos ainda não alcançados pelas
transformações decorrentes do processo de urbanização ou, ainda, promovendo uma série de
ressignificações mesmo nos espaços urbanos. Sobre esse fenômeno Silva (1995) traz
interessante relato:
[...]Praças arborizadas, jardins, bambuzais, ou até mesmo postes da rede de
iluminação pública podem, também, representar na cidade a ‘floresta’ necessária ao
culto das divindades. Ibeji, por exemplo, relacionado com as divindades infantis
poderá ser louvado ao pé de uma árvore no pátio da Biblioteca Monteiro Lobato, no
centro da cidade, muito frequentado por crianças [...] Em Diadema, ao lado de uma
agência bancária, um bambuzal cresce numa pequena praça. Lá, como me relatou Pai
Cássio, são frequentes os ebós para Iansã. Sei do caso de uma moça que teve que fazer
um ebó no qual deveria perder-se na mata e colocar a oferenda na sétima árvore. Como
para uma pessoa que vive na metrópole perder-se na mata é algo impensável, a solução
encontrada pela mãe-de-santo foi bastante significativa: a moça perdeu-se na cidade,
contou sete postes e ali depositou sua oferenda. (SILVA, 1995, p. 218).
Se, por um lado, a tradição ensina que as folhas sagradas não devem ser cultivadas,
mas apenas coletadas cumprindo uma série de regras e preceitos, pois o Axé de Ossaim só está
presente nas folhas que crescem livremente longe da ação do homem, por outro lado, a
manutenção dessas tradições encontra sérios obstáculos em meio urbano impondo aos
religiosos a constante necessidade de reelaborar suas tradições:
Primeiro cultivou-se a planta no ‘espaço-mato’ do terreiro. Quando até mesmo este
espaço viu-se restrito ou inexistente no conjunto arquitetônico dos terreiros, não
restaram muitas alternativas a não ser recorrer ao comércio das ervas para garantir o
fornecimento [...] As lojas representam, nesse sentido, uma intermediação entre a
natureza e a cidade [...] a loja é mesmo o ‘mato’ ou a ‘reserva natural instituída’ na
cidade para o culto dos deuses. (SILVA, 1995, p. 215).
2.1 Presença e Conservação do “espaço mato” nos terreiros investigados
Uma vez contextualizada a problemática a partir de referenciais teóricos que tratam
deste assunto, passamos agora a tratar da pesquisa de campo realizada.
Inicialmente a população amostra consistia em 16 (dezesseis) terreiros, entretanto, pelos
motivos já apresentados na introdução, efetivamente só foram realizadas entrevistas e colhidos
dados em 13 (treze) terreiros: 4 (quatro) localizados no município de Nossa Senhora do Socorro;
1 (um) localizado no município de São Cristóvão; 8 (oito) localizados em Aracaju.
58
As perguntas constantes no roteiro de entrevista foram organizadas em blocos da
seguinte forma: I a III – perguntas de caracterização dos entrevistados; IV – perguntas de
caracterização do terreiro; V – perguntas relativas a utilização de espaços externos.
Neste capítulo serão analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados
às perguntas do bloco IV, que tratam sobre a caracterização dos terreiros e dialogam com o
primeiro objetivo específico deste trabalho, que consiste em identificar se tem ocorrido um
“estrangulamento” dos terreiros da Grande Aracaju, em decorrência da urbanização, a
ponto de comprometer a presença e conservação dos “espaços mato”. Dentre as 12 (doze)
perguntas constantes no bloco IV, as perguntas de nº. 1 a 6 são meramente descritivas e dizem
respeito à localização e data de inauguração do terreiro, quantidade de filhos de santo e média
de frequentadores da casa. As perguntas de caráter exploratório têm início a partir da n. 7,
portanto, é a partir dela que iniciaremos a análise e discussão.
Neste sentido, sobre a caracterização e condições dos terreiros, foi apresentada a
seguinte pergunta aos entrevistados:
→ BLOCO IV, PERGUNTA 7 - No seu entendimento, o terreiro se encontra em local
apropriado (que apresente condições favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e
liturgias)?
Os resultados foram: 5 (cinco) entrevistados responderam “sim, o terreiro se encontra
em local apropriado”; 4 (quatro) entrevistados responderam “não, o terreiro não se
encontra em local apropriado”; 4 (quatro) entrevistados responderam “em parte”. Vejamos
o gráfico em percentuais:
Gráfico 1 – Grau de satisfação com o local onde o terreiro se encontra
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
38%
31%
31%
No seu entendimento, o terreiro se encontra em local apropriado?
SIM
NÃO
EM PARTE
59
Dentre os entrevistados que responderam “sim, o terreiro se encontra em local
apropriado” e “em parte”, os motivos de satisfação apontados foram: 1. Ausência de
problemas com vizinhos (6 entrevistados); 2. Presença de natureza preservada no entorno
ou nas proximidades do terreiro (2 entrevistados); 3. Área interna satisfatória que permite
ter elementos vegetais importantes para as atividades (1 entrevistado).
Gráfico 2 – Motivos de satisfação com o local
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Já dentre os entrevistados que responderam “não, o terreiro não se encontra em local
apropriado” e “em parte”, os motivos de insatisfação apontados foram: 1. Espaço interno
do terreiro insuficiente ou crescimento urbano no entorno (6 entrevistados); 2. Presença
de representantes de religiões evangélicas no entorno (3 entrevistados); 3. Descaso do
poder público (1 entrevistado)
Gráfico 3 – Motivos de insatisfação com o local
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
67%
22%
11%
Motivos de SATISFAÇÃO
Ausência deproblemas comvizinhos
Presença denatureza noentorno
Área internasatisfatória
10%
60%
30%
Motivos de INSATISFAÇÃO
Descaso do PoderPúblico
Espaço internoinsuficiente ouestrangulamento
Presença derepresentantes dereligiões evangélicas
60
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir da pergunta n. 7,
organizados da seguinte forma: identificação dos terreiros; respostas fornecidas pelos
entrevistados; síntese das respostas; compreensão da pesquisadora a partir da resposta
fornecida.
61
Tabela 1 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 7, bloco IV.
No seu entendimento, o terreiro se encontra em local apropriado (que apresente condições favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e
liturgias)? Se não, como seria esse local ideal?
IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan
Localização: Pai André, Nossa Sra. do
Socorro
Início das atividades: 1995
Sim; Está em um local favorável porque estamos próximos a
natureza aqui é rural então os vizinhos não se sentem muito
incomodados, e ao mesmo tempo não está apropriado porque nós
não temos saneamento básico, a festa mesmo que demos agora, a
feijoada de Ogum tivemos problema de muita gente voltar lá de
cima porque os carros atolaram, não deu para descer porque estava
chovendo muito e isso eu me sinto prejudicada. Perco também
muitos clientes que fica de vim fazer consulta mas quando sabe que
é aqui desiste de vim porque acha que é um local violento e não tem
policiamento e a questão da lama né, que você mesmo já se atolou
aqui né! E o prefeito não dá nenhuma atenção para a gente, é muito
ruim isso. Já fui a secretaria de obras várias vezes, conheço Thiago
da secretaria de obra, Fábio Henrique nem se fala [...] E ele teve
aqui na época de campanha dele, na época de campanha da mulher
dele, dizendo que a gente ia ficar tranquilo, que ia passar, que ia
melhorar, que ia fazer que ia acontecer e até hoje tá desse jeito. [...]
Mas fora isso eu acho o lugar ideal porque quem chegar aqui, se
vier uma Universal aqui pro lado ela vem sabendo que eu já estou
aqui há 11 anos, então ela vem pra me provocar, ela vai ter o que
ela procurar ela vai achar, então eu não vou sair daqui, esse espaço
é meu, é meu espaço sagrado, então ela vá procurar outro lugar não
venha ‘praqui’ pro meu lado, entendeu? Mas é um lugar que eu sei
que os vizinhos jamais vai chegar pra fazer abaixo-assinado pra me
tirar daqui, porque eu não incomodo ninguém, né? Procuro me dar
bem com a comunidade, procuro ajudar a comunidade quando tenho
condições, [...] então eu procuro fazer uma boa vizinhança com a
comunidade. E eu acho que a religião ela tem que se entrosar com
Está em um local favorável porque
estamos próximos a natureza aqui é
rural então os vizinhos não se sentem
muito incomodados, e ao mesmo
tempo não está apropriado porque nós
não temos saneamento básico. Perco
também muitos clientes porque acha
que é um local violento e não tem
policiamento e a questão da lama né.
A entrevistada, por um lado, se mostra
satisfeita com o local por ser um ambiente
rural que ainda preserva a natureza em suas
proximidades, como também em razão de ser
um local em que ela acredita que os vizinhos não
se sentem incomodados com sua presença. Por
outro lado, a fala da entrevistada também
denuncia o abandono do local pelo poder
público. A insatisfação é marcante quanto às
condições de vida precária a que a comunidade
está exposta, em razão da falta de saneamento
básico, violência e pavimentação, condições
típicas que se reproduzem nas chamadas
periferias urbanas onde vive grande parcela da
população negra e carente. Portanto, a fala da
entrevistada demonstra que a lógica de
segregação territorial que teve início com as
políticas higienistas persiste ainda nos
tempos atuais.
Outros dois aspectos merecem destaque: a
relação com vizinhos e a presença de igrejas
evangélicas nas proximidades. Quanto ao
primeiro ponto a entrevistada afirma não ter
problemas porque não incomoda ninguém e
mantém uma relação amigável com a
comunidade local. Quanto ao segundo ponto,
percebe-se uma nítida tensão com o segmento
62
a comunidade entendeu? Cada um respeitando, tem uma pessoa
aqui que é pastor que a gente se dá muito bem, entendeu? [...] ele
me respeitando e eu respeitando ele, entendeu? E eu acho que a
gente pode conviver com todo mundo se respeitando, não vou
aceitar é vim provocação na minha porta, aí eu não vou aceitar, mas
do contrário. Os vizinhos acho que aqui é um lugar que não tem
diversão nenhuma que quando tem festa aqui vem todo mundo pra
porta.
evangélico que é visto como uma ameaça na
seguinte fala: “se vier uma Universal aqui pro
lado ela vem sabendo que eu já estou aqui há 11
anos, então ela vem pra me provocar, ela vai
ter o que ela procurar ela vai achar, então eu
não vou sair daqui, esse espaço é meu, é meu
espaço sagrado, então ela vá procurar outro
lugar não venha ‘praqui’ pro meu lado,
entendeu?”. Entretanto, mais adiante uma outra
fala parece querer amenizar um pouco essa
animosidade: “Cada um respeitando, tem uma
pessoa aqui que é pastor que a gente se dá
muito bem, entendeu? [...] ele me respeitando e
eu respeitando ele, entendeu?”.
2. Legbara
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 2010
Em parte sim, os terreiros de candomblé exigem uma área verde
expressivamente extensiva e se fosse o ideal não estaria, mas para a
necessidade sim; Seria aquilo que pede muito a nossa tradição que
é a utilização da terra, das ervas, então é um espaço que você possa
cultuar, criar, que é da nossa tradição criar os animais, ter as ervas
medicinais, ter as ervas sagradas da gente, e o espaço ele as vezes
não permite isso né.
Em parte sim, os terreiros de
candomblé exigem uma área verde
expressivamente extensiva e se fosse
o ideal não estaria, mas para a
necessidade sim.
Apesar de inicialmente responder “em parte
sim”, todo o restante da fala da entrevistada
sinaliza para uma resposta negativa. A
insatisfação se dá em virtude de o espaço
interno do terreiro, por ser reduzido, não
apresentar as condições ideais para
manutenção do que ela chama de “nossa
tradição”, que consiste em criar animais,
cultivar as ervas, o que demanda uma área verde
maior. Assim, infere-se de sua fala a
importância de um local com espaço interno
que possibilite a plena manutenção dessa
tradição, ou seja, a importância do chamado
“espaço mato” descrito por autores como
Santos (1976), Bastide (2001) e Barros (1993;
2011).
3. Oxum
Localização: Aracaju – Bairro Palestina
Início das atividades: 1990
Sim; Diz que o local quem faz é a pessoa, meu vizinho é evangélico,
minha vizinha de cá é católica, comerciante de bar, e eu não tenho
nada a reclamar, eles também não reclamam nada de mim, graças a
Sim. Diz que o local quem faz é a
pessoa, meu vizinho é evangélico,
minha vizinha de cá é católica,
A entrevistada revela satisfação com o local
onde se encontra o terreiro pois não tem
problemas com os vizinhos, demonstrando um
63
Deus nunca se queixaram! Porque eu respeito muito pra ser
respeitada, vou dar um exemplo simples: existe um final de semana
no ano que eu incomodo porque nós temos aqui uma festa cigana
que o movimento começa na sexta-feira, aí o sábado à noite, o
domingo pelo dia, aí onde é que vai haver o incômodo? No sábado
à noite toda, os festejos, mas normalmente isso acontece por aí todo
final de semana, aqui é só uma vez no ano com a festa da cigana
que eu ultrapasso as horas, mas do contrário as dez horas da noite,
se for sessão de direito ou sessão de esquerda, eu finalizo.
comerciante de bar, e eu não tenho
nada a reclamar, eles também não
reclamam nada de mim.
certo alívio como se vê nessa fala: “graças a
Deus nunca se queixaram!”. Entretanto,
infere-se de sua fala que existe um acordo de
boa convivência que sustenta a relação e tem
em sua base o cumprimento de horário para
encerramento das atividades religiosas
semanais, o que não ultrapassa as 22h: “as dez
horas da noite, se for sessão de direito ou
sessão de esquerda, eu finalizo”.
4. Oyá Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 1963
Não; Porque quando a minha comprou aqui era tudo sítio, era tudo
indústria mas essa parte toda aqui era sítio, então naquela época a
gente tinha lugar pra plantar ervas, que a gente precisa muito de
ervas, tinha minante aqui no fundo, então tudo que a gente queria
tinha, terra pra trabalhar, terreiro pra trabalhar, natureza entendeu?
Mas o progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo,
foram fazendo desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente,
então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,
entendeu? Agora pra plantar uma erva, ter lugar pra cavar um poço,
essas coisas que hoje a gente já não pode, não tem esse espaço.
Não. Porque quando a minha comprou
aqui era tudo sítio. Agora para plantar
uma erva, ter lugar pra cavar um poço,
não tem esse espaço.
A fala da entrevistada é simbólica pois
estabelece um comparativo entre as condições
do espaço do terreiro (e seu entorno) quando do
início das atividades e a condição presente, com
o avanço do processo de urbanização,
sinalizando para um descontentamento
decorrente do estrangulamento ocasionado
pelo que a entrevistada chama de avanço do
progresso, como se denota da seguinte fala:
“Mas o progresso avançou para o lado de cá
então foi diminuindo, foram fazendo
desmatando, construindo e isso ficou ruim pra
gente”. Em decorrência desse avanço a
entrevistada deixou de dispor do “espaço
mato”, como se vê nessa fala: “Agora pra
plantar uma erva, ter lugar pra cavar um poço,
essas coisas que hoje a gente já não pode, não
tem esse espaço”.
5. Oxossi Localização: Aracaju – Bairro Bugio III
Início das atividades: Por volta de
1980
Sim, porque aqui a comunidade e meus vizinhos é uma família,
ninguém me incomoda, eu que incomodo por causa dos atabaques,
mas ninguém me incomoda. Estou em um lugar muito bom. Meus
Orixás e Deus, primeiramente, foi quem me deu a estrela e eu não
posso reclamar.
Está; ninguém me incomoda, eu que
incomodo por causa dos atabaques.
Mais uma vez a qualidade da relação com os
vizinhos aparece como crucial na rotina do
terreiro. Se infere, a partir da fala da
entrevistada, que a ausência de conflitos com
vizinhos é apontada como a causa para a
satisfação com o local onde o terreiro se
64
encontra. Por outro lado, vê-se uma
preocupação com a possível perturbação
causada pelo som dos atabaques, demonstrando
certa fragilidade nessa relação com os vizinhos.
6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo
Paraíso
Início das atividades: Por volta de
1996
Não; Porque veja bem, aqui eu acho muito pequeno pra o meu jeito.
Aqui eu não tenho onde eu plante uma erva que são as ervas que a
gente precisa pra o dia-a-dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não
tem lugar, é muito pouco aqui. O ideal seria que tivesse um espaço
maior aonde eu plantasse. Mas mediante, assim, eu já numa idade
dessa tão cansada, eu não quero mais comprar nem sair pra outro
lugar grande, que eu até tenho outro centro aqui em Socorro, no
Oiteiros, é maior do que esse aqui, tem ervas todas plantadas, só que
eu só estou lá as vezes final de semana mas é pertinho, 20 minutos.
Lá tem tudo, tem rio, os verdes tudo que a gente precisa. Aqui se
torna mais difícil porque a gente levanta uma obrigação e tem que
ir nos matos levar, tem uma obrigação de rio aí tem que procurar
um rio pra ir levar e lá já é perto de tudo. Mas é um lugar muito
parado tem muito crente e dá muito combate assim, falam muito,
resumindo, não tem um centro de candomblé só tem o meu que eu
fiz lá agora. É assim, eu tô dentro de uma bola de neve com eles ao
redor entendeu? Eles têm preconceito, não chamam nem pelo meu
nome é “ói a nêga macumbeira!”.
Não; Aqui eu não tenho onde eu
plante uma erva que a gente precisa
pra o dia-a-dia. O ideal seria que
tivesse um espaço maior aonde eu
plantasse. Eu até tenho outro centro
aqui em Socorro, no Oiteiros, é maior
do que esse aqui, tem ervas todas
plantadas. Mas é um lugar muito
parado tem muito crente e dá muito
combate assim. Eles têm preconceito,
não chamam nem pelo meu nome é
“ói a nêga macumbeira!”.
O descontentamento da entrevistada se deve ao
espaço interno reduzido do seu terreiro, que
não possibilita o cultivo das ervas de uso
rotineiro: é a ausência do “espaço mato”.
Infere-se de sua fala, portanto, a importância de
um local com espaço interno que possibilite o
plantio das ervas fundamentais para suas
práticas religiosas.
Por outro lado, a entrevistada informa que até
tem outro terreiro no município de Socorro
que apresenta condições mais favoráveis (“Lá
tem tudo, tem rio, os verdes tudo que a gente
precisa.”) mas que lá ela é vítima de
preconceito dos vizinhos evangélicos, o que se
vê nas seguintes falas: “tem muito crente e dá
muito combate”; “Eles têm preconceito, não
chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga
macumbeira!”.
7. São Jorge
Localização: Aracaju – Bairro América
Início das atividades: 1901
Tá sim, tá ótimo; Por ter uma relação boa com a comunidade eles
estão muito acostumados e a gente também procura não fazer muito
barulho, durante o ano todo aqui só tem três festas justamente por
isso, a gente já tem um calendário do Abaçá São Jorge e eles
conhecem, eles participam, comem as comidas dos Orixás e aí a
gente não se sente tanto incomodado por conta dessa relação que já
tem com os vizinhos, com a própria comunidade.
Tá ótimo; Por ter uma relação boa
com a comunidade eles estão
acostumados e a gente também
procura não fazer muito barulho.
Mais um depoimento em que a qualidade da
relação com os vizinhos aparece como crucial
na “aceitação” do terreiro. Se infere, a partir da
fala da entrevistada, que a ausência de conflitos
com vizinhos é apontada como a causa para a
satisfação com o local onde o terreiro se
encontra. Vê-se uma preocupação com a
possível perturbação causada pelo som dos
atabaques, o que permeia de tal modo a vida do
terreiro que chega a ser apontado como a razão
65
de se manter um calendário enxuto, como se
vê nessa fala: “a gente também procura não
fazer muito barulho, durante o ano todo aqui
só tem três festas justamente por isso”.
8. Sahara Localização: Aracaju – Bairro Santa
Maria
Início das atividades: 1993
Veja bem, a nossa casa já dispôs de mais probabilidade de
extensão pra gente fazer os nossos cultos, por exemplo, quando
nós viemos morar aqui nós tínhamos uma imensidão de ervas acima
aqui no nosso acervo do Morro do Avião, hoje já foram devastadas.
Nós contávamos com vários elementos naturais que eram
favoráveis ao nosso culto, nos arredores, porque nós tínhamos mata
com folhas e espécies em abundância, nós tínhamos rios com águas
puras e nós tínhamos também espaços sem ter a especulação urbana,
e tínhamos também áreas que estavam nativas, com estradas
rústicas, com caminhos rústicos, com toda a essência natural que a
gente precisa para poder manter o culto. Hoje, no momento, a
nossa casa ainda nos deixa acomodados em algumas situações por
questões de ervas, questões ainda de alguns lugares que a gente tem
acesso que ainda continuam semi-originais e a questão também
imobiliária que nos deixou meio assim encurralados. Mas temos
algumas áreas ainda que podemos usufruir para os nossos cultos.
Quando nós viemos morar aqui nós
contávamos com vários elementos
naturais que eram favoráveis ao nosso
culto, tínhamos mata, rios com águas
puras e espaços sem ter a especulação
urbana. Hoje, temos algumas áreas
ainda que podemos usufruir para os
nossos cultos.
O depoimento do entrevistado sinaliza que a
condição do terreiro ainda é parcialmente
cômoda, entretanto, aponta para uma condição
pretérita mais favorável que hoje está se
modificando em razão do que ele chama de
“especulação urbana”, apontada como
responsável pela devastação do Morro do
Avião, importante espaço de área verde
existente nas proximidades do terreiro e que lhe
serve de “espaço mato” fora dos limites
internos do terreiro.
66
9. Santo Antonio
Localização: Povoado São Brás –
Nossa Senhora do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Está ótimo aqui. Eu sei que tem pessoas que não gostam, porque a
gente não obrigado a gostar de tudo que o outro gosta, mas se
conforma comigo, porque eu respeito muito. Dia de sessão eu só
toco até meia noite porque eu vejo que o povo tem a necessidade de
dormir para amanhã ir trabalhar, então o importante é isso. Eu nunca
tive problema aqui.
Está ótimo aqui; tem pessoas que não
gostam mas se conforma comigo,
porque eu respeito muito. Dia de
sessão eu só toco até meia noite.
Apesar de estar satisfeito e considerar o local
apropriado, a relação com os vizinhos aparece
mais uma vez como ponto de tensão na
“aceitação” do terreiro, como se vê nessa fala:
“Eu sei que tem pessoas que não gostam,
porque a gente não obrigado a gostar de tudo
que o outro gosta, mas se conforma comigo”.
Vê-se uma preocupação com a possível
perturbação causada pelo som dos atabaques,
do que decorre um acordo de boa convivência
que sustenta a relação e tem em sua base o
cumprimento de horário para encerramento das
atividades religiosas semanais, veja-se: “Dia de
sessão eu só toco até meia noite porque eu vejo
que o povo tem a necessidade de dormir para
amanhã ir trabalhar, então o importante é
isso”.
10. Xangô Localização: São Cristóvão – Bairro
Eduardo Gomes
Início das atividades: 1951
Atualmente não. Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar
ainda sem habitação, não tinha muitos vizinhos, tinha um sítio na
frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios e o G. Barbosa,
que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos. Aí com
essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não está
cercado de tudo aquilo que a gente precisava não. O ideal seria com
máximo de natureza possível, presença de rio, presença de matas,
enfim, o máximo de natureza possível. Quando meu avô chegou no
Rio o barracão também era em um lugar com pouca habitação ao
redor, quando ficou tudo muito povoado ele veio embora para cá e
aqui era pouco habitado. Aí agora a coisa tá habitada de novo,
enfim, por isso que a gente tenta manter a natureza viva aqui dentro,
aí vamos ver se mais para a frente a gente vai precisar mudar ou
não. Espero que não, porque é uma casa fundada tradicional mas,
enfim!
Atualmente não; com essa
urbanização cresceu bastante, então
hoje a gente não está cercado de tudo
aquilo que a gente precisava. O ideal
seria com máximo de natureza
possível.
A urbanização é apontada pelo entrevistado
como causa da condição atual desfavorável do
terreiro, veja-se: “com essa urbanização
cresceu bastante, então hoje a gente não está
cercado de tudo aquilo que a gente precisava
não”. Sua fala estabelece um comparativo entre
as condições do terreiro (e seu entorno) quando
do início das atividades e a condição presente
desfavorável, sinalizando para um processo de
estrangulamento ocasionado pela
urbanização que deixou o terreiro longe de
estar em um local considerado apropriado pelo
entrevistado. Em sua concepção o ideal seria
um local “com máximo de natureza possível”.
Também se infere uma preocupação com a
possível necessidade de mudança futura
67
devido às condições desfavoráveis do local
(“vamos ver se mais para a frente a gente vai
precisar mudar ou não. Espero que não, porque
é uma casa fundada tradicional mas, enfim!”).
11. Odé
Localização: Povoado Jardim Piabeta,
Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural
Início das atividades: 1993
Ele já foi, mas de acordo com a evolução do povoado, hoje em dia,
existiu uma tendência a formação de pequenas igrejas evangélicas
no entorno e isso desfavoreceu a frequência das pessoas em vir
assistir as festas. Então, aqui tinha gente que ficava, digamos assim
há uns oito ou dez anos atrás, ficavam empilhadas aí na frente,
empurra-empurra, para poder assistir, e como o passar do tempo,
aqui na Piabeta, existiram formações de vários núcleos pequenos,
até casas mesmo abrindo igrejas evangélicas. Mas eu, por manter
uma política da boa vizinhança com a comunidade, aí eles não me
atingem. [...] Mas hoje quando se dá festas aqui pouquíssimas
pessoas vem assistir, pessoas da comunidade, vem de Aracaju, aqui
enche de carro de Aracaju mas não do povoado em si.
Ele já foi, mas de acordo com a
evolução do povoado, hoje em dia,
existiu uma tendência a formação de
pequenas igrejas evangélicas no
entorno e isso desfavoreceu a
frequência das pessoas. Mas eu, por
manter uma política da boa vizinhança
com a comunidade, aí eles não me
atingem.
Quando o entrevistado responde que “ele já
foi”, está claro que “não é mais”, portanto,
temos uma resposta negativa à pergunta. Em
outras palavras: o depoimento aponta para uma
condição pretérita mais favorável que se
modificou a partir do que o entrevistado chama
de “evolução do povoado”, que podemos
entender como o crescimento urbano da região.
Junto com esse crescimento é apontado um
aumento da presença evangélica no entorno
do terreiro (também apontado em outras
entrevistas) o que traz consequências
negativas, nesse caso o entrevistado afirma que
“isso desfavoreceu a frequência das pessoas
em vir assistir as festas”.
12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa
Senhora do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Sim; são seis alqueires e meio de terra só desenvolvido para terreiro,
nós não temos outra atividade, inclusive pensamos em desenvolver
para auto sustentação do terreiro. Nós temos fruteiras diversas
dentro do espaço do terreiro, temos tipos de mangas diversas, temos
jaqueiras, temos jenipapeiro, vários tipos de frutas lá dentro. Em
volta de cada mangueira eu fiz uma mandala e plantei espada de
Ogum, em outra área eu tenho alevante plantado, manjericão.
Sim, são seis alqueires e meio de terra
só desenvolvido para terreiro.
A entrevistada está satisfeita com o local onde
o terreiro se encontra em razão da grande
extensão da área que lhe permite ter elementos
vegetais importantes para o bom
desenvolvimento de suas atividades.
68
13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro
Jabotiana
Início das atividades: 2010
De uma certa forma sim; Eu gostaria de ter mais espaço, mais
terreno para ter vários elementos que eu poderia usar mais dentro
da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,
folha é vida. Aqui tenho algumas mas geralmente a gente tem que
ir no mato para buscar ou a gente tem que comprar. Eu tenho
vontade de ter uma chácara no futuro, mas tem a questão financeira
que hoje em dia é tudo muito caro.
De uma certa forma sim, eu gostaria
de ter mais espaço para ter elementos
que eu poderia usar, como um poço e
ervas.
A resposta do entrevistado sinaliza para uma
insatisfação quanto ao espaço reduzido que
não lhe permite ter elementos importantes,
como o poço e as ervas. Ele deixa claro que o
ideal seria um local com um espaço maior, coisa
que ele não tem condições de custear no
momento, o que se infere a partir da fala “eu
tenho vontade de ter uma chácara no futuro,
mas tem a questão financeira que hoje em dia
é tudo muito caro.”
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
69
Portanto, a partir da análise dos dados apresentados na tabela 1 chegamos a algumas
conclusões:
1. Existe um equilíbrio entre a quantidade de entrevistados satisfeitos, insatisfeitos e
parcialmente satisfeitos com o local em que os terreiros se encontram, consoante
demonstrado no gráfico n. 1;
2. A ausência de problemas com vizinhos é o principal fator de satisfação com o local
em que o terreiro se encontra, seguido da presença de natureza no entorno do terreiro;
3. O espaço interno inadequado ou insuficiente/crescimento urbano no entorno é o
principal fator de insatisfação, seguido do crescimento da presença de denominações
evangélicas nas proximidades dos terreiros;
4. O descaso do poder público, representado pelas condições de vida precária a que a
comunidade está exposta, também aparece como fator de insatisfação com o local.
Quanto aos fatores de satisfação a qualidade da relação com os vizinhos aparece
como elemento crucial. As falas de muitos dos entrevistados revelam que a satisfação com o
local onde se encontra o terreiro está diretamente relacionada com a ausência de conflitos com
os vizinhos, o que é apontado como motivo de grande alívio, veja-se as seguintes falas:
“Procuro me dar bem com a comunidade, procuro ajudar a comunidade quando tenho
condições, [...] então eu procuro fazer uma boa vizinhança com a comunidade” (BAGAN, 2016,
informação verbal95); “[...] meu vizinho é evangélico, minha vizinha de cá é católica,
comerciante de bar, e eu não tenho nada a reclamar, eles também não reclamam nada de mim,
graças a Deus nunca se queixaram!” (OXUM, 2016, informação verbal96).
Entretanto, a partir de algumas falas também se infere que existe uma espécie de acordo
de boa convivência que sustenta a relação terreiro-vizinhança e interfere na “aceitação” do
terreiro no local como se vê nessas falas: “Eu sei que tem pessoas que não gostam, porque a
gente não obrigado a gostar de tudo que o outro gosta, mas se conforma comigo” (SANTO
ANTONIO, 2016, informação verbal97); “Mas eu, por manter uma política da boa vizinhança
com a comunidade, aí eles não me atingem” (ODÉ, 2016, informação verbal98). Esse acordo
95 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 96 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 97 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine
Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 98 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
70
tem em sua base o cumprimento de horários para encerramento das atividades religiosas
semanais, veja-se: “Dia de sessão eu só toco até meia noite porque eu vejo que o povo tem a
necessidade de dormir para amanhã ir trabalhar, então o importante é isso” (SANTO
ANTONIO, 2016, informação verbal99); “as dez horas da noite, se for sessão de direito ou
sessão de esquerda, eu finalizo” (OXUM, 2016, informação verbal100).
Trata-se, portanto, de uma relação frágil que parece estar sob constante tensão, o que
se extrai das falas de alguns entrevistados que deixam transparecer certa preocupação com o
possível incômodo causado pelo som dos atabaques: “Mas é um lugar que eu sei que os vizinhos
jamais vai chegar pra fazer abaixo-assinado pra me tirar daqui, porque eu não incomodo
ninguém, né?” (BAGAN, 2016, informação verbal101); “aqui a comunidade e meus vizinhos é
uma família, ninguém me incomoda, eu que incomodo por causa dos atabaques, mas ninguém
me incomoda” (OXÓSSI, 2016, informação verbal102). Essa preocupação permeia de tal modo
a rotina dos terreiros que chega a ser apontada como a razão de se manter um calendário de
festividades enxuto, como se vê nessa fala: “Por ter uma relação boa com a comunidade eles
estão muito acostumados e a gente também procura não fazer muito barulho, durante o ano todo
aqui só tem três festas justamente por isso” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal103).
A partir das respostas dos entrevistados se depreende uma forte preocupação com as
queixas dos vizinhos em razão do som produzido pelos toques de atabaques. Ocorre que hoje,
devido ao adensamento urbano104, terreiros que se instalaram inicialmente em regiões
periféricas onde a vizinhança era bastante reduzida, foram engolidos pelo crescimento
populacional e avanço das cidades em suas direções. Como apontam Barros (2011) e Silva
(1995), os terreiros hoje foram alcançados pelo perímetro urbano e se veem obrigados a
reformular seus comportamentos e práticas religiosas em função das novas redes de vizinhança.
Os terreiros urbanos, desde o pós-abolição até os dias atuais, são muitas vezes vistos
como um incômodo para a sociedade (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010, p.
99 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine
Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 100 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 101 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 102 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.).
103 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).
104 “Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio
século atrás (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica
a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia [...]” (SANTOS,
2009, p. 31).
71
34). Consoante apontado também por Souza Filho (2013), os terreiros precisam permanecer
“invisíveis” para ficarem “livres” das queixas de vizinhos.
Entretanto, existe uma contraparte nessa relação: se por um lado os vizinhos se queixam
do incômodo provocado pelo som dos atabaques, por outro os terreiros também se sentem
incomodados pela restrição de sua liberdade de expressão. A perseguição histórica sofrida pelos
terreiros aliada às políticas higienistas (que desembocaram na segregação do território urbano),
provocou o deslocamento dos terreiros para áreas cada vez mais afastadas dos centros urbanos,
a fim de permanecerem invisíveis e livres de perseguições. Todavia, essas áreas foram,
gradativamente, sendo alcançadas pelo fenômeno de expansão das cidades, fomentando essa
relação em que terreiros e vizinhos estão sob constante tensão (OLIVEIRA; OLIVEIRA;
BARTHOLO JR., 2010).
O outro motivo de satisfação apontado foi a presença de natureza no entorno ou nas
proximidades do terreiro, como se denota das seguintes falas: “Está em um local favorável
porque estamos próximos a natureza” (BAGAN, 2016, informação verbal105); “Hoje, no
momento, a nossa casa ainda nos deixa acomodados em algumas situações por questões de
ervas, questões ainda de alguns lugares que a gente tem acesso que ainda continuam semi-
originais [...] temos algumas áreas ainda que podemos usufruir para os nossos cultos”
(SAHARA, 2016, informação verbal106). Por outro lado, a ausência de natureza nos arredores
dos terreiros, ou seja, o estrangulamento decorrente do crescimento urbano nos entornos é
apontado como principal motivo de insatisfação, aliado ao espaço interno inadequado ou
insuficiente. Trata-se, portanto, de duas faces de um mesmo fator.
Conforme já pontuamos neste capítulo, os elementos da natureza ocupam posição de
extrema importância na cosmovisão religiosa de matriz africana. A relação direta com a
natureza é essencial em seus cultos. Sendo assim, consoante apontado por Mattoso (1992 apud
RÊGO, 2006) e Barros (2011) a impossibilidade de muitos terreiros urbanos possuírem um
espaço “mato” em seus limites internos os levou a manter um “espaço mato” nos espaços verdes
aos arredores, ou seja, nos entornos dos terreiros. Trata-se, portanto, de uma adaptação que
emerge a partir do espaço interno reduzido de muitos terreiros.
Essa característica dos terreiros urbanos com reduzido espaço interno foi constatada
in locu na pesquisa de campo. Alguns entrevistados expuseram o descontentamento com essa
105 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 106 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
72
condição apontando a importância de ter um local com espaço interno que possibilite a plena
manutenção de suas tradições, como se vê nas seguintes falas: “Seria aquilo que pede muito a
nossa tradição que é a utilização da terra, das ervas, então é um espaço que você possa cultuar,
criar, que é da nossa tradição criar os animais, ter as ervas medicinais, ter as ervas sagradas
[...]”(LEGBARA, 2016, informação verbal107); “Aqui eu não tenho onde eu plante uma erva
que são as ervas que a gente precisa pra o dia-a-dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não tem
lugar, é muito pouco aqui. O ideal seria que tivesse um espaço maior aonde eu plantasse”
(IBEJIS, 2016, informação verbal108); “[...]Agora pra plantar uma erva, ter lugar pra cavar um
poço, essas coisas que hoje a gente já não pode, não tem esse espaço” (OYÁ, 2016, informação
verbal109); “Eu gostaria de ter mais espaço, mais terreno para ter vários elementos que eu
poderia usar mais dentro da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,
folha é vida” (OGUM, 2016, informação verbal110).
O descontentamento com o processo de urbanização no entorno dos terreiros
também está presente em algumas falas que fornecem um comparativo entre uma condição
pretérita mais favorável e a condição presente desfavorável, decorrente do avanço do processo
de urbanização: “Mas o progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo, foram
fazendo, desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente [...]” (OYÁ, 2016, informação
verbal111); “Nós contávamos com vários elementos naturais que eram favoráveis ao nosso culto,
nos arredores, [...] nós tínhamos também espaços sem ter a especulação urbana” (SAHARA,
2016, informação verbal112); “com essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não
está cercado de tudo aquilo que a gente precisava não. O ideal seria com máximo de natureza
possível [...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal113).
Vê-se que a urbanização é apontada por alguns entrevistados como responsável
pela perda de áreas verdes no entorno dos terreiros e, consequentemente, pela atual
condição desfavorável do entorno que já não oferece mais as áreas verdes que oferecia anos
107 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 108 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 109 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 110 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.). 111 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 112 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 113 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).
73
atrás, impossibilitando a manutenção de um “espaço mato” nos arredores. Portanto, os dados
coletados indicam que com o processo de urbanização os terreiros perdem importantes
espaços externos, passando a ter dificuldades no seu dia-a-dia.
Não bastassem as adaptações que foram originalmente necessárias para sobrevivência e
preservação da religiosidade africana em solo brasileiro, o que já foi visto no primeiro capítulo,
as novas restrições impostas pela urbanização demandam das comunidades de terreiro
constantes readaptações dos espaços como nova forma de sobrevivência e manutenção de suas
tradições (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010). Nesse sentido é possível afirmar
que “A vida urbana alcançou as roças de candomblé, gerando a necessidade de ações pontuais
para salvaguardar a manutenção das áreas verdes dos terreiros” (OLIVEIRA; OLIVEIRA;
BARTHOLO JR., 2010, p. 35).
O crescimento de adeptos de religiões evangélicas nas proximidades dos terreiros
aparece como segundo fator de insatisfação com o local onde o terreiro se encontra. Percebe-
se, a partir de algumas falas, uma nítida tensão com o segmento evangélico que é visto como
uma ameaça ou como elemento não favorável ao terreiro, vejamos: “[...] se vier uma Universal
aqui pro lado ela vem sabendo que eu já estou aqui há 11 anos, então ela vem pra me provocar,
o que ela procurar ela vai achar, eu não vou sair daqui, esse espaço é meu espaço sagrado [...]”
(BAGAN, 2016, informação verbal114); “[...] é um lugar muito parado tem muito crente e dá
muito combate [...] É assim, eu tô dentro de uma bola de neve com eles ao redor entendeu? Eles
têm preconceito, não chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga macumbeira!” (IBEJIS, 2016,
informação verbal115); “[...]de acordo com a evolução do povoado, hoje em dia, existiu uma
tendência a formação de pequenas igrejas evangélicas no entorno e isso desfavoreceu a
frequência das pessoas em vir assistir as festas” (ODÉ, 2016, informação verbal116).
Também se constatou a insatisfação com às condições de vida precária a que a
comunidade está exposta, em razão da falta de saneamento básico, de pavimentação e elevados
índices de violência, condições típicas que se reproduzem nas chamadas periferias urbanas
onde vive grande parcela da população negra e carente, veja-se: “[...]não temos saneamento
básico [...]. Perco muitos clientes que ficam de vim fazer consulta e desiste porque acha que é
um local violento e não tem policiamento [...] E o prefeito não dá nenhuma atenção para a
114 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 115 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 116 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
74
gente.” (BAGAN, 2016, informação verbal117). A fala da entrevistada denuncia o abandono do
local pelo poder público e demonstra que a lógica de segregação territorial da população
pobre e negra, que teve início com as políticas higienistas, persiste ainda nos tempos
atuais.
Sobre esse fenômeno Santos (2009) explica que a pobreza não é apenas resultado de
um modelo socioeconômico mas também do modelo de urbanização adotado pelas cidades
brasileiras. Para o autor “[...]incapaz de resolver o problema da habitação [o poder público]
empurra a maioria da população para as periferias; e empobrece ainda mais os mais pobres,
forçados a [...] comprar caro serviços essenciais que o poder público não é capaz de oferecer”
(SANTOS, 2009, p. 123). Neste mesmo sentido, Cunha Jr. (2007) denuncia que a persistência
da pobreza dos afrodescendentes no meio urbano é uma consequência das políticas públicas
para os espaços urbanos de maioria afrodescendente:
Um problema nestas áreas de maioria afrodescendente é que elas como estão, e pela
falta de uma intervenção adequada, permanecem como áreas de persistência da
pobreza das coletividades afrodescendentes. A pobreza também é não uma
generalidade universal. Esta tem uma construção específica para cada espaço
geográfico e para cada população. A produção da pobreza e da desigualdade social é
construída sobre uma base de dominação e de estagnação social [...]. (CUNHA JR.,
2007, p. 69).
Quanto à estrutura espacial interna dos terreiros investigados, especialmente sobre a
presença e conservação de espaço “mato”, foi apresentada a seguinte pergunta aos
entrevistados:
→ BLOCO IV, PERGUNTA 8 - O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê?
Os resultados foram: 8 (oito) entrevistados responderam “sim, o terreiro possui espaço
mato”; 5 (cinco) entrevistados responderam “não, o terreiro não possui espaço mato”.
117 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).
75
Gráfico 4 – Presença de “espaço mato” nos terreiros investigados
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Dos 8 (oito) que responderam “sim, o terreiro possui espaço mato”, observamos as
seguintes condições: 3 (três) estão em área rural; 2 (dois) são terreiros urbanos mas que
possuem amplo espaço interno (em comparação aos demais); 3 (três) são terreiros urbanos
mas com pequeno ou médio espaço interno.
Gráfico 5 – Caracterização dos terreiros que informaram ter “espaço mato”
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Dentro do grupo composto pelos entrevistados que responderam “sim”, convém
destacar que, por meio da observação, a pesquisadora pôde constatar que nenhum dispõe de
“espaço mato” nos moldes descritos pela literatura, como apontado por Santos (1976),
Bastide (2001) e Sodré (2002), quando definem o espaço “mato” como sendo o local onde se
tenta reproduzir, dentro do terreiro, a floresta africana, onde se encontram as espécies vegetais
e árvores sagradas indispensáveis ao culto e que não foram cultivadas pela ação do homem.
62%
38%
O terreiro possui "espaço mato"?
SIM
NÃO
62%
38%
Caracterização dos Terreiros que responderam "sim"
Terreiros em área ruralou em área urbanamas com amploespaço interno
Terreiros urbanos mascom pequeno oumédio espaço interno
76
Na verdade, o que se verificou em todos os terreiros que responderam “sim” foi a
existência de espaços com as características do que Barros (1993) classifica como “espaço
cultivado”, local onde são cultivadas espécies vegetais de uso ritualístico. Apenas 01 (um)
terreiro tem o que poderia ser considerado um misto entre espaço “mato” e “espaço cultivado”.
Ainda dentro do grupo que respondeu “sim, o terreiro possui espaço mato”, mas que
na verdade se observou a existência de algo mais próximo a um “espaço cultivado”, é possível
estabelecer uma subdivisão entre os que possuem um “espaço cultivado propriamente dito”
(5 terreiros) e os que possuem um “espaço cultivado adaptado” em razão do pequeno espaço
interno (3 terreiros). Ademais, ainda no grupo que respondeu “sim”, 2 (dois) revelaram
insatisfação em virtude dos espaços que possuem serem reduzidos ou adaptados e 1 (um)
revelou insatisfação em razão da má qualidade do solo, não oferecendo condições satisfatórias
para o cultivo das ervas. Portanto, verifica-se mais uma subdivisão entre satisfeitos e
insatisfeitos com o espaço que possuem. Vejamos mais um gráfico ilustrativo:
Gráfico 6 – Grau de satisfação com o espaço interno do terreiro reservado às ervas/plantas
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Dentre os 5 (cinco) entrevistados que responderam “não, o terreiro não possui espaço
mato”, todos são terreiros urbanos com espaço interno reduzido. Os motivos apontados
para a ausência do espaço mato no terreiro foram: 1. Espaço interno insuficiente (3
entrevistados); 2. Má qualidade do solo (1 entrevistado). Convém destacar, entretanto, que
2 (dois) complementaram suas respostas informando que possuem sítios em municípios do
interior do estado que suprem essa ausência do “espaço mato” na área interna do terreiro.
Nota-se que quando o entrevistado cita a má qualidade do solo como fator de
impedimento para a manutenção do espaço “mato” no terreiro parece que o que ele tem em
62%
38%
Grau de satisfação com o espaço interno destinado ao cultivo de ervas e plantas
litúrgicas
SATISFEITOS
INSATISFEITOS
77
mente é, na verdade, o que Barros (1993) chama de “espaço cultivado”, visto que a qualidade
do solo está ligada diretamente à possibilidade do cultivo de plantas.
Gráfico 7 – Motivos para inexistência de “espaço mato” nos terreiros investigados
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Vê-se que os motivos apontados para justificar a ausência de espaço mato nos terreiros
são os mesmos apontados pelos entrevistados que, apesar de terem respondido possuir espaço
mato, estão insatisfeitos com o tamanho reduzido ou com a má qualidade do solo,
predominando o “espaço interno insuficiente” como fator principal (tanto da ausência de espaço
mato quanto da insatisfação com o espaço mato).
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir da pergunta n. 8:
50%
17%
33%
Motivos para inexistência de espaço mato nos terreiros
ESPAÇO INTERNOINSUFICIENTE
MÁ QUALIDADE DOSOLO
POSSUEM SÍTIOS NOINTERIOR
78
Tabela 2 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 8, bloco IV.
O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê?
IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan
Localização: Povoado Pai André,
Nossa Sra. do Socorro
Início das atividades: 1995
Sim; ainda não tá melhor porque a terra aqui não é muito boa e esses
benditos caramujos destrói tudo sabe? Aí a gente está
providenciando isso aqui [apontou para pneus reciclados] aí
estamos procurando terra para encher pra poder plantar aqui as
ervas medicinais e até mesmo uma pequena hortazinha pra gente
mesmo, pra uso próprio entendeu? A gente providenciou isso aí, vai
encher de terra pra poder plantar.
Sim, mas a condição da terra não é
ideal para o plantio
Mesmo dispondo de espaço interno no terreiro,
a entrevistada demonstra insatisfação pois
não consegue fazer bom uso desse espaço
devido à má qualidade da terra para o cultivo das
ervas/plantas, o que demanda adaptações.
Apesar de ter respondido “sim”, na verdade,
não se verifica a existência de um “espaço
mato” – com as características descritas por
autores como Santos (1976), Bastide (2001) e
Barros (1993; 2011). O que se está buscando
criar é o que Barros (1993) classificou como
“espaço cultivado”.
2. Legbara
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 2010
Ele até possui, mas em uma extensão bem restrita. A gente não
consegue área maior, em uma consulta a SEPPIR me disse que os
terreiros de candomblé têm por lei um direito por ser uma área de
preservação ambiental e também de marinha. Nós procuramos e a
resposta da Procuradoria foi que não existia isso. Então acho que
falta aí uma política pública de ação afirmativa para as matrizes
africanas, uma vez que isso é de muito tempo que a gente é retirado
do território e quando você vem para um outro território, que você
é escravizado, mesmo quando acaba essa escravidão, também não é
devolvido esse território pra você e aí dificulta toda essa tradição
que a gente vem mantendo com muita dificuldade mas vem
mantendo, então falta o poder público reconhecer os povos de
matriz africana e dar minimamente as condições de sobrevivência a
essa população.
Possui mas em espaço reduzindo que
não oferece condições ideais. Falta
uma política pública que ofereça
minimamente as condições de
sobrevivência para os terreiros.
Por dispor de um espaço pequeno para as
ervas/plantas dentro do terreiro, a entrevistada
demonstra insatisfação e desapontamento com
o poder público que, no seu ver, não reconhece
a importância da tradição que, com dificuldade,
é mantida pelas comunidades-terreiro. A
entrevistada sinaliza um entendimento quanto à
trajetória histórica de desterritorialização dos
povos de matriz africana no Brasil.
Do mesmo modo que o caso anterior, não se
verifica a existência de um “espaço mato”,
mas sim de um pequeno “espaço cultivado”
que foi observado quando da visita ao
terreiro.
3. Oxum
Localização: Aracaju – Bairro Palestina
Início das atividades: 1990
Sim; tem um espaço lá no teto para as ervas miúdas, as graúdas eu
vou pegar na mata.
Sim, mas é um espaço adaptado para
ervas miúdas.
Apesar de responder “sim”, na verdade a
entrevistada não dispõe de “espaço mato”. Ela
usou uma estratégia de adaptação para suprir
parte de sua demanda mantendo um “espaço
cultivado adaptado”.
79
4. Oyá
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 1963
Não; porque hoje aqui virou uma cidade, com pessoas que são da
religião e outras que não são que também pra gente não é tão bom.
Eu procuro me dar bem com todo mundo, não tenho problema
particularmente graças a Deus! Mas de qualquer maneira, queira ou
não, existe o constrangimento de você não estar à vontade. Quando
a minha comprou aqui era tudo sítio, era tudo indústria mas essa
parte toda aqui era sítio, então naquela época a gente tinha lugar pra
plantar ervas, que a gente precisa muito de ervas. Tinha minante
aqui no fundo, então tudo que a gente queria tinha, terra pra
trabalhar, terreiro pra trabalhar, natureza entendeu? Mas o
progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo, foram
desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente, então a casa é
própria mas eu não sou dona da casa do vizinho, entendeu? Agora
pra plantar uma erva eu não tenho espaço. O ideal seria ter espaço
plantar as ervas, ter lugar pra cavar um poço, essas coisas que hoje
a gente já não pode, não tem esse espaço.
Não; com o crescimento da cidade não
tem mais espaço para plantas as ervas.
Trata-se de um caso clássico de perda de
“espaço mato” devido ao crescimento da
cidade no entorno do terreiro. Entretanto, pela
fala da entrevistada infere-se que esse “espaço
mato” existente outrora, antes do avanço do
progresso por ela citado, na verdade não se
encontrava no espaço interno do terreiro, mas
ultrapassava os limites de seus muros
alcançando os espaços verdes dos arredores,
como é relatado por Barros (2011) e Mattoso
(1992). Veja-se que a entrevistada também cita
a existência pretérita de um “minante” nos
fundos do terreiro, o que corrobora a afirmativa
de Rêgo (2006) no sentido de que a presença de
uma fonte no espaço interno (ou nas
proximidades) do terreiro era valorizada pela
comunidade.
Atualmente não se dispõe sequer de um
“espaço cultivado”.
5. Oxóssi
Localização: Aracaju – Bairro Bugio III
Início das atividades: Por volta de
1980
Não; temos um sítio em Areia Branca e em Rio das Pedras que a
gente planta lá e usa aqui.
Não, mas temos um sítio que a gente
planta lá e usa aqui.
Apesar de não dispor de um “espaço mato” nos
limites internos do terreiro, a entrevistada
dispõe do que se poderia classificar como
“espaço cultivado externo”, ou seja, um local
onde as ervas/plantas são cultivadas para
suprir a necessidade do terreiro, mas que está
fora de seus limites internos, nos moldes
descritos por Barros (2011).
6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo
Paraíso
Início das atividades: Por volta de
1996
Não; Porque não tem espaço para plantar. Aqui eu não tenho onde
eu plante uma erva que são as ervas que a gente precisa pra o dia-a-
dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não tem lugar, é muito pouco
aqui. O ideal seria que tivesse um espaço maior aonde eu plantasse.
Mas mediante, assim, eu já numa idade dessa tão cansada, eu não
quero mais comprar nem sair pra outro lugar grande, que eu até
tenho outro centro aqui em Socorro, no Oiteiros, é maior do que
esse aqui, tem as ervas todas plantadas, só que eu só estou lá as
vezes final de semana mas é pertinho, 20 minutos. Tem tudo, tem
rio, os verdes tudo que a gente precisa.
Não tem espaço para plantar nesse
terreiro, mas tenho outro em Socorro
que é maior e tem as ervas todas
plantadas
De forma idêntica ao caso anterior, apesar de
não dispor de um “espaço mato”, a
entrevistada dispõe de um “espaço cultivado
externo”.
80
7. São Jorge
Localização: Aracaju – Bairro América
Início das atividades: 1901
Sim. Plantamos as ervas para banhos, chás, para os próprios rituais
do candomblé, e diversas ervas medicinais a gente cultiva aqui no
nosso próprio terreiro.
Sim, a gente cultiva aqui no nosso
próprio terreiro.
Não se trata de um “espaço mato”, mas sim de
um “espaço cultivado”.
8. Sahara
Localização: Aracaju – Bairro Santa
Maria
Início das atividades: 1993
Atualmente dentro do espaço do terreiro a área de cultivo de ervas
é muito pouca, a nossa saída atualmente está sendo nossos jardins
elevados, nossos jardins suspensos em cima da nossa laje. Temos
uma área aqui no espaço do terreiro mas eu considero pequena,
daí a necessidade da gente ter criado um espaço de jardim suspenso
para poder mantermos o cultivo de algumas ervas necessárias
dentro da casa. [Além disso] aqui em cima logo próximo, ainda tem
uma reserva de mata de tradição africana muito boa [...].
Temos uma área aqui no terreiro mas
considero pequena, nossa saída são
jardins suspensos em cima da laje. E
aqui em cima logo próximo ainda tem
uma reserva de mata.
O entrevistado não dispõe de “espaço mato”. Ele usou uma estratégia de adaptação para
manter um “espaço cultivado” na parte interna
do terreiro e demonstra insatisfação em razão
desse espaço ser reduzido. Além disso, a
reserva de mata que existe nas proximidades
do terreiro também cumpre a função de
fornecedor das ervas/plantas servindo como
um “espaço mato externo” que se estende
além dos limites internos do terreiro,
fenômeno identificado por Barros (2011) e
Mattoso (1992).
9. Santo Antonio Localização: Povoado São Brás –
Nossa Senhora do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Não; porque a terra aqui é salgada, aqui é maré. Eu me sentava ali
na porta com os pés dentro d’água, depois fui organizando, botando
aterro, aterrando, cimentei tudo mas o solo é salgado.
Não, porque a terra aqui é salgada. A qualidade precária do solo torna inviável a
existência tanto de “espaço mato” quanto de
“espaço cultivado”.
10. Xangô
Localização: São Cristóvão – Bairro
Eduardo Gomes
Início das atividades: 1951
Sim, a gente faz o máximo para preservar. Sim. Apesar de não mencionar em sua resposta,
quando da visita ao terreiro, em conversa
informal, foi mencionado que grande parte das
ervas/plantas existentes no espaço interno foram
plantadas, ou seja, cultivadas através da ação do
homem. Portanto, trata-se de um “espaço
cultivado”.
11. Odé
Localização: Povoado Jardim Piabeta,
Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural
Início das atividades: 1993
Tenho. As ervas que eu preciso do manejo no dia-a-dia para
trabalhos, para banhos eu tenho aqui, porque eu já fiz questão de
quando ir montando ir buscando já aos arredores daqui para ter
dentro do próprio terreiro.
As ervas do dia-a-dia tenho aqui
dentro do próprio terreiro.
O entrevistado, em sua resposta, informa que foi
“buscando nos arredores” as ervas necessárias
para ter dentro do terreiro. Portanto, trata-se de
mais um caso de “espaço cultivado”.
12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa
Senhora do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Sim. Nós temos fruteiras diversas dentro do espaço do terreiro,
temos tipos de mangas diversas, temos jaqueiras, temos jenipapeiro,
vários tipos de frutas lá dentro. Em volta de cada mangueira eu fiz
Sim. A entrevistada, em sua resposta, informa que
dentro do terreiro existem diversas fruteiras e
que plantou uma série de ervas. Portanto, quanto
às ervas plantadas (espada Ogum, alevante e
manjericão) se trata de um “espaço cultivado”,
mas quanto às fruteiras a resposta não nos
81
uma mandala e plantei espada de Ogum, em outra área eu tenho
alevante plantado, manjericão.
permite inferir se foram plantadas. É possível
que se trate de um misto entre “espaço mato” e “espaço cultivado”.
13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro
Jabotiana
Início das atividades: 2010
Não; justamente por estar em uma área urbana onde os lotes de casa
são muito pequenos. Eu não tenho como ter uma grande quantidade
de folhas que eu uso no dia a dia o terreiro.
Não; por estar em uma área urbana
onde os lotes de casa são muito
pequenos.
A fala do entrevistado indica que o espaço
reduzido dos imóveis urbanos é a causa da
inexistência de espaço mato (e também espaço
cultivado) no terreiro.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
82
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 2 chegamos a algumas conclusões:
1. Quanto aos entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” interno nos terreiros
predominam duas características: ou estão localizados em área rural ou são terreiros
urbanos com amplo espaço interno;
2. Observou-se que os entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” interno na
verdade possuem espaços cultivados, nos moldes descritos por Barros (1993). Apenas
01 (um) terreiro apresentou características mistas (espaço mato + espaço cultivado);
3. Mesmo entre os entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” uma parcela se
mostra insatisfeita em virtude dos espaços que possuem serem reduzidos ou
adaptados, ou em razão da má qualidade do solo, não oferecendo condições favoráveis
para o cultivo interno das ervas;
4. Quanto aos que afirmaram não possuir espaço “mato” todos são terreiros urbanos e o
espaço interno insuficiente é o principal motivo apontado para a ausência do
referido espaço;
5. Alguns terreiros que não possuem espaço “mato” (ou espaço cultivado), entretanto,
possuem sítios que suprem essa ausência, o que seria uma espécie de espaço cultivado
externo, ou seja, um local onde as ervas/plantas são cultivadas para suprir a
necessidade do terreiro, mas que está fora de seus limites internos, nos moldes
descritos por Barros (2011) e Silva (1995).
Para melhor compreensão segue abaixo um quadro comparativo entre as características
do espaço “mato” e do “espaço cultivado”:
Quadro 1 – Diferenças entre “espaço mato” e “espaço cultivado”
ESPAÇO MATO ESPAÇO CULTIVADO
Não possui edificações; Não possui edificações;
Presença de árvores consagradas aos orixás
QUE NÃO FORAM/SÃO CULTIVADAS
PELA AÇÃO DO HOMEM;
Presença de árvores consagradas aos orixás
QUE FORAM/SÃO CULTIVADAS PELA
AÇÃO DO HOMEM;
Presença de ervas que podem ser coletadas
para uso ritualístico QUE NÃO
FORAM/SÃO CULTIVADAS PELA
AÇÃO DO HOMEM;
Presença de ervas que podem ser coletadas
para uso ritualístico QUE FORAM/SÃO
CULTIVADAS PELA AÇÃO DO
HOMEM;
As plantas e ervas são apenas coletadas,
portanto, NÃO dependentes da ação humana;
Predominam plantas e ervas que necessitam
de cultivo, portanto, dependentes da ação
humana;
Está sob a influência do orixá Òsányìn – dono
das folhas.
Está sob a influência do orixá Oko – senhor
da agricultura.
Referências: BASTIDE (2001); BARROS (1993; 2011); VERGER (1981).
83
Como visto, Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981), Bastide (2001) e Barros
(2011) são alguns dos autores que enfatizam a importância das ervas nos cultos de origem
africana, portanto, nas religiões afro-brasileiras. Tamanha a importância das ervas nos cultos
de origem africana que muitos autores citam a existência de um sacerdote que se ocupava
exclusivamente deste elemento, o Babalossaim (VERGER, 1981; BASTIDE, 2001; BARROS,
1993, 2011). Conforme ilustrado na tabela acima, o Orixá Òsányìn ou Ossaim é o Senhor (ou
dono) das folhas, é ele quem rege os ambientes onde são encontradas ervas/plantas que não
foram cultivadas pela ação do homem e, também, preside todos os rituais em que o uso das
ervas é indispensável (BASTIDE, 2001). Por isso, o sacerdote responsável pelo manejo das
folhas e, consequentemente, pelo culto de Òsányìn ou Ossaim, recebia o nome de Babalossaim
(BASTIDE, 2001). A ele cabia o conhecimento indispensável das virtudes e funções de cada
erva sagrada, o “segredo do candomblé” (BASTIDE, 2001, p. 126).
Decorre daí a importância do espaço “mato” nos terreiros, pois é nele que, a priori,
devem ser colhidas as folhas que serão utilizadas nos rituais de iniciação, no batismo dos
tambores, nas oferendas dos Orixás, nos banhos de purificação, até mesmo na limpeza do
espaço físico do terreiro: em tudo as ervas estão presentes. Trata-se de um elemento
primordial118, portanto, indissociável dos cultos religiosos afro-brasileiros.
Ademais, Verger (1981) e Bastide (2001) esclarecem que as ervas/plantas domésticas
ou cultivadas não apresentam o mesmo valor que aquelas encontradas dispersas na
natureza, o que reforça ainda mais a importância do espaço “mato”. Segundo Bastide (2001)
as mesmas plantas encontradas no mato se forem colhidas no quintal ou jardim de casa não
possuem valor litúrgico algum. Em suas palavras: “É preciso ir buscá-las no mato mesmo [...]
Ossaim não se aventura nos lugares em que o homem cultivou a terra e construiu casas, nos
lugares em que disciplinou a natureza. É o deus do mato, e não das plantas cultivadas”
(BASTIDE, 2001, p. 127). Verger (1981, p. 122) faz semelhante ressalva indicando que as
plantas devem crescer livremente e “[...] aquelas cultivadas em jardins devem ser desprezadas,
pois Ossaim vive na floresta [...]”.
É possível afirmar, pois, que proteger o direito à liberdade religiosa das comunidades-
terreiro passa, diretamente, pela garantia de acesso aos elementos vegetais indispensáveis aos
cultos. Neste sentido, além da proteção à liberdade religiosa, garantida de forma ampla
118 Discorrendo sobre a importância das ervas, Bastide (2001) chega a mencionar que a razão de já não se ver mais
a presença de certos Orixás nos terreiros, como Xangô de Ouro por exemplo, é porque já não se encontram mais
as ervas propiciatórias deste Orixá, ou seja, “as ervas que lhes permitiam encarnar nas cabeças dos fiéis”
(BASTIDE, 2001, p. 126).
84
enquanto direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, VI, VII e
VIII (BRASIL, 1988), o Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/2010) traz importante
proteção específica ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana119,
compreendendo a proteção aos seus locais de culto e as suas liturgias. Eis a importância da
investigação sobre a presença de “espaço mato” nos terreiros da grande Aracaju nos objetivos
específicos do presente estudo.
Os resultados colhidos demonstraram que nos terreiros pesquisados inexiste espaço
“mato” nos moldes descritos pela literatura. O que encontramos foram: espaços cultivados
(4 terreiros); misto entre espaço mato e espaço cultivado (1 terreiro); espaços cultivados
adaptados (3 terreiros); espaços cultivados externos (2 terreiros). Sobre esses resultados
algumas pontuações são necessárias, vejamos.
Como visto no primeiro capítulo, em que pese o candomblé tenha nascido como um
“fenômeno de cidade”, ou seja, é uma religião urbana, como aponta Carneiro (1967), viu-se que
no final do século XIX intensificaram-se as políticas urbanas higienistas que provocaram um
movimento de migração forçada das populações africanas e afrodescendentes dos centros
urbanos para regiões periféricas mais afastadas (MARQUES, 1994; SODRÉ, 2002; CUNHA
JR., 2007; RAMOS, 2007).
Assim, as comunidades de terreiro também foram removidas das regiões centrais onde
estavam estabelecidas e foram obrigados a buscar novos espaços em regiões mais periféricas.
Além disso, a forte perseguição ao culto característica da época também é apontada como outro
elemento que interferiu nesse processo de deslocamento, pressionando pais e mães de santo a
transferir seus terreiros para locais cada vez mais afastados dos centros urbanos, onde o toque
dos atabaques não fossem ouvidos, de modo a se tornarem “invisíveis”, provocando um
isolamento das comunidades afrorreligiosas (BARROS; NAPOLEÃO, 2011).
Esse fenômeno deu origem a muitas roças de candomblé (terreiros de grande extensão
territorial semelhante a sítios) instaladas em áreas de natureza ainda preservada, favorecendo
119 “Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana
compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,
por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com
preceitos das respectivas religiões; III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes
ligadas às respectivas convicções religiosas; IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais
religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas
por legislação específica; V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões
de matriz africana; VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a
manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII - o acesso aos órgãos e aos meios de
comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de
ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros
locais” (BRASIL, 2010).
85
uma reaproximação do homem com a natureza. Os terreiros então instalados em regiões mais
distantes das zonas urbanas teriam passado a dispor de uma maior variedade de espécies
vegetais para uso ritualístico, favorecendo a manutenção do espaço “mato” interno e no entorno,
conforme apontam Barros e Napoleão (2011).
É justamente pautada no modelo de organização espacial desse tipo de terreiro que
Santos (1976) define, pela primeira vez, a divisão clássica entre espaço “mato” e espaço urbano.
Foi a partir de etnografias que tiveram como objeto de estudo terreiros com o modelo de roças,
como a Casa Branca do Engenho Velho, Gantois e Ilê Axé Opó Afonjá (consideradas pela
literatura predominante como as três casas mães do candomblé baiano), que autores clássicos
como Nina Rodrigues, Edson Carneiro, Roger Bastide e Juana Elbein dos Santos (e tantos
outros que seguiram os seus passos), a partir da observação, forneceram as características e
funções do que se convencionou chamar de espaço “mato”.
Entretanto, convém ressaltar que esse modelo não foi reproduzido em todo o Brasil. Em
Aracaju, por exemplo, poucos foram os terreiros que originalmente conseguiram se estabelecer
em áreas semelhantes a roças, ou seja, de grande extensão. Podemos citar como exceções o
extinto terreiro de Maria José das Areias120 (já falecida) e o Abaçá São Jorge, fundado pela
célebre Nanã de Aracaju. Mesmo assim, anos após sua fundação, o Abaçá São Jorge sofreu uma
considerável redução de sua área após ceder parte de seu terreno original para construção de
uma escola municipal (DANTAS, 2002; SOUZA FILHO, 2013).
Neste sentido, dentre os terreiros investigados em nossa pesquisa de campo,
excetuando aqueles situados em áreas rurais, o espaço interno reduzido é uma
característica predominante, o que acreditamos ser a justificativa para a inexistência de
espaço “mato” nos moldes descritos pela literatura, sendo encontrado apenas espaços
cultivados em alguns.
É fato que a manutenção de espaços amplos está cada vez mais difícil em função do
grande crescimento populacional e consequente avanço das cidades às regiões mais periféricas.
Barros (2011) aponta que os terreiros de Salvador surgidos no século XIX, então periféricos,
120 “[...] terreiro da minha avó Maria José das Areias, que era ali no Castelo Branco, que inclusive a COMAF
depois foi comprando, comprando e inclusive foi essa empresa que terminou de fechar o terreiro, comprou o resto
do terreiro só ficando a área da casa dos netos de minha avó, que não quiseram levar adiante o terreiro. Ali era um
espaço enorme, enorme, com o terreiro no meio, que antigamente era assim: uma casa grande e o formato de casas
pequenas, as senzalas, em volta, como uma roça mesmo. E lá eles tinham as ervas porque ali a região das Areias
era uma região de cajueiros onde muitas das folhas que são utilizadas nos terreiros. Tinha muito naquela região o
São Gonçalinho, aroeira, alevante, aquela região todinha ali era rodeada de cajueiros e tinha toda essa folhagem,
todas essas plantas que eram utilizadas dentro do terreiro para banhos, para unguentos, para chás, tudo eles tinham
ali, quer dizer, a área também era grande [...]”. (CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen
Josephine Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.)).
86
hoje já se encontram dentro do perímetro urbano da cidade, o que vem provocando sérios
conflitos na manutenção dos espaços originais. Esse fenômeno também se reproduz na Grande
Aracaju.
Sobre os impactos e desdobramentos da ausência (ou insuficiência) de “espaço mato”
nos terreiros investigados foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:
→ BLOCO IV, PERGUNTA 9 - A ausência de espaço mato na área interna do terreiro (ou
a presença em tamanho reduzido) traz dificuldades para as liturgias? Quais?
PERGUNTA 10 – Como o terreiro supre a necessidade de ervas e plantas para as liturgias?
Os resultados para a primeira parte da pergunta n. 9 (A ausência de espaço mato na
área interna do terreiro, ou a presença em tamanho reduzido, traz dificuldades para as
liturgias?) foram os seguintes: 3 (três) entrevistados responderam “sim”; 4 (quatro)
entrevistados responderam “não”; 1 (um) entrevistado respondeu “as vezes”; 5 (cinco)
respostas ficaram prejudicadas porque os entrevistados, na pergunta n. 8, responderam que
possuem espaço “mato”. Vejamos em gráfico:
Gráfico 8 – Inexistência de “espaço mato” e dificuldades
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Dentre os que responderam “sim” e “as vezes” as principais dificuldades apontadas
como resposta à segunda parte da pergunta n. 9 (Quais dificuldades?) foram: 1. O aspecto
financeiro: custos com deslocamento até espaços verdes ainda preservados ou com
aquisição de ervas no mercado (3 entrevistados); 2. A perda de tempo com o deslocamento
para espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe (3 entrevistados); 3. A
23%
31%8%
38%
A inexistência de espaço mato na área interna do terreiro (ou a presença em tamanho reduzido) traz dificuldades?
SIM
NÃO
AS VEZES
RESPOSTAPREJUDICADA
87
degradação dos espaços verdes nas proximidades dos terreiros (2 entrevistados); 4. A
“quebra da essência” em razão de ter que comprar ervas sem saber se foram observados
os cuidados necessários quando da colheita (1 entrevistado). Vejamos em gráfico ilustrativo:
Gráfico 9 – Dificuldades decorrentes da inexistência de espaço “mato”
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Quanto à pergunta n. 10 (Como o terreiro supre a necessidade de ervas e plantas para
as liturgias?) é importante destacar que TODOS indicaram alguma forma externa de suprir a
demanda de ervas e plantas, mesmo os entrevistados que na pergunta n. 8 responderam ter
espaço “mato” nos terreiros e os que na pergunta n. 9 responderam não ter dificuldades com a
ausência (ou insuficiência) de espaço “mato” interno no terreiro. Em outras palavras: mesmo
os que internamente possuem espaços onde cultivam ervas/plantas de uso litúrgico
precisam suprir parte da demanda buscando alternativas externas.
Neste sentido, as fontes externas apontadas para suprir a necessidade de ervas e plantas
para as liturgias foram: 1. O mercado (9 entrevistados); 2. Áreas verdes preservados no
interior de Sergipe (6 entrevistados); 3. Áreas verdes preservados no entorno do terreiro
(5 entrevistados); 4. Sítios ou quintais de pessoas ligadas ao terreiro onde são cultivadas
ervas/plantas (4 entrevistados).
34%
33%
22%
11%
Quais dificuldades?
CUSTOS
PERDA DE TEMPO
AUSÊNCIA DEESPAÇO VERDE NOENTORNO
88
Gráfico 10 – Fontes externas de ervas e plantas litúrgicas para os terreiros
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 9
e 10.
37%
25%
21%
17%
Fontes externas de ervas/plantas
MERCADO
INTERIOR DESERGIPE
ENTORNO DOTERREIRO
SÍTIOS E/OUQUINTAIS
89
Tabela 3 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 9 e 10, bloco IV.
PERGUNTA 9: A não existência de espaço mato na área interna do terreiro (ou a existência em tamanho reduzido) traz dificuldades para as liturgias? Quais?
PERGUNTA 10: Como o terreiro supre a sua necessidade de ervas e plantas para as liturgias?
IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan
Localização: Povoado Pai André,
Nossa Sra. do Socorro
Início das atividades: 1995
Pergunta 9: resposta prejudicada porque a entrevistada informou
que tem espaço mato.
Pergunta 10: Algumas eu tenho no quintal e outras os meninos vão
buscar aqui nas matas na beirada do rio que é bem próximo também,
eles vão buscar. Que também não tem como você ter todas elas
dentro de um espaço só ne?! Mas eu não compro ervas, eu vou
buscar.
Algumas eu tenho no quintal e outras
os meninos vão buscar nas matas que
é bem próximo.
Mesmo tendo respondido que existe “espaço
mato” no terreiro, este não supre a necessidade
de ervas/plantas litúrgicas. Entretanto, apesar de
não suprir essa necessidade, infere-se, a partir da
fala da entrevista, que isso não chega lhe trazer
dificuldades pois, em razão de o terreiro estar
localizado em uma zona rural, o entorno
cumpre essa função de fornecedor das
ervas/plantas servindo como um “espaço
mato externo” que se estende além dos limites
internos do terreiro, fenômeno identificado
por Barros (2011) e Mattoso (1992).
Um ponto que merece destaque é a afirmação
da entrevistada de que não compra ervas.
Acredita-se que isso se dê em razão da
necessidade de observar certos procedimentos e
cuidados quando da coleta de ervas litúrgicas, a
fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força
vital, o que se torna impossível quando as
ervas/plantas são compradas. Esses cuidados
foram apontados por Bastide (2001) e Barros
(2011).
2. Legbara
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 2010
Pergunta 9: Sim, traz um pouco de dificuldade porque você vai
também demandar uma questão financeira maior, porque você vai
ter que buscar aí tem a questão de você ter o deslocamento, porque
se você tivesse já tudo no próprio ambiente o custo seria menos e o
tempo também você ganharia, traz uma dificuldade.
Pergunta 10: A gente vai buscar ainda onde tem preservado os rios,
as matas, a gente vai buscar assim, pro lado de São Cristóvão, pelos
caminhos que vão para o interior que dá acesso. Chega a precisar
comprar porque muitas ervas começam a desaparecer, como você
vai devastando então também vai acabando a existência de algumas
ervas que a gente podia ter ali a mão, vamos dizer assim. Então aí
Traz um pouco de dificuldade porque
se você tivesse já tudo no próprio
ambiente o custo seria menos e o
tempo também você ganharia.
A gente vai buscar ainda onde tem
preservado os rios, as matas. Chega a
precisar comprar.
Temos uma resposta afirmativa quanto as
dificuldades decorrentes da inexistência de
um “espaço mato” em dimensões adequadas (lembrando que na pergunta n. 8 a entrevistada
informou que o terreiro possui “espaço mato”
mas em tamanho reduzido).
Alguns pontos destacam-se na fala:
1. O aspecto financeiro, decorrente dos custos
com “ter que buscar” as ervas, o que envolve a
despesa com deslocamento até os espaços
verdes de natureza ainda preservada (o interior
de Sergipe) e despesa com aquisição no
mercado;
90
você tem que buscar no mercado, tem que comprar porque as vezes
não encontra mais. Chega a no mercado não encontrar algumas
ervas, até nem existir mais pelo menos aqui a nível de Sergipe. Por
causa da urbanização; porque no lugar de terra você vai colocando
asfalto, cimento, construções enfim, então você vai também
acabando um pouco do que a área verde pede.
2. Perda de tempo com o deslocamento para
buscar as ervas;
3. A urbanização como elemento que interfere
diretamente na degradação dos espaços
verdes.
O interior de Sergipe aparece na fala como
reduto de natureza preservada onde é
possível buscar as ervas/plantas necessárias.
3. Oxum Localização: Aracaju – Bairro Palestina
Início das atividades: 1990
Pergunta 9: Não traz dificuldade porque hoje o mercado é bem
servido de todas as ervas que você precisa. Fica mais dispendioso
porque não tenho né, aí tem que ir buscar, gasto tempo, gasto
gasolina, mas...
Pergunta 10: Quando não quero ou não encontro no mercado eu
vou buscar dentro da mata, geralmente eu vou em Areia Branca,
Itabaiana... É distante mas sempre tem alguém com carro para poder
levar.
Não traz dificuldade porque o
mercado é bem servido e também vou
buscar na mata. Fica mais
dispendioso, gasto tempo, gasto
gasolina, mas...
Apesar de responder que não tem
dificuldades, a entrevistada se contradiz pois
aponta descontentamento com o gasto
financeiro e de tempo para suprir a necessidade
de ervas/plantas, seja comprando no mercado ou
tendo que se deslocar para buscar em
municípios do interior e Sergipe.
O interior de Sergipe também aparece na fala
como reduto de natureza preservada onde é
possível buscar as ervas/plantas necessárias.
4. Oyá
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 1963
Pergunta 9: Muitas dificuldades, porque ervas a gente planta e
quando a gente vai usar tem horário que você vai colher, tem a
maneira que você vai colher, tem a pessoa indicada. E nesse caso a
gente é obrigado a comprar a erva sem saber de que jeito foi colhida.
Prejudica, não é bom, quebra um pouco da essência da gente.
Pergunta 10: Comprando no mercado. E pessoas amigas que as
vezes tem sítio e a gente vai lá. Itabaiana tem um espaço, uma
reserva, que lá tem sítio, tem perna de rio lá dentro, então quando
eu preciso de uma coisa bem séria que preciso de um espaço da
natureza eu vou lá, que lá tem muitas qualidades de ervas.
Muitas dificuldades porque a gente é
obrigada a comprar a erva sem saber
de que jeito foi colhida e isso quebra
um pouco da essência.
Comprando no mercado, pegando em
sítios de amigos ou em na reserva de
Itabaiana.
Destaca-se da fala uma preocupação com o que
a entrevistada chama de “quebra da
essência”, em razão de ter que comprar ervas
no mercado sem saber se foram observados os
cuidados necessários quando da colheita. Assim
como na resposta da entrevistada 1, acredita-se
que aqui também se esteja referindo aos
procedimentos e cuidados que o Babalossaim
precisa ter quando vai colher as ervas litúrgicas,
a fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força
vital. Esses cuidados foram apontados por
Bastide (2001) e Barros (2011).
Sítios e o interior de Sergipe também
aparecem como alternativas onde é possível
buscar essas ervas/plantas.
5. Oxóssi
Localização: Aracaju – Bairro Bugio III
Início das atividades: Por volta de
1980
Pergunta 9: Não.
Pergunta 10: Temos um sítio que a gente planta lá e uso aqui.
Tenho um filho de santo que aqui mesmo também tem e fica aqui
mesmo no Bugio. Minha filha de santo e minha irmã tem as ervas
também aqui próximo e a gente pega na casa delas. E o resto que
não tiver a gente compra no mercado.
Não traz dificuldade; temos um sítio
que a gente planta lá e usa aqui. E o
resto que não tiver compra no
mercado.
Acredita-se que a entrevistada afirma não ter
dificuldades porque, na verdade, apesar de não
dispor de um “espaço mato” dentro do terreiro,
ela dispõe do que se poderia classificar como
“espaços cultivados externo”, ou seja, locais
onde as ervas/plantas são cultivadas para
suprir a necessidade do terreiro, mas que
estão fora de seus limites internos, nos moldes
91
descritos por Barros (2011). Além disso, o
mercado também supre parte da demanda.
6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo
Paraíso
Início das atividades: Por volta de
1996
Pergunta 9: Sim, porque tenho que buscar as ervas no sítio ou
comprar no mercado.
Pergunta 10: Eu trago do sítio e o que não tem lá eu compro no
mercado.
Sim. Eu trago do sítio e o que não tem
lá eu compro no mercado.
A situação aqui é semelhante a anterior, a
diferença reside no fato de que aqui a
entrevistada aponta a existência de
dificuldade, mesmo contando com um
“espaço cultivado externo”, ou seja, um sítio
que supre parcialmente sua necessidade de
ervas/plantas. Apesar de não aparecer
explicitamente em sua fala, é provável que a
dificuldade apontada decorra das mesmas
questões abordadas nas falas dos outros
entrevistados: 1. O aspecto financeiro, em
razão dos custos com deslocamento para o sítio
e aquisição no mercado; 2. A “perda” de tempo
com os deslocamentos para o interior do estado.
7. São Jorge
Localização: Aracaju – Bairro América
Início das atividades: 1901
Pergunta 9: resposta prejudicada porque a entrevistada informou
que tem espaço mato.
Pergunta 10: Aqui no mercado tem uma mulher que já vende. E
tem momentos que determinadas ervas ou plantas medicinais que
no mercado não tem, que até as próprias vendedoras desconhecem
pra que é e o que é. Aí vamos buscar ali onde vai para o Eduardo
Gomes, na [rodovia] João Bebe Água, ali que tem o rio Poxim, tem
muitas plantas medicinais, muitas ervas e tem muita coisa que a
gente pega lá pra cultivar dentro da religião.
No mercado e na [rodovia] João Bebe
Água, próximo ao rio Poxim.
Mesmo tendo respondido que existe “espaço
mato” no terreiro, este não supre a necessidade
de ervas/plantas litúrgicas, sendo
eventualmente necessário recorrer ao
mercado ou a espaços verdes preservados. Entretanto, isso não aparece na fala como uma
dificuldade. O interior de Sergipe também aparece na fala
como reduto de natureza preservada onde é
possível buscar as ervas/plantas necessárias.
8. Sahara
Localização: Aracaju – Bairro Santa
Maria
Início das atividades: 1993
Pergunta 9: No momento não porque a gente tenta sempre se
adequar ao momento que estamos vivendo. Então não traz
dificuldade porque a gente tem sempre um segundo plano e sempre
a gente não deixa faltar, mesmo que não tenha aqui dentro do espaço
do terreiro a gente procura cultivar fora, na casa de um filho nosso
que esteja aqui por perto que possa nos dar um subsídio.
Pergunta 10: Com estratégias de adaptações. Exemplo disso: nós
conseguimos agora várias mudas de uma planta chamada
dendezeiro e quase todos os filhos de santo meu, que tem casas
Não traz dificuldade porque a gente
tem sempre um segundo plano.
Estratégias de adaptações, buscando
na mata e recorrendo ao mercado.
A inexistência de um “espaço mato” em
tamanho adequado dentro do terreiro levou a
criação de uma série de estratégias de
adaptação para suprir sua necessidade de
ervas/plantas. Em decorrência disso, pode-se
dizer que o terreiro criou uma série de
“espaços cultivados externos”, ou seja, além
dos limites internos do terreiro (nas casas de
filhos), minimizando os impactos decorrentes
da ausência do “espaço mato”.
Além disso, também se recorre à mata do
entorno e ao mercado.
92
próprias e que tem terreno, estão plantando nos seus quintais esse
dendezeiro para que a gente possa ter. Uma outra erva necessária
que a gente precisa dentro da casa de candomblé para o nosso culto
é a bananeira, por causa da folha dela que nos ajuda a fazer o acaçá,
alguns filhos de santo da casa já tem também essa planta, essa
árvore, dentro do seu espaço para que possa servir ao terreiro. Então
a gente consegue ter algumas logísticas de ervas em espaços
particulares de pessoas pertencentes a nossa casa para manter o
nosso culto. Também buscando na mata, aqui em cima logo
próximo, ainda tem uma reserva de mata de tradição africana muito
boa [o entrevistado se refere ao Morro do Avião que fica no entorno
do terreiro], e algumas vezes recorrendo ao mercado.
9. Santo Antonio
Localização: Povoado São Brás –
Nossa Senhora do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Pergunta 9: Às vezes dificulta, às vezes a gente quer um pau, uma
rama que por aqui não tem, que a gente podia trazer um pé e plantar
né? Mas não tem.
Pergunta 10: Vou procurar no mato e muita coisa compra no
mercado. A gente já tem ideia de onde tem, essa semana mesmo eu
precisei de um mato que por aqui não tem e eu fui buscar no interior
de Itaporanga. A gente vai procurar onde tem, vai se informar e aí
encontra. A gente anda por tudo que é lugar que tem mato.
Às vezes dificulta. Vou procurar no
mato e muita coisa compra no
mercado.
As dificuldades apontadas estão relacionadas
ao fato de o entrevistado não dispor de ervas
nas proximidades do terreiro (“as vezes a
gente quer um pau, uma rama que por aqui
não tem”) e, em razão disso, demandar uma
peregrinação (“A gente anda por tudo que é
lugar que tem mato”), como ele mesmo diz.
O interior de Sergipe também aparece na fala
como reduto de natureza preservada onde é
possível buscar as ervas/plantas necessárias. O
mercado também é apontado como fonte
fornecedora de ervas.
10. Xangô
Localização: São Cristóvão – Bairro
Eduardo Gomes
Início das atividades: 1951
Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou
que tem espaço mato.
Pergunta 10: A gente tem as básicas, as fundamentais para o
funcionamento, mas quando você precisa de algo a mais a gente tem
que ir pra rua buscar. Tem uma mata aqui no bairro, no final de
linha, que normalmente a gente vai buscar. Quando não, indo para
Itabaiana tem muita diversidade também por ali e normalmente
onde tem água natural, cachoeira. Onde tiver uma cachoeira vai ter
sempre alguém do candomblé procurando uma erva.
A gente tem as básicas mas quando
precisa de algo a mais a gente tem que
ir pra rua buscar. Tem uma mata aqui
no bairro e indo para Itabaiana tem
muita diversidade.
Mesmo tendo respondido que existe “espaço
mato” no terreiro, este não supre a necessidade
de ervas/plantas litúrgicas, sendo necessário
recorrer a espaços verdes preservados no
entorno do terreiro (espaço mato externo) e
no interior de Sergipe, que mais uma vez
aparece na fala como reduto de natureza
preservada onde é possível buscar as
ervas/plantas necessárias.
11. Odé
Localização: Povoado Jardim Piabeta,
Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural
Início das atividades: 1993
Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou
que tem espaço mato.
Nós cultivamos plantas rústicas que
suportam sol, as demais são
compradas no mercado.
Mesmo tendo respondido que existe “espaço
mato” no terreiro, este não supre a necessidade
93
Pergunta 10: No mercado. Nós chamamos de ervas frias, são ervas
cultivadas à sombra com duas regas diárias, com pouco
sombreamento, a exemplo do manjericão, do patchouli, da água de
alevante, da folha da costa, são folhas que nós utilizamos nos rituais
do candomblé que dentro de um clima como esse aqui nós já
tentamos o cultivo e não conseguimos [...]. Elas caem no comércio
do mercado e a frequência sergipana, de um modo geral, dos pais
de santo e do pessoal de umbanda também só compra no mercado
porque não tem acesso para cultivar em casa. Nós cultivamos
plantas rústicas que suportam sol.
de ervas/plantas litúrgicas, sendo necessário
recorrer ao mercado.
12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa
Senhora do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou
que tem espaço mato.
Pergunta 10: Tem uma mata lá que é bem próxima do rio. Não é
mata fechada, mas é mata que a gente ia tirar essas folhas, muitas
folhas nossas que a gente não precisava comprar nem tirar de outro
lugar, nós tirávamos de lá. Por exemplo, dendezeiro eu não tinha lá
em casa mas eu plantei um dendezeiro, plantei três aliás, que um
sobreviveu. Então eu não tinha em casa, eu plantei. Eu pedi para o
menino trazer também bambuzal, quem é de Iansã, mas pelo que eu
tinha visto o bambuzal não pegou porque ele fica em área mais
úmida e onde eu plantei foi em cima, na parte de cima do terreiro e
eu devia ter plantado na parte de baixo que é mais úmida.
Tem uma mata lá que a gente ia,
muitas folhas nossas que a gente não
precisava comprar nem tirar de outro
lugar, nós tirávamos de lá.
Mesmo tendo respondido que existe “espaço
mato” no terreiro, este não supre a necessidade
de ervas/plantas litúrgicas. Entretanto, apesar de
não suprir essa necessidade, infere-se, a partir da
fala da entrevista, que isso não chega lhe trazer
dificuldades pois, em razão de o terreiro estar
localizado em uma zona rural, o entorno
cumpre essa função de fornecedor das
ervas/plantas servindo como um “espaço
mato externo” que se estende além dos limites
internos do terreiro, fenômeno identificado
por Barros (2011) e Mattoso (1992).
13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro
Jabotiana
Início das atividades: 2010
Pergunta 9: Não, de forma nenhuma.
Pergunta 10: Eu vou buscar na mata [o entrevistado se refere a
mata que fica no Aloque, na Jabotiana, mesmo bairro do terreiro],
quando não tem a gente vai comprar no mercado.
Não dificulta. Vou buscar na mata ou
compro no mercado.
Mais uma vez o entorno do terreiro cumpre a
função de fornecedor das ervas/plantas
servindo como um “espaço mato externo”
que se estende além dos limites internos do
terreiro, fenômeno identificado por Barros
(2011) e Mattoso (1992). Além disso, o
mercado também supre parte da demanda
interna.
Entretanto, em que pese o entrevistado tenha
respondido que a ausência de espaço mato no
terreiro não traz dificuldades, não podemos
perder de vista que na resposta do quesito 7
ele demonstrou descontentamento em razão
do espaço interno reduzido, que não lhe
permite ter as ervas necessárias ao manejo
94
diário. Portanto, fazendo uma análise
conjunta das respostas fornecidas, vemos que
elas se complementam, e que, apesar de
responder não ter dificuldades, na visão do
entrevistado o cenário ideal remete a um
espaço interno maior que possibilite a
existência de um espaço mato ou de um
espaço cultivado.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
95
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 3 chegamos a algumas conclusões:
1. O mercado municipal de Aracaju aparece como principal fonte externa para
suprimento de ervas e plantas utilizadas nos terreiros pesquisados;
2. Áreas verdes preservadas no interior de Sergipe aparecem como importante fonte de
ervas e plantas utilizadas nos terreiros, demonstrando a busca por espaços externos que,
ao longo do tempo, vão se consolidando como territórios sagrados externos;
3. Os custos com a aquisição de ervas no mercado e com deslocamento para o interior,
aliado a perda de tempo com esse deslocamento, aparecem como principais
dificuldades decorrentes da ausência do espaço “mato” nos terreiros;
4. Algumas áreas ainda preservadas no entorno dos terreiros funcionam como espaço
“mato” externo suprindo parte da demanda de ervas/plantas;
5. A utilização de estratégias de adaptação constitui uma alternativa para suprir as
necessidades de alguns terreiros (sítios e quintais).
O dado mais relevante que emerge a partir das informações constantes na Tabela 3 é
que TODOS os entrevistados indicaram alguma forma externa de suprir a demanda de
ervas e plantas, ou seja, mesmo os terreiros com espaço “mato” interno (na verdade espaço
cultivado, como já analisado na Tabela 2) precisam suprir parte da demanda de
ervas/plantas de uso litúrgico buscando fora dos terreiros. E nessa busca externa o mercado
municipal e o interior de Sergipe despontam como principais fornecedores, do que
decorrem algumas dificuldades que foram apontadas pelos entrevistados.
As despesas com deslocamento até o interior e com aquisição de ervas no mercado,
além da perda de tempo com esse deslocamento, são dificuldades apontadas nas seguintes falas:
“Traz um pouco de dificuldade porque você vai demandar uma questão financeira maior,
porque você vai ter que buscar aí tem a questão de ter o deslocamento, porque se você tivesse
já tudo no próprio ambiente o custo seria menos e o tempo também você ganharia” (LEGBARA,
2016, informação verbal121); “Fica mais dispendioso porque não tenho né, aí tem que ir buscar,
121 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).
96
gasto tempo, gasto gasolina, mas...” (OXUM, 2016, informação verbal122); “Sim, porque tenho
que buscar as ervas no sítio ou comprar no mercado” (IBEJIS, 2016, informação verbal123).
Sobre essa realidade Barros (2011) e Silva (1995) apontam que, em função do avanço
da urbanização, os religiosos precisam elaborar estratégias de adaptação para suprir a carência
de folhas sagradas e espaços verdes que antes estavam à disposição nos arredores dos terreiros,
mas hoje se tornam cada vez mais escassos nas cidades. Assim, na busca por espécies vegetais
indispensáveis às suas práticas religiosas, se veem obrigados a se deslocar para regiões cada
vez mais distantes dos limites das cidades, o que onera consideravelmente a vida material dos
adeptos com os custos de deslocamento. Mesmo quando não precisam se deslocar (ou não
possuem condições de arcar com os custos deste deslocamento) e recorrem ao comércio para
suprir suas demandas, também resulta daí uma oneração financeira.
Outra dificuldade apontada é a “quebra da essência”, que se relaciona diretamente com
a necessidade de aquisição de ervas no mercado sem saber se foram observados os cuidados
necessários quando da colheita. Esse problema aparece na seguinte fala:
Muitas dificuldades, porque ervas a gente planta e quando a gente vai usar tem horário
que você vai colher, tem a maneira que você vai colher, tem a pessoa indicada. E nesse
caso a gente é obrigado a comprar a erva sem saber de que jeito foi colhida. Prejudica,
não é bom, quebra um pouco da essência da gente (OYÁ, 2016, informação verbal124).
Destaca-se a partir da fala uma preocupação com o que a entrevistada chama de
“quebra da essência”, em razão de ter que comprar ervas no mercado sem saber se foram
observados os cuidados necessários quando da colheita. Essa preocupação decorre da
necessidade de observar certos procedimentos e cuidados que o Babalossaim precisa ter quando
vai colher as ervas litúrgicas, a fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força vital (VERGER,
1981; BASTIDE, 2001; BARROS, 2011), o que se torna impossível quando as ervas/plantas
são compradas.
Sobre os cuidados que devem preceder a coleta das ervas/plantas de uso litúrgico
Verger (1981, p. 123) pontua que “[...] Quando vão colher as plantas para seus trabalhos, devem
fazê-lo em estado de pureza, abstendo-se de relações sexuais na noite precedente, e indo à
122 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 123 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 124 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).
97
floresta durante à madrugada sem dirigir palavra a ninguém [...]”. Parte desses procedimentos
especiais também é descrita por Bastide (2001):
[...] o babalossaim penetra no reino de Ossaim mastigando um obi (e talvez também
pimenta). Chegando ao seu domínio, volta-se sucessivamente para cada um dos quatro
pontos cardeais e cospe nestas quatro direções o obi mastigado. Delimita, assim, de
certo modo, o espaço sagrado em que vai evoluir. Penetrando no mato, começa a
cantar e não deixará de cantar enquanto não tiver saído; mesmo ao cortar um ramo de
árvore ou cipó, ao arrancar ervas ou desenterrar uma planta, não pode interromper o
canto [...]” (BASTIDE, 2001, p. 127-128).
Vê-se, portanto, o porquê da preocupação da entrevistada com o que ela chama de
“quebra da essência” pois, de fato, ao comprar as ervas no mercado é impossível ter algum tipo
de controle quanto aos cuidados que devem (ou pelo menos deveriam) ser observados quando
da coleta.
Esse parece ser o mesmo motivo pelo qual outra entrevistada afirma: “[...] não tem como
você ter todas elas dentro de um espaço só ne?! Mas eu não compro ervas, eu vou buscar”
(BAGAN, 2016, informação verbal125). Em sintonia com esse depoimento Bastide (2001)
aponta que “É preciso ir buscá-las no mato mesmo [...] Ossaim não se aventura nos lugares em
que o homem cultivou a terra e construiu casas, nos lugares em que disciplinou a natureza. [...]”
(BASTIDE, 2001, p. 127).
Entretanto, Barros (2011) alerta que, tanto em razão da facilidade de aquisição das
ervas/plantas diretamente nos mercados quanto em função da crescente urbanização das
cidades, esse ritual de coleta tem sido cada vez menos observado nos dias atuais do que
decorre uma descaracterização do culto. E dentre os terreiros pesquisados isso parece ser
uma realidade, pois: dos 13 (treze) entrevistados somente 2 (dois) fizeram referência a essa
particularidade; 9 (nove) entrevistados apontaram o mercado como principal fonte externa para
suprir a necessidade de ervas/plantas.
O interior de Sergipe também é apontado por 6 (seis) entrevistados como
importante fonte externa de ervas e plantas utilizadas nos terreiros, o que demonstra uma
busca por áreas verdes preservadas que, ao longo do tempo, vão se consolidando como
territórios sagrados externos. Isso decorre do crescimento acelerado das cidades que torna as
áreas verdes cada vez mais escassas nos centros urbanos, provocando uma peregrinação das
comunidades de terreiro em busca dessas áreas ainda preservados no interior do Estado.
125 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).
98
Apesar da crescente urbanização, 5 (cinco) entrevistados indicaram que áreas verdes
remanescentes no entorno dos terreiros funcionam como fonte externa de fornecimento de
ervas e plantas utilizadas nos terreiros. Essas áreas cumprem o papel de espaço “mato”
externo, ou seja, que se estende além dos limites internos do terreiro, fornecendo algumas ervas
e plantas de uso litúrgico, fenômeno identificado por Mattoso (1992) e Barros (2011). Neste
sentido, “[...] a reelaboração da floresta africana ultrapassa as fronteiras do terreiro, atingindo
os terrenos baldios, parques e jardins, onde os adeptos buscam espécies tão indispensáveis à
manutenção de sua visão de mundo” (BARROS, 2011, p. 23).
Vejamos algumas falas que corroboram essa função: “[...]os meninos vão buscar aqui
nas matas na beirada do rio que é bem próximo também [...]” (BAGAN, 2016, informação
verbal126); “[...]buscando na mata aqui em cima logo próximo, ainda tem uma reserva de mata
de tradição africana muito boa [...]” (SAHARA, 2016, informação verbal127); “[...]Tem uma
mata aqui no bairro, no final de linha, que normalmente a gente vai buscar [...]” (XANGÔ,
2016, informação verbal128); “Tem uma mata lá que é bem próxima do rio. Não é mata fechada,
mas é mata que a gente ia tirar essas folhas, muitas folhas nossas que a gente não precisava
comprar nem tirar de outro lugar, nós tirávamos de lá [...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação
verbal129); “Eu vou buscar na mata [o entrevistado se refere a mata que fica no Aloque, na
Jabotiana, mesmo bairro do terreiro]” (OGUM, 2016, informação verbal130).
Além do mercado, do interior de Sergipe e de áreas no entorno dos terreiros, 4 (quatro)
entrevistados também indicaram que usam sítios e quintais para suprir a demanda de ervas e
plantas. Eles funcionam como “espaços cultivados externos”, ou seja, locais onde as
ervas/plantas são cultivadas para suprir a necessidade do terreiro, mas que estão fora de
seus limites internos. Diferem do espaço “mato” externo porque neste as ervas/plantas não
foram cultivadas pela ação do homem.
Como aponta Barros (2011) os terreiros com amplos espaços internos que possibilitem
a manutenção de espaço “mato” são cada vez mais escassos, o que decorre do avanço das
cidades às regiões mais periféricas, onde normalmente esses terreiros estão localizados. E
126 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 127 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 128 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 129 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 130 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
99
mesmo a manutenção de áreas verdes no entorno dos terreiros tem se tornado difícil também
em função desse fenômeno. Neste sentido, os “espaços cultivados externos” emergem como
estratégias de adaptação que auxiliam no fornecimento das ervas e plantas de uso ritualístico
indispensável.
Como se vê TODOS os entrevistados indicaram fontes externas utilizadas para
suprir a demanda dos terreiros por ervas e plantas. Os dados constantes na Tabela 3
indicam, inclusive, que alguns se valem de mais de uma fonte externa, sendo o mercado
municipal e o interior de Sergipe suas principais fontes fornecedoras.
Sobre os possíveis impactos internos decorrentes da urbanização no entorno dos
terreiros foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:
→ BLOCO IV, PERGUNTA 11 - Quando da inauguração da casa a região de entorno já
era urbanizada?
PERGUNTA 12 – Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo
de dificuldade para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo?
Os resultados da pergunta n. 11 foram os seguintes: 2 (dois) entrevistados responderam
“sim”; 11 (onze) entrevistados responderam “não”. Vejamos em gráfico:
Gráfico 11 – Urbanização no entorno dos terreiros investigados
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Quanto à primeira parte da pergunta n. 12 (A urbanização trouxe algum tipo de
dificuldade para a ritualística interna?) os resultados foram os seguintes: 6 (seis) entrevistados
responderam “sim”; 5 (cinco) entrevistados responderam “não”; 2 (duas) respostas ficaram
15%
85%
Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada?
SIM
NÃO
100
prejudicadas porque os terreiros foram inaugurados em regiões já urbanizadas. Vejamos em
gráfico:
Gráfico 12 – Urbanização e dificuldades internas
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Quanto à segunda parte da pergunta n. 12 (Poderia citar um exemplo?) as
principais dificuldades citadas pelos entrevistados que responderam “sim” foram: 1.
Problemas com vizinhos (6 entrevistados); 2. Perda de espaço no entorno (3
entrevistados); 3. Aumento da violência (2 entrevistados). Vejamos em gráfico:
Gráfico 13 – Dificuldades decorrentes da urbanização
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
46%
39%
15%
A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade para a ritualística interna?
SIM
NÃO
RESPOSTAPREJUDICADA
55%27%
18%
Principais dificuldades apontadas como desdobramento da urbanização
PROBLEMAS COMVIZINHOS
PERDA DE ESPAÇONO ENTORNO
AUMENTO DAVIOLÊNCIA
101
Dentre os que responderam “não”, semelhante ao que vimos na análise da pergunta
n.7, o bom relacionamento com vizinhos foi apontado como o principal motivo para a
ausência de dificuldades em decorrência da urbanização.
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n.
11 e 12.
102
Tabela 4 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 11 e 12, bloco IV.
PERGUNTA 11: Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada?
PERGUNTA 12: Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo?
IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan
Localização: Povoado Pai André,
Nossa Sra. do Socorro
Início das atividades: 1995
Pergunta 11: Era muito menos povoado. Quando eu vim praqui
(sic) não tinha energia na rua, a gente usava gambiarra que vinha lá
de cima da pista, depois foi que ligaram a energia, a água [...]
Pergunta 12: Está trazendo; Assalto, a insegurança, porque com
isso infelizmente o progresso traz a insegurança né! E assim, antes
quando era mais deserto, que as pessoas tinham mais medo a gente
ficava na rua até duas, três horas da manhã conversando os vizinhos
olhando a lua e hoje a gente não tem muita segurança pra ficar,
porque veio muita gente pra cá, tem muita é... pega uma topic de
São Cristóvão pra cá assalta a topic desce aqui, corre pra cá porque
aqui tem várias saídas pro Eduardo Gomes, pro Parque dos Faróis,
tem o rio né, desce praqui (sic). Pegam de lá pra cá assalta, descem
aqui né, e aí isso tá nos trazendo problemas né, as pessoas ficam
com medo de vim né, e até a gente mesmo né [...] E aí o povo acha
que é daqui, entendeu? E fora os daqui mesmo que tem umas
coisinhas aí que acaba atraindo os outros pra cá né.
Era muito menos povoado.
Está trazendo assalto, a insegurança,
porque infelizmente o progresso traz a
insegurança
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
A violência é apontada pela entrevistada como
o maior problema trazido pelo avanço da
urbanização.
2. Legbara
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 2010
Pergunta 11: Sim.
Pergunta 12: pergunta prejudicada devido a resposta anterior.
Sim. A região já era urbanizada quando da
inauguração do terreiro.
3. Oxum Localização: Aracaju – Bairro Palestina
Início das atividades: 1990
Pergunta 11: Não, eu sou pioneira aqui nessa rua, eu cheguei aqui
com 3 anos de idade e nessa rua mesmo só tinha a nossa casa.
Pergunta 12: Não trouxe dificuldade, porque o ambiente e a boa
convivência quem faz somos nós. Quem chegou já me encontrou.
Por exemplo, essa família aqui toda evangélica, o chefe de família
lá é meu amigo, a gente sentava e conversava, falava sobre religião
porque eu tenho, não sei se é uma virtude ou defeito, mas se você
está falando a palavra de Deus, seja em qualquer língua ou em
qualquer religião eu curvo minha cabeça para ouvir, jamais abro a
minha boca para desfazer de religião nenhuma, entendeu? Porque
Deus não está na religião, ele está nos seus bons atos, no seu bom
coração.
Não, eu sou pioneira aqui nessa rua.
Não trouxe dificuldade. O entorno não era urbanizado mas a
urbanização não trouxe dificuldade.
A entrevistada aponta a convivência cordial
com vizinhos e a existência de um respeito
mútuo como elemento apaziguador, pois “quem chegou já me encontrou”. Quando a
entrevistada fala “quem chegou já me
encontrou” parece estar sinalizando que, por
esse motivo, os vizinhos não podem reclamar,
afinal tinham a opção de buscar moradia em
outro local caso se incomodassem com a
existência do terreiro. Se optaram por ficar
não teriam do que reclamar e por esse motivo
a convivência é pacífica. É preciso relembrar, entretanto, que a resposta
da entrevistada à pergunta n. 7 sinaliza a
103
existência de um acordo de boa convivência
que sustenta essa relação com os vizinhos e tem
em sua base o cumprimento de horários para
encerramento das atividades religiosas
semanais.
4. Oyá
Localização: Aracaju – Bairro
Industrial
Início das atividades: 1963
Pergunta 11: Não, era tudo sítio. Minha mãe, bem antes dela
comprar, ela falou que aqui era aldeia de índio. Mas eu não lembro
porque era muito pequena, ela comprou e aqui era tudo aberto, tudo
muito bom, era uma outra época.
Pergunta 12: O progresso avançou para o lado de cá então foram
fazendo, desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente,
então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,
entendeu? Agora pra plantar uma erva eu não tenho espaço.
Também trouxe a comunidade. Casa de Candomblé deve ser um
pouco recuada porque, hoje eu nem sei como dizer, tá tudo assim
muito difícil por conta das mistificações, a gente vive no meio de
mistificação de religião e a gente acaba tendo dificuldade. Graças a
Deus eu não tenho dificuldade porque eu procuro tirar tudo de letra,
mas assim, se eu não fizesse tanto assim por viver bem eu teria “n”
problemas com a comunidade. São pessoas evangélicas, tem muita
gente evangélica por aqui, que na época, os mais antigos do tempo
de minha mãe não eram evangélicos, mas a segunda e terceiras
gerações são de religiões diferentes e isso traz pra gente uma certa
dificuldade. Mesmo assim eu ainda consigo quebrar um pouco
desse estigma... a gente aqui tem um trabalho social e faz palestras
[...] A gente também distribui cesta básica, então com isso a gente
acaba quebrando um pouco do estigma, e acaba tendo eles um
pouco. Mas a gente sente aquele pouco de críticas e a gente finge
que não entendeu. Teve um determinado episódio há uns 15 anos
atrás, eles falavam que o atabaque incomodava e convidaram para
fazer um abaixo-assinado mas eu nem sabia. Tem um rapaz que é
da polícia do choque e mora aqui bem próximo, a mãe dele mora aí,
aí ele me encontrou e disse “vizinha olhe, o pessoal de lá com frente
me chamou pra fazer um abaixo-assinado contra a senhora, que
disse que é negócio de Xangô, que esse negócio incomoda.”
Não, era tudo sítio.
O progresso avançou para o lado de cá
e isso ficou ruim pra gente. Também
trouxe a comunidade. Graças a Deus
eu não tenho dificuldade mas se eu
não fizesse tanto assim por viver bem
eu teria “n” problemas com a
comunidade. Tem muita gente
evangélica por aqui e isso traz pra
gente uma certa dificuldade. A gente
sente aquele pouco de críticas e finge
que não entendeu.
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
A entrevistada afirma que “o progresso
avançou [...] e isso ficou ruim pra gente”
porque ela não tem mais espaço para plantar
ervas. Portanto, a urbanização trouxe
dificuldades pois diminuiu o espaço que ela
tinha disponível.
A entrevistada também aponta a chegada de
vizinhos como uma dificuldade decorrente da
urbanização, devido as mistificações que são
feitas em torno do candomblé, o que acaba lhe
trazendo dificuldade. Entretanto, ela consegue
contornar parcialmente essa situação, o que se
nota em duas de suas falas: “eu não tenho
dificuldade porque eu procuro tirar tudo de
letra, mas assim, se eu não fizesse tanto assim
por viver bem eu teria ‘n’ problemas com a
comunidade”; e mais adiante: “mas a gente
sente aquele pouco de críticas e a gente finge
que não entendeu”. Portanto, a entrevistada faz um esforço no
sentido de fingir não entender as críticas que
recebe em razão do que ela chama em um
momento de “mistificações” e em outro de
“estigma”, o que parece ser o que possibilita
uma convivência cordial, aliado ao trabalho
social desenvolvido pelo terreiro, como se vê
nessa fala: “a gente aqui tem um trabalho
social e faz palestras [...] A gente também
distribui cesta básica, então com isso a gente
acaba quebrando um pouco do estigma, e
acaba tendo eles um pouco.” Por outro lado, a grande quantidade de vizinhos
evangélicos parece estar na base dessa relação
tensa, o que se verifica na seguinte fala: “São
pessoas evangélicas, tem muita gente
evangélica por aqui, que na época, os mais
104
antigos do tempo de minha mãe não eram
evangélicos, mas a segunda e terceiras
gerações são de religiões diferentes e isso traz
pra gente uma certa dificuldade.”.
5. Oxóssi
Localização: Aracaju – Bairro Bugio III
Início das atividades: Por volta de
1980
Pergunta 11: Não; tinha as casas mas a rua ainda não tinha
planagem certa, ainda era barro mas isso não incomodou não.
Depois foi que evoluiu.
Pergunta 12: Ficou melhor agora. Porque todo começo é difícil e
depois a gente começa a evoluir, mas eu não tenho do que reclamar.
Não.
Ficou melhor agora. O entorno não era urbanizado mas a
urbanização não trouxe dificuldade.
A fala da entrevistada sinaliza que, para ela, a
urbanização está associada a evolução local, o
que é visto como algo positivo.
6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo
Paraíso
Início das atividades: Por volta de
1996
Pergunta 11: Não; tinha uma estradinha de barro, cerquinhas de
macambira e um sítio que era do finado Mário Valois, não tinha
essas indústrias que nóis (sic) vê hoje, não tinha isso. Meu primeiro
casamento foi aqui nessa rua e eu já tenho uma filha com 52 anos,
a mais velha, e tive meus filhos todos aqui. Daqui eu só saio pra
minha última morada.
Pergunta 12: Trouxe o preconceito, só que eu não baixo a cabeça.
Senti muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e
chamavam de “nêga safada, deixe de fazer macumba, vocês só
vivem de macumba”. Mas hoje isso acabou, essas pessoas que
faziam isso só vive um filho dela casado hoje. Foi muito preconceito
quando começaram a crescer a comunidade por aqui, hoje não. Mas
ainda tem pessoas que não dá um bom dia por causa da minha
religião. Quando eu dou minhas festas aqui eu sempre me preparo
porque muito vizinhos não aceitam o toque dos atabaques, muitos
reclamam. Então toda vez que eu vou fazer uma festa eu faço um
ofício pra o coronel ou comandante, quem for, aí ele já passa o rádio
e manda pra polícia comunitária, a polícia fica por aqui, fala comigo
como é que está, se está tudo bem, tal e tal. Hoje a gente é muito,
assim, discriminado entendeu? Aí eu já prego isso porque aí de
qualquer maneira eu tô coberta. Eu sou quase fundadora dessa rua
e quase ninguém me dá um bom dia por causa disso aqui, por causa
do candomblé.
Não; tinha uma estradinha de barro,
cerquinhas de macambira e um sítio.
Trouxe o preconceito.
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
O preconceito é apontado pela entrevistada
como a dificuldade resultante da urbanização
como se vê na seguinte fala: “Senti muitas
humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra
cá e chamavam de “nêga safada, deixe de fazer
macumba, vocês só vivem de macumba”. Entretanto, a priori ela relaciona esse
preconceito a um momento passado, já
superado, como se vê nessa fala: “Foi muito
preconceito quando começaram a crescer a
comunidade por aqui, hoje não”. Todavia,
complementando essa informação a própria
entrevistada sinaliza que não se trata de algo
superado, mas que o preconceito dos vizinhos
ainda persiste, veja-se: “Mas ainda tem pessoas
que não dá um bom dia por causa da minha
religião”; “Eu sou quase fundadora dessa rua e
quase ninguém me dá um bom dia por causa
disso aqui, por causa do candomblé.”
Outro ponto que merece destaque é a
preocupação da entrevistada em sempre
comunicar a autoridade policial sobre a
realização de suas festas religiosas, a fim de
evitar problemas com vizinhos (“Quando eu
dou minhas festas aqui eu sempre me preparo
porque muito vizinhos não aceitam o toque dos
atabaques, muitos reclamam. Então toda vez
que eu vou fazer uma festa eu faço um ofício
pra o coronel ou comandante [...]Aí eu já
prego isso porque aí de qualquer maneira eu tô
coberta”).
105
7. São Jorge
Localização: Aracaju – Bairro América
Início das atividades: 1901
Pergunta 11: Não; quando viemos para cá aqui só tinha a
penitenciária, não tinha água nem luz, nem igreja, nem mercado, era
tudo mato. A energia foi puxada da penitenciária até aqui. Não tinha
a Igreja São Judas Tadeu, tempos depois foi que começou a
construção. Então o Abaçá São Jorge tem uma relação muito boa
com a comunidade por conta desse tempo que tem aqui, as pessoas
que foram chegando já sabiam e por isso tem uma relação muito
boa da comunidade e o Abaçá São Jorge, graças a Deus!
Pergunta 12: Não; [...] Violência tá geral né?! Mas aqui faz até
ponto de táxi, toda vez que tem festa aqui o pessoal faz ponto de
táxi na porta. Com essa lei do silêncio a gente tenta não incomodar
muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a
comunidade com o terreiro. Pra você ver, essa rua aqui era Equador
antigamente e botaram o nome Rua Mãe Nanã, o nome da minha
mãe, em homenagem a ela.
Não, quando viemos para cá aqui só
tinha a penitenciária. As pessoas que
foram chegando já sabiam e por isso
tem uma relação muito boa da
comunidade e o Abaçá São Jorge.
Com essa lei do silêncio a gente tenta
não incomodar muito, mas fora isso dá
para se conviver com a comunidade e
a comunidade com o terreiro.
O entorno não era urbanizado mas a
urbanização não trouxe dificuldade.
Três pontos na fala da entrevistada merecem
destaque:
1. “as pessoas que foram chegando já sabiam e
por isso tem uma relação muito boa da
comunidade e o Abaçá São Jorge”: a
precedência do terreiro na comunidade aparece
como justificativa da boa convivência;
2. “Violência tá geral né?! Mas aqui faz até
ponto de táxi”: apesar de a entrevistada
relacionar a violência com a urbanização, sua
fala indica que isso não lhe traz dificuldades;
3. “Com essa lei do silêncio a gente tenta não
incomodar muito, mas fora isso dá para se
conviver com a comunidade e a comunidade
com o terreiro”: o elemento sonoro aparece aqui
como uma dificuldade velada, pois quando a
entrevistada pontua que “tenta não incomodar
muito” extrai-se das entrelinhas uma afirmação
de que existe um incômodo sonoro, mas que se
tenta fazer mínimo. E quando na mesma fala a
entrevistada pontua que “fora isso dá para se
conviver com a comunidade”, infere-se que ela
está indicando esse incômodo sonoro como um
ponto de tensão com a comunidade, ainda que
mínimo. Assim, em que pese a convivência
entre terreiro e vizinhos seja classificada pela
entrevistada como muito boa, nota-se um ponto
de tensão (ainda que aparentemente mínimo)
relacionado à necessidade de adequação do
culto aos limites sonoros permitidos em áreas
urbanas, portanto, um desdobramento da
urbanização.
8. Sahara
Localização: Aracaju – Bairro Santa
Maria
Início das atividades: 1993
Pergunta 11: Não; aqui era um conjunto bem rústico que era
considerado de origem de mutirão, só tinha loteamentos e os
terrenos para as pessoas construírem [...]. Naquela época, a parte de
cima da mata, que é do Morro do Avião, era bem rústico e bem
fechado, acima do morro nós tínhamos uma extensão muito grande
de Mata Atlântica [...]. Hoje a especulação imobiliária além de ter
destruído grande parte da mata, acabou com algumas situações
rústicas da gente [...] Na época que eu vim pra cá aqui era um bairro
isolado de tudo, de pessoas muito humildes sem condições, pra você
Não; na época que eu vim pra cá aqui
era um bairro isolado de tudo.
Sim, de uma certa forma sim. Houve
toda uma mudança de paradigmas, de
costumes, de pessoas também que
vieram e que tinham preconceitos com
a religião, que se chateia com nossos
toques. Com a urbanização e o
crescimento do bairro houve um
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
O entrevistado aponta o aumento do
preconceito como dificuldade trazida pela
urbanização, o que se vê na seguinte fala:
“houve toda uma mudança de paradigmas, de
costumes, de pessoas também que vieram e que
tinham preconceitos com a religião”.
106
ter uma ideia o ônibus saia de manhã, chegava meio dia, saia uma
hora e voltava cinco horas da tarde.
Pergunta 12: Sim, de uma certa forma sim. Porque assim, houve
toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas também
que vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia
com nossos toques, apesar de que eu não tenho problemas até hoje
aqui em casa com vizinhos mas, infelizmente, com a urbanização e
o crescimento do bairro houve um aumento excessivo de igrejas
evangélicas e isso está nos causando alguns transtornos, porque as
vezes algum médium passa paramentado e eles tiram alguns tipos
de conversas preconceituosas que nos traz alguns danos. Com
relação aos vizinhos aqui na nossa casa não temos problemas
porque são vizinhos quase da mesma época que nós chegamos,
compreendem o nosso trabalho, são pessoas que participam das
atividades da casa, mas aos arredores da nossa rua existem outros
tipos de pessoas que chegaram, que aderiram ao culto evangélico e
que se tornou pra gente um problema. A casa não interfere, a gente
procura ter um nível de amizade com todo mundo, mas a gente sente
que existem alguns problemas. Exemplo: nosso morro, hoje em dia,
está servindo de palco pra eles fazerem culto lá em cima. Desde que
nós viemos para cá sempre nós utilizamos o nosso morro como
subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós temos que procurar
nos policiarmos porque as vezes a gente vai adentrar pra colher uma
erva aí a gente serve de chacota, “tá arriando macumba, tá fazendo
macumba, tá amarrado em nome do Senhor!”, essas coisas. Então
são coisas que de uma certa forma prejudica nossa liturgia porque a
gente termina perdendo a concentração da colheita das ervas para
as nossas infusões em favor da nossa defesa, não no sentido de que
a gente vá responde-los, mas termina tirando uma certa
concentração da gente. Então, é uma forma de invasão? É, porque
invadiram um sagrado que a gente tinha natural [...]. Mas pra eles,
eles acham que é uma afronta, mas antes deles adentrarem a
subirem, descobrirem o momento de paz que existe dentro do Morro
do Avião, a nossa casa já utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque
pra caboclo nós já fizemos dentro dessa mata, hoje nós não fazemos
mais. Então houve uma perda de espaço sim!
aumento excessivo de igrejas
evangélicas e isso está nos causando
alguns transtornos. Existem outros
tipos de pessoas que chegaram, que
aderiram ao culto evangélico e que se
tornou pra gente um problema.
Com a urbanização também houve um aumento
de igrejas evangélicas na comunidade, o que é
apontado pelo entrevistado como causa de
transtornos exemplificados nas seguintes falas:
“as vezes algum médium passa paramentado e
eles tiram alguns tipos de conversas
preconceituosas que nos traz alguns danos”;
“aos arredores da nossa rua existem outros
tipos de pessoas que chegaram, que aderiram
ao culto evangélico e que se tornou pra gente
um problema”; “Desde que nós viemos para cá
sempre nós utilizamos o nosso morro como
subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós
temos que procurar nos policiarmos porque as
vezes a gente vai adentrar pra colher uma erva
aí a gente serve de chacota, “tá arriando
macumba, tá fazendo macumba, tá amarrado
em nome do Senhor!”, essas coisas”.
A perda de espaço no Morro do Avião (ao qual
o entrevistado se refere como “nosso morro”),
também é apontada como um
desdobramento do crescimento da
comunidade evangélica no bairro, como se vê
nessa fala: “invadiram um sagrado que a gente
tinha natural [...]. Mas pra eles, eles acham que
é uma afronta, mas antes deles adentrarem a
subirem, descobrirem o momento de paz que
existe dentro do Morro do Avião, a nossa casa
já utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque
pra caboclo nós já fizemos dentro dessa mata,
hoje nós não fazemos mais. Então houve uma
perda de espaço sim!”.
O incômodo de vizinhos com os toques dos
atabaques também é um problema decorrente do
crescimento da comunidade, denunciado nessa
fala “pessoas também que vieram e que tinham
preconceitos com a religião, que se chateia
com nossos toques”.
9. Santo Antonio Localização: Povoado São Brás –
Nossa Senhora do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Pergunta 11: Não; esses vizinhos já tinha mas eu sou o mais velho
aqui do que esses vizinhos. Tinha umas casinhas aqui com frente,
com fundo pra maré, e que foi crescendo, foi rendendo, foi fazendo
casa. Isso aqui tudo era viveiro, salina, bem por aqui mesmo. Mas
Não; esses vizinhos já tinha mas eu
sou o mais velho aqui do que esses
vizinhos. Eu vivo aqui sem problema,
problema meu aqui é a minha doença,
só! O resto tá tudo bem!
O entorno não era urbanizado mas a
urbanização não trouxe dificuldade.
Apesar do saudosismo marcante na fala do
entrevistado, que se refere de forma recorrente a
“antigamente” como se fosse um tempo melhor
107
o povo foi aterrando, foi fazendo e hoje tá esse lugar grande, mas
não era não.
Pergunta 12: Não; a dificuldade hoje é que o tempo não tá que nem
era antigamente. O povo de antigamente era mais pacato e hoje todo
mundo é sabido, todo mundo quer fazer as coisas, as vezes sem
condições mas quer meter a cara, e antigamente não era assim.
Antigamente pobre era pobre, rico era rico e hoje não é mais assim.
Se sair na rua você não sabe quem é rico e quem é pobre. E
antigamente a pessoa tinha prazer em dizer “eu sou pobre” e hoje
não. Hoje quando a gente se arruma pra ir pra festa ninguém sabe
quem é o rico nem quem é o pobre. Eu vivo aqui sem problema,
problema meu aqui é a minha doença, só! O resto tá tudo bem!
do que é hoje, a urbanização não é apontada
como um problema.
10. Xangô
Localização: São Cristóvão – Bairro
Eduardo Gomes
Início das atividades: 1951
Pergunta 11: Não; Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar
ainda sem habitação, não tinha muitos vizinhos, tinha um sítio na
frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios e o G. Barbosa,
que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos.
Pergunta 12: Sim, com essa urbanização cresceu bastante, então
hoje a gente não está cercado de tudo aquilo que a gente precisava
não. Junto com a quantidade de gente vem a quantidade de opiniões
e aumenta a quantidade de preconceito ou de não conhecimento do
que é o candomblé. Então alguns vizinhos ficam dizendo que nós
somos coisa do demônio, quando na verdade o demônio não faz
parte de nada nosso. Outros vizinhos são de outras religiões e
acabam se incomodando com o barulho dos nossos atabaques, e aí
acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí fim de semana o
som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não
atrapalha. Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento
da intolerância, é sempre assim. O ser humano é sempre um sistema
complexo de você compreender. A pessoa chegou e já existia aquele
candomblé ali mas cada um se sente sempre muito dono, muito
dentro da razão. E a falta de conhecimento do que é o candomblé
faz as pessoas também quererem acabar.
Não, quando o terreiro foi fundado
aqui era um lugar ainda sem
habitação.
Com essa urbanização hoje a gente
não está cercado de tudo aquilo que a
gente precisava. Junto com a
quantidade de gente aumenta a
quantidade de preconceito. Outros
vizinhos são de outras religiões e
acabam se incomodando com o
barulho dos nossos atabaques.
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
Três aspectos se destacam na fala do
entrevistado como dificuldades decorrentes da
urbanização:
1. “com essa urbanização cresceu bastante,
então hoje a gente não está cercado de tudo
aquilo que a gente precisava”: devido ao
crescimento da comunidade no entorno do
terreiro as áreas verdes inicialmente
predominantes deixaram de existir, o que
impactou negativamente na oferta de
ervas/plantas que o terreiro tinha em suas
proximidades.
2. “com a quantidade de gente vem o aumento
da intolerância”: A intolerância religiosa é
apontada como dificuldade resultante da
urbanização, ou seja, desdobramento negativo
do crescimento da vizinhança no entorno do
terreiro como se extrai da seguinte fala: “alguns
vizinhos ficam dizendo que nós somos coisa do
demônio”.
3. “Outros vizinhos são de outras religiões e
acabam se incomodando com o barulho dos
nossos atabaques”: a necessidade de adequação
do culto aos limites sonoros permitidos em áreas
urbanas, para não perturbar o sossego dos
vizinhos, é apontada como uma dificuldade
decorrente da urbanização. Em contrapartida, o
entrevistado denuncia que a recíproca não é
verdadeira, pois “fim de semana o som deles
108
pode extrapolar todos os decibéis do mundo
que não atrapalha”, o que denota uma
desigualdade no tratamento dispensado.
Ademais, nesse caso a precedência do terreiro
no local não aparece como elemento
apaziguador, pois segundo o entrevistado “A
pessoa chegou e já existia aquele candomblé
ali mas cada um se sente sempre muito dono,
muito dentro da razão”.
11. Odé Localização: Povoado Jardim Piabeta,
Nossa Senhora do Socorro
Início das atividades: 1993
Pergunta 11: Não, houve muita modificação. Quando eu cheguei
aqui para construir o terreiro, porque esse terreiro aqui foi
construído ao longo do tempo, eram pouquíssimas casas, ninguém
queria vim morar aqui, quando chovia alagava, não entrava carro,
só existia uma avenida principal que era essa que você veio, o
acesso aqui interno era para arregaçar a calça porque se atolava
quando chovia, esse tipo de coisa. [...]
Pergunta 12: Não, eu tenho a política da boa vizinhança e sou
amigo de todo mundo aqui, os evangélicos falam comigo sem
problemas. Eu tenho uma rotina de toques de atabaques para não
incomodar a vizinhança, isso desde 1993 que eu nunca toquei de
madrugada. Os meus candomblés eles começam quatro da tarde e
vão até sete e meia/oito horas da noite, justamente para não
incomodar nem a quem quer assistir o jornal nacional. Foi uma
determinação minha porque eu sei que é um povoado e que as
pessoas tem o costume de se recolherem cedo para dormir, a maioria
da comunidade são de pedreiros que trabalham o dia inteiro que se
cansam, esse tipo de coisa. Então eu já me vi dentro da ética de não
perturbar porque eu acho que o maior conflito das pessoas de um
modo geral do candomblé é conflitar, bater de frente com a questão
de horário. E a questão do culto aos Orixás não existe determinação
de horário, existe determinação de boa vontade, então não convém
você incomodar o vizinho com o toque, a mesma coisa que você
colocar um arrocha, um paredão e incomodar o seu vizinho. Então
tem que ter uma moderação e eles me elogiam aqui por isso e tem
vários candomblés aqui na Piabeta que eles não respeitam, eles
começam uma festa nove e meia/dez horas da noite e amanhecem o
dia. Então aquele vizinho ali que não é obrigado a ser da mesma
religião ele quer dormir, ele quer assistir a televisão dele ou ele quer
estudar e, de repente, aquele toque atrapalha.
Não, houve muita modificação.
Eu tenho a política da boa vizinhança
e sou amigo de todo mundo aqui. Eu
tenho uma rotina de toques de
atabaques para não incomodar a
vizinhança.
O entorno não era urbanizado mas a
urbanização não trouxe dificuldade.
O entrevistado informa que mantém um bom
relacionamento com toda vizinhança, inclusive
com os evangélicos. Infere-se da fala do
entrevistado que sua política de boa
vizinhança tem por base uma rotina de cultos
cujos toques de atabaques não ultrapassam
as oito horas da noite, justamente para evitar o
que ele acredita ser o principal ponto de conflito
entre os terreiros e a vizinhança, como se vê
nessa fala: “eu acho que o maior conflito das
pessoas de um modo geral do candomblé é
conflitar, bater de frente com a questão de
horário”, e mais adiante: “aquele vizinho ali
que não é obrigado a ser da mesma religião ele
quer dormir, ele quer assistir a televisão dele
ou ele quer estudar e, de repente, aquele toque
atrapalha”.
Vê-se, portanto, que apesar de responder que a
urbanização não trouxe dificuldades, o
crescimento da comunidade no entorno do
terreiro demandou adaptações a fim de
possibilitar o “bem viver” com os vizinhos.
12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa
Senhora do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Pergunta 11: Não, era mato. Não tinha energia elétrica, era no
candeeiro, logo depois ele [se referindo ao pai] colocou lampião de
gás. Tinha uns três a quatro senhores com ele que compraram
terreno por perto, e quando um saía lá de baixo do Guajará [...] aí
O entorno não era urbanizado e a
urbanização trouxe dificuldade.
109
um vinha de candeeiro aí ele lá de cima, como o terreiro tem uma
parte alta, via aquela luzinha vindo pela estrada. Aí quando Sr.
Sergipe, como era conhecido ele, dizia “Seu Oliveira...” - o nome
do meu pai – “Tô chegando!”, aí ele de cá [se referindo ao pai]
botava o candeeiro na porta aí respondia “Pode vim meu amigo,
pode chegar!”, ele descia para pegar Sr. Sergipe lá na porteira, lá
embaixo, e vinham ficavam até certas horas conversando, depois se
despedia e ia embora. E não era tão perigoso quanto é hoje, ele vinha
no meio do mato com aquela luzinha até chegar lá.
Pergunta 12: Trouxe; uma delas foi a colocação da lixeira lá atrás
na Palestina, que eu acho que foi o que deu vazão a vinda das
pessoas de lá para cá, pelo lado do mato, porque era tudo mata.
Então eu acho que as pessoas que vieram para essa lixeira foram os
primeiros a se assenhorar, a entrar, a roubar fio para tirar cobre [...].
Chegou a violência, o roubo, infelizmente a perseguição por esse
lado chegou. Lá era sítio, a gente era isolado de tudo não tinha
vizinho não tinha nada, os vizinhos que tinham eram poucos e até
conviviam dentro do terreiro. Os vizinhos antigos criaram seus
filhos lá dentro do terreiro, nós ajudamos muitas mães, foi por isso
que a creche nasceu lá no terreiro. Agora hoje eu me preocupo,
porque tá chegando mais vizinhos, mais casas, já fizeram “minha
casa minha vida”, e isso está me preocupando. Por que você sabe
que quando o terreiro está só e chegou naquela localidade não está
atrapalhando ninguém né?! Foi chegando um ali, outro aqui, outro
aculá. Mas quando a população já vai chegando pra o entorno do
terreiro geralmente tem aqueles que se incomodam, não sabem a
história do terreiro e se incomodam né?! Aí tem os toques de
atabaques, tem as obrigações então geralmente as pessoas se
incomodam. Mas o convívio com os vizinhos antigos sempre foi
harmonioso. Principalmente nas obrigações do caruru, em
setembro, vinha gente que eu nunca vi na vida, gente a cavalo, de
bicicleta, a pé, enchia mesmo em torno do terreiro e dentro do
espaço.
Dois aspectos se destacam na fala do
entrevistado como dificuldades decorrentes da
urbanização:
1. Violência, que a entrevistada aponta como
resultado da colocação de uma lixeira nas
proximidades;
2. Aumento de vizinhos que se incomodam
com os toques dos atabaques, do que decorre a
necessidade de adequação do culto para não
perturbar o sossego desses vizinhos;
13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro
Jabotiana
Início das atividades: 2010
Pergunta 11: Sim;
Pergunta 12: pergunta prejudicada devido a resposta anterior.
Sim. A região já era urbanizada quando da
inauguração do terreiro.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
110
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 4 chegamos a algumas conclusões:
1. Encontramos na Grande Aracaju uma reprodução do padrão de ocupação
sedimentado desde o século XIX, qual seja, os terreiros se estabelecem inicialmente
em regiões mais periféricas, fora do perímetro urbano;
2. As principais dificuldades que os terreiros enfrentam em decorrência da urbanização
são os problemas com vizinhos, a perda de espaço no entorno e a violência;
3. Como um efeito espelho, se por um lado os problemas com vizinhos aparecem como
principal dificuldade decorrente da urbanização, o bom relacionamento com estes é
apontado como principal motivo para a ausência de dificuldades.
Como se vê, dentre os 13 (treze) terreiros pesquisados 11 (onze) se estabeleceram em
regiões que estavam fora do perímetro urbano da Grande Aracaju, em áreas que
inicialmente apresentavam baixo índice populacional, seguindo o padrão de ocupação que se
estabeleceu desde o século XIX pelos motivos que já elucidamos neste capítulo (políticas
higienistas + modestas condições financeiras + fuga da forte perseguição ao culto). Vale
destacar que todos esses terreiros possuem, no mínimo, 20 (vinte) anos de atividades.
Somente 2 (dois) terreiros, justamente os mais novos dentre os pesquisados (ambos
inaugurados em 2010), se instalaram em regiões já urbanizadas desde a inauguração. Portanto,
a ocupação populacional e a configuração urbana da cidade quando esses dois terreiros foram
inaugurados era muito diferente do cenário existente quando, por exemplo, o terceiro terreiro
mais novo foi inaugurado em 1996, e quando da inauguração do terreiro mais antigo, em 1901.
Entretanto, em função do grande crescimento populacional e avanço das cidades em
direção às regiões mais periféricas, fenômeno citado por Barros (2011) e Rêgo (2006), esses 11
(onze) terreiros hoje já foram engolidos pelo perímetro urbano da Grande Aracaju.
Mesmo os entrevistados que ainda se encontram em zonas tidas como rurais citaram essa
modificação ocorrida na região de entorno. E como consequência dessa reconfiguração os
terreiros passaram a enfrentar algumas dificuldades em suas ritualísticas internas, sendo os
problemas com vizinhos, a perda de espaço no entorno e a violência as principais.
Dentre os 13 (treze) entrevistados 6 (seis) relataram ter algum tipo (ou mais de um)
de problema com vizinhos, o que aparece como desdobramento do crescimento
populacional nas proximidades do terreiro. Dentre esses “problemas com vizinhos” foram
listadas as seguintes situações: 1. Reclamações de perturbação do sossego (5 entrevistados);
2. Aumento do preconceito (4 entrevistados); 3. Tensão com a população adepta de
111
segmentos evangélicos (2 entrevistados). Dos 6 (seis) entrevistados que apontaram
dificuldades com vizinhos 4 (quatro) relataram mais de um tipo de problema dentre os listados
acima, o que sinaliza um entrelaçamento.
O preconceito, por exemplo, aparece como um elemento que interfere nas reclamações
por perturbação do sossego, pois quando a aludida perturbação parte de outras fontes (que não
o terreiro) parece não gerar incômodo, o que denota uma desigualdade no tratamento. É o que
denunciam as seguintes falas:
[...] Outros vizinhos são de outras religiões e acabam se incomodando com o barulho
dos nossos atabaques, e aí acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí fim de
semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha.
Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância, é sempre
assim [...]. (XANGÔ, 2016, informação verbal131).
[...] Mas a gente sente aquele pouco de críticas e a gente finge que não entendeu. Teve
um determinado episódio há uns 15 anos atrás, eles [os vizinhos] falavam que o
atabaque incomodava e convidaram para fazer um abaixo-assinado mas eu nem sabia.
Tem um rapaz que é da polícia do choque e mora aqui bem próximo, a mãe dele mora
aí, aí ele me encontrou e disse “vizinha olhe, o pessoal de lá com frente me chamou
para fazer um abaixo-assinado contra a senhora, que disse que é negócio de Xangô,
que esse negócio incomoda.” (OYÁ, 2016, informação verbal132).
[...] Quando eu dou minhas festas aqui eu sempre me preparo porque muito vizinhos
não aceitam o toque dos atabaques, muitos reclamam. Então, toda vez que eu vou
fazer uma festa eu faço um ofício para o coronel ou comandante, quem for, aí ele já
passa o rádio e manda para polícia comunitária, a polícia fica por aqui, fala comigo
como é que está, se está tudo bem, tal e tal. Hoje a gente é muito, assim, discriminado
entendeu? Aí eu já prego isso porque aí de qualquer maneira eu tô coberta. Eu sou
quase fundadora dessa rua e quase ninguém me dá um bom dia por causa disso aqui,
por causa do candomblé. (IBEJIS, 2016, informação verbal133).
[...] Porque assim, houve toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas
também que vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia com
nossos toques [...] (SAHARA, 2016, informação verbal134).
Neste sentido, a necessidade de adequação do culto aos limites sonoros permitidos
em áreas urbanas, para não perturbar o sossego dos vizinhos, é apontada como uma dificuldade
decorrente da urbanização. Vejamos mais algumas falas: “[...] Com essa lei do silêncio a
gente tenta não incomodar muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a
131 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 132 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 133 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 134 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
112
comunidade com o terreiro” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal135); “[...]quando a
população já vai chegando pra o entorno do terreiro geralmente tem aqueles que se incomodam
[...]Aí tem os toques de atabaques, tem as obrigações então geralmente as pessoas se
incomodam” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal136).
Por sua vez, o aumento do preconceito que advém do crescimento da vizinhança no
entorno do terreiro também está imbricado nessa relação, como se extrai das seguintes falas
exemplificativas: “[...]com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância [...]alguns
vizinhos ficam dizendo que nós somos coisa do demônio” (XANGÔ, 2016, informação
verbal137); “Senti muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e chamavam de
“nêga safada, deixe de fazer macumba, vocês só vivem de macumba” (IBEJIS, 2016,
informação verbal138).
Como se viu na análise da pergunta n. 7, a partir da Tabela 1, aqui também se depreende
uma forte consciência dos entrevistados quanto aos “incômodos” causados pela presença de
terreiros em áreas urbanas, o que vem desde o pós-abolição, período em que, para sobreviver,
os terreiros precisaram se tornar “invisíveis” em razão da perseguição sofrida e das políticas
higienistas, que desembocaram na segregação do território urbano e no consequente
deslocamento dos terreiros para áreas cada vez mais afastadas dos centros urbanos.
Todavia, conforme já abordamos, essas áreas foram, gradativamente, sendo alcançadas
pelo fenômeno de expansão das cidades, provocando essa relação em que terreiros e vizinhos
estão sob constante tensão. Hoje, mesmo as regiões mais afastadas dos perímetros urbanos, em
sua maioria, já foram alcançadas pelo crescimento populacional o que tem trazido impactos
negativos para os terreiros em razão das dificuldades de convivência de uma forma geral.
Mas se de um lado esses vizinhos reclamam principalmente do incômodo sonoro, do
outro os terreiros também se sentem sufocados e tolhidos especialmente quanto à sua liberdade
de culto. Neste sentido, é possível afirmar que o processo de urbanização restringe a
liberdade de culto das religiões de matrizes africanas (OLIVEIRA; OLIVEIRA;
BARTHOLO JR., 2010).
135 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 136 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 137 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 138 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.).
113
A perda de espaço no entorno dos terreiros é outra dificuldade apontada por 3 (três)
entrevistados como desdobramento da urbanização. Devido ao crescimento da comunidade nas
proximidades dos terreiros as áreas verdes inicialmente predominantes deixaram de existir, o
que impactou negativamente na oferta de ervas/plantas no entorno. Isso aparece nas seguintes
falas: “O progresso avançou para o lado de cá então foram fazendo, desmatando, construindo e
isso ficou ruim pra gente, então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,
entendeu?” (OYÁ, 2016, informação verbal139); “com essa urbanização cresceu bastante, então
hoje a gente não está cercado de tudo aquilo que a gente precisava” (XANGÔ, 2016, informação
verbal140).
Portanto, considerando que muitas vezes essas áreas verdes remanescentes no entorno
dos terreiros funcionam como fonte externa de espécies vegetais importantes para as liturgias,
cumprindo o importante papel de espaço “mato” externo, conforme analisamos na Tabela 3
(perguntas 9 e 10), temos que a urbanização é percebida como um elemento que impacta
negativamente na preservação desses ambientes.
O crescimento da população adepta de segmentos evangélicos na comunidade é mais
um ponto que se entrelaça com perda de espaço no entorno, do que decorre uma relação de
tensão com o terreiro. A perda de espaço no Morro do Avião (situado no bairro Santa Maria) é
apontada por um dos entrevistados como um desdobramento do crescimento da comunidade
evangélica no bairro, como se vê nessa fala:
[...] aos arredores da nossa rua existem outros tipos de pessoas que chegaram, que
aderiram ao culto evangélico e que se tornou pra gente um problema. A casa não
interfere, a gente procura ter um nível de amizade com todo mundo, mas a gente sente
que existem alguns problemas. Exemplo: nosso morro hoje em dia está servindo de
palco pra eles fazerem culto lá em cima. Desde que nós viemos para cá sempre nós
utilizamos o nosso morro como subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós temos
que procurar nos policiarmos porque as vezes a gente vai adentrar pra colher uma erva
aí a gente serve de chacota, “tá arriando macumba, tá fazendo macumba, tá amarrado
em nome do Senhor!”, essas coisas. Então são coisas que de uma certa forma prejudica
nossa liturgia porque a gente termina perdendo a concentração da colheita das ervas
para as nossas infusões em favor da nossa defesa, não no sentido de que a gente vá
responde-los, mas termina tirando uma certa concentração da gente. Então, é uma
forma de invasão? É, porque invadiram um sagrado que a gente tinha natural [...]. Mas
pra eles, eles acham que é uma afronta, mas antes deles adentrarem a subirem,
descobrirem o momento de paz que existe dentro do Morro do Avião, a nossa casa já
utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque pra caboclo nós já fizemos dentro dessa
139 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 140 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).
114
mata, hoje nós não fazemos mais. Então houve uma perda de espaço sim! (SAHARA,
2016, informação verbal141).
A relação de tensão decorrente do aumento da população adepta de religiões evangélicas
na comunidade também aparece em outras falas: “[...]tem muito crente e dá muito combate [...]
Eles têm preconceito, não chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga macumbeira!” (IBEJIS,
2016, informação verbal142); “[...]tem muita gente evangélica por aqui, que na época, os mais
antigos do tempo de minha mãe não eram evangélicos, mas a segunda e terceiras gerações são
de religiões diferentes e isso traz pra gente uma certa dificuldade” (OYÁ, 2016, informação
verbal143).
Portanto, enquanto a Tabela 1 (que analisou as respostas da pergunta n. 7) demonstra
que o crescimento da presença evangélica nas proximidades dos terreiros aparece como fator
de insatisfação com o local onde o terreiro se encontra, a Tabela 4 corrobora esse resultado
demonstrando que esse crescimento evangélico também aparece como dificuldade
decorrente da urbanização, do que decorre uma relação tensa que é vista como uma ameaça
ou como elemento não favorável ao terreiro.
O aumento da violência também é uma dificuldade decorrente da urbanização apontada
por 2 (duas) entrevistadas: “[...]E assim, antes quando era mais deserto, que as pessoas tinham
mais medo a gente ficava na rua até duas, três horas da manhã conversando, os vizinhos olhando
a lua e hoje a gente não tem muita segurança pra ficar, porque veio muita gente pra cá [...]”
(BAGAN, 2016, informação verbal144); [...]Chegou a violência, o roubo, infelizmente a
perseguição por esse lado chegou.” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal145).
Das respostas obtidas é perceptível que o crescimento urbano nas proximidades dos
terreiros demandou destes uma série de adaptações a fim de possibilitar a convivência com
vizinhos. É o que se viu em falas trazidas na Tabela 1, relativas a pergunta n. 7, e que também
se repetiram nas seguintes respostas da pergunta 12: “[...]Com essa lei do silêncio a gente tenta
não incomodar muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a comunidade
141 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 142 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 143 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 144 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 145 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).
115
com o terreiro [...]” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal146); “[...]Eu tenho uma rotina de
toques de atabaques para não incomodar a vizinhança[...]porque eu sei que é um povoado e que
as pessoas tem o costume de se recolherem cedo para dormir[...]” (ODÉ, 2016, informação
verbal147).
Assim, infere-se a partir das falas que houve uma necessidade de adequação do culto
aos limites sonoros permitidos em áreas urbanas, a fim de possibilitar o “bem viver” com os
vizinhos, o que é um desdobramento da urbanização. Esse aspecto também ficou muito evidente
quando analisamos a pergunta n. 7, cujas respostas estão na Tabela 1.
Como vimos, muitos entrevistados relataram problemas com vizinhos ao ponto de o
convívio com a vizinhança ser apontado como a principal dificuldade decorrente da
urbanização. Entretanto, o bom relacionamento também é apontado como principal motivo
para a ausência de dificuldades, como se vê nessas falas: “Não trouxe dificuldade, porque o
ambiente e a boa convivência quem faz somos nós. Quem chegou já me encontrou. Por
exemplo, essa família aqui toda evangélica, o chefe de família lá é meu amigo[...] (OXUM,
2016, informação verbal148); “[...]o Abaçá tem uma relação muito boa com a comunidade por
conta desse tempo que tem aqui, as pessoas que foram chegando já sabiam e por isso tem uma
relação muito boa da comunidade e o Abaçá, graças a Deus!” (SÃO JORGE, 2016, informação
verbal149); “[...]eu tenho a política da boa vizinhança e sou amigo de todo mundo aqui, os
evangélicos falam comigo sem problemas. Eu tenho uma rotina de toques de atabaques para
não incomodar a vizinhança[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal150).
Neste sentido, como também foi apontado nas respostas da pergunta n. 7 (ver análise da
Tabela 1), se infere que existe uma espécie de acordo de boa convivência que interfere na
“aceitação” do terreiro no local. E esse acordo tem em sua base o cumprimento de horários
para encerramento das atividades religiosas semanais. Em outras palavras, foram feitas
adaptações nas rotinas dos terreiros a fim de tornar possível a relação com a vizinhança, que
se tornou mais intensa em decorrência da expansão do processo de crescimento urbano.
146 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 147 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 148 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 149 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 150 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
116
Neste capítulo foram analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados
às perguntas do bloco IV, com o intuito de responder o primeiro objetivo específico deste
trabalho, que consiste em identificar se tem ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros
da Grande Aracaju, em decorrência da urbanização, a ponto de comprometer a presença
e conservação dos “espaços mato”.
Os dados colhidos demonstraram que nos terreiros pesquisados inexiste espaço
“mato” interno nos moldes descritos pela literatura. O que encontramos foram: espaços
cultivados (4 terreiros); misto entre espaço mato e espaço cultivado (1 terreiro); espaços
cultivados adaptados (3 terreiros); espaços cultivados externos (2 terreiros); espaço mato
externo (5 terreiros).
Como resultados do primeiro objetivo específico chegamos às seguintes conclusões:
1. Dentre os terreiros investigados predominam as seguintes características: se
instalaram em áreas originalmente não urbanizadas; mas já “nasceram” com
espaço interno reduzido e sem espaço “mato” (nos moldes descritos pela
literatura);
2. A inexistência de espaço “mato” nos moldes descritos pela literatura é apontada
como consequência do espaço interno reduzido que predomina nos terreiros
investigados;
3. A urbanização não provocou um estrangulamento nos espaços internos dos
terreiros investigados;
4. O impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes
remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço
“mato” externo;
5. A perda das áreas verdes nos arredores dos terreiros em decorrência da
urbanização, aliado ao espaço interno reduzido, demandam uma série de
adaptações dos terreiros e constituem as principais causas de insatisfação com o
local onde se encontram;
6. Os problemas com vizinhos constituem a principal dificuldade decorrente da
urbanização.
117
CAPÍTULO III
3 TERRITÓRIOS EXTERNOS: TERRITÓRIOS DE AXÉ!
Uma estrada aberta, o vento batendo e mato do lado é a
morada de Ogum, pode parar ali que Ogum vai lhe ouvir.
Quando você passa pra dentro do mato é morada de
Ossain e de Oxóssi, eles vão te ouvir. O vento batendo
em você é Iansã fazendo fluir qualquer coisa de bom e
tirando tudo de negativo. Então tudo que tiver natureza
tem Orixá. Orixá é natureza! (XANGÔ, 2016,
informação verbal151).
Como se viu, a relação de integração entre homem-natureza-sagrado não se dá apenas
dentro do espaço do terreiro, mas extrapola os seus limites internos alcançando espaços outros
que, por apresentarem certas condições especiais, também são sacralizados. É o que Bastide
(2001, p. 82) aponta quando cita os cultos de Iemanjá e Oxum em Salvador, nos quais os fiéis
entregam oferendas nas praias e rios, entretanto, o autor alerta que “[...] não é qualquer ponto
da praia que pode ser utilizado para essas manifestações; há lugares privilegiados, como o
Dique, Montserrat, a praia do Rio Vermelho, etc.”.
Vê-se, pois, que no culto às suas divindades a comunidade afrorreligiosa recorre a
espaços naturais impregnados de certas condições especiais que fazem deles sagrados. Esses
espaços152, aos olhos da comunidade religiosa, vão muito além de locais para o simples lazer
ou para fugir da rotina estressante dos afazeres diários, constituem verdadeiros sítios naturais
sagrados:
[...] um sítio natural sagrado pode ser um sítio com significado espiritual ou simbólico,
e pode ser utilizado com fins religiosos, ou com objetivos contemplativos,
comemorativos ou de meditação, que os separam dos outros espaços que não tem valor
metafísico. (SCHAFF, 2001, apud CORRÊA et. al., 2013, p. 10).
Rios, montanhas, rochas, praias, cachoeiras, matas, ou qualquer outro espaço natural
que, na visão de mundo de uma determinada comunidade religiosa, étnica ou tradicional,
possuem significados especiais atribuídos por este grupo, podem ser considerados sítios
151 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 152 Segundo conceito de Milton Santos (1997, p. 51) o espaço “é formado por um conjunto indissociável, solidário
e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um
quadro único no qual a história se dá.” Por sua vez, o espaço, de acordo com Sodré (2002) se traduz como o
resultado da morada, que não se define como um mero efeito de fazer comunitário, mas como algo que indica a
própria identidade do grupo, e o que dá identidade ao grupo são as marcas que ele imprime na terra, nas árvores,
nos rios. Tudo isso concorre para fixar o ordenamento simbólico da comunidade.
118
naturais sagrados. Portanto, um ambiente natural é considerado sagrado quando constitui um
lugar venerado e reservado para as expressões culturais (inclusive religiosas) de comunidades
locais tradicionais (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).
Para os fiéis das religiões afro-brasileiras suas divindades estão presentes nas praias, nas
matas, rios, cachoeiras, etc., o que confere a esses espaços a qualidade de sagrados. Na lição de
Rosendahl (1996, p. 64) “[...] para o homem religioso a natureza não é exclusivamente natural,
está sempre carregada de um valor sagrado”.
Em razão da utilização reiterada desses ambientes sagrados pelos religiosos ocorre uma
“apropriação” simbólica, de tal modo que esses espaços se tornam verdadeiros territórios para
essa comunidade, pois se apresentam como fruto da apropriação (afetiva ou efetiva) do espaço
a partir de uma identidade social (RÊGO, 2006; ROSENDAHL, 1996).
Para Diegues e Arruda (2000, p. 24) o território constitui espaço de reprodução das
relações econômicas e sociais, além de “locus das representações e do imaginário mitológico
das sociedades”. Para Haesbaert (2004), território tem a ver com poder, não apenas na
tradicional acepção de dominação, mas também o poder no sentido de apropriação cultural-
simbólica.
A territorialidade, por sua vez, constitui um sentimento de pertencimento da
comunidade com o território que perpassa pela construção da identidade social e é edificada
internamente pelo grupo em uma relação espaço/tempo (HAESBAERT, 2004). Ela está
relacionada à forma como as pessoas utilizam e significam o espaço. Segundo Sodré (2002, p.
14) a territorialidade se define “[...] como força de apropriação exclusiva do espaço (resultante
de um ordenamento simbólico) capaz de engendrar regimes de relacionamentos, relações de
proximidade e distância”.
Portanto, as comunidades religiosas afro-brasileiras vão, ao longo do tempo,
ressignificando determinados espaços naturais em função do uso sagrado que lhes é dado. Neste
sentido, praias, lagoas, matas, rios, pedreiras, cachoeiras adquirem um significado peculiar para
as comunidades de terreiro que vão se apropriando desses ambientes naturais de modo a
sacraliza-los e integrá-los em suas territorialidades.
Assim, como visto, o território sagrado afrorreligioso é constituído pelo espaço interno
– o terreiro – mas também por ambientes externos que são sacralizados em razão de
determinadas qualidades especiais que fazem desses locais “a verificação terrestre de mitos, a
fonte de poderes cósmicos” (BONNEMAISON, 2002, p. 123).
É assim que se estabelece a divisão entre os territórios internos, ou o que Rêgo (2006)
chama de territórios contínuos (composto pelo terreiro), e os territórios externos, ou territórios
119
descontínuos (RÊGO, 2006), constituídos pelos ambientes externos, considerados sítios
sagrados pelo uso ritualístico e simbólico que lhes é atribuído.
Todos esses fatores demonstram a impossibilidade de delimitação rígida, estratificada
do que compõe a espacialidade das comunidades de terreiro. Como indica Sodré (2002):
Deste modo, embora o terreiro possa ser um conjunto apreendido por critérios
geotopográficos (lugar físico delimitado para o culto), não se deve, entretanto, ser
entendido como um espaço técnico, suscetível de demarcações euclidianas. Isto
porque ele não se confina no espaço visível, funcionando na prática como um
“entrelugar” – uma zona de interseção entre o invisível (orum) e o visível (aiê) –
habitado por princípios cósmicos (orixás) e representações de ancestralidade à espera
de seus “cavalos”, isto é, de corpos que lhes sirvam de suportes concretos. O espaço
sagrado negro-brasileiro é algo que refaz constantemente os esquemas ocidentais de
percepção do espaço, os esquemas habituais de ver e ouvir. Ele fende, assim, o sentido
fixo que a ordem industrialista pretende atribuir aos lugares e, aproveitando-se das
fissuras, dos interstícios, infiltra-se. Há um jogo sutil de espaços-lugares na
movimentação do terreiro. (SODRÉ,2002, p. 80-81).
A relação que as comunidades de terreiro vão construindo com esses territórios, a partir
da apropriação (efetiva e simbólica) que se dá pelo seu uso reiterado, faz deles lugares de
afetividade, de pertencimento e de identidade religiosa. Essa identidade religiosa, por sua vez,
está diretamente relacionada a uma construção que remete à história e à memória coletiva dessas
comunidades (GIL, 2001).
Para Pollak (1989, p. 10), “a memória consiste em uma operação coletiva dos
acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, através de tentativas
de definição e reforço de sentimentos de pertencimento [...]”. Ela consiste, pois, em um trabalho
de reconstrução narrativa seletiva do passado pautada em critérios de inclusão e exclusão
acionados por quem revive a memória, “ressignificando as noções de tempo e espaço e
selecionando o que vai e o que não vai ser dito” (GOMES, 1996, p. 21).
Halbwachs (2004) pontua que a memória coletiva funciona como importante fator
agregador de identidades e sentimentos de pertencimento mantendo a coesão social, cultural e
identitária a partir de uma adesão afetiva ao grupo. No mesmo sentido, Pollak (1989) destaca
que ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, a memória coletiva
fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e os limites socioculturais. E se por um
lado nenhum grupo social tem sua imortalidade assegurada, por outro, sua memória coletiva
pode sobreviver e ter continuidade através de mitos que se alimentam de referências culturais,
literárias ou religiosas (POLLAK, 1989).
Na lição de Halbwachs (2004), toda memória coletiva se desenvolve em um espaço.
Portanto, o terreiro e os territórios externos constituem espaços físicos que funcionam como
120
ancoradores de uma memória coletiva que engloba sentimentos de pertencimento e identidade,
promovendo a coesão social da comunidade afetiva em questão. Nesses locais (e partir deles)
são acionadas referências simbólicas imateriais como os mitos, que são revividos e transmitidos
oralmente dentro da comunidade, o que faz deles lugares de memória e territórios míticos153.
Faria e Santos (2008, p. 23) denominam esses espaços sagrados como “territórios da
fé”, locais “onde suas oferendas são entregues, onde realizam seus cultos, onde o simbólico
abre caminho para a manifestação do sagrado”. Segundo os autores, conservar os “territórios
da fé” é imprescindível como forma de assegurar a perpetuação das manifestações religiosas
necessárias à coerência do grupo religioso (FARIA; SANTOS, 2008, p. 25).
Neste trabalho optamos por denominar esses territórios externos como territórios de
Axé. Conforme apresentado no primeiro capítulo, Axé é a força vital, é a forma que “assegura
a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé a existência não seria
possível” (SANTOS, 1976, p. 39). Portanto, uma vez que a força (ou Axé) das divindades do
panteão africano estão nos domínios da natureza, entendemos por bem denominar esses
territórios externos, sacralizados pelas comunidades de terreiro em razão do uso religioso que
fazem deles, como territórios de Axé por estarem impregnados do Axé (força vital) dos deuses
africanos.
Entretanto, como consequência da aceleração do processo de urbanização das cidades,
as religiões afro-brasileiras passam a encontrar uma série de dificuldades para a realização de
seus cultos. Como se viu nos resultados e discussões apresentadas no segundo capítulo, o
impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes remanescentes
no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço mato externo, o que demanda
uma série de adaptações dos terreiros para manutenção de suas práticas tradicionais.
Em decorrência do crescimento desordenado das cidades, o que torna cada vez mais
difícil a preservação de áreas naturais nos centros urbanos, os territórios de Axé se restringem
a poucos locais que ainda conseguem preservar e apresentar características naturais e, portanto,
passíveis de manifestação do sagrado (RÊGO, 2006), o que leva a uma preocupação com a
perda dos espaços ritualísticos e redução da vivência religiosa aos limites internos dos terreiros.
Neste sentido:
[...] Os terreiros cada vez mais se encolhem nas suas limitações de espaços físicos.
Muitos até se reservam o direito de reduzir seus rituais, eliminando algumas
“obrigações” que deveriam ser realizadas às margens de rios, lagos, nascentes, etc.
Significa dizer que a manifestação da religião afro-brasileira tradicional está
153 Barros (2011) pontua que esses territórios míticos talvez sejam “o melhor exemplo de originalidade que a
diáspora produziu, possibilitando a continuidade da memória afrodescendente [...]” (BARROS, 2011, p. 16).
121
encolhendo. Encolhendo para os muros dos próprios terreiros. E isto não é bom. Não
é bom porque nós sabemos que nossa religião não se enquadra apenas aos rituais nos
espaços do terreiro. (DUARTE, 1998, p.20).
Portanto, proteger o direito de liberdade de culto das religiões afro-brasileiras está
diretamente relacionado com a preservação de seus territórios de Axé e com a garantia da
continuidade de utilização destes a partir da apropriação simbólica que lhes foi atribuída. Disso
decorre a importância da investigação sobre o uso e preservação dos territórios de Axé em
Sergipe.
3.1 Em busca dos territórios de Axé em Sergipe
Nesta sessão serão analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados às
perguntas do bloco V, que tratam sobre a utilização de espaços naturais externos e dialogam
com o segundo objetivo específico deste trabalho, que consiste em identificar o uso de
territórios externos (territórios de Axé) em Sergipe e possíveis dificuldades decorrentes
do processo de urbanização no uso desses territórios.
Neste sentido, sobre o uso de espaços naturais externos pelos terreiros investigados
foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:
→ BLOCO V, PERGUNTA 1 - Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum
espaço/ambiente natural fora dos limites do terreiro?
PERGUNTA 2 – Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados
pelo seu terreiro e onde ficam localizados?
PERGUNTA 3 – Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São
Cristóvão e Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que seja utilizado
pelo seu terreiro? Qual?
PERGUNTA 8 – Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns)
espaço(s)/ambiente(s) natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos
terreiros?
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 1,
2, 3 e 8, constantes no Bloco V:
122
Tabela 5 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 1, 2, 3 e 8, bloco V.
PERGUNTA 1: Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum espaço/ambiente natural fora dos limites do terreiro?
PERGUNTA 2: Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados pelo seu terreiro e onde ficam localizados?
PERGUNTA 3: Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São Cristóvão e Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que
seja utilizado pelo seu terreiro? Qual(is)?
PERGUNTA 8: Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns) espaço(s)/ambiente(s) natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos
terreiros?
IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do
Socorro
Início das atividades: 1995
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: rio, estradas (de chão), matas; ficam aqui mesmo no
Pai André. A cachoeira de Macambira, sempre que tem a
necessidade a gente vai até lá também.
Pergunta 3: A praia em Aracaju.
Pergunta 8: A cachoeira de Itabaiana; o poço das moças; essa de
Macambira; a praia também né, as pessoas vão muito levar
presentes, fazer ebós na praia; e as matas né. Aqui na João Bebe
Água tem um espaçozinho também que é com água corrente e tem
muitas matas, mas as pessoas já estão até deixando mais de ir lá
fazer as coisas porque já tava poluindo muito, tá muito poluído, e
assim, o povo tem que se reciclar sabe? Tem que se educar.
Sim;
Rio, estradas (de chão), matas aqui
mesmo no Pai André, a cachoeira de
Macambira;
Dentro da grande Aracaju a praia;
A cachoeira de Itabaiana, a de
Macambira, a praia e aqui na João
Bebe Água as pessoas vão muito.
Pontos relevantes na fala:
1. Além do interior de Sergipe, a região
próxima ao terreiro também aparece
como território externo utilizado no
culto.;
2. Problemas com a poluição em alguns
ambientes naturais levando à
diminuição do uso desses espaços.
A fala “o povo tem que se reciclar” parece
sugerir que, neste caso, a queixa em relação a
poluição é direcionada a outros afrorreligiosos
que se utilizam inadequadamente do ambiente
natural.
2. Legbara
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: as matas, os rios, a praia, cachoeira; Cachoeira na Serra
de Itabaiana, rios também por esse ambiente aí, e São Cristóvão
ainda tem um rio que pode usar um pouco. Porque aqui tinha aquele
rio perto da Universidade Federal mas aquele espaço ali já não tem
mais condição de uso. Acho que até uns dez anos ainda dava para
usar, depois fechou, parece que o cara fechou uma parte e ficou
difícil de entrar, aí passou a utilizar o outro lado contrário, mas aí
também ficou muito sujo, muito esgoto descendo no rio, o rio se
tornou um verdadeiro canal ali.
Pergunta 3: Aqui só se for o parque da cidade, a mata, que ainda
tem algumas ervas que tem lá, tem alguns espaços que dá pra ser
utilizado, pouco mas as vezes. E praia mais vezes.
Pergunta 8: Só ser for a Serra de Itabaiana. É, eu acho que é porque
como são poucos os espaços, então se todos precisam da água, da
terra, da natureza, da cachoeira, aí aquele se torna o espaço que a
maioria encontra. Quando você tem uma condição maior você pode
buscar outros mais distantes, cada vez mais distante, mas quando
você não tem você vai onde alcança mais rápido. Mas que seja
Sim;
Matas, rios, praia, cachoeira na Serra
de Itabaiana; um rio em São
Cristóvão.
Aqui em Aracaju só se for o parque da
cidade e praia;
A Serra de Itabaiana; lá se torna o que
a maioria encontra.
A fala da entrevista confirma o uso de ambientes
naturais e mais uma vez o interior de Sergipe é
apontado como território externo.
Novamente a poluição é apontada como
dificuldade na utilização desses ambientes
naturais levando, inclusive, a impossibilitar a
continuidade de uso de um espaço que
costumava ser utilizado anos atrás, veja-se a
seguinte fala: “tinha aquele rio perto da
Universidade Federal mas aquele espaço ali já
não tem mais condição de uso. Acho que até uns
dez anos ainda dava para usar, depois fechou
[...]também ficou muito sujo, muito esgoto
descendo no rio, o rio se tornou um verdadeiro
canal ali.”
Outros dois pontos que se destacam na fala: 1. a
afirmação de que são poucos os espaços em
Sergipe que reúnem, no mesmo ambiente,
elementos favoráveis às liturgias; 2. uma queixa
123
determinado assim, aquele local é o local x que todo mundo vai ali
e a gente sabe que tá ali tal, tal, tal, acho que não. Já se pensou até
de a gente ter e ir buscar, teve até uma conversa com o governo de
um Espaço Sagrado, por entender a necessidade da manutenção
desses espaços da natureza que é importante para nós de matriz
africana, mas até agora a gente não avança na discussão. A gente
conversou com o governo, o governo diz que estava fazendo um
local que seria um jardim botânico e podia ver se adaptava esse local
pra também ser um espaço que as matrizes africanas utilizassem
para manutenção da sua liturgia, mas não avança. Sempre é uma
conversa que vai e para o caminho. Como tem em outros estados,
tem no Rio, tem em outros lugares e funciona muito bem no Rio de
Janeiro e os terreiros mantem aquela área ali preservada porque é
nossa tradição preservar a natureza, mas aqui as conversas não
avançam.
quanto a dificuldade de descolamento para
locais mais distantes.
Também merece destaque um elemento novo
que aparece nessa fala: o que a entrevistada
chama de “Espaço Sagrado”, que seria “um
espaço que as matrizes africanas utilizassem
para manutenção da sua liturgia”. A
entrevistada aponta que já houveram tratativas
com o governo “por entender a necessidade da
manutenção desses espaços da natureza que é
importante para nós de matriz africana, mas até
agora a gente não avança na discussão”. Ela
ressalta a tradição da religião em preservar a
natureza e demonstra conhecimento quanto a
existência dessa iniciativa em outros estados,
inclusive no Rio de Janeiro, onde pontua que
funciona muito bem. Por outro lado, demonstra
descrença quanto a implementação de um
espaço semelhante em Sergipe. Veja-se:
“funciona muito bem no Rio de Janeiro e os
terreiros mantem aquela área ali preservada
porque é nossa tradição preservar a natureza,
mas aqui as conversas não avançam.”
3. Oxum
Localização: Palestina, Aracaju
Início das atividades: 1990
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: as matas, os rios, o mar, cachoeiras, tudo faz parte do
reino dos Orixás. Deus criou o mar, aí colocou, digamos assim, Mãe
Iemanjá para tomar conta do mar, mas pra você chegar até o mar
tem a praia, aí vem o Ogum Beira Mar, que fica tomando conta da
praia. Você vai no rio, geralmente onde tem cachoeira tem matas,
aí você encontra o Orixá das matas que é Oxóssi. Nas águas do rio
você encontra a mãe do ouro, a mãe da procriação porque sem água
doce não tem vida, a Oxum. Mata eu vou em Areia Branca,
Itabaiana, já fui pra uma mata muito bonita em Macambira; rio
costumo usar Itabaiana Areia Branca; cachoeira de Itabaiana e
Macambira; praia em Aracaju.
Pergunta 3: Praia em Aracaju;
Pergunta 8: Os locais que eu vou. Não sou a única não!
Sim;
Matas, rios, mar, cachoeiras. Mata em
Areia Branca e Itabaiana; rio em
Itabaiana e Areia Branca; cachoeira
em Itabaiana e Macambira.
Em Aracaju a praia.
A entrevistada destaca a relação direta existente
entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o
uso de ambientes naturais é importante. Mais
uma vez o interior de Sergipe é apontado como
território externo utilizado nas liturgias.
4. Oyá
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 1963
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: matas, rios, praias, estrada de chão, cachoeira. Na
Serra de Itabaiana, Itaporanga, São Cristóvão, Estância. A gente vai
por aí a fora, onde estiver melhor a gente se mete.
Pergunta 3: Tem a prainha aqui (no bairro industrial) mas não é o
lugar adequado, porque as vezes a gente vai fazer uma limpeza de
Sim;
Matas, rios, praias, estrada de chão,
cachoeira. Serra de Itabaiana,
Itaporanga, São Cristóvão, Estância.
Em Aracaju a prainha do bairro
industrial; a praia; o parque da cidade.
Pontos relevantes na fala:
1. Afirmação quanto ao uso de
ambientes naturais sendo o interior de
Sergipe apontado como território
externo;
124
corpo e a água está poluída, e pra fazer tem que ser em um lugar
que água esteja pura, porque senão você resolve um problema e
arranja outro; a praia em Aracaju; tem o parque da cidade mas a
gente não tem acesso assim...porque é proibido. A não ser que você
tenha um bom conhecimento e que conversando eles liberem, mas
geralmente pra levar alguma coisa lá assim, pra meter a cara assim,
barra [se referindo a polícia].
Pergunta 8: Não sei. Porque a religião afrodescendente é uma
religião pobre, então pra eles se deslocar daqui pro interior são
custos, a distância dificulta. Nem todo mundo da religião tem uma
situação equilibrada, uns tem situação estável e outros passam
muito aperto.
A religião afrodescendente é uma
religião pobre, para se deslocar daqui
pro interior são custos, a distância
dificulta.
2. Problemas com a poluição em alguns
ambientes naturais tornando o uso
inadequado;
3. Proibição de acesso a determinados
espaços preservados, como o parque
da cidade;
4. Dificuldades com o deslocamento pra
o interior, o que envolve custos.
5. Oxóssi
Localização: Bugio, Aracaju
Início das atividades: Por volta de
1980
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: mata, pedreira, rio, cachoeira, praia. Lá na região de
Areia Branca, próximo ao sítio. Já fizemos também em Macambira.
Pergunta 3: Praia de Atalaia;
Pergunta 8: a cachoeira de Areia Branca, lá você vai e encontra
muitas oferendas; a de Macambira; em São Cristóvão, na João Bebe
Água, ali tem muitas matas. A praia também.
Sim;
Mata, pedreira, rio, cachoeira, praia.
Em Areia Branca, Macambira.
Praia de atalaia em Aracaju.
Cachoeiras de Areia Branca e
Macambira; matas na João Bebe Água
(São Cristóvão).
O interior de Sergipe aparece como território
externo utilizado nas liturgias.
6. Ibejis
Localização: Novo Paraíso, Aracaju
Quantidade de filhos: 8 (em média)
Início das atividades: Por volta de
1996
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: mata, pedra, rio, cachoeira, praia. Eu vou lá num lugar
chamado Chico Mendes, depois da penitenciária de Areia Branca,
que tem pedras e água corrente. O rio lá da João Bebe Água. Praia
eu vou na Atalaia nova que é melhor do que a Atalaia, é mais calmo,
tem menos movimento. Mata eu vou ali perto da Universidade
Federal, no fundo da empresa Progresso.
Pergunta 3: Praia de Atalaia Nova; João Bebe Água (rio); Próximo
na Universidade Federal (mato).
Pergunta 8: Em São Cristóvão, na João Bebe Água. Mas é um
espaço que eu ainda acho meio sujo, porque muitos não tem aquela
franqueza de juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa lá, e as
vezes é muito sujo.
Sim;
Mata, pedreira, rio, cachoeira, praia.
Num lugar chamado Chico Mendes,
em Areia Branca; no rio da João Bebe
Água; praia Atalaia Nova; ali perto da
Universidade Federal.
Em São Cristóvão, na João Bebe
Água. Mas é um espaço que eu ainda
acho meio sujo.
Pontos relevantes na fala:
1. Uso de ambientes naturais sendo o
interior de Sergipe apontado como
território externo;
2. Problemas com a poluição em alguns
ambientes naturais.
A fala “muitos não têm aquela franqueza de
juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa
lá” parece sugerir que a queixa em relação a
poluição é direcionada a outros afrorreligiosos
que se utilizam inadequadamente do ambiente
natural.
7. São Jorge
Localização: Bairro América, Aracaju
Início das atividades: 1901
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: mais cachoeira, em Macambira e tem uma em Areia
Branca, na Ribeira. E praia aqui tem muito, aqui mesmo na Atalaia.
Também utiliza mata pra arriar as obrigações, as comidas secas que
a gente chama, [...] a gente coloca sempre nas matas porque sabe
que não vai agredir a natureza, [...] hoje a gente já tem esse cuidado
que antigamente não tinha não.
Pergunta 3: Praia de Atalaia, Sarney e Barra dos Coqueiros; depois
do Eduardo Gomes tem uma ponte que divide já São Cristóvão do
Eduardo Gomes, ali na João Bebe Água. Acho que todos vão pra lá
porque lá é mato, é sossegado e é correnteza, então se é uma limpeza
Sim;
Cachoeira, praia, mata. Cachoeira em
Macambira e Areia Branca; praia em
Aracaju.
Praia de Atalaia, Sarney e Barra dos
Coqueiros.
Em São Cristóvão, na João Bebe
Água, usam muito porque tem água
corrente e tem a mata, então é um
lugar ideal
Pontos relevantes na fala:
1. Uso de ambientes naturais sendo o
interior de Sergipe apontado como
território externo;
2. A tomada de consciência quanto ao
cuidado em não agredir a natureza,
coisa que “antigamente não tinha
não”. Sinaliza que houve uma
mudança na relação do terreiro com os
espaços naturais no sentido de passar
a preservá-los. Essa fala demonstra
125
espiritual tudo que é de ruim vai junto, a água vai levando,
justamente por causa do rio.
Pergunta 8: em São Cristóvão, na João Bebe Água usam muito
porque tem água corrente e tem a mata, então é um lugar ideal pra
se fazer qualquer tipo de obrigação, de limpeza espiritual, de tudo,
é o lugar mais frequentado por pessoal de candomblé. Não é longe
e é menos perigoso, por enquanto.
que, apesar da imbricada relação entre
as divindades africanas e a natureza,
sendo ela um objeto de culto
fundamental nas religiões afro-
brasileiras, ao que parece não existia
uma preocupação em manter uma
relação sustentável entre o terreiro e a
natureza. Essa preocupação com a
não-agressão à natureza por meio de
uma relação mais sustentável parece
ter sido aprendida.
A proximidade de Aracaju, aliada ao baixo
índice de violência, são destacados como causas
da grande frequência de pessoas da religião na
mata e rio localizados na Rodovia João Bebe
Água (em São Cristóvão) é. Veja-se a fala: “Não
é longe e é menos perigoso, por enquanto!”.
8. Sahara
Localização: Santa Maria, Aracaju
Início das atividades: 1993
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: a gente precisar ter o elemento terra que são as matas,
a gente precisa utilizar das águas e pra isso nós temos praia aqui
próximo, rios ainda né, e essas áreas são necessárias para o nosso
dia-a-dia do culto aos Orixás. Candomblé não existe sem folha,
candomblé não existe sem água. Atualmente se a gente precisa de
água doce a gente vai para o rio Pitanga lá nas margens de São
Cristóvão, na João Bebe Água, ou então a gente vai para o rio da
Prata lá no loteamento Chico Mendes, acima de Areia Branca, ou
então, também temos outra vertente de água limpa, boa, sem ser o
Poço das Moças mas por trás da Serra de Itabaiana. E elementos de
água salgada a gente utiliza a praia de Aruanda, a praia do
Mosqueiro, praia do Rôbalo. De mata a gente utiliza aqui, tem locais
ainda no morro [do avião] que ainda são preservadas, são locais de
mata fechada que dá pra gente arriar nossas oferendas, e se for uma
exigência muito maior de um Orixá que peça uma coisa mais
fechada ainda, a gente também procura lá às margens do rio Pitanga,
nas margens da João Bebe Água, ou então também tem mata
fechada lá para o lado de Pirambu, a gente coloca naquela área.
Temos também a cachoeira de Macambira, que a gente pode ver,
dependendo da necessidade, e também nessa parte desse rio lá do
lado da Serra, em período de chuva, tem uma cachoeira de água
abundante também. Também no loteamento do rio da Prata, ali
perto do Chico Mendes, tem quedas d’água muito boas também.
Pergunta 3: Praias de Aracaju, Rio Pitanga (São Cristóvão), Morro
do Avião. Tem acima da lixeira também que é São Cristóvão, é uma
Sim;
Matas, praia, rios, cachoeira. Se a
gente precisa de água doce vai para o
rio Pitanga lá nas margens de São
Cristóvão, na João Bebe Água ou o rio
da Prata lá no loteamento Chico
Mendes, acima de Areia Branca ou o
Poço das Moças mas por trás da Serra
de Itabaiana; água salgada a gente
utiliza a praia de Aruanda, a praia do
Mosqueiro, praia do Rôbalo; mata a
gente utiliza aqui no morro [do avião]
ou lá para o lado de Pirambu; a
cachoeira de Macambira e também lá
do lado da Serra.
A praia de Atalaia e o rio Pitanga que
um espaço natural que várias casas de
candomblé da capital vão se utilizar.
A fala do entrevistado aponta a importância dos
elementos naturais para o culto aos Orixás:
“Candomblé não existe sem folha, candomblé
não existe sem água.” E mais uma vez o interior
de Sergipe é apontado como território externo.
Mais uma vez se vê referência a criação de um
espaço preservado para utilização dos
afrorreligiosos como o modelo existente no Rio
de Janeiro. O entrevistado também menciona
tratativas com o poder público que não
avançaram no sentido de viabilizar o que ele
chama de parque ecológico de axé, que seria
uma reserva de mata protegida, tombada pelo
município de São Cristóvão. Veja-se: “Só que
isso ficou no papel e não foi mais adiante. Hoje
em dia eu acho necessário termos uma união e
tentarmos transformar ali o rio Pitanga em um
Eco Parque Axé. Seria uma forma de pensar no
futuro”. Ele informa que também que essa
proposta também foi dialogada na Câmara de
Vereadores e na Assembleia Legislativa de
Aracaju com relação ao Parque da Cidade:
“[...]eu me lembro que nos anos 2000/2001 a
gente já citou essa situação e perdemos naquela
época com a bancada evangélica”. Em outra
fala é perceptível uma descrença e consciência
126
mata fechada também que nós temos lá e pode ser utilizada ali perto
do Vale do Amanhecer, ali por cima tem umas matas fechadas boas,
tem reservas de rios também, nascentes, que as vezes a gente utiliza
sim.
Pergunta 8: A praia de Atalaia na época das festas das Iabás; nós
temos também o rio Pitanga que um espaço natural que várias casas
de candomblé da capital vão se utilizar daquele espaço. Existe uma
intenção da prefeitura de São Cristóvão de tombar aquilo ali como
patrimônio porque é mata Atlântica também. Nós já entramos com
um pedido na época de Dr. Lauro Rocha, isso eu me lembro, de
transformar ali num parque ecológico de axé, que seria uma reserva
de mata protegida, tombada pelo município, para utilização dos
afrorreligiosos como existe em Niterói, como existe no Rio de
Janeiro que existem parques eco-axés onde as pessoas vão para lá
para fazer seus trabalhos. Existe uma pessoa na frente a quem se
paga uma certa quantia para ter acesso, uma taxa de utilização, e
você tem o rio, tem a mata, e tem uma pessoa responsável para sair
limpando a área. Então isso já foi um projeto muito grande, na época
de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do
rio Pitanga, de ser um parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e
não foi mais adiante. Hoje em dia eu acho necessário termos uma
união e tentarmos transformar ali o rio Pitanga em um Eco Parque
Axé. Seria uma forma de pensar no futuro porque a gente teria uma
água corrente de boa qualidade, uma mata com espécies nativas e
espaços bons para arriar nossos trabalhos. É claro que vai precisar
de uma adequação, teríamos que ter uma guarita para uma pessoa
tomar conta porque naquela área do rio Pitanga existe muito roubo
de areia lavada, a gente encontra muito caminhão de pessoas tirando
a areia do leito do rio para comercializar, então seria uma forma de
proteger até o ambiente. Já se foi tocado nesse assunto várias vezes
com a prefeitura de São Cristóvão e nenhum retorno foi dado. Aqui
ainda tem aquela questão que pensam “porque eu tenho que fazer
um parque pros macumbeiros?” E no Rio de Janeiro isso se superou
até porque o culto afro lá é muito importante, eles têm uma outra
visão. Já no nosso Estado existe uma questão de barreira de
preconceito mesmo. Então uma política pública de preservação de
espaços públicos naturais para utilização dos afrorreligiosos seria
excelente, mas infelizmente a gente conta com muito preconceito
em cima disso. Isso já foi citado na Assembleia Legislativa, na
Câmara de Vereadores aqui de Aracaju, porque a gente pensou
também no Parque da Cidade em ter uma área reservada para os
afrorreligiosos, isso eu me lembro que nos anos 2000/2001 a gente
já citou essa situação e perdemos naquela época com a bancada
quanto a existência do preconceito contra a
religião: “Já se foi tocado nesse assunto várias
vezes com a prefeitura de São Cristóvão e
nenhum retorno foi dado. Aqui ainda tem aquela
questão que pensam “porque eu tenho que fazer
um parque pros macumbeiros?”
127
evangélica, foi quando conseguimos que Déda também valorizasse
os terreiros e que isentasse do IPTU, isso a gente conseguiu, mas a
questão da reserva nunca [...].
9. Santo Antonio
Localização: São Brás, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Pergunta 1: Sim;
Pergunta 2: A festa de dezembro é uma festa das águas e a gente
faz na praia, na Atalaia, na Barra. Tem a festa de caboclo que é da
mata, a gente faz em Santo Amaro porque é onde tem mata aqui
perto, eu vou lá pra dentro da mata mesmo e lá a gente faz uma festa
de um dia todo.
Pergunta 3: A praia de Atalaia e da Barra dos Coqueiros e as vezes
eu vou pra algum mato aqui por perto.
Pergunta 8: Mais cachoeira, aonde tiver cachoeira aqui o povo vai.
Sim;
Praia, mata, cachoeira. Praia, na
Atalaia, na Barra; em Santo Amaro é
onde tem mata aqui perto.
Aonde tiver cachoeira o povo vai.
O interior de Sergipe aparece como território
externo utilizado nas liturgias. E o quesito
“distância/proximidade” também aparece como
elemento que influencia na escolha dos
ambientes utilizados.
10. Xangô
Localização: Eduardo Gomes, São
Cristóvão
Início das atividades: 1951
Pergunta 1: É impossível você tirar do candomblecista um banho
de mar, uma limpeza, e não tem como você trazer para dentro de
casa, por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e
pegue uma água e alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”,
mas você não consegue trazer o mar pra dentro de casa. Ali Iemanjá,
deusa do mar, ela está fazendo a limpeza natural, a onda vem e leva
o que te tiver de ruim e você está se fortalecendo no mar. A mesma
coisa acontece dentro do rio, a mesma coisa acontece nas matas.
Então é impossível não ter que ir a natureza fazer alguma coisa.
Pergunta 2: Cachoeira, rio e onde tiver a natureza. Uma estrada
aberta, o vento batendo e mato do lado é a morada de Ogum, pode
parar ali que Ogum vai lhe ouvir. Quando você passa pra dentro do
mato é morada de Ossain e de Oxóssi, eles vão te ouvir. O vento
batendo em você é Iansã fazendo fluir qualquer coisa de bom e
tirando tudo de negativo. Então tudo que tiver natureza tem Orixá.
Orixá é natureza.
Pergunta 3: Praia de Atalaia, já no finalzinho onde é pouco
habitado e onde encontra o rio com o mar, lá no fundo; rio,
normalmente é usado o da Areia Branca, no Mosqueiro, porém, ali
é água salgada não é um rio de água doce, rio de água doce acaba
sendo uma grande dificuldade mas hoje a gente ainda tem um
passando aqui no final de linha do nosso bairro [em São Cristóvão],
então a gente costuma usar esse. Também é usado o rio ali da ponte
que separa Aracaju de São Cristóvão, ali na UFS.
Pergunta 8: É sazonal; por exemplo, dia oito de dezembro tá todo
mundo na praia, dia dois de fevereiro tá todo mundo na praia. Então
um lugar que tomo mundo vai seria a praia, sem sombra de dúvidas.
É impossível não ter que ir a natureza
fazer alguma coisa.
Cachoeira, rio, estrada aberta, mato e
onde tiver a natureza: Orixá é
natureza.
Praia de Atalaia; rio em Areia Branca,
no Mosqueiro, em São Cristóvão e ali
na UFS.
Um lugar que tomo mundo vai seria a
praia.
O entrevistado destaca a relação direta existente
entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o
uso de ambientes naturais é importante: “Então
tudo que tiver natureza tem Orixá. Orixá é
natureza”.
Mais uma vez o interior de Sergipe é apontado
como território externo utilizado nas liturgias.
Destaque para o seguinte trechos da fala que
denuncia a existência do preconceito contra a
religião: “[...]por mais que você vá lá com uma
garrafinha de dois litros e pegue uma água e
alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”,
mas você não consegue trazer o mar pra dentro
de casa [...]”.
11. Odé
Localização: Piabeta, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: 1993
Pergunta 1: Sim, como hoje pela manhã que eu viajei para o
povoado Quissamã para fazer as oferendas porque aqui no espaço
urbano não comporta mais, então você tem que se deslocar. Lá na
natureza é onde moram os Orixás, então lá tem rio, lá tem uma mata,
Sim; No espaço urbano não comporta
mais, você tem que se deslocar. Na
natureza é onde moram os Orixás.
O entrevistado destaca a relação direta existente
entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o
uso de ambientes naturais é importante: “Lá na
natureza é onde moram os Orixás”.
128
tem pouco aglomerado humano então ali você vai de manhãzinha
cedo, oferece o que tem que oferecer e volta para sua casa em paz.
Pergunta 2: Rios, matas, praias, cachoeiras, encruzilhadas. O
grande problema está nas encruzilhadas porque elas são em um
ambiente urbano e muitas vezes os rituais requerem não
encruzilhadas desertas, mas encruzilhadas movimentadas. [...] É
esse o grande problema que é onde nós nos confrontamos com a
polícia, que alguns passam fazendo de conta que não veem mas tem
muitos que gostam de abordar e se você conversar vai preso. Eu já
fui abordado mas graças a Deus liberaram, fui com minha cara, rezei
muito, fiz muita manobra espiritual do candomblé para ele relevar
aquilo. Mas as vezes é na hora mesmo, você está colocando a
oferenda na encruzilhada, que é um espaço urbano, aí passa um
carro de polícia aí para, dá a volta, aí atrapalha a concentração,
atrapalha os pedidos que você está fazendo para aquela pessoa e aí
é um grande problema. Sem falar os marginais que passam de moto
e as vezes param para poder assaltar. A violência é um problema
também.
Pergunta 3: Em São Cristóvão tem o que nós chamamos de Rio da
Macumba, que fica logo após o conjunto Luís Alves, após o posto
da polícia rodoviária, na Rodovia João Bebe Água, que por sinal
está bastante poluído por conta da frequência e a proximidade com
a metrópole; a Praia da Costa, na Barra dos Coqueiros; o cemitério
da Barra dos Coqueiros.
Pergunta 8: Areia Branca é um lugar propício, bem utilizado e sem
medo, sem violência. O Rio da Macumba, na João Bebe Água,
muitos terreiros usam pela proximidade da capital, é bem
procurado, é só chegar lá e tirar foto que você vê tem muitas
oferendas que fazem. Cachoeira frequentada é a cachoeira de
Macambira, se for de manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas
três e meia da manhã para chegar lá, fazer sua oferenda com o dia
clareando e vim embora porque depois já começa a encher de gente
e muitos ficam com chacota.
Rios, matas, praias, cachoeiras,
encruzilhadas. O problema está nas
encruzilhadas porque elas são em um
ambiente urbano. É onde nós nos
confrontamos com a polícia. A
violência é um problema também.
Em São Cristóvão tem o rio da
macumba, na rodovia João Bebe
Água, está bastante poluído; Praia da
Costa, Barra dos Coqueiros.
Areia Branca é um lugar propício, sem
medo, sem violência. O Rio da
Macumba, na João Bebe Água, muitos
terreiros usam pela proximidade da
capital. Cachoeira frequentada é a de
Macambira de manhãzinha cedo,
depois já começa a encher de gente e
muitos ficam com chacota.
O espaço urbano é apontado como local onde
não se encontra mais a presença da natureza e de
grande aglomerado humano, por isso a
necessidade de deslocamento para o interior de
Sergipe que é apontado como território externo:
“hoje pela manhã que eu viajei para o povoado
Quissamã para fazer as oferendas porque aqui
no espaço urbano não comporta mais, então
você tem que se deslocar”.
Um elemento novo que aparece na fala desse
entrevistado é o problema com o uso das
encruzilhadas urbanas, chegando a citar
confronto com a polícia: “O grande problema
está nas encruzilhadas porque elas são em um
ambiente urbano [...] É esse o grande problema
que é onde nós nos confrontamos com a polícia,
que alguns passam fazendo de conta que não
veem mas tem muitos que gostam de abordar e
se você conversar vai preso”. O outro elemento
que se soma a dificuldade de uso das
encruzilhadas urbanas é a violência: “Sem falar
os marginais que passam de moto e as vezes
param para poder assaltar. A violência é um
problema também”.
A poluição também é apontada na fala e
sinalizada como uma denúncia contra os
religiosos que fazem uso inadequado do
ambiente natural: “Em São Cristóvão tem o que
nós chamamos de Rio da Macumba [...] que por
sinal está bastante poluído por conta da
frequência e a proximidade com a metrópole”.
A denúncia do preconceito também aparece na
fala do entrevistado quando explica que para
usar a cachoeira de macambira “só se for de
manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas três
e meia da manhã para chegar lá, fazer sua
oferenda com o dia clareando e vim embora
porque depois já começa a encher de gente e
muitos ficam com chacota”.
12. Conceição
Localização: Guajará, Nossa Senhora
do Socorro
Pergunta 1: Com certeza;
Pergunta 2: O morro e a mata fechada lá mesmo próximo ao
terreiro; tinha um rio próximo mas que foi fechado, o rapaz cercou
Com certeza.
O morro e a mata fechada lá mesmo
próximo ao terreiro; próximo da
Além do interior de Sergipe, o a região próxima
do terreiro (morro e mata) também aparece
como território externo utilizado no culto.
129
Início das atividades: Década de 1960 e não deixa ninguém entrar, colocou até guarda armado se alguém
entrasse no rio dele. Agora eu saio e venho aqui próximo da
Universidade Federal de Sergipe, tem aquele rio do lado que
também já fecharam uma boa parte, fizeram muro mesmo, aí você
vai mais além um pouco da estrada, aí tem uma descida por dentro
do mato e você chega até a beira do rio. Eu costumo ir para lá.
Quando não eu também vou ali em São Cristóvão, na João Bebe
Água, tem uma descida também só que hoje está super perigoso.
Quando a gente precisa ir à noite para levar obrigação a gente tá
sempre vendo o povo se movimentar lá por baixo, os cigarros
acesos, aquela coisa toda que se você não vai com muita gente faz
medo hoje. Antes a gente ia levar, ia com uma, duas, três pessoas e
não fazia medo, descia e ia até lá na beirada do rio e entregava a
obrigação. Agora hoje eu tô usando diversos acessos que a gente
pode ter. Eu tô indo aqui no bairro industrial, quando tem alguma
obrigação mais leve, pequena, que pode ser levada ali e que as
pessoas podem ver, que não vão mexer, a gente vai lá e entrega;
Cachoeira tem uma que é dentro de uma fazenda e que a gente tem
que pedir ao dono da fazenda para poder entrar, ele deixa. Serra de
Itabaiana mesmo também, como hoje é proibido também né entrar,
porque o povo também faz as coisas sem pensar, hoje você tem que
preservar, eu já venho falando isso até em nome do CENARAB pra
gente preservar, pra ter cuidado, ver como acende suas velas porque
tem gente que entra quer acender mas não quer saber. É mata mas
tem que ter cuidado porque pode ser que aquele montinho venha a
ser a última que a gente tem na mão. Eu sempre falei sobre essa
questão da gente olhar e preservar. Então hoje são poucos os
espaços que a gente tem. É tanto que de vez em quando a gente
recebe a imprensa na porta pra perguntar “Por que tal obrigação tá
em tal lugar?! Por que foi colocada perto dos prédios? Por que foi
colocada na rotatória do distrito industrial?”. A gente não tem mais
lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E tem construções,
tem avenidas, tem ruas importantes. Ali perto da AABB não tinha
aqueles prédios ali na AABB, era mata, você entrava ali naquela
estrada do lado você ia até longe para entregar obrigação, entendeu?
Hoje você praticamente não pode aí o pessoal já está reclamando
porque os prédios surgiram, você tem um pouquinho de mata aqui
nesse local, mas adiante tem outro pedacinho, ou você entrega aqui
na frente ou entrega depois dos prédios. Geralmente o povo para
não ir muito longe na escuridão, quando vai a noite, entrega ali
naquele pedaço. E as pessoas já estão reclamando, querem saber por
que aquela obrigação foi colocada ali, se não tem outro lugar,
entendeu?! Muita questão já foi levantada sobre isso.
Universidade Federal de Sergipe, tem
aquele rio do lado que também já
fecharam uma boa parte; também vou
ali em São Cristóvão, na João Bebe
Água só que hoje está super perigoso;
aqui no bairro industrial, quando tem
alguma obrigação mais leve, pequena.
Cachoeira tem uma que é dentro de
uma fazenda e que a gente tem que
pedir; Serra de Itabaiana hoje é
proibido também né entrar.
Praia eu uso aqui mesmo, de Atalaia;
vou lá para a Barra também. E ali em
São Cristóvão, no rio da João Bebe
Água.
Hoje são poucos os espaços que a
gente tem. Esses lugares todos foram
tomados né?!
Destaque para alguns locais cujo o uso se tornou
mais difícil devido às restrições de acesso:
“tinha um rio próximo mas que foi fechado, o
rapaz cercou e não deixa ninguém entrar,
colocou até guarda armado”; “Cachoeira tem
uma que é dentro de uma fazenda e que a gente
tem que pedir ao dono da fazenda para poder
entrar”; “Serra de Itabaiana mesmo também,
como hoje é proibido também né entrar”.
A violência também é apontada como elemento
que interfere no uso de alguns ambientes
naturais: “[...]eu também vou ali em São
Cristóvão, na João Bebe Água, tem uma descida
também só que hoje está super perigoso.”
A falta de zelo com a preservação do meio
ambiente mais uma vez é apontada como um
problema interno, ou seja, da própria
comunidade religiosa: “[...]o povo também faz
as coisas sem pensar, hoje você tem que
preservar [...]ver como acende suas velas
porque tem gente que entra quer acender mas
não quer saber”.
A fala da entrevistada também denuncia um
processo de desterritorialização decorrente da
urbanização, ou seja, a perda de um território
que outrora foi apropriado pela comunidade por
meio do uso litúrgico que lhe foi dado,
demandando desta comunidade uma série de
adaptações e deslocamentos: “A gente não tem
mais lugar! Esses lugares todos foram tomados
né?! E tem construções, tem avenidas, tem ruas
importantes!”. Ademais, a fala também mostra
que as religiões afro-brasileiras se relacionam de
uma forma muito peculiar com o espaço
público, especialmente as encruzilhadas
urbanas, o que não se vê em outras religiões.
Outro ponto da fala que merece destaque traz a
denúncia do preconceito contra a religião:
“[...]E lá também [se referindo a Barra dos
Coqueiros] eu acho que as pessoas não se
importam tanto, pelo contrário, chega gente até
para pedir “peça por mim, faça um pedido por
mim aí nas suas obrigações”. As pessoas não se
130
Praia eu uso aqui mesmo, de Atalaia. Eu faço minhas obrigações,
arreio minha obrigação de final de ano, faço a minha mesa e levo
aqui. Mas quando não há condições e que eu tenho oportunidade eu
vou lá para a Barra também. E lá também eu acho que as pessoas
não se importam tanto, pelo contrário, chega gente até para pedir
“peça por mim, faça um pedido por mim aí nas suas obrigações”.
As pessoas não se importam tanto com a presença da gente, pelo
contrário, se aproximam, muitos até cantam com a gente, bate
palma, vai acompanhando os pontos, entendeu?! Mas infelizmente
aqui [se referindo a Aracaju] as coisas estão mais difíceis.
Pergunta 3: Ver resposta anterior.
Pergunta 8: Aqui próximo da Universidade Federal de Sergipe, tem
aquele rio do lado que também já fecharam uma boa parte, fizeram
muro mesmo, aí você vai mais além um pouco da estrada, aí tem
uma descida por dentro do mato e você chega até a beira do rio. E
ali em São Cristóvão, no rio da João Bebe Água.
importam tanto com a presença da gente[...]
Mas infelizmente aqui [se referindo a Aracaju]
as coisas estão mais difíceis.”
13. Ogum
Localização: Jabotiana, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 1: Sempre;
Pergunta 2: A praia de aruanda; rio em São Cristóvão na Rod. João
Bebe Água; uma pedreira em Estância ou na Serra de Itabaiana;
matas aqui na região do Aloque.
Pergunta 3: A praia.
Pergunta 8: O rio da João Bebe Água, lá você encontra milhares de
oferendas, resquícios do que foi ofertado. Ali seria um ambiente
perfeito para a gente que tem casa de santo, se fosse um lugar tipo
pela prefeitura ou por algum órgão municipal, que separasse aquele
espaço para a gente, uma espécie de santuário, seria perfeito. Acho
que seria muito legal mas não acho possível justamente pelo
preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe o preconceito.
Existe a bancada evangélica hoje em dia que acaba interferindo de
uma certa forma. Seria interessante ter um ambiente para a gente da
religião, mas o mais interessante seria a gente poder usar qualquer
ambiente. Seria bom tendo também um pouquinho de educação das
pessoas para saberem lidar com outras, em relação ao convívio e em
relação ao meio ambiente também, porque tem coisas que você não
precisa colocar no meio ambiente, como por exemplo um vidro,
garrafa, vai servir para que? Se você é de uma religião que está
cultuando a natureza você vai e polui a natureza, não é
complicado?!
Sempre.
A praia de Aruanda; rio em São
Cristóvão na Rod. João Bebe Água;
uma pedreira em Estância ou na Serra
de Itabaiana; matas aqui na região do
Aloque.
No rio da João Bebe Água você
encontra milhares de oferendas. Ali
seria um ambiente perfeito para a
gente que tem casa de santo, se
separasse aquele espaço para a gente,
uma espécie de santuário.
Além do interior de Sergipe, aqui a região
próxima ao terreiro (bairro Aloque) também
aparece como território externo utilizado no
culto.
Mais uma vez se vê referência a criação de um
espaço preservado para utilização dos
afrorreligiosos, que aqui o entrevistado aponta o
rio Pitanga, na Rodovia João Bebe Água (São
Cristóvão), como sendo um local ideal para a
implantação do que ele chama de santuário: “Ali
seria um ambiente perfeito para a gente que tem
casa de santo, se fosse um lugar tipo pela
prefeitura ou por algum órgão municipal, que
separasse aquele espaço para a gente, uma
espécie de santuário, seria perfeito.”
Entretanto, assim como nas falas anteriores,
também é perceptível a descrença e consciência
quanto a existência do preconceito contra a
religião: “Acho que seria muito legal mas não
acho possível justamente pelo preconceito, até
dentro dos órgãos públicos existe o preconceito.
Existe a bancada evangélica hoje em dia que
acaba interferindo de uma certa forma.”
Por outro lado, a falta de educação ambiental
também é apontada como um obstáculo interno,
ou seja, como uma dificuldade a ser superada
pela própria comunidade religiosa. É simbólica
131
a seguinte fala: “Se você é de uma religião que
está cultuando a natureza você vai e polui a
natureza, não é complicado?!, pois sinaliza que,
apesar da imbricada relação entre as divindades
africanas e a natureza, sendo ela um objeto de
culto fundamental nas religiões afro-brasileiras,
ao que parece não existe ainda uma preocupação
generalizada em manter uma relação sustentável
entre terreiro e natureza.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
132
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 5 chegamos aos seguintes
resultados:
1. TODOS entrevistados fazem uso de ambientes naturais externos, ou seja, fora dos
terreiros;
2. Os ambientes naturais externos mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras;
3. TODOS indicaram ambientes naturais do interior de Sergipe como territórios de
Axé; e 3 (três) entrevistados indicaram também ambientes naturais nas proximidades
do terreiro;
4. Os principais territórios de Axé indicados na Grande Aracaju foram: praias
(Atalaia, Aruanda, Rôbalo, Mosqueiro, Praia da Costa, Atalaia Nova); rio Pitanga
(localizado na Rodovia Joao Bebe Água/São Cristóvão); rio Poxim (nas proximidades
da Universidade Federal de Sergipe); parque da Cidade; prainha do bairro Industrial;
5. Os principais territórios de Axé indicados fora da Grande Aracaju foram: cachoeira
da Serra de Itabaiana; cachoeira de Macambira; mata e rio em Areia Branca;
6. O ambiente natural indicado pela maioria dos entrevistados como sendo o de maior
uso foi o rio Pitanga, localizado na Rodovia João Bebe Água/São Cristóvão (8
entrevistados). Seguiram: praia em Aracaju (5 entrevistados); cachoeira de Macambira
(4 entrevistados); Serra de Itabaiana (3 entrevistados)
Como visto no primeiro capítulo, a cosmovisão religiosa de matriz africana implica em
uma relação íntima com a natureza, visto que é nela que estão as divindades africanas (nas
matas, rios, lagos, cachoeiras, etc.), sendo impossível desassociá-las da interdependência com
os elementos naturais. O espaço sagrado não se delimita ao terreiro, existem outros locais que
são sacralizados e com os quais são mantidas estreitas relações de afetividade, pertencimento e
memória (OLIVEIRA, 2006; 2012).
E é em função dessa interdependência entre as religiões afro-brasileiras e a natureza que,
dentro de uma relação tempo/espaço, se formam as territorialidades das comunidades de terreiro
por meio de processos que envolvem apropriações simbólicas e ressiginificações de elementos
e ambientes naturais que guardam estreita ligação com as divindades cultuadas. A partir desses
processos se consolidam o que neste trabalho denominamos de territórios de Axé.
Esse é o motivo pelo qual TODOS os entrevistados responderam que utilizam
ambientes naturais externos em suas liturgias, sendo as matas, rios, praias e cachoeiras
apontados como de uso mais frequente. Neste sentido destacamos as seguintes falas: “as
matas, os rios, o mar, cachoeiras, tudo faz parte do reino dos Orixás” (OXUM, 2016, informação
133
verbal154); “essas áreas são necessárias para o nosso dia-a-dia do culto aos Orixás. Candomblé
não existe sem folha, candomblé não existe sem água” (SAHARA, 2016, informação verbal155);
“Quando você passa pra dentro do mato é morada de Ossain e de Oxóssi[...]O vento batendo
em você é Iansã [...] Então tudo que tiver natureza tem Orixá. Orixá é natureza.” (XANGÔ,
2016, informação verbal156); “Lá na natureza é onde moram os Orixás” (ODÉ, 2016,
informação verbal157).
Assim como nos resultados relativos à investigação do espaço “mato” o interior de
Sergipe foi sinalizado como importante fonte de ervas e plantas litúrgicas, aqui ele
também é apontado por TODOS como importante território de Axé. Os entrevistados
indicaram as cachoeiras da Serra de Itabaiana e de Macambira, além da mata e rio em
Areia Branca, como os principais territórios de Axé fora da Grande Aracaju. Como
esclarecido no capítulo anterior, isso é consequência do processo de urbanização que torna as
áreas verdes cada vez mais escassas nos centros urbanos, provocando uma peregrinação das
comunidades de terreiro em busca de áreas ainda preservados no interior do Estado, com vistas
à manutenção de suas práticas tradicionais.
Por outro lado, apesar da intensa urbanização que se observa na Grande Aracaju,
os resultados mostram a presença de alguns ambientes ainda preservados e que são
utilizados pelas comunidades afrorreligiosas, inclusive 3 (três) entrevistados informaram ter
acesso à mata, rio e morro nas proximidades de seus terreiros. Os principais territórios de Axé
indicados na Grande Aracaju foram: praias (Atalaia, Aruanda, Rôbalo, Mosqueiro, Praia da
Costa, Atalaia Nova); rio Pitanga (localizado na Rodovia Joao Bebe Água/São Cristóvão); rio
próximo a Universidade Federal de Sergipe; parque da Cidade; prainha do bairro
Industrial. O rio Pitanga foi indicado pela maioria dos entrevistados (8 no total) como o
ambiente natural mais utilizado pelos afrorreligiosos em Sergipe.
Abaixo um quadro apresentando um resumo dos resultados quanto ao uso de territórios
externos pelos terreiros investigados:
154 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 155 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 156 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 157 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
134
Quadro 2 – Uso de territórios externos pelos terreiros investigados.
Ambientes naturais externos mais utilizados: Matas, rios, praias, cachoeiras
Principais territórios de Axé utilizados na
Grande Aracaju:
Praias (Aracaju e Barra dos Coqueiros); Rio
Pitanga (São Cristóvão); Rio Poxim (nas
proximidades da Universidade Federal de
Sergipe); Parque da Cidade (bairro
industrial); Prainha do bairro Industrial;
Principais territórios de Axé utilizados fora
da Grande Aracaju:
Cachoeira da Serra de Itabaiana; Cachoeira
de Macambira; mata e rio em Areia Branca
Ambiente natural indicado pela maioria dos
entrevistados como sendo o de maior uso:
Rio Pitanga, localizado na Rodovia João
Bebe Água/São Cristóvão
Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos
entrevistados.
Outros elementos importantes, que não estavam previstos no roteiro de perguntas,
emergiram nas respostas dos entrevistados sendo relevante aponta-los e discuti-los. Foram eles:
1. Problemas com a poluição;
2. Poucos espaços disponíveis para uso (desdobramento da urbanização;
desterritorialização; adaptações);
3. Distância e dificuldades com deslocamento;
4. Problemas com o uso de encruzilhadas urbanas para fins religiosos.
5. Proibição de acesso a alguns ambientes naturais (a exemplo do parque da cidade e
Serra de Itabaiana);
6. Preconceito com a religião;
7. Reivindicação de criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas (nos
moldes do que existe no Rio de Janeiro);
8. Descrença quanto à criação de um espaço reservado em Sergipe.
A poluição em alguns ambientes naturais foi um problema apontado por 8 (oito)
entrevistados como fator que leva à diminuição do uso desses espaços para fins religiosos.
Algumas falas sinalizam que essa poluição é consequência do processo de urbanização:
“[...]tinha aquele rio perto da Universidade Federal mas aquele espaço ali já não tem mais
condição de uso. Acho que até uns dez anos ainda dava para usar[...]ficou muito sujo, muito
135
esgoto descendo no rio.” (LEGBARA, 2016, informação verbal158); “Tem a prainha aqui mas
não é o lugar adequado, porque as vezes a gente vai fazer uma limpeza de corpo e a água está
poluída, e pra fazer tem que ser em um lugar que água esteja pura, porque senão você resolve
um problema e arranja outro” (OYÁ, 2016, informação verbal159).
Entretanto, apesar da imbricada relação entre as divindades africanas e a natureza, sendo
ela um objeto de culto fundamental nas religiões afro-brasileiras, para nossa surpresa,
algumas falas dos entrevistados sinalizaram que ainda não existe uma preocupação
generalizada em manter uma relação sustentável entre religião e natureza. A falta de
consciência ambiental é apontada como um obstáculo interno, ou seja, como uma
dificuldade a ser superada pela própria comunidade religiosa.
Neste sentido, algumas falas merecem destaque: “[...]Aqui na João Bebe Água tem um
espaçozinho também que é com água corrente e tem muitas matas, mas as pessoas já estão até
deixando mais de ir lá fazer as coisas porque já tá muito poluído[...]o povo tem que se
reciclar[...]” (BAGAN, 2016, informação verbal160); “[...]muitos não têm aquela franqueza de
juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa lá[...]” (IBEJIS, 2016, informação verbal161);
“[...]a gente coloca sempre nas matas porque sabe que não vai agredir a natureza, [...] hoje a
gente já tem esse cuidado que antigamente não tinha não[...]” (SÃO JORGE, 2016, informação
verbal162); “[...]o povo também faz as coisas sem pensar, hoje você tem que preservar [...]ver
como acende suas velas porque tem gente que entra quer acender mas não quer saber[...]”
(CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal163); “[...]Se você é de uma religião que está cultuando
a natureza você vai e polui a natureza, não é complicado?![...]” (OGUM, 2016, informação
verbal164).
O elemento “distância/proximidade” também aparece como fator que influencia na
escolha dos ambientes naturais utilizados. Alguns entrevistados informam que são poucos
espaços encontrados em Sergipe que reúnem, no mesmo ambiente, elementos favoráveis às
158 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 159 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 160 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 161 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 162 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 163 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 164 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
136
liturgias (a exemplo de mata, rio, cachoeira, etc.). O espaço urbano é apontado como local de
grande aglomerado humano e onde não se encontra mais a presença da natureza, por isso,
também, a necessidade de deslocamento para o interior.
Disso decorrem queixas em relação a dificuldade de descolamento para locais mais
distantes, o que envolve custos financeiros. A proximidade de Aracaju é destacada como fator
que influencia diretamente no grande fluxo de religiosos na mata e rio localizados na Rodovia
João Bebe Água (em São Cristóvão), por exemplo. Algumas falas são elucidativas: “[...]são
poucos os espaços[...]Quando você tem uma condição maior você pode buscar outros mais
distantes, cada vez mais distante, mas quando você não tem você vai onde alcança mais
rápido[...]” (LEGBARA, 2016, informação verbal165); “[...]na João Bebe Água usam muito
porque tem água corrente e tem a mata [...]é o lugar mais frequentado por pessoal de candomblé.
Não é longe e é menos perigoso, por enquanto[...]” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal166);
“[...]Tem a festa de caboclo que é da mata, a gente faz em Santo Amaro porque é onde tem mata
aqui perto[...]” (SANTO ANTONIO, 2016, informação verbal167); “[...]viajei para o povoado
Quissamã para fazer as oferendas porque aqui no espaço urbano não comporta mais, então você
tem que se deslocar [...]” (ODÉ, 2016, informação verbal168).
A escassez de áreas verdes próximas aos terreiros obriga os religiosos a se deslocarem
para cada vez mais longe em busca de locais apropriados para seus rituais. Na medida que
avança a urbanização e a cidade cresce, as áreas verdes de acesso público, utilizadas para
oferendas, se tornam cada vez mais escassas pois sedem lugar à construção de empreendimentos
imobiliários ou, em outros casos, o acesso a esses locais se torna proibido. Sobre esse aspecto
alguns entrevistados citaram como exemplo o Parque da Cidade, o Rio Poxim (nas
proximidades da Universidade Federal de Sergipe) e a Serra de Itabaiana:
[...]tem o parque da cidade mas a gente não tem acesso assim...porque é proibido. A
não ser que você tenha um bom conhecimento e que conversando eles liberem, mas
geralmente pra levar alguma coisa lá assim, pra meter a cara assim, barra [se referindo
a polícia]. (OYÁ, 2016, informação verbal169).
165 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 166 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 167 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine
Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 168 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 169 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).
137
[...]tinha um rio próximo mas que foi fechado, o rapaz cercou e não deixa ninguém
entrar, colocou até guarda armado se alguém entrasse no rio dele. Agora eu saio e
venho aqui próximo da Universidade Federal de Sergipe, tem aquele rio do lado que
também já fecharam uma boa parte, fizeram muro mesmo. [...]Cachoeira tem uma que
é dentro de uma fazenda e que a gente tem que pedir ao dono da fazenda para poder
entrar, ele deixa. Serra de Itabaiana mesmo também, como hoje é proibido também né
entrar! [...]. (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal170).
Tudo isso impacta negativamente na rotina das comunidades de terreiros que passam a
ter dificuldades em realizar seus cultos, em razão dos deslocamentos que envolvem custos
financeiros nem sempre possíveis de serem arcados pela comunidade como se denota da
seguinte fala: “[...]a religião afrodescendente é uma religião pobre, então pra eles se deslocar
daqui pro interior são custos, a distância dificulta!” (OYÁ, 2016, informação verbal171). Assim,
o direito à liberdade de culto dessa comunidade passa a sofrer uma violação direta.
Sobre esse aspecto ganha destaque a fala da entrevistada Conceição (2016), que
denuncia um processo de desterritorialização decorrente da urbanização, ou seja, a perda
de um território que outrora foi apropriado pela comunidade por meio do uso religioso que lhe
foi dado, o que hoje demanda desta comunidade uma série de adaptações e deslocamentos.
Vejamos:
Então hoje são poucos os espaços que a gente tem. É tanto que de vez em quando a
gente recebe a imprensa na porta pra perguntar “por que tal obrigação tá em tal lugar?!
Por que foi colocada perto dos prédios? Por que foi colocada na rotatória do distrito
industrial?”. A gente não tem mais lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E
tem construções, tem avenidas, tem ruas importantes. Ali perto da AABB não tinha
aqueles prédios, era mata, você entrava ali naquela estrada do lado você ia até longe
para entregar obrigação, entendeu? Hoje você praticamente não pode, aí o pessoal já
está reclamando porque os prédios surgiram, você tem um pouquinho de mata aqui
nesse local, mas adiante tem outro pedacinho, ou você entrega aqui na frente ou
entrega depois dos prédios. Geralmente o povo, para não ir muito longe na escuridão,
quando vai a noite, entrega ali naquele pedaço. E as pessoas já estão reclamando,
querem saber por que aquela obrigação foi colocada ali. Se não tem outro lugar,
entendeu?! Muita questão já foi levantada sobre isso. (CONCEIÇÃO, 2016,
informação verbal172).
Ademais, essa fala também demonstra que as religiões afro-brasileiras se relacionam
de uma forma muito peculiar com o espaço público, especialmente as encruzilhadas
urbanas, o que não se vê em outras religiões. As encruzilhadas também constituem ambientes
naturais e estão sob o domínio do Orixá Exu173, por esse motivo são espaços incorporados à
170 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 171 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 172 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 173 Prandi (2001) apresenta o mito que explica como Exu se tornou o dono das encruzilhadas e a consequente
importância da realização de oferendas rituais nos cruzamentos de rua: “Exu não tinha riqueza, não tinha fazenda,
138
territorialidade dos afrorreligiosos. E a posição ocupada pelas encruzilhadas nessa cartografia
simbólica do sagrado está diretamente relacionado à importância de Exu nos cultos afro-
brasileiros, orixá que “come primeiro”, pois em qualquer ritualística em que sejam realizadas
oferendas rituais aos orixás, é Exu que recebe a primeira oferenda conhecida como Padê de
Exu, assim descrito por Carneiro (1967):
[...]No chão, haverá uma garrafa de azeite de dendê, um prato de farofa, talvez um
copo de água ou cachaça. Vai-se fazer o despacho (padê) de Êxu, o homem da rua,
um espírito que, como criado dos ôrixás, pode fazer o mal e o bem, indiferentemente,
dependendo da vontade do invocante. Aqui, entretanto, a cerimônia tem o sentido de
lhe pedir licença para realizar a festa, que poderia perturbar, se quisesse, pelo fato de
não haver sido homenageado. Êxu depois do despacho consegue a boa vontade dos
ôrixás para o sucesso da festa. Os atabaques começam a tocar, enquanto as filhas mais
velhas, dagã ou sidagã, especialmente designadas para êsse fim, dançando em tôrno
da comida sagrada, tira ora um pouco do azeite, ora um pouco de farofa, ora um pouco
de água, e vai jogá-los fora, à entrada da casa, para que o homem da rua possa recebê-
los. (CARNEIRO, 1967, p. 69).
Vê-se, pois, a importância simbólica das encruzilhadas nas ritualísticas afro-brasileiras
e é neste ponto que emerge outro elemento colhido a partir das respostas de alguns
entrevistados: a dificuldade enfrentada pela comunidade com o uso de encruzilhadas
urbanas para fins religiosos.
As oferendas encontradas nas encruzilhadas urbanas, comumente chamadas de
despachos174, estão relacionadas com um importante fundamento das religiões afro-brasileiras:
o sacrifício ritual de animais (ou abate religioso, ou ainda, sacralização de animais). Esse
não tinha rio, não tinha profissão, nem artes, nem missão. Exu vagabundeava pelo mundo sem paradeiro. Então
um dia, Exu passou a ir à casa de Oxalá. Ia à casa de Oxalá todos os dias. Na casa de Oxalá, Exu se distraía, vendo
o velho fabricando os seres humanos. Muitos e muitos também vinham visitar Oxalá, mas ali ficavam pouco,
quatro dias, oito dias, e nada aprendiam. Traziam oferendas, viam o velhor orixá, apreciavam sua obra e partiam.
Exu ficou na casa de Oxalá dezesseis anos. Exu prestava muita atenção na modelagem e aprendeu como Oxalá
fabricava as mãos, os pés, a boca, os olhos, o pênis dos homens, as mãos, os pés, a boca, os olhos, a vagina das
mulheres. Durante dezesseis anos ali ficou ajudando o velho orixá. Exu não perguntava. Exu observava. Exu
prestava atenção. Exu aprendeu tudo. Um dia Oxalá disse a Exu para ir postar-se na encruzilhada onde passavam
os que vinham à sua casa. Para ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse uma oferenda a Oxalá. Cada vez
mais havia mais humanos para Oxalá fazer. Oxalá não queria perder tempo recolhendo os presentes que todos lhe
ofereciam. Oxalá nem tinha tempo para as visitas. Exu tinha aprendido tudo e agora podia ajudar a Oxalá. Exu
coletava os ebós para Oxalá. Exu recebia as oferendas e as entregava a Oxalá. Exu fazia bem o seu trabalho e
Oxalá decidiu recompensá-lo. Assim, quem viesse à casa de Oxalá teria que pagar também alguma coisa e Exu.
Quem estivesse voltando da casa de Oxalá também pagaria alguma coisa a Exu. Exu mantinha-se sempre a postos
guardando a casa de Oxalá. Armado de um ogó, poderoso porrete, afastava os indesejáveis e punia quem tentasse
burlar sua vigilância. Exu trabalhava demais e fez ali sua casa, ali na encruzilhada. Ganhou uma rendosa profissão,
ganhou seu lugar, sua casa. Exu ficou rico e poderoso. Ninguém pode mais passar pela encruzilhada sem pagar
alguma coisa a Exu.” (PRANDI, 2001, p. 40-41). 174 Carneiro (1967) explica que o despacho, também conhecido como èbó, consiste em um “sacrifício de animais
aos orixás. Em geral consiste numa gamela com farofa de azeite de dendê, um galo, uma caveira de bode, moedas
de cobre ou de níquel, pedaços de pano vermelho, velas, uma boneca de pano...Muito comum nas encruzilhadas
ou ao pé da gameleira branca (pé de Lôko). O despacho é quase sempre preparado sem intenções ofensivas”
(CARNEIRO, 1967, p. 182).
139
fundamento está alicerçado em uma atmosfera de segredo acessível apenas a alguns membros
internos, e cujo aprendizado é transmitido oralmente dos mais velhos para os mais novos175.
Por meio dos saberes presentes no fazer do sacrifício ritual, os mais velhos, guardiões da
memória176, revivem os mitos de seus ancestrais, reforçam sentimentos de identidade,
pertencimento e afetividade, e cuidam da preservação e transmissão das memórias por ele
acionadas. Portanto, além de lugar de memória, o sacrifício ritual afrorreligioso é uma marca
identitária do sistema alimentar, ou seja, da cozinha votiva de terreiro, o que faz dele não apenas
um fundamento religioso, mas uma referência cultural e um saber-fazer177.
Dentre os rituais que compõem a oferenda de comida para as divindades do panteão
africano (a exemplo do acarajé) encontramos, não raramente, o sacrifício religioso de animais,
importante componente desse sistema culinário que agrega técnicas relacionadas às tradições
africanas, formando um conjunto de saberes e práticas culturais coletivas que são transmitidos
oralmente dos mais velhos para os mais jovens, segundo uma hierarquia religiosa:
Há sentido e função em cada ingrediente, e há significados nas quantidades, nos
procedimentos, nos atos das oferendas, nos horários especiais e dias próprios, no som
de cânticos, de toques de atabaque, agogô, cabaça e adjá ou do paô – bater palmas
seguindo ritmos específicos. (LODY, p. 29)
Assim como, por exemplo, o ofício das baianas de acarajé178 aciona todo um sistema
simbólico diretamente relacionado à memória da sua comunidade de pertencimento (no caso,
as religiões afro-brasileiras), o que dá suporte histórico e cultural a esse marcador identitário da
175 Rabelo (2015) explica que o processo de aprendizado no candomblé se assemelha ao trabalho de juntar folhas,
em virtude da fragmentação que se opera. Parte do conhecimento religioso “é considerado secreto (fundamento) e
mantido fora do alcance não só dos de fora, mas também daqueles, de dentro, que se situam na base da hierarquia
religiosa” (RABELO, 2015, p. 238). 176 “A guarda de uma memória comum é fator essencial na formação e manutenção de grupos (de tamanhos e tipos
variados), bem como é elemento base de sua transformação. Por isso, não pode sofrer mudanças abruptas ou
arbitrárias, sob o risco de desintegrar referenciais fundadores e ameaçar a própria manutenção da identidade do
grupo. Esta dimensão da memória, que lhe dá limites e demanda reelaboração permanente, vincula-se a um
fenômeno que a literatura especializada chama de “trabalho de enquadramento da memória”. Por conseguinte, o
enquadramento e a guarda da memória comum se retroalimentam, estando ligados à presença de uma figura
especial - porque singular no grupo e porque especializada -, que se reconhece e é reconhecida como o guardião
da memória. O guardião ou o mediador, como também é chamado, tem como função primordial ser um “narrador
privilegiado” da história do grupo a que pertence e sobre o qual está autorizado a falar.” (GOMES, 1996, p. 21). 177 Rabelo (2015) traz uma breve descrição de uma das muitas nuances presentes nesse saber-fazer. Trata-se do
que a autora chama de composição em camadas: “a arrumação dos materiais usados nas oferendas segue um modo
de composição similar. As partes dos bichos sacrificados destinadas aos orixás são depositadas em um alguidar e
parcialmente recobertas seja com uma espessa camada de penas, seja com materiais como milho branco, arroz, ou
feijão, também ofertados. Em alguns casos flores são “plantadas” sobre a base de grãos cozidos.” (RABELO, 2015,
p. 243). 178 Em 2007 o IPHAN publicou o Dossiê relativo ao registro do ofício das baianas de acarajé como patrimônio
cultural do Brasil, no Livro dos Saberes. Para saber mais ver: BRASIL. Ministério da Cultura. Ofício das baianas
de acarajé. Brasília, DF: IPHAN, 2007.
140
culinária de terreiro, também o sacrifício ritual aciona, entre os membros do grupo de
pertencimento, esse mesmo universo mítico-simbólico o que faz dele um lugar de memória.
Entretanto, se por um lado o ofício das baianas de acarajé, aqui utilizado como elemento
de comparação, constitui um lugar de memória enaltecido e preservado que alcançou o patamar
de patrimônio cultural imaterial em detrimento de tantas outras referências identitárias da
religiosidade afro-brasileira, o sacrifício religioso de animais parece passar longe de ser tomado
como uma referência cultural.
Neste contexto, entender as diferenças simbólicas existentes entre o ofício do acarajé e
fundamento do sacrifício ritual passa pelos tipos de ressonâncias externas provocadas por
ambos. Se de um lado temos uma ressonância externa positiva do acarajé: comida típica erigida
a símbolo nacional (assim como vemos com a feijoada), a ressonância externa provocada pelo
sacrifício ritual parece remeter ao que Maggie (1992) chamou de “medo do feitiço”. A autora
ressalta que esse medo se formou a partir das impressões provocadas pelos despachos
normalmente depositados nas encruzilhadas, cujas imagens povoam o imaginário popular
dando origem a uma espécie de “medo infantil” que “ninguém esquece [...] ao ver vela, galinha
preta, pele de cobra seca, alguidar com farofa, panos vermelhos e pretos, garrafas de cachaça
na esquina de casa” (MAGGIE, 1992, p. 21).
Maggie (1992) destaca que a crença na magia179 é algo compartilhado por pessoas de
todas as classes no Brasil e que sobrevive desde os tempos da Colônia. Acredita-se que feitiços
podem trazer malefícios mas também sorte, prejuízo ou sucesso financeiro, união ou separação
de casais, cura de doenças ou morte prematura, dentre outras fatalidades ou conquistas inerentes
à trajetória humana (DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016).
Mas, sobretudo, o medo dos possíveis malefícios causados por feitiços trouxe graves
consequências para as religiões afro-brasileiras: na República deu origem a mecanismos
reguladores de combate aos chamados feiticeiros, a partir do Código Penal de 1890180; na
179 Durkheim (2003) estabelece uma distinção entre magia e religião segundo a qual o elemento crucial de distinção
entre ambas está relacionado ao caráter público que se encontra na religião mas não se encontra na magia. Enquanto
a magia se reserva a espaços mais privados, se esconde do público e não tem a função de promover a unidade e a
identidade entre os membros de um grupo, a religião tem um caráter público que está consubstanciado pela igreja,
definida por pelo autor como “[...] uma sociedade cujos membros estão unidos por se representarem de uma mesma
maneira o mundo sagrado e por traduzirem essa representação comum em práticas comuns” (DURKHEIM, 2003,
p. 28). 180 O Código Penal de 1890 instituiu três artigos que criminalizavam a prática ilegal da medicina (artigo 156), a
prática da magia (artigo 157) e o curandeirismo (artigo 158). Transcrevemos aqui o artigo 157 por guardar maior
relação com a temática ora explorada: “Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs
e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim
para fascinar e subjugar a credulidade pública. Penas – prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a
500$000. [...]” (BRASIL, 1890).
141
atualidade continua alimentando o preconceito e os estigmas181 que acompanham os religiosos
e suas liturgias desde o pós-abolição, especialmente o sacrifício religioso de animais
(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). A seguinte fala parece refletir essa realidade:
O grande problema está nas encruzilhadas porque elas são em um ambiente urbano e
muitas vezes os rituais requerem não encruzilhadas desertas, mas encruzilhadas
movimentadas. [...] É esse o grande problema que é onde nós nos confrontamos com
a polícia, que alguns passam fazendo de conta que não veem mas tem muitos que
gostam de abordar e se você conversar vai preso. Eu já fui abordado mas graças a
Deus liberaram, fui com minha cara, rezei muito, fiz muita manobra espiritual do
candomblé para ele relevar aquilo. Mas as vezes é na hora mesmo, você está
colocando a oferenda na encruzilhada, que é um espaço urbano, aí passa um carro de
polícia aí para, dá a volta, aí atrapalha a concentração, atrapalha os pedidos que você
está fazendo para aquela pessoa e aí é um grande problema. (ODÉ, 2016, informação
verbal182).
Neste sentido, para além do processo de urbanização que avança indiscriminadamente
trazendo dificuldades no que se refere a utilização das encruzilhadas urbanas pela comunidade
afrorreligiosa, e neste sentido é elucidativa a fala da entrevistada Conceição (2016): “[...]A
gente não tem mais lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E tem construções, tem
avenidas, tem ruas importantes[...]”; nota-se a existência de um outro aspecto que norteia essa
relação complexa: é o “medo do feitiço”. E este fator está intrinsicamente relacionado com o
preconceito histórico e o estigma que marca as religiões afro-brasileiras ainda nos dias
atuais.
A partir do chamado “medo do feitiço”, especialmente da crença na capacidade dos
feiticeiros produzirem malefícios diversos pelo uso da magia, foram alicerçados critérios de
discriminação que ainda acompanham as religiões afro-brasileiras, suas liturgias e seus fiéis
(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). A alcunha de macumbeiro, originalmente
utilizada como sinônimo de feiticeiro, hoje é dirigida indiscriminadamente aos afrorreligiosos
como um estigma (GIUMBELLI, 2002).
Essa espécie de herança histórica que ainda persegue a comunidade afrorreligiosa é
denunciada nas falas de alguns entrevistados: “[...]Aqui ainda tem aquela questão que pensam
‘porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?’ [...]no nosso Estado existe uma
181 Maggie (1992) aponta que, de 1890 a 1940, o Código Penal proporcionou discussões sobre o que era prática
religiosa e o que era prática de magia, sobre quem era religioso e quem era feiticeiro, como uma forma de
desqualificar crenças e cultos tidos como de negros e pobres, em outras palavras, as religiões afro-brasileiras
(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). 182 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
142
questão de barreira de preconceito mesmo[...]” (SAHARA, 2016, informação verbal183); “[...]
por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e pegue uma água e alguém te olhe
pegando e diga “macumbeiro!”, mas você não consegue trazer o mar pra dentro de casa[...]”
(XANGÔ, 2016, informação verbal184); “[...]Cachoeira frequentada é a cachoeira de
Macambira, se for de manhãzinha cedo [...] porque depois já começa a encher de gente e muitos
ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal185); “[...]As pessoas não se importam
tanto com a presença da gente [...]muitos até cantam com a gente, bate palma, vai
acompanhando os pontos, entendeu?!. Mas infelizmente aqui [em Aracaju] as coisas estão mais
difíceis[...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal186); “[...]Acho que seria muito legal mas
não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe o
preconceito[...]” (OGUM, 2016, informação verbal187).
Vê-se, portanto, que “a liberdade religiosa no Brasil foi sendo construída num cenário
em que se distinguiam quais religiões teriam direito à proteção legal e quais eram práticas
consideradas antissociais, devendo ser perseguidas” (MIRANDA, 2010, p. 129). A construção
do discurso que colocou os cultos afro-brasileiros como práticas primitivas e associados à
feitiçaria teve início ainda nos tempos de Colônia mas se consolidou de tal forma que ainda está
presente no imaginário social (MAGGIE, 1992). Disso decorre uma maior intolerância com
relação às manifestações da religiosidade afro-brasileira que carregam até hoje o estigma do
preconceito e da segregação racial praticada contra os negros (GIUMBELLI, 2002).
Outro elemento que emergiu a partir das respostas analisadas na Tabela 5 foi a existência
de reivindicação de criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas, cujo
modelo citado pelos entrevistados faz referência ao Espaço Sagrado existente no Rio de Janeiro.
Em contrapartida, essa reivindicação é acompanhada de uma descrença quanto à
concretização desta iniciativa em Sergipe (que, por sua vez, se entrelaça com o preconceito
sofrido pela religião). Vejamos trechos das entrevistas que abordam essa tríade (reivindicação-
descrença-preconceito):
183 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 184 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 185 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 186 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 187 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
143
[...] teve até uma conversa com o governo de um Espaço Sagrado, por entender a
necessidade da manutenção desses espaços da natureza que é importante para nós de
matriz africana, mas até agora a gente não avança na discussão. A gente conversou
com o governo, o governo diz que estava fazendo um local que seria um jardim
botânico e podia ver se adaptava esse local pra também ser um espaço que as matrizes
africanas utilizassem para manutenção da sua liturgia, mas não avança. Sempre é uma
conversa que vai e para o caminho. Como tem em outros estados, tem no Rio, tem em
outros lugares e funciona muito bem no Rio de Janeiro e os terreiros mantem aquela
área ali preservada porque é nossa tradição preservar a natureza, mas aqui as conversas
não avançam. (LEGBARA, 2016, informação verbal188).
Existe uma intenção da prefeitura de São Cristóvão de tombar aquilo ali como
patrimônio porque é mata Atlântica também. Nós já entramos com um pedido na
época de Dr. Lauro Rocha, isso eu me lembro, de transformar ali num parque
ecológico de axé, que seria uma reserva de mata protegida, tombada pelo município,
para utilização dos afrorreligiosos como existe em Niterói, como existe no Rio de
Janeiro que existem parques eco-axés onde as pessoas vão para lá para fazer seus
trabalhos. Existe uma pessoa na frente a quem se paga uma certa quantia para ter
acesso, uma taxa de utilização, e você tem o rio, tem a mata, e tem uma pessoa
responsável para sair limpando a área. Então isso já foi um projeto muito grande, na
época de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do rio Pitanga,
de ser um parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e não foi mais adiante. Hoje em
dia eu acho necessário termos uma união e tentarmos transformar ali o rio Pitanga em
um Eco Parque Axé. Seria uma forma de pensar no futuro porque a gente teria uma
água corrente de boa qualidade, uma mata com espécies nativas e espaços bons para
arriar nossos trabalhos. [...] Já se foi tocado nesse assunto várias vezes com a
prefeitura de São Cristóvão e nenhum retorno foi dado. Aqui ainda tem aquela questão
que pensam “porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?” E no Rio de
Janeiro isso se superou até porque o culto afro lá é muito importante, eles têm uma
outra visão. Já no nosso Estado existe uma questão de barreira de preconceito mesmo.
Então uma política pública de preservação de espaços públicos naturais para utilização
dos afrorreligiosos seria excelente, mas infelizmente a gente conta com muito
preconceito em cima disso. Isso já foi citado na Assembleia Legislativa, na Câmara
de Vereadores aqui de Aracaju, porque a gente pensou também no Parque da Cidade
em ter uma área reservada para os afrorreligiosos, isso eu me lembro que nos anos
2000/2001 a gente já citou essa situação e perdemos naquela época com a bancada
evangélica, foi quando conseguimos que Déda também valorizasse os terreiros e que
isentasse do IPTU, isso a gente conseguiu, mas a questão da reserva nunca.
(SAHARA, 2016, informação verbal189).
[...]Ali seria um ambiente perfeito para a gente que tem casa de santo, se fosse um
lugar tipo pela prefeitura ou por algum órgão municipal, que separasse aquele espaço
para a gente, uma espécie de santuário, seria perfeito. Acho que seria muito legal mas
não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe
o preconceito. Existe a bancada evangélica hoje em dia que acaba interferindo de uma
certa forma. Seria interessante ter um ambiente para a gente da religião, mas o mais
interessante seria a gente poder usar qualquer ambiente[...]. (OGUM, 2016,
informação verbal190).
O “Projeto Espaço Sagrado”, citado como modelo por alguns entrevistados, se
consolidou em 2012 e possibilitou a criação de um espaço específico para rituais afrorreligiosos
188 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 189 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 190 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
144
no Parque Nacional da Floresta da Tijuca191, no Rio de Janeiro. Em 2014 o projeto se expandiu
para dois outros locais, a Cachoeira Sagrada do Rio da Prata e o Espaço Pretos Forros e
Covanca.
O Programa Ambiente em Ação192 é fruto de iniciativa da Superintendência de
Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro em parceria com
a Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, e possui como objetivo principal “apoiar a
construção coletiva da sustentabilidade ambiental através da articulação, fortalecimento e
implementação de políticas públicas voltadas para questões sociais, culturais e ambientais”
(CORRÊA et. al., 2013, p. 3).
A linha de ação voltada para o público afrorreligioso é desenvolvida pelo projeto Elos
da Diversidade193, e foi criada com o objetivo de enfrentar e buscar soluções para o conflito194
envolvendo o uso público religioso de áreas naturais protegidas por lei, como é o caso do Parque
Nacional da Tijuca. Trata-se de um processo coletivo de construção de políticas públicas aptas
a garantir e proteger a diversidade ambiental e cultural em unidades de conservação, “com foco
na criação de um Espaço Sagrado coletivamente pensado e gerido e legalmente instituído, que
atenda às necessidades e demandas da conservação da natureza e de seu público religioso
191 O referido projeto é fruto de oito anos de conversas com representantes das religiões afro-brasileiras, que
levaram à criação do Decálogo das Oferendas, texto voltado para a educação ambiental e religiosa, tendo em vista
o risco ambiental que oferendas podem causar, devido ao uso de elementos como velas, carcaças de animais,
garrafas de vidro e potes de barro, potencialmente incendiários ou poluidores (NITAHARA, 2014). O Decálogo
das Oferendas foi escrito por integrantes da ONG Defensores da Terra e o templo Ilê Omi Oju Arô, e “pontua os
cuidados que devem ser tomados na escolha do local para a realização da oferenda, os ‘5 R’s das oferendas: reduzir,
reaproveitar, reciclar, responsabilizar e recolher’, o uso de materiais biodegradáveis nas oferendas, e ainda pontos
polêmicos entre os próprios religiosos como o uso, ou não, de velas e o tempo mínimo que a oferenda precisa ficar
na natureza (BONIOLO, 2015, p. 6). 192 O Programa atua em três linhas de ação voltadas para grupos sociais discriminados e em situação de maior
vulnerabilidade social e ambiental, como os moradores de comunidades de favelas cariocas, os adeptos das
religiões afro-brasileiras e o público LGBT, “buscando enfrentar os conflitos, discriminações, preconceitos e
injustiças sociais e ambientais históricas vivenciadas por eles” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4). 193 “O Elos da Diversidade pode ser entendido como uma política pública que tinha três metas: a construção da
infraestrutura do Espaço Sagrado, a regulamentação do seu uso por meio de regras construídas em conjunto com
os religiosos e atividades de educação ambiental, que consistiam em oficinas com a finalidade de discutir a
reformulação das práticas religiosas e incentivar o uso de elementos biodegradáveis, situando os grupos religiosos
dentro de um contexto mais amplo dos discursos ambientalistas de preservação da natureza. Além do mais, podia
ser entendido como um grupo formado por religiosos de matriz afro-brasileira (umbanda e candomblé), por
professores acadêmicos, por uma equipe de apoio administrativa e de eventos e, ainda, por funcionários da
SEAM/SEA. Um conjunto de dez religiosos “mais velhos” – considerados pelos membros do Elos, os mais
tradicionais da cidade, tanto do candomblé como da umbanda, chamados de Guardiões do Sagrado e da Natureza
– finalizava a lista dos integrantes” (BONIOLO, 2015, p. 7). 194 Boniolo (2015) esclarece que o projeto de construção de um espaço sagrado destinado ao uso religioso da
comunidade de matriz afro-brasileira surgiu como desdobramento dos impedimentos por parte dos funcionários
do Parque Nacional da Tijuca quanto ao uso do espaço público da floresta por parte dos religiosos. Neste sentido,
“representantes de ONGs, professores acadêmicos, religiosos de matriz afrobrasileira e funcionários do Parque
passaram a discutir a temática da oferenda com o objetivo de encontrar maneiras de garantir que os direitos
constitucionais dos religiosos fossem assegurados, e que, ao mesmo tempo, os direitos de proteção do Parque
fossem mantidos” (BONIOLO, 2015, p. 4-5).
145
usuário” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4). Busca-se, com essa iniciativa, “resgatar a sacralidade
da natureza e fortalecer os elos entre os conhecimentos tradicionais e científico, como meios
para a sustentabilidade social e ecológica” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4).
Através do Projeto Espaço Sagrado foi urbanizado um local conhecido como Curva do
S195, no Alto da Boa Vista, para transformá-lo oficialmente em um espaço para a realização de
oferendas religiosas (NITAHARA, 2014). O local escolhido já era um espaço tradicionalmente
utilizado pelas religiões afro-brasileiras em suas liturgias, configurando-se, assim, como um
sítio natural sagrado para essa comunidade.
A discussão em torno dos sítios naturais sagrados vem ganhando visibilidade na
literatura internacional, bem como em eventos promovidos pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a União Internacional para a
Conservação da Natureza (IUCN). Fernandes Pinto e Irving (2015) destacam a importância de
ações para o mapeamento e a salvaguarda de sítios naturais sagrados, o que também é destaque
nos fóruns internacionais sobre políticas públicas, demonstrando o reconhecimento
internacional dos direitos dos povos tradicionais e da importância dos seus conhecimentos para
a conservação da biodiversidade e biocultura (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).
Fernandes Pinto e Irving (2015) realizaram levantamento bibliográfico em que foram
identificados 60 (sessenta) lugares no território nacional em que “elementos naturais são
imbuídos de sacralidade por determinados grupos sociais e que, portanto, correspondem aos
denominados sítios naturais sagrados no Brasil”196, havendo predominância de lugares sagrados
para o catolicismo e as religiões de matriz africana (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015, p.
398).
195 Boniolo (2015) explica que “a Curva do S não foi a primeira opção dos atores dessas discussões, mas acabou
sendo escolhido por abrigar os elementos naturais indispensáveis aos rituais religiosos, como pedra, água, árvores
e, principalmente, pela privacidade. Ainda que às margens de uma avenida, o lugar fica protegido do olhar de
quem passa pela estrada. [...] O lugar, já frequentado pelos religiosos, ganharia uma infraestrutura que permitiria
aos frequentadores mais “conforto” e “dignidade”. [...] O projeto consistia/consiste em reformular o interior da
Curva do S para melhorar as condições das práticas rituais. Desde o primeiro croqui até a maquete apresentada em
2013, foram planejados banheiros, telefone público, composteira, vestiários, bancos, construção de rampas para
facilitar o acesso de deficientes físicos e idosos, coleta regular de lixo e um espaço em que pudesse ser realizado
cerimônias, eventos e até oficinais de reformulação das oferendas” (BONIOLO, 2015, p. 5). 196 “Esses sítios - representados por cavernas, montanhas, cachoeiras, matas, formações rochosas, cursos de água,
lagoas, dunas e árvores - estão distribuídos em 14 estados brasileiros, destacando-se os do Rio de Janeiro, Bahia e
Minas Gerais” (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015, p. 398). Corrêa et. al (2013) destaca, contudo, que “o
reconhecimento de áreas sagradas no Brasil caminha a passos lentos. Desde que o país assinou a convenção para
salvaguarda do patrimônio imaterial, em 2003, apenas uma área foi reconhecida oficialmente como sagrada, a
Cachoeira do Iauaretê do Rio Uaupés, na região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas. Para o pensamento
preservacionista brasileiro, o uso religioso da natureza não é um dos objetivos da conservação, que não veem com
bons olhos a presença de religiosos no interior das unidades” (CORRÊA et. al., 2013, p. 12).
146
O referido estudo, sustentado pela literatura internacional, demonstra que existe uma
tendência mundial no sentido de que muitos desses sítios naturais sagrados tenham sido
incorporados a áreas oficialmente designadas como de conservação e proteção da natureza.
Também sinaliza para o fato de que a relação entre os povos tradicionais que mantém laços
culturais e religiosos com os sítios naturais sagrados e a gestão das áreas protegidas no Brasil
tem sido atravessada por conflitos relacionados ao direito de acesso e uso desses espaços
naturais (FERNANDES-PINTO, IRVING, 2015, p. 402).
Para um melhor enfrentamento e solução desses conflitos a parceria entre os usuários
religiosos das unidades de conservação e a administração pública é vista como fundamental
(SERPA, 1996 apud FERNANDES-PINTO, IRVING, 2015, p. 402). Neste sentido, o projeto
“Espaço Sagrado” constitui uma iniciativa emblemática no Brasil que merece destaque pela
complexidade197 envolvida e pelo objetivo de favorecer "o diálogo entre os saberes religiosos e
o conhecimento científico que, por caminhos e olhares diferentes, cuidam e protegem a
natureza" (CORRÊA et al., 2013, p. 4).
Todo o processo de implantação do “Espaço Sagrado” foi calcado na parceria entre a
comunidade afrorreligiosa (usuários tradicionais do parque), pesquisadores, acadêmicos,
ambientalistas e representantes da administração pública. Buscou-se compatibilizar a
necessidade da proteção ambiental com o respeito pela diversidade das expressões
culturais/religiosas tradicionalmente construídas nas áreas protegidas, consolidando a
instituição de um espaço sagrado fruto do planejamento e gestão participativa (CORRÊA et al.,
2013).
O resultado concreto dessa iniciativa foi a implantação, em 2012, do Espaço Sagrado da
Curva do S (no Parque Nacional da Tijuca), e em 2014 a expansão do projeto para dois outros
locais, a Cachoeira Sagrada do Rio da Prata (em Campo Grande/RJ) e o Espaço Pretos Forros
e Covanca (em Jacarepaguá/RJ). Os Espaços Sagrados da Curva do S e da Cachoeira do Rio
Prata são destinados aos cultos e liturgias das religiões de matriz africana, enquanto o Espaço
Sagrado de Jacarepaguá é destinado para a prática religiosa evangélica (FERNANDES-PINTO,
IRVING, 2015).
197 O Parque Nacional da Tijuca, também conhecido como Floresta da Tijuca, está situado no centro urbano do
Rio de Janeiro inserido em uma região de grande visitação turística. O local tem grande importância histórica,
arqueológica, artística e cultural, além de ser utilizado pelos afrorreligiosos como sítio natural sagrado (para
realização de cultos e liturgias) desde o período colonial, do que resulta uma profunda complexidade para a sua
gestão e harmonização de tantas formas concorrentes e distintas de uso (MOUTINHO DA COSTA, 2008;
FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).
147
O exemplo do Parque Nacional da Tijuca sinaliza para a possibilidade de uma gestão
participativa198 de sítios naturais sagrados em áreas de conservação ambiental, capaz de
conciliar os interesses da comunidade afrorreligiosa aos objetivos de conservação da natureza
(FERNANDES PINTO; IRVING, 2015). Esse projeto pioneiro demonstra a possibilidade do
diálogo e harmonização de interesses na busca tanto da proteção ambiental quanto cultural.
A experiência consubstanciada no projeto “Espaço Sagrado” demonstra, também, a
“importância de se levar em consideração no fluxo do processo de planejamento aqueles que
estão mais próximos às ações resultantes das políticas, ou seja, vêem o processo de baixo para
cima (bottom up199) [...]” (OLIVEIRA, 2006, p. 278-279). Trata-se de um bom exemplo do
quanto os processos participativos podem ter um efetivo potencial de emancipação e mudança
de comportamentos, possibilitando a aprendizagem coletiva e fortalecendo o processo
democrático e a cidadania, de modo que “a participação viabiliza uma ‘humanização’ das
políticas sociais, colocando os próprios atores no centro do processo” (MARQUES, 2009, p.
67). Portanto, a participação dos atores sociais diretamente interessados na criação das diretrizes
das políticas públicas das quais serão destinatários representa um aprofundamento do processo
democrático200 (OLIVEIRA, 2006).
Entretanto, é bom ressaltar que não basta uma gestão participativa para se garantir o
sucesso da política pública. Neste sentido, Rodrigues (2013), tratando sobre o modelo dos ciclos
das políticas públicas, esclarece que estas são “concebidas como um processo, composto por
um conjunto de atividades [...] que visam atender às demandas e interesses da sociedade”.
Dentre essas atividades ou estágios que compõem os ciclos das políticas públicas, a autora
198
Sobre gestão participativa em Unidades de Conservação, Coelho (2010) pontua que ela “[...] engloba ações de:
Planejamento e monitoramento participativos que são realizadas com todos os atores envolvidos desde o início
do processo de forma coletiva reconhecendo a diversidade de saberes; Educação ambiental uma vez que o
processo de gestão desencadeia produção de novos conhecimentos, posicionamento político e conscientização que
capacita a criação de alternativas aos problemas enfrentados até a tomada de decisões coletivas e partilha de
responsabilidades; Fiscalização que, ao proporcionar socialização de informações e esclarecimentos, possibilita
mudanças de atitudes, bem como intervenções diretas relacionadas às ações criminosas praticadas no bioma”
(COELHO, 2010, p. 109). 199
Os defensores do sistema de participação popular bottom up sustentam que os atores sociais conhecem de perto
a realidade e quais os melhores caminhos para alcançar o resultado almejado, e que essa modalidade de
participação popular torna o processo mais democrático (OLIVEIRA, 2006, p. 279). 200 O processo democrático, diferente do que o senso comum supõe, não diz respeito a um regime de convívio
harmonioso, ao contrário, está diretamente relacionado a existência de conflitos sociais. Oliveira (2010), citando
o pensamento de Claude Lefort, pontua que para o autor “a democracia não é um regime que traz consigo a solução
para o problema da convivência humana, colocando ‘o povo’ no poder e instituindo assim a ‘boa sociedade’”
(OLIVEIRA, 2010, p. 23-24). Portanto, para Lefort, “a democracia, sob pena de perder-se, não pode ser realizada!”,
devendo permanecer no “nível simbólico”, sendo impossível realiza-la sem divisões e conflitos sociais, fora de um
“regime de fissuras” (OLIVEIRA, 2010, p. 24).
148
destaca: “preparação da decisão política201, agenda setting202, formulação203, implementação204,
monitoramento205 e avaliação206” (RODRIGUES, 2013, p. 47). A observância dessas atividades
facilita que a implementação da política pública efetivamente venha a atender às demandas e
interesses sociais para os quais foi engendrada, assegurando, assim, a promoção da justiça social
e a consolidação do processo democrático (RODRIGUES, 2013).
Sobre espaços naturais externos que deixaram de ser utilizados pelos terreiros
investigados foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:
→ BLOCO V, PERGUNTA 4 - Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que
outrora era utilizado de forma habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais
possível? Qual ou Quais?
PERGUNTA 5 – Sabe informar por que o uso não é mais possível?
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 4
e 5, constantes no Bloco V:
201 É nessa etapa que ocorre o processo decisório para escolher quais problemas serão incluídos na agenda governamental,
portanto, refere-se à “formação da questão a ser resolvida” pelo governo (RODRIGUES, 2013, p. 47). 202 Esse estágio “diz respeito à formação da agenda. [...] o problema [...] adquire o status de ‘problema público’ – e as
decisões sobre esse problema resultarão, efetivamente, no desenho de políticas ou programas que deverão ser
implementados (na etapa seguinte)” (RODRIGUES, 2013, p. 48). 203 Nesse estágio “a discussão passa a girar em torno do desenvolvimento de cursos de ações aceitáveis e pertinentes
para lidar com determinado problema público. Nesse momento, o governo traduz a questão que entrou na agenda pública
em política (isto é, desenha o programa/política e apresenta a proposta para solucionar tal questão), definindo seus
objetivos e marcos jurídico, administrativo e financeiro [...]” (RODRIGUES, 2013, p. 50). 204 “Significa, em termos gerais, a aplicação da política pela máquina burocrática do governo. Essa etapa refere-se
também ao estágio de planejamento administrativo e de recursos humanos do processo político. [...] Trata-se, portanto,
do momento de preparação para colocar as ações de governo em prática. [...] Os resultados dessa etapa do processo [...]
constituem-se no impacto do programa ou política implementada” (RODRIGUES, 2013, p. 51). 205 Esse estágio é fruto da “necessidade de realizar uma avaliação pontual (monitoramento) das ações de governo
referentes ao impacto da implementação. Durante o monitoramento abre-se a possibilidade de corrigir os rumos da
implementação, não só para que o desempenho das ações seja maximizado, mas também para que estes levem em conta
se a relação meios-fins está adequada e se as metas previamente propostas têm, de fato, efetividade” (RODRIGUES,
2013, p. 51). 206 “[...] a atividade de avaliação de resultados da política/programa concentra-se nos efeitos gerados, além de oferecer
subsídios que possibilitem perceber em que medida as metas foram, de fato, atingidas (ou não) e de orientar a tomada
de decisões sobre o futuro dessas ações. A avaliação consiste, portanto, numa análise a posteriori dos efeitos produzidos
pelas políticas públicas” (RODRIGUES, 2013, p. 52).
149
Tabela 6 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 4 e 5, bloco V.
PERGUNTA 4: Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que outrora era utilizado de forma habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais possível?
Qual ou Quais?
PERGUNTA 5: Sabe informar por que o uso não é mais possível?
IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do
Socorro
Início das atividades: 1995
Pergunta 4: As encruzilhadas da cidade.
Pergunta 5: Por vários motivos né, por ter consciência mesmo da
preservação dos espaços, não é nem isso que eu quero dizer, é que
não tem necessidade da gente tá levando pras encruzilhadas garrafa
de vidro, agridais, pra tá poluindo. Então a gente pode levar as
folhas da mamona, fazer umas cestinhas no jornal e levar, mas aí
teve a questão também da poluição de dizer que tá poluindo a
cidade, que teve também um ato aí há pouco tempo, um tempo aí
desses atrás de que botaram uma cabeça de boi, não sei quantos
bodes, não sei quantas garrafas de cachaça na encruzilhada e isso
repercutiu muito mal para a gente, pra religião, porque é um
desperdício né? Você pegar sete bodes, não sei quantas galinha né,
a cabeça de boi, mocotó e botar na rua pra estragar, porque o Orixá
ele quer a oferenda mas aquela carne pode dar pra comunidade
comer, então a gente tem essa consciência de que não precisa fazer
esse desperdício. E as garrafas de botar a cachaça, que tem a
entidade realmente que tem que receber as oferendas deles na rua,
e a gente chegou a uma conclusão que antigamente não existia
vidro, não existia garrafa e era feita essas oferendas e de que forma?
Com as coisas naturais, que era as cabaças então a gente chega a
conclusão que o Exu vai receber a oferenda da mesma forma, se
você não tiver a cabaça você leva a garrafa, você despeja e traz a
garrafa de volta pro lixo, pra não deixar lá, pra não poluir e não
denegrir mais ainda a nossa religião. Eu acho também que a questão
é de consciência sabe? Os direitos humanos fala muito sobre isso,
sobre a questão da poluição né e eu moro num lugar que você vê
que ele é abençoado pelos orixás mas nem todo mundo mora nesses
lugares, tem pessoas que moram no Augusto Franco que tem sua
casa no Augusto Franco, e aí tem que ter essa consciência de vai
levar seus ebós se não tiver outro jeito, que tem que ir pra rua, tem
que ir pra encruzilhada, que não vá botar na porta de ninguém pra
depois as pessoas não tá difamando, chutando, varrendo e xingando
né, que bote em algum espaço que não incomode ninguém porque
o Orixá vai aceitar da mesma forma. É que tudo é questão de
consciência também, tem coisas que a gente tem que fazer, como
As encruzilhadas da cidade; É que não
tem necessidade da gente tá levando
pras encruzilhadas garrafa de vidro,
agridais, pra tá poluindo. Tem que ter
essa consciência de vai levar seus
ebós se não tiver outro jeito, que tem
que ir pra rua, tem que ir pra
encruzilhada, que não vá botar na
porta de ninguém pra depois as
pessoas não tá difamando, chutando,
varrendo e xingando né, que bote em
algum espaço que não incomode
ninguém porque o Orixá vai aceitar da
mesma forma.
Assim como em algumas respostas apresentadas
na Tabela 4, aqui também se destaca a relação
diferenciada da religião com o espaço público,
especialmente as encruzilhadas urbanas.
Se por um lado a entrevistada reforça a
necessidade de utilização das encruzilhadas
urbanas quando afirma que “tem a entidade
realmente que tem que receber as oferendas
deles na rua”, por outro ela aponta duas razões
para uma mudança na utilização desses espaços:
1. Para evitar a poluição do espaço urbano: “não
tem necessidade da gente tá levando pras
encruzilhadas garrafa de vidro, agridais, pra tá
poluindo”;
2. A imagem negativa associada à religião em
razão dos ebós deixados nas encruzilhadas:
“botaram uma cabeça de boi, não sei quantos
bodes, não sei quantas garrafas de cachaça na
encruzilhada e isso repercutiu muito mal para a
gente, pra religião”; “que não vá botar na
porta de ninguém pra depois as pessoas não tá
difamando, chutando, varrendo e xingando né,
que bote em algum espaço que não incomode
ninguém”
150
tem que fazer um agradozinho na porta de uma igreja, fazer um
agradozinho na porta de um banco, entendeu? A gente faz mas não
precisa levar materiais que não vai se decompor ali, a gente pode
usar folhas que não vai ter problemas depois, que o tempo come e
não vai ter problemas depois.
2. Legbara
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 4: Não tenho conhecimento, até porque acho que nunca
teve um lugar específico dos terreiros, sempre são variedades de
lugares. Onde a gente encontra o melhor espaço aí ali é utilizado. A
não ser que seja um braço de rio que tem ali em São Cristóvão que
ali era muito utilizado, a gente ia, mas que hoje ele não tem
condições.
Pergunta 5: tanto pela criminalidade que é um local que se tornou
muito perigoso, tanto pela poluição também do rio, nesse pedacinho
desse rio aí, que ele se divide em uma ponte de um lado a outro, e o
lado de cá já não utiliza mais de forma nenhuma, o outro do lado de
lá é que muitos terreiros iam usar lá aquele espaço, a gente pouco
usa lá enquanto terreiro, não lembro o tempo que eu fui. Mas eu
lembro que era muito utilizado, mas não sei hoje como é que tá.
Termina que os esgotos desembocam nos rios e aí traz a morte do
rio.
Não tenho conhecimento. A não ser
que seja um braço de rio que tem ali
em São Cristóvão que ali era muito
utilizado, a gente ia, mas que hoje ele
não tem condições, tanto pela
criminalidade como pela poluição.
A violência e a poluição são indicados como
fatores que impedem a continuidade de uso de
ambientes naturais que, tempos atrás, eram
usados para fins litúrgicos. Por sua vez, a
entrevistada parece sinalizar que tanto a
violência quanto a poluição são desdobramentos
da urbanização, visto que suas falas fazem
referência a processos de mudança, ou seja, de
uma situação que já foi favorável mas que se
modificou. Vejamos: “[...]pela criminalidade
que é um local que se tornou muito perigoso,
tanto pela poluição também do rio [...]Mas eu
lembro que era muito utilizado, mas não sei hoje
como é que tá. Termina que os esgotos
desembocam nos rios e aí traz a morte do rio.”
3. Oxum
Localização: Palestina, Aracaju
Início das atividades: 1990
Pergunta 4: Eu prefiro sempre a parte mais calma porque aqui em
Aracaju o que encontra? Hoje, por exemplo, pra você despachar um
ebó fica difícil, porque chega ali naquela encruzilhada ali arreia,
existem aqueles que respeitam aqueles que tem medo, e aqueles
também que não respeitam e nem tem medo, chega lá chuta, cospe,
xinga, não está prejudicando a ninguém está prejudicando a si
mesmo, mas eu não gosto que faça. Então eu prefiro botar no carro
e ir levar onde eu sei que vai ser mexido por pássaros, animais.
Pergunta 5: Em Aracaju o espaço acabou pra isso, por causa do
crescimento da cidade. Mas não tenho nada contra o progresso, eu
acho que cada um vai buscar seus meios, o progresso é maravilhoso.
A nossa cidade evoluiu, se urbanizou.
Hoje, por exemplo, pra você
despachar um ebó fica difícil. Em
Aracaju o espaço acabou pra isso, por
causa do crescimento da cidade. A
nossa cidade evoluiu, se urbanizou.
Mais uma vez a dificuldade de uso das
encruzilhadas urbanas é apontado: “Hoje, por
exemplo, pra você despachar um ebó fica difícil,
porque chega ali naquela encruzilhada ali
arreia, existem aqueles que respeitam aqueles
que tem medo, e aqueles também que não
respeitam e nem tem medo, chega lá chuta,
cospe, xinga [...]”. O crescimento da cidade é
apontado como causa da ausência de espaços em
Aracaju: “Em Aracaju o espaço acabou pra
isso, por causa do crescimento da cidade”.
Apesar desse cenário a entrevista acha positivo
o que ela chama de progresso e evolução: “A
nossa cidade evoluiu, se urbanizou.”
4. Oyá
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 1963
Pergunta 4: O próprio parque da cidade. Eu sei que teve uma
menina que foi pegar umas folhas e na hora que ela pegou a folha e
foi saindo, mas já tem um tempo bom, aí perguntaram a ela onde foi
que ela achou. Ela disse “eu precisei e fui tirar”. Aí ele disse “isso
aqui é um local de preservação, a senhora não pode meter a mão e
tirar. Eu poderia até deter a senhora”. Aí ela disse “por conta de
umas folhas?” Ele disse “por conta de umas folhas”. Aí ela chegou
aqui e disse “minha mãe eu quase fui presa por causa de umas
folhas”. Aí eu disse “olhe minha filha, lugares preservados a gente
O próprio parque da cidade; Depois
que passou a ser posto da polícia tudo
ficou difícil. Foi bom por um lado mas
para o outro lado da gente acabou
prejudicando. Antes tinha ali pela
Cabrita, em São Cristóvão, tinha um
lugar que eu não sei o nome. Eu sei
que era dentro do mato, que eu fui
muito, eles faziam festas dentro do
A restrição no acesso ao parque da cidade em
decorrência do policiamento é apontada como
fator que levou a entrevistada a deixar de utilizar
esse espaço preservado em suas liturgias
evitando, assim, passar constrangimento com
uma possível abordagem policial que, segundo
relata, teria ocorrido com uma pessoa de seu
conhecimento.
151
não entra sem autorização”. Expliquei para ela né! Prefiro não tentar
pra não passar constrangimento.
Pergunta 5: Depois que passou a ser posto da polícia tudo ficou
difícil. Porque eles estão certos em tomar conta, porque a
criminalidade aí estava muito, os usuários iam pra aí, roubavam as
pessoas que visitavam, aí eles fazem essa cobertura. Foi bom por
um lado mas para o outro lado da gente acabou prejudicando.
Porque ali é um local ideal, tem umas matas maravilhosas
entendeu?! Eu até sempre falo, se eu fosse uma autoridade eu
colocaria numa mata dessa, porque já existe no Rio de Janeiro, tem
em Salvador, tem em São Paulo, eu já cansei de fazer isso lá. Lá no
Rio de Janeiro a gente faz assim no meio da praça, todo mundo
passa pra lá e pra cá, os policiais até guarda a gente. Aqui em
Aracaju eles ainda tem um pouco dessa resistência, mas eu tenho
certeza que isso vai acabar. Eu falo Rio e São Paulo porque foi um
espaço que eu já usei, que eu tenho filhos lá. E em Salvador tem as
grandes matas, mata São Joaquim e muito espaço. Porque assim
também, pra você pegar um trabalho e botar em qualquer lugar
como o povo bota aqui, lá também você não pode fazer isso porque
existe lugar específico. Se você quer arriar alguma coisa no mar,
então você vai e coloca a vontade, ninguém vai te incomodar. Mas
aqui a gente não tem essa prioridade e também o pessoal de Aracaju
ainda não tem esse tipo de formação educacional de também
preservar os espaços. Você vai colocar um trabalho, hoje a gente
não pode pegar um oberó, que é uma vasilha de barro que a gente
coloca, e simplesmente botar uma galinha inteira lá, não precisa
isso. Hoje pra quem tem um entendimento e uma vida educacional
de religiosidade, a gente sabe que o barro vai levar muito tempo
para que o meio ambiente consuma e você pegando uma folha você
pode colocar em um local que não vai danificar o meio ambiente e
a folha, aquele alimento que você botou ali, vai enriquecendo a terra
e a folha também com o tempo vai se desfazendo. Existe essa falta
de informação de algumas pessoas da religião e existe também a
falta de entendimento das pessoas da lei, que também não dá esse
tipo de espaço. Antes tinha ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha
um lugar que eu não sei o nome. Eu sei que era dentro do mato, que
eu fui muito, eles faziam festas dentro do mato, fazia aquelas
cabanas de palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha uma perna
de rio que todo mundo tomava banho ali, fazia as limpezas de corpo
e tudo. Mas eu acredito que hoje já não se faz, povoaram tudo.
Dificulta porque, vamos supor, essa parte do rio mesmo passava por
dentro de uma fazenda e pegava outra parte que não era da fazenda,
que era solto, aí essa parte que não tinha dono passou a ter dono, e
mato, fazia aquelas cabanas de palha
com folha e tudo, e a gente saia e tinha
uma perna de rio que todo mundo
tomava banho ali, fazia as limpezas de
corpo e tudo. Mas eu acredito que hoje
já não se faz, povoaram tudo.
Mais uma vez o Rio de Janeiro é citado como
modelo a ser seguido em Sergipe em termos de
garantia de acesso a determinados ambientes
naturais necessários aos cultos religiosos, o que
por outro lado, é apontado como solução para a
colocação de oferendas em “qualquer lugar”:
‘Porque assim também, pra você pegar um
trabalho e botar em qualquer lugar como o povo
bota aqui, lá também você não pode fazer isso
porque existe lugar específico”. A entrevistada
responsabiliza as “pessoas da lei” e “as próprias
leis” pela ausência de um espaço reservado em
Sergipe e, consequentemente, pelas dificuldades
decorrentes disso: “[...]existe também a falta de
entendimento das pessoas da lei, que também
não dá esse tipo de espaço”; “[...]E as próprias
leis não tomam conta, não se preocupam com
isso, não tem interesse, então torna esse tipo de
dificuldade pra gente.”
A entrevistada também aponta a falta de
formação educacional religiosa para
preservação dos ambientes naturais como um
problema a ser superado: “Hoje pra quem tem
um entendimento e uma vida educacional de
religiosidade, a gente sabe que o barro vai levar
muito tempo para que o meio ambiente consuma
e você pegando uma folha você pode colocar em
um local que não vai danificar o meio ambiente
e a folha, aquele alimento que você botou ali,
vai enriquecendo a terra e a folha também com
o tempo vai se desfazendo.”
O povoamento de lugares antes inabitados,
consequência do adensamento urbano, também
é apontado como fator de modificação na
utilização dos ambientes naturais: “Antes tinha
ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha um
lugar que eu não sei o nome. Eu sei que era
dentro do mato, que eu fui muito, eles faziam
festas dentro do mato, fazia aquelas cabanas de
palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha
uma perna de rio que todo mundo tomava banho
ali, fazia as limpezas de corpo e tudo. Mas eu
152
acaba tirando esse espaço. E as próprias leis não tomam conta, não
se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de
dificuldade pra gente.
acredito que hoje já não se faz, povoaram
tudo”.
5. Oxóssi
Localização: Bugio, Aracaju
Início das atividades: Por volta de
1980
Pergunta 4: No início a gente ia com mais frequência para o interior
e hoje já não vai mais tanto, ali em Areia Branca que sempre a gente
ia e em Macambira. As vezes os filhos diziam “mãe tem ali”, mas
era muito longe aí eu dizia “não, vamos fazer aqui mesmo”.
Pergunta 5: Porque as vezes não temos precisão de ir, fazemos aqui
dentro do Abaçá mesmo, e dentro do sítio. No meu sítio mesmo tem
rio e é aquela coisa assim, que as vezes não há precisão. E a fé é
onde você estiver, o importante que Deus primeiramente quer a fé,
que você tenha, e os Orixás também. Só de se locomover da nossa
residência para o interior a gente já vai preocupadíssima né?! Por
causa do trânsito, por causa das coisas que acontecem, da violência,
e não tem precisão da gente ir. Muitas pessoas usam diariamente
mas eu não uso. Porque antigamente a gente poderia viver tranquila
e hoje não pode mais viver, de maneira nenhuma, por mais que a
gente tenha fé em Deus mas as coisas acontecem. Hoje faz medo
tudo, você começar um aniversário, uma festa de candomblé,
qualquer coisa você tem que ter medo porque a violência está
demais [...].
Ali em Areia Branca que sempre a
gente ia e em Macambira; Porque as
vezes não temos precisão de ir. Hoje
faz medo tudo, qualquer coisa você
tem que ter medo porque a violência
está demais.
A entrevistada incialmente informa que reduziu
sua frequência ao interior (Areia Branca e
Macambira) por não haver necessidade, pois,
segundo aponta, as liturgias que seriam feitas
nesses locais podem ser realizadas no próprio
Abaçá (terreiro) ou no sítio de sua propriedade,
isso porque o importante seria a fé. Entretanto,
mais adiante a entrevistada ressalta os perigos
da vida atual, decorrentes da violência que “está
demais”.
Infere-se, portanto, a partir da fala da entrevista,
que a violência é o real motivo para a redução
da frequência ao interior: “Só de se locomover
da nossa residência para o interior a gente já
vai preocupadíssima né?! Por causa do
trânsito, por causa das coisas que acontecem,
da violência”.
6. Ibejis
Localização: Novo Paraíso, Aracaju
Quantidade de filhos: 8 (em média)
Início das atividades: Por volta de
1996
Pergunta 4: A gente tem vários. Veja bem, daqui mais uns dois
anos ou três a gente já não tem mais onde botar os trabalhos. Tá
evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que procurar outro
lugar. Antigamente na caixa d’água ali tudo era mato, a gente
entrava ali e podia fazer qualquer tipo de trabalho. Agora você veja
a diferença de ir nessa caixa d’água da rua de Paraíba e ir lá.
Antigamente ia aqui mesmo. A gente vai sempre mudando e
procurando mais longe. Aí hoje a gente já vai lá no caminho da
Cabrita, sempre mais pra frente. Por exemplo, tem trabalhos que a
gente tem que fazer na porta do cemitério e nóis não faz aqui porque
é proibido, pra você fazer uma limpeza na porta do cemitério tem
que ser um horário muito tarde da noite, muito oculto. Aí pra onde
eu vou? Lá pra perto da bica, perto do Quissamã que tem um
cemitério. Antigamente era menos casas, não tinha esse movimento
todo, aí conseguia, agora hoje não.
Pergunta 5: por causa do crescimento e a tendência é a gente ficar
sem ter uma dependência onde a gente faça isso.
Tá evoluindo demais, é muito prédio,
aí já tem que procurar outro lugar.
Antigamente na caixa d’água ali tudo
era mato, a gente entrava ali e podia
fazer qualquer tipo de trabalho. Antigamente era menos casas, não
tinha esse movimento todo, aí
conseguia, agora hoje não.
O crescimento da cidade é apontado como causa
que impossibilita a continuidade de acesso a
espaços utilizados anteriormente, provocando
uma constante necessidade de deslocamento em
busca de lugares cada vez mais distantes: “Tá
evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que
procurar outro lugar [...]Antigamente ia aqui
mesmo. A gente vai sempre mudando e
procurando mais longe”.
Um elemento novo apontado pela entrevistada é
a proibição de acesso aos cemitérios de Aracaju
o que a obriga a se deslocar para o interior:
“[...]tem trabalhos que a gente tem que fazer na
porta do cemitério e nóis não faz aqui porque é
proibido, pra você fazer uma limpeza na porta
do cemitério tem que ser um horário muito tarde
da noite, muito oculto. Aí pra onde eu vou? Lá
pra perto da bica, perto do Quissamã que tem
um cemitério.”
7. São Jorge
Localização: Bairro América, Aracaju
Início das atividades: 1901
Pergunta 4: Ali onde é o Santa Lúcia, por ali tudo era mato e a
gente fazia candomblé ali e hoje não pode. Lá no Aloque também,
ali ainda tem muito mat, uma mata boa [...] hoje faz até medo com
Onde é o Santa Lúcia, por ali tudo era
mato e a gente fazia candomblé ali e
hoje não pode. As festas de caboclo
O avanço da civilização é apontado como causa
principal que levou o terreiro a deixar de utilizar
alguns ambientes naturais.
153
tanto marginal, tanta violência, faz até medo a gente ir, tem que ir
com dois, três carros. As festas de caboclo eram feitas na mata e
hoje a gente faz no nosso centro porque não tem mais onde fazer,
mas esses rituais é na mata. Outra coisa que a gente deixou de ir é
na praia de Atalaia, a gente passava o dia todo lá pra levar oferenda
pra Oxum, pra Iemanjá, então a gente passava o dia, fazia o toque
do candomblé depois que começou a habitar a gente passou pra
noite, aí ia uma horinha a noite e fazia os rituais, tinha muitos
terreiros e hoje você não vê mais isso porque tá muito habitado e a
gente não tem mais espaço, o sagrado virou profano e aí não teve
mais como ir.[...] não é como a gente fazia antes que a gente tocava,
fazia o candomblé todo, passava o dia todo, agora a gente vai e faz
mais rápido pra não ter muita gente olhando.
Pergunta 5: porque a civilização foi chegando e a gente foi saindo.
eram feitas na mata e hoje a gente faz
no nosso centro porque não tem mais
onde fazer. Outra coisa que a gente
deixou de ir é na praia de Atalaia, tá
muito habitado e a gente não tem mais
espaço, o sagrado virou profano. A
civilização foi chegando e a gente foi
saindo.
A entrevistada informa que tempos atrás fazia
festas de caboclo dentro da mata que existia
onde hoje é o conjunto Santa Lúcia, mas que
hoje realiza essa ritualística dentro do próprio
terreiro porque não dispõe mais do espaço
necessário, do que se depreende uma
descaracterização do culto em função de
adaptações impostas pela modificação do
ambiente natural em decorrência da
urbanização: “As festas de caboclo eram feitas
na mata e hoje a gente faz no nosso centro
porque não tem mais onde fazer, mas esses
rituais é na mata!”; “Outra coisa que a gente
deixou de ir é na praia de Atalaia, a gente
passava o dia todo lá pra levar oferenda pra
Oxum, pra Iemanjá[...] tinha muitos terreiros e
hoje você não vê mais isso porque tá muito
habitado e a gente não tem mais espaço, o
sagrado virou profano e aí não teve mais como
ir.[...] não é como a gente fazia antes que a
gente tocava, fazia o candomblé todo, passava
o dia todo, agora a gente vai e faz mais rápido
pra não ter muita gente olhando”.
Segundo aponta a entrevista o espaço sagrado
foi profanado “porque a civilização foi
chegando e a gente foi saindo”
8. Sahara
Localização: Santa Maria, Aracaju
Início das atividades: 1993
Pergunta 4: O Parque da Cidade e a Serra de Itabaiana, lá no Poço
das Moças. Elas eram muito utilizadas antigamente, hoje que estão
restritos. O Parque da Cidade foi o nosso berço mãe das ervas
tradicionais. Os meus antepassados, meus avós de santo, utilizavam
muito daquela reserva de mata ali pra poder buscar ervas pros
Orixás, pras camas de folha, pra fazer infusões, aquela área ainda é
muito rica de ervas. Mas eu, devido a localidade, não dá pra me
servir dela, fica distante. Mas existem ervas que lá tem e que aqui
eu não tenho, então num momento de uma necessidade eu posso até
ir lá colher. O Poço das Moças não era reserva, as pessoas faziam
suas festas de Candomblé lá pra caboclos, entendeu? Aquela parte
que dá acesso ao Poço das Moças hoje em dia é monitorada pelo
IPHAN e tem sempre um fiscal do IBAMA lá. Tem uma área
também muito boa que o pessoal fazia muito toré de caboclo ali em
Pedra Branca, que hoje em dia é onde é a Fafen. Ali era uma mata
O Parque da Cidade e a Serra de
Itabaiana eram muito utilizadas
antigamente, hoje que estão restritos.
O Parque da Cidade por causa da
distância e o Poço das Moças porque
virou reserva.
Assim como citados em algumas respostas
constantes na Tabela 4, aqui a distância e
restrição de acesso também são apontados pelo
entrevistado como fatores que modificam a
utilização dos ambientes naturais.
Merece destaque o relato de caso envolvendo a
proibição de acesso a Serra de Itabaina em que
fiscal do IBAMA teria agido de forma
inadequado quando da intervenção para impedir
o acesso à reserva: “Mas esse caso da Serra de
Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi
quando eu intervi com o fiscal do IBAMA, eu
disse que não era assim, o senhor explica que a
legislação não deixa e tal mas o senhor não
pejore. Mas foi aí quando ele disse “não que
minha fé...”, eu disse “sim, a sua fé é uma coisa
154
fechada que se utilizada para os cultos, vários terreiros iam fazer
obrigações de caboclo ali.
Pergunta 5: O Parque da Cidade por causa da distância e o Poço
das Moças porque virou reserva. O que acontece é que as vezes a
informação de como dizer que você não pode utilizar aquele espaço
é passada de forma errônea. Por exemplo, eu concordo quando um
fiscal diz que a gente não pode arriar certas obrigações no Poço das
Moças, devido que é um Parque que ele é tombado, um patrimônio
cultural, histórico e natural da União, eu concordo. Agora que a
forma que ele passe não seja pejorativa, discriminatória, que muitas
das vezes é “não, aqui não é pra fazer macumba não, aqui é
protegido pelo governo”, então aí é uma forma pejorativa. Tá
dizendo, tá incutindo que você tá indo lá fazer o mal, tá utilizando
do espaço natural pra poder desgraçar alguém, então ele não foi feliz
numa intervenção como essa. Eu acredito que ele podia dizer “não,
o espaço aqui é tombado, vocês não podem no momento arriar suas
oferendas, seu culto por conta que não está dentro da legislação”,
mas ele não tá menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás nem
a minha religião. A conduta como ele se dirige que é mais
prejudicial do que se tivesse arriado o negócio. [...] Eu já
acompanhei algumas pessoas que sofreram isso e ajudei pra ir pra
um outro ambiente por eu ter um vasto conhecimento nesse sentido.
Eu sou de Oxóssi, entendo muito de mato. Então eu fiquei sabendo
de casos mas eu não acompanhei não. Mas esse caso da Serra de
Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi quando eu intervi com o
fiscal do IBAMA, eu disse que não era assim, o senhor explica que
a legislação não deixa e tal mas o senhor não pejore. Mas foi aí
quando ele disse “não que minha fé...”, eu disse “sim, a sua fé é uma
coisa e a nossa é outra”. Esse aí eu acompanhei. Era até uma
oferenda pra Oxum, uma coisa simples, era uma comida com flores
que ia se arriar lá. E a criatura que ia fazer essa oferenda sonhou
entregando no Poço das Moças, aí ela ia entregar essas flores, é
claro que a gente ia tirar o plástico, e a comida lá. Mas aí a gente
conseguimos ir pro outro lado, lá no Chico Mendes, onde tem uma
queda d’água linda e tem uma parte que parece a saia da Oxum
tomando banho, eu levei e ficou maravilhosa, Oxum agradeceu!
e a nossa é outra”.” O entrevistado ressalta que,
apesar de concordar com certas restrições no
acesso à reserva, deve-se observar a necessidade
de uma abordagem adequada e não-
preconceituosa por parte dos ficais do IBAMA,
agentes públicos. Neste sentido:“Agora que a
forma que ele passe não seja pejorativa,
discriminatória, que muitas das vezes é “não,
aqui não é pra fazer macumba não, aqui é
protegido pelo governo”, então aí é uma forma
pejorativa. Tá dizendo, tá incutindo que você tá
indo lá fazer o mal, tá utilizando do espaço
natural pra poder desgraçar alguém, então ele
não foi feliz numa intervenção como essa. Eu
acredito que ele podia dizer “não, o espaço aqui
é tombado, vocês não podem no momento arriar
suas oferendas, seu culto por conta que não está
dentro da legislação”, mas ele não tá
menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás
nem a minha religião. A conduta como ele se
dirige que é mais prejudicial do que se tivesse
arriado o negócio.”
9. Santo Antonio
Localização: São Brás, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Pergunta 4: A mata em Santo Amaro.
Pergunta 5: Já tá com dois anos que eu não vou pra mata por causa
da minha doença.
A mata em Santo Amaro; por causa da
minha doença.
A saúde debilitada do entrevistado é apontada
como único motivo que o levou a deixar de
utilizar a mata costumeira.
10. Xangô Pergunta 4: Era muito comum o pessoal do candomblé ir ali para
aquela área atrás da rodoviária nova, onde hoje tem os Fóruns, era
Era muito comum o pessoal do
candomblé ir ali para aquela área atrás
Pontos que se destacam na fala do entrevistado:
155
Localização: Eduardo Gomes, São
Cristóvão
Início das atividades: 1951
muito comum ir ali porque tinha uma natureza boa, inclusive tinha
um rio ali que já não existe mais, então era muito comum ir ali. Ali
foi um lugar que realmente muita gente usava e que deixou de usar,
embora nós não usássemos muito porque aprendemos com nosso
pai que não era bom colocar as obrigações, as oferendas para o olho
de qualquer um ver, então a gente sempre tenta colocar o mais
dentro da natureza possível. E tem esse rio da João Bebe Água, era
o que mais íamos e hoje a gente também não vai, por causa da
violência.
Pergunta 5: O rio da João Bebe Água por causa da violência. [...]
A gente ia entregar o presente de Oxum em um lugar chamado
Pomonga, uma ilha chamada Pomonga lá para o lado da Atalaia
Nova, ia de barquinho, de tótótó. Há anos atrás ninguém habitava a
ilha, esse ano a gente foi levar e tinha um monte de gente fazendo
churrasco no lugar, aproveitando para se divertir[...]. Mas assim, é
inevitável que os ambientes naturais comecem a ser mais
procurados, a demora é alguém ir, porque quando você vai o dono
do barco que te levou ele já sai e diz “olha, tem um lugar muito
legal”. Isso aconteceu com a cachoeira de Macambira, isso
aconteceu com a Serra de Itabaiana, isso aconteceu com o Pomonga,
isso aconteceu com a pedreira de Itaporanga, então isso aconteceu
com alguns lugares. Mas é normal que isso aconteça.
Provavelmente vamos procurar outro lugar. Não que a gente não
goste de socializar, mas porque as pessoas não têm conhecimento e
a falta do conhecimento assusta, aquilo que você não conhece você
normalmente tem medo porque você não sabe do que se trata. Então
a gente pode estar ali tocando nosso atabaque nos divertindo e o
pessoal achar que a gente está fazendo uma bruxaria, ou algo que
está amaldiçoando a ilha, que a ilha vai sucumbir, sei lá, na mente
do ser humano pode passar um zilhão de coisas né! Então, é melhor
a gente se resguardar, é mais seguro ou passar a ir mais cedo, se a
gente ia oito horas da manhã agora tenta ir cinco. É uma adaptação
necessária.
da rodoviária nova porque tinha uma
natureza boa, inclusive tinha um rio
ali que já não existe mais. O rio da
João Bebe Água era o que mais íamos
e hoje a gente também não vai, por
causa da violência. A gente ia entregar
o presente de Oxum em uma ilha
chamada Pomonga que ninguém
habitava, esse ano a gente foi levar e
tinha um monte de gente fazendo
churrasco. É inevitável que os
ambientes naturais comecem a ser
mais procurados. Provavelmente
vamos procurar outro lugar.
1. A mudança no cenário que outrora era
propício e que hoje, pelo avanço da
urbanização, não permite mais o
mesmo uso litúrgico:“Era muito
comum o pessoal do candomblé ir ali
para aquela área atrás da rodoviária
nova, onde hoje tem os Fóruns, era
muito comum ir ali porque tinha uma
natureza boa, inclusive tinha um rio
ali que já não existe mais, então era
muito comum ir ali. Ali foi um lugar
que realmente muita gente usava e
que deixou de usar”;
2. A violência como elemento que
modifica/impossibilita o uso de
alguns ambientes naturais;
3. A constante necessidade de
deslocamento em busca de novos
lugares propícios ao uso religioso: “A
gente ia entregar o presente de Oxum
em um lugar chamado Pomonga [...].
Há anos atrás ninguém habitava a
ilha, esse ano a gente foi levar e tinha
um monte de gente fazendo churrasco
no lugar, aproveitando para se
divertir[...]. Mas assim, é inevitável
que os ambientes naturais comecem a
ser mais procurados, a demora é
alguém ir[...]Isso aconteceu com a
cachoeira de Macambira, isso
aconteceu com a Serra de Itabaiana,
isso aconteceu com o Pomonga, isso
aconteceu com a pedreira de
Itaporanga, então isso aconteceu com
alguns lugares. Mas é normal que isso
aconteça. Provavelmente vamos
procurar outro lugar.
4. A necessidade de adaptações para
“resguardar” a religião e evitar o
preconceito: “Então a gente pode
estar ali tocando nosso atabaque nos
divertindo e o pessoal achar que a
gente está fazendo uma bruxaria, ou
156
algo que está amaldiçoando a ilha,
que a ilha vai sucumbir, sei lá, na
mente do ser humano pode passar um
zilhão de coisas né! Então, é melhor a
gente se resguardar, é mais seguro ou
passar a ir mais cedo, se a gente ia
oito horas da manhã agora tenta ir
cinco. É uma adaptação necessária.”
11. Odé
Localização: Piabeta, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: 1993
Pergunta 4: A Serra de Itabaiana.
Pergunta 5: Marginalidade. Pais de santo amigos meus saíram de
lá corridos, com revólver e tudo, por isso que eu não vou mais.
Serra de Itabaiana; Marginalidade. A violência é apontada como elemento que
provoca mudanças no uso de alguns ambientes
naturais.
12. Conceição
Localização: Guajará, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Pergunta 4: Nós temos aqui a Jabotiana, é outro rio que tá ali
também imprensado. Vou citar outro, indo ali para o Fórum, o
macumbódromo famoso.
Pergunta 5: Ali na Jabotiana por conta dos marginais que ficam
detrás dos prédios, e naquelas poucas paisagens que existem de
verde, e por conta também de fecharem o rio. Você sabe que
fecharam o rio ali também né?! Era aberto. Obrigações de meu pai,
por exemplo, foram arriadas ali. Era rio aberto, a gente entrava e
hoje você não entra; Indo ali para o Fórum, o macumbódromo, ali
era fechado de mata de um lado e do outro, depois abriram aquela
instituição bem em frente a rotatória, aí depois abriram outro mais
adiante, mas o matagal continuava. E agora tá abrindo tudo
praticamente. Ali tudo era cheio de alguidar, trabalhos diversos,
porque ali tinha mata e hoje praticamente não tem.
Nós temos aqui a Jabotiana e indo ali
para o Fórum, o macumbódromo
famoso; na Jabotiana por conta dos
marginais e por conta também de
fecharem o rio. Indo ali para o Fórum,
o macumbódromo, ali era fechado de
mata e agora tá abrindo tudo
praticamente.
A violência é apontada como elemento que
provoca mudanças no uso de alguns ambientes
naturais.
Além disso, a mudança no cenário que outrora
era propício (por ser uma mata) e que hoje, pelo
avanço da urbanização, não permite mais o
mesmo uso litúrgico.
13. Ogum
Localização: Jabotiana, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 4: Eu continuo indo nos mesmos lugares.
Pergunta 5: Prejudicado em razão da resposta anterior.
Continuo indo nos mesmos lugares. O entrevistado mantém o acesso aos mesmos
lugares.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
157
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 6 chegamos aos seguintes
resultados:
1. Os ambientes naturais indicados que outrora eram utilizados de forma habitual
mas que hoje esse uso não é mais possível foram: encruzilhadas urbanas, Parque
da Cidade, entorno do terreiro, mata e rio no bairro Jabotiana (Santa Lúcia e
Aloque), praia de Atalaia, Serra de Itabaiana, região do centro administrativo
(nas proximidades da rodoviária nova e do Fórum Gumersindo Bessa);
2. Os principais motivos indicados para a impossibilidade de uso atualmente foram:
violência (6 entrevistados); perda de espaço em razão do crescimento urbano (5
entrevistados); restrição/proibição de acesso ao local (2 entrevistados); poluição
(1 entrevistado); distância (1 entrevistado); saúde (1 entrevistado); sobreposição
territorial (1 entrevistado). Vejamos em gráfico:
Gráfico 14 – Motivos que modificam a continuidade de uso de ambientes naturais
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Como se vê, a violência foi apontada como principal motivo que modifica ou
impossibilita a continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram usados para
fins litúrgicos. Sobre esse aspecto destacam-se os seguintes relatos: “[...]tanto pela
criminalidade que é um local que se tornou muito perigoso, tanto pela poluição também do rio
35%
29%
12%
6%6%
6% 6%
Motivos da impossibilidade atual de uso de ambientes cujo uso no passado era possível
Violência
Crescimento Urbano
Restrição/Proibição deacesso
Poluição
Distância
Saúde
Sobreposição
158
[...] (LEGBARA, 2016, informação verbal207); “[...]Só de se locomover da nossa residência
para o interior a gente já vai preocupadíssima né?! Por causa do trânsito, por causa das coisas
que acontecem, da violência [...]” (OXÓSSI, 2016, informação verbal208); “[...]Lá no Aloque
também, ali ainda tem muito mato[...] hoje faz até medo com tanto marginal, tanta violência,
faz até medo a gente ir, tem que ir com dois, três carros [...]” (SÃO JORGE, 2016, informação
verbal209); “[...]E tem esse rio da João Bebe Água, era o que mais íamos e hoje a gente também
não vai, por causa da violência [...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal210); “[...]Pais de santo
amigos meus saíram de lá corridos, com revólver e tudo, por isso que eu não vou mais[...]”
(ODÉ, 2016, informação verbal211); “[...]Ali na Jabotiana por conta dos marginais que ficam
detrás dos prédios, e naquelas poucas paisagens que existem de verde[...]” (CONCEIÇÃO,
2016, informação verbal212).
O segundo motivo principal apontado pelos entrevistados foi a perda de espaço em
razão do crescimento urbano. Assim como na Tabela anterior, aqui também se destaca a
relação diferenciada da religião com o espaço público, especialmente as encruzilhadas
urbanas. As respostas de alguns entrevistados indicam que atualmente os religiosos enfrentam
dificuldades quanto ao uso desses espaços públicos, também considerados como um ambiente
natural que está sob o domínio de um orixá (no caso, Exu).
A fala da entrevistada de pseudônimo Bagan, por exemplo, ao mesmo tempo que reforça
a necessidade de utilização das encruzilhadas urbanas quando afirma que “[...]tem a entidade
realmente que tem que receber as oferendas deles na rua[...]” (BAGAN, 2016, informação
verbal213), por outro aponta duas razões para uma mudança na utilização desses espaços, quais
sejam: 1. Para evitar a poluição do espaço urbano, o que se denota a partir da seguinte fala:
“[...]não tem necessidade da gente tá levando pras encruzilhadas garrafa de vidro, agridais, pra
tá poluindo[...]” (BAGAN, 2016, informação verbal214); 2. A necessidade de evitar alimentar
207 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 208 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.). 209 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 210 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 211 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 212 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 213 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 214 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).
159
uma imagem negativa associada à religião em razão dos despachos (ebós) deixados nas
encruzilhadas: “[...]botaram uma cabeça de boi, não sei quantos bodes, não sei quantas garrafas
de cachaça na encruzilhada e isso repercutiu muito mal para a gente, pra religião[...]” (BAGAN,
2016, informação verbal215).
Outro aspecto que se destaca nessa relação entre a religião e o uso de encruzilhadas
urbanas é uma certa busca por invisibilidade, por parte dos religiosos, a fim de evitar
incômodos e reprovações de um modo geral. Vejamos duas falas que transparecem essa
preocupação: “[...]que não vá botar na porta de ninguém pra depois as pessoas não tá difamando,
chutando, varrendo e xingando né, que bote em algum espaço que não incomode ninguém[...]”
(BAGAN, 2016, informação verbal216); “[...]despachar um ebó fica difícil, porque chega ali
naquela encruzilhada ali arreia, existem aqueles que respeitam aqueles que tem medo, e aqueles
também que não respeitam e nem tem medo, chega lá chuta, cospe, xinga[...]” (OXUM, 2016,
informação verbal217). Nessa segunda fala, inclusive, se denota uma certa referência àquilo que
Maggie (1992) chamou de “medo do feitiço” que permeia a construção (e manutenção) do
estereótipo negativo associado a essas práticas religiosas desde os tempos da Colônia,
consoante discutido a partir das respostas da Tabela 4.
O crescimento de Aracaju também emerge como causa dessa dificuldade uma vez
que, em razão da urbanização, fica cada vez mais difícil encontrar encruzilhadas urbanas que
ofereçam condições satisfatórias para o uso religioso, especialmente a condição de
invisibilidade. Como destaca uma das entrevistadas: “[...]Em Aracaju o espaço acabou pra isso,
por causa do crescimento da cidade[...]” (OXUM, 2016, informação verbal218). Apesar desse
cenário, a entrevistada acha positivo o que ela chama de progresso e evolução: “[...]A nossa
cidade evoluiu, se urbanizou[...]” (OXUM, 2016, informação verbal219).
Esse mesmo crescimento urbano também é apontado como fator de impacto negativo
na continuidade do uso de espaços outrora existentes no entorno dos terreiros, provocando
uma constante necessidade de deslocamento em busca de lugares cada vez mais distantes. A
seguinte fala retrata bem essa problemática:
215 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 216 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 217 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 218 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 219 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.).
160
Veja bem, daqui mais uns dois anos ou três a gente já não tem mais onde botar os
trabalhos. Tá evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que procurar outro lugar.
Antigamente na caixa d’água ali tudo era mato, a gente entrava ali e podia fazer
qualquer tipo de trabalho. Agora você veja a diferença de ir nessa caixa d’água da rua
de Paraíba e ir lá. Antigamente ia aqui mesmo [se referindo ao entorno do terreiro]. A
gente vai sempre mudando e procurando mais longe. Aí hoje a gente já vai lá no
caminho da Cabrita, sempre mais pra frente. (IBEJIS, 2016, informação verbal220).
O crescimento urbano (e consequente povoamento de lugares antes inabitados)
também foi a causa apontada para a modificação ou extinção de práticas religiosas outrora
realizadas em regiões onde existiam mata e rio, a exemplo do Bairro Jabotiana (conjunto Santa
Lúcia), da Cabrita (em São Cristóvão) e na área onde hoje fica o centro administrativo (nas
proximidades da rodoviária nova e do Fórum Gumersindo Bessa). Uma das falas dá conta, por
exemplo, de festas de caboclo que eram realizadas dentro da mata que existia no bairro
Jabotiana, mas que hoje essa ritualística é feita dentro do próprio terreiro porque já não se dispõe
mais do espaço necessário. Vejamos:
[...]As festas de caboclo eram feitas na mata e hoje a gente faz no nosso centro porque
não tem mais onde fazer, mas esses rituais é na mata! [...] (SÃO JORGE, 2016,
informação verbal221).
[...]Antes tinha ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha um lugar que eu não sei o
nome. Eu sei que era dentro do mato, que eu fui muito, eles faziam festas dentro do
mato, fazia aquelas cabanas de palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha uma
perna de rio que todo mundo tomava banho ali, fazia as limpezas de corpo e tudo. Mas
eu acredito que hoje já não se faz, povoaram tudo[...] (OYÁ, 2016, informação
verbal222).
[...]Era muito comum o pessoal do candomblé ir ali para aquela área atrás da
rodoviária nova, onde hoje tem os Fóruns, era muito comum ir ali porque tinha uma
natureza boa, inclusive tinha um rio ali que já não existe mais, então era muito comum
ir ali. Ali foi um lugar que realmente muita gente usava e que deixou de usar[...]
(XANGÔ, 2016, informação verbal223).
[...]Indo ali para o Fórum, o macumbódromo, ali era fechado de mata de um lado e do
outro, depois abriram aquela instituição bem em frente a rotatória, aí depois abriram
outro mais adiante, mas o matagal continuava. E agora tá abrindo tudo praticamente.
Ali tudo era cheio de alguidar, trabalhos diversos, porque ali tinha mata e hoje
praticamente não tem[...] (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal224).
220 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 221 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 222 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 223 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 224 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).
161
Relato semelhante também é feito quanto às práticas festivas que eram realizadas na
praia de Atalaia, em que o crescimento da ocupação populacional na região trouxe um impacto
negativo, uma vez que interfere diretamente na condição de privacidade da prática religiosa:
[...]Outra coisa que a gente deixou de ir é na praia de Atalaia, a gente passava o dia
todo lá pra levar oferenda pra Oxum, pra Iemanjá, então a gente passava o dia, fazia
o toque do candomblé. Depois que começou a habitar a gente passou pra noite, aí ia
uma horinha a noite e fazia os rituais, tinha muitos terreiros e hoje você não vê mais
isso porque tá muito habitado e a gente não tem mais espaço, o sagrado virou profano
e aí não teve mais como ir.[...] não é como a gente fazia antes que a gente tocava, fazia
o candomblé todo, passava o dia todo, agora a gente vai e faz mais rápido pra não ter
muita gente olhando. Porque a civilização foi chegando e a gente foi saindo[...]. (SÃO
JORGE, 2016, informação verbal225).
Quando a entrevistada informa que hoje realiza dentro do terreiro uma ritualística que
deveria ser feita na mata, coisa que tempos atrás ela conseguia fazer mas que já não consegue
mais, depreende-se daí, uma descaracterização do culto em função de adaptações impostas
por fatores exógenos: a urbanização empreende modificações nos ambientes naturais que
eram utilizados costumeiramente ao ponto de tornar impossível (ou muito difícil) a
realização de práticas religiosas nesses ambientes. Trata-se, portanto, de uma restrição ao
direito de culto que atinge a dignidade humana dessas pessoas que está intimamente ligada à fé
que professam e ao sentimento religioso que lhes é inerente.
A teoria crítica dos direitos humanos formula seu constructo a partir da constatação de
que são diversas as formas de concepção cultural acerca da dignidade da pessoa humana. Assim,
contesta de forma veemente a teoria clássica que opera a partir de uma falsa premissa (qual seja,
a existência de um modelo universalmente válido de dignidade humana), propondo uma
construção com base no diálogo entre as culturas objetivando uma nova formulação de direitos
humanos que operem a partir de valores locais, mas que tenham alcance global (SANTOS,
2006; FLORES, 2010).
O novo paradigma de sociedades multiculturais226 exige a reconstrução da concepção
hegemônica de direitos humanos que se opera hoje (sob o manto ilusório da universalidade), a
225 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 226 Stuart Hall (2003) esclarece que o termo multiculturalismo “refere-se às estratégias e políticas adotadas para
governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. É
usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta as estratégias
multiculturais. ‘Multicultural’, entretanto, é, por definição, plural. Existem muitos tipos de sociedade multicultural
[...]. Entretanto, todos possuem uma característica em comum. São, por definição, culturalmente heterogêneos.
Eles se distinguem neste sentido do Estado-nação ‘moderno’, constitucional liberal, do Ocidente, que se afirma
sobre o pressuposto (geralmente tácito) da homogeneidade cultural organizada em torno de valores universais,
seculares e individualistas liberais” (HALL, 2003, p. 52).
162
partir da utilização de fórmulas e técnicas que possibilitem construir tantas e quantas novas
concepções forem necessárias para se garantir uma efetiva proteção da dignidade dos mais
diversos indivíduos. Neste ponto, sobre a construção de um diálogo intercultural, destacam-se
os pensamentos dos teóricos Joaquín Herrera Flores e Boaventura de Sousa Santos.
Sobre esse diálogo intercultural que permite a adoção de concepções diversas de
dignidade da pessoa humana, construídas a partir de valores locais, Flores (2010) propõe um
universalismo de confluência, que se opera tendo o universal como ponto de chegada e não de
partida, o que somente será possível “depois (não antes) de um processo conflitivo, discursivo
de diálogo ou de confrontação” que alcance um “entrecruzamento, e não uma mera
superposição de propostas” (FLORES, 2002, p. 21).
Flores (2010) pontua que os direitos humanos constituem um produto cultural. Sendo
assim, surgem como “respostas simbólicas” (FLORES, 2010, p. 41) a uma determinada
cosmovisão, num contexto histórico específico de relações sociais, morais e político-
econômicas. Como produto cultural, pois, os direitos humanos não podem ser considerados em
si mesmos como uma construção autônoma227 processada à margem das tradições culturais em
que foram concebidos. Ao contrário, como “respostas simbólicas” que são, condicionam e são
condicionados pelo universo de relações em que se inserem.
Portanto, é preciso questionar que papel os direitos humanos têm efetivamente cumprido
quando está em pauta a proteção da dignidade humana de um grupo religioso que
historicamente vem sendo perseguido e sendo vítima de uma série de investidas de dominação
e extirpação de suas práticas religiosas tradicionais. Uma vez que esse grupo resistiu às mais
diversas tentativas de subjugação, passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção
de não-existência228. Os saberes tradicionais produzidos por essa comunidade não-existente,
foram desqualificados como ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade
ocidental229.
227 “Nada, nem a justiça, nem a dignidade e muito menos os direitos humanos procedem de essências imutáveis ou
metafísicas que se situem além da ação humana para construir espaços onde desenvolver as lutas pela dignidade
humana. [...] inevitavelmente teremos de decifrar o contexto de relações – a trama densa de relações que definem
o sujeito – que lhe dão origem e sentido, sobretudo se queremos fugir da tentação de “imputar” a toda a humanidade
o que não é senão produto de uma forma cultural de ver e estar no mundo” (FLORES, 2010, p. 41-42). 228 Ocorre quando uma dada entidade - neste caso a comunidade religiosa como um todo - é desqualificada e
tornada invisível, ininteligível ou descartável (SANTOS, 2002). 229 “A razão ocidental - pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa palavra, desencantada - matou o
mistério e desencantou seu mundo. Mas além desse mundo desencantado, há outros que co-habitam o tempo-
espaço da realidade que mantiveram seu movimento, sua ginga, seu compasso. Produzidos pelo encantamento,
encantamento produzem” (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).
163
Sobre esse aspecto, Santos (2006) afirma que os direitos humanos têm se apresentado
como uma “resposta fraca”230 às questões apresentadas pela pós-modernidade, razão pela qual
propõe critérios que poderiam transformá-los em resposta forte através de um diálogo
intercultural sobre a dignidade humana. Assim, ao transformarem-se numa resposta forte, será
possível a construção dessa almejada concepção contra-hegemônica231 e mestiça232 de direitos
humanos que se organiza como uma “constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis”
e que está apto a garantir a efetiva proteção das mais diversas concepções de dignidade humana
(SANTOS, 2006, p. 447).
Essa posição ocupada pelos direitos humanos enquanto “resposta fraca” às questões
apresentadas pela pós-modernidade, que é denunciada por Santos (2006), parece estar alinhada
com a inquietação levantada por uma das entrevistadas. Ao reivindicar a necessidade de criação
de um espaço natural reservado para atender as necessidades e especificidades dos cultos
religiosos de matriz africana em Sergipe, ela também afirma que “[...]falta entendimento das
pessoas da lei que também não dá esse tipo de espaço[...]” e que “as próprias leis não tomam
conta, não se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de dificuldade pra
gente” (OYÁ, 2016, informação verbal233).
Assim como em algumas respostas apresentadas na Tabela 4, a reivindicação pela
reserva de um espaço, nos moldes do Espaço Sagrado existente no Rio de Janeiro, também
aparece aqui, e dessa vez está associada a uma denúncia quanto a ausência de interesse e
efetividade da lei na preservação dos interesses e direitos da comunidade afrorreligosa em
Sergipe. Essa denúncia está intimamente ligada a necessidade de proteção da dignidade humana
das pessoas que comungam desse mesmo sentimento de identidade e pertencimento religioso
230 “[...] parece cada vez mais evidente que o nosso tempo não é um tempo de respostas fortes. É antes um tempo
de perguntas fortes e de respostas fracas. Serão os direitos humanos afinal uma resposta fraca para alguma
interrogação forte que eles simultaneamente revelam e ocultam? [...] a discrepância entre a força das perguntas e
a fraqueza das respostas parece ser comum. E resulta da multiplicação em tempos recentes das zonas de contacto
entre culturas, economias, sistemas sociais e políticos, formas de vida diferentes em resultado do que chamamos
vulgarmente globalização” (SANTOS, 2002a, 2006a apud SANTOS, 2007, p. 24). 231 “[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar
como localismo globalizado e, portanto, uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma
de cosmopolitismo insurgente, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser
reconceptualizados como interculturais” (SANTOS, 2006, p. 441-442). Para uma melhor compreensão do assunto
ver: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma concepção intercultural dos direitos humanos. In: A Gramática
do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. p. 433-470. 232 “Ao envolverem-se em revisões recíprocas, ambas as tradições atuam como culturas hóspedes e culturas
anfitriãs. Estes são os passos necessários ao exercício complexo da tradução intercultural ou da hermenêutica
diatópica. O resultado é a reivindicação de uma concepção híbrida da dignidade humana e, por isso também uma
concepção mestiça dos direitos humanos” (SANTOS, 2006, p. 453-454). 233 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).
164
que tem como alicerce uma cosmovisão pautada no culto e sacralização de elementos da
natureza.
Portanto, a proteção do direito de liberdade de culto e dos locais de culto dessa
religiosidade passa diretamente pela garantia do acesso a esses elementos da natureza. Assim,
é preciso que a lei saia da posição de “não ter interesse”, denunciada pela entrevistada, e assuma
a posição de proteção efetivação dos direitos dessa comunidade.
A restrição/proibição de acesso foi outro motivo apontado pelos entrevistados que
modifica ou impossibilita a continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram
usados para fins litúrgicos. O Parque da Cidade e o Poço das Moças (na Serra de Itabaiana)
foram apontados como ambientes naturais que passaram a ter o acesso para fins religiosos
impedido ou restrito por agentes públicos. Vejamos os casos relatados:
[...]Eu sei que teve uma menina que foi pegar umas folhas e na hora que ela pegou a
folha e foi saindo, mas já tem um tempo bom, aí perguntaram a ela onde foi que ela
achou. Ela disse “eu precisei e fui tirar”. Aí ele disse “isso aqui é um local de
preservação, a senhora não pode meter a mão e tirar. Eu poderia até deter a senhora”.
Aí ela disse “por conta de umas folhas?” Ele disse “por conta de umas folhas”. Aí ela
chegou aqui e disse “minha mãe eu quase fui presa por causa de umas folhas”. Aí eu
disse “olhe minha filha, lugares preservados a gente não entra sem autorização”.
Expliquei para ela né! Prefiro não tentar pra não passar constrangimento. Depois que
passou a ser posto da polícia tudo ficou difícil. Porque eles estão certos em tomar
conta, porque a criminalidade aí estava muito, os usuários iam pra aí, roubavam as
pessoas que visitavam, aí eles fazem essa cobertura. Foi bom por um lado mas para o
outro lado da gente acabou prejudicando. Porque ali é um local ideal, tem umas matas
maravilhosas entendeu?! [...]. (OYÁ, 2016, informação verbal234).
[...]O que acontece é que as vezes a informação de como dizer que você não pode
utilizar aquele espaço é passada de forma errônea. Por exemplo, eu concordo quando
um fiscal diz que a gente não pode arriar certas obrigações no Poço das Moças, devido
que é um Parque que ele é tombado, um patrimônio cultural, histórico e natural da
União, eu concordo. Agora que a forma que ele passe não seja pejorativa,
discriminatória, que muitas das vezes é “não, aqui não é pra fazer macumba não, aqui
é protegido pelo governo”, então aí é uma forma pejorativa. Tá dizendo, tá incutindo
que você tá indo lá fazer o mal, tá utilizando do espaço natural pra poder desgraçar
alguém, então ele não foi feliz numa intervenção como essa. Eu acredito que ele podia
dizer “não, o espaço aqui é tombado, vocês não podem no momento arriar suas
oferendas, seu culto, por conta que não está dentro da legislação”, mas ele não tá
menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás nem a minha religião. A conduta
como ele se dirige que é mais prejudicial do que se tivesse arriado o negócio. [...] Eu
já acompanhei algumas pessoas que sofreram isso e ajudei pra ir pra um outro
ambiente por eu ter um vasto conhecimento nesse sentido. Eu sou de Oxóssi, entendo
muito de mato. Então eu fiquei sabendo de casos mas eu não acompanhei não. Mas
esse caso da Serra de Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi quando eu intervi com
234 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).
165
o fiscal do IBAMA, eu disse que não era assim, o senhor explica que a legislação não
deixa e tal mas o senhor não pejore. Mas foi aí quando ele disse “não que minha fé...”,
eu disse “sim, a sua fé é uma coisa e a nossa é outra”. Esse aí eu acompanhei. Era até
uma oferenda pra Oxum, uma coisa simples, era uma comida com flores que ia se
arriar lá [...]. (SAHARA, 2016, informação verbal235).
A restrição no acesso ao Parque da Cidade em decorrência do policiamento é apontada
como fator que levou a entrevistada a deixar de utilizar esse espaço preservado em suas liturgias
evitando, assim, passar constrangimento com uma possível abordagem policial que, segundo
relata, teria ocorrido com uma pessoa de seu conhecimento. No segundo relato, o entrevistado
ressalta que, apesar de concordar com certas restrições no acesso à reserva da Serra de Itabaiana,
é preciso observar a necessidade de uma abordagem adequada e não-preconceituosa por parte
dos fiscais do IBAMA na qualidade de agentes públicos, o que não aconteceu no caso descrito.
É certo que os agentes públicos, enquanto investidos em suas funções, não podem e não
devem exteriorizar qualquer tipo de convicção ou preferência religiosa, pois, agindo assim
estar-se-ia ferindo o princípio da laicidade estatal consagrado na Constituição Federal de 1988.
Em razão desse princípio, o Estado, e consequentemente os agentes públicos, fica impedido de
favorecer qualquer religião específica, devendo tratar de forma isonômica todas as crenças. Em
outras palavras: não se trata de um Estado Ateu mas de um Estado religiosamente neutro, que
não privilegia uma religião em detrimento de outras, o que possibilita o respeito à diversidade
e à liberdade religiosa, de crença e de consciência. A democracia, portanto, é fortalecida no
Estado laico.
Outros fatores apontados pelos entrevistados que modificam ou impossibilitam a
continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram usados para fins litúrgicos
foram: poluição, distância e sobreposição territorial. Sobre poluição e distância já discutimos
na Tabela 4, portanto nos deteremos a sobreposição territorial que emergiu como um
elemento novo.
Sobre esse aspecto, Faria e Santos (2008) destacam a multiplicidade de territórios
existentes no espaço urbano. Uma vez que ele (o espaço urbano) é o local onde variados grupos
(sociais, políticos, étnicos, religiosos, etc.) reproduzem suas práticas e compartilham
identidades das mais variadas, o que leva a formação de territórios múltiplos, os autores
explicam que muitas vezes esses territórios múltiplos se sobrepõe e, eventualmente, conflitos
são gerados devido a disputa pelo uso, ou seja, pela apropriação desses territórios.
235 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
166
No caso das comunidades religiosas, como se viu, a formação desse território se dá pela
construção e reprodução de uma identidade religiosa a partir do uso de um determinado espaço
que julgam sagrado: o chamado espaço sagrado (FARIA; SANTOS, 2008). E no caso específico
das religiões afro-brasileiras, além do espaço sagrado interno constituído pelo terreiro, essa
sacralidade se estende além dos muros e tem continuidade em ambientes que guardam
determinadas características especiais que fazem deles domínios das divindades africanas.
Como se viu no primeiro capítulo, os ambientes naturais são a “morada” dessas divindades,
motivo pelo qual a sacralização da natureza é um dos fundamentos dessas religiões.
Formam-se, assim, os sítios sagrados que “podem ser interpretados como sendo
territórios desses grupos na medida em que os consideramos como agentes modeladores do
espaço, que exercem em maior ou menor grau poder sobre este” (FARIA; SANTOS, 2008, p.
14).
Neste trabalho, conforme já esclarecido, chamamos esses territórios de territórios de
Axé, uma vez que a força (ou Axé) das divindades do panteão africano estão nesses espaços da
natureza que são sacralizados pelas comunidades de terreiro em razão do uso religioso que
fazem deles. É, pois, somente nesses territórios que muitas das práticas religiosas afro-
brasileiras podem ser reproduzidas, a exemplo de limpezas espirituais em rios e a entrega de
oferendas em cachoeira, pedreiras, na mata, praias, etc.
Assim, a sobreposição territorial se dá a partir da reivindicação de formas
incompatíveis de uso de um mesmo território por grupos diferentes, ou seja, a partir de uma
disputa pelo uso de um mesmo território a partir de apropriações simbólicas distintas
(HAESBAERT, 2004; FARIA; SANTOS, 2008). É o que se vê no caso descrito pelo
entrevistado Xangô:
[...]A gente ia entregar o presente de Oxum em um lugar chamado Pomonga, uma ilha
chamada Pomonga lá para o lado da Atalaia Nova, ia de barquinho, de tótótó. Há anos
atrás ninguém habitava a ilha, esse ano a gente foi levar e tinha um monte de gente
fazendo churrasco no lugar, aproveitando para se divertir[...] Mas assim, é inevitável
que os ambientes naturais comecem a ser mais procurados, a demora é alguém ir,
porque quando você vai o dono do barco que te levou ele já sai e diz “olha, tem um
lugar muito legal”. Isso aconteceu com a cachoeira de Macambira, isso aconteceu com
a Serra de Itabaiana, isso aconteceu com o Pomonga, isso aconteceu com a pedreira
de Itaporanga, então isso aconteceu com alguns lugares. Mas é normal que isso
aconteça. Provavelmente vamos procurar outro lugar. Não que a gente não goste de
socializar, mas porque as pessoas não têm conhecimento e a falta do conhecimento
assusta, aquilo que você não conhece você normalmente tem medo porque você não
sabe do que se trata. Então a gente pode estar ali tocando nosso atabaque nos
divertindo e o pessoal achar que a gente está fazendo uma bruxaria, ou algo que está
amaldiçoando a ilha, que a ilha vai sucumbir, sei lá, na mente do ser humano pode
passar um zilhão de coisas né! Então, é melhor a gente se resguardar, é mais seguro
167
ou passar a ir mais cedo, se a gente ia oito horas da manhã agora tenta ir cinco. É uma
adaptação necessária [...]. (XANGÔ, 2016, informação verbal236).
A partir dessa fala, se denota uma disputa entre grupos (religioso e social) pelo uso de
um mesmo território, entretanto, por meio de apropriações distintas. Percebe-se, pois, uma
sobreposição de territórios, pois há, nesse caso, interesses distintos sendo disputados como a
prática religiosa e o uso do lazer, que muitas vezes são incompatíveis. Ora, as práticas religiosas
requerem certa tranquilidade e até mesmo invisibilidade para preservação do sagrado, o que
muitas vezes acaba sendo inconciliável com atividades de lazer sendo realizadas no mesmo
ambiente.
Por outro lado, também é comum que os grupos que utilizam esses ambientes naturais
para diversão e lazer não aceitem as práticas dos grupos afrorreligiosos nesses locais, o que se
depreende da própria fala transcrita acima em que o entrevistado ressalta a necessidade de se
resguardar e cita como exemplo adaptações nos horários de ida a esses locais. Esse cuidado
também foi citado por outro entrevistado na seguinte fala extraída da Tabela 5: “[...]Cachoeira
frequentada é a cachoeira de Macambira, se for de manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas
três e meia da manhã para chegar lá, fazer sua oferenda com o dia clareando e vim embora
porque depois já começa a encher de gente e muitos ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016,
informação verbal237).
Como se vê, nos casos acima citados os religiosos optam por fazer adaptações em seus
horários para que o uso do território sagrado, imprescindível à sua vivência religiosa, ocorra em
momento distinto do costumeiramente utilizado pelos grupos sociais que buscam esses
ambientes para lazer e diversão. Busca-se, com esses ajustes, evitar um conflito direto em razão
dessa sobreposição territorial.
Sobre possíveis dificuldades dos terreiros investigados no uso de espaços naturais
externos foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:
→ BLOCO V, PERGUNTA 6 - Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade
ou impedimento na utilização de espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de
dificuldade ou impedimento?
PERGUNTA 7 – De que modo você acredita que seria possível transpor essa dificuldade ou
impedimento?
236 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 237 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
168
Sobre a pergunta n. 6 os resultados foram os seguintes: 10 (dez) entrevistados
encontram dificuldade ou precisam fazer algum tipo de adaptação; 3 (três) entrevistados
não encontram dificuldade. Vejamos em gráfico:
Gráfico 15 – Dificuldades encontradas pelos terreiros na utilização de ambientes naturais
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Ainda sobre a pergunta n. 6 as principais dificuldades ou impedimentos citados foram:
1. Crescimento da cidade (4 entrevistados); 2. Violência (3 entrevistados); 3. Distância e
deslocamento (2 entrevistados); 4. Restrição de acesso (2 entrevistados):
Gráfico 16 – Principais dificuldades e/ou impedimentos
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
77%
23%
Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de
ambientes naturais nas liturgias?
Encontra dificuldade ouprecisa fazer algum tipode adaptação
Não encontra dificuldade
39%
29%
20%
12%
Principais dificuldades ou impedimentos
Crescimento dacidade
Violência
Distância edeslocamento
Restrição de acesso
169
Sobre a pergunta n. 7 a principal solução apontada para transpor as dificuldades ou
impedimentos na utilização de espaços/ambientes naturais foi a criação de um espaço
reservado para as liturgias afrorreligiosas, nos moldes do Espaço Sagrado existente no Rio
de Janeiro.
Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 6
e 7, constantes no Bloco V:
170
Tabela 7 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 6 e 7, bloco V.
PERGUNTA 6: Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de dificuldade
ou impedimento?
PERGUNTA 7: De que modo você acredita que seria possível transpor essa dificuldade ou impedimento?
IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA
1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do
Socorro
Início das atividades: 1995
Pergunta 6: Eu não posso falar só por mim né, eu tenho que saber
que eu tenho meus irmãos que tem as dificuldades né, e tem sim.
Tem a questão, eu já passei uma vez de... eu morava no Santos
Dumont ia levar um ebó na pedreira e aí o carro da polícia nos parou
né, parou, perguntou mas quando me viu a caráter deixou passar, e
quando a gente foi pra um certo lugar pra arriar os vizinhos de
próximo, que a gente ia subindo a pedreira, gritou “epa, aí não!” Só
que aí você tem que também ter posição sabe, aqui não por que? Eu
não tô na sua porta, eu tô indo pra um espaço da natureza que é meu,
é seu é de todos! E aí, como também eu tava levando comida numa
gamela, que gamela é pau, é madeira se desfaz né com o tempo, aí
eu fui e fiz minha oferenda, mas tem pessoas que você vai botar
uma vela na rua e a pessoa quer proibir sabe, faz aquele enxame e
não quer permitir.
Pergunta 7: Fazendo as adaptações pensando primeiro no meio
ambiente, pensando em conviver em harmonia com a população
também né, ter essa consciência né de você mora em lugares
urbanos que não tem muito essa beleza que eu tenho aqui com a
natureza, então eles tem que tentar fazer as coisas de uma forma que
não venha a agredir nem a natureza nem a população.
Eu não posso falar só por mim, eu
tenho que saber que eu tenho meus
irmãos que tem as dificuldades né.
Tem pessoas que você vai botar uma
vela na rua e a pessoa quer proibir.
Tem que tentar fazer as coisas de uma
forma que não venha a agredir nem a
natureza nem a população.
A fala da entrevistada aponta dificuldades em
relação ao uso do espaço público em algumas
de suas práticas religiosas, pois costuma
enfrentar resistência por parte de pessoas que
residem nas proximidades do local onde a
prática será realizada, ainda que se trate de um
espaço da natureza: “[...]quando a gente foi pra
um certo lugar pra arriar os vizinhos de
próximo, que a gente ia subindo a pedreira,
gritou “epa, aí não!” Só que aí você tem que
também ter posição sabe, aqui não por que? Eu
não tô na sua porta, eu tô indo pra um espaço
da natureza que é meu, é seu é de todos!;
“[...]tem pessoas que você vai botar uma vela
na rua e a pessoa quer proibir sabe, faz aquele
enxame e não quer permitir.”
A entrevistada acredita que uma forma de
transpor essa dificuldade é através do uso
consciente do ambiente natural e do espaço
público, de modo a não agredir a natureza e não
causar incômodos a população.
2. Legbara
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 6: A dificuldade é só os deslocamentos mesmo e a
distância. Tem que ver cada vez mais longe né, você vai
encontrando cada vez a mata se afastando e a cidade vai crescendo,
vai se formando um concreto imenso e aí deixa de estar existindo
tanto como antes. Então você tem que ir cada vez buscar mais
distante. Quando é toda destituída a escravidão que os negros abrem
seus terreiros eles primeiro são lançados bem distante da sociedade,
aí a gente utiliza os espaços que são as matas, a gente vai lá pra
dentro fazer os quilombos e tem toda aquela área verde e aí é
possível você desenvolver todo o seu ritual. Aí a cidade começa a
crescer e invade esses ambientes que já foram colocados para nós
como ambientes que não eram muito bem vistos pela sociedade, era
distante, aí ela sente a necessidade de crescer e vai invadindo, e aí
A dificuldade é só os deslocamentos
mesmo e a distância. Você vai
encontrando cada vez a mata se
afastando e a cidade vai crescendo. Eu
acho que a política pública ela vem
também como uma forma de
reparação aos povos tradicionais, de
reparação por todo o dano que essa
própria sociedade causou tirando você
da terra, tirando você do seu seio e
colocando em um espaço sem
nenhuma garantia.
Mais uma vez a distância e consequente
necessidade de deslocamento para ambientes
naturais cada vez mais distantes são apontadas
como dificuldades. O crescimento da cidade a
partir do avanço de um processo de
urbanização também é apontado como
dificuldade: “[...]Tem que ver cada vez mais
longe né, você vai encontrando cada vez a mata
se afastando e a cidade vai crescendo, vai se
formando um concreto imenso e aí deixa de
estar existindo tanto como antes. [...]. Quando é
toda destituída a escravidão que os negros
abrem seus terreiros eles primeiro são lançados
171
cada vez mais vai nos achatando, porque a cidade cresce, você vai
ficando muito mais apertado no seu ambiente que você precisa da
natureza, ela vai deixando de existir e dificultando cada vez mais a
tradição e a manutenção dessa tradição. É lógico que ela [a religião]
não acaba porque não se acaba uma cultura, uma tradição, ela
sempre tem a sua forma de renascer e de reviver mas que ela [se
referindo a urbanização] traz dificuldade com certeza traz.
Pergunta 7: Se os povos de matriz africana tivessem o mesmo
acesso que as outras religiões têm, no que se refere a espaço. Porque
você vê uma igreja qualquer quando chega em um bairro ela tem
todo um aparato do governo para se instalar ali, diz que em cima até
de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que
ser atendido dessa forma, de manter a sua tradição respeitando o seu
espaço, respeitando porque nós temos a natureza como principal pra
nossa vida e pra manutenção da nossa tradição a gente precisa da
utilização dessa natureza, então tinha que ter espaços cedidos para
os terreiros, espaços que contemplassem toda a diversidade da
natureza. Eu acho que a política pública ela vem também como uma
forma de reparação aos povos tradicionais, de reparação por todo o
dano que essa própria sociedade causou tirando você da terra,
tirando você do seu seio e colocando em um espaço sem nenhuma
garantia. Então o Estado deve isso ao povo brasileiro e
especialmente ao povo de matriz africana, ele tem que ser reparado
e a forma de reparar é através das políticas públicas, de ações
afirmativas.
bem distante da sociedade, aí a gente utiliza os
espaços que são as matas[...]tem toda aquela
área verde e aí é possível você desenvolver todo
o seu ritual. Aí a cidade começa a crescer e
invade esses ambientes que já foram colocados
para nós como ambientes que não eram muito
bem vistos pela sociedade, era distante, aí ela
sente a necessidade de crescer e vai invadindo,
e aí cada vez mais vai nos achatando, porque a
cidade cresce, você vai ficando muito mais
apertado no seu ambiente que você precisa da
natureza, ela vai deixando de existir e
dificultando cada vez mais a tradição e a
manutenção dessa tradição [...].”
A entrevistada também denuncia uma falta de
isonomia no tratamento que o poder público
dispensa às religiões de matriz africana e as
demais religiões: “[...]Se os povos de matriz
africana tivessem o mesmo acesso que as outras
religiões têm, no que se refere a espaço. Porque
você vê uma igreja qualquer quando chega em
um bairro ela tem todo um aparato do governo
para se instalar ali, diz que em cima até de leis
sobre isso, então o povo de matriz africana
também teria que ser atendido dessa forma
[...]”.
A entrevistada aponta como solução a reserva
de espaços naturais destinados às práticas
religiosas tradicionais das comunidades de
terreiro. E quando da resposta da pergunta n. 9,
a entrevistada citou o “Espaço Sagrado”, projeto
implementado no Rio de Janeiro, como um
modelo a ser seguido em Sergipe.
Segundo a entrevistada, é dever do Estado
adotar e promover políticas públicas e ações
afirmativas de reparação aos povos
tradicionais de terreiro garantindo o acesso
aos espaços naturais vitais para a
manutenção de suas tradições religiosas:
“[...] pra manutenção da nossa tradição a gente
precisa da utilização dessa natureza, então
tinha que ter espaços cedidos para os terreiros,
espaços que contemplassem toda a diversidade
172
da natureza. Eu acho que a política pública ela
vem também como uma forma de reparação aos
povos tradicionais [...]o Estado deve isso ao
povo brasileiro e especialmente ao povo de
matriz africana, ele tem que ser reparado e a
forma de reparar é através das políticas
públicas, de ações afirmativas.”
3. Oxum
Localização: Palestina, Aracaju
Início das atividades: 1990
Pergunta 6: Não
Pergunta 7: Para mim nada dificulta ou incomoda. Graças a Deus
que a nossa cidade está progredindo e espero em Deus que o
progresso venha maior.
Para mim nada dificulta ou incomoda. Em que pese a entrevistada tenha respondido
não ter dificuldades, é importante ressaltar que a
mesma apontou ter dificuldades quanto ao
uso das encruzilhadas urbanas na resposta da
pergunta n. 4.
4. Oyá
Localização: Bairro Industrial, Aracaju
Início das atividades: 1963
Pergunta 6: Não. Já que o parque da cidade eu prefiro não criar o
problema, então eu entro no carro e saio andando por aí, quando eu
vejo um lugar, um mato que está a vontade que eu olho que não tem
cerca, então eu sei que não é preservado, aí eu vou lá e faço o que
tenho que fazer, mas muito rápido porque sofre o risco de acontecer
alguma coisa, porque ali você não conhece. Por que dentro dos
matos de repente você se bate com um viciado aí é difícil. Você vai
resolver uma situação e se bate com outra. Dificulta porque se você
vai em um lugar onde você pode ficar à vontade, você faz seu
trabalho de boa, mas se você vai em um local que você não conhece
então você tem que fazer meio assim, na carreira, com aquele
sentimento de que de repente pode aparecer alguém, você não sabe
o que vai aparecer, aí a gente tem que sair de casa com duas, três ou
quatro pessoas pra que alguém fique observando enquanto alguém
tá ali. E medo de represálias né? Por que o espaço não é seu.
Pergunta 7: Se a própria lei governamental, os governantes, eles
tivessem preocupação com o pessoal afrodescendente, tendo em
vista que a religião ela tem muito anos, a religião do candomblé ela
vem se estendendo de muito tempo e ela cresceu, expandiu. Então
quando eu entrei pra religião do candomblé, que eu era menina, eu
lembro que tinha muita perseguição naquela época, hoje já não tem
a perseguição mas tem quem não liga, que não se incomoda com
nada. Então se eles tivessem essa preocupação de preservar a
cultura, criaria um espaço, mesmo que fosse vigiado, porque a gente
não vai confiar em gente, pra não destruir, colocar uma vigilância
pra ninguém destruir e os afrodescendentes que necessitassem
poderiam usar o espaço, mesmo que pagando uma taxa. Mas teria
um espaço como é nos outros lugares. E também, o pessoal
afrodescendente passar, talvez, por uma capacitação para eles se
adequarem também a um certo tipo de educação. Porquê da maneira
Dificulta porque se você vai em um
lugar onde você pode ficar à vontade,
você faz seu trabalho de boa, mas se
você vai em um local que você não
conhece então você tem que fazer
meio assim, na carreira, com aquele
sentimento de que de repente pode
aparecer alguém. Se os governantes,
tivessem preocupação com o pessoal
afrodescendente criaria um espaço e
os afrodescendentes que
necessitassem poderiam usar o
espaço, mesmo que pagando uma
taxa. E também, o pessoal
afrodescendente passar por uma
educação ambiental.
A entrevistada inicia sua resposta afirmando não
ter dificuldades, entretanto, mais adiante ela se
contradiz e informa que não poder realizar
suas práticas religiosas em um lugar que
possa ficar à vontade, traz dificuldades:
“Dificulta porque se você vai em um lugar onde
você pode ficar à vontade, você faz seu trabalho
de boa, mas se você vai em um local que você
não conhece então você tem que fazer meio
assim, na carreira, com aquele sentimento de
que de repente pode aparecer alguém, você não
sabe o que vai aparecer, aí a gente tem que sair
de casa com duas, três ou quatro pessoas pra
que alguém fique observando enquanto alguém
tá ali. E medo de represálias né? Por que o
espaço não é seu!”
Infere-se, portanto, que um sentimento de
angústia acompanha a entrevistada quando é
preciso ir a locais desconhecidos para realizar
suas práticas religiosas. Essa angústia vem do
medo de represálias por parte de um eventual
proprietário do espaço e também de possível
violência: “[...]Por que dentro dos matos de
repente você se bate com um viciado aí é
difícil[...]”; “[...]E medo de represálias né? Por
que o espaço não é seu.”.
Como solução para essa dificuldade a
entrevistada indica a criação de um espaço
reservado para essas tradições religiosas que
precisam ser realizadas em ambientes
173
que eles sofrem intolerância eles também acabam sendo intolerantes
quando eles destroem o meio ambiente. Vai botar um perfume no
mar e joga o vidro lá dentro, o Orixá não vai pegar um vidro pra
botar na cabeça! O que serve não é o líquido? Então despeja o
líquido, porque quando eu for fazer minha oferenda eu despejo o
líquido na água, vou fazendo minha saudação e o vaso vem de volta
pra botar na lixeira. Então eles também precisam de uma adequação,
uma educação ambiental. Eu acho que existe a falha das duas partes.
naturais. Quando da resposta à pergunta n. 5 a
entrevistada cita o exemplo do Rio de Janeiro
como modelo possível de ser seguido em
Sergipe. Mais uma vez a entrevistada denuncia
o descaso do poder público e das leis em
relação aos direitos religiosos da população
afrodescendente, o que também se verificou na
resposta da pergunta n. 5.
Por outro lado, a entrevistada aponta a
necessidade de uma tomada de consciência
ambiental da própria população afrorreligiosa
para fins de preservação do meio ambiente. Esse
aspecto também emergiu em algumas respostas
discutidas na Tabela 4.
5. Oxóssi
Localização: Bugio, Aracaju
Início das atividades: Por volta de
1980
Pergunta 6: Não.
Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque a entrevista respondeu
que não tem dificuldades.
Não. Não tem dificuldade.
6. Ibejis
Localização: Novo Paraíso, Aracaju
Quantidade de filhos: 8 (em média)
Início das atividades: Por volta de
1996
Pergunta 6: Não, porque eu já me habituei com aquilo de levar,
mas que faz falta faz. Seria melhor tendo do que a gente se deslocar.
Pra você ter uma ideia, essa região aqui toda do Novo Paraíso era
horta de verduras, era tanque de água, era pé de coqueiro, pé de
mangueira, hoje é uma cidade. Não tem condições de eu fazer um
trabalho e chegar ali na esquina arriar porque é na frente de uma
casa. Cada vez tem que ir pra mais longe.
Pergunta 7: A gente ter um canto só pra gente, que a gente cuidasse
e que a gente se utilizasse daqui. Uma roça bem cuidada com muitas
ervas que tudo fosse feito ali e que tivesse obrigação de cuidar. Hoje
teria uma semana minha de limpar, amanhã uma semana sua, e não
deixar aquilo acabar. Agora eu acho muito difícil isso hoje
acontecer. Quem mora aqui mesmo na cidade, quase no centro, não
tem espaço.
Seria melhor tendo do que a gente se
deslocar. A gente ter um canto só pra
gente, que a gente cuidasse e que a
gente se utilizasse daqui.
Apesar de inicialmente responder que não tem
dificuldade, a entrevistada complementa sua
resposta afirmando que “seria melhor tendo do
que a gente se descolar”, de onde se infere que
a necessidade de deslocamento é uma
dificuldade e que seria melhor se existissem
locais próximos para serem usados.
O crescimento da cidade também é apontado
como dificuldade: [...]Pra você ter uma ideia,
essa região aqui toda do Novo Paraíso era
horta de verduras, era tanque de água, era pé
de coqueiro, pé de mangueira, hoje é uma
cidade. Não tem condições de eu fazer um
trabalho e chegar ali na esquina arriar porque
é na frente de uma casa. Cada vez tem que ir pra
mais longe[...].
Na opinião da entrevistada uma solução seria
ter um espaço reservado para uso dos
afrorreligiosos e que também fosse por eles
cuidado e preservado, visto que quem mora no
centro urbano de Aracaju não tem espaço para realizar suas práticas religiosas que
dependem de ambientes naturais. Entretanto,
assim como em respostas anteriores fornecidas
por outros entrevistados, aqui também se
174
verifica descrença da entrevistada quanto a
concretização de algo neste sentido.
7. São Jorge
Localização: Bairro América, Aracaju
Início das atividades: 1901
Pergunta 6: Dificuldade não; não vai explorar como explorava de
passar dia, noite lá, não faz mais isso por conta da violência. Vai lá
faz a obrigação e vem embora. Tem em Itabaiana também a
Cachoeira que nunca mais foi, agora parece que tá proibido fazer
obrigação lá. Ali no Poço das Moças, que a gente ia, não sobe mais,
antigamente acampava naquilo ali tudo e virou reserva agora.
Depois que passou a ser reserva nunca mais fomos.
Toda casa de candomblé quando é iniciada ela procura se afastar da
urbanização, pra não incomodar e pra não ser incomodado, mas é
difícil porque depois vai chegando o progresso e não tem como mais
ter esse sossego, não incomodar nem ser incomodado. O jeito é
fazer tudo dentro do seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos você
não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo dentro do terreiro
como a gente já tá começando a se adaptar. A gente tem nossas
ervas, nosso espaço é muito grande, a festa dos caboclos a gente já
tá começando a fazer aqui mas a gente tem essa vantagem de que
nosso espaço é grande e quem não tem um espaço grande, como é
que vai fazer? Quem não tem essa estrutura como é que vai ficar,
vai deixar de fazer? Não pode! Já tem terreiro que já faz isso porque
não tem outra opção, faz todos os seus rituais dentro do terreiro, tem
que se adequar, não tem pra onde correr. É muito ruim; os Orixás
entendem que não tem outra opção mas não é bom pro terreiro
perder essa energia da mata, de água, de tudo.
Pergunta 7: Ainda não é um problema mas a gente sabe que no
futuro vai ser, ainda dá pra se levar, por enquanto dá. A civilização
tá chegando e não tem nem como evitar, porque você vê os
manguezais sendo tudo aterrado pra construir prédio, imagine
outros lugares que a gente precisa e aí vai acontecer o mesmo. É
inevitável.
Dificuldade não. Ainda não é um
problema mas a gente sabe que no
futuro vai ser. A civilização tá
chegando e não tem nem como evitar.
A entrevistada informa que não chega a ter
dificuldades, porém indica algumas restrições
que passou a ter em decorrência da violência e
da proibição de acesso a um ambiente natural
que costumava ir mas que virou reserva.
O crescimento da cidade também aparece
como dificuldade que impõe adaptações
prejudiciais à religião: Toda casa de
candomblé quando é iniciada ela procura se
afastar da urbanização, pra não incomodar e
pra não ser incomodado, mas é difícil porque
depois vai chegando o progresso e não tem
como mais ter esse sossego, não incomodar nem
ser incomodado. O jeito é fazer tudo dentro do
seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos você
não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo
dentro do terreiro como a gente já tá
começando a se adaptar [...]Já tem terreiro que
já faz isso porque não tem outra opção, faz
todos os seus rituais dentro do terreiro, tem que
se adequar, não tem pra onde correr. É muito
ruim; os Orixás entendem que não tem outra
opção mas não é bom pro terreiro perder essa
energia da mata, de água, de tudo”.
Na entrevistada não indicou uma solução para o
problema.
8. Sahara
Localização: Santa Maria, Aracaju
Início das atividades: 1993
Pergunta 6: Vai depender de como eu me bater com alguém, mas
Graças a Deus, até o momento nenhum dos lugares que eu fui
depositar oferenda minha tive problemas. Ao longo dos anos a
religião vem tentando se adaptar para continuar sua sobrevivência,
nós sabemos que antigamente a gente tocava de uma forma mais
aberta, sem precisar de determinadas circunstâncias dentro do nosso
terreiro [...] E nós vemos ao longo da história do candomblé, desde
a abolição dos escravos, que os nossos antepassados vem tentando
se adequar para poder manter vivo o culto aos Orixás. Então a gente
vive de adequações o tempo todo. Exemplo disso: nós tínhamos o
costume de fazer nossa ritualística de matança a começar pelas três
horas da manhã. Hoje em dia, para não termos um problema com
Até o momento nenhum dos lugares
que eu fui depositar oferenda minha
tive problemas. Ao longo dos anos a
religião vem tentando se adaptar para
continuar sua sobrevivência
O entrevistado informa que até o momento não
tem dificuldades mas que adaptações foram e
ainda são necessárias para sobrevivência da
religião. Uma das adaptações citadas como
exemplo foi a mudança nos horários de
ritualísticas internas, para evitar problemas
com vizinhos em relação a queixas de
perturbação sonora (aspecto que também foi
discutido no Capítulo 2 quando tratamos sobre
as dificuldades dos terreiros em suas liturgias
internas). Se por um lado essas
adequações/adaptações são apontadas como
175
vizinhança, nós nos adequamos a começar nossas matanças de cinco
horas, cinco e meia em diante, para não atrapalhar o momento de
descanso e de sono dos vizinhos. Não são todos, mas sempre tem
alguém que acha que é incômodo o som dos nossos cantos, nossa
liturgia. Mas de uma certa forma foi uma adequação porque os
nossos antepassados começavam toda liturgia as três horas da
manhã, para quando o sol estivesse saindo nós já estávamos
agradecendo aos Orixás por aquele ritual. Hoje nós tivemos que
adequar, infelizmente o sol levanta e a gente ainda continua a fazer.
A cada dia que passa você vai se tornando mais flexível e as pessoas
se acham no direito de dizer que aquilo não tinha valor. Então o
valor da nossa religião está dentro da nossa tradição, se a gente
perde a tradição a gente também está perdendo valor.
Pergunta 7: Com certas adequações que a gente poderia fazer e se
nós tivéssemos o apoio do poder público. Por exemplo: nós temos
aqui a praticamente cem metros do litoral uma mata Atlântica, e por
que ela não ser preservada? Por que ela não ser transformada em
um local de preservação ou de um parque para que a sociedade
pudesse conhecer, porque daqui há uns cinco ou seis anos nossas
crianças não vão ter conhecimento do que seria uma mata Atlântica,
e nós temos aqui a trezentos metros da praia uma mata Atlântica
rica de várias espécies de vegetais, de vida [...] e hoje vejo espécies
de árvores em extinção sendo derrubadas aí em cima. Então o que
eu vejo é que, por exemplo, culturalmente falando a gente tinha uma
reserva natural aqui que poderia servir para educação, para o
conhecimento, para a cultura própria da nossa capital, que nós
vamos virar uma cidade sem ter certas coisas, a questão da
arborização é muito precária. Você chega ali em Salvador e anda
por Salvador, por mais que a cidade seja uma metrópole mas você
vê dentro da própria cidade várias reservas de matas preservadas,
cercadas e que os afrorreligiosos tem acesso. Você chega ali em
Itapoã e você vê a lagoa do Abaeté é preservada. Nós temos uma
lagoa aqui próxima do terreno do aeroporto que está sendo liberada
para especulação financeira para fazer condomínio, uma lagoa que
tem uma nascente, ela não seca e já tiraram todas as árvores do lado
dela que daqui alguns dias vai virar um condomínio fechado com
uma lagoa para ter patinhos para os filhos olharem. [...] Mas eu
cheguei aqui essa lagoa era um local de lazer que as famílias iam
para lá, quem não ia para a praia ia andando para a lagoa, tinha
várias árvores ao redor e hoje em dia estou encontrando carros-pipas
tirando a água dela mas a lagoa não está sendo preservada, a lagoa
não está sendo resgatada. Por que? Se você passar o olho hoje você
vai ver que está tendo uma especulação imobiliária, aquilo ali vai
necessárias à sobrevivência da religião, por
outro o entrevistado demonstra que isso é
preocupante para a tradição pois representa uma
“perda de valores”: “[...]A cada dia que passa
você vai se tornando mais flexível e as pessoas
se acham no direito de dizer que aquilo não
tinha valor. Então o valor da nossa religião está
dentro da nossa tradição, se a gente perde a
tradição a gente também está perdendo valor.”
Como solução para as dificuldades o
entrevistado aponta iniciativas do poder público
no sentido de, por exemplo, transformar a faixa
de Mata Atlântica existente no Morro do Avião
(bairro Santa Maria) em uma área de
preservação ambiental que os afrorreligiosos
pudessem ter acesso garantido. Vejamos:
“[...]Por exemplo: nós temos aqui a
praticamente cem metros do litoral uma mata
Atlântica, e por que ela não ser preservada?[...]
Você chega ali em Salvador e anda por
Salvador, por mais que a cidade seja uma
metrópole mas você vê dentro da própria cidade
várias reservas de matas preservadas, cercadas
e que os afrorreligiosos tem acesso. [...]É um
ambiente natural e de utilização afro? É [...]”.
Entretanto, o entrevistado aponta a especulação
imobiliária como um fator de impacto
negativo que impede a concretização de um
projeto como esse: “[...]Então o que a gente vê
é a especulação imobiliária tirando a
oportunidade de termos uma reserva natural
dentro da própria cidade porque não se está
sabendo dar valor, a importância necessária.
176
virar condomínio fechado, e por que se é da União? [...] Essa lagoa
dava uma vazão que levava para o braço do canal Santa Maria então
ela era uma nascente, não era somente uma lagoa, era uma nascente
e hoje ela perdeu essa posição porque passaram uma estrada entre a
parte do berço que levava água para o canal, aterrando cada vez
mais as laterais e por aí. É um ambiente natural e de utilização afro?
É. Então o que a gente vê é a especulação imobiliária tirando a
oportunidade de termos uma reserva natural dentro da própria
cidade porque não se está sabendo dar valor, a importância
necessária.
9. Santo Antonio
Localização: São Brás, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: Entre 1985 e
1987
Pergunta 6: Não. Tudo pra mim é fácil.
Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque o entrevistado respondeu
não ter dificuldades.
Não. Tudo pra mim é fácil. O entrevistado não tem dificuldades.
10. Xangô
Localização: Eduardo Gomes, São
Cristóvão
Início das atividades: 1951
Pergunta 6: Com certeza. Horário, você tem que saber muito bem
que horário que você vai tocar para você não incomodar os outros e
também não ser incomodado, então normalmente isso tem que ser
feito na madrugada, três e meia/quatro da manhã pra você poder
fazer. Tomar um banho no mar em paz, por exemplo, tem que ser
cedo, antes que alguém chegue e que comente algo de preconceito
ou de racismo, seja lá como for. E a violência que é algo que assola
não só a comunidade do candomblé mas toda a sociedade, você
pode ir de repente com seu carro, com suas coisas fazer uma
determinada oferenda e quando terminar seu carro não está mais,
mas isso é o mesmo risco que você corre ao ir ao shopping por
exemplo, então você pode perder o celular e a gente também, você
pode perder o carro e a gente também. Então violência é algo
comum a todos, eu não vou dizer que é uma infelicidade ou um mal
que aflige só a gente do candomblé não, violência é um mal comum
a todos.
Pergunta 7: Esse rio que utilizamos do final de linha por exemplo,
daqui pro final do ano a gente não consegue mais usar porque já vai
estar habitado. O que a gente vai ter que fazer? Ir para mais longe,
ter que procurar mais longe. Se esse rio virasse uma área de
preservação espiritual, por exemplo...o Rio de Janeiro possui isso,
tem cachoeira que são administradas por federações que tomam
conta, que limpam, que zelam, que mantém, então você vai lá e faz
os seus trabalhos com segurança e sem problema algum, e sem
agredir a natureza. No Rio de Janeiro tem isso, inclusive eu faço
parte de uma federação lá. Como seria? É muito simples, é delimitar
o espaço e botar alguém para cuidar. O que seria botar alguém para
cuidar? Alguém que se encarregue de, se se algum irmão esquecer
Com certeza. Você tem que saber
muito bem que horário que você vai
tocar para não incomodar. Tomar um
banho no mar em paz tem que ser
cedo, antes que alguém chegue e que
comente algo de preconceito ou de
racismo. E a violência que é algo
comum a todos.
Se esse rio do final de linha, por
exemplo, virasse uma área de
preservação espiritual, o Rio de
Janeiro possui isso.
O entrevistado cita algumas adaptações do
culto e de suas práticas religiosas como uma
dificuldade. E, neste sentido, mais uma vez a
questão do horário de toques para não
incomodar vizinhos é citada. Além disso, a
adaptação de horário para algumas práticas
externas simples (como um banho de mar) a fim
de evitar ser alvo de preconceito ou racismo.
A violência é citada como uma dificuldade mas
que não atinge apenas a religião, e sim como um
mal que assola a todos.
A ocupação populacional nas proximidades
de ambientes naturais que constituem
importantes territórios externos também é
apontada como dificuldade que tende a se
agravar com o tempo, tendo como consequência
a necessidade de deslocamento para locais cada
vez mais distantes: “[...]Esse rio que utilizamos
do final de linha por exemplo, daqui pro final do
ano a gente não consegue mais usar porque já
vai estar habitado. O que a gente vai ter que
fazer? Ir para mais longe, ter que procurar mais
longe[...]”.
Como solução o entrevistado também indica a
criação de um espaço reservado nos moldes
do que existe no Rio de Janeiro. Entretanto,
assim como em outras respostas constantes na
Tabela 4, aqui também se verifica descrença do
177
- vamos pensar que esquece e que não faz de propósito – garrafa,
plástico, alguma coisa, alguém que se encarregue de recolher, de
dar o devido destino e alguém que pegue essas oferendas e faça a
natureza usar do jeito ideal. No Rio, por exemplo, tem vários
buracos, eles vão e colocam a oferenda e deixam a céu aberto por
três dias e depois fecham e a terra faz o papel dela. Então assim,
seria assim, era possível o governo fazer isso? Era, mas infelizmente
eu não boto muita fé que o governo vá fazer nada por nós não.
Talvez falte gente competente para isso, talvez aqueles que falam
muito de Deus são pouco espiritualizados também, não tem Deus
no coração de verdade, porque se você não respeita o outro você
não tem Deus no coração, se você não entende ou pelo menos não
busca aceitar a prática do outro, desde que não seja uma prática
destrutiva, você também não tem Deus no coração. Então assim,
fala-se muito de Deus mas invoca-se muito o diabo por aí. Então,
falta gente competente para fazer isso acontecer...melhorou muito
hoje, hoje temos o pessoal do movimento negro, as OSIP’s, hoje
tem um pessoal tentando lutar pelos direitos da igualdade racial,
mas acho que vai muito além disso. Então...hoje não, mas espero
que mais lá na frente tenha gente competente para lidar com isso
tudo. [...]Não é que eu não bote fé, mas não a curto prazo, tipo um
ou dois anos não. Mas quem sabe um trabalho bem feito daqui a
cinco, seis, dez anos dê um fruto, mas daqui para lá também vamos
ter que ver o que é que vai sobrar né? O que é que vai sobrar? Por
exemplo, área próximo a rio normalmente é área pertencente a
marinha, não pode se construir mas você vê um monte de
construção, Aracaju é uma cidade construída em cima do rio,
teoricamente seria uma área de preservação. A parte mais luxuosa
de Aracaju, a treze de julho, é do lado do mangue, embaixo passa
mangue. Então assim, o que é que vai sobrar? Enfim, é uma
realidade dura mas é uma realidade que você tem que abrir os olhos
e enxergar como tem que ser enxergado também. Mas o que é que
vai sobrar por exemplo? Entende? Você dá uma volta no meu bairro
e aqui você vai encontrar oito a dez casas de axé. Você dá uma volta
em São Cristóvão se você não encontrar umas 100 casas amém! Aí
você veja, 100 casas de axé, cada uma cuidando de cinquenta
pessoas, por exemplo, fazendo uma média por casa, você tem cinco
mil pessoas, é uma demanda razoável.
entrevistado em relação a concretização de uma
ação dessa natureza por parte do poder público,
pois em sua opinião falta gente competente e
alteridade em relação a diversidade religiosa:
“[...]Então, falta gente competente para fazer
isso acontecer [...]”; “[...]se você não respeita
o outro você não tem Deus no coração, se você
não entende ou pelo menos não busca aceitar a
prática do outro, desde que não seja uma
prática destrutiva, você também não tem Deus
no coração[...].”
O entrevistado chega a acreditar na
possibilidade de concretização desse tipo de
projeto a longo prazo, entretanto, faz um alerta
sobre “o que é que vai sobrar?”, o que
demonstra preocupação com as consequências
do avanço da urbanização nos próximos cinco a
dez anos.
11. Odé
Localização: Piabeta, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: 1993
Pergunta 6: Para mim é só a violência. Inclusive eu digo a você
que quando antigamente eu vinha para aqui e ficava sozinho e
conseguia dormir aqui sozinho e hoje em dia eu sou incapaz de
dormir aqui, por conta do crack, o crack invadiu a região e aqui você
só pode ficar de portas abertas até sete horas da noite, caso contrário
Para mim é só a violência. Eu já fui até
em uma audiência com o secretário de
segurança pública e fui ignorado.
Apesar de informar que apenas a violência traz
dificuldades, o entrevistado, quando da resposta
à pergunta n. 2, citou dificuldades com o uso de
encruzilhadas urbanas em algumas práticas
178
você tem que estar muito bem trancado e eu me considero incapaz
de dormir aqui como eu já dormi outrora.
Pergunta 7: No momento não porque eu já fui até em uma
audiência com o secretário de segurança pública e fui ignorado. É
um problema generalizado que não tange somente a pessoas do
culto afro-brasileiro, tange à sociedade de um modo geral.
religiosas, o que foi apontado como
desdobramento da urbanização.
O entrevistado não vê uma solução para o
problema da violência.
12. Conceição
Localização: Guajará, Nossa Senhora
do Socorro
Início das atividades: Década de 1960
Pergunta 6: Tá difícil, quando tem tá cercado de arame [se
referindo a matas]; rio também, espero que não cerquem nem façam
nada no rio aqui da prainha do bairro industrial que é o que está
aberto. Cachoeira tem que fazer o pedido para ir ou ir para a
cachoeira ali de Itabaiana que tem que pedir também autorização
para entrar, que antes era aberto e agora tem que pedir autorização.
Para alguns é dificuldade. Se você tem conhecimento você
consegue, eu tenho uma filha que tem conhecimento e se a gente
pedir através dela a gente consegue, mas e os outros? Eu não penso
só em mim, e os outros como é que ficam? Tem que ser para todos
os terreiros.
Pergunta 7: Desde Gama [se referindo ao ex-prefeito], de lá para
cá houveram reuniões para saber o que é que a gente queria para a
questão dos terreiros dentro dos projetos da cidade. Existe muita
ajuda para a igreja católica e menos ajuda para os candomblés. Um
outro ponto que a gente viu, que está lá nos papéis, se não jogaram
fora, se não queimaram, se não deram fim, que a gente dialogou foi
a questão de ter um espaço público para que os terreiros pudessem
colocar as suas obrigações, um santuário, e nesse espaço público
tivesse rio, mata, tivesse as chamadas encruzilhadas naturais, aí nós
não veríamos nas ruas os despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho
difícil, seria mais para o interior agora. Em uma área mais para o
interior onde a gente pudesse preservar, que a secretaria do meio
ambiente estivesse com a gente, existisse uma direção própria junto
com os órgãos públicos que não viesse nos massacrar, mas viesse
conviver harmonicamente com a gente e que desse conta de tudo
que está acontecendo naquele pedacinho de chão. Você vê, Gama
foi há quantos anos atrás? De lá para cá quantos anos se passaram?
[...] Agora a gente tem preocupação que esse local seja realmente
bem dirigido e bem acompanhado, com uma diretoria nossa, sob
supervisão nossa entendeu? Nossa que eu falo é do candomblé. Por
que poderia alguém entrar, poderia alguém usufruir, levar alguma
coisa para lá que não fosse da nossa religião. Então tem que ter uma
diretoria, uma supervisão, secretaria do meio ambiente, alguma
coisa nesse sentido de organização para não deixar acontecer o que
eu chamaria de o óbvio, que viesse a negativar o nosso espaço. [...]
Se você for observar o que nós estamos vendo hoje na televisão, na
Tá difícil, quando tem tá cercado de
arame. Cachoeira tem que pedir
autorização para entrar. Para alguns é
dificuldade.
A restrição de acesso a alguns ambientes
naturais, a exemplo de matas, rios e cachoeiras,
seja por estarem em propriedades particulares
ou por ser reserva ambiental (como a cachoeira
de Itabaiana), é citada como dificuldade.
Mais uma vez se verifica uma denúncia quanto
a falta de tratamento isonômico do poder
público em relação às diferentes religiões.
A entrevistada também aponta como solução a
criação de um espaço reservado para os
terreiros e informa que esse diálogo já foi
estabelecido com o poder público anos atrás:
“[...]ter um espaço público para que os
terreiros pudessem colocar as suas obrigações,
um santuário, e nesse espaço público tivesse rio,
mata, tivesse as chamadas encruzilhadas
naturais, aí nós não veríamos nas ruas os
despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho
difícil, seria mais para o interior agora. Em uma
área mais para o interior onde a gente pudesse
preservar, que a secretaria do meio ambiente
estivesse com a gente, existisse uma direção
própria junto com os órgãos públicos que não
viesse nos massacrar, mas viesse conviver
harmonicamente com a gente [...]”.
Entretanto, assim como em outras respostas,
aqui também se verifica descrença do
entrevistado em relação a concretização de uma
ação dessa natureza por parte do poder público:
“[...]você acha que um político desse vai ter
consciência de formar um lugar desse para os
candomblecistas, para os umbandistas? Eles
ligados as Igrejas Universais porque tem muita
gente, porque arrebanha muita gente, é voto que
não acaba mais que o que está interessando a
eles é isso, você acha que vai ter uma
preocupação, por mais que a gente fosse lá
179
política atual, você acha que um político desse vai ter consciência
de formar um lugar desse para os candomblecistas, para os
umbandistas? Eles ligados as Igrejas Universais porque tem muita
gente, porque arrebanha muita gente, é voto que não acaba mais que
o que está interessando a eles é isso, você acha que vai ter uma
preocupação, por mais que a gente fosse lá dialogar com eles? Eu
não acho! Eu não vejo como fazer isso. Agora vi uma preocupação
dessa a nível nacional, São Paulo colocou essa questão, Rio de
Janeiro já tem. Olhe, na época ainda se dialogava até no Rio de
Janeiro e o Rio de Janeiro já tem! O Rio de Janeiro ainda não tinha,
se dialogava em ter. Eu acho que hoje eles não têm essa
preocupação nem esse interesse e ainda mais tendo no pé as Igrejas
Universais. Eu torço até que possa acontecer, porque tem meus
filhos de santo, eu gostaria, mas aqui em Aracaju, Sergipe,
conhecendo os nossos políticos como eu conheço, eu não acredito,
por aqui não! Podemos até tentar, crer, ter fé, quem sabe não seja
para mim hoje mais seja para esses filhos que estão aí chegando e
vão brigar por esses espaços.
dialogar com eles? Eu não acho [...]Aqui em
Aracaju, Sergipe, conhecendo os nossos
políticos como eu conheço, eu não acredito, por
aqui não! [...]”.
13. Ogum
Localização: Jabotiana, Aracaju
Início das atividades: 2010
Pergunta 6: Não. Geralmente quando a gente deixa de fazer alguma
coisa é por conta da violência, então você não tem como ir em
determinados lugares que pode te trazer algum mal, que hoje em dia
é tudo muito perigoso. Então você não pode ir em uma praia tarde
da noite, você tem que ir sempre cedo em um horário que não tenha
muita gente mas que tenha gente próximo. A violência e o
preconceito nos levam a fazer alguns ajustes, eu mesmo procuro não
me expor tanto justamente por conta disso, ou expor o candomblé
de uma forma mais aceitável. Geralmente quando eu sofro algum
tipo de preconceito eu acabo conversando com a pessoa, procurando
fazer com que ela entenda de uma certa forma a religião, porque eu
acho que as pessoas passam muito uma coisa macabra da
religião[...].
Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque o entrevistado disse não
ter dificuldade.
Não. Geralmente quando a gente
deixa de fazer alguma coisa é por
conta da violência. A violência e o
preconceito nos levam a fazer alguns
ajustes.
O entrevistado informa que não tem
dificuldades mas cita alguns ajustes
necessários em razão da violência e do
preconceito.
Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.
180
A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 7 destacam-se os seguintes
resultados:
1. Apenas 3 (três) entrevistados não encontram dificuldade ou impedimento na
utilização de ambientes naturais em suas liturgias, enquanto 10 (dez) entrevistados
encontram dificuldades ou precisam fazer algum tipo de adaptação;
2. As principais dificuldades ou impedimentos citados foram: 1. Crescimento da
cidade (4 entrevistados); 2. Violência (3 entrevistados); 3. Distância e
deslocamento (2 entrevistados); 4. Restrição de acesso (2 entrevistados);
3. Dentre os que informaram que não tem dificuldades mas precisam fazer algum
tipo de adaptação para a sobrevivência da religião, a urbanização foi apontada
como fator de imposição dessas adaptações;
4. Assim como já havia emergido a partir dos dados constantes na Tabela 5, a criação
de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas agora aparece não só
como reivindicação, mas como principal solução apontada para a superação das
dificuldades na utilização de ambientes naturais para fins religiosos;
5. Outros elementos importantes que emergiram nas respostas dos entrevistados
foram: 1. A falta de isonomia no tratamento que o poder público dedica às religiões
afro-brasileiras e às demais; 2. Descrença quanto à criação de um espaço reservado
em Sergipe.
Vê-se, a partir dos resultados, que 77% (setenta e sete por cento) dos entrevistados
enfrentam algum tipo de dificuldade na utilização dos ambientes naturais em suas liturgias
ou precisam fazer algum tipo de adaptação para sobrevivência do culto. O crescimento da
cidade (e seus desdobramentos) é a principal dificuldade, sendo possível inferir, a partir dos
resultados, que o processo de urbanização tem um impacto negativo sobre os cultos e
práticas afrorreligiosas.
A religião, de modo amplo, tem suas características diretamente submetidas às intensas
transformações decorrentes da urbanização (FARIA; SANTOS, 2008). Não é diferente com as
religiões afro-brasileiras que, ao que se infere a partir dos resultados da pesquisa, estão
constantemente envolvidas em embates para manutenção dos locais de reprodução de suas
práticas tradicionais, ou seja, em uma luta para conservação dos seus territórios de Axé.
Assim como a indica a literatura (SILVA, 1995; RÊGO, 2006; OLIVEIRA; OLIVEIRA;
BARTHOLO JR., 2010; BARROS, 2011; SOUZA FILHO, 2013), como consequência da
aceleração do processo de urbanização das cidades os terreiros passam a encontrar dificuldades
181
para a realização de seus rituais, levando a um contínuo processo de subtração de seus espaços
litúrgicos. Regiões antes pouco povoadas e de grande riqueza natural se modificaram com o
tempo, dando espaço a construções urbanas. Assim, vai se verificando um fenômeno de
estrangulamento dos terreiros e de perda de seus territórios de Axé que vão sendo subtraídos
pela cidade que avança em sua direção. É o que demonstra a fala da entrevistada:
[...] Quando é toda destituída a escravidão que os negros abrem seus terreiros eles
primeiro são lançados bem distante da sociedade, aí a gente utiliza os espaços que são
as matas, a gente vai lá pra dentro fazer os quilombos e tem toda aquela área verde e
aí é possível você desenvolver todo o seu ritual. Aí a cidade começa a crescer e invade
esses ambientes que já foram colocados para nós como ambientes que não eram muito
bem vistos pela sociedade, era distante, aí ela sente a necessidade de crescer e vai
invadindo, e aí cada vez mais vai nos achatando, porque a cidade cresce, você vai
ficando muito mais apertado no seu ambiente que você precisa da natureza, ela vai
deixando de existir e dificultando cada vez mais a tradição e a manutenção dessa
tradição [...]. (LEGBARA, 2016, informação verbal238).
Ainda no segundo capítulo, quando da discussão dos resultados apresentados na Tabela
1, a urbanização havia sido apontada por alguns entrevistados como responsável pela atual
condição desfavorável do entorno dos terreiros, que já não oferece mais as áreas verdes que
oferecia anos atrás.
Para além do impacto negativo nas áreas próximas aos terreiros, o crescimento da
cidade também aparece como principal dificuldade no que se refere à utilização de
ambientes naturais essenciais às suas liturgias, ou seja, seus territórios de Axé. Portanto,
os dados coletados indicam que com o processo de urbanização os terreiros perdem espaços
internos e externos o que demanda uma constante necessidade de deslocamento para
lugares cada vez mais distantes, o que também é apontado pelos entrevistados como uma
dificuldade. Vê-se, pois, um emaranhado de condições limitantes que se entrelaçam. É o que
demonstram os depoimentos abaixo:
[...]Tem que ver cada vez mais longe né, você vai encontrando cada vez a mata se
afastando e a cidade vai crescendo, vai se formando um concreto imenso e aí deixa de
estar existindo tanto como antes [...]. (LEGBARA, 2016, informação verbal239).
[...]Para você ter uma ideia, essa região aqui toda do Novo Paraíso era horta de
verduras, era tanque de água, era pé de coqueiro, pé de mangueira, hoje é uma cidade.
Não tem condições de eu fazer um trabalho e chegar ali na esquina arriar porque é na
238 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 239 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).
182
frente de uma casa. Cada vez tem que ir pra mais longe [...] (IBEJIS, 2016, informação
verbal240).
[...]Toda casa de candomblé quando é iniciada ela procura se afastar da urbanização,
pra não incomodar e pra não ser incomodado, mas é difícil porque depois vai chegando
o progresso e não tem como mais ter esse sossego, não incomodar nem ser
incomodado. O jeito é fazer tudo dentro do seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos
você não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo dentro do terreiro como a gente
já tá começando a se adaptar [...] (SÃO JORGE, 2016, informação verbal241).
[...]Esse rio que utilizamos do final de linha por exemplo, daqui pro final do ano a
gente não consegue mais usar porque já vai estar habitado. O que a gente vai ter que
fazer? Ir para mais longe, ter que procurar mais longe[...] (XANGÔ, 2016, informação
verbal242).
As novas restrições impostas pela urbanização demandam das comunidades de terreiro
constantes readaptações como forma de sobrevivência e manutenção de suas tradições
(OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010). Algumas dessas adaptações citadas pelos
entrevistados foram: adequação dos horários de toque para não incomodar vizinhos;
ritualísticas que passaram a ser feitas dentro do terreiro e eram feitas em ambientes
naturais; adequação dos horários de ida aos ambientes naturais para fugir de violência e
preconceito. E as falas de alguns entrevistados indicam que essas adaptações, em que pese
necessárias, são tidas como um preocupante fator de descaracterização do culto e perda das
tradições:
[...]A gente tem nossas ervas, nosso espaço é muito grande, a festa dos caboclos a
gente já tá começando a fazer aqui mas a gente tem essa vantagem de que nosso espaço
é grande e quem não tem um espaço grande, como é que vai fazer? Quem não tem
essa estrutura como é que vai ficar, vai deixar de fazer? Não pode! Já tem terreiro que
já faz isso porque não tem outra opção, faz todos os seus rituais dentro do terreiro,
tem que se adequar, não tem pra onde correr. É muito ruim; os Orixás entendem que
não tem outra opção mas não é bom pro terreiro perder essa energia da mata, de água,
de tudo [...]. (SÃO JORGE, 2016, informação verbal243).
[...]A cada dia que passa você vai se tornando mais flexível e as pessoas se acham no
direito de dizer que aquilo não tinha valor. Então o valor da nossa religião está dentro
da nossa tradição, se a gente perde a tradição a gente também está perdendo valor [...]
(SAHARA, 2016, informação verbal244).
240 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 241 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 242 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 243 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 244 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
183
[...]Horário, você tem que saber muito bem que horário que você vai tocar para você
não incomodar os outros e também não ser incomodado, então normalmente isso tem
que ser feito na madrugada, três e meia/quatro da manhã pra você poder fazer. Tomar
um banho no mar em paz, por exemplo, tem que ser cedo, antes que alguém chegue e
que comente algo de preconceito ou de racismo, seja lá como for [...] (XANGÔ, 2016,
informação verbal245).
A primeira fala acima transcrita demonstra uma preocupação com uma tendência que
já vem sendo observada pela literatura. É que devido ao crescimento desordenado das cidades
fica cada vez mais difícil a manutenção de áreas naturais que preservem características passíveis
de manifestação do sagrado (SILVA, 1995; RÊGO, 2006; BARROS, 2011). Disso decorre,
portanto, a perda dos espaços ritualísticos e consequente redução da vivência religiosa aos
limites internos dos terreiros, trazendo um prejuízo para a tradição religiosa. Como bem
observado por Duarte (1998, p. 20): “[...]a manifestação da religião afro-brasileira tradicional
está encolhendo. Encolhendo para os muros dos próprios terreiros. E isto não é bom. Não é bom
porque nós sabemos que nossa religião não se enquadra apenas aos rituais nos espaços do
terreiro”.
Consoante emergiu na discussão dos resultados apresentados na Tabela 6, aqui também
se verifica uma restrição ao direito de culto que atinge a dignidade humana dessas pessoas que
está intimamente ligada à fé que professam e ao sentimento religioso que lhes é inerente, o que
demanda uma ação pontual do poder público no sentido de garantir a efetiva proteção desse
direito que está sendo violado (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010).
E questionados sobre como superar as dificuldades apontadas na utilização de ambientes
naturais para fins religiosos, os entrevistados indicaram a criação de um espaço reservado
para as liturgias afrorreligiosas como principal solução. Entretanto, assim como já discutido
a partir dos dados constantes na Tabela 5, essa reivindicação aqui também aparece
acompanhada de descrença quanto à concretização desse projeto em Sergipe.
Neste sentido cabe destacar que as falas de alguns entrevistados denunciam a falta de
isonomia no tratamento que o poder público dedica às religiões afro-brasileiras, o que é
elaborado a partir da comparação com o tratamento recebido pelas igrejas. Vejamos: “[...]uma
igreja qualquer quando chega em um bairro ela tem todo um aparato do governo para se instalar
ali, diz que em cima até de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que ser
atendido dessa forma [...]” (LEGBARA, 2016, informação verbal246); “[...]Existe muita ajuda
245 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 246 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).
184
para a igreja católica e menos ajuda para os candomblés [...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação
verbal247).
A consciência sobre essa falta de isonomia possivelmente é mais um elemento que
fortalece essa descrença perceptível na fala de alguns entrevistados quanto à adoção de medidas
concretas (como políticas públicas e ações afirmativas) para garantia dos direitos que estão
sendo violados. Vejamos algumas falas:
[...]Se os povos de matriz africana tivessem o mesmo acesso que as outras religiões
têm, no que se refere a espaço. Porque você vê uma igreja qualquer quando chega em
um bairro ela tem todo um aparato do governo para se instalar ali, diz que em cima
até de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que ser atendido
dessa forma, de manter a sua tradição respeitando o seu espaço, respeitando porque
nós temos a natureza como principal pra nossa vida e pra manutenção da nossa
tradição a gente precisa da utilização dessa natureza, então tinha que ter espaços
cedidos para os terreiros, espaços que contemplassem toda a diversidade da natureza.
Eu acho que a política pública ela vem também como uma forma de reparação aos
povos tradicionais, de reparação por todo o dano que essa própria sociedade causou
tirando você da terra, tirando você do seu seio e colocando em um espaço sem
nenhuma garantia. Então o Estado deve isso ao povo brasileiro e especialmente ao
povo de matriz africana, ele tem que ser reparado e a forma de reparar é através das
políticas públicas, de ações afirmativas [...]. (LEGBARA, 2016, informação
verbal248).
[...]Se a própria lei governamental, os governantes, eles tivessem preocupação com o
pessoal afrodescendente, tendo em vista que a religião ela tem muito anos, a religião
do candomblé ela vem se estendendo de muito tempo e ela cresceu, expandiu. Então
quando eu entrei pra religião do candomblé, que eu era menina, eu lembro que tinha
muita perseguição naquela época, hoje já não tem a perseguição mas tem quem não
liga, que não se incomoda com nada. Então se eles tivessem essa preocupação de
preservar a cultura, criaria um espaço, mesmo que fosse vigiado, porque a gente não
vai confiar em gente, pra não destruir, colocar uma vigilância pra ninguém destruir e
os afrodescendentes que necessitassem poderiam usar o espaço, mesmo que pagando
uma taxa. Mas teria um espaço como é nos outros lugares [...]. (OYÁ, 2016,
informação verbal249).
[...]A gente ter um canto só pra gente, que a gente cuidasse e que a gente se utilizasse
daqui. Uma roça bem cuidada com muitas ervas que tudo fosse feito ali e que tivesse
obrigação de cuidar. Hoje teria uma semana minha de limpar, amanhã uma semana
sua, e não deixar aquilo acabar. Agora eu acho muito difícil isso hoje acontecer[...].
(IBEJIS, 2016, informação verbal250).
[...]Se esse rio virasse uma área de preservação espiritual, por exemplo...o Rio de
Janeiro possui isso, tem cachoeira que são administradas por federações que tomam
conta, que limpam, que zelam, que mantém, então você vai lá e faz os seus trabalhos
com segurança e sem problema algum, e sem agredir a natureza [...]Então assim, era
possível o governo fazer isso? Era, mas infelizmente eu não boto muita fé que o
247 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 248 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 249 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 250 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.).
185
governo vá fazer nada por nós não. Talvez falte gente competente para isso, talvez
aqueles que falam muito de Deus são pouco espiritualizados também, não tem Deus
no coração de verdade, porque se você não respeita o outro você não tem Deus no
coração, se você não entende ou pelo menos não busca aceitar a prática do outro, desde
que não seja uma prática destrutiva, você também não tem Deus no coração[...].
(XANGÔ, 2016, informação verbal251).
[...]Desde Gama, de lá para cá houveram reuniões para saber o que é que a gente queria
para a questão dos terreiros dentro dos projetos da cidade [...] Um ponto que a gente
viu, que está lá nos papéis, se não jogaram fora, se não queimaram, se não deram fim,
que a gente dialogou foi a questão de ter um espaço público para que os terreiros
pudessem colocar as suas obrigações, um santuário, e nesse espaço público tivesse
rio, mata, tivesse as chamadas encruzilhadas naturais, aí nós não veríamos nas ruas os
despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho difícil, seria mais para o interior agora. Em
uma área mais para o interior onde a gente pudesse preservar, que a secretaria do meio
ambiente estivesse com a gente, existisse uma direção própria junto com os órgãos
públicos que não viesse nos massacrar, mas viesse conviver harmonicamente com a
gente e que desse conta de tudo que está acontecendo naquele pedacinho de chão.
Você vê, Gama foi há quantos anos atrás? De lá para cá quantos anos se passaram?
[...] você acha que um político desse vai ter consciência de formar um lugar desse para
os candomblecistas, para os umbandistas? Eles ligados as Igrejas Universais porque
tem muita gente, porque arrebanha muita gente, é voto que não acaba mais que o que
está interessando a eles é isso, você acha que vai ter uma preocupação, por mais que
a gente fosse lá dialogar com eles? Eu não acho! Eu não vejo como fazer isso. Agora
vi uma preocupação dessa a nível nacional, São Paulo colocou essa questão, Rio de
Janeiro já tem. Olhe, na época ainda se dialogava até no Rio de Janeiro e o Rio de
Janeiro já tem! [...]Aqui em Aracaju, Sergipe, conhecendo os nossos políticos como
eu conheço, eu não acredito, por aqui não! [...]. (CONCEIÇÃO, 2016, informação
verbal252).
Vê-se que mais uma vez o exemplo do Rio de Janeiro é apontado como modelo a ser
seguido. Consoante discutido a partir dos resultados constantes na Tabela 5, o projeto Espaço
Sagrado do Rio de Janeiro é pioneiro por estar alicerçado em uma gestão participativa que busca
conciliar os interesses da comunidade afrorreligiosa local aos objetivos de conservação da
natureza, demonstrando a possibilidade do diálogo e harmonização de interesses na busca tanto
da proteção ambiental quanto religiosa (FERNANDES PINTO; IRVING, 2015).
E esse projeto surgiu justamente de uma demanda da comunidade afrorreligiosa que
passou a sofrer restrições de acesso às áreas da Unidade de Conservação do Parque Nacional
da Tijuca em decorrência de políticas públicas de proteção ambiental, o que inseriu este
episódio no documento intitulado “Mapa de conflitos causados por racismo ambiental no
Brasil”, definindo a proibição imposta pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis, no Rio de Janeiro, quanto à realização de rituais religiosos
afro-brasileiros no espaço do Parque como sendo um caso de racismo ambiental (RIBEIRO;
251 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 252 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).
186
PACHECO, 2007, p. 139). Restrições de acesso também foram apontadas como dificuldade
por 2 (dois) entrevistados que citaram os exemplos do Parque da Cidade e da reserva da
Serra de Itabaiana em Sergipe.
Herculano e Pacheco (2006, p. 25) conceituam racismo ambiental como sendo
“injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias
vulnerabilizadas”. Pacheco (2006, p. 323), por sua vez, ressalta que “o racismo ambiental não
se configura apenas por meio de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente por
meio de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem”.
Segundo Bullard (2005), ocorre racismo ambiental quando políticas têm impacto negativo sobre
pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor, ainda que involuntariamente.
Povos e comunidades consideradas tradicionais253 não raras vezes são vítimas de
injustiças ambientais254 e de políticas de conservação ambiental que instituem unidades de
conservação em áreas de uso tradicional, do que decorre um impacto direto para essas
comunidades (MOUTINHO DA COSTA, 2011). Foi isso que aconteceu no caso do Parque
Nacional da Floresta da Tijuca, em que a utilização desse espaço pelas comunidades religiosas
afro-brasileiras é registrada desde o século XVII, mas que em 2007 passaram a ter o acesso ao
Parque restrito ou impedido pelos fiscais do IBAMA. (MOUTINHO DA COSTA, 2011).
Semelhante problemática foi relatada por um dos entrevistados quanto ao acesso à reserva da
Serra de Itabaiana, na região conhecida como Poço das Moças.
Neste sentido, a transformação de áreas como a Floresta da Tijuca255e a Serra de
Itabaiana em unidades de conservação ambiental256, em que pese sua importância enquanto
253 Assim definidas pelo Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. 254 Segundo Moutinho da Costa (2011), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) conceitua injustiça
ambiental como sendo “o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social,
destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais
discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis”
(MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 108). 255 Moutinho da Costa (2008) destaca que o caso emblemático do Parque Nacional da Tijuca demonstra que “os
Povos e Comunidades de Terreiro têm sido impactados pela instituição de áreas protegidas ao longo dos últimos
141 anos, fato que vêm afetando e atingindo o modo de organização e de vida destas populações e comunidades
tradicionais, suas identidades culturais e as relações tradicionais que estabeleceram com seus territórios de origem,
pertencimento e identidade, entrando para a lista dos Povos Atingidos Por Unidades de Conservação, junto com
pescadores, quilombolas, indígenas, entre outros” (MOUTINHO DA COSTA, 2008). 256 O modelo de área de conservação adotado com predominância mundial é o Parque Nacional, que tem como
finalidade a preservação dos espaços naturais intocáveis, idealizados como grandes e extensas áreas naturais sem
população que possuíssem paisagens de extrema beleza contemplativa, capazes de servir como espaço para
recreação ou busca de refúgio e tranquilidade (MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 109). O Brasil segue a tendência
mundial de criar áreas naturais preservadas legalmente instituídas, entre as quais se destacam as Unidades de
Conservação da Natureza, cujo principal marco legal foi estabelecido no ano 2000, com a criação do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), através da Lei 9.985/2000. Nesse sistema, coexistem
Unidades de Proteção Integral (como os Parques e Reservas Biológicas), onde apenas é permitido o uso indireto
187
política ambiental preservacionista, algumas vezes acaba por afetar a vida de comunidades
tradicionais que ao longo de suas trajetórias históricas construíram relações de pertencimento,
identidade e memória com esses espaços (SILVA, 2008; MOUTINHO DA COSTA, 2011). No
caso específico da Floresta da Tijuca, a criação do “Espaço Sagrado” emergiu como importante
política pública que conseguiu harmonizar duas pautas importantes: a preservação ambiental e
a proteção dos direitos culturais e religiosos de comunidades que dependem do acesso a seus
territórios naturais sagrados para continuar reproduzindo suas práticas tradicionais.
Como se viu em relatos de alguns entrevistados, a restrição de acesso ao Parque da
Cidade para fins religiosos foi apontada como fator que levou o espaço a deixar de ser utilizar.
Do mesmo modo, o Poço das Moças, na Serra de Itabaiana, local que costumava ser utilizado
pela comunidade afrorreligiosa sergipana em suas liturgias, também passou a ter o acesso
restrito por ter se tornado área de reserva ambiental. E nesse caso, para além da restrição de
acesso, foi relatada a ocorrência de abordagem inadequada e preconceituosa por parte dos ficais
do IBAMA na qualidade de agentes públicos.
No caso do Rio de Janeiro, somente após onze anos de tratativas entre os representantes
das comunidades afrorreligiosas e o poder público se concretizou a criação do “Espaço
Sagrado”, especialmente destinado ao uso dessa comunidade (MOUTINHO DA COSTA,
2011). Ao que se vê a importância e o alcance desse projeto é tamanho que o levou a ser
indicado como modelo inúmeras vezes nas falas dos entrevistados. Entretanto, embora os
entrevistados apontem a necessidade de criação de um espaço semelhante em Sergipe, essa
reivindicação vem acompanhada de um sentimento de descrença que tem em sua base a
consciência de que ainda sobrevive um preconceito histórico que acompanha às práticas
religiosas de matriz africana.
Neste capítulo foram analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados
às perguntas do bloco V, com o intuito de responder o segundo objetivo específico deste
trabalho, que consiste em identificar o uso de territórios afrorreligiosos externos na Grande
Aracaju e possíveis dificuldades decorrentes do processo de urbanização no uso desses
territórios.
Como resultados do segundo objetivo específico chegamos às seguintes conclusões:
1. TODOS entrevistados fazem uso de ambientes naturais externos, ou seja, fora dos
terreiros e os mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras;
dos recursos naturais, e Unidades de Uso Sustentável (como as Reservas Extrativistas), onde o uso direto é
permitido segundo regras preestabelecidas (MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 110).
188
2. Os principais territórios de Axé na Grande Aracaju são: praias; rio Pitanga; rio
Poxim; Parque da Cidade; Prainha do bairro Industrial;
3. Os principais territórios de Axé fora da Grande Aracaju são: cachoeira da Serra de
Itabaiana; cachoeira de Macambira; mata e rio em Areia Branca;
4. O ambiente natural mais utilizado pela comunidade afrorreligiosa é o rio Pitanga;
5. Os ambientes naturais que outrora eram utilizados de forma habitual mas que hoje
esse uso não é mais possível são: encruzilhadas urbanas, Parque da Cidade, entorno
do terreiro, mata e rio no bairro Jabotiana, praia de Atalaia, Serra de Itabaiana,
região do centro administrativo de Aracaju;
6. Principais motivos para a impossibilidade de uso desses ambientes que outrora eram
utilizados que que hoje não são mais: violência; perda de espaço em razão do
crescimento urbano; restrição/proibição de acesso ao local; poluição; distância;
sobreposição territorial;
7. Apenas 3 (três) entrevistados não encontram dificuldade ou impedimento na
utilização de ambientes naturais em suas liturgias, enquanto 10 (dez) entrevistados
encontram dificuldades ou precisam fazer algum tipo de adaptação;
8. As principais dificuldades na utilização de ambientes naturais são: 1. Crescimento
da cidade; 2. Violência; 3. Distância e deslocamento; 4. Restrição de acesso;
9. Dentre os que informaram que não tem dificuldades mas precisam fazer algum tipo
de adaptação para a sobrevivência da religião, a urbanização foi apontada como
fator de imposição dessas adaptações;
10. A criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas foi apontada
como principal solução para a superação das dificuldades na utilização de ambientes
naturais para fins religiosos.
189
CAPÍTULO IV
4 ELABORAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS: IMPACTOS SOBRE A LIBERDADE
RELIGIOSA E DIGNIDADE HUMANA DA POPULAÇÃO INVESTIGADA
A fim de alcançar o objetivo geral da pesquisa, qual seja, identificar e analisar os
impactos da urbanização sobre o uso/conservação dos territórios sacralizados pelas
comunidades tradicionais de matriz africana na Grande Aracaju, bem como seus
desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população investigada, foi necessário
primeiro responder os seguintes objetivos secundários:
1. Identificar se, em decorrência da urbanização, tem ocorrido um
“estrangulamento” dos terreiros investigados a ponto de comprometer a presença
e conservação dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente
entre a perda do espaço interno e externo;
2. Identificar o uso de territórios externos pelos terreiros investigados e possíveis
dificuldades e adaptações decorrentes do processo de urbanização no uso desses
territórios.
Como resultados da pesquisa de campo ao primeiro objetivo secundário verificou-se
que: 1. Nos terreiros pesquisados inexiste espaço mato interno nos moldes descritos pela
literatura; 2. A urbanização não provocou um estrangulamento nos espaços internos dos
terreiros investigados porque a característica predominante é de terreiros que já
“nasceram” com espaço interno reduzido e sem espaço “mato” nos moldes descritos pela
literatura; 3. O impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes
remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço “mato” externo;
4. A perda das áreas verdes nos arredores dos terreiros em decorrência da urbanização,
aliado ao espaço interno reduzido, demandam uma série de adaptações dos terreiros e
constituem as principais causas de insatisfação com o local onde se encontram.
O processo de urbanização da Grande Aracaju se, por um lado, não provocou o
estrangulamento nos espaços internos dos terreiros investigados, por outro provocou perdas no
que a literatura chama de “espaço mato externo”, ou seja, que se estende além dos limites
internos do terreiro, fornecendo algumas ervas e plantas de uso litúrgico, fenômeno identificado
por Mattoso (1992) e Barros (2011).
190
Conforme demonstrado na discussão do segundo capítulo, os terreiros investigados
apresentam como características predominantes o fato de terem se instalado em áreas
originalmente não urbanizadas e de já terem “nascido” com espaço interno reduzido,
principal motivo apontado pelos entrevistados para a ausência de espaço “mato” (nos
moldes descritos pela literatura) na área interna dos terreiros. Em razão dessa dupla
característica predominante nos terreiros investigados é que as áreas do entorno passaram a
cumprir o papel de espaço “mato” externo, suprindo parte da demanda interna dos terreiros por
ervas e plantas de uso litúrgico.
Por terem se instalado inicialmente em áreas predominantemente não urbanizadas,
conforme se constatou na pesquisa de campo, o que está intimamente ligado às políticas
higienistas de segregação territorial, à necessidade de fugir das perseguições policiais aos cultos
afro-brasileiros e às modestas condições financeiras dos afrorreligiosos, é que, como aponta
Barros (2011), muitos terreiros tinham à disposição nos arredores uma variedade de elementos
naturais importantes ao culto, a exemplo de matas, rios, pedreiras e até cachoeiras.
Entretanto, conforme demonstraram os resultados da pesquisa, o avanço do processo de
urbanização na Grande Aracaju trouxe como principal impacto a perda das áreas verdes
remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço mato externo, o
que foi apontado como condição desfavorável. A urbanização é apontada por alguns
entrevistados como responsável pela atual condição desfavorável do entorno que já não oferece
mais as áreas verdes que oferecia anos atrás, impossibilitando a manutenção de um espaço
“mato” nos arredores. Portanto, os dados coletados indicam que com o processo de urbanização
os terreiros perdem espaços externos, passando a ter dificuldade no seu dia-a-dia.
Em razão da ausência de espaço “mato” interno aliado à perda dessas áreas de entorno
que cumpriam a função de espaço mato externo, os terreiros investigados passam a ter que
buscar alternativas para suprir a demanda interna de espécies vegetais e nessa busca enfrentam
uma série de dificuldades, tais como: 1. O aspecto financeiro: custos com deslocamento até
espaços verdes ainda preservados ou com aquisição de ervas no mercado; 2. A perda de
tempo com o deslocamento para espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe;
3. A “quebra da essência” em razão de ter que comprar ervas sem saber se foram
observados os cuidados necessários quando da colheita.
E mesmo os terreiros que de alguma forma conseguem manter internamente algumas
ervas e plantas cultivadas, precisam recorrer às alternativas externas para suprir a demanda, no
que o mercado e áreas verdes preservadas no interior de Sergipe despontam como principais
191
fontes, o que explica as dificuldades apontadas acima, visto que tanto a aquisição no mercado
quanto a busca em áreas do interior do Estado demandam gastos e perda de tempo.
Quanto à preocupação com a “quebra da essência”, conforme explicitado no segundo
capítulo, essa emerge da necessidade de observar certos procedimentos e cuidados no momento
de colher as ervas litúrgicas, com o objetivo de preservar sua força vital (VERGER, 1981;
BASTIDE, 2001; BARROS, 2011), o que se torna impossível quando as ervas/plantas são
compradas. Entretanto, Barros (2011) alerta que, tanto em razão da facilidade de aquisição das
ervas/plantas diretamente nos mercados quanto em função da crescente urbanização das
cidades, esse ritual de coleta está sendo cada vez menos observado nos dias atuais do que
decorre uma descaracterização do culto.
Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011)
enfatizam a importância das ervas nas religiões afro-brasileiras. Elas estão presentes na rotina
diária dos terreiros sendo utilizadas em banhos, chás, unguentos, etc. Por isso a importância do
espaço “mato”, pois é nele que são colhidas as folhas que serão utilizadas nos rituais de
iniciação, no batismo dos tambores, nas oferendas dos Orixás, nos banhos de purificação, até
mesmo na limpeza do espaço físico do terreiro: em tudo as ervas estão presentes. Trata-se de
um elemento indissociável dos cultos religiosos afro-brasileiros.
Ademais, Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011) esclarecem que as
ervas/plantas domésticas ou cultivadas não apresentam o mesmo valor que aquelas
encontradas dispersas na natureza, o que reforça ainda mais a importância do espaço
“mato”. Segundo Bastide (2001) as mesmas plantas encontradas no mato se forem colhidas no
quintal ou jardim de casa não possuem valor litúrgico algum. Verger (1981, p. 122) faz
semelhante ressalva indicando que as plantas devem crescer livremente e “[...] aquelas
cultivadas em jardins devem ser desprezadas, pois Ossaim vive na floresta [...]”.
Portanto, em que pese a urbanização não tenha trazido um impacto direto quanto à
presença de espaço “mato” interno nos terreiros investigados, visto que a característica
predominante encontrada no campo foi a de ausência espaço “mato” nos moldes descritos pela
literatura, a pesquisa demonstrou que a urbanização trouxe um impacto negativo na
preservação do que a literatura chama de “espaço mato externo”, pois em razão dela as
áreas verdes antes existentes nos arredores dos terreiros deixaram de existir para dar
lugar a casas, prédios, ruas, etc.
A urbanização, portanto, avançou em direção às regiões onde os terreiros estão
estabelecidos de modo a engoli-los. E desse processo decorre que, dentre os terreiros
investigados, a principal dificuldade apontada em decorrência da urbanização é a
192
convivência com vizinhos. As respostas demonstraram que o crescimento urbano nas
proximidades dos terreiros impõe uma série de adaptações a fim de possibilitar uma melhor
relação.
Neste sentido, como também foi apontado nas respostas da pergunta n. 7 (ver análise da
Tabela 1), se infere que existe uma espécie de acordo de boa convivência que interfere na
“aceitação” do terreiro no local. E esse acordo tem em sua base o cumprimento de horários
para encerramento das atividades religiosas semanais. Em outras palavras, foram feitas
adaptações nas rotinas dos terreiros a fim de tornar possível a relação com a vizinhança, que
se tornou mais intensa em decorrência da expansão do processo de crescimento urbano.
Como resultados da pesquisa de campo ao segundo objetivo secundário constatou-se
que: 1. Todos os terreiros investigados fazem uso de territórios externos em suas liturgias
e os mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras; 2. O processo de urbanização na
Grande Aracaju tem levado os terreiros a buscar espaços naturais cada vez mais
afastados; 3. O avanço da urbanização é a principal dificuldade enfrentada pelos terreiros
quanto ao uso de territórios externos; 4. A urbanização funciona como fator de imposição
de adaptações necessárias à sobrevivência do culto religioso; 5. A criação de um espaço
reservado para as liturgias afrorreligiosas foi apontada como principal solução para a
superação das dificuldades na utilização de ambientes naturais para fins religiosos.
Portanto, é possível responder ao segundo objetivo específico com o seguinte
enunciado: 100% (cem por cento) dos terreiros investigados utilizam territórios externos
em suas práticas religiosas, dos quais 77% (setenta e sete por cento) ou enfrentam algum
tipo de dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de
adaptação para sobrevivência do culto. E o crescimento da cidade (e seus
desdobramentos) é a principal dificuldade apontada quanto ao uso dos territórios
externos, sendo possível inferir, a partir dos resultados, que o processo de urbanização na
Grande Aracaju tem um impacto negativo sobre os direitos religiosos da população
investigada.
Assim, como resposta ao objetivo principal, qual seja, identificar e analisar os
impactos da urbanização sobre o uso/conservação dos territórios sacralizados pelas
comunidades tradicionais de matriz africana na Grande Aracaju, bem como seus
desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população investigada, os resultados
demonstraram os seguintes impactos principais:
193
1. Perda de áreas verdes remanescentes no entorno dos terreiros, que cumpriam o
papel de espaço mato externo, sendo esse o principal motivo de insatisfação com o
local onde os terreiros se encontram atualmente;
2. Dificuldades na continuidade de utilização de ambientes naturais que eram
facilmente utilizados tempos atrás;
3. Necessidade de buscar áreas naturais em locais cada vez mais afastadas dos
terreiros, o que é apontado como dificuldade pois envolve custos com deslocamento
e perda de tempo;
4. Imposição de adaptações que, por vezes, descaracterizam aspectos tradicionais da
religião mas que são necessárias para sobrevivência do culto religioso;
Constatou-se que em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos da
população investigada estão sendo violados, especialmente o direito ao amplo exercício da
liberdade religiosa. Passemos a análise dessas violações.
Como se viu, um dos resultados da pesquisa demonstrou que em decorrência da
urbanização áreas verdes que existiam no entorno ou nas proximidades dos terreiros deixaram
de existir. Essas áreas cumpriam o importante papel de espaço “mato” externo suprindo parte
da demanda interna dos terreiros por ervas e plantas de uso litúrgico. Por sua vez, a subtração
dessas áreas verdes antes existentes no entorno e proximidades tem como desdobramento a
necessidade de os terreiros buscarem áreas verdes em regiões cada vez mais distantes,
provocando uma verdadeira peregrinação das comunidades de terreiro que passam a ter duas
opções: adquirir as ervas no mercado ou se deslocar para o interior em busca de áreas ainda
preservadas.
Por esse motivo, o mercado e o interior de Sergipe foram apontados na pesquisa como
as principais fontes fornecedoras das ervas e plantas utilizadas pelos terreiros. Entretanto, várias
dificuldades emergem a partir desse cenário e foram apontadas pelos entrevistados, dentre elas:
os custos com a aquisição das ervas no mercado e/ou com deslocamento para o interior, a perda
de tempo envolvida.
Outro resultado da pesquisa demonstrou que embora 100% (cem por cento) dos
terreiros investigados utilizem territórios externos (que aqui chamamos de territórios de
Axé) em suas práticas religiosas, 77% (setenta e sete por cento) enfrentam algum tipo de
dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de adaptação
para sobrevivência do culto. E o crescimento da cidade (e seus desdobramentos) é a
principal dificuldade apontada quanto ao uso dos territórios de Axé.
194
Consoante se viu no terceiro capítulo, as divindades cultuadas nas religiões afro-
brasileiras estão presentes na natureza, motivo pelo qual muitos de seus cultos precisam ser
realizadas em ambientes naturais como praias, matas, rios, cachoeiras, etc., o que confere a
esses espaços a qualidade de sagrados dentro dessa cosmovisão religiosa. Como apontou um
dos entrevistados “[...]essas áreas são necessárias para o nosso dia-a-dia do culto aos Orixás.
Candomblé não existe sem folha, candomblé não existe sem água [...] (SAHARA, 2016,
informação verbal257).
Portanto, uma vez que os resultados da pesquisa demonstram que a urbanização age
como fator de impacto negativo na utilização e preservação desses espaços vitais ao culto
afrorreligiosos na Grande Aracaju, verifica-se que está ocorrendo uma violação ao direito de
liberdade religiosa da população investigada. Isso porque quando os religiosos deixam de ter
acesso às espécies vegetais e a ambientes naturais indispensáveis às suas liturgias, ou que
passam a ter que fazer uma série de adaptações que, por vezes, descaracterizam aspectos
tradicionais da religião, mas que são necessárias para sobrevivência do culto religioso em
função de condições desfavoráveis impostas pela urbanização, eles estão sendo violados em sua
essência. Se os religiosos não têm mais como colher as ervas e plantas sagradas para seu dia-a-
dia ou não tem mais como realizar um ritual religioso em uma mata, um rio ou uma cachoeira,
eles estão sendo privados da influência de suas divindades e, consequentemente, do exercício
amplo de seus direitos religiosos.
A liberdade religiosa pode ser entendida como o direito que todos têm, indistintamente,
de adorar a seu Deus (ou Divindades) de acordo com seus dogmas e seu culto, se assim o quiser
(SORIANO, 2002). Trata-se de direito fundamental assim como o direito à vida, liberdade,
privacidade, etc., pois todos têm a dignidade humana como sustentáculo (SARMENTO, 2010).
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, VI, prescreve que "é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". O inciso VIII do
mesmo artigo elenca que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou
de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei" (BRASIL, 1988).
Desta prescrição constitucional decorre que muitos são os direitos que emergem como
desdobramentos dos direitos de liberdade religiosa e de consciência, os quais destacam-se: a
liberdade do indivíduo de ter crença religiosa ou não; de professar a sua fé religiosa, caso a
257 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
195
tenha; de trocar de religião quando quiser; de não ser perseguido nem ofendido em razão de
suas escolhas religiosas; a liberdade dos familiares de decidirem pela educação religiosa, ou
não, de seus descendentes; a garantia de que esta educação religiosa não se choque com suas
convicções, mas que as respeite (SILVA NETO, 2008).
A proteção aos locais de cultos e liturgias também está inserida no conteúdo
constitucional de proteção à liberdade religiosa. Neste aspecto protegem-se as diversas formas
de expressões e manifestações religiosas. Weingartner Neto (2007) exemplifica como formas
de culto a prática de uma oração, meditação, jejum, leitura de livros sagrados, procissões ou
sacrifícios rituais de animais. Deve-se estar atento, entretanto, a necessidade de não ofender à
incolumidade física ou ferir à dignidade da pessoa humana (SILVA NETO, 2008).
O Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/2010), em seus artigos 23º ao 26º,
estabelece proteção específica ao direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre
exercício dos cultos religiosos de matriz africana, compreendendo, em seu artigo 24258, a
proteção aos seus locais de culto e as suas liturgias.
Vê-se, portanto, que a proteção do direito à liberdade religiosa da população investigada
compreende também a proteção de suas liturgias e de seus locais de culto. Neste sentido, se em
decorrência de fatores externos sobre os quais essa população não tem controle mas que em
função deles sofre um impacto direto (como é o caso da urbanização), a ponto de comprometer
o acesso aos elementos vegetais e ambientes naturais indispensáveis às suas práticas religiosas,
é possível afirmar que estamos diante de uma violação do direito amplo à liberdade religiosa
dessa população.
Mas para além da constatação de que a urbanização atua como agente violador quando,
por exemplo, modifica o ambiente natural de modo a subtrair as áreas verdes que existiam nas
proximidades dos terreiros e que cumpriam o importante papel de espaço mato externo, é
preciso analisar o que está na base desse processo de urbanização.
258 “Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana
compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,
por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com
preceitos das respectivas religiões; III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes
ligadas às respectivas convicções religiosas; IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais
religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas
por legislação específica; V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões
de matriz africana; VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a
manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII - o acesso aos órgãos e aos meios de
comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de
ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros
locais” (BRASIL, 2010).
196
Como se viu, em razão da forte ligação que as religiões de matriz africana sempre
possuíram com elementos da natureza, muitas de suas liturgias precisam ser realizadas em
ambientes naturais, ou seja, nos domínios das divindades do panteão africano, pois a vivência
religiosa dessas pessoas não se limita apenas aos terreiros. Por esse motivo a sacralização da
natureza constitui um dos fundamentos centrais das religiões de matriz africana (DUARTE,
1998; RISÉRIO, 2004).
Para o saber científico-moderno, entretanto, a natureza constitui um objeto de estudo e
manejo dissociado de qualquer integração com o homem (DIEGUES, 2001). Trata-se de uma
visão fragmentária que carrega consigo “o distanciamento do homem com o seu aspecto
orgânico, consegue sufocar culturas mais harmônicas e adaptadas, de modos de vida mais
sustentáveis [produzindo um] processo de desencantamento do mundo, de desespiritualização”
(PELIZZOLI, 2002, p. 27).
Oliveira (2006) pontua que enquanto os valores capitalistas instrumentalizam a natureza
e fazem dela objeto de exploração econômico, a cosmovisão presente nas religiões de matriz
africana está impregnada por uma concepção de mundo que o autor chama de “ecosófica”, posto
que sua percepção do universo e da vida é integrada e sistêmica, pautada na ideia de que tudo
está em tudo e, por isso mesmo, o ser humano não é visto de forma dissociada da natureza mas
sim como parte integrante dela (OLIVEIRA, 2006, p. 61).
Essa forma diferenciada de se posicionar no mundo e de interagir com ele se contrapõe
ao modelo civilizatório hegemônico que está calcado na racionalidade, na noção de progresso
material e desenvolvimento econômico nos moldes da modernidade científica e industrial
(PELIZZOLI, 2002). Portanto, constitui uma forma de resistência às monoculturas ou modos
de produção de ausências teorizadas por Santos (2007).
A “Crítica à Razão Indolente” erigida por Santos (2007) ataca o modelo hegemônico de
racionalidade ocidental que se considera única e a que ele chama de razão indolente ou
preguiçosa, pois não se exercita o suficiente para ver a riqueza de saberes que existem no mundo
e, portanto, não percebe que “a compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão
ocidental do mundo” (SANTOS, 2007, p. 20). Neste sentido, a razão indolente apresenta uma
197
dupla característica: contrai o presente (que o autor chama de “razão metonímica”259) e expande
o futuro (“razão proléptica”260).
Como alternativa a esse modelo de racionalidade, Santos (2007) propõe o que ele
denomina “razão cosmopolita”, que busca a ampliação do mundo a partir da dilatação do
presente, o que se torna possível por meio do que ele denomina “sociologia das ausências”, e a
contração do futuro através do que ele denomina “sociologia das emergências”, com o objetivo
de criar espaço-tempo necessário para valorizar a experiência e evitar o desperdício.
A “sociologia das ausências” pretende demonstrar que o que não existe é produzido
ativamente em sua não-existência261, em sua invisibilidade, o que leva a contração do presente
e o desperdício de experiências a partir da subtração de múltiplas possibilidades produzidas
como não existentes (ou ausentes). Assim, o objetivo deste procedimento sociológico é
transformar experiências produzidas como ausentes em presentes a fim de que passem a ser
consideradas alternativas às experiências hegemônicas (SANTOS, 2007).
Mas como são produzidas essas ausências? Santos (2007) elenca cinco modos de
produção de ausências (ou não-existências): monocultura do saber e do rigor do saber;
monocultura do tempo linear; monocultura da naturalização das diferenças; monocultura da
escala dominante; monocultura do produtivismo capitalista. Essas cinco monoculturas
produziram um amplo conjunto de populações, formas de ser, de viver e de saber tidos como
ignorantes ou inferiores (SANTOS, 2007).
Sobre o aspecto ora discutido nos interessa especialmente a monocultura do
produtivismo capitalista que, segundo o autor, consiste na “ideia de que o crescimento
econômico e a produtividade mensurada em um ciclo de produção determinam a produtividade
do trabalho humano ou da natureza, e tudo o mais não conta”. Em outras palavras, é improdutivo
tudo aquilo que não se encaixa nos parâmetros do modelo produtivista capitalista (SANTOS,
259 “Metonimia é uma figura da teoria literária e da retórica que significa tomar a parte pelo todo. E essa é uma
racionalidade que facilmente toma a parte pelo todo, porque tem um conceito de totalidade feito de partes
homogêneas, e nada do que fica fora dessa totalidade interessa.” A razão metonímica, portanto, está impregnada
de uma ideia de totalidade reducionista, que contrai o presente ao deixar de fora muita realidade que ela não
considera relevante e que, assim, se desperdiça. Essa razão se baseia na ideia de “simetria dicotômica”, um
conhecimento dicotômico: homem/mulher, norte/sul, cultura/natureza, branco/negro. São dicotomias que parecem
simétricas mas que escondem diferenças e hierarquias. A racionalidade oriental, por sua vez, é mais complexa, na
fala do autor: “é muito mais global, mais holístico, é totalidade, não é dicotômico.” (SANTOS, 2007, p. 26-27). 260 “Prolepse é uma figura literária bastante encontrada em romances, nos quais o narrador sugere claramente a
ideia de que conhece bem o fim mas não vai contá-lo. É conhecer no presente a história futura. Nossa razão
ocidental é muito proléptica, no sentido de que já sabemos qual é o futuro: o progresso, o desenvolvimento do que
temos. É mais crescimento econômico, é um tempo ideal linear que de alguma maneira permite uma coisa
espantosa: o futuro é infinito. A meu ver, expande demais o futuro.” (SANTOS, 2007, p. 27). 261 “Há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível
ou descartável de um modo irreversível” (SANTOS, 2002, p. 246).
198
2007, p. 32). E é aqui que se encontra a base de uma lógica desenvolvimentista insustentável
que se tornou predominante e que produz esse processo de urbanização desordenado que extirpa
os resquícios de natureza existentes nos centros urbanos em nome do que se convencionou
chamar de progresso e crescimento econômico.
A denúncia dos males produzidos por essa lógica do produtivismo capitalista está
presente na lição de Dussel (2007, p. 65) ao pontuar que a modernidade transformou a natureza
em um “objeto explorável com vistas a aumentar o lucro do capital”262, o que tem levado ao
esgotamento dos recursos naturais e destruição ecológica do planeta e, consequentemente,
impõe ao capitalismo o “seu primeiro limite absoluto: a morte da vida em sua totalidade pelo
uso indiscriminado de uma tecnologia antiecológica constituída a partir do único critério da
‘gestão’ quântica do sistema-mundo na modernidade: o aumento da taxa de lucro” (DUSSEL,
2007, p. 66).
Mas é importante destacar que a concepção da natureza como um “objeto explorável”,
criado para o benefício do homem, tem suas origens no cristianismo que coloca o homem como
ser superior em relação ao resto da criação por ser ele “imagem e semelhança de Deus”
(UNGER, 2000, p. 87), e foi a partir dessa concepção que se abriu o caminho para “a postura
utilitarista e reificadora que vê no planeta unicamente uma fonte de matéria-prima para os
interesses humanos” (UNGER, 2000, p. 87).
Neste sentido, a razão ocidental capitalista desencantou263 o mundo e transformou o
homem em um refém da ilusão de domínio provocada por esse modelo de racionalidade
pragmática (OLIVEIRA, 2012) ou indolente (SANTOS, 2007). Essa ilusão perpassa pelo
entendimento de que o homem é capaz de dominar o mundo e todas as formas de vida, o que
retira da natureza a sua qualidade de manifestação do sagrado transformando-a tão somente
nesse “objeto explorável” (UNGER, 2000).
262 “Pela primeira vez a natureza se transforma puramente em objeto para o homem, em coisa puramente útil; cessa
de ser reconhecida como poder para si” (DUSSEL, 2007, p. 65). 263 É de Max Weber a autoria do conceito “desencantamento do mundo” que está diretamente interligado com os
conceitos “racionalização” e “secularização”. Para melhor compreensão ver sua obra: A ética protestante e o
“espírito” do capitalismo.
Ainda sobre o “desencantamento” e “reencantamento” do mundo Unger (2000, p. 56) assim pontua: “É preciso
dizer, quando falamos em desencantamento do mundo, que desencantamento é, na verdade, o desencantamento do
nosso olhar. Porque a Natureza permanece com seus encantos e com o seu valor, independentemente do que os
seres humanos possam pensar ou não pensar a respeito. É o nosso olhar que, se desencantando, se torna mais
opaco, mais restrito.Então, reencantar o mundo (expressão que estou usando inspirada no título do livro The
Reenchantment of the World, de Morris Berman, e que por sua vez se inspirou na expressão de Weber: o
desencantamento do mundo) é, na verdade, reencantar o nosso olhar. O reencantamento do mundo significa
redescobrirmos aquilo que nos constitui, reencantar o mundo é poder novamente ter uma vivência da realidade que
não se reduza à reificação” (UNGER, 2000, p. 56).
199
Contudo, a cosmovisão religiosa de matriz africana está impregnada por um
conhecimento que se contrapõe à monocultura do produtivismo capitalista na medida em que
tem em uma de suas bases a compreensão de que a natureza não constitui esse objeto a ser
explorado pelo ser humano e, indo mais além, a sacraliza por meio de uma visão “ecosófica”
que se materializa a partir de uma série de práticas religiosas que prestam reverência e devoção
a elementos naturais.
Essa visão de mundo está em sintonia com um movimento de tomada de consciência
ambiental que teve início a partir da década de 70 em resposta à crise desse modelo de
civilização moderna/capitalista. Esse movimento conduziu a uma percepção de que é urgente
superar os paradigmas do sistema capitalista e do modelo de racionalidade pragmática/indolente
erigido pela modernidade ocidental (UNGER, 2000).
Falando sobre sociedade de risco264, Beck (2010) pontua que vivemos uma época em
que os progressos tecnológicos e científicos da modernidade, postos à serviço do capitalismo
desenfreado, colocou a sobrevivência de toda a humanidade em risco, o que torna os conflitos
ecológicos “suficientemente fundados, moralmente e socialmente”, de modo que o quadro é
“também de uma crise dos direitos fundamentais, uma crise reprimida e atenuada pela
prosperidade, cujos efeitos a longo prazo, que fragilizam a sociedade, não podem ser
subestimados” (BECK, 2010, p. 240-241)
Também neste sentido, Leonardo Boff (1996) lembra que:
Ecologia não é um luxo dos ricos nem uma preocupação apenas dos grupos
ambientalistas ou dos Verdes com seus respectivos partidos. A questão ecológica
remete a um novo nível da consciência mundial: a importância da Terra como um
todo, o bem comum como bem das pessoas, das sociedades e do conjunto dos seres
da natureza, o risco apocalíptico que pesa sobre todo o criado. O ser humano pode ser
anjo da guarda bem como satã da Terra. A terra sangra, especialmente em seu ser mais
singular, o oprimido, o marginalizado e o excluído, pois todos esses compõem as
grandes maiorias do planeta. A partir deles devemos pensar o equilíbrio universal e a
nova ordem ecológica mundial. (BOFF, 1996, p. 35).
Mas é preciso pontuar que para além do desencantamento produzido pela razão
ocidental/indolente, que tem no capitalismo seu modelo hegemônico, existem outras
experiências de resistência que, embora produzidas ativamente como não existentes por um dos
cinco modos de produção de ausências (SANTOS, 2007), funcionam como o que Oliveira
(2012, p. 42) chama de “linhas de fuga que potencializam a criação de outros regimes
semióticos”. O modelo sociocultural das religiões de matriz africana representa uma dessas
264 “A sociedade de risco designa uma época em que os aspectos negativos do progresso determinam cada vez
mais a natureza das controvérsias que animam a sociedade” (BECK, 2010, p. 229)
200
“linhas de fuga” capaz de produzir encantamento e preservação do ecossistema planetário a
partir de uma visão de mundo holística/sistêmica (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).
A cosmovisão religiosa de matriz africana, por ser sistêmica, enxerga a interligação
existente entre as partes e o todo que conduz ao que Pelizzoli (2002) chama de “uma grande
rede evolutiva e interdependente [...] onde não há elemento isolado, onde ‘cada um vive pelo
outro, para o outro e com o outro’; eis que o ser humano seria então um nó de relações voltadas
para todas as direções” (PELIZZOLI, 2002, p. 41). Produzido por uma sabedoria ancestral, esse
encantamento renasce, portanto, a partir da recuperação de uma visão transcendente entre
homem e natureza, que possibilita o reconhecimento desta enquanto manifestação do sagrado
o que, no entender de Unger (2000, p. 90) constitui “o cerne da tarefa ecológica”.
As religiões afro-brasileiras, assim, podem fornecer um outro sistema cognitivo que não
está refém das teias da razão indolente, que fragmenta o ser humano e os saberes, ou do
capitalismo neoliberal, que faz pouco caso dos interesses coletivos em detrimento do
individualismo exacerbado. Este sistema alternativo não representa apenas um retorno à
natureza enquanto manifestação do sagrado, mas representa um modelo social inclusivo que
promove o respeito à diversidade, com o objetivo de promover o bem-estar de todos e de cada
um (OLIVEIRA, 2006).
Porém, não se pode fechar os olhos para o fato de que a cosmovisão de uma religião que
sofreu um processo histórico de perseguição, marginalização e invisibilidade efetivamente
encontra uma forte resistência para florescer como modelo contra hegemônico em meio à
cultura capitalista predominante. Para operar essa construção intercultural e contra hegemônica,
Santos (2006) propõe levar a cabo o que chama de hermenêutica diatópica, uma técnica que
visa ampliar a consciência acerca das mútuas incompletudes através de um diálogo que se
desenvolve “com um pé numa cultura e outro, noutra” (SANTOS, 2006, p. 448).
Portanto, ao menos em tese, a cosmovisão de uma determinada religião pode, através da
hermenêutica diatópica, fornecer elementos capazes de produzir encantamento e promover
justiça social, emancipação humana e preservação do ecossistema planetário a partir de uma
visão de mundo holística/sistêmica. Entretanto, efetivamente seria possível, através da
hermenêutica diatópica, tornar existentes experiências que foram perseguidas, marginalizadas
e transformadas em ausentes por meio de todo um histórico de massacre cultural?
É esse o caso das comunidades religiosas de matriz africana que, por séculos, foram
perseguidas e passaram por uma série de investidas de dominação e extirpação de suas práticas
religiosas tradicionais. Uma vez que resistiram às mais diversas tentativas de subjugação,
passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção de ausências. Os saberes
201
tradicionais produzidos por essa comunidade não-existente foram desqualificados como
ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade ocidental. E como destaca Santos
(2007), a produção social dessas ausências (ou não-existências) tem como consequência a
subtração do mundo e, portanto, o desperdício da experiência.
Em que pese a hermenêutica diatópica sinalize um caminho possível, a sua simples
utilização não garante, entretanto, que seu caráter emancipatório será efetivamente alcançado
(SANTOS, 2006, p. 458). Ela depende de um trabalho de colaboração mútua entre as culturas
que, para se processar, exige uma produção de conhecimento coletiva, participativa, interativa
e intersubjetiva, diferente da forma de produção engendrada a partir do modelo de racionalidade
ocidental (SANTOS, 2006, p. 454). Essa outra forma de produção de conhecimento consiste
em um projeto de ampliação do mundo e dilatação do presente, sobre o qual repousa a proposta
da razão cosmopolita (SANTOS, 2007).
Portanto, enquanto essa não-existência produzida ativamente em torno desses outros
conhecimentos e concepções de mundo que operam com eficácia em contextos e práticas sociais
declaradas não-existentes, a exemplo do que ocorre com as comunidades religiosas de matriz
africana, não for revertida em existências, essas comunidades continuarão sendo reféns dessa
lógica desenvolvimentista excludente que tem maior impacto sobre grupos e populações
que historicamente vêm sofrendo maiores violações em seus direitos: a população pobre e
a população negra, universo no qual as comunidades tradicionais de matriz africana estão
inseridas. Até que isso aconteça continuará havendo o desperdício de experiências a partir da
subtração dessas múltiplas possibilidades produzidas intencionalmente como não existentes (ou
ausentes).
Em muitas falas os entrevistados apontaram a necessidade de fazer adaptações para
sobrevivência de muitas de suas práticas. Os resultados demonstraram a ocorrência de
adaptações internas, ou seja, que ocorrem dentro do terreiro, especialmente vistas na
predominância dos “espaços cultivados” que emergem como adaptação diante da ausência de
espaço interno suficiente para manutenção de um espaço “mato” ou, ainda, em razão da perda
do espaço “mato” externo outrora existente. E adaptações externas, como quando determinada
entrevistada aponta, por exemplo, que atualmente não realiza mais uma ritualística que deveria
ser feita na mata, coisa que tempos atrás ela conseguia fazer. E dentre as adaptações uma está
na base do que os resultados apontaram como sendo a maior dificuldade que a população
investigada enfrenta em decorrência da urbanização: os problemas com vizinhos. É a adaptação
quanto aos horários e a frequência dos toques de atabaques buscando evitar reclamações por
perturbação do sossego.
202
Ocorre que em meio a tantas adaptações impostas por fatores exógenos se fortalece um
risco de descaracterização de saberes e práticas tradicionais que se consolidaram ao longo
de décadas e que se somam dando sentido ao culto. Quando em função da urbanização, que
empreende modificações nos ambientes naturais que eram utilizados costumeiramente pela
comunidade, a continuidade de práticas religiosas tradicionais que dependem desses ambientes
específicos passa a ser comprometida, temos uma violação ao direito de culto que atinge a
dignidade humana dessa população que está intimamente ligada à fé e ao sentimento
religioso.
Neste ponto importa refletir sobre que constructo de dignidade humana estamos falando.
A teoria crítica dos direitos humanos se assenta sobre a assertiva de que são muitas as formas
de concepção cultural sobre dignidade da pessoa humana, e por essa razão propõe uma nova
formulação de direitos humanos que possam efetivamente atender a essa miscelânea de
concepções, rompendo com o conceito universalista proposto pela teoria clássica. Essas
diversas concepções de dignidade humana devem operar a partir de valores locais, ou seja, dos
princípios norteadores das lógicas internas a partir das quais os nativos regulam seus modos de
vida (SANTOS, 2006; FLORES, 2010).
Trazendo para o caso concreto, dos valores locais fornecidos pelos princípios que
formam a cosmovisão das comunidades tradicionais de matriz africana resulta uma concepção
de dignidade humana que não subsiste se pensada de forma dissociada da religiosidade que lhes
é inerente. Trata-se, pois, de uma concepção de dignidade humana não secularizada265 que nasce
a partir de uma cosmovisão religiosa que não comunga dos dogmas e lógicas inerentes às
religiões cristãs hegemônicas266 no Brasil.
Esse constructo de dignidade humana está intimamente ligado à questão territorial, pois
essa religiosidade se expressa nos territórios que as comunidades tradicionais de matriz africana
265 O termo secularização inicialmente “tinha o sentido jurídico de transmissão forçada dos bens da Igreja à
autoridade do Estado secular” (HABERMAS, 2010, p. 138), representando, assim, uma separação entre ambos
(poder clerical e poder estatal). A partir do processo de secularismo erigiram-se os valores e parâmetros modernos
da sociedade, tais como a racionalização, progresso e cientificidade. Todas as esferas da vida pública libertaram-
se das amarras da religião, sendo-lhe reservado apenas o espaço privado, a vida íntima e pessoal do fiel. Como
resultado, teria ocorrido o declínio da influência da Igreja na sociedade e, também, na conduta direta dos
indivíduos, aumentando significativamente os espaços de liberdades (HABERMAS, 2010). 266 Sobre este ponto, especialmente em se tratando dos países colonizados como o Brasil, ou mesmo os europeus
semiperiféricos, a exemplo de Portugal e Espanha, é importante destacar que a religião católica (hegemônica),
sempre permaneceu forte e assim é até os dias atuais. Afinal, quantos feriados religiosos (católicos) temos no
Brasil? O que falar sobre a referência a Deus no preâmbulo da Constituição Federal de 1988? Ou sobre a presença
comum de crucifixos nos órgãos públicos em todas as esferas de Poder? A imunidade tributária para templos
religiosos? Todos esses elementos demonstram que o processo de secularização não foi homogêneo, mas
apresentou nuances e cores distintas em diferentes países, regiões do mundo e períodos históricos, como destaca
Santos (2007).
203
leem como sagrados, ou seja, espaços onde a presença do divino é marcante e que, por isso
mesmo, são lugares impregnados de condições especiais às quais devem ser prestadas
reverências. Esses territórios, para as religiões de matriz africana, são compostos pelo terreiro
(território interno) e pelos ambientes naturais que constituem as moradas das divindades
(territórios externos ou, na nossa denominação, territórios do Axé).
Assim, de acordo com as formulações propostas pela teoria crítica dos direitos humanos,
especialmente a partir do pensamento de Boaventura de Sousa Santos, é fundamental que haja
o reconhecimento de quantas concepções forem necessárias para se garantir uma efetiva
proteção da dignidade dos mais diversos indivíduos, e não a partir da manutenção de um
conceito único e universal de dignidade humana que opera como agente produtor de uma série
de ausências e, consequentemente, de desperdício de uma rica pluralidade de experiências
(SANTOS, 2002; 2007). Trata-se de uma “reivindicação de uma concepção híbrida da
dignidade humana e, por isso também uma concepção mestiça dos direitos humanos”
(SANTOS, 2006, p. 453-454).
Portanto, trazendo mais uma vez para o caso concreto, implica dizer que garantir a
efetiva proteção da dignidade humana da população investigada passa pelo necessário
reconhecimento dessa concepção de dignidade não secularizada que lhes é peculiar. Entretanto,
Santos (2006) indaga sobre quais as verdadeiras possibilidades que existem de reconhecimento
dessa “concepção híbrida de dignidade humana” quando a uma das culturas presentes foi
imposta uma conformação de valores e concepções de mundo nos moldes de outra cultura
dominante?
Uma vez que as religiões afro-brasileiras resistiram às mais diversas tentativas de
subjugação, passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção de não-existência.
Neste sentido, os saberes tradicionais produzidos por essas religiões foram desqualificados
como ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade ocidental267.
E como dito, a produção social dessas ausências (ou não-existências) tem como
consequência a subtração do mundo e, portanto, o desperdício da experiência. A sociologia das
ausências se presta a identificar o âmbito dessa subtração a fim de libertar essas experiências
produzidas como ausentes e, por essa via, torna-las presentes. Assim, uma vez libertas da
condição de ausentes e transformadas em presentes, elas podem ser consideradas alternativas
267 “A razão ocidental - pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa palavra, desencantada - matou o
mistério e desencantou seu mundo. Mas além desse mundo desencantado, há outros que co-habitam o tempo-
espaço da realidade que mantiveram seu movimento, sua ginga, seu compasso. Produzidos pelo encantamento,
encantamento produzem” (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).
204
às experiências hegemônicas (SANTOS, 2002). No presente caso trata-se, pois, de tornar
presente a concepção de dignidade humana peculiar às comunidades tradicionais de matriz
africana.
O pleno exercício da liberdade religiosa das comunidades de terreiro, ou comunidades
tradicionais de matriz africana, depende, portanto, da garantia de acesso e da preservação de
seus territórios onde seus cultos e liturgias são realizadas. Negar, dificultar ou restringir o acesso
a seus territórios sagrados, que também são lugares de memória coletiva (como visto no terceiro
capítulo), além de violar o direito amplo ao exercício da liberdade religiosa também fere a
dignidade humana dessas pessoas.
Vê-se que garantir o pleno exercício da liberdade religiosa dessa população, o que
constitui obrigação do Estado, passa por uma série de desdobramentos complexos que
envolvem, por exemplo, romper com o paradigma dessa lógica desenvolvimentista
insustentável que fomenta o avanço desenfreado da urbanização. Passa pela garantia de acesso
e preservação dos territórios de Axé e, portanto, pela preservação do meio ambiente, pois sem
natureza não existe culto às divindades do panteão africano; passa pela compreensão de que
existe uma lógica diferenciada nas relações que essa população mantém com o espaço público
(veja-se, por exemplo, os resultados apresentados no capítulo 3 sobre o uso de encruzilhadas
urbanas), isso porque as religiões afro-brasileiras atribuem significados especiais e próprios a
determinados lugares que somente “os de dentro” (ou nativos) compreendem.
Neste ponto, podemos correlacionar a sociologia das ausências com a invisibilidade das
demandas das comunidades tradicionais de matriz africana quanto ao processo de subtração
territorial que sofrem paulatinamente. Como pontua Santos (2007), a produção de não-
existência se dá quando uma dada entidade (neste caso a comunidade afrorreligiosa como um
todo) é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável. É o que os resultados
demonstram acontecer, posto que as demandas e violações de direitos sofridas por esta
comunidade permanecem invisíveis (ou ignoradas) aos olhos do poder público.
E aqui emerge a importância desse trabalho: tornar visível demandas que o poder
público ou desconhece ou ainda não se sensibilizou o suficiente para atender. Como se
demonstrou com os resultados da pesquisa, existe uma lógica diferenciada na relação que os
afrorreligiosos mantém com espaços públicos (urbanos ou naturais) a partir da qual emergem
demandas que não são compartilhadas por nenhuma outra comunidade religiosa. E cabe ao
Estado envidar esforços no sentido de prover essas demandas posto que, se assim não for, estará
ocorrendo a violação de direitos e ferindo a dignidade humana desses religiosos.
205
A consciência da falta de sensibilidade (ou interesse) do poder público em atender as
demandas da população investigada é perceptível na fala de uma das entrevistadas quando se
refere a necessidade de criação de um espaço natural reservado para atender as especificidades
dos cultos religiosos de matriz africana em Sergipe. Ela afirma que “[...]falta entendimento das
pessoas da lei que também não dá esse tipo de espaço[...]” e que “[...]as próprias leis não tomam
conta, não se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de dificuldade pra
gente[...]” (OYÁ, 2016, informação verbal268). Vemos uma denúncia quanto a ausência de
interesse “da lei” na proteção dos direitos da comunidade afrorreligiosa em Sergipe. Essa
denúncia está intimamente ligada a necessidade de proteção da dignidade humana das pessoas
que comungam desse mesmo sentimento de identidade e pertencimento religioso que tem como
alicerce uma cosmovisão pautada no culto e sacralização de elementos da natureza.
Uma vez que a proteção do direito de liberdade de culto e dos locais de culto das
religiões afro-brasileiras passa diretamente pela garantia do acesso aos elementos da natureza,
é preciso que “a lei” (como se refere a entrevistada) saia da posição de “não ter interesse” e
assuma a posição de efetiva proteção dos direitos da população investigada.
Viu-se que a criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas em
Sergipe foi apontada pelos entrevistados como principal solução para a superação das
dificuldades enfrentadas na utilização de ambientes naturais para fins religiosos. Trata-se de
importante iniciativa para a proteção do direito à liberdade religiosa das comunidades
tradicionais de matriz africana em Sergipe.
E essa demanda, inclusive, já foi levada ao conhecimento do poder público mas sem
êxito, como informaram alguns entrevistados: “[...] teve até uma conversa com o governo de
um Espaço Sagrado, por entender a necessidade da manutenção desses espaços da natureza que
é importante para nós de matriz africana, mas até agora a gente não avança na discussão[...]”
(LEGBARA, 2016, informação verbal269); “[...]isso já foi um projeto muito grande, na época
de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do rio Pitanga, de ser um
parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e não foi mais adiante[...]” (SAHARA, 2016,
informação verbal270); “[...]Desde Gama houveram reuniões para saber o que é que a gente
queria para a questão dos terreiros [...]a gente dialogou a questão de ter um espaço público para
268 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 269 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 270 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
206
colocar as obrigações[...]De lá para cá quantos anos se passaram?[...]” (CONCEIÇÃO, 2016,
informação verbal271).
O que se viu nos resultados, entretanto, é que essa reivindicação (pela criação de um
espaço reservado) é acompanhada por dois elementos: 1. Descrença quanto à existência de
interesse por parte do poder público em atender as demandas da comunidade; 2.
Denúncia quanto a falta de isonomia no tratamento que o poder público dispensa às
religiões de matriz africana. E na base dessas questões está um fator que, a priori, não foi
objeto de investigação direta por meio das perguntas constantes do roteiro de entrevista
semiestruturada, mas que emergiu fortemente nos resultados da pesquisa: trata-se do
preconceito histórico que ainda acompanha as religiões afro-brasileiras.
O chamado “medo do feitiço” (MAGGIE, 1992) está relacionado com o preconceito
histórico e o estigma que marca as religiões afro-brasileiras desde o pós-abolição e que fez
nascer a caça aos chamados feiticeiros/macumbeiros (operadores de magia maléfica
vulgarmente associados aos adeptos das religiões de matriz africana) que sobrevive ainda nos
dias atuais. Consoante aponta Maggie (1992), o código penal brasileiro fomentou discussões
sobre quem era religioso e quem era feiticeiro, como uma forma de desqualificar crenças e
cultos tidos como de negros e pobres, em outras palavras, as religiões afro-brasileiras.
Em que pese nenhum dos entrevistados tenha sido perguntado diretamente sobre o
preconceito, visto que a investigação dessa problemática não constituiu objetivo direto da
pesquisa, esse elemento emergiu fortemente no campo em falas de muitos entrevistados que
apontaram a persistência do estigma que acompanha a religião. Vejamos: “[...]Aqui ainda tem
aquela questão que pensam ‘porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?’ [...]no
nosso Estado existe uma questão de barreira de preconceito mesmo[...]” (SAHARA, 2016,
informação verbal272); “[...] por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e pegue
uma água e alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”, mas você não consegue trazer o
mar pra dentro de casa[...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal273); “[...]Cachoeira frequentada
é a cachoeira de Macambira, se for de manhãzinha cedo [...] porque depois já começa a encher
de gente e muitos ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal274); “[...]Acho que
271 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz
de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 272 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 273 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 274 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
207
seria muito legal mas não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos
públicos existe o preconceito[...]” (OGUM, 2016, informação verbal275).
O preconceito também foi citado como uma dificuldade atrelada ao crescimento da
população em torno dos terreiros investigados, fenômeno decorrente da urbanização, do que
emergem tensões nas relações com vizinhos e a necessidade de adaptar o culto para não
incomodar. As seguintes falas retratam esse problema: “[...]Outros vizinhos são de outras
religiões e acabam se incomodando com o barulho dos nossos atabaques[...]Mas aí fim de
semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha[...]ficam
dizendo que nós somos coisa do demônio” (XANGÔ, 2016, informação verbal276); “[...]Senti
muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e chamavam de ‘nêga safada, deixe de
fazer macumba, vocês só vivem de macumba’[...]” (IBEJIS, 2016, informação verbal277); “[...]
Porque assim, houve toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas também que
vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia com nossos toques
[...]”(SAHARA, 2016, informação verbal278).
Ademais, o preconceito também foi apontado por um dos entrevistados que citou a
abordagem inadequada e preconceituosa por parte de ficais do IBAMA que controlam o acesso
à reserva da Serra de Itabaiana, especificamente ao Poço das Moças. Segundo relatado, o fiscal
teria se utilizado de suas crenças e convicções religiosas particulares para justificar a restrição
de acesso à reserva ambiental o, que fere o princípio da impessoalidade insculpido na
Constituição Federal.
Denota-se que a construção do discurso que colocou os cultos de matriz africana como
práticas primitivas, atávicas, associados à feitiçaria teve início ainda nos tempos de Colônia
mas se consolidou de tal forma que ainda está presente no imaginário social (MAGGIE, 1992).
Disso decorre uma maior intolerância com relação às manifestações da religiosidade afro-
brasileira que carregam até hoje o estigma do preconceito e da segregação racial praticada
contra os negros (GIUMBELLI, 2002).
O que se vê, portanto, é uma insegurança, um receio, uma perda de espontaneidade por
parte da população investigada quando eles estão constantemente se preocupando se vão ou não
275 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.). 276 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 277 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 278 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
208
incomodar, se vão ou não sofrer algum tipo de preconceito, se continuarão tendo acesso aos
territórios sagrados tão necessários à sua vivência religiosa. Além disso, percebe-se um
descrédito no poder público que culmina em uma falta de esperança, um desânimo que
configura um problema pois quando a pessoa se sente vencida ela não se mobiliza para lutar
por seus direitos, logo, a cidadania é enfraquecida nesse cenário.
Espera-se, com os resultados do presente trabalho, dar visibilidade às violações de
direitos que as comunidades de terreiro da Grande Aracaju estão sofrendo em decorrência dos
impactos da urbanização, violações essas que atingem diretamente a dignidade humana dos
religiosos. Neste ponto, compete ao Estado encontrar soluções para as demandas da população
investigada não permitindo que direitos continuem a ser violados.
Nesse sentido, diante da constatação dos impactos negativos decorrentes da urbanização
e com vistas a preservar o acesso das comunidades de terreiro da Grande Aracaju às espécies
vegetais e aos ambientes naturais imprescindíveis ao culto religioso, recomenda-se a construção
de um diálogo entre o poder público e representantes da população investigada com vistas a
discutir a viabilidade de adoção em Sergipe de um projeto semelhante ao “Espaço Sagrado”
existente no Rio de Janeiro, e que inclusive foi indicado pelos entrevistados como modelo ideal
a ser seguido.
209
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por objeto investigar os impactos da urbanização sobre a
presença e conservação do “espaço mato” nos terreiros da Grande Aracaju, bem como sobre o
uso e preservação dos chamados territórios de Axé, ambientes naturais sacralizados pelas
comunidades tradicionais de matriz africana em razão do uso religioso que fazem desses
espaços.
Viu-se a importância tanto do espaço “mato” quanto dos territórios de Axé para essas
comunidades tradicionais, o que decorre do papel central que as espécies vegetais e elementos
da natureza como um todo ocupam nas religiões afro-brasileiras, visto que o Axé (força vital)
de suas divindades se encontra justamente nos domínios naturais. Em razão disso, muitos dos
cultos e práticas religiosas dependem do uso das ervas e plantas sagradas e precisam ser
realizadas na natureza. Disso decorre que a sacralização da natureza constitui um dos
fundamentos das religiões afro-brasileiras.
Entretanto, terreiros que outrora estavam instalados em regiões afastadas dos centros
urbanos e que dispunham de áreas verdes ainda preservadas nas suas proximidades, hoje foram
engolidos pelo avanço do processo de urbanização, o que afetou sobremaneira a paisagem
natural que existia nos arredores dos terreiros trazendo sérias complicações, a exemplo da perda
do chamado espaço “mato” externo, dificuldades decorrentes da convivência com vizinhos,
necessidade de deslocamentos para locais cada vez mais distantes em busca de espécies vegetais
e espaços naturais imprescindíveis ao culto, adaptações diversas para fins de sobrevivência da
religião frente às novas configurações impostas pela urbanização.
Neste sentido, a pesquisa realizada buscou investigar como o processo de urbanização
na Grande Aracaju tem impactado na preservação e uso religioso de territórios tidos como
sagrados para as comunidades tradicionais de matriz africana. A partir desse problema foi
proposto como objetivo geral identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o
uso/conservação dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz africana
na Grande Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade religiosa da
população investigada.
A partir dos dados coletados no campo constatou-se que o processo de urbanização da
Grande Aracaju não provocou o estrangulamento nos espaços internos dos terreiros
investigados, mas promoveu perdas no que a literatura chama de espaço “mato” externo, ou
seja, que se estende além dos limites internos do terreiro, fornecendo algumas ervas e plantas
de uso litúrgico, fenômeno identificado por Mattoso (1992) e Barros (2011).
210
Outro resultado obtido demonstra que em razão dos desdobramentos da urbanização os
terreiros investigados passaram a enfrentar uma série de dificuldades, tais como: custos com
deslocamento até espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe ou com aquisição de
ervas no mercado; perda de tempo com esse deslocamento; “quebra da essência” em razão de
ter que comprar ervas sem saber se foram observados os cuidados necessários quando da
colheita; tensões com vizinhos que implicam em adaptações quanto aos horários dos toques de
atabaques e ajustes nos calendários festivos.
Quanto ao uso e preservação dos territórios externos, aqui denominados territórios de
Axé, constituídos por ambientes naturais onde são realizadas importantes liturgias, foi apontado
como resultado que 77% (setenta e sete por cento) dos terreiros investigados ou enfrentam
algum tipo de dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de
adaptação para sobrevivência do culto. Sobre este ponto, a urbanização e desdobramentos
decorrentes desta foram apontadas como principal dificuldade, demonstrando que o processo
de urbanização na Grande Aracaju tem um impacto negativo sobre os direitos religiosos da
população investigada, pois impõe adaptações que descaracterizam aspectos tradicionais da
religião.
Constatou-se que em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos das
comunidades tradicionais de matriz africana estão sendo violados, especialmente o direito ao
amplo exercício da liberdade religiosa, posto que passam a enfrentar sérias dificuldades para
manutenção de suas práticas tradicionais que dependem do uso de espécies vegetais e ambientes
naturais preservados para reprodução. Quando deixam de ter acesso a esses elementos eles estão
sendo privados da influência de suas divindades e, consequentemente, do exercício amplo de
seus direitos religiosos. Nesse cenário se fortalece o risco de descaracterização de saberes e
práticas tradicionais que se consolidaram ao longo de décadas e que dão sentido ao culto,
configurando uma violação ao direito de culto que atinge a dignidade humana dessa população
que está intimamente ligada à fé e ao sentimento religioso.
Na base desse processo de urbanização está uma lógica desenvolvimentista
insustentável que se tornou hegemônica e em função da qual se promoveu a transformação da
natureza em objeto explorável em nome do que se convencionou chamar de progresso e
crescimento econômico. E essa lógica desenvolvimentista excludente tem maior impacto sobre
grupos e populações que historicamente vêm sofrendo maiores violações em seus direitos: a
população pobre e a população negra, universo no qual as comunidades tradicionais de matriz
africana estão inseridas.
211
Vê-se que garantir o pleno exercício da liberdade religiosa dessa população, o que
constitui obrigação do Estado, passa pela preservação de seus territórios onde seus cultos e
liturgias são realizadas e que também são lugares de memória coletiva. Entretanto, o que se vê
é a invisibilidade dessa demanda do que decorre a importância desse trabalho em tornar visível
reinvindicações que o poder público ou desconhece ou ainda não se sensibilizou o suficiente
para atender, mas sobre as quais deve envidar esforços no sentido de garantir a proteção dos
direitos religiosos e da dignidade humana desses indivíduos.
A criação, pelo poder público, de um espaço reservado para as liturgias das comunidades
tradicionais de matriz africana em Sergipe, a exemplo do que já existe no Rio de Janeiro, emerge
na pesquisa como principal solução para a superação das dificuldades enfrentadas na utilização
de ambientes naturais para fins religiosos. Todavia, esse elemento aparece acompanhado por
uma descrença muito forte da comunidade quanto à existência de interesse do poder público em
atender essa demanda em razão do preconceito histórico que ainda acompanha as religiões afro-
brasileiras. Esse elemento emergiu fortemente no campo em falas de muitos entrevistados que
apontaram a persistência do estigma que acompanha a religião ainda nos dias atuais.
Nesse sentido, diante da constatação dos impactos negativos decorrentes da urbanização
e com vistas a preservar o acesso das comunidades de terreiro da Grande Aracaju às espécies
vegetais e aos ambientes naturais imprescindíveis ao culto religioso, recomenda-se a construção
de um diálogo entre o poder público e representantes da população investigada com vistas a
discutir a viabilidade de adoção em Sergipe de um projeto semelhante ao “Espaço Sagrado”
existente no Rio de Janeiro, e que inclusive foi indicado pelos entrevistados como modelo ideal
a ser seguido.
Sugere-se, a partir dos resultados ora apresentados, o aprofundamento da temática aqui
discutida através de novas pesquisas que se proponham, por exemplo, a melhor conhecer o
projeto “Espaço Sagrado”, implantado pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de
Janeiro, ou mesmo outras iniciativas semelhantes em outros Estados, a fim de identificar se
podem servir como um modelo positivo voltado a proteção e sustentabilidade dos territórios de
Axé em Sergipe.
212
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli Eliza D. A Etnografia da prática escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.
(Série Prática Pedagógica).
BARBETTA, Pedro Alberto. Estatística Aplicada às Ciências Sociais. Ed. UFSC, 5ªEdição,
2002.
BARROS, José Flávio Pessoa de. A floresta sagrada de Ossaim: o segredo das folhas. Rio
de Janeiro: Pallas, 2011.
______. O segredo das folhas: sistema de classificação de vegetais no candomblé jêje-nagô
do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 1993.
BARROS, José Flávio Pessoa de; NAPOLEÃO, Eduardo. Ewé òrìsà: uso litúrgico e
terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jêje-nagô. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2011.
BARROS, José Flávio Pessoa de; TEIXEIRA, Maria Lina Leão. O código do corpo:
inscrições e marcas dos orixás. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (Org.).
Candomblé, religião de corpo e alma: tipos psicológicos nas religiões afro-brasileiras. Rio
de Janeiro: Pallas, 2000. p. 103-138.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma sociologia das
interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2.
______. O candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
BECK, Ulrich. A política na sociedade de risco. Tradução de Estevão Bosco. Ideias,
Campinas/SP, v.1, n. 1, 2º semestre, p. 229-253, 2010.
BERKENBROCK, Volney J. A experiência dos Orixás - um estudo sobre a experiência
religiosa no Candomblé. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
BOFF, Leonardo. Ecologia, mundialização, espiritualidade. 2. ed. São Paulo: Ática, 1996.
BONIOLO, Roberta Machado. “Os orixás não são lentos, eles são caprichosos”: o projeto de
criação do “Espaço Sagrado da Curva do S” (Parque Nacional da Tijuca/Rio de Janeiro). In:
V Reunião Equatorial de Antropologia/ XIV Reunião de Antropólogos do Norte e
Nordeste, 2015, Maceió. Disponível em: <http://eventos.livera.com.br/trabalho/98-
1021177_30_06_2015_20-41-18_2387.PDF>. Acesso em: 8 dez. 2016.
BONNEMAISON, J. Viagem em torno do território. In: CORRÊA; ROSENDAHL (coord.)
Geografia Cultural: um século (3), Rio de Janeiro: Ed.UERJ,2002.
BRAGA, Júlio. O jogo de búzios: um estudo da adivinhação no candomblé. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
213
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
12 de dez. 2016.
BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Disponível
em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-847-11-outubro-1890-
503086-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 19 nov. 2016.
BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera
as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de
julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>. Acesso
em: 1 nov. 2016.
BRASIL. Ministério da Cultura. Ofício das baianas de acarajé. Brasília, DF: IPHAN, 2007
BRASIL. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR. Plano Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz
Africana 2013 - 2015. 1.ed. Brasília, jan. 2013. Disponível em:
<http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/02/plano-nacional-de-
desenvolvimento-sustentavel-dos-povos-e-comunidades-tradicionais-de-matriz-africana>.
Acesso em: 10 out. 2016.
BULLARD, Robert. Ética e racismo ambiental. Revista Eco 21, ano XV, n. 98, jan. 2005.
CARNEIRO, Edson. Ladinos e crioulos: estudos sobre o negro no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964.
CARNEIRO, Edison de Sousa. Candomblés da Bahia. Ilustrações de Carybé e Kantor. Rio
de Janeiro: Tecnoprint, 1967. (Coleção Brasileira de Ouro).
CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro: pesquisa do catimbó e notas da magia branca no
Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978.
CASTILLO, Lisa Earl. Entre a oralidade e a escrita: a etnografia nos candomblés da Bahia.
Salvador: EDUFBA, 2010.
COELHO, Carla Jeane Helfemsteller. A ética biocêntrica como encarnação da alteridade:
da vivência das transformações existenciais à mudança paradigmática. Salvador (tese de
doutorado). Universidade Federal da Bahia, 2011.
______. Planejamento ambiental e gestão participativa. In: COELHO, Carla Jeane
Hefemsteller Coelho, MELO Maria das Dores de Vasconcelos Cavalcanti (organizadoras).
Saberes e fazeres da Mata Atlântica do Nordeste: lições para uma gestão participativa.
Recife: Associação para Proteção da Mata Atlântica do Nordeste – AMANE, 2010. p. 101-
116.
CORRÊA, Aureanice de Mello; MOUTINHO-DA-COSTA, Lara; LOUREIRO, Carlos
Frederico B.. O processo de implantação do espaço sagrado em unidade de conservação: o
caso da Curva do S no Parque Nacional da Tijuca na cidade do Rio de Janeiro. 14º Encuentro
214
de Geógrafos de América Latina (EGAL). Peru, 2013. 20p. Disponível em: <
http://observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal14/Procesosambientales/Impactoambie
ntal/11.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2016.
CORRÊA, Norton F. O Batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião afro-
rio-grandense. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992.
CUNHA JR., Henrique. Afrodescendência e espaço urbano. In: CUNHA JR., Henrique e
RAMOS, Maria Estela R. (Orgs.). Espaço urbano e afrodescendência: estudos da
espacialidade negra urbana para o debate de políticas públicas. Fortaleza: Edições UFC, 2007.
p. 62-87.
DANTAS, Beatriz Góis. Nanã de Aracaju: trajetória de uma mãe plural. In: SILVA, Vagner
Gonçalves da (org.). Caminhos da alma: memória afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002.
p. 89-131.
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África no Brasil, Rio
de Janeiro: Graal, 1988.
DORNELLES, Carla Jeane Helfemsteller Coelho; OLIVEIRA, Liziane Paixão; DE LIMA,
Kellen Josephine Muniz. Sacrifício ritual de animais não-humanos nas liturgias religiosas de
matriz africana: “medo do feitiço” e intolerância religiosa na pauta legislativa. Revista
Brasileira de Direito Animal. v. 12, n. 22, p. 53-82, mai./ago. 2016.
DOUZINAS, Costas. Que são direitos humanos? Projeto Revoluções. Disponível em: <
http://revolucoes.org.br/v1/sites/default/files/que_sao_direitos_humanos.pdf>, 2010. Acesso
em: 10 set. 2016.
DUARTE, Everaldo. O Terreiro do Bogum e o Parque São Bartolomeu. In: FORMIGLI, Ana
Lúcia (org.). Parque Metropolitano de Pirajá: História, natureza e cultura. Coleção
Cadernos do Parque. Salvador: Editora do Parque, 1998. p. 19-22.
DIEGUES, Antonio Carlos; ARRUDA, Rinaldo Sérgio Vieira. Saberes tradicionais e
biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2000. Disponível em:
< http://portal.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3810>. Acesso em: 07 nov. 2016.
DUIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 3. ed. São Paulo:
Editora Hucitec, 2001.
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
DUSSEL, Enrique. Ética da libertação na idade da globalização e da exclusão. Tradução
de Ephraim Ferreira Alves, Jaime A. Clasen, Lúcia M. E. Orth. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Tradução de Rogério
Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
215
FALCÃO, Vladimir José de Azevedo. Ewé, Ewé Ossain – Um estudo sobre os erveiros e
erveiras do Mercadão de Madureira: Uma experiência do sagrado. Rio de Janeiro: Barroso
Edições/Ilú Aye, 2002.
FARIA, Arley Haley; SANTOS, Rosselvelt José. A identidade no urbano: dos territórios às
multiterritorialidades dos membros das religiões de matriz africana em Uberlândia, MG.
Horizonte Científico, v. 2, n. 1, 2008.
FERNANDES-PINTO, Érika; IRVING, Marta de Azevedo. Sítios Naturais Sagrados no
Brasil: o gigante desconhecido. Anais do VII Seminário sobre Áreas Protegidas e Inclusão
Social e II Encontro Latinoamericano sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social. p. 397-
408, Florianópolis, nov, 2015. Disponível em: <
http://www.silene.es/documentos/Sitios_naturais_sagrados_Brasil.pdf>. Acesso em: 05 dez.
2016.
FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de
resistência. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos. Florianópolis: UFSC, v. 23, n. 44, p.
9-30, jan. 2002. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15330>. Acesso em: 12 nov.
2016.
______. Os direitos humanos no contexto da globalização: três precisões conceituais. Lugar
Comum. Rio de Janeiro: UFRJ, n. 25-26, p. 39-71, mai./dez. 2010.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GERHARDT, Tatiana Engel; RAMOS, Ieda Cristina Alves; RIQUINHO, Deise Lisboa;
SANTOS, Daniel Labernarde dos. Estrutura do projeto de pesquisa. In: GERHARDT, Tatiana
Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da
UFRGS, 2009. p. 65-88.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
______. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GIL Filho, Sylvio F. e GIL, Ana Helena C. Identidade religiosa e territorialidade do
sagrado: Notas para uma teoria do fato religioso. In: ROSENDAHL, Z. e CORRÊA, R. L.
(orgs.). Religião, Identidade e Território. Rio de Janeiro, Ed UERJ, 2001.
GIUMBELLI, Emerson. O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na
França. São Paulo: Attar Editorial, 2002.
______. Presença na recusa: a África dos pioneiros umbandistas. Revista Esboços, v. 17, n. 23,
p. 107-117, 2010.
______. Zélio de Moraes e as origens da umbanda no Rio de Janeiro. In: SILVA, Vagner
Gonçalves da (org.). Caminhos da alma: memória afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002.
p. 183-217.
216
GOMES, Ângela de Castro. A guardiã da memória. Acervo- Revista do Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro, v.9, nº 1/2, p.17-30, jan./dez. 1996.
GONÇALVES, Fernandes. Xangôs do Nordeste: investigação sobre os cultos negro-fetichistas
do Recife. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937.
GUIMARÃES, Andréa Letícia Carvalho. I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana: análise da sua abordagem
conceitual de povo, comunidade e tradição. Sociologia, antropologia e cultura jurídicas
[Revista eletrônica on-line] organização CONPEDI/UFSC; coordenadores: Leonel Severo
Rocha, Thaís Janaina Wenczenovicz, Enzo Bello. Florianópolis: CONPEDI, p. 261-290,
2014.
GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. Terra livre, v. 2, n.
17, 2001. p. 155-170.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal?.
Tradução de Karina Jannini. 2.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi-
territorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2004.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Organização Liv Sovik;
Tradução Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília:
Representação da UNESCO no Brasil, 2003.
HERCULANO, Selene; PACHECO, Tania (org.). Racismo Ambiental. Rio de Janeiro:
FASE, 2006, p. 21-28.
KANT DE LIMA, Roberto; LUPETTI BATISTA, Bárbara Gomes. O desafio de realizar
pesquisa empírica no Direito: uma contribuição antropológica. In: 7º encontro da ABCP –
Associação Brasileira de Ciência Política, 2010, Recife. Disponível em:
<http://www.uff.br/ineac/sites/default/files/o_desafio_de_realizar_pesquisa_empirica_no_dire
ito.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2016.
LÉPINE, Claude. Os estereótipos da personalidade no candomblé nagô. In: MOURA, Carlos
Eugênio Marcondes de (Org.). Candomblé, religião de corpo e alma: tipos psicológicos nas
religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. p. 139-163.
LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia. 2. ed.
Salvador: Corrupio, 2003.
LODY, Raul. Santo também come. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 1992.
217
MARQUES, Vera Regina. A medicalização da raça: médicos, educadores e discursos
eugênicos. Campinas: Unicamp, 1994.
MARQUES, Verônica Teixeira. Conselhos municipais de educação e democracia:
Relações entre Estado e Sociedade nos Conselhos Municipais de Educação em Sergipe. Tese
(doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, 2009. Disponível em:
<http://www.ppgcs.ufba.br/site/db/trabalhos/1752013091555.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2016.
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Entre o privado e o público: considerações sobre a (in)
criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro. Anuário antropológico/2009-2, 2010,
p.125-152.
MOTA, Roberto. Bandeira de Alairá a festa de Xangô - São João e os problemas do
sincretismo afro-brasileiro. Ciência & Trópico, Recife, v. 3(2), p. 191-293, jul./dez., 1975.
MOUTINHO DA COSTA, Lara. A Floresta Sagrada da Tijuca: estudo de caso de conflito
envolvendo uso público religioso de parque nacional. Dissertação de Mestrado. EICOS/UFRJ,
2008.
______. Territorialidade e racismo ambiental: elementos para se pensar a educação ambiental
crítica em unidades de conservação. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 6, n. 1, p. 101-
122, 2011.
MUNANGA, Kabengele. Negritude e Identidade Negra ou Afrodescendente: um racismo ao
avesso?. Revista da Associação dos Pesquisadores(as) Negros(as) – ABPN, v. 4, n. 8, p.
06-14, jul./out. 2012.
NITAHARA, Akemi. Projeto de espaço para rituais religiosos na Floresta da Tijuca será
retomado. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 12 abr. 2014. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-04/projeto-de-espaco-para-
rituais-religiosos-na-floresta-da-tijuca>. Acesso em: 7 nov. 2016.
OLIVEIRA, André Luiz de Araújo. A cidade e o terreiro: proteção urbanística aos terreiros de
candomblé na Bahia pós Estatuto da Cidade. In: urbBA11 – Urbanismo na Bahia, 2011,
Salvador. Disponível em:
<http://www.ppgau.ufba.br/urba11/ST1_A_CIDADE_E_O_TERREIRO.pdf>. Acesso em: 13
nov. 2016.
OLIVEIRA, Eduardo David de. Cosmovisão africana no Brasil – elementos para uma
filosofia afrodescendente. 3. ed. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2006.
______. Filosofia da ancestralidade como filosofia africana: Educação e cultura afrobrasileira.
Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n.18, maio-out., p. 28-47, 2012.
OLIVEIRA, J. A. P. de. Desafios do planejamento em políticas públicas: diferentes visões e
práticas. Revista de Administração Pública, v. 40, n. 1, p. 273-288, 2006.
OLIVEIRA, Luciano. O Enigma da Democracia: O pensamento de Claude Lefort. Piracicaba:
Jacintha Editores, 2010.
218
OLIVEIRA, Marília Flores Seixas de; OLIVEIRA, Orlando J. R. de; BARTHOLO JR.,
Roberto dos Santos. Cultura, natureza e religião na constituição de territorialidade no
candomblé da Bahia. Revista de Geografia, Recife, UFPE – DCG/NAPA, v. 27, n. 2, p.
2639, maio/ago. 2010.
ORO, Ari Pedro. As religiões afro-brasileiras no Cone Sul. Cadernos de Antropologia, n. 10.
Porto Alegre, UFRGS, 1993.
PACHECO, Tania. Impressões, esperanças e desafios. In: HERCULANO, Selene; PACHECO,
Tania (org.). Racismo Ambiental. Rio de Janeiro: FASE, 2006, p. 323-329.
PELIZZOLI, M. L. Correntes da ética ambiental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
PIERSON. Donald. Brancos e Pretos na Bahia: estudo de contacto racial. 2. ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1971.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Tradução de Dora Rocha Flaksman.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
PORDEUS, Ismael. Lisboa de caso com a umbanda. Revista USP, São Paulo, nº 31, p. 90-
103, 1996.
PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras nas ciências sociais: uma conferência, uma
bibliografia. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. BIB-
ANPOCS, São Paulo, n. 63, p. 7-30, 2007.
______. Encantaria brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Rio de Janeiro:
Pallas, 2004.
______. Herdeiros do Axé. São Paulo: Hucitec, 1996.
______. Mitologia dos Orixás. Ilustrações de Pedro Rafael. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001.
______. O candomblé e o tempo: concepções de tempo, saber e autoridade da África para as
religiões afro-brasileiras. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2001, vol.16, n.47,
p. 43-58.
______. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo:
HUCITEC: Editora da Universidade de São Paulo, 1991.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENSOLVIMENTO – PNUD.
Relatório do Desenvolvimento Humano, 2004. Liberdade cultural num mundo
diversificado. Lisboa: Mensagem, 2004.
RABELO, Miriam C. M. Aprender a ver no candomblé. Horizontes Antropológicos, Porto
Alegre, ano 21, n. 44, p. 229-251, jul./dez. 2015.
219
RAMOS, Artur. Introdução à antropologia brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do
Brasil, 1947. Vol. 1.
RAMOS, Maria Estela R. Origens da segregação espacial da população afrodescendente em
cidades brasileiras. In: CUNHA JR., Henrique e RAMOS, Maria Estela R. (Orgs.). Espaço
urbano e afrodescendência: estudos da espacialidade negra urbana para o debate de políticas
públicas. Fortaleza: Edições UFC, 2007. p. 97-120.
RÊGO, Jussara. Territórios do candomblé: a desterritorialização dos terreiros da região
metropolitana de Salvador, Bahia. GeoTextos, v. 2, n. 2, p. 31-85, 2006.
REYNAUD, Alain. A noção de espaço em Geografia. In: SANTOS, M. e SOUZA, M. A.
de. (orgs.). O espaço interdisciplinar. São Paulo, Nobel, 1986.
RIBEIRO, Tereza; PACHECO, Tânia. Mapa de conflitos causados por racismo ambiental
no Brasil: levantamento inicial, junho de 2007. Disponível em:
<http://www.cppnac.org.br/wp-content/uploads/2013/11/Mapa-do-Racismo-Ambiental-no-
Brasil.pdf>. Acesso: 2 nov. 2016.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. Colaboradores José
Augusto de Souza Peres et al. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. (Sabor literário).
RISÉRIO, Antonio. Uma História da Cidade da Bahia. 2 ed. Rio de Janeiro: Versal, 2004.
RODRIGUES, Marta Maria Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2013.
RODRIGUES, Raymundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. Rio de Janeiro:
UFRJ, 2006.
______. Os africanos no Brasil [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas
Sociais, 2010.
ROLNIK, Raquel. Território Negros nas Cidades Brasileiras (Etnicidade e Cidade em São
Paulo e no Rio de Janeiro). Estudos Afro-Asiáticos. n. 19, p. 29-41, 1989.
ROSENDAHL, Zeny. Espaço e Religião: Uma Abordagem Geográfica. Rio de Janeiro-
RJ, Ed UERJ, 1996.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os direitos humanos nas zonas de contacto entre
globalizações rivais. Cronos, UFRN, Natal, v. 1, n. 1, p. 23-40, 2007.
______. Para uma concepção intercultural dos direitos humanos. In: ______. A Gramática
do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. p. 433-470.
______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista
Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 237-280, 2002.
220
______. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. Tradução: Mouzar
Benedito. São Paulo: Boitempo, 2007.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nàgô e a morte: Pàdè, Àsèsè e o culto Égun na Bahia.
Traduzido pela Universidade Federal da Bahia. Petrópolis: Vozes, 1976.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo:
Hucitec: 1997.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 5. ed., 2. reimpr. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2009.
SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo: história constitucional
brasileira, teoria da constituição e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SEGATO, Rita Laura. Santos e daimones: o politeísmo afro-brasileiro e a tradição
arquetipal. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2005.
SERGIPE. Secretaria de Estado da Inclusão, Assistência e Desenvolvimento Social -
SEIDES. Religiões de Matriz Africana em Sergipe: catálogo. Sergipe, [2012]. 41 p.
SILVA, Maria Bernadete Lopes da. Racismo ambiental e sociedades remanescentes
quilombolas. 2008. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=7713>. Acesso
em: 2 nov. 2016.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SILVA, Vagner Gonçalves. Orixás da Metrópole. Petrópolis: Vozes, 1995.
SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A Pesquisa Científica. In:
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de Pesquisa. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2009. p. 31-42.
SODRÉ, Muniz. O Terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de Janeiro:
Imago; Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002. (Bahia: Prosa e poesia).
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
SOUZA FILHO, Florival José de. Candomblé na cidade de Aracaju: território, espaço
urbano e poder público. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal de
Sergipe, 2013.
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987.
UNGER, Nancy Mangabeira. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. 2. ed.
São Paulo: Edições Loyola, 2000.
221
VELLOSO, Jota. Kirimurê. In: JOTA VELLOSO. J. Velloso e os Cavaleiros de Jorge.
Biscoito Fino, 2009. 1 CD. Faixa 2.
VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2000.
VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o Culto aos Orixás e Voduns na Bahia de Todos os
Santos, no Brasil, e na Antiga Costa dos Escravos, na África. Tradução de Carlos Eugênio
Marcondes de Moura. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2012.
______. Orixás: Deuses iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio, 1981.
______. Prefácio de Pierre Verger. In SANTOS, Deoscoredes M. dos. Axé Opô Afonjá. Rio
de Janeiro: Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, 1962.
WEINGARTNER NETO, Jayme. Liberdade Religiosa na Constituição: fundamentalismo,
pluralismo, crenças, cultos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
11 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 7-72.
222
REFERÊNCIAS DAS ENTREVISTAS
BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).
CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).
IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima. Aracaju,
2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.).
LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).
ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima. Aracaju,
2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).
OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).
OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.).
OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima. Aracaju,
2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.).
OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima. Aracaju,
2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).
SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).
SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de
Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.).
SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).
XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.
Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).
223
ANEXOS
ANEXO 1: Termo de consentimento livre e esclarecido
UNIVERSIDADE TIRADENTES – UNIT
DIRETORIA DE PESQUISA EXTENSÃO – DPE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – PPGD
MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, __________________________________________________________, abaixo
assinado, autorizo a SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO TIRADENTES S/S LTDA – SET –
CAMPUS ARACAJU – FAROLANDIA, por intermédio do(a) aluno(a) KELLEN
JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA, devidamente assistido(a) pela sua orientadora Professora
Doutora CARLA JEANE HELFEMSTELLER COELHO DOENELLES, a desenvolver a
pesquisa abaixo descrita, declarando, por meio deste termo, que concordei em ser
entrevistado(a) e /ou participar da pesquisa.
1-Título da pesquisa: TERRITÓRIOS DO AXÉ: OS CAMINHOS DO POVO DE SANTO
EM ARACAJU NA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA DO SAGRADO EM MEIO URBANO.
2-Objetivos Primários e secundários: O objetivo primário da pesquisa consiste em identificar
e analisar os impactos do processo de urbanização sobre o uso/conservação dos territórios
afrorreligiosos na Grande Aracaju, bem como os seus desdobramentos no âmbito litúrgico, com
vistas a apontar possíveis políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade desses
territórios. Os objetivos secundários são: Identificar se, em decorrência da urbanização, tem
ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros pesquisados a ponto de comprometer a presença
e conservação dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente entre a perda do
espaço interno e externo analisando estas perdas com relação aos impactos da urbanização;
Identificar a existência e uso de territórios afrorreligiosos externos na Grande Aracaju;
Identificar possíveis dificuldades e adaptações, decorrentes do processo de urbanização, quanto
ao uso dos territórios afrorreligiosos na Grande Aracaju; Analisar as políticas públicas
implantadas no Rio de Janeiro (“Espaço Sagrado”), a fim de inferir se podem servir como
modelo de proteção dos territórios afrorreligiosos na Grande Aracaju.
3-Descrição de procedimentos: Trata-se de uma Pesquisa de abordagem Naturalista, de
Natureza Aplicada, e Objetivo Exploratório. Seus Procedimentos serão: Bibliográfico,
Documental e Pesquisa de Campo de Tipo Etnográfica. Os instrumentos de coleta de dados
utilizados na pesquisa de campo serão a observação, entrevista semiestruturada a ser gravada a
partir da assinatura desta autorização, e as fotografias. A pesquisa de campo buscará identificar
os impactos da urbanização na subtração de espaços litúrgicos afrorreligiosos na Grande
Aracaju e será desenvolvida junto a 16 (dezesseis) Terreiros e Casas de Axé Aracaju, São
Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro. A população investigada será constituída por dirigentes
e responsáveis pela liturgia e administração dos terreiros, ou seja, ocupantes de cargos
hierárquicos. Diante disso, o critério de inclusão para a escolha dos membros que serão
entrevistados em cada terreiro consiste no fato de pertencerem a religiões de matriz africana,
ter conhecimento das circunstâncias que se pretende investigar, ter disponibilidade de tempo e
interesse em participar da pesquisa, bem como também levará em consideração a ocupação de
cargo hierárquico no terreiro, não se fazendo, entretanto, distinção entre Umbanda e
224
Candomblé. Os critérios de exclusão são: 1) todos aqueles que não aceitarem fazer parte da
pesquisa, 2) todos aqueles que não possuam tempo disponível para fazer parte da pesquisa; 3)
os que não contemplam os critérios de inclusão.
4-Justificativa para a realização da pesquisa: A pesquisa mostra-se relevante por buscar
dados que permitam mensurar os impactos decorrentes da urbanização para a subtração dos
espaços naturais que são utilizados nas liturgias afrorreligiosas na Grande Aracaju, o que
possibilitará a construção de políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade destes
territórios sagrados, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das comunidades
tradicionais de matriz africana em Sergipe.
5-Desconfortos e riscos esperados: Quanto aos riscos que essa pesquisa pode oferecer aos
sujeitos de pesquisa pode-se dizer que existe risco de danos psicológicos, ainda que ínfimos,
tendo em vista que as perguntas referentes as dificuldades que enfrentam para manter suas
práticas religiosas podem desestabilizar emocionalmente os sujeitos de pesquisa. Esse foi,
também, um dos motivos que levou a se optar pela aplicação da entrevista semiestruturada, pois
desse modo a pesquisadora tem maior liberdade e flexibilidade para escolher a melhor forma
de abordar a questão, e, inclusive, optar por não dar continuidade à entrevista quando perceber
que pode gerar danos psicológicos a algum dos sujeitos, minimizando, assim, os riscos da
pesquisa.
Fui devidamente informado dos riscos acima descritos e de qualquer risco não descrito,
não previsível, porém que possa ocorrer em decorrência da pesquisa será de inteira
responsabilidade dos pesquisadores.
6-Benefícios esperados: Sistematização de dados e informações capazes de demonstrar quais
os impactos decorrentes da urbanização na subtração dos espaços naturais que são utilizados
nas liturgias afrorreligiosas na Grande Aracaju. No confronto entre as informações obtidas com
o estudo de caso realizado sobre o projeto “Espaço Sagrado”, implantado no Rio de Janeiro,
pretende-se também demonstrar se o referido projeto pode servir como um modelo positivo de
política pública voltada a proteção e sustentabilidade dos espaços litúrgicos afrorreligiosos na
Grande Aracaju, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das comunidades
tradicionais de matriz africana em Sergipe.
7-Informações: Os participantes têm a garantia que receberão respostas a qualquer pergunta e
esclarecimento de qualquer dúvida quanto aos assuntos relacionados à pesquisa. Também os
pesquisadores supracitados assumem o compromisso de proporcionar informações atualizadas
obtidas durante a realização do estudo.
8-Retirada do consentimento: O voluntário tem a liberdade de retirar seu consentimento a
qualquer momento e deixar de participar do estudo, não acarretando nenhum dano ao
voluntário.
9-Aspecto Legal: Elaborado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadas de pesquisa
envolvendo seres humanos atende à Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do
Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde - Brasília – DF.
10-Confiabilidade: Os voluntários terão direito à privacidade. A identidade (nomes e
sobrenomes) do participante não será divulgada. Porém os voluntários assinarão o termo de
consentimento para que os resultados obtidos possam ser apresentados em congressos e
publicações, assim como autorizam o uso das imagens fotográficas coletadas exclusivamente
para fins de ilustração dos resultados desta pesquisa em publicações e banners a ela
relacionados.
11-Quanto à indenização: Não há danos previsíveis decorrentes da pesquisa, mesmo assim
fica prevista indenização, caso se faça necessário.
12-Os participantes receberão uma via deste Termo assinada por todos os envolvidos
(participantes e pesquisadores).
13-Dados do pesquisador responsável:
225
Nome: KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA e CARLA JEANE HELFEMSTELLER
COELHO DORNELLES.
Endereço profissional/telefone/e-mail: Programa de Pós-Graduação em Direito, Av. Murilo
Dantas, 300, Bloco D – Farolândia – CEP 49.032-490, Aracaju/SE. Telefone (79) 98876-4466;
e-mail: [email protected] e [email protected].
ATENÇÃO: A participação em qualquer tipo de pesquisa é voluntária. Em casos de
dúvida quanto aos seus direitos, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Tiradentes.
CEP/Unit - DPE
Av. Murilo Dantas, 300 bloco F – Farolândia – CEP 49032-490, Aracaju-SE.
Telefone: (79) 32182206 – e-mail: [email protected].
Aracaju, _____de _____de 2016.
_____________________________________________________
ASSINATURA DO VOLUNTÁRIO
_____________________________________________________
ASSINATURA DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL
226
ANEXO 2: Roteiro de entrevista semiestruturada
Bom dia/boa tarde/boa noite. Meu nome é Kellen Josephine Muniz de Lima, sou estudante de
Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes – UNIT SE - e estou
desenvolvendo um trabalho de pesquisa sob orientação da Profa. Dra. Carla Jeane Helfemsteller
Coelho Dornelles, com o objetivo de identificar a configuração das territorialidades do Povo de
Santo em Sergipe – quanto a presença de “espaço mato” nos terreiros e quanto ao uso de espaços
naturais externos – com vistas a apontar políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade
destes espaços sagrados. O(a) sr(a) poderia colaborar respondendo algumas questões?
Agradeço desde já sua colaboração.
I - LOCAL DE NASCIMENTO E DE MORADIA
1. Cidade onde nasceu: 2. Cidade onde mora:
II - CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO
1. IDADE. Qual a sua idade (anos)? [ ]
2. Gênero?
o Masculino
o Feminino
o Outro
3. COR Qual a sua cor ou raça (leia as opções e marque apenas uma resposta)?
o Parda
o Branca
o Preta
o Amarela o Indígena
4. CIVI. Qual o seu estado civil (leia as opções e marque apenas uma resposta)? o Solteiro(a)
o Casado(a)
o Separado(a)
o Divorciado(a)
o Viúvo(a)
o União estável
5. RELI. Qual a sua religião afro-brasileira?
o a. Candomblé.
o b. Umbanda
o c. Nagô
o d. Outra:___________________________________________________
227
6.TEMPO. Quanto tempo possui na religião afro (anos)? [______]
7. CARGO. Ocupa algum cargo na religião?
o Sim. Especificar: _____________________________________
o Não
o Não sabe/Nenhuma resposta
III - CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
1. ESCO. Qual o seu nível de escolaridade?
o Analfabeto
o 4ª série do 1° grau (Primário)
o De 5ª a 8ª série do 1° grau (Ginasial)
o 2° grau completo (Colegial)
o 2º grau incompleto (Colegial) o Superior incompleto o Superior completo
o Pós-graduação/Especialização
o Mestrado
o Doutorado
2. REND. O sr. (sra.) poderia me dizer em qual faixa de renda, aproximadamente, encontra-se
a renda total de sua família no último mês, somando-se todas as fontes (como salários, hora
extras, renda de aluguéis, de todos que moram na casa, etc)?
o Até 2 SM (até R$1.576,00)
o + de 2 a 5 SM (+ de R$1.576,00 a R$ 3.940,00)
o + de 5 a 10 SM (+ de R$ 3.940,00 a R$ 7.880,00)
o + de 10 a 20 SM (+ de R$ 7.880,00 a R$ 15.760,00)
o Acima de 20 SM (acima de R$ 15.760,00)
o Não sabe/Nenhuma resposta
IV – CARACTERIZAÇÃO DO TERREIRO DO QUAL FAZ PARTE
1. Em que município fica localizado o terreiro (Casa de Axé) do qual faz parte? E qual o
bairro? Resposta:
2. Trata-se de área urbana ou rural? Resposta:
3. Em média qual o número de filhos da casa? Resposta:
4. Em média qual o número de frequentadores? Resposta:
5. Sabe informar o ano quem o terreiro iniciou suas atividades? Resposta:
6. Há quantos anos o terreiro se encontra no imóvel em que atualmente está instalado?
Resposta:
228
7. No seu entender, o terreiro se encontra em local apropriado (que apresente condições
favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e liturgias)? Se não, como seria esse local ideal?
Resposta:
8. O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê? Resposta:
9. A não existência de espaço mato na área interna do terreiro traz dificuldades para as
liturgias? Quais? Resposta:
10. Diante da não existência de espaço mato, como o terreiro supre a sua necessidade de ervas
e plantas para as liturgias? Resposta:
11. Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada? Resposta:
12. Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade
para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo? Resposta:
V – UTILIZAÇÃO DE ESPAÇOS NATURAIS EXTERNOS
1. Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum espaço/ambiente natural fora dos
limites do terreiro? Resposta:
2. Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados pelo seu terreiro
e onde ficam localizados? Resposta:
3. Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São Cristóvão e
Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que seja utilizado pelo seu
terreiro? Qual? Resposta:
4. Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que outrora era utilizado de forma
habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais possível? Qual ou Quais? Resposta:
5. Sabe informar porque o uso não é mais possível? Resposta:
6. Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de
espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de dificuldade ou impedimento? Resposta:
7. De que modo você acredita que seria possível ultrapassar essa dificuldade ou impedimento?
Resposta:
8. Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns) espaço(s)/ambiente(s)
natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos terreiros? Resposta:
Agradecemos muito por sua atenção!!
DATA:
ENTREVISTADO:
ENDEREÇO:
TELEFONE: