Teoria Geral Das Garantias Constitucionais v6

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TEORIA GERAL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS Brasília, 2011.

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Teoria Geral dasGaranTias ConsTiTuCionais

Brasília, 2011.

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elaboração

Gustavo Rabay

Georges Carlos F. M. Seigner

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração

Todos os direitos reservados.

W Educacional Editora e Cursos Ltda.Av. L2 Sul Quadra 603 Conjunto C

CEP 70200-630Brasília-DF

Tel.: (61) 3218-8314 – Fax: (61) 3218-8320www.ceteb.com.br

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Sumário

aPresenTaÇÃo ..................................................................................................................................... 4

orGaniZaÇÃo do Caderno

de esTudos e PesQuisa ........................................................................................................................ 5

inTroduÇÃo ......................................................................................................................................... 7

unidade úniCa

Garantias e PrincíPios constitucionais, Materiais, institucionais e Processuais .................................... 11

CaPíTulo 1

Garantias sociais, Jurisdicionais, Materiais e Processuais ...................................................... 13

CaPíTulo 2

a QuestÃo dos direitos FundaMentais nas reLaÇÕes PriVadas .................................................. 21

Para (nÃo) FinaliZar ........................................................................................................................ 34

reFerênCias ...................................................................................................................................... 35

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APrESENTAÇÃo

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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orGANiZAÇÃo Do CADErNo DE ESTuDoS E PESQuiSA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Pensamentos inseridos no Caderno, para provocar a reflexão sobre a prática da disciplina.

Para refletir

Questões inseridas para estimulá-lo a pensar a respeito do assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.

Textos para leitura complementar

Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informações

Espaço para você fazer uma síntese dos textos e enriquecê-los com sua contribuição pessoal.

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Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas

Aprofundamento das discussões.

Praticando

Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o processo de aprendizagem.

Para (não) finalizar

Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão.

Referências

Bibliografia consultada na elaboração do Caderno.

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iNTroDuÇÃo

Há certo desconforto em se definir direitos fundamentais, pois, assim como ocorre com a expressão “direitos do homem”, a maior parte das tentativas resulta em definições tautológicas. Costuma-se referir, dogmaticamente, aos direitos fundamentais como questão essencial que se confunde com a própria noção de Estado Constitucional, na medida em que assim assinala a disposição da Declaração Francesa de 1789: “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não possui Constituição”.

Nessa dimensão, tais direitos cumprem o papel de legitimação do poder estatal, e se traduzem em “funções estruturais de suma importância para os princípios conformadores da Constituição”, como salienta Segado, após se remeter à opinião de Hans-Peter Schneider, para quem constituem conditio sine qua non do Estado Constitucional Democrático. Gilmar Mendes, referindo-se ao pensamento de Konrad Hesse, afirma que pelos direitos fundamentais não são apenas assegurados direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.

Esse pensamento se coaduna com a observação de que, no caso do nosso Direito (Constitucional) Positivo, os princípios e as normas constantes do Título II da Constituição Federal de 1988 (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) apresentam uma interdependência para com aqueles princípios estruturantes do Título I do texto constitucional (Dos Princípios Fundamentais).

Como conteúdo, os direitos fundamentais expressam os valores considerados principais da nossa cultura, significando a própria dignidade humana. Assim correspondem ao continuum de direitos às condições mínimas de existência humana digna, que não podem ser objeto de intervenção do Estado, mas que, simultaneamente, demandam prestações estatais positivas. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais possuem a característica de direitos públicos subjetivos, ou seja, posições jurídicas ocupadas por seu titular perante o Estado.

A concepção de uma área intangível de direitos, que caracteriza as liberdades públicas negativas de limitação da atuação do Estado, provém, solenemente (e, de maneira prospectiva, constitucionalizada) da citada declaração de direitos e corresponde a uma primeira vertente de direitos fundamentais. São os chamados direitos de defesa.

Por seu turno, a segunda concepção diz respeito ao clamor da intervenção estatal, por meio de prestações assistenciais fulcradas nas necessidades da coletividade, com apoio nos ventos socialistas do século XIX. São, por assim dizer, mecanismos de imposição de prestação, por parte do Poder Público, de providências de índole social.

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Na segunda metade do século XX, cunhou-se uma terceira etapa de desenvolvimento na concepção dos direitos fundamentais, associando-os aos direitos humanos, como atributos inerentes a toda humanidade.

Dessa maneira, são identificadas três dimensões de direitos fundamentais, confiadas de acordo com a etapa de positivação nas esferas constitucional e internacional:

a. direitos de primeira dimensão, correspondentes aos direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, de cunho negativo, pois demarcam uma zona de não intervenção estatal;

b. direitos de segunda dimensão, atinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais, vertidos a prestações assistenciais positivas outorgadas ao indivíduo, por parte do Estado, caracterizando liberdades positivas e, também, “liberdades sociais”, como, por exemplo, a liberdade de sindicalização e o direito de greve, entre outros;

c. direitos de terceira dimensão, formulados como direitos de solidariedade e fraternidade, que se depreendem da figura do homem-indivíduo como seu titular. Transferindo essa titularidade à proteção de grupos humanos, enquadram-se como direitos coletivos e difusos (meio ambiente, relações de consumo etc.) e vinculam-se à proteção da dignidade humana.

Pode ser referida, ainda, uma quarta dimensão de direitos fundamentais, ainda não consagrada definitivamente, que, no dizer de Ingo Sarlet, corresponde à ideia de direitos fundamentais globalizados, tendenciais à democracia direta, à informação e ao pluralismo, defendida por Paulo Bonavides. Inclui-se na pauta de discussão dessa nova visão o chamado biodireito, em que se destacam as posições de direitos relacionados à manipulação genética, à mudança de sexo, entre outros.

Em um só esforço, os direitos fundamentais podem ser conceituados como normas jurídicas legitimadoras da ordem constitucional e como sublevação de direitos subjetivos, cujo escopo maior é a preservação da dignidade humana.

Esse é, no entanto, o paradigma básico de uma abordagem teorética dos direitos fundamentais. Um approach mais amplo e qualificado demanda a adoção de certos modelos referenciais formulados pela doutrina, em que várias perspectivas de focalização tem espaço, entre elas a filosófica, a histórica, a ética, a jurídica e a política, como aponta Bobbio. Apesar de a opção pela visão da dogmática jurídica ser a solução mais funcional para a abordagem do assunto, decerto, outros pormenores, oriundos de campos de formulação diversos, serão empregados na busca de uma contextualização que torne aptos os resultados, ao final, pretendidos.

Com efeito, alerta-se, ainda, para o fato de que os limites objetivos do estudo não comportam um cabedal de informações suficientemente profundo para esgotar os pontos e contrapontos aqui centrados, não raras vezes, afeiçoados de imensa complexidade, que inviabilizaria, inclusive fisicamente, o seu exaurimento

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temático, até mesmo em obras que cuidam, exclusivamente, do assunto, como é o caso confessional do magistral e multicitado trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet.

Como sabemos, os direitos e garantias funcionam como freios e limitadores ao poder do Estado ante as pessoas e entre elas, umas com as outras.

Se dividem em “direitos” propriamente ditos e garantias:

» direitos: são prerrogativas legais que visam concretizar a convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Representam, por si só, certos bens e vantagens prescritos na norma constitucional. Ex.: art 5o, III e IV. São também conhecidas como disposições meramente declaratórias, pois apenas imprimem existência legal aos direitos reconhecidos;

» garantias: destinam-se a assegurar a fruição desses bens. Os direitos são principais, as garantias são acessórias. Ex.: art. 5o, VI e XXXVII (direito: juízo natural; garantia: veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção). São disposições assecuratórias, pois se colocam em defesa dos direitos, limitando o poder do Estado ou de outra pessoa.

Em síntese, os direitos identificam-se pelo caráter declaratório e enunciativo, ao passo que as garantias caracterizam-se pelo seu caráter instrumental.

O rol de direitos e garantias inserido nesse tópico baliza e estrutura o convívio social, além de, ao mesmo tempo, por ser consagrado constitucionalmente, apresentar-se como marco perene a obstacular injusta investida do Estado ou de outro particular contra a liberdade, a segurança ou o patrimônio de outrem. O rol é constituído de direitos explícitos e implícitos. Estes últimos são “decorrentes do regime e dos princípios por ela [a constituição] adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Os explícitos, por sua vez, são de cinco categorias, cujos objetivos imediatos são a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade, já que o objeto mediato de todas é sempre a liberdade.

Assim dispostos, temos a proibição da pena de morte (inciso XLVII); a proteção à dignidade humana (inciso III), direitos que se referem à proteção do direito à vida. Por seu turno, o princípio da isonomia (art. 5o, caput e inciso I) constitui proteção ao direito à igualdade.

Há que se destacar, também, os direitos que visam assegurar a liberdade, tais como a liberdade de locomoção (incisos XV e LXVIII); de pensamento (incisos IV, VI, VII, VIII e IX); de reunião (inciso XVI); de associação (incisos XVII a XXI); de profissão (inciso XIII) e de ação (inciso II). Além desses, entre diversos outros, há os direitos à segurança e à propriedade.

Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo na sequência apresentada na própria Constituição, com alguns exemplos significativos.

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úNiCAuNiDADE

GaranTias e PrinCíPios ConsTiTuCionais, MaTeriais,

insTiTuCionais e ProCessuais

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CAPíTulo 1Garantias sociais, Jurisdicionais, Materiais e Processuais

direito à vida (caput)

O caráter jusfundamental da menção à vida resta intuitivo. Não bastasse a consagração de tal norma-princípio insculpida no caput do art. 5o da CF, o inciso XLVII do mesmo artigo ainda reafirma que “não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

À luz da interpretação sistêmica que se confere ao art. 5o e ao próprio princípio da dignidade humana, seria inconcebível que uma lei viesse admitir a prática de eutanásia ou a instituição de pena de morte no Brasil.

“O aborto também é vedado pelo ordenamento jurídico, salvo nos casos escetuados pela legislação penal – abortos terapêuticos (quando a gravidez gera risco à saúde da gestante) e humanitário ou sentimental (quando a gestação é decorrente de violência sexual), e no caso de fetos anencefálicos, conforme recente decisão do STF, na ADPF 54.”

Princípio da igualdade (caput e inciso i)

Preconiza o art. 5o que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] e que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. É certo que a igualdade pretendida não é sob o aspecto físico, econômico, social ou ideológico, pois assim somos todos diferentes. A igualdade pretendida pela Constituição visa assegurar a todos iguais possibilidades de manifestação de seus interesses. Nesse sentido, podemos diferençar a igualdade em:

» formal: na aplicação da lei, deve o magistrado ou intérprete esforçar-se em dar tratamento igualitário a todos de forma indistinta;

» material: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, com o objetivo de atingir a igualdade formal. Ex.: a diferença no tratamento dos incisos XVIII e XIX do art. 7o da CF ou o estabelecimento de cotas nas faculdades para negros.

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Princípio da legalidade (inciso ii)

Surge como princípio basilar do Estado de Direito para opor-se a toda e qualquer forma de poder arbitrário do Estado, sujeitando todos ao “império da lei”. Mais se aproxima de uma garantia constitucional do que propriamente de um direito individual.

Proibição de tortura, tratamento desumano ou degradante (inciso iii)

Visa assegurar a incolumidade física e mental das pessoas, proibindo, sob qualquer pretexto, a prática de tortura, seja pelo Estado ou por particular. Essa disposição é considerada pelo inciso LXIII desse mesmo artigo, crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Tortura é o sofrimento ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais, já tratamento desumano ou degradante é o rebaixamento de alguém, em geral o preso, a uma condição aviltante, desprezível, infame, sem, contudo, causar diretamente a dor insustentável. Nesse sentido, o inciso XLIX garante ao preso o direito à integridade física e moral.

Princípio da liberdade de expressão (inciso iX)

A liberdade de expressão não pode sofrer tipo algum de limitação prévia, no tocante à censura de natureza política, ideológica ou artística. Em verdade, trata-se de mero desdobramento do direito à livre liberdade de pensamento, só que agora voltado para a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

Da mesma forma que aquela, não está sujeita à censura prévia, porém se sujeitam algumas delas à regulamentação por lei específica, nos termos do art. 220, § 3o, que prevê o estabelecimento de critérios para espetáculos e diversões públicas, bem como para programação de rádio e televisão.

liberdade profissional (inciso Xiii)

Apesar da aparente liberalidade da norma, uma lei poderá restringir a sua aplicabilidade. Este dispositivo é exemplo clássico de norma de eficácia contida (ou redutível ou restringível).

Significa que a CF autoriza (ou determina) o legislador infraconstitucional a regulamentar as atividades profissionais, estabelecendo exigências convenientes ao exercício de cada uma. Com isso, apenas as pessoas que preencherem os requisitos instituídos para dada profissão estarão aptas a exercê-la.

A título de exemplo, para se exercer a profissão de advogado, exige a lei que o candidato possua graduação no curso de Direito, aprovação no Exame de Ordem da OAB, inscrição naquela instituição como advogado, tenha efetuado o pagamento de taxas à instituição etc. Já para a profissão de engraxate, como não há lei a instituir regras para o exercício da atividade, nenhuma qualificação se exige de alguém que queira praticar tal ofício. Com isso, é possível exercê-la de forma irrestrita, pautando-se, basicamente, na liberalidade da Norma Ápice.

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liberdade de informação (incisos XiV e XXXiii)

Visa o primeiro dispositivo assegurar a todos o acesso à informação e o direito a se informar, além de dar proteção ao profissional que tem por ofício o trato com a comunicação. Destarte, o jornalista fica desobrigado de declarar a origem da informação prestada em dada matéria jornalística. Também pelo mesmo dispositivo encontram-se resguardados outros profissionais que tratam com informações, a exemplo do advogado, que tem o direito-dever de manter sigilo sobre o conteúdo dos documentos e da conversa com seus clientes.

Já o segundo assegura o direito à informação constante em órgãos públicos. Salientamos que a CF instituiu tal obrigação apenas aos órgãos públicos, excluindo, por consequência, os organismos privados. Portanto, o Poder Público tem a obrigação de manter o cidadão constante e integralmente informado, municiando-o com todas as informações acerca das atividades públicas, bastando, para tanto, apenas a solicitação.

liberdade de locomoção (incisos XV e lXi)

Num primeiro plano, o direito de locomoção dentro do território nacional, que se insere no direito à liberdade, é a prerrogativa que qualquer pessoa tem de não ser presa ou detida arbitrariamente. As hipóteses que a própria Constituição estabelece para o cerceio da liberdade, em tempos de paz, são: flagrante delito ou decisão judicial. Nesse rumo, medidas como a chamada “detenção para averiguação” são claramente inconstitucionais.

Noutro plano, há que se considerar o direito de entrar ou sair do território nacional com os seus bens. Nessa hipótese há a possibilidade de outras restrições de natureza infraconstitucional, como a concessão ou não de visto de entrada e permanência, além da tributação desses bens.

Conveniente ressalvar, no entanto, que a Administração Pública pode limitar temporariamente ou restringir o direito de locomoção: impedindo temporariamente, com barreiras policiais, a passagem de veículos numa rodovia ou proibindo o trânsito para caminhões em outras.

direito de propriedade (incisos XXii a XXVi)

David Araújo e Nunes Júnior definem o direito de propriedade como “o direito subjetivo que assegura ao indivíduo o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer esta faculdade contra todos que eventualmente queiram a ela se opor”.

Já mencionamos que os princípios constitucionais se articulam num sistema que se limita reciprocamente. O direito de propriedade, por excelência, sofre, além dessas, outras limitações estabelecidas pela própria Constituição, na medida em que esta encara a propriedade como utensílio alavancador de bem-estar social.

Por isso, se observa que, enquanto o inciso XXII dispõe que “é garantido o direito de propriedade”, o inciso imediatamente seguinte o restringe, estabelecendo que “a propriedade atenderá a sua função social”. O conceito de função social está insculpido nos art. 182, § 2o e 186 da Norma Maior.

Outra limitação a tal direito é a possibilidade de desapropriação por interesse público. Nesse caso, a propriedade particular é transferida, por ato de exclusiva vontade do Estado, ou para ele próprio, ou para

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entidade de caráter público, sempre que haja necessidade ou interesse público ou social. Essa transferência, porém, há de ser indenizada pelo justo valor, caso contrário configura confisco. Apresenta natureza mais identificada com os princípios da ordem econômica do que de direito individual.

No inciso XXV, prevê-se a possibilidade de requisição pelo Estado de propriedade imobiliária particular, alheia à concordância do proprietário, em caso de iminente perigo público (enchentes, desastres etc.), assegurada ulterior indenização, caso ocorra dano ao imóvel. Nesse caso não há desapropriação, logo não há que se pagar pelo imóvel. A requisição tem caráter temporário, retornando o bem às mãos do proprietário logo que cessar a necessidade.

direito de petição e certidão (inciso XXXiV)

A Constituição isenta do pagamento de taxas o direito de petição e certidão. Trata-se de direito líquido e certo de se obter certidões expedidas pelas repartições públicas, seja para a defesa de direitos, seja para esclarecimentos de situações de interesse próprio ou de terceiros. Como exemplo tem-se o direito de o servidor público obter certidão perante a autoridade administrativa com fins de requerer a sua aposentadoria.

O direito de petição, mais específico, pode ser utilizado tanto para reclamar providências da Administração quanto para denunciar ilegalidade ou abuso de poder. Assim, por exemplo, pode prestar-se para denunciar uma atividade poluente praticada por dada indústria ou para cobrar o conserto de uma rede de esgoto que transborda.

Princípio da inafastabilidade da jurisdição (inciso XXXV)

É o “direito a ter direitos”. Coroamento do Estado Democrático de Direito, a possibilidade de exercer amplamente o chamado direito de ação é assegurada pela prévia existência da jurisdição estatal.

Liebman define jurisdição como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica”. Significa isso que o Estado chamou para si, como atividade privativa do Poder Judiciário, a atribuição de dizer o direito, com vistas à solução dos conflitos. Por esse motivo, não poderá lei restringir ou dificultar o acesso ao Poder Judiciário porque assim agindo estaria o Estado furtando-se ao cumprimento de um dever que é manifestação da sua própria soberania.

Exceção parcial a essa regra é a hipótese contida no art. 217, que prevê que as matérias de natureza desportiva, antes de chegarem ao Judiciário, deverão ser apreciadas pela Justiça Desportiva.

Não se confunde com o direito de petição, pois enquanto este está voltado para o exercício da cidadania, em que não é necessário demonstrar lesão ou ameaça a direito, o direito de ação antevê, de pronto, a lesão ou ameaça ao direito praticada por pessoa certa e determinada.

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segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos (inciso XXXVi)

Inscrevendo limitações à retroatividade da lei, reza a Constituição que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Tanto as relações jurídicas quanto as decisões judiciais necessitam da garantia de que não serão modificadas no futuro, a despeito de uma das partes, para prejudicá-la, afinal, o que foi acertado ou decidido deve ter caráter definitivo. Balizada nesse ideal, estabeleceu a Constituição o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Quanto à coisa julgada, não há necessidade de maiores questionamentos, pois seu conceito é simples: trata-se de decisão judicial da qual não caiba mais recurso. As dúvidas permeiam o campo conceitual do que seria direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Assim, direito adquirido é o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua propriedade, já constitui um bem que deve ser judicialmente protegido contra qualquer ataque exterior que ouse ofendê-lo ou turbá-lo. Esse conceito decorre da Teoria de Gabba.

Há ainda outro conceito que advém da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trazido pelo art. 6o, § 2o, que considera adquiridos “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Ato jurídico perfeito, por sua vez, é o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Não se trata aqui de direito consumado, situação consumada, que, segundo José Afonso da Silva, também é inatingível pela lei nova, por ser “direito mais do que adquirido, direito esgotado”.

A diferença do direito adquirido para o ato jurídico perfeito é que, no caso do primeiro, o direito é gerado pela lei, enquanto no segundo o direito deriva de um negócio jurídico formado de acordo com a lei. Assim, o ato jurídico perfeito é aquele ato jurídico que preencheu todos os seus requisitos de existência.

Princípio do juiz natural (incisos XXXVi e liii)

Tais dispositivos pretendem evitar que, por alguma razão circunstancial, se crie instituição com atribuição jurisdicional alheia à estrutura judiciária existente, objetivando julgar pessoas em detrimento da justiça instituída, ou que se utilize algum procedimento extravagante em um tribunal já existente, de forma a criar privilégio não previsto em lei.

Ambos os incisos visam caracterizar o denominado juízo natural ou, em outras palavras, o juízo ou tribunal pré-constituído, há tempos já consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos Humanos como garantia da independência e imparcialidade das decisões. Com isso, pretende-se afastar oportunismos ou conveniências políticas de mau agouro a pretender decisões convenientes, seja pela severidade seja pela benevolência do julgamento.

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Princípio da legalidade e da anterioridade da lei (incisos XXXiX e Xl)

O primeiro inciso diz respeito à regra nullun crimen nulla poena sine praevia lege. Intrinsecamente ligado aos princípios da legalidade e da anterioridade da lei, encontramos o princípio da irretroatividade da lei penal, que impede a aplicação de lei de forma a retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência. Entretanto, quando for para beneficiar o réu, a lei mais branda terá efeito retroativo, seja para descriminalizar a conduta, seja para atenuar a pena ou o regime de cumprimento.

Garantias contra práticas discriminatórias, crimes inafiançáveis e imprescritíveis ou insuscetíveis de graça ou anistia (incisos Xli a XliV)

Bloco de garantias constitucionais atinentes à função de não discriminação que exercem os direitos fundamentais, dos quais destacamos:

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Vedação à pena de morte e às penas degradantes e desumanas (inciso XlVii)

Considerados desdobramentos dos princípios da dignidade humana e do direito à vida, os dispositivos indicam que não “não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada [...]; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis”, em sintonia como o sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Princípio do devido processo legal (incisos liV, lV e lVi)

É uma base principiológica derivada do clássico primado do due process of law, calcada na garantia básica da “igualdade de armas” em um processo conduzido pelo Poder Público, seja jurisdicional, seja administrativo. De sua noção básica derivam outras importantes garantias processuais constitucionais.

Visa, sobretudo, assegurar às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais na defesa dos seus direitos em juízo, bem como o regular exercício da jurisdição estatal. É o direito a um procedimento adequado e inerente a todas as pessoas, indistintamente.

Princípios intimamente relacionados com o princípio do devido processo legal são os da ampla defesa e do contraditório, insculpidos no inciso LV. Visam assegurar às partes o direito de opor-se (contraditar)

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aos argumentos apresentados pelo ex-adverso, bem como a oportunidade de apresentar a sua versão dos fatos para a adequada avaliação (julgamento) pelo Judiciário. O exercício da ampla defesa está relacionado à plena produção probatória, ou seja, à utilização de todos os meios de prova em direito admitidos.

Em tese, não será admitida no processo a prova obtida por vias ilícitas (inciso LVI). Em outras palavras, há provas que são tidas como ilícitas para o processo em geral, todavia, em se tratando de ação penal, a plenitude do direito de defesa admitirá tais provas como lícitas, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Garantias contra a prisão ilegal (incisos lXV a lXVii)

Pelo espírito norteador da Constituição Federal em matéria penal, alguém só será considerado culpado após todo o trâmite processual, respeitados o contraditório e a ampla defesa, a culminar com a condenação transitada em julgado.

Determina a CF que deve ser posto em liberdade aquele que, mesmo preso em flagrante, ainda não foi julgado pelo crime do qual é acusado, desde que atenda a algumas prerrogativas estabelecidas em lei. Genericamente falando, essas prerrogativas levam em conta a primariedade do acusado e a potencialidade ofensiva do delito praticado. Assim sendo, verifica-se que o encarceramento é pretendido como resultado de pena pela prática de delito. Esse é o motivo de não se admitir a prisão por dívida, que tem natureza civil.

Previu, entretanto, a CF a prisão civil em duas hipóteses: pelo descumprimento voluntário de obrigação alimentícia ou pela infidelidade depositária. No primeiro caso, busca-se resguardar outro bem mais significativo: a subsistência do alimentando. Em relação à prisão do depositário infiel, não mais existe, conforme o enunciado da Súmula 25 do STF e 419 do STJ, razão pela qual hoje há, apenas, a prisão civil daquele que descumpre voluntariamente a obrigação de pagar pensão alimentícia.

direitos fundamentais de caráter processual

As implicações do primado da rule of law e da noção do devido processo encerram a necessidade de proteção judicial a um leque de direitos que não se restringem, apenas, a proclamar direitos subjetivos, que mas dirigem, outrossim, a efetivá-los.

No sentir de Gilmar Mendes, Paulo Gonet e Inocêncio Mártires Coelho, esses direitos seriam designados como direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais processuais, expressões análogas àquela empregada pela doutrina alemã (Justizgrundrechte).

É preferível, no entanto, falar em direitos fundamentais de caráter processual ou em garantias constitucionais processuais, por serem aplicáveis, de igual sorte, no processo administrativo, como bem ressalvam os autores citados.

Certo é que o sistema de garantias constitucionais consagrado pela Constituição de 1988 transcende o âmbito de proteção judicial e engloba quatro grandes grupos: I) as garantias materiais; II) as garantias

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jurisdicionais; III) as garantias processuais e IV) as garantias tributárias. Interessa-nos mais de perto os três primeiros grupos, que serão identificados por exemplos.

direitos fundamentais consistentes em garantias materiais

Entre as garantias materiais podemos articular os princípios da anterioridade e da reserva da lei penal, corolários do próprio primado da segurança jurídica. Nesse grupo de garantias, inscrevem-se, ainda, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, o princípio da personalização da pena e o princípio da individualização da pena.

Constitui, também, garantia constitucional material a proibição das seguintes penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e as consideradas cruéis.

Também, em matéria de pena, constituem garantias os princípios relativos à execução da pena privativa de liberdade, em que o Estado deve zelar pela elaboração de políticas penitenciárias que visem, além do caráter retributivo da pena, à ressocialização do preso. Podemos apontar as seguintes garantias decorrentes: o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; o respeito à integridade física e moral e o direito das presidiárias de permanecerem com os seus filhos durante o período de amamentação. Por fim, as restrições à extradição de nacionais e estrangeiros e a proibição da prisão civil por dívidas, salvo no caso de devedor de pensão alimentícia ou do depositário infiel, são outros exemplos de garantias materiais constitucionais.

direitos fundamentais consistentes em garantias jurisdicionais

A proteção judicial efetiva corresponde à base principiológica da atuação do Judiciário independente. São exemplos de garantias constitucionais jurisdicionais: o princípio da inafastabilidade ou do controle do Poder Judiciário; a proibição dos tribunais de exceção; o julgamento pelo tribunal do júri em crimes dolosos contra a vida; o princípio do juiz natural ou do juiz competente; o princípio do promotor natural e o dever de motivação das decisões judiciais.

direitos fundamentais consistentes em garantias tipicamente processuais

Esse grupo de garantias abrange não apenas o processo judicial, mas também os atos da Administração Pública. Em sentido genérico, estão diretamente associados ao princípio do devido processo legal e podem ser elencados como princípios do contraditório e da ampla defesa; da proibição de prova ilícita; da presunção de não culpabilidade; da publicidade dos atos processuais e da legalidade e da comunicabilidade das prisões.

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CAPíTulo 2a QuestÃo dos direitos FundaMentais nas reLaÇÕes PriVadas

Historicamente, sempre foi de extrema relevância a separação entre o Direito Privado e o Direito Público. A ideia de propriedade no Direito Romano chegava a ser absoluta, incluindo o domínio do pater familiae tanto sobres os objetos como sobre as pessoas sujeitas ao seu corpo familiar. Em uma visão mais clara, o destinatário das normas constitucionais, restritas às matérias atinentes à estruturação do Estado, seria o legislador ordinário, a quem incumbiria disciplinar as relações privadas por meio do Código Civil1.

Esta visão de direito começa a ser alterada no início do século XX, na Europa, e após os anos 30, no Brasil, com maior intervenção do Estado na economia e a restrição à autonomia privada, que se associa ao fenômeno do dirigismo contratual2.

Tal raciocínio também poderia ser incorporado à questão dos direitos fundamentais. Segundo Carl Schmitt, os direitos fundamentais são vistos, inicialmente, como direitos do homem livre e isolado em face do Estado3. Tal concepção, apoiada na visão liberal predominante dos séculos XVIII e XIX, também sofre com a intervenção estatal acima mencionada, cujo principal marco foi a Constituição de Weimar, de 1919.

No Brasil, a primeira Constituição a tratar de direitos sociais, também conhecidos como de segunda geração, é a de 1934. Entretanto, a Constituição que mais trouxe avanços na questão dos direitos fundamentais e suas relações privadas foi a de 1988.

Para se ter uma noção de como as relações privadas tiveram uma forte influência na questão relativa aos direitos fundamentais, apenas para se ater no art. 5o, o constituinte tratou da matéria nos seguintes incisos:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[...]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;[...]

1 TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 2.

2 TEPEDINO, op. cit., p. 3.

3 SCHMITT apud BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, p. 561.

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XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;[...]

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;[...]

XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;[...]

O rol acima mencionado não inclui os direitos e garantias originários da liberdade individual ou os relativos aos direitos do cidadão contra o Estado nem os chamados direitos sociais, cuja intervenção passou a determinar a tendência de intersecção entre direito público e privado, mais especialmente no direito de trabalho, hoje entendido com uma terceira via entre a dicotomia acima apontada.

Nesses incisos, percebe-se que o constituinte passa a se preocupar com determinadas consequências advindas exclusivamente das relações privadas; consequências estas que serão abordadas de forma mais detalhada.

liberdade de pensamento

É livre a liberdade de pensamento, não sendo admitida censura prévia em diversões ou espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação de pensamento sujeitam os autores à responsabilização civil e até penal.

É um dos típicos casos de colisão entre princípios o fato de a liberdade invadir a honra, a intimidade e a privacidade, bens jurídicos igualmente assegurados constitucionalmente.

direito de resposta

A Carta Magna em seu art. 5o, inciso V, previu um remédio contra o abuso praticado por particulares, garantindo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem. Na verdade, o constituinte evoluiu do pensamento existente na Constituição anterior, que, no §8o do art. 153, garantia apenas o direito de resposta4.

A imprensa acabou tornando-se a maior destinatária da regra prevista no inciso mencionado. A Lei de Imprensa (no5.250/67) teve dois artigos não recepcionados pela Constituição, conforme decisões do

4 § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.

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Supremo Tribunal Federal. Tanto o art. 525, que tratava da limitação da indenização, como o 566, que versava sobre o curto prazo decadencial para ajuizamento da ação, não foram recebidos pela Constituição sob o argumento de que o dano moral, inovação constitucional, é incompatível com qualquer limite tarifado, segundo o que determina a Lei de Imprensa, interpretando-se, ainda, que o disposto no inciso V não pode sujeitar-se ao prazo decadencial de três meses, conforme dispôs o Ministro Carlos Velloso em seu voto como relator no leading case sobre a questão7.

No tocante ao direito de resposta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é parte ilegítima no polo passivo o jornalista que escreve a matéria, devendo ser preenchido pela empresa de informação ou divulgação8.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o texto do inciso X. Nenhuma outra Constituição brasileira versou sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. Mais do que mencionar tais temas e elevá-los ao status de direito fundamental, o inciso X reformula a noção de dano moral, assim como o inciso V.

Antes de 1988, o dano moral possuía previsão infraconstitucional, todavia circunscrito à questão da indenização por algum dano causado conforme regulamentado no art. 53 da Lei de Imprensa9. Com o dispositivo constitucional, os tribunais passaram a disciplinar o dano moral, haja vista que o Código Civil de 1916 não tratava do assunto, que só veio a aparecer no Códex de 2002, em seu art. 186.

Um voto marcante na conceituação do dano moral foi o do relator, à época desembargador do TJRJ, Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento da Apelação Cível no 3.059/1991, que recolhe vários exemplos doutrinários sobre o dano moral:

5 “Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida nos termos do art. 52 da Lei no 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente” (RE no 447.584, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 28.11.2006, DJ de 16 mar. 2007).

6 “Dano moral: ofensa praticada pela imprensa. Decadência: Lei no 5.250, de 9-2-67 — Lei de Imprensa — art. 56: não recepção pela CF/88, art. 5o, V e X. O art. 56 da Lei no 5.250/1967 — Lei de Imprensa — não foi recebido pela Constituição de 1988, art. 5o, incisos V e X” (RE no 420.784, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25 jun. 2004). No mesmo sentido, RE no 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004.

7 RE no 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004. Inteiro teor do julgamento em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=348827&classe=RE>.

8 “[...] O pedido judicial de direito de resposta previsto na lei de impressa deve ter no polo passivo a empresa de informação ou divulgação, a quem compete cumprir a decisão judicial no sentido de satisfazer o referido direito, citado o responsável nos termos do § 3o do art. 32 da Lei no 5.250/1967, sendo parte ilegítima o jornalista ou o radialista envolvido no fato. Falta interesse recursal ao requerido pessoa física, já que, no caso concreto, o juiz de Direito proferiu decisão condenatória apenas no tocante à empresa de radiodifusão. O não conhecimento da apelação do requerido pessoa física, hoje deputado federal, implica a devolução dos autos ao tribunal de origem para que julgue a apelação da pessoa jurídica que não tem foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal. [...]” (Pet. no 3.645, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 20.2.2008, DJE de 2 de maio 2008).

9 Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:

I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível

fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido

de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido.

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Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio10.

A questão se apontava com tal novidade no Direito brasileiro que o Superior Tribunal de Justiça sumulou a possibilidade de cumulação entre dano moral e dano material decorrentes do mesmo fato11.

José de Aguiar Dias distingue o dano moral do patrimonial informando que a diferença não decorre da natureza do direito, bem, ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão sobre o lesado12. Ressalte-se que o dano material nunca é irreparável, pois se pode restaurar a situação anterior, ou se pagar o equivalente pelo desfalque, enquanto no dano moral ocorre uma diversidade de prejuízos que o envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais, resultando em uma confusão entre a pena a ser aplicada e a indenização a ser recebida13.

Álvaro Villaça Azevedo arrola como exemplos de bens materiais o imóvel, o animal, a soma em dinheiro, enquanto a honra, a vida e a liberdade podem ser tachados de bens imateriais14. Assim, se o dano se dirigir ao bem material, o dano será material, se ao bem imaterial, o dano será moral15.

Uma discussão levantada com o inciso X do art. 5o, é a de que só caberia dano moral nas hipóteses taxativas da Constituição. A experiência jurisprudencial tem derrubado essa ideia e permitido a aplicação de indenização por dano moral a situações além das meramente trazidas no inciso. Entretanto, as indenizações por dano moral não se transformaram em uma possibilidade irrestrita de aplicação, tendo os tribunais limitado a sua interpretação de acordo com o caso concreto.

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, entende que o dano moral é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agrede seus valores, que humilha ou causa dor, não se incluindo aí meras situações desagradáveis16. Tal entendimento também está presente no Superior Tribunal de Justiça17, que não admite a condenação por dano moral quando há simples incômodo comum, decorrente da vida cotidiana18.

10 TJRJ, RDA 185/198, AC no 3.059/1991, Rel. Des. Carlos Alberto Direito.

11 Súmula 37: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

12 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 992.

13 DIAS, op. cit., p. 993.

14 Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos: artigos 104 a 188, volume II, coordenador Álvaro Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 357.

15 Idem, ibidem.

16 “O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável” (RE no 387.014-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 8.6.2004, DJ de 25 jun. 2004).

17 “Dano moral. Extravio de bagagem. Retorno ao local de residência. Precedentes da Terceira Turma. 1. Já decidiu a Corte que não se justifica a ‘reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo de adquirir roupas e objetos pessoais’ (REsp no 158.535/PB, Rel. para o acórdão o Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 9 out. 2000; no mesmo sentido: REsp no 488.087/RJ, da minha relatoria, DJ de 17 nov. 2003). 2. Recurso especial conhecido e provido (Resp no 740.073/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3a Turma, j. em 25.10.2005, DJ de 6 mar. 2006, p. 385).

18 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. BANCO. SAQUE FRAUDULENTO NA CONTA DE CORRENTISTA. DANO MORAL. O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a condenação do banco por omissão de vigilância. Todavia, por maior que seja o incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não justifica reparação por dano moral. Recurso não conhecido. (REsp no 540.681/RJ, Rel. Min. Castro Filho, 3a Turma, j. em 13.9.2005, DJ de 10 out. 2005, p. 357).

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Uma das maiores dificuldades na configuração do dano moral está no quantum debeatur, ou seja, na definição do valor a ser indenizado, haja vista a falta de materialização do dano. Muitas dessas ações acabam sendo resolvidas no Superior Tribunal de Justiça, que tem-se manifestado no sentido de que os tribunais de segunda instância são livres para definir o valor da indenização, havendo o cabimento de recurso especial ao STJ apenas na hipótese de o valor do dano ser determinado como ínfimo ou excessivo19, o que impede que o dano moral seja uma força motriz para o enriquecimento ilícito daquele que sofreu o dano20, e respeita o disposto no Código Civil, que faz essa previsão em seu art. 94421.

“Com o julgamento da ADPF 130, em abril de 2009, o STF declarou que a lei de imprensa (5.250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional”.

intimidade e vida privada

O constituinte expressamente previu a proteção da intimidade como garantia fundamental, trazendo de forma antecipada na Carta Magna um conceito que não havia, à época, na legislação infraconstitucional.

Com a intimidade, o constituinte tratou da vida privada. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que:

Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, o conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc22.

A delimitação do direito à vida privada possui uma característica complexa, haja vista a diversidade de povos, crenças, sendo alguns comportamentos tolerados por uns e repudiados por outros. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que a vida privada é o refúgio impenetrável pela coletividade, é o direito de viver a própria vida em isolamento, não sendo submetido à publicidade que não provocou, nem desejou23.

Com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça condenou empresa jornalística ao pagamento de dano moral por ter divulgado o nome completo e o bairro onde morava uma determinada vítima de

19 “DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. 1. A revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. 2. Agravo regimental desprovido”. (RCDESP no Ag. no 1.028.443/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4a Turma, j. em 18.12.2008, DJe de 2 fev. 2009).

20 “CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPOSITIVOS PROCESSUAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. APOSENTADO. VEDAÇÃO DE ACESSO A EDIFÍCIO QUE ABRIGA ENTIDADE BANCÁRIA. DANO MORAL. ATO ILÍCITO SUFICIENTE PARA GERAR INDENIZAÇÃO. REEXAME DOS FATOS. QUANTUM RESSARCITÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO. SÚMULAS N. 282 E 356-STF E 7-STJ. I. As questões federais não enfrentadas pelo tribunal estadual recebem o óbice das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso especial. II. A conclusão de que o ato lesivo é suficiente para consubstanciar dano moral indenizável depende do reexame do conteúdo fático da causa, vedado pela Súmula n. 7-STJ. III. Constatado flagrante excesso na fixação do valor da indenização concedida a título de reparação, impõe-se a sua redução a patamar razoável, afastado o enriquecimento sem causa. IV. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido”. (REsp no 628.490/PA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4o Turma, j. em 7.8.2007, DJ de 8 out. 2007, p. 287).

21 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 35.

23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 147.

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estupro24. Da mesma forma, o STJ entendeu cabível indenização contra empresa telefônica por divulgação, sem autorização, de anúncio comercial de serviços de massagem em suas páginas amarelas25.

No esteio do raciocínio do conceito acima mencionado, não há ofensa ao direito à intimidade quando a própria pessoa provocou ou desejou a situação. Se alguém se coloca de topless em uma praia, não pode pedir indenização por danos morais em razão de divulgação de sua foto na imprensa26.

Todavia, a vida privada não se resume ao direito à intimidade, podendo ser entendida como gênero composto pelas espécies direito à intimidade e direito ao sigilo.

O direito ao sigilo é, sem dúvida, um dos grandes desafios constitucionais. O constituinte apenas tratou expressamente dos sigilos de correspondência, dados, telegráfico e telefônico no inciso XII do art. 5o. Todavia, como esses sigilos são mais relacionados ao direito público, não será feita a devida abordagem no presente estudo. Ressalte-se que o inciso disciplina a quebra instantânea e não meramente eventuais registros telefônicos, com as informações das ligações efetuadas, cujo tratamento também fica adstrito ao inciso X27.

Além dos sigilos acima mencionados, estão presentes outros segredos implícitos, que ganharam corpo com a evolução da interpretação constitucional, entre eles o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

A primeira discussão acerca desses sigilos está na sua limitação. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que tais sigilos não são absolutos, devendo ceder aos interesses público, social e da Justiça, sendo observados os ditames legais e as regras de razoabilidade28.

24 “DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO. Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00. Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp no 717.457-PR, DJ 21 de maio 2007; REsp no 822.914-RS, DJ de 19 jun. 2006; REsp. no 818.764-ES, DJ de 12 mar. 2007; REsp no 295.175-RJ, DJ de 2 abr. 2001, e REsp no 213.811-SP, DJ 7/2/2000. REsp no 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26.2.2008.

25 “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO. LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de serviços telefônicos caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema jurídico atual, não se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade, entre eles a intimidade, imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido”. (REsp 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4a Turma, j. em 16.09.2003, DJ de 6 out 2003, p. 280).

26 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso especial não conhecido”. (REsp no 595.600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4a Turma, j. em 18.03.2004, DJ de 13 set. 2004, p. 259).

27 “[...] VII - A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei no 9.296/1996 (que regulamentou o inciso XII do art. 5o da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução processual penal. [...]”(RMS no 17.732/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma, j. em 28.6.2005, DJ de 01 ago. 2005, p. 477).

28 “O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes” (AI no 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 4.9.2007, DJ de 28 set. 2007).

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A Suprema Corte também decidiu que tanto o sigilo bancário como o fiscal só podem ser quebrados por via judicial, o que impossibilita a atuação meramente administrativa29. O juiz, no momento da decretação deve estipular claramente os limites da quebra, a fim de que não haja invasão à privacidade do indivíduo30.

A última questão polêmica acerca do direito à intimidade e à vida privada está na possibilidade de serem realizadas gravações ambientais, sejam elas de áudio ou de vídeo. Discute-se a hipótese de tais gravações estarem invadindo a privacidade do indivíduo e, com isso, ofende o art. 5o, X, da Constituição Federal. As câmeras são exemplos disso. Elas são cada vez mais comuns em estabelecimentos comerciais e começam a ser utilizadas pelas autoridades públicas, seja para coibir infrações de trânsito, seja para prevenir e reprimir a prática de crimes. Com acessibilidade cada vez maior aos meios de gravação, mais e mais pessoas se utilizam de tais métodos para comprovar determinadas situações ou, até mesmo, para se defender de eventuais ameaças.

A pergunta que se faz é: isso é legal? O STF entende plenamente constitucional a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, podendo ser usada como meio de prova31. Do mesmo modo, não há ilegalidade nas gravações clandestinas, tão comumente mostradas nos telejornais32, podendo ser feitas tranquilamente em lugares de frequentação comum, não sendo possível a gravação dentro da residência do indivíduo sem sua autorização33.

29 “Possibilidade de quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa sem prévia autorização do Judiciário. Recurso extraordinário provido monocraticamente para afastar a aplicação do art. 8o da Lei no 8.021/1990 (‘Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro de 1964’) e restabelecer a sentença de primeira instância. A aplicação de dispositivo anterior em detrimento de norma superveniente, por fundamentos extraídos da Constituição, equivale à declaração de sua inconstitucionalidade” (RE no 261.278-AgR, Rel. para o acordão Min. Gilmar Mendes, j. em 1o. 4.2008, DJE de 1o ago. 2008).

30 “A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, entre outros dados essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes” (HC no 84.758, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 25.5.2006, DJ de 16 jun. 2006).

31 “É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-prefeito, atual deputado federal, e outra, pela suposta prática do delito de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei no 201/1967, art. 1o, XIV) [...]. Asseverou-se que a gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-secretária municipal, seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-prefeito [...]. Vencidos, no que tange à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita” (AP 447, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 18.2.2009, Plenário, Informativo no 536).

32 “Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. [...] A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público” (HC no 87.341, Rel. Min. Eros Grau, j. em 7.2.2006, DJ de 3 mar. 2006).

33 “AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5o, X, CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6o DA LEI NO 8.038/1990. I – A análise da licitude ou não da gravação de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada caso a caso. II – Quando a gravação se refere a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação, a atuação deste – em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de ilicitude (a par da quaestio do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação (precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material, sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de participante do diálogo (art. 5o, X, CF). III – A atuação do Ministério Público no inquérito civil tem previsão legal (art.

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Honra

A honra tem estreita ligação com a privacidade. Enquanto esta resguarda o que compõe a intimidade, aquela protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa fama social. Dessa forma, a honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade34.

A honra se divide em honra objetiva e a honra subjetiva. Enquanto a objetiva diz respeito à reputação que a coletividade dedica a alguém, a subjetiva trata do próprio juízo valorativo que determinada pessoa faz de si mesmo35.

Ambas as formas de violação da honra são admitidas, ensejando eventual indenização pelo fato. Ressalte-se que a ofensa à honra pode ensejar, inclusive, a persecução criminal pela prática da injúria.

A proteção à honra fez com que o legislador, na edição do Código Civil, previsse em seu art. 20 o que segue:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Assim, a permisão do legislador, conforme disposto no artigo transcrito, se restringe à autorização do indivíduo, à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Desse modo, a lei ordinária limita expressamente o caráter absoluto do direito à proteção da honra.

O direito à proteção da honra também entra em conflito ao ser analisado com a liberdade de imprensa, também elevada ao status de garantia constitucional. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a crítica a uma pessoa pública não significa ataque à honra36.

8o, § 1o, Lei no 7.347/1985). Tal não se confunde com a situação do inquérito criminal envolvendo magistrado de segundo grau (art. 33, parágrafo único, LOMAN). IV – No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída. V – Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta de justa causa” (Apn no 479/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. em 29.6.2007, DJ de 1o out. 2007, p. 198).

34 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 149.

35 Idem, ibidem.

36 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO. REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis concretamente. 3. Respaldado nas disposições do § 2o do art. 7o da Lei no 8.906/1994, pode o advogado manifestar-se, quando no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao juiz. 4. Recurso especial de Sérgio Bermudes conhecido e provido. Recurso especial da empresa CRBS S/A Cuiabana conhecido em parte e provido”. (REsp no 531.335/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. em 2.9.2008, DJe de 19 dez. 2008).

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Entretanto, quando a notícia divulgada extrapola o limite da informação, ofendendo a honra do indivíduo 37, ou é mentirosa38, surge o direito à indenização pelo dano moral causado.

Até mesmo as imunidades previstas em lei e pela Constituição não são absolutas se ofendem a honra do indivíduo. Advogado que ofende juiz ou promotor de Justiça responde pelos seus atos39, tanto civil como criminalmente, mesmo com a imunidade prevista no Estatuto dos Advogados e a inviolabilidade constitucional do art. 133.40 A mesma regra se dá aos deputados e senadores, cuja imunidade material não permite que a ofensa ultrapasse os limites naturais de seu trabalho parlamentar41.

37 “RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO – LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO – DIREITOS RELATIVIZADOS PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS – VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REVISÃO PELO STJ – POSSIBILIDADE – VALOR EXORBITANTE – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I – A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. II – A revisão do entendimento do tribunal a quo acerca da não veracidade das informações publicadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviamente, demandaria revolvimento dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. III – É certo que esta Corte Superior de Justiça pode rever o valor fixado a título de reparação por danos morais, quando se tratar de valor exorbitante ou ínfimo. IV – Recurso especial parcialmente provido” (REsp no 783.139/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 4a Turma, j. em 11.12.2007, DJ de 18 fev. 2008, p. 33).

38 “Civil. Recurso especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da acusação.

– A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança – fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação relacionada à atividade política do autor.

– A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode em tese ser aceitável quando a informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele que se candidata a cargo eletivo.

– Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é, ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação declaratória já transitada em julgado.

– Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, como ônus de seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso especial conhecido e provido” (REsp no 1.025.047/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em 26.6.2008, DJe de 05 ago. 2008).

39 “Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Precedentes. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato ilícito praticado. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde diretamente pelos danos causados. O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas. Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos” (REsp no 1.022.103/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em 17.4.2008, DJe de 16 maio 2008).

40 “EMENTA: Advogado: imunidade judiciária (CF, art. 133; C. Penal, art. 142, I; EAOAB, art. 7o, § 2o): não compreensão do crime de calúnia. 1. O art. 133 da Constituição Federal, ao estabelecer que o advogado é ‘inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão’, possibilitou fosse contida a eficácia desta imunidade judiciária aos ‘termos da lei’. 2. Essa vinculação expressa aos ‘termos da lei’ faz de todo ocioso, no caso, o reconhecimento pelo acórdão impugnado de que as expressões contra terceiro sejam conexas ao tema em discussão na causa, se elas configuram, em tese, o delito de calúnia: é que o art. 142, I, do C. Penal, ao dispor que ‘não constituem injúria ou difamação punível [...] a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador’, criara causa de ‘exclusão do crime’ apenas com relação aos delitos que menciona – injúria e difamação –, mas não quanto à calúnia, que omitira: a imunidade do advogado, por fim, não foi estendida à calúnia nem com a superveniência da L. 8.906/1994, – o Estatuto da Advocacia e da OAB –, cujo art. 7o, § 2o, só lhe estendeu o âmbito material – além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o C. Penal –, ao desacato (tópico, contudo, em que teve a sua vigência suspensa pelo tribunal na ADInMC no 1.127, 5.10.94, Brossard, RTJ 178/67)” (HC no 84.446, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1a Turma, j. em 23.11.2004, DJ de 25 fev. 2005, PP-00029, EMENT. VOL-02181-01, PP-00130, RTJ VOL-00192-03, PP-00974, LEXSTF, v. 27, n. 316, 2005, p. 439-449, RMDPPP, v. 1, n. 4, 2005, p. 124-131).

41 “EMENTA: I. Imunidade parlamentar material: extensão. 1. Malgrado a inviolabilidade alcance hoje ‘quaisquer opiniões, palavras e votos’ do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que, pelo conteúdo e o contexto em

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Assim, sendo, a honra, cuja proteção já existia antes da Constituição Federal, por meio da Lei de Imprensa, conforme visto anteriormente, continua tendo a proteção dos tribunais, que cada vez mais delimitam a forma de como ela deve ser tratada no meio jurídico.

imagem

De todos os direitos de personalidade tratados pela Constituição, o direito à imagem foi aquele que mais evoluiu, principalmente em face dos avanços tecnológicos, seja pelos novos meios de comunicação, seja pelo exponencial crescimento da televisão.

O direito à imagem corresponde à reprodução fisionômica do indivíduo e as sensações, bem assim como as características comportamentais que o tornam particular, destacado nas relações sociais. Sendo assim, a imagem pode ser caracterizada por uma fotografia, por uma pintura, um desenho, um filme, uma caricatura ou até por um atributo específico42.

A proteção a esse direito adentrou também no tratamento dos direitos autorais, haja vista que o artista depende muitas vezes da sua imagem para manter-se ligado ao sucesso. Paralelo ao direito de imagem, tem-se o chamado direito de arena, que é o direito de transmissão e retransmissão de evento esportivo, não se confundindo com o direito de imagem43. A separação pela jurisprudência determina, inclusive, que o titular de direitos de arena não pode utilizá-los para divulgação da imagem de jogador, haja vista a diferença entre as situações44.

O dano à imagem também protege a pessoa jurídica no que diz respeito aos seus atributos, sendo passível indenização para reparação do dano45. Nesse caso, a imagem não tem caráter pessoal, analisa-se a imagem que aquela empresa possui diante de seus sócios ou consumidores.

que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente (Inq. no 1.710, Sanches; Inq. no 1.344, Pertence). 2. Não cobre, pois, a inviolabilidade parlamentar a alegada ofensa a propósito de quizílias intrapartidárias endereçadas pelo presidente da agremiação – que não é necessariamente um congressista – contra correligionário seu. II. Crime contra a honra: inexistência em entrevista que não ultrapassa as raias da crítica à atuação partidária de alguém” (Inq. no 1.905, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 29. 4.2004, DJ de 21 maio 2004, PP-00033, EMENT. VOL-02152-01, PP-00011, RTJ VOL 00192-01, PP-00050).

42 FARIAS, de; ROSENVALD, op. cit., p. 140.

43 “INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA. É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (Súmula no 282-STF). A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de ‘álbum de figurinhas’. Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos” (REsp no 67.292/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4a Turma, j. em 3.12.1998, DJ de 12 abr. 1999, p. 153).

44 “DIREITO À IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA QUE A LEI ATRIBUI ÀS ENTIDADES ESPORTIVAS LIMITA-SE À FIXAÇÃO, TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO ESPETÁCULO DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA SITUAÇÃO ESPECÍFICA DO ESPETÁCULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR ‘ÁLBUM DE FIGURINHAS’. LEI No 5.989/1973, ARTIGO 100; LEI No 8.672/1993” (REsp no 46.420/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4a Turma, j. em 12.9.1994, DJ de 5 dez. 1994, p. 3.3565).

45 “Direito empresarial. Dano moral. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar adequado pelo tribunal a quo. Manutenção. Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. Na hipótese em que se divulga ao mercado informação desabonadora a respeito de empresa-concorrente, gerando-se desconfiança geral da clientela, agrava-se a culpa do causador do dano, que resta beneficiado pela lesão que ele próprio provocou. Isso justifica o aumento da indenização fixada, de modo a incrementar o seu caráter pedagógico, prevenindo-se a repetição da conduta. O montante fixado pelo tribunal a quo, em R$ 400.000,00, mostra-se adequado e não merece revisão” (REsp no 883.630/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a turma, j. em 16.12.2008, DJe de 18 fev. 2009).

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O direito ao uso da imagem pode, sem qualquer problema, ser autorizado pelo seu titular, seja de forma expressa, seja de forma implícita. Esta última se dá, por exemplo, quando uma pessoa se deixa fotografar ou filmar em evento, sabendo que a câmera é de uma rede de televisão pela logomarca estampada ou pela identificação do fotógrafo de uma revista qualquer46. Todavia, tal imagem não pode ser desvirtuada, quando, por exemplo, um artista posa para uma determinada revista e sua imagem é utilizada para outro fins, como propaganda47.

Até mesmo fotos de pessoas comuns utilizadas sem autorização para fins comerciais ensejam direito à indenização por dano moral48. Fotos de multidão, seja em passeata, eventos esportivos, festas, desfiles, mesmo que permitam identificar o indivíduo, não ensejam indenização, salvo se o foco da imagem está centralizado no indivíduo49.

O último aspecto relevante ao direito de imagem está no tratamento dado às pessoas públicas, mais conhecidas como celebridades. Nesse ponto, o art. 20 do Código Civil, já mencionado, estabelece alguns limites, aplicáveis tanto à honra, como ao direito à imagem. Seria um absurdo que uma autoridade ou uma celebridade viesse a ter indenização por ter seu nome e sua imagem expostos pela mídia, haja vista a condição pública da pessoa e a própria liberdade de imprensa. É óbvio que tal situação deve ser vista sem abuso de direito, como, por exemplo, os papparazzi que invadem a intimidade da celebridade, que, mesmo sendo uma pessoa pública, tem direito, em sua residência, a manter um grau mínimo de privacidade.

A regra do art. 20 abre exceção ao direito de imagem no caso de interesse público e da administração da justiça, como, por exemplo, a revelação da foto de um foragido da justiça, uma vez que há interesse social na sua captura. Entretanto, caso haja divulgação equivocada da imagem ou a própria investigação chegue à conclusão de que o indivíduo não foi o autor do fato, tem-se direito claro à indenização, como foi o conhecido caso da Escola Base em São Paulo50.

direito de reunião e de associação

A Constituição Federal dispôs, nos incisos XVI a XXI do art. 5o, acerca do direito de livre reunião e do de livre associação.

O Direito Constitucional de livre reunião teve sua origem no art. 16 da Declaração da Pensilvânia, de 1776. A Constituição brasileira de 1891 foi a primeira a versar sobre esse direito, ainda, à época, mesclado com o direito de livre associação, só havendo a separação dos conceitos na Constituição de 193451.

46 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 143.

47 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.

48 “Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição Federal, art. 5o, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5o, X” (RE no 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 4.6.2002, DJ de 28 jun. 2002).

49 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.

50 Ver: <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base>.

51 “A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política. Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito

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Ressalte-se que a liberdade de reunião pacífica não necessita de autorização, exigindo-se apenas prévio aviso à autoridade competente, a fim de que se impeça eventual frustração de outra reunião na mesma localidade.

O livre direito de associação previsto na Constituição garante ao cidadão a liberdade de escolha de acordo com os seus interesses. A questão ganha um contorno mais relevante quando comparada com o art. 8o, V, da Carta Magna, que permite a plena liberdade de associação aos sindicatos, não obrigando ninguém a ficar associado.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a favor da liberdade de associação quando questionado acerca da Lei no 10.779/2003, que determinava a concessão de seguro-desemprego a pescador desde que estivesse filiado à colônia de pescadores da região52.

A liberdade de associação não se estende às pessoas jurídicas, principalmente quando lei ordinária determina a necessidade de filiação53. Tanto é assim que as confederações, formadas pelo conjunto de associações, não possuem os mesmos direitos destas, sendo, por exemplo, parte ilegítima para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, haja vista serem meros organismos de coordenação de entidades sindicais, não podendo ser admitidas como hierarquicamente superiores às associações54.

As associações, como instrumentos de interesses comum entre seus participantes, não podem nem devem sofrer interferência estatal, sendo essa admitida apenas em casos extremos, quando a finalidade das associações for ilícita55, situação que autoriza a sua suspensão ou até a sua dissolução compulsória, nos moldes do inciso XIX do art. 5o da Constituição Federal.

de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia jurídica [...]. Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. [...] Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, Plenário, DJ de 1º jun. 2007).

52 “Art. 2o, IV, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Lei no 10.779/2003. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego [...]. Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5o, XX) e da liberdade sindical (art. 8o, V), ambos em sua dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego à filiação do interessado à colônia de pescadores de sua região” (ADI no 3.464, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 29.10.2008, Plenário, DJe de 6 mar. 2009).

53 “Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. Direitos autorais e conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (Lei no 9.610/1998, art. 99), sem ofensa do art. 5o, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto no art. 5o, XXVIII, ‘b’, da própria Lei Fundamental. Liberdade de associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às pessoas jurídicas” (ADI no 2.054, Rel. para o acórdão. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 2.4.2003, Plenário, DJ de 17 out. 2003).

54 “Confederações como a presente são meros organismos de coordenação de entidades sindicais ou não [...], que não integram a hierarquia das entidades sindicais, e que têm sido admitidas em nosso sistema jurídico tão só pelo princípio da liberdade de associação” (ADI no 444, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 14.6.1991, Plenário, DJ de 25 out. 1991).

55 “Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas inscritas no art. 5o incisos XVII a XXI da atual Constituição Federal, protegem as associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente arbitrária do legislador e do administrador, uma vez que somente o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsória das associações. Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão ser compulsoriamente disolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do legislativo que provoquem a compulsória suspensão ou dissolução de asssociações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, plenário, DJ de 1o de jun. 2007).

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UNIDADE úNIcA | Garantias e PrincíPios constitucionais, Materiais, institucionais e Processuais

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Como é a relação do direito civil com o direito constitucional? Houve alguma mudança nos paradigmas de direito público e direito privado?

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Garantias e PrincíPios constitucionais, Materiais, institucionais e Processuais | UNIDADE ÚNIcA

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PArA (NÃo) FiNAliZAr

Embora o tempo de estudos deste Caderno tenha sido concluído, com certeza a busca por um maior aprofundamento das questões das garantias constitucionais é condição indispensável ao aperfeicoamento do operador do Direito.

Por esse motivo, a consulta mais detalhada de algumas das obras referenciais indicadas e a permanente atualização jurisprudencial, mais do que pertinentes, constituem uma necessidade e visam ao aprimoramento constante e à construção e lapidação de um pensamento jurídico próprio.

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