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EDUCACIONAL 1 Os Lusíadas LITOBR0101 Luís de Camões O RENASCIMENTO É por volta do século XV que começa, em Portugal, o Renascimento. Já íntima dos ideais humanistas, que cultivavam a leitura dos clássicos gregos e romanos e adotavam a filosofia neoplatônica, a nação portuguesa, não diferente de outras da Europa, viu-se diante de um novo mundo que se afigurava: com a invenção da tipografia, difundem-se rapidamente as novas idéias, desentranhadas dos mosteiros; com as grandes navegações, são postos em xeque muitos dos valores caros à antiga ordem feudal cujos princípios eram ditados pela Igreja; com outras invenções e avanços técnicos, como as construções de embarcações e a extração mineral, comprova-se, definitivamente, o domínio do homem sobre a natureza, fazendo cair por terra a submissão cega aos desígnios que lhe eram destinados por Deus. Surge, também, uma nova classe social: a burguesia, composta, em sua parcela mais abastada, de mercadores ávidos por novas especiarias para comerciar e conhecimentos que facilitassem suas incursões por novas terras mais lucrativas; daí seu investimento na arte e na ciência. Se um novo mundo se formava, é certo que a Igreja Católica era duramente golpeada em sua hegemonia: não eram mais suficientes aos burgueses do século XV as doutrinas consagradas na Idade Média. O lucro, a inteligência, o corpo humano, as atividades civis e o saber desligado da teologia, ensinado nas universidades, tomam o lugar do ascetismo, do saber abstrato, da fé incondicional na Divina Providência, dos formalismos dos cultos, da escolástica e da excessiva sujeição dos leigos ao clero. Publicam-se as primeiras edições da Bíblia em outras línguas que não o latim; a exegese dos textos sagrados, segundo o ideário da Reforma Protestante, fica por conta dos leitores. Economicamente, eram também incompatíveis com a nova ordem européia os largos poderes da Igreja, suas extensas propriedades, sua acumulação de bens e o domínio que tinha sobre os monarcas. Em suma, a concepção teocêntrica do mundo, em cujo centro estava Deus, dá espaço a uma outra, antropocêntrica, cujo cerne é o homem. Em reação a esta nova mundividência, a Igreja reage bruscamente, com a Contra-Reforma e as perseguições da Inquisição, afogando, principalmente na Península Ibérica, as manifestações renascentistas de ideal antropocêntrico. É nesse mundo que vive Camões. É preciso notar que Portugal foi protagonista dos dois momentos cruciais que fazem do Renascimento uma época singular, até contraditória, na história do mundo, tempo em que houve evolução científica, descoberta de novos mundos, valorização do homem e da cultura clássica e, simultaneamente, perseguições e atrocidades cometidas pela Inquisição, escravidão de negros e empobrecimento das classes mais baixas da população. Tendo sido a nação precursora das Grandes Navegações, Portugal gozou no final do século XV e na primeira metade do século XVI de grande prosperidade e contribuiu muito com as inovações técnicas que surgiram nesse período, colaborando no estudo da geografia, da cartografia e da navegação; com a instituição da Inquisição em 1536, com a morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir em 1580 e, finalmente, com o Domínio Espanhol no mesmo ano, assinala-se a decadência do seu império. Roteiro de Leitura Carlos Rogério D. Barreiros

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Os Lusíadas

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Luís de Camões

O RENASCIMENTO

É por volta do século XV que começa, em Portugal, o Renascimento. Já íntima dos ideais humanistas, que cultivavam a leitura dosclássicos gregos e romanos e adotavam a filosofia neoplatônica, a nação portuguesa, não diferente de outras da Europa, viu-sediante de um novo mundo que se afigurava: com a invenção da tipografia, difundem-se rapidamente as novas idéias, desentranhadasdos mosteiros; com as grandes navegações, são postos em xeque muitos dos valores caros à antiga ordem feudal cujos princípioseram ditados pela Igreja; com outras invenções e avanços técnicos, como as construções de embarcações e a extração mineral,comprova-se, definitivamente, o domínio do homem sobre a natureza, fazendo cair por terra a submissão cega aos desígnios que lheeram destinados por Deus.

Surge, também, uma nova classe social: a burguesia, composta, em sua parcela mais abastada, de mercadores ávidos por novasespeciarias para comerciar e conhecimentos que facilitassem suas incursões por novas terras mais lucrativas; daí seu investimentona arte e na ciência.

Se um novo mundo se formava, é certo que a Igreja Católica era duramente golpeada em sua hegemonia: não eram mais suficientesaos burgueses do século XV as doutrinas consagradas na Idade Média. O lucro, a inteligência, o corpo humano, as atividades civise o saber desligado da teologia, ensinado nas universidades, tomam o lugar do ascetismo, do saber abstrato, da fé incondicional naDivina Providência, dos formalismos dos cultos, da escolástica e da excessiva sujeição dos leigos ao clero.

Publicam-se as primeiras edições da Bíblia em outras línguas que não o latim; a exegese dos textos sagrados, segundo o ideário daReforma Protestante, fica por conta dos leitores. Economicamente, eram também incompatíveis com a nova ordem européia oslargos poderes da Igreja, suas extensas propriedades, sua acumulação de bens e o domínio que tinha sobre os monarcas. Em suma,a concepção teocêntrica do mundo, em cujo centro estava Deus, dá espaço a uma outra, antropocêntrica, cujo cerne é o homem.

Em reação a esta nova mundividência, a Igreja reage bruscamente, com a Contra-Reforma e as perseguições da Inquisição, afogando,principalmente na Península Ibérica, as manifestações renascentistas de ideal antropocêntrico.

É nesse mundo que vive Camões. É preciso notar que Portugal foi protagonista dos dois momentos cruciais que fazem doRenascimento uma época singular, até contraditória, na história do mundo, tempo em que houve evolução científica, descoberta denovos mundos, valorização do homem e da cultura clássica e, simultaneamente, perseguições e atrocidades cometidas pela Inquisição,escravidão de negros e empobrecimento das classes mais baixas da população.

Tendo sido a nação precursora das Grandes Navegações, Portugal gozou no final do século XV e na primeira metade do século XVIde grande prosperidade e contribuiu muito com as inovações técnicas que surgiram nesse período, colaborando no estudo dageografia, da cartografia e da navegação; com a instituição da Inquisição em 1536, com a morte de D. Sebastião na batalha deAlcácer Quibir em 1580 e, finalmente, com o Domínio Espanhol no mesmo ano, assinala-se a decadência do seu império.

Roteiro de LeituraCarlos Rogério D. Barreiros

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O CLASSICISMO

A pesquisa dos textos clássicos de gregos e romanos ditou a tônica das obras de arte do período descrito acima. Entre as principaiscaracterísticas que se divulgaram, as mais importantes são a valorização da Razão e do seu equilíbrio com o sentimento, a imitaçãodos modelos clássicos, o culto da forma e a existência de um objetivo ético na obra de arte.

A valorização da Razão não excluía, ao contrário do que se pode pensar, as manifestações do sentimento. No entanto, é precisosaber que o artista do período classicista não as deixava verter indiscriminadamente pela obra: é o equilíbrio entre a Razão e osentimento que a fará de primeira qualidade, universal e impessoal.

A imitação dos modelos clássicos era a herança que os classicistas dedicavam aos autores gregos e latinos. Mais uma vez é precisonotar que a imitação não consistia em mera cópia: seguindo os modelos e as tradições clássicas — a arte, a eloqüência citada porCamões na Proposição de Os Lusíadas — cada autor faria a sua obra tornar-se perfeita — se ajudado pelo engenho, o talentopróprio. É notável a ciência que Camões tem desse conceito: não bastava a imitação, era preciso talento particular, inspiração.

O culto à forma é conseqüência das imitações dos modelos. Os classicistas, encontravam nas obras clássicas um modelo ideal,consagrando formas como o soneto, o verso decassílabo heróico e a narrativa épica. As formas populares, como as redondilhas,eram repudiadas pelos classicistas, mas não por Camões, como será observado adiante.

A existência de um objetivo ético na obra de arte era conceito também herdado dos clássicos. Os artistas procuravam expressarverdades eternas e superiores, como a Beleza, o Bem e a Verdade.

Em Portugal, situa-se o Classicismo entre 1527, data do retorno de Sá de Miranda a Portugal após uma viagem à Itália — em que,como muitos outros intelectuais de famílias portuguesas abastadas, embebeu-se das idéias do Classicismo — e 1580, data da mortede Camões. Para compreender as manifestações do Classicismo em Portugal, é preciso saber que, curiosamente, as influências dapoesia popular e medieval não foram abandonadas, ao contrário: buscou-se ajustar à nova concepção renascentista do mundo osantigos conceitos do medievo. Essa ambigüidade é marca notável da obra de Camões.

LUÍS VAZ DE CAMÕES

Nascido em 1524 ou 1525, talvez em Lisboa, Luís Vaz de Camões era, possivelmente, de família aristocrática, o que lhe valeu aformação clássica e a leitura de autores gregos e latinos. Exilado por haver provocado o amor de damas da corte, como a InfantaD. Maria e D. Catarina de Ataúde, perde o olho direito em Ceuta, em 1549, quando servia como soldado raso. Obrigado a trabalharno serviço militar ultramarino por ter ferido Gonçalo Borges, servidor do Paço, chega à Índia em 1553 e em 1556 é nomeado “provedormor dos bens de defuntos e ausentes”, mas, acusado de prevaricação, depois de naufragar no rio Mecon, é preso em Goa. Em 1567é preso novamente, desta vez em Moçambique de onde, levando uma vida miserável, parte finalmente de volta a Portugal. Em 1572publica Os Lusíadas e recebe por isso uma pensão anual de 15 000 réis, que não é suficiente para tirá-lo da miséria e do abandonoem que faleceu a 10 de junho de 1580.

Encontram-se duas vertentes na obra de Camões: a lírica é composta de poemas ainda ligados à tradição medieval, em que era usadaa “medida velha” das redondilhas, ou ligados à nova maneira de escrever, o dolce stil nuovo renascentista dos versos decassílabose dos sonetos, odes, elegias, canções, églogas, sextinas e oitavas; a épica tem em Os Lusíadas sua expressão.

Consagrada pelos autores da renascença por ter sido o grande gênero literário usado pelos clássicos para narrar grandes feitos,como a Odisséia, de Homero e a Eneida de Virgílio, a épica tem suas características próprias que devem ser compreendidas antesdo estudo de Os Lusíadas. Eram narrações em verso de grandes feitos de heróis que, ajudados pelos deuses, equiparavam-se a elespor sua bravura e destreza, desfiando-os por vezes. Curiosamente, tal estrutura se encaixava perfeitamente ao intuito de Camõesque descreveu o grande feito realizado pelos portugueses, a descoberta do caminho para as Índias contornando-se o continenteafricano: equipará-los a deuses, fazendo-os a máxima expressão do homem da renascença, valentes, desafiadores, bravos e nobres,uma vez que exploravam outros continentes também em nome de Deus, para que se espalhasse a fé cristã. O uso da épica comoestrutura de uma obra era também conveniente porque ia ao encontro dos valores estéticos usados na época: os versos decassílabos,a influência de divindades e histórias mitológicas na narrativa e o motivo nobre que a revestia.

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OS LUSÍADAS

Os Lusíadas são, com efeito, a narração da viagem feita por Vasco da Gama às Índias, em 1498, e seguem rigorosamente a estruturaformal clássica das obras épicas, possuindo dez cantos, em que se divide a narrativa, contando no total 1 102 estrofes em oitavarima, em que há seis rimas cruzadas e as duas finais em paralelo:

Passada esta tão próspera vitóRIA, aTornado Afonso à lusitana terRA, bA se lograr da paz com tanta glóRIA aQuanta soube ganhar na dura guerRA, bO caso triste, e dino da memóRIA aQue no sepulcro os homens desenterRA, bAconteceu da mísera e mesquiNHA cQue despois de ser morta foi raiNHA. c

Os versos são decassílabos heróicos, com ênfase na sexta e décima sílabas:

A / se / lo / grar / da / paz / com / tan / ta / gló / ria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Há poucos versos decassílabos sáficos, com ênfase na quarta, oitava e décima sílabas:

Tor / na / do A / fon / so à / lu / si / ta / na / te / rra 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

A narrativa divide-se em:

• Proposição, em que se faz um pequeno resumo da obra e explica-se sobre que ela versará;

• Invocação, em que se pede às musas — em Os Lusíadas, as tágides, ninfas do rio Tejo — ajuda e inspiração para escrever aobra;

• Dedicatória, que em Os Lusíadas é feita ao rei D. Sebastião;

• Narração, que começa in media res, isto é, quando os fatos que serão narrados já estão acontecendo; em Os Lusíadascomeça-se narrando a viagem já no Oceano Índico e o que ocorreu antes será narrado depois;

• Epílogo, que encerra a obra.

No Canto I, após a Proposição, a Invocação e a Dedicatória, começa a narração: enquanto os portugueses navegam no Índico, osdeuses, no Olimpo, discutem seu destino: Júpiter lhes é favorável por serem a nova expressão das antigas civilizações clássicas;Baco enxerga neles uma afronta: se são os homens capazes de grandes feitos, que lugar restará aos Deuses? Os navegantesaportam em Moçambique.

No Canto II, sempre importunados por Baco, os portugueses viajam de Mombaça a Melinde, onde serão bem recebidos pelo rei quepede a Vasco da Gama que lhe conte a história do povo português.

É no Canto III que está o episódio de Inês de Castro, parte da história de Portugal. Há ainda outras passagens importantes: adescrição geográfica da Europa e a localização de Portugal, a vitória de Ourique e a batalha do Salado.

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No Canto IV a história de Portugal continua a ser narrada. A batalha de Aljubarrota, de Ceuta, o sonho profético de D. Manuel e,finalmente, o episódio do Velho do Restelo são os momentos mais importantes deste canto.

No Canto V é narrada a viagem de Vasco da Gama até Melinde. A travessia do Cabo das Tormentas, personificado pelo GiganteAdamastor, marca este canto. Encerra-se aqui a fala de Vasco da Gama ao rei de Melinde.

No Canto VI, mais uma vez atrapalhados por Baco, ajudado por Éolo e Netuno, e salvos pela benevolência e admiração de Júpiter,os portugueses abandonam Melinde e aportam em Calicute. Na viagem, conta-se a história dos Doze da Inglaterra. Discutem-se ahonra e a fama.

O Canto VII é marcado pela continuação das considerações sobre honra e fama, a visita a Moçaibe e a audiência com Samorim.

No Canto VIII, Paulo da Gama, irmão de Vasco, contará a Catual a história dos portugueses, explicando-lhe o significado das figurasestampadas em uma bandeira. Percebendo indisposição contra os portugueses, Vasco da Gama se deixa aprisionar, mas é resgatado.

No Canto IX, retornam os portugueses que, premiados por Vênus, ajudada pelo filho Cupido, são presenteados com uma ilhamaravilhosa habitada por ninfas: é o episódio da Ilha dos Amores.

Encerra-se a narrativa no Canto X, em que Tétis mostra a Vasco da Gama a máquina do mundo e a armada retorna a Portugal. A tônicado epílogo não é otimista: o narrador tem a voz enrouquecida e vê sua nação no gosto da cobiça e da rudeza.

A TRAGÉDIA DE INÊS DE CASTRO E D. PEDRO

A tragédia de Inês é um dos episódios mais contundentes da obra épica de Camões. Conta a história de dois amantes, Inês, filha dofidalgo galego D. Pedro de Castro, e Pedro, filho de D. Afonso IV, rei de Portugal. Por estarem casados em segredo, supunha-se queseus filhos poderiam reclamar o trono português no futuro, motivo que levou o rei a assassiná-la brutalmente. Em Os Lusíadas nãoé incluída a mesma cruledade com que D. Pedro, quando rei, se valeu para punir os algozes de sua amada, feita rainha depois demorta.

Para entender o episódio, é preciso observar que, em primeiro lugar, o autor dirige-se ao Amor, questionando-lhe sobre o preço quese paga por tê-lo sentido. Marcado com maiúscula, o amor é personificado como culpado pela dor dos amantes.

São notáveis, também, as comparações que se fazem entre a desgraça de Inês e outras desgraças da mitologia clássica: a naturezacruel do homem é observada quando citam-se Semírames e Rômulo e Remo, salvos por animais; a injustiça, quando é lembrada amorte de Policena, tão inocente quanto Inês; o horror dos atos humanos, quando o narrador sugere que o sol poderia esconder-setambém no dia da morte de Inês, como fez no dia em que Tiestes devorou os próprios filhos.

A súplica e a argumentação de Inês que, em nome do amor por D. Pedro, implora pela vida em troca de desterro são o ponto alto deum episódio lírico cujos motes são a crueldade da natureza humana e as mazelas do Amor, responsável pela tragédia.

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O EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO — CANTO III, 118-135

118 - Introdução ao episódio de Inês de Castro. Tendo voltado D. Afonso IV a Portugal da Batalha de Salado, vitorioso, gozando dapaz, aconteceu o caso triste e digno de memória.

Passada esta tão próspera vitória1 ,Tornado Afonso2 à lusitana terra,A se lograr3 da paz com tanta glóriaQuanta soube ganhar na dura guerra,O caso triste, e dino4 da memóriaQue no sepulcro os homens desenterra,Aconteceu da mísera e mesquinhaQue despois5 de ser morta foi rainha.

119 - Camões culpa o Amor, que sujeita os corações humanos, pela morte de Inês. O Amor é chamado violento e feroz, porque nemcom lágrimas se contenta; é preciso sangue para fazê-lo.

Tu só, tu, puro Amor, com força crua6,Que os corações humanos tanto obriga,Deste causa à molesta7 morte sua8,Como se fora pérfida inimiga.Se dizem, fero9 Amor, que a sede tuaNem com lágrimas tristes se mitiga,É porque queres, áspero e tirano,Tuas aras10 banhar em sangue humano.

120 - Inês estava em Coimbra, às margens do rio Mondego, colhendo os doces frutos da juventude, feliz, sem saber o que lhereservava o destino. Dizia aos montes e às ervas o nome de seu amado, com lágrimas aos olhos.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,De teus anos colhendo doce fructo,Naquele engano11 da alma, ledo e cego,Que a Fortuna não deixa durar muito,Nos saudosos campos do Mondego12,Dos teus fermosos 13 olhos nunca enxuito14,Aos montes insinando15 e às ervinhasO nome que no peito escripto tinhas16.

121 – Ali, as lembranças de D.Pedro, que estavam sempre na alma de Inês quando estavam distantes, correspondiam às dele, isto é,os amantes pensavam com saudades um no outro. Isto acontecia à noite, em sonhos, ou durante o dia, em pensamentos. Ambospensavam um no outro com alegria.

Do teu Príncipe ali te respondiam17

As lembranças que na alma lhe moravam,Que sempre ante seus18 olhos te traziam,Quando dos teus19 fermosos se apartavam;De noite, em doces sonhos que mentiam,De dia, em pensamentos que voavam.E quanto, em fim20, cuidava21 e quanto viaEram tudo memórias de alegria.

1 – A batalha do Salado2 – D. Afonso IV3 – Gozar da4 – digno5 – depois

6 – cruel7 – funesta8 – de Inês9 – impetuoso, violento10 – altares

11 – enlevo, êxtase12 – rio de Portugal13 – formosos14 – enxuto15 – ensinando16 – o nome de D.Pedro

17 – correspondiam às tuas lembranças18 – os olhos de D. Pedro19 – os olhos de Inês20 – enfim21 – pensava

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122 - D. Pedro recusa casar-se com outras senhoras, porque o Amor despreza tudo quando cativado pelo belo rosto da amada.D. Afonso IV, observando as namoradas estranhezas do filho e o falar do povo, decide tirar a vida de Inês. Perceba que o sujeitoO velho pai sesudo só encontrará seu verbo na próxima estância: determina.

De outras belas senhoras e princesasOs desejados tálamos22 enjeita23,Que24 tudo, em fim, tu, puro amor, desprezas,Quando um gesto suave te sojeita25.Vendo estas namoradas estranhezas,O velho pai sesudo26, que respeitaO murmurar do povo e a fantasiaDo filho, que casar-se não queria,

123 - D. Afonso IV ordena que Inês seja morta para recuperar D. Pedro, que a ela está preso por amor. Acreditava o rei que só coma morte de Inês o fogo do amor seria apagado. O narrador do episódio questiona: de que loucura foi tomada a espada lusitana, quelutou contra os mouros, para que se voltasse contra uma dama frágil e delicada?

Tirar Inês ao mundo determina,Por lhe tirar27 o filho que tem preso,Crendo co28 sangue só da morte indina29

Matar do firme amor o fogo aceso.Que furor30 consentiu que a espada fina31

Que pôde sustentar o grande pesoDo furor mauro32, fosse alevantada33

Contra ua34 fraca dama delicada?

124 – A bela Inês foi trazida pelos seus algozes – Álvaro Gonzales, Pero Coelho e Diogo Lopes Pacheco – ao rei, que já se apiedavadela, mas o povo o convenceu de que deveria matá-la. É introduzido, então, o discurso de Inês, que mais se ressentia por abandonaro amado e os filhos do que por morrer. A fala de Inês só aparecerá na estância 126.

Traziam- [n]a os horríficos35 algozes36

Ante o rei, já movido a piedade;Mas o povo, com falsas e ferozesRazões, à morte crua o persuade37.Ela, com tristes e piedosas vozes,Saídas só da mágoa e saudadeDo seu príncipe e filhos, que deixava,Que38 mais que a própria morte a magoava,

125 – Continua a introdução ao discurso de Inês, cujos olhos estavam levantados para o céu, mas cujas mãos estavam atadas; elatambém está atenta aos flhos, que temia ficarem órfãos.

Pera39 o céu cristalino alevantando40

Com lágrimas os olhos piedosos(Os olhos, porque as mãos lhe estava atandoUm dos duros ministros rigorosos),E despois41 os mininos42 atentando,Que tão queridos tinha e tão mimosos,Cuja orfindade43 como mãe temia,Pera44 o avô cruel assi dizia:

22 – núpcias23 – recusa24 – porque25 – cativa26 – sisudo

27 – tirar D. Pedro de Inês28 – com o29 – indigna30 – loucura31 – afiada32 – mouro33 – levantada34 – uma

35 – que causam horror36 – carrascos37 – “Os conselheiros de D. Afonso ponderavam-lhe que a crescenteinfluência dos parentes de D. Inês podia originar perturbações políticase pôr em perigo a independência do país no futuro reinado e que até olegítimo herdeiro, o filho de D. Constança, poderia ser vítima deambições daqueles que desejassem ver sentado no trono de Portugalum filho de D. Inês.”

Os Lusíadas, Biblioteca do Exército, 1980, p. 25238 – O que

39 – para40 – levantando41 – depois42 – meninos43 – orfandade44 – para

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126 – Começa o discurso: se animais ferozes, como a loba que alimentou Rômulo e Remo, fundadores de Roma, e como as pombasque alimentaram Semírames, abandonada no deserto pela mãe, podem ser piedosos, por que o não será o rei? É preciso observar quea frase em destaque não aparece na estância 126, mas na 127, o que dá fôlego e estilo ao texto.

“Se já nas brutas feras, cuja mente45

Natura46 fez cruel de nascimento,E nas aves agrestes, que somenteNas rapinas47 aéreas têm o intento,Com pequenas crianças viu a genteTerem tão piedoso sentimento,Como co a mãe de Nino48 já mostraramE cos irmãos que Roma49 edificaram,

127 – Conclui-se o pedido de Inês: que o rei tivesse respeito ao netos, já que não o tinha a ela, que morreria por ser fraca e por seralvo dos amores de D. Pedro; que, enfim, tivesse o rei piedade dela e dos netos, já que não o comove a culpa que ela não tem.

“Ó tu, que tens humano o gesto50 e o peito(Se de humano é matar ua51 donzelaFraca e sem força, só por ter sujeitoO coração a quem soube vencê-la),A estas criancinhas tem52 respeito,Pois o não tens à morte escura53 dela;Mova-te a piedade sua e minha54,Pois te não move a culpa que não tinha55.

128 – Inês argumenta, implorando ao rei que lhe dê vida, porque ela não cometera nenhum erro para perdê-la. Porém, se ele pensa queela merece a morte, que a desterre, exile, na Sibéria ou na Líbia, onde ela viverá em tristeza.

“E se, vencendo a maura56 resistência,A morte sabes dar com fogo e ferro,Sabe57 também dar vida com clemênciaA quem pera58 perdê-la não fez erro59;Mas, se to assi merece esta inocência60,Põe-me em perpétuo e mísero desterro,Na Cítia61 fria ou lá na Líbia62 ardente,Onde em lágrimas viva eternamente;

129 – Inês sugere que seja colocada entre animais selvagens para que tente encontrar neles a compaixão que não encontrou noshomens. Ela diz que, exilada, criará os filhos, seu consolo, com o amor por D. Pedro.

“Põe-me onde se use toda a feridade63,Entre leões e tigres; e vereiSe neles achar posso a piedadeQue entre peitos humanos não achei.Ali, co64 amor intrínseco e vontadeNaquele por quem mouro65, criareiEstas relíquias suas66, que aqui viste,Que refrigério67 sejam da mãe triste.”

45 – índole, instinto46 – a Natureza47 – roubos48 – Semíramis que, abandonada pela mãe no deserto, foi alimentadapor pombas49 – Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que foram amamentadospor uma loba.

50 – aparência51 – uma52 – forma verbal no modo imperativo53 – horrível54 – a piedade pelas crianças e por ela55 – a culpa que ela, Inês, não tem

56 – moura57 – forma verbal no modo imperativo58 – para59 – não cometeu crime60 – mas se esta inocência, Inês, merece de ti ser castigada pelo quenão fez61 – região que corresponde, atualmente, à Sibéria62 – nome dado à África pelos romanos

63 – ferocidade64 – com65 – morro66 – os filhos de D. Pedro e de Inês, netos do rei67 – consolação

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130 – O povo decide que Inês deve ser morta, mesmo tendo sido o rei tocado pelas palavras dela. Aqueles que pensam que matá-la é um bom feito sacam das espadas. Há, no final da estrofe, um questionamento: aqueles que são os assassinos de Inês sãocavalheiros ou, na verdade, carniceiros ferozes?

Queria perdoar-lhe o rei benino68,Movido das palavras que o magoam;Mas o pertinaz69 povo e seu destino(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.Arrancam das espadas de aço finoOs que por bom tal feito ali apregoam70.Contra ua dama, ó peitos carniceiros,Feros vos amostrais e cavaleiros71 ?

131 – É citada a morte injusta de Policena, que morreu nas mãos de Pirro por ser alvo dos amores de Aquiles; Camões alude a essapassagem da mitologia comparando Inês e Policena, condenadas injustamente.

Qual72 contra a linda moça Policena73

Consolação extrema da mãe velha,Porque a sombra74 de Aquiles a condena,Co ferro75 o duro Pirro76 se aparelha;Mas ela, os olhos co77 que o ar serena(Bem como paciente e mansa ovelha)Na mísera mãe postos, que endoudece78,Ao duro sacrifício se oferece:

132 – Inês oferece o próprio pescoço aos seus assassinos, que seriam castigados por D. Pedro no futuro, e eles trespassam-lhe oseio com as espadas.

Tais79 contra Inês os brutos matadoresNo colo de alabastro80, que sostinha81,As obras82 com que amor matou de amoresAquele que despois a fez rainha83,As espadas banhando, e as brancas flores,Que ela dos seus olhos regadas84 tinha,Se encarniçavam85, férvidos86 e irosos,No futuro castigo não cuidosos87.

133 – Assim como o sol se escondeu no dia em que Tiestes alimentou-se dos próprios filhos, poderia fazê-lo no dia da morte de Inês.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes88,Teus raios apartar aquele dia,Como da seva mesa89 de Tiestes90,Quando os filhos por mão de Atreu comia!Vós, ó côncavos vales, que pudestesA voz extrema ouvir da boca fria91,O nome de seu Pedro, que lhe ouvistes,Por muito grande espaço repetistes.

68 – benigno69 – muito tenaz70 – declaram em público71 – contra uma dama eles são carniceiros e se dizem cavalheiros?

72 - assim como73 - filha de Príamo, rei de Tróia e de Hécuba.74 - alma. Pirro sacrificou Policena a pedido do pai, Aquiles.75 - espada76 - cf. nota 7477 - com o78 - endoidece

79 - da mesma maneira agiram os assassinos de Inês80 - pescoço de mármore81 - sustinha, sutentava82 - os encantos e a formosura do rosto de Inês83 - os encantos e a formosura de Inês mataram de amor D. Pedro, quedepois a fará rainha84 - tinha regado85 - enraiveciam-se86 - arrebatados, impacientes87 - cuidadosos. Os assassinos de Inês seriam castigados, depois,por D. Pedro.

88 - dos assassinos de Inês89 - horrendo banquete90 - Tiestes, protagonista de uma tragédia mitológica, devorou ospróprios filhos em um banquete oferecido por seu irmão, Atreu, rei deMicenas. O sol, horrorizado, escondeu-se naquele dia.91 - a boca de Inês.

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134 – Inês é comparada a uma flor colhida por uma criança: está pálida, sem cheiro e sem vida.

Assim como a bonina92, que cortadaAntes do tempo foi, cândida e bela,Sendo das mãos lascivas93 maltratadaDa menina que a trouxe na capela94,O cheiro traz perdido e a cor murchada:Tal está, morta, a pálida donzela,Secas do rosto as rosas95 e perdidaA branca e viva cor, co’a96 doce vida.

135 - As ninfas do rio Mondego choraram tanto pela desgraça de Inês que suas lágrimas transformaram-se na Fonte dos Amores,na Quinta das Lágrimas, em Coimbra.

As filhas do Mondego97 a morte escuraLongo tempo chorando memoraram98

E, por memória eterna, em fonte puraAs lágrimas choradas transformaram.O nome lhe puseram, que inda dura,“Dos amores de Inês”, que ali passaram99.Vede100 que fresca fonte rega as flores,Que lágrimas são a água e o nome Amores!

A COBIÇA DE MANDAR E A SUPERAÇÃO DOS HOMENS SOBRE A NATUREZA

Se a crueldade da natureza humana foi o motivo da reflexão de Camões na tragédia de Inês de Castro, na fala do velho do Restelo éa ambição desmedida dos homens que será estudada. Endossada pelo choro das mães e esposas, é questionamento quanto aosobjetivos da viagem de Vasco da Gama.

Os argumentos de que o velho se vale para fazer seu discurso são simples, mas instigadores. Ao contrário do que se poderia pensar,não é a difusão da fé cristã o motivo da viagem, mas a cobiça de mandar, destruidora de reinos e lares; se os portugueses queriamconquistas enaltecedoras, poderiam enfrentar os mouros, inimigos da fé cristã, no norte da África, região mais próxima e conhecida;se a viagem se revestia de um intutito nobre, refere-se o velho ao poder enganoso que tem a fama sobre o povo, vendendo-lheimagens falaciosas de honra e poder, que poderiam ter motivado os marinheiros.

Enfim, o velho observa a viagem não como superação do homem sobre a natureza, tão cara aos ideais renascentistas, mas comomera expressão da ambição dos homens. As riquezas, promessas das incursões marítimas, pioram o quadro e confirmam osimpropérios do velho: aquela viagem poderia não passar de investimento econômico para uns e possibilidade de ascensão socialpara outros, mais humildes.

Quando cita Adão, amaldiçoado por ter feito o homem perder sua condição de inocência em troca da tentação, e Ptolomeu, por teracendido nos homens o fogo do desejo, o velho apresenta como inerente ao ser humano a cobiça pela fama. Não obstante, a citaçãomitológica, no final do texto, deixa evidente a perspectiva pessimista quanto aos portugueses: assim como Faeton e Ícaro, eles nãopoderão colher de sua empreitada grandes frutos.

É preciso observar, também, o caráter provocativo da fala do velho: se os mais experientes viam na viagem uma manifestação daestranha condição dos humanos, aqueles que viajavam simbolizavam a chegada de um novo tempo, em que a natureza poderia serdestronada; heróicos, os navegantes partem, apesar dos comentários malfazejos.

92 - espécie de flor93 - brincalhonas94 - grinalda95 - parte roseada das faces96 - com a

97 - as ninfas do Mondego98 - recordaram99 - aconteceram100 - forma verbal no imperativo

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EPISÓDIO DO VELHO RESTELO — CANTO IV, 90-104

90 - Uma das mães dos marinheiros que estão abandonando Portugal pergunta ao filho, com quem contava como consolo davelhice, que acabará em choro, porque ele a abandona infeliz. Pergunta também por que o filho a deixa se ele se tornará alimento depeixes.

Qual1 vai dizendo: - “Ó filho, a quem eu tinhaSó pera2 refrigério3 e doce emparoDesta cansada já velhice minha,Que em choro acabará, penoso e amaro4,Porque me deixas, mísera e mesquinha5?Porque de mi6 te vás, ó filho caro7,A fazer o funéreo enterramentoOnde sejas de pexes8 mantimento?”

91 - A esposa de um dos marinheiros, descabelada, pergunta a ele por que aventurar a vida que não lhe pertence — já que pertencea ela — no mar. Pergunta também como pode ele se esquecer da afeição que tem com ela por causa de um caminho tão duvidoso.Pergunta, finalmente, se ele quer que o vento leve, com as velas, o amor que eles têm.

Qual em cabelo9: — “Ó doce e amado esposo,Sem quem não quis Amor que viver possa,Porque is10 aventurar ao mar irosoEssa vida que é minha e não é vossa?Como, por um caminho duvidoso,Vos esquece a afeição tão doce nossa?Nosso amor, nosso vão contentamento,Quereis que com as velas leve o vento?”

92 – Os velhos e os meninos seguiam os marinheiros com as mesmas palavras de compaixão. Os montes parecem comovidos; onúmero de grãos de areia da praia igualava-se ao de lágrimas.

Nestas e outras palavras que diziam,De amor e de piadosa11 humanidade12,Os velhos e os mininos13 os seguiam,Em quem menos esforço14 põe a idade.Os montes de mais perto respondiam,Quase movidos de alta piedade;A branca area15 as lágrimas banhavam,Que em multidão com elas se igualavam.

93 – Para que os marinheiros não mudassem de idéia quanto à viagem, Vasco da Gama ordena que embarquem sem despedidasporque elas magoam os que ficam, as mães e as esposas, e os que vão, mesmo sendo um costume daqueles que se amam.

Nós outros, sem a vista alevantarmosNem a Mãe, nem a Esposa, neste estado,Por não nos magoarmos, ou mudarmosDe prepósito firme começado,Determinei de assi16 nos embarcarmos,Sem o despedimento costumado,Que, posto que é de amor usança17 boa,A quem se aparta, ou fica, mais magoa.

1 - uma delas2 - para3 - consolação4 - amargo5 - infeliz6 - mim7 - querido8 - peixes

9 - a outra, descabelada10 - ides

11 - piedosa12 - compaixão13 - meninos14 - coragem15 - areia

16 – assim17 – costume

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94 – Esta estância é a introdução à fala do velho do Restelo, que estava na praia, entre as pessoas que se despediam dos marinheiros,e que aparentava ser experiente e estar descontente com a viagem. Levantando a voz, ele começa seu discurso.

Mas um velho, d’aspeito venerando18,Que ficava nas praias, entre a gente,Postos em nós os olhos, meneando19

Três vezes a cabeça, descontente,A voz pesada um pouco alevantando,Que nós no mar ouvimos claramente,Cum saber só de experiências feito,Tais palavras tirou do experto20 peito:

95 – O velho inicia seu discurso amaldiçoando a glória de mandar, a fama e a honra, porque castigam aqueles que amam osaventureiros; mortes, perigos, tormentas e crueldades são as mazelas pelas quais passam os homens em nome dessas vaidades.

— Ó glória de mandar, ó vã cobiçaDesta vaidade a quem chamamos fama!Ó fraudulento21 gosto, que se atiçaCua22 aura popular, que honra se chama!Que castigo tamanho e que justiçaFazes no peito vão que muito te ama!Que mortes, que perigos, que tormentas,Que crueldades, neles experimentas!

96 – Essas vaidades também geram adultérios e destróem reinos; são chamadas ilutres e elevadas, mas na verdade são dignas decensura; afinal, enganam o povo ignorante com nomes que o iludem.

Dura inquietação d’alma e da vida,Fonte de desamparos e adultérios,Sagaz23 consumidora conhecidaDe fazendas24, de reinos e de impérios:Chamam-te ilustre, chamam-te subida25,Sendo dina26 de infames vitupérios27;Chamam- te fama e glória soberana,Nomes com quem o povo néscio28 se engana.

97 – O velho questiona os falsos valores que se apresentam ao povo, perguntando a quais desastres levarão as pessoas, que mortedestinam a elas, que promessas de dinheiro farão, que famas, histórias, triunfos, palmas e vitórias prometerão.

A que novos desastres determinasDe levar estes reinos e esta gente?Que perigos, que mortes lhe destinas,Debaixo dalgum nome preminente29?Que promessas de reinos e de minasD’ouro, que lhe farás tão facilmente?Que famas lhe prometerás? Que histórias?Que triunfos? Que palmas30? Que vitórias?

18 – respeitável19 – agitando20 – experiente

21 – enganoso22 – com uma

23 – perspicaz24 – bens25 – elevada, nobre26 – digna27 – censuras28 – ignorante

29 – famoso30 – coroas de louros

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98 – Segundo o velho, o pecado de Adão fez que o homem caísse do Paraíso e perdesse a inocência, a felicidade plena — chamada,no texto, de Idade de Ouro. A idade de ferro e de armas — a guerra — é o destino dos homens. Segundo os antigos, há quatroperíodos na vida humana: a idade de Ouro, a de Prata, a de Bronze e a de Ferro. Repare que há, na mesma passagem, motivos bíblicose clássicos.

Mas, ó tu, geração daquele insano31

Cujo pecado e desobediênciaNão somente do Reino soberano32

Te pôs neste desterro e triste ausência,Mas inda doutro estado, mais que humano,Da quieta e da simples inocência,Idade d’ouro, tanto te privou.Que na de ferro e d’armas te deitou:

99 – O velho segue afirmando que a geração de Adão se deixa levar pela fantasia; deu à crueldade o nome de valentia; e desprezaa vida, que devia sempre ser estimada, pois até Cristo, que a deu, temia perdê-la.

Já que nesta gostosa33 vaidadeTanto enlevas a leve fantasia,Já que à bruta crueza34 e feridade35

Puseste nome esforço e valentia,Já que prezas em tanta quantidadeO desprezo da vida, que deviaDe ser sempre estimada, pois que jáTemeu tanto perdê-la Quem36 a dá:

100 – Já que os portugueses fazem tudo quanto foi citado na estrofe anterior, o velho questiona por que não atacam os mouros, cujareligião é o islamismo, adversários valorosos que trariam aos portugueses o louvor que desejam.

Não tens contigo o Ismaelita37,Com quem sempre terás guerras sobejas38?Não segue ele do arábio a lei maldita39,Se tu pola de Cristo40 só pelejas41?Não tem cidades mil, terra infinita,Se terras e riquezas mais desejas?Não é por ele armas esforçado,Se queres por vitórias ser louvado?

101 – O velho critica os portugueses que abandonam o reino desprotegido — pois os mouros são inimigos próximos — para buscaranimosidades em lugares distantes, apenas para serem chamados senhores da Índia, da Pérsia, da Arábia e da Etiópia.

Deixas criar às portas o inimigo,Por42 ires buscar outro de tão longe,Por43 quem se despovoe o reino antigo,Se enfraqueça e se vá deitando ao longe44;Buscas o incerto e incógnito45perigoPor que46 a fama te exalte e te lisonjeChamando-te senhor, com larga cópia,Da Índia, Pérsia, Arábia e da Etiópia.

31 – Adão32 – o Paraíso

33 – fútil34 – cruledade35 – ferocidade36 – Cristo

37 – os mouros38 – numerosas39 – a religião muçulmana40 – a religião católica41 – 2a pessoa do singular, do presente do indicativo, do verbo pelejar,que significa lutar

42 – para43 – por causa de44 – perca-se45 – desconhecido46 – para que

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102 – O velho maldiz o primeiro que no mundo lançou ao mar uma embarcação; chama-o digno de pena eterna no inferno e indignode fama e memória, merecedor de esquecimento.

Oh! Maldito o primeiro que, no mundo,Nas ondas vela pôs em seco lenho!Dino47 da eterna pena do profundo48,Se é justa a justa a lei49 que sigo e tenho!Nunca juízo50 algum alto e profundoNem cítara51 sonora ou vivo engenho52,Te dê por isso fama nem memória,Mas contigo se acabe o nome e glória!

103 – Prometeu é condenado pelo velho por ter dado ao homem o fogo – espírito. Teria sido melhor se o homem continuasse aestátua que era. Note-se que Camões, no mesmo episódio, apresenta ao leitor duas lendas da origem do homem.

Trouxe o filho de Jápeto53 do céuO fogo54 que ajuntou ao peito humano,Fogo que o mundo em armas acendeu,Em mortes, em desonras (grande engano!)Quanto melhor nos fora, Prometeu,E quanto pera o mundo menos dano,Que a tua estátua ilustre55 não tiveraFogo de altos desejos que a movera!

104 – Termina o episódio do velho com suas comparações entre a estranha natureza humana e episódios da mitologia: Faeton,quando guiava o carro do Sol, queimou a Terra por aproximar-se dela; Dédalo é o arquiteto do labirinto de Creta cujo filho, Ícaro,queimou as próprias asas de cera ao aproximar-se do Sol, quando tentava sair do labirinto.

Não cometera o moço miserandoO carro alto do pai, nem o ar vazioO grande arquitector co filho dando,Um, nome ao mar, e outro, fama ao rio56.Nenhum cometimento alto e nefandoPor fogo, ferro, água, calma e frio,Deixa intentado57 a humana geração.Mísera sorte! Estranha condição!

47 – digno48 – inferno49 – a lei da igreja católica50 – opinião51 – instrumento musical52 – talento

53 – Prometeu54 – espírito55 – a humanidade

56 – o Rio Pó, onde Faeton caiu57 – não tentado

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O EPISÓDIO DO GIGANTE ADAMASTOR — CANTO V, 37-60

O Episódio do Gigante Adamastor é, talvez, a passagem mais famosa de Os Lusíadas, seja pelas previsões que o horrendo gigantefaz na primeira parte de sua fala, seja pela história de amor que narra na segunda: trata-se, a um só tempo, da personificação maisassutadora e comovente da história da literatura portuguesa.

O episódio começa com a armada de Vasco da Gama em tranquila viagem. Subitamente, uma tempestade assombra os marinheiros esurge a figura do gigante – o Cabo da Boa Esperança –, que prediz as desgraças que acontecerão naquelas águas: o naufrágio dealgumas naus da esquadra de Pedro Álvares Cabral, a morte de D. Francisco de Almeida e da família de Manuel de Sousa Sepúlveda.O caráter profético dessas afirmações firma em Os Lusíadas um paradoxo típico de seu tempo: ao final do episódio, Vasco da Gamapedirá ao Santo Coro dos anjos que não se realizem as previsões feitas pelo gigante. A convivência de crenças pagãs – acreditar nasprofecias de uma figura mitológica – e cristãs – pedir proteção aos anjos – é, no mínimo, contraditória, mas comum se for levada emconta a época de produção do texto.

As mazelas amorosas que levaram o gigante a tornar-se Cabo compõem a segunda parte do texto: o amor por Tétis cega Adamastore o faz entrar em combate com os Deuses do Olimpo; iludido que está, não percebe que foi enganado por Dóris e sua filha: da mesmamaneira que os filhos da Terra não conseguiriam vencer os deuses, seu amor não poderá se realizar. Resta-lhe ficar imóvel,observando a ninfa banhar-se ao seu redor, ciente de sua condição menor, ligada ao que é terreno e material.

37 - A viagem da esquadra é rápida e próspera até uma nuvem que escurece os ares surgir sobre as cabeças dos navegantes.

Porém já cinco sóis1 eram passadosQue dali nos partíramos, cortandoOs mares nunca doutrem2 navegados,Prosperamente os ventos assoprando,Quando uma noite, estando descuidadosNa cortadora proa3 vigiando,Uma nuvem, que os ares escurece,Sobre nossas cabeças aparece.

38 - A nuvem escura que surgiu vinha tão carregada que encheu de medo os navegantes. O mar, ao longe, fazia grande ruído ao batercontra os rochedos. Vasco da Gama, atemorizado, lança voz à tempestade perguntando o que era ela, que ela lhe parecia mais queuma simples tormenta marinha. Repare que o cenário aterrador fará a imagem do Gigante ainda mais terrível e assustadora.

Tão temerosa4 vinha e carregada,Que5 pôs nos corações um grande medo;Bramindo, o negro mar de longe brada,Como se desse em vão nalgum rochedo.“Ó Potestade (disse) sublimada:Que ameaço divino ou que segredoEste clima e este mar nos apresenta,Que mor cousa parece que tormenta?”

39 - Vasco da Gama não havia terminado de falar quando surgiu uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, depostura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra e de dentes amarelos. Esta passagem é meramente descritiva.

Não acabava6, quando uma figuraSe nos mostra no ar, robusta e válida7,De disforme e grandíssima estatura;O rosto carregado8, a barba esquálida9,Os olhos encovados10, e a posturaMedonha11 e má e a cor terrena e pálida;Cheios de terra e crespos os cabelos,A boca negra, os dentes amarelos.

1 - cinco dias.2 - os mares que nunca foram navegados por outras pessoas.3 - a proa que corta os mares

4 - que causa temor.5 - conjunção consecutiva.

6 - Vasco da Gama não havia acabado de falar.7 - forte.8 - fechado.9 - sórdida, suja, desalinhada.10 - os olhos do gigante ficam muito dentro das órbitas.11 - que provoca medo.

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40 - A figura era tão enorme que poder-se-ia jurar ser ela o segundo Colosso de Rodes. Surge no quarto verso a introdução da falado Gigante, cuja voz fazia arrepiar os cabelos e a carne dos navegantes.

Tão grande era de membros, que12 bem possoCertificar-te que este era o segundoDe Rodes estranhíssimo Colosso13,Que um dos sete milagres foi do mundo.Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,Que pareceu sair do mar profundo.Arrepiam-se as carnes e o cabelo,A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

41 - O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaramaos confins do mundo. Repare na ênfase que se dá ao fato de aquelas águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante dizque aquele mar que há tanto ele guarda nunca foi conhecido por outros.

E disse: “Ó gente ousada, mais que quantasNo mundo cometeram grandes cousas,Tu, que por guerras cruas14, tais e tantas,E por trabalhos vãos15 nunca repousas,Pois os vedados términos16 quebrantas17

E navegar nos longos mares ousas,Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,Nunca arados18 d’estranho ou próprio lenho:

42 - Já que os portugueses descobriram os segredos do mar, o gigante lhes ordena que ouçam os os sofrimentos futuros, conseqüênciasdo atrevimento de cruzar os mares.

Pois19 vens ver os segredos escondidosDa natureza e do úmido elemento20,A nenhum grande humano concedidosDe nobre ou de imortal merecimento,Ouve os danos de mi21 que apercebidos22

Estão a teu sobejo atrevimento23,Por todo largo mar e pola24 terraQue inda hás de sojugar25 com dura guerra.

43 - O gigante afirma que os navios que fizerem a viagem que Vasco da Gama está fazendo terão aquele cabo como inimigo.A primeira armada a que se refere Adamastor é a de Pedro Álvares Cabral, que perdeu ali quatro de suas naus: o dano – onaufrágio – foi maior que o perigo, pois os navegantes foram surpreendidos.

Sabe que quantas naus esta viagemQue tu fazes, fizerem, de atrevidas26,Inimiga terão esta paragem,Com ventos e tormentas desmedidas!E da primeira armada, que passagemFizer por estas ondas insufridas27,Eu farei d’improviso tal castigo,Que seja mor o dano que o perigo!

12 - conjunção consecutiva.13 - o Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas da Antigüidade,era uma estátua do Sol, na ilha de Rodes.

14 - por causa de guerras cruéis.15 - trabalhos realizados para a glória particular.16 - os proibidos limites, confins do mundo.17 - ultrapassas.18 - trata-se de uma comparação entre o arado que corta a terra e onavio que corta o mar.

19 - visto que.20 - o mar.21 - ligado ao verbo ouvir: ouve de mim os danos.22 - preparados.23 - para teu grande atrevimento.24 - pela.25 - subjugar.

26 - porque são atrevidas.27 - que não consentem de boa vontade ser quebradas.

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44 - O gigante afirma que se vingará ali mesmo de seu descobridor, Bartolomeu Dias, e que outras embarcações portuguesas serãodestruídas por ele. As afirmações são ameaçadoras, como se verá: o menor mal será a morte.

Aqui espero tomar, se não me engano,De quem me descobriu28 suma vingança.E não se acabará só nisto o danoDe vossa pertinace29 confiança:Antes, em vossas naus verei, cada ano,Se é verdade o que meu juízo alcança,Naufrágios, perdições de toda sorte,Que o menor mal de todos seja a morte!

45 - É citado D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, e sua vitória sobre os turcos. O gigante continua ameaçador: juntoa ele continua a haver perigo.

E do primeiro ilustre30, que a venturaCom fama alta fizer tocar os céus,Serei eterna e nova sepultura,Por juízos incógnitos de Deus.Aqui porá31 a turca armada duraOs soberbos e prósperos troféus;Comigo de seus danos32 o ameaça33

A destruída Quíloa com Mombaça.

46 - Nesta estrofe o gigante cita a desgraça da família de Manuel de Sousa Sepúlveda, cujo destino será tenebroso: depois de umnaufrágio, sofrerão muito.

Outro também virá34, de honrada fama,Liberal, cavaleiro, enamorado,E consigo trará a fermosa35 damaQue Amor por grão mercê36 lhe terá dado.Triste ventura e negro fado os chama37

Neste terreno meu, que, duro e irado,Os deixará dum cru38 naufrágio vivos,Pera39 verem trabalhos excessivos.

47 - O gigante diz que os filhos queridos de Manuel de Sousa Sepúlveda morrerão de fome e sua esposa será violentada peloshabitantes da África, depois de caminhar pela areia do deserto.

Verão morrer com fome os filhos caros40,Em tanto amor gerados e nascidos;Verão os Cafres41, ásperos e avaros42,Tirar à linda dama seus vestidos;Os cristalinos membros e preclaros43

À calma, ao frio, ao ar verão despidos,Despois de ter pisada44 longamenteCos delicados pés a areia ardente;

28 - o Cabo da Boa Esperança foi descoberto em 1488 por BartolomeuDias, morto no naufrágio citado na estância anterior.29 - pertinaz, obstinada.

30 - D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, enterrado nocabo da Boa Esperança, depois de morto em uma batalha com os cafres.31 - deporá. O gigante faz alusão a uma batalha vencida por D. Franciscode Almeida, em 1509, contra os turcos.32 - por causa de seus danos.33 - junto a mim haverá a ameaça de Quíloa e Mombaça.

34 - Manuel de Sousa Sepúlveda.35 - formosa. É a esposa de Manuel de Sousa Sepúlveda.36 - recompensa.37 - o verbo está no singular porque os dois núcleos do sujeitocomposto têm o mesmo significado: a ventura e o fado são o destino docasal.38 - cruel.39 - para.

40 - queridos. São os filhos de Manuel de Sousa Sepúlveda.41 - habitantes negros da África.42 - rudes e ladrões.43 - claros.44 - ter pisado. A construção usada por Camões é clássica.

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48 - Os sobreviventes do naufrágio verão Manuel de Sousa Sepúlveda e sua esposa, que morrerão juntos, ficarem no mato quentee inóspito.

E verão mais os olhos45 que escaparemDe tanto mal, de tanta desventura,Os dous amantes míseros ficaremNa férvida e implacábil46 espessura47.Ali, despois48 que as pedras abrandaremCom lágrimas de dor, de mágoa pura,Abraçados, as almas soltarãoDa fermosa e misérrima prisão49.

49 - O gigante continuaria fazendo as previsões se Vasco da Gama não o interrompesse perguntando quem era aquela figuramaravilhosa. O monstro responderá com voz pesada porque relembraria seu triste passado.

Mais ia por diante o monstro horrendo50

Dizendo nossos fados, quando, alçado51,Lhe disse eu: - Que és tu? Que esse estupendoCorpo certo me tem maravilhado!A boca e os olhos negros retorcendoE dando um espantoso e grande brado,Me respondeu, com voz pesada e amara52,Como quem da pergunta lhe pesara53:

50 - O gigante se apresenta: ele é o Cabo Tormentoso, nunca conhecido pelos geógrafos da Antigüidade, última porção de terra docontinente africano, que se alonga para o Pólo Sul, extremamente ofendido com a ousadia dos portugueses.

Eu sou aquele oculto e grande CaboA quem chamais vós outros Tormentório54,Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,Plínio55 e quantos passaram fui notório56.Aqui toda a africana costa acaboNeste meu nunca visto promontório57,Que pera58 o Pólo Antártico se estende,A quem voss ousadia tanto ofende.

51 - Adamastor diz que era um dos Titãs, gigantes que lutavam contra Júpiter e que sobrepunham montes para alcançar o Olimpo.Ele, no entanto, buscava a armada de Neptuno, nos mares.

Fui dos filhos aspérrimos59 da Terra,Qual Encélado, Egeu e Centimano60;Chamei-me Adamastor e fui na guerraContra o que vibra os raios de Vulcano61;Não que pusesse serra sobre serra62,Mas conquistando as ondas do Oceano,Fui capitão do mar, por onde andavaA armada de Neptuno, que eu buscava.

45 - os olhos dos sobreviventes do naufrágio.46 - implacável.47 - o mato.48 - depois.49 - para Platão, o corpo era a prisão da alma, que se libertava na horada morte.

50 - o monstro continuava fazendo as previsões.51 - erguido.52 - amarga.53 - o gigante ficou magoado porque relatará, como se verá a seguir,suas tristes lembranças.

54 - Bartolomeu Dias chamou aquele cabo de Cabo Tormentoso.Depois seu nome foi mudado para Cabo da Boa Esperança.55 - Ptolomeu, Pompônio, Estrabo e Plínio foram geógrafos daAntigüidade.56 - conhecido.57 - cabo formado por rochas elevadas.58 - para.

59 - selvagens.60 - são os titãs, gigantes filhos da Terra. Adamastor era um deles,segundo o texto.61 - Júpiter, lançador dos raios de Vulcano.62 - os Titãs sobrepunham montes para chegar ao Olimpo.

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52 - Adamator cometeu a loucura de lutar contra neptuno por amor a Tétis, por quem desprezou todas as Deusas. Um dia a viu nuana praia e apaixonou-se por ela, e ainda não há algo que deseje mais do que ela.

Amores da alta esposa de Peleu63

Me fizeram tomar tamanha empresa64;Todas as Deusas desprezei do Céu,Só por amar das águas a princesa65;Um dia a vi, coas filhas de Nereu66,Sair nua na praia e logo presaA vontade senti de tal maneira,Que inda não sinto cousa que mais queira.

53 - Como jamais conquistaria Tétis porque era muito feio, Adamastor resolveu conquistá-la por meio da guerra e manifestou suaintenção a Dóris, mãe de Tétis, que ouviu da filha a seguinte resposta: como poderia o amor de uma ninfa agüentar o amor de umgigante?

Como fosse impossíbel67 alcançá-laPola68 grandeza feia de meu gesto69,Determinei por armas de tomá-la70

E a Dóris meu caso manifesto.De medo a Deusa então por mi71 lhe fala.Mas ela, cum fermoso72 riso honesto,Respondeu: - Qual será o amor bastanteDe ninfa, que sustente o dum Gigante?

54 - Continua a resposta de Tétis: ela, para livrar o Oceano da guerra, tentará solucionar o problema com dignidade. O gigante afirmaque, já que estava cego de amor, não percebeu que as promessas que Dóris e Tétis lhe faziam eram mentirosas.

Contudo, por livrarmos o OceanoDe tanta guerra, eu buscarei maneiraCom que, com minha honra, escuse73 o dano74.Tal resposta me torna a mensageira75.Eu, que cair não pude neste engano76

(Que é grande dos amantes a cegueira),Encheram-me, com grandes abondanças,O peito de desejos e esperanças.

55 - Uma noite, louco de amor e desistindo da guerra, aparece-lhe o lindo rosto de Tétis, única e nua. Como louco, o gigante correuabrindo os braços para aquela que era a vida de seu corpo e começou a beijá-la.

Já néscio77, já da guerra desistindo,Uma noite, de Dóris prometida,Me aparece de longe o gesto78 lindoDa branca Tétis, única, despida.Como doudo corri de longe, abrindoOs braços pera aquela que era a vidaDeste corpo e começo os olhos belosA lhe beijar, as faces e os cabelos.

63 - a esposa de Peleu é Tétis.64 - a tamanha empresa é a luta de adamastor contra Neptuno.65 - a princesa das águas também é Tétis.66 - as filhas de Nereu são as Nereidas, as filhas do Oceano.

67 - impossível.68 - pela.69 - rosto.70 - determinei conquistá-la por meio da guerra.71 - mim.72 - formoso.

73 - evite.74 - perigo.75 - Dóris.76 - a mentira, que será revelada nos versos seguintes.

77 - enlouquecido de amor.78 - rosto.

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56 - Adamastor não consegue expressar a mágoa que sentiu, porque, achando que beijava e abraçava Tétis, encontrou-se abraçadoa um duro monte. Sem palavras e imóvel, sentiu-se como uma rocha diante de outra rocha.

Oh! Que não sei de nojo como o conte!Que, crendo ter nos braços quem amava,Abraçado me achei cum duro monteDe áspero mato e de espessura brava.Estando cum penedo79 fronte a fronte,Que eu polo rosto angélico apertava80,Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo81

E junto dum penedo outro penedo!

57 - Adamastor invoca Tétis, perguntando porque, se ela não amava, não o manteve com a ilusão de abraçá-la. Dali ele partiu quaselouco pela mágoa e pela desonra procurando outro lugar em que não houvesse quem risse de sua tristeza.

Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,Já que minha presença não te agrada,Que te custava ter-me neste engano,Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?Daqui me parto, irado e quase insanoDa mágoa e da desonra ali passada,A buscar outro mundo, onde não visseQuem de meu pranto e de meu mal se risse.

58 - Os Titãs já foram vencidos e soterrados para maior segurança dos deuses, contra quem não é possível lutar. Adamastor anuncia,então, seu triste destino.

Eram já neste tempo meus IrmãosVencidos e em miséria extrema postos,E, por mais segurar-se Deuses vãos82,Alguns a vários montes sotopostos83.E, como contra o Céu não valem mãos84,Eu, que chorando andava meus desgostos,Comecei a sentir do fado imigo,Por meus atrevimentos, o castigo:

59 - A carne do gigante se transformou em terra e os ossos em pedra; seus membros e sua figura alongaram-se pelo mar; os Deusfizeram dele um Cabo. Para que sofra em dobro, Tétis costuma banhar-se nas águas próximas.

Converte-se-me a carne em terra dura;Em penedos os ossos se fizeram;Estes membros que vês e esta figuraPor estas longas águas se estenderam;Enfim, minha grandíssima estaturaNeste remoto Cabo converteramOs Deuses; e, por mais dobradas mágoas,Me anda Tétis cercando destas águas.

79 - pedra.80 - Adamastor apertava a pedra imaginando que era Tétis.81 - imóvel.

82 - para mais segurança dos deuses.83 - soterrados.84 - não há como vencer os deuses.

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60 - O gigante desapareceu chorando e o mar soou longínquo. Vasco da Gama ergue os braços ao céu e pede aos anjos que os casosfuturos contados por Adamastor não se realizem.

Assi contava; e, cum medonho choro,Súbito d’ante os olhos se apartou.Desfez-se a nuvem negra e cum sonoroBramido muito longe o mar soou.Eu85, levantando as mãos ao santo coroDos Anjos, que tão longe nos guiou,A Deus pedi que removesse os durosCasos que Adamastor contou futuros.

85 - Vasco da Gama.