O faz mala - ULisboa · 2019-04-08 · A ingestão de açúcar provoca hiperatividade em crianças...

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"O leite faz mala saúde" e mais 22 mitos que estão errados P24

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"O leite fazmala saúde"e mais22 mitosque estãoerrados P24

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Os mitos na saúde quedeve passar a ignorarEvidência São ideias que crescem connosco. De tanto asouvirmos repetir por pais e avós, vão ficando entre o quedamos como certo: a corrente de ar constipa, a laranja à noitefaz mal, o exercício emagrece, o café tem de ser moderado, aágua abundante e não se bebe álcool a tomar antibióticos.São regras que parecem tão lógicas, argumentadas ao longode gerações, que nunca se ousou questionar. Mas a Ciência

garante que estes conceitos ancestrais não têm fundamento.Não passam de crenças, e algumas até fazem mal à saúdeVERA LÚCIA ARREIGOSO

epois de anos a fioa estudar milhõesde dados cientí-ficos e a ouvir ascertezas adquiri-das pelos doentes

que acompanhano hospital, o médico AntónioVaz Carneiro criou a convic-ção de que é tempo de pôr fimàs ideias erradas transmiti-das por avós, pais e filhos. Naera da informação, persistemmuitos mitos e crenças sobrea saúde que até podiam sermera piada se fossem inócuos,

o que nem sempre e o caso.Especialista em medicina

interna, nefrologia e farma-cologia clínica e dedicado ademonstrar a verdade cientí-fica — é diretor, entre outros,do Centro de Estudos de Me-dicina Baseada na Evidência,da Faculdade de Medicina deLisboa —

, o professor prepa-rou uma aula em livro para ex-plicar porque é que devem serignorados praticamente todosos conselhos populares sobrea saúde que fomos ouvindo ao

longo da vida. Nenhum é ver-dadeiro. Não existe qualquer

fundamento científico para,por exemplo, não sair de casacom o cabelo molhado, deixarde comer alguns alimentos só

porque é noite ou fazer exa-mes sucessivos à espreita deum cancro à nascença.

"Os mitos e as crenças emsaúde são dramáticos. Veja-seo caso do fundador da Apple,Steve Jobs. Tinha um tumorendócrino que podia ser ope-rado e não quis. Foi para as te-rapias alternativas e depois foitarde demais, o tumor deixoude ser operável. Quando es-

tão desesperadas, as pessoasnão procuram informaçãocomplexa e relevante porqueé mais fácil acreditar em ex-plicações simples", diz o inter-nista. Atitude que "nada tem aver com a formação e o nívelsócio-económico".

No livro "Mitos e Crenças naSaúde", que será apresentadodia 11, António Vaz Carneiroexplica que a publicação "nãoé uma opinião, é evidênciacientífica". O objetivo é sim-ples, embora ambicioso: "Me-lhorar a literacia em saúdeatravés de informação de basecientífica da mais alta qualida-de. São muitos os estudos quedemonstram a importânciade se estar informado e de osdoentes saberem mais sobrea sua doença." O ex-ministroda Saúde, Adalberto CamposFernandes, escreve o prefá-cio. Os temas vão da alimen-tação, gravidez e exercíciofísico até a ideias variadascomo os cigarros eletrónicosou o perigo de engolir umapastilha elástica.

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A laranja de manhãé ouro, à tarde é pratae à noite mataEm termos fisiológicos, dos vá-rios mecanismos que fazem o

organismo funcionar, não háqualquer influência relativa aomomento do dia em que se co-mem citrinos ou outra fruta.Aliás, incluir laranjas na dieta,seja a que horas for, tem efei-tos benéficos: previne o riscode doenças cardiovasculares e

ajuda a prevenir e a diminuir as

pedras nos rins, por exemplo.

Beber caféé mau para a saúde

O café está entre os compo-nentes alimentares mais con-sumidos no mundo e a cafeínaé a substância ativa mais utili-zada em farmacologia, logo,amplamente estudado. Nosúltimos 30 anos, os 37 mil do-cumentos técnicos publicadosmostram que o café não au-menta o risco de cancro ou de

problemas cardiovasculares,sendo até seguro para doentescom insuficiência cardíaca. Osestudos sugerem ainda que é

um protetor contra a diabetes(tipo 2), a demência (Alzhei-mer ou outra), doenças hepá-ticas (cirrose ou carcinoma) e

Parkinson. Ou seja, tomar trêsa quatro cafés por dia não temperigo e até melhora a saú-de. A exceção são as crianças,adolescentes e idosos devidoaos efeitos estimulantes nosistema nervoso.

Comer à noiteengorda maisEstá errada a ideia de queo metabolismo diminui du-rante o sono, aumentando aacumulação de gordura dosalimentos ingeridos à noite.O que faz engordar é con-sumir mais calorias do que

aquelas que são gastas pelometabolismo basal e com aatividade física. Se a relaçãofor desequilibrada, o peso au-menta comendo de manhã, àtarde ou à noite.

Se fizer muitasflexões abdominais,perco a barriga

Para ter a barriga lisa é precisomais: emagrecer. Exercitar azona abdominal só desenvolvea massa muscular da parede doabdómen e não interfere coma gordura dentro do abdómen.Além disso, não é possível mol-dar o corpo, mesmo com in-tenso exercício localizado, semperder peso globalmente.

O exercício físicofaz perder pesoExercitar o corpo tem a mais--valia de transformar a gordu-ra em músculo e de melhorara função cardiovascular, mas,só por si, tem pouco efeito nabalança. Apenas é possívelperder peso se o exercício foracompanhado por uma die-ta capaz de criar um balançonegativo entre a ingestão e o

gasto de calorias.

O leite de vacaé prejudicial à saúde

A evidência científica, com es-tudos com quase 800 mil pes-soas, mostra que o consumo deleite de vaca, iogurte, queijo e

manteiga não tem efeitos nega-tivos, como o aumento da mor-talidade por cancro e de riscocardiovascular. A obesidade é

outro dos perigos atribuídose, neste caso, os estudos têmresultados diferentes: os laticí-nios podem aumentar ligeira-mente a obesidade nos adultos,mas tendem a diminuir o exces-so de peso nas crianças.

As grávidas não podemser vacinadascontra a gripeAs futuras mães podem e de-vem imunizar-se contra a gripe.A vacinação, com vírus inativo,é segura e protege grávida efeto de um eventual contágio e

respetivas complicações. A pro-teção pode ser feita tambémdurante o aleitamento.

A tomografiacomputorizada de corpointeiro é inócua e podesalvar-nos do cancroA técnica de rastreio permitedetetar pequenas lesões, na sua

grande maioria insignificantese que nunca levariam ao apa-recimento de cancro. O examenão diminui a mortalidade, temproblemas de segurança — aradiação é 500 a 1000 vezessuperior ao raios-X ao tórax —

,

obriga à realização de mais tes-tes para procurar um problemainexistente e leva a um exces-so de diagnóstico de doençasque nunca iriam manifestar-se,além dos gastos inúteis.

Os ténis de corridamais modernos previnemas lesões desportivas

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Os modelos no mercado sãocada vez mais cómodos, con-tudo, a ciência diz o contrário.Investigadores americanos, in-gleses e quenianos analisaramo padrão de corrida de atletase concluíram que quem correcom ténis de corrida assentaprimeiro o calcanhar e quemcorre descalço a planta ante-rior do pé. Esta técnica requermais força muscular do calca-nhar e da perna mas tambémtem menos lesões. Ou seja, os

modernos ténis de corrida nãoservem o propósito de preve-nir lesões, mas também nãoé indicado correr descalço noalcatrão. Solução? Optar pelasversões que atuam como se fos-

sem uma meia.

Quando estamos a tomarantibióticos não devemosbeber álcoolA ingestão de bebidas alcoóli-cas não diminui nem aumenta aeficácia da grande maioria dos

antibióticos, sobretudo quan-do a infeção em tratamento é

aguda, curta no tempo. Só nãose deve beber se for em quan-tidade. Doses moderadas nãotêm influência no tratamento.

Os cigarros eletrónicossão tão eficazes comoos adesivos de nicotina

Não há consenso, com evidên-cia científica, sobre o melhormétodo de cessação tabágica,se os dispositivos eletrónicosou os tradicionais adesivos. Noentanto, há uma ideia assen-te: quem não consegue deixarde fumar tem nos cigarroseletrónicos uma opção menosnociva. É defendido que a co-munidade, nomeadamente asautoridades de saúde, deve ser

pragmática e, pelo menos, fo-mentar a substituição de umrisco por outro menor. Os es-

pecialistas prevêem que dentrode 20 anos a indústria estarádedicada às novas formas deconsumo de nicotina.

Se engolirmos umapastilha elástica,ela fica no estômagodurante anos

A pastilha elástica permane-ceria no estômago se não exis-tissem os movimentos peris-tálticos do tubo digestivo. Ossucos gástricos não conseguemdigerir completamente as subs-

tâncias que a compõem masos movimentos digestivos mo-vem a pastilha para o intestinodelgado e grosso, sendo poste-riormente expelida. Os sucose os movimentos peristálticosgarantem o regular e comple-to esvaziamento do estômago,isto é, que nenhum alimentopermanece no organismo. Osuco gástrico tem um Ph de4 ou 5, extremamente ácido,que se fosse todo retirado se-ria capaz de abrir um buracoprofundo no chão; só não o fazno próprio estômago porqueexiste um muco protetor.

Consumir cálcio extramelhora a saúde óssea

Recomendar atoma de cálcio

para "fortale-cer os ossos"é uma das ten-dências recen-tes, sobretudoem programasde entreteni-mento, mashá evidênciacientífica deque o seu efei-to é residual ounulo. Tomardoses extra decálcio isoladonão tem efeito

na mineralização óssea e atéaumenta o risco de formaçãode pedras nos rins. Além dis-

so, é difícil prever quem estaráem maior risco de sofrer umafratura por osteoporose. As es-calas específicas para a previ-são do risco indicam que num

grupo de 1000 mulheres comcaracterísticas semelhantes, 24irão ter uma fratura osteopo-rótica nos dez anos seguintes,pelo que as restantes 976 nãobeneficiariam de qualquer açãopreventiva, tomando doses decálcio.

Os cuidados de saúdesão todos iguais e todostêm bons resultados

A prestação de cuidados desaúde deveria ser universal masnão é, e existe um fenómenoconhecido por 'tratamento porcódigo postal'. O Infarmed temvários estudos nesta área e hácasos como a diferença na utili-zação de medicamentos contraa hipertensão entre as váriasregiões do país quando o riscocardiovascular é semelhanteentre a população residente.A variação da prática clínica é

uma das principais explicaçõese a solução está numa medi-cina, de facto, baseada na evi-dência. Nem sempre mais umexame, o medicamento maisrecente ou o tratamento maisinovador e dispendioso são osmais acertados para garantirqualidade.

A vitamina C ajudaa evitar a gripee pode contribuirpara o seu tratamentoOs estudos feitos, com 11 mildoentes em 29 ensaios clínicose 3300 episódios de gripe, sãoclaros: a vitamina C não previ-ne nem trata a infeção. Eficazé lavar as mãos com frequênciaa partir de outubro até à prima-vera, evitar a proximidade e o

contacto físico com pessoas comsintomas de gripe, especialmen-te crianças, e optar por espaçospouco fechados ou sem grandeconcentração de pessoas.

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A ingestão de açúcarprovoca hiperatividadeem crianças

A associação entre o açúcar e asíndrome de hiperatividade/dé-fice de atenção surge com basena ideia de que o seu consumoprovoca uma baixa reativa e

funcional de açúcar no sangue,levando à libertação de hormo-nas do stresse, como a adrena-lina. A teoria não passa disso,uma crença sem base científica.

Deve-se beberpelo menos 2 litrosde água por dia

O organismo deve, de facto,ser abastecido com cerca de2,5 litros de água, a maiorparte contida nos alimentos.Isto é, a água às refeições é

suficiente e ao longo do diadeve beber-se o suficientepara eliminar a sede: nem

mais nem menos. São os rins

que controlam o metabolis-mo da água e, sendo saudá-veis, não precisam de ajuda.Exagerar é inútil, já que o

organismo só aproveita o quenecessita, e pode ter efeitosgraves, desde logo no sangue,se os rins não forem capazesde eliminar a água supérflua.

A exposição às correntesde ar causa constipaçãoOs resfriados comuns — comcongestão nasal, espirros,tosse, dor de garganta , doresde cabeça ou febres baixas— têm origem em mais de200 subtipos de vírus. Logo,diferenças de temperatura,sair com o cabelo molhadoou dormir em locais frios não

provoca constipações. Umacuriosidade: os inuítes que vi-vem perto do Ártico têm umataxa de constipação menor do

que a população nos climastemperados, com sobrepopu-lação permanente.

A vacinação pode causarautismo nas criançasVacinas e autismo, uma doençado comportamento e sem cura,não têm relação. O único estu-do onde surgiu uma ligação foiretirado da literatura científicaem 2010 por erros metodoló-gicos e conflitos de interesseentre os autores. A verdade é

que não existe qualquer artigopublicado, estudo epidemioló-gico ou revisão sistemática daliteratura que identifique umarelação entre a vacinação e oautismo.

Quanto maiora intensidade doscuidados médicos, melhor"Em medicina pode-se seracusado por se fazer a menos,mas nunca se tem problemasse se fizer mais", mesmo queseja inútil, e esta é a realidadeda prática médica atual. Porexemplo, compra-se soro fi-siológico para limpar feridasmas a água potável das nossascasas é igualmente eficaz. Nosdoentes com mais de 75 anosdeve-se ser menos interventi-vo no tratamento do colesterolelevado e da hipertensão ar-terial sob risco de aumentar amortalidade; mas acontece ocontrário. As razões são váriase incluem o excesso de ofertade tecnologias que têm de serrentabilizadas, pressões sobrea sustentabilidade financeiradas unidades, interesses eco-nómicos dos agentes da saúdee até dos responsáveis gover-namentais. Mais não significamelhor.

Ir para a água depoisde comer pode provocarparagem de digestão

É verdade que após uma refei-

ção abundante há uma chama-da de sangue ao intestino (nãoao estômago) mas um mergu-lho ou duche não ditam umaparagem digestiva. A exceçãoé a ingestão elevada de álcool,que constitui um fator de risco.Mas há um fenómeno que podeser perigoso: encher o peito dear antes de mergulhar para au-mentar o tempo de imersão. Amanobra pode provocar umabaixa súbita da pressão par-cial do anidrido carbónico no

sangue que, associado a umapotencial baixa rápida de oxi-génio com o exercício, poderáinduzir convulsões ou sincope,com potencial afogamento.

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A maior parte do calorperde-se pela cabeçaExposta ao frio, qualquer partedo corpo perde calor e quantomaior foi a exposição da pelenua às baixas temperaturasmaior será a perda térmicaglobal. Aliás, vários estudos

sugerem mesmo que a cabeçaé responsável por apenas 10%da perda de temperatura total.Ainda assim, a crença de que amaior parte do calor é perdidapela cabeça destapada, cercade 40% a 45% da temperaturado corpo, consta até no Manualdo Exército Americano.

O nascimento dos dentesprovoca febre nos bebésO aparecimento da dentiçãonão provoca o aumento exces-sivo da temperatura corporal

e acreditar no contrário podemesmo ser perigoso. A evidên-cia científica é clara em mostrarque não existe relação algumaentre a irrupção dos dentes e

o aparecimento da febre. A fe-bre — quando a temperatura é

superior a 37,5° — nas criançasestá associada a uma infeçãovirai ou bacteriana, que namaioria dos casos não precisade tratamento. Ainda assim,haverá situações em que é ne-cessário intervir clinicamente e

se os pais acreditam que a febrese deve ao nascimento de den-tes podem atrasar a respostae comprometer o tratamento.Dentes e febre não têm relaçãoe implica estar atento a outrossinais de alerta.

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