Metodos de Trabalho Do Direito Constitucional
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Friedrich Müller
MÉTODOS DE TRABALHO DO DIREITO CONSTITUCIONAL
3a edição revista e ampliada
Tradução: Peter Naumann
R€NOVflR Rio de Janeiro • Sõo Paulo • Recife
2005
BPDEA
a Preucto do* OrcMo*
R c s p e i t c o Au t or Na o F a ç a C ó p ia
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Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Miiller, FriedrichM352m Métodos de trabalho no direito constitucional — 3* ed. rev. e ampliada
/ Friedrich Müller — Rio de Janeiro: Renovar, 2005.220 p. ; 21 cm
Inclui bibliografiaISBN 85-7147-504-0
1. Direito constitucional - Brasil. - 1. Título.
CDD 345.81
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) Impresso no Brasil Printed in Brazil
Para os juristas Eros Roberto Grau e
Menelick de Carvalho Netto
APRESENTAÇÃO
Dos juristas alemães contemporâneos é o Prof. Frie- drich Müller de Heidelberg inquestionavelmente um dos mais fecundos e originais, pela contribuição que tem oferecido na esfera teórica à renovação da Ciência do Direito.
Suas investigações críticas abrangem todo o campo filosófico do Direito, mas recaem com mais intensidade no domínio dà"Metodologia, da Teoria do Direito e da Constituição. Não é Müller um expositor, mas um pensador. Pertence ao quadro dos juristas alemães de nosso tempo que intentam fundamentar uma teoria material do Direito, afastando-se assim por inteiro das correntes formalistas, nomeadamente do normativismo kelseniano. Todos os juristas dessa teoria partem de conclusões acerca da insuficiência do positivismo no que tange a uma fundamentação do Direito em sintonia com os conteúdos normativos. Sente-se neles a necessidade de fugir à alternativa de um dissídio com mais de dois mil anos na reflexão filosófica: direito natural ou positivismo.
Durante as décadas de 40 e 50 pelo menos na Alemanha, onde a Filosofia do Direito sempre travou as suas batalhas mais renhidas, houve uma ressurreição jusnatura- lista, decorrente do pessimismo que invadira o ânimo de juristas perplexos com a tragédia da Segunda Grande
Guerra Mundial, movidos a uma reconsideração dos valores pertinentes à ordem jurídica legítima.
Entre os que prestigiavam a nova atitude, figurava o nome exponencial de Gustav Radbruch, cuja cátedra positivista se converteu ao direito natural. Mas a restauração jusnaturalista foi um relâmpago, não uma lâmpada. Logo se apagou aquela claridade súbita. Não sendo possível o retorno ao positivismo, a década de 50 viu abrir-se nova crise no pensamento filosófico do Direito, de maneira que as dificuldades só foram removidas a partir da publicação de Tópica e Jurisprudência de Theodor Viehweg. Representa essa monografia uma abertura de rumos e horizontes para a Ciência do Direito.
Com efeito, a “tópica” ou “nova retórica” inaugura um noyo caminho para o conhecimento do Direito pelas vias argumentativas. A palavra de ordem era pensar e repensar o “problema”, vinculando, como nunca talvez se tenha feito, as soluções normativas à praxis e à realidade.
Com a “tópica” a teoria material do Direito e da Constituição recebeu base incomparavelmente mais sólida para acometer as posições já enfraquecidas do formalismo positivista. O recuo normativista para o campo da Lógica facilitou em parte essa tarefa. Mas a tópica, sem o impulso e a direção que lhe imprimiram alguns juristas da Alemanha, não teria feito a teoria material do Direito e da Constituição progredir além do que já estava implícito em formulações precursoras contidas na obra filosófica de Smend e Schmitt, obras carentes porém de precisão metodológica com que concretizar uma nova fundamentação do Direito.
Sobre os alicerces da tópica buscou-se reconstituir o edifício filosófico do Direito. Um dos arquitetos dessa reconstrução, que apresentou o projeto mais brilhante e engenhoso, na obra Teoria Estruturante do Direito, é Frie-
drich Müller, professor emérito da Universidade de Hei- delberg, de cuja Faculdade de Direito já foi decano.
A originalidade de sua contribuição consiste em estruturar cientificamente a realidade jurídica, com abrangência tanto dos conteúdos da norma, como das propriedades formais do Direito, por via de uma interconexidade surpreendente, que leva em conta todos os aspectos relevantes eventualmente omitidos com a dissociação da forma e da substância. Tal dissociação sói acontecer com aquelas posições teóricas onde a perda da perspectiva unitária acarreta danos a uma compreensão integrativa da norma jurídica.
A obra teórica de Friedrich Müller tem sido inegavelmente um enorme esforço de reflexão unificadora, que prende de maneira indissociável a Dogmática, a Metódica e a teoria da norma jurídica, com amplitude e profundidade jamais ousadas por qualquer outra teoria contemporânea sobre os fundamentos do Direito.
A estrutüra material do Direito não é concebida por Müller unicamente em bases estáticas, mas segundo um modelo dinâmico de concretização. Nisso reside outro traço de novidade do seu pensamento, que merece atenta análise de quantos se preocupam com os problemas capitais da Filosofia do Direito.
O pequeno e denso livro ora lançado pela Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em edição especial para homenagear os cinqüenta anos da Lei Fundamental alemã foi publicado originalmente em 1972 em uma enciclopédia, o que talvez explique o elevado grau de abstração e síntese. Após demarcar o campo temático e proceder a um substancioso e ao mesmo tempo impressionantemente conciso inventário da práxis jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha e da literatura, muito além das paráfrases que entulham boa parte de trabalhos científicos convencio
nais, Friedrich Müller aplica à Metódica do Direito Constitucional as descobertas inovadoras da obra seminal Estrutura da norma e normatividade (1966), reformulada na monumental Teoria Estruturante do Direito (1984, 2a ed., 1994), bem como a primeira transferência dessas descobertas ao campo da Metódica na sua conhecida, sempre refundida e ampliada Metódica Jurídica (Ia edição: 1971; 7a ed., 1997), que mereceu recentemente uma primorosa tradução para o francês por parte de Olivier Jouanjan (Dis- cours de la méthode juridique. Paris, PUF, 1996).
Atestam a classicidade desse texto a sua reedição na Alemanha na obra coletiva O método jurídico no Direito Público (ed. H.-J. Koch. Frankfurt/Main, Ed. Suhrkamp, 1977, pp. 508 ss.) e a sua reedição integral na Espanha em edição bilíngüe com tradução, glossário comentado e introdução do Prof. Salvador Gómez de Arteche (Madri, 1999).
Em dura e inequívoca passagem do seu ensaio Justiça e justeza [Gerechtigkeit und Genauigkeit] de 1976, o próprio autor esclarece a relevância da Metódica: “A Ciência do Direito ou será racional e honesta em termos de Metódica, ou não será. Ela existirá, só que não enquanto ciência, mas, na sua parte dogmática, como estudos jurídicos [Rechtskunde] empenhados em coletar e inventariar, em desculpar a dominação, em aquietar objeções; e, na sua área de atuação juspolítica, como jornalismo de fim de semana com notas de rodapé, como publicação de meras opiniões e ciência jurídica das partes interessadas. Ciência do Direito somente tem chance de ser o que não se torna papel velho sob as penadas do legislador.”
Em momento, no qual a constituição vem sendo desrespeitada e deformada por um Executivo que se arroga ilegitimamente competências legislativas, e o Estado de Direito se vê progressivamente minado pelo emprego abusivo do instrumento das Medidas Provisórias, sem que isso esbarre
na necessária resistência do Legislativo, do Judiciário e da própria sociedade civil, a meritória iniciativa do editor da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul vem em boa hora. O presente texto poderá ser uma ferramenta poderosa para a comunidade jurídica brasileira e contribuir, no campo específico do Direito, para “tomar o Estado de Direito ao pé da letra e fazer da democracia mais do que uma mera palavra" (Friedrich Müller, no prefácio à 5a ed. da Metódica Jurídica, em 1993).
Fortaleza, 1999, no Dia de São Pedro e São Paulo
Paulo Bonavides
* tw
NOTA DO TRADUTOR
O presente trabalho, escrito em 1972 e concebido originalmente para uma enciclopédia, impressiona pela densidade, concisão e. pelo grau de abstração, inusitado mesmo na obra de Friedrich Müller. Em alguns momentos, a prosa discursiva recende à brevitas latina, mais especificamente de Tácito.
A guisa cfè introdução, permito-me citar dois parágrafos de uma nota explicativa redigida por ocasião da publicação de Quem é o povo? A questão fundamental da democracia de Friedrich Müller (São Paulo, Editora Max Limonad):
“Em quase vinte anos de atuação como intérprete de conferências, aprendi que o compromisso com a precisão e a fidelidade ao sentido, mais do que o compromisso com as palavras, deve ser complementado pela urbanidade e elegância, para que o ouvinte não tropece na forma e se ocupe diretamente com as idéias do autor. Traduções, bem como interpretações não devem soar como tais. O intérprete e o tradutor se tornam invisíveis no seu trabalho e fazem emergir o autor, como se a barreira lingüística não existisse.
A tradução de um texto jurídico de Friedrich Müller para uma língua românica, especialmente para a última flor do Lácio, envolve obstáculos dificilmente transponíveis. O autor faz largo uso das formulações altamente sintéticas da
língua alemã. A necessidade de desdobrar e seqüenciar o seu estilo ora abstrato, ora aforístico, ora elíptico em nossa língua pouco afeita à hipotaxe conduz a períodos que à primeira vista assustam o leitor brasileiro.”
No interesse exclusivo da maior brevidade, i. é, para economizar uma oração subordinada e tornar a sintaxe mais transparente, optei pela reintrodução ou, mais precisamente, pelo uso sistemático do gerundivo latino. Na sua dupla função de nomen et verbum, o gerundivo latino sobrevive residualmente no português contemporâneo em formações como considerando, decidendo ou despiciendo. Anima-me a convicção de que esse recurso morfo-sintático, infelizmente em desuso, não atenta contra o gênio da nossa língua e merece ser ressuscitado.
Lamento não ter mais podido socorrer-me da erudição e sabedoria de Celso Pedro Luft, um dos maiores gramáticos da nossa língua no século que finda. Consultas feitas a vários juristas resultaram em respostas ora positivas, ora negativas, ora cautelosamente descompromissadas. Paulo Lopo Saraiva (Natal) aceitou de plano a reintrodução do gerundivo latino, Menelick de Carvalho Netto (Belo Horizonte) me desvaneceu com a afirmação de que esse recurso não é apenas correto, mas também bonito. Meu colega intérprete George Bernard Sperber (Campinas), também experiente tradutor, considerou a solução elegante. Guio- mar Therezinha Estrella Faria (Porto Alegre), que combina a tradição clássica, à qual também me filio, com o bom senso e a aversão à retórica bacharelesca de origem ibérica, infelizmente ainda predominante nas letras jurídicas, citou-me de saída várias fórmulas nas quais ela também recorre ao gerundivo.
Devo mencionar uma segunda inovação que igualmente se inscreve na tentativa de uma relatinização do português, possivelmente fecunda para o uso científico da língua. Re
firo-me à formação de palavras novas, não consignadas nos dicionários ou não consagradas pelo uso, mas nem por isso menos vernaculares. Utilizo, assim, metódica para traduziro termo alemão Methodik, comumente traduzido por ‘metodologia’ (que deveria ficar reservado para designar o me- tapl^no, acima do plano do método: o do discurso sobre o método). Inconclusidade (Unabgeschlossenheit, qualidade do que é inconcluso) e futuridade [Zukünftigkeit, qualidade do que é futuro) são exemplos de termos cunhados em analogia a realidade e muitos outros exemplos. Satisfactível foi cunhado em analogia a factível, já aceito e dicionari- zado, circunscritível é formação paralela a descritível. Axio- matizabilidade é outro termo auto-explicativo que poderá soar estranho, mas não deverá suscitar controvérsias. Tais neologismos apenas repetem a experiência bem-sucedida dos filósofos escolásticos, que se viram obrigados a criar novos termqs latinos para designar categorias e figuras de pensamento da filosofia aristotélica.
A expressão im engeren Sinn foi traduzida pelo comparativo da expressão latina stricto sensu, strictiore sensu, pois a tradução portuguesa disponível, no sentido mais estrito, é ambígua e pode expressar tanto o comparativo quanto o superlativo.
Itiberê de Oliveira Rodrigues (Münster/RFA) e Marcelo da Costa Pinto Neves (Fribourg/Suíça) preservaram-me de cometer erros de razoável alcance. Silvino Lopes Neto me fez um reparo. Lamento não ter podido contar com sua leitura crítica do texto integral.
Fica difícil, se não impossível estimar a minha dívida para com Luís Afonso Heck e Cláudia Lima Marques, que leram atentamente o texto, confrontaram-no com o original alemão e me fizeram numerosas observações críticas. Sem a sua ajuda não ousaria entregar essa tradução ao público. A discussão com Luís Afonso Heck, empenhado em
preservar na tradução a estrutura sintática peculiar do original alemão e nesse sentido mais radical do que o intérprete talvez excessivamente diplomático, me ensejou, além da relevância das observações de caráter técnico, uma maior conscientização dos meus procedimentos e da minha concepção de tradução.
O leitor fará bem em ver nesse ensaio de traduzir um exigente autor alemão um work in progress. Compartilho seus acertos com meus primeiros leitores e me responsabilizo integralmente pelos seus possíveis desacertos. Algumas soluções aqui adotadas ainda não são consensuais e carecem da aprovação dos leitores, por cujas manifestações críticas agradeço desde já.
Porto Alegre, julho de 1999
Peter Naumann
SIGLAS E EXPRESSÕES ADOTADAS NA EDIÇÃO BRASILEIRA
al.ap.BVerfGE
cf.e.g.GG
i. é P-passimpp.s.ss.
alíneaapud (junto a, em)Bundesverfassungsgerichtsentscheidungen (Decisões do Tribunal Constitucional Federal [da República Federal da Alemanha]) cçnfer (confira, compare) exempli gratia (por exemplo)Grundgesetz (Lei Fundamental: Constituição da República Federal da Alemanha) isto épagina (página)por aqui e ali (em vários trechos) paginae (páginas)[pagina] sequens (e página seguinte)[paginae] sequentes (e páginas seguintes)
INDICE
I. A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA..................................1
II. SOBRE O ESTADO ATUAL DA METÓDICADO DIREITO CONSTITUCIONAL................................ 5
1. Jurisjfrudência...................................................................... 5
a) Reflexão metodológica na jurisprudência do TribunalConstitucional Federal da Alemamha........................................5
b) Sobre a práxis metódica da jurisprudência do TribunalConstitucional Federal................................................................. 9
2. Metódica do direito constitucional na bibliografiacientífica................................................................................20
a) Sobre a práxis metódica... ........................................................20b) Reflexão metodológica no Direito Constitucional como
disciplina científica......................................................................23
aa) Sobre o modo de trabalho do positivismo nodireito constitucional..........................................................23
bb) Retorno a Savigny?.............................................................27cc) Novos enfoques de uma metódica do direito
constitucional.......................................................................30
3. Considerações sobre o estado atual da discussão............ 31
III. ESBOÇO DE UMA METÓDICA DO DIREITOCONSTITUCIONAL..................................................... 35
1. Fundamentos de metódica jurídica................................... 35
a) Metódica e teoria das funções................................................. 35b) Normatividade, norma e texto da norma............................. 38c) Norma, texto da norma e estrutura da norma..................... 42d) Concretização da norma ao invés de interpretação do
texto da norma............................................................................ 47e) Direito constitucional e Metódica Estruturante...................54
2. Elementos da concretização da norma............................... 59
a) Elementos metodológicos strictiore sensu............................. 59
aa) Regras tradicionais da interpretação............................. 60bb) Princípios da interpretação da constituição..................71cc) Subcasos de regras tradicionais da interpretação.......72dd) Axiomatizabilidade do direito constitucional?.............79
b) Elementos da concretização a partir do âmbito danorma e do âmbito do caso .......................................................81
c) Elementos dogmáticos............................ ...................................83d) Elementos de técnica de solução............................................ 85e) Elementos de teoria...................................................................87f) Elementos de política constitucional...................................... 89
3. Hierarquia dos elementos da concretização......................90
a) Modos de efeito dos elementos da concretização................ 91b) Conflitos entre os elementos da concretização................... 92
aa) O conceito metodológico do conflito............................ 92bb) Tipos de situações conflitivas entre elementos
individuais da concretização............................................ 93
c) Casos de falta de força enunciativa dos elementosgramaticais e sistemáticos...................................................... 100
d) Sobre a normatividade de regras de preferência............... 102
IV. R E SU LT A D O S..................................................................... 103
B IBLIO G R A FIA ...........................................................................109*
APÊN D ICE (1999 ).......................................................................117
CO N CRETIZA ÇÃ O DA C O N ST IT U IÇ Ã O ........................121
PO SIT IV ISM O ................................................................ ...........153
UNIDADE D O ORDENAM ENTO JU R ÍD IC O ................ 165
v
Capítulo I
A COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Metódicas jurídicas não fornecem à ciência jurídica e às suas disciplinas setoriais um catálogo conclusivo de técnicas de trabalho inquestionavelmente confiáveis nem um sistema de hipóteses de trabalho que podem ser aplicadas genericartiente e devem ser tratadas canonicamente. A ciência jurídica se interessa menos pela sua tradicional delimitação diante das ciências naturais e muito mais pela peculiaridade material das normas jurídicas e da sua nor- matividade específica. Por um lado, a ênfase na objetividade pseudonaturalista dos “métodos” jurídicos empalidece juntamente com a força de convencimento do positivismo legal. Por outro lado, a metódica jurídica não pode fiar-se — nem com vistas aos pormenores técnicos, nem com vistas aos fundamentos teóricos — nos resultados da hermenêutica mais recente de matriz filosófica e genericamente peculiar às Ciências Humanas. Na ciência jurídica enquanto ciência normativa aplicada as exigências de vigência e obrigatoriedade devem ser formuladas de forma decisivamente mais rigorosa do que nas disciplinas não-normativas das Ciências Humanas. “Métodos” de prática jurídica e “teorias” dogmáticas sempre são meros recursos auxiliares do trabalho jurídico. São, no entanto, recursos auxiliares
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cuja peculiaridade, cujos limites, fundamentabilidade e nexo material de modo nenhum estão abandonadas à gratuidade de modos individuais de trabalho. No âmbito da objetividade restrita que lhe é possível e, não obstante, com caráter de obrigatoriedade, a metódica jurídica deve empreender a tentativa de uma conscientização* dos operadores jurídicos acerca da fundamentabilidade, da defen- sabilidade e da admissibilidade das suas formas de trabalho.
Como designação de uma concepção global sistematicamente reflexionante dos modos de trabalho do direito (constitucional), a “metódica” no sentido aqui usado é o conceito abrangente de “hermenêutica”, “interpretação”, “métodos de interpretação”* * e “metodologia”* * * .
“Hermenêutica" não se refere aqui à tradicional doutrina da técnica retórica na sua aplicação à ciência jurídica, mas às condições de princípio da concretização jurídica normativamente vinculada do direito. "Metodologia” significa no sentido tradicional a totalidade das regras técnicas da interpretação no trato com normas jurídicas, como e.g. a interpretação gramatical ou sistemática, o procedimento analógico e regras similares. Em contrapartida, “hermenêutica” refere-se à teoria da estrutura da normatividade jurídica e dos pressupostos epistemológicos e de teoria do direito da metodologia jurídica1. Por fim, “interpretação” [“In- terpretation” ou “Auslegung”] diz respeito às possibilidades do tratamento jurídico-filológico do texto, i. é, da interpretação de textos de normas. Ocorre que uma norma jurídica é mais do que o seu texto de norma. A concretiza-
1 Müller I, p. 7, 13 e passim.* Selbstverstandigung.** Auslegung.* * * “Methodenlehre”.
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ção prática da norma é mais do que a interpretação do texto. Assim a “metódica” no sentido aqui apresentado abrange em princípio todas as modalidades de trabalho da concretização da norma e da realização do direito, mesmo à medida que elas transcendem — como a análise dos âmbitos das normas, como o papel dos argumentos de teoria do estado, teoria do direito e teoria constitucional, como < conteúdos dogmáticos, elementos de técnica de solução e ' elementos de política jurídica bem como constitucional — os métodos de interpretação [Auslegung] ou interpretação [Interpretation] no sentido tradicionalmente restringido.
Com isso deixa de existir também a costumeira restrição de questões de metódica jurídica a métodos de trabalho da jurisprudência e da ciência. Uma metódica do direito constitucional diz respeito à concretização da constituição pelo governo, administração pública e legislação em medida não inferior da concretização operada pela juris- prudência e pela ciência do direitoJ^Só a didática do direito
\ constitucional, enquanto campo sui generis, fica excluída1 do âmbito da análise. Onde normas constitucionais estão
em jogo, a legislação, a administração pública e o governo trabalham, “em termos de metódica_daLconstituição”, eri>/ princípio do mesmo modo como o [Poder Judiciário\jKa pesquisa dafciênciaiurídica VA.0 lado do modojle-argumen^ tiçao^dêsta/uma metóHícadõ direito^cÕnstitucional diz portanto respeito a toda a ação constitucionalmente orientada de titulares de funções_estatais. O estilo de trabalho de todas essas instâncias pode ser apreendido de forma estruturalmente unitária^ia matéria fundamental e em larga escala ‘cientificizada^do direito constitucional.
No quadro da concepção do presente manual, essa amplitude da problemática motiva a uma representação restrita aos lineamentos fundamentais. O direito constitucional é uma disciplina relativamente jovem. Não existe uma me-
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tódica autônomaj ou apenas uma metodologia do direito constitucional. Atualmente se pode fazer o seguinte: oferecer em uma primeira seção uma visão de conjunto sobre a reflexãc/IPfcráxis metódicas nah'uris prudência] e na biblio- grafia(çíêhtific^e apresentar em uma segunda parte o esboço sistemático de uma metódica do direito constitucional segundo os fundamentos e jèlementos individuajj da concretização.
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Capítulo II
SOBRE O ESTADO ATUAL DA METÓDICA DO DIREITO
CONSTITUCIONAL
1. Jurisprudência
Ao lado da(ciência iurídicajsó a jurisprudência)está obrigada a fornecer constantes e concatenadas representações dos seus processos decisórios.Tor isso só nela o material existente é suficientemente abrangente e consistente para permitir um acompanhamento confiável de concepções e tendências referentes ao método. Nisso a jurisprudência publicada do Tribunal Constitucional Federal pode ser selecionada como representativa para a jurisprudência constitucional na República Federal da Alemanha.
a) Reflexão metodológica na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
O Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha professa na jurisprudência constantemente o credo dá teoria tradicionaUda interpretação, segundo o qual um caso jurídico prático deve ser solucionado de
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modo qup na fatns da vida* HpriHpnrlns sejam "subsumi- dos.” à norma. Segundo esse entendimento deve-se identificar o conteúdo da norma para que o silogismo seja efetua--, do, para que a norma possa ser “aplicada”. Isso se faz a partir do teor literal, da história legislativa**, da reconstrução da regulamentação em pauta a partir da história do direito ou a partir do nexo sistemático da norma no âmbito i da sua codificação ou do ordenamento jurídico global e, por \ fim, a partir do sentido e da finalidade, a partir da “ratio” ( ou do “telos” da prescrição. Nesse sentido a solução do\ caso é uma conclusão silogística que por sua vez pressupõeJ a identificação do conteúdo da norma “aplicanda”. O conteúdo deverá ser imanente à prescrição: ele consiste — e nessa medida existe um dissenso na teoria tradicional da interpretação — na vontade subjetiva do dador da norma ou na vontade objetiva da norma. Para o Direito Constitucional ele consiste, por conseguinte, na vontade do legislador ou na vontade da constituição. Os métodos mencionados deverão oferecer a possibilidade de formular o teor da norma como premissa m aior***, para que em seguida as circunstâncias de fato da vida lhe possam ser subsumidas como premissa m enor****. O processo da decisão jurídica é apresentado como procedimento de dedução lógica, a realização do direito é apresentada na sua totalidade como | um problema exclusivamente cognitivo^Segundo isso a concretização da norma é a interpretação do texto da norma, que por sua vez não é nada mais do que a reelaboração da vontade da norma ou do seu dadory que se manifesta no texto da norma, na sua história legislativa, no nexo sistemá-
* Lebenssachverhalt. \* * Entstehungsgeschichte* * * Obersatz.* * * * Untersatz.
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I tico com outros textos de normas, na história dos textos de correspondentes regulamentações anteriores e no sentido e na finalidade da prescrição a seren/extraídos desses indícios^ <■— 1----* IntfrjPrftaÇéà h'i
Programaticamente, embora não em práxis coerente, o ' Tribunal Constitucional Federal decidiu-se em favor da “teoria objetiva”. Segundo a sua sentença de 21 de maio de 19521 a vontade objetivada do legislador, expressa em uma prescrição legal, deve dar a medida para a interpretação dessa mesma prescrição, tal como essa vontade resulta do teor literal da determinação legal e do nexo de sentido no qual esta se encontrar. A história legislativa de uma prescrição somente deverá ter relevância para a sua interpretação à medida que ela possa confirmar a correção da interpretação efetuada segundo os princípios outros ou dirimir dúvidas que não podem ser desfeitas apenas com os recursos metódicos auxiliares restantes. \Ao obietivo da interpreta^— ção de identificar a vontade do legislador objetivada na lei servem as interpretações a partir do teor literal da norma (interpretação gramatical), a partir do seu nexo (interpretação sistemática), a partir da sua finalidade (interpretação
| teleológica) e a partir dos materiais legais e da história ge- I nética (interpretação histórica) j^Esses JJmetodos de inter- pretação” devem complementar e sustentar-se reciprocamente para poder apreender em conjunto a “vontade objetiva do legislador”. Nesse esforço os materiais legais sempre devem ser aduzidos com certa cautela, via de regra à guisa de mero subsídio e, considerados na sua totalidade, somente à medida que eles permitem inferir o “conteúdo objetivo da lei”. Conseqüentemente, a assim chamada vontade do legislador pode ser levada em consideração na in-
1 BVerfGE 1, p. 299 e 312; confirmado em BVerfGE 6, pp. 55, 75; 10, pp. 234 e 244; 11, pp. 126 e 130.
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terpretação da lei à medida que ela encontrou expressão suficientemente determinada na própria lei, i. é, no seu texto. Em nenhum caso os materiais podem induzir a igualar as representações subjetivas das instâncias legisladoras ao conteúdo objetivo da lei2.
Com essas determinações, que de resto mesclam as modalidades histórica e genética da interpretação, o tribunal enuncia os princípios de uma seqüência hierárquica racional e em princípio controlável dos critérios individuais da interpretação, só com vistas aos argumentos a partir dos materiais legais, por um lado, e com vistas às interpretações gramatical, sistemática, teleológica (e, quanto ao assunto, histórica), por outro lado. Uma certa ênfase, embora não fundamentada mais de perto, parece recair aqui sobre o teor literal e sobre o nexo de sentido da determinação legal3. Na primeira busca de alternativas defensáveis de solução, o Tribunal Constitucional Federal parte, conforme é plausível em toda e qualquer concretização prática de normas, do teor literal da prescrição concretizanda. Já a formulação do “nexo de sentido" (no qual a prescrição em questão estaria “colocada”) na sentença de 21 de maio de 1952 aponta para o fato de que via de regra os aspectos sistemáticos e teleológicos têm maior peso.fO Tribunal Constitucional Federal empenha-se prioritariamente em identificar o “nexo de sentido da norma com outras prescrições e o objetivo visado pela regulamentação legal na sua totalidade”4r~lNessa medida o teor literal deTIma norma é tratado como relativamente pouco fecundo pelo Tribunal Constitucional na sua jurisprudência constante. O tribunal
2 BVerfGE 11, pp. 126 e 129 s.3 BVerfGE 1, p. 132; 10, p. 51.4 Assim e.g. BVerfGE 8, pp.274 e 307.
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formula como tarefa judicativa legítima “pesquisar o sentido de uma determinação legal a partir da sua inserção no ordenamento jurídico global, sem aderir ao teor literal da lei"5. O texto da norma é tratado cronologicamente como primeira instância entre alternativas de solução conside- randas, e materialmente como limite de alternativas admissíveis de solução. O tribunal consideraria, enquanto interpretação contra legem, inadmissível uma interpretação “pela qual se atribuísse um sentido contrário a uma lei uní- voca no seu teor literal e no seu sentido”6. Intenções de regulamentação do legislador que não foram expressas em um unívoco texto da norma são desconsiderandas na interpretação da norma7.
b) Sobre a práxis metódica da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
A práxis decisória do Tribunal Constitucional Federal quase não pode ser compreendida com as regras programa- ticamente professadas por esse tribunal. jÂTém dissõTêfía sido — no interesse da segurança jurídica bem como da compreensão do modus operandi real da concretização da constituição — indispensável fazer indicações sobre que ênfases e regras de preferência o tribunal cogita introduzir em resultados contraditórios causados por pontos de vista
5 BVerfGE 8, pp. 210 e 221.6 BVerfGE 8, pp. 210 e 220; cf. também BVerfGE 8, pp. 28 e 33, onde o argumento a partir do teor literal é combinado com o argumento a partir da gênese.7 E.g. BVerfGE 13, pp. 261 e 268; sobre o texto da norma como limite intransponível da interpretação possível, cf. ainda e.g. BVerfGE8, pp. 38 e 41.
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individuais da interpretação. Diante da práxis jurisdicional do Tribunal Constitucional Federal essa pergunta continua em aberto até com referência ao problema da atitude exe- gética “subjetiva” ou “objetiva” e com referência à função do teor literal da norma. Não raras vezes o tribunal fez,
; contrariamente ao seu credo programático, dos argumentos da história legislativa sem fundamentação suficiente os únicos argumentos decisivos8. Onde o resultado desejado ou visado não é ou quase não é convincentemente funda- mentável com os meios "tradicionais”, a “vontade” subjetiva do constituinte, quer dizer, uma opinião majoritária no Conselho Parlamentar ou manifestações de membros individuais da assembléia constituinte podem derrotar a “vontade” objetivada na lei constitucional; em tais casos, topoi constitucionais (“autonomia em questões culturais” dos Estados-membros, “estatalidade própria” dos estados) e dogmáticos (teoria legalista) não-diferenciados bem como credos juspolíticos sem fundamento normativo (“não-cabí- vel”) podem atropelar os costumeiros elementos de funda-
. mentação da interpretação literal até a interpretação doV sentido9.______ _______________________________
O teor literal da prescrição concretizanda nem sempre é tratado de forma coerente pelo Tribunal Constitucional : Federal, mesmo na sua função limitadora(O tribunal dei- xa-o em segundo plano diante de uma aplicação com sentido da lei que o transcende10, considera-o superável, se isso
8 E.g. BVerfGE 2, pp. 266 e 276; 4, pp. 299 e 304 s.; cf. também a função orientadora da história legislativa in BVerfGE 9, pp. 124 e 128.9 Cf. para tal, representativamente, a Sentença sobre a Concordata de 26 de março de 1957, BVerfGE 6, p. 309, e.g. pp. 341 s., 344 ss., 346 s., 349 e 351.10 BVerfGE 9, pp. 89 e 104; 14, pp. 260, 262 epassim.
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“corresponder melhor a uma decisão valorativa da constituição”11, e decide na Sentença Kehl, de 30 de julho de 195312, contra o teor literal unívoco dos arts. 32 e 59 da Lei Fundamental, ao equiparar também “sujeitos do Direito das Gentes, similares a estados" a “estados estrangeiros”, pela'via de uma assim chamada interpretação extensiva e "aplicação e aperfeiçoamento* dos princípios da Lei Fundamental conforme o seu sentido”.
Tais inconseqüências, que põem em dúvida o valor da posição metódica do Tribunal Constitucional Federal, formulada no nível de princípios, fundamentam-se preponderantemente na insuficiência material dos pontos de vista da concretização programaticamente designados nessa posi- ção^Nos dias atuais o dogma voíuntarista pandectístico da
( ciência jurídica alemã do séc. XIX tem um interesse mera- \ mente históricoANão fornece nenhum fundamento sufi
ciente para a compreensão da constituição atual e a instrumentação da sua concretização. Isso vale para qualquer tentativa de construir o objetivo da interpretação ou concretização como identificação de uma "vontade”, não importa sé se trata aqui da vontade subjetiva do outorgante da norma ou da assim chamada vontade objetiva da norma. O fato de que condições, possibilidades e limites da concretização prática do direito (constitucional) devem ser procuradas em outras direções, resulta ainda mais claro naquelas partes da jurisprudência do tribunal constitucional que já não podem ser apreendidas sequer liminarmente no seu nexo de decisão e fundamentação com as “regras tradicionais” mais ou menos canônicas da interpretação jurídica.
11 BVerfGE 8, pp. 210 e 221.12 BVerfGE 2, pp. 347 e 374 s.* Fortbildung.
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Isso vale para pontos de vista sobre questões de método, criados pelo Tribunal Constitucional Federal, como e.g. o princípio da unidade da constituição13: para o princípio da interpretação da lei conforme à constituição14 ou para o critério da correção funcional-jurídica da concretização da constituição, orientado e.g. segundo a distribuição das tarefas entre os poderes Legislativo e Judiciário15. Segundo o princípio da interpretação conforme a constituição uma lei, cuja inconstitucionalidade não chega a ser evidente, não pode ser declarada nula enquanto puder ser interpretada em consonância com a Lei Fundamental. Mas isso não deverá valer apenas para os casos não-problemáticos, nos quais normas constitucionais são comparadas como normas de controle com prescrições legais que, por sua vez, foram interpretadas ou concretizadas sem interposição conteudística de aspectos do direito constitucional. Muito pelo contrário, o Tribunal Constitucional Federal chega a exigir que essa “consonância” com a constituição deve, no caso emergencial, ser produzida mediante a determinação do conteúdo plurívoco ou indeterminado de uma lei pelo recurso aos conteúdos das normas constitucionais16. Nesse sentido a constituição deverá ser utilizável como “norma material’’ para fins de “identificação” do conteúdo de prescrições legais ordinárias. Com isso o Tribunal Constitucional Federal reconhece as limitações desse procedimento não em critérios funcionalmente jurídicos acerca do papel
13 E.g. BVerfGE 1, pp. 14, 32; 2, pp. 380 e 403; 3, pp. 225 e 231; 6, pp. 309 e 361; 19, pp. 206 e 220.14 E.g. BVerfGE 2, pp. 266 e 282; 11, pp. 168 e 190; 8, pp. 28 e 34; 9, pp. 167 e 174; 9, pp. 194 e 200; 12, pp. 45 e 61; 12, pp. 281 e 296.15 E.g. BVerfGE 1, pp. 97 e 100 s.; 2, pp. 213 e 224 s.; 4, pp. 31 e 40; 4, pp. 219 e 233 s.; 10, pp. 20 e 40.16 E.g. BVerfGE 11, pp. 168 e 190.
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da constituição enquanto norma de controle ou enquanto norma material diante do ordenamento jurídico infracons- titucional. Ela reconhece tais limitações unicamente na relação com regras tradicionais da interpretação com referência à lei ordinária a ser interpretada em conformidade com a constituição: a interpretação conforme à constituição não deverá ser possível contra o "teor literal e [o] sentido”17 ou contra “o objetivo legislativo”18.
A diferença entre possibilidades e patamar de reflexão dos pontos de vista tradicionais da interpretação, por um lado, e do que a práxis do Tribunal Constitucional Federal efetua na realidade, por outro lado, pode ser melhor deduzida naqueles componentes da decisão e fundamentação que — em valoração tradicional — não foram extraídos das normas, mas da “realidade”.
A extensa massa da práxis jurisprudencial caracterizada por fatorçs da “realidade” começa com aquele grupo de decisões no qual o Tribunal Constitucional Federal considera a assim chamada natureza da coisa. O tribunal utiliza a "natureza da coisa” como recurso auxiliar da concretização da proibição do arbítrio e como critério da conseqüência sistêmica de regulamentações legais globais19. Em todos esses casos não estamos diante de um critério (sui generis, circunscritível de forma metodicamente autônoma, mas genericamente diante da consideração de dados reais da esfera social para o nexo decisório do caso solucionando. Aqui a “natureza da coisa” é usada como um clichê polêmico substituível, destituído de função quanto à sua dimen
17 E.g. BVerfGE 2, pp. 380 e 398; 18, pp. 97 e 111.18 E.g. BVerfGE 8, pp. 28 e 34.19 E.g. BVerfGE 1, p. 141; 1, 246 s.; 6, p. 77; 6, p. 84; 7, p. 153; 9, p. 349; 11, pp. 318 ss.; 12, p. 349; 13, p. 331. Cf. para tal também Rinck.
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são material. Assim o princípio da igualdade só deverá ser considerado violado se a determinação examinanda tiver de ser denominada como arbitrária, se, portanto, não se puder encontrar “um argumento razoável, resultante da natureza da coisa ou por outro motivo qualquer materialmente plausível para a diferenciação ou para o tratamento igual perante a lei”20.
Indo ainda muito além dessa práxis jurisprudencial, o Tribunal Constitucional Federal utiliza em extensão considerável pontos de vista que não são nem compatíveis com as regras de interpretação de Savigny, consideradas canônicas, nem com a representação da norma que lhes subjaz: assim e.g. a necessidade de um resultado adequado à coisa21, a possibilidade de uma mudança do significado de uma norma constitucional em virtude de transformações fáticas da esfera social22, o significado constitutivo do conjunto de fatos* regulamentando pela norma e pela decisão, a consideração de nexos históricos, políticos e sociológicos enquanto aspectos em última instância embasadores da decisão23. Não se deve ignorar aqui que os métodos exegéticos tradicionais já contêm numerosas possibilidades (no entanto não-refletidas e não-admitidas) de incluir elementos
20 E.g. BVerfGE 1, pp. 14 e 52; 12, pp. 341 e 348.21 E.g. BVerfGE 1, pp. 208 e 239; 1, pp. 164, 275; 4, pp. 322 e 328 s.; 6, pp. 309 e 352; 12, pp. 45 e 56.22 E.g. BVerfGE 2, p. 308 e 401; 3, pp. 407 e 422; 7, pp. 342 e 351.23 BVerfGE 1, pp. 14 e 32 s; 1, pp. 144 e 148 s.; 1, pp. 208 e 209; 1, pp. 264 e 275; 3, pp. 58 e 85; 3, pp. 225 e 231; 4, pp. 322 e 328 s.; 5, pp. 85 e 129 ss.; 6, pp. 132 ss.; 6, pp. 309 e 352; 7, pp.377 e 397;9, pp. 305 e 323 s.; 12, pp. 45 e 56; 12, pp. 2Q5 ss. Cf. também BVerfGE 15, pp. 126 e 133 s., onde o fracasso da metódica tradicional é admitido abertamente e o tribunal recorre em seguida à estrutura material do âmbito da norma do art. 134, al. 4 da Lei Fundamental.* Sachverhalt.
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materiais na decisão sobre o caso. Casos desse tipo mostram na sua totalidade que a autolimitação programática aos tradicionais recursos exegéticos auxiliares é ilusória diante dos problemas da práxis, que os recursos metódicos auxiliares não logram mais cobrir e encobrir, nem mesmo no plano verbal, os procedimentos de concretização exercidos na realidade e que os acontecimentos cotidianamente manuseados da concretização hodierna da constituição dão ensejo ao questionamento da concepção tradicional da norma jurídica e da sua “aplicação".
Uma análise da jurisprudência constitucional sugere o abandono da concepção tradicional. Muito pelo contrário, deve-se desentranhar em cada caso aquele elemento normativo que — desviando-se freqüentemente do teor literal da fundamentação judicial — decide o caso segundo a coisa, que portanto não poderia ser eliminado mentalmente
_sem uma substancial alteração do resultado j ConsHtã^sêentão que numerosos fatores normativos adicionais — encobertos pela forma verbal da metódica jurídica tradicional
( e do seu estilo de apresentação — entram em jogo.) Na sua Tnaior paile, elet>~ descendem da área que tradicionalmente costuma ser designada de forma globalizadoramente indistinta* como "realidade” e contraposta à “norma jurídica”, embora essa área seja tratada no processo efetivo da concretização do direito como parte integrante da norma em- basadora da decisão. jNão se trata aqui dê decisões in corri
(~tas, contránaTTnorma. ^ ampõüccT as partes integrantes da” realidade, tratadas normativamente, confundem-se
com os traços distintivos do conjunto de fatos decidendo. Tais elementos de decisão abrangem desde a superação** motivada do teor literal da prescrição até a introdução sem
* pauschaliert.** Uberspielen.
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mediações de resultados parciais da Ciência Política, da Economia, da Sociologia, da Estatística e de outras disciplinas no nexo de fundamentação e apresentação que decide o caso, passando pelo recuo exclusivo para as representações subjetivas do legislador no âmbito da metódica tradicional — podendo, no caso individual em pauta, contrariar ou não a norma. Pontos de vista dessa natureza e de natureza análoga perpassam, em decisões de tipos distintos, toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal até os nossos tempos24.
Peculiaridades e elementos que transcendem os métodos tradicionais estão contidos, não em último lugar, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal sobre os direitos fundamentais. Na práxis, os direitos fundamentais evidenciam ser prescrições materialmente determinadas de modo sobremaneira acentuado. Lidando com eles, a jurisprudência trata, ainda que sem reflexão hermenêutica, como parte da norma a realidade parcial que pertence à norma e a embasa. Assim a compreensão do Tribunal Constitucional Federal de uma combinação específica de garantias individuais e institucionais é o resultado de uma pertinente análise do âmbito da norma da liberdade de imprensa25. O mesmo vale para a legitimação de uma posição jurídica especial da imprensa em consideração das suas tarefas no estado democrático26, e para a análise estrutural da ordem libertária democrática na Sentença sobre o Financiamento dos Partidos Políticos27. Com referência a uma parte materialmente delimitada do âmbito da norma da liber
24 Müller I, pp. 114 ss.; Müller II.25 Assim já em BVerfGE 10, pp. 118e 121; 15, pp. 223 e 225.26 BVerfGE 20, pp. 162 e 175 s.27 BVerfGE 20, pp. 56 e 97 ss. Cf. ainda BVerfGE 24, pp. 300 e 335 ss.
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dade de opinião, à transmissão de programas radiofônicos e televisivos, o Tribunal Constitucional Federal formulou diretrizes fundamentais para a organização das emissoras de rádio e televisão na Sentença sobre a Televisão de 28 de fevereiro de 1961 com base em cuidadosas reflexões estruturais28.
’ Esses enfoques múltiplos de uma metódica da concretização da constituição na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, que é materialmente mais adequada* e procede de forma diferenciadora, estão em contradição com um outro grupo de tendências características dessa jurisprudência: refiro-me à tendência de tratar os direitos fundamentais como “valores", sua totalidade como “sistema” ou “sistema de valores”; à tendência de querer solucionar de forma metódica sua concretização, limitação e mediação com outras normas (constitucionais) por meio de procedimentos da “ponderação” de “bens” ou “interesses”.
Na Sentença Lüth de 15 de janeiro de 1958 o Tribunal Constitucional Federal pretende reconhecer o alcance objetivamente jusconstitucional da normatização de direitos fundamentais no estabelecimento de uma “ordem objetiva de valores” ou de um “sistema de valores” que “descobre o seu centro na personalidade e na dignidade da personalidade que se desenvolvem livremente na comunidade social”29. A tentação a uma valoração e ponderação subjetivamente irracionais de “valores”, paralela ao uso do conceito de “valor” — juridicamente dispensável, com ônus negativo herdado da história da filosofia, e de resto carente de nitidez — revela-se claramente quando o tribunal denomi
28 BVerfGE 12, pp. 205 ss. Cf. outros exemplos da jurisprudência in Müller II.29 BVerfGE 7, pp. 198 e 205.* Sachgerechter.
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na em seguida a "ordem valorativa” dos direitos fundamentais como “ordem hierárquica de valores”, em meio à qual se deveria efetuar uma ponderação30. E certo que o legislador não pode mover-se livremente no espaço protegido pelos direitos fundamentais, é certo que não é ele quem pode determinar constitutivamente o conteúdo do direito fundamental e que, muito pelo contrário, limitações conteu- dísticas da sua margem de apreciação legislativa resultam do teor normativo do direito fundamental31. Tão certo é também que essa compreensão não tem relação com o direito ou a necessidade de um procedimento metódico de “ponderação de bens”, como isso é proposto em uma série de decisões do Tribunal Constitucional Federal32. Tal procedimento não satisfaz as exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfactíveis, a uma formação da decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional. O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferencia- dores e estruturantes da análise do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com representações necessariamente formais de ponderação, que conseqüentemente insinuam no fundo uma reserva de juízo* em todas as nor
30 BVerfGE 7, p. 215.31 BVerfGE 7, pp. 377 e 404.32 E.g. BVerfGE 7, pp. 198 e 210 s.; 7, pp. 230 e 234; 7, pp. 377 e 405; 14, pp. 263 e 282; 21, pp. 239 e 243 s.* Urteilsvorbehalt.
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mas constitucionais, do que com categorias de valores, sistemas de valores e valoração, necessariamente vagas e con- ducentes a insinuações ideológicas. Nem histórica, nem atualmente os direitos fundamentais da Lei Fundamental de Bonn formam um sistema fechado de valores e pretensões. Sua estreita vinculação funcional e normativa às partes restantes do direito constitucional não admite tratá-los como um grupo à parte, fechado em si, de normas constitucionais. As suas vinculações material-normativas podem ser tornadas plausíveis sobretudo por meio de aspectos da interpretação sistemática, sem que se façam necessárias suposições referentes a um sistema. A suposição e aceitação de um “sistema de valores”* de direitos fundamentais localizado ao lado da — em si também questionável — "ordem geral de valores da constituição”33 contém ou uma contradição ou uma interpretação falha ou a afirmação de um pluralismo de sistemas não documentado pelo Tribunal Constitucibnal Federal nem documentável a partir do direito constitucional vigente. Esse pluralismo de sistemas não pode ser sustentado nem em termos de direito material nem em termos de direito funcional34. Não na tendência “valorativamente” determinada da sua jurisprudência, mas sim na série das suas decisões amparadas em análises de âmbitos da norma, o Tribunal Constitucional Federal trata os direitos fundamentais da Lei Fundamental pertinentemente como garantias materialmente reforçadas pelos seus âmbitos de normas, e não trata a sua totalidade como “sistema" fictício, mas como correlação que pode ser interpretada de forma materialmente racional** de garan
33 BVerfGE 10, pp. 59 e 81.34 Ehmke II, pp. 58 s.; Ehmke III, pp. 82 ss.; Hesse II, pp. 124 ss.* Annahme eines “Wertsystems”.* * sinnvoll.
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tias de liberdade individual, política e material*, respectivamente dotadas de valores próprios e fundamentadas distintamente na história.
Considerada na sua totalidade, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal fornece um quadro, de acordo com o estado atual, de evolução que envereda com uma série de novos enfoques pelo caminho que parte de um tratamento do texto em termos de lógica formal, só aparentemente suficientes, e avança na direção de uma concretização da constituição referida à coisa e ao caso. Do ponto de vista de uma prestação de contas hermenêutica e metodológica que é apresentada com referência ao seu próprio fazer e deve ser apresentada no Estado de Direito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal fornece um quadro de pragmatismo sem direção, que professa de modo tão globalizantemente indistinto quão acrítico “métodos” exegéticos transmitidos pela tradição — e caudatá- rios do positivismo legalista na sua alegada exclusividade —, mas rompe** essas regras em cada caso de seu fracasso prático sem fundamentar esse desvio.
2. Metódica do direito constitucional na bibliografia científica
a) Sobre a práxis metódica
Não podemos oferecer aqui uma descrição da práxis da concretização da constituição na ciência jurídica que discute pormenores ou visa identificar tipicidades com preten
* sachlicher Freiheit.* * durchbricht.
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são de exaustividade. Similarmente à jurisprudência, a bibliografia científica também oferece o quadro de um pragmatismo motivado no caso individual pela coisa, em parte também pelo resultado, não o quadro de um trabalho consciente dos seus métodos, que representa, fundamenta e documenta os métodos aplicados. A falta de uma vincula- ção estrita ao caso faz que tanto a multiplicidade quanto a indeterminidade dos modos de trabalho representados seja consideravelmente maior do que na jurisprudência. Assim como na análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, isso ainda não depõe em nada contra a qualidade do conteúdo da argumentação, mas contra a transparência da sua gênese, do seu nexo de fundamentação e do seu modo de representação. Considerada na sua totalidade, a bibliografia científica também opera num nível de método que ainda não encontrou uma concepção superadora do positivism^ legalista, mas que ao mesmo tempo descobre como multiplamente insuficientes na práxis as possibilidades de interpretação ou concretização da constituição, próprias do positivismo legalista, transcendendo-as sem a fundamentação que se deveria esperar. Não em último lugar, mas também não exclusivamente no tratamento dos direitos fundamentais, evidenciam-se também aqui numerosos enfoques provisoriamente ainda não-refletidos com vistas à inclusão de elementos materiais de âmbitos de regulamentação dos direitos fundamentais e de outros direitos constitucionais no processo de elaboração do resultado. Como os seus conteúdos sempre estão entremeados com a dogmática do direito público e do direito constitucional, com a teoria do estado e da constituição, com a teoria do direito e a política constitucional, essas tendências não precisam ser representadas no nexo* em pauta. Em contrapartida
* Zusammenhang.
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faremos uma rápida referência aos elementos do tratamento dos direitos fundamentais pela ciência jurídica, paralelamente constatáveis ao lado das tendências “referidas a valores” na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. De modo duvidoso, porque em parte subjetivamente irracional, em parte também regressivamente tributário do positivismo legalista, eles transpõem o tradicional cânone savignyiano das regras da interpretação. Assim eles comprovam, no que diz respeito a eles, a insuficiência daquelas regras para a concretização dos direitos fundamentais bem como genericamente para a concretização da constituição. Mas os procedimentos propostos adicional ou substitutiva- mente por eles contrapõem-se em grau considerável aos imperativos de clareza dos métodos jurídicos, próprios do Estado de Direito, e à objetividade jurídica que assegura a medida possível da segurança jurídica. A medida que eles contradizem diretamente enunciados nítidos de teores literais de normas constitucionais ou da sistemática do direito constitucional, são inadmissíveis não só no seu resultado, mas também como procedimentos.
Assim a bibliografia especializada tentou, sob tópicos como “bens comuns de grau hierárquico mais elevado”, “reserva constitucional genérica do art. 2o al. 1 da Lei Fundamental”, “abuso de direito fundamental”, “ponderação de valores de direitos fundamentais”, dotar direitos fundamentais, não obstante estes tenham sido assegurados sem reserva, contra o teor literal da sua normatização e contra a sistemática do título referente aos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn, com barreiras formalizadas, pois estas deveriam "ser consideradas como intencionadas pelo constituinte”35. Do ponto de vista do método, o fra
35 Cf. Müller III e Müller IV, pp. 1 ss., com documentação compro- batória.
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casso de tais concepções se deve ao fato delas quererem superar o nível do positivismo legalista sem ao mesmo tempo deixar para trás o seu back-ground teórico, a sua compreensão da norma, a sua identificação de norma jurídica e texto da norma e a sua concepção de prescrições jurídicas como ordens logicizadas ou juízos hipotéticos (ao invés de modelos de ordenamento materialmente determinados). Por outro lado os enfoques para a aceitação de pontos de vista materiais no trabalho da concretização — que complementam o positivismo absorvido amplamente de forma acrítica e praticado sem coerência — ainda não atingiram um patamar de consciência dos problemas de método que já permitisse contabilizá-los entre os elementos da práxis refletida da concretização da constituição.
b) Reflexão metodológica no Direito Constitucional como disciplina científica
Até depois da Primeira Guerra Mundial o Direito Público alemão tinha estado inequivocamente sob o signo do construtivismo juspositivista lógico-formal na esteira de Laband. Excetuados Hans Kelsen e seus sucessores, essa postura em questões de método não é mais representada expressamente nos dias atuais. Mas ela não foi substituída por nenhuma concepção metodológica global elaborada e continua produzindo efeitos implícitos com numerosos elementos do seu repertório na práxis do trabalho atual no direito constitucional, em larga escala não-refletida.
aa) Sobre o modo de trabalho do positivismo nodireito constitucional
O positivismo legalista no direito constitucional não pode ser igualado à aplicação das regras da interpretação
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de Savigny. Os elementos principais da sua postura básica em teoria e prática do direito já foram mencionados no início. Para o positivismo jusconstitucionalista a constituição é um sistema formal de leis constitucionais, a lei um ato de vontade do estado sob forma de lei. Para ele, as normas e os institutos de direito constitucional não podem apresentar um nexo material com dados da história e da sociedade atual, que pudesse retornar na concretização como um teor material que entra em ação de modo qualquer. Tais nexos não são negados, mas tratados como sem interesse para a ciência jurídica. A exigência de uma dogmática do Direito Público e do Direito Constitucional enquanto dogmática pura, liberta de todos os elementos “não-jurídicos” mediante a exclusão da história, da filosofia e de pontos de vista políticos, foi assimilada* por Paul Laband de Carl Friedrich v. Gerber36. O “método jurídico” é tanto expressão quanto também instrumento de uma posição política materialmente determinada. Depois de 1870 a sua tarefa bem como o seu efeito consistiram sobretudo em proteger, contra críticas possíveis, a concepção monárquico-conservadora do estado, a política an- tiliberal de Bismarck e, genericamente, as relações políticas e constitucionais existentes37.
De acordo com o credo positivista, o direito vigente é, outrossim, um sistema de enunciados jurídicos sem lacunas. Questões jurídicas efetivamente em aberto não podem surgir. Cada nova questão jurídica da práxis já foi solucionada pelo sistema, por força da necessidade do pensamento. Lacunas na regulamentação positiva expressa devem ser
36 Carl Friedrich v. Gerber II, pp. V s., 10 e 237.37 Wilhelm, pp. 140ss. e 152 ss.* übernommen.
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preenchidas de qualquer modo pela construção jurídica a partir de enunciados fundamentais* e princípios do direito positivo. Assim também questões jurídicas dessa espécie necessariamente já terão sido pré-decididas pelo sistema. Trata-se aqui não apenas da confissão da necessidade de construções auxiliares diante da falta de um non liquet processual, mas da afirmação de que todos os casos imagináveis da práxis já tenham sido substancialmente pré-decidi- dos. Os “conceitos jurídicos universais de grau mais elevado” são compreendidos como algo previamente dado, existente em si.
Insistindo na mera positividade do direito, transfigurada longe da realidade da vida, o positivismo aceitou o preço da redução ou da perda da normatividade jurídica, cujas condições específicas bem como, genericamente, a peculiaridade d<^direito saíram do campo visual à medida que o ideal de método de uma ciência natural que ainda não tinha começado a questionar-se foi transferido acriticamente a prescrições jurídicas. Assim o direito é comprendido equi- vocadamente como um ser que repousa em si, que só deve ser relacionado ex post facto com as relações da realidade histórica. A norma jurídica é compreendida equivocada- mente como ordem, como juízo hipotético, como premissa maior formalizada segundo os princípios da lógica formal, como vontade materialmente vazia. Direito e realidade, norma e recorte normatizado da realidade estão justapostos “em si” sem se relacionar, são contrapostos reciprocamente com o rigorismo da separação neokantiana de “ser" e “dever ser”, não necessitam um do outro e só se encontram no caminho de uma subsunção da hipótese legal** a
* Grundsàtze.** Tatbestand.
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uma premissa maior normativa. Contrariamente à tendência da ciência jurídica de corte positivista, a substancializa- ção de conceitos jurídicos e partes integrantes de normas de natureza verbal introduz fontes incontroláveis de irra- cionalismo na práxis jurídica. A opinião de que a norma e o texto da norma são uma só coisa ainda está amplamente difundida, devendo ainda ser considerada predominante também na metódica do direito constitucional. Até hoje não se compreende sob “métodos” do direito constitucional os modos efetivos de trabalho da concretização da norma constitucional no sentido abrangente, mas apenas as regras técnicas* da metódica da interpretação de textos de normas, transmitidas pela tradição. A metódica é tida por metódica da interpretação de textos de linguagem. Mas como a norma é mais do que um enunciado de linguagem que está no papel, a sua "aplicação” não pode esgotar-se so m en te na interpretação, na interpretação de um texto. Muito pelo contrário, trata-se da concretização, referida ao caso, dos dados fornecidos pelo programa da norma, pelo âmbito da norma e pelas peculiaridades do conjunto de fatos. A partir do conjunto de fatos do caso — não importando se ele deve ser decidido concretamente ou se ele apenas é imaginado — destacam-se como essenciais ao caso aqueles elementos que cabem no âmbito da norma e são apreendidos pelo programa da norma. Programa da norma e âmbito da norma são, por sua vez, interpretados no mesmo processo da formação de hipóteses sobre a norma com vistas ao caso concreto e, no decurso desse processo, não raramente modificadas, clarificadas e aperfeiçoadas**.
* Kunstregeln.* * fortentwickelt.
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O ataque mais virulento a tendências na metódica contemporânea do direito constitucional de transformar categorias como “valor”, “ordem de valores" ou “sistema de valores” eçn categorias da concretização jurídica parte de uma posição que recomenda diante do método por ela denominado “próprio das ciências humanas”* um retomo às “regras tradicionais da hermenêutica jurídica” no sentido de Savigny38. A ciência jurídica “se destruiria a si mesma” se ela não se ativesse incondicionalmente ao princípio de que “a interpretação da lei [é] a identificação da subsunção correta no sentido da conclusão silogística”39. Devido ao surgimento de uma interpretação explicitadora do sentido** orientada segundo teores materiais, a lei constitucional teria perdido parte da sua racionalidade e evidência. Em parte ela se encontraria em estado de dissolução. A dissolução da lei constitucional em casuística teria como contrapartida a transformação do Estado de Direito em Estado do Judiciário***. Com vistas à ordem de valores suposta por ele, o juiz estaria se assenhoreando progressivamente da constituição.
As teses apresentadas por essa posição não são isentas de contradições. Exige-se com razão que a tecnicidade da lei constitucional seja assegurada, mediante o grau de objetividade genericamente alcançável pelo trabalho jurídico, a serviço da clareza das normas, da clareza dos métodos e da segurança jurídica próprias do Estado de Direito. Problemas de concretização jurídica não podem, no entanto, ser superados mediante a “aplicação" de prescrições prontas
bb) Retorno a Savigny?
38 Forsthoff II, pp. 39 s.39 Fortshoff I, p. 11.* “Geisteswissenschaftlich”.* * sinndeutende Interpretation.* * * Justizstaat.
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de decisões voluntaristas preexistentes, nem pela “subsun- ção” e pela inferência silogística com ajuda dos cânones savignyianos40. E incontestável que as regras da interpretação de Savigny expressamente não foram formuladas para o Direito Público e o Direito Constitucional41. Tanto menos se pode reconhecer nos direitos fundamentais e na maioria das normas restantes da constituição enquanto "lei política” institutos apreensíveis de forma puramente técnica, cuja realização não deve formular para a hermenêutica e metodologia jurídicas nenhum problema que transcenda o organon silogístico. As regras exegéticas de Savigny evidenciam ser, não em último lugar quando aplicadas ao direito constitucional, aspectos que não representam “métodos” universalmente válidos, mas pontos de vista auxiliares de fecundidade variável conforme a peculiaridade das normas jurídicas* concretizandas. Elas não são sistematizáveis no sentido da lógica formal. São utilizadas muitas vezes e de múltiplas maneiras de forma não-explícita como conceitos que integram aspectos das mais diversas origens, não- esclarecidas e nesse sentido também não controláveis. Os cânones partilham o destino do ordenamento jurídico global, ignorado pelo positivismo: não podem ser compreendidos como sistema fechado, coerente e conclusivo, de dados previamente existentes meramente “aplicáveis”42. No caso
40 Assim, no entanto, Forsthoff I, II; cf. também Flume, pp. 62 ss.; para uma crítica, cf. e.g. Hollerbach; Ehmke II, pp. 45 ss.; Ehmke III, p. 64; Lerche II, pp. 690 ss.;Müller I; Hesse, pp. 20 ss.41 V. Savigny I, pp. 2, 23 e 39; Savigny II, p. 13.42 Contra a idéia do ordenamento jurídico como sistema fechado e coerente, cf. já Jellinek, e.g. pp. 353 e 358; contra as idéias sobre a subsunção, aplicação, silogismo, cf. Esser II, e.g. pp. 220, 238, 253 s. e 261; Ehmke III, pp. 55 ss.; Bãumlin, p. 36; Kaufmann I, pp. 380 s. e 387 ss.; Kaufmann II, pp. 29 ss.* Rechtssãtze.
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de enunciados jurídicos tecnicamente especializados com âmbitos de normas gerados pelo direito, a representação mental positivista pode afigurar-se plausível. Diante de normas jurídicas com âmbitos de normas mais complexos e integral ou parcialmente não-gerados pelo direito, bem como sobretudo diante das prescrições constitucionais, essa representação praticamente não é documentável.
Os pontos de vista auxiliares em questões de método, transmitidos pela tradição, são incompletos e inconclusos. Não podem ser “aplicados a” um caso jurídico, mas apenas mediados com ele bem como com o teor material normativo das pertinentes normas jurídicas e com uma série de outros aspectos da concretização, em meio a um processo complexo. Na experiência da práxis jurídica, nem o caso solucionando, nem os recursos auxiliares da interpretação, nem mesmo a norma jurídica evidenciam ser fechados e coerentes e previamente dados. Só essa razão já mostra que a interpretação do direito e o desenvolvimento do direito* não podem ser separadas com rigorismo. A similitude à norma na concretização criativa, da qual fala o Tribunal Constitucional Federal43, questiona a tradicional compreensão positivista-sistemática do Direito Público e do Direito Constitucional mesmo no caso da vinculação mais estrita da concretização da constituição à norma, que a práxis e a ciência jurídicas podem atingir. A própria tipicidade formal da constituição é uma tipicidade formulada de teores materiais, exigências, programas e esforços políticos, posições jurídicas, formulações de teoria do estado etc. A restrição do olhar à sua forma de linguagem e a uma siste
43 BVerfGE 13, pp. 318 e 328; 15, pp. 226 e 233. Cf. também Esser II; Wieacker II; Kaufmann I, pp. 387 ss.; Geiger, e.g. pp. 174 s. e 242 ss., 246 e 250 ss.* Rechtsfortbildung.
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mática verbal impede o acesso aos teores materiais norma- tizados e com isso ao fato do direito constitucional positivo possuir um teor material normativo. O possível não se converte em dever, mas o impossível em postulado, se a constituição é percebida como estrutura* “evidente” de normas que na sua tecnicidade restrita à forma lingüística** deve ser suficientemente concretizável com as regras savignyia- nas da interpretação textual.
cc) Novos enfoques da metódica do direitoconstitucional
A análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal mostrou que a evolução mais recente da metódica do direito constitucional por um lado ainda não introduziu na discussão uma concepção global, mas uma série de pontos de vista adicionais para a concretização prática da constituição. Dentre eles já foram mencionados o princípio da interpretação conforme a constituição e o ponto de vista da “natureza da coisa” na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal. Outros aspectos dizem respeito ao direito jurisdicional no direito constitucional44, a tentativas de interpretação dos direitos fundamentais como instituições45, ao problema da aplicação tópica do direito46, ao teor de
44 H. P. Schneider.45 Hãberle I, e.g. pp. 70 ss.; II, pp. 390 ss.; Lerche I, pp. 241 s.46 E.g. Viehweg; Esser II; Bàumlin I; Larenz, pp. 146 ss.; Ehmke III, pp. 55 s.; Diederichsen; Müller I, p. 56 ss. e 65 ss.; v. Pestalozza, p. 429.* Gefüge.* * Sprachgestalt.
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realidade das normas constitucionais47 e da sua concretização, ao procedimento de formulação de hipóteses sobre as normas48 bem como a uma série de princípios individuais de interpretação da constituição49.
3. Considerações sobre o estado atual da discussão
O pragmatismo da jurisprudência evidenciou ser compreensível. Um caos similar de velho e novo, uma confusão similar de enfoques hermenêuticos e metódicos, de elementos e blocos erráticos de origem teórica mais distinta imaginável, clarificanda de modo apenas pragmático no caso individual por meio de uma decisão, caracterizam também o estado atual da discussão na bibliografia especializada. Nesse sentido a metódica do direito constitucional encontra-se çjn situação especialmente precária por defrontar-se a partir do seu “objeto” normativo com dificuldades amplificadas, que surgem além disso também à medida que ela não pode invocar, diferentemente do Direito Civil e do Direito Penal, uma concepção global já realizada pela história da ciência. Muito mais do que o Direito Administrativo, o Direito Constitucional é o campo de trabalho de uma disciplina jovem, relativamente pouco fundamentada, dependente da política em grau relativamente forte e relativamente pouco diferenciada em termos técnicos e formais. Ele é metódica e hermeneuticamente não-media- do, perpassado de forma pouco clara e postulatória por elementos de teoria. O disciplinamento desses elementos
47 MüllerI, II.48 Kriele.49 P. Schneider; Ehmke III; Ossenbühl; Hesse II, pp. 27 ss.
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por meio de uma metódica do direito constitucional que não extrai os seus enunciados de conteúdos teóricos ou ideológicos, mas das possibilidades da concretização prática, exige um novo enfoque. O estado confuso da discussão metodológica na ciência jurídica faz que o esboço de uma concepção que não se restrinja à técnica de solução no sentido da técnica para pareceres jurídicos, da técnica de exames ou de sentenças: de uma concepção interessada antes de mais nada na compreensão teórica e no estabelecimento do nexo teórico dos seus elementos de concretização obtidos na observação da práxis jurisprudencial, legislativa, administrativa e científica. Diante disso é de relevância secundária o tempo necessário para que os enunciados de uma tal concepção atinjam a postura da rotina do método dos práticos, que com efeito tende à racionalização secundária aparente, argumenta freqüentemente a partir do resultado, cobre o espectro do pragmatismo ao oportunismo e é, considerado na sua totalidade, tributário do eclético “pluralismo de métodos”.
A análise realizada até o momento provou que os distintos tipos da ordem jurídica* não podem ser generalizadas n”a” norma jurídica. Não se pode derivar de tal abstractum conseqüências que resistem à tarefa da concretização prática. Em contrapartida a norm.ativid.ade comum a todas as prescrições jurídicas é um critério de aferição pelo qual se pode medir as exigências a diretivas hermenêuticas e metódicas. Assim se evidenciou que o positivismo legalista ainda não superado pela teoria e práxis refletidas, com a sua compreensão do direito como sistema sem lacunas, da decisão como uma subsunção estritamente lógica, e com a sua eliminação de todos os elementos da ordem social não-repro- duzidos no texto da norma é tributário de uma ficção que
* rechtliche Anordnung.
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não pode ser mantida na prática. Mas para o Direito Civil e o Direito Penal o positivismo legalista do "método jurídico”50, que invocava de forma unilateralizante os aspectos da interpretação de Savigny, foi um episódio da história da ciência que podia ser defendido com argumentos e podia também ser tornado plausível quanto à sua função social. Mas para o Direito Público e o Direito Constitucional a assunção dessas regras técnicas foi desde o começo ou um mal-entendido ou uma assunção não-verificada quanto à sua justificabilidade. Em caso emergencial, o Direito Civil e o Direito Penal podiam retirar-se e encastelar-se na profissão dos cânones, para comprovar a sua racionalidade em termos de ciência jurídica. A partir desse fundamento as concepções globais ou parciais que posteriormente transcenderam os cânones (Escola Sociológica, Escola do Direito Livre, Jurisprudência dos Interesses e dos Valores, “sistema móvel”, tópica, construtivismo sistêmico tipológico, direito jurisdícional e tendências similares) podiam ser processadas com melhores argumentos de direito e com consciência mais limpa. Graças à sua peculiaridade normativa, o Direito Público e o Direito Constitucional participaram em grau menor desses movimentos mais recentes do que sobretudo o Direito Civil. Por outro lado a sua invocação das regras da interpretação de Savigny como empréstimo não-verificado foi a limine menos seguro em termos de história da ciência do que os correspondentes processos no Direito Civil e no Direito Penal.
Importa examinar os elementos savignyianos de interpretação com vistas à sua aproveitabilidade para a metódica do direito constitucional e analisá-los mais pormenorizadamente com vistas às condições da concretização do direito
50 v. Gerber, v. Jhering, Laband e a práxis e bibliografia especializada na esteira desses autores.
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constitucional. Pelo simples fato deles reduzirem a realização do direito à interpretação, a concretização da norma à interpretação do texto da norma, os cânones já não podem ser suficientes para a concretização da norma no direito constitucional. Diante disso, uma metódica do direito constitucional sistematicamente elaboranda deve pesquisar a estrutura da normatividade; e isso significa, já que a concretização da norma evidencia ser um processo estruturado, que ela deve pesquisar a estrutura das normas jurídicas. A metódica jusconstitucional deve ser fundamentada por uma teoria do direito: mas não por uma teoria sobre o direito (seja ela de natureza teológica, ética, filosófica, sociológica, político-ideológica), mas por uma teoria do direito, quer dizer, por uma teoria da norma jurídica. Ela é "hermenêutica” no sentido aqui definido. Circunscreve a peculiaridade fundamental da estrutura normativa, diante de cujo pano de fundo devemos ver o trabalho prático da metódica jurídica.
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Capítulo III
ESBOÇO DE UMA METÓDICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL
1. Fundamentos da metódica jurídica
a) Metódica e teoria das funções
A metódica do trabalho é uma metódica de titulares de funções. Em nível hierárquico igual ao lado da jurisprudência e da ciência jurídica, a legislação, a administração e o governo trabalham na concretização da constituição. Tal trabalho sobre* a constituição orienta-se integralmente segundo normas: também a observância da norma, em virtude da qual deixa de ocorrer um conflito constitucional ou um litígio, é concretização da norma. Em cada caso as per-
t tinentes prescrições de direito (constitucional) motivamde modo específico o comportamento de titulares de funções e outros destinatários. Também os atingidos** que participam da vida política e da vida da constituição desempenham funções efetivas de concretização da constitui-
* Bearbeiten.* * Betroffenen.
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ção de uma abrangência praticamente não superestimável, ainda que apareçam menos e costumem ser ignorados me- todologicamente: por meio da observância da norma, da obediência a ela, de soluções de meio termo e arranjo no quadro do que ainda é admissível ou defensável no direito constitucional, e assim por diante. Se a constituição deve desenvolver força normativa1, a “vontade à constituição”, que é uma vontade para seguir ou concretizar e atualizar a constituição, não pode permanecer restrita à ciência jurídica enquanto titular da função no sentido mais amplo e aos titulares de funções no sentido mais estrito, que foram instituídos, encarregados, legitimados e dotados de competências de decisão e sanção pela constituição e pelo ordenamento jurídico, mediante prescrições de competências.
Esse nexo não deve ser perdido de vista, embora não caiba aqui desenvolver uma teoria das funções em termos de direito constitucional e teoria constitucional2. Condições, possibilidades e limitação da metódica jurídica são integralmente determinadas pela configuração das respectivas funções do ofício, das tarefas e do trabalho. Métodos de trabalho determinam-se pela espécie e tarefa do trabalho. A tarefa da práxis do direito constitucional é a concretização da constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas e da atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no governo; ela é a concretização da constituição que primacialmente controla, mas simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurisprudência, dentro dos espaços normativos*. A obtenção, a publicação e a fundamentação da decisão são declarados de- veres por meio de ordem do direito positivo, em grau e de
1 Hesse I.2 Cf. Hesse II, pp. 192 ss.* normative Spielráume.
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modo mutantes. A publicação da decisão (da norma jurídica, da portaria governamental ou administrativa, da sentença judicial) é um elemento do ordenamento da estatalidade jurídica. A representação e publicação da fundamentação deve, por um lado, convencer os atingidos, por outro tornar a decisão controlável para um possível reexame por tribunais de instância superior, para outras chances da tutela jurídica e com vistas à questão da sua conformidade à constituição. Um outro efeito consiste na introdução da decisão publicada e fundamentada na discussão da práxis e da ciência jurídicas e da política jurídica e constitucional. Juntamente com a formação da tradição, a crítica e o controle por ela causados, essa discussão integra em função consultiva as tarefas principais da ciência jurídica, ao lado da teoria, cujas questões especificamente didáticas não nos interessam aqui, e ao lado da solução de problemas de casos atuais. De ̂ acordo com a medida dessa estrutura distinta de tarefas, a práxis jurídica não está obrigada à reflexão hermenêutica e metódica explícita, mas seguramente à busca de uma metódica que permite representar e verificar racionalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a decisão, a relevância dos elementos do caso afetados por esses critérios de aferição e a sustentabilidade da decisão; de uma decisão que deve ser apurada a partir da mediação metodicamente diferencianda de ambos componentes por meio da concretização da “pertinente” norma jurídica enquanto “norma de decisão”. A metódica deve poder decompor os processos da elaboração da decisão e da fundamentação expositiva em passos de raciocínio suficientemente pequenos para abrir o caminho ao feed-back* controlador por parte dos destinatários da norma, dos afetados
* Rückkopplung.
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por ela, dos titulares de funções estatais (tribunais revisores, jurisdição constitucional etc.) e da ciência jurídica.
b) Normatividade, norma e texto da norma
Quando juristas falam e escrevem sobre “a” constituição, referem-se ao texto da constituição; quando falam “da” lei, referem-se ao seu teor literal. Mas um novo enfoque da hermenêutica jurídica3 desentranhou o fundamental conjunto de fatos* de uma não-identidade de texto da norma e norma. Entre dois aspectos principais o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a “ponta do iceberg". Por um lado, o teor literal serve via de regra à formulação do programa da norma, ao passo que o âmbito da norma normalmente é apenas sugerido como um elemento co-constitutivo da prescrição. Por outro lado a normatividade, pertencente à norma segundo o entendimento veiculado pela tradição, não é produzida por esse mesmo texto. Muito pelo contrário, ela resulta dos dados extralingüísti- cos de tipo estatal-social: de um funcionamento efetivo, de um reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva desse ordenamento constitucional para motivações empíricas na sua área; portanto, de dados que mesmo se quiséssemos nem poderiam ser fixados no texto da norma no sentido da garantia de sua pertinência. Também o “conteúdo" de uma prescrição jurídica, i. é, os impulsos de ordenamento, regulamentação e critérios de aferição que dela partem (porque publicados, veiculados, transmitidos, aceitos e observados), não estão substancialmente “presentes” no seu teor literal. Esse conteúdo também pode ser formulado
3 Müller I, e.g. pp. 147 ss.* Grundsachverhalt.
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i
apenas em linguagem* pelo teor literal, pode ser “representado” apenas pelo modo peculiar à linguagem. Não é o teor literal de uma norma (constitucional) que regulamenta um caso jurídico concreto, mas o órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pú- bliça, o tribunal que elaboram, publicam e fundamentam a decisão regulamentadora do caso, providenciando, quando necessário, a sua implementação fáctica — sempre conforme o fio condutor da formulação lingüística dessa norma (constitucional) e com outros meios metódicos auxiliares da concretização.
A não-identidade de norma e texto da norma, a não- vinculação da normatividade a um teor literal fixado e publicado com autoridade ressalta também do fenômeno do direito consuetudinário. Não se duvida da sua qualidade jurídica, embora ele não apresente nenhum texto definido com autoridade. Essa propriedade do direito, de ter sido elaborado de forma escrita, lavrado e publicado segundo um determinado procedimento ordenado por outras normas, não é idêntica à sua qualidade de norma. Muito pelo contrário, ela é conexa a imperativos do Estado de Direito e da democracia, característicos do estado constitucional burguês da modernidade. Mesmo onde o direito positivo dessa espécie predominar, existe praeter constitutionem um direito (constitucional) consuetudinário com plena qualidade de norma4. Além disso mesmo no âmbito do direito vigente a normatividade que se manifesta em decisões práticas não está orientada lingüisticamente apenas pelo texto da norma jurídica concretizanda. A decisão é elaborada com ajuda de materiais legais, de manuais didáticos, de
4 Cf. genericamente Huber, Hesse II, pp. 15 s.* sprachlich.
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comentários e estudos monográficos, de precedentes e de material do Direito Comparado, quer dizer, com ajuda de numerosos textos que não são idênticos ao e transcendem o teor literal da norma.
Em meio à massa dos materiais de trabalho resultantes da práxis e da ciência jurídicas, a metódica jurídica dispõe de matéria suficiente para elaborar as suas próprias condições fundamentais. Isso vale também diante do estado atual dos esforços em interligar ciência jurídica e teoria da comunicação. Analogamente ao esboço aqui realizado dos pressupostos teóricos da metódica do positivismo legalista, foi mostrado pela teoria da comunicação que a metódica jurídica tradicional apresenta, com a sua concentração na teoria da interpretação do texto, com o seu conceito-meta de univocidade, com a sua idéia de um “conteúdo” pronto, previamente dado como grandeza orientadora na norma jurídica, e com um “significado” abstraído e abstraível da composição tipográfica, elementos de um estilo ontológico de raciocínio5. Diante disso propõe-se para a compreensão das normas jurídicas o modelo do sistema imperativo de comunicação.
Apesar de muito elucidativo, esse enfoque pode contribuir muito pouco para o aperfeiçoamento da metódica jurídica, pois para sistemas de comunicação desenvolvidos a descrição factual* acaba ocupando o primeiro plano no lugar do modelo de fundamentos da situação imperativa de comunicação, em virtude da complexidade necessariamente mais elevada nesses sistemas. A isso corresponde que os fundamentos de uma hermenêutica jurídica que aponta para além do positivismo legalista só foram obtidos a partir
5 Horn I, e.g. pp. 24 ss., 105, 157 ss. e 160 ss; Horn II, e.g. pp. 557 ss., 580 s., 585 e 587.* dingliche Deskription.
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da observação do trabalho jurídico na práxis e na ciência. Ao lado das mencionadas correspondências às análises de hermenêutica jurídica e teoria da comunicação, devemos enumerar ainda as seguintes: a técnica de comunicação orienta a futura atuação conjunta dos membros do grupo social. Essa atuação conjunta forma respectivamente uma estrutura relativamente constante de nexos de ação e organização e de nexos materiais. Estes não são substancialmente circunscritos pela expressão lingüística da norma jurídica, não estão nela “contidas” quanto ao seu objeto*. Conceitos jurídicos no texto da norma fornecem apenas em determinados casos (no âmbito da norma gerado pelo direito, como e.g. em prazos, datas e prescrições meramente processuais) descrições factuais do que é referido**; em regra eles evocam apenas enquanto conceitos sinalizadores e concatenadores o que se pensa como correspondência na realidade social. O texto da norma não “contém” a norma- tividade e a sua estrutura material concreta. Ele dirige e limita as possibilidades legítimas e legais da concretização materialmente determinada do direito no âmbito do seu quadro. Conceitos jurídicos em textos de normas não possuem “significado”, enunciados não possuem “sentido” segundo a concepção de um dado orientador acabado***. Muito pelo contrário, o olhar se dirige ao trabalho concreti- zador ativo do “destinatário" e com isso à distribuição funcional dos papéis que, graças à ordem **** jurídico-positiva do ordenamento jurídico e constitucional, foi instituída para a tarefa da concretização da constituição e do direito.
* der Sache nach.** des Gemeinten.* * * eines abgeschlossen Vorgegebenen.* * * * Anordnung.
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c) Norma, texto da norma e estrutura da norma
Conforme mostra a análise da práxis jurídica, a norma- tividade é um processo estruturado. A análise da relação entre normatividade, por um lado, e norma e texto da norma, por outro lado, prolonga-se na análise da estrutura da norma.
"Estrutura da norma e normatividade" serviu6 de deixa para a análise da relação entre direito e realidade na hermenêutica jurídica, quer dizer, para uma área parcial do enfoque indagativo* de uma metódica do direito (constitucional). Depois do que foi dito aqui, “estrutura da norma e normatividade” simultaneamente representam também o esboço de uma metódica do direito constitucional a ser tentado na direção além ao positivismo legalista, que abrange, ao lado de elementos dogmáticos e metodológicos no sentido mais restrito, entre outras coisas também a hermenêutica no sentido da definição aqui utilizada.
O teor literal expressa o “programa da norma”, a "ordem jurídica” tradicionalmente assim compreendida. Pertence adicionalmente à norma, em nível hierárquico igual, o âmbito da norma, i. é, o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma “escolheu" para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação (como amplamente no caso de prescrições referentes à forma e questões similares). O âmbito da norma pode ter sido gerado (prescrições referentes a prazos, datas, prescrições de forma, regras institucionais e processuais etc.) ou não-gerado pelo direito7. Na maioria dos casos valem as
6 Müller I.7 Cf. art. Io al. 1, art. 3o al. 2 e 3, art. 4o al. 1, art. 5o al 3, frase 1 da Lei Fundamental e prescrições comparáveis.* Fragestellung.
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duas coisas: o âmbito da norma apresenta tanto componentes gerados quanto componentes não-gerados pelo direito. Assim, no âmbito da norma do art. 21 al. 1 frase 1 da Lei Fundamental a constituição efetiva de orientações e esforços políticos e a sua respectiva programática conteudística não são gerados pelo direito, diferentemente das formas jurídicas da associação como e.g. sociedade sem capacidade jurídica*, sociedade com personalidade jurídica etc. Âmbitos de norma como o da Seção VIII da Lei Fundamental8 ou como e.g. aqueles que se referem à jurisdição9 provam, tais como são evocados pelos correspondentes teores literais das normas, ser quase inteiramente gerados pelo direito e com isso mais precisa e confiavelmente formuláveis no texto da norma do que os âmbitos de norma dos direitos fundamentais ou de normas principiológicas constitucionais10. No direito constitucional evidencia-se com especial nitidez que uqia norma jurídica não é um "juízo hipotético” isolável diante do seu âmbito de regulamentação, nenhuma forma colocada com autoridade por cima da realidade, mas uma inferência classificadora e ordenadora a partir da estrutura material do próprio âmbito social regulamentado. Correspondentemente, elementos “normativos” e “empíricos” do nexo de aplicação e fundamentação do direito que decide o caso no processo da aplicação prática do direito provam ser multiplamente interdependentes e com isso produtores de um efeito normativo de nível hierárquico igual. No âmbito do processo efetivo da concretização prática do direito, “direito" e “realidade” não são grandezas
8 Arts. 83 ss. da Lei Fundamental.9 E.g. arts. 92 ss. da Lei Fundamental.10 Como arts. 20, 21, 79 al. 3 da Lei Fundamental e outros artigos similares.* Rechtsfáhigkeit.
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que subsistem autonomamente por si. A ordem* e o que por ela foi ordenado são momentos da concretização da norma, em princípio eficazes no mesmo grau hierárquico, podendo ser distinguidos apenas em termos relativos.
O âmbito da norma não é idêntico aos pormenores materiais do conjunto dos fatos. Ele é parte integrante material da própria prescrição jurídica11. Da totalidade dos dados afetados por uma prescrição, do “âmbito material", o programa da norma destaca o âmbito da norma como componente da hipótese legal normativa**. O âmbito da norma é um fator co-constitutivo da normatividade. Ele não é uma soma de fatos, mas um nexo formulado em termos de possibilidade real de elementos estruturais que são destacados da realidade social na perspectiva seletiva e valorativa do programa da norma e estão via de regra conformados de modo ao menos pârcialmente jurídico. Em virtude da conformação jurídica do âmbito da norma e em virtude da sua seleção pela perspectiva do programa da norma o âmbito da norma transcende a mera facticidade de um recorte da realidade extrajurídica. Ele não é interpretável no sentido de uma “força normativa do fáctico"12. Com isso a norma jurídica prova ser um modelo de ordem materialmente caracterizado* ** , esboço vinculante de um ordenamento parcial da comunidade jurídica que representa o enunciado jurídico em linguagem e na qual os fatores ordenante e ordenando necessariamente formam uma unidade e se complementam e reforçam reciprocamente de forma incondicio
11 Müller I, e.g. pp. 107 s., 117 s., 125 s., 131 ss., 137 ss., 142 ss., 184 ss. e 201 ss.12 Müller I, pp. 127, 172 sv 184 ss., 201 ss.* Anordnung.* * Normativtatbestand.* * * sachgeprãgtes Ordnungsmodell.
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nal na práxis da realização do direito. Uma regra jurídica produz o esboço vinculante de uma ordem materialmente caracterizada, que no entanto não se dissolve no fato dela ser materialmente determinada*. O âmbito da norma entra no horizonte visual da norma jurídica bem como da norma da decisão unicamente no enfoque indagativo determinado pelo programa da norma. Legislação, administração e tribunais que tratam na prática o âmbito da norma como normativo, não sucumbem a nenhuma normatividade apócrifa do fáctico. O Tribunal Constitucional Federal voltou-se com razão contra a acusação de que tal procedimento decorreria de um “sociologismo” ou de que ela teria se devotado a uma metódica “não-jurídica”13.
A objeção de que uma parte desse enfoque hermenêutico já poderia ser solucionada com os métodos tradicionais da interpretação de Savigny ignora que os cânones fazem com isso algo^que pela sua concepção não deveriam fazer. Na práxis jurídica cabe-lhes constantemente encobrir por meio da linguagem partes integrantes do âmbito da norma que em verdade (co) determinam a decisão do caso jurídico por força da sua própria consistência material e justamente não podem ser identificados com ajuda dos cânones. Não por último em tais discrepâncias, constatou-se sempre de novo que a mera fidelidade às regras de Savigny necessariamente permanece fictícia também no direito constitucional.
Não em último lugar, as diferenças das várias disciplinas setoriais da ciência do direito estão fundadas na diferente autonomia material dos âmbitos da norma. Em prescrições referentes à forma, em normas processuais e orga
13 BVerfGE 6, pp. 132, 142 ss. e 147 s.* Sachgegebenheit.
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nizacionais, em prescrições de remissão*, definições legais** e em regulamentações com enunciado jusdogmáti- co-conceitual numérica ou individualmente determinado os âmbitos das normas desaparecem por trás dos programas das normas. Quase nunca fornecem à práxis pontos de vista adicionais para a concretização. Mas quanto mais materialmente vinculada for uma norma, quanto mais partes integrantes não-gerados pelo direito contiver o seu âmbito da norma, tanto mais a sua implementação carecerá dos resultados de análises do âmbito da norma. No caso de prescrições de direito constitucional os âmbitos da norma freqüentemente são fecundos e possuem um peso decisivo para a concretização. Por isso a práxis jurisprudencial de tribunais constitucionais tem um valor paradigmático em termos de conhecimento.
Fatores tipológicos da estrutura da norma e com isso das condições distintas da concretização da norma são, por exemplo:
— a peculiaridade do âmbito material (de novo tipo ou tradicionalmente assegurado, de maior ou menor relevância política e social, gerado pelo direito, “de gênese natural” ou ambas as coisas em uma determinada relação de mistura etc.),
— a confiabilidade do texto da norma na formulação do programa da norma,
— a precisão do programa da norma formulado no teor literal da prescrição por ocasião do destaque do âmbito da norma do âmbito material, i. é, dos nexos materiais mais genéricos da prescrição jurídica,
— o grau e o estado do tratamento (científico) de uma área de regulamentação dentro e fora da ciência e da práxis jurídicas e, não em último lugar,
* Verweisungsvorschriften.* * Legaldefinitionen.
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— a posição normativa da prescrição jurídica a ser concretizada, na sua codificação ou no ordenamento jurídico (constitucional) (assim e.g. a peculiaridade de normas da Parte Geral do Código Civil Alemão [BGB] ou as cláusulas gerais compensatórias, conscientemente incluídas em uma codificação elaborada, como os §§ 138, 242 e 826 do BGB; na Lei Fundamental: determinação da forma de estado, determinações dos objetivos do estado, imperativos do Estado de Direito de concretude variável, mandatos de legislação, diretrizes constitucionais, normas materiais e referentes a critérios de aferição, prescrições de competência, regras organizacionais e processuais, direitos fundamentais).
d) Concretização da norma ao invés de interpretação do texto da norma
Enquantojorem indicadas como “métodos” da práxis e da ciência jurídicas somente regras da interpretação, a estrutura da realização prática do direito terá sido compreendida de forma equivocada. A interpretação do teor literal da norma é um dos elementos mais importantes no processo da concretização, mas somente um elemento. Uma metódica destinada a ir além do positivismo legalista deve indicar regras para a tarefa da concretização da norma no sentido abrangente da práxis efetiva. Não pode aferrar-se nem ao dogma da evidência nem ao dogma voluntarista. Não pode conceber o processo bem como a tarefa da realização do direito normativamente vinculada como uma mera reelaboração de algo já efetuado. Ela deve elaborar os problemas da "pré-compreensão” da ciência jurídica e do fato da concretização estar referida ao caso. Ela deve partir in totum de uma teoria da norma que deixa para trás o positivismo legalista.
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Conforme foi mostrado, a concretização por uma série de razões não pode ser um procedimento meramente cognitivo. A normatividade comprova-se apenas na regulamentação de questões jurídicas concretas. Ela é exigida somente no processo de tais regulamentações e só com isso adquire eficácia. Normas jurídicas não são dependentes do caso, mas referidas a ele, sendo que não constitui problema prioritário se se trata de um caso efetivamente pendente ou de um caso fictício. Uma norma não é (apenas) carente de interpretação porque e à medida que ela não é “unívo- ca”, “evidente”, porque e à medida que ela é “destituída de clareza” — mas sobretudo porque ela deve ser aplicada a um caso (real ou fictício). Uma norma no sentido da metódica tradicional (i. é: o teor literal de uma norma) pode parecer “clara” ou mesmo “unívoca” no papel. Já o próximo caso prático ao qual ela deve ser aplicada pode fazer que ela se afigure extremamente “destituída de clareza”. Isso se evidencia sempre somente na tentativa efetiva da concretização. Nela não se “aplica” algo pronto e acabado a um conjunto de fatos igualmente compreensível como concluído. O positivismo legalista alegou e continua alegando isso. Mas “a” norma jurídica não está pronta nem "substancialmente” concluída. Ela é um núcleo materialmente circuns- critível da ordem normativa, diferenciável com os recursos da metódica racional. Esse “núcleo” é concretizado no caso individual na norma de decisão e com isso quase sempre também tornado nítido, diferenciado, materialmente enriquecido e desenvolvido dentro dos limites do que é admissível no Estado de Direito (determinados sobretudo pela função limitadora do texto da norma). Por meio de detalhamento* e concretização recíprocas da norma (nem con
* Prãzisierung.
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cluída nem isolável) junto ao conjunto de fatos e do conjunto de fatos (igualmente nem isolável, nem nesse sentido “concluído”) junto à norma descobre-se em um procedimento sempre normativamente orientado o que deve ser de direito no caso individual, em conformidade com a prescrição jurídica. Um enunciado jurídico não funciona mecanicamente. A própria doutrina do “sens clair” de direitos estrangeiros, que afirma que conceitos aparentemente uní- vocos não podem ser submetidos à interpretação, só chega a essa afirmação mediante a antecipação interpretativa do possível sentido da norma14. A “subsunção” é apenas aparentemente um procedimento lógico formal; na verdade, é um procedimento determinado no seu conteúdo pela respectiva pré-compreensão de dogmática jurídica.
Depois do exposto já não é mais possível compreender com sentido* a concretização ou apenas, em formulação mais estrita^a interpretação do texto como reconstrução do que foi intencionado pelo dador da norma no sentido da identificação da sua “vontade” ou da “vontade” da norma jurídica. A simples futuridade** dos casos regulamentan- dos e conseqüentemente das decisões individuais atribuen- das a uma norma determinada faz que nem “a” vontade nem “a” decisão de uma prescrição em si possam ser identificadas. Em contrapartida, a possibilidade para posições decisionistas (e tributárias do positivismo legalista) de isolar a “vontade” e colocá-la em caso de conflito acima do teor normativo metodicamente elaborado, no fundo já não é mais um problema do direito, mas uma questão de poder histórico de fato; não mais um problema da ciência do di
14 Müller I, pp. 45 s; cf. também Esser IV.* sinnvoll.* * Zukünftigkeit.
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reito, mas uma questão de metafísica da história e de ideologia prática.
O dogma voluntarista descende da pandectística e foi assimilado por ela da teoria do Direito Público dos inícios do positivismo, sobretudo por Gerber e Laband. Ele se prolongou na representação mental da norma jurídica como ordem e privou com a separação de direito e realidade a norma enquanto alegado imperativo hipotético da relação material com o seu âmbito de regulamentação e vigência.
Não é possível descolar a norma jurídica do caso jurídico por ela regulamentando nem o caso da norma. Ambos fornecem de modo distinto, mas complementar, os elementos necessários à decisão jurídica. Cada questão jurídica entra em cena na forma de um caso real ou fictício. Toda e qualquer norma somente faz sentido com vistas a um caso a ser (co) solucionado por ela. Esse dado fundamental* da concretização jurídica circunscreve o interesse de conhecimento peculiar da ciência e da práxis jurídicas, especificamente jurídico, como um interesse de decisão. A necessidade de uma decisão jurídica (também de um caso fictício) abrange a problemática da compreensão, os momentos e procedimentos cognitivos. No entanto, a decisão jurídica não se esgota nas suas partes cognitivas. Ela aponta para além das questões “hermenêuticas” da “compreensão”, no sentido genericamente peculiar que “hermenêutica” e “compreensão” têm nas ciências humanas**. E claro que a relação entre os elementos cognitivos e os elementos não- cognitivos no processo de concretização muda conforme a função jurídica exercida e que e.g. o interesse de “conheci
* Grundtatbestand.* * Geisteswissenschaften.
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mento” cognitivo passa, na concretização científica diante de um caso fictício, nitidamente para o primeiro plano.
A força enunciativa* de uma norma para um caso é por assim provocada por esse mesmo caso. Em um procedimento, que ganha gradualmente em precisão por meio da verificação recíproca da(s) prescrição (prescrições) jurídi- ca(s) considerada(s) relevante(s) junto aos componentes para elas relevantes do conjunto de fatos e, inversamente, dos componentes do conjunto de fatos — tratados, à guisa de hipótese de trabalho, como relevantes junto à norma que lhes é provisoriamente atribuída (ou junto a várias prescrições jurídicas) —, os elementos normativos e os elementos do conjunto de fatos assim selecionados “com vistas à sua reciprocidade” continuam sendo concretizados, igualmente "com vistas à sua reciprocidade”, uns junto aos outros (e sempre com a possibilidade do insucesso, i. é, da necessidade de introduzir outras variantes de normas ou normas à guisa de hipótese de trabalho). A solução, i. é, a concretização da norma jurídica em norma de decisão e do conjunto de fatos, juridicamente ainda não decidido, em caso jurídico decidido deve comprovar a convergência material de ambos, publicá-la e fundamentá-la15.
O que foi dito até agora já torna claro que papel a “pré- compreensão" da norma concretizanda e do caso desempenha no trabalho jurídico. No contexto da metódica jurídica, "pré-compreensão” pode significar somente pré-com- preensão jurídica, não pré-compreensão filosófica ou genericamente própria das ciências humanas. Isso vale também diante dos elementos não-jurídicos da pré-compreensão "ideológica” no sentido abrangente, diante do caráter de
15 Cf. também Esser IV.* Aussagekraft.
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pré-julgamento* genericamente válido para toda e qualquer compreensão. A dogmática, a teoria e a metódica do direito (constitucional) devem disponibilizar meios para fundamentar os momentos especificamente jurídicos desse caráter de pré-julgamento autonomamente como pré-com- preensão normativa e materialmente referida do universo jurídico, para delimitá-la de forma clarificadora, diferenciá-la e introduzi-la destarte no processo da concretização enquanto fator estruturado, controlável e discutível. A pré- compreensão jurídica e a sua justificação racional — na práxis do direito constitucional em larga escala congruente com a inserção de conteúdos da teoria do estado e da constituição — é assim o lugar de uma crítica das ideologias que nasce da práxis e não deve ser feita autosuficientemente com vistas à própria práxis, mas com vistas à racionalidade e correção da decisão a ser tomada. Diante da ciência do direito, tradicionalmente concebida como ciência humana normativa referida à realidade, a pergunta pela sua objetividade e vigência universal se coloca de forma especial. A ciência do direito distingue-se da "objetividade” das ciências naturais em virtude da sua matéria “histórica”; distingue-se do modo de trabalho das ciências humanas "compreensivas” pela sua vinculação a normas jurídicas “vigentes”. O postulado da objetividade jurídica não pode ser formulado no sentido de um conceito ideal "absoluto”; pode, no entanto, ser perfeitamente formulado como postulado de uma racionalidade verificável da aplicação do direito, suscetível de discussão, e como postulado da sua adequação material** no sentido da caracterização material de prescrições jurídicas e da inclusão dos elementos materiais de normatividade na concretização. A objetividade ju
* Vorurteilshaftigkeit.* * Sachgerechtigkeit.
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rídica não pode alegar defrontar-se com a prescrição e o caso sem "pressupostos”. Tais pressupostos já são dados com a linguagem que abrange tanto as prescrições jurídicas quanto os intérpretes. Eles atuam, outrossim, como conhecimento de nexos materiais, de dados da experiência e sobretudo como posições, esforços e teores materiais de teoria jurídica, de teoria do estado, de teoria constitucional, de dogmática e de teoria do direito e da constituição; por conseguinte, como forças motivadoras preexistentes à concretização individual. A ciência jurídica deve, não em último lugar, verificar nesse sentido os seus pressupostos, diferenciá-los e expô-los sem falseamento e embelezamento em termos de método.
O que foi dito segue da natureza da ciência jurídica enquanto ciência prática. No Estado Democrático de Direito, a ciência jurídica não pode abrir mão da discutibilida- de ótima dossseus resultados e dos seus modos de fundamentação. Mesmo na sua condição de ciência normativa ela tem por encargo a intenção de uma vigência universal (que só racionalmente realizável). A necessidade da racionalidade mais ampla possível da aplicação do direito segue da impossibilidade da sua racionalidade integral; admitir esta última significaria ignorar o caráter de decisão e de valoração do direito. Essa confissão circunscreve o campo do possível. Sem a sobriedade do excesso racionalista a ideologia poderia desenvolver-se sem limites e controles.
A concretização jurídica não é “reelaboração”* de valo- rações legislativas; não é "reelaboração de configurações espirituais objetivamente fornecidas como orientações prévias”16. A norma jurídica deve regulamentar uma quin
16 Canaris, pp. 145 ss. e 148.* '‘Nachvollzug”.
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rtessência indeterminada de casos jurídicos práticos, nem concluída nem suscetível de ser concluída na direção do futuro. Tais casos jurídicos não podem nem devem ser pré- "solucionados” qualitativa e quantitativamente pelo legislador. A sua regulamentação com base na norma jurídica (e, entre outros fatores, com ajuda do seu teor literal), consiste em partes essenciais de algo diferente da “reelaboração”. De reelaboração de decisões legislativas só se pode falar em um sentido condicionado onde se trata de teores normativos “determinados” (âmbitos de normas definidos e gerados pelo direito, tais como prescrições puramente formais referentes a trâmites processuais, prazos e datas, normas sobre a composição de um tribunal, prescrições numericamente determinadas etc.). Mas a práxis sabe à saciedade que mesmo em tais casos-limite as dificuldades e a “falta de clareza" são inevitáveis. As competências strictiore sen- su, repartidas pelo ordenamento constitucional e jurídico entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário não são competências para a “explicação"*, “recapitulação"** de textos de normas, mas competências para a concretização jurídica e a decisão do caso com caráter de obrigatoriedade, em cujo quadro a interpretação enquanto explicação*** do texto constitui um elemento certamente importante, mas apenas um elemento entre outros.
e) Direito constitucional e metódica estruturante
No contexto presente não se pode partir “da” constituição, também não do tipo ocidental da constituição burguesa moderna, mas só da constituição de uma determinada
* "Auslegung”, "Interpretation”.** “Nachvollzug”.* * * Auslegung.
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sociedade estatalmente organizada*, e.g. da Lei Fundamental de Bonn. Como questões de método são questões materiais, os problemas de uma metódica do direito constitucional que deve ser elaborada aqui e hoje não podem ser separados da peculiaridade dessa Lei Fundamental, dos seus teores materiais e do destino desse ordenamento constitucional na história da República Federal da Alemanha até os nossos dias. Assim é de importância para a metódica do direito constitucional se ela deve ser desenvolvida em meio a um ordenamento jurídico com ou sem jurisdição constitucional, institucionalizado nos seus pormenores**. O sentido histórico-político de uma constituição reside no fato dela ser o ordenamento fundante de uma determinada sociedade, incluídas as suas forças divergentes. O direito constitucional diz respeito à fundamentação da sociedade estatalmente organizada e do seu ordenamento jurídico globaj^ Suas prescrições não estão garantidas por normas jurídicas hierarquicamente superiores. Seus âmbitos de regulamentação são como rendas, malhas com pontos largos, fundamentais, “políticos", expostos em grau mais elevado à transformação histórica. São gerados pelo direito em grau especialmente reduzido, são pré-caracteri- zados de modo especialmente reduzido por tradições jurídicas detalhistas. A combinação de uma tal “abertura” estrutural com a finalidade normativa da fundamentação da sociedade estatalmente organizada e de todo o ordenamento jurídico torna compreensíveis as dificuldades maiores e específicas da instituição e concretização de normas constitucionais. Igualmente nítida se afigura a necessidade de desenvolver um método próprio do direito constitucional, independente da metódica da história do direito, da metó
* Gemeinwesen.* * ausgebaute Verfassungsgerichtsbarkeit.
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dica da teoria do direito, da metódica do Direito Civil e do Direito Penal e que se oriente segundo essas dificuldades. Na Alemanha a história do direito constitucional comprometido com os princípios do Estado Liberal de Direito e a democracia ainda é recente. Mais recente ainda é a tradição da jurisdição constitucional alemã. A falta de figuras jurídicas e padrões de decisão pré-formados, que nessa medida servem de base para novos desenvolvimentos, ainda caracterizará por muito tempo a metódica do direito constitucional em todas as áreas da concretização, não em último lugar também na jurisprudência constitucional e na ciência. Não obstante essa situação, o direito constitucional, a legislação constitucional e a concretização da constituição têm a incumbência de atualizar a unidade política da associação da sociedade no Estado*, de fornecer fundamentos e critérios de aferição à instituição e efetivação de normas no ordenamento jurídico infraconstitucional e de assegurar, paralelamente a essa garantia de legalidade, também a geração, o reconhecimento e a preservação da legitimidade no sentido do que é aceito como conteúdo “correto" pela sociedade.
A legalidade e a legitimidade das áreas setoriais do direito devem ser mantidas pela constituição, a legalidade e legitimidade do ordenamento constitucional só podem ser mantidas por esse mesmo ordenamento.
A “metódica estruturante” aqui apresentada é desenvolvida com base no e com vistas ao direito constitucional. A denominação “metódica estruturante” resume o que foi dito sobre a estrutura de norma e texto da norma, de normatividade e processo de concretização, sobre o nexo entre concretização estruturada da norma e as tarefas das funções individuais da práxis jurídica, sobre a não-identidade
* Staatlicher Verband.
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de norma e texto da norma e sobre a não-identidade de concretização e interpretação; resume, outrossim, os enunciados sobre o papel da pré-compreensão, do “sistema”, da “axiomática” e da “tópica”. A metódica estruturante analisa as questões da implementação interpretante e concretizan- te de .normas em situações decisórias determinadas pelo caso. Ela apreende a hierarquia igual de elementos do programa da norma e do âmbito da norma. Ela procura desenvolver meios de um trabalho controlável de decisão, fundamentação e representação das funções jurídicas. Com isso ela se move na direção da exigência de encontrar graus de interpretação “à maneira” de Savigny, que sejam conformes ao direito constitucional atual17. Diante da necessidade de estruturas normativas relativamente indistintas ela fornece com vistas a demandas futuras de regulamentação às “instituições de redução da indeterminidade, internas ao sistema”18, os-ijistrumentos que nem Savigny nem o positivismo legalista tinham oferecido. Isso pressupõe a compreensão de que mesmo os enfoques ontológicos e fenome- nológicos, normológicos, decisionistas e sociologistas, de que nem os caminhos intermediários de um sincretismo harmonizador de métodos ou de uma mediação dialética, polar ou correlativa, nem os de uma metódica tópica ou de uma realização ponderante de “valores” da metódica da práxis e da ciência constitucional lograram disponibilizar fundamentos e meios suficientes19.
Em correspondência ao seu procedimento estruturante essa metódica não fala de “graus” ou “estágios” da interpretação, mas de "elementos" do processo de concretização. Savigny esclarece com a denominação "elementos” que os
17 Até aqui Forsthoff III, p. 525.18 Luhmann II, p. 52.19 Müller I, pp. 24 ss., 47 ss., 77 ss. epassim.
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aspectos de método não constituem “espécies da interpretação* “separáveis umas das outras, mas momentos de um processo unitário de interpretação, e que a sua relação somente pode ser determinada com vistas à estrutura material do caso jurídico individual20. Para além de Savigny devem ir a distinção entre norma e texto da norma e a aplicação dos “elementos” por ele formulados ao direito constitucional, o processamento crítico da reflexão metodológica elaborada desde então pela práxis e pela ciência, a inclusão dos pontos de vista oriundos do âmbito da norma e das normas do Estado de Direito que se referem ao modo de trabalho da práxis jurídica. Isso eqüivale a um corte na discussão sobre o método na ciência jurídica. Em virtude da sua não-normatividade, nunca se poderá estabelecer uma ordem hierárquica vinculante entre os elementos metódicos. Tentativas nessa direção, empreendidas por Savigny e autores posteriores21, fracassaram não por razões de uma deficiente intensidade da pesquisa, mas devido a uma necessidade inerente ao objeto**.
A "metódica estruturante” é uma metódica jurídica. Ela não transfere a hermenêutica filosófica à ciência jurídica, mesmo se na primeira, sob o ponto de vista da “aplicação” e da “pré-compreensão” que inclui o intérprete, a ciência jurídica possa ser compreendida como um paradigma22. Pelas razões mencionadas a metódica jurídica só poderá fundamentar-se na análise de técnicas práticas de trabalho nas funções da concretização do direito e da constituição.
20 v. Savigny I, p. 212, 213, 215 e 320.21 Kriele, pp. 67 ss., 85 ss. e 97 ss.22 Gadamer, pp. 280, 290 ss., 307 ss., 315 e 323.* Auslegung.** sachliche Notwendigkeit.
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2. Elementos da concretização da norma
Segundo a sua origem devemos distinguir dois grupos de elementos de concretização. O primeiro abrange os recursos do tratamento da norma no sentido tradicional, i. é, o tratamento do texto da norma. Esses recursos não se referem apenas aos textos das normas, mas também à formulação de não-normas em linguagem.
Um segundo grupo não diz primacialmente respeito à interpretação de textos normativos ou não-normativos. Ele abrange os passos de concretização, por meio dos quais são aproveitados os pontos de vista com teores materiais, que resultam da análise do âmbito da norma da prescrição im- plementanda e da análise dos elementos do conjunto de fatos destacados como relevantes no processo de concretização por via de detalhamentos recíprocos.
a) Elementos^netodológicos strictiore sensu
Compreende-se por esses elementos os aspectos da interpretação gramatical, histórica, genética, sistemática e teleológica, além disso os princípios aqui discutidos da interpretação da constituição e os problemas da lógica formal e da axiomatização no direito constitucional. Por essa razão os elementos do âmbito da norma e do âmbito do caso (conjunto de fatos) não pertencem a esse grupo de elementos, pois não se referem em primeira linha à interpretação de textos. Por fim, os elementos dogmáticos, de técnica de solução, de política constitucional e de teoria desempenham um papel igualmente considerável para a metódica do direito constitucional, por ocasião da concretização da constituição. No entanto, embora eles sejam tratados muitas vezes como normativos na práxis, não se direcionam primacialmente para uma concretização da norma jurídica,
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que seja adequada ao caso. Quanto ao seu objeto (ainda que não com respeito às técnicas de encobrimento da práxis), eles cumprem funções ancilares de clarificação, de detalhamento orientado segundo a norma e de fundamentação mais pormenorizada, normativamente garantida, de tais teores de regulamentação que já foram identificados com outros meios como teores do direito vigente.
aa) Regras tradicionais da interpretação
1. Interpretação gramatical. Em um ordenamento constitucional dotado de um direito constitucional codificado que é — como as normas do direito infraconstitucio- nal — fixado no seu conteúdo, deliberado, lavrado e promulgado em determinados trâmites legislativos, os elementos de interpretação e concretização resultam da própria coisa* com base no teor literal da prescrição, com base no teor literal de outras normas a ela relacionandas e, por fim, com base nos textos (não-normativos) dos materiais legais (constitucionais). As interpretações gramatical, sistemática e genética não são os elementos de concretização mais próximos por uma razão que lhes seja "substancialmente” inerente. Eles o são apenas funcionalmente em um ordenamento jurídico desse tipo.
Na mesma direção atuam sob a Lei Fundamental de Bonn imperativos constitucionais normativos como clareza de textos das normas e do tratamento dos textos das normas, com vistas à clareza de normas e métodos, própria do Estado de Direito. Esse complexo de ordenamentos do Estado de Direito está e.g. especialmente formulado na Lei Fundamental nos arts. 19 al. 1 frase 2, 79 al. 1 frase 1, e 80
* aus der Sache selbst.
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al. 1 frase 2 (em nexos funcionais respectivamente distintos).
A concretização da constituição inicia usualmente com a busca do sentido literal*. Já esse primeiro elemento só pode fornecer indícios apenas mediados do teor da norma, não garantir e.g. um recurso sem mediações a ele. Isso se torna claro também na concretização do direito constitucional consuetudinário. Como o direito (constitucional) con- suetudinário não dispõe de uma formulação lingüística fixada com autoridade, a tarefa de tal fixação (funcionalmente atribuenda ao Poder Legislativo em ordenamentos jurídicos codificados) deve ser incluída em cada processo de concretização. Da inexistência de um texto autêntico resultam ainda algumas peculiaridades facilmente compreensíveis: faltam os materiais da legislação e com isso as possibilidades da interpretação genética; e o ponto de vista da correção ftujcional do resultado recúa para um segundo plano, pois não se discute então a relação entre governo, administração ou jurisprudência com uma instância que institui o direito constitucional escrito em um procedimento normativamente previsto. Dogmaticamente o direito constitucional consuetudinário como complementação executante e completante* da constituição codificada somente pode subsistir em harmonia com os fundamentos e as normas individuais dessa constituição, praeter constitu- tionem.
A interpretação gramatical do direito constitucional escrito determina-se segundo os diferentes tipos de normas. A interpretação gramatical do art. 22 ou do art. 27 da Lei Fundamental praticamente não oferece dificuldades, a das normas da parte organizacional quase sempre dificuldades
* Wortsinn.** ausfüllende.
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menores do que o elemento gramatical da concretização em direitos fundamentais, por ocasião de normas fundamentais do direito constitucional como art. 20 ou mesmo do que no caso das prescrições de competência dos arts. 73 e seguintes da Lei Fundamental. De resto, a interpretação gramatical será essencialmente suficiente para o art. 27 e conclusivamente suficiente para o art. 22 da Lei Fundamental. Isso não se deve ao fato, tradicionalmente alegado, dos arts. 22 e 27 da Lei Fundamental terem sido "formulados com especial clareza”. Em termos de linguagem e “gramática”, eles não são formulados mais clara ou univoca- mente do que e.g. os textos de normas de prescrições referentes a direitos fundamentais ou competências. As diferenças quanto à sua concretização (unicamente) com os meios da interpretação gramatical localizam-se na diferença estrutural das normas jurídicas. Não é uma diferença lingüística (“gramatical”) dos textos das normas, mas a eficácia da pré-compreensão (jurídica) que demonstra que o texto da norma do art. 4o al. 1 da Lei Fundamental23 possa afigurar-se ao jurista “menos claro”, “mais amplo” ou “mais indeterminado” do que o texto da norma do art. 52 al. 1 da Lei Fundamental24. Diante do pano de fundo da sua pré- compreensão não-jurídica, ambos os enunciados talvez se afigurem ao não-jurista igualmente “claros" ou “não-claros” em termos de conteúdo. Já no quadro da sua pré-com- preensão materialmente informada e orientada dos problemas jurídicos e das normas, o jurista compara os âmbitos das normas das prescrições em pauta, dos quais ele conhece as linhas mestras ou os pormenores, com os seus textos. Já por ocasião dessa operação raciocinante previamente
23 “A liberdade de crença e de consciência e a liberdade de confissão religiosa e ideológica são invioláveis.”24 “O Conselho Federal elege o seu Presidente por um ano.”
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efetuada e muitas vezes não-explícita, ele constata diferenças consideráveis entre as estruturas das normas.
As normas especiais do direito constitucional também não oferecem um quadro estruturalmente unitário para a concretização gramatical. Assim, prescrições referentes a direitos fundamentais, e.g. a liberdade de domicílio e a liberdade da ciência, a liberdade de ir e vir ou a liberdade de crença, consciência e confissão estão abstraídas em graus diferentemente elevados na linguagem. Isso por sua vez não deve ser creditado a maiores ou menores graus de “determinidade” das formulações lingüísticas, mas às diferenças materiais entre as matérias garantidas, à sua objeti- vabilidade, ao grau do fato delas terem sido geradas pelo direito e à possibilidade do seu detalhamento jurídico, em duas palavras: à diferença dos âmbitos das normas.
Em tudo isso a interpretação gramatical evidencia depender da estrutura da norma. Isso não se deve ao fato da norma estar substancialmente presente no texto da norma. Os teores materiais jurídicos não estão “contidos” nos elementos lingüísticos dos enunciados jurídicos. Conceitos jurídicos não coisificam enunciados. O conceito jurídico dogmático só tem valor de signo25. Além disso o aspecto gramatical (só aparentemente unívoco) freqüentemente obriga a decidir-se por um entre vários modos de utilização dos conceitos usados, entre significados na linguagem cotidiana e na linguagem jurídica e em parte também entre diferentes significados jurídicos. Isso somente é possível porque também o "método'1 gramatical não diz respeito ao texto da norma, mas à norma. Já aqui o possível sentido da norma deve ser interpretado por antecipação, o que implica o abandono da esfera da interpretação literal de cunho filoló- gico.
25 Esser II, p. 57.
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De forma estruturalmente análoga, mas funcionalmente distinta a interpretação gramatical opera onde os textos de normas constitucionais limitam a extensão da concretização juridicamente admissível. Por razões ligadas ao Estado de Direito, o possível sentido literal circunscreve, não em último lugar no Direito Constitucional, o espaço de ação de uma concretização normativamente orientada que respeita a correlação jusconstitucional das funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i. é, funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis. Outro somente vale onde o teor literal for comprovadamente viciado26. Decisões que passam claramente por cima* do teor literal da constituição27 não
26 Cf. genericamente para o tratamento do teor literal da lei: Keller.* überspielen.27 E.g. BVerfGE 1, pp. 351 e 366 s; 2, pp. 347 e 374 s.; 8, pp. 210 e 221; 9, pp. 89,104 ss.; 13, pp. 261 e 268. Com referência a BVerfGE 2, pp. 347, 374 s., cf.: Müller, JuristischeMethodik [Müller VI], Ia ed. (1971), pp. 181 ss.; na 2a ed. (1976), pp. 198 ss.- A minha tese sobre o teor literal como limite extremo da concretização admissível no Estado de Direito (mas não: da concretização metodologicamente possível) escandalizou o mundo das letras jurídicas. Parece evidente que eu não a explicitei com suficiente clareza na Juristische Methodik-, isso vale ainda para a 2a ed., e.g. pp. 205 s., 268. Espero que o que quis dizer entrementes tenha sido formulado com suficiente nitidez em Müller, Juristische Methodik und Politisches System (1976), pp. 77 ss., especialmente 78; cf. também ibid. pp. 80 ss, 82 ss.- Em duas palavras: A função limitadora do texto da norma não é idêntica à função de concretização do elemento gramatical. A decisão não se restringe à interpretação de textos, não fica colada ao teor literal não-mediado. Pela via de regras de preferência (sobre elas, v. Juristische Methodik [Müller VI], Ia ed., pp. 188 ss.; 2a ed., pp. 204 ff.), ela não precisa “resultar do teor literal”, mas deve ser de qualquer modo ainda compatível com o texto da norma não apenas interpretado gramaticalmente, mas integralmente concretizado no precedente processo decisório. Essa sentença exige, no caso da negação — “ao menos não mais compatível” —,
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são admissíveis. O texto da norma de uma lei constitucional assinala o ponto de referência de obrigatoriedade ao qual cabe precedência hierárquica em caso de conflito. Isso é tanto mais importante, quanto mais cada norma deve ser elaborada na sua normatividade concreta apenas no caso jurídico fictício ou atual. Com isso o manuseio da interpretação gramatical da constituição se torna uma questão delicada. A interpretação gramatical quase nunca tem serventia como um “método” que poderia gerar resultados evidentes. Por depender da explicitação e valoração do sentido lingüístico, só pode ser limitadamente objetiva. A medida que o texto expressa de forma lingüisticamente confiá
univocidade. Se ela for no mínimo ambígua, não se pode afirmar que o espaço de ação de variantes de qualquer modo ainda possíveis de compreensão do texto da norma tenha sido abandonado.- Como exemplo dos efeitos produzidos por essa formulação mais precisa, lembro que a Sentença Kehl do Tribunal Constitucional Federal de 30 de julho de 1953, BVerfGE 2, pp 347 e 374 s., não supera um teor literal nessa medida unívoco dos arts. 32 al. 1 frase 2 da Lei Fundamental — “sujeitos jurídicos estatiformes do Direito das Gentes” — é examinado de forma mediada no cotejo com todos os pertinentes dados decisórios de natureza histórica, genética, sistemática, teórica e dogmática bem como no cotejo com os dados do âmbito da norma e excluído por fim de forma não-unívoca do texto da norma “países estrangeiros”, correspondentemente concretizado. Unívoca nesse sentido seria aqui apenas uma definição legal que excluísse todos os sujeitos não-estatais do Direito das Gentes no texto da norma dos artigos constitucionais em pauta ou um uso terminológico diferenciador da Lei Fundamental, que pudesse ser comprovado claramente na sistemática da referida carta e distinguisse sempre estados de sujeitos não-estatais do Direito das Gentes. De resto a univocidade poderá ser constatada nesse contexto sobretudo em textos de normas numericamente determinados.- Quanto à Sentença Kehl, reviso a minha afirmação contrária, mais recentemente in: Juristische Methodik, 2a ed., p. 31.- Sobre a discussão de todo esse complexo no plano da teoria geral do direito, cf. ainda: Müller I, e.g. pp. 147 ss., 158 ss.; Id. Juristische Methodik (Müller VI), Ia ed., pp. 140 ss.; 2a ed., pp. 153 ss.
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vel o espaço de ação para os enunciados normativos, o resultado não pode contrariar as possibilidades de solução remanescentes nesse espaço de ação. O fato de que o espaço de ação deve, por sua vez, ser determinado também com ajuda de elementos lingüísticos não torna ilusória a decisão racional entre os pontos de vista freqüentemente inconformes, embora a torne difícil justamente nas condições de trabalho no direito constitucional.
Contrariamente à primeira impressão, a interpretação gramatical não opera sozinha mesmo no estágio cronologicamente mais precoce da concretização. Na busca de defensáveis variantes lingüísticas de sentido que o texto da norma indica com referência ao caso, já se recorre a outros elementos.
2. Elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleoló- gicos. Os elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros e do procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles. As interpretações genética, histórica e sistemática estão estreitamente aparentadas à interpretação gramatical: também elas são meios da interpretação do texto (mais precisamente, de outros textos, em parte normativos, em parte não-normativos, ao lado do teor literal da prescrição implementanda). Pode-se afirmar até que os dois modos procedimentais referidos a textos não-normativos, o genético e o histórico, seriam quanto ao seu objeto pontos de vista auxiliares no âmbito do aspecto gramatical: como se chegou à presente formulação? Que idéias acerca do sentido e que intenções de regulamentação conduziram — por um lado, historicamente e sem ligação com o direito vigente, por outro lado, de forma igualmente histórica, mas com ligação genética com ele — à presente formulação da norma jurídica? Os pontos de
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vista genéticos e históricos podem ajudar a precisar em termos de conteúdo as possíveis variantes de sentido no espaço de ação demarcado pelo teor literal. Se os enfoques indagativos (ao invés da natureza abstrata do enfoque inda- gativo que pergunta pelas possibilidades históricas e genéticas da compreensão) do caso produzirem resultados parciais divergentes, o procedimento ulterior será determinado pela pergunta pela hierarquia dos elementos de concretização. Essa questão não pode ser solucionada na perspectiva reduzida de um litígio entre teoria “subjetiva” e teoria “objetiva”.
Na práxis o entrelaçamento dos elementos de interpretação evidencia ser em parte necessário ao objeto*, em parte uma conseqüência da falta de uma consciência de método. O aspecto histórico muitas vezes está mesclado de forma nada clara com suposições genéticas e, em virtude da idéia da “univocidade”, também com suposições teleológi- cas. Com vistas à opção entre uma sistemática dos textos das normas e dos elementos do programa da norma e do âmbito da norma. O topos sistemático carece de adicionais pontos de vista auxiliares que só podem ser obtidos mediante a interpretação gramatical, histórica, genética e, mais uma vez, sistemática, bem como mediante a análise dos âmbitos das normas. Por fim, o "método" teleológico não pôde ser documentado até agora como hermenêutica ou metodicamente autônomo. Na práxis ele atua como bacia de confluência de valorações subjetivas ou ao menos subjetivamente mediadas de natureza referida ou não-refe- rida a normas, na sua totalidade de natureza preponderantemente determinada pela política do direito e da constituição ou pela política em geral. Com igual freqüência ele serve de rótulo para tais pontos de vista materiais do âmbi
* sachnotwendig.
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to da norma que normalmente se escondem por trás de clichês como "conformidade ao fim”, “praticabilidade”, atrás de idéias funcionalmente não-esclarecidas sobre a “natureza da coisa”, a “essência do instituto jurídico”, a "consideração de dados sociais e políticos" ou atrás de outros expedientes.
Via de regra, a concretização sistemática abrange, ao lado do contexto dos teores literais argumentativamente exposto, ao mesmo tempo o contexto das estruturas materiais dos âmbitos de regulamentação. Esse nexo deve ser clarificado por meio de uma análise dos âmbitos de norma das prescrições sistematicamente interligadas. Isso complica o procedimento sistemático, mas obriga também a passar no seu âmbito, de forma mais pronunciada do que na alegada mera explicitação do texto, de inferências postulantes a inferências facticamente documentáveis. Para a interpretação sistemática dos direitos fundamentais coloca-se especialmente a tarefa de não preencher sem mediações o programa das normas dos direitos fundamentais a partir dos âmbitos e dos programas das normas de prescrições infraconstitucionais. Estas últimas deverão, muito pelo contrário, ser medidas e, em caso de conflito, corrigidas com base no programa e no âmbito das normas dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais estão especialmente reforçados nos seus âmbitos de normas. Em virtude da sua aplicabilidade imediata28 eles carecem de critérios materiais de aferição que podem ser tornados plausíveis a partir do seu próprio teor normativo, sem viver à mercê das leis ordinárias.
A interpretação teleológica não é um elemento autônomo da concretização, já que pontos de vista de “sentido e finalidade” da prescrição interpretanda só podem ser adu
28 Lei Fundamental art. 1, al. 3.
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zidos à medida da sua documentabilidade com ajuda dos outros elementos. A suposição de uma "ratio” que não pode ser comprovada sob nenhum outro aspecto da concretização, desqualifica-se enquanto "valoração" ou “ponderação" subjetiva descolada da norma. Mas a pergunta pelo. “sentido e [pela] finalidade" da norma concretizanda é um enfoque indagativo distinguível e com isso autônomo no trabalho com elementos gramaticais, históricos, genéticos e sistemáticos bem como com os elementos da concretização desenvolvidos além dos cânones. No seu quadro e sob seu controle o argumento a partir do “telos” da prescrição (via de regra ainda não satisfatoriamente implementada) pode oferecer adicionais pontos de vista auxiliares de boa serventia.
Em regra tanto a interpretação sistemática quanto a interpretação teleológica têm por escopo a combinação de vários, quando não todos os elementos de concretização sob a designação "sistemáticos” ou "teleológicos". Por conseguinte, somente os aspectos histórico e genético podem ser nitidamente distinguidos dos outros aspectos, em virtude da sua vinculação a textos não-normativos (a regulamentações anteriores comparáveis ou aos materiais legislativos); mas eles também estão integralmente entrelaçados a outros aspectos, quanto ao seu objeto. Além disso não se deve esquecer que também os textos com prescrições comparáveis já não mais vigentes bem como os textos dos materiais legislativos devem ser interpretados; e apesar do seu caráter não-normativo, eles devem ser interpretados em princípio com os mesmos meios válidos para os textos de normas. Em formulação ainda mais precisa, a interpretação histórica e a interpretação genética são subcasos da interpretação sistemática. Só que os pontos de vista por elas aduzidas não se originam em outras prescrições do direito vigente (como normalmente ocorre na interpretação siste
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mática), mas — identificados com ajuda da história do direito e do Direito Comparado histórico — de normas anteriores autóctones ou estrangeiras, de textos não-normati- vos na forma de decisões, definições e enunciados doutrinários sobre essas prescrições anteriores e de textos não- normativos na forma de materiais legais.
Regras tradicionais, enfim, como a de que prescrições de exceção* devem ser submetidas a uma “interpretação stricto sensu”, como a analogia ou o argumentum e contrario pertencem materialmente ao contexto dos modos de interpretação gramatical, histórica, genética e sistemática, entrelaçados conforme o exposto. Aqui não se deve ignorar que somente os pressupostos de tais regras, e.g. o resultado provisório de que haveria uma “prescrição de exceção”, são por sua vez sempre o resultado da interpretação e da concretização e não funcionam sem que se considere a estrutura da norma de forma diferenciada29.
Assim as regras tradicionais da interpretação não podem ser isoladas como “métodos" autônomos para si. No processo da concretização elas não somente revelam complementar e reforçar-se reciprocamente, mas estar entrelaçadas materialmente já a partir do seu enfoque. Não formam procedimentos autonomamente circunscritíveis e fundamentáveis, mas aparecem como facetas distintas de uma norma concretizanda no caso. Da tarefa prática elas resultam como indagações a uma prescrição que apresenta modelos históricos e materiais legislativos comparáveis (interpretação histórica e genética). De resto, elas se dirigem a toda e qualquer norma jurídica: porque cada norma jurídica tem o seu texto da norma — a consuetudinária um texto mutante, a escrita um autenticamente fixado — (in
29 Cf. para o Direito Civil ap. Larenz, p. 329.* Ausnahmevorschriften.
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terpretação gramatical); porque nenhuma norma do direito positivo representa apenas a si mesma, mas ao menos se relaciona com todo o ordenamento jurídico (interpretação sistemática); porque, finalmente, cada norma pode ser questionada com vistas ao seu “sentido e [à sua] finalidade”. J^Iessa medida Savigny formulou com efeito elementos necessariamente dados com a tarefa da concretização do direito. Além disso qualquer norma implementanda para um caso pode ser examinada com vistas aos elementos do seu âmbito normativo, pode ser tratada em termos de técnica de solução, pode ser avaliada em termos dogmáticos e em termos de teoria do direito ou da constituição, bem como em termos de política do direito ou da constituição. Todas as funções jurídicas, da legislação até a interpretação científica, comprovam pela sua práxis que esses elementos não podem ser dispensados na sua totalidade por ocasião da coçcretização da norma.
bb) Princípios da interpretação da constituição
Diante dos tradicionais elementos de interpretação, aqui analisados com vistas ao direito constitucional, os princípios da interpretação da constituição desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência só são autônomos em grau reduzido. Na sua maior parte eles configuram subca- sos dos aspectos lingüístico, histórico, genético, sistemático e “teleológico” da concretização. Os pontos de vista autônomos são a acepção dos direitos fundamentais como um “sistema de direitos fundamentais” fechado e coerente, destacado do contexto das normas constitucionais restantes, e a concepção do direito constitucional como uma "ordem de valores” ou como um “sistema de valores"; outros- sim, o imperativo da interpretação das leis em conformidade com a constituição e o critério de aferição da correção
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funcional da concretização da constituição. Os aspectos do sistema de direitos fundamentais e da constituição enquanto sistema de valores ou ordem de valores foram rejeitados aqui como princípios da metódica do direito constitucional. O imperativo da interpretação conforme a constituição foi caracterizado como argumentativamente defensável — com reservas diante de determinadas tendências da jurisprudência e com a restrição de tratá-lo em princípio somente como um elemento da interpretação, ao lado de outros.
O critério de aferição da correção funcional afirma que a instância concretizadora não pode modificar a distribuição constitucionalmente normatizada das funções nem pelo modo da concretização nem pelo resultado desta30. Os pontos de vista decisivos para o critério de aferição da correção funcional estão na diferenciação racional e na contro- labilidade dos elementos de concretização, assim possibilitada. Com isso eles dizem respeito à tarefa da metódica do direito constitucional na sua totalidade e em princípio já foram tratados por ocasião das observações sobre a tópica e sobre o direito jurisdicional no direito constitucional.
cc) Subcasos de regras tradicionais da interpretação
1. Praticabilidade. Pontos de vista materiais a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso freqüentemente são atribuídos à natureza da coisa ou à interpretação teleológi- ca. Em função comparável critérios de aferição a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso aparecem como pontos de vista de controle que verificam o processo de con-
30 Ehmke III, pp. 73 ss., inclusive a análise da doutrina da "political question" e da doutrina dos “preferred freedoms” do direito constitucional norte-americano.
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cretização no seu fim, quando e.g. o Tribunal Constitucional Federal repensa a sua concretização, de resto concluída, no cotejo com os “resultados práticos”31, com a possibilidade de um “resultado contrário ao sentido”32 ou com a "realidade da vida” e os "resultados plausíveis”33 por ela medidos. Não há nada a objetar contra a introdução desse elemento de controle, contanto ele produza um efeito esclarecedor ou confirmador. O mesmo vale enquanto no caso de contradição ele não derrubar o resultado normativamente assegurado, mas conduzir apenas à modificação da escolha entre diferentes alternativas de solução normativamente fundamentadas no caso concreto. Não se pode decidir contra a norma jurídica e contra a norma de decisão concretizada a partir dela no caso individual bem como contra a função limitadora do teor literal, mesmo se a ordem normativa parece contrária à finalidade34.
x2. Interpretação a partir do nexo da história das
idéias*. Na interpretação a práxis e a ciência são freqüentemente forçadas pelos direitos fundamentais, mas também por outras prescrições constitucionais a recorrer a percursos de história da idéias, de história evolutiva e de história do direito e da constituição no sentido mais estrito, para obter deles por meio da comprovação da continuidade ou descontinuidade material e normativa pontos de vista para a concretização35. Quando se pode comprovar um nexo de
31 BVerfGE 12, pp. 151 e 171.32 BVerfGE 13, pp. 261 e 270.33 BVerfGE 7, pp. 377 e 401.34 Ossenbühl, p. 660.35 E.g. BVerfGE 1, pp. 167 e 178; 10, pp. 285 e 296; 12, pp. 205 e208 ss.; 19, pp. 303 e 314 ss.* geistesgeschichtlicher Zusammenhang.
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tradição histórica bem como normativamente ininterrupto, esse procedimento poderá fornecer retroinferências valiosas aos teores conceituais do texto da norma sobretudo no quadro da interpretação lingüística e sistemática. Mas ele pode ser apreendido integralmente com a interpretação histórica no sentido tradicional e carece da autonomia metódica que poderia identificá-lo como princípio sui generis da interpretação da constituição36.
3. Critério de aferição do efeito integrante. O critério de aferição do efeito integrante deve — orientado segundo a norma nos caminhos da constituição vigente37 — ordenar que na concretização do direito constitucional se dê sempre preferência aos pontos de vista instauradores e preser- vadores da unidade38. Mas também nisso não se deve reconhecer um princípio autônomo da metódica do direito constitucional, mas um subcaso da interpretação sistemática. De resto também esse critério de aferição, bem como o da força normativa da constituição, tem o seu lugar entre os elementos de política constitucional strictiore sensu.
4. Princípio da unidade da constituição. Esse princípio ordena interpretar normas constitucionais de modo a evitar contradições com outras normas constitucionais e especialmente com decisões sobre princípios do direito constitucional39. A "unidade da constituição” enquanto visão orientadora* da metódica do direito constitucional deve antepor
36 Assim, contudo, provavelmente Ossenbühl, pp. 658 ss.37 Nesse sentido contra Smend, p. 190.38 Hesse II, p. 28.39 Cf. e.g. Lerche I. pp. 125 ss; Ehmke III, pp. 77 ss.; Hesse II, p. 28; Müller I, pp. 115, 124 s., 136 s., 205 s.; Ossenbühl, pp. 654 ss.* Leitbild.
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aos olhos do intérprete, enquanto ponto de partida bem como, sobretudo, enquanto representação do objetivo, a totalidade da constituição como um arcabouço de normas. Este, por um lado, não é destituído de tensões nem está centrado em si*, mas forma, por outro lado,provavelmente um todo integrado com sentido. No quadro do que pode ser argumentativamente defendido e fundamentado em termos de método, o intérprete deve procurar ajustar eventuais contradições que apareçam como resultados parciais no processo da concretização de modo a harmonizá-las umas com as outras no resultado. A medida que a “unidade da constituição” formula essa tarefa, ela tem um caráter mais próximo à política constitucional do que a uma metódica elaborada. Ela não consegue dizer que procedimento deve conduzir a tal harmonização. Quanto ao enfoque, esse procedimento consiste das possibilidades da interpretação sistemática, alçm disso na inclusão dos aspectos (sistemáticos) da análise do âmbito da norma e genericamente em um procedimento adicional de interpretação harmonizado- ra para a superação de antinomias surgidas, com ajuda dos recursos normais da metódica do direito constitucional. No resultado, isso fica claro também na análise da jurisprudência contudo pouco diferenciada do Tribunal Constitucional Federal sobre o princípio da unidade da constituição40.
5. Quadro global** de direito pré-constitucional. Em algumas decisões41 a jurisprudência do Tribunal Constitu
40 E.g. BVerfGE 1, pp. 14, 32 s.; 2, pp. 380 e 403; 3, pp. 225 e 231; 6, pp. 309 e 361; 19, pp. 206 e 220.41 BVerfGE 2, pp. 380 e 403; 9, p. 89 e 96; cf. também BVerwGE 1, pp. 159 e 161.* in sich ruhend.* * Gesamtbild.
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cional Federal e do Tribunal Federal de Contenciosos Administrativos procuraram extrair da representação de um quadro global “pré-constitucional” ou “anterior à conformidade à constituição” conseqüências para a concretização de prescrições constitucionais ou para a medição de normas legais com base nessas prescrições. Trata-se de dois grupos de casos. No primeiro caso procura-se um “quadro global” na forma de um estado pré-constitucional de uma área parcial do direito infraconstitucional, a ser medida com base na constituição. Não há nada a objetar contra tal procedimento enquanto a sua função permanecer heurística. Os critérios vinculantes de aferição são os do direito constitucional atualmente vigente. A legalidade do direito legal deve credenciar-se com base na constituição vigente aqui e hoje. Assim o recurso à um quadro geral anterior à conformidade à constituição de uma área do ordenamento jurídico infraconstitucional não é nada mais do que um subcaso da interpretação histórica (e, dependendo das circunstâncias, também da interpretação genética).
Em contrapartida, estão em pauta no segundo caso questões de concretização da própria constituição vigente. Nessa medida o recurso a um “quadro global anterior à conformidade à constituição" evidencia ser novamente um subcaso das regras tradicionais da interpretação. Mas o topos aponta simultaneamente na direção de uma teoria da constituição que deve oferecer ao direito constitucional vigente “princípios e idéias orientadoras gerais provedoras de coesão interna”.
6. Nexo de normas de direitos fundamentais e de normas de competência. Próximo ao princípio da unidade da constituição está a diretriz de partir, contrariamente à suposição de um isolável “sistema de direitos fundamentais", do nexo material, de uma concretizabilidade reciproca
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mente referida de direitos fundamentais e prescrições de competência. Onde esse princípio* é formulado genericamente42, ele é mais amplo do que a idéia fundamentado- ra* * do princípio da unidade da constituição. Com razão o nexo entre a parte referente aos direitos fundamentais e a parte, organizacional da constituição não é restringido aos casos da concretização da norma que conduzem a contradições no direito constitucional.
7. Concordância prática. O princípio da concordância prática43 também apresenta uma estreita relação com o princípio da unidade da constituição. Ele não formula apenas no caso da existência de contradições normativas, mas também nos casos de concorrências e colisões e.g. de várias normas de direitos fundamentais no sentido de uma sobreposição parcial dos seus âmbitos de vigência, a tarefa de traçar aos doi$ ou a todos os “bens jurídicos" (de direitos fundamentais) envolvidos as linhas de fronteira de modo tão “proporcional” que eles cofundamentem também no resultado a decisão sobre o caso. Com isso ocorre um posicionamento contra as técnicas da “ponderação de valores” ou da “ponderação de bens"44. Ocorre que a otimização de todas as normas e de todos os bens tutelados envolvidos, exigida pelo princípio da concordância prática, não pode indicar positiva, mas só negativamente o objetivo da concretização. A concretização não deve atribuir globalmente,
42 E.g. H.P. Schneider, p. 31; Ehmke III, especialmente pp. 89 ss.; Ossenbühl, p. 657.43 Cf. aqui Lerche I, pp. 125 ss.; Hesse II, pp. 28 s.; Müller I, pp. 58, 160, 213 s., 216; III, p. 89.44 Cf. aqui Müller I, pp. 207 ss.; III, pp. 17 ss.; IV, pp. 20 ss.* Grundsatz.* * Grundsatz.
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no sentido da “ponderação”, o “primado” a uma norma e fazer a outra "recuar para o segundo plano”, de forma igualmente global. Ela mão deve atualizar uma inteiramente às expensas da outra, embora, segundo o resultado da concretização, a outra norma também co-determine o caso como norma de decisão. A concordância prática como subcaso autonomamente circunscritível da “unidade da constituição” oferece, como esta última, só uma determinação formal do objetivo e de resto um apelo que na sua essência deve ser compreendido em termos de política constitucional.
8. A força normativa da constituição. Menciona-se ainda como critério de aferição da interpretação da constituição a “força normativa da constituição”45. Na solução de problemas de direito constitucional deve-se dar preferência aos pontos de vista que "promovam sob os respectivos pressupostos a eficácia ótima da constituição normativa”. O critério de aferição da força normativa da constituição também não disponibiliza nenhum procedimento próprio. Acaba sendo um apelo, uma representação de um objetivo que necessariamente só pode ser circunscrita em termos formais. Visto assim, também esse critério de aferição deve ser classificado menos entre os pontos de vista de metódica da interpretação strictiore sensu do que entre os elementos de política constitucional da concretização.
Para os direitos fundamentais o Tribunal Constitucional Federal procurou desenvolver um princípio à primeira vista análogo, a assim chamada efetividade dos direitos fundamentais, como princípio de interpretação46. O tribunal
45 Hesse II, pp. 29 s.46 BVerfGE 6, pp. 55 e 72; cf. a respeito Ehmke III, pp. 87 ss.
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infere desse princípio que os direitos fundamentais devem ser submetidos a uma interpretação ampla. Com isso a jurisprudência se avizinha diretamente do enunciado "m dúbio pro libertate”47, que parte de uma presunção de liberdade em favor do cidadão. Tal proximidade poderia, contudo, só ser fundamentada normativamente do direito constitucional vigente. Mas é duvidoso que se possa afirmar uma compreensão dos direitos fundamentais, em princípio individualista no caso de um conflito, com base na Lei Fundamental de Bonn48. A presunção inicial de liberdade é também é problemática sob o aspecto (no entanto igualmente não-normativo) da unidade da constituição. Inequivocamente errôneo é o princípio da efetividade dos direitos fundamentais, sustentado pelo Tribunal Constitucional Federal. Tudo indica que a jurisprudência incorreu, com referência a esse princípio, em compreensão equivocada de um enunciado^da literatura científica, que se referiu à alternativa "enunciado programático” ou "norma jurídica atual” e expressamente não se referiu à questão da determinação do conteúdo de direitos fundamentais49.
dd) Axiomatizabilidade do direito constitucional?
Pertence aos elementos de tipo metodológico o seguinte problema fundamental: até que ponto equipamentos de processamento de dados podem, além da sua função de meros recursos auxiliares da decisão, ser utilizados como
47 P. Schneider, pp. 31 ss.; negativamente, Keller p. 278; Ehmke III, p. 86; Ossenbühl, pp. 657 ss.48 Cf. sobre a “visão do homem na Lei Fundamental” e.g. BVerfGE 4, pp. 7 e 15; 12, pp. 45e51.49 Ehmke III, pp. 87 ss.
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fator da metódica jurídica, dotado de regras próprias, no processo da aplicação do direito.
A discussão ainda não foi aberta com vistas ao direito constitucional50. Por "automação" deve-se compreender a possibilidade da substituição da decisão humana pela racionalização maquinai no âmbito de sistemas mecânicos e sobretudo eletrônicos, i. é, autocontrolados de armazenamento e processamento de dados. O pressuposto da aplicação do direito por tais sistemas (computador) é a axioma- tização das respectivas prescrições. As normas do direito constitucional se prestam pouco a tal axiomatização. Até o presente, casos de aplicação de computadores na implementação de normas são o direito tributário e o direito previdenciário (elaboração de notificações de impostos a pagar e de aposentadorias a receber), as definições de salários e ordenados e áreas comparáveis caracterizadas por suportes fáticos quantificáveis e por normas jurídicas em grande parte numericamente determináveis. Em outras palavras: conforme as experiências realizadas até agora e de acordo com o estado atual da discussão teórica, procedimentos automáticos da aplicação do direito* fazem sentido onde a aplicação do direito não se apresenta como concretização, mas no sentido do positivismo legalista como sub- sunção, como “aplicação’’51. Nessa medida as perspectivas e a desejabilidade de procedimentos de aplicação automatizada do direito não devem ser dimensionadas em níveis muito elevados no direito constitucional.
50 Cf. Klug, pp. 157 ss., 162 s.; Simitis l, II; Raisch, Suhr.51 E.g. Klug, pp. 163 ss., pp. 173 ss., com documentação comproba- tória.* Rechtsgewinnung.
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b) Elementos de concretização a partir do âmbito da norma e do âmbito do caso
O que devemos compreender por elementos de concretização a partir dos âmbitos da norma e do caso já foi exposto a propósito da estrutura de normas jurídicas e do processo de concretização52. A distinção entre âmbito material, âmbito da norma e programa da norma, sua diferenciação ulterior com referência à peculiaridade do caso jurídico decidendo e a operação com esses conceitos estruturais não podem assegurar decisões corretas nem substituir os recursos metódicos auxiliares tradicionais e mais recentes. Esses aspectos estruturais oferecem elementos adicionais de diferenciação metódica, de um estilo de fundamentação e exposição detalhadas. Para a metódica do direito constitucional eles comprovaram a sua necessidade como meios da jurisprudência e da análise da jurisprudência. Para o direito administrativo tais pontos de vista para conceitos normativos formais de orientação necessariamente material como "proporcionalidade”, “necessidade", “adequação” etc. (para problemas de uso comum, da "transformação da norma” ou da “transformação do objeto”*) podem ser aplicados com fecundidade na fundamentação material de conceitos de apreciação** e conceitos jurídicos indeterminados e em nexos similares. A ligação a ser feita com o trabalho sociológico no sentido amplo do termo, a utilização de dados da sociologia, da ciência política, da economia e de outros dados exigidos pelo âmbito normativo da prescrição concretizanda, no processo da aplicação do direito, coloca-se primacialmente para os juristas como uma tarefa.
52 Müller I, pp. 114 ss.; II; IV, pp. 67 ss.* ‘'Sachwandel”.* * Ermessensbegriffen.
A partir da estrutura da norma jurídica e da concretização, a exigência da política universitária de um treinamento em disciplinas básicas, que entrevê no horizonte distante uma formação de juristas que mereça esse nome, bem como o desejo da cooperação interdisciplinar são irrecusáveis. Aqui a utilização da documentação mecânica ou do armazenamento e processamento cibernéticos de dados empíricos da história do direito, da sociologia do direito, da crimi- nologia, da sociologia política, da ciência política e da assim chamada pesquisa dos fatos do direito53 poderá ter, por um lado, uma importância fáctica considerável para a análise estrutural do âmbito da norma de lege ferenda (política do direito e da legislação) e de lege lata (com vistas à tarefa da concretização do direito), mas, por outro lado e tocante ao método, um significado apenas ancilar54.
Os resultados da concretização continuada constituem ao mesmo tempo o fundamento da teoria referida à norma. A teoria constitucional que queira ser teoria de uma determinada constituição normativamente vigente elabora as estruturas materiais dos âmbitos das normas constitucionais. Mas ela deveria fazê-lo de forma refletida. Assim sobretudo a análise de âmbitos de normas referentes aos direitos fundamentais provou ser de serventia não apenas para a dogmática setorial dos direitos fundamentais e para uma "parte geral” de uma dogmática dos direitos fundamentais, mas também para a sua teoria constitucional55. Evidencia- se aqui uma combinação, hermeneuticamente fundamentada e metodicamente controlada, de elementos da concretização da constituição e conteúdos da teoria constitucional. Mediante a inclusão de elementos de teoria na metódica do
53 Rechtstatsachenforschung.54 V. também Wieacker III, pp. 392 s.55 Müller I, pp. 81 s., 144 ss., 178 ss., 201 ss., 216 ss.; III; IV.
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direito constitucional, essa combinação pode, por sua vez, beneficiar o trabalho prático na constituição.
c) Elementos dogmáticos
Xodos os juristas estão familiarizados com o procedimento de consultar, na solução de qualquer caso de alguma dificuldade — ao lado do teor literal da prescrição aplican- da (e, quase sempre de forma não-refletida, ao lado do teor material do seu âmbito da norma), ao lado dos textos de outras normas comparadas e processadas de forma sistema- tizadora com ela, ao lado de textos de materiais e de modelos de normas constatáveis na história do direito —, também os enunciados da jurisprudência pertinente, da bibliografia formada por manuais doutrinários, comentários e monografias, como "fonte” praticamente imprescindível. Essas fontes <lo conhecimento jurídico são estruturadas lin- güisticamente. Por isso elas, por sua vez, também carecem da e são acessíveis à interpretação, carecem de e são acessíveis a todas as possibilidades da interpretação lingüística. Compartilham assim o destino do programa da norma, do âmbito da norma e do teor literal da norma, de materiais legais, de modelos históricos de normas e do caso solucionando: inexistem como orientações prévias, não estão prontas e acabadas, disponíveis para a aplicação.
Na consulta da jurisprudência, correspondem ao trabalho com pontos de vista históricos e genéticos a comparação com decisões judiciais anteriores e a busca de razões de enunciados divergentes. A necessidade da interpretação gramatical salta aos olhos. Análogo ao trabalho com pontos de vista sistemáticos é, por um lado, a consulta a outras jurisprudências e opiniões doutrinárias e a jurisprudências e opiniões que defendem outras posições. Por outro lado, isso vale ainda mais para a consulta da bibliografia e da
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práxis a respeito de prescrições que só devem ser incluídas na aplicação do direito pela via da interpretação sistemática. Em tudo isso se deve registrar mais uma vez que tal atividade interpretativa se refere a textos não-normativos, mais precisamente, a textos de não-normas*. Enunciados dogmáticos da práxis e da ciência expressam quase sempre a opinião dos seus autores acerca de determinadas normas. Enunciados teóricos, referentes à técnica da solução e à política do direito, orientam-se menos pronunciadamente segundo a concretização do direito vigente. Depois dos elementos metodológicos strictiore sensu e dos elementos do âmbito da norma, os elementos dogmáticos estão “mais próximos” dos teores normativos. A dogmática jurídica é um subsistema de técnicas de comunicação no universo jurídico. Tradição, comunicação, formação de escolas, crítica e controle, tentativas de “construção” que interliga diferentes tendências, tentativas de “sistematização” expansiva, além disso também a conversão em técnicas de solução, a reflexão teórica e o aperfeiçoamento** em termos de política jurídica são espécies de discussão “dogmática” de problemas jurídicos. Para que se possa falar de “dogma” no sentido próprio da palavra, falta o caráter de obrigatoriedade. Como modos técnicos de trabalho, os conteúdos dogmáticos, teóricos e de política jurídica influem assim considerável e muitas vezes decisivamente na solução de casos jurídicos. Mas isso ainda não gera o caráter vinculante no sentido desenvolvido da normatividade de normas jurídicas “vigentes”. O resultado exigido pelo caso e elaborado com os recursos expostos da metódica jurídica por meio da concretização da norma de decisão a partir da norma jurídica não deve ser justificado de qualquer modo subjetivo,
* Nicht-Normen.* * Fortentwicklung.
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“em termos de direito racional”, politicamente ou em termos de política jurídica, mas pela comprovação mentalmente recapitulável e com isso criticável da orientação segundo a norma. Em contrapartida, a comprovação de uma convergência com determinadas posições dogmáticas fundamenta tão pouco o caráter vinculante como a consideração ao mérito de elementos teóricos e de política jurídica e de padrões de técnica de solução do procedimento pragmático.
Não se deve esquecer que os enunciados dogmáticos se formam, além da legitimidade enquanto modo de trabalho sobre questões de expressão, comunicação e representação jurídicas56, em grande parte a partir dos teores das normas de decisão, era que pese toda a relatividade dos enunciados dogmáticos. A medida que normas de decisão concretizadas com referência ao caso sempre são registradas e transmitidas por^enunciados “dogmáticos” da práxis e da ciência, a dogmática tem, portanto, o seu lugar também entre os elementos orientados stricto sensu segundo as normas.
d) Elementos de técnica de solução
A eles pertencem os lineamentos fundamentais dos procedimentos com os quais se pretende formular e examinar as hipóteses gradualmente precisandas ou corrigendas sobre a norma57, com os quais se pretende procurar pelo caminho da inventio "tópica” pontos de vista para soluções orientados segundo problemas58 e com os quais se pretende encontrar a espécie de estruturação e argumentação no texto da decisão que parece mais útil segundo a respectiva
56 Esser IV.57 Kriele, pp. 157 ss., 243 ss., 269 ss.58 Hesse II, p. 27.
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função. Na finalidade mencionada em último lugar concentram-se as instruções sobre a técnica da solução do caso, não-pertencentes à metódica jurídica no sentido aqui tratado, as introduções ao tratamento de exames universitários, temas de casa, pareceres e sentenças em matérias cíveis, penais e de direito juspúblicas59. Esses manuais de orientação* tratam — parcialmente em complementação de instruções para a práxis jurídica strictiore sensu, parcialmente em contato com essas instruções, com ajuda de coletâneas de casos e literatura bibliografia para exames — de problemas da estruturação da apresentação (assim e.g. do assim chamado método da pretensão), de perguntas a serem dirigidas ao conjunto de fatos, da imbricação dogmática de fundamentos de pretensões, do nexo de problemas de direito material e processual determinado pelo direito vigente, da admissibilidade de suposições de conjuntos de fatos e de coisas similares, na perspectiva dos enfoques indagati- vos centrais para tais nexos, como e.g. "O que se pede?” e “O que importa?".
Considerados na sua totalidade, esses manuais de orientação apresentam propostas para a estratégia e tática de uma técnica de solução de casos e um modo de apresentação exitosos, porque convencionalmente aceitos e também desejados, conforme ensina a experiência. Como aspectos teóricos, dogmático-construtivos e de política jurídica ou constitucional, os pontos de vista por eles oferecidos devem funcionar como fatores auxiliares. Não devem conduzir a suposições e resultados independentes das normas ou contrários a elas. A restrição de elementos de técnica de solução a funções ancilares evidencia-se com espe-
59 v. Münch, Vogel e outros.* Leitfãden.
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ciai nitidez na aplicação de sistemas de armazenamento e processamento de dados60.
e) Elementos de teoria
A origem e a espécie de elementos de teoria na concretização da constituição já foram discutidas e exemplificadas com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal sobre a Lei Fundamental enquanto “ordem de valores” ou “sistema de valores” e sobre os direitos fundamentais como um “sistema dos direitos fundamentais”, destacado do direito constitucional restante. Quem assume com vistas à interpretação posições da teoria do estado ou da teoria constitucional, não assume somente o risco da sua defensabilidade argumentativa teórica, mas também o da possibilidade de assegurá-las nas normas implementan- das. Esse risço é tanto maior, quanto a relação da teoria do direito público e da teoria constitucional com uma Teoria Geral do Estado ainda carece de uma elucidação. Já a partir do enfoque é inadmissível querer superar* normatizações do direito constitucional vigente mediante invocação do caráter unitário ou sistemático de uma teoria constitucional nessa medida independente das normas ou de uma Teoria "Geral” do Estado. Nesse quadro normativamente restrito os elementos de teoria ainda produzem efeitos maiores do que mediante a absorção de enunciados conteudísti- cos individuais61 pela força caracterizadora de determina
60 Klug, pp. 157 ss., 162 ss., 172 ss.; Zeidler, pp. 13, 27 ss.; Buli; v. Berg; Simitis I, pp. 12, 14, 15, 24 ss.; II, pp. 8 ss., 13 ss., 17 ss.; Wieacker III, pp. 392 ss., 397 ss., 402 ss.; Raisch, pp. 436 ss., 438 ss.61 Cf. e.g. a tese da formação da vontade "livre do estado" na “democracia liberal-representativa” in BVerfGE 20, pp. 56 ss. e 96 ss.* überspielen.
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das posições metódicas fundamentais das próprias teoria do direito, do estado e da constituição.
De forma determinante quanto ao conteúdo e nem sempre introduzidos conscientemente na concretização, eles contribuem sobretudo para a pré-compreensão em teoria da constituição. Com isso eles não só dizem respeito a pormenores como e.g. à pergunta pela função de direitos fundamentais enquanto pré-compreensão para a concretização dos direitos fundamentais. Muito pelo contrário, já o mais genérico esboço da concepção do Estado* contém expressa ou inexpressamente tendências para a formação da margem de ação hermenêutica e metódica que começa a atuar no caso individual. As concepções de estado e as com- preensões da constituição atuam como processamento e fundamentação de determinados tipos de pré-compreen- sões. Quanto ao método, esboços de tipos de pré-com- preensões de teoria do estado e teoria da constituição, tais como "positivismo" e "decisionismo", “normologismo" e "teoria da integração", devem ser ajuizados sobretudo pelas seguintes perguntas: quão pouco ou muito espaço eles deixam para argumentos indiferenciadamente ideológicos? Até onde eles exigem, admitem ou impedem uma fundamentação do processo de concretização que seja independente deles mesmos e ao invés deles se oriente segundo as normas? Por razões que não abandonam a esfera circundante da teoria do positivismo legalista, o positivismo, o normologismo, o decisionismo e o sociologismo não logram apreender a peculiar e, em parte, toda e qualquer normatividade jurídica, com isso também a peculiaridade da ciência jurídica enquanto ciência de normas. Os esforços das "ciências humanas” para intermediar entre norma e realidade esbarram no limite da sua aproveitabilidade jurídica
* Staatsbild.
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na generalidade do seu enfoque jusfilosófico ou sociológico. Justamente por isso eles deixam que se lhes impinja as abstrações reconhecidamente insuficientes das doutrinas por eles combatidas. O sociologismo descura demais do programa da norma, que tem valor próprio; o normologismo desqura demais do âmbito da norma, que igualmente tem valor próprio. O decisionismo faz desaparecer ambos na existencialidade acachapante da decisão soberana. Quanto ao objeto em pauta, as tentativas de mediação na esteira das ciências humanas ainda permanecem no campo do positivismo, estacando em um “efeito recíproco” meramente linear, na “dialética” ou “polaridade” das grandezas “ser” e “dever ser”, separadas hoje como outrora. Com isso as posições fundamentais dominantes da teoria produzem efeitos reducionistas não somente em pormenores de conteúdo da concretização, mas também com vistas à compreensão do processo de concretização como totalidade. Diante disso a norma jurídica deve ser compreendida, diferenciada e tipificada como esboço com caráter de obrigatoriedade, que abrange por igual o que ordena e o que deve ser ordenado; deve-se passar da metódica da interpretação lingüística para uma metódica do processo efetivo do tratamento da norma.
f) Elementos de política constitucional
Elementos de política constitucional da concretização já foram mencionados aqui. Na pergunta pelas conseqüências de determinadas variantes de solução, pelos efeitos práticos e.g. também sobre os âmbitos de normas de outras prescrições e áreas da constituição, não diretamente participantes do caso, no caso do ponto de vista da adequação à finalidade e no das partes da pré-compreensão jurídica que via de regra fazem partir os intérpretes da assunção de que
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o legislador teria, com suas prescrições, instituído decisões em princípio conformes à finalidade ou ao menos argumen- tativamente defensáveis — em todas essas direções se faz sentir a peculiaridade da argumentação em política do direito e política da constituição. O estilo de raciocínio da política constitucional refere-se à ponderação das conseqüências, à consideração valorativa de conteúdos. Em contrapartida, tal raisonnement não consegue indicar pormenores de modos de trabalho metódicos. Elementos de política constitucional fornecem valiosos pontos de vista de conteúdo à compreensão e implementação prática de normas constitucionais. Mas os aspectos por eles aduzidos só podem ser introduzidos para fins de comparação, delimitação e clarificação, não podem ser introduzidos como premissas por assim dizer normativas. Nesse sentido, todo e qualquer ato de normatização cortou, no âmbito da ordem vinculativamente normatizada e com a reserva de uma alteração da constituição, outras discussões de política constitucional. O trabalho do direito constitucional está embebido em pontos de vista de política constitucional. Mas com isso nem o caráter vinculante do direito constitucional, lá onde ocorreu uma pré-decisão normativa, nem a racionalidade e objetividade exigidas pelo Estado de Direito, até onde ela é em princípio possível na ciência jurídica, devem ser questionados.
3. Hierarquia dos elementos da concretização
O tradicional pensamento sobre o método não logrou estabelecer uma seqüência hierárquica ou qualquer outra relação uniforme reconhecível entre os cânones62. Esse fra
62 Comprovantes em Kaufmann I, p. 389 e v. Pestalozza, p. 433;
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casso foi necessário. A obrigatoriedade normativa não cabe a recursos metódicos auxiliares. Diante desse estado de coisas, todas as tentativas de estabelecer a partir da “natureza da coisa” pontos de apoio sólidos na práxis, com vistas ao caso de resultados parciais contraditórios, se viram obrigados a capitular. Nesse sentido, a determinação por Savigny dos por ele desenvolvidos aspectos gramatical, lógico, histórico e sistemático enquanto meros “elementos” da interpretação acerta hoje como no passado no cerne do problema63.
Mas a discussão do imperativo da interpretação da lei em conformidade com a constituição já forneceu um exemplo do fato de que regras metódicas não-normativas de normas referidas a métodos do direito (constitucional) vigente podem ser afetadas e sofrer sobreposições. Mais longe ainda alcançam os imperativos de clareza e determi- nidade da Lei Fundamental, inerentes ao Estado de Direito. Enquanto direito vigente, eles são vinculantes para uma seqüência hierárquica dos elementos da metódica do direito constitucional.
a) Modos de efeito dos elementos da concretização
Os elementos metodológicos strictiore sensu (interpretações gramatical, histórica, genética, sistemática e — com restrições — teleológica), os imperativos da interpretação em conformidade com a constituição e da correção funcional do resultado são diretamente referidos a normas.
sobre as tentativas de uma determinação da relação, cf. Larenz pp 320 ss.; e com vistas ao direito constitucional, Leisner, pp. 641 ss., 643 ss.63 v. Savigny I, pp. 215, 320.
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Também os elementos do âmbito da norma atuam na direção da orientação não-mediada* da norma — mais especificamente, pela via da análise não primacialmente lingüística do âmbito da norma — por ocasião da concretização, referida ao caso, da norma de decisão a partir da norma jurídica.
Os elementos dogmáticos da concretização ainda são parcialmente referidos à norma sem mediações. Esse é o caso à medida que eles contêm a formulação das normas de decisão já concretizadas e absorvidas da jurisprudência, da práxis e da ciência, que devem ser situados no espaço de atuação da norma jurídica reconcretizanda hic et nunc.
A medida que a dogmática transcende essa referência sem mediações à norma e contém figuras “dogmáticas” de tipo próprio, construções, sistematizações ou conceitos e nexos conceituais normativamente não alicerçados, livremente desenvolvidos, ela pode oferecer — apenas em fun- Ção auxiliar metodicamente limitada, do mesmo modo como os elementos de técnica de solução, os elementos de política constitucional e os elementos de teoria — sugestões para possibilidades de detalhamento, delimitação e elucidação do conteúdo da norma elaboranda de decisão.
b) Conflitos entre os elementos da concretização
aa) O conceito metodológico do conflito
Só se pode falar de conflitos entre os elementos individuais da concretização onde aparece uma oposição frontal entre aspectos fecundos no caso individual; quer dizer, não onde e.g. o elemento histórico deixa duas ou mais possibi
* unmittelbar.
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lidades em aberto, das quais somente uma é compatível com a interpretação gramatical. Então há uma contradição apenas nessa perspectiva parcial, não entre “o” aspecto gramatical e “o” aspecto histórico da interpretação.
bb) Tipos de situações conflitivas entre elementosindividuais da concretização
1. Conflitos entre elementos não diretamente referidos a normas: Em conflitos entre elementos de política constitucional, de técnica da solução e de teoria, por um lado, e entre a parte não-diretamente referida à norma dos elementos dogmáticos, por outro lado, não existem nem primados nem regras de preferência. Esses aspectos são recursos metódicos auxiliares sem orientação direta segundo a norma. No âmbito da sua falta de obrigatoriedade jurídica não se pode çüstinguir graus determináveis de efeito obri- gacional maior ou menor para a instância concretizadora. Mas para esses aspectos vale também do mesmo modo o imperativo da fundamentação e representação de forma racionalmente controlável, inerente ao Estado de Direito.
No caso individual, os elementos mencionados podem ser graduáveis conforme a solução que puder ser compatibilizada “melhor”, “mais corretamente", “mais plausivel- mente”, “mais univocamente” ou “mais conforme à finalidade” com os resultados parciais dos elementos diretamente referidos à norma ou com a função limitadora dos textos das normas. Nesses processos de seleção trata-se de valora- ções cujo caráter subjetivo não é evitável, nem deve ser velado.
2. Conflitos entre os elementos não-diretamente referidos a normas e os elementos diretamente referidos a normas: Em caso de contradição, os elementos da concretiza
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ção diretamente referidos a normas (elementos metodológicos strictiore sensu, determinados elementos dogmáticos e os elementos do âmbito da norma) precedem os elementos não-diretamente referidos a normas (uma parte dos elementos dogmáticos, além disso uma parte dos elementos de técnica da solução, de política constitucional e de teoria). Essa regra de preferência é normativa. Ela segue do fato, instituído pelo ordenamento jurídico (constitucional) vigente, do exercício da função estatal estar vinculado à constituição e ao direito. Num sentido mais amplo, porque não-sancionável na prática de acordo com o direito vigente, isso vale também para a ciência jurídica, à medida que ela opera com orientação segundo as normas.
3. Conflitos entre os elementos da concretização diretamente referidos às normas:
(I) Elementos dogmáticos referidos a normas, por um lado — e elementos metodológicos e do âmbito da norma, por outro lado: em caso de conflito os elementos metodológicos e os elementos do âmbito da norma têm precedência, à medida que se pode comprovar por eles que as normas de decisão anteriormente elaboradas pela práxis e pela ciência e transmitidas pelos enunciados dogmáticos aduzidos não dizem respeito à norma de decisão concretizanda a partir da mesma norma jurídica com vistas ao caso pendente. Então o esforço da concretização deve ser retomado sem a ajuda do trabalho anterior sobre a norma.
(II) Elementos do âmbito da norma, por um lado — elementos metodológicos strictiore sensu, por outro lado: os elementos do âmbito da norma são hierarquicamente iguais aos elementos da interpretação do texto com vistas à determinação do conteúdo positivo da norma de decisão elaboranda. Negativamente, i. é, para a determinação do limite de resultados admissíveis (normas de decisão), os
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elementos de interpretação diretamente referidos a textos de normas, i. é, a interpretação gramatical e sistemática, têm prevalência também sobre os elementos do âmbito da norma, por razões inerentes ao Estado de Direito. Assim o programa da norma formulado no teor literal orienta no sentido da delimitação e limitação não apenas o processo da seleção de pontos de vista materiais a partir do âmbito genérico de regulamentação da prescrição (âmbito material) e a partir do âmbito do caso (conjunto de fatos do caso jurídico), mas todo o processo da concretização.
(III) Conflitos dos elementos metodológicos strictiore sensu (elementos de interpretação) entre si:
Em caso de conflito, o texto da norma é o ponto de referência hierarquicamente precedente da concretização, enquanto determinação do limite das possibilidades deci- sórias admissíveis. O teor literal não é a lei, mas a forma da lei. E, contudo, o teor literal que formula — em que pese qualquer inconclusidade da implementação lingüística — o programa da norma vinculante como diretriz material bem como limite normativo. Com isso a ênfase recai em caso de dúvida nos elementos de interpretação que trabalham os textos de normas (o teor literal da prescrição concretizan- da bem como também os teores literais de prescrições "sistematicamente" consultadas). Devem recuar para um segundo plano os fatores da interpretação referidos aos textos de não-normas (interpretação genética e histórica; além disso os elementos de técnica da solução, os elementos dogmáticos, de política constitucional e de teoria). O primado segue dos imperativos — inerentes ao Estado de Direito — da inviolabilidade da constituição, da vinculação à lei e ao direito, da rigidez do direito constitucional no sentido da clareza do seu texto de normas, além disso dos imperativos da clareza das normas e da determinidade do suporte fático, da clareza dos métodos, da segurança jurídi
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ca e da delimitação constitucionalmente normatizada das funções. Esses imperativos pertencem ao direito constitucional não-escrito reconhecido no âmbito de vigência do princípio do Estado de Direito; em parte eles também estão normatizados sob forma de leis especiais em prescrições individuais da Lei Fundamental64.
Em caso de dúvida, portanto, os resultados parciais das interpretações gramatical e sistemática precedem os dos outros elementos de concretização. Enunciados divergentes entre aspectos históricos e genéticos não são decisivos no sentido de uma regra de preferência, já que ambos se referem à interpretação de textos não-normativos. A decisão material não pode então ser tomada parcialmente pela discussão entre as interpretações histórica e genética, mas apenas no contexto de toda a concretização.
Do exposto evidencia-se também a razão pela qual a doutrina dominante revela (sem refletir sobre isso) tamanhos pruridos em dotar a “vontade subjetiva” do dador histórico da norma de um primado diante da “vontade objetiva” da norma. Se no caso individual preferíssemos o material legislativo ao teor literal da prescrição, a decisão seria tomada, com uma nitidez não tão facilmente alcançável nos outros elementos, a partir de um texto não-normativo contra o texto da norma jurídica. A nitidez seria aqui especialmente pronunciada, pois nesse caso seriam aduzidas formulações lingüísticas de dois estágios diferentes da história dos efeitos produzidos* pela mesma prescrição: do estágio ainda não vinculante da história da sua origem e do estágio da sua vigência, agora vinculante. De resto, a decisão contra
64 E.g. Lei Fundamental, art. 19 al. 1, frase 2; art. 79 al. 1, frase 1; art. 80 al. 1, frase 2.* Wirkungsgeschichte.
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a função limitadora do teor literal é inadmissível também em outros casos.
Evidenciou-se muitas vezes que o enfoque das assim chamadas teorias subjetiva e objetiva, opostas uma a outra, não logra apreender os problemas materiais da concretização e.da relação dos elementos da concretização. Assim o aspecto genético só pode, no caso da contradição, ser pos- posto aos aspectos gramatical e sistemático (o que lhe confere o mesmo grau hierárquico do que os elementos restantes da concretização). Mas a doutrina dominante65 parte do pressuposto de que o aspecto genético da “teoria subjetiva” deveria, no caso de uma contradição dos resultados parciais, recuar a um plano secundário também diante das interpretações histórica e “teleológica”. Essa tese carece de fundamento. Sustenta-se normativamente a afirmação de que os pontos de vista genéticos devem, em caso de dúvida, conceder o pqmado aos pontos de vista gramaticais e sistemáticos. Mas essa situação normativa não diz apenas respeito ao aspecto genético. O entendimento da doutrina dominante de que as interpretações gramatical, sistemática, teleológica e histórica teriam como objeto e resultado a “vontade objetivada” da própria norma, mas de que o aspecto genético a partir dos materiais legais teria como objeto e resultado apenas a “vontade subjetiva” do dador da norma, não pode ser sustentado conforme as regras aqui elaboradas. Não se pode declarar genericamente a partir de quais elementos se pode identificar, em um determinado caso individual e diante de determinadas prescrições con- cretizandas com vistas a ele, o “teor objetivo" dessas normas. Materialmente, o critério “objetivo — subjetivo” tem tão pouca serventia como o referimento dos dois critérios à
65 Na esteira de BVerfGE 1, pp. 306 e 312 e na jurisprudência subseqüente.
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idéia de uma “vontade” dada como orientação prévia, apenas identifícanda no caso individual.
Na verdade o critério está no fato de que os elementos metodológicos de concretização strictiore sensu, quer dizer, os procedimentos da interpretação do texto, se referem em parte aos textos de prescrições jurídicas vigentes, em parte aos textos de não-normas. Isso fundamenta em virtude dos imperativos do Estado de Direito o primado dos modos gramatical e sistemático de interpretação na sua função de limite da formação admissível da decisão. Mas isso mostra simultaneamente que não se pode afirmar, com referência às modalidades histórica, teleológica e genética de interpretação, gradações da sua hierarquia de vigência ou da sua eficácia vinculante para o processo da concretização prática. De qualquer modo nunca se trata de uma "vontade" do legislador ou da lei. Trata-se sempre de aspectos materiais para a aplicação interpretadora e para a interpretação aplicadora de determinadas prescrições jurídicas em determinados casos jurídicos. Dentre as ajudas de interpretação diretamente orientadas segundo as normas e referidas a textos não-normativos, tais aspectos materiais são fornecidos pelo aspecto genético de forma tão “objetiva” como pelos aspectos histórico e teleológico. Nem a "teoria subjetiva" nem a "teoria objetiva" merecem preferência. Ambas partem de um enfoque indagativo parcialmente incorreto, parcialmente insuficiente. Devem ser abandonadas em favor das regras diferenciadoras de preferência, aqui elaboradas.
(IV) Para os casos de dúvida e de conflito só fica ainda em aberto a pergunta como se deve proceder em caso de contradição entre os aspectos gramatical e sistemático.
Com vistas à determinação do conteúdo positivo da norma de decisão, tal contradição não pode ser dissolvida unicamente por uma regra de preferência metodicamente ge-
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neralizável. Como sempre, devem ser aduzidos os restantes pontos de vista com força enunciativa para o caso. Decisões valorantes devem aqui, como em todos os casos, ser caracterizadas enquanto tais. Muitas vezes se pode tomar no resultado uma decisão unívoca: em favor do aspecto gramatical,.quer dizer, do texto da norma da prescrição “pertinente” e em detrimento dos textos de normas de outras normas que não são pertinentes para o caso, mas foram aduzidas pela via sistemática. Tal decisão se torna imperiosa se o “nexo sistemático” — como freqüentemente — não pode ser comprovado de forma cogente. Na matéria tanto complexa quanto dificilmente apreensível do direito constitucional, tal prova cogente deveria constituir exceção. Assim o aspecto gramatical tem preferência no resultado para a massa principal dos casos de direito constitucional.
Na sua função negativa, como limite, como limitação das possibilidades de decisão remanescentes na margem de atuação dos resultados parciais concretizados, o aspecto gramatical tem igualmente precedência em caso de conflito com o aspecto sistemático. Isso vale segundo os pressupostos mencionados para um conflito frontal, que no entanto só diz respeito, em ambos os lados (texto da norma pertinente A — textos das normas de normas não-perti- nentes, mas “sistematicamente” aduzidas B, C...), às funções limitadoras dos teores literais das normas, que estão envolvidos. Se, no entanto, a contradição entre os resultados parciais não estiver tão acirrada, se e.g. o aspecto gramatical deixar uma margem de ação para duas possibilidades, a seleção poderá ser efetuada entre eles com base no ponto de vista sistemático (concretamente fecundo). Nesse caso não teremos um conflito, mas uma relação normal de complementaridade entre os elementos envolvidos.
Registre-se mais uma vez que ao menos no direito constitucional a "sistemática” quase sempre não é um dado nor
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mativo unívoco, mas uma suposição teoricamente anteci- padora. Ademais, o legislador (constitucional) também pode normatizar "assistematicamente” ou “contrariamente ao sistema”. Por isso em tais casos a decisão sobre contradições metódicas deve em última instância ser localizada na função limitadora do texto da norma interpretado, característica para o Estado de Direito.
c) Casos de falta de força enunciativa dos elementos gramaticais e sistemáticos
Uma prescrição pode ser pertinente no caso individual à medida que — abstraindo dos elementos restantes — os aspectos gramatical e sistemático podem, por um lado, funcionar negativamente como determinação limitadora de possíveis alternativas de decisão sem, por outro lado, produzir nada de positivo, que determine o conteúdo acerca das questões levantadas pelo caso em exame. Citemos como exemplo o art. 21 da Lei Fundamental sobre a questão do financiamento dos partidos a partir de recursos públicos. O art. 21 da Lei Fundamental não se manifesta a respeito disso no sentido de um enunciado positivo. Não obstante não se poderia sustentar a opinião de que ele não seria “pertinente” para o exame do problema. Muito pelo contrário, já o teor literal do art. 21 da Lei Fundamental fornece pontos de vista indispensáveis na sua função — própria do Estado de Direito — de limite, como demarcação da margem de ação de normas de decisão constitucionalmente ainda admissíveis.
Em tais casos e em casos similares não existe entre os elementos restantes da concretização, tampouco como em outros casos, nenhuma seqüência hierárquica normativa- mente vinculante da sua influência sobre a decisão. De acordo com as indicadas regras de valoração não-vinculan-
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tes, deve-se extrair então a força de convencimento con- teudístico de um dos resultados possíveis, devendo esse resultado ser medido pela função limitadora vinculante do teor literal da norma (caso as interpretações gramatical e sistemática produzirem o mesmo sentido).
Pçrmanece ainda irrespondida a pergunta: como se deve proceder se os aspectos gramatical e sistemático não podem enunciar nada a respeito do caso, não podendo assim adquirir eficácia nem na sua função limitadora? A resposta é a seguinte: nesse caso a prescrição aduzida para a solução do caso, à guisa de hipótese de trabalho, não é pertinente. Deve-se formular uma nova hipótese sobre a norma. A hipótese até agora existente sobre a norma provou ser incorreta ou — o que diz o mesmo, quanto ao resultado — normativamente não documentável no caso jurídico decidendo.
Se em taljprocedimento não encontrarmos regulamentada pelo direito constitucional vigente com nitidez suficientemente documentável a pergunta formulada pelo caso — eis o "problema da lacuna" da metodologia tradicional —, o direito constitucional não autoriza a substituir — por assim dizer no tudo ou nada66 — mediante o preenchimento de lacunas, a formação de analogias, aperfeiçoamento do direito67 e assim por diante uma norma de decisão sem norma jurídica positivamente vigente. Conforme a referência material da "lacuna" à pretensão de requerimento ou à pretensão de petição68, deve-se decidir segundo a situação processual — se do contrário só suposições metodicamente não mais justificáveis e gerações apócrifas de normas conduzissem ao objetivo. O procedimento honesto em termos
66 auf Biegen und Brechen.67 Rechtsfortbildung.68 Antrags-oder Klagebegehren.
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de método deve também estacar diante da tentação de passar por cima da distinção e correlação das funções da concretização do direito, normatizada pela constituição; deve satisfazer justamente no direito constitucional as exigências que e.g. o direito dos EUA circunscreve nos motes “political question” e “judicial self-restraint”.
d) Sobre a normatividade de regras de preferência
À medida que a determinação da relação dos elementos, aqui desenvolvida, se condensou em regras vinculantes de preferência, estas não atuam com base em teoremas das ciências humanas, de teoremas filosóficos, hermenêuticos ou metodológicos, mas como imperativos do direito constitucional positivo. Elas foram desenvolvidas aqui no seu efeito sobre exemplos de casos do direito constitucional. Em virtude da sua origem normativa como imperativos do Estado de Direito e em virtude do caráter de obrigatoriedade do direito constitucional enquanto direito hierarquicamente superior para todo o ordenamento jurídico, elas valem, contudo, também para as metódicas das disciplinas jurídicas restantes, embora nelas se defrontem em alguns segmentos com um material de normas estruturalmente mais elástico do que o material de normas do próprio direito constitucional.
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Capítulo IV
RESULTADOS
1. A única concepção global da metódica do direito constitucional, herdada da tradição, é o positivismo legalista [v. Gerber, Laband) . As regras técnicas da interpretação de Savigny expressamente não se referem ao Direito Público e ao Direito Constitucional. Nem a análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, nem o estado da discussão da bibliografia científica, nem ainda as práticas de método da legislação, do governo e da administração pública resultam em um esboço que ultrapasse a posição do positivismo legalista. O que é proposto e praticado em matéria de novos enfoques na práxis e na ciência, apresenta em parte contradições internas, em parte ainda não está suficientemente assegurado, não se armando em quadro unitário e carecendo integralmente da fundamentação hermenêutica por uma teoria estrutural pós-positivista da norma jurídica.
2. No processo da implementação prática as normas aparecem como modelos de ordem materialmente determinados, que devem ser diferenciados estrutural bem como funcionalmente segundo as disciplinas jurídicas individuais bem como no quadro dessas mesmas disciplinas.
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Normas jurídicas não são idênticas aos seus textos de normas. O teor literal não é a lei. Ele é a forma da lei. Em princípio a normatividade praticamente atuante de prescrições jurídicas é co-constituída também pelo teor material do âmbito da norma. Na perspectiva vinculante do programa da norma (formulado no texto da norma), o âmbito da norma é destacado a partir dos teores materiais genéricos da esfera de regulamentação da prescrição.
3. Os meios tradicionais da metódica jurídica referem- se explicitamente apenas ao tratamento de textos. Implicitamente eles contém possibilidades de incluir na concretização teores materiais provenientes dos âmbitos das normas de forma hermenêutica não-refletida e metodicamente não-diferenciada. Eles devem ser complementados por elementos metódicos que permitam aproveitar o teor material dos âmbitos das normas de forma expressa e racionalmente verificável para a decisão normativamente orientada de casos jurídicos. Além disso os meios da interpretação do texto das normas devem ser complementados para a metódica do direito constitucional por princípios da interpretação da constituição. Estes são apenas na sua menor parte autônomos (e.g. imperativo da interpretação conforme a constituição, imperativo da correção funcional do resultado); na sua maior parte eles são casos especiais dos recursos tradicionais da interpretação.
4. Savigny distinguiu quatro elementos da interpretação. Eles devem em princípio ser preservados. No entanto eles devem ser:
a) especialmente fundamentados para a metódica do Direito Público e do Direito Constitucional;
b) examinados mais precisamente em termos hermenêuticos e metódicos, sobretudo com vistas aos seus nexos com a estrutura de normas jurídicas e com a não-identida- de de norma e texto da norma;
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c) complementados pelos elementos adicionais exigidos pela concretização de normas do direito constitucional e
d) colocados em uma relação praticamente operaciona- lizável bem como em parte normativamente garantida e nessa medida vinculante de atuação ou hierarquia.
5. O processo da implementação prática de normas jurídicas a casos jurídicos regulamentandos evidencia-se estruturado. Somente em casos-limite (raros e não-caracte- rísticos para o direito constitucional) ele pode ser compreendido como “aplicação", “inferência silogística” ou “subsunção”. A norma jurídica é mais do que o seu teor literal. O teor literal funciona, de acordo com o tipo da norma, de maneiras distintas, como diretriz e limite da concretização admissível. A interpretação do texto da norma é um componente importante, mas não único da implementação d ensinais de ordenamento normativo em casos determinados. Por isso não mais devemos falar de interpretação ou explicação*, mas sim de concretização da norma.
6. A metódica jurídica só pode ser elaborada a partir das condições das diferentes funções concretizadoras das normas (instituição da norma, governo, administração pública, jurisprudência, ciência). Ela analisa a peculiaridade, em princípio comum às funções práticas, da concretização referida ao caso e complementa a análise estrutural do processo de concretização por um modelo estrutural da concretização. Nesse sentido ela se concebe como "metódica estruturante”.
7. A concretização da norma introduz os seguintes elementos no jogo:
a) elementos metodológicos ‘strictiore sensu' (interpretações gramatical, histórica, genética, sistemática e “teleo-
* Auslegung.
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lógica”, bem como princípios isolados da interpretação da constituição);
b) elementos do âmbito da norma;c) elementos dogmáticos-,d) elementos de teoria;e) elementos de técnica de solução ef) elementos de política do direito e política constitucio
nal.Os elementos listados em (a) e (b) bem como uma
parte dos listados em (c) são diretamente referidos a normas. O restante dos elementos listados em (c), os elementos listados em (d), (e) e (f) não são diretamente referidos a normas e nessa medida estão restritos a funções auxiliares na concretização. Uma análise mais precisa dos aspectos individuais, especialmente das interpretações gramatical, histórica, genética, sistemática e “teleológica”, bem como dos elementos do âmbito da norma, resulta em numerosas compreensões da estrutura do processo da implementação prática da norma, que vão além do positivismo legalista.
8. Uma determinação da relação dos elementos de concretização e da sua seqüência hierárquica deve partir de dois pressupostos: por um lado, os pontos de vista auxiliares da concretização, de natureza hermenêutica e metodológica, não são normativamente vinculantes; por outro lado, a metódica jurídica é em parte afetada diretamente por imperativos do direito (constitucional) vigente.
No caso de resultados (parciais) contraditórios os elementos diretamente referidos a normas (elementos metodológicos e do âmbito da norma bem como uma parte dos aspectos dogmáticos) têm precedência sobre os componentes restantes do processo de concretização, não diretamente referidos a normas. Dentre os aspectos diretamente referidos às normas, os referentes às interpretações gramatical e sistemática têm preferência em caso de conflito, por
106
dizerem respeito à interpretação de textos de normas, ao passo que os procedimentos restantes dizem respeito aos textos de não-normas. A função limitadora do teor literal da prescrição concretizanda (e dos textos das normas de outras prescrições sistematicamente aduzidas), própria do Estado^de Direito, vale também diante de resultados empíricos a partir do âmbito da norma.
107
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APÊNDICE(abril de 1999)
(sobre o desenvolvimento e o estado atual da metódica do direito [constitucional] na obra do autor)
O presente livro foi desenvolvido e aperfeiçoado in:Friedrich Müller (doravante citado como F.M.). Juri-
stische Methodik [Metódica Jurídica]. Berlim, Duncker & Humblot, 1971. Edição mais recente dessa obra constantemente atualizada: 8a ed., Berlim, Duncker & Humblot, 2002.
A demonstração prática com base em casos foi e.g. elaborada in F.M. Fallanalysen zur juristischen Methodik [Análises de casos com vistas à metódica jurídica]. 2a ed., Berlim, Duncker & Humblot, 1989.
As duas obras não foram traduzidas ao português até agora. Há três anos, é conhecida e pode ser encontrada sem maiores dificuldades a tradução francesa da 5a ed. da Juri- stische Methodik [v. supra], feita por Olivier Jouanjan e publicada em 1995 em Paris pela Presses Universitaires de France sob o título Discours de la méthode juridique.
117
São ainda acessíveis no Brasil os seguintes escritos de Friedrich Müller, que pertencem ao âmbito do tema do presente livro:
Entsprechungen zwischen Rechtstheorie und Sprachtheo- rie: Strukturierende Rechtslehre und praktische Semantik. in: Conferência do 3o Congresso Brasileiro de Filosofia Jurídica e Social. Paraíba, 1988, pp. 181 ss.
Tesis acerca de la estructura de las normas jurídicas. In: Revista Espanola de Derecho Constitucional (1989), 111 ss. (tradução de Luis Villacorta Mancebo).
Interpretação e concepções atuais dos Direitos do Homem. Traduzido por Peter Naumann. In: Anais da 15a Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1994, pp. 535 ss.
Direito — Linguagem — Violência. Elementos de uma Teoria Constitucional I. Traduzido por Peter Naumann. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris, 1995.
Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Traduzido por Peter Naumann. Com uma apresentação de Fábio Konder Comparato e um prefácio de Ralph Chri- stensen. 3a ed., revista e ampliada. São Paulo, Editora Max Limonad, 2002.
Legitimidade como litígio concreto do direito positivo — uma comparação atual entre as constituições alemã e brasileira. In: Cadernos da Escola do Legislativo. Belo Horizonte, 1999 (em preparo).
Constitucionalidade — Legalidade — Legitimidade. A Constituição de 1988 em comparação analítica com a Lei Fundamental alemã. São Paulo, Editora Max Limonad, 1999 (em preparo).
O novo paradigma do direito. Introdução à Teoria e à Metódica Estruturantes do Direito. São Paulo, Editora Max Limonad, 1999 (em preparo).
Com ênfase na teoria constitucional:
118
Fundamentos atuais da democracia: cidadania e participação. In: Anais da 16a Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 1996, pp. 57 ss.
Sobre a metódica jurídica no conjunto da constituição positiva, cf. as seguintes publicações em língua alemã:
Jjiristische Methodik und Politisches System. Elemente einer Verfassungstheorie II [Metódica Jurídica e Sistema Político. Elementos de uma Teoria Constitucional, II]. Berlim, Duncker & Humblot, 1975.
Die Einheit der Verfassung. Elemente einer Verfassungstheorie III [A unidade da constituição. Elementos de uma Teoria Constitucional, III]. Berlim, Duncker & Humblot, 1979.
Strukturierende Rechtslehre [Teoria Estruturante do Direito]. 2a ed. Berlim, Duncker & Humblot, 1994. Tradução brasileira de Peter Naumann (em preparo).
F.M. (e d j Untersuchungen zur Rechtslinguistik [Análises sobre Lingüística Jurídica]. Berlim, Duncker & Humblot, 1989.
Essais zur Theorie von Recht und Verfassung [Ensaios sobre a teoria do direito e da constituição]. Berlim, Duncker & Humblot, 1990.
Methodik, Theorie, Linguistik des Rechts [Metódica, Teoria e Lingüística do Direito], ed. Ralph Christensen. Berlim, Duncker & Humblot, 1987 (nesta publicação, e.g. Verfassungskonkretisierung [Concretização da constituição], pp. 20 ss.)
Rechtstext und Textarbeit [Texto do direito e trabalho do texto] (escrito em parceria com Ralph Christensen e Michael Sokolowski). Berlim, Duncker & Humblot, 1997.
Demokratie und Juristische Methodik [Democracia e Metódica Jurídica], In: H. Brunkhorst & P. Niesen (edd.). Das Recht derRepublik. Frankfurt am Main, 1999, pp. 191 ss.
119
Juristische Methodik (Metódica Jurídica), vol. II: Euro- parecht (Direito Europeu). Berlim, Duncker & Humblot, 2003 (em parceria com Ralph Christensen).
Neue Studien zur Rechtslinguistik (Novos Estudos de Lingüística Jurídica), ed. em parceria com Rainer Wim- mer. Berlim, Duncker & Humblot, 2001.
(em parceria com Ralph Christensen) Rechtslinguistik des Europarechts (Lingüística Jurídica do Direito Europeu). Berlim, Duncker & Humblot, 2003 (em preparo).
CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO1
O que deve significar aqui “constituição”? Não se trata de nenhuma pergunta preliminar; ela já diz respeito ao cerne do que “concretização” deve significar. No termo “constituição"*, primeiro elemento do substantivo composto "Verfassungskonkretisierung” se decide preliminarmente o que o segundo, "concretização”** , haverá de significar e, por conseguinte e simultaneamente, como a constituição efetiva será efetivamente tratada — não importa se denominamos isso “concretizar” ou diferentemente.
Mas com isso se pressupõe novamente o que queremos entender por “constituição efetiva”.
1 Versão mais extensa da conferência proferida em 22 de agosto de 1996 na abertura do “Congresso Internacional de Direito Constitucional, Tributário e Administrativo” no Centro de Convenções da UFPE (Recife). Publicado in Müller, Friedrich. Methodik, Theorie, Linguistik des Rechts: NeueAufsàtze (1995-1997). Berlim, Duncker & Humblot, 1997, pp. 20-35.* Verfassung.** Konkretisierung.
121
Assumi a palestra sobre questões de princípio. Insiro- me no programa global, que deverá conter posicionamentos sobre várias questões individuais. Devo respeitar esse programa e faço-o limitando-me aqui aos problemas fundamentais.
O que nós juristas denominamos "constituição" é — não importa como formulamos esse conceito — um dado lingüístico; e o que “concretização” pode significar em diferentes variantes é sempre um processo lingüístico. Há algum tempo esse fato é enunciado e trabalhado na frente avançada da teoria e metodologia do direito: o caráter ine- ludível de linguagem, a textualidade que perpassa toda a concretização (da constituição).
1 .1 .0 conceito de constituição não está definido; e não existe um único conceito de constituição reconhecido sequer pela maioria dos juristas. Nos países de língua alemã encontramos uma dúzia de conceitos de constituição: ao lado do conceito formal, os materiais; ao lado do conceito “absoluto”, o “relativo"; em Carl Schmitt ainda mais rigorosamente "a constituição" contra “a lei constitucional”; quer dizer, criações conceituais políticas versus criações conceituais jurídicas ou criações conceituais das Ciências Sociais versus criações conceituais da Ciência Jurídica. No cotidiano da política — conseqüentemente: não inteiramente sem segundas intenções — “a realidade constitucional” se vê sempre de novo assestada contra “a constituição” (aparentemente no mesmo nível hierárquico). As acepções de conteúdo oscilam e.g. entre a constituição enquanto "ordenamento jurídico básico do Estado*”, o ordenamento jurídico do processo de integração pelo Estado, o processo de atuação conjunta consciente, planejada e organizada, a “projeção do comportamento segundo a idéia do que é
* Gemeinwesen.
122
‘correto’”, com função estabilizadora, ou ainda, a restrição e racionalização do poder e garantia de um processo político livre2. Para um cientista político [W. Hennis) a constituição não é o “livro de base” tematicamente rico da nação, mas um mero “instrument of government”. E um positivista à antiga como E. Forsthoff nos ensina3 que a constituição seria '(no sentido schmittiano) apenas uma lei constitucional, embora de natureza "política”: por isso ela não poderia ser interpretada “como uma lei sobre termômetros de medição da febre”. No entanto, a confissão de que os "problemas propriamente ditos” apenas começariam com esse entendimento, não é seguida por nenhuma indicação construtiva de como eles deveriam ser solucionados.
No Brasil a “concepção formal” é contraposta à “concepção material”, que na seqüência é elaborada expressamente4; ou a constituição é apresentada como o “conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado”5. V
1.2. Que fazer diante dessa pletora de conceitos? Deveríamos dar a preferência a um dos conceitos defendidos? Se sim, com que fundamentação? Ou deveríamos acrescentar um conceito adicional — com que razões?
2 Na seqüência das menções: K. Hesse. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik DeutscMand. 20a ed. 1995, pp. 10 ss.; R. Smend. Verfassung und Verfassungsrecht. Staatsrechtliche Abhandlun- gen. 2a ed. 1968, p. 189; H. Heller. Staatslehre. 1934, pp. 228 ss.; R. Bãumlin. Staat, Recht und Geschichte. 1961, e.g. pp. 17, 24; H. Ehmke. Grenzen der Verfassungsãnderung. 1953, pp. 88 s.3 In: Zur Problematik der Verfassungsauslegung. 1961, pp. 35 ss., 37.4 Em Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 6a ed. 1996, pp. 63 ss.5 In: José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10a ed. 1995, pp. 40 s.; p. 41: "a constitição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos de Estado”.
123
Todos os conceitos são vagos, longe de serem tão nitidamente distintivos como gostariam de alegar. Todos eles apresentam-se como definições; quer dizer, autoritariamente e sem esconder um pendor para induzir conspirati- vamente a deduções. Por fim, todos eles — à exceção da “constituição” de Carl Schmitt, que na sua condição de mito não pertence ao tema da constituição jurídica — pressupõem o que deve ser explicado como conjunto de normas.
1 .3 .0 que foi dito por fim parece ser evidente; e isso a tal ponto, que não parece mais merecer qualquer pergunta. Assim opinava ao menos o paradigma positivista, segundo o qual dever-se-ia definir aqui primeiramente a “constituição”, depois a "concretização”; em seguida ambos poderiam ser justapostos por meio da adição, com ganhos para o nosso entendimento. Contrariamente ao paradigma positivista, a constituição e a sua concretização são aqui vinculadas integrativamente a limine. Na realidade do universo jurídico as seqüências de trabalho estão integradas, formam um ciclo informal. Quando se institui uma codificação, “pensa-se” necessariamente na sua concretização posterior, também nos seus aspectos individuais — pois a função da construção de um corpo de leis tem precisamente isso em mente. E argumentos do tipo quão satisfatório ou insatisfatório o texto da norma se afigura diante do caso jurídico imiscuem-se necessariamente na atividade concre- tizadora. Nenhuma prescrição está subtraída ao debate da política (jurídica); ela é revista, anulada, modificada — e isso novamente com vistas à futura atividade concretiza- dora.
A tradicional fissura do conceito de constituição deriva da situação precária* do paradigma superado, do seu con
* Schieflage.
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ceito inteiramente insuficiente de lei. Há mais de três décadas as investigações da teoria do direito pós-positivista mostraram6 que a normatividade não é nenhuma qualidade (estática, dada, “substancial”) de textos de normas. Ela é um processo baseado no trabalho comprometido com o Estado de Direito e a democracia. Esse processo parte dos textos das normas (e dos casos jurídicos) e encontra neles os seus limites, de modo a ser discutido mais além.
O conceito de lei (e também de constituição) fracassa diante das incongruências do enfoque positivista. Não importa o que as variantes atomizadas em opiniões desta ou daquela escola procurem enfatizar como a sua diferença específica, a “constituição” é de qualquer modo o texto, posto corretamente em vigor e ainda não invalidado legalmente, do diploma que se apresenta como codificação hierarquicamente suprema no plano intra-estatal.
Assim o cqnceito é utilizado aqui, sem que rastreemos liminarmente outras definições. Nesse procedimento se pode reconhecer uma conseqüência adicional da virada wittgensteiniana, segundo a qual “o significado de uma palavra” é quase sempre “o seu uso na linguagem”7.
Isso nos levaria aqui a redondamente uma dúzia de significados. Ora, a idéia fundamental da teoria dos atos de
6 Desde F. Müller. Normstruktur und Normativitãt. 1966; Id. Juristische Methodik, 1971 (6a ed. 1995); Id. Strukturierende Rechtsleh- re. 1984, 2a ed. 1994.7 L. Wittgenstein. Philosophische Untersuchungen. 1971, parágrafo 43: “Man kann für eine grosse Klasse von Fallen der Benützung des Wortes ‘Bedeutung’ — wenn auch nicht für alie Fãlle seiner Benützung — dieses Wort so erklâren: Die Bedeutung eines Wortes ist sein Ge- brauch in der Sprache. ” [“Para uma grande classe de casos da utilização da palavra ‘significado’ — ainda que não para todos os casos da sua utilização — pode-se explicar essa palavra da seguinte maneira: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem.”]
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fala (desde Austin e Searle) e da subseqüente pragmática lingüística afirma que cada enunciado pode ser descrito como uma ação segundo regras — e isso na esteira de Witt- genstein e da sua teoria do uso do significado. Conhecer o sentido do signo lingüístico “constituição” significa, por conseguinte, saber quais regras vigem para o seu uso e saber como se pode agir com esse signo.
Aqui vamos avançar mais um passo: a “constituição” não é introduzida como definição nem como significado efetivamente usado (pois nesse caso teríamos mais de dez definições e significados ao mesmo tempo), mas como elemento de trabalho, como mera explicitação. E isso para observar num primeiro momento que experiências fazemos com ela, para descobrir como se pode agir com ela. E esse enfoque indutivo que, entre outros elementos, interliga a Teoria Estruturante do Direito e uma vertente da Lingüística contemporânea, denominada Semântica Prática.
1.4. Ao operar indutivamente e não dedutivamente, a Teoria Estruturante do Direito opta pela teoria da ação. O sujeito da decisão jurídica não é “a lei”, "a norma”, mas o jurista efetivamente atuante. Ele é responsável pela sua deliberação vinculante, está além disso comprometido com o Estado de Direito e a democracia, no tocante à metódica do seu trabalho. Nesse sentido exigente se deve entender a expressão “operador jurídico”. A linguagem não é aqui instrumento passivo dessa atuação jurídica, mas meio, melhor ainda, espaço de atuação. Na sua condição de língua natural especializada, ela é submetida, do ponto de vista categorial, a exigências excessivas pelas concepções tradicionais do "silogismo”, da “subsunção” lógica ou de um “significado” inerente aos textos, supostamente propriedade dos conceitos referentes às circunstâncias de fato.
E assim como desde Wittgenstein a linguagem é vista no nexo de jogos de linguagem e formas de vida, o jogo de
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linguagem específico do “direito” (instituição do direito, implementação do direito, concretização do direito, nova instituição do direito) está sempre inserido no seu entorno efetivo das condições sociais, políticas e econômicas, e no entorno normatizado das instituições estatais envolvidas.
Djto em outras palavras: o trabalho jurídico transcende a “compreensão” (no sentido da Hermenêutica) e a “interpretação” (no sentido do paradigma positivista e das posições antipositivistas). O trabalho jurídico é trabalho com textos nas instituições estatais ou (enquanto preparação ou comentário) com vistas a elas.
1.5. Tradicionalmente estava em jogo a “aplicação” de leis. Estas deviam ter um conteúdo, determinado pela vontade do seu autor (legislante). E, portanto, o legislador (pela boca do juiz) que fala — decide, assume a responsabilidade, não o juiz. Quem fala não é um sujeito humano, mas um textç: o juiz como “bouche de la loi”. Como se sabe, o modelo remonta a Montesquieu.
Esse paradigma familiar opera com pressupostos toscos: a possibilidade de uma única interpretação correta em cada caso, de um centro de sentido de conteúdo claro, de uma unidade do sentido objetivo dos textos jurídicos. Pressupor tais coisas parece ilusório diante do foro da filosofia da linguagem mais recente, entrementes explicitada há três décadas, e diante do foro da atual teoria lingüística dos textos8.
8 Sobre a recepção e discussão desses novos impulsos na Ciência Jurídica cf. a documentação e apresentação e.g. em D. Busse. Juristische Semantik. 1993; Id. Recht ais Text, 1992; Id. Zum Regel-Charakter von Normtextbedeutungen und Rechtsnormen, in: Rechtstheorie 19 (1988), pp. 305 ss.; Id. Semantische Regeln und Rechtsnormen, in: Mel- linghoff/Trute (edd.). Die Leistungsfàhigkeit des Rechts. 1988, pp. 23 ss.; B. Jeand’Heur. Sprachliches Referenzverhalten bei der juristischen Entscheidungstãtigkeit. 1989; Id. Gemeinsame Probleme der Sprach-
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O juiz ou o outro jurista que decide, “subsume” de acordo com o paradigma de Montesquieu. Ele faz isso à maneira “silogística”, subsumindo o caso jurídico aos conceitos de uma norma jurídica previamente dada, que justamente deve ser idêntica ao texto contido no código legal. A lei é lex ante casum, “devendo ser aplicada” por meio do silogismo judicial. Ressalte-se que o ordenamento jurídico é suposto aqui como sistema manuseável sem dificuldades fundamentais: "Trata-se [...] das três suposições fundamentais de coerência*, ao menos da possibilidade de inferir por via lógica: do ordenamento jurídico enquanto totalidade das normas positivas, da norma jurídica individual enquanto continuum unitário formado exclusivamente por dados lingüísticos, da solução do caso individual como processo dominável por meio do silogismo e primacialmente lingüístico do começo ao fim”9. Do ponto de vista da Lingüística Jurídica o mito consiste na suposição de que para cada caso jurídico a solução una, i. é, correta, já está disponível nas leis, que são textos.
Em oposição a esse mito a Teoria Estruturante do Direito desenvolveu desde meados dos anos 60 uma concep
und Rechtswissenschaft aus der Sicht der Strukturierenden Rechtsleh- re, in: F. Müller (ed.). Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, Christensen. Was heisst Gesetzesbindung? 1989; Id. Gesetzesbindung oder Bindung an das esetzbuch der praktischen Vemunft, in: Melling- hoff/Trute (edd.). Die Leistungsfáhigkeit des Rechts. 1988, pp. 95 ss.; R. Wimmer/R. Christensen. Praktisch-semantische Probleme zwischen Linguistik und Rechtstheorie, in: F. Müller (ed.) Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, pp. 27 ss.; F. Müller. Strukturierende Rechtsleh- re. 2a ed. 1994, sobretudo pp. 374 ss.; Id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995; bem como Id. (ed.) Untersuchungen zur Rechtslinguistik. 1989, do começo ao fim.9 F. Müller. Strukturierende Rechtslehre. 2a ed. 1994, p. 438.* Geschlossenheit.
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ção nova, pós-positivista da teoria do direito: a norma jurídica não está já contida no código legal. Este contém apenas formas preliminares, os textos das normas. Estes, por sua vez, se diferenciam sistematicamente da norma jurídica, a ser primeiramente produzida, i. é, ‘trazida para fora’ em çada processo individual de decisão jurídica. Além disso, o âmbito da norma pertence constitutivamente a ela. A “norma jurídica” se transforma assim em conceito complexo, composto por programa da norma e âmbito da norma. E “atividade concretizante” não é mais sinônimo de tornar mais concreta uma norma jurídica genérica que já estaria contida no código legal; ao contrário, significa, a partir de uma ótica e reflexão realistas, construção da norma jurídica no caso individual a ser decidido, sendo que os elementos do trabalho textual se tornam crescentemente “mais concretos" de uma fase a outra. Isso dinamiza ao mesmo tempo o trabalhç> dos juristas no eixo norma — caso, apreende esse trabalho de modo realista como um processo também temporal: texto da narrativa do caso, texto do “conjunto de fatos”* profissionalmente reformulado, e textos das normas na codificação, textos do programa da norma e do âmbito da norma, texto da norma jurídica e da norma de decisão (a parte dispositiva da decisão). Mas a dinamização próxima à realidade apreende também o eixo norma — realidade: o âmbito da norma co-constitui a norma jurídica. Ele é desenvolvido a partir do âmbito material e do âmbito do caso, i. é, diferenciado e operacionalizado. Além disso, os elementos de trabalho são hierarquizados: no caso de conflito entre eles, impõem-se por razões de democracia ou Estado de Direito os dados lingüísticos; não deve existir nenhuma “força normativa do fático” (G. Jellinek). Em casos de conflito metodológico entre os elementos indivi
* “Sachverhalt”.
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duais da concretização temos à disposição um catálogo de regras de preferência. O primado cabe aqui grosso modo aos respectivos argumentos mais próximos do texto da norma.
Compreendida paradigmaticamente em novos termos, a norma jurídica não é apenas o texto lingüístico primacial, mas um modelo ordenador materialmente definido*. E a normatividade não é nenhuma propriedade substancial dos textos no código legal, mas um processo efetivo, temporal- mente estendido, cientificamente estruturável: a saber, o efeito dinâmico da norma jurídica, que influi na realidade que lhe deve ser atribuída (normatividade concreta) e que é influenciada por essa mesma realidade (normatividade materialmente determinada).
1.6. Mas será que se essa concepção aparentemente “material” aqui defendida não conduz a um conceito formal de constituição? Será que isso não significa aqui simplesmente o que Carl Schmitt denominou (depreciativamente) “lei constitucional”? Schmitt chegou a essa expressão pejorativa apenas por ter permanecido como cientista sob o encanto mágico do conceito positivista da norma — contrariamente à sua intenção declarada10. Fracassou na sua tentativa de superar esse conceito em termos jurídicos. Viu-se obrigado a desviar para a “Teologia Política”, para uma mitologia da história, precariamente fundamentada na construção ideológica “amigo e inimigo”. Tal mistificação é inaceitável para a Ciência Jurídica — e não esqueçamos que na “concretização da constituição” a Ciência Jurídica está em jogo. Só não cai nessa mistificação quem começa a inquirir mais fundamentalmente e transpõe o paradigma
10 Cf. a propósito ibid., pp. 28 ss. etpassim.* sachgeprãgtes Ordnungsmodell.
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positivista (já pressentido nos tempos de Schmitt como indefensável).
Aqui não foi proclamado nenhum “conceito” de constituição, mas proposto um elemento inicial de trabalho por meio de uma explicitação. De forma igualmente indutiva, i. é, a partir de muitas centenas de análises da jurisprudência da corte suprema, a mencionada concepção pós-positi- vista tinha sido desenvolvida “de baixo para cima”, a partir das dificuldades cotidianas do trabalho jurídico. Já por essa razão não estamos aqui diante do velho "conceito formal de constituição”. Ademais, a explicitação seria apenas “formal” se permanecêssemos na concepção positivista superada da "norma jurídica” enquanto fenômeno textual apenas primacialmente lingüístico no código legal, pois o que foi perifraseado por meio da explicitação não significa e.g. “conjunto total de normas no nível mais elevado da hierarquia de norm&s”, mas “totalidade dos textos da codificação que se apresenta no plano intra-estatal como a fonte hierarquicamente suprema do direito". Essa explicação refere-se a um determinado conjunto parcial de signos: ela é semiótica, não (pseudo) "normativa” à maneira positivista. Não se toma nenhuma decisão prévia acerca de “formal” ou “material”.
1.7. “Concretizar” não significa aqui, portanto, à maneira do positivismo antigo, interpretar, aplicar, subsumir silogisticamente e inferir. E também não, como no positivismo sistematizado da última fase de Kelsen, "individualizar” uma norma jurídica genérica codificada na direção do caso individual “mais restrito”. Muito pelo contrário, “concretizar” significa: produzir, diante da provocação pelo caso de conflito social, que exige uma solução jurídica, a norma jurídica defensável para esse caso no quadro de uma democracia e de um Estado de Direito. Para tal fim existem
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dados de entrada* — o caso e os “pertinentes” textos de norma — e meios de trabalho, sobre os quais ainda haveremos de falar.
Acrescentemos ainda algumas breves reflexões: os juristas práticos sempre trabalharam assim - inevitavelmente —, mas a metodologia e a teoria jurídica tradicionais não refletiram essa realidade de maneira adequada. O modelo seqüencial estruturante não vale apenas para o caso clássico do juiz, mas para todos os funcionários do sistema jurídico, aos quais foi delegada a competência decisória segundo prescrições jurídicas — no caso em exame: segundo as prescrições da constituição. Ele vale estruturalmente também para o autor de um parecer jurídico, que deve, com base nos textos das normas, avaliar um problema jurídico num grau de maturidade que possibilite a sua decisão. As concepções tradicionais costumam esconder globalmente os argumentos materiais co-constitutivos atrás das conhecidas fórmulas ‘em branco’ como “finalidade”, “razoabilida- de”, “adequação”. Não obstante, os dados reais são eficazes. Na concepção pós-positivista eles são nomeados abertamente, correlacionados aos outros elementos, processados abertamente. Uma das conseqüências desse procedimento — certamente não a última em importância — está no fato de que ele dificulta — e efetivamente também reduz— o arbítrio, de forma profissional. Os fatos não podem co-sustentar "de maneira qualquer” a decisão, também não segundo a oportunidade ou o assim chamado sentimento pessoal do que é direito ("juízo”). Devem poder identifi- car-se para tal fim, por meio de um trabalho de fundamentação segundo o critério do programa da norma, sendo que esse trabalho deve ser apresentado abertamente. E o programa da norma é obtido pela interpretação integral e ra
* Eingangsdaten.
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cionalmente recapitulável de todos os elementos, primacialmente lingüísticos, da concretização (da constituição).
2.1. Como em outras áreas do direito, o jurista que precisa solucionar um caso do Direito Constitucional parte do conjunto de fatos que ele formula profissionalmente. Corp esses traços distintivos ele constrói, a partir do conjunto de textos da constituição, hipóteses sobre o texto da norma que ele pode considerar "provavelmente pertinentes” segundo o seu conhecimento especializado. Dessas hipóteses ele procede aos fatos genéricos empiricamente vinculados a elas (ao lado dos fatos individuais do caso). Em regra ele reduz*, por razões de economia de trabalho, o conjunto desses fatos genéricos, o âmbito material, ao âmbito do caso. Com ajuda de todos os elementos de trabalho primacialmente lingüísticos, os dados de linguagem, ele elabora o programa da norma. A medida que os dados reais do âmbito material ou do âmbito do caso (ainda) são relevantes diante do programa da norma e compatíveis com ele, eles constituem o âmbito da norma. O jurista interliga então o programa da norma e o âmbito da norma na norma jurídica formulada genericamente (“em um caso como este...” — expressa normalmente em assim chamados sumários dos princípios diretivos da sentença** nos considerandos da sentença). Num último passo, ele individualiza essa norma jurídica na direção da norma de decisão (a parte dispositiva da sentença: e.g. “A lei é inconstitucional”; “A medida não viola o direito fundamental ‘x ’”; “O recurso é inadmissível”)11.
11 Sobre o transcurso da concretização cf. F. Müller. Strukturierende Rechíslehre. 2a ed. 1994, pp. 433 ss.; Id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 166 ss., 170 ss.* verengt.* * Leitsátze.
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2.2. Os elementos primacialmente lingüísticos referem-se à interpretação do texto da norma. Fazem parte deles os elementos “metodológicos” no sentido mais estrito: as interpretações gramatical, genética, histórica e sistemática; outrossim, as figuras específicas da interpretação, características do Direito Constitucional; e também a argumentação “teleológica”, que no entanto suscita problemas. Em sentido mais amplo fazem parte dos dados lingüísticos os elementos dogmáticos, os referentes à técnica de solução, os referentes à política constitucional e os elementos teóricos12. Em perspectiva sistemática, opõem-se a todos eles os já mencionados elementos do âmbito da norma.
Não podem basear-se em textos de normas parte dos elementos dogmáticos e dos elementos teóricos, bem como os elementos da técnica de solução de juristas com formação profissional e os elementos de política constitucional. Tais elementos estão restritos a funções auxiliares no transcurso da concretização. Enquanto não colidem com os fatores mais fortes, referidos aos textos das normas, eles podem aportar pontos de vista valiosos e fundamentar a decisão com maior riqueza de argumentos. No caso do conflito metodológico, porém, eles recuam para um segundo plano. Como já foi dito, o mesmo vale para os fatos do âmbito material e do âmbito do caso; eles devem ceder a um programa de norma que se lhes oponha. Permito-me discutir aqui um exemplo atual: pode o presidente brasileiro recandidatar-se imediatamente após o término do seu mandato? O art. 82 da Constituição de 1988 (na redação da revisão EC-5/94) proíbe isso claramente de acordo com a interpretação gramatical. O argumento histórico — com
12 Sobre a totalidade dos elementos de concretização v. as explanações detalhadas em F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 183 ss., 270 ss.
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paração com precursores de normas — confirma isso com base no texto de 1988 e das constituições anteriores13. Como uma candidatura e uma reeleição para períodos de mandato posteriores são lícitas, a proibição para o período imediatamente subseqüente deve ser compreendida no seu sentido estrito (ponto de vista da sistemática interna); outras exceções ao próprio texto constitucional, por meio de extrapolação, estão excluídas — argumentum e contrario. Elemento genético, i. é, de história da origem: durante a revisão de 1994 — no caso, do art. 82 da Constituição Brasileira com a redução do mandato de 5 a 4 anos — a possibilidade da reeleição direta foi discutida; mas a proposta de revisão nesse sentido acabou por não se impor14. Isso também confirma os resultados obtidos até agora. Com isso se coaduna o fato de que estamos, no tocante ao art. 82 da Constituição Brasileira, diante de uma prescrição de forma ejnum sentido mais amplo) de prazo: de um enunciado sobre o suporte fático numericamente determinado, expresso em anos e na seqüência no tempo; tais textos de normas devem ser interpretados de modo especialmente estrito. Chega-se, outrossim, ao mesmo resultado a partir do fato de que se trata de uma questão de organização, da extensão do mandato de um órgão supremo do Estado e das condições quantificáveis da sua renovação — quer dizer, de um ‘hard case’ com rigorosa vinculação ao texto, que não pode ser questionado por nenhum "simbolismo” ou “nominalismo constitucional”. Além disso, um forte elemento externo ao sistema é providenciado pelo fato de que também a constituição de 1988 não prevê um
13 Todas as constituições brasileiras desde 1891 concordam com relação a esse ponto.14 Cf. J. A. da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10a ed. 1995, pp. 513.
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controle parlamentar do governo por meio do voto de desconfiança ou de outra modalidade de destituição do cargo por procedimento eletivo [Abwahl]; pelo fato, portanto, de que a função limitadora do poder, própria do art. 82, deve ser fortalecida. Finalmente o fracasso bem recente de uma revisão desse ponto (1994) mostra que, em termos de política constitucional, essa foi a questão a ser decidida então; que, em outras palavras, uma retomada dessa questão representaria exatamente a configuração de uma emenda constitucional ad hoc na forma de uma (encoberta) lei feita para uma só pessoa. Nota bene: isso não é proibido, por isso trata-se, como já foi dito, apenas de um elemento de política constitucional.
Opõem-se a isso outros argumentos de política constitucional: a possibilidade da reeleição imediata seria agora um “imperativo democrático” — embora tal imperativo não possa ser derivado das prescrições de democracia da constituição positiva; a democracia na versão dessa lei fundamental de 1988 é uma democracia com o art. 82 da Constituição Brasileira. Ou ainda: o impedimento do poder autoritário do cargo seria um anacronismo de política constitucional — embora o mencionado argumento sistemático da falta de controle parlamentar do governo contradiga essa tese. Ou ainda: a continuidade do trabalho exito- so do governo deveria ser assegurada. Ora, é justamente esse o objeto da discórdia — um argumento apenas de política do direito. Mas suponhamos por razões de clareza metodológica, como experimento mental, a existência de fatos de natureza econômica, social e de política exterior, que são amplamente reconhecidos por todos e indiciam um êxito incontestável do mandato em curso. Trata-se então de dados reais, mais especificamente de dados reais do âmbito material (do caso). Como já afirmei, eles devem agora ser duplamente mensurados com referência ao programa
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da norma: será que eles são relevantes para ele? Não, pois o art. 82 não abre nenhum espaço para tal fim, nem de forma interpretada. E será que esses dados reais são compatíveis com o programa da norma, que desenvolvi acima? Não, pois ele proíbe a reeleição imediatamente posterior ao término do mandato. Os argumentos e os contra-argumentos ensaiados resultaram apenas entre os argumentos de política constitucional; e estes são geralmente mais fracos do que os escorados no texto da norma, sobretudo mais fracos do que os gramaticais e os sistemáticos. Ao mesmo tempo resultou um exemplo da diferença entre âmbito material e âmbito da norma. No Estado Democrático de Direito não existe nenhuma força normativa do fático — também não para uma concepção cientificamente inovadora. Só fatos relevantes para e fatos conformes ao programa da norma podem co-determinar o conteúdo da decisão.
As senhoras e os senhores compreenderão que não posso discutir mais extensamente os detalhes; isso demandaria outra conferência, sobre questões metodológicas, em vez de um texto sobre os fundamentos da concretização da constituição. Faço apenas duas observações: os elementos individuais não são “métodos” independentes entre si, objetivos por assim dizer à maneira das ciências naturais, mas eles são realmente elementos, multiplamente entrelaçados enquanto elementos textuais e reciprocamente remissivos. F. K. von Savigny já viu isso com clareza há um século e meio, mas a posterior tradição positivista obscureceu esse fato. Em segundo lugar, e igualmente em concordância com Savigny e contra a tradição predominante desde então: o argumento "teleológico" não é independente15. Somente é lícito introduzir aspectos de “sentido e finalidade”
15 Cf. a propósito F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, e.g. pp. 204 ss., 208.
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da prescrição a ser trabalhada à medida que eles são docu- mentáveis com ajuda dos outros elementos. Do contrário, eles são juízos de valor de política (constitucional), descolados do texto da norma e nesse sentido não-fundamentá- veis, que por um lado aportam aspectos auxiliares de conteúdo, por outro lado não logram impor-se diante dos elementos mais fortes correlacionáveis aos textos das normas.
3.1. Com a brevidade aqui inevitável, menciono ainda algumas peculiaridades que distinguem a concretização da constituição do trabalho jurídico concretizador em outras áreas — em princípio dimensionado de modo igual.
O que mais chama a atenção aqui é o que se costuma denominar “princípios da interpretação da constituição”; do sistema jurídico dos EUA conhecemos, para citar um exemplo, as figuras do “judicial self-restraint”, da doutrina da “political question" ou da doutrina dos "preferred free- doms". Quero introduzir esses princípios aqui na forma na qual eles são discutidos nos países de língua alemã, cujos sistemas de codificação são estruturalmente mais aparentados ao sistema brasileiro de codificação. Na sua maior parte, também eles são apenas subcasos de outros elementos da concretização. O primeiro princípio autônomo é o mandamento da interpretação conforme a constituição, desenvolvido pelo Tribunal Constitucional Federal da RFA16. De acordo com ele, uma prescrição legal sempre deve ser interpretada de modo a ser compatível com os princípios da constituição. Na ocorrência de várias possibilidades inter- pretativas defensáveis deve-se decidir pela possibilidade na qual a regulamentação da lei estiver em conformidade com a constituição; o princípio combina dessarte a interpreta
16 Cf. a propósito ibid. pp. 86 ss. et passim, com documentação. Acerca dos limites funcional-jurídicos da interpretação da lei conforme a constituição cf. e.g. BVerfGE 32, 165 ss., 199 s.
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ção do texto da norma com o controle da norma. O segundo princípio autônomo é o da “correção funcional”17; segundo ele a instância decisória não deve alterar a distribuição constitucionalmente normatizada das funções nem por intermédio do modo de concretização nem por intermédio do resultado dela. Isso segue diretamente do direito (constitucional) vigente, mas oferece um exemplo importante de que a concretização (da constituição) é afetada integralmente por prescrições democráticas e sobretudo por prescrições relativas ao Estado de Direito, que são relevantes com vistas ao método, tais como deveres decisórios, deve- res de fundamentação, vinculação à lei, mandamentos de clareza de métodos e integralidade do direito vigente a ser consultado18. Contra esses dois princípios autônomos os assim chamados princípios da praticabilidade, da interpretação a partir do contexto da história das idéias*, do efeito integrador, da unidade da constituição, do quadro geral pré-constitucional, do nexo entre normas de direitos fundamentais e normas de competência, da concordância prática e da força normativa da constituição19 não têm nenhuma capacidade autônoma de concretização. Analisados objetivamente, eles são apenas outras denominações de elementos do âmbito material e do âmbito da norma, de fatores de concretização: históricos e sistemáticos, genéticos e de política constitucional.
Deve-se acrescentar a isso que o direito constitucional apresenta tipicamente âmbitos materiais — ou âmbitos de
17 Cf. a propósito ibid. pp. 214 e sobretudo 89 ss., 92 ss.18 Sobre esse ponto de vista importante cf. ibid. e.g. pp. 79, 112, 138, 186, 261, 305 ss., 310 ss.19 A respeito desse tópico, considerado em termos gerais, cf. ibid. pp. 214 ss.* geistesgeschichtlicher Zusammenhang.
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normas, dependendo do programa da norma — especialmente amplos e ricos. Isso decorre da sua função enquanto codificação hierarquicamente suprema do sistema jurídico intra-estatal, que disponibiliza mandamentos e proibições, impulsos, limites e medidas vinculantes não apenas para todo o aparelho de Estado e a sua atuação, mas também para a totalidade do ordenamento jurídico. Isso se torna especialmente claro nas contribuições intensas dos elementos do âmbito material e do âmbito da norma na concretização de prescrições referentes a direitos fundamentais e competências. A Metódica Estruturante dispõe aqui— e.g. para uma dogmática racional do âmbito dos direitos fundamentais ou para uma tipologia de estruturas de normas — de um campo fértil para o trabalho diferenciado20, que pode ser exemplar para a concretização também fora da constituição.
3.2. O direito constitucional deve normatizar o processo político. Por isso a concretização se vê sob a pressão potenciada de interesses, do poder e da violência. Isso torna especialmente delicada a pergunta pelos limites ainda permitidos de tal concretização. A democracia exige que sejam respeitados os textos das normas direta ou indiretamente redutíveis a decisões do povo (eleitor), sobretudo por parte dos órgãos do Estado e dos próprios poderes de Estado. E as medidas e os mandamentos do Estado de Di
20 Sobre os âmbitos materiais/da norma de prescrições de competência cf. F. Müller. Strukturierende Rechtslehre. 2a ed. 1994, e.g. pp. 205 ss., 402 s.; id. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 46 ss., 60 ss. sobre âmbitos de normas de direitos fundamentais bem como sobre esse tópico id. Strukturierende Rechtslehre. pp. 210 ss., 403 ss. et passim.- Sobre a tipologia de estruturas de normas v. Juristische Methodik. pp. 85, 150, 152, 201 s.; sobre a evolução da dogmática do âmbito dos direitos fundamentais cf. id. Freiheit der Kunst ais Problem der Grund- rechtsdogmatik. 1969; Die Positivitàt der Grundrechte. 2a ed. 1990.
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reito são o meio imprescindível para fazer com que essa legitimação democrática seja algo distinto do que uma simples quimera. Por ambas razões a pergunta acerca do que a concretização da constituição ainda pode fazer e o que ela já não mais deve fazer coloca-se com urgência ainda maior do que em outras áreas do direito. A metodologia tradicional procura responder a essa pergunta com a idéia de um “limite do teor literal”, que deveria estar transposto no momento no qual a interpretação transcendesse o “sentido literal possível”. Mas a lingüística atual mostra — e eu sugeri isso — que tais fixações de semântica da palavra são ilusórias. Se, para citar um exemplo, o Tribunal Constitucional Federal da República Federal da Alemanha formula como “limite máximo da interpretação judicial admissível” algo "em primeira linha” que ela designa com a expressão “teor literal reconhecível e compreensível pelo destinatário”21, entãOk.ele apenas confunde, em vez de esclarecer. Nem o "teor literal” nem os termos “reconhecível” e “compreensível” são dados dos quais se poderia partir e com cuja ajuda se poderia traçar um limite. Como “sentido literal possível”22, o limite está localizado erroneamente. Nenhum texto de norma ‘enquanto tal’ pode arcar com tamanho ônus de fundamentação, nenhuma semântica da palavra pode fornecer razões suficientes para tal. Essa função não poderia ser assumida por um “sentido literal possível”, formulável com autoridade lexicográfica e extraível do di
21 BVerfGE 85, 69 ss., 73; BVerfGE 87, 209 ss., 224;- Sobre o problema: F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, e.g. pp. 187, 192 ss., 296; sobre o limite do programa da norma: ibid. pp. 188, 257 s., 273, 293 ss., 296 s.22 Assim a Corte Constitucional Federal em E 85, 69 ss., 73 ss., 77 ss. (de resto com uma controvérsia entre a opinião majoritária e a opinião desviante).
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cionário com vistas ao caso jurídico concreto, mas tão-somente pelo programa da norma integralmente elaborado. Nenhum limite semântico pode ser pressuposto objetual- mente*. Muito pelo contrário, a fundamentação da concretização ainda admissível no quadro de uma democracia ou de um Estado de Direito situa-se em todo o processo de trabalho apresentado na íntegra e com honestidade e denominado "concretização". Foi possível mostrar isso também no supracitado exemplo de uma reeleição do presidente brasileiro para o mandato imediatamente subseqüente ao seu mandato atual. Embora o art. 82 da Constituição Brasileira esteja formulado de forma especialmente nítida como prescrição de organização e de forma e embora pudéssemos cair na tentação de satisfazer-nos aqui com o teor literal sem mediações, só o conjunto dos elementos de concretização — que além disso devem ser ponderados entre si no tocante ao seu estatuto metodológico —, quer dizer, só o limite do programa da norma pode sustentar um resultado convincente. Isso vale até para os textos de norma relativamente mais simples, os numericamente determinados23.
4.1. O que acontece efetivamente quando os juristas concretizam? O credo do velho paradigma foi: extrai-se inferências lógicas sobre o fundamento em pontos arqui- médicos*.
Esses pontos arquimédicos seriam: a norma, a normatividade da lei (constitucional), os cânones, que aprendemos e usamos profissionalmente como “métodos” confiáveis, o significado, o cerne do conceito, o centro de sentido dos termos legais, o limite do teor literal, a decisão transitada
23 V. a propósito, com exemplos, F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 183 s., 201 s. etpassim.* gegenstándlich.* * feste Haltepunkte.
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em julgado; no conjunto, toda a linguagem natural técnica, "a ferramenta do jurista", que dominamos na certeza dos nossos objetivos.
Nada disso resistiu a um olhar realista. Na melhor das hipóteses o texto da norma, que ainda não pode ser a norma jjirídica, é um instantâneo ‘intencionado’ seriamente na guerra político-jurídica de posições da sociedade. Ele não é nenhuma “origem” confiável, apenas um dado de entrada do processo produtivo da geração da norma no caso, da concretização.
A normatividade não é inerente à lei (ao texto da norma); é de natureza processual, deve ser produzida por meio do trabalho jurídico.
Os cânones não são métodos distintos, aspectos parciais apenas reciprocamente remissivos. São elementos do nosso trabalho, integralmente dependentes de nós na sua constituição e no^seu manuseio, sendo que também devemos responsabilizar-nos por eles. Não podemos esconder-nos atrás deles, assim como também não podemos esconder- nos atrás “da lei” ou “do significado da lei”.
Isso se deve ao fato de que o significado, o cerne do conceito, o centro de sentido são ilusões, são desideratos piedosos24, pois já do ponto de vista da semântica da palavra e da semântica dos traços distintivos "o” significado (como significado uno, correto) do texto da norma (constitucional) exige demais da língua natural — e a linguagem jurídica é uma língua natural impregnada de elementos de linguagem técnica. Isso vale ainda mais do ponto de vista da semântica da frase e do contexto. Conforme Derrida mostrou de forma mais penetrante, não se pode atribuir falsamente ao texto escrito nenhuma unidade de sentido nem qualquer centro de sentido (e menos ainda seu próprio sen
24 Cf. aqui, fundamentalmente, ibid. pp. 287 ss. et passim.
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tido). Ele é arrastado por outros textos (escritos) para dentro de processos inevitáveis, de semantização, que não podem ser interrompidos: para combates práticos de linguagem, que não podem ser encerrados por via discursiva. No discurso jurídico isso fica ainda mais claro do que nas outras áreas, devido ao seu significado de primeira grandeza para o poder: essa é a realidade do trabalho jurídico.
O limite do teor literal é impotente*, não é nenhum dado; também ele, liminarmente não-assegurado e sempre carente de responsabilização, deve ser produzido pelo trabalho jurídico como limite do programa da norma.
E a decisão vinculante? Já que ela não pode ser a decisão “correta”, necessariamente derivável da lei, será que ela não pode ser a decisão vinculante sem outro recurso jurídico? Mas os discursos também continuam além dela, como mostram a crítica, o debate, os empreendimentos da política jurídica, o “infinito pulular dos comentários” (Fou- cault), a alteração dos textos das normas e às vezes também da própria jurisprudência da corte suprema. Por meio da sua decisão fundamentada no poder e na violência** o Estado pode, quando muito, manter a dominação sobre as relações sociais, mas nunca a dominação sobre o discurso.
Na condição dos três pilares básicos da fé positivista, a origem (lei enquanto “ratio scripta”), o meio (“o” pertinente “sentido da norma") e o objetivo (decisão “singular correta”) transformaram-se em lembrança cultivada pela história da ciência.
Isso vale tanto mais ainda diante do fato da língua não estar entregue a nós, mas de nós estarmos entregues à língua, conforme constatam a filosofia da linguagem e a lingüística avançadas da atualidade. O texto da norma e o
* hilflos (literalmente: está no desamparo).* * Gewalt.
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limite do “teor literal” podem ser vistos como pilares na correnteza do discurso; são, porém, formados pela mesma água.
No entanto, podemos e - como juristas no Estado Democrático de Direito — devemos trabalhar com esses elementos frágeis de forma aberta, integral e consistente e assumir a responsabilidade pelos nossos resultados.
4.2. O que, portanto, acontece efetivamente no trabalho jurídico? Não o procedimento da inferência lógica, que asseguraria a objetividade, mas — “em meio ao caos" — o trabalho estruturável, comunicável e com isso controlável de semantização. Não há pontos fixos, mas processos: do trabalho jurídico em geral, da normatividade a ser produzida nele, os atos de fixação do significado e da referência, do trabalho de delimitação. Por isso só existem resultados intermediários nas estações parcialmente marcadas por prescrições proeessualistas: das primeiras hipóteses sobre o texto da norma e sobre o âmbito material até a decisão final transitada em julgado, que então já não estará mais abandonada ao Direito Processual, mas, isso sim, ao discurso continuado.
Dito em outros termos: só existem textos, textos e textos; e, como obrigação dos juristas, o trabalho com textos*25. Em primeiro lugar, os textos que recepcionamos: a
25 Assim também O. Jouanjan. Présentation du traducteur. in: F. Müller. Discours de la méthode juridique. 1996, pp. 5 ss., 20: a Metódica Estruturante seria um "trabalho com textos” (travail avec les tex- tes), portanto não apenas sobre textos (travail sur des textes), mas também trabalho direto de textos [travail de textes).- Ibid. p. 21 o autor fala de um tournant pragmatique, operado por essa concepção da metódica paralelamente à "virada pragmática” operada pela Lingüística moderna depois de Wittgenstein.* Textarbeit.
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narrativa do caso, os textos das normas, os textos sobre os âmbitos materiais (que tipicamente acompanham tais textos das normas hipoteticamente aduzidos), textos genéticos (textos oriundos da história da formação), textos de normas jurídicas e de normas de decisão anteriores. Em segundo lugar, os textos, com os quais (“nos” quais) deliberamos oralmente e /ou por escrito sobre o trabalho no caso, com os quais discutimos, projetamos e testamos argumentos e preparamos a norma jurídica e a norma da decisão. Por fim os textos, por meio dos quais representamos o resultado do nosso trabalho de concretização (norma jurídica, norma da decisão, considerandos da sentença), i. é, os textos que produzimos.
Isso atesta uma textualidade radical onipresente* no universo jurídico e, no seu âmbito, na atuação dos juristas. “Onipresente” tem aqui também o seguinte sentido: a textualidade (mais precisamente: as cadeias de significantes, por um lado na acepção de Saussure, por outro lado na de Lacan) passam também “através de” nós, os juristas que trabalhamos sobre os casos jurídicos.
A hermenêutica já foi insuficiente no seu enfoque inicial; não se trata essencialmente de “compreender" — isso só vem ao caso no primeiríssimo estágio inicial, por ocasião da reformulação da narrativa do caso no conjunto de fatos e na formulação das hipóteses sobre o texto da norma e, na sua esteira, das primeiras hipóteses sobre o âmbito material. Textos de normas não são promulgados para serem "compreendidos”, mas para serem utilizados, trabalhados por juristas encarregados para tal fim. E também não se trata apenas de “interpretar", quer dizer, tornar compreensível, sobretudo na formulação das razões da decisão ‘para
* durchgehend.
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o público externo’. Pelo contrário, trata-se sempre do trabalho com textos no âmbito de instituições normatizadas do Estado e de procedimentos normatizados26, trata-se de uma semantização integradora ativa, de trabalho potencia- damente complexo com textos. Desde que os Estados se atribuem legitimidade e procuram angariar seu reconhecimento, eles são liminarmente sempre instalações gigantescas para a reelaboração* de textualidade ou, dito de forma empírica, de textos. Mas nos Estados constitucionais modernos isso se estrutura de forma mais específica: como estrutura textual da democracia e do Estado de Direito27. E no âmbito dessa massa textual estruturada a “constituição” é distinguida “em nível supremo” do mesmo modo no qual a "concretização da constituição” é relevante para a práxis “em nível supremo”.
Essa perspectiva — dada pela pergunta “O que acontece efetivamente?” e pela resposta a essa pergunta — se afigura como a única realista no quadro da Ciência Jurídica: em primeiro lugar por causa do seu enfoque em termos de teoria da ação, para explicar o trabalho jurídico no ciclo completo das funções jurídicas — de um enfoque, que sublinha a relação entre os signos e os seus usuários; em segundo lugar ainda no sentido de que de certo modo o único
26 Ou dos preparativos resp. da elaboração posterior de procedimentos formais, de natureza científica ou por via de pareceres jurídicos; só num sentido mais amplo os textos didáticos, na sua função de assegurar a formação de futuros peritos do trabalho jurídico, também pertencem a esse campo, ao lado dos textos de pesquisa, de comentários e de pareceres.27 Sobre a estrutura textual do ordenamento jurídico v. F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, pp. 136 ss., 156, 289 ss., 295 s., com a respectiva documentação comprobatória. Sobre a estrutura de legitimação v. ibid. p. 178 com a respectiva documentação comprobatória.* Umwãlzanlagen.
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material indubitavelmente diante de nós é formado por enunciados* 28.
Podemos objetar a isso: por que justamente "enunciados”? Mais ainda: será que a Ciência Jurídica não é uma ciência de normas? Certamente se pode dizer também isso da Ciência Jurídica — só que se deve esclarecer então o que devemos entender por “norma”. Já ficou plausível que essa “norma” não é apenas o texto codificado da norma, que, muito pelo contrário, entra em cena como dado de entrada do processo denominado “concretização”, que por sua vez está sujeito à pressão da decisão e deve ser realizado a serviço de uma decisão jurídica exigida. A Ciência Jurídica pode ser caracterizada de forma ao menos igualmente pertinente como “ciência da decisão”29. E como essa ciência da decisão deve trabalhar? Com os recursos de uma ciência do texto — de natureza bem específica.
No contexto dessa conferência, na qual não pretendemos dar uma contribuição à teoria do conhecimento, podemos chegar a um consenso de que o único dado existente para operadores jurídicos consiste de qualquer modo em enunciados: começando com a narrativa do caso pelo leigo, que os operadores jurídicos reformulam no “conjunto de fatos”, com os textos das normas e com os fatos do âmbito material no início da concretização, que devem ser secundariamente reformulados em linguagem30. Os dados de linguagem são os elementos de trabalho primacialmente fun
28 Cf. aqui, em argumentação a partir de uma outra direção, J.-F. Lyotard. Der Widerstreit. 1987.29 Cf. aqui F. Müller. Juristische Methodik. 6a ed. 1995, sobretudo pp. 123 ss., 313 ss.30 Sobre dados reais/dados de linguagem cf. ibid. pp. 30, 75, 142 s., 304 ss. e mais freqüentemente.* Sátze.
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damentados na linguagem; os dados reais são os elementos de trabalho primacialmente empíricos, não-lingüísticos, que, no entanto, devem ser secundariamente mediados em linguagem para que possamos operar juridicamente com eles. Os dados semióticos do trabalho jurídico poderiam também ser denominados "expressões”, “palavras", "(cadeias de) significados”. Mas diante da imensa complexidade da concretização (da constituição), uma semântica da palavra baseada nos seus traços semânticos distintivos basta tão pouco para a concretização como uma semântica da palavra nos termos do Positivismo Lógico; precisa-se da semântica do contexto, da semântica da frase e da semântica do texto31. “Significado" é a eficácia atual de uma expressão lingüística, na “ação" enquanto processo de comunicação efetivamente ocorrente. Em oposição à tradicional semântica da palavra na Ciência Jurídica (que ainda continua colando^às palavras os “traços distintivos", embora não lhes atribua mais “substâncias”), esse significado “depende sempre essencialmente do entorno lingüístico bem como de numerosos fatores contextuais e situacionais [...] que desde sempre se encontram incluídos no processo de produção e compreensão de enunciados".
Mas por que o trabalho com textos, desenvolvido pelos juristas práticos, e a estrutura do texto no quadro da democracia ou do Estado de Direito seriam tão complexos? Em primeiro lugar em virtude da sua quantidade e estrutura: em virtude do número delirante de prescrições na atual
31 Cf. D. Busse. Textinterpretation. Sprachtheoretische Grundlagen einer explikativen Semantik. 1992, especialmente pp. 62 ss., 78 ss., 107 ss., 167 ss.; e id. Juristische Semantik. Grundfragen der juristi- schen Interpretationstheorie in sprachwissenschaftlicher Sicht. 1993, especialmente pp. 189 ss., 228 ss., 253 ss., 282 ss.- A citação que segue no corpo do texto é de id. (1992), p. 50.
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sociedade industrial desenvolvida, incluindo-se aqui — com referência ao Brasil e à Alemanha — as complicações advindas da natureza do estado federativo e - com referência à União Européia — as interferências supranacionais. Talvez não existam tantas ramificações e sobreposições nos corpos de textos de outras ciências, embora as coisas em princípio não sejam diferentes. A complexidade da textua- lidade jurídica se torna única no eixo de problemas formado pelos termos “(texto da) norma” e "realidade", i. é, pelo signo e pelo segmento “referido" da realidade, porque a concretização do direito cumpre, juntamente com outras etapas do ciclo jurídico, a tarefa de constituir a sociedade global (e, em tentativas iniciais, a própria sociedade mundial em vias de paulatina globalização, inclusive jurídica) por meio de textos e do trabalho com textos e mantê-la em funcionamento (da forma mais pacífica possível e até de forma “justa”). E uma potenciação adicional da complexidade, também única, segue do fato da concretização enquanto trabalho com textos, i. é, enquanto trabalho sem mediações com textos estar inserida em instituições: em cargos, competências, deveres de ofício, metacódigos (Direito do Servidor Público, Direito Disciplinar etc.), Direito Processual, instâncias, imperativos constitucionais relevantes quanto ao método; e na vinculação normatizada à equipe de implementação coativa, cuja atividade inicia quando a equipe de decisão [Entscheidungsstab] atuou “com trânsito em julgado” ou, para dizê-lo em termos mais precisos, quando ela não pode mais ser contestada com recursos jurídicos. Isso nos leva a uma última razão da complexidade específica da textualidade jurídica: às conseqüências previsíveis da decisão, integralmente pertencentes ao trabalho jurídico (enquanto elementos de concretização referentes à política jurídica ou à política constitucional) — conse
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qüências para os indivíduos, os grupos sociais e em parte também para o que estamos acostumados a denominar de forma algo canhestra “a sociedade na sua totalidade”, que são de responsabilidade daquele que decide.
4 .3 .0 que foi dito vale certamente para todo o ordenamento jurídico e toda e qualquer função do trabalho jurídico, mas não vale para cada área parcial de forma tão agudi- zada como para a constituição e a sua concretização prática. Tudo isso faz com que a concretização não seja uma tarefa propriamente fácil — não tanto porque as descobertas da ciência da linguagem da atualidade conduzissem ao caos. A língua, enquanto língua em comunicação, não é arbitrária; e os pressupostos, as tarefas e os recursos do trabalho jurídico podem ser estruturados. A dificuldade da concretização se deve antes ao fato da língua não ser inocente e da fala ser uma forma da ação. A língua sempre apresenta marcas prévias da violehcia social e dos seus vestígios, a língua do direito está endurecida, calcificada adicionalmente pelo poder-violência* do Estado e deformada pela pressão e pelos conflitos dos grupos envolvidos. Não há como escapar ao combate semântico, muito menos na concretização.
A explicação inicialmente proposta do que se pretende dizer com “constituição” não foi portanto “formal”, não diz respeito à "mera lei constitucional”. O texto constitucional assim percebido como dado de entrada de um conjunto de pre-scrições* * hierarquicamente supremas a ser concretizado de tal modo — incluídos os âmbitos de normas controláveis no Estado de Direito — é a constituição nesse sentido operacional, que a ciência fundamenta e elabora e do qual o trabalho jurídico efetivo necessita.
* Gewalt.* * Vor-schriften.
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Não foi possível descobrir ilhas rochosas em meio a esse tema oceânico; foi, porém, possível localizar fachos de luz nitidamente visíveis, emitidos por faróis, que possibilitam uma orientação do trabalho jurídico — e com isso também uma comunicação democrática sobre ele.
Friedrich Müller
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POSITIVISMO1
A. Sobre o conceito
A expressão “positivismo” foi cunhada por Auguste Comte, cujo "Cours de la philosophie positive” foi publicado entre 183fte 1842. Tendo como pano de fundo o avanço das ciências naturais, o positivismo pretendeu resumir todo o conhecimento humano por meio da metódica empírica exata, liberta de toda e qualquer interpretação metafísica. A ciência deve partir apenas dos fenômenos reais. A filosofia investiga apenas as relações entre as ciências individuais e os seus métodos e faria aparecer* as leis (assim a lei comteana dos “três estágios”). Os fatos da experiência não são mais obrigados a justificar-se perante a instância da razão. A última instância é o meramente dado, cuja crítica científica fica assim simultaneamente bloqueada.
Com isso, os positivistas do séc. XIX (ao lado de Comte e.g. Hippolyte Taine, John Stuart Mill, Herbert Spen-
1 Primeira publicação em: Ergánzbares Lexikon des Rechts, 2/400 (1986). Neuwied, Editora Luchterhand.* herausarbeiten.
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cer, Ernst Mach, Richard Avenarius) retomaram teses importantes dos enciclopedistas franceses (d’Alembert, Tur- got, Condorcet) e dos empiristas ingleses dos séculos XVII e XVIII (Locke, Hume). Modelos em parte formalistas, em parte sensualistas já aparecem na Antigüidade (e.g. Pro- tágoras). Mas o recurso à Sofistica grega é ambivalente na medida em que essa tradição tinha simultaneamente introduzido a idéia não-empirista, metafísica do Direito Natural.
O neopositivismo do séc. X X tem as suas origens no empiriocriticismo e se fortalece com a influência do assim chamado Círculo de Viena (Schlick, Carnap, Reichenbach e outros), que se dedicou sobretudo à crítica dos conceitos e da ciência.
Visto na perspectiva específica da Ciência Jurídica e ao mesmo tempo estreitamente vinculado ao positivismo filosófico, esse positivismo da postura científica, filosófico no seu cerne, é uma atitude* que pode ser denominada "positivismo da vigência do direito". Ela também principia na Antigüidade (sofistas gregos), nunca desaparece de todo da discussão (nominalismo) e começa por igual a impor-se amplamente em meados do séc. XIX num surto histórico. Também aqui se parte de algo incontestavelmente factual, do que é “positivamente dado”. A pergunta é: em que deve consistir a positividade do direito? Distingue-se nesse tocante entre o positivismo psicológico (e.g. Bierling, Mer- kel, Jellinek, Beling), o positivismo sociológico (Ehrlich, Weber, Geiger) e o positivismo legalista de inspiração esta- tista. Este último identifica a positividade do direito no fato dele ter sido instituído e coercitivamente garantido por uma instância estatal de poder. O direito é idêntico às leis provenientes do Estado, elaboradas de modo correto.
* Einstellung.
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Questões de conteúdo não podem desempenhar nenhum papel para esse conceito de direito positivo, normas naturais ou éticas não têm nenhum interesse para ele. Esse adeus rigoroso ao Direito Natural foi formulado pelo Tribunal do Reich* em 1928 nos seguintes termos: “O legislador é senhor de si mesmo** e não está vinculado a nenhuma Barreira exceto às que ele mesmo erigiu para si na constituição ou em outras leis” (RGZ 118, 327). A “Teoria Pura do Direito” de Kelsen também elimina da Ciência Jurídica toda e qualquer valoração e toda e qualquer concepção acerca do que é correto, enquanto destituídas de sentido do ponto de vista científico. Segundo Kelsen, a Ciência Jurídica só pode tornar-se uma ciência enquanto teoria das “formas puras” do direito; por isso "qualquer conteúdo pode ser direito”. O desaparecimento da axiomática jusna- turalista e, conseqüentemente, de toda e qualquer dignidade supra-empírica do direito positivo ensejou ao mesmo tempo a potenciação global, sobretudo no círculo dos práticos do Direito, d’“a sujeição fática à violência, agora valorada em termos meramente utilitaristas, dos respectivos poderes, que se comportam como legítimos” (Max We- ber).
O positivismo filosófico deve ser discutido pela episte- mologia*** e pela história da ciência. O positivismo da vigência do Direito continuou sendo a atitude básica predominante entre os juristas; o alegado “eterno retorno do direito natural” permaneceu restrito aos anos depois do fim da 2a Guerra Mundial e a um fugaz lampejo, que não deixou nenhuma impressão digna de menção. Em contrapartida, o positivismo jurídico no tocante ao método, o “positi
* Reichsgericht.* * selbstherrlich.* * * Wissenschaftstheorie.
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vismo do tratamento da norma", continua sendo um problema a ser trabalhado pela ciência jurídica. Só ele será designado a seguir como “positivismo”.
B. Discussão do positivismo jurídico no tocante ao método
Como o direito racional, contra o qual ele se volta simultaneamente na pergunta pelo fundamento da vigência do direito, o positivismo pensa axiomaticamente e quer conceber as codificações como sistema fechado, ao qual devem caber unidade bem como coerência*, entendida no sentido de completude bem como no de ausência de contradições. Procede pela dedução lógica a partir da totalidade sem lacunas do sistema legal. A aplicação do direito não deve consistir de nada mais. Ao direito racional todo e qualquer comportamento humano em sociedade se afigurara normatizável e antecipável. A ciência das Pandectas, o positivismo e a jurisprudência de conceitos não mais compreenderam ingenuamente o direito positivo, mas o seu próprio sistema conceituai enquanto fechado em si mesmo, derivável e isento de contradições. Todos os casos jurídicos pareciam solucionáveis pela subsunção silogística, os conceitos jurídicos deviam colocar à disposição um número fixo de axiomas. Já a genealogia dos conceitos de Puchta e a sua “Pirâmide dos Conceitos" anteciparam a idéia do sistema no sentido de uma possibilidade de complementar as normas existentes por meio de princípios e conceitos científicos. Tanto eles como também as prescrições positivas são confundidas com dados imediatos no sentido de coisas da natureza. O que só pode ser o resultado do pensamento
* Geschlossenheit.
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abstrator transmuda-se involuntariamente em ontologia problemática*, em suposição pseudo-jusnaturalista. O sistema jurídico alegadamente fechado, sem lacunas, harmônico, abstratamente coisificado, pode ser manuseado de modo autosuficientemente formalista quando se negligencia as suas premissas e funções históricas e políticas. A função legitimista do positivismo em favor da restauração política e de reação antiliberal depois de 1848/1849 mostrou- se de forma especialmente nítida no Direito do Estado**. Von Gerber denominou com suficiente clareza a prestação segura da garantia do status quo político como finalidade do modo positivista-construtivo de tratamento do Direito Público. Também em autores como Zachariá, Mohl e Bluntschli o “método jurídico” é tanto expressão quanto instrumento de uma determinada posição no tocante a conteúdos. Depois de 1870 essa posição consistiu sobretudo em blindar-axoncepção monárquico-conservadora do Estado, a política antiliberal e, genericamente, as relações políticas e sociais existentes contra críticas possíveis. Assim, para citar um exemplo, questões jurídicas em aberto não podem surgir nem na opinião de um Laband. Cada problema novo já está solucionado, por força da necessidade inerente ao próprio pensamento; lacunas na regulamentação expressa — ou, mais exatamente: lacunas nos textos das normas — devem ser preenchidas com a necessidade de leis pseudo-naturais pela construção jurídica a partir de enunciados fundamentais*** e princípios orientadores. Os nexos sociais não são negados, mas postos de lado por não interessarem a ciência jurídica. A dogmática deve ser escoi- mada da história, da filosofia, da política e da economia,
* schiefe Ontologie.* * Staatsrecht.* * * Grundsátze.
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quer dizer, de todos os elementos "não-jurídicos”. Esse resultado responde à pergunta inicial do positivismo: como a Ciência Jurídica pode ser uma ciência autônoma? Segundo ele, as normas jurídicas não devem ser tratadas como conexas a dados sociais. Reprime-se tudo aquilo, com base no qual o fazer dos juristas é genericamente demandado e usado e com base no qual ele funciona. A “autonomia científica” da Ciência Jurídica deveria comprovar-se na sua qualidade de constituir “o fundamento da dedução jurídica segura” (von Gerber). Passou desapercebido que tal procedimento só permitia a apreensão de textos de normas, de dados de linguagem, mas não de normas. A insistência do positivismo na matéria jurídica positiva já fracassa liminarmente na sua falta de referência à realidade, quando só a forma lingüística de normas, mas não as próprias normas enquanto configurações estruturadas complexas são acessíveis como “matéria jurídica positiva”. O que partiu do enfoque científico antijusnaturalista do positivismo filosófico transmuda-se debaixo do pano novamente em direito natural burguês de duvidosa qualidade; pois o feixe dos postulados positivistas (unidade, sistema, ausência de lacunas, ausência de contradições no direito) “está acima do direito instituído e do legislador” (Burckhardt).
A crítica tradicional por parte da Escola do Direito Livre e da Jurisprudência dos Interesses não se referiu à aporia fundamental do positivismo, mas restringiu-se a questões individuais. Contra o dogma da coerência do sistema jurídico ela remeteu à sua lacunosidade, aos "contornos flutuantes”, ao “halo conceituai” (Heck) dos conceitos jurídicos. Atestava-se aos juizes a competência de preencher as lacunas por decisões valorativas. Mas a tese do direito judicial* só atinge superficialmente o positivismo. Ela se liga
* Richterrecht.
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antes ao fato de que a “situação do autômato jurídico, vinculado à mera interpretação de artigos e contratos, no qual se joga em cima o suporte fático* ao lado das custas, para que ele ejete em baixo a sentença ao lado das razões” se afigura “subalterna” (Max Weber), pois a reclamação da “atividade jurídica criadora” para o juiz se enreda de imediato nas mesmas contradições da compreensão da norma, que já tinham condenado o positivismo ao fracasso. Insistindo na “positividade” depurada da realidade, o positivismo aceitou o preço da perda da normatividade jurídica. O ideal de método de uma ciência natural, que ainda não perdera a certeza de si mesma, foi transferido acriticamen- te ao direito; o próprio direito foi compreendido equivoca- damente como um ser centrado em si**, a norma jurídica foi compreendida equivocadamente como ordem, como juízo hipotético, como vontade materialmente vazia e como premissa maior do silogismo, formalizada nos termos da Lógica Formal. O direito e a realidade, a norma e o segmento normatizado da realidade estão “em si” justapostos sem nenhuma relação, são contrapostos reciprocamente com o rigorismo da separação neokantiana de “ser” e “dever ser”, devem encontrar-se somente por via da sub- sunção do conjunto de fatos*** a uma premissa maior de natureza normativa. Subjaz a essa concepção a confusão das normas com os seus textos, ainda predominante. Conseqüentemente, a metódica ainda é vista apenas como metódica da interpretação de fórmulas lingüísticas. Considera- se metajurídico o que deveria ser elaborado fora do texto da norma. Só o exame de palavras deve conduzir a informações sobre a “essência jurídica”, e.g. de um instituto jurídi
* Tatbestand.* * in sich ruhendes Sein.* * * Sachverhalt.
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co. Mas a pergunta pelo papel da realidade no direito não pode ser solucionada mediante a sua eliminação. Contra tal acepção, a norma jurídica apresenta-se ao olhar realista como uma estrutura composta pelo resultado da interpretação de dados lingüísticos {programa da norma) e do conjunto dos dados reais conformes ao programa da norma [âmbito da norma). Nessa estrutura a instância ordenante e a instância a ser ordenada devem ser relacionadas por razões inerentes à materialidade da questão*. O texto da norma não é aqui nenhum elemento conceituai da norma jurídica, mas o dado de entrada mais importante do processo de concretização, ao lado do caso juridicamente deci- dendo.
C. Tarefas
Hoje o positivismo clássico praticamente não é mais defendido como posição programática, mas ele continua atuando inexpressamente com alguns erros fundamentais e numerosos fatores individuais na práxis em grande medida irrefletida, bem como nas aporias carregadas como peso morto pela teoria da norma e do método. A Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e a Ciência Jurídica de orientação sociológica, a Tópica, a Hermenêutica, a Teoria Integracionista e outros antipositivismos esforçaram-se debalde em “superar” o positivismo. Parece mais correto não regredir nesse esforço para aquém do positivismo, não deixar de atingir o seu padrão de tecnicidade. Tra- ta-se de retomar o que foi reprimido por ele e elaborar o assim retomado de forma generalizável na Dogmática, Metódica e Teoria. Os objetivos do positivismo de cientificizar
* sachlich zusammengehõren.
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na medida do possível a Ciência Jurídica e de elaborar uma dogmática racional não merecem ser esquecidos em benefício de exigências menores de racionalidade e honestidade em questões de método. A “superação" do positivismo não é de modo nenhum um fim legítimo em si mesmo. Enquanto concepção sistematicamente pós-positivista, a Teoria Estruturante do Direito não aposentou apenas a redução da norma ao seu texto; do ordenamento jurídico a uma ficção artificial, da solução do caso a um processo logicamente inferível por meio do silogismo, mas desenvolveu, partindo da estruturação de normas jurídicas, a proposta de um modelo de teoria e práxis que abrange a Dogmática, a Metódica, a Teoria do Direito e a Teoria Constitucional e não continua devendo a resposta ao positivismo.
Bibliografia^
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UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO1
A. Sobre o conceitov
Compreende-se por “unidade” do ordenamento jurídico e.g. uma qualidade do sistema científico referido ao direito positivo, mas também uma qualidade da abordagem analítica e da sua referência, i. é, uma unidade do conhecimento científico. A “unidade” do direito pode ser introduzida como axioma bem como postulado do trabalho jurídico. Mas ela se transmuda não apenas em função da localização, mas também de uma disciplina para outra, assim entre o Direito Público, o Direito das Gentes, o Direito Internacional Privado, o Direito Penal e o Direito Civil. Na sua mistura com outras variantes de significado o argumento evidencia um uso muito inseguro.
1 Primeira publicação em: Ergãnzbares Lexikon des Rechts, 2/80 (1986). Neuwied, Editora Luchterhand.
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B. Origem histórica
I. Direito racional
A expressão multívoca da unidade do ordenamento jurídico é filha do direito racional da tradição racionalista e foi posteriormente adotada pelo positivismo. O jusnatura- lismo de data mais recente bem como o positivismo procedem axiomaticamente, querem construir um sistema rigoroso do conhecimento exato e carecem do raciocínio codificador: o legislador regulamentou em abordagem autoritária tudo o que merece ser regulamentado; fora dos seus mandamentos só se pode conceber o “vácuo jurídico”. Considera-se “coerente”* o direito sistematizado e formalizado, monopolizado e burocratizado pelo Estado burguês sistematicamente organizado da Europa continental moderna. Todo o comportamento humano deverá ser norma- tizável, antecipável por meio de normas. Ao ordenamento jurídico enquanto engrenagem jurídica** corresponde a imagem da “unidade” do estoque de normas. Enquanto in- tegralidade bem como isenção de contradições internas, a coerência foi o pressuposto ingênuo da idéia da legislação abrangente, do otimismo social da época do direito racional, sem com isso chegar a ser um programa da Ciência Jurídica.
II. Positivismo
Somente a ciência das Pandectas e o positivismo legalista radicalizaram esse enfoque na direção da pretensão de poder operar a Ciência Jurídica como sistema conceituai
* “geschlossen” (literalmente: fechado, cerrado).** Rechtsbetrieb.
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coerente, de poder derivar decisões por via da lógica a partir do sistema, do conceito e do enunciado doutrinário* e de poder solucionar casos jurídicos por meio da subsunção silogística. Os conceitos jurídicos parecem oferecer um nu- merus clausus de axiomas. Não mais o próprio ordenamento jurídico, mas o sistema conceituai de uma Ciência Jurídica purista deve estar definido necessariamente por “unidade”. A realidade é reprimida da área de atuação do trabalho jurídico. O positivismo pergunta como a Ciência Jurídica se poderia tornar autônoma, como ela poderia proceder "de modo puramente jurídico”. O fato dessa orientação prévia constituir um fator político já foi percebido pelo positivismo dos Gründerjahre** (von Gerber). A aparente coerência e não-contraditoriedade do direito dogmaticamente formalizado, a sua “força de expansão lógica” (Berg- bohm), a capacidade dos conceitos jurídicos de "copular” e "gerar novos [conceitos]” (assim o jovem Ihering) não traem apenaS- a fé na inimpugnabilidade da lógica jurídica, mas também uma política científica bem definida.
III. Crítica histórica
Por volta da última virada do século essa doutrina dominante foi contestada. Falava-se então do “dogma errôneo da coerência do sistema jurídico” (Georg Jellinek, similarmente Erich Jung). A doutrina da Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e o debate em torno das
* Lehrsatz.* * Gründerjahre, literalmente anos dos fundadores, é o termo que designa a época imediatamente posterior à constituição do Império Alemão depois da Guerra Franco-Prussiana. Foi uma época marcada por um rápido crescimento econômico e pela difusão do nacionalismo chauvinista alemão. [N. do T.)
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escolas juspublicistas na década de 1920 tornou patente o fracasso da tese cripto-jusnaturalista da unidade. Em frente ampla, os autores de obras doutrinárias bandearam-se para o campo das metáforas de “sistemas” jurídicos, abertos, fragmentários, não-axiomáticos, não-dedutíveis, dos assim chamados “sistemas” móveis. Os problemas reconhecíveis na práxis cotidiana do trabalho jurídico assumiram a liderança, relegando a um segundo plano a fé no sistema e na unidade.
C. Nexo com a proibição da negação do direito
Para o positivismo o direito deve, para poder ser “aplicável” logicamente, ser pressuposto não apenas como isento de contradições, mas também como isento de lacunas. Tal estado de coisas, que fora a meta das codificações do direito racional; está abandonado há muito tempo. A ciência das Pandectas e o positivismo fizeram o postulado se deslocar para a ausência de lacunas, não do sistema de normas, mas do de conceitos. Essa metafísica suspeita de um jusnaturalismo burguês dos Gründerjahre desempenhava igualmente uma função política de primeira ordem. O debate em torno do assim chamado Direito Judicial* procurou aqui a sua localização, desde a Escola do Direito Livre. Deve-se registrar aqui que a proibição da negação do direito das sociedades modernas não necessita da ausência de lacunas enquanto correlato, conforme foi afirmado, pois deve-se distinguir, por um lado, entre o estoque de normas e as necessidades efetivas da práxis e, por outro lado, entre o direito material e o direito processual. Medidos pela demanda social de normatização, todos os ordenamentos jurí
* Richterrecht.
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dicos até os nossos dias evidenciaram ser incompletos. No Estado de Direito uma parte litigante recebe mesmo em uma decisão de indeferimento no conteúdo, que no entanto é processualmente correta, a resposta do direito vigente, que lhe cabe de direito. A proibição da negação do direito não força a suposição de uma unidade coerente.
D. Crítica da unidade do ordenamento jurídico como crítica do positivismo
A objeção tradicional aos dogmas unitaristas afirma desde a Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e a Ciência Jurídica de orientação sociológica que a integralidade do ordenamento jurídico seria apenas um postulado, pois o juiz sempre se veria diante da necessidade de “preencher lacunas da lei por meio de um ato de criação do direito” (Arthur Kaufmann). Tal crítica não é suficientemente ampla. Ela aponta para a experiência jurídica cotidiana da insuficiência lógica, para o fracasso dos ideais do “silogismo" e da “subsunção”. Ocorre que aqui o conceito da norma e as qualidades do que ele designa não são pensadas até as suas últimas conseqüências. Na sua imagem do direito como unidade, na sua compreensão da decisão como subsunção lógica, na sua eliminação de todos os elementos da ordem social que não foram dogmatizados no texto da norma, o positivismo com efeito seguiu e continua seguindo uma ficção. Mas as doutrinas do direito livre, do direito determinado por interesses, do direito judicial, a tópica, a hermenêutica oriunda das ciências humanas*, o decisionismo, a doutrina integracionista e os antipo- sitivismos restantes preferiram formular críticas no plano
* geisteswissenschaftliche Hermeneutik.
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dos detalhes em vez de questionar a norma e o conceito de norma.
Se, no entanto, tanto a norma jurídica e o texto da norma quanto a norma jurídica e a norma de decisão forem distinguidas sistematicamente (por parte da Teoria Estruturante do Direito), a idéia do "direito vigente” se esclarece: costuma-se designar por esse termo o conjunto dos textos das normas, que devem ser desenvolvidos apenas no caso na direção de normas jurídicas, de acordo com regras de método, sendo que essas normas jurídicas por sua vez devem ser desenvolvidas na direção de normas de decisão. Esclarece-se, outrossim, que “unidade”, “integralidade” e “coerência” foram confundidas com a positividade e equivalência hierárquica das normas de uma codificação bem como com a identidade do estoque de normas consigo mesma.
E. Unidade da constituição
I. Sobre o conceito
Esse enfoque também permite descrever mais precisamente os modos de utilização da expressão "unidade da constituição". A teoria estruturante da constituição definiu com base nesse exemplo o perfil de alguns tipos de concepções de unidade formal (ausência de lacunas — não-contra- dição; unidade do texto, unidade do nível hierárquico de fontes do direito — unidade da estrutura da constituição) e de várias teorias da unidade em termos de conteúdo, a saber modalidades ideológicas, de história da constituição, legitimadoras, funcionais e metodológicas do recurso a uma unidade da constituição.
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II. Origem histórica
As origens da expressão “unidade da constituição” estão na República de Weimar. Para Smend uma constituição é a normatização de aspectos individuais do processo no qual o Estado produz constantemente o seu processo vital; por isso ela não deve visar particularidades, mas “a totalidade do Estado e a totalidade do seu processo de integração”. Estamos aqui não apenas diante de um pensamento que visa a totalidade, mas diante de um pensamento a partir da totalidade e da sua unidade. Kelsen registrou o aspecto problemático desse holismo. Para ele a unidade do Estado somente pode ser fundamentada normativamente, o ordenamento jurídico constitui uma unidade apenas enquanto ordenamento lógico: com a qualidade de poder ser descrito em normas jurídicas que não se contradigam reciprocamente. A grandeza formal “norma fundamental” constitui a unidade em meio à multiplicidade das normas. Diante disso, Carl Schmitt chamou a atenção às insuficiências de uma acepção que se restringe ao imperativo isolado pelo positivismo e, conforme devemos acrescentar, sobretudo à forma lingüística da norma, ao texto da norma. Mas a vontade existente por força do decisionismo, que só quer a si mesma, atropela toda e qualquer normatividade materialmente vinculada: "a totalidade da unidade política” (Schmitt) oferece um exemplo extremado de holismo não- estruturado. A totalidade enquanto fonte de argumentos tende ao poder e à sua manipulação imperturbada. A essa tendência o Estado de Direito contrapõe os imperativos da vinculação ao direito e à constituição, da determinidade do suporte fático, da clareza dos métodos e da fundamentação racional suficiente. Inferências a partir da totalidade e da sua unidade não atendem suficientemente às exigências de
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métodos democraticamente vinculados e configurados conforme o Estado de Direito.
III. Práxis dos tribunais
Na práxis, o Tribunal Constitucional Federal procura impor, desde a sentença sobre o Estado do Sudoeste (BVerfGE 1,14 ss.), a visão da Lei Fundamental como uma unidade. O Superior Tribunal Federal segue essa linha ocasionalmente com fórmulas do tipo “unidade indivisível” ou “totalidade da ordem de valores”. A jurisprudência gerou um caos de modos de utilização desse argumento. Assim a 2a Turma do Tribunal Constitucional Federal afirma na sua tese sobre a unidade a existência de diferenças hierárquicas genéricas no direito constitucional positivo; contrariamente, infere-se na acepção da Ia Turma do mesmo tribunal, desde a sentença sobre a igualdade de direitos (BVerfGE 3, 225 ss.), justamente da unidade da constituição que as normas da Lei Fundamental devem em princípio ter a mesma dignidade hierárquica. Do ponto de vista do Estado de Direito, a interpretação da 2a Turma, em conformidade com o princípio, se revela insustentável.
IV. Crítica pela Teoria Estruturante do Direito
Um exame sob perspectivas formais, conteudísticas e metodológicas conduz a resultados claros: a Lei Fundamental nem é necessariamente destituída de lacunas nem ea ipsa isenta de contradições. Mas ela ordena a integralidade do texto e o rigor do texto, nesse sentido uma unidade do documento constitucional em nível formal. Ela não revela graus hierárquicos distintos nem dissocia grupos individuais de normas juridicamente dos outros grupos. Por isso
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a Lei Fundamental conhece uma unidade do grau hierárquico das fontes do direito e, desconsideradas as prescrições sobre o estado de emergência, uma unidade da sua estrutura normativa. Para esses casos a expressão "unidade da constituição” poderia ser utilizada, embora seja supérflua. O que ela diz resulta das qualidades genéricas da constituição escrita ou das normas constitucionais individuais. De qualquer modo, para a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha todas as perguntas por uma unidade da constituição são respondidas pelas qualidades da sua po- sitividade. A positividade da constituição resolve tanto os casos nos quais o discurso da unidade da constituição fracassa diante da própria constituição (ausência de lacunas, isenção de contradições, unidade ideológica), como também os casos nos quais a tese da unidade já se vê fundamentada pelo direito positivo (unidade legitimadora, unidade funcional, ítnidade enquanto meio da interpretação sistemática e harmonizadora da constituição). O mesmo vale para os tipos já mencionados supra (unidade do documento, unidade do grau hierárquico das fontes do direito bem como da estrutura normativa da constituição).
F. Conclusões
A expressão “unidade da constituição" pode ser abandonada também onde ela poderia ser utilizada com sentido. Ela não pode continuar servindo a tentativas de apagar a linha de fronteira entre argumentos orientados segundo as normas e argumentos de política jurídica desvinculados das normas. A tentativa de salvação apreciada desde os escritos de Smend, de considerar a unidade não como um
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dado* mas como uma tarefa** também não leva mais longe, conforme a práxis do tribunal supremo mostra involuntariamente. Se a unidade não existe enquanto dado nem pode ser tornada plausível, ela também não existe como meta a ser atingida na práxis. Do contrário só substituiremos uma ilusão por outra, a ilusão positivista pela ilusão antipositivista. O que conduz mais longe, porém, é uma estruturação pós-positivista do campo de problemas.
Os argumentos cambiantes*** da "unidade”, seja do ordenamento jurídico na sua totalidade, seja da constituição, levaram a caminhos errados. Constituem exemplos de um holismo irracional do trabalho jurídico, que pode ser abandonado sem prejuízo desse mesmo trabalho, que deveria ser abandonado no interesse de uma atuação dos juristas em conformidade com o Estado de Direito.
Bibliografia especializada
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