Marco Zero edição de outubro 2010

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Marco Zero, encarte, edição de outubro de 2010

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Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010 2Marco Zero

EDITORES: CelinaHamiltonAlbornoz,Thomaz GuilhermeAlbornoz Neves e JoséArtur Lesina MontanariPROJETO GRÁFICO: Marco ZeroCAPA E CONTRACAPA: JotaeleColabore, opine, participe:[email protected]

Fala-se, nos tempos atuais, nas várias formas de religiõesque se cruzam em diferentes paises, comunidades e gru-pos sociais.No ocidente hámuito deixou de ser uma situ-ação bipolar, uma unidade tradicional, onde se era ou nãocristão, onde, conforme a filosofia do momento, era-seateu,materialista ou�cristão. Emnosso país, o catolicis-mo é a religião predominante, embora saibamos que umacoisa é o declarado nos censos, e outra é o que se profes-sa na intimidade. Apesar das discussões pontuais ocor-rendo nomomento, há umapermanência e ampliação dasexpressões espirituais de homens e mulheres, que se co-adunam com a abertura que nosso povo tem por estarsempre convivendo com as diferenças, e que somado aisso, traz o conceito, tão discutido hoje, não importa semítico ou real, do brasileiro tolerante e cordial.Em nossa fronteira, temos cristãos e católicos, protes-tantes e anglicanos, mórmons e várias igrejas evangéli-cas, todos tendo a mesma origem, mas diferentes níveisde interpretaçãodo cristianismo,muçulmanos e, também,várias filosofias, ordens e doutrinas sendo exercidas, des-

COLABORADORES

Editorialde a Maçonaria e Rosacruzes, os seguidores do SantoDaime, as religiões africanas em todos os seus segmen-tos, os espíritas kardecistas e os ateus. E para não nosdeixar tão fora do processo de uma nova consciência danatureza, temos os que silenciosamente, mas não sem amesma busca, exercem uma filosofia que trata de nostirar do dualismo, do bem e do mal, para nos colocar nocampo da inclusão com o todo, com a natureza da terra,dos animais, os que se inspiram nos ensinamentos do bu-dismo, do taoísmo e da filosofia oriental.Todos estão em busca do sentido e dos questionamentosque regem a vida do homem, a pergunta de quem somos,de onde viemos e para onde vamos, respostas que sóencontramos na fé, na ciência ou na descrença. Ques-tões como a fé que professamos, em quê acreditamos, ounão, e para onde queremos ir e para onde nos destinamos.A morte e a finitude humanas norteiam as perguntas queoshomens fazemdesdeos temposprimordiais.Nesta épo-ca de grandes transformações culturais, em que cada vezmais sabemos ahistória denossa evolução, emque a com-

preensão do universo se encaminha para a constatação deummultiverso,emqueaglobalizaçãopermiteaos individu-os expressarem suas idéias e crenças desde e para qual-quer lugar do planeta, é curioso que neste ponto extremodeste país/continente, nestas terras distantes, haja uma so-ciedade em que manifestações tão diferentes convivamem harmonia.Nesta edição e nas edições futuras, pinçaremos algu-mas opiniões e depoimentos para registrar o que pen-sam sobre essas questões alguns dos que aqui vivem,ou que aqui viveram. Padre Mario Nigro-Izquierdo eo escritor Janer Cristaldo escrevem, respectivamen-te, sobre a fé e a ausência dela. Vida e morte ocupamos escritos do nosso colaborador SérgioNapp e o tem-po, sua passagem e permanência, é o fio condutordos poemas de ThomazAlbornoz Neves. Marco Zerooferece também o início da saga em quadrinhos doSeu Catilino, com desenhos do Beto e argumento deJotaele e a seção permanente Cá entre nós, com ascolaborações dos acadêmicos santanenses

Mario Nigro-Izquierdo, sacerdote católico da paróquia Santo Domingo, emRivera.Janer Cristaldo é santanense, jornalista, escritor e tradutor. Reside em São Paulo.Sérgio Napp escritor e compositor gaúcho, mora em Porto Alegre.

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Marco Zero3 Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010

Cáentrenós

A cidade de Santana do Livramento tem tradição em jornalismo. Desde sua forma-ção política, a imprensa escrita é uma das mais presentes, cumprindo o papel queparece ser o seu: o de representar o pensamento vigente com nuances e ênfase, deacordo com o momento histórico no qual está inserida. Espelho e consciência deintelectuais, voz dos cidadãos, não é por acaso que Santana é tida como terra dejornalistas, muitos deles com significativo destaque em vários pontos do país e noexterior. Esta prática vemdo séculoXIX, atravessando váriosmomentos até chegaraos nossos dias, ondeMarcoZero é o caçula e, quiçá, umdos poucos emseugêneronestas paragens: o jornalismo cultural.Antes dele, - semquerer privilegiar,mas por-que estamos com toda a coleção emmãos - destacamos o Álbum, mais uma revistamundana do que propriamente um caderno de cultura, criado por Lycurgo de A.Cruxenem1910. (inbibliotecaCecíliaMeirelesdaAcademiaSantanensedeLetras)Trata-sedeumbelo registrodamentalidade e costumesdecemanos atrás, oferecen-do para os autores das novas escolas historiográficas, material para ser escrita acrônicadavidaprivadalocal.HátambémumricoacervonoMuseuFolhaPopulardocomeço de nossa imprensa escrita como O Maragato, que deveria receber maiorapoiodacomunidadeeocuidadoquetodoopatrimônioimportantedeumalocalidadeque se quer viva deve obter.Nosanosoitenta,destacamosnojornalAPlatéia,dirigidoentãopelo jornalistaJorgeEscosteguy,oCadernoII,editadopela jornalistapaulistaLucilaCamargoedepoisporCelinaHamiltonAlbornoz.E sem querer deixar de nomear, em uma homenagem de reconhecimento,OPor-tal, boletim cultural conforme o denomina sua co-fundadora Theodolina da SilvaUcha. Durante cinco anos a carismática Lolinha e Wilma Menezes o produziram,comcaracterísticas de caderno feito pormulheres beletristas, que ainda estão no ecodapoesia singela edelicada, daqual transcrevemososversos iniciais de Brasil Sul:

Verdes montanhastodas rendilhadaspor flores, plantasas quais pra lá não há,araucárias, só em ti sobejadinâmico e ordeiro Paraná!

Nos anos noventa foi a vez da recém criadaAcademia Santanense de Letras ter o seujornal,Arcádia, surgidopara cumprir comavocação literária de seusmembros. Findoesse período, prossegue comoCá entre nós, espaço conquistado e idealizado comoseditores desteCaderno, para dar continuidade e inovar na área do fazer cultural.

Referências e memória:

Leonor pensavano sentidoda esperança sentada à beira da lareira, nodeclí-niodaexistência impostopelosanos. -Oqueesperardosdiasqueainda teriapela frente? Sentia a lentidão das horas, as limitações físicas advindas daidade.Afinal,doaltodeseus84anosnãopodiasequeixardavida,do tempojá ido, dos contratempos, descompassos e surpresas.Leonor realizara alguns sonhos de menina. Casou, teve filhos, netos. Aotornar-se viúva soube preencher a ausência domarido com tarefas comuni-tárias, cursinhos de artesanato e convivência com amigos. Aposentada domagistério desde os 65 anos, vivia o dia a dia entre atribuições da casa eviagens de lazer.-Mas e agora? Lúcida e só, aprendera a não esperar. Não olhava para trás,recusava-se a viver de lembranças, apenas. Queria preencher seusmomen-tos, até o último suspiro. Detestava pensar que era mortal. De emoções,necessitava sempre. Um dia após o outro não lhe bastava. Não podia sefurtardodesejodeusufruirdemaismanhãsensolaradas,maisnoites tépidasde outono.Comas coisas terrenas tinha o compromisso que lhemovia paraosentidodeviver.Ao longodosanosdescobriraocheiroda terra, aprenderaque o cotidiano podia ser simples, como apreciar as flores do jardim e anatureza toda.O sonho e a esperança se mesclavam para Leonor, no ímpeto permanentede fugir da dor, de olhar pra frente sem pensar que a cada passo, que a cadasegundo, suas chances terráqueas encolhiam.Aquecida pelas brasas da lareira, no aconchego de sua sala de estar, sabia-se consciente da própria finitude. - Qual seria o significado da esperança,senãoaextensãodosatos repetitivosdocotidiano? -Que importância teria amesma agora?Leonor não alimentavamais sonhos eróticos ou libidinosos,quandoàépocaemqueficouviúva.Soubeadministrarosprópriosdesejoserenúncias. Vivia com interesses que a idade podia lhe proporcionar. Masensinaram-lhe a rezar, a ser paciente e tolerante. Não podia se rebelar. Pen-sava, apenas, que a esperança, para ela, não significava mais nada.Tocou a campainha, do lado da poltrona, pediu os medicamentos para oproblemacirculatórioquesofria eafastavaqualquerpossibilidadedecrençaemalimentar ilusões em relação à própria vida.Levantando a cabeça, olhou firme paraAna, sua acompanhante e pergun-tou:-Afinal, o que significa a esperança?

A esperança"Car l'espoir, au contraire de se qu'on croit, équivaut à la résignation. Et vivre c'est ne

pás se resigner." (Noces, A. Camus.)

A flor e o espinhoCravo era sobrenome. Roberto da Silva Cravo. Quando a turma ficousabendo, o Betão virou Cravo. O apelido trocado pelo sobrenome. Sempretinha um engraçadinho, aí, Betão, é uma no cravo e outra na ferradura,heim? E a alcunha foi pegando: Cravo.O Cravo, atrás de uma muralha de garrafas de cerveja, cantava NelsonCavaquinho.

Tire o seu sorriso do caminhoQue eu quero passar com a minha dor

Hoje pra você eu sou espinhoE espinho não machuca a flor.

comvozde tenor.Osconvivas aplaudiam, fazia coroemandavamogarçombaixar mais uma. O Cravo inflava o peito e mandava

Eu só errei quando juntei minha alma à tuaO sol não pode viver perto da lua.

Ea lua ia embora se escondendo. E, comoo sol não pode viver perto dela,mostrava a cara quando o Cravo voltava pro barraco, tropeçando nas pró-prias pernas.A Rosinha já tinha dado o ultimato. Os amigos de bebedeira ou ela. Osamigos ganhavam sempre. E ela, vencida, ia ficando. Tratava da bebedeirade seu homem com carinho e coca-cola. Perdoava. Ele jurava amor eterno.Pegava a viola e soltava o vozeirão numpedido deLupicínioRodrigues

Volta,vem viver outra vez a meu lado

Não consigo dormir sem teu braçopois meu corpo está acostumado

e ela tinha vontade de responder também como Lupi

Nunca,nem que o mundo caia sobre mim

mas sempre voltava atrás. Até a manhã seguinte, quando ele chegavaem casa caindo pelas tabelas.Aí ela prometia ir embora. Chorava. E elepegava na viola.O Cravo chegou no barraco e não encontrou Rosinha.o sol já se es-

preguiçava lá em cima,sacudindo o sono dos olhos.A casa da mãe. Sópodia estar lá. Em todas as discussões, rosinha ameaçava ir pra casa damãe. Saiu batendo a porta e cantarolando com a voz embriagada asrazõesdePauloVanzolini

Um homem de moralNão fica no chão.

Entrou chutando a porta e cachorro na casa da sogra. Rosinha tentouargumentar. Fugiu pro quintal. Nada adiantou. O Cravo, enlouquecido,puxou-a pelos braços. Dois safanões, uns quatro tabefes e o serviçoestava feito.Avolta por cima.Rosinha caiu de bruços,sangrando a face e a alma.Despetalada.Ela nunca havia imaginado que espinho pudesse machucar a flor.

Maria Regina do Prado AlvesCadeira nº14

Marcelo D. D'ÁvilaCadeira nº 23

Theodolina daSilvaUcha (Lolinha)

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Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010 4Marco Zero

INFORMEDAFRONTEIRASUL

IPenso com imagensA paisagemé mais real que o pensamento

Já não verei no escuroVivo em pazcom o que não compreendo

O ar que respiro traz o céuatravés da ventaniaBasta a melodia por entendimento

I ISe falo, outra voz me dublaSe calo, sou só eu quem cala

Dar-se a veré desconhecer-se no olhar do outro

O presente, com enfocá-lo,se faz remoto em um cenário

Mas tudo já sabias desde o inícioO esquecer que sabiasJustamente

O início

I I IDepois da tormenta, um homem sóSeu pensamento mais solitário

O que vê o afasta do que pensaSente apenas, vê sem pensamento

O campo constela a solidão do dia com a via-láctea

IVJá não há países de fronteiraNem estrangeiros de cada lado

Aérea, a linha divisóriaé levada à deriva pelo idioma

Mesmo o pensamento é igual em qualquer língua

VMadrugada, cavalgo ao troteO sol nascendo na gota azulaquece minhas costas

Sinto a vida do cavalopomo que me envolvecalor de tato antes do toque

Assim também estamosna órbita do pássaro que passasobre nós imóveis

VIUm poema sem tempoque manifeste o seu tempo

Não quem o escrevemas homens iguais a ele

De raro lugar comumUm poema homem na multidão

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Marco Zero5 Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010

INFORMEDAFRONTEIRASUL

Thomaz Albornoz Neves

La Rosada, fronteira com o Uruguai5 de maio de 2010

VIITudo o que digo está sendo ditoO que penso, pensado

Ecôo um cardume distante

VIIIUvas verdes sobre a redeA palmeira real apara a quieta queda do céu

Adormeço no silêncio

O céu do sonhoestampado pela sombra da parreira

IXSalgo o peixe, faço a brasaRespiro o ar da tua sombra

Entardece e cada caríciaé um transe na paisagem

A memória da pele não duramais que o calor do sol na areia

Céu floco que dissolve

XUm estado de amor espiritualpor assim dizer, fora do tempoque nos faz tão solitários quantojuntos pelo mundo desconhecidoJuntos de certa forma vaga e sensorialVem de quando nos encontramosSer contigo o mesmo ar respiradoe de nós nasceu uma criança

XIA lenha é secaO fogo aquece a casa

Meu cão despertaPõe a pata no meu joelho

Meu cão canhoto

XIINão pensa mais em si meu pensamento

Um signo, arabesco de um gestoo risco no muro será toda a história

Sim, ainda hoje, com tudo o que esquecio poema deve ser vivido

Eu busco a poesia nos fatos

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Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010 6Marco Zero

?�...de poco valemirar el cielo si nomiro el cielo

que hay en los ojos demi hermano��

El lugar dónde se nace y se construye lavida determina, sin lugar a dudas, algunasopciones fundamentales de la vida.

Mario Nigro-Izquierdo

La manera de vivir, los principio éticos, políti-cos, los paradigmas culturales a los que nossuscribimos, los gustos y disgustos, los valoresy los compromisos. Nada de esto es novedad.Cada uno lo puede comprobar en un solo díavivido con menos prisa de lo que es frecuente.Llamado a la vida en una familia creyente, en eloccidente del mundo, bautizado y educado enun centro religioso, fueron determinantes paralas opciones de la vida adulta. Así es que, con-vertirme en un hombre creyente, de fe, no fue-en principio- ni libre, ni a sabiendas, ni volunta-rio: fue. Incuestionable, por cierto.Cuando "los otros" pidieron razones de mi fe,mi palabra y mis manos estaban vacías, no lashabía. La pregunta fue inevitable: ¿por qué? Labúsqueda de mi respuesta para una cuestión ele-mental dio comienzo y los libros fueron de granayuda, buenos amigos y compañeros. Así comolas personas letradas en temas de fe, filosofía yteología. No tanto los contemporáneos a quienesveía también en búsqueda de esa respuesta ele-mental.Algunos incluso hasta perdiendo todo sen-tido por encontrar esa respuesta que les diera sen-tido. La ayuda vino desde lo profundo de la histo-ria, de vidas bien vividas, coherentes, sin tibieza,de compromiso ymartirio; vidas y escritos de ma-estros de fe. Que por supuesto lo siguen siendo.En particular la vida de un galileo: Jesús, llamado"el Cristo". ¿Qué tenía de extraordinario este hom-bre, que todos hablaban de él y se mataban, lite-ralmente, por él? Cuando supe sus palabras y susobras, sus silencios, la manera de mirar, de ha-blar� me fui dando cuenta de que buscar unarespuesta al ¿por qué?, estaba siendo una an-gustiosa pérdida de tiempo y esfuerzo. Al cono-cerlo, conocí que la vida cobra sentido cuandose busca su sentido mismo. Así es que, cuandocomencé a preguntarme ¿para qué?, ya todo fueteniendo respuestas. Y no del tipo etéreo o deltipo académico, aunque también necesarias. Los

para qué comenzaron a tener rostros, nombres, his-torias, tiempo y espacio, sueños y esperanzas. Sehicieron concretos, tangibles, sufribles, queribles.Entonces, las palabras de Jesús cobraron plenosentido: su comunidad (la iglesia) que perdura ygoza de muy buena salud, y no por meros deseoshumanos, sino porque es suya y él la cuida; la bon-dad que existe en cada ser humano (salido de lasmanos de Dios); la capacidad de perdón, de sersolidario, de ver al "otro" como alguien que se meparece� que el "mensaje oculto" que había en esteGalileo, era simple y al alcance de cualquiera: ha-cer el bien. Y ese era el camino de perfección.La opción fundamental se volvió simple y sencilla: vi-vir en Cristo. Que no es otra cosa que sacar de lastinieblas a la luz, la cosecha del reinado deDios, indi-car los buenos frutos de cada vida creada y manteneruna buena amistad con quien sabemos lo creó todo.En este trato de amistad he descubierto algunas res-puestas: que desde la primera "navidad" no hay nadahumano ajeno a Dios, que no hay persona humanaque no sea portador de la bondad de Dios, que la in-justa distribución de las cosas creadas es por un maluso de nuestra libertad, que tenemos poca confianzaen nosotrosmismos porque desconocemos nuestro ori-gen, que nos cuesta ser hijos de semejante Padre, queno nos tratamos con dignidad, que de poco vale mirarel cielo si no miro el cielo que hay en los ojos de mihermano� entre otras cosas.Así que, amigo mío, pasado los años, aquello que fueincuestionable al comienzo de la vida, se ha vuelto unaopción libre, voluntaria y sabida, que quiero vivir en lamisma comunidad de creyentes que quiso Jesús. Yasé que es aburrida, rutinaria, disciplinada, y vieja (se-guro que de tanto dar a luz) pero es la que quiso elSeñor. Y espero que cuando esté maduro para lacosecha, este Señor me permita morir como hevivido siempre: hijo de la Iglesia.

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Marco Zero7 Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010Sant�Ana do Livramento, outubro de 2010

!Leitor me pergunta como me tornei ateu. Não saberiadizer como as pessoas tornam-se atéias. O máximo queposso falar é de mim mesmo. Para começar, é precisoentender que todos nascemos ateus.Ninguémnasce cren-do em deus ou deuses. O deus é introduzido no cérebroda criança através da família, da escola, da igreja e mes-modoEstado.Então, o problema começamal formulado.Não é que alguém se torne ateu. Ele apenas volta à con-dição normal de ateu, na qual todos nascemos.Nasci numuniversomais oumenos pagão onde, se haviauma vaga idéia de um deus que criara aquilo tudo, nãohavia culto algum a esse deus. Muito menos se acredita-va em conversa de padre. Nasci no campo e nunca cele-brei o Natal ou Páscoa em minha infância. Havia, istosim, um culto ao fogo, as fogueiras juninas de São Pedro,São João e SantoAntonio. Suponho que os camponesesdaqueles pagos não tinham muita idéia de quem eramestes senhores. Mas contemplar uma fogueira fazia bemà alma daquelas gentes.Fui seqüestrado para as hostes católicas lá pelos seis ousete anos, por uma catequista, mulher de um fazendeirodoUruguai,DoñaChichi. Ela percorria aLinhaDivisórianuma camionete com caçamba e ia arrebanhando a pia-zada dos dois lados da fronteira. Para nós, a supremaaventura não era ouvir o catecismo,mas "andar de auto".Ao final das aulas, Doña Chichi nos induzia a rezar alTodo Poderoso, em umportunhol precário, para que trai-ga lluvia a nuestras tierras, para que se possa escoar lasafra de la lana. Eu, mais pelo prazer de andar de camio-nete do que por outra coisa, fazia coro às preces da cate-quista.Aosdez anos, conheci cidade. Fui paraDomPedrito, ondefizoginásio, dirigidopelosPadresOblatos, ordemoriundadaAlemanha. Foramexcelentesmestres de línguas ema-temática e souberam reunir uma boa equipe de professo-res laicos, para ensinodehistória, geografia, biologia.AosOblatos doColégioPatrocínio,minha eternagratidãopelaeducação que me propiciaram, educação que hoje nãoencontramos nem nas universidades.O problema era a religião.Adisciplina era obrigatória e adoutrinação intensa. Fui introduzido emumadoutrina ba-seada no terror e na reverência a um deus mudo, comespecial insistência aos sexto e nono mandamentos. Pe-cado, para os Oblatos, eram os pecados ditos da carne.Os demais eram irrelevantes. Para comungar, precisáva-mos estar em estado de graça. Isto é, absolvido de todosos pecados. As confissões eram em geral aos sábados,para que no domingo a pobre alminha estivesse limpa detodamácula. Então vinha o interrogatório constrangedor:- Pecou contra a carne, filho? Quantas vezes? Como eonde?Hoje, não tenho dúvidas de que os padres se masturba-vam,dooutro ladoda teladoconfessionário,ouvindoaque-les relatos. Eles foram os precursores do sexo por telefo-ne. Só que sem telefone. Ocorre que, entre a confissãode sábado e a comunhão de domingo, havia a longa noitede sábado. No domingo pela manhã, estávamos de novoimpuros, cheios de culpa e apavorados comas chamas doinferno. Mas sempre havia um padre de plantão para ab-solver os reincidentes.O Patrocínio era exclusivamente masculino, quando co-mecei meus estudos. As aulas eram um festival desbra-gado de masturbação. Os padres não ignoravam aquilo,impossível não sentir o cheiro de esperma no ar. Eu, ain-da impúbere, olhava para aquela azáfama toda, sem en-tender muito bem o que estava acontecendo. Tenho ain-da viva na memória uma cena digna do Gênesis. Um demeus colegas, que por ironia se chamava Caim, se ex-cedeu no bom folguedo e o padre Lourenço se sentiuobrigado a tomar uma atitude.- Caim, levante-se!Desajeitado, Caim se levantou, tentando fechar a bra-guilha.- Que foi, professor?Com um dedo acusador, suponho que aquele mesmogesto com que o anjo do Senhor expulsou Adão e Eva

do paraíso, mostrou a porta da sala:- Pegue seus livros e vá para casa.A orgia só terminou quandoLeonel Brizola encampou ocolégio. Que se tornou então misto. Com a presençafeminina, terminou o festival. Nessa altura, eu já chega-ra à puberdade. Não conseguia entender aquelas proibi-ções. Estava cercado de meninas e queria algo maisdelas do que um simples beijo. E lá vinhamos argumen-tos de pecado contra a castidade. Na classificação daIgreja Católica, o sexto mandamento.Peguei uma Bíblia e fui pesquisar o Êxodo, onde estãoos mandamentos. Li o livro de ponta a ponta, não en-contrei nem sombra da palavrinha castidade. De Bíbliaem punho, chamei uma coleguinha de origem basca, aIara Irigaray, que eu paquerava, para lermos junto a pa-lavra divina. Lemos tudo referente aos mandamentos.

- Encontraste alguma menção à castidade? - perguntei.- Não.- Então, vamos lá?- Ai, que horror, Janer, pára com essas bobagens.Com o tempo, aprendi que não é com lógica que se levauma mulher para a cama. Tentando uma primeira res-posta ao leitor, eu diria que a primeira coisa a afastar-me do tal de Deus foi uma sexualidade imperiosa, exi-gente e implacável.A carne não era fraca, como diziamos padres. Era forte. Tão forte que não conseguíamosdominá-la. Se sexo era bom e não fazia mal a ninguém,por que privar-me de sexo? Meu ateísmo começou poraí.Obviamente, a negação de um deus não passa apenaspor uma questão de sexualidade exacerbada. Um pou-

co mais adiante, li a Bíblia de ponta a ponta. Aqueledeus era inviável. Cruel, exterminador, genocida, Jeováestava mais para facínora do que para divindade. Alémdomais, ia tomando diferentes formas, conforme a datados livros. Só podia ser obra do intelecto humano, cria-ção de sacerdotes sedentos de poder. Não há crençaque sobreviva a uma leitura atenta da Bíblia. Não poracaso, houve época em que a Igreja proibiu sua leiturapara menores de 30 anos. Não por acaso, mandou FrayLuís de Leon para as masmorras, por ter ousado tradu-zir omais belo dos livros do Livro, o Cântico dos Cânti-cos, ao espanhol.Para desgraça de meus catequistas, muito cedo come-cei a ler a Bíblia. Como não há fé emDeus que resista auma leitura atenta da Bíblia, minhas dúvidas começa-ram a inquietar os oblatos. Um sacerdote de Bagé, fran-zino e inquisitorial, veio às pressas para tentar trazer oherege em potencial de volta ao rebanho.Discutimos um dia todo, com várias jarras de água e umalmoço de permeio. A cada preceito de fé que eu con-testava, o padre Fermino Dalcin me jogava no rosto aacusação: "Arrogância. Orgulho intelectual. Quem és tupara contestar, aqui emDom Pedrito, o que autoridadesdecidiram emRoma?"Era um argumento pesado para um piá de uns quinzeanos. Eu só tinha como defesa descrer do que não con-seguia entender. Mas resisti e consegui, ainda adoles-cente, libertar-me do deus judaico-cristão.Até podia serque eu não tivesse autoridade para contestar os padresde Roma. Mas estava apoiado na razão, na boa lógica.Bem sabia a Igreja o que fazia, ao proibir a leitura doLivro a menores de trinta anos. Como cachorro que sa-code o corpo para secar-se, sacudi minha alma e procu-rei, nos anos seguintes, livrar-me da craca ética que vi-nha grudada ao cadáver do deus cristão. Esta é, a meuver, a grande função da leitura, libertar o homem demitos e superstições.Em suma, retornei a meu ateísmo primevo lendo a Bí-blia. Não sei qual foi o caminho de outros ateus. Sóposso dizer que passa pela leitura. Sem leitura - apesardo que pensa o Lula - não há salvação. Não acreditoque religião traga paz. Aliás, o Cristo dizia: "não vimtrazer paz, mas espada". Quanto a prosperidade, só paraos sacerdotes. Os sacerdotes conseguem fortunas comblá-blá-blá. O crente, só a consegue se trabalhar duro.Se depois a atribui a Deus, é um ingênuo sem cura. Écomo aqueles doentes graves, que se submetem à me-dicina de ponta e rezam ao mesmo tempo. Se são cura-dos, atribuem a cura ao tal de deus. Ano passado, fuiacometido de um carcinoma de palato. Matei-o. Nuncafalta emmeu entorno quem agradeça a Deus por minhacura. Considero isto um insulto à medicina e aos exce-lentes médicos que me trataram. Não foi deus nenhumque me salvou e sim a competência da ciência e tecno-logia do Sírio-Libanês.Posso não acreditar em deus, cristo, maria, santos, exus,guias do candomblé, forças da natureza, silfos, gnomos,salamandras, ondinas. Mas acredito em muitas outrascoisas. Apesar dos pesares, acredito no ser humano.Para cada Hitler ou Stalin, sempre surge umMozart ouDaVinci. Para cada Paulo Coelho ouBruna Surfistinha,sempre há um Swift ou Cervantes. Acredito na amiza-de, no trabalho, no engenho humano, na construção dassociedades. Acredito nas pessoas que me cercam e in-clusive em mim mesmo. Acredito no bom vinho e nouísque, no camembert e no foie gras.Acredito que Parise Madri, entre outras cidades, existem. Acredito nosamigos e amigas que tive. Estas são minhas crençasbásicas. De mais não preciso.Ateu, não prego o ateísmo. Fé faz bem aos pobres deespírito. Por que privá-los então de uma crença quelhes é benéfica? Ateísmo é para quem não tem medoda morte nem acredita em potocas do Além.Estes são raros.

Janer Cristaldo

Page 8: Marco Zero edição de outubro 2010

Pedes que fale da vida como se a vida fosse algo de simples. Não é.Nem sempreavidanosdá resposta.Écaminhoquevai evoltaoucaminhosemvolta.Caminhode chão batido. Caminho longo ou curto. Caminho de asperezas ou de alegrias.Na vida, nem sempre o nome de quem lembramos é o nome de quem se quer. Équando deixamos os sonhos para encontrar a realidade. É noite em que, nemsempre, a estrela brilha quando a espera é tanta e tão ardente. Há um cheiro quebrota das profundezas domar. Um cheiro de açucenas. Um cheiro que não se dá.A vida vem de longe. De um mundo que é encantado. A vida traz na mala umbandode ilusões.E, emsuaalma,umquêdepecado.Quando,nomeiodas trevas,há uma alegria feroz, é a vida que, com seus mistérios, se debruça sobre nós.Pode ser o amor chegando com suas teias de espanto. Podem ser sereias trazen-do a morte em seus cantos.Avida émistério é o que te posso contar. Mesmo que a vida não se decifre, nemse desvende diante de nós.Mesmo que a noite se faça quando aguardamos o dia.Mesmo que a palavra não dita continue impenetrável. Mesmo que os lábios nãose abram e a flor do beijo não se faça, continuamos bebendo da festa do riso, dafebre da paixão. O adeus, quando é preciso, é punhal que nos atravessa a alma.Mesmo que este punhal afaste de nós o cálice da esperança, a vida, quando denós se acerca é festa. Com a blusa cor-de-rosa e sapatos de veludo, trazendo nosdedos algas marinhas e risos de flor no vestido, é festa. Com turbante de miçan-gas, água de cheiro nos olhos, cantares de lua cheia e boca de quiromante, é festa.Vindo de porta-estandarte ou madrinha, cabelos em serenata, braços de amor-perfeito, ginga de luz e poente, é festa. Doce de coco e melado, pele de seda eamoras, luminosamente bela, primaverando alegrias, é festa.Quando ela chega, a vida, berimbaus cantamnapraça, apitos comandampalmas,repeniques dançam versos e os tamborins exclamam notas. O coração dá pino-tes, o dia dá cambalhotas e o mundo parece uma festa que não acaba jamais.Que posso mais te dizer? Que a vida é inconstante? Que ela é surpreendente?Que ela nos desaponta? Que ela nos enfeitiça? Que ela nos desacalma? Que elanos emociona? Que ela nos desconsola? Que ela nos alimenta? E, no entanto,ninguém nos maravilha mais que a vida. Ninguém nos oferece mais. Ninguémnos acalenta mais.A vida é única. Pois cada um de nós e todos somos a vida.

Morrer de repente é o prazer do homem. Uma que outra palavra, talvez umgesto brusco, e mais nada. Nenhum ai ou esgar. Não é bem isto o que a morteespera. O que a morte deseja é algo que a agrade, algo que lhe dê satisfação.Algo que a encha de prazer. Para que o prazer se instale, é necessário oritual. Amorte precisa acompanhar passo a passo os preparativos que levamo homem ao seu derradeiro suspiro. Precisa do sofrimento. Da aflição. Semeles a boca da morte não saliva. A dor inicial, a primeira dúvida, a noite nãodormida, as olheiras, a garganta seca. A angústia ao receber o médico. Oabrir dos botões. A ausência das palavras. A ausculta. As perguntas. O olharenigmático domédico ao examinar, uma a uma, as radiografias ou o eletro ouos resultados que o papel apresenta. Neste momento, no exato deste momen-to, a morte ingressa no quarto, se põe à cabeceira do homem e o olha com ummisto de carinho e volúpia. Um frio lhe percorre a espinha. O coração acele-ra. A respiração descompassa. O prazer da morte se instala. Tudo o que sesegue só o aumenta, mais oumenos.Amorte não dorme.Acompanha, segun-do a segundo, as aflições do homem e cada um de seus gestos. No instanteem que os enfermeiros entram no quarto e o colocam na maca. Na iminentedespedida dos entes amados. Nos corredores assépticos. Ao ver as carnes,os músculos sendo expostos. As veias sendo rasgadas pelo bisturi. A infec-ção. A improbabilidade. A tudo a morte assiste com o júbilo de quem antevêpéssimos resultados. E com eles se alegra. Se acaso o homem retorna aoquarto e o conectam a dezenas de aparelhos e aos tubos; se a sua comunica-ção, com os que o cercam, não se realiza; se ele geme, se debate e se deses-pera; aí, sim, na alma da morte, se dá um paroxismo de tal grandeza que ela,quase, atinge o êxtase: o homem está prestes a se entregar aos seus abraços.Ao homem, com certeza, cabe lutar, feito a caça ao caçador, sabendo que oinimigo o espreita sorrateiro e confiante. Amorte possui toda a paciência domundo e a saboreia com lascívia. O homem luta, a morte o aguarda. O ho-mem se entope de remédios, realiza exames cotidianos, a morte sorri. Ohomemprocura as últimas informações científicas, os avanços damedicina, amorte se diverte. Com a paciência, que só ela possui, o espreita enquantoapara as unhas e corrige as cutículas.Aos pés da cama, a morte o observa em seu estertor: o rosto magro, a peleenrugada, as mãos trêmulas, os pulmões mantidos pelo oxigênio.Aproxima-se da cabeceira e, ao sentir o gélido toque das mãos da morte sobre a testa, ohomem adivinha. Um vagido escapa de seus lábios. A tentativa inútil de umgesto se delineia. Um soluço move-lhe o corpo. Lágrimas escorrem.O prazer da morte não é a morte em si mesma, mas ver o homem, antespoderoso e senhor de si, extinguir-se lentamente feito um verme.

Trecho do livro, em preparação, O caçador e a morte.

A MORTE

FESTA

Sérgio Napp