Jornal Marco Zero 7

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MARCO ZERO Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter • Ano I • Número 7 • Curitiba, outubro de 2010 COMPORTAMENTO FANTASMAS URBANOS Prédios antigos e mal cuidados no centro de Curitiba colocam em risco a segurança das pessoas. Página 9 José Rogério Barbosa Excluídos da sociedade Moradores de rua contam como é a vida debaixo das marquises e fora do convívio familiar. Diferentes tribos Na sociedade contemporânea, as tribos proliferam como forma de os jovens afirmarem sua identidade. Um exemplo são os jovens (foto) da Igreja Católica Sheliah, em Curitiba Quando o comum se torna especial TRABALHO A Lei de Cotas, existente desde 1991, tem colocado muitas pessoas com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho. Páginas 6 e 7 Página 8 Página 5

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Curitiba, outubro de 2010 MARCO ZERO

MARCO ZEROJornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Facinter • Ano I • Número 7 • Curitiba, outubro de 2010

COMPORTAMENTO

FANTASMAS URBANOS

Prédios antigos e mal cuidados no centro de Curitibacolocam em risco a segurança das pessoas. Página 9

José Rogério Barbosa

Excluídos da sociedade

Moradores de rua contam como é a vida debaixo das marquises e fora do convívio familiar.

Diferentes tribos

Na sociedade contemporânea, as tribos proliferam como forma de os jovens afirmarem sua identidade. Um exemplo são os jovens (foto) da Igreja Católica Sheliah, em Curitiba

Quando ocomum setorna especial

TRABALHO

A Lei de Cotas, existente desde 1991, tem colocado muitas pessoas com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho.

Páginas 6 e 7

Página 8

Página 5

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EDITORIAL

Ao leitor Nesta edição, você vai conhecer, em uma reportagem sobre as tribos urbanas, um pouco da imensa diversidade cultural existente em Curitiba. Nessa matéria, você verá os jovens que não têm vergonha de assumir suas identidades. São os tatuados, os rockeiros, os anti-baladas e os denominados Geração Y, jovens da era digital, considerados multitarefas e apontados como a tribo mais preocupada com a sustentabilidade. O Marco Zero percorreu as ruas do Centro de Curitiba e descobriu também que os prédios antigos podem colocar em risco a vida das pessoas. Esta edição traz ainda uma matéria sobre Rafael Gobi, garoto portador de Síndrome de Down que foi beneficiado pelas leis de cotas para portadores de deficiências. Você vai curtir também um papo descontraído com o jornalista e romancista Felipe Pena e com André Vianco, autor de fantasia mais vendido do Brasil, sobre literatura pop, vampiros, a falta de atratividade dos livros acadêmicos e outros temas interessantes. Essas são apenas algumas das matérias presentes nesta edição que está imperdível. Boa leitura!

Expediente

“Sim, principalmente para o público feminino. O centro tem várias opções de lojas, sem falar nas praças e parques que aos finais de semana reúnem famí-lias para passar uma tarde agradável.”Fernanda Rulka, 19 anos,estudante de Publicidade

“Sim, e o que mais se sobressai no centro é o Largo da Ordem, onde há muita variedade de pubs e bares para as pessoas se divertirem à noite, e tam-bém para um happy hour.”Jaqueline Rosário,32 anos, tatuadora

“Sim, tem vários shoppings, com mui-tas opções de lojas, sem falar na parte histórica da cidade, que vale muito a pena conhecer.”Louriane Regly, 23 anos, publicitária

“Não para o público masculino. Fora o Largo da Ordem e alguns bares, não tem muita coisa para homens, princi-pamente se você curte rock.”Douglas da Silva Oliveira,27 anos, cobrador de ônibus

“Sim, adoro as ‘pracinhas’ do centro, elas são limpas, bem cuidadas. As lo-jas e shoppings são de fácil acesso. Os teatros também são uma ótima opção para o lazer em Curitiba”.Ana Cláudia Garcia,39 anos, secretária

“Sim, o centro da cidade é cheio de praças onde podemos praticar camin-hadas e corridas, e bares variados para curtir a noite e dar uma relaxada.”Carlos Almeida Santos,25 anos, vendedor

“O centro da cidade está repleto de praças e shoppings bacanas, entretan-to, existe uma falta constante de segu-rança. Se o policiamento fosse refor-çado, iria possibilitar que a população curitibana pudesse passear com mais tranquilidade.”Daniel Izidoro Ross,27 anos, advogado

Apenas um vendedor Acabo de fazer minha primeira compra pela inter-net. Foi um misto de emoções. Ansiedade para que o produto chegue logo, medo porque não tenho como ter certeza se vão entregar e saudosismo pela falta de contato humano. Tenho que admitir que senti falta dos vendedores, aqueles que tanto querem nos ajudar. Eles realmente estão ali para ajudar, tanto que estão com uma camisa escrito “Posso te ajudar?”, e essa é a primeira frase dita por eles. Essa foi é a primeira aborda-gem de efeito criada pelo maior vendedor que já existiu, Jesus, cujo lema era “Posso ajudar?” Apesar de que o produto dele era mais fácil de “vender”, afi-nal de contas, quem não precisa de um milagre em casa? A parte ruim de fazer isso pela internet é que você está comprando por conta própria, não tem ninguém para auxi- liar e isso é ruim porque você acaba julgando por instinto, o que não é uma boa coisa. Caçar é instin-Caçar é instin-tivo, sobreviver é instintivo, mas comprar, isso não. Comprar é emocional, você não consegue se controlar, e essa é a função do vendedor, fazer você parar. O vendedor é bem mais um repelente do que um atraente, pois ele não o influencia a com-prar, ele o instiga a parar. Você sabe que está na hora de parar de comprar quando o vendedor diz que vai conseguir um des-conto, esse é o momento, é a sua deixa, porque nenhum ven-nenhum ven-

dedor dá desconto pra quem compra pouco. Precisamos de vendedo-Precisamos de vendedo-res (menos os de trânsito), e não estou fazendo apologia ao uso de vendedores. A internet tenta mostrar que não precisa-mos deles, que podemos fazer isso sozinho, porém, é um “tiro no pé”, porque o ser humano é dependente. Nossa relação com

o vendedor é como um “namoro”. O vendedor é alguém que sempre vai di-zer o que queremos ouvir. Se ele fica em cima, ficamos bravos porque ele está sufocando; se

ele não atende, ficamos bravos porque não está dando atenção. E sempre pedimos um descon-to. E é esse “relacionamento” que faz com que dependamos deles. Porque entramos numa loja, na maioria das vezes, cer-tos do que queremos, porém, queremos a opinião deles mes-mo que for para discordar, e a compra pela internet acaba com isso, é a quebra de um círculo. Talvez daqui um tem-po não exista mais vendedor, e todo mundo esteja comprando pela internet. Seu neto vai per-guntar:- O que o senhor fazia quando era jovem, vovô?- Eu era vendedor.- E o que um vendedor fazia?- Ele era uma pessoa influente, que ajudava na hora da compra, ele instruía, guiava pelos cami-nhos dos cabides e gôndolas.- E por que não existe mais?- Isso é uma longa história. Quer comprar? Eu consigo com des-conto pra você.

O centro de Curitiba oferece boas opções de lazer?

Afonso Padilha

CRÔNICA

O jornal Marco Zero é umapublicação feita pelos alunos doCurso de Jornalismo da Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter)

Coordenador do Cursode Comunicação Social:Gustavo Lopes

Professores Responsáveis:Roberto NicolatoTomás Barreiros

Diagramação:André Halmata (6º período) Facinter: Rua do Rosário, 147CEP 80010-110 • Curitiba-PRE-mail: [email protected] Telefones: 2102-7953 e 2102-7954.

“O vendedor é alguém que

sempre vai dizer o que queremos

ouvir”

Suzayne Machado

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Curitiba, outubro de 2010 MARCO ZEROPERFIL

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DO LÍBANO PARA CURITIBAJornalista abandona carreira para morar em Curitiba e vira dono de cafeteria

A guerra entre Líbano e Israel e a Copa do Mundo: eviden-temente, esses dois aconte-

cimentos não têm nada em comum, mas para o libanês Haissan Daher Haissan foram esses fatos que mu-daram seu destino.

Em 1979, Haissan começou a carreira como jornalista no jor-nal Al Safir, na capital do Líbano, Beirute, onde nasceu. A partir daí, o jovem de 18 anos enfrentou muitos desafios. Em 1982, Haissan foi um dos 13 jornalistas, de 286, que per-maneceram no jornal quando Israel invadiu o Líbano.

“Por causa da guerra, todos os jornais da cidade fecharam. No Al Safir, a maioria dos meus colegas desistiu da profissão, mas essa foi a minha oportunidade. Minhas fotos circularam pelo mundo, e recebi até prêmio por elas”, conta.

A guerra durou três meses. Depois disso, um colega de trabalho assumiu a direção de uma revista de esportes, a Alwatan Alriyadi (A Pátria do Esporte). Ele foi trabalhar com o amigo. Assim como hoje, o esporte que movia o mundo esporti-vo era o futebol, e Haissan foi à caça de quem dominava o campo.

Com cinco mil dólares no bolso e passagens compradas, Haissan veio ao Brasil em 1986. “Estava acontecendo a Copa do México, e eu, sem saber falar por-tuguês, vim ver qual era o segredo do sucesso dos jogadores brasilei-ros”, lembra.

O jornalista ficou no Brasil por três meses. “Cheguei perdido. Procurei uma jornalista que pudes-se traduzir o que eu dizia. Eu falava inglês, e ela traduzia em português. Entrevistei vários jogadores, entre eles alguns que haviam se destacado em outras competições. Lembro-me de Rivellino, Müller, Casagrande e do Dadá Maravilha”.

Trabalho cumprido no Brasil, Haissan voltou para o Líbano. Mas seu retorno para o Brasil parecia já estar predestinado. O jornalista foi cobrir um encontro de embaixado-res, em Beirute. Ele lembra que no coquetel toda a imprensa ficava “em

cima” dos embaixadores dos Estados Unidos e da União Soviética. Quan-do ele viu o embaixador do Brasil, foi conversar com ele.

“Não consigo me recordar qual o nome dele, mas lembro que ele gostou de eu ter dado atenção a ele. Já tinha me familiarizado com os brasileiros. Fiz uma foto de to-dos os embaixadores e mandei a lembrança. Depois disso, ele co-meçou a me ligar. Queria que eu ti-rasse meu visto permanente para o Brasil. Na época, estava muito di-fícil para nós, libaneses, entrarmos no país, pois vínhamos de um país de guerra, mas muitos estavam se refugiando. Uma porta de entrada era o Paraguai”, revela.

Em 1988, Haissan decidiu ti-rar o visto de trabalho para o Brasil, para entrar no país quando precisas-se. “Sou o caçula em casa, e, como o meu país estava em guerra, meus pais se preocupavam comigo. Então, decidimos que eu viria para o Brasil passar de dois a três meses”.

O jornalista conta que vol-tou para passear. “O Líbano estava ‘pegando fogo’. Quando decidi vol-tar, o aeroporto de lá estava fechado por causa da guerra e ficou fecha-do por seis meses. Dava para voltar pela Síria ou outros países, mas eu

queria voltar pelo meu país”, lem-bra Haissan.

Durante os seis meses em que o aeroporto de seu país ficou fe-chado, o jornalista teve que se virar no Brasil e começou a fazer conta-to com agências internacionais. Foi contratado por uma agência da Su-íça e tinha como missão no Brasil procurar fatos que mostrassem a miséria do país.

“A agência, assim como os demais países considerados de pri-meiro mundo, via o Brasil como um país de terceiro mundo. Para isso, eu tinha que frequentar favelas, presí-dios, procurar pessoas envolvidas com drogas. Com isso, o trabalho por aqui passou a ser mais perigoso que no Líbano. Eu corria o risco de morrer por causa de uma câmera, por exemplo”, revela Haissan.

Em 1989, ele veio a Curitiba para se comunicar com a agência, no consulado da Suíça. Foi quando co-nheceu a jovem Samira Kadri. “Um rapaz árabe, novo na área, bonitão, homem forte, a mulherada ficava atrás”, brinca o simpático libanês.

Enquanto a situação no Líba-no não se acalmava, Haissan come-çou a namorar Samira, mas deixou claro que iria voltar para seu país. Os dois se casaram em 1990. Na época,

o pai de Samira era dono do tradicio-nal Café da Boca, no centro de Curi-tiba, e ele passou a se envolver com os negócios da família da esposa.

O primeiro filho do casal, Taher, nasceu em 1991. No ano se-guinte, nasceu a filha Samar. Hais-san acabou montando o café Boca do Brilho, na Praça General Osório, no centro de Curitiba.

Hoje, ele divide o espaço com a ex-mulher (eles estão separados há dez anos). Cada um segue com o seu café, que é ponto de encontro para muitas turmas, desde os senhores dos sábados até aos universitários que estudam no Campus Garcez da Facinter.

O jornalista libanês, que não visita o país natal há sete anos, ven-de centenas de cafés e chopes todos os dias. Ele construiu sua vida em Curitiba, mas revela que pretende voltar ao Líbano, mesmo com os pais já falecidos.

“Gosto de Curitiba. O clima aqui é bem parecido com o do Líba-no, as pessoas são bonitas, e meus negócios ficaram relacionados com as pessoas. Meu café é um ponto de encontro para muita gente. Estou há 22 anos em Curitiba, mas quero vi-ver na minha pátria também”, afir-ma Haissan.

Janiele DelquiquiJaniele Delquiqui Arquivo Pessoal

O libanês Haissan na Cafeteria Boca do Brilho, no centro da cidade... ...e durante suas aventuras como fotógrafo.

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TRILHAS DO TEMPO

De babão, ele não tem nada

Localizada no centro de Cu-ritiba, mais especificamente na Praça do Rosário, a es-

cultura do “Cavalo Babão”, como é popularmente chamada, tem uma história e tanto para contar. Inaugurada no dia 25 de maio de 1995, época em que Rafael Greca era prefeito da ci-dade, a Fonte da Memória (seu nome oficial) era um convite para a reflexão de que “o tempo não existe quando a memória do homem permanece”, como dizia o escultor da obra, Ricardo Tod, referindo-se às antigas feiras de colonos em torno do bebedouro para animais do vizinho Largo da Ordem. Quem escolheu o tema da escultura foi o próprio ex-pre-feito. Greca, na época, distribuiu convites para a inauguração da fonte e ainda relatou, todo inspira-do: “Um cavalo de um carroção

As pessoas que utilizam o Ter-minal de Ônibus Guadalupe, no centro de Curitiba, não se sentem seguras ao transitarem pelo local ou quando pre-cisam esperar o ônibus. A sensação de insegurança e o medo surgem por ser grande o número de usuários de dro-gas que ficam no terminal. Muitos de-les são moradores de rua que passam o dia todo ali. À noite, vão procurar abrigo e comida na Fundação de Ação Social (FAS), mas retornam logo ao amanhecer. Há muita reclamação por parte dos passageiros que precisam es-perar o ônibus, pelo grande número de pedintes. Poucos pedem comida, pois a maioria quer dinheiro. Os dias de maior movimento são os finais de semana. A circulação intensa de pedintes começa na sexta-feira, estendendo-se até domingo de madrugada. Também há um número considerável de garotas de programa que ficam por ali. Um comerciante que não quis se identificar ponderou ser ali o local que mais tem pessoas drogadas e alcoólatras no centro de Curitiba. Ele afirma que todo dia se depara com pessoas assustadas reclamando que acabaram de ser as-saltadas e diz ter pres-enciado roubos de celular. Segundo o comerciante, os traficantes que ficam no local geralmente estão bem traja-dos, sem despertarem suspeita. O segurança Valdecir dos Santos Oliveira, de 44 anos, confir-mou ter recebido voz de assalto pou-cos minutos antes. Segundo ele, en-quanto aguardava para atravessar pela faixa de segurança, o assaltante lhe deu voz de assalto, pedindo dinheiro. Val-decir respondeu em tom ameaçador: “Não tenho nada, tente fazer alguma coisa”. Felizmente, o rapaz devia es-

imaginário tenta chegar à fonte do Largo da Ordem”. Obra feita de bronze, se-parada por um bloco de granito, a Fonte da Memória possui 3 metros de altura, 1,5 metro de largura e 2,5 metros de profundidade e pesa 14 toneladas. O ruído da água que escorre da boca do cavalo é um ótimo estímulo para a distração e a reflexão, mas não é só para isso que a fonte serve. Karen Correa, frequen-tadora do local, admite: “É um bom lugar para me encontrar com meus amigos. E como todo mun-do conhece, se tornou um ponto de referência”. Como qualquer outro lugar público, a Fonte da Memória também já foi alvo de polêmicas e reclamações quando moradores e turistas diziam que a fonte fedia. Greca não gostou nada das reclamações e defendeu a escultura.

Insegurança no Terminal Guadalupe Usuários do local afirmam conviver comassaltantes, viciados em droga e prostitutas

tar sem arma e saiu correndo. O cobrador de ônibus, Ander-son Luiz Ferreira Lima, 38 anos, diz ser muito grande a movimentação de mar-ginais dentro do terminal. Ele conta que já presenciou um assalto na fila do ônibus enquanto organizava as moedas dentro do veículo. “O problema é ver e não poder fazer nada”. O autônomo José Nilton Perei-ra Vieira, 36 anos, que há dez anos tra-balha no terminal, concorda que a mar-ginalidade cresceu significantemente. Para ele, deveria haver uma viatura da Polícia, pelo menos nos horários de maior movimento. “Quando tinha o posto da polícia aqui, era bem menor o número de usuários de droga. Mas até onde eu sei fecharam o posto para reforma. Só que já jaz um ano mais ou menos e não abriram mais. De vez em quando, passa uma viatura, mas só pas-sa e vai embora, não fica aqui” De acordo com a Assessoria de Imprensa da Polícia Militar (PM), é diretriz do governo não haver mais

policiais parados em postos, como antes. Os antigos postos polici-ais, como o do Gua-dalupe, são utilizados pelos PMs apenas para efetuar a troca de turno. As viaturas podem até

circular próximo do terminal, mas não podem ficar paradas vigiando o local. A PM alega que os policiais poderão in-tervir se presenciarem alguém infring-indo a lei. A assessoria assegura que quem deve garantir a segurança do ter-minal, que é do município, é a Guarda Municipal (GM). Já a GM diz não ser ela a responsável e sim a Urbs, que, por sua vez, declara ser a PM a responsável. A Urbs informa que mantém um vigi-lante no terminal, mas ele só pode in-tervir se flagrar alguém depredando o patrimônio público.

“De vez em quando passa uma viatura, mas só passa e vai

embora, não fica aqui”

Laiz Marina

Luís Fernando Matoso

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Solidariedade, pobreza erevolta estão juntas na ruaMoradores de rua de Curitiba contam como é a vida na condição de excluídos da sociedade

Curitiba está no caminho de se tornar uma grande me-trópole e, a exemplo de São

Paulo, é dona de problemas típicos, como o dos moradores de rua. São diversas as explicações para jus-tificar o fenômeno de abandono e condições subumanas em que a maior parte dessas pessoas vive – os excluídos sociais. São muitas as histórias de fracasso, falta de oportunidades, drogas e álcool envolvendo a vida delas. Em sua maioria, são alcoó-latras. Muitos já usaram ou usam drogas. Entre eles, há os que ten-tam sair desse meio e aqueles que estão na rua por opção. É um círcu-lo vicioso de falta de oportunidade e discriminação. Nas imediações da Praça Ti-radentes, no centro de Curitiba, há uma figura caricata, conhecida por Baiano. O nome dele é Marcos Sil-va. O apelido não lhe faz jus, pois é oriundo de Fortaleza-CE, porém, isso é um detalhe sem importância no seu círculo de amizades. Ele tem 47 anos e apenas o ensino funda-mental. Já serviu o Exército e se orgulha de dizer que tem profissão: torneiro mecânico. Há cinco anos, deixou para trás a cidade natal e foi para Apucarana-PR a fim de con-seguir emprego, porém, segundo palavras dele, foi enganado por um amigo e acabou sem trabalho e sem perspectivas naquela cidade. Chegando em Curitiba, Baiano não conseguiu se estabilizar em um emprego e começou a be-ber. Diz que não tem contato com a família, mas gostaria de procurá-los e saber de suas filhas gêmeas e dos quatro netos gêmeos que afirma ter. Sua rotina se resume a procurar abrigo e alimento. Faz alguns “bi-cos” limpando jardins quando apa-rece alguém que lhe ofereça traba-

lho. “Os comerciantes da região me ajudam muito”, conta ele, alegando que muito da ajuda que recebe vem dos donos de lojas. Eles guardam seus pertences para que os agentes da limpeza pública não recolham suas roupas e cobertores. Também recebe ajuda de igrejas, que lhe dão algum alimento e roupas. Comentando a ação da Fun-dação de Assistência Social (FAS), órgão da prefeitura que presta au-xílio a pessoas em situação de risco, como moradores de ruas, viciados e vítimas de violência, ele é con-tundente: “Aquele lugar é um por-caria”. Conta que permaneceu por quatro meses em uma antiga fazen-da que a FAS mantinha fora dos li-mites da cidade, onde era realizado o trabalho de socialização daqueles que para lá eram levados. Não reclama das instalações do local, mas da índole das pessoas que ali estavam. “Lá só tem bandi-do e maconheiro”, desabafa. Sua principal reclamação é quanto ao furto e roubo de objetos, ocorridos dentro das dependências do abrigo. Por fim, diz que na rua não é mui-to diferente, por isso, mantém-se

sempre nas proximidades do cen-tro, onde procura manter contato com as demais pessoas que, como ele, vivem em situação degradante. Apesar de embriagado, a frase dita por Baiano mostra que ele tem consciência de que sua condição de vida depende, em certo grau, de seus companheiros de situação. Outro morador de rua mui-to conhecido na região é Jose Ne-osmar Silva Abreu. Aparenta uns 50 anos de idade. Diz que há cinco vive nas ruas, mas que já morou em uma casa no Alto Maracanã. Foi ca-sado, porém, devido a uma traição, largou esposa e casa para morar na rua. José limita-se a dizer que tinha família, mas não tem contato com eles. Ao contrário de Baiano, pare-ce bem mais debilitado e apresenta confusão mental. Enrolado em um cobertor e deitado sob uma marquise, diz que dormia ali para cuidar da loja, a pe-dido do comerciante dono do local. Como muitos, ele depende da soli-dariedade dos proprietários de esta-belecimentos comerciais da região. José também tem profissão: pintor

letreiro. Conta que estudou até a quarta série do antigo primário. Por questões de saúde, hoje não pode trabalhar. Recebe auxílio de igrejas e conta com a sorte. Sobre o auxílio da FAS, dis-para: “Aquilo não presta”. A refe-rência negativa dele, assim como a de Baiano, deixa claro que eles não gostam do sistema de atendimento da FAS, ou sentem-se inseguros. O assessor de imprensa da FAS, Guilherme Pinto Dala Barba, argu-menta: “A maioria das pessoas que vivem na condição de morador de rua está nessa situação por vontade própria”. A FAS apenas oferece o abrigo e serviços de higiene, porém, cabe ao assistido concordar com o atendimento. “Eles não gostam da FAS porque lá é preciso seguir cer-tas regras, e é exatamente isso que eles não querem”, alega. Segundo ele, a FAS realiza parceria e convênios com órgão particulares, como igrejas e ONGs, a fim de ampliar sua ação social. Os relatos de Baiano e José endossam essa informação. Eles comentam que muito do alimento que rece-bem vem de doações de igrejas e outros grupos de ajuda. Nos dias de inverno, algumas igrejas organi-zam mutirões para servirem sopa, arrecadar cobertores, roupas, distri-buir material de higiene e fazer en-caminhamento de casos especiais para clínicas ou abrigos. Esse tipo de ação é funda-mental para essas pessoas, pois, para muitas delas, é mais do que um auxílio material: é uma ajuda psicológica e espiritual. A Igreja Quadrangular, por exemplo, indi-ca as estatísticas referentes a uma ação realizada em 27/03/10: das 42 pessoas atendidas, 29 são do Paraná e cinco de outros estados. Apenas seis delas eram mulheres, ou seja, 86% são homens; 18 são de Curiti-ba e 11 do interior do estado.

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Ezequiel Schukes

Baiano (à esquerda) e Alemão em meio com seus pertences: “Todos aqui estão no mesmo barco”

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TRIBOSNa sociedade contemporânea, as tribos proliferam como forma de os jovens afirmarem sua identidade

Os sociológos constumam chamar os agrupamentos juvenis encontrados diariamente em gran-des cidades de ‘‘tribos urbanas”. O rock, por exemplo, reúne um grupo de pessoas para curtirem o mesmo som, entre outros interesses em co-mum, caracterizados pelas roupas escuras, camisetas estampadas com imagens de seus ídolos, acessórios como o piercing, alargadores e, é cla-ro, tatuagens. As notas melancólicas e tristes, a dança e o som da guitar-ra pesada definem o rock. Techno, pop rock, reggae, blues, rock pro-gressivo, trash metal, hard core, death metal, surf music, rockabilly e gótico dark, entre outros estilos, são adotados pelos jovens, cada um com a ideologia que o ritmo pode trazer. “Trabalho em um lo-cal que faz parte do meu jeito de ser”, conta Michel Schaffiel, de 25 anos, vendedor da loja Túnel do Rock, em Curitiba. Ele afirma que metal clássico, hard core e country americano são seus sons preferi-dos, mas que curte de tudo e gosta de variar ouvindo rock leve e pe-

sado. ‘‘Kiss, Pantera e Johnny Cash são as bandas que mais ouço”, de-clara. Ele conta também que na loja o público é diversificado, e o piercing é o acessório mais procura-do pelas pessoas em geral. Também vendedor do Túnel do Rock, Diego Mathos, há quatro meses na loja, diz que gosta muito de rock e música em geral, mas, como existem várias vertentes, há muitas coisas que não aprecia, como os es-tilos punk, emo, hip hop, reggae, rap e pós-punk. A loja, diz ele, é muito abrangente. ‘‘O que mais vende é o que está na moda, que vem sendo lançado através dos programas de te-levisão musical, como o emo e Res-tart, mais procurados por jovens e adolescentes. No rock mais pesado, a procura é de pessoas mais velhas. O movimento na loja é muito grande durante o ano todo”, explica. Os roqueiros assumidos são adeptos de shows de heavy metal, vestimentas sempre de cor preta, coturnos e cabelos longos. A socie-dade vê os amantes do rock como pessoas rebeldes, doidas, desajus-tados, viciados em drogas. A estu-dante Ana Paula Prestes, afirma que não usa roupas totalmente escuras: “Meu estilo é mais descolado. Gos-

to muito de usar acessórios de ca-veira, piercing, anéis, camisetas e All star”. Ela conta que nunca presen-ciou críticas às pessoas que curtem o rock, por mais que saiba que exis-tam. ‘‘Não se pode criticar a opção de se viver de cada um, devemos conhecê-los e não podemos genera-lizar. Existem roqueiros que amam seu estilo, a música, mas achar que todos têm um jeito rebelde de viver já é julgar a pessoa’’, defende.

O rock visto como sinal de rebeldia

Diego e Michel (à direita), na loja Túnel do Rock, escancaram o amor ao estilo

Quando uma nova geração entra em cena

Eles são impacientes, obje-tivos, individualistas, preocupados com a sustentabilidade. Para eles, a hierarquia que existia nos anos anteriores é algo de um passado distante. O objetivo da geração Y, que hoje tem entre 18 e 30 anos, é ter o que as outras gerações tinham dificuldade de conciliar: sucesso profissional e pessoal, sem esque-cer a natureza. Quando se trata de mercado de trabalho, o executivo Fabio Luis Bonatto afirma que muda de emprego logo que percebe que há outro com maior possibilidade de crescimento. “Se estou em uma empresa, mesmo que há pouco tempo, e aparece um emprego em que eu vejo que posso ter um melhor resultado a curto pra-

zo, não penso duas vezes. Já peço demissão do atual, sem medo da ins-tabilidade ou da mudança”, destaca. Em uma entrevista para a re-vista Galileu, a psicóloga Tânia Ca-sado, coordenadora do Programa de Orientação de Carreiras (Procar) da Universidade de São Paulo diz que os jovens da geração Y “já vieram equi-pados com a tecnologia wireless, con-ceito de mobilidade e capacidade de convergência”. Essas pessoas também são multitarefas, fazem várias coisas ao mesmo tempo e não vêem dificuldade alguma nisso. A estudante Nicole Petri é um dos exemplos. “Quando estou no computador, fico fazendo trabalhos para faculdade, vendo meus e-mails, vendo alguma série, postando no Twitter, lendo blogs, quase sempre isso tudo junto.” E mais: eles não conseguem imaginar vi-

ver sem o mundo virtual. Quando o assunto é sustenta-bilidade, a geração Y é engajada. Ela já nasce pensando no amanhã e com isso acaba debatendo o assunto meio ambiente. “Todas as pessoas que têm um plano, nem que seja apenas para elas mesmas, devem se preocupar com a sustentabilidade. Pensar em como estaremos e como será nosso mundo no futuro é dever de todos”, afirma Nicole. Apesar de serem considera-dos um tanto preguiçosos e indivi-dualistas, essas pessoas se preocu-pam com o coletivo, mas de forma diferente das gerações anteriores, como aconteceu com a geração X (1961-1979), a considerada “gera-ção perdida”, que foi obrigada a se conformar com o modo de vida im-plantado durante a Guerra Fria.

Jovens do Jucac reunidos para mais uma tarde de louvor

Claudiane dos Santos

Juliani Flyssak

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TRIBOSNa sociedade contemporânea, as tribos proliferam como forma de os jovens afirmarem sua identidade

Aplicação subcutânea reali-zada através de introdução de pig-mentos por agulhas. Mais do que a definição dada pelo dicionário, a tatu-agem é uma expressão de personali-dade para os cultuadores dessa arte que ultrapassa barreiras, minimiza preconceitos e atinge todas as cama-das da população. Ainda há alguma restrição por parte de algumas pessoas que não vêem com bons olhos essa alte-ração no corpo humano por meio de um desenho permanente. Algumas instituições e empresas também são definitivamente contra os tatuados. Já outras, principalmente ligadas à juventude, não encontram nenhum problema, pelo contrário.

É o caso de algumas lojas de artigos esportivos (como as de surfe), ou musicais, entre outras. O coorde-nador de call center de uma empresa de telefonia em Curitiba, Fernando Castilho, de 36 anos, alega que a contratação de jovens com desenhos no corpo não interfere negativamen-te. “Assim, ocorre uma interatividade entre os funcionários. Cada um tem seu estilo, e eles se dão muito bem, lidando com as diferenças existentes aqui e lá fora”, explica. O vendedor Plínio Martini, de 19 anos, tem sete tatuagens. Entre elas, uma pimenta no punho, um par de asas nas costas, estrelas perto da orelha, um gato no braço esquerdo, os naipes do baralho na perna direita, cada uma com um significado e uma história. Ele fez a primeira escondido da mãe quando tinha 17 anos: seu próprio nome escrito nas costas, pou-co abaixo da nuca. “Ela demorou um ano para descobrir e quando perce-beu eu já havia feito mais três. Ficou apavorada, disse que isso era coisa de marginal e drogado. Hoje ela já aceita numa boa, tanto que também fez uma

TATUAGEM, ARTE VIVA GRAVADA NO CORPOPolliana Bianchini

no ombro, uma flor de lótus com um beija-flor. Mas ela ainda implica com os meus brincos”, relatou o jovem, que pretende fazer mais oito tatuagens. Já a estudante Karin Hanke, de 20 anos, é contra essa cultura. “Não concordo com essa demonstração de personalidade retratada por uma tatu-agem. São minhas atitudes que com-

põem minha identidade, não preciso carimbar minha pele para exaltar mi-nhas ideologias”, argumenta. Essa arte existe há mais de 3.500 anos e desde então só vem crescendo. Prova disso são os es-túdios sempre lotados por aqueles que buscam fazer a primeira ou mais uma tatuagem.

Plínio esbanjando algumas de suas tattos, inclusive o seu próprio nome tatuado

O que para outros é menos, para grupos religiosos é mais

É possível levar uma vida regrada, sem baladas, sem bebidas alcoólicas, em plena juventude? Para os frequentadores de grupos de jo-vens cristãos com idade entre 15 a 25 anos, sim. É o caso do estudante de Pedagogia Eric Jean Santos, que participa do grupo de jovens da Igreja Católica Sheliah (que significa “envia-dos por Deus”), em Campo Magro, na Região Metropolitana de Curitiba, e de Jéssica Mariano, também estu-dante, que participa do grupo Jovens unidos cultivando o amor de Cristo (Jucac), da Igreja Batista Betel. Jéssica conta como foi sua a decisão de participar do grupo. “Não houve um momento certo em que decidi participar. Um dia, senti certa diferença naqueles jovens, comecei a me enturmar e de repente, quando

vi, já estava fazendo parte do grupo. Foi uma escolha minha. Eles me cha-mavam sempre para participar, mas nunca tive interesse. Quando pintou a vontade, entrei”. Já para Eric, a deci-são se deu após ele ir ao retiro jovem “Eu quero é Deus”. Desde então, ele participa do encontro do Sheliah to-dos os sábados. “Temos os cultos às terças, quintas, sábados e domingos. O culto jovem geralmente acontece no sába-do. Nos reunimos na igreja mesmo, ou às vezes, nas casas uns dos outros. Não rezamos e sim oramos, pois orar é o mesmo que falar com Deus, deixar ele falar com você e também agrade-cer por tudo que ele fez. Também ado-ramos com louvor, danças, teatro... Não existe uma maneira fixa de se co-municar com o Criador, pois cada um de nós é livre para adorá-lo da maneira que quer”, ressalta Jéssica.

Mesmo em religiões diferen-tes, os jovens cristãos são seme-lhantes em se tratando de compor-tamento. Eric cita uma passagem bíblica – “Tudo posso, mas nem tudo me convém’’ – para lembrar que um jovem, para ser cristão, não precisa deixar de ser jovem, mas deve en-tender que para ser feliz não preci-sa de bebidas, cigarros ou qualquer tipo droga. “É preciso renunciar a si mesmo e viver para Deus, abandonar coisas que não convêm a um cristão para darmos bom exemplo. Não pre-cisamos de bebida, droga ou sexo para sermos felizes. Claro que depois do casamento o sexo não é pecado. Muitos acreditam que um cristão só faz sexo para se reproduzir, mas não, cristão também sente prazer’’, com-pleta Jéssica. Para chamar a atenção dos adolescentes e falar a mesma lingua-

gem que eles, os grupos promovem eventos como festivais de música, shows, bailes cristãos, peças de te-atro e retiros, nos quais a intenção é mostrar que é possível se divertir par-ticipando de atividades sadias. Para muitos jovens da sociedade atual, esse tipo de comportamento é consi-derado “careta’’, ainda mais quando a questão é namoro. Esse tipo de re-lacionamento, normalmente, só vem a acontecer entre dois jovens cris-tãos engajados nesse grupos após um longo período de conhecimento dos dois. Quando duas pessoas es-tão se gostando, entram em uma amizade especial justamente para conhecer melhor um ao outro. Só de-pois de muito orar e pedir confirma-ção de Deus, eles falam com os pais, o pastor ou o coordenador do grupo e então iniciam o namoro. Sexo, só depois do casamento.

Jovens do Jucac reunidos para mais uma tarde de louvor

Simone Leal

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MARCO ZERO Curitiba, outubro de 20108

Quando o comum se torna especial

Rafael Gobi tem 24 anos e trabalha há cinco como empacotador no supermercado Mercadorama, no centro de Curitiba. Também faz parte de sua

rotina empilhar as cestinhas do mercado e organizar os carrinhos de compras. Ele parou de estudar na 4ª série do primário e está no seu primeiro emprego. Sonha em ter um carro e uma casinha na praia. É uma pessoa bem quis-ta pelos colegas de trabalho e diz ser tratado com igualda-de por todos. Uma história comum, exceto pelo fato de Rafael ser portador da síndrome de Down.

A Lei de Cotas (Nº 8.213/91), existente desde 1991, colocou Rafael e muitas outras pessoas com algum tipo de deficiência no mercado de trabalho. Por força dessa lei, as empresas que têm mais de cem funcionários são obrigadas a reservar parte de suas vagas para deficientes. Quanto maior for o número de funcionários, maior deve ser a porcentagem de vagas para esses empregados.

Profissionais da Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP) contam que, ao contrário do que mui-tos podem pensar, tais empresas é que disputam a con-tratação de pessoas deficientes, e não o oposto. “O Mi-nistério Público fica em cima das empresas para a lei ser cumprida”, relata um funcionário da ADFP que preferiu não se identificar. “Há uma multa alta para a empresa que não cumpre essa lei, e as que cumprem podem ganhar desconto no Imposto de Renda”, explica. A ADFP capta recursos para se manter e é conveniada com algumas em-presas, entre elas, a Copel e os Correios.

“Pessoas deficientes não pedem tratamento es-pecial”, diz a psicóloga e assistente social Andréa Re-gina Macedo, de 44 anos. “Claro que é preciso levar em conta os cuidados especiais que cada uma delas necessita, mas, de forma geral, o que elas desejam é

serem tratadas com igualdade, com respeito”.Essa é a opinião também de Helena Bueno, 49 anos,

que trabalha como voluntária com crianças excepcionais. Na opinião dela, o que há de mais comum entre as crian-ças, deficientes ou não, é o quanto elas sonham com o que vão ser um dia. “É preciso pensar com carinho nessas pessoas e não esquecer que elas precisam de oportunida-de e não de pena”, defende Helena.

Em se tratando de oportunidades, na internet tam-bém é possível encontrar serviços de grande utilidade para os deficientes. O site deficienteonline.com.br apre-senta artigos pertinentes às dificuldades que portadores de deficiência encontram no cotidiano e também conta com um banco de dados que auxilia no direcionamento deles para o mercado de trabalho. O interessado deve se cadastrar e informar seus dados pessoais, tais como esco-laridade e o tipo de deficiência que apresenta.

No cadastro, deficientes auditivos devem informar se sua surdez é moderada, acentuada ou grave. O mesmo devem fazer os deficientes visuais, indicando o grau de sua visão (que pode ser baixa ou cegueira total), assim como os deficientes físicos precisam informar especifica-mente quais são suas limitações e se necessitam de alguma adaptação no local de trabalho. Para os deficientes men-tais, fatores como capacidade de comunicação e habilida-de social também são indagados no cadastro, de forma que eles possam ser direcionados para vagas adequadas a eles e seus contratantes.

Pequenas empresas e pessoas físicas em geral tam-bém podem ajudar os portadores de deficiência. A ADFP está localizada na Rua XV de Novembro, 2.765 (Curitiba-PR) e precisa de serviço voluntário, assim como doações em dinheiro, roupas e utensílios.

Rafael Gobi, portador de síndrome de Down, é um dos bene-ficados pela lei de cotas para os portadores de deficiência.

Rafael Gobi trabalha como empacotador em um supermercado de Curitiba

Wagner Bitencourt é um jovem de 24 anos portador de uma doença congênita que o deixou cego aos 15 anos. Ele conta que ao com-pletar 11 anos, em 1997, teve o primeiro avanço da doença, ficando parcialmente impossibilitado de enxergar. “Doença de retina ainda é pouco estudada. Não muito esperançosos, meus pais começaram a me preparar. Colocaram-me em um curso de Braille e Orientação e Mobilidade, ou seja, comecei a andar com uma bengala para já ir me acostumando”, relata. Apesar das dificuldades enfrentadas, Wag-ner ingressou na faculdade para cursar Filosofia. “Eu sou bem curioso e escolhi Filosofia por ela ser, como eu chamo, a mãe da ciência”, explica, entre sorrisos. A faculdade não possui uma sala especial para ele ou outros com a mesma deficiência, mas eles contam com o Núcleo de Apoio aos Porta-dores de Necessidades Especiais (Napne). Wagner diz que faz muitos trabalhos da faculdade e, com relação às matérias, o Napne as escaneia para que, por meio de um programa de computador chama-do Jaws, conhecido também como leitor de tela, ele possa ouvir todo o conteúdo. Wagner comenta que “falta conhecimento das pessoas sobre o assunto. Elas pensam que de-ficiência visual é deficiência mental, e até professo-res não sabem lidar com a situação”. Além de ir à faculdade, Wagner dá aulas de violão, guitarra e bateria para iniciantes. Todos os dias, ele pega dois ônibus para ir à faculdade e confessa que sente dificuldade em se mover e se orientar na cidade. Para saber o ônibus correto, geralmente há pessoas perto que o ajudam. “Mas uma vez eu estava só, estendi a mão, e o ônibus não parou. Penso que ele deveria ter parado e me informado que ônibus era aquele”. De acordo com o gerente de operação da Urbs, Luiz Filla, além de isenção de tarifa, o defi-ciente também pode ter a autorização para entrar no ônibus com um cão guia. A Urbs informa que motoristas e cobradores são treinados e prepara-dos para auxiliar os portadores de necessidades es-peciais, caso estejam sozinhos, no que for preciso. Filla afirma que, para um melhor uso do transporte coletivo pelos portadores de necessi-dades especiais, a partir de 2007, tornou-se obri-gatório, por determinação federal, que todos os ônibus tenham elevador para facilitar o acesso, já que um cadeirante ou alguém com dificuldades de andar, por exemplo, não consegue subir pelas escadas. A previsão é que, até junho de 2011, 60% da frota esteja renovada. Em 2014, todos os ôni-bus deverão ter o elevador.

Um olhar cego sobre um mundo que enxerga

Diego Gianni

Keyla Rocha

INCLUSÃO SOCIAL

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Curitiba, outubro de 2010 MARCO ZERO 9

Cabe no BolsoCheios de trincas

e rachaduras

Na complexa composição das paisagens urbanas, eles se erguem rumo aos céus da

cidade como verdadeiros fantasmas. Assombram não somente pelo aspec-to físico, cheios de trincas e racha-duras, mas também pelo perigo que representam – muitas vezes ignorado – de um desabamento. Sustentam pa-redes marcadas pelo cinza enegrecido da fuligem dos dias, meses e até anos de descaso. Nessas condições, estão diversos prédios de Curitiba, com si-nais visíveis de que uma hora ou outra ruirão. Alguns deles são centenários, já outros, não tão velhos, permane-cem como construções estagnadas por irregularidades.

Na Rua Riachuelo, bem no co-ração da cidade, há pelo menos três prédios em condições de abandono. Um deles, entre as ruas São Francisco e Treze de Maio, de arquitetura antiga, apresenta uma estrutura bastante pre-cária: as paredes estão rachadas, e as sacadas com peitoril de ferro parecem apoiadas unicamente por troncos de madeira um tanto escurecidos.

Mesmo inspirando pouca con-fiança, as pessoas passam exatamente embaixo das sacadas, ignorando o pe-rigo de a qualquer momento aconte-cer a queda de parte da estrutura ou mesmo dela toda. Questionado se não sentia medo de passar pelo local, dadas as condições do prédio, Francisco Fá-bio Lima Rodrigues diz: “Medo tenho sim, mas só agora que eu observei, já que a vida é corrida. A rua passou por uma revitalização, está tão bonitinha a calçada, assim como o asfalto e os outros prédios do lado, e não poderia estar assim, não é mesmo? Tinha que estar caprichadinho”.

Situação mais complicada viveu Otília, proprietária da Casa Hilú, loja de tecidos ao lado da construção. Segundo ela, a situação de abandono do prédio já conta uns dez anos. “O lugar virou moradia de maloqueiros. Eles invadiam, subiam até o telha-

do e estendiam roupas lá. Uma vez, chegaram até a colocar fogo no lu-gar”, conta.

Otília conta que, após uma re-clamação, foi colocado um tapume no lugar, mas a coisa só piorou. Os invasores passaram a fazer o espaço entre o tapume e a parede do prédio de banheiro público: “O cheiro de fe-zes e urina era insuportável. Eu tinha que chegar cedo todos os dias e lavar o local. Após reclamação, a Prefeitura enviou algumas vezes um caminhão pipa para lavar o local”.

Ainda conforme a comerciante, certa vez caiu um pedaço da constru-ção na rua que por poucos centímetros não acertou uma senhora que passava pelo local. “O prédio teve muitas pro-postas, como a de ocupar o seu espa-ço com uma escola de música, mais tarde a de abrigar uma faculdade, mas nenhuma delas vingou”. Questionada a respeito da segurança da construção, ela diz que vez por outra os engenhei-ros aparecem para vistoriar, mas que apenas fica nisso.

Não muito longe dali, precisa-mente, entre a Praça Tiradentes e o Largo da Ordem – ambos pontos tu-rísticos da cidade – há outro exemplo de abandono. Trata-se do prédio situ-ado atrás da catedral de Curitiba, na esquina da José Bonifácio com a rua Padre Júlio de Campos, onde antiga-

mente funcionava uma loja de ferra-gens. O prédio, em condições precá-rias, tem suas paredes sustentadas por um andaime construído em ripas de madeira cuja aparência é quase tão ruim quanto a construção que ele sus-tenta. Quem caminha pela Padre Júlio de Campos dificilmente deixa de per-ceber o odor de fezes e urina exalan-do do lugar que virou banheiro públi-co, resultado do tapume colocado há pouco tempo no local.

Um dos feirantes que trabalham no local e que não quis se identificar diz que “o prédio está nessas condi-ções já faz uns dez ou 15 anos”. Acer-ca das condições pouco confiáveis do andaime composto por ripas escure-cidas que dão a impressão de estarem podres, outro feirante diz que “os res-ponsáveis pelo prédio vieram há pou-co tempo atrás, trocaram meia dúzia de ripas e foram embora”. Eles dizem ainda que antes havia uma família morando e cuidando do prédio, mas depois foram embora, e os drogados invadiam a construção, inclusive che-gando a morrer gente lá dentro.

Questionados se o aspecto do prédio causa algum problema para o comércio no local, um deles argumen-tou que, “se não fosse a aparência da construção, haveria muito mais pesso-as circulando no local e consequente-mente muito mais comércio”.

--------------Bienal do Design

• Acontece em outubro a Bienal Brasileira de Design 2010 no Me-morial de Curitiba. A exposição Design Urbano: Uma trajetória do arquiteto, urbanista e admi-nistrador Jaime Lerner apresenta projetos feitos para cidades, como o Ligeirinho, o programa Lixo Que Não É Lixo, a Rua Portátil e os Dock-Docks, veículos elétricos compactos.

Local: R. Claudino dos Santos, 79Entrada GratuitaHorário: terça a sexta, das 9h às 18h; sábado, domingo e feriados, das 9h às 15hInformações: (41) 3321-3328

----------------Passeio Público

• Um dos parques mais antigos de Curitiba, o Passeio Público ofere-ce entretenimento para o público. Apontado pela Gazeta do Povo como o parque mais indicado para visitar em Curitiba, tem como atra-ções duas pistas de corrida, restau-rante, playground para crianças, três lagos, 40 animais e aquário com mais de 30 espécies de peixes.

Local: R. Presidente Faria, S/NEntrada GratuitaHorário: das 8h às 18hInformações: (41) 3240-1116

-----------------------Hum Café

• O Hum Café é ponto de encon-tro de curitibanos que apreciam um bom café colonial com mais de 50 itens, incluindo pães, bolos, tortas, biscoitos e geléias, além de cafés, sucos, chás e refrigerantes. No al-moço, os clientes contam com um buffet de comida variada com 15 pratos frios, dez pratos quentes e saladas.

Local: R. Emiliano Perneta, 665Ingresso: R$ 10,00Horário: terça a domingo, das 8h às 18h

Prédios antigos e mal cuidados, no centro da cidade, colocam em risco a segurança de quem vive ou circula nas proximidades

José Rogério Barbosa

Henrique Rigo

Prédio na Rua Riachuelo é um elemento estranho na rua que acaba de passar por revitalização.

José Rogério Barbosa

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MARCO ZERO Curitiba, outubro de 201010

O jornalista Felipe Pena e o escritor de terror André Vianco participam deum bate-papo sobre literatura pop, livros acadêmicos chatos e vampiros

CULTURA

Alguém já o reprimiu porque você lê os livros de Stephanie Meyer ou de Stephen King? Já se sentiu

deslocado porque não gosta dos livros de autores da Academia, porque acha a lin-guagem incompreensível? Não se depri-ma, pois a conversa a seguir tem a intenção de esclarecer de uma vez por todas que li-teratura de entretenimento também é lite-ratura, mas com uma linguagem simples e histórias mais fantasiosas e atraentes. É um gênero que a cada dia se fortalece mais no Brasil e que veio para ficar. Num bate-papo realizado na Bienal do Livro do Paraná, em Curiti-ba, no mês passado, cujo tema foi “Li-teratura de entretenimento pop, que gê-nero é esse?”, dois escritores de perfis díspares foram convidados a responder essa pergunta e discutir outros assun-tos relacionados ao tema.

Não é crime Que gênero é esse, André Vian-co? O escritor de fantasia e terror mais vendido do Brasil, autor de títulos como Os sete, Sétimo e Turno da noite, entre ou-tros, responde: “É literatura de entrete-nimento. Mas é literatura.” Vianco conta que fica assombrado quando as pessoas lhe perguntam como ele se sente sendo autor de um gênero tão comercial. “É como se fosse um crime”, declara bem humorado. E para justificar sua escolha por livros de fantasia conta que cresceu lendo histórias de terror e vendo filmes com teor fantástico. Um dia, percebeu que poderia criar e contar histórias mais fascinantes do que aquelas que lia e assis-tia na TV. “As pessoas adoram histórias sombrias e fantásticas. Então, não sou comercial, sou apenas um escritor que gosta de escrever sobre esses assuntos”, revela o autor que já tem mais de uma dúzia de livros lançados e mais de 700 mil exemplares vendidos. Para o escritor, psicólogo e jor-nalista Felipe Pena, autor de oito livros acadêmicos e dos romances O analfabeto que passou no vestibular e o recém lançado O marido perfeito mora ao lado, literatura de en-tretenimento não é passatempo, é sedução pela palavra. “Toda literatura é entreteni-mento. Mas existe um grande preconceito com a palavra entretenimento. Como se fosse um pecado ler e se divertir com um livro. O fato de entreter não significa que o livro não cause reflexão”, argumenta.

Os pseudo-gênios Felipe Pena alega que há um grande problema na literatura contem-porânea: os escritores não escrevem para serem lidos, mas para serem estudados pela Academia. “Está vendo o que eu fiz? Você não entendeu nada, mas olha como sou genial”, debocha o autor ao se referir aos textos de difícil compreen-são, às vezes com a ausência de ponto, vírgula ou parágrafo, mas que são consi-derados geniais e ganham todos os prê-mios do ramo literário: “Prêmio Jabuti, Tartaruga....”, brinca o escritor, que diz que durante o seu doutorado em litera-tura aprendeu o que não fazer ao escre-ver um livro. É sabido que nos dias atuais, em relação aos clássicos da literatura nacio-nal, como A moreninha, de Joaquim Ma-nuel de Macedo, as pessoas têm uma per-cepção diferente daquela do tempo em que a obra foi publicada. É um romance que hoje não é visto como um livro de entretenimento. “Trata-se de um pro-cesso natural pelo qual passam as obras literárias”, explica Vianco. Ele acredita que seus livros têm a tendência de serem vistos de forma distinta no futuro. Ele revela que já tem um livro seu sendo es-tudado. A obra A casa, segundo o autor, já foi adotada por uma diretora de língua estrangeira da Força Aérea Americana para fazer um estudo do gótico na língua portuguesa. Falando em obras clássicas, Ma-chado de Assis também foi citado na con-

Literatura de entretenimento

versa. O autor é mencionado por Pena em um desabafo disfarçado de recomen-dação: “É um absurdo oferecer um livro de Machado de Assis para uma criança ou um adolescente. A criança tem que ler algo para se divertir, ou ela ficará trauma-tizada”, diz o jornalista, ressaltando que não desmerece o autor, mas justifica que existe um tempo certo para determinadas leituras. É verdade, Pena não está exage-rando, pois as crianças não estão prepara-das para a linguagem machadiana, e isso pode até causar um “trauma”.

Uma maldição O autor de O marido perfeito mora ao lado – que não é um livro de auto-ajuda, embora se possa encontrar a obra nessa seção em algumas livrarias, mas Pena não se importa com isso – diz que a grande maioria que lê seus livros aca-dêmicos também lê seus romances. Pro-va disso são os e-mails que recebe e que faz questão de responder pessoalmente, assim como os recados dos leitores cole-cionados por ele. O escritor critica ainda a forma como as obras acadêmicas são escritas e se orgulha de ter logrado rom-per esse estilo. Se você é estudante, ou já foi algum dia, se identificará com o comen-tário do jornalista: “Aposto que muitos que estão aqui já pegaram um livro na faculdade, leram e não entenderam nada e depois foram perguntar ao professor o que o autor quis dizer. E o professor res-pondeu: ele quis dizer isso, isso e isso. E

você se pergunta: então por que ele não disse isso, isso e isso?” Era perceptível na expressão das pessoas presentes no Café Literário que todos já tinham passado por alguma situação parecida e concordaram com o escritor quando ele disse que os livros acadêmicos são herméticos, de lingua-gem difícil. E não parou por aí. Pena contou ainda que narrativa é também uma estratégia de poder. Ele argumen-tou que quando alguém entende um li-vro acadêmico e aquela linguagem que muitos não entendem, essa pessoa pre-cisa dissecá-lo para aqueles menos sá-bios, e isso significa que ele tem poder e o outro não. “Rebelei-me um pouco contra isso. Meu livro Teoria do Jorna-lismo é um livro acadêmico, mas é escri-to em primeira pessoa, falo sobre teorias e teóricos, mas uso exemplos da minha profissão como repórter”, afirma o es-critor, que, assim como seu amigo Vian-co, sabe muito bem o que o leitor espera encontrar numa obra: uma linguagem acessível, prazerosa e simples.

Vampiro à brasileira “Escrevi Os sete – livro sobre vampiros – em 2000. A Bella – protago-nista da saga Crepúsculo – estava no jar-dim da infância”, diz Vianco em relação à pergunta que muitas vezes lhe fazem sobre se a saga vampiresca teen o influen-ciou a escrever sobre as criaturas da noi-te. Vianco admite que leu o primeiro livro da saga, Crepúsculo, e que, apesar de elo-giar a escrita da autora Stephanie Meyer, diz que seus dentuços são muito doces. “Já os vampiros brasileiros são mais ma-chos”, diz o escritor brincando ao se re-ferir aos personagens de suas obras de fantasia. Vianco – que tem a obra O fim da infância, de Arthur C. Clarke, debaixo do travesseiro – revela que não se inco-moda com o sucesso de suas histórias ter tido a pequena ajuda da série escrita por Meyer. No final da discussão, Felipe Pena – cujo livro de cabeceira é O erro emocional, de Cristóvão Tezza – faz ques-tão de pronunciar que é imprescindível o apoio da mídia à literatura de entreteni-mento. “A crítica literária precisa enten-der esse fenômeno, pois autores como André Vianco vieram para ficar”, diz o jornalista, que ainda deixou todos curio-sos ao informar que Vianco e ele estão providenciando uma grande surpresa para o final de ano.

Vianco e Felipe Pena durante o Café Literário, na Bienal do Livro do Paraná

Eliaquim Júnior

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Curitiba, outubro de 2010 MARCO ZERO

Eu pegava o ônibus ainda um pou-co vazio, quase no início da linha. Antes de entrar, sempre examinava

os vidros e as portas. Quanto mais espaços em branco visíveis, maior era a chance de eu en-trar. Aquele mar de gente que enchia os ônibus formava sempre uma massa escura fácil de ser identificada e reprimida. Eu não entro em ôni-bus cheios. Era cedo... Faltavam dois minutos para as 18h. Os trabalhadores ainda desliga-vam seus computadores, guardavam suas ferra-mentas e tiravam seus uniformes enquanto eu já estava dentro do tubo, imponente, na primeira da fila. Que fila? Agora já começavam a chegar. Pri-meiro, uma moça de sandálias rasteiras. A sola branca do pé manchava a pele cor de chocolate que desenhava a unha do dedão. Pele grossa, ressecada, dura. Nem precisaria de sandálias. Antes assumisse e andasse descalça que estaria mais protegida. Chega um rapaz de terno e bol-sa de couro. Alto, elegante, bem apessoado. Paga a passagem com o valor máximo. Uma nota de 20 novinha em folha. Um homem de 50 anos, usando um boné com o número 13 e o nome de Dilma es-tampado em letras amarelas, trajando uma ca-misa puída e calças de moleton, está do lado de fora, colocando as mãos no bolso em um ato de desespero. De tempos em tempos, junta todas as moedas na palma da mão, separando-as para um lado e para o outro em uma conta que só mesmo ele ou Deus para entender. Mais cinco pessoas vão enchendo o tubo. Entra uma jovem, de uns 25 anos. Bela, longos cabelos loiros, grandes olhos negros en-feitados com cílios curvos como de uma boneca. Usa salto alto, calça justa, blusa decotada que deixa à mostra os grandes seios siliconados. Vê-se pela bolsa que é universitária e estuda em uma universidade particular, paga, cara. Ela parece deslocada naquele ambiente, como se o único motivo por que estivesse andando de ônibus fosse seu carro estar na revisão e todos os seus amigos e parentes não a poderem levar ao seu destino. Entram mais pessoas. Chega o ônibus. Vou direto para a porta 4, já me prevenindo con-tra os futuros e inevitáveis congestionamentos de pessoas. Alguns companheiros de tubo parecem pensar como eu e ficam perto da porta de desem-barque, até onde alcança minha visão. Uma jovem ao meu lado me chama a atenção. Encostada sobre um cano, parece não se mover com o balanço do veículo. Sua expres-são, de tão estática, chega a assustar. Ela parece triste, braba, irritada, difícil definir. Fácil era sentir uma vontade incontrolável de consolá-la, de dizer que ela logo logo estaria em casa. Foi então, durante esse ímpeto de be-

nevolência, que comecei a notar seu perfil, úni-ca parte de seu rosto visível de onde eu estava. Devia ter uns 20 anos, era morena, prendia os cabelos no alto da cabeça, e a franja estava pre-sa para trás, formando um topete. Tinha olhos amendoados, grandes e verdes, contrastando com a pele levemente bronzeada. Os lábios eram carnudos, sensuais, e algo dizia que um lindo sorriso escondia-se por ali. Era tão linda! Como eu queria ver seu rosto inteiro, de frente. Fiquei alguns mi-nutos com o olhar preso nela, até que desisti. Nada no mundo a faria virar o rosto. Um celu-lar toca. É um daqueles toques antigos de mú-sica clássica, tipo Beethoven. Eu procuro pelo dono do celular, mas fui lenta demais. O telefo-ne já havia parado de tocar. O ônibus pára em uma estação, e a sensação é de que dezenas de pessoas foram desovadas ali. Já são 18h04min, e o ônibus está cheio, lotado. Mesmo próxima a porta 4, três pes-soas disputam meu humilde lugar. Não se im-portam com minha presença. Faço manobras para evitar o máximo de contato corporal possível, mas parece tão difícil quanto plantar uma bananeira por ali. De repente, sinto a mão de um homem tocar repentinamente meu dedo, e, como reflexo, tiro-o imediatamente. O senhor de 50 anos, com o boné da Dilma, me olha constrangido e pede desculpas. Ele passa o resto do trajeto fazendo mil e uma macaqui-ces, concentrando-se para não encostar mais em mim. O senhor de camisa puída. O telefone toca novamente, aquele com o toque do Beethoven. Me distraio por alguns segundos e, quando vejo, aquele homem elegante de terno e bolsa de couro está falando ao celular. Um celular velho, meio carcomido, feio. Quando noto que suas unhas combinam muito bem com o estado do celular, vejo que sua calça social está cheia de furinhos feitos por traças, e a bolsa de couro está toda desgastada. Enganou bem. Aliás, a bela jovem loira universi-tária foi flagrada coçando os ouvidos e, logo em seguida, roendo as unhas. Talvez ela tenha esquecido o álcool gel dentro do porta-luvas do carro na revisão. Mais uma parada. Estação Cen-tral. Como uma maré, várias pessoas deixam e várias entram no ônibus. Foi no meio desse movimento que, discretamente, a bela menina misteriosa ao meu lado se dirigiu para a saída e eu tive uma das maiores decepções. A garota de perfil lindo tinha os lábios tortos, olhos caídos e um queixo um tanto quanto avantajado. Resu-mindo: era feia, muito feia. Porém, poderia ser uma modelo de perfil. Decepcionada, eu me viro para a jane-la e não me movo enquanto não chego onde tenho que descer. Chego em casa pensando que deve-riam proibir os passageiros de ficarem olhando uns para os outros. É impossível, eu sei. Nesse dia, fui dormir triste... envergonhada e triste.

CONTO11

O que há de maisíntimo em público

ESTANTE PARANAENSE

1822 (2010)Laurentino Gomes

O escritor maringaense continua em 1822 a aventura pela história do Brasil iniciada em 1808, best-seller nacional lançado em 2008. Agora o jornalista conduz o leitor numa viagem pela Independência do Brasil. A obra cobre um período de 14 anos, entre 1821, data do retorno da corte portuguesa de D. João VI a Lisboa, e 1834, ano da morte do imperador Pedro I. Graças ao escritor, a história do Brasil está na moda. Devido ao sucesso de 1808, outros li-vros de temáticas semelhantes estão ganhando espaço entre os leitores brasileiros. E grande parte do sucesso de seus livros deve-se à lin-guagem simples e didática, bem diferente dos livros de histórias escrito por historiadores. Go-mes já prepara seu próximo livro: 1889.

Narrativas de um correspondente de rua (2008)Mauri König O livro do jornalista Mauri König reproduz 15 das suas melhores reportagens, várias delas premiadas nacional e internacionalmente. Kö-nig, que é repórter especial da Gazeta do Povo, tem seu trabalho caracterizado pelas denúncias de violações dos direitos humanos. Na obra, as reportagens ganharam comentários do Mauri. Ele conta o processo de construção de seus traba-lhos. No caso da reportagem Infância no Limite, por exemplo, que mostra casos de abusos sexu-ais contra crianças, ele viajou por semanas pelas fronteiras do Brasil com diversos países e pelos estados do Sul. Destaque para a reportagem so-bre a família Mello. Nela, Mauri conta a história do menino cujos artelhos estavam corroídos por bichos-de-pé (foto que ilustra a capa do livro).

Trilogia Alhures do Sul (2010)Manoel Carlos Karam

A editora curitibana Kafka Edições relançou os três primeiros livros publicados por Karam: Fon-tes Murmurantes (1985), O impostor no Baile de Máscaras (1992) e Cebola (1997). As três obras formam a Trilogia Alhures do Sul. Ter seus livros reeditados era o grande sonho do escritor, que morreu antes de ver seu desejo concretizado. O escritor Paulo Sandrini, responsável pela reedi-ção, revela que fazer a obra do Karam circular é uma grande conquista. O texto de Karam é conhecido por sua ironia, riqueza de detalhes e humor: “Poderia ser a notícia de jornal sobre o homem que foi matar a sede e morreu afogado.” O relançamento é uma boa oportunidade para apreciar a obra deste escritor cuja literatura ainda é pouco conhecida.

Divulgação

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Letícia Mueller

Eliaquim Júnior

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MARCO ZERO Curitiba, outubro de 201012

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Visões incomuns de Curitiba

Nós que vivemos em uma grande cidade quase não temos chance de enxergar o horizonte. Vemos apenas prédios e mais prédios. Mas quando em algum momento temos essa chance, parece que a mente faz uma pausa. Obriga-nos a admirar aquele horizonte e nos faz lembrar que temos outras razões para viver além da correria diária. O mesmo acontece ao se observar a “cidade fervilhante” de um nível superior. É impossível não parar e refletir sobre algum aspecto diferente de nossas vidas.

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