Direito Processual Penal - Luiz Flavio Gomes

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Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes Direito Empresarial - Danilo Pereira Meneses Intensivo II Página 1 Direito Processual Penal Luiz Flávio Gomes SENTENÇA - Introdução: - os atos do Poder Judiciário podem tanto ser administrativos quanto jurisdicionais; - é cabível a nós, nesse momento, estudar de forma mais profunda apenas os atos jurisdicionais do Poder Judiciário; - os atos jurisdicionais se dividem em: despacho + decisão interlocutória + sentença ; - Despacho: - o despacho é ato de movimentação do processo; - o despacho é ato do juiz, mas a EC/45 trouxe a previsão de ser praticada por servidor, desde que haja delegação por parte do juiz; - despacho, via de regra, não admite recurso, mas essa regra cabe exceção: despacho tumultuário (ex.: juiz inverte a ordem procedimental), despacho abusivo (há patente abuso), nesses casos, admitindo o recurso de correição parcial; - Decisão Interlocutória: - é interlocutória pelo fato de não terminar o processo; - as decisões interlocutórias podem ser de três espécies: a) decisão simples -> não encerro o processo e também não encerra nenhuma fase do procedimento. Esse tipo de decisão também não decide nenhum pedido incidental (ex.: recebimento de uma denúncia); b) decisão mista não-terminativa -> é a decisão que encerra uma fase do procedimento (ex.: pronúncia no rito do Tribunal do Júri); c) decisão mista terminativa -> é a decisão que julga o pedido incidental, portanto, termina o incidente, mas não termina o processo principal (ex.: restituição de coisa apreendida; concessão de liberdade condicional em processo de execução); - recurso cabível : a regra geral é que contra as decisões interlocutórias cabe o Recurso em Sentido Estrito (RESE). Caso, contra a decisão interlocutória não caiba RESE, uma vez que a lista desse recurso é taxativa (numerus clausus), cabe apelação se a decisão é terminativa; - Sentença: - conceito de sentença no Processo Penal : sentença é o ato do juiz que põe termo ao processo, com ou sem julgamento de mérito; - a partir do conceito dado, consegue se observar 6 diferentes espécies de sentença: a) sentença terminativa -> termina o processo, sem julgar o mérito da causa, mas há julgamento de uma questão processual (ex.: sentença que acolhe a alegação de coisa julgada); b) sentença condenatória -> o juiz acolhe o pedido condenatória (ex.: sentença que condena o ladrão por um furto a pena de 3 anos); c) sentença absolutória -> é aquela que julga improcedente o pedido criminal levado à apreciação do juiz; d) sentença extintiva de punibilidade -> essa sentença não condena nem absolve, mas é capaz de extinguir a punibilidade; e) sentença que julga uma ação autônoma -> é a sentença que julga uma ação autônoma em relação à ação principal (ex.: habeas corpus; mandado de segurança);

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Direito Processual Penal – Luiz Flávio Gomes

SENTENÇA - Introdução:

- os atos do Poder Judiciário podem tanto ser administrativos quanto jurisdicionais;

- é cabível a nós, nesse momento, estudar de forma mais profunda apenas os atos jurisdicionais do Poder Judiciário;

- os atos jurisdicionais se dividem em: despacho + decisão interlocutória + sentença;

- Despacho:

- o despacho é ato de movimentação do processo;

- o despacho é ato do juiz, mas a EC/45 trouxe a previsão de ser praticada por servidor, desde que haja delegação por parte do juiz;

- despacho, via de regra, não admite recurso, mas essa regra cabe exceção: despacho tumultuário (ex.: juiz inverte a ordem procedimental), despacho abusivo (há patente abuso), nesses casos, admitindo o recurso de correição parcial;

- Decisão Interlocutória:

- é interlocutória pelo fato de não terminar o processo;

- as decisões interlocutórias podem ser de três espécies:

a) decisão simples -> não encerro o processo e também não encerra nenhuma fase do procedimento. Esse tipo de decisão também não decide nenhum pedido incidental (ex.: recebimento de uma denúncia);

b) decisão mista não-terminativa -> é a decisão que encerra uma fase do procedimento (ex.: pronúncia no rito do Tribunal do Júri);

c) decisão mista terminativa -> é a decisão que julga o pedido incidental, portanto, termina o incidente, mas não termina o processo principal (ex.: restituição de coisa apreendida; concessão de liberdade condicional em processo de execução);

- recurso cabível: a regra geral é que contra as decisões interlocutórias cabe o Recurso em Sentido Estrito (RESE). Caso, contra a decisão interlocutória não caiba RESE, uma vez que a lista desse recurso é taxativa (numerus clausus), cabe apelação se a decisão é terminativa;

- Sentença:

- conceito de sentença no Processo Penal: sentença é o ato do juiz que põe termo ao processo, com ou sem julgamento de mérito;

- a partir do conceito dado, consegue se observar 6 diferentes espécies de sentença:

a) sentença terminativa -> termina o processo, sem julgar o mérito da causa, mas há julgamento de uma questão processual (ex.: sentença que acolhe a alegação de coisa julgada);

b) sentença condenatória -> o juiz acolhe o pedido condenatória (ex.: sentença que condena o ladrão por um furto a pena de 3 anos);

c) sentença absolutória -> é aquela que julga improcedente o pedido criminal levado à apreciação do juiz;

d) sentença extintiva de punibilidade -> essa sentença não condena nem absolve, mas é capaz de extinguir a punibilidade;

e) sentença que julga uma ação autônoma -> é a sentença que julga uma ação autônoma em relação à ação principal (ex.: habeas corpus; mandado de segurança);

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f) sentença constitutiva -> essa sentença constitui uma nova relação jurídica (ex.: reabilitação criminal);

- classificação das sentenças:

I – sentença simples: é a sentença proferida por juiz singular;

II – sentença subjetivamente plúrima: sentença proferida por órgão colegiado (acórdão);

III – sentença subjetivamente complexa: sentença que depende de dois ou mais órgãos, ou seja, é um produto produzido por vários órgãos (ex.: decisão no Tribunal do Júri, uma vez que a decisão é complexa por depender dos jurados e depender do juiz; extradição);

IV – sentença material: extingue o processo julgando o mérito da causa;

V – sentença formal: extingue o processo sem julgar mérito;

VI – sentença autofágica ou de efeito autofágica: é a sentença em que o juiz reconhece o crime e a culpabilidade do agente e ao mesmo tempo julga extinta a punibilidade (ex.: perdão judicial);

VII – sentença branca: é a sentença do juiz que remete ao tribunal a decisão de uma controvérsia sobre direito internacional (não existe no Brasil1, mas já existiu na Europa);

VIII – sentença vazia: é uma sentença sem nenhuma fundamentação (evidentemente, essa sentença é nula, por não respeitar o princípio da motivação dos atos processuais – no Brasil, há inúmeras decisões vazias no que se refere à fundamentação da prisão preventiva);

IX – sentença suicida: é a sentença em que a conclusão diverge da fundamentação;

X – sentença executável: é a sentença que produz seus efeitos imediatamente (ex.: sentença absolutória);

- requisitos da sentença:

a) Relatório;

b) Fundamentação;

c) Conclusão (ou dispositivo);

d) Parte autenticativa (local + data + assinatura do juiz);

- natureza jurídica da sentença:

- segunda a corrente clássica, o juiz apenas declara o direito nesse caso (na verdade, quem cria o direito é o legislativo);

- segundo a corrente moderna, o juiz, na lacuna da lei, cria o direito (ex.: a definição de prazo máximo de 30 dias para configuração do crime continuado);

- princípio da imodificabilidade da sentença:

- segundo esse princípio, uma vez publicada a sentença, ela se torna inalterável, imodificável, imexível. Por via de exceção, pode-se modificar2 a sentença para:

a) corrigir inexatidões materiais (ex.: nome, endereço, etc.);

b) corrigir erro de cálculo;

c) embargos de declaração;

1 No Brasil, isso é vedado principalmente pelo princípio da indeclinabilidade da decisão.

2 Essa modificação pode ser feita até mesmo de ofício.

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d) advento de lei penal nova mais favorável3 (ex.: lei nova definindo a pena do crime pela metade);

- prescrição retroativa VS sentença autofágica:

- PERGUNTA: Seria a sentença que concede prescrição retroativa uma sentença autofágica? RESPOSTA: Não, uma vez que na sentença autofágica, reconhece-se a extinção da punibilidade na própria sentença. Já na prescrição retroativa, há duas sentenças distintas, ou seja, uma condenatória, e a outra distinta, reconhecendo a prescrição. O juiz não pode reconhecer a prescrição retroativa na própria sentença uma vez que o juiz tem de esperar o prazo recursal do Ministério Público – assim, se o Ministério Público não recorreu, transitou em julgado para ele, aí vem a sentença extintiva da punibilidade por parte do juiz. Mas fica claro que a prescrição retroativa pode ser conhecida em primeira instância;

- coisa julgada:

- a coisa julgada é a imutabilidade da sentença e dos seus efeitos;

- há duas espécies de coisa julgada:

a) coisa julgada formal: é a imutabilidade da sentença dentro do processo;

b) coisa julgada material: é a imutabilidade da sentença que se projeta para fora do processo. Não existe coisa julgada material sem a coisa julgada formal, uma vez que, primeiramente, a coisa julgada se dá dentro do processo;

- mesmo depois da coisa julgada, há alguma exceções, onde o juiz pode mudar o processo: inexatidões materiais + erro de cálculo + lei nova favorável + embargos de declaração;

- o fundamento da coisa julgada é a segurança jurídica;

- função negativa da coisa julgada: a coisa julgada impede novo processo sobre o mesmo fato (princípio do “ne bis in idem”);

- revisão criminal: é uma exceção a regra de que ninguém pode discutir a coisa julgada. A revisão criminal constitui em um instrumento que desfaz a coisa julgada – revisão criminal no Brasil somente pode ser realizada em favor do réu;

- a coisa julgada no Brasil (estamos referindo aqui ao Direito Processo Penal) diante do exposto, em regra é relativa (justamente por se admitir revisão criminal). Porém, pode acontecer da coisa julgada no processo penal brasileiro ser soberana (absoluta), quando a sentença for absolutória;

- hipótese em que o réu pode ser processado e condenado duas vezes validamente: no caso de extraterritorialidade da lei penal brasileira, ou seja, lei brasileira aplicada ao crime ocorrido no estrangeiro (essa parte da matéria foi dada por Rogério Sanches, no Intensivo I, quando foi falado da extraterritorialidade da lei penal brasileira);

- súmula 423 do STF: súmula 423 do STF diz que “não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso de ofício, que se considera interposto ex lege”. Para o STF, as situações de recurso ex-oficio subsistem com a Constituição de 1.988, portanto a súmula continua válida, impedindo tal recurso a coisa julgada;

- limites objetivos da coisa julgada: o que transita em julgado é a parte decisória do pedido, sendo que os fundamentos não fazem coisa julgada. Portanto, o limite objetivo da coisa julgada é a parte decisória (dispositivo). A coisa refere-se a um fato, não à uma idéia ou pensamento, assim, é o fato julgado que jamais poderá ser re-processado. O fato julgado compõe uma realidade histórica, sendo que o que se julga é apenas uma

3 Quem aplica a lei nova mais favorável? Surgem três situações: se o processo está em primeira instância, o juiz

aplica; se o processo está no Tribunal, este aplica; se o processo está em fase de execução, o juiz das execuções aplica (nesse sentido, súmula 611 do STF). Com a lei nova, o juiz readquire jurisdição para adequar a sentença à lei nova, logo, ele não vai poder rever toda a sentença, mas apenas os pontos afetados pela nova lei.

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parte da realidade histórica, mas todo a realidade histórica se torna imutável (ex.: depois da coisa julgada, não adianta falar que o “furto” teve uso de arma, pois a coisa julgada impedirá a análise dessa questão);

- concurso formal de crimes: quando uma conduta produz dois resultados, e tem-se apenas um resultado conhecido, e depois do trânsito em julgado surge um novo resultado (ex.: conhecia-se a lesão corporal em um acidente, mas depois, descobriu que ele gerou também uma morte), esse novo resultado pode ser julgado. A razão disso é que nesse caso há dois crimes distintos;

- concurso material de crimes: pense-se no exemplo de um crime de roubo e de estupro em concurso material, havendo um processo e uma condenação transitada em julgado do roubo, e depois disso, a vítima conta que também foi estuprada, o autor do fato pode ser processado também pelo estupro, sem ferir a coisa julgada, uma vez que trata-se de fato distinto;

- crime permanente: crime que se prolonga no tempo por vontade do agente (ex.: seqüestro). Não importa quanto tempo dure o crime continuado, o crime sempre será único, portanto o processo será único, assim, depois de julgado, pelo mesmo fato não poderá haver novo processo. No caso de quadrilha ou bando, que mesmo depois da coisa julgado, a quadrilha continue constituída, é impossível novo processo, uma vez que o fato não acabou (ele continua existindo, sendo o mesmo fato);

- crime de tráfico: previsto no artigo 33 da lei 11.343/06, em um crime de conteúdo múltiplo ou variado (18 verbos no tipo). Há um princípio que rege esses tipos, ou seja, o princípio da alternatividade, onde o cometimento de um verbo já incorre no tipo penal, mas também traz a regra de que vários verbos praticados no mesmo contexto fático é crime único. Assim, caso a polícia prenda o sujeito por guardar 1kg de cocaína, e depois do trânsito em julgado, encontra-se mais 100g de cocaína referentes àquela mesma cocaína, há coisa julgada que impede a re-análise do fato;

- crime habitual: é o crime que exige reiteração da conduta para a sua configuração (ex.: exercício ilegal de medicina). O réu já julgado, condenado por esse crime em trânsito em julgado, no caso de descoberta que antes da condenação o réu praticou o delito por 10 anos (e não em 1 ano) conforme a condenação, não pode haver novo processo, uma vez que o delito é único (essa regra aplica para o delito contado para trás). No caso de depois da condenação, o agente continua em outra cidade a mesma conduta, trata-se de fato novo, cabendo novo processo, sem ferir a coisa julgada;

- certidão de óbito falsa: sentença extintiva da punibilidade baseada em certidão de óbito falsa. Uma primeira corrente (STF), diz que a sentença não vale, ou seja, não se respeita a coisa julgada. A doutrina, quase que unânime, diz que a sentença é válida, devendo respeitar a coisa julgada;

- condenação prévia por crime inexistente: no caso de erro judiciário onde alguém é condenado por matar a esposa (sem ocorrer na verdade o homicídio), e depois de cumprir a pena, sai da cadeia e vai e mata a pessoa que foi a vítima do homicídio (que não existiu) pelo qual ele cumpriu pena. Como fazer nesse caso? Nesse caso, haverá processo pelo homicídio real, mas é preciso anular o primeiro processo (uma vez que houve erro judiciário), haver um novo processo e uma nova condenação (lógico, nesse caso, vai receber indenização pelo tempo que ela ficou indevidamente presa em razão do primeiro processo) – essa é a resposta juridicamente correta, uma vez que no Brasil não há crédito para com o Estado em relação ao Direito Penal;

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- limites subjetivos da coisa julgada: a coisa julgada se faz para as partes;

- absolvido “A”, poder ser processado “B” (co-réu) pelo mesmo fato? Depende do motivo da absolvição. A título de exemplo, se “A” foi absolvido por falta de provas, tal fato não impede o processo contra “B”, porém, absolvido “A” por atipicidade do fato, não pode haver processo contra “B”;

- no caso de execução contra terceiros que não fizeram parte do processo (ex.: qualquer acidente com um carro ou veículo de uma empresa, a responsabilidade civil é da empresa, assim, caberia ou não execução civil contra a empresa?), não se pode executar o terceiro que não fez parte do processo pleiteando a indenização civil, devendo a parte lesada ajuizar ação civil ex delicto;