Campo Conceitual Operacoes Aritmeticas

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MARTA SANTANA COMRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAO

INTERAO SOCIAL E SOLUO DE PROBLEMAS ARITMTICOS NAS SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Campinas/SP 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAO DISSERTAO DE MESTRADO

INTERAO SOCIAL E SOLUO DE PROBLEMAS ARITMTICOS NAS SRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Autor: Marta Santana Comrio Orientador: Prof. Dr. Mrcia Regina Ferreira de Brito

Este

exemplar final por

corresponde da

redao defendida

dissertao Santana

Marta

Comrio e aprovada pela Comisso Julgadora.

Data: ____/___/_____ Assinatura: ______________________________ Comisso julgadora: ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________ 2007

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by Marta Santana Comrio, 2007.

Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade de Educao/UNICAMP

Comrio, Marta Santana. C734i Interao social e soluo de problemas aritmticos nas sries iniciais do ensino fundamental / Marta Santana Comrio. -- Campinas, SP: [s.n.], 2007. Orientador : Mrcia Regina Ferreira de Brito. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao. 1. Interao social. 2. Soluo de problemas. 3. Aritmtica. I. Brito, Mrcia Regina Ferreira de. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educao. III. Ttulo.

07-108/BFE

Ttulo em ingls: Social interaction and arithmetic problem solving in the primary school Keywords: Social interaction ; Problem solving ; Arithmetic rea de concentrao: Psicologia do desenvolvimento Titulao: Mestre em Educao Banca examinadora: Profa. Dra. Mrcia Regina Ferreira de Brito (Orientadora) Profa. Dra. Fernanda de Oliveira Soares Taxa Amaro Profa. Dra. rica Valria Alves Profa. Dra. Lucila Diehl Tolaine Fini Data da defesa: 02/07/2007 Programa de ps-graduao : Educao e-mail : [email protected]

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Quem somos ns, quem cada um de ns seno uma combinatria de experincias, de informaes, de leituras, de imaginaes? Cada vida uma enciclopdia, uma biblioteca, um inventrio de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possveis. talo Calvino 1

1

Calvino, talo (1997). Seis propostas para o prximo milnio. So Paulo: Companhia das letras, p.138.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar a interao social em dade durante a soluo de problemas aritmticos rotineiros e no-rotineiros. O estudo tambm examina os procedimentos de soluo e a representao grfica adotada pelos participantes na soluo de problemas de estrutura aditiva e multiplicativa. Participaram deste estudo vinte e quatro alunos de uma quarta srie municipal do Ensino Fundamental. O plano emprico da investigao foi composto por um pr-teste (tipo lpis e papel) contendo doze problemas aritmticos, quatro sesses deliberadas de interao social em dade e um ps-teste com as mesmas caractersticas do pr-teste. O resultado do pr-teste tambm foi considerado na formao das dades de acordo com os nveis de desempenho: alto, mdio e baixo. Os resultados principais, interpretados conforme as proposies de Vergnaud e dos estudos de Vigotski, indicaram que a maioria dos estudantes, aps trabalharem em dade, apresentou avano no desempenho. Em consonncia com diversos estudos na rea, a interao social foi vista como um fator facilitador do desenvolvimento conceitual da aritmtica elementar veiculada soluo de problemas. As recomendaes deste estudo apontaram a interao social entre os estudantes, durante a soluo de problemas, como uma importante ferramenta no ensino e aprendizagem da matemtica.

Palavras-chave: interao social, soluo de problemas, aritmtica.

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ABSTRACT

This research had the purpose of investigating the social interaction in dyads during problem solving routine or non-routine arithmetics problems. The study also examines the procedures of solution and the graphic representation adopted by the participants in the problem solving of the addiction and multiplication structure. Twenty-four fourth-graded students, from a municipal school, took part in this study. The empiric investigation plan is formed by a pretest (pencil and paper) which contains twelve arithmetic problems, four sections deliberated of social interaction in dyad, and a post-test with the same characteristics of the pre-test. The result of the pre-test was also considered for dyad formation according to performance levels: high, medium and low. The main results, interpreted according to Vergnauds propositions and Vigotskis studies, indicate that most students, after working in dyad, presented progress in their performance. In consonance with several studies in the area, the social interaction was faced as a facilitator of the conceptual development of elementary arithmetics guided to the problem solving. The recommendations of these studies indicate the social interaction among the students, during the problem solving, as an important tool on mathematics teaching and learning.

Keywords: social interaction, problem solving, arithmetics.

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AGRADECIMENTOS Sonho que se sonha s, s um sonho que se sonha s, mas sonho que se sonha junto realidade. (Raul Seixas)

A minha orientadora Mrcia Regina Ferreira de Brito que, mais do que orientar um trabalho proporcionou muitos momentos de reflexo, de crticas construtivas ou de simples conversas, as quais se revelaram essenciais e gratificantes nos caminhos percorridos por esta investigao. Aos colegas de mestrado e doutorado que proporcionaram momentos de troca de saberes, dilogos, aprendizagem e a conquista de grandes amizades. Em especial minhas amigas de todas as horas Kelly Maia de Paula, Roseline Ardiles do Nascimento e Telma Assad Mello. A minha grande amiga Regina Estela Silva que pacientemente esteve sempre ao meu lado, acompanhou todo o desenrolar desta investigao e, muito me incentivou na concretizao deste projeto. A uma amiga tambm especial Marjorie Cristina Rocha da Silva que tive o prazer de conhecer em uma das disciplinas cursadas na UNICAMP e que com muita suavidade e dedicao auxiliou na anlise da pesquisa quantitativa deste estudo e leitura final desta

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dissertao. A Secretaria de Educao da cidade de Mogi Guau agradeo a permisso para a realizao desta investigao em uma das escolas da rede municipal de ensino. diretora, coordenadora e professora da classe onde foi realizada a pesquisa e a todos os alunos que participaram com muito entusiasmo e disposio desta caminhada, abraaram este projeto e muito colaboraram para a realizao deste estudo. professora Rosely Palermo Brenelli pela delicadeza dos comentrios e sugestes, junto ao exame da qualificao, os quais se tornaram preciosas orientaes que muito contriburam para melhorar a qualidade desta investigao. s professoras rica Valria Alves, Fernanda Oliveira Taxa e Maria Lcia Faria Moro pela disponibilidade de participar na banca de defesa e leitura atenta da pesquisa, comentrios, crticas e sugestes que, com certeza, foram de extrema importncia para aperfeioar esta pesquisa. Aos funcionrios da Faculdade de Educao da UNICAMP, muito obrigada, pelo pronto atendimento as nossas solicitaes e ajuda sempre que necessrio. A Maria de Ftima Senechal Mufalo, diretora da escola onde, atualmente, exero minhas atividades profissionais, pelo incentivo, carinho e por, muitas vezes, ter possibilitado um horrio de trabalho mais flexvel, para que enfim essa pesquisa fosse concluda. Aos meus pais, Zilda e Jos Marota, meu alicerce, pois como ningum, sempre incentivaram os estudos dos seus filhos e estiveram presentes em todos os momentos da minha vida. Aos meus irmos, cunhada e cunhados pelo carinho e incentivo sempre nas horas certas. Pelo muito que lhes devo, obrigada. Ao Joo, pessoa mpar pela qual tenho grande carinho e admirao, e que sempre incentivou meus estudos e acreditou que um dia eu estaria aqui, concluindo o mestrado. Por fim, agradeo e dedico esta dissertao s minhas queridas filhas Fernanda e Jssica por terem sido sempre o melhor estmulo para conquistar meus ideais e continuar neste trabalho, que por muitas vezes me afastou das suas companhias. Obrigada pelo amor incondicional, por agentar minhas ausncias e stress, principalmente na reta final desta pesquisa.

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SUMRIO

ABSTRACT ..............................................................................................................................ix AGRADECIMENTOS ..............................................................................................................xi LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................xvii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................xix INTRODUO ......................................................................................................................1 CAPTULO I ............................................................................................................................13 A INTERAO SOCIAL E A TEORIA DE VIGOTSKI ...................................................13 1. 2. As teorias psicolgicas e a interao social..................................................................13 A teoria de Vigotski......................................................................................................15 2.1 Processos Psicolgicos Elementares e Processos Psicolgicos Superiores.................16 2.2 Mediao, Instrumento e Signo ...................................................................................19 2.3 O uso dos instrumentos e signos..................................................................................22 2.4 O processo de internalizao .......................................................................................24 2.5 A formao de conceitos..............................................................................................26 2.6 O papel da linguagem ..................................................................................................33 2.7 Pensamento e linguagem .............................................................................................35 2.8 Desenvolvimento e Aprendizado.................................................................................39 2.9 Zona de desenvolvimento proximal.............................................................................40 2.10 O papel da escola segundo a teoria vygotskiana........................................................42 CAPTULO II...........................................................................................................................49 O ESTUDO DAS ESTRUTURAS ADITIVASxiii

E

MULTIPLICATIVAS

DA

ARITMTICA ELEMENTAR .............................................................................................49 1. A Teoria dos Campos Conceituais de Grard Vergnaud ..................................................61 1.1 Principais Conceitos da Teoria dos Campos Conceituais............................................64 1.1.1. Esquema ...............................................................................................................64

1.1.2 Conceitos ..................................................................................................................65 1.1.3 Conceito-em-ao e Teorema-em-ao ....................................................................65 1.2 Os dois principais campos conceituais da aritmtica: as estruturas aditivas e multiplicativas .......................................................................................................................67 1.2.1 Estrutura aditiva....................................................................................................68

1.2.2 Estrutura multiplicativa.............................................................................................72 1.3 A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud e a prtica educativa..........................76 CAPTULO III .........................................................................................................................79 A MATEMTICA E A SOLUO DE PROBLEMAS .....................................................79 CAPTULO IV .......................................................................................................................103 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ........................................................................103 1. Objetivos.................................................................................................................104

2. Participantes.................................................................................................................104 3. Procedimentos para coleta de dados ............................................................................105 I) Pr-teste........................................................................................................................105 II) Interao deliberada em dade ....................................................................................109 III) Ps-teste.....................................................................................................................112 4. Anlise de dados ..........................................................................................................112 CAPTULO V ........................................................................................................................113 APRESENTAO E ANLISE DOS RESULTADOS....................................................113 1. Anlise referente ao desempenho dos estudantes no pr-teste e ps-teste ..................113 2 . Distribuio quanto ao desempenho conforme os problemas rotineiros e no rotineiros do pr-teste e ps-teste...................................................................................115 3. Anlise comparativa do desempenho dos estudantes no pr-teste e ps-teste ............118 4. A evoluo dos desempenhos dos alunos em funo do tipo de dade........................120 5. Anlise quantitativa referente aos procedimentos de soluo e representao grficaxiv

adotada pelos estudantes nos problemas do pr-teste e ps-teste ....................................123 6. Anlise dos procedimentos de soluo e formas de representao grfica adotada pelos participantes nos problemas de estrutura aditiva .............................................................128 7. Anlise dos procedimentos de soluo e formas de representao grfica adotada pelos participantes em problemas de estrutura multiplicativa ..................................................137 8. Os problemas de estrutura aditiva e multiplicativa presentes nos instrumentos de avaliao do pr-teste e ps-teste: uma sntese................................................................148 9. Anlise qualitativa descritiva das sesses de interao social em dade .....................152 Fragmentos dos dilogos estabelecidos entre os participantes em situao de interao social durante a soluo de problemas aritmticos ..........................................................154 9.1 Apresentao e anlise de fragmentos de soluo em dade de problemas de estrutura aditiva...............................................................................................................................155 9.2 Apresentao e anlise de fragmentos de soluo em dade de problemas de estrutura multiplicativa ...................................................................................................................177 10. Recomendaes e discusso final dos resultados relativos interao social em dade durante a soluo de problemas .......................................................................................194 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................................201 REFERNCIAS .....................................................................................................................205 ANEXO I................................................................................................................................223 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO.........................................223 ANEXO II ..............................................................................................................................225 PR-TESTE E PS-TESTE ...............................................................................................225 ANEXO III .............................................................................................................................235 AS SESSES DE INTERAO SOCIAL: OS PROBLEMAS ........................................235 SOLUO DE PROBLEMAS EM DADE 1. SESSO...........................................237 SOLUO DE PROBLEMAS EM DADE 2. SESSO...........................................239 SOLUO DE PROBLEMAS EM DADE 3. SESSO...........................................241 SOLUO DE PROBLEMAS EM DADE 4. SESSO...........................................242

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xvi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Atividade mediada (signo e instrumento).................................................................20 Figura 2. Esquema triangular proposto por Vigotski. ...............................................................21 Figura 3. As trs categorias semnticas de problemas de adio e subtrao. ..........................56 Figura 4. Diferena estrutural entre adio e multiplicao......................................................59 Figura 5. Exemplo de diagrama proposto por Vergnaud envolvendo transformao. ..............71 Figura 6. Exemplo de diagrama proposto por Vergnaud envolvendo comparao...................71 Figura 7. Esquema estrutura multiplicativa do tipo isomorfismo de medida...........................74 Figura 8. Figura ilustrativa de problema no-rotineiro..............................................................87 Figura 9. Classificao dos problemas do pr-teste e ps-teste. .............................................107 Figura 10. Sistema de pontuao com cinco valores..............................................................108 Figura 11. Procedimento de soluo e representao grfica para o problema 1 do ps-teste .................................................................................................................................................129 Figura 12. Representao em forma de diagrama para o problema 3 do pr-teste..................131 Figura 13. Procedimento de soluo e representao grfica para o problema 3 do pr-teste. .................................................................................................................................................131 Figura 14. Procedimento de soluo e representao grfica para o problema 6 do ps-teste132 Figura 15 Procedimento de soluo e representao para o problema 8 do pr-teste ............133 Figura 16. Procedimento de soluo e representao grfica para o problema 8 do ps-teste .................................................................................................................................................134 Figura 17. Procedimento de soluo e representao grfica para o problema 9 do pr-teste 135 Figura 18. Procedimento de soluo, problema 11 do pr-teste: adio de todos os dados contidos no enunciado .............................................................................................................136 Figura 19. Procedimento de soluo, problema 11 do ps-teste: adies parciais dos dados contidos no enunciado .............................................................................................................137xvii

Figura 20. Procedimento de soluo e representao grfica do problema 2 do pr-teste.....138 Figura 21. Procedimento de soluo e representao grfica do problema 2 do ps-teste ....139 Figura 22. Procedimento de soluo e representao grfica do problema 4 do ps-teste ....140 Figura 23. Procedimento de soluo e representao grfica do problema 4 do ps-teste ...141 Figura 24 . Procedimento de soluo e representao grfica do problema 12 do pr-teste...142 Figura 25. Procedimento de soluo e representao (pictogrfica) do problema 5 ps-teste 144 Figura 26. Procedimento de soluo para soluo do problema 5 do ps-teste ......................145 Figura 27. Procedimento de soluo e representao grfica, problema 10 pr-teste: diagrama de rvore ..................................................................................................................................146 Figura 28. Procedimentos de soluo e representao do tipo correspondncia um-para-muitos .................................................................................................................................................147 Figura 29. Diagrama proposto por Vergnaud para problema de transformao ligando duas medidas....................................................................................................................................158 Figura 30. Procedimento de soluo, representao e resposta (12 km) para o problema Os sitiantes. .................................................................................................................................168 Figura 31. Procedimento de soluo, representao e resposta (8km) para o problema Os sitiantes. .................................................................................................................................169 Figura 32. Procedimento de soluo e representao do problema Os sitiantes..................170 Figura 33. Esquema de um problema do tipo isomorfismo de medida ...................................174 Figura 34. Soluo do problema Os amigos. .......................................................................176 Figura 35. Solues de duas dades para o problema Os amigos. .......................................176 Figura 36. Procedimento de soluo para problema de diviso ..............................................178 Figura 37. Figura ilustrativa de um problema de diviso ........................................................180 Figura 38. Procedimento de soluo e representao de um problema de diviso partitiva ...182 Figura 39. Procedimento aritmtico adotado em problema de diviso por cota ....................186 Figura 40. Procedimento de soluo e representao grfica de problema de diviso por cotas .................................................................................................................................................187 Figura 41. Ilustrao de um problema do tipo produto de medidas ........................................191

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Distribuio de estudantes segundo nveis de desempenho no pr-teste.................114 Tabela 2. Distribuio de estudantes segundo nveis de desempenho no ps-teste ................115 Tabela 3. Indicadores referentes distribuio de acertos e erros no pr-teste.......................116 Tabela 4. Indicadores referentes distribuio de acertos e erros no ps-teste ......................117 Tabela 5. Distribuio de estudantes de acordo com o desempenho no pr e ps-teste ........119 Tabela 6. Distribuio dos estudantes segundo os nveis de desempenho no pr e ps-teste. 120 Tabela 7. Evoluo do desempenho dos sujeitos para cada um dos diferentes tipos de dades. .................................................................................................................................................121 Tabela 8. Distribuio de estudantes conforme os procedimentos de soluo adotados pelos participantes em cada problema proposto para o pr-teste......................................................125 Tabela 9. Distribuio de estudantes segundos os procedimentos de soluo adotados em cada problema proposto para o ps-teste .........................................................................................127

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INTRODUO

O estudo de como se processa a aprendizagem por meio da interao social uma linha de investigao na rea educacional que tem nos oferecido um grande nmero de pesquisas. A reviso da literatura nesta rea revela ainda que este campo de pesquisa abrange diferentes reas do ensino e que as anlises e interpretaes da interao social no contexto escolar so realizadas de acordo com diferentes vertentes da psicologia do desenvolvimento, dentre elas, as que se originam principalmente dos estudos da Psicologia Gentica de Jean Piaget e as da anlise scio-histrica de Lev Vigotski2. Nas ltimas duas dcadas, as pesquisas em Educao Matemtica tambm tm evidenciado a importncia da comunicao e da interao na sala de aula e valorizado a criao de um ambiente onde os alunos tm a possibilidade de trocar pontos de vista, e confrontar solues como uma estratgia favorecedora do processo de aprendizagem. Coll-Salvador (1997), numa anlise do processo de interao advindo da teoria piagetiana, salientou que a interao social uma linha de pesquisa que tem demonstrado ser bastante frutfera e que na realidade, como extenso da teoria gentica de Jean Piaget, tem como preocupao central a hiptese do conflito cognitivo e o papel da cooperao no desenvolvimento intelectual. Ainda, de acordo com Coll-Salvador (1997), a partir dos anos setenta em Genebra, um

2

Em diversas publicaes o nome de Lev Vigotski aparece grafado de diferentes maneiras. Nesta apresentao

optou-se pela grafia Vigotski encontrada nas tradues de suas obras apresentadas nas referncias. Em citaes literais ser mantida a grafia usada pelo autor da obra.

1

grupo de pesquisadores, liderado principalmente por Anne Nelly Perret-Clermont, ampliando os estudos originais de Piaget, passa a focalizar seus esforos de investigao na anlise das relaes em que a criana mantm com seu meio social, concretamente com seus companheiros e iguais. A idia de partida deste grupo, em que o marco interpretativo a teoria gentica, consiste na anlise das relaes entre iguais e de como esta pode contribuir e enriquecer a compreenso acerca dos processos que esto na base da socializao e do desenvolvimento intelectual do ser humano. Segundo Moro (2000), os estudos iniciais de Perret-Clemont e do seu grupo de pesquisadores indicaram algumas condies sob as quais a interao social de crianas (em dades ou trades) pode acelerar o desenvolvimento cognitivo. Os estudos do grupo seguem na busca de formas pelas quais os mecanismos sociais exercem sua influncia sobre os processos cognitivos. A autora apontou ainda que estudos mais recentes do grupo expem uma mudana de foco: do exame das interaes sociais como causa da elaborao cognitiva, para o exame da complexa interdependncia das dimenses scio-cognitivas presentes no sistema das interaes sociais, defendendo ento que as habilidades lgicas viriam de um modelo tripolar (sujeito-sujeito-objeto) e que a intersubjetividade no seria apenas criao interindividual, mas tambm scio cultural. Nas palavras de Moro (2000): Vemos nesses trabalhos que o lugar da dimenso scio-cultural na cognio segue privilegiado, includos os sistemas de mediao semitica, quem sabe refletindo influncias da psicologia sovitica de tradio vygotskiana. Porm, o que vem da dimenso scio-cultural cognio individual visto como reinterpretado ativamente pelo sujeito, marca construtivista que a proposta dos autores, ora chamada socioconstrutivista ainda conserva (Moro, 2000, p. 96). Sabe-se que, alm dos contedos cognitivos construdos durante a escolaridade, esto presentes, no contexto da sala de aula, contedos scio-culturais e afetivos da constituio do sujeito, os quais influenciam a aprendizagem e interferem nas atividades de ensinar e aprender. Assim sendo, nos ltimos anos, outra concepo terica que tem tido ampla aceitao no campo da psicologia do desenvolvimento, bem como, grande repercusso na rea educativa, so os estudos e atualizaes das teses de Vigotski sobre o papel da interao social no

2

desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores3. De acordo com a teoria scio-histrica a interao entendida como um processo interpessoal mediado por ferramentas e signos. Nesta concepo terica, os indivduos por meio da linguagem com sua dupla funo, comunicativa e de meio de pensamento trocam pontos de vista e expressam seu pensamento. Nos escritos de Vigotski, a interao social era vinculada prioritariamente relao entre a criana e um adulto ou, na relao estabelecida entre o professor e o estudante ou entre os alunos, sendo que um dos parceiros mais experiente para mediar e favorecer a interao. Entretanto, diversas pesquisas, como por exemplo, as de Moyss (2004), Goodman e Goodman (2002) e Pessoa (2002), indicaram que, de maneira geral, todas as interaes sociais, no apenas as que envolvem parceiros e adultos mais experientes, oferecem oportunidades para que as crianas aprendam mais sobre o mundo que as cerca e de maneira geral, fazer mais do que parecem ser capazes e extrair muito mais de uma atividade. Na viso de Lima (2005b), em um processo scio-histrico-cultural, o papel da linguagem e da aprendizagem enfatizado no desenvolvimento humano e a questo central para a aquisio de conhecimentos evidenciada por meio da interao. Alicerada nos pensamentos de Vigotski, esta interao entendida quando se introduz a idia de mediao, enfatizando que o acesso do indivduo ao conhecimento sempre mediado, pois, por meio da mediao o indivduo se transforma, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito. Davis (2005) salientou que h diferentes significaes para a palavra interao. Segundo a autora, Vigotski envereda por um caminho de cunho scio-histrico, no qual as interaes do sujeito com o objeto, a ao do primeiro sobre o segundo passa, necessariamente, pela mediao sendo que, social. o Da sua proposta ser conhecida a como do

sociointeracionista,

adjetivo

scio

qualificaria

natureza

interacionismo por ele adotado. Ao discutir algumas idias de Vigotski em relao ao conhecimento matemtico, Moura (2005) ressaltou o papel significativo da atividade compartilhada. O aluno trabalhando

3

Os principais conceitos da vertente scio-histrica da psicologia e dos estudos de Vigotski sero apresentados e

discutidos no captulo I deste estudo.

3

em conjunto vivencia, no plano exterior, o que ir internalizar posteriormente, sendo a linguagem oral um suporte para isso. Para a autora, no ato de transmitir oralmente aquilo que pensa sobre a soluo da questo matemtica em jogo que a criana descobre a necessidade de organizar o prprio pensamento transformando-o em palavras. Ainda, de acordo com a teoria scio-histrica, uma das importantes funes da escola est relacionada aquisio de conceitos cientficos. Rabelo (2004) pontuou que a aquisio dos mesmos envolve operaes lgicas e sua apreenso ocorre de maneira discursiva e lgicoverbal; por meio de generalizaes em elaboraes sempre mediadas por novos conceitos a serem adquiridos e que esta conceituao se desenvolve no processo de incorporao da experincia geral da humanidade mediada pela sua prtica social num contexto sciohistrico. A anlise da literatura na rea revela ainda que diversos estudos buscaram relacionar os principais conceitos vigotskianos ao processo de ensino e aprendizagem da matemtica, como por exemplo, as pesquisas desenvolvidas por Moyss (2004), Meira (2002), Poloni (2006), Tudge (2002) e Stelle (2001). De acordo com Filho (2002), a aprendizagem de conceitos matemticos exige que os estudantes tenham experincias em diversas situaes. Na vida cotidiana, eles aprendem uma forma de conhecimento matemtico que ocorre mediada por prtica e materiais culturais definidos historicamente na comunidade na qual esto inseridos e onde estes conhecimentos emergem. Na escola, ensina-se algo novo e formalizado. Para lidar com esta forma de conhecimento matemtico, necessrio apropriar-se das linguagens formais e materiais que so muitas vezes estranhas cultura no cotidiano do aluno. Para Nikson (1994), os membros de uma sociedade tm acesso ao conhecimento matemtico em algum nvel e seus conhecimentos so relevantes no contexto da sala de aula. Ainda, segundo o autor, a cultura da matemtica na sala de aula o produto do que o professor e os alunos trazem em termos de conhecimento, crenas e valores, e como isso afeta o processo de interao social. Assim sendo, pode-se dizer que a cultura fornece ao indivduo os sistemas simblicos de representao da realidade, ou seja, o universo de significaes que permite construir a interpretao do mundo real, local de negociaes no qual seus membros esto em constante4

processo de recriao e reinterpretao de informaes, conceitos e significaes, com o aspecto social fortemente entrelaado cultura. Este entrelaamento visto por Cole (1997) da seguinte forma: Nas exposies clssicas da teoria cultural-histrica, a cultura representa somente uma maneira restrita e abstrata para enfatizar a propriedade crucial da mediao por intermdio dos instrumentos (artefatos). Entretanto, os instrumentos no existem isoladamente. Pelo contrrio, est entrelaado com os outros instrumentos e com as vidas sociais dos seres humanos que so mediadas por uma variedade de formas aparentemente infinitas. Considerados em conjunto, constituem o prprio meio da vida humana, o meio que conhecemos como cultura (Cole, 1997, p. 150). Duarte (1996) discorreu sobre a importncia do estudo terico dos trabalhos desenvolvidos por Vigotski. Contudo, frisou que bom lembrar que o conceito de desenvolvimento proximal, muito discutido atualmente, no fornece nenhuma frmula definitiva do que e como ensinar a cada momento do processo escolar. Segundo o autor, so necessrios estudos especficos para cada matria e para cada srie escolar. Mas o importante que ele inverte a idia de que se deve sempre organizar a matria escolar com base no conhecimento das caractersticas de cada estgio j alcanado pelo desenvolvimento intelectual da criana. Esse conhecimento indispensvel, entretanto, ainda mais importante que os contedos escolares dirijam-se ao que ainda no est formado na criana. Para pesquisadores, que tomam como base as idias de Vigotski, as funes psicolgicas superiores, que tm origem histrica e cultural, diferentemente dos processos psicolgicos elementares, que so de carter biolgico, so construdas na medida em que so utilizadas nas relaes com o objeto a conhecer e nas relaes interpessoais que a criana estabelece ao longo de seu desenvolvimento. Transferindo esta idia para a prtica educativa, evidencia-se a importncia da escola na constituio dos processos psicolgicos superiores, sua estreita conexo com o ensino sistematizado e a qualidade da interao social estabelecida entre todos os participantes da comunidade escolar. A prtica educativa deve ser encarada como um processo dinmico em que estudantes e professores participam ativamente e interativamente, reconstruindo, negociando, reorganizando e reestruturando significados.5

Dentro deste contexto, o dilogo estabelecido entre estudantes e professores, e entre os prprios alunos deve ser valorizado. Nas palavras de Coll-Salvador et al. (2000, p.193) a interao entre alunos uma situao tima para se explorar a funo reguladora da linguagem e o seu poder como instrumento da aprendizagem: utilizando a linguagem dos companheiros para regular os prprios processos intelectuais; utilizando a sua linguagem para regular a atuao e os processos mentais dos outros e, decididamente, utilizando-a para a prpria autoregulao. Paralelo a isto, outra linha de pesquisa promissora em educao, a qual tambm se tornou objeto de um grande nmero de pesquisas principalmente no ensino da matemtica escolar foi a investigao sobre a soluo de problemas. Diversos estudos, como por exemplo, Echeverra (1998), Echeverra e Pozo (1998) e Polya (1978), indicaram a importncia e necessidade do ensino da matemtica por meio da soluo de problemas. Segundo os autores, para solucionar problemas os alunos seguem passos, desde a obteno da informao at a soluo propriamente dita, sendo que a soluo de problemas deve ser vista como processo, favorecendo o desenvolvimento das habilidades matemticas. De acordo com LeBlanc, Proudfit e Putt (1997, p. 48), h muito se reconhece que desenvolver a habilidade de resolver problemas um dos objetivos do ensino fundamental e que o ensino de soluo de problemas considerado, inclusive, uma tarefa difcil, comparada a ensinar habilidades em clculo. Segundo os autores, uma razo para essa dificuldade que a resoluo de problemas antes um processo complexo do que um conjunto de habilidades algortmicas simples. Os Parmetros Curriculares Nacionais (Brasil/MEC, 1997) apontam a soluo de problemas como um eixo organizador do processo de ensino e aprendizagem da matemtica. Desta forma, sem dvida, ensinar matemtica por meio da soluo de problemas uma abordagem consistente com os PCN, pois conceitos e habilidades so aprendidos no contexto da soluo de problemas (Onuchic & Allevato, 2004). Entre os diversos estudos realizados na rea de soluo de problemas, Alves e Brito (2003) assinalaram que no existe um consenso sobre o papel desempenhado pela soluo de problemas dentro do ensino da Matemtica. Ressaltaram que dentro da Psicologia da6

Educao Matemtica alguns estudos tm abordado a soluo de problemas enquanto recurso, meio para o ensino da matemtica, coincidindo com uma das principais recomendaes dos PCN e que outros tm focalizado basicamente o desempenho e os procedimentos utilizados. Nesta investigao, tendo como referncia os estudos de Brito (2006, p. 18), a soluo de problemas percebida como uma forma complexa de combinao dos mecanismos cognitivos disponibilizados a partir do momento em que o sujeito se depara com uma situao para a qual precisa buscar alternativas para a soluo. Ainda, e de acordo com a autora: A soluo de problemas , portanto, geradora de um processo por meio do qual o aprendiz vai combinar, na estrutura cognitiva, os conceitos, princpios, procedimentos, tcnicas, habilidades e conhecimentos previamente adquiridos que so necessrios para encontrar a soluo com uma nova situao que demanda uma re-organizao conceitual cognitiva (Brito, 2006, p. 19). Para Vasconcelos (2003), as pesquisas que investigam como as crianas compreendem e solucionam problemas matemticos tm progredido consideravelmente nos ltimos anos. Segundo a autora, recentemente modelos tericos tm sido propostos numa tentativa de caracterizar os processos cognitivos que poderiam explicar o comportamento das crianas durante a soluo de problemas e ainda que, importantes pesquisas na rea tem sido desenvolvidas pelo pesquisador francs, Grard Vergnaud, criador da teoria dos campos conceituais. Em relao soluo de problemas dentro do ensino e aprendizagem da matemtica, outras consideraes ainda se fazem necessrias. Diferentes estudos apontam que a soluo de problemas nas escolas no propicia momentos para a reflexo, ficando seu uso restrito fixao de determinada operao aritmtica, e que a apresentao de problemas se d de forma estereotipada em muitos livros-textos de matemtica. Uma situao problemtica quando leva a criana a verbalizar seu pensamento matemtico, explanar ou justificar sua soluo, resolver pontos de vista conflitantes e formular uma explicao para esclarecer a soluo encontrada por um companheiro. (Golbert, 2002). Atualmente, quando se aborda o tema soluo de problemas em situaes de ensino, evidencia-se a preocupao de conduzir o aluno a raciocinar criativamente sobre a construo dos conceitos matemticos subjacentes tarefa, sem regras pr-estabelecidas; aspectos estes7

muitas vezes relegados a segundo plano nas formas mais tradicionais do ensino. A nossa experincia como professora das sries iniciais do Ensino Fundamental, bem como dados de pesquisas como as de Golbert (2002), Smole e Diniz (2001), Starepravo e Moro (2005), Vasconcelos (2003) apontaram que grande o nmero de alunos que ao terminarem o 1o Ciclo do Ensino Fundamental (1a a 4 a srie) no conseguem identificar em uma situao de soluo de problema a operao a ser utilizada, tornando-se conhecida a famosa frase - Professora, para multiplicar ou dividir? conta de mais ou de menos?indicando que as regras e treinos utilizados nas escolas para ensinar o clculo aritmtico muitas vezes no propiciam aos alunos momentos para reflexo sobre a sua utilizao em determinado contexto de soluo de problema. Pesquisas, como as de Lopes (2005), Hough (2003), Malone, Douglas, Kissane, e Mortlock (1997), Smole e Diniz (2001), e Rabelo (2002), tambm assinalaram a necessidade de se trabalhar diferentes tipos de problemas com os estudantes e que muito do que se denomina problema rotineiro na escola deveria ser chamado de exerccio de fixao, memorizao e repetio de tcnicas, ressalvando-se que, em muitos casos, tambm desempenham um papel importante na aprendizagem matemtica. O que os estudos apontaram a necessidade de explorao frente s atividades de soluo de problemas e que tambm seja oferecido aos estudantes outro tipo de problema, os no rotineiros: problemas que desenvolvam no aluno a capacidade de planejar, elaborar estratgias para compreenso do problema, testar solues, avaliar o raciocnio posto em prtica e os resultados encontrados. Compreender o processo envolvido na soluo de problemas pelos alunos torna-se, ento, fundamental para pesquisadores e professores envolvidos com a matemtica, pois no se pode considerar a prtica de soluo de problemas como aleatria. De acordo com Vergnaud (1990a, 1990b, 1996), necessrio reconhecer a diversidade de estruturas de problemas, analisar as operaes envolvidas e as operaes de pensamento necessrias para resolver cada classe de problemas. Isto se deve ao fato de que em cada classe de problemas as dificuldades variam e os procedimentos envolvidos tambm. Buscando relacionar a teoria com a prtica de ensino da matemtica, Vergnaud (2003) apontou a necessidade e a preocupao em se fazer uma verdadeira teoria da prtica, ao mesmo tempo introduzir um pouco mais de teorizao na compreenso da representao do8

saber prtico. Segundo o autor a psicologia no suficiente para dar conta da teorizao em educao (p. 36). Assim sendo, Vergnaud assinalou que seus estudos buscam fundamentos nas teorias de Piaget e Vigotski: Interessa-me focalizar, em Piaget, a interao sujeito/objeto, que corresponde em Vygotski, interao adulto/criana, com nfase numa proposta terica de Vygotski sobre a zona de desenvolvimento proximal. E por que isso? Porque precisamos de uma teoria voltada para a interveno do professor. Considerando o professor como mediador, o que uma idia bastante vygotskiana. (Vergnaud, 2003, p.36). Entretanto, Vergnaud (2003) lembra que Vigotski no diz praticamente nada sobre a escolha de uma situao para o aluno, situaes que tivessem relao com o contedo que era destinado ao ensino; porque na poca ele no dispunha dos instrumentos tericos e metodolgicos para isso. E, infelizmente, segundo o autor, tambm no se acha essa resposta em Piaget . Sabendo que no h uma teoria que d conta de toda complexidade humana e do campo educativo, e que por melhor que sejam sempre carregam marcas do seu tempo e do seu momento histrico, este estudo, vinculado interao social e a soluo de problemas aritmticos buscou nas contribuies da corrente scio-histrica da psicologia4, por intermdio dos estudos de Vigotski e nos estudos dos campos conceituais de Grard Vergnaud, elementos para a elaborao, execuo e anlise da pesquisa. Pensar este estudo sobre a interao social e a soluo de problemas aritmticos pelos estudantes significa pensar a integrao destes dois aspectos, onde a linguagem empregada pelos participantes no curso da interao percebida, de acordo com a teoria scio-histrica, como facilitadora do processo de pensamento e desenvolvimento, tornando-se um meio para desenvolver as habilidades dos alunos em relao prpria linguagem e a construo dos conceitos matemticos. Ainda, e de acordo com Cecchini (2003), pensar a aprendizagem por meio da

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A anlise da literatura apresenta diferentes denominaes relacionadas aos estudos de Vigotski e seguidores, a saber:

teoria scio-histrica, teoria scio-histrica-cultural, teoria histrico-cultural, teoria sociogentica e teoria culturalhistrica Neste estudo, a teoria de Vigotski ser tratada como enfoque scio-histrico da psicologia. Quando a teoria for apresentada em forma de citao ser mantida a denominao utilizada pelo autor em sua obra.

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comunicao e do desenvolvimento alcanado pelos sujeitos na concepo vigotskiana significa pensar que a aprendizagem est em funo no s da comunicao, mas tambm do nvel de desenvolvimento alcanado, adquirindo ento relevo especial: alm da anlise do processo de comunicao, a anlise do modo como o sujeito constri os conceitos comunicados e, portanto, a anlise qualitativa dos procedimentos adotados, das dificuldades, dos erros e do processo de generalizao. Trata-se de compreender como funcionam esses mecanismos mentais que permitem a construo dos conceitos e que se modificam em funo do desenvolvimento. Na concepo da teoria scio-histrica, a ao do sujeito sobre o objeto de conhecimento mediada socialmente pelo outro e por intermdio dos instrumentos e signos construdos ao longo do desenvolvimento cultural e histrico da humanidade. Desta forma, nas contribuies dos estudos de Vigotski tambm se tem a possibilidade de redimensionamento do campo terico e metodolgico sobre o estudo da interao, principalmente por trabalhar com a funo mediadora no que diz respeito cognio. Uma metodologia investigativa que, segundo Vigotski (1996), reflete a perspectiva que se tem das questes a serem estudadas. A procura de um mtodo torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreenso das formas caracteristicamente humanas de atividade psicolgica (...). Uma anlise do processo em oposio anlise do objeto; uma anlise que revela as relaes dinmicas ou causais, reais, em oposio enumerao das caractersticas externas de um processo, isto , uma anlise explicativa e no descritiva; uma anlise do desenvolvimento que reconstri todos os pontos e faz retornar origem o desenvolvimento de uma determinada estrutura. (Vigotski, 1996, p. 86). De acordo com Freitas (2002), os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva scio-histrica, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepes pessoais, devem focalizar o particular como instncia da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e o contexto da investigao. Tendo como premissa bsica que a interao social no pode nunca ser considerada como decorrncia de um fator isolado, mas constitui-se entrelaada a componentes afetivos, cognitivos, culturais e sociais, com o olhar da perspectiva scio-histrica da psicologia e os10

estudos de Vergnaud sobre os campos conceituais das estruturas aditivas e multiplicativas, este estudo buscou responder a seguinte pergunta.

A interao social em dade, entre alunos da 4. srie do Ensino Fundamental, tem relao com o desempenho dos estudantes na soluo de problemas aritmticos rotineiros e no rotineiros?

Assim sendo, o objetivo principal desta investigao verificar se h alterao no desempenho dos estudantes, na soluo de problemas aritmticos rotineiros, aps a interao social em dades. A pesquisa procurou tambm apresentar uma anlise qualitativa, a partir do dilogo estabelecido entre os participantes, da dinmica da interao social em dade durante a soluo dos problemas e investigar, a par das verbalizaes e dos procedimentos adotados na soluo, o conhecimento dos estudantes sobre os conceitos matemticos envolvidos na soluo dos problemas e os procedimentos de soluo e representao grfica adotada. Para responder a questo central deste estudo, a anlise dos dados comporta duas instncias investigativas: a primeira, de carter quantitativo, apresenta o desempenho dos participantes na soluo de problemas aritmticos, antes e aps serem submetidos s sesses deliberadas de interao social em dade e os procedimentos de soluo adotados; a segunda instncia, de carter qualitativo, evidencia os aspectos relacionados interao social em dade durante a soluo dos problemas matemticos, onde o pesquisador, a partir do dilogo estabelecido entre os participantes, investiga o conhecimento dos estudantes sobre os conceitos matemticos envolvidos na soluo dos problemas, os procedimentos de soluo, bem como, a interao social em dade neste contexto. O primeiro captulo deste estudo destina-se apresentao dos principais conceitos abordados pela corrente scio-histrica da psicologia, por intermdio dos estudos de Lev Vigotski, a qual tem embasado um grande nmero de pesquisas no campo da interao social no contexto escolar. O segundo captulo aborda questes relacionadas aos dois grandes campos da11

aritmtica elementar: s estruturas aditivas e multiplicativas, assim como, a apresentao da teoria dos campos conceituais de Grard Vergnaud. O terceiro captulo focaliza a discusso atual sobre o ensino e aprendizagem da matemtica por meio da soluo de problemas, com a apresentao de pesquisas sobre a interao social no ambiente escolar e de investigaes na rea da Educao Matemtica relacionadas soluo de problemas aritmticos. O quarto captulo dedicado apresentao dos procedimentos metodolgicos que conduziram construo, desenvolvimento e anlise desta investigao. O quinto captulo apresenta os resultados e as anlises quantitativas e qualitativas da pesquisa, relacionadas ao desempenho dos participantes na soluo dos problemas propostos, procedimentos de soluo e as representaes grficas adotadas pelos participantes, assim como, a apresentao e anlise de fragmentos de dilogos estabelecidos entre os componentes das dades e o papel da interao social neste contexto. Por fim, apresenta-se a concluso final de estudo.

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CAPTULO I

A INTERAO SOCIAL E A TEORIA DE VIGOTSKI

1. As teorias psicolgicas e a interao social

Sabe-se que a interao social vem sendo estudada e discutida por pesquisadores de diferentes reas, sendo comum encontrarmos artigos, bem como, dados de pesquisas experimentais, apontando a importncia da interao social na construo do conhecimento. No entanto, h ainda muito que se esclarecer em relao ao papel da interao social sobre o desenvolvimento dos processos cognitivos e aes de pensamento. Observa-se tambm que muitos estudos foram suscitados a partir da vertente psicogentica, cujo principal representante Jean Piaget, e dos estudos de Lev Vigotski, vertente scio-histrica da psicologia. Como assinalou Vergnaud (2003, 2004) preciso

considerar que h algumas idias que podemos tomar dos estudos de Piaget e de Vigotski, na sua convergncia e complexidade e que no se pode opor radicalmente estas duas grandes correntes da psicologia. Nas palavras do autor: interessante ressaltar que muito da teoria de Vygotski foi construdo a partir de sua leitura de Piaget, seja comentando ou criticando, enquanto Piaget s conheceu os trabalhos de Vygotski alguns anos aps a sua morte. No posfcio do livro Pensamento e Linguagem, editado na Frana, Piaget lamenta no ter podido conhecer Vygotski. H convergncias importantes a ressaltar em termos do que os dois chamam de tomada de conscincia e metacognio. E h tambm convergncias relevantes entre a funo13

simblica e a linguagem, mesmo considerando que Piaget no estudou profundamente a linguagem em suas pesquisas (Vergnaud, 2003, p. 24). Carvalho (2005a) ressaltou que nos ltimos 20 anos, na Psicologia, houve um nmero significativo de investigaes evidenciando a potencialidade das interaes sociais na apropriao de conhecimentos e mobilizao de competncias, fruto de novos olhares acerca de como aprendemos. Entretanto, apesar das inmeras pesquisas, o aprimoramento da prtica e do estudo acerca do processo de ensino e aprendizagem por meio da interao social se constitui ainda num grande desafio para os educadores. Quando se trata da prtica educativa e da formao do professor parece que esta habilidade e capacitao, mesmo sendo considerada de fundamental importncia e merecedora de maior ateno, ainda pouco desenvolvida. Em relao ao papel das interaes sociais no contexto educativo, Smolka (2000) ressaltou que uma reviso da literatura na rea indica a diversidade de perspectivas tericas e consideraes sobre o assunto. Pontuou que, de maneira geral, podem ser consideradas quatro tendncias de estudo relativas interao: (1) a primeira tendncia incluiria estudos empricos cognitivistas, cuja questo central seria os aspectos psicolgicos do desenvolvimento cognitivo; (2) uma segunda tendncia incluiria estudos empricos marcadamente interacionistas, desenvolvidos principalmente por socilogos, antroplogos e sociolinguistas; (3) uma terceira tendncia abarcaria estudos tericos que exploram as relaes escola/sociedade, linguagem/escola, analisando, por exemplo, relaes de poder e resistncia; (4) uma quarta tendncia apresenta estudos que procuram trabalhar no s o emprico e o terico, mas tambm a teoria e a prtica no contexto educacional. Segundo a autora, nesta tendncia estariam includos estudos que se tm desenvolvido ultimamente a partir dos pressupostos da perspectiva scio-histrica. (Smolka, 2000, p. 61) Os estudos sobre a interao social comportam, basicamente, duas linhas: a dos que, apoiando-se nos estudos de Vigotski, procuram saber de que maneira as formas coletivas de organizao das atividades de aprendizagem contribuem para o desenvolvimento das funes mentais superiores e a dos que dentro da linha sociointeracionista de origem piagetiana como Doise, Mugny e Perret-Clermont se preocupam mais em saber de que forma a colaborao interpares favorece a aquisio do conhecimento. (Moyss, 2004) Nesta investigao, buscou-se na vertente scio-histrica elementos para o14

desenvolvimento e anlise da pesquisa sobre a influncia da interao social em dade na construo das competncias matemticas. Os estudos de Vigotski, ao salientar a importncia da interao social no desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores, permite o avano das pesquisas na rea educacional, relacionadas ao papel da interao e atividade compartilhada entre os estudantes. Sendo assim, para que se possa melhor compreender o papel desempenhado pela interao social no contexto educativo, sero percorridos os caminhos das principais teses e conceitos da teoria de Lev Semyonovich Vigotski, pioneiro da corrente scio-histrica da psicologia.

2. A teoria de Vigotski

Lev Seminovitch Vigotski nasceu em 1896, na Bielo-Rssia, pas da extinta Unio Sovitica e morreu em 1934, vtima de tuberculose, aos 37 anos. Vigotski foi professor e pesquisador e trabalhou nas reas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficincia fsica e mental. Com Leontiev e Luria, formou o grupo conhecido como troika que buscavam na Rssia ps-revoluo construir uma nova psicologia. Em linhas gerais, pode-se dizer que embora sua produo no tenha tido um esquema explicativo completo, ela foi muito rica e vasta, abordando diversos temas sobre neurologia, literatura, deficincia, linguagem, psicologia e educao.5 Se fosse necessrio definir o carter especfico da obra de Vigotski mediante uma srie de palavras-chave seria preciso que fossem mencionadas ao menos as seguintes: mediao semitica, sociabilidade do homem, interao social, signo e instrumento, cultura, histria e funes mentais superiores. E, se fosse necessrio organizar essas palavras em uma nica expresso, poder-se-ia dizer que a teoria de Vigotski uma teoria scio-histrico-cultural do desenvolvimento das funes mentais superiores, ainda que ela seja mais conhecida como teoria histrico-cultural e teoria scio-histrica. 6

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Maiores informaes sobre a biografia de Vigotski podem ser encontradas na revista Viver Mente e Crebro:

Lev Semenovich Vygotsky, Coleo Memria da Pedagogia, n.2, 2005.6

Originariamente publicada na revista: Perspectivas: revista trimestral de educacin comparada (Paris, UNESO:

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Para uma viso geral das idias centrais dos estudos vigotskianos, em um primeiro momento desta exposio, apresentam-se os conceitos centrais desta teoria: a mediao, o processo psicolgico superior, a internalizao, a formao de conceitos e a zona de desenvolvimento proximal. No entanto, torna-se importante salientar que embora tasi constructos estejam apresentados de forma separada, os mesmos se encontram estreitamente entrelaados no desenvolvimento da teoria de Vigotski. Assim sendo, em alguns momentos desta apresentao, o texto poder apresentar alguma repetio ou entrelaamento das idias principais. Em um segundo momento, aborda-se algumas implicaes tericas da teoria sciohistrica relacionadas educao. As teses bsicas da teoria referem-se ao carter histrico e social dos processos psicolgicos superiores, ao papel que os instrumentos da mediao protagonizam em sua execuo e, num plano metodolgico, necessidade de um enfoque gentico em psicologia. Segundo Baquero (2001, p. 25), costuma-se formular como as idias centrais da teoria sciohistrica as seguintes teses: A tese de que os processos psicolgicos superiores (PPS) tm origem histrica e cultural. A tese de que os instrumentos de mediao (ferramentas e signos) cumprem um papel central na constituio de tais PPS. A tese de que se devem abordar os PPS segundo os processos de sua constituio, quer dizer, a partir de uma perspectiva gentica.

2.1 Processos Psicolgicos Elementares e Processos Psicolgicos Superiores

Em relao s funes mentais superiores, capacidade tipicamente humana, Vigotski (1996, 2000) afirmou que estas ocorrem em dois momentos consecutivos, primeiro em nvel das interaes sociais ou interindividuais, e segundo ao nvel intrapsquico. Este processo representa o principal mecanismo de transmisso da cultura e insero do indivduo no

Oficina Internacional de Educacin), vol.XXIV, nos 3-4, 1994, pgs. 773-799. Traduo e resumo de ZACHARIAS, Vera Lcia.

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universo de significados e valores tpicos do grupo social de que faz parte. Para Vigotski, alm da condio biolgica que se d por intermdio da maturao do sistema nervoso central, a qualidade das interaes que o indivduo estabelece com o prximo, ao longo de sua vida, que permite ao sujeito a construo do conhecimento e do desenvolvimento. De acordo com Coll-Salvador (1997) o princpio vigotskiano de que todas as funes psicolgicas superiores tem sua origem nas relaes entre as pessoas exige logicamente uma maneira original de entender o desenvolvimento e sua vinculao com a aprendizagem, sendo que, o conceito de zona de desenvolvimento proximal sintetizou o ponto de Vigotski a este respeito. Ainda, no contexto da teoria de Vigotski, os Processos Psicolgicos Elementares so regulados por mecanismos biolgicos ou ligados linha de desenvolvimento natural" e seriam compartilhados com outras espcies superiores. Trata-se de formas elementares de memorizao, atividades senso-perceptivas, motivao, dentre outras. A formulao central da teoria de Vigotski se refere aos processos psicolgicos superiores, os quais se originam na vida social, na participao do sujeito em atividades compartilhadas com outros. Isto , a teoria se prope centralmente a analisar o desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores a partir da internalizao de prticas sociais especficas, as quais o sujeito participa. Pressupe-se a existncia dos processos elementares, mas estes no so condies suficientes para sua apario. Baquero (2001, p. 26) apontou algumas diferenas centrais entre os processos psicolgicos superiores (PPS) e os processos psicolgicos elementares (PPE). O autor considerou que os PPS, diferentemente dos PPE, so: Constitudos na vida social e, especficos dos seres humanos. Responsveis pela regulao da ao em funo de um controle voluntrio, superando sua dependncia e controle por parte do meio ambiente. Regulados conscientemente ou terem necessitado dessa regulao consciente em algum momento da sua constituio (ainda que seu exerccio reiterado possa haver automatizado). O fato de se valerem, em sua organizao, do uso de instrumentos de mediao. Dentro dessas formas de mediao, a mediao semitica a que ocupa um lugar17

de maior relevncia. Vigotski (1996) fez ainda uma diferenciao entre os processos psicolgicos superiores rudimentares e os processos psicolgicos superiores avanados. Entre os primeiros, estaria a linguagem oral, como processo psicolgico superior adquirido na vida social, sendo produzido pela internalizao de atividades sociais organizadas por meio da fala. Os processos psicolgicos avanados possuem um maior grau de uso do instrumento da mediao, que vai se tornando independente do contexto, de regulao voluntria e consciente. A linguagem escrita e seu domnio possuem mais esta caracterstica do que a linguagem oral. Em geral, os processos psicolgicos avanados so institudos de socializao mais especfica. Exemplo disto so os processos de escolarizao, uma vez que o domnio da leitura/escrita no adquirido nos processos de socializao genricos, tal qual a fala. Sabe-se que Vigotski buscou compreender a gnese, ou seja, a origem do desenvolvimento tendo como questo central a relao entre os processos de desenvolvimento e aprendizagem. De acordo com Oliveira (1998, p. 55) a abordagem de Vigotski estende-se nos nveis filogentico (desenvolvimento da espcie humana), sociogentico (histria dos grupos sociais), ontogentico (desenvolvimento do indivduo) e microgentico

(desenvolvimento de aspectos especficos do repertrio psicolgico dos sujeitos). Segundo Griz (2003), para Vigotski, haveria duas linhas de desenvolvimento para explicar a construo dos processos psicolgicos que pertenciam ontognese: uma linha cultural e uma linha natural de desenvolvimento. O que ganha primazia a linha cultural, uma vez que se refere ao desenvolvimento humano, especificamente. No entanto, ambas as linhas exercem um papel complementar. Ainda, de acordo com a autora, dentro do domnio ontogentico, foram desenvolvidos estudos sobre os processos de interiorizao, sobre os instrumentos de mediao, tanto no cenrio scio-cultural quanto nos processos interpsicolgicos. Vigotski realizou seus estudos sempre em busca de compreender como se originam e como se desenvolvem os processos psicolgicos, no apenas da humanidade, como na histria individual. Nesse sentido, na perspectiva scio-histrica, a relao entre o homem e o meio fsico e social no uma relao natural, total, e diretamente determinada pela estimulao ambiental. No processo do desenvolvimento, desde o nascimento, as reaes naturais de18

respostas aos estmulos do meio, herdadas biologicamente (tais como a percepo, a memria, as aes reflexas, as reaes automticas e as associaes simples) entrelaam-se aos processos culturalmente organizados e vo se transformando qualitativamente em modos de ao, de relao e de representao caracteristicamente humanos (Fontana & Cruz, 1997, p. 58). Nas palavras de Fontana e Cruz (1997), Vigotski destacava que, diferentemente de outras espcies, o homem, por intermdio do trabalho, transforma o meio produzindo cultura. A relao homem/meio sempre uma relao mediada por produtos culturais humanos, como o instrumento e o signo so pelo outro.

2.2 Mediao, Instrumento e Signo

A mediao uma idia central para a compreenso das concepes de Vigotski sobre o desenvolvimento humano como processo scio-histrico. Enquanto sujeito do conhecimento o homem no tem acesso direto aos objetos, este acesso sempre mediado, operados pelo outro e pelos sistemas simblicos de que o sujeito dispe. De acordo com Sirgado (2000), o conceito de mediao semitica central na obra de Vigotski, pois permite explicar, por exemplo, os processos de internalizao, as relaes entre pensamento e linguagem e a interao entre sujeito e objeto do conhecimento. Segundo o autor, a mediao dos sistemas de signos constitui o que denominamos mediao semitica (p. 39). Vigotski enfatizou a construo do conhecimento como uma interao mediada pelo outro social e pelos fatores mediatizadores, como os instrumentos e signos. Em relao prtica educativa, por exemplo, Oliveira (1998) ressaltou que a idia do outro social na relao professor/aluno no se refere necessariamente a situaes em que o educador esteja fisicamente presente. O outro social pode apresentar-se por meio de objetos, da organizao do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivduo. Torna-se ainda importante destacar que, quanto mediao que se d na relao com o outro, Vigotski deixou claro a necessidade e a importncia do outro no processo de19

constituio do sujeito. Entretanto, salientou que no havia um recurso necessrio presena fsica para ocorrncia da mediao. Ao tratar a atividade mediada por signos e instrumentos, Vigotski (1996, p.71) destacou que a analogia bsica entre signo e instrumento repousa na funo mediatizadora que os caracteriza. Portanto, eles podem, a partir da perspectiva psicolgica, ser includos na mesma categoria.

Atividade mediada

Signo

Instrumento

Figura 1 - Atividade mediada (signo e instrumento).

Para Vigotski, o uso de instrumentos e signos compartilhado pelos indivduos do grupo social e permite a comunicao e o aprimoramento das interaes. Contudo, fundamental lembrar que esse processo acontece ao longo da histria da humanidade. Na introduo do livro Formao Social da Mente, Scribner (em Vigotski, 1996) chamou a ateno para o fato de que Vigotski traou sua linha de pensamento baseado nas teorias marxistas da sociedade, conhecido como materialismo histrico, em que, para Marx, mudanas histricas na sociedade e na vida material produzem mudanas na natureza humana (conscincia e comportamento). Assim, para Vigotski: O animal meramente usa a natureza externa, mudando-a pela sua simples presena; o homem, por intermdio de suas transformaes, faz com que a natureza sirva a seus propsitos, dominando-a. Esta a distino final e essencial entre o homem e os outros animais (Vigotski, 1996, p. 9). Moyss (2004), ao tratar de um dos principais marcos tericos da teoria vygotskiana, a mediao, tambm salientou a influncia de Marx no pensamento de Vigotski. Segundo a autora, a prpria formao anterior de Vigotski o levava a utilizar, de forma original, algumas20

idias marxistas da poca, como por exemplo, o princpio de que o trabalho e sua diviso social acabam por gerar novas formas de comportamento, novas necessidades, novos motivos e que esses levam o homem busca de meios para sua realizao. Assim sendo, introduz na psicologia um novo elemento, o fator scio-histrico. Outra idia de inspirao marxista, e que acabou sendo um dos pontos chaves da teoria, foi o uso de instrumentos na modificao da natureza. Da mesma forma que Marx concebeu o instrumento mediatizando a atividade laboral, Vigotski concebeu a noo de signo, como instrumento psicolgico por excelncia, o qual estaria mediatizando no s o pensamento, como o prprio processo social humano. A anlise do esquema inicial de Vigotski, o qual deu origem sua teoria, a introduo de um novo elemento no modelo estmulo-resposta. Segundo o autor, a estrutura de operaes com signos requer um intermedirio entre o estmulo e a resposta. Esse elo intermedirio um estmulo de segunda ordem (signo), colocado no interior da operao, onde preenche uma funo especial: ele cria uma nova relao entre S e R.( Vigotski: 1996, p. 53).

S --------------------- R

X Figura 2. Esquema triangular proposto por Vigotski.

O processo simples estmulo-resposta substitudo por um ato complexo e mediado, o qual possui uma caracterstica importante de ao reversa (isto , ele age sobre o indivduo e no sobre o ambiente). Segundo Vigotski: Na medida em que este estmulo auxiliar possui a funo especfica de ao reversa, ele confere ao psicolgica formas qualitativamente novas e superiores, permitindo aos seres humanos, com o auxlio de estmulos extrnsecos, controlar o seu prprio comportamento (Vigotski, 1996, p. 54).

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2.3 O uso dos instrumentos e signos

Os animais, de maneira geral, quando sentem fome, por exemplo, procuram comida da forma como ela se encontra na natureza e seu comportamento, neste caso, orientado pelas suas caractersticas biolgicas e pelas resistncias ou facilidades que o ambiente lhe impe (abundncia ou escassez de alimento). Nas palavras de Fontana e Cruz (1997), o homem diferente, no sentido de criar instrumentos. Neste caso, o instrumento, pode ser entendido como tudo aquilo que se interpe entre o homem e seu ambiente, ampliando e modificando suas formas de ao no mundo, como, por exemplo, os instrumentos de trabalho (a enxada, a serra, o arado, as mquinas, etc.). Criados pelo homem para ter um ao sobre a natureza (o arado, para arar a terra; a serra para cortar as rvores e transform-las em madeira, etc.), os instrumentos acabam transformando o prprio comportamento humano, que deixa de ser, como no caso dos animais, uma ao direta sobre o meio e controlada apenas pela relao entre as necessidades de sobrevivncia e o ambiente. O instrumento amplia os modos de ao naturais do homem ao seu alcance. Assim, da mesma forma que o homem atua sobre a natureza, transformando-a, ele atua sobre si prprio, transformando suas formas de agir. No entanto, Smolka (1995) salientou que a simples utilizao dos instrumentos no caracteriza a atividade tipicamente humana, uma vez que os animais tambm usam instrumentos. Segundo a autora, a produo, enquanto trabalho material e simblico, significativo, enquanto atividade prtica e cognitiva, que distingue e instaura a dimenso histrica e cultural. (Smolka,1995, p. 13) Como mencionando antes, em relao questo da linguagem na teoria vigotskiana, alm de ser vista como um sistema simblico, tambm considerada um instrumento ou ferramenta de auxlio ao pensamento. Sobre a linguagem, enquanto instrumento, Smolka (1995) salientou que: (...) Vygotsky deriva suas conseqncias psicolgicas, levantando questes sobre a natureza das relaes que se estabelecem entre o uso de instrumentos e do desenvolvimento da linguagem. Retomando as idias de Engels e Marx, Vygotsky aponta a funo mediadora como a analogia bsica entre signo e instrumento,22

ressaltando, no entanto, as diferenas essenciais entre estes. Os instrumentos so meios de controle e domnio da natureza e orientam o comportamento para o objeto da atividade, provocando modificaes nos objetos. Em contraste, os signos so meios de atividade internos, dirigidos para o controle do indivduo, modificando as prprias operaes psicolgicas e no o objeto sobre o qual incidem (Smolka, 1995, p. 11). De maneira simples, poderamos dizer que o signo comparado por Vigotski ao instrumento, o qual ele denomina de instrumento psicolgico. O signo considerado aquilo que utilizado pelo homem para representar, evocar ou tornar presentes coisas ausentes, como por exemplo, a palavra, o desenho, os smbolos, etc. Inclui-se entre os signos: a linguagem, os vrios sistemas de contagem e de clculo, as tcnicas mnemnicas, os sistemas simblicos algbricos, as obras de arte, a escrita, os esquemas, os diagramas, mapas, atlas, desenhos, e todo tipo de signos tradicionais existentes. (Moyss, 2004; Vergnaud, 2004). A posio de Vigotski sobre a importncia dos signos na constituio do sujeito visto com relevncia em todos os campos do saber. Na matemtica, por exemplo, a utilizao de signos como os sistemas de contagem, o clculo, os sistemas algbricos e as diversas formas de representao proporcionam aos estudantes meios para a apropriao dos conceitos cientficos e para o desenvolvimento do pensamento matemtico. A linguagem (pictrica, escrita e oral) enquanto sistema simblico apresenta-se no s com a funo de comunicar o que est sendo feito, mas tambm exprime uma fundamental importncia na estruturao do pensamento matemtico pelo estudante. Schliemann e Carraher (2002) ressaltaram que a compreenso matemtica tanto pessoal como cultural. pessoal na medida em que acarreta inveno e redescoberta quando as pessoas esto imersas na compreenso de fatos e convenes. cultural porque se d por meio de sistemas simblicos convencionais e do contexto social. Moura (2005), relacionando o uso de signos ao ensino da matemtica, assinalou que uma aprendizagem mediatizada por signo requer que o estudante transforme o signo que antes se apresentava externamente em signo interno, encaminhando-o para a estrutura cognitiva, sendo uma representao mental. Isso fundamental, pois a matemtica simblica. Na teoria vigotskiana, as operaes com signos (mediatizada) surgem ao longo de um processo de desenvolvimento complexo e histrico, conduzindo os seres humanos a uma23

estrutura especfica de comportamento, o qual se destaca do desenvolvimento biolgico, criando novas formas de processos psicolgicos enraizados na cultura. Desta forma, as funes psicolgicas superiores (FPS) tem sua origem na vida social, por meio da participao do sujeito em atividades compartilhadas. O uso de signos permite aos indivduos controlar seu comportamento reestruturando e afetando todos os processos psicolgicos superiores. Dentro desta concepo terica, o instrumento seria, ento, o que est orientado externamente para dirigir, controlar e modificar o ambiente. Enquanto que o signo orientado internamente, modificando o funcionamento psicolgico humano. Os instrumentos e os sistemas de signos, criados pelo homem, vo propiciando mudanas na sociedade e, consequentemente, mudanas no prprio indivduo. Hoje em dia, mediante o grande avano tecnolgico o uso de computadores tornou-se presente na vida de um grande nmero de pessoas. Sua linguagem tecnolgica (sistema de signos) possibilita e gera mudanas na sociedade por intermdio da comunicao instantnea entre diferentes pessoas em nvel mundial. Entretanto, artefato criado pelo homem, o computador s se torna um instrumento quando associado atividade de quem os utiliza. Vergnaud (2004) traou um paralelo entre o papel desempenhado pelos instrumentos herana da teoria de Vigotski no desenvolvimento da sociedade e, em especial, no desenvolvimento educacional: Como bom marxista, Vygotski se preocupa com o papel dos instrumentos nas sociedades humanas; e ele estende essa noo aos instrumentos psicolgicos que, aos seus olhos, so os signos lingsticos e os outros meios semiticos, dos quais a sociedade e a escola fazem atualmente grande uso. uma idia estranhamente premonitria quando se sabe, atualmente, o peso da informtica, das mquinasutenslios com comando numrico, da comunicao com mquinas e do papel dos computadores no trabalho e na educao. Vygotski no teve tempo de desenvolver essa noo de instrumento. Mas atualmente pesquisadores retomam essa linha de pensamento (Vergnaud, 2004, p. 95-96).

2.4 O processo de internalizao

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De acordo com Bezerra e Meira (2006, p. 194), a definio de internalizao na teoria de Vigotski bastante sinttica, embora admiravelmente adequada sendo a mesma uma reconstruo interna de uma operao externa tpica do funcionamento psicolgico superior e tem origem social. Os autores realaram que esta perspectiva estabelece tambm que tais operaes sofrem mudanas, pois so reconstrudas para funcionar num novo sistema (o indivduo) e atender s suas especialidades; portanto, no so cpias daquelas prprias interaes sociais (p. 195). Segundo Vigotski (1996), a internalizao humana de formas culturais e sociais tpicas de uma sociedade ocorre ao longo do desenvolvimento e consiste numa srie de transformaes: (A) uma operao que inicialmente representa uma atividade externa reconstruda e comea a ocorrer internamente. (...). (B) um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal. Todas as funes no desenvolvimento da criana aparecem duas vezes: primeiro no nvel social e, depois, no nvel individual; primeiro, entre pessoas (interpsicolgica), e, depois no interior da criana (intrapsicolgica).(...). (C) a transformao de um processo interpessoal num processo intrapessoal resultado de uma longa srie de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como forma externa de atividade por um longo perodo de tempo, antes de internalizar-se definitivamente. Para muitas funes, o estgio de signos externos dura para sempre, ou seja, o estgio final do desenvolvimento. Outras funes vo alm ao seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente funes interiores (...) (Vigotski, 1996, p. 75). Para Scriptori (2003), a chave do entendimento desta passagem enfatizar que o desenvolvimento cultural aparece primeiro no plano social. O desenvolvimento cultural envolve o aprendizado de caractersticas da cultura particular. Vigotski no define este termo, mas na extenso do que ele quer dizer, significa que essas so caractersticas que o indivduo no pode aprender sem a comunicao com os outros. Nas palavras de Vigotski: A internalizao de formas culturais envolve a reconstruo da atividade psicolgica tendo como base as operaes com signos (...). A internalizao das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o papel caracterstico25

da psicologia humana (Vigotski, 1996, p. 75-76). De acordo com Baquero (2001, p.33, 34), contra a imagem intuitiva, que interpretando o conceito como uma espcie de transferncia ou cpia de conceitos externos no interior de uma conscincia, no campo da teoria na verdade, os processos de interiorizao seriam os criadores de tal espao interno. Quer dizer, deve-se conceitualizar a internalizao como a criadora de conscincia e no como a recepo na conscincia de contedos externos. A lembrar que, os processos de internalizao se referem constituio dos processos psicolgicos superiores (e no dos elementares). A internalizao se refere sempre reorganizao interior de uma operao psicolgica posta em jogo no meio social e, portanto, ligada linha cultural de desenvolvimento.

2.5 A formao de conceitos

As concepes de Vigotski sobre o processo de formao de conceitos remetem questo do processo de significao pelos indivduos, s relaes entre pensamento e linguagem, ao processo de internalizao e ao papel da escola na transmisso de conhecimento, que de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. De acordo com Moura (2005) a tarefa da escola auxiliar o aluno a construir os conceitos cientficos e estabelecer vnculo indireto com o objeto por meio das abstraes em torno de suas propriedades e da compreenso que ele mantm com um conhecimento mais amplo. Para Vigotski, a formao de conceitos cientficos uma operao mental que exige centrar ativamente a ateno sobre o assunto, abstraindo dele os aspectos que so fundamentais e inibindo os secundrios e se chegue enfim a generalizaes mais amplas mediante uma sntese (citado por Moura, 2005, S/N) Vigotski (2005) diferenciou dois tipos de conceitos: os conceitos cotidianos (espontneos) e os cientficos (no-espontneos). Os conceitos espontneos so considerados aqueles que a criana aprende no seu dia-a-dia, nascidos do contato que ela possa ter tido com determinados objetos, fatos, fenmenos etc., dos quais a criana no tem conscincia. J, os conceitos cientficos so caracterizados como aqueles sistematizados e transmitidos26

intencionalmente. Encontram-se na encruzilhada dos processos de desenvolvimento espontneos e daqueles induzidos pela ao pedaggica, e so, por excelncia, os conceitos que se aprendem na situao escolar, considerados ponto de encontro da experincia cotidiana a da apropriao de corpos sistemticos do conhecimento. Salienta-se que o estudo dos processos de formao de conceitos e a diferenciao entre conceitos cotidianos e cientficos ocupam lugar de destaque na teoria vigotskiana. Rego (2005), fazendo referncia ao pensamento de Vigotski, ressaltou que: Ele (Vygotsky) chama de conceitos cotidianos (ou espontneos) aqueles que so adquiridos pela criana fora do contexto escolar ou de qualquer instruo formal e deliberada; so os conceitos formados no curso da atividade prtica e nas relaes comunicativas travadas em seu dia-a-dia. J os conceitos cientficos seriam aqueles desenvolvidos no processo de assimilao de conhecimentos comunicados

sistematicamente criana durante o ensino escolar (Rego, 2005, p. 60). Em relao ao desenvolvimento dos conceitos, diferente de outros psiclogos, Vigotski defendeu a importncia e o papel crucial da escola no desenvolvimento dos conceitos cientficos, pois os mesmos so conhecimentos sistemticos e hierrquicos apresentados e aprendidos como parte de um sistema de relaes, ao contrrio do conhecimento espontneo, composto de conceitos no sistemticos, baseados em situaes particulares e adquiridos em contextos da experincia cotidiana. Vigotski (2005) apontou as diferenas entre os conceitos espontneos e cientficos, entretanto, o mesmo destacou a complexidade e os laos indissolveis que unem ambos. Segundo Laborde (2003), em relao aos conceitos cientficos, o autor defendeu a tese segundo a qual: 1. As representaes dos conceitos cientficos surgem sob a influncia decisiva dos conhecimentos adquiridos por meio do contato com as pessoas que rodeiam a criana; 2. Entretanto, a criana no assimila estes os conceitos cientficos prontos e acabados, mas sim reelabora-os a sua maneira (Laborde, 2003, p.30). Desta forma, no contexto do ensino, a promoo e o desenvolvimento dos conceitos cientficos devem ser vistos inter-relacionados aos processos de desenvolvimento cotidianos. Sabe-se que no caso da aritmtica, por exemplo, as crianas trazem consigo experincias27

anteriores com quantidades, com operaes de adio, diviso, etc. Em situaes cotidianas, sem perceber, como em compras que realizam com o adulto, em brincadeiras, nas tarefas do dia a dia, dentre outras, elas classificam, comparam, estabelecem relaes, etc. Nessas situaes, os conhecimentos vo sendo elaborados entrelaados s necessidades e aos interesses envolvidos. Na escola essas relaes se modificam. Ali as relaes de conhecimento so intencionais e planejadas. A criana e o adulto sabem que esto ali para a apropriao de um determinado tipo de conhecimento e modos de pensar que foram organizados para tal fim. Nesta inter-relao e entrelaamento de idias entre as crianas e o professor e entre os prprios alunos que a criana vai se apropriando dos conceitos cientficos. Dentro desta concepo, Nunes, Campos, Magina e Bryant (2005) ressaltaram que a partir do final da dcada de 80, comearam a ser discutidas no Brasil novas perspectivas sobre o desenvolvimento do conceito de nmeros e operaes, considerando a experincia que os alunos tm fora da sala de aula com problemas numricos. Citando o trabalho desenvolvido por pesquisadores como Carraher e Schliemann, pontuaram que os alunos, principalmente os da camada popular, tm maior experincia com a aritmtica oral fora da sala de aula do que com a aritmtica escrita da sala de aula. Para Moyss (2004, p. 35), a escola tem papel fundamental na elaborao dos conceitos cientficos, pois: ao contrrio do espontneo, o conceito cientfico s se elabora intencionalmente, isto , pressupe uma relao consciente e consentida entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A investigao sobre a formao de conceitos por Vigotski (2001) remete sempre idia de que em qualquer nvel de desenvolvimento, o conceito , em termos psicolgicos, um ato de generalizao e a tese segundo a qual os conceitos psicologicamente concebidos evoluem como significados das palavras, a essncia do seu desenvolvimento , em primeiro lugar, a transio de uma estrutura de generalizao outra (Vigotski, 2001, p. 246). Em relao formao dos conceitos cientficos, de acordo com a teoria vigotskiana, necessrio identificar a relao existente entre os diferentes conceitos, pois no processo de sua formao, existem conceitos correlacionados que propiciam a sua generalizao. Para Vigotski (200, p. 292), generalizao significa ao mesmo tempo tomada de conscincia e28

sistematizao de conceitos. Por exemplo, no ensino da matemtica elementar, Vigotski verificou que: A tomada de conscincia do sistema decimal, isto , a generalizao, que redunda na sua compreenso como caso particular de qualquer sistema de clculo, leva a possibilidade de ao arbitrria nesse e em outro sistema. O critrio de tomada de conscincia reside na possibilidade de passagem para qualquer outro sistema, pois isso significa generalizao do sistema decimal, formao de um conceito geral sobre os sistemas de clculo (...). Assim, a investigao mostra que sempre existem vnculos da generalizao superior com a inferior e, por meio desta, com o objeto (Vigotski, 2001, p. 373). Alm da generalizao do princpio que rege o sistema de numerao decimal como um sistema, preciso fazer referncia s operaes matemticas que o envolvem. No processo de apropriao do significado das operaes e do algoritmo utilizado, o que vai sendo aprofundado o nvel de conscincia em relao aos conceitos e em relao aos prprios sistemas de conhecimentos (Grando, Marasini & Muhl, 2002). Especificamente, em relao ao estudo sobre o processo de formao de conceitos, Vigotski (2001) enfatizou que esse de natureza ontogentica e que a evoluo que culmina no desenvolvimento dos conceitos se constitui por trs estgios bsicos: o sincrtico, o complexo e o conceito, propriamente dito; sendo que cada uma desses estgios se divide em vrias fases. O primeiro estgio, o sincrtico, se revela com mais freqncia nas crianas de tenra idade. Para Vigotski (2001, p. 175), nesse estgio, o significado da palavra um encadeamento sincrtico no informado de objetos particulares que, nas representaes e na percepo da criana, esto mais ou menos concatenados em uma imagem mista. Ou seja, na percepo, no pensamento e na ao a criana revela uma tendncia a associar, a partir de uma nica impresso, os elementos mais diversos. Vigotski (2001) descreve esse fenmeno como uma tendncia infantil a substituir a carncia de nexos objetivos por uma superabundncia de nexos subjetivos e a uma tendncia a confundir a relao entre as impresses e o pensamento com a relao entre os objetos. O segundo estgio de desenvolvimento dos conceitos, denominado pensamento por29

complexos, se inicia, segundo Vigotski (2001, p. 371) na fase pr-escolar. Nesse estgio, as generalizaes representam, pela estrutura, complexos de objetos particulares concretos, no mais unificados base de vnculos subjetivos, mas de vnculos objetivos que existem entre os objetos. A criana comea a unificar objetos homogneos em um grupo comum, a complexific-los j segundo as leis dos vnculos objetivos que ela descobre entre os tais objetos (Vigotski, 2001, p. 179). Nesse estgio, Vigotski identificou cinco fases do desenvolvimento dos conceitos. Na primeira fase a criana se baseia em vnculos associativos por semelhanas. As palavras deixam de ser denominaes de objetos isolados, tornam-se nomes de famlias. Chamar um objeto pelo nome significa relacion-lo a esse ou aquele complexo ao qual est vinculado (2001, p. 182). A segunda fase consiste em combinar objetos e impresses concretas das coisas em grupos, geralmente denominadas de colees. Nas experimentaes realizadas por Vigotski, nesta fase, por exemplo, a criana apanha algumas figuras que diferem da amostra pela cor, forma, tamanho ou outro indcio qualquer. Contudo, no as apanha de forma aleatria, mas pelo indcio de que so diferentes e complementares ao indcio existente na amostra que ela toma por base da combinao. A terceira fase, denominada por Vigotski de complexo em cadeia, se constri segundo o princpio da combinao dinmica e temporal de determinados elos em uma cadeia nica e da transmisso do significado por meio de elos isolados dessa cadeia (2001, p. 185). Em situao experimental, a criana escolhe em uma amostra um ou vrios objetos associados em algum sentido para a amostra; depois, orientada por um trao secundrio fora da amostra, continua a reunir os objetos em um complexo nico. Segundo Vigotski (2001), a quarta fase do pensamento por complexos, tem como caracterstica essencial: O prprio trao ao combinar, por via associativa, os elementos e complexos concretos particulares, parece tornar-se difuso, indefinido, diludo, confuso, dando como resultado um complexo que combina por meio dos vnculos difusos e indefinidos os grupos diretamente concretos de imagens ou objetos (Vigotski, 2001, p. 188). Neste estgio, a criana ingressa em um mundo de generalizaes difusas, permanece30

nos limites dos vnculos concretos e diretamente figurados entre os objetos particulares. Por exemplo: uma criana escolhe para uma determinada amostra um tringulo amarelo no s tringulos, mas tambm trapzios, uma vez que eles lembram tringulos com o vrtice cortado. Depois aos trapzios juntam-se os quadrados, aos quadrados os hexgonos, aos hexgonos os semicrculos e posteriormente os crculos. Observa-se, que neste caso, a forma se dilui e se torna difusa quando tomada como trao bsico. Para completar o quadro do desenvolvimento por complexos, na quinta fase, denominada por Vigotski (2001) de pseudoconceito, embora semelhante ao empregado pelos adultos em atividades intelectuais, muito diferente do conceito propriamente dito, pois difere em sua essncia e natureza psicolgicas. Segundo Vigotski (2001, p. 190) a criana produz um pseudoconceito cada vez que se v s voltas com uma amostra de objetos que poderiam ser agrupados com base em um conceito abstrato. Essa generalizao feita pela criana surge ainda com base no seu pensamento por complexos. Ainda, em relao formao do pseudoconceito, Vigotski (2001, p. 191) salientou que os pseudoconceitos constituem a forma mais disseminada, predominante sobre todas as demais e, freqentemente, quase exclusiva de pensamentos por complexos na fase prescolar. Vigotski ressaltou ainda que os complexos infantis, que correspondem aos significado das palavras, no se desenvolvem de forma livre e espontnea, pois so previamente esboadas pelo significados das palavras dadas pelos adultos. Nas palavras de Vigotski (2001): Por meio da comunicao verbal