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ISSN: 2236-3173 1 Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Bahia; Especialista em Políticas Públicas pela Universidade Tiradentes. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe. Professor da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes; Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Tiradentes; Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Paulista; Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Registro Público pela Universidade Cândido Mendes, Doutorando em Direito pela Universidade do Museu Social Argentino. Servidor Público Estadual de Sergipe. Professor da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe. Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe - Fanese - Sergipe Revista do Curso de Direito - Vol. 2 – Nº 1 – Dezembro/2012 BREVE OLHAR ACERCA DA (DES)CONSTRUÇÃO DO PARADÍGMA PRISIONAL ENQUANTO FERRAMENTA DE RESSOCIALIZAÇÃO Fernando Ferreira da Silva Júnior 1 Alessandro Buarque Couto 2 RESUMO Diariamente nossos noticiários são preenchidos por imagens de conflitos e rebeliões, nos diversos sistemas penitenciários de quase todos os estados da Federação, gerando questionamentos constantes acerca do modelo de ressocialização empregado e sua real efetividade. Pouco se sabe acerca do sistema penitenciário, seus modelos e como se formou, o que nos abre uma janela para um breve olhar acerca deste tema, com vistas a contribuir para a comunidade acadêmica trazendo a (des)construção desse modelo que deve ser relido constantemente, com fito de atingir seu fim ressocializador. Assim, este trabalho tem por escopo apresentar, sob uma abordagem descritiva, a privação da liberdade dentro do contexto social, bem como o sistema penitenciário e seus modelos, uma linha histórica, partindo da Antiguidade até chegar à Idade Moderna, enfatizando a natureza da pena de prisão e o seu objetivo e, em sede derradeira, debruçando-se sobre o modelo brasileiro, de modo a fazer com que se possa tornar mais inteligível o estado de falência múltipla em que se apresenta o sistema carcerário brasileiro. Palavras-chave: Prisão. Penitência. Sistema penitenciário.

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ISSN: 2236-3173

1 Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Estadual da Paraíba; Especialista em Segurança Pública pela

Universidade Estadual da Bahia; Especialista em Políticas Públicas pela Universidade Tiradentes. Mestre em

Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe. Professor da Faculdade de Administração e

Negócios de Sergipe. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes; Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela

Universidade Tiradentes; Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Paulista;

Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela

Universidade Cândido Mendes; Especialista em Registro Público pela Universidade Cândido Mendes, Doutorando em

Direito pela Universidade do Museu Social Argentino. Servidor Público Estadual de Sergipe. Professor da Faculdade de

Administração e Negócios de Sergipe.

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BREVE OLHAR ACERCA DA (DES)CONSTRUÇÃO DO PARADÍGMA PRISIONAL

ENQUANTO FERRAMENTA DE RESSOCIALIZAÇÃO

Fernando Ferreira da Silva Júnior1

Alessandro Buarque Couto2

RESUMO

Diariamente nossos noticiários são preenchidos por imagens de conflitos e rebeliões, nos

diversos sistemas penitenciários de quase todos os estados da Federação, gerando

questionamentos constantes acerca do modelo de ressocialização empregado e sua real

efetividade. Pouco se sabe acerca do sistema penitenciário, seus modelos e como se formou, o

que nos abre uma janela para um breve olhar acerca deste tema, com vistas a contribuir para a

comunidade acadêmica trazendo a (des)construção desse modelo que deve ser relido

constantemente, com fito de atingir seu fim ressocializador. Assim, este trabalho tem por

escopo apresentar, sob uma abordagem descritiva, a privação da liberdade dentro do contexto

social, bem como o sistema penitenciário e seus modelos, uma linha histórica, partindo da

Antiguidade até chegar à Idade Moderna, enfatizando a natureza da pena de prisão e o seu

objetivo e, em sede derradeira, debruçando-se sobre o modelo brasileiro, de modo a fazer com

que se possa tornar mais inteligível o estado de falência múltipla em que se apresenta o

sistema carcerário brasileiro.

Palavras-chave: Prisão. Penitência. Sistema penitenciário.

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1 INTRODUÇÃO

O sistema prisional, enquanto ferramenta de isolamento e ressocialização do indivíduo

acautelado pelo Estado, se demonstra ineficiente em cumprir com seu objetivo de transformar

e educar, sendo, em verdade bolsões de desumanização, fato este que se materializa em

rebeliões e histórias de conflitos noticiadas constantemente, em virtude da falta de estrutura e

superlotações, demonstrando total desrespeito a princípios basilares abraçados na Carta

Republicana de 1988.

É mais que sabido que os estabelecimentos prisionais estão abarrotados de pessoas

expostas à condições insalubres, sem oportunidade de educação formal, atividades de

ressocialização e alimentação precária, situações estas que afrontam também as normas postas

Lei nº. 7.210/84 – Lei de Execução Penal (LEP) e, assim, a pena, sob tais condições, reflete

apenas o castigo e a segregação e nada mais que isso, não sendo tocados os vetores prevenção

e ressocialização, para os quais se destina o cárcere, no qual o preso que aproveitasse a

oportunidade de estudar e trabalhar, passaria a ser o instrumento de sua própria evolução,

enquanto sujeito de direitos.

Notamos que é mais que urgente a adoção de medidas que desconstruam o paradigma

do cárcere hobbesiano em que o indivíduo mau deve ser tão e somente castigado pelos outros

“lobos”1 que o lançam à própria sorte nos braços do Leviatã2, de modo a fazer com que se

concretize de fato a ressocialização. Neste sentido, surge a alternativa da terceirização do

serviço de acautelamento dos cidadãos postos à margem social, após serem penalizados, sem

que seja retirado do Estado seu dever-poder de punir.

O surgimento desse novo paradigma no trato dispensado pelo Estado aos seus

acautelados, tendo por azo cumprir seu papel de ressocializador, cria uma oportunidade de

reflexão acerca do tema e assim formata rico diapasão de estudos e pesquisas nos vários eixos

de conhecimento, o que mostra relevância deste estudo e convida pó leitor a seguir nas linhas

que se seguem.

Assim, de modo a apresentar uma análise descritiva do tema supra apontado, além

deste intróito, seguimos as próximas seções traçando um resgate da pena privativa de

liberdade e dos sistemas próprios a ela, de modo a traçar verdadeira (des)construção do papel

1 Menção à ideia de Thomas Hobbes que diz que o “homem é lobo do próprio homem”. 2 Retratada pela primeira vez no Livro de Jó, o Leviatã foi considerado pela Igreja Católica durante a Idade

Média, como o demônio representante do quinto pecado e foi utilizado por Hobbes para representar o Estado.

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ressocializador do Estado, por meio de seu sistema de penitências e, em sede derradeira são

apresentadas as considerações finais.

2 O CERCEAMENTO DE LIBERDADE E O SISTEMA PENITENCIÁRIO

2.1 Alguns traços históricos do cerceamento de liberdade

O cerceamento de liberdade é ferramenta coercitiva do Estado, decorrente da aplicação

de sanção penal proferida em decisão condenatória transitada em julgado. Além do fato de

servir como instrumento cautelar na persecução penal, de modo a coibir novos delitos

praticados pelo acusado, como também, para evitar sua fuga, dentre outras razões e

circunstâncias, a depender do caso concreto.

Quanto ao resgate histórico, Weber Martins Batista (1996) leciona que:

Desde o início das relações humanas, nas eras mais remotas, o respeito às regras

comunitárias tornou-se fundamental, ensejando a preservação do interesse comum.

Deste modo, cada indivíduo passou a ceder parte de seus objetivos pessoais para

então compor as regras de convivência, com isso, permitindo que fosse punido ao

infringir tais normas, prevalecendo o bem geral sobre o individual. Destarte, essas

regras evoluíram com a história visando atender às necessidades das relações

humanas e impulsionaram a adaptação gradativa dos ordenamentos jurídicos e das

modalidades punitivas, embora tenham permanecido os conflitos em torno da

finalidade e eficácia das punições.

Ocorre, contudo, que há significativa dificuldade de definir a origem da pena de

prisão, haja vista que porém, que:

A origem da pena, todos recordam, é muito remota, perdendo-se na noite dos

tempos, sendo tão antiga quanto a humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-

la em suas origens. [...] Quem quer que se proponha a aprofundar-se na história da

pena de prisão corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se

apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de

espinhos. (BITENCOURT, 2004)

Desta forma, a análise cronológica posta pela doutrina, nos situa melhor nessa análise

que segue da Antiguidade à Modernidade, conforme se vê a seguir.

2.1.1 Na antiguidade

A Antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade estritamente

considerada como sanção penal. Embora seja inegável que o encarceramento de

delinquentes existiu desde tempos imemoráveis, não tinha o caráter de pena e

repousava em outras razões. (BITENCOURT, 2004)

Depreende-se, portanto, que o encarceramento não era utilizado como sanção penal,

mas sim, com objetivo de contenção e guarda até o momento da execução, sendo a prisão uma

ante-sala de suplícios como a pena de morte ou castigos físicos. Assim, não havia uma

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arquitetura própria para o cárcere, apenas eram reservados os piores lugares, como arcabouços

ou aposentos em ruínas ou insalubres de uma diversidade de edifícios abandonados.

A privação da liberdade não possuía qualquer característica de pena, e sim, era apenas

utilizada como meio de assegurar a efetividade da condenação. Aliás, como sanção penal, só

passou a ser utilizada com o decorrer dos anos, especialmente com a mudança de paradigmas,

mediante a evolução dos princípios humanistas.

2.1.2 Na idade média

No medievo, a prisão permaneceu com seu foco custodial, antes dos encarcerados

serem submetidos aos shows sangrentos aos quais seguiriam e, assim, teriam braços e pernas

amputados, queima de carne a fogo e a morte em formas variadas.

Nesse período, a Igreja Católica, tendo como substrato o direito canônico, trabalhou

para por a pena como ferramenta de espiritualização, propagando o dogma de que a pena

purificaria o sujeito à qual estaria submetido, tornando o condenado digno de entrar no

paraíso, tendo a imortalidade de sua alma sido contemplada com a paz celestial.

O Direito Canônico, predominando na Idade Média, perpetuou o caráter sacro da

punição, que continuava severa, mas havia, ao menos, o intuito corretivo, visando à

regeneração do criminoso. A religião e o poder estavam profundamente ligados

nessa época e a heresia implicava em crime contra o próprio Estado. Surgiram os

manifestos excessos cometidos pela denominada Santa Inquisição, que se valia,

inclusive, da tortura para extrair a confissão e punir, exemplarmente, com medidas

cruéis e públicas, os culpados. Inexistia, até então, qualquer proporcionalidade entre

a infração cometida e a punição aplicada. (NUCCI, 2009)

Na Idade Média, emerge a prisão eclesiástica tendo como destinatários clérigos

rebeldes que, segundo a Santa Sé, atentavam em desfavor das ideias de caridade, redenção e

fraternidade. Destarte, é nesse período que se nota a grande influência da religião na evolução

da pena, conforme se vê:

O direito canônico contribuiu consideravelmente para com o surgimento da prisão

moderna, especialmente no que se refere às primeiras idéias sobre a reforma do

delinquente. Precisamente do vocábulo ‘penitência’, de estreita vinculação com o

direito canônico, surgiram as palavras ‘penitenciário’ e ‘penitenciária’.

(BITENCOURT, 2004)

Assim, é notável a ascendência que a Igreja Católica teve com a pena de prisão, vale

dizer que foi a genitora das chamadas “penitenciárias”. Como ainda, é evidente a influência

da prisão canônica no conceito e princípios da prisão moderna.

2.1.3 Na idade moderna

A Idade Moderna, toda a Europa foi marcada por extrema pobreza, a qual gerou um

clima de desespero e empurrou muitos cidadãos à marginalidade, fazendo com que o crime se

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torne a opção de sobrevivência. Tornando quase que impossível fazer da pena de morte como

resposta à enorme quantidade de pessoas que delinquiam.

Deste modo, a política carcerária necessitava de revisão, de modo a fazer com que a

prisão assumisse outro papel, conforme se vê nos ensinamentos de Foucault (2007): “[...]

desaparece, destarte, em princípio do séc. XIX, o grande espetáculo da punição física, o corpo

supliciado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da

sobriedade punitiva”.

Até mesmo por que, a ideia neste momento, era a de que a pena não deveria ter apenas

o viés punitivo, mas também, deveria assumir uma função mais nobre, que seria a de

recuperar o infrator, tornando-o apto a retornar ao convívio em sociedade.

Pode-se entender que a guisa do exposto, que a evolução da pena, desde a aplicação

das infamantes até as mais brandas, reflete na busca em equacionar problemas históricos de

política criminal e de ordem sócio-econômica. Mas também, pode ser atribuída à busca da

valorização da vida e da preservação da integridade física e mental do encarcerado.

2.2 Revisando o sistema prisional

As instituições prisionais surgiram por necessidade própria do homem, consequência

do contrato social, que exige um ordenamento coercitivo que sirva para manutenção da

harmonia social.

[...] uma exigência amarga, mas imprescindível. A história não é a de sua

progressiva abolição, mas de sua reforma. A prisão é concebida modernamente

como um mal necessário, sem esquecer que guarda em sua essência contradições

insolúveis. (BITENCOURT, 2004)

Neste contexto, Oliveira (1984), traz os principais sistemas prisionais, os quais

detalhamos a seguir:

2.2.1 Sistema Panótico

Criado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, em verdade, pode ser considerado mais

como um modelo de arquitetura do que um sistema prisional propriamente dito. Deste modo,

sua característica principal era a vigilância constante, pois apresentava uma forma

arquitetônica que objetivava incutir no detento a ideia de permanente visibilidade pelo poder

dominante.

Prisões do modelo radial povoaram o mundo inteiro, sendo a primeira construída em

1800, na cidade americana de Virgínia. Em 1826, foi inaugurada a Penitenciária Panótica de

Pittsburgh na Pensilvânia.

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2.2.2 Sistema de Filadélfia

Também denominado de celular ou pensilvânico, teve origem na cidade de Filadélfia,

nos Estados Unidos, em 1790, e foi influenciado por princípios religiosos católicos. Pregava-

se o isolamento absoluto e constante, sem visitas, trabalho, predominando a ociosidade. A

única atividade desenvolvida pelo custodiado seria a leitura da Bíblia, acreditando-se que sua

consciência reagiria e atingiria o remorso.

[...] isolamento absoluto [...] não se pede a requalificação do criminoso ao exercício

de uma lei comum, mas à relação do indivíduo com sua própria consciência e com

aquilo que pode iluminá-lo de dentro. Desse modo, chegamos à conclusão de que no

regime adotado na Filadélfia, as únicas operações de correção do indivíduo foram a

consciência e a arquitetura que isolava o indivíduo de todo contato com outro ser

humano. (FOUCAULT, 2007)

O Sistema pensilvânico foi muito criticado dada a sua severidade em desfavor do

condenado. Além disto, em muitas vezes o preso era exibido a estranhos para servir de

exemplo, já que se abria a cela para que o povo pudesse ver a triste reclusão e o estado em que

o detento se encontrava.

2.2.3 Sistema de Auburn

Este sistema tem sua origem no ano de 1821, na prisão nova-iorquina de Auburn,

como alternativa ao Sistema de Filadélfia. Tal modelo prescrevia o cumprimento da pena de

prisão em silêncio absoluto, porém, num regime de comunidade durante o dia e isolamento

em cela individual no período noturno.

Neste sistema, caso algum dos presos rompesse o silêncio, seria submetido à castigos

físicos, sendo chicoteado, de modo a retomar a disciplina e manter o mutismo total.

Outrossim, proibiam-se visitas e a prática de exercícios físicos, como também, não havia

qualquer forma de lazer.

Oportuno colocar que Auburn surgiu também como forma de aproveitar a mão-de-

obra carcerária como força produtiva, e “não só por que oferece mais vantagens que o

filadélfico, mas porque o desenvolvimento das forças produtivas, assim como as condições

imperantes do desenvolvimento econômico o permitiam”. (BITENCOURT, 2004)

Desta forma, ante o rigor excessivo, os detentos adquiriram o costume de se

comunicar com as mãos, formando um alfabeto. Tal atitude ainda hoje é praticada nos

presídios de segurança máxima que apresentam um esquema mais rígido de disciplina. Os

presos comunicam-se através de sinais sonoros, mediante batidas em paredes, esvaziamento

da bacia dos sanitários etc.

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2.2.4 Sistema de Montesinos

Este sistema herda o nome de seu idealizador, o Coronel espanhol Manoel Montesinos

y Molina, que na criticou veementemente o Sistema de Auburn, defendendo que os

acautelados tinham direito a tratamento digno, durante o cumprimento da pena privativa de

liberdade.

Em 1834, tornou-se diretor do Presídio de San Agustín, na cidade espanhola de

Valência, onde propôs que a pena deveria ter em sua essência a busca da regeneração daquele

que havia cometido o delito, extinguindo castigos corporais e remunerando o trabalho

desempenhado pelos presos, com vistas a não se sentirem explorados, situações essas que

fizeram diminuir o número de evasões.

2.2.5 Sistema progressivo inglês

Em 1846, Capitão da Marinha inglesa Alexander Maconochie, diretor do Presídio da

Ilha de Norfolk, localizado na Austrália, colônia da Inglaterra à época, criou o modelo

progressivo que levava em consideração a gravidade do crime praticado, a conduta carcerária

do detento e o seu labor no presídio, no qual o condenado ao longo de sua pena, recebia

“marcas” ou “vales” à proporção que sua conduta era considerada positiva, porém, perderia

no caso de ter uma postura desabonadora. De sorte que tal modelo também foi denominado de

Sistema de vales ou marcas.

A pena era dividida, basicamente, em três períodos: 1º) Período de Prova, durante o

qual o preso permanecia em isolamento; 2º) Período de Isolamento e trabalho – neste período

o preso ficava em isolamento noturno e, durante o dia, podia trabalhar em grupo, mas em

silêncio; 3º) Período da comunidade – neste período, o preso era transferido para Casa de

Trabalho Pública, passando a adquirir privilégios até receber o livramento condicional.

2.2.6 Sistema progressivo irlandês

O Sistema Irlandês acrescentou um período ao modelo inglês, de modo a preparar o

preso para o retorno ao convívio social. Seu idealizador foi Walter Crofton, que implantou a

transferência do detento para prisões intermediárias onde a vigilância era menor e era abonado

o uso de uniforme, além de ser permitida a conversação com as demais pessoas e admitida a

saída até certa distância.

O Sistema progressivo irlandês foi adotado no Brasil, com exceção das “marcas”, ao

mesmo tempo em que adicionou o trabalho com isolamento noturno, a observação, a

liberdade condicional e o regime semi-aberto ou colônia agrícola.

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2.3 Projetando o sistema penitenciário brasileiro

Os presídios brasileiros existentes por volta do século XIX traziam características do

período colonial, durante o qual a Prisão Pública dividia espaço com a Câmara Municipal,

possuindo dois pisos, onde primeiro era ocupado pela cadeia e o segundo pela casa legislativa.

Em 1830, com o advento do Código Criminal do Império, alguns aspectos ficaram

melhor definidos, essencialmente quanto à pena de prisão, que previamente implicava apenas

no “depósito” de indivíduos em celas. Assim, devido a ideias inovadoras oriundas do exterior,

a partir das reformulações penais implementadas nos Estados Unidos e na Europa, o

cerceamento da liberdade passou a ter uma caracterização mais racional.

Todavia, o Código Criminal não previu medidas quanto ao funcionamento das prisões.

Desta forma, estabeleceu-se que competiria às Assembleias Legislativas Provinciais

preceituar por leis acerca de sua estruturação, como ainda, sobre o regime nelas a serem

adotados.

Destarte, após estas primeiras linhas, o histórico da realidade penitenciária brasileira

será adiante analisado de forma particularizada, desde o Brasil Colônia até os dias atuais.

2.3.1 Período colonial e império

No Livro V das Ordenações Filipinas do Reino – Código de Leis Portuguesas

implantado no Brasil durante o período Colonial –, encontra-se a primeira menção

que se faz à prisão no Brasil. Esse Código decretava que a colônia brasileira fosse

tida como local de degredo ou, em outras palavras, como um presídio para aqueles

que em Portugal tivessem cometido os mais diversos crimes, como por exemplo:

alcaguetagem, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou

tentativa de entrada em casa alheia, resistência às ordens judiciais, falsificação de

documentos, contrabando de pedras e metais preciosos (MINHOTO, 2000).

O Brasil, então, foi utilizado como local para degredados até o ano de 1808, quando a

Família Real Portuguesa desembarcou nestas terras e, assim, os degradados passaram a ser

encaminhados para o Continente Africano.

Em 1824, por força da Carta Magna, o Brasil segue uma tendência progressista e,

adere à nova modalidade penal, decretando a criação de prisões adaptadas ao trabalho e com a

devida separação dos réus por delito cometido.

Mais tarde, em 1830, o Código Criminal regularizaria a pena de trabalho e da prisão

simples, sendo que o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, daria às Assembleias

Legislativas Provinciais o direito sobre a construção de casas de prisão, trabalho,

correção e seus respectivos regimes (THOMPSON, 2002).

Adverte Laurindo Dias Minhoto (ibidem), que “mesmo naquela época, a opinião

pública tomou parte nos debates sobre a implantação do regime penitenciário em nosso país”.

Os grandes centros urbanos, a exemplo de Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, discutiram as

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questões em torno da melhor forma de implantar um novo regime penitenciário, reunindo

intelectuais e juristas, devidamente apoiados pelo Estado, os quais compuseram comissões

especiais e seguiram em visita para alguns países, a exemplo dos EUA, da Inglaterra e da

França, objetivando verificar as verdadeiras circunstâncias de aprisionamento e

gerenciamento das chamadas prisões-modelo.

De qualquer forma, as diretrizes do novo padrão penitenciário já estavam

determinadas pela Constituição Política do Império do Brazil (Carta de Lei de 25 de Março de

1824), que em seu artigo 179, inciso XXI, determinava que: “As Cadêas serão seguras,

limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas

circumstancias, e natureza dos seus crimes”. Contudo, o que se via eram as “casas de

recolhimento”, que apresentavam situação deprimente, não oferecendo nenhum destes

requisitos. Exemplo disso é a Prisão Eclesiástica do Aljube, situada cidade do Rio de Janeiro,

que teve como fundador o Bispo Antônio de Guadalupe em 1735.

Os vários testemunhos sobre a Prisão do Aljube dão-nos o quadro do sofrimento dos

presos, apontando para uma história que ainda precisa ser escrita e que ecoa até os dias de

hoje, uma vez que a edificação fora projetada para abrigar 15 indivíduos e, naquela data, tinha

cerca de 390 acautelados. Tal fato revela que já é antigo o grande descaso pelo poder público

e que as condições deprimentes e a total carência de um programa de recuperação do cidadão

infrator já compunham os problemas que, séculos depois, foram apenas potencializadas.

Em verdade, o que se nota é que todos os escopos que orbitavam o sistema prisional;

mesmo no século XIX, não se concretizam até os dias atuais, fazendo com o sistema resuma-

se em somente recepcionar, internar e submeter o preso a uma série de procedimentos-padrão,

como “banho de sol”, nada que se configure como atividade de labor, intelectual ou de

desporto, estando os internos expostos à vontade da carceragem.

O que se anunciava como uma revolução humanitária em relação à regulamentação do

sistema prisional, acabou se tornando um novelo de regramentos burocráticos, como bem

observa Minhoto (2000), ao colocar que:

[...] todo o arcabouço legislativo montado pela regulamentação das prisões e pelo

conjunto de leis, decretos e códigos não humanizou o sistema penitenciário; muito

pelo contrário, a quantidade de novos mandamentos sobre a conduta e direção das

casas de aprisionamento fez com que se perdesse a finalidade da origem da prisão,

transformando a instituição em mero aparelho burocrático. Constatamos, dessa

forma, que o mau gerenciamento foi uma das causas que desde a implantação dos

cárceres em território brasileiro, impediu que o objetivo de transformar o condenado

em uma ‘nova pessoa’ fosse atingido, retornando, assim, após o cumprimento da

pena, à readaptação social.

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Assim, o que se nota é que, muito embora houvesse uma preocupação com as

condições gerais dos presos e com o sanção que lhe fora imposta, a almejada “readaptação”

não renunciava substituía à ideia de mero instrumento repressor.

2.3.2 A Prisão e a República

As transformações ocorridas no Brasil no final do século XIX, pondo termo na

monarquia e dando início à República, trouxeram reflexos para a estrutura penal punitiva. De

modo que se tornou imperioso um novo sistema jurídico que representasse a nova ordem.

Com esse espírito, é que exatamente um ano após a promulgação da República, entrou

em vigor o Código Penal de 1890 (Decreto nº. 847 de 11 de outubro de 1890), que em seu

artigo 43, estabelecia as seguintes modalidades de penas: “a) prisão cellular; b) banimento; c)

reclusão; d) prisão com trabalho obrigatorio; e) prisão disciplinar; f) interdicção; g) suspensão

e perda do emprego publico, com ou sem inhabilitação para exercer outro; h) multa”.

Com relação à prisão celular, afirma-se que tal modalidade antecipava o que hoje é

chamado de humanismo na administração carcerária, como defendem setores ligados à prática

dos direitos humanos. E mais, muito do que ainda hoje se pratica como disposição legal

relativamente à prisão, quanto à impossibilidade de penas perpétuas e coletivas, fora previsto

no supramencionado diploma (ibidem), conforme se constata em seu artigo 44: “Não ha penas

infamantes. As penas restrictivas da liberdade individual são temporarias e não excederão de

30 annos”.

Deste modo, a ideia da prisão celular constituía-se como verdadeiramente moderna, e

serviria de sustentáculo a todo o sistema repressivo brasileiro, cuja regulação se encontraria

nos artigos 50 e 51 da norma em comento (ibidem), in verbis:

Art. 50. O condemnado a prisão cellular por tempo excedente de seis annos e que

houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser

transferido para alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da

pena.

§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a

cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu.

§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda,

poderá obter livramento condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não

exceda de dous annos.

Art. 51. O livramento condicional será concedido por acto do poder federal, ou dos

Estados, conforme a competencia respectiva, mediante proposta do chefe do

estabelecimento penitenciario, o qual justificará a conveniencia da concessão em

minucioso relatorio.

Paragrapho unico. O condemnado que obtiver livramento condicional será obrigado

a residir no logar que for designado no acto da concessão e ficará sujeito á vigilancia

da policia.

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As considerações e disposições previstas e/ou pretendidas pela estrutura penitenciária

idealizavam um modelo no qual os indivíduos não seriam meros apenados, condenados a

pagarem seus infortúnios legais sem a mínima chance de se recuperarem, ao contrário, a pena

privativa de liberdade passava a ser encarada como a esperança de conseguir a recuperação

dos condenados (BITENCOURT, 2004). Assim, entre os pressupostos desta idealização

penitenciária estavam: a segurança dos detentos; higiene apropriada em todos os recintos da

prisão; segurança por parte dos vigilantes e guardas; execução do regime carcerário aplicado;

e, inspeções frequentes às prisões.

Do ponto de vista do que poderíamos chamar de idealização do sistema, a questão

penitenciária deveria tratar das funções exercidas pela pena na vida social. De qualquer forma,

as condições gerais do então sistema penitenciário não permitiam quaisquer chances de

efetivação da prisão celular. Tanto é prova, que ficara positivado no artigo 409 do referido

Código (ibidem), o seguinte comando:

Art. 409. Emquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena

de prisão cellular será cumprida como a de prisão com trabalho nos

estabelecimentos penitenciarios existentes, segundo o regimen actual; e nos logares

em que os não houver, será convertida em prisão simples, com augmento da sexta

parte do tempo.

Desta feita, à espécie de uma fábula, o sistema penitenciário brasileiro não criava

condições morais, tampouco físicas de colocar em prática o projeto idealizado, mas insistia

em alardear sua aplicação sob as estruturas de um modelo arcaico. A tendência, e note-se que

aqui se reporta a eventos ocorridos a pouco mais de um século, era transformar, ou manter, o

preso desocupado, tornando-o cada vez mais promíscuo e incapaz de vislumbrar qualquer

possibilidade de recuperação.

[...] a prisão celular é desumana porque elimina ou atrofia o instinto social, já

fortemente atrofiado nos criminosos e porque torna inevitável entre os presos a

loucura ou a extenuação (por onanismo, por insuficiência de movimentos, de ar,

etc.) [...] a Psiquiatria tem notado, igualmente, uma forma especial de alienação que

chama loucura penitenciária, assim como a clínica médica conhece a tuberculose

das prisões [...] (FERRI apud BITENCOURT, 2004)

Porém, independentemente de a sociedade passar por transformações, transformava-se

o sistema prisional. Assim é que, já na primeira década do século XX, sob pretexto de se

legitimar socialmente, o sistema prisional adquire variações com vistas a obter um melhor

controle sobre a população carcerária. Daí que surgem, como observância à qualificação do

preso, prisões adequadas às categorias criminais: contraventores, menores, processados,

loucos e mulheres.

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Ocorre, no entanto, que as soluções aplicadas acabavam seguindo o mesmo sentido e,

medida paliativa, a direção dos presídios utilizava os castigos físicos, assumidamente em

razão das deficiências operacionais do sistema penitenciário.

Além disso, a inexistência de um ordenamento jurídico que dispusesse claramente

como se daria a aplicação das sanções impostas, impediu que os princípios norteadores do

Código Penal de 1890 fossem exitosos. Desta forma, emergiu ainda mais forte a necessidade

de regras para a execução penal, uma vez que as casas de correição começaram a criar seus

próprios códigos de conduta que, em regra, eram concebidos por Decretos, eram

contraditórios entre si. Assim, com a sistematização da execução penal se deu com o advento

da Lei de Execução Penal - LEP, várias foram as tentativas e ensaios normativos, a exemplo

do Projeto do Código Penitenciário de 1933, do Anteprojeto do Código Penitenciário de 1957,

do Anteprojeto de 1963, do Anteprojeto de 1970 e das Leis nº. 3.274/57 e nº. 6.416/77.

O sistema penitenciário padeceu sob as chamadas normas gerais do regime

penitenciário, a princípio estabelecidas pela própria conduta regimentar em relação ao

sistema. As intermináveis pelejas legislativas faziam apenas paralisá-lo, condição básica para

que determinadas situações fossem ainda mais agravadas, como por exemplo, o problema da

superlotação dos presídios e a profusão de leis e decretos que criminalizavam certas condutas

que, por outros discursos já estariam criminalizadas, ou seja, um repertório redundante que

vem há muito tempo colaborando com a situação atual do sistema (DOTTI, 2003, [n.p.]).

Neste diapasão, mediante o Decreto-lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940, é

publicado o Código Penal em vigor, no qual foram dispostas inovações visando a condução

moderada do Estado em relação ao poder de punir. Entrementes, em face do desmando e da

negligência do poder público, o sistema prisional continuou padecendo de problemas como a

superpopulação, promiscuidade, falta de ações quanto à recuperação e reinserção do preso,

desrespeito a princípios de dignidade e humanitários etc.

Com a reforma da Parte Geral do Código Penal e a edição da Lei de Execução Penal,

em 1984, houve uma valorização do sistema progressivo. De fato, além de

dependente do atendimento de exigências formais (motivação da decisão; oitiva

prévia do Ministério Público; parecer da Comissão Técnica de Classificação; exame

criminológico, quando necessário), a progressividade encontra-se, de acordo com a

legislação, subordinada ao cumprimento de pelo menos um sexto da pena no regime

anterior e ao mérito do condenado, indicativo da progressão. (PRADO, 2010)

Impende registrar, que aos condenados pelo cometimento de crimes hediondos, pela

prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, bem como de terrorismo; a

progressão de regime dar-se-á após o cumprimento de dois quintos da sanção, caso seja

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primário, e de três quintos, na hipótese de reincidente, conforme nova redação dada pela Lei

nº. 11.464/2007, ao art. 2º, § 2º, da Lei nº. 8.702/1990, a qual dispõe sobre os crimes

hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal de 1988.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um olhar histórico-legal sobre a aplicação de medida coercitiva contra o transgressor

da ordem nos mostra que o cárcere representava, até meados da idade moderna, mera

vingança. Contudo, a humanidade, seguiu aspirando, ao longo do tempo, por melhores

reflexões acerca da essência das sanções, haja vista que o mero suplício diante do ofendido

não bastava para solucionar o problema da violência.

Na segunda metade do século XVIII, as correntes doutrinárias lançaram buscaram dar

novo sentido às penas, qual seja, de reabilitar o indivíduo para a vida em sociedade e,

portanto, o Estado precisou adaptar-se, por meio de criação de casas de custódia, onde eram

recolhidos os delinquentes com o objetivo de recuperá-los, caracterizando o início daquilo que

seria o sistema penitenciário.

O sistema de penitências, mesmo passando pelo caleidoscópio humanista, seguiu

sobrecarregado, dadas as consequências nefastas da Revolução Industrial e do capitalismo

enquanto vetor ideológico de matriz excludente, conduzindo às unidades prisionais aqueles

que foram postos à margem dos padrões estabelecidos pelo capital.

Esta sobrecarga ecoa até hoje, levando o sistema prisional à falência que a sociedade

presencia através de situações-limite, a exemplo da superlotação, e dos altos índices de

reincidência, o que ensejou a busca por alternativas que levassem à efetividade do que se

procura através do acautelamento do indivíduo infrator da norma, ou seja, a dita

ressocialização.

No Brasil, seguindo tendências já vividas em nível mundial e envolvido numa ciranda

de perspectiva humanista, mas frustrado pelo dinâmica torpe, verifica-se que apenas se vê

(des)construindo constantemente o conceito pragmático de prisão como instrumento

essencialmente punitivo e que se apresenta ineficiente em sua real função de ressocializar.

Por fim, o que se nota é que, mesmo com todo esforço para sedimentar o ideário

racional e humanista no cárcere, a desordem multifatorial, sobretudo na gestão administrativa

do sistema penitenciário, cria verdadeiro anteparo para que a execução penal possa cumprir

sua missão de bem efetivar as disposições do Estado-juiz e oferecer condições necessárias

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para a integração harmônica daqueles que são acautelados pelo Estado em seu sistema

prisional.

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