BIOSSEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL...Orientador: Dr. Fernando Gustavo Knoerr CURITIBA 2016 TERMO DE...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA UNICURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA JUAREZ RIBAS TEIXEIRA JUNIOR BIOSSEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL CURITIBA 2016

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA –UNICURITIBA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

JUAREZ RIBAS TEIXEIRA JUNIOR

BIOSSEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL

CURITIBA

2016

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JUAREZ RIBAS TEIXEIRA JUNIOR

BIOSSEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL

Dissertação apresentada como requisito parcial à

Obtenção do grau de Mestre em Direito, do

Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do

Centro Universitário Curitiba.

Linha de Pesquisa: Atividade Empresarial e

Constituição (inclusão e sustentabilidade)

Orientador: Dr. Fernando Gustavo Knoerr

CURITIBA

2016

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TERMO DE APROVAÇÃO

BIOSSEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre

em Direito, do Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro

Universitário Curitiba. Linha de Pesquisa: Atividade Empresarial e Constituição

(inclusão e sustentabilidade) pela seguinte Banca Examinadora:

..........................................................................................................

Professor Orientador: Professor Dr. Fernando Gustavo Knoerr

................................................................................................................

Membro Interno: Professora Dra. Viviane Coelho de Séllos Knoerr

...........................................................................................

Membro Externo: Professor Dr.Ilton Garcia da Costa

Curitiba, 30 de junho de 2016

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DEDICATÓRIA

Agradeço ao Pai celestial pela tarefa confiada, aos

meus pais pela vida que me deram e que

carinhosamente sempre mantiveram, à minha irmã pelo

carinho e dedicação, ao meu filho que me nutre com

afeto e me dá entusiasmo para seguir em frente e a

toda minha família pelos elogios e incentivos exalados.

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AGRADECIMENTOS

A jornada da alma encontra diversos desafios, a força da superação forja o guerreiro que brota de cada

etapa vencida, mas o percurso não acontece sozinho, ao longo da estrada encontramos outros

peregrinos, firmam-se então parcerias, amizades e alianças. Entre estes companheiros se destacaram

alguns que dedico meus sinceros agradecimentos, ente eles:

Meu orientador Doutor Fernando Gustavo Knoerr, que com uma atenção refinada e precisa soube de

antemão sentir quais rumos minha dissertação tomava e com sua maestria corrigiu a rota, navegando

com o mesmo entusiasmo pelo meu tema, enaltecendo-me nas horas mais necessárias;

À sempre prestativa e dedicada coordenadora do nosso Mestrado a professora Dra. Viviane Séllos-

Knoerr, que com sua presença marcante deixou marcas indeléveis em todos os mestrandos pois une

rigorosa competência acadêmica com um caloroso coração de mãe, a ela devo muita gratidão!

Ao Professor Doutor Valmir Possetti pela participação em minha qualificação e por sua generosidade

em compartilhar preciosas informações,

Ao Professor Doutor Ilton Garcia que gentilmente aceitou ser meu membro externo e que com seu jeito

irreverente trouxe ânimo e percepções importantíssimas a meu trabalho,

Ao Dr. Clayton Reis, amigo fiel, presente, luminoso que me ajudou em várias etapas do meu caminho;

A todos os funcionários e estagiários do UNICURITIBA, que sempre de forma amistosa ajudaram nos

trâmites formais e brilhantemente assessoraram todas as etapas deste trabalho; especialmente, Joyce,

Anna, Josi;

A todos os professores que lecionaram no programa e que se tornaram parceiros de vida, em especial,

professor Dr. Edmilson Souza Lima e sua esposa Professora Sandra Maciel, Professor Dr. Mateus

Bertoncini, Professor Dr. Paulo Opuska e Professor Dr. Luiz Eduardo Gunther,

Ao grande amigo Roberlei Aldo Queiroz, irmão, mecenas e sócio desde quando a nau alçou velas,

sempre com um otimismo contagiante ajudou a refazer as rotas sem nunca perder o entusiasmo;

Finalmente aos meus pais pela paciência e apoio que me deram, a todos meus amigos que de alguma

forma participaram com seu afeto, entre eles, Gisele Maciel Rech, Daianne Brecailo, Juliana Bley,

Edemir Rossi, Julio Laki, André Rech e Eduardo Nunes.

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Epígrafe

Uma sociedade se torna admirável, à medida que seus velhos começam a plantar

árvores, em cujas sombras eles sabem que não vão descansar.

Provérbio Grego

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RESUMO

A pesquisa tem por finalidade pensar sobre os princípios e normas jurídicas previstas

em nosso ordenamento jurídico que garantam a nossa Soberania diante às pressões

políticas e econômicas que as empresas de Biotecnologia exercem com seu avanço

cada vez maior. Com o estudo desenvolvido, que vai desde a origem da desigualdade

natural entre os povos à origem da produção de alimentos, verificou-se a origem da

biotecnologia e de como o uso de tecnologias determinou a hegemonia de alguns

povos. A pesquisa se deteve em verificar a evolução das tecnologias de produção de

sementes e suas consequências econômicas, políticas, sociais e ambientais. Na

verificação destes resultados se analisou quais princípio e normas estavam em jogo,

assim como as instituições que regem cada uma delas. Neste ponto que a pesquisa

sugere medidas referendadas por cientistas que visam garantir o chamado

desenvolvimento integral, que abrange o aspecto ecológico, social e econômico,

consciente dos riscos que as presentes e futuras gerações enfrentam com o uso

reduzido do solo como mera extensão da indústria alimentícia. O trabalho de pesquisa

apontou as possíveis consequências que a perda da biodiversidade e o mal uso dos

recursos naturais pode acarretar se não houver intensa participação da sociedade civil

e do Estado.

PALAVRA CHAVE: Biotecnologia. Soberania. Risco. Função Social.

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ABSTRACT

The purpose of this research is to reflect about the principles and norms within our

Legal System that would guarantee our Sovereignty in face of mounting political and

economic pressure from the constant advance of biotechnology companies. Under this

study - that goes from the origins of natural human inequality to the origins of food

production – it is shown how the use of technology – and in particular biotechnology -

has determined the hegemony of several peoples. The research focused on the

evolution of seeds production technology and its economic, political, social and

environmental impacts. The result analysis contemplated the legal norms and

principles involved as well as the Institutions that regulate each one of them. At this

stage the research suggests measures backed by scientists to guarantee the so called

comprehensive development - which encompasses ecological and social-economical

aspects – bringing up the risks that present and future populations face by limiting the

use of soil as a mere extension of the food industry. The research work points out the

possible consequences that the loss of biodiversity and improper use of natural

resources might raise unless there is an intense participation of the civil society and

the State.

KEY-WORD: Biotechnology. Sovereignty. Risks. Social Function

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SUMÁRIO

1-INTRODUÇÃO:...................................................................................................12

2-A ORIGEM DA RODUÇÃO DE ALIMENTOS E A DESIGUALDADE NATURAL..............................................................................................................18

2.1- OS PRIMÓRDIOS DA AGRICULTURA NO BRASIL......................................20 2.2- A ERA DA BIOTECNOLOGIA.........................................................................22

3- O RISCO AMBIENTAL......................................................................................26

3.1-O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO...............................................................................................................26

3.2-A LEI DE BIOSSEGURANÇA E AS TECNOLOGIAS DE RESTRIÇÃO-TERMINATOR........................................................................................................34

3.3- ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O RISCO À TEIA DA VIDA.......................................................................................................................39

3.4-O PRINCÍPIO DO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO.....................................49

4- O RISCO ECONÔMICO....................................................................................52

4.1-A PROLETARIZAÇÃO E A IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO..............52

4.2-A FUNÇÃO SOCIAL DO USO DO SOLO E O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL.................................................................................................................58

4.3-PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL.......................70

4.4- O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA.....................................82

4.5-O USO ADEQUADO DO SOLO E A AGRICULTURA ORGÂNICA.................88

5- O RISCO CULTURAL...................................................................................... 95 5.1-O DIREITO À PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO CULTURAL ALIMENTAR...96

5.2-O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DA SAÚDE SOCIAL E O EQUILÍBRIO BIOPSICOSOCIAL..............................................................................................106

5.3-O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO EM FOMENTAR E FISCALIZAR AS ATIVIDADES AGRÍCOLAS SUSTENTÁVEIS.....................................................115

6- O RISCO POLÍTICO........................................................................................118

6.1-A BIOTECNOLOGIA E A TUTELA DA SOBERANIA....................................118

6.2-A PERPETUAÇÃO DO MONOPÓLIO DAS PATENTES ALIMENTARES....122

6.3-O PATENTEAMENTO DA VIDA-QUESTÕES ÉTICAS.................................125

7-CONCLUSÃO...................................................................................................127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................129

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LISTAS DE SIGLAS

ADN - ácido desoxirribonucléico

ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ARN - ácido ribonucléico

CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

CUP – Convenção da União de Paris

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EPA - (Environmental Protection Agency) Agência de Proteção Ambiental

EPC – European Patent Convention

FAO-Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

FDA – Food and Drug Administration FSA – Farm Service Agency

GM – Geneticamente Modificado(a)

INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial

IPHAN- Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LOSAN- Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional

MAPA- Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento.

OGM – Organismo Geneticamente Modificado

ONU-Organização das Nações Unidas

PNB-Política Nacional de Biossegurança

PNAPO- Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

PIDESC- Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

RR - Roundup Ready

SAN- Segurança Alimentar e Nutricional

SNPC - Serviço Nacional de Proteção de Cultivares SRB - Sociedade Rural Brasileira

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TRIPs - (Trade-related Aspects of Intellectual Property Rights) Acordo sobre Aspectos

dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio

UNICAMP – Universidade Federal de Campinas

USP - Universidade de São Paulo

V-GURT-Tecnologia de Restrição de Uso Genético

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1-INTRODUÇÃO

Com o aumento da população e a redefinição do mundo no pós-guerra, a

extração de recursos naturais se tornou insustentável, os países dominantes

começaram a explorar matérias primas para seu desenvolvimento nos países pobres

até leva-los ao exaurimento, em troca da exploração de minerais e vegetais restaram

gigantescas áreas desertificadas, estéreis, ao custo de milhares de vidas humanas.

Foi neste período que de desenvolveram as empresas que hoje monopolizam

o mercado global de produção de sementes, primeiro elas esgotaram os recursos

naturais pela exploração predatória, depois se valeram da biotecnologia e

apropriaram do D.N.A genético de toda riqueza natural.

E fizeram isso por meio das instituições políticas, criando legislações para a

exploração de seus interesses, sem que fosse preciso utilizar armas para impor suas

vontades, mas sim legitimando os atos por força de contratos e instituições políticas.

Foi na Convenção de Paris, em 1883 que foi se aperfeiçoando a defesa de

monopólios de patentes até os dias de hoje, este tratado desde sua origem vai contra

a redução da desigualdade e da pobreza e desde então legitima os acordos mais

espúrios.

Este acordo divide o mundo em ganhadores e perdedores. Os países com

estrutura inventiva bem montada, com instituições de ensino tradicional, ganharam os

mercados dos países que não estavam preparados cientificamente e

tecnologicamente para competir. Com o monopólio se elevam os preços e lucros e,

por conseguinte, acelera a transferência de renda dos consumidores para os

produtores, e por mais que a lei ponha termo em sua abrangência, ele se perpetua

pela inovação tecnológica de seu próprio produto e refaz o prazo de exploração num

ciclo interminável.

Tanto que todos os países que detentores de biotecnologia ampliaram seus

mercados, acumularam riquezas e poder, a riqueza reinvestida pôde gerar novas

tecnologias, repetindo-se o ciclo, tal qual uma bola de neve que vai crescendo. Os

países que entraram nesse ciclo tiveram recursos para sanear seus problemas de

educação, saúde, habitação e assim reduzirem seus problemas sociais.

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Do lado oposto, os países que não tinham tecnologia entraram no ciclo da

pobreza com agravamento de suas crises sociais, ao contrário do desenvolvimento se

tornaram escravos, seu patrimônio ambiental foi reduzido a lavouras de monocultura,

sem que com isso vissem reduzida a fome e a insegurança alimentar.

O resultado desta exploração para os países de fora do poderio tecnológico é

a transferência de suas riquezas com o aval de seus governantes, que não passam

de títeres orientados por grupos econômicos, servis aos interesses dos países

dominadores. Este processo de servidão gera graves desequilíbrios sociais, que se

agravam na medida em que os países ricos ficam mais ricos, pois na falta de

suficiência tecnológica para se auto determinarem, os poucos recursos que geram

não podem ser reinvestidos em inovações tecnológicas, mas precisa ser utilizado no

básico vital de suas necessidades.

O principal objetivo de nossos cientistas e pesquisadores deveria ser estudar

com detalhe as causas da pobreza do povo brasileiro. Um país tão privilegiado como

o Brasil, com sol abundante, com a maior área agricultável do planeta capaz de

produzir alimentos o ano todo, sem desertos, sem nevadas, com solos férteis, sem

vulcões, sem terremotos, com raros tornados, sem diferenças de línguas, sem graves

discrepâncias culturais e raciais internas, com grande extensão costeira e grande

território continental, com grande potencial hidroelétrico; o que falta neste país para

reduzir as gigantescas desigualdades?

Esta pesquisa pretende evocar uma reflexão ética e jurídica sobre a dominação

cultural e econômica que acontece por meio dos monopólios de patentes alimentares,

o objetivo a ser atingido será o de demonstrar a importância da preservação do

patrimônio imaterial alimentar e a garantia da soberania alimentar como forma de

afirmação de nossa cidadania, que é a forma de criar uma sociedade participativa e

crítica dos rumos políticos, uma sociedade saudável e apta a se desenvolver de forma

sustentável e solidária.

Os prognósticos científicos relatam que a humanidade nunca esteve tão perto

de sofrer um colapso ambiental que poderá custar a vida de milhares de seres

humanos. O impacto causado pelo homem sobre a natureza está colocando em risco

o próprio futuro da humanidade, urge uma mudança ética, uma humanização de

sobrevivência.

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As patentes sempre tiveram presente na história humana, de alguma forma,

sempre que a inteligência humana é agregada a um produto ou matéria-prima ela cria

poder e riqueza. Mas também gera dominação e degradação ambiental, exploração

do ser humano e seu consequente empobrecimento. Os países que detém mais

patentes inventivas são aqueles que há mais tempo possuem locais de

desenvolvimento dos saberes, universidades fortes, que com o passar do tempo se

tornam mais fortes e mais dominantes.

Mas a própria ciência está percebendo que não durará muito mais tempo o

modelo de exploração utilizado pela humanidade até então, pois as matérias primas

estão escasseando e a natureza já assinala com drásticas consequências ao uso não

sustentável de seus recursos. Desta forma se tornou urgente debater a questão

ambiental e a pobreza, pois aonde não há desenvolvimento sustentável haverá

exaurimento dos recursos naturais e isso irá causar prejuízos aos países dominantes

pois sofrerão com a mudança climática e com a perda do mercado de consumo.

Com o advento da Engenharia Genética e da Biotecnologia as patentes

científicas alcançaram a vida. O apelo por uma ética em favor da vida não vem

somente dos pensadores e das ciências, mas também de líderes políticos e religiosos,

pois muito se avançou no conhecimento cientifico e quase nada na construção de uma

humanidade solidária e sustentável. A ciência que deveria representar a liberdade e a

evolução da sociedade, está umbilicalmente ligada à dominação econômica, ao

mercado, totalmente desumanizada e perverso.

Os exploradores são pouquíssimos e riquíssimos, 1% do planeta detém a

riqueza de 99% restante1, e no caso desta pesquisa sobre patentes alimentares, o

número é menor ainda, somente 6 empresas detém a totalidade de tecnologias sobre

sementes, isto significa que toda agricultura exercida no planeta que não seja orgânica

1Essa é a conclusão de um estudo da organização não-governamental britânica Oxfam, baseado em dados do banco Credit Suisse relativos a outubro de 2015. Oxfam critica a ação de lobistas – que influenciam decisões políticas que interessam empresas – e a quantidade de dinheiro acumulada em paraísos fiscais. Segundo o estudo da Oxfam, quem acumula bens e dinheiro no valor de US$ 68 mil (cerca de R$ 275 mil) está entre os 10% mais ricos da população. Para estar entre o 1% mais rico, é preciso ter US$ 760 mil (R$ 3 milhões). "Ao invés de uma economia que trabalha para a prosperidade de todos, para as geração futuras e pelo planeta, o que temos é uma economia (que trabalha) para o 1% (dos mais ricos)", afirmou o relatório da Oxfam. Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfam_fn Acesso em 14/06/2016.

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e que utilize sementes crioulas nativas, dependem das sementes destas empresas e

dos insumos que elas impõem.

Nesta nefasta marcha pelo mercado, nos fazem reféns de seus produtos,

primeiro criam a nossa dependência depois vendem a solução, alheio a ética

humanitária e ao equilíbrio da natureza.

Nunca às ciências humanas coube tão prioritária tarefa como a de repensar o

papel da ciência enquanto dominação econômica, em questionar seus achados e em

reinterpretar suas premissas.

A pesquisa que ora se desenvolve sobre o monopólio de patentes alimentares

está a serviço deste questionamento, em investigar os fatos e as reações ao meio

ambiente e a sociedade sobre os efeitos causados pela biotecnologia em contraste

com a interpretação constitucional que clama pelo desenvolvimento sustentável.

A pesquisa pode observar o quanto é relevante a preservação do patrimônio

imaterial alimentar, a saúde biopsicossocial que advém de se preservar práticas e

costumes alimentares de nosso povo, o sentimento de identidade é um elo que une

os brasileiros e podem possibilitar uma efetivação do exercício da cidadania.

E quando se fala em afirmação de cidadania pela alimentação se está também

incentivando a preservação das formas de agricultura sustentável que não degradam

o meio ambiente, que alimenta a vida e a esperança de um futuro independente e

solidário.

O interesse pelo tema da pesquisa nasceu de uma inquietude filosófica sobre

o tema da desigualdade entre os povos. Os povos que inicialmente prosperaram e se

desenvolveram, foram aqueles que conseguiram desenvolver a tecnologia de

armazenar e cultivar as sementes para uso na agricultura.

O tema da alimentação sempre foi relevante para a compreensão da ética

humana, a privação de alimento sempre levou à guerras e revoluções, fez nascer e

ruir impérios, inspira a subserviência e o autoritarismo, a alimentação está ligada à

vida, à saúde, à liberdade, a toda e qualquer interpretação da vida.

E no mundo contemporâneo não deixa de ser diferente, a alimentação está

intimamente ligada ao prazer do consumo, ao sentimento de pertencimento social, a

felicidade e a razão existencial; e, de tão importante e relevante que é, ela continua

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funcionando como instrumento de dominação política e econômica através da

biotecnologia, a forma que a ciência utiliza seus conhecimentos para garantir a

produção de alimentos e a hegemonia dos países donos desta tecnologia.

A pesquisa pretende deixar nítida esta influência e clama pela a afirmação de

um direito subjetivo em prol de uma soberania alimentar garantida, que deve ser

defendida hermeneuticamente e garantida pelos poderes públicos para que sirva de

exemplo aos demais países e consagre o posicionamento dado pela Constituição

brasileira de se desenvolver de forma sustentável.

Pelo método dedutivo e analítico a pesquisa investiga o tema de forma

multidisciplinar e tem como pretensão científica desvendar os conhecimentos gerais

sobre o tema da biotecnologia e trazê-los à esfera jurídica em confronto com as

normas vigentes.

No primeiro capítulo da pesquisa tratamos de demonstrar os primórdios da

desigualdade entre os homens, os aspectos naturais da desigualdade, neste mesmo

capítulo demonstramos os rumos do desenvolvimento tecnológico na agricultura e as

consequências sociais e políticas que geraram nos povos da chama Eurásia. Em

seguida partimos para uma breve história da agricultura no Brasil e a origem da

biotecnologia que não diminuiu a fome e a pobreza mas sim contribuiu pelo seu

agravamento.

No segundo capítulo tratamos de questionar o risco ambiental que a

biotecnologia pode gerar, fazemos uma dissecação teórica do Princípio da Precaução

como o grande dispositivo hermenêutico de nosso ordenamento jurídico que enfrenta

constante queda de braço com a força política das grandes empresas. Abordamos

aqui a malsinada e perigosa tecnologia de restrição, chamada de “Terminator” como

de extrema periculosidade ao nosso ecossistema, finalizamos o capítulo com um

aprofundamento jurídico e filosófico do Princípio do Meio Ambiente Equilibrado.

No terceiro capítulo do trabalho apresentamos os riscos econômicos futuros

que o desenvolvimento da agricultura mecanizada acarreta, o exaurimento das áreas

verdes cultiváveis para a agricultura familiar expulsa o camponês do campo e gera a

proletarização do indivíduo o que causa impacto social e aumento da favelização.

Neste mesmo capítulo tratamos de abordar a função social do uso do solo sob à luz

do Princípio do Desenvolvimento Sustentável, então fazemos menção ao Princípio da

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Dignidade da Pessoa Humana e o direito fundamental à alimentação adequada e

segura. Finalizamos o capítulo apresentando a viabilidade econômica e social da

agricultura orgânica familiar.

No quarto capítulo analisamos os riscos culturais que a mudança nos hábitos

alimentares afeta, o direito à preservação da tradição cultural alimentar é garantido e

serve como reforçador de laços afetivos e sociais, portanto é um pilar da cidadania.

Analisamos também os aspectos relacionados à saúde e o chamado equilíbrio

biopsicossocial das práticas comensais, finalizamos o capítulo demonstrando o papel

do Estado na preservação da identidade alimentar, desde o fomento de atividades

agrícolas sustentáveis até a fiscalização de práticas predatórias ao meio ambiente.

Para finalizar a pesquisa, o último capítulo tratamos do risco político que a

biotecnologia apresenta pela perda da biodiversidade , o comprometimento social e

cultural, assim demonstramos o quanto se enfraquece a Soberania Nacional em não

se ter uma política efetiva de desenvolvimento sustentável, ainda neste capítulo

demonstramos que a biotecnologia se perpetua pelas patentes por manobras jurídicas

e influências políticas, o que atrapalha nosso desenvolvimento em todos os sentidos

e por fim tratamos das questões éticas do uso das tecnologias, o risco que apresentam

ao futuro das gerações.

O trabalho procurou demonstrar o risco que a biotecnologia apresenta à nossa

Soberania pela visão simplista do desenvolvimento econômico, demostramos quais

são os dispositivos jurídicos que contamos em nosso ordenamento jurídico capazes

de coibir os riscos, cada capítulo do trabalho se comunica, existe uma coesão de

informações que demonstram quais entraves e as possibilidades que são possíveis

para um desenvolvimento integral.

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2-A ORIGEM DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E A DESIGUALDADE NATURAL

Segundo Jared Diamond, a história da produção de alimentos surgiu após a

última Era Glacial há aproximadamente 13.000 anos, o incremento na tecnologia de

produção se deu em 8.500 a.C e se desenvolveu na área Mediterrânea chamada

Crescente Fértil, antes deste período todos os homens da terra eram caçadores e

coletores.

Precisamente na região aonde hoje é o Oriente Médio, teve um período

auspicioso aonde o clima e as condições criaram um ambiente altamente propício

para o desenvolvimento humano, ao contrário de outras regiões que na mesma época

dependiam ainda da coleta e da caça, neste nasceu outra possibilidade de

alimentação.

A coleta vegetal nesta região contava com os grãos mais nobres e ricos em

proteínas do resto do mundo, nascia espontaneamente o trigo e a cevada, além da

caça abundante. A coleta era mais eficiente pois armazenava mais alimento e

demandava menos esforço físico que a caça.

Mas o clima foi se modificando e a coleta escasseando nesta região, no lugar

de simplesmente coletar alimentos para seu sustento pela primeira vez o homem

procurou dominar a natureza, ele percebeu que ao coletar os grãos podia escolher

àqueles mais bem desenvolvidos e plantá-los, assim facilitaria seus esforços, com os

primeiros cultivos da região, pode-se melhorar a disseminação destas plantas, que ao

serem plantadas a partir das sementes selecionadas produziam grãos mais palatáveis

e macios. Nascia a agricultura.

Da ânsia de transformar que parece estar embutida em nosso D.N.A e com

esta primeira vitória sobre a natureza, nesta mesma região se descobriu outra

tecnologia que iria mudar o rumo da humanidade e determinar a vantagem competitiva

sobre os demais povos do planeta. Era o silo.

Os estudos arqueológicos na região descobriram que as edificações que

serviam como armazenamento continham uma tecnologia capaz de controlar o

excesso de umidade dos grãos, e desta forma podiam alimentar um número maior de

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pessoas que ao invés de serem coletores nômades podiam se estabelecer em

agrupamentos e formar uma sociedade.

A agricultura se espalhou do Oriente Médio, seguindo o mesmo caminho

evolucionista a partir da capacidade de controlar a Natureza e estocar alimentos, os

primeiros agricultores sempre buscaram plantas nativas que cresciam de forma

rápida, para cada região tivemos uma predominância nos cultivos, fator que

determinou o sucesso dos povos do chamado crescente fértil, em especial daqueles

da chamada Eurásia, que foram os povos que naturalmente contavam com uma

Natureza mais propícia.

Entre os povos mais bem-aventurados foram os da região do Oriente Médio,

aonde a cevada e o trigo foram primeiramente plantados , estas culturas possuem

características mais vantajosas, são mais calóricas e possuem mais proteína, portanto

permitiram maior avanço e domínio, na Ásia predominou o arroz; o milho e a abóbora

na América e o sorgo e o painço na África, porém em lugares mais afastados do

Crescente Fértil, por razões climáticas, a exemplo a Nova Guiné que também possui

uma agricultura tão antiga quanto, até hoje os povos vivem da caça e da agricultura,

pois as plantas que lá se produzem não suprem de calorias e proteínas suficientes a

população para que a produção de alimentos esteja garantida e se possa seguir o

exemplo do resto do mundo.

Outro fator determinante na hegemonia dos povos do Oriente Médio, além das

características já citadas em relação às plantas nativas e a capacidade de estocagem,

também foram eles que tinham naturalmente os animais propícios à pecuária, que

além da carne, leite e lã, forneciam força de trabalho nos arados funcionando como

as primeiras “máquinas de plantar”, o que economizou os esforços humanos e

aumentou ainda mais a produção e o domínio da natureza.

O mesmo não ocorreu na Oceania, na América ou na África, os animais que lá

são oriundos não servem à domesticação, portanto a agricultura desenvolvida por eles

não foi o suficiente para garantir a mesma sorte dos povos da Eurásia.

O próximo passo dos povos em vantagem foi o desenvolvimento do aço, a forja

de metais só era possível se houvesse garantia de alimentos, pois era uma tarefa que

demandava muita energia e muito tempo, assim os povos eurasianos puderam por

vários séculos desenvolver a tecnologia do aço, pois custou muito tempo e muita

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tecnologia chegar à têmpera ideal do ferro, que não quebrasse, que fosse resistente

o suficiente para criação de armas e utensílios, garantindo assim a hegemonia sobre

o resto da humanidade.

Jared Diamond não apresenta as conquistas europeias como frutos de

“inteligência superior” ou mesmo da “epiderme” como sugerem os racistas. Ele revela

os fatores ambientais como os reais responsáveis pelo curso dos acontecimentos,

revela que um dos principais fatores que contribuíram para a diferença nos ritmos de

expansão foi a direção dos eixos continentais: predominantemente oeste-leste para a

Eurásia e predominantemente norte-sul para as Américas e a África. A pluralidade de

latitudes destes continentes produziram ambientes climáticos muito mais

diversificados, dificultando as migrações e as difusões da produção de alimentos.

Quaisquer culturas, animais, ideias e tecnologias encontravam sérios obstáculos para

se propagar de um extremo ao outro, pois mudavam radicalmente as condições

climáticas.

Outro fator que nasceu da agricultura e da domesticação dos animais foi o

contato com os germes, pois o manejo de animais como os bovinos e os suínos,

conferiram a estes povos a exposição à doenças e uma resistência imunológica, o que

não aconteceu nos povos da África e da América, que foram praticamente dizimados

pelas gripes e pela varíola.

A agricultura ensejou o desenvolvimento da escrita, com seu avanço surgiram

os escribas e inventores, a produção de alimentos permitiu que os fazendeiros

sustentassem políticos, apareceram também os chefes, reis e burocratas. Esses

burocratas eram essenciais não só para governar regiões grandes e populosas, mas

também para manter exércitos, enviar navios em expedições e organizar guerras de

conquistas.

2.1- OS PRIMÓRDIOS DA AGRICULTURA NO BRASIL

A origem da agricultura brasileira está intimamente ligada ao modelo

exploratório colonialista português, que é um modelo escravocrata e predatório, foi-se

primeiramente extraindo da Natureza os bens mais valiosos e mais acessíveis, após

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o desmatamento impensado se instalou a monocultura de latifúndios que se tornou

uma marca em nossa tradição agrária.

Nossos nativos viviam fundamentalmente da caça, da pesca e da coleta de

frutas e outros produtos das matas, como o mel silvestre, nossos índios não eram de

todo nômades. Já existia uma prática de agricultura, se plantava o milho, mandioca,

fumo, amendoim, abóbora, de forma pouco organizada e mais voltada à subsistência

coletiva, pois a característica dos povos indígenas nunca foi a propriedade privada

tampouco o monopólio dos meios de produção. Essa característica no lidar com a

terra, permanece até hoje inalterada desde a chegada dos europeus com suas

tecnologias.

O plantio da cana-de-açúcar e sua transformação industrial nos engenhos

instalados pelos portugueses em certos pontos da costa, a partir de 1534, constituíram

a primeira atividade economicamente estável da agricultura no Brasil. A evolução do

ciclo da cana foi muito rápida. Cinco anos depois de seu início, já havia trinta engenhos

em Pernambuco, 18 na Bahia e dois em São Vicente. Passados mais cinquenta anos,

subia para 256 o número total de engenhos concentrados na produção de açúcar.

No fim do século XVI, os colonizadores Ibéricos começaram o plantio de outras

culturas para sustentar os quase um milhão de habitantes que já haviam se instalado,

absorveram muito da cultura indígena e adicionaram outros cultivos como a fava,

feijão, batata-doce, cará, algodão e as árvores frutíferas, fixando desta forma nosso

patrimônio cultural alimentar.

Da cultura açucareira em expansão que demandava a mão de obra escrava,

também foi o momento histórico da implantação da criação de gado, não só para

fornecer tração aos engenhos, como também para prover de carne as povoações

pioneiras instaladas na costa. A pecuária, com o tempo, ampliou essas funções

iniciais, interiorizando-se cada vez mais pelos sertões ainda brutos.

“O café ingressou no Brasil pela Amazônia, em 1730, e daí passou ao

Maranhão. Efetuando lenta mas segura migração norte-sul, desde fins do século XVIII,

conquistou áreas cada vez mais amplas do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas

Gerais e São Paulo, de onde depois se estendeu ao Paraná. A formação das lavouras

de café, tal como acontecera com as de cana e com a pecuária, estruturou-se em

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bases latifundiárias e dependeu em proporções ainda maiores do trabalho escravo”2.

No começo do século XIX, nossa vocação de grande celeiro já estava consolidada, já

exportávamos para várias partes do mundo, expressivas quantidades de açúcar, café,

cacau, algodão, arroz, além de madeiras e matérias-primas variadas de extração

vegetal.

Em 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz3,que foi um marco na transformação

da sociedade colonial brasileira4, foi cessado o tráfico de escravos, muito embora a

história comprove que durante a proibição foi o momento que mais se comercializou

escravos clandestinamente, pois representava um modelo de economia altamente

rentável aos fazendeiros, mas a pressão inglesa e os movimentos sociais foram

determinantes para a erradicação da escravidão, foi neste período que começou a

fixação de imigrantes europeus no campo, por estímulo governamental, tornou-se o

fato essencial para que a agricultura brasileira iniciasse o processo de diversificação

que a caracterizou no século XX. Os imigrantes, sobretudo alemães e italianos,

romperam com a tradição de monocultura em bases latifundiárias e, tirando partido do

clima semelhante ao da Europa, introduziram no extremo sul do país novos cultivos:

trigo, aveia, cevada, centeio, alfafa. Além disso, plantaram os primeiros vinhedos, para

a fabricação de vinho, e numerosas frutas não tropicais, como maçã, pera, marmelo,

pêssego, que posteriormente se irradiariam com êxito para outras regiões.

2.2- A ERA DA BIOTECNOLOGIA

Embora pensemos a biotecnologia como uma tecnologia recente, sua origem

pode ter ocorrido há mais de seis mil anos, a partir dos relatos de que os micro-

2SILVA, Soraya Grams: Agricultura, experiências com novas sementes, medidas de alcance social, revolução verde, campo da química e da genética, as inúmeras inovações introduzidas no campo. Disponível em: < http://monografias.brasilescola.com/agricultura-pecuaria/agricultura.htm>. Acesso em:21 de abril de 2016

3 A lei Eusébio de Queiróz que proibia o tráfico negreiro, em 1850 foi o primeiro marco de transformação

da sociedade colonial brasileira, e o ponto decisivo foi a abolição da escravidão em 1888. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995

4 RIBAS. Juarez Teixeira Jr e KNOERR. Fernando. As ações Afirmativas e os Desafios Histórico-Sociológicos na Consolidação da Cidadania e Democracia Brasileira. Diálogos (Im)pertinentes-Cidadania pelo Direito SELLOS.V e KNOERR.F(coord). Instituto Memória.Curitiba.2015.p.51

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organismos eram usados nos processos fermentativos para produção da cerveja e do

pão. No entanto, as bases fundamentais da biotecnologia agrícola consideram a

biologia molecular e as técnicas relacionadas como os eventos mais importantes da

história da biotecnologia.5

A agricultura é responsável por grande parte da economia brasileira e mundial,

várias são as espécies vegetais que garantem a subsistência de milhares de pessoas

no mundo. Desde o início da história da agricultura sempre houve o melhoramento

tecnológico dos cultivos e o aprimoramento genético das sementes de maneira a gerar

plantas mais resistentes e mais produtivas.

Em verdade, essas primeiras transformações datam do período Neolítico, há

dez mil anos atrás: desde que o Homem passou a praticar a agricultura e a domesticar

animais, manipula genes, modificando a evolução natural das espécies em razão de

suas necessidades alimentares. As principais técnicas utilizadas eram o cruzamento

seletivo de espécimes e a enxertia, no caso dos vegetais.6

Na segunda metade do século XIX, os estudos sobre a genética, com as ideias

de genes e código genético, passaram a ser desenvolvidos como resultado da

descoberta do ácido desoxirribonucléico (ADN) e do ácido ribonucléico (ARN). Ao final

da década de 1980, já haviam sido desenvolvidos mais de mil organismos

geneticamente modificados (OGMs) e, a partir da década de 1990, essas técnicas de

transgenia passaram a ser mundialmente discutidas por diversos setores da

sociedade.7

A biossegurança está relacionada aos riscos das biotecnologias, que, em seu

sentido mais amplo, compreendem a manipulação de microrganismos, plantas e

animais, visando à obtenção de processos e produtos de interesses diversos. O uso

da expressão biossegurança é decorrente do avanço das biotecnologias a partir de

1970, notadamente, das tecnologias associadas à produção de transgênicos (ou

5 CARRER, Helaine e RAMIRO, Daniel. Biotecnologia na agricultura. Estud. av. vol.24 no.70 São Paulo.2010.Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000300010> acesso em 14/05/2016 6 ROCHA, João Carlos de Carvalho. Segurança alimentar na era biotecnológica. In: Revista Internacional de Direito e Cidadania. n.4, junho/2009 p.97-107. 7 ROCHA, João.op.cit.p.101.

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Organismos Geneticamente Modificados - OGMs) e seus derivados, potencialmente

causadores de efeitos adversos à saúde humana ou animal e ao meio ambiente.8

Por se tratar de uma nova tecnologia e considerando o reduzido conhecimento

científico a respeito dos riscos de OGMs, torna-se indispensável que a liberação de

plantas transgênicas para plantio e consumo, em larga escala, seja precedida de uma

análise criteriosa de risco à saúde humana e do efeito desses produtos e serviços ao

meio ambiente, respaldadas em estudos científicos, conforme prevê a legislação

vigente. Assim, normas adequadas de biossegurança, licenciamento ambiental, e

mecanismos e instrumentos de monitoramento e rastreabilidade são necessários para

assegurar que não haverá danos à saúde humana, animal e ao meio ambiente.

Também são imprescindíveis estudos de impacto socioeconômicos e culturais, daí a

relevância da análise da oportunidade e conveniência que uma nação deve fazer

antes da adoção de qualquer produto ou serviço decorrente da transgenia.9

Os fatores climáticos e as crescentes demandas pela alimentação colocam a

agricultura como a fonte primária de sobrevivência e soberania de um povo. Desta

forma todas as inovações e melhorias devem ser regulamentadas e fiscalizadas pelo

Poder Público, a biotecnologia deu um salto quantitativo e qualitativo nas tecnologias

de cultivos, entre as inovações tecnológicas de melhoria podemos citar os Cultivares,

que segundo o Ministério da Agricultura

[...] é o resultado de melhoramento em uma variedade de plantas que a torne diferente das demais. A nova característica deve ser igual em todas as plantas da mesma cultivar, mantida ao longo das gerações. A nova espécie embora seja diferente das que a originam, não podem ser consideradas geneticamente modificadas, o que ocorre é uma nova combinação do seu próprio material genético. (MAPA,2016)10

Foi no Século XX o grande avanço biotecnológico que ensejou o surgimento de

novas variedades vegetais, que necessitaram de proteção e regulamentação. O Brasil

participou de vários tratados e acordos internacionais que foram consolidados no

8 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Organismos Geneticamente Modificados. Disponível em <http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/organismos-geneticamente-modificados >Acesso em 16/05/2016 9 Ibidem. 10MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Cultivares Protegidos. Disponível em:

<htpp://www.agricultores.gov.br/vegetal/registros-autorizações/proteção-cultivares/cultivares-protegidos.> Acesso: 21 de abril de 2016

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âmbito das negociações da Rodada do Uruguai, a qual impõe aos países signatários

regras rígidas quanto à proteção da propriedade intelectual, por meio do TRIPs

(Trade-related Aspects of intellectual Property Rights), o qual definiu prazos para que

a regulamentação de matéria aos princípios internacionais e regras estabelecidas no

tratado. A criação da TRIPs foi um marco para a proteção de cultivares. É de suma

importância expor que na evolução histórica de cultivares passou uma revolução no

ano de 1990, pois houve a Convenção sobre Diversidade Biológica, no âmbito do

então Rio-92, o qual possibilitou a criação do Protocolo de Cartagena, que criou

diretrizes para a manipulação dos Organismos vivos modificados.

No processo de estimular o desenvolvimento da agricultura, nasceu a Lei da

Biossegurança brasileira no ano de 1995, com a tarefa precípua de regulamentar a

liberação de organismos geneticamente modificados, tecnologia que veio com a

pretensão de acabar com a fome mundial, diferentes de cultivares que são melhorias

genéticas se definem por:

Organismos geneticamente modificados são definidos como toda entidade biológica cujo material genético (ADN/ARN) foi alterado por meio de qualquer técnica de engenharia genética, de uma maneira que não ocorreria naturalmente. A tecnologia permite que genes individuais selecionados sejam transferidos de um organismo para outro, inclusive entre espécies não relacionadas. Estes métodos são usados para criar plantas geneticamente modificadas para o cultivo de matérias-primas e alimentos. (MAPA, 2016)11

Quando se fala em pesquisas científico-tecnológicas a identificação dos

elementos jurídicos situa-se em terreno mais seguro, pois aparentemente o que se faz

necessário é a simplificação de procedimentos burocráticos e regulamentação legal.

Contudo as pesquisas envolvendo temática ligada à bioética tem –se como ponto

negativo o fator desconhecido do impacto das consequências futuras e a incerteza

dos resultados, surge nesse contexto a necessidade da legislação encontrar o ponto

de equilíbrio entre o estímulo às pesquisas e a necessidade de impor limites razoáveis

a liberdade dos cientistas.12

11 Idem. 12 GARCIA. Ilton e WOUTERS, T.L. Constituição, Desenvolvimento Científico como forma de Inclusão Social: Moldura e Limites. Revista dos Tribunais. Ano 22.Vol.87. abr-jun.2014.p.13

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3- O RISCO AMBIENTAL

Quando o assunto é meio ambiente rompe-se as fronteiras e as noções de

soberania, pois toda vida está interligada e toda e qualquer ação afeta toda a

humanidade.

3.1-O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO

Quando o assunto é meio ambiente rompe-se as fronteiras e as noções de

soberania, pois toda vida está interligada e toda e qualquer ação afeta toda a

humanidade.

O princípio da precaução tem sua origem na legislação ambiental alemã da

década de 70 que foi inspirada na filosofia moral de Hans Jonas13, cuja obra trata dos

cuidados que se deve ter com a saúde e a integridade das futuras gerações ante o

uso das tecnologias, sua filosofia tratou de analisar a vulnerabilidade da natureza e

os efeitos desumanizantes do uso das tecnologias, considerando como moralmente

inaceitável as atividades industriais que representassem risco ao meio ambiente e ao

futuro da existência humana defendendo a precaução como um imperativo de

oposição.

Hans Jonas sugere uma reflexão do antropocentrismo em favor da natureza, a

partir de uma visão mais global:

13 Foi um filósofo alemão, conhecido principalmente devido à sua influente obra O Princípio da Responsabilidade (publicada em alemão em 1979, e em inglês em 1984). Seu trabalho concentra-se nos problemas éticos sociais criados pela tecnologia. Jonas quer sustentar que a sobrevivência humana depende de nossos esforços para cuidar de nosso planeta e seu futuro. Formulou um novo e característico princípio moral supremo: "Atuar de forma que os efeitos de suas ações sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana genuína". Embora tenha-se atribuído a "O Princípio da Responsabilidade" o papel de catalisador do movimento ambiental na Alemanha, sua obra "O Fenômeno da Vida" (1966) forma a espinha dorsal de uma escola de bioética nos Estados Unidos. Leon Kass referiu-se ao trabalho de Jonas como uma de suas principais inspirações. Profundamente influenciado por Heidegger, "O Fenômeno da Vida" tenta sintetizar a filosofia da matéria com a filosofia da mente, produzindo um rico entendimento da biologia, em busca de uma natureza humana material e moral. A biologia filosófica de Hans Jonas tenta proporcionar uma concepção una do homem, reconciliada com a ciência biológica contemporânea. Disponível em< https://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Jonas >acesso em 05/05/2016

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Nem uma ética anterior tinha de levar em consideração a condição global da vida humana, o futuro distante e até mesmo a existência da espécie. Com a consciência de extrema vulnerabilidade da natureza a intervenção tecnológica do homem, surge a ecologia. Repensar os princípios básicos da ética. Procurar não só o bem humano, mas também o bem de coisas - extra-humanas, ou seja, alargar o conhecimento dos “fins em si mesmos” para além da esfera do homem, e fazer com que o bem humano incluísse o cuidado delas.14

O homem é o vetor de toda mudança e transformação, nisso não resta qualquer

dúvida, o que está colocando o planeta em risco é o antropocentrismo egoísta, um

individualismo destrutivo que olha somente para o próprio umbigo e esquece da vida

coletiva, do meio ambiente equilibrado; neste paradigma que reflete o medo e a

restrição de épocas passadas se fundamenta a ética humana presente.

A sobrevivência natural e cultural dos seres humanos depende do equilíbrio

das condições bióticas e sociais do seu entorno assevera Junges. As expressões

atuais da indigência humana apontam para uma crise ambiental. A destruição e a

desestruturação do entorno manifestam-se na interioridade destroçada da geração

atual. “A consciência da própria fragilidade ajuda a levar em consideração a

vulnerabilidade do ambiente natural nas decisões de intervenção e a desenvolver

atitudes de preservação e cuidado em relação a ele”.15

O pensamento da lógica capitalista de que o lucro é mais importante que tudo,

e que a partir do desenvolvimento econômico todas as soluções são possíveis, no que

se refere às produtoras de biotecnologia de sementes e insumos não encontram mais

justificativas plausíveis pois elas não representam mais produtividade, como no

começo de suas implantações.

Os alimentos transgénicos, denominados de OGM– Organismos

Geneticamente Modificados – surgiram no mercado consumidor, em virtude de um

temor generalizado de que uma grande fome assolaria o planeta, decorrente da

superpopulação que ele deveria abrigar. As empresas de Biotecnologia, vendendo

esta informação, iniciaram campanhas científicas alegando que os alimentos

transgénicos acabariam com o problema da fome no planeta e prometeram que esses

alimentos, modificados geneticamente, teriam maior teor nutritivo, seriam produzidos

14 JONAS. Hans. Técnica, medicina y ética. Barcelona: Paidós, 1997. 40 p. 15 JUNGES, José Roque. Ética Ambiental. Editora Unisinos. São Leopoldo –RS, 2004, p. 77.

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com maior rapidez e rentabilidade e a um preço baixo, menor que os alimentos

orgânicos. Entretanto, até o presente momento, nenhuma dessas promessas foram

cumpridas.16

É neste contexto, que a maioria dos países invocam o Princípio da Precaução,

como diretriz para a tomada de decisões. Assim, quando há razões para suspeitar de

ameaças de sensível redução ou de perda de biodiversidade ou, ainda, de riscos à

saúde humana, a falta de evidências científicas não deve ser usada como razão para

postergar a tomada de medidas preventivas.17

Desta forma, a adoção do Princípio da Precaução, constitui uma alternativa

concreta a ser adotada diante de tantas incertezas científicas. Desta associação

respeitosa e funcional do homem com a natureza, surgem as ações preventivas para

proteger a saúde das pessoas e os componentes dos ecossistemas.18

As empresas que monopolizam o mercado de sementes estão visando sua

perpetuação no mercado, assim como toda atividade industrial e capitalista, sua meta

é o lucro e esta atividade gera um risco à vida da Terra, nunca se esteve tão próximo

de um colapso ambiental de proporções irreversíveis como agora19, a teoria da

precaução visa uma nova ética no cuidado com a natureza, assim nos ensina a

professora Solange Teles da Silva, a filosofia da precaução consiste:

Numa ética das relações entre o homem, o meio ambiente, os riscos e a vida, encontra seu fundamento na consciência da ambiguidade da tecnologia e do limite necessário do saber científico. Se, por um lado, a pesquisa científica e as inovações tecnológicas trazem promessas, por outro, trazem também ameaças ou, pelo menos, um perigo potencial. Nesse sentido, algumas indagações podem ser feitas: tudo que é tecnicamente possível deve ser realizado? Há necessidade de se refletir sobre os caminhos da pesquisa científica e das inovações tecnológicas. O princípio da precaução surge, assim, para nortear as ações, possibilitando a proteção e a gestão ambiental, em face das incertezas científicas.20

16 POZZETTI, Valmir César. A Biossegurança, o Princípio da Precaução e os Riscos da Transgenia Alimentar.02.p. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1b5230e3ea6d7123 > acesso em 03/05/2016 17 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Organismos Geneticamente Modificados. Disponível em

http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/organismos-geneticamente-modificados Acesso em 16/05/2016 18 POZZETTI.op.cit,p.02. 19 MARQUES, Luiz. Capitalismo e o colapso ambiental. Editora Unicamp.2015.648p. 20 SILVA, Solange Teles da. Princípio da Precaução: Uma nova postura em face dos riscos e incertezas científicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 76-77.

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A distinção entre uma ética da precaução e o princípio da precaução é de

fundamental importância para que se possa precisar o conteúdo do princípio. O

princípio da precaução afirma a necessidade de uma nova postura, frente aos riscos

e incertezas científicas. Advindo das pressões da sociedade civil e de suas lutas, tal

princípio afirmou-se no cenário do direito internacional do meio ambiente, norteando

as ações frente às incertezas e riscos presentes na sociedade.21

Beck propõe que a democracia ganhe uma extensão ecológica, com a

participação popular nas decisões administrativas relativas a risco ambiental. A

própria sociedade, assim, assumiria a responsabilidade por avaliar o discurso

científico e decidir sobre as controvérsias entre especialistas, exercendo ativamente

o poder de decidir quanto aos riscos ambientais que esteja disposta a assumir,

criando-se assim uma espécie de “ciência pública”.22

A participação popular em nosso ordenamento está no artigo 1º de nossa Lei

Maior, todo poder emana do povo, não existe soberania sem a participação popular,

em especial nas decisões que afetam direitos difusos como a cultura, o meio

ambiente, a saúde.

Para Morato Leite, as atividade humanas e tecnológicas que gerem situações

de incerteza científica quanto à segurança ambiental, na prevalência de dúvida, a

Administração Pública deve adotar o in dubio pro ambiente como regra básica, pois

qualquer dano de caráter irreversível ao meio ambiente compromete o presente e as

futuras gerações, portanto o princípio da precaução está ligado à ideia de

desenvolvimento sustentável.23

A tutela ambiental se orienta pela precaução e a sustentabilidade por esta razão

o é considerado um princípio orientador de políticas públicas que visa evitar a

ocorrência de danos ambientais, não se caracterizando por técnicas tradicionais de

prevenção ou cuidados na contenção de risco produtivos ou sanitários, mas sim

21 SILVA, Solange Teles da. Op. cit., p. 78-79 22 BECK, Ulrich. World Risk Society. Cambridge: Polity Press, 2008. apud ALTEMANI. Ricardo Lisboa.

O princípio da Precaução e as regras da OMC- O caso EC-Biotech. Dissertação de Mestrado em Direito pela UFSC.2009.32.p. 23LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de risco e Estado. In: LEITE, José Rubens Morato, CANOTILHO, José Joaquim Gomes (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. 174.p.

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antecipando dedutivamente, mesmo sem aprovação científica comprovada e pela

análise dos riscos potenciais futuros e incertos.

O seu fundamento moral, político e teórico está no entendimento de que o

conhecimento científico não é sempre suficiente para definir estratégias adequadas

de proteção ambiental dos efeitos nocivos de uma nova tecnologia. A precaução,

assim, resultaria “do crescimento da convicção de que as conclusões científicas de

hoje podem ser consideradas imperfeitas no futuro, aliada ao reconhecimento da

fragilidade do equilíbrio ambiental face à ação humana”.24

A positivação do princípio da precaução em nosso ordenamento jurídico está

explicitamente previsto na Lei de Biossegurança de 2005 e implicitamente positivado

na Constituição Federal de 1988. No direito internacional foi desenvolvido em vasto

número de documentos legais sendo que seu principal marco jurídico se consagrou

na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento,

reunida no Rio de Janeiro em 1992, nela se votou, por unanimidade, a chamada

“Declaração do Rio de Janeiro”, também chamada de ECO- 92, com 27 princípios de

suma importância ao ecossistema. Entre eles o Princípio nº 15, que desde então é

considerado um princípio geral de direito ambiental internacional sendo norma de

observância obrigatória na aplicação judicial do direito e da legislação preventiva do

meio ambiente25, cuja a íntegra é a seguinte:

PRINCÍPIO 15 – “Para proteger o meio ambiente, medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados, segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando prevenir a degradação do meio ambiente”

O princípio da precaução é um princípio de direito ambiental interno e um

princípio do direito internacional do meio ambiente. Este pode ser concebido como o

“conjunto de princípios e regras que visam à proteção do meio ambiente global e o

24 WHITESIDE, Kerry H. Precautionary politics. Massachusetts: MIT, 2006.146 p. apud ALTEMANI.

Ricardo Lisboa.O princípio da Precaução e as regras da OMC- O caso EC-Biotech. Dissertação de Mestrado em Direito pela UFSC.2009.p.23 25 MIRRA. Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O princípio da precaução e a sua aplicação judicial. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº21, ano 06, janeiro-março de 2001. p. 96-98

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controle de atividades, dentro das jurisdições nacionais, que podem afetar o meio

ambiente de outros Estados, ou áreas além da jurisdição nacional.”26

A ideia deste princípio encontra respaldo no famoso ditado popular: “melhor

prevenir do que remediar”. De acordo com o Princípio da Precaução, quando

evidências cientificas razoáveis de qualquer tipo de atividade nos dão boas razões

para acreditarmos que essa uma atividade, tecnologia ou substância possam ser

nocivas, devemos agir no sentido de prevenir o mal. Se esperarmos sempre pela

certeza científica, para depois freá-la, haverá gente sofrendo e morrendo, e os danos

ao meio ambiente natural podem ser irreversíveis. Dentre os principais elementos

deste princípio afiguram-se os seguintes aspectos: a precaução diante das incertezas

científicas; a exploração de alternativas a ações potencialmente prejudiciais; a

transferência do “ônus da prova” aos proponentes de uma atividade e não às vítimas

ou vítimas em potencial daquela atividade; e o uso de processos democráticos na

adesão e observação do Princípio – inclusive o direito público ao consentimento

informado.27

O Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990, em seu artigo 6º, inciso

VIII é mais um diploma legal que temos para transferência de ônus probatório, mas

inicialmente a inversão do ônus da prova em nosso sistema jurídico advém da Lei

6938/81, em seu artigo 14 §1, recepcionada pelo artigo 225, § 3o da Constituição

Federal, prevê a responsabilidade civil objetiva ao poluidor:

[...] sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.28

.

26 SANTANA, Heron José de. Princípios e Regras de Sof Law: novas fontes de direito internacional ambiental. In: Revista Brasileira de Direito Ambiental. São Paulo: Editora Fiúza, vol. 01, ano 01, janeiro-março de 2005. p. 97. 27POZZETTI, Valmir César. Op cit., p.10. 28 BRASIL. Lei nº 6.938 de agosto de 1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). Brasília:

Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em< www.planalto.gov.br> acesso em 05 de maio 2016.

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E, no sistema internacional, os princípios gerais são considerados uma fonte

real, verdadeira e fundamental, e é a partir de suas normas de justiça objetiva que o

Direito Internacional Público (DIP) tira o seu fundamento e, ainda que em princípio não

exista uma hierarquia entre essas fontes, se houvesse o lugar principal entre elas este

lugar caberia aos princípios gerais do direito, porque são eles que estão na base do

direito positivo, cujas regras, são apenas a sua cristalização e concretização.29

Além das disposições constitucionais e da lei específica de biossegurança

encontramos em nosso ordenamento jurídico o princípio da precaução na Lei da

Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), principalmente quando coloca

a avaliação dos impactos ambientais dentre os instrumentos dessa Política (artigos

4º, incisos I e VI, e 9º, inciso III), e na Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº9.605/1998) o

princípio da precaução é referido explicitamente através de “medidas de precaução”

na redação do tipo penal de poluição (artigo 54, §3º)30.

É também consagrado como um dos princípios norteadores do Plano Nacional

de Prevenção, Preparação e Resposta Rápida a Emergências Ambientais com

Produtos Químicos Perigosos (P2R2), através do artigo 2º, inciso IV do Decreto 5.098

de 03/06/2004.

E ainda está na Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 que estabelece a Política

Nacional de Biossegurança (PNB), em seu artigo 1º:

Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e

29 SANTANA, Heron José de. Op. cit., p.114. 30 A Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº9.605/98) veio criminalizar a falta de precaução com relação ao

dano ambiental, dispondo que: incorre nas penas previstas no parágrafo anterior (reclusão de um a quatro anos e multa) quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de “precaução” em caso de dano ambiental grave ou irreversível (artigo 54, parágrafo 3º). A lei penal não traz a definição de precaução, sendo que esta definição de deve ser procurada ser procurada nos textos legais internacionais e na doutrina, sendo certo que se trata do princípio da precaução, uma vez que as medidas a serem exigidas serão cabíveis “em caso de risco de dano ambiental grave e irreversíveis”.

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biotecnologia, à proteção a vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.31

O princípio da precaução em nosso ordenamento deve ser empregado

exaustivamente devido sua imperatividade jurídica. Verificou-se que alguns países

são contrários à obrigatoriedade da adoção do princípio da precaução nas relações

comerciais internacionais, sendo considerado uma espécie de norma de

recomendação (soft law), posição defendida pelos Estados Unidos e Canadá,

enquanto para outros (países membros da União Europeia, por exemplo), seria uma

norma de direito costumeiro internacional que deve ser adotada e aplicada na defesa

da saúde pública e do meio ambiente.32

Na medida que o princípio da precaução é norma fundamental de direito público

internacional, somos signatários de diversos tratados que reafirmam este princípio

como corolário de nosso ordenamento jurídico , desta forma temos nossa soberania

reafirmada , tanto dentro quanto em relação aos demais países, nenhum conflito pode

ser suscitado pois é um pacto comum entre diversos países, equivale a dizer que os

efeitos mitigantes da soberania trazidos pela globalização não podem se justificar em

nosso sistema, pois os riscos da degradação ambiental afetam toda humanidade.

A pressão política que as empresas de biotecnologia exercem, se sustentam

precipuamente no desenvolvimento econômico, as chamadas commodities33, para

que se produza mais e em larga escala e garanta as exportações, porém o avanço

deste sistema de produção agrícola está garantindo lucros imediatos sem olhar para

o futuro das gerações, gerando impactos na natureza de forma irreversível,

corrompendo desta forma o desenvolvimento sustentável e ferindo a soberania.

Nas lições de MALUF, “a soberania é limitada pelos princípios de direito natural,

pelo direito grupal, isto é, pelos direitos dos grupos particulares que compõem o

31 BRASIL. Lei nº 11.105 de 24 de março de 2005 (Lei Nacional de Biossegurança). Brasília: Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para assuntos jurídicos. Disponível em< www.planalto.gov.br> acesso em 05 de maio 2016. 32 DORNELAS, Henrique Lopes. Sociedade de risco e o princípio da precaução: conceito, finalidade e a questão de sua imperatividade. Revista Uniabeu.Belford Roxo.vol.04.nº 06.jan-abr-2011.p.140. Disponível em < file:///C:/Users/User/Downloads/118-500-1-PB.pdf> acesso em 06/05/2016 33 Commodity significa mercadoria em inglês, e tem como plural commodities. COMMODITY (Verbete). MICHAELIS. Dicionário Online. Commodity. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ingles/index.php?lingua=ingles-portugues&palavra=commodity>. Acesso em: 15 /05/2016

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Estado (grupos biológicos, pedagógicos, econômicos, políticos, espirituais etc.), bem

como pelos imperativos da coexistência pacífica dos povos na órbita internacional.34

3.2-A LEI DE BIOSSEGURANÇA E AS TECNOLOGIAS DE RESTRIÇÃO-

TERMINATOR

As sementes em todas as culturas ao longo da história guardam em si a

esperança e a renovação da vida. Mais que símbolos da potência da vida e da

existência da matéria elas significam a organização da sociedade, desde os

primórdios da história do homo sapiens nelas estão contidos o segredo da vida e da

transformação.

O homem sempre guardou as sementes para plantá-las e dar sequência à vida.

Mas este direito está ameaçado pelo esforço das empresas de biotecnologia em

permanecer no mercado a qualquer custo. A perpetuação do monopólio da exploração

das patentes das sementes está impondo nova determinação, as chamadas

tecnologias de restrição, conhecidas popularmente como sementes “Terminator”, que

já estão em adiantado desenvolvimento e deverão ser descritas como organismos

geneticamente modificados (OGMs), portanto passíveis de regulação das Leis de

Biossegurança vigentes no mundo.

A tecnologia” V-GURT”35, vulgo Terminator, é considerada, no âmbito da

biossegurança, uma tecnologia pouco segura ao meio ambiente, em função dos

34 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 26 ed., São Paulo. Saraiva. 2003. p. 37. 35“ O termo GURT, que em inglês significa Genetic Use Restriction Technology, foi introduzido pela primeira vez em 1999 em um relatório preparado para a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB1) (V-GURT..., 2003). Outro sinônimo em inglês para estas tecnologias é Technology Protection System, TPS na sigla em inglês. Em espanhol, as tecnologias GURT recebem o nome de Tecnologías de Restricción del Uso Genético, ou TRUG. A tradução da mesma expressão para o português não foi, no entanto, tão exitosa, estabelecendo-se o termo “Tecnologia Genética de Restrição do Uso”. Até mesmo a Lei de Biossegurança brasileira, no 11.105 de 2005, utiliza esta mesma expressão para tratar do tema. As Tecnologias de Restrição ao Uso Genético têm aplicação no controle da expressão de determinadas características em sementes e também na produção de sementes estéreis. No primeiro caso, a tecnologia é conhecida no meio científico como “trait-GURT” ou T-GURT. No caso da esterilidade de sementes, a tecnologia de restrição envolvida em seu processo de produção é chamada de “variety-GURT”, “variety-level GURT”, ou “V-GURT”. Ambas as tecnologias foram vulgarmente apelidadas pela Rural Advancement Foundation International (RAFI2) de “Traitor” e “Terminator”, respectivamente. Estes são os termos encontrados em documentos Termo que significa “exterminador” em português. Termo não científicos veiculados pela mídia, seja ela contra ou a favor da tecnologia. Somente em

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possíveis riscos decorrentes do fluxo de genes entre culturas de polinização aberta

contendo esta tecnologia de restrição e culturas isentas da tecnologia V-GURT.

Com a liberação deste tipo de tecnologia se reduzirá até o fim a disponibilidade

de sementes férteis para os agricultores armazenarem de uma safra para as outra.

Seus defensores alegam que esta tecnologia V-GURT embora de grande impacto no

meio ambiente, possuem vantagens do ponto de vista da biossegurança por

teoricamente reduzirem a probabilidade de transmissão dos transgenes de uma

espécie a outra em função da esterilidade das sementes.

Nossa Lei de Biossegurança36, é categórica em proibir a, em seu Art. 6 inciso

VII, a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e também o

licenciamento de tecnologias de restrição. Porém as graves crises políticas que o

governo atual está enfrentando e que visivelmente o faz perder a estabilidade, permite

que o lobby das grandes empresas como a Monsanto interessadas no mercado

brasileiro ganhem força e espaço, fazendo com que a atual lei de Biossegurança seja

flexibilizada para permitir a entrada das sementes Terminator.

Existe uma pressão da bancada ruralista em fazer aprovar o Projeto de Lei

1117/201537 do Dep. Alceu Moreira do PMDB-RS que contraria todos os Tratados já

assinados pelo Brasil, os ambientalistas de todo o mundo estão em alerta pois os

danos serão irreversíveis, elas contaminarão outras lavouras e plantas e causariam a

total dependência dos agricultores que não poderiam mais “guardar sementes”.

Se aprovado, pelo Congresso Brasileiro o projeto de lei violaria uma moratória

internacional sobre os testes de campo e comercialização de sementes Terminator –

unanimemente aprovada em 2000 e reafirmada em 2006 por 192 governos na

artigos científicos e em documentos de patente é possível encontrar o termo GURT e suas variações (V-GURT ou T-GURT). GUERRANTE, Rafaela di Sabato. Estratégia de Inovação e Tecnologia em Sementes. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 2011.Pág.111 36 Lei nº 11.105/2005. Disponível em<www.planalto.gov.br> acesso em 27/04/2016 37 Desde 10/11/2015 PLENÁRIO (PLEN )Aguarda a apresentação do Requerimento n. 3491/2015, pelo

Deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), que: "Requer a instalação de Comissão Especial para incluir o exame de mérito pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Desse modo, por versar a referida proposição matéria de competência de mais de três Comissões de mérito, foi devidamente realizada a criação de Comissão Especial, nos termos do art. 34, inciso II, do RICD. A fim de dar parecer sobre o Projeto de Lei 1.117/2015 que "Altera dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, para introduzir disposições relativas às tecnologias genéticas de restrição de uso de variedade, e revoga o artigo 12 da Lei nº 10.814, de 15 de dezembro de 2003.".

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Convenção das Nações Unidas na reunião da Convenção da Biodiversidade, em

Curitiba, Brasil.38

A discussão sobre as questões éticas e humanitária que implicam a liberação

da tecnologia Terminator já vem sendo discutida há mais de vinte anos e

unanimemente condenada por agricultores, organismos científicos, governos,

sociedade civil e movimentos sociais como uma ameaça à soberania alimentar,

biodiversidade e os direitos humanos. A recente Encíclica “Laudato Si”39 do Papa

Francisco, em seu parágrafo 134 chamou a atenção de toda a Humanidade sobre a

ameaça representada pelas "sementes inférteis.” Assim escreveu:

[...]“Embora não disponhamos de provas definitivas acerca do dano que poderiam causar os cereais transgénicos aos seres humanos e apesar de, nalgumas regiões a sua utilização ter produzido um crescimento económico que contribuiu para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes que não devem ser minimizadas. Em muitos lugares, na sequência da introdução destas culturas, constata-se uma concentração de terras produtivas nas mãos de poucos, devido ao «progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, em consequência da perda das terras cultivadas, se viram obrigados a retirar-se da produção directa ». Os mais frágeis deles tornam-se trabalhadores precários, e muitos assalariados agrícolas acabam por emigrar para miseráveis aglomerados das cidades. A expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecossistemas, diminui a diversidade na produção e afecta o presente ou o futuro das economias regionais. Em vários países, nota-se uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo, e a dependência agrava-se quando se pensa na produção de sementes estéreis que acabam por obrigar os agricultores a comprá-las às empresas produtoras.”[...]

O Projeto de Lei - PL 1117/2015 que está aguardando parecer técnico da

Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável propõe isenções

específicas para o uso da Tecnologia de Restrição Uso Genético (GURTs). GURT é

o termo utilizado pela Organização das Nações Unidas e pela comunidade científica

para se referir ao Terminator ou esterilização genética de sementes.

38 Convenção sobre Diversidade Biológica, Decisão V/5, seção III, parágrafo 23.

39 PAPA. Francisco. Carta Encíclica Laudato Si. Sobre o Cuidado da Casa Comum.2015.Ed.Paulinas.

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A proposta da Lei faz menção às tecnologias de restrição de uso genético que

serão introduzidas em plantas chamadas de biorreativas ou em plantas que podem

ser multiplicadas vegetativamente; tais plantas as plantas refere-se às culturas

projetadas para produzir ingredientes farmacêuticos, combustíveis ou outros produtos

industriais, como o exemplo o plástico vegetal.

O texto ainda faz menção do uso a qualquer planta que possa ser propagada

vegetativamente – Isto incluiria, por exemplo, cana e árvores de eucalipto – com foco

na produção de biocombustível. Assinala GUERRANTE40:

[...]A vantagem da liberação deste tipo de tecnologia, segundo os especialistas é a contenção do fluxo gênico, em especial, dos transgenes inseridos em sementes GMs, reduzindo possíveis danos ao meio ambiente, principalmente em locais considerados “Centros de Origem e Diversidade” de determinadas culturas. Tendo em vista que um dos potenciais riscos do plantio de sementes GMs para o meio ambiente é o fluxo de genes entre variedades GMs, convencionais, silvestres e/ou crioulas, a inserção da tecnologia V-GURT em sementes GMs tornaria o pólen dessas sementes estéril, impedindo-o de fecundar qualquer outra planta. Este parece ser o grande benefício potencial desta tecnologia, em especial no que se refere à sua aplicação em sementes GMs das 2ª e 3ª gerações, que são, respectivamente, sementes com características nutricionais enriquecidas qualitativa e/ou quantitativamente, e sementes capazes de sintetizar fármacos, vacinas, hormônios, anticorpos e até plásticos.

O projeto de lei contém uma lacuna maliciosa que abre a possibilidade da

tecnologia de restrição ser usada para qualquer cultura, quando for considerado

benéfico para a biossegurança. Essa linguagem vaga abre uma enorme brecha legal

e delega um grande poder à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

40 GUERRANTE, Rafaela Di Sabato. Estratégia de Inovação e Tecnologia em Sementes. 269 f.

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CTNBio)41, sobre a qual o lobby do agronegócio exerce grande influência. Seria a

CTNBio a decidir o que seria “benéfico à biossegurança”.42

Toda a parte de Segurança e autorizações relacionadas aos usos de sementes

geneticamente modificadas está subordinada à CTNBio, que deveria funcionar com

os principais especialistas, sejam conhecedores da prática sejam com notório saber

científico e acadêmico, englobando as diversas áreas humanas, animal, vegetal e

ambiental, todos uníssonos na defesa da vida e das futuras gerações.

“Entretanto, esta Comissão que hoje está lá, não é oriunda da comunidade

cientifica e sim de indicações políticas e os cientistas que lá estão são todos pró-

transgenia, não havendo oposição, o que a torna extremamente política.”43

A Indústria tem discutido por muito tempo que a esterilidade genética projetada

oferece um recurso interno de biossegurança para plantas geneticamente

modificadas, porque, se uma colheita de Terminator de polinização cruzada com uma

planta relacionada nas proximidades, as sementes produzidas de polinização

indesejada seriam estéreis. “Na realidade, estratégias de contenção molecular não

fornecerão uma solução de segurança para evitar a fuga de transgenes, mas pode

causar danos significativos à biodiversidade.”44

A tendência de concentração empresarial é particularmente ameaçadora para

os agricultores no Brasil, que é o maior mercado para a indústria global de pesticidas

e o segundo maior mercado para Monsanto e Syngenta. Em agosto, a Syngenta

rejeitou a oferta de aquisição de US $ 47 bilhões da Monsanto – mas outras fusões e

41 A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança possui 27 membros: 12 especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo: três da área de saúde humana, três da área animal, três da área vegetal e três da área demeio ambiente, um representante de cada um dos seguintes Ministérios: Meio Ambiente, Saúde, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Relações Exteriores, Desenvolvimento e Indústria, Defesa e um da Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca. Além disso, 06 especialistas deverão ser escolhidos a partir de listas tríplices organizadas pela sociedade civil, sendo: um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministro da Justiça; um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde; um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente; um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário e um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego. 42 MONGABAY.ORG. Disponível em https://www.mongabay.com acesso em 29/04/2016 43 POZZETTI, Valmir César. A Biossegurança, o Princípio da Precaução e os Riscos da Transgenia Alimentar.8.p. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1b5230e3ea6d7123 > acesso em 03/05/2016 44Brazil Aims to Torpedo International Moratorium on Terminator Seeds disponível em http://www.etcgroup.org acesso em 29/04/2016

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aquisições estão em curso. No contexto corporativo os esforços no Brasil para minar

a moratória global sobre Terminator estão ocorrendo em um tempo quando as maiores

corporações de agroquímicos e sementes do mundo estão consolidando o controle

corporativo sobre o primeiro elo da cadeia alimentar: Monsanto, Syngenta e DuPont

já controlam um terço do mercado mundial de agroquímicos e 55% de sementes

comerciais do mundo. Embora a Syngenta, Monsanto e DuPont (e/ou suas

subsidiárias) estão entre as empresas que se candidataram para obter patentes sobre

a tecnologia Terminator, as três empresas, anteriormente, se comprometeram a não

comercializar a tecnologia. No entanto, a mais recente promessa da Monsanto não

inclui culturas não alimentares.45

“O módulo de Biossegurança é o eixo fundamental para a geração de uma

consciência crítica e construtiva, necessária para a tomada de decisão sobre a

introdução, produção, comercialização e consumo de produtos transgênicos

(OGM).”46

3.3- ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS E O RISCO À TEIA DA

VIDA

O homem quando começou a dominar as técnicas de agricultura e passou a ter

maior domínio da natureza pode se expandir e criar uma sociedade mais complexa.

Este processo se deu pela escolha das melhores sementes para serem plantadas e a

partir de um manejo inteligente e sustentável do solo, que há aproximadamente treze

mil anos se repete a mesma lógica que é colher e replantar, e a cada plantio corrigir

os desgastes da produção com adubação.

Capra acredita que uma agricultura forte deve respeitar a lei da natureza e os

ciclos de crescimento dos seres vivos, sem que haja uma ação prejudicial do próprio

homem. Além disso, anos atrás, antes do avanço biotecnológico no campo, o

agricultor mantinha um real respeito pela vida, sempre na busca do equilíbrio

45Idem. Disponível em < http://www.monsanto.com/newsviews/pages/terminator-seeds.aspx> acesso

em 29/04/2016 46 MOLANO, Ligia Urbina. Biossegurança na Biotecnologia.p.40 Disponível em < http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/62957/1/Bios-Bioet.pdf> Acesso em 16/05/2016

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ecológico, mostrando-se consciente da necessidade de preservar para colher em

troca, pois em vez de usarem fertilizantes químicos, os agricultores enriqueciam seus

campos com estrume, devolvendo, assim, matéria orgânica ao solo para restabelecer

o ciclo biológico.47

Com a expansão da biotecnologia na agricultura, verificou-se que a

sustentabilidade do modelo agroquímico, pode ser questionada por três principais

motivos: a) tendência de esgotamento da matriz energética; b) o horizonte reduzido

de durabilidade de minerais como o fósforo e o potássio; e c) os altos custos unitários

dos insumos de produção. Além desses fatores, há também os impactos ambientais

provocados pelo modelo agroquímico, tais como: a) erosão; b) poluição e

assoreamento dos corpos d’água; c) desequilíbrio nas cadeias naturais; d) eclosão de

novas pragas e doenças; e) chuvas ácidas; f) destruição da camada de ozônio e

aumento dos gases de efeito estufa; e g) destruição das florestas e da biodiversidade

de espécies da fauna e da flora. Essa perda de diversidade torna o modelo

agroquímico cada vez mais vulnerável, logo insustentável no médio e longo prazo.48

“Conhecido também como modelo moderno, responsável pela Revolução

Verde responde ao anseio milenar do homem de poder controlar a natureza,

exercendo sobre ela o máximo domínio e a artificialização do meio ambiente”49, estas

empresas de biotecnologia passaram a produzir fertilizantes e sementes com a

proposta de acabar com a fome do mundo, pretendiam por meio da tecnologia

aumentar a produção e diminuir os custos pelo uso de insumos agrícolas e sementes

geneticamente modificadas.

[...]Neste paradigma, um dos elementos centrais é a eliminação da biodiversidade e a máxima homogeneização do sistema. Dessa forma, o privilégio único seria da espécie a ser cultivada, sendo que todas as demais são consideradas concorrentes: devendo, portanto, ser eliminadas, como também as pragas e doenças. Dentro desse princípio, ocorre uma maior facilidade para lidar com os parâmetros de controle, tais como água, luz e

47 CAPRA. Fritof. As Conexões Ocultas: Ciência para uma vida sustentável. Traduzido por Marcelo

B. Cipolla. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 245. 48 AMADOR, E. S. Comentários sobre a crise ambiental. In: CUNHA, S. B.; GUERRA, A. T. (Org.)

Avaliação e perícia ambiental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p.11-14. 49 WEID, J. M. Conceitos de sustentabilidade e sua aplicação nos modelos de desenvolvimento

agrícola. In: ALVAREZ, V. H. V.; FONTES, L. E. F.; FONTES, M.P. F.O solo nos grandes domínios morfológicos do Brasil e o desenvolvimento sustentável. Viçosa, MG: SBCS; UFV, PS,1996. p.353-376.

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nutrientes. O objetivo final desse modelo encontrava-se na manipulação genética das plantas, rede terminando suas características fisiológicas, permitindo flexibilizar o controle dos fatores ambientais, produzindo plantas que se adaptem a estes.[...]50

O grande problema e restrição desse modelo referem-se à redução da

biodiversidade, tornando a produção totalmente dependente de fatores externos ao

sistema propriamente dito, tais como: a) as sementes são produzidas em laboratórios;

b)os fertilizantes têm origem mineral e são processados industrialmente; c) os

defensivos agrícolas também provêm de indústrias químicas; d) a energia utilizada

tem origem fóssil; d) alta dependência de equipamentos com elevado consumo

energético, necessitando de altos investimentos e tributário de sistemas financeiros,

outra característica desse modelo é a concentração de propriedades e a eliminação

de postos de trabalho no campo.51

Protegidas pelas patentes, as Empresas como a Monsanto, com intuito de se

perpetuar no mercado se fundiram com outras empresas menores formando

indesejáveis “joit-venture” e absorveram todo o mercado de sementes de forma a

obrigar os agricultores a comprar seus produtos. Através de uma série de grandes

fusões, e em virtude do controle rigoroso possibilitado pela tecnologia genética, o que

está acontecendo agora é uma concentração nunca antes vista da propriedade e do

controle sobre a produção de alimentos.

As dez maiores empresas agroquímicas controlam 85 por cento do mercado

mundial; o objetivo desses gigantes empresariais é criar um único sistema agrícola

mundial no qual eles possam controlar todos os estágios da produção de alimentos e

manipular tanto os estoques quanto os preços da comida. As causas radicais da fome

no mundo não têm relação alguma com a produção de alimentos, são a pobreza, a

desigualdade e a falta de acesso aos alimentos e à terra. As pessoas ficam com fome

porque os meios de produção e distribuição de alimentos são controlados pelos ricos

e poderosos. A fome no mundo não é um problema técnico, mas político.52

50 WEID.op.cit.,p.353 51 Ibidem. 52 CAPRA. Fritof. As Conexões Ocultas: Ciência para uma vida sustentável. Traduzido por Marcelo

B. Cipolla. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 196-198.

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O desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo, utilização

de agrotóxicos e mecanização no campo aumentou a produção e permitiu a expansão

da agricultura. Com isso, houve significativo aumento na produção de alimentos, o

que alterou a estrutura agrária e possibilitou sua modernização.53

Inicialmente, utilizava-se tão somente dos métodos clássicos de cruzamento e

cultivo, cujas técnicas evoluíram para transferência controlada de informação

genética, possibilitando o melhoramento de vegetais mais resistentes às doenças,

pragas e herbicidas, com maior valor nutricional e funcional, com maior índice de

produção, enfim, com maior valor socioeconômico. “Assim, os recursos genéticos são,

hoje, a base da atividade agrícola, de forma que a semente melhorada é o principal

fator da produtividade e o vetor da eficiência da agricultura moderna.”54

Ocorre que este avanço desmedido se deu e ainda acontece pela estrita visão

econômica e não ambiental, pois o que se está vivendo no momento é uma

dependência tecnológica destas empresas, pois o solo agora só funciona com a

aplicação cada vez mais excessiva de fertilizantes e agrotóxicos produzidos por estas

companhias.

Elas criaram a dependência de seus produtos o que confere a elas a

perpetuação no mercado, suas estratégias comerciais previam este controle do

mercado, para tanto elas compraram todas as pequenas empresas sementeiras e

incorporaram a elas, não restando mais alternativas ao produtor senão a submissão.

A modificação genética , que significa o fortalecimento de um vegetal por meio

da engenharia genética é um feito a ser celebrado pois enaltece a inteligência humana

e atualiza o homem moderno na prática da agricultura e do controle da natureza, mas

o que aconteceu na prática não foi baseado numa ética em favor da vida e do homem,

mas sim do mercado, da dominação econômica, assim as empresas que

monopolizam as patentes foram desenvolvendo técnicas para não perderem o

controle e criaram sementes com modificações genéticas com outros organismos

vivos, os chamados transgênicos.

53 VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto; BUAINAIN, Antônio Márcio. Aplicação da propriedade intelectual

no agronegócio: In: PLAZA, Charlene Maria Coradini de Ávila. et al. (Coord.). Propriedade intelectual na agricultura. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 22. 54 PESSANHA, Lavínia. WILKINSON, John. Transgênicos, recursos genéticos e segurança alimentar: o que está em jogo nos debates? Campinas (SP): Autores Associados. 2005, p. 19-20

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Segundo Rodrigues, “as técnicas de engenharia genética que dão existência

às plantas transgênicas, recebem a denominação de ‘transformação por

Agrobacterium’ e de ‘transformação por bombardeamento de projéteis’. No método da

‘transformação por Agrobacterium’ há a utilização de bactérias que existem no solo,

denominada de Agrobacterium, que, de forma espontânea, fazem associação com

algumas espécies de plantas transferindo a elas alguns de seus genes”

Os potenciais riscos que os transgênicos nos apresentam, segundo

Guerrante55 são na ordem de dez: Tecnologia traitor, eliminação de insetos e

microrganismos do ecossistema; fluxo de genes: transferência horizontal de genes;

geração de superpragas; aumento de uso de defensivos; surgimento de novas

substâncias ou aumento do nível de substâncias já existente; oligopolização do

mercado de sementes; aumento do preço final do produto e dependência e exclusão

dos pequenos agricultores:

1) Tecnologia Traitor que consiste na aplicação de substâncias químicas capazes de ativar ou desativar características da planta, tornando-a estéril e criando dependência do agricultor em relação à multinacional.

2) Eliminação de insetos e microrganismos do ecossistema (consiste no fato de que as plantas transgênicas representam potenciais riscos de eliminação de insetos e microrganismos benéficos à agricultura e de bactérias do solo, devido à exposição desses insetos e microrganismos à substâncias tóxicas produzidas pelos vegetais geneticamente modificado.

3) Fluxo de genes (consiste num outro potencial risco ao meio

ambiente e aos alimentos, relativo ao plantio de culturas

geneticamente modificadas: é o risco da contaminação de

plantios convencionais por meio de troca de pólen entre culturas

de polinização aberta, convencionais e geneticamente

modificadas.

4) Transferência horizontal de genes – este risco consiste na

transferência de material genético entre células de genomas de

espécies que não se relacionam naturalmente na natureza,

55 GUERRANTE, Rafaela di Sabato. Transgênico. Uma Visão estratégica. Interciência: Rio de Janeiro, 2003.p.33-36, apud POZZETTI.Valmir. Os Alimentos Transgênicos e o Direito Fundamental à Alimentação Saudável. Conpedi Baltimore.2006.p.24

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sendo os genes transferidos verticalmente dos pais para a

descendência. Isto ocorre entre indivíduos da mesma espécies

ou de espécies muito próximas. Este processo se dá de três

formas: por conjugação (através do contato); por transformação

(o material genético presente no meio ambiente onde a célula

está exposta é transferido diretamente para o interior da célula)

e por transdução (material é transferido de uma célula para outra

através de vírus infecciosos).

5. Geração de superpragas: (consiste na criação de insetos e as

plantas invasoras - aqui prevê-se a possibilidade de haver

cruzamento entre cultivares GMs e cultivares não GMs, da

mesma espécie ou de espécies próximas, como por exemplo o

milho no México, a batata nos Andes, a soja na China, a

beterraba na Europa Central e o arroz na Tailândia).

6. Aumento de uso de Defensivos (consiste no fato de que há

hipóteses de que determinadas culturas GMs quando plantadas

em condições edafoclimáticas específicas, necessitam de maior

quantidade de agroquímicos na sua proteção.

7. O Surgimento de Novas substâncias ou aumento nos níveis

de concentração de substâncias já existentes. (Neste caso o

risco à saúde humana é muito grande; eis que se mostra

possível, efeitos alergênicos e de alteração do metabolismo

humano, devido ao consumo de novas substâncias ainda não

conhecidas. Tal risco fere o caput do artigo 225 da CF/88.

8. Oligopolização do mercado de sementes - este é um risco

econômico, decorrente do uso desta tecnologia. As empresas

de biotecnologia podem formar um oligopólio no setor de

sementes de OGM.

9. Aumento do preço final do produto - a necessidade de

rotulagem, que falaremos mais a frente, para as sementes

geneticamente modificadas implica na necessidade de

rastreabilidade da cadeia produtiva do OGM e de seus

derivados, o que acarretaria custos para certificar toda a cadeia

produtiva.

10. Dependência e exclusão dos pequenos agricultores (neste

caso, ao buscar o retorno de grandes investimentos, as

empresas de biotecnologia recorrem ao patenteamento desta

tecnologia e dos genes inseridos nos vegetais modificados. Tal

risco fere o artigo 170 da CF/88, que estabelece a livre

concorrência.

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Com esta inovação que é recente temos um risco a vida humana evidente, que

já não se justifica como interesse alimentar senão para o sucesso comercial das

empresas químicas, nos ensina ainda RODRIGUES que, “o que importa, tanto em um

como no outro processo, é o fato de que depois de terminado, as células

transformadas são depositadas em um recipiente e recebem nutrientes, que as

induzem à multiplicação, fazendo com que se formem completamente; ou seja, são

agora plantas completas; pois houve transferência de genes do organismo doador

para o organismo receptor, que traz como consequência primeira “um organismo

geneticamente modificado” e, num segundo momento a possibilidade de ter levado

para o organismo receptor genes infecciosos e agressivos que poderiam recombinar-

se com vírus já existentes e causadores de doenças, gerando uma nova linhagem de

vírus e bactérias desconhecidas e, portanto, extremamente perigosos, inclusive por

serem resistentes aos medicamentos já conhecidos”. E é desta tese que advém a falta

de certeza de que os alimentos transgênicos não provocarão prejuízos à saúde do

homem.56

Sobre a informação dos produtos transgênicos, afirma CAPRA:

Nos Estados Unidos, as empresas de biotecnologia persuadiram a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) a considerar os alimentos transgênicos como “substancialmente equivalentes” aos alimentos tradicionais, o que exime os produtores de alimentos de submeter seus produtos aos testes normais da FDA e da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e deixa a critério das próprias empresas rotular ou não seus produtos como transgênicos. Assim, o público não é informado sobre a rápida disseminação de alimentos transgênicos e os cientistas têm muito mais dificuldade para identificar os possíveis efeitos nocivos.57

A União Europeia e o Japão, além de empresas ou organizações pelo mundo,

defendem que a inserção de novas construções no genoma de um organismo pode

fazer com que adquiram um conjunto de novas qualidades capazes de gerar

instabilidade e fenômenos indesejáveis, adotando com isso o princípio da precaução.

56 RODRIGUES, Maria Rafaela Junqueira Bruno. Biodireito. Alimentos Transgênicos. Franca/SP.

Lemos e Cruz Ltda. Pg.109, 2003 apud POSSETI, Valmir. A Biossegurança, o Princípio da Precaução e os Riscos da Transgenia Alimentar. Disponível em <. http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1b5230e3ea6d7123> acesso em 12/05/2016 57CAPRA. Fritof.2002.op.cit.p.208.

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Para esses, o crescimento e consumo dos OGMs podem ser classificados em três

grupos de risco: alimentares, ecológicos e agro tecnológicos. Na esfera alimentar,

discute-se que o grande problema do mundo está na distribuição de alimentos e não

em sua produção propriamente dita. Dessa forma, para eles, a utilização de OGMs

visa uma questão tão somente econômico-financeira, sem se preocupar com a saúde

das pessoas e, pelo contrário, colocando-a em risco. Isso porque são

verdadeiramente desconhecidos os efeitos de alimentos geneticamente modificados

no organismo das plantas, bem como no dos animais e humanos. Estudos por eles

promovidos demonstram que os OGMs de primeira geração contêm genes de

resistência a antibióticos, cujo uso deve ser controlado. Outros OGMs intensificaram

a alergia ou intoxicaram seus usuários, colocando em risco a saúde pública. Por outro

lado, os impactos ambientais são ainda mais desconhecidos a médio e longo prazo,

já que as alterações genéticas podem trazer consequências imprevisíveis ao

complexo meio ambiente.58

Ainda CAPRA:

[...]A influência da indústria farmacêutica sobre a prática médica tem um interessante paralelo na influência da indústria petroquímica sobre a agricultura e a lavoura. Os agricultores, tal como os médicos, lidam com organismos vivos que são seriamente afetados pela abordagem mecanicista e reducionista de nossa ciência e tecnologia. À semelhança do organismo humano, o solo é um sistema vivo que tem de permanecer em estado de equilíbrio dinâmico para ser saudável. Quando esse equilíbrio é perturbado, ocorre um crescimento patológico de certos componentes – bactérias ou células cancerosas no corpo humano, ervas daninhas ou pragas nos campos. A doença sobrevirá e, finalmente, o organismo morrerá ou se converterá em matéria inorgânica. Esses efeitos tornaram-se problemas graves na agricultura moderna por causa dos métodos de lavoura promovidos pelas companhias petroquímicas59

A exposição de insetos e microrganismos a substâncias tóxicas produzidas

pelos vegetais geneticamente modificados pode ocasionar a sua eliminação,

58 COSTA, Thadeu Estevam Moreira Maramaldo; DIAS, Aline Peçanha Muzy; SCHEIDEGGER, Érica Miranda Damasio; MARIN, Victor Augustus. Avaliação de risco dos organismos geneticamente modificados. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2011, vol.16, n.1, pp. 327-336 apud CARDINAL, Lucas Pacheco. A Oligopolização do Mercado de Sementes por Empresas Estrangeiras no Brasil e suas Consequências Econômicas. Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental. PUC-PR, 2014.p.111 59 CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. Traduzido por Álvaro Cabral. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 1982,

p. 244-245.

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provocando sério impacto ambiental. Além disso, pesquisas citam a possibilidade de

que algumas culturas transgênicas, quando plantadas sob condições edafoclimáticas

específicas, apresentem queda na produtividade em relação à convencional; alteração

no metabolismo humano a partir do consumo de certas substâncias transgênicas;

oligopolização do mercado de sementes (risco tecnológico); aumento no preço final

do produto, a partir da rotulagem de OGMs; dependência e exclusão dos pequenos

agricultores, devido ao patenteamento da tecnologia pelas empresas que detêm o tipo

de pesquisa60

Além disso, a gama de informações disponíveis no mercado sobre o assunto

ainda parece ser insuficiente para atender à demanda de questionamentos da

comunidade em geral, sobre os mais diferentes aspectos relacionados à manipulação

de genes. Sobre esse aspecto Rodrigues discorre:

[...] A vida, sua qualidade e a morte, estão amplamente vinculadas à temática abordada, uma vez que a bioética é a ética aplicada à “vida” e o que se busca é demonstrar como esta pode ser aplicada na sua prática, com relação aos alimentos transgênicos, no que estão ligados à vida, à qualidade de vida e, portanto, na consequência esperada pelo homem com o decorrer do tempo, a morte. [...] para que o ser humano se situe, para que tome consciência de que é um ser que deve se encontrar dentro da própria dimensão temporal, afinal de contas cada indivíduo faz sua própria história, mas sempre influenciado pelo meio e sistema em que se acha, muitas vezes não por escolha livre, mas sim, por situações impostas, como vem sendo o caso dos alimentos transgênicos, que estão fazendo parte da mesa cotidiana dos seres humanos e estes nem ao menos têm consciência do que estão ingerindo.61

Para JUNGES, a crise ecológica não significa apenas o surgimento de

problemas ambientais, mas a necessidade de novas formas de enxergar o mundo e,

especialmente, a natureza. A resposta não está em apenas procurar solucionar as

consequências funestas do uso de uma técnica invasiva dos equilíbrios homeostáticos

da natureza. Parece indispensável uma mutação cultural que supere a visão redutiva

e alcance um enfoque mais global da natureza. Trata-se da passagem de um

60 GUERRANTE, Rafaela Di Sabato. Transgênicos: uma visão estratégica. Rio de Janeiro: Interciência, 2003.p.108 61 RODRIGUES, Maria Rafaela Junqueira Bruno. Biodireito: Alimentos Transgênicos. São Paulo:

Lemos e Cruz, 2002, p. 77-78.

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reducionismo científico-metodológico que fragmenta a natureza para conhecê-la a

uma cultura sistêmica que compreende as inter-relações presentes no ambiente.62

A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os

seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os

valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de "uso", à natureza. A ecologia

profunda não separa seres humanos — ou qualquer outra coisa — do meio ambiente

natural. Vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede

de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes.

A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe

os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida.63

As lições sobre ecologia nos leva a entender a interligação entre todas as

coisas, nos ensina LEFF:

[...]A complexidade ambiental gera o inédito encontro com o Outro, entrelaçamento de seres diferentes e diversificação de identidades. No ambiente subjaz uma antologia e uma ética opostas e todo princípio de homogeneidade, a todo conhecimento unitário, a todo pensamento global totalizador. Abre uma política que vai além das estratégias de dissolução de diferenças antagônicas num campo comum conduzido por uma racionalidade comunicativa, regida por um saber de fundo e sob uma lei universal. A política ambiental é convivência no dissenso, na diferença e na outridade.64

Sobre o correto uso do solo, nos ensina MARÉS:

A terra está destinada a dar frutos para todas as gerações, repetindo a produção de alimentos e outros bens, permanentemente. O seu esgotamento pode dar lucro imediato, mas liquida sua produtividade, quer dizer a rentabilidade de um ano, o lucro do ano, pode ser prejuízo no ano seguinte. E prejuízo aqui não apenas financeiro, mas traduzido em desertificação, que quer dizer fome, miséria, desabastecimento. É demasiado egoísmo imaginar que a produtividade como conceito constitucional queira dizer o lucro individual e imediato. Ao contrário, produtividade quer dizer capacidade de produção reiterada, o que significa, pelo menos, a conservação do solo e a

62 ” JUNGES, José Roque. op.cit. p. 51.

63 CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.

Traduzido por Newton R. Eichemberg. 6. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.p.17 64 LEFF, Enrique. Aventuras da epistemologia ambiental: da articulação das ciências ao diálogo de saberes. Tradução de: Gloria Maria Vargas. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.p.77-78

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proteção da natureza, isto é, o respeito ao que a Constituição chamou de

meio ambiente ecologicamente equilibrado. 65

O que se verifica é uma ciência voltada para garantir e desenvolver os cultivos

transgênicos, o que revela a grande força econômica das empresas que monopolizam

a biotecnologia, ao invés de se investir mais em conhecimento do uso sustentável do

solo e dos recursos naturais, o que se procura fazer é forçar a natureza a seguir os

ditames da ciência , e não seguir o ritmo natural dela, com esta interferência forçada

e desrespeitosa às leis naturais já se vê os resultados danosos e até irreversíveis da

presença dos agrotóxicos na vida humana, o que foi chamado de revolução verde

para acabar com a fome mundial, na verdade é uma estratégia econômica de

perpetuação das empresas do ramo químico em exercer sua hegemonia no mercado,

pois não se acabou com a fome e já se perderam grandes áreas de Cerrado e de

floresta.

3.4-O PRINCÍPIO DO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Qualquer disciplina jurídica, para ser considerada autônoma, necessita de um

conjunto de princípios e normas específicas que lhe sirvam de alicerce. Os princípios

conferem ao ordenamento jurídico estrutura e coesão, pois são a espinha dorsal

para se determinar o sentido e o alcance das expressões do direito.

A Importância dos princípios é enorme. Tamanha, que da sua inserção no plano

constitucional resulta a ordenação dos preceitos constitucionais segundo uma

estrutura hierarquizada. Isso no sentido de que a interpretação das regras

contempladas na Constituição é determinada pelos princípios.66

65 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Direito agrário e meio ambiente. In: LARANJEIRA, Raymundo (org.). Direito agrário brasileiro: em homenagem à memória de Fernando Pereira Sodero. São Paulo: LTr, 2000. p. 516-517 66 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 153.

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O ordenamento jurídico se fundamenta na supremacia das normas

constitucionais que se apresentam de forma hierarquizada, nessa graduação os

Princípios Constitucionais, são aqueles que guardam os valores fundamentais da

ordem jurídica, são um conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição,

seus postulados básicos e seus fins. “Os princípios constitucionais são as normas

eleitas pelo constituinte como fundamento ou qualificações essenciais da ordem

jurídica que institui”.67

Pode-se dizer, que a Declaração das Nações Unidas em Estocolmo68, em 1972,

foi o marco regulatório jurídico internacional que influenciou todos os Tratados e

Constituições sobre a proteção ambiental. Nele se erigiu à condição de um direito

fundamental igualando ao direito à vida, assim diz o Princípio 1 e 2:

Princípio 1: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade, e

ao desfrute de adequadas condições de vida em um meio cuja qualidade lhe

permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação

de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras.

Principio 2 - Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a

flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas

naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras,

mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.”

Os princípios da Declaração de Estocolmo foram reafirmados na Declaração

do Rio de Janeiro, sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, a Eco-9269,

que serviu como instrumento de repensar uma nova conduta ética e de cooperação à

sociedade e o Poder Público, o mesmo encontro firmou as bases para o

67 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 141. 68 A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano. Disponível em: <http://www.silex.com.br/leis/normas/estocolmo.htm>. Acesso em: 17/05/2016. 69 A Eco 92 foi realizada de 3 de junho a 14 de junho de 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente era referida como Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), e, popularmente, como Rio 92

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desenvolvimento do princípio para um desenvolvimento sustentável, focado na

integridade global do ambiente.

O Direito Ambiental é um "complexo de princípios e normas coercitivas

reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a

sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para

as presentes e futuras gerações”.70

Fala-se, atualmente, numa visão holística do meio ambiente, querendo-se com

isso significar o caráter abrangente e multidisciplinar que a problemática ambiental

necessariamente requer.71 Isso nos leva a crer que o Princípio do meio ambiente

ecologicamente equilibrado além de um bem de uso comum do povo, é um direito

difuso e fundamental reconhecido a uma quantidade indeterminada e indeterminável

de pessoas, que transcende à coletividade e se estende às futuras gerações.

Nas lições de Paulo Affonso Leme Machado:

O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das Águas, um Direito da Atmosfera, um Direito do Solo, um Direito Florestal, um Direito da Fauna ou um Direito da Biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e reparação, de informação, de monitoramento e de participação.72

Há, contudo, um outro termo, biosseguridade, de escopo mais amplo, que por

sua vez englobaria a biossegurança. Em seu sentido geral, biosseguridade significa o

estabelecimento de um nível de segurança dos seres vivos por intermédio da

diminuição do risco de ocorrência de qualquer ameaça a uma determinada população.

A biosseguridade inclui tanto os riscos biológicos como também questões

relacionadas à saúde pública ou ainda à segurança nacional. Um programa de

biosseguridade é composto por um conjunto de princípios, normas, medidas e

70 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2004.p.209. 71 MILARE, op.cit. p. 65. 72 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 54.

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procedimentos de cuidados com a saúde e o bem estar de uma população, o que

inclui, naturalmente, o meio ambiente.73

O ponto chave é a análise e ponderação de risco e benefício, mediante uma

metodologia específica, na qual se articulam os conhecimentos básicos de

Biotecnologia com elementos normativos ou de Biossegurança e valores e princípios

éticos. Isto permite decidir sobre os OGM, sobrepondo o bem comum a interesses,

sejam individuais, científicos, experimentais ou econômicos.74

O complemento normativo que se desenvolve tem dois contextos; um nacional,

outro, internacional, e os dois permitem seguir uma unidade e consenso entre os

países do mundo para proteger as formas de vida e as condições humanas e eco

ambientais que as favorecem e lhes dão sustentabilidade.75

4- O RISCO ECONÔMICO

A biotecnologia fez da agricultura uma extensão da indústria, tendo como regra

a produção em larga escala e monocultura, o que prejudicou os pequenos agricultores

e as práticas tradicionais do uso do solo gerando empobrecimento e aumentando os

oligopólios.

4.1-A PROLETARIZAÇÃO E A IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

A partir de uma prática de agricultura aonde a apropriação da natureza e do

trabalho é vista pela ótica produtiva própria do capitalismo - como o modelo imposto

pela biotecnologia e os transgênicos - vemos prosperar o discurso e a ideologia da

tecnociência como solução para todos os problemas de fome do futuro.

Fundamentados em uma “ideologia do desenvolvimento”, com o aval das

estatísticas do progresso tecnológico e científico, a agricultura passou a estar nos

73 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. ibidem. 74 MOLANO.op.cit.40 75 MOLANO.op.cit.40

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domínios da lógica capitalista, a busca do lucro econômico independente do

desenvolvimento social e ambiental, gera o desperdício de recursos naturais pela

crescente redução das áreas verdes próprias para a fixação de famílias e produção

de alimentos saudáveis.

A respeito da dependência econômica e tecnológica nos ensina MORENO:

[...]Historicamente, a condição de possibilidade da revolução industrial, e da proletarização, foi a pré-existência de fluxos coloniais de matérias primas e portanto de natureza. A dependência de um lastro colonial na base material da criação de uma sociedade industrial está na raiz da lógica econômica que hoje racionaliza a produção nacional desde que integrada às cadeias globais da agroindústria, vinculada à lógica da dívida. Já a ‘dívida’ foi produzida historicamente pela situação colonial e é hoje condição para a perpetuação dessa dinâmica, como, no caso corrente da propriedade intelectual e dos transgênicos, o mecanismo das royalties (o que é devido ao rei, à coroa, ao império). Neste exemplo, a destruição ambiental causada pelas monoculturas de exportação no sul para viabilizar e suprir a sociabilidade da afluência dos cidadãos do norte e a lógica entrópica do sistema são invertidos com o questionamento sobre a dívida ecológica, uma vez que a sociedade industrial do norte só veio a ser e se mantém como sociedade de consumo (e de democracia de consumidores) às custas do saqueio da natureza do sul para alimentos, fibras, minérios, energia, etc.76

O mercado de trabalho é muito afetado pela globalização econômica, isto pode

ser percebido no momento em que há uma exclusão do trabalhador desqualificado,

assim como quando ele perde espaço para as novas tecnologias e em consequência

disso se desperta uma insegurança generalizada nos trabalhadores que abdicam de

seus direitos para continuarem ocupando seu posto de trabalho.77

A questão agrária hoje designa nesta leitura a crise ambiental global que é a

crise de reprodução do capitalismo, e não apenas a subordinação da agricultura à

indústria. A substituição da lógica de produção e da sociabilidade camponesa pela

lógica de produção industrial e pela sociabilidade capitalista envolve a generalização

76 MORENO, Camila. Marx visita a Monsanto: para pensar a questão agrária no século XXI. Dissertação, Mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2005.p.137 77 GARCIA. Ilton da Costa e IOSAWA. Suelyn. O papel das políticas públicas de inclusão do trabalhador no combate ao desemprego.In. Diálogos Impertinentes-Administração Pública.Org. Fernando Gustavo Knoerr e Viviane Coelho Séllos Knoerr. Curitiba. Instituto Memória.2014.p.129

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ideológica do padrão de consumo e de ‘qualidade de vida’ capitalista (que é

basicamente medido pela alimentação) como um direito universal. E o padrão de

alimentação é diretamente relacionado a uso do solo agrícola e dos consequentes

impactos no meio ambiente e no clima.78

O lócus da proletarização não estaria limitado ao processo industrial levado à cabo objetivamente na fábrica e sim na submissão e escravização dos produtores às normas reguladoras da indústria, que estariam encapsuladas nas ferramentas da tecnociência, como no caso paradigmático das sementes geneticamente modificadas. No caso da agricultura, as normas reguladoras e de padronização, especificação e em geral ‘qualidade’, significariam nada além da adequação da produção à forma industrializada global das mercadorias, e como tal da adequação, também global, da forma e das condições do trabalho do campo. 79

Ao mesmo tempo em que a sociedade globalizada permitiu um

desenvolvimento gigantesco, com vastas oportunidades de comércio, fluxo de

capitais, avanço tecnológico, crescimento da qualidade de vida, o crescimento não

serviu àqueles mais afastados das tecnologias de produção, provocou o

empobrecimento de numerosos camponeses.

Vários foram os prejudicados nesta nova forma de dominação, ensina LEFF:

[...]Ao lado de modernas empresas agrícolas, o desaparecimento de um amplo setor de subsistência provocou a subutilização do potencial dos recursos naturais e culturais. Numerosos camponeses e comunidades indígenas estão desempregados e subempregados, produzindo em condições que não lhes permitem suprir suas necessidades básicas, os preços de seus produtos são cada vez mais desfavoráveis em relação aos insumos produtivos que utilizam, assim como em relação aos preços de outros produtos que constituem a cesta básica de bens de consumo de que depende sua qualidade de vida.80

O desenvolvimento da sociedade pós-moderna resultou no desenvolvimento

de avançadas tecnologias e enormes metrópoles, porém não sem trazer severas

78 MORENO.op.cit.p.137. 79 Ibid.p.138 80 LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.p.35

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consequências ao meio ambiente e a todos os seres humanos que dele dependem.

“A poluição desmedida resulta em doenças à espécie humana e a utilização da

tecnologia para a busca de poder por meio de guerra resulta na morte de milhões de

pessoas.” 81

O avanço desmedido do desenvolvimento dos países mais ricos, após a

Segunda Grande Guerra, dividiu o mundo em dois grandes blocos econômicos, os

capitalistas e os socialistas.

Com a expansão dos mercados dos países capitalistas surgiu o fenômeno da

Globalização, as empresas de grande porte passaram a se instalar nos países mais

pobres para exploração dos recursos naturais e da mão-de obra local.

O mundo global ficou dividido entre os países do Norte e do Sul, a exploração

desmedida acarretou o empobrecimento e a degradação ambiental.

Com a crescente disparidade de capacidade de consumo que é peculiar no

capitalismo liberal, o Estado encontrou uma forma de coibir a insatisfação dos menos

favorecidos pela riqueza e desenvolveu o Estado de Bem-Estar, como forma de evitar

a expansão da ideologia socialista.

No entanto, com a derrocada do sistema comunista, que atuou como

verdadeiro limite ético, elevaram-se a níveis incontroláveis os desmandos do capital.

A ameaça comunista obrigava o capitalismo a tomar decisões, priorizando as

necessidades sociais com mais frequência. Isento dos perigos iminentes, o capital

volta ao seu estado de natureza: só considera as necessidades sociais importantes

se estas ameaçarem o sistema econômico.82

Entre as questões sociais a serem enfrentadas pelo crescente avanço da

economia e a profunda desigualdade social, surgiu o desenvolvimento da

biotecnologia agrícola como forma de solucionar a crise de produção de alimentos.

Ocorreu que os países ricos, como o Estados Unidos ao fazer uso desta

tecnologia criou uma sobre produção, sem um estudo minucioso dos impactos

81 SOAREZ, Josemar ; CRUZ, Paulo Márcio. Critérios éticos e sustentabilidade na sociedade

pós-moderna: impactos nas dimensões econômicas, transnacionais e jurídicas. Revista Novos

Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 17 - n. 3–pg.404set-dez 2013. Issn Eletrônico 2175-0491. Disponível

em:<http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/5544/2949> Acesso em:21/04/2016

82 LIMA, José Edmilson de Souza. Economia Ambiental, Ecológica e Marxista versus Recursos Naturais.in O Desenvolvimento Sustentável em Foco- uma contribuição multidisciplinar/organização: Gilson Batista, José Edmilson de Souza Lima. Curitiba: São Paulo: Annablume, 2006.p.56

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causados na natureza, a produção em larga escala depende de muitos insumos

agrícolas químicos que afetam a biodiversidade.

[...]Enquanto anteriormente a melhoria da produção agrícola se baseou em boa medida na seleção de sementes e de castas, do que se trata agora, na era da biotecnologia, é de recorrer a técnicas que usam organismos e processos vivos com vista a fazer ou modificar produtos ou a melhorar plantas ou animais. Está ainda por avaliar cabalmente o impacto da biotecnologia agrícola na saúde ou no meio ambiente. Se a produção pode aumentar exponencialmente, fá-Io-a à custa da biodiversidade. Se plantas e animais podem ser sujeitos à engenharia genética para se tornarem mais resistentes às doenças, à seca, ou aos herbicidas, isso é no fundo um incentivo a tolerar e até a promover a degradação ecológica[...].83

As empresas multinacionais que desenvolveram as patentes da biotecnologia

são megacorporações que exercem uma pressão política incontestável em favor de

seus interesses econômicos, quanto mais disseminam suas tecnologias, mais

poderosas no mercado ficam, e consequentemente é maior o problema social que

esta prática promove.

A mecanização e o plantio de monoculturas em larga escala é responsável

cria riscos ambientais irrecuperáveis, como:

[...] No caso da desertificação, mais uma vez, as necessidades sociais são colocadas em planos secundários. Perto de um quarto da superfície da Terra, habitado por aproximadamente um bilhão de pessoas, vive sob a ameaça crescente de desertificação. Por ano, 11 milhões de hectares de florestas têm desaparecido e 6 milhões de hectares de terras produtivas transformam-se em desertos. Na Europa, por exemplo, mais de 20 milhões de hectares estão degradados, em consequência da poluição industrial e da chuva ácida.84

Uma forma possível de frear o impacto sobre a natureza ecológica e social

seria o fomento em larga escala à agricultura orgânica e familiar por ser uma prática

sustentável e garantidora de alimentação saudável, uma prática alicerçada em uma

lógica de produção sustentável, que valoriza o trabalho, que inclui outro tempo, outro

ritmo de produção e outra justificação social. Neste modelo os excedentes são

83SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: o social e o político na pós–modernidade. 12.ed.São Paulo; Cortez Editora, 2008.pg.292. 84 LIMA, José Edmilson de Souza.op.cit.p.54

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levados ao mercado, mas a produção não se determina em função dos excedentes, o

ritmo é aquele dos ciclos e processos da natureza. A garantia à Soberania Alimentar,

é evidente pois acontece em consonância ecológica cuja justificação social se dá em

função da ética da provisão, sociabilidade e respeito ao ritmo da natureza.

Assim, a consciência ‘proletária’ surgiria por oposição, exatamente no

reconhecimento de uma identidade e de uma condição camponesa, na eminência de

sucumbir. Esta consciência e sociabilidade envolveriam uma relação diferenciada,

uma ética de produção que respeita o tempo dos ciclos da natureza e das colheitas e

não o tempo da indústria. 85

Esta dimensão ética dos limites da produção e da economia permite pensar

uma sociabilidade e racionalidade que incorpora a natureza, a partir do respeito aos

seus ciclos de produção e re-produção, do tempo da natureza, e do trabalho, não

submetido à lógica industrial. Neste sentido, acredito, os movimentos camponeses

denunciam que os transgênicos e a agricultura integrada ameaça de destruição à

‘civilização camponesa’.86

A visão marxista os problemas ambientais derivam do sistema social, assim

a economia e a política também são, nesse sentido, ecológicas e portanto as

chamadas questões ambientais são essencialmente políticas. Ainda Moreno destaca:

[...] A oposição entre as lógicas de produção camponesa e industrial, enquanto transformação que ocorre no campo epistemológico e no domínio do simbólico, estaria emblematicamente representada hoje na substituição histórica da designação cultura por negócio, de agricultura para o agronegócio. Esta substituição aparece no centro do discurso contestatório dos movimentos camponeses do século XXI, na denúncia dos transgênicos enquanto o elo final de atrelamento e modificação da natureza para atender aos fins da indústria, no qual o dispositivo de controle e de poder aparece ovacionado no discurso científico do avanço e do progresso da ciência. 87

O agricultor fica dependente das sementes e dos insumos biotecnológicos, o

que cria um ciclo vicioso no uso do solo, a dinâmica de proletarização está diretamente

relacionada à tecnologia, na medida em que é através da tecnologia, ou do pacote

tecnológico(que inclui uma racionalidade social estendida: créditos, cadeias de

85 MORENO, Camila. Op.cit.p.142 86 Ibid.p.135 87 Ibid.p.136

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integração, justificação social, etc.) que se dá concretamente o atrelamento à

indústria, ou ainda, ampliando a compreensão, o atrelamento à lógica de produção

industrial, na qual, o pacote tecnológico inclui também uma racionalidade específica.88

Cria a chamada proletarização dos agricultores, que para produzirem não

encontram outra escolha senão pelas as sementes e insumos, não mais significando

o bem estar e a perpetuação da vida das relações sociais mas sim em busca do lucro

acima de qualquer outro valor.

4.2-A FUNÇÃO SOCIAL DO USO DO SOLO E O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Há uma incompatibilidade com a noção fundamentada de Estado do Bem Estar

Social89, pois afeta diretamente os recursos naturais e gera o empobrecimento da

população. No ordenamento jurídico pátrio a função social da propriedade bem como

o seu correto uso da terra está presente em vários instrumentos normativos, dentre

eles a Constituição Federal da República (norma fundamental), o Estatuto da Terra,

Código Civil e diversas outras legislações ordinárias.

As grandes empresas que monopolizam a biotecnologia visam tão somente o

aspecto econômico, mas nosso ordenamento não separa o desenvolvimento

econômico do humano e do ambiental, pois considera a extrema importância em

tutelar os direitos fundamentais decorrentes do equilíbrio entre eles.

O pensamento que vigorava entre os operadores do direito embasados numa

ideologia burguesa e neoliberal de que o correto uso da terra constituía uma elemento

acessório do direito à propriedade não tem mais ressonância com as estatísticas

88 Ibid.p.134 89 O Estado do Bem-estar também é conhecido por sua denominação em inglês, Welfare State. Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos. O Estado do Bem-estar, tal como foi definido, surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Seu desenvolvimento está intimamente relacionado ao processo de industrialização e os problemas sociais gerados a partir dele. A Grã-Bretanha foi o país que se destacou na construção do Estado de Bem-estar com a aprovação, em 1942, de uma série de providências nas áreas da saúde e escolarização. Nas décadas seguintes, outros países seguiriam essa direção. Disponível em < http://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/estado-do-bem-estar-social-historia-e-crise-do-welfare-state.htm> Acesso em 13/05/2016

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científicas ambientais e não refletem o Estado do Bem Estar Social, cuja ideologia do

meio ambiente ecologicamente equilibrado fundamenta nossa constituição e tutela os

direitos fundamentais.

O conceito de função social não é trazido expressamente pela Constituição,

mas deve ser entendido de forma hermenêutica , assim se entende por ‘função’ por

um fazer de caráter menos individualista e mais atinente ao bem comum, pois o eco

sistema é uma cadeia complexa e funciona como uma teia de emaranhados e ligações

que precisam ser entendidos de forma sistêmica, assim a função social entende-se

por uma “privação de determinadas faculdades e um desenvolvimento de obrigações

para que o proprietário possa exercer seus poderes sobre o uso da terra.

Assim entende-se por ‘social’ como um sentido ambíguo, que amplia o não-

individualístico como critério de avaliação de situações jurídicas ligadas ao

desenvolvimento de determinadas atividades econômicas, para maior integração do

indivíduo na coletividade, que assume um caráter elástico e que leva a indeterminação

exata do seu conceito.90

A Constituição Federal da República deu as diretrizes do exercício do direito de

propriedade, ao dispor no título dos direitos e garantias fundamentais, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII – é garantido o direito de propriedade

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

Na interpretação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, o jurista Luiz Edson

Fachin, “a função social da propriedade é causa justificativa da própria existência da

propriedade”91, que pode ser admitida por meio de uma simples leitura sistemática do

90 GOMES, Orlando; FACHIN, Luiz Edson. Direitos reais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, 123-125 p. 91 FACHIN, Luiz Edson. Das províncias do direito privado à causa justificativa da propriedade. In:

LARANJEIRA, Raymundo. Direito agrário brasileiro: em homenagem à memória de Fernando Pereira Sodero. São Paulo: LTr, 2000. 121-130 p.

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artigo 5º. Uma vez que se encontra sob o título dos direitos e garantias fundamentais,

não restam dúvidas que são irrenunciáveis, intransferíveis e compõem a base do

Estado democrático de direito e da Soberania Nacional. Assim, a propriedade e seu

correto uso do solo deve obrigatoriamente atender à sua função social, sendo que o

seu descumprimento motiva a inexistência do direito. Em outras palavras, o direito de

propriedade da terra só poderia ser garantido e tutelado pelo Estado quando a mesma

cumprir sua função social.

No título da ordem econômica e financeira, no capítulo da política agrícola e

fundiária e da reforma agrária, diz a Constituição:

Art. 186 A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulamentam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Fica portanto indissociável relacionar o aspecto econômico, humano e

ambiental. Pensar somente na agricultura como forma econômica de desenvolvimento

representa violação dos direitos humanos e do meio ambiente sustentável, a função

social determina que a propriedade deve atender as três dimensões de forma

cumulativa.

“A construção de um futuro sustentável é um campo aberto ao possível, gerado

no encontro com outridades em um diálogo de saberes, capaz de acolher visões e

negociar interesses contrapostos na apropriação da natureza.”92

As políticas de desenvolvimento sustentável deverão contribuir e apoiar a

transição para uma economia sustentável integrada por processos produtivos que se

92 LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução de: Luís Carlos Cabral: Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.p.375-476

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constroem desde as bases sociais, as raízes ecológicas e as identidades culturais das

comunidades.93

O Estatuto da Terra, em seu artigo 2º é outro diploma lega aplicável e que

reafirma a tríplice junção de desenvolvimento e exploração prevista no ordenamento

jurídico:

Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

Afora o viés econômico a lei assegura e determina que a exploração da terra

atenda os anseios humanos, pois visa garantir a proteção dos direitos dos

trabalhadores e trabalhadoras rurais. Além disso, preocupa-se com o seu bem-estar,

com sua cultura, é a chamada bioética que vai além do respeito à legislação trabalhista

mas sobretudo se estende a conservação da vida e do sistema social, não permitindo

sob nenhuma hipótese a submissão das pessoas a trabalhos que põe em risco a sua

saúde e a vida, bem como de toda a coletividade. E a garantia do bem-estar

compreende o atendimento às necessidades básicas, toda a segurança do

proprietário e seus empregados, seja na utilização de agrotóxicos seja no cuidado

com o solo e os recursos naturais com intuito de reduzir tensões sociais e/ou

conflitos.94

A função social da propriedade e do correto uso do solo se refere ainda à

garantia da prática de uma agricultura sustentável, que permita usar o solo de forma

perene, guardando suas sementes para posterior plantio, aonde não se tolere sob

93 Ibid, p.473 94 ARAÚJO, Telma de. A propriedade e sua função social. In: LARANJEIRA, Raymundo. Direito agrário brasileiro: em homenagem à memória de Fernando Pereira Sodero. São Paulo: LTr, 2000.165 p.

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nenhuma hipótese à exploração do trabalho escravo, infantil e o regime de servidão,

incompatíveis com uma sociedade democrática.

Como conservação dos recursos naturais que reza o Estatuto da Terra, há

diferença entre a norma constitucional e a especial, por recurso natural entende-se

tudo que pode ser transformado em proveito do homem, e o verbo conservação

denota a boa utilização, ou melhor o uso sustentável e equilibrado. Já a preservação

impõe uma conduta de não utilização do meio ambiente, não interferir, não macular,

engloba tudo que pertence à natureza.

O conceito de meio ambiente primeiramente foi definido pela Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente, no seu artigo 3º, Inciso I da Lei 6.938/81, como “o

conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”

Com a Constituição da República de 1988, o seu artigo 225 assim definiu:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A Constituição erigiu o meio ambiente a um direito transindividual, ou seja, foi

incluído na categoria de direitos difusos. Portanto de interesse comum e com extensão

no tempo e no espaço. Em um primeiro momento, parece haver um paradoxo em se

garantir uma tutela coletiva sobre um direito quase que exclusivamente individual, no

caso, em relação à propriedade. Ambos, embora sejam antagônicos, devem coexistir

de forma a proteger não só os interesses do indivíduo proprietário, mas também da

coletividade. Ensina Canotilho95 “que para dirimir controvérsias deve sempre

preponderar o interesse coletivo, o chamado “direito subjetivo público”, ou seja, o

direito supra individual.”

95 CANOTILHO, J. J. Gomes. Protecção do ambiente e direito de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra: Coimbra, 1995.

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Segundo Chambers:96

[...]a maioria das análises considera o meio ambiente como externo, separado das pessoas e do mundo do trabalho, um fato decorrente de herança cultural e ética. Os autores partem de uma perspectiva diferente, afirmando que o mundo natural não pode ser separado do mundo do trabalho. Em termos de fluxo de matéria e energia, simplesmente não existe o termo externo, sendo que a economia humana nada mais é do que um subsistema da ecosfera, uma das premissas básicas do sistema, segundo os autores. A sustentabilidade exige que se passe da gestão dos recursos para a gestão da própria humanidade. Se o objetivo é viver de uma maneira sustentável, deve-se assegurar que os produtos e processos da natureza sejam utilizados numa velocidade que permita sua regeneração. Apesar das tendências de destruição do sistema de suporte, a sociedade opera como se este sistema fosse apenas uma parte da economia.

Assim se faz imprescindível rever a forma como se utiliza os bens e produtos,

as propostas de consumo sustentável restritas à esfera individual são limitadas,

limitantes e desagregadoras. As ações de caráter coletivo podem ampliar as

possibilidades de ambientalização e politização das relações de consumo,

contribuindo para a construção da sustentabilidade e para a participação na esfera

pública.97

A natureza é determinante de como se irá pensar no desenvolvimento

sustentável, assim ensina BELLEN:

Pela primeira vez o meio ambiente e a equidade se tornam fatores explícitos dentro da questão do desenvolvimento. A sustentabilidade requer um padrão de vida dentro dos limites impostos pela natureza. Utilizando uma metáfora econômica, deve se viver dentro da capacidade do capital natural. Embora o capital natural seja fundamental para a continuidade da espécie humana sobre a Terra, as tendências mostram uma população e consumo médio crescentes, com decréscimo simultâneo deste mesmo capital. Estas tendências levantam a questão de quanto capital natural é suficiente ou

96 CHAMBERS, N.; SIMMONS, C.; WACKERNAGEL, M. Sharing Nature´s Interest: Ecological

Footprints as an indicator of sustainability. London: Earthscan Publications Ltd, 2000.apud BELLEN, Hans Michael Van. Desenvolvimento Sustentável: uma descrição das principais ferramentas de avaliação. Ambiente & Sociedade – Vol. VII nº. 1 jan./jun. 2004.p.06 Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n1/23537.pdf> acesso em 16/05/2016

97PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005,

pg.36.

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necessário para manter o sistema. A discussão destas diferentes possibilidades é que origina os conceitos de sustentabilidade forte e fraca.98

Muitos problemas ambientais vêm da pobreza, contribuindo muitas vezes para

uma espiral descendente em que a pobreza exacerba a degradação ambiental e esta,

exacerba a pobreza: fato que tem sido frequentemente observado nos dias atuais.99

Por esse motivo, o desenvolvimento sustentável destaca a autoconfiança das

populações locais e a sua diversidade cultural. A cultura impõe seus valores e

conceitos em um processo de adaptação às mudanças do meio. Observa-se, em

muitos casos, que algumas comunidades agridem o meio ambiente, provocando

impactos ambientais negativos, por desinformação, deseducação e desconhecimento,

ou seja, não existe a intenção e o planejamento dessas pessoas para a realização de

tais atitudes. Culturalmente, a preocupação principal está voltada à sobrevivência e

só uma mudança no campo da cultura organizacional, aonde seja valorizada a

transformação de cada indivíduo, poderá reverter processos de degradação

ambiental, exigindo, portanto, modificações estruturais.100

O desenvolvimento sustentável força a sociedade a pensar em termos de longo

prazo e a reconhecer o seu lugar dentro da biosfera. Os objetivos do desenvolvimento

sustentável desafiam as instituições contemporâneas que têm reagido às mudanças

globais, relutando em reconhecer que esse processo esteja realmente ocorrendo.

O sistema que a natureza opera é de grande complexidade e exige constante

redefinições das leituras, nos ensina LEFF:

[...]Todas as definições e ferramentas relacionadas à sustentabilidade devem considerar o fato de que não se conhece totalmente como o sistema opera. Pode-se apenas descobrir os impactos ambientais decorrentes de atividades, e a interação com o bem-estar humano, com a economia e o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável e a diversidade desse conceito devem servir não como obstáculo na procura de um melhor entendimento, mas, sim, como

98 BELLEN, Hans Michael Van. Indicadores de Sustentabilidade. Uma análise comparativa. Rio de

Janeiro.2.ed.FGV, 2006.p.156 99 PNUD - PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório do desenvolvimento humano 2003. Lisboa, Portugal: Mensagem, 2003. 367p. 100 SENAC Educação Ambiental. v. 9, n.1, 2010. 66p.

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desafio na procura de novas visões acerca de ferramentas que procurem descrever a sustentabilidade.101

Em sincronia com a Constituição Federal a nova redação da lei de licitações

exige do processo administrativo licitatório a função social como nova finalidade legal.

[...] Sustentabilidade é expressão polissêmica que tanto pode ser compreendida por meio de um conceito ecológico, a qual visa à capacidade de atender às necessidades de um grupo social no espaço que ocupa, bem como um conceito político, na qual a sociedade estabelece formas de organizar-se, delimitando seu crescimento, tendo em vista a observância das condições dos recursos naturais, dos meios tecnológicos e do nível efetivo

ao bem-estar social [...] 102

A ética da sustentabilidade é uma expressão da harmonia e da integração do

homem com a natureza.103

A noção de desenvolvimento é ampla e se expressa em várias ciências104.

Não basta o melhor preço para a licitação ter validade legal, o objeto licitado precisa

sobretudo atender à função social, promovendo a preservação do meio ambiente.

101 BELLEN, Hans Michael Van. As Dimensões do Desenvolvimento: um estudo exploratório sob a perspectiva das ferramentas de avaliação. Revista de Ciências da Administração • v. 12, n. 27, p. 143-168, maio/ago. 2010.Disponível em < file:///C:/Users/User/Downloads/14819-58884-1-PB.pdf> acesso em 16/05/2016 102POLI. Luciana Costa. Por um ativismo pró-sustentabilidade. Revista Novos Estudos Jurídicos -

Eletrônica, Vol. 18 - n. 2 –pg.179-195 maio-agosto 2013. Issn Eletrônico 2175-0491.Disponível em:

<http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/5544/2949>Acesso em:21/11/2014.

103“Uma nova tendência de Constitucionalismo na América Latina surge como oportunidade para se

repensar e reconstruir uma visão de mundo conectada com a Vida como expressão autêntica da harmonia da comunidade humana com a natureza. Embora novos no âmbito da teoria constitucional, os desafios para o conhecimento são muitos, pois trazem saber milenar dos povos originários da região, apresentando interações complexas e experiências plurais, que são, no cenário de impasse civilizatório que se vive, importante oportunidade para se encaminhar para a discussão intercultural, impulsionando uma Ética da Sustentabilidade, expressão da harmonia e da integração do homem com a natureza.”WOLKMER, Antônio Carlos e WOLKMER, Maria de Fátima S.Andrea. Repensando a natureza e o meio ambiente na teoria constitucional da América Latina. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 19 - n. 3–set-dez. 2014.Issn Eletrônico 2175-0491.Disponível em:http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/5544/2949 Acesso em:21/11/2014.

104 “O desenvolvimento em si não é uma ideia, em seu sentido original, oriunda do direito, o que torna impossível que se estabeleça para ele um conceito jurídico. Muito se tem falado ao direito ao desenvolvimento, no entanto para se identificar o conteúdo de tal fá-se necessário que se busque em outras ciências o conteúdo do desenvolvimento, assunto que o legislador omite, e que pede, assim, o recurso a uma hermenêutica não meramente positiva, mas mais ampla, para sua compreensão, uma vez que o desenvolvimento é um fenômeno que se expressa em várias ciências” GIUSTI, Anna Flávia

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O preço pode até ser maior desde que tenha como meta o desenvolvimento

sustentável. O Estado é o maior fomentador do desenvolvimento nacional, o exemplo

na hora de realizar suas compras não pode jamais desatender o bem comum, e nada

mais comum que a preservação dos recursos naturais que são os garantidores da

nossa vida.

O pleno desenvolvimento do Estado de Bem-Estar, para deixar de ser mero

assistencialismo deverá conjugar com o ideal da sustentabilidade, senão o custo para

sua implantação ultrapassará as vantagens.105

É necessário um esforço conjunto de toda sociedade civil, em especial dos

formadores de opinião, dos meios de comunicação em massa, das universidades,

para que todos sejam sensibilizados da urgência de se conter a degradação

ambiental. O desenvolvimento sustentável é lei e não discurso ideológico, precisa ser

incorporado em cada indivíduo e em toda a coletividade.

Quiçá o cuidado com o meio ambiente e a exigência por uma alimentação

mais saudável livre de agrotóxicos faça parte do mito da “brasilidade”.106

A Lei nº12.349/2010 transformou o processo administrativo licitatório, inseriu

uma nova finalidade legal, a “função social”. Função esta, perceba-se, que faz o

interesse público transcender do objeto licitado ou da satisfação que com ele se visa

obter. Agora, o interesse público volta-se ao sincero e nada comedido reconhecimento

do “poder de compra estatal” e dele faz legítimo uso, induzindo os interessados à

prática de comportamentos que aproveitem a todos os brasileiros, indistintamente.107

Na mesma linha:

C.O. A licitação como instrumento de fomento ao desenvolvimento nacional sustentável.PR,Brasil.Curitiba,2011.pg.12, Dissertação de Mestrado-Unicuritiba. Programa de Pós-Graduação em Direito Empresarial e Cidadania. 105 “É verdade, existem boas razões pelas quais todo interesse governamental em matéria econômica é suspeito e por que há, em particular, uma forte presunção contra uma participação ativa do governo nos esforços econômicos. [...] Elas repousam no fato de que a grande maioria das medidas governamentais que têm sido advogadas nesse campo são, de fato, ineficazes, seja porque elas serão falhas, seja porque seus custos irão ultrapassar suas vantagens. “HAYEK, Friedrich August von.

(1960), The constitution of liberty. Chicago, University of Chicago Press.p.221 106 “Do Oiapoque ao Chuí todo brasileiro, hoje em dia, se identifica com esse mito brasileiro”. Todas nações bem-sucedidas, sejam ricas sejam pobres, possuem um mito semelhante. “O mito nacional” é a forma moderna por excelência para a produção de um sentimento de solidariedade coletiva, ou seja, por sentimento de que todos estamos no mesmo barco e que juntos, formamos uma unidade” SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.p.29 107 FERREIRA, Daniel. Contratação direta de entidades do Terceiro Setor: possibilidades, parâmetros e limites no contexto da Lei nº 12.349/2010.Fórum de Contratação e Gestão Pública-FCFGP, Belo Horizonte, ano 11, n.126, p.9-22, jun.2012.

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[...] “daqui por diante não serão apenas os alunos os diretamente favorecidos com a merenda escolar fornecida pelo estado. A “nova” licitação cumprirá, a lattere, desenvolver a economia (eventualmente restringindo o acesso aos microempresários), garantir a preservação do meio-ambiente (reclamando o fornecimento de legumes e verduras produzidos sem agrotóxico) e ainda, determinando a compulsória apresentação da CNDT (Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas) como instrumento de prova da responsabilidade social.[...]108

Para a consecução do desenvolvimento conforme a legislação orienta, é

preciso uma meta política para a adequação da produção convencional para a

orgânica e ecológica, isto se dará pela via do fomento e da agricultura familiar.

Essa trajetória evidencia que os agricultores familiares e trabalhadores rurais

estão forjando um projeto de sociedade em que o campo assume um papel de

protagonismo. “A clássica vinculação do rural ao atraso e à precariedade cede lugar

a noções de desenvolvimento rural e de sustentabilidade, que contemplam não

apenas o crescimento econômico e os ganhos em produção e produtividade, mas

também as dimensões socioculturais, políticas e ambientais envolvidas nos processos

produtivos e de reprodução social dos sujeitos do campo.”109

O produtor rural precisa encontrar além da lei que já lhe é favorável um

mercado que lhe garanta a produção sustentável, não pode arcar sozinho com este

desígnio, senão a lei perderá sua eficácia e será solapada pelos interesses das

multinacionais em vender seus venenos e insumos.

O Estado deve traçar metas para a transformação da agricultura

convencional, não pode ficar somente na intenção, precisa de resultado, a

normatização já existe e demorou muito para acontecer.

Recentemente foi criado a PNAPO, Política Nacional de Agroecologia e

Produção Orgânica.110

108 Idem.p.21

109 CARDOZO. Francisco Oliveira. TONIETTO. Marileia. Limitações Jurídicas e Socioeconômicas à Consolidação da Agricultura Familiar.in. Cidadania, desenvolvimento social e globalização. Clássica. KNOERR.F (org.) Curitiba, 2013.p.451 110Tendo em vista os desafios de se construir um novo paradigma para agricultura, concretizar as pesquisas e experiências desenvolvidas no âmbito de organismos governamentais e da sociedade civil e visando atender as lutas de muitos movimentos sociais em todo o Brasil, a presidenta da republica no decreto no7.794, de 20 de Agosto de 2012 institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, com o objetivo de integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade devida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis. No âmbito da PNAPO, podemos

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No Paraná temos a Lei nº 16.751/2010 que institui a merenda escolar

orgânica111, existe a previsão conforme o artigo 2º de se implantar de modo gradativo

de acordo com as condições e cronogramas até se chegar a 100% da rede de ensino

público.

Precisa agora estabelecer outro cronograma de implantação da produção

orgânica com a Secretaria de Agricultura, pois senão a lei será inócua como já dito.

destacar dois órgãos que atuam de forma direta na gestão dessa política. O primeiro é a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica- CIAPO, que tem como tarefa elaborar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO. E a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – CNAPO, que tem a missão de promover a participação da sociedade na elaboração do PLANAPO, propondo as diretrizes, objetivos e as ações prioritárias a ser desenvolvidas. O PLANAPO foi lançado em outubro de 2013 pela Presidência da República do Brasil e de acordo com o governo o plano é um instrumento para a consolidação de políticas públicas que estimulem e auxiliem a construção de condições de permanência dos jovens no meio rural e a participação da mulher como ator determinante, incentivados por matrizes de produção diferenciadas, voltadas para a agroecologia e a produção orgânica. A fim de alcançar esses objetivos foram propostos os seguintes eixos: Eixo 1: Produção; Eixo 2: Uso e conservação de recursos naturais; Eixo 3: Conhecimento; Eixo 4: Comercialização e consumo. De acordo com o PLANAPO os ministérios de governo estarão envolvidos tanto em ações específicas, como em ações integradas com outros ministérios e ou diferentes instituições no âmbito de governo, promovendo assim uma inter-setorialidade. Também está previsto no plano a criação de grupos de trabalho por tema, constituídos a partir da CIAPO e da CNAPO com dinâmicas próprias de planejamento das ações. BARUJA, Joel Emilio Ayala.Política nacional de agroecologia e produção orgânica: entre a abordagem agroecológica e a construção de uma política pública Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 – Vol. 9, No. 1, 2014.Disponível em:<http://www.aba-agroecologia.org.br/revistas/index.php/cad/article/view/15738/10163> Acesso em:21/11/2014. 111 Casa Civil do Governo do Estado do Paraná.Lei nº 16.751/2010:Disponível em < http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/entradaSite.do?action=iniciarProcesso> acesso em 16/06/2015 Art. 1°. Institui no âmbito do sistema estadual de ensino fundamental e médio a merenda escolar orgânica. Parágrafo único. Entende-se por merenda escolar orgânica a merenda escolar certificada, conforme legislação federal pertinente. Assim, entre outras especificações da legislação, os alimentos fornecidos na merenda escolar não poderão conter agrotóxicos em toda a cadeia produtiva de todos os seus itens e competentes. Art. 2°. A implantação desta lei será feita de modo gradativo, de acordo com as condições e cronogramas elaborados pela Secretaria de Estado da Educação - SEED, até que 100% (cem por cento) da rede de ensino público do Estado do Paraná garanta a seus alunos o direito à merenda escolar orgânica. Art. 3°. Além dos alimentos orgânicos, a merenda escolar oferecida aos alunos deverá conter, obrigatoriamente, alimentos funcionais. Parágrafo único. Dentre os alimentos funcionais, que se refere o caput deste artigo, estão relacionados abacate, alho, cebola, cenoura, inhame, batata doce, frutas cítricas, chá verde, couves, brócolis, repolho, nabo, aveia, trigo, arroz integral, leites fermentados, tomate vermelho, amora, goiaba, uva vermelha, sucos, soja e derivados. Art. 4°. O Poder Executivo preverá na legislação orçamentária as condições e as escalas de aplicação da presente lei. Art. 5°. O Poder Executivo regulamentará esta lei em até 180 (cento e oitenta) dias a contar da data de sua publicação. Art. 6°. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. PALÁCIO DO GOVERNO EM CURITIBA, em 29 de dezembro de 2010. Disponível em:http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibir&codAto=58511&codItemAto

=451242#451242 Acesso em 21/11/2015

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Além de uma política desenvolvimentista corajosa devemos contar com o

ativismo judicial, pois temos um leque normativo consolidado.

O Estado Democrático de Direito requer um abandono da postura distante do

Poder Judiciário, reclamando uma postura ativa e participativa na concretização das

políticas sociais e dos objetivos da República. A atuação do juiz passa a ser

fundamental na sedimentação de uma pauta de princípios e valores que se orientam

para a construção de um Estado voltado a metas de implementação decrescimento

sustentável.

O papel de juiz é vital para que se confira efetividade à carta de princípios do

Estado Democrático, compatibilizando, no caso concreto, os direitos individuais e os

fins do Estado, apregoando não apenas o solidarismo, mas propiciando o

desenvolvimento sustentável de quaisquer políticas públicas. “Assim, perfeitamente

lícita e eficaz será a intervenção do Judiciário como forma de conferir o necessário

equilíbrio das relações privadas às metas de sustentabilidade.”112

O desenvolvimento querido e com validade legal é aquele que pretende ser

justo e benigno sob o ponto de vista ambiental.

[...]Aqui se assume uma posição precisa e objetiva no sentido de que ou o desenvolvimento é triplamente sustentável- no viés econômico, social e ambiental- ou não é desenvolvimento. E mais, que a sustentabilidade combina regularidade com perenidade, de sorte a propiciar a manutenção do status quo ao longo do tempo. Ao desenvolvimento é que reserva papel especial, qual seja o de conferir à sustentabilidade o tom de avanço [...] 113

“A sustentabilidade social reforça a sustentabilidade econômica e vice-versa,

de modo que a inconsistência de uma em regra reflete negativamente na outra e a

maximização de uma tende a incrementar a outra. A imbricação de ambas é, portanto,

evidente.”114

112 Op.cit. pg.187

113FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012.p.52 114 Op.cit.pg.53.

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“A sustentabilidade social tem, ainda, outra faceta. É ela, e somente ela, que

autoriza a perpetuação da espécie humana, porque somente o ser humano pode gerar

outro. Sem animus para viver- e para procriar- o ser pode pôr fim à própria espécie.”115

Importante ressaltar que o desenvolvimento sustentável ao contrário do que

alguns entendem não é discurso político ideológico, mas sim uma disposição legal,

está consagrado desde 1988 na nossa Constituição Federal, é uma finalidade

constitucional do Estado Republicano.

Perceba-se, então, que o fomento estatal a comportamentos propiciadores do

desenvolvimento nacional não configura bondade alguma dos governantes, menos

ainda caridade dos legisladores. “Não se trata, também, de solidariedade formalmente

institucionalizada. Ao contrário, a Constituição assim o exige, porque o erigiu à

categoria de objetivo da República e de direito fundamental.”116

A Constituição Federal de 1988 incorporou o instituto da função social da

propriedade, ao mesmo tempo em que propiciou a descentralização das ações do

Estado como forma de efetivar o acesso das populações a políticas públicas. Na

década de 1990, os movimentos sociais do campo constroem politicamente o conceito

de agricultura familiar, evidenciando sua importância não apenas no aspecto

econômico, em termos produtivos e de ocupação de mão de obra, mas também nas

dimensões social, ambiental e cultural. 117

4.3-PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO

FUNDAMENTAL À SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional, conhecido no meio

acadêmico pela sigla “SAN”, está em permanente construção. A melhor definição se

perfaz na associação com o desenvolvimento social, cultural, ambiental e econômicos,

por esta razão a matéria é controversa aqui em nosso país e no resto do mundo.

A preservação da vida das futuras gerações depende de alimentos saudáveis

e suficientes a todos, nossa Constituição em diversos artigos já assinala este propósito

115 Idem. 116 Ibidem, p.62 117 CARDOZO. Francisco Oliveira.op.cit.p.451

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sustentável, temos o maior potencial mundial para nos tornar a maior civilização de

biomassa do planeta, ou seja, àquela que preserva e utiliza os recursos naturais de

forma sustentável.

Direitos humanos são aqueles que todos os seres humanos possuem, sem que

necessite qualquer política, são por si só universais, inalienáveis, indivisíveis,

autônomos e não dependem de legislação nacional, estadual ou municipal específica.

Devem assegurar às pessoas condições básicas e fundamentais a uma vida digna,

com primazia à liberdade, à igualdade, ao trabalho digno, à terra, à saúde, à moradia,

à educação, à água e sobretudo à alimentos de qualidade e em quantidade suficiente.

Os direitos humanos se aplicam a todos os seres humanos, independente do

sexo e da orientação sexual, idade, origem étnica, cor da pele, religião, opção política,

ideologia ou qualquer outra característica pessoal ou social; são indivisíveis porque

os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais são todos igualmente

necessários para uma vida digna. A satisfação de qualquer um dos direitos não pode

jamais ser usada como justificativa para reduzir ou cortar os demais; são

interdependentes e inter-relacionados porque a realização de um requer a garantia do

exercício dos demais.

Não há liberdade sem alimentação; não há soberania e nem cidadania sem

alimentação, não há saúde sem alimentação adequada e assim por diante. Nesse

sentido, a promoção da realização de qualquer direito humano tem que ser

desenvolvida de conjunta com a defesa e a promoção de todos os direitos humanos.118

Os debates e discussões acerca do direito humano à alimentação adequada e

segura teve como marco político a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

promulgada em 1948, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, quando os países

se uniram para a reconstrução do período nefasto da guerra.

No artigo XXVI da Declaração, consta que todo ser humano possui um conjunto

de direitos e neste rol elencado, encontra-se o direito humano à alimentação,

118 RIBAS. Juarez Teixeira Jr; QUEIROZ.R; MARTINS.S. A Responsabilidade do Estado na Garantia do Direito Humano Fundamental à Alimentação Adequada e a Segurança Alimentar e Nutricional.In:GALLI, Alessandra (Coord.). Direito e Justiça-Aspectos Atuais e Problemáticos-Tomo I-Conselho Internacional de Estudos Contemporâneos em Pós –Graduação-Consinter-Curitiba:Juruá, 2015.p.113

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marcando formalmente a primeira aparição da obrigatoriedade do direito humano à

alimentação.

Outro documento relevante foi deliberado em 1966, com a evolução do pós-

guerra, a Organização das Nações Unidas instituiu o Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que trata de um conjunto de direitos

humanos e entre eles mais particularmente sobre o direito humano à alimentação.

Nossa legislação tem duas leis importantes que garantem o direito humano à

alimentação e a soberania alimentar. A primeira é a Lei Orgânica da Segurança

Alimentar e Nutricional de 2006 (LOSAN)119, que traz no artigo 2º a definição do direito

humano à alimentação e no artigo 4º trata da soberania alimentar, em consonância

com os Tratados Internacionais, com intuito de garantir tanto soberania quanto o

direito social fundamental à alimentação.

A última garantia legislativa, agora de forma ampla e irrevogável, aconteceu em

2010 , o direito à alimentação passou a ser tratado como direito fundamental quando

foi incorporado à Constituição de 1988, no art. 6º por meio da Emenda Constitucional

nº 64/2010120, entre os chamados Direitos Sociais, muito embora já houvesse previsão

em outros artigos da Constituição, contamos com um conjunto de leis que garantem

o direito humano à alimentação, portanto cabe ao Estado a promoção de ações e

políticas públicas para que toda a população possa ter acesso a este direito.

O Brasil, país de grande extensão territorial, muito comentado como “o celeiro

da humanidade” por ter o maior potencial agrário do planeta, conta ainda com a maior

reserva hídrica que é imprescindível ao sucesso da agricultura, conta também com as

vantagens do trópico, o que em um passado recente já foi visto como grande óbice,

agora com a tecnologia e o aproveitamento sustentável garantem a maior

produtividade.121

Com toda esta riqueza e potencialidade não conseguimos ainda afastar a

perversa fome, ainda utilizamos de forma desordenada e muitas vezes precária

nossos recursos naturais, não damos a devida atenção ao desenvolvimento

sustentável, temos um Código Florestal péssimo, conivente com a devastação das

119 Lei 11.346/2006.Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao> acesso em 21/04/2016 120 Emenda Constitucional nº 64/2010. Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao > Acesso em 21/04/2016. 121 RIBAS. Juarez. Op cit.p.114

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florestas e do Cerrado, não despertamos ainda para ser a grande Nação de

abundância e de Justiça social.

O direito humano à alimentação adequada congrega várias definições, desde

o acesso físico aos alimentos até a sua qualidade e em quantidade satisfatória. O

cuidado com a manutenção da forma de cultivo e a variedade do alimento são rituais

de afirmação dos aspectos culturais, é na alimentação que os vínculos com a memória

dos antepassados se conecta, o que guarda a identidade de um povo, e consequente

poder de organização e estruturação social.122

A Constituição Federal123 apresenta em alguns dispositivos proteção direta ou

indireta ao direito à alimentação, mesmo antes de tornar-se um direito social

positivado. No art. 1º, III (dignidade da pessoa humana); no art. 3º (erradicação da

pobreza); no art. 4º, II, (prevalência dos direitos humanos); no art. 6º (direito à saúde);

no art. 7º, IV (direitos dos trabalhadores urbanos e rurais); no art. 23, VIII (produção

agropecuária) e X (combate à pobreza); no art. 196 quando do direito à saúde; no art.

200, IV, tratando do Sistema Único de Saúde; no art. 208, VII, pronunciando os

deveres do Estado em relação à alimentação do educando; no art. 225 (meio

ambiente); no art. 227, por ocasião dos deveres para com as crianças e os

adolescentes.

A construção dos Direitos Humanos é matéria em constante transformação e

evolução, assevera GARCIA:

[...]Inegável pois que os programas nacionais de direitos humanos constituem algo extremamente contemporâneo e positivo, uma grande evolução na nossa visão na medida em que o Estado está a chamar a sociedade civil ao diálogo, assim, o tema dos direitos humanos deve ser elemento constante na nossa sociedade como parte da constituição e paulatina construção de uma sociedade cada vez mais democrática numa rua de mão dupla entre Estado e sociedade civil. Tal elemento deve ser debatido, não só com o restante da sociedade brasileira mas numa perspectiva hoje global, universal, uma vez que direitos humanos não é tema paroquial senão de abrangência de envergadura global dita assim numa linguagem kantiana cosmopolita.124

122 RIBAS. Juarez. Op cit.p.114 123 Constituição Federal. Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao> acesso em 21/07/2015 124 GARCIA. Ilton da Costa, CANGUSSU.Rogério e CENCI.Elve. Comentários sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos-PNDH3. Diálogos Impertinentes. Responsabilidade Civil.Org. Marcos Alves da Silva e Sandro Mansur Gibran. Curitiba. 2014. Instituto Memória.p.61

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Nossa sociedade vive a ilusão de que nossas mazelas estão na corrupção,

porém esquecemos de que relegamos um terço de nossa população a viver

indignamente, a chamada “ralé brasileira”125, não nos importamos com essa gente, a

fome e a pobreza são o resultado desta omissão, embora sejamos um dos maiores

exportadores do mundo de alimentos permitimos que parte de nossa população viva

de migalhas!

O direito à alimentação adequada é um direito básico e fundamental,

reconhecido internacionalmente. Sem uma alimentação adequada, em quantidade e

qualidade, não há o direito à vida e tampouco a noção de cidadania. O ato de se

alimentar revela a cultura de cada povo, permite reforçar virtudes e lançar o avanço

ao progresso, o sucesso que determinou a hegemonia de alguns países sempre se

deu pelas vantagens geográficas, especificamente em relação à agricultura, pois os

povos que bem se nutriam podiam expandir seus horizontes.126

A melhor classificação dos direitos fundamentais encontramos em TRINDADE:

[...]Os direitos fundamentais se classificam em individuais, econômicos, sociais e de solidariedade. Eles se interligam e se complementam, o objetivo da nossa República é fazer cumprir os mandamentos constitucionais, os direitos humanos são corolários imprescindíveis, pois, por meio deles, firmam-se os direitos à vida, à saúde, à alimentação adequada, que só se consolidam a partir do momento em que o homem tem direito ao trabalho digno, à paz e a um meio ambiente saudável. Direitos humanos vinculam-se a todos os ramos jurídicos, em especial aos referentes ao tema objeto deste artigo. Sem alimento, não há vida; sem trabalho, não há acesso à dignidade, não se têm direitos plenos; sem democracia, não há liberdades, não há igualdades; portanto, o entrelaçamento dos temas é mister para que se efetive o papel do Estado via políticas públicas127.

Á luz desses ideais, não podemos afastar os direitos humanos de seu caráter

fundamental precípuo, o direito à vida está umbilicalmente ligado à alimentação e ao

correto uso do solo, para que a produção de alimentos aconteça de forma sustentável

125 SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2009. 126 DIAMOND.Jared.Colapso. Trad. Alexandre Raposo.5ª ed. Rio de Janeiro. Editora Record.2007. 127 TRINDADE, A. A. C. Direitos humanos e meio ambiente. Porto Alegre: SérgioFabris,1993.

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e responsável com as futuras gerações.

Atualmente, o Brasil adota o seguinte conceito de SAN:

A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (Artigo 3º, Lei 11.346/2006 - LOSAN).128

A lei define Segurança Alimentar e Nutricional em dois aspectos indissociáveis.

O direito à alimentação se perfaz desde à forma de produção, que obrigatoriamente

deve ser sustentável, quanto a qualidade e quantidade de alimentos.

Da inteligência da lei extraímos que os alimentos devem ser suficientes para

atender a demanda da população, em termos de quantidade e qualidade, e sobretudo

devem respeitar os aspectos culturais e ambientais.

O direito à alimentação adequada jamais poderá ser pensado alheio ao mínimo

existencial de cada ser humano, apesar de constituir um direito com realização

progressiva. “Não basta o fornecimento de uma quantidade diária de calorias, é

preciso saciar as necessidades alimentares de forma saudável e variada, com respeito

à cultura e aos costumes de cada povo, já tivemos oportunidade de asseverar.”129

O direito fundamental à alimentação adequada está intimamente relacionado

ao direito à vida presente e futura, visa a autossuficiência produtiva nos alimentos

básicos da nossa cultura e pretende garantir o acesso universal às necessidades

nutricionais adequadas, exaltando a saúde e a dignidade na vida da população.

Ser sustentável do ponto de vista agroecológico, social, econômico e cultural,

com vistas a assegurar a alimentação segura das próximas gerações é obrigação do

128 Lei 11.346/2006.Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao> acesso em 21/07/2015

129 REZEK, Gustavo Elias Calas; MÜLLER, Marcela. O direito social fundamental à alimentação. In:

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão (Org.). O direito Agrário na constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 54.

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Estado e não discurso publicitário de algum segmento da sociedade, mas sim um

dever constitucional irrevogável.130

Nesta seara de consecução de um direito fundamental como tal deve-se

considerar que a disponibilidade de alimentação saudável se dá desde o preparo dos

alimentos com técnicas que preservem o seu valor nutricional e sanitário até o fomento

de todas as condições de promoção da saúde, da higiene e de uma vida saudável.

Estende-se ainda à todas as políticas que visem melhorar e garantir a adequada

utilização biológica dos alimentos consumidos e a promoção de cuidados com a

própria saúde, com a saúde da família e da comunidade.131

Desenvolver nossa alimentação segura132 e adequada, livre de agrotóxicos, de

forma a preservar nossa cultura e nossos recursos naturais, deve ser a primeira

atitude administrativa de qualquer plataforma política, pois a vida depende deste

consenso.

A cidadania e a dignidade da pessoa humana partem do direito à vida, à

alimentação, ao trabalho e da certeza de investimentos na agricultura, que garantam

a todos a produção de alimentos e, certamente, a possibilidade de todos poderem

adquirir esses bens e ainda que estes sejam de boa qualidade, sem apresentar riscos

para a saúde.

Para que esse desenvolvimento ocorra de forma sustentável temos que usar

todos os meios de pressão existentes, todas as portas institucionais, o futuro de nossa

população depende deste engajamento, como nos ensina Hans Jonas133: “age de tal

maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma

vida humana autêntica”, e ainda cobrar políticas que atendam a todos, educação

cívica, envolvimento maciço da mídia e da sociedade civil, certificações ambientais

mais rigorosas, pois a maneira como se utiliza nosso solo determinará nossa

130 RIBAS. Juarez. Op cit. p.116 131 RIBAS. Juarez. Op cit. p.116 132 A segurança alimentar possui os seguintes requisitos: “Incorpora-se ao mesmo as noções de alimento seguro (não contaminado biológica ou quimicamente); de qualidade do alimento (nutricional, biológica, sanitária e tecnológica); do balanceamento da dieta, da informação e das operações culturais (hábitos alimentares) dos seres humanos em questão.” (VALENTE, Flávio Luiz Schieck. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002. p. 112). 133 JONAS, Hans El Principio de Responsabilidad: ensayo de una ética para la civilización

tecnológica. Barcelona: Herder; 1995.

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sobrevivência. Todo desenvolvimento que não agregue o social com o ambiental junto

com o econômico é um desastre a longo prazo.

O direito à terra é um direito humano, pois dela provém o alimento. Da terra virá

o fim da fome, por isso a propriedade rural deve estar a serviço dos direitos humanos

e do combate à fome, à pobreza e à desigualdade. A segurança alimentar é um direito

humano reconhecido e a luta por sua realização é papel do Estado e de toda

sociedade.

A segurança alimentar pressupõe continuidade com sustentabilidade na

produção de alimentos, isso só é possível com o correto uso do solo e dos recursos

naturais, neste sentido que deve caminhar as políticas, por meio de incentivos,

fiscalização e realização de uma democracia plena para todos os setores.

“A sustentabilidade social tem, ainda, outra faceta. É ela, e somente ela, que

autoriza a perpetuação da espécie humana, porque somente o ser humano pode

gerar outro. Sem animus para viver- e para procriar- o ser pode pôr fim à própria

espécie.”134

O solo é o suporte da vida. Estoca água e recicla nutrientes, protege contra

enchentes, sequestra carbono e abriga cerca de 25% da biodiversidade do planeta. A

natureza leva cerca de 2000 anos para criar uma camada de apenas 10 centímetros

de solo fértil, enquanto o mau uso resulta em danos permanentes. O uso inadequado

desse recurso natural causa perdas da ordem de 5 a 7 milhões de hectares

anualmente. Estimativas indicam que até metade dos solos férteis do planeta teria

sido perdida nos últimos 150 anos.135

O solo, peça chave para a vida no planeta Terra, é um recurso natural, utilizado

pelo homem de diversos modos diferentes. É também um elemento ambiental

utilizado para o desenvolvimento da agricultura, inerente a natureza e de onde são

extraídos os alimentos e a vida.

134 FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012.p.53

135 Carta de Conferência sobre a Governança do Solo. Disponível em<

file:///C:/Users/juarez%20ribas/Downloads/carta-Brasilia.pdf> Acesso em 21/07/2015

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A importância do solo tem sido gradativamente reconhecida pelos governos e

pela sociedade. Tal fato, no âmbito internacional, levou a Organização das Nações

Unidas (ONU) a instituir 2015 como o "Ano Internacional do Solo", para despertar

maior conscientização sobre sua relevância. O solo ocupa destacado papel nas

discussões da agenda de desenvolvimento pós- 2015, sendo fundamental para a

consecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A erradicação da

pobreza, a mudança de padrões de produção e consumo e a proteção e uso dos

recursos naturais para o desenvolvimento econômico e social são preocupações que

estão na base do crescimento sustentável e são cruciais para uma abordagem

sistêmica dos solos.136

É importante priorizar esse recurso natural nos debates que tratam de

sustentabilidade pois ele é premissa básica a todo tipo de vida. O tema deveria estar

nas plataformas de Governo como questão nº 1 para a Soberania, pois toda a

sociedade dele depende, inclusive setores da sociedade civil, da comunidade

científica e acadêmica, do empresariado e da gestão pública, estes têm a

responsabilidade de promover a conscientização da prioridade, apresentar propostas

e demandar iniciativas por parte dos atores competentes.

A agricultura em geral tem como base o solo para seu desenvolvimento. No

entanto, segundo princípios agroecológicos, a agricultura orgânica presa pela

manutenção de um solo adequado às suas práticas.

Agricultura orgânica é o sistema de produção de alimentos que não usa

fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, nem reguladores de crescimento ou aditivos para

a produção de alimentos de origem animal. O manejo na agricultura orgânica valoriza

o uso eficiente dos recursos naturais não renováveis, bem como o aproveitamento dos

recursos naturais renováveis e dos processos biológicos alinhados à biodiversidade,

ao meio-ambiente, ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida humana.137

Para ser considerado orgânico, o alimento tem que ser produzido em um

ambiente de produção orgânica. Neste ambiente se utiliza como base do processo

136 Carta de Conferência sobre a Governança do Solo,loc.cit. 137 SEBRAE. Sistema Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. O que é agricultura

orgânica: Conheça o sistema de produção que tem por objetivo preservar a saúde do meio ambiente, a biodiversidade, os ciclos e as atividades biológicas do solo. Acesso em 22 abr. 2013.

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produtivo os princípios agroecológicos que contemplam o uso responsável do solo, da

água, do ar e dos demais recursos naturais, sempre respeitando as relações sociais

e culturais.138 Deste modo, a prática orgânica utiliza o solo de maneira adequada,

mantendo a integridade dos recursos naturais. E entende o solo como organismo vivo,

sendo necessária total atenção para seu manejo.

O solo é um componente do ambiente e a sua degradação pode ser

considerada um tipo de degradação ambiental. A degradação do solo na agricultura

convencional possui duas causas diferentes, por produtos químicos e por técnicas de

devastação utilizadas no campo. O uso do solo pela agricultura orgânica tem como

base o fornecimento de matéria orgânica na forma de adubos verdes e cobertura

morta, caracterizando a aplicação de compostos orgânicos.

“A adubação verde é um procedimento recomendado na agroecologia e

bastante utilizado na prática agrícola em geral, consiste em incorporar à terra matéria

orgânica proveniente de um cultivo com a finalidade de melhorar as condições

nutricionais do solo; ao mesmo tempo em que se evita a erosão e a degradação de

suas propriedades.”139

A valorização, conservação e preservação do solo é de extrema importância

para a manutenção da qualidade do ambiente e da manutenção da vida presente e

futura. O alimento seguro que nutre e conserva a identidade de um povo só pode vir

de uma prática agrícola adequada em harmonia às regras ambientais. Desta relação

bem estabelecida com o solo, temos a possibilidade de sermos soberanos em nossa

cultura alimentar.

Sobre a relevância ecossocioambiental da agricultura orgânica assevera

NAVOLAR:

[...]A agroecologia é o grande pilar da soberania alimentar e de sustentabilidade ambiental, preservação da biodiversidade e compromisso com as futuras gerações. O modelo convencional de agricultura, pautado pela “Revolução Verde”, demanda o uso intensivo de insumos químicos, como os agrotóxicos, que vêm acarretando danos à saúde humana e ao ambiente.

138 MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. O que são alimentos orgânicos. Acesso em 22 jun. 2015 139 GRISI, B. M. Glossário de ecologia e ciências ambientais. 3ª edição. João Pessoa, 2007 p.19

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Diversos estudos têm revelado os problemas de saúde causados pela utilização dos agroquímicos, sobretudo para os agricultores.140

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O número mais que

dobrou nos últimos 10 anos, é o que aponta os recentes estudos feitos pelo IBGE141:

[...] os valores de comercialização de agrotóxicos e afins por área plantada

registram aumento contínuo a partir de 2009, alcançando 6,9 kg/ha em 2012. Isto representa um acréscimo de 4,2 kg/ha num período de dez anos, tendo em vista que em 2002 o valor foi de 2,7 kg/ha. Quanto à análise por classes de periculosidade ambiental, as classes III (produto perigoso) e II (produto muito perigoso) foram as mais representativas no período 2009-2012, tendo participado com 64,1% e 27,7%, respectivamente, do total dos agrotóxicos comercializados em 2012. A classe IV (produto pouco perigoso) apresentou crescimento contínuo no período analisado. Em 2012, as classes de agrotóxicos mais comercializadas foram os herbicidas (62,6%), seguidos pelos inseticidas (12,6%) e fungicidas (7,8%).

A região Sudeste apresentou a maior comercialização de agrotóxicos por unidade de área (8,8 kg/ha), seguida pela região Centro-Oeste (6,6 kg/ha). Entre as unidades da federação, os maiores valores foram verificados em São Paulo (10,5 kg/ha), Goiás (7,9 kg/ha) e Minas Gerais (6,8 kg/ha), e os menores ocorreram no Amazonas e Ceará, com menos de 0,5 kg/ha.

Em termos de letalidade, as mortes por agrotóxicos chegam a 2,34%, a maior

porcentagem das taxas levantadas142. Conforme dados divulgados pela ANVISA,

existe ainda o risco de intoxicações crônicas relacionadas ao consumo frequente de

alimentos contaminados com resíduos químicos de agrotóxicos. “Outros estudos

registram também a contaminação do leite materno com resíduos de agrotóxicos”143.

140 NAVOLAR, T. S.; RIGON, S. A.; PHILIPPI, J. M. S. Diálogo entre agroecologia e promoção da

saúde. Revista Brasileira de Promoção da Saúde. Fortaleza, vol. 23, n. 1, p. 69-79, 2010. 141IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Geociências. Indicadores de desenvolvimento sustentável.Brasil.2015.Estudos e Pesquisas.v.10.Rio de Janeiro. Disponível em http://www.ecobrasilia.com.br/2015/06/19/ibge-divulga-indicadores-de-desenvolvimento-sustentavel-2015/ acesso em 16/05/2016 142 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). I Seminário Nacional sobre

agrotóxico, saúde e ambiente. Olinda, 2005. 143 MESQUITA, A. S.; MOREIRA, J. C. Avaliação da contaminação do leite materno por pesticidas

organoclorados persistentes em mulheres doadoras do Banco de Leite do Instituto Fernandes Figueira (RJ). Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2001.

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Em 2011, foi divulgada uma pesquisa realizada em Lucas do Rio Verde (MT),

em que resultados de análises do leite materno de mulheres do município apontaram

a contaminação por resíduo de agrotóxicos em 100% das amostras coletadas, ou seja,

o leite de todas as mulheres que participaram do estudo apresentava resíduos de

agrotóxicos. A referida cidade é considerada a maior produtora de soja do Brasil.144

Além dos impactos danosos à saúde humana, o uso de agroquímicos prejudica

o meio ambiente e contamina sistemas hídricos superficiais e subterrâneos. Em

contraposição a agroecologia prima, ainda, por princípios éticos de solidariedade e de

sustentabilidade para a construção de práticas e estratégias que garantam a

alimentação adequada e saudável a todos

A ONU- Organização das Nações Unidas decretou em 2015 como o Ano

Internacional dos Solos. As ciências já há muito tempo alertam que a degradação do

solo é componente de risco para manutenção da vida no planeta. O aumento da

população implica em maior demanda por alimentos e matéria prima vegetal. Depara-

se assim com o dilema de, ao mesmo tempo, produzir alimentos, reduzir os impactos

ambientais causados pelo uso intensivo do solo, recuperar grande parte dos recursos

naturais já degradados e, ainda, preservar os sistemas naturais remanescentes.

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e

Agricultura (FAO)145 a população mundial vai crescer dos atuais 7 bilhões de

habitantes para 9,2 bilhões em 2050, o que vai exigir um aumento na produção de

alimentos dos atuais 1,64 bilhões de toneladas para 2,60 bilhões no ano de 2050, ou

seja, um aumento de 60% na produção de alimentos em apenas 40 anos. Sem dúvida

nenhuma o solo será a base de sustentação para assegurar o crescimento

populacional, entretanto seu uso deve ser associado à conservação e ao aumento da

eficiência dos sistemas de produção agrícola, além da eficácia das políticas públicas

para gestão adequada desse recurso natural.

A degradação dos solos nas áreas agrícolas, em sua grande maioria, está

associada à erosão hídrica, que é intensificada pelo cultivo contínuo e sem práticas

conservacionistas. Esse processo consiste no escoamento da água na superfície,

144 RIBAS. Juarez. op.cit.121 145 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA.

FAO Brasil. Brasília, 2009. Disponível em: < https://www.fao.org.br/quemSomos.asp > Acesso em: 21/07/2015.

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resultante da sua menor capacidade de se infiltrar, carreando com ela material de solo,

em geral removendo a camada mais rica em nutrientes e matéria orgânica do mesmo.

Práticas culturais como a retirada da vegetação natural, aração/gradagem no sentido

do declive do terreno, pisoteio excessivo de animais, contribuem para que a erosão

hídrica seja acelerada.146

A ausência de uma boa alimentação, aquela composta pelas calorias

minimamente necessária a vida humana, pode ser ocasionada por inúmeros fatores,

dentre os quais a questão econômica, e com isso, temos que “a grande maioria das

mortes de crianças menores de um ano por diarreia, por exemplo, é decorrente da

aquisição de alimentos contaminados e está situada em grupos de pessoas

pobres”.147

Tão logo, “a fome não é mais identificada, na atualidade, com a carência

absoluta de alimentos capaz de provocar a morte. A ausência de quaisquer dos

nutrientes indispensáveis à vida humana com qualidade é considerada fome”.148

A alimentação segura depende de práticas sustentáveis do uso do solo mas

também de fiel cumprimento ao Código de Defesa do Consumidor no sentido de

informar ao consumidor a origem e qualidade dos produtos que estão nas gôndolas

dos mercados. São poucos os produtos que tem origem transgênica que são

informados em suas embalagens, o famoso “T”, estão mais ligados aos óleos vegetais

e derivados do milho. O milho plantado no Brasil é quase 100% transgênico e tudo o

que ele serve de insumo também! Mas a informação dos produtos é precária,

principalmente nos de origem animal, os suínos, aves, peixes, bovinos, derivados do

leite, ovos que utilizam ração transgênica e que portanto deveriam ser informados aos

consumidores.

A utilização de técnicas transgênicas permite a alteração da bioquímica e do

próprio balanço hormonal do organismo transgênico. Pesquisas recentes na Inglaterra

revelaram um aumento de alergias com o consumo da soja transgênica. As

discussões são intensas, pois acredita-se que os transgênicos podem diminuir ou

146 Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. Disponível em < http://www.sbcs.org.br/?post_type=noticia_geral&p=3810> Acesso em 21/07/2015 147 BOURLEN, Alexandra. Direito humano à alimentação adequada no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008, p. 15. 148 BOURLEN, ibidem, p. 29

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anular o efeito dos antibióticos no organismo, impedindo, assim, os tratamentos e

agravando doenças infecciosas, bem como propiciando o aparecimento de câncer.

Acredita-se, também, que a resistência a agrotóxicos pode levar ao aumento de doses

de pesticidas aplicadas nas plantações e que, as pragas que se alimentam da planta

transgênica também pode adquirir resistência às pesticidas. Por sua vez, para

combatê-las ter-se-ia que usar uma dose mais elevada da pesticida, o que provocaria

uma reação em cadeia desastrosa para o meio ambiente.149

4.4- O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

Para Francisco Cardozo Oliveira, “a atividade empresarial constitui o principal

modo de exercício da propriedade privada”150. A propriedade privada em nosso

sistema capitalista é protegida e erigida à condição de um direito fundamental

consagrado universalmente, reconhecido pelo ordenamento jurídico internacional com

todas as devidas proteções legais, mas sobretudo vinculada às limitações impostas

pela própria Constituição, a função social é via de regra o objetivo principal da

empresa segundo os anseios constitucionais.

A função social é que deve ser esmiuçada à luz do direito e demais ciências

pois a complexidade que rege a teia social não se resume simplesmente ao

desenvolvimento econômico mas se sustenta em critérios holísticos e além de

barreiras geográficas e cronológicas. Ainda OLIVEIRA:

[...]Esta funcionalização se manifesta através da responsabilidade social da empresa pela redução das desigualdades. Inclui também o respeito à dignidade das pessoas, a que está sujeita qualquer atividade de produção de riqueza, por força dos princípios reitores da ordem econômica constitucional. A atividade empresaria, desta forma, deve ter comprometimento finalístico com a resolução de problemas que a alocação de recursos humanos e materiais provoca para a sociedade. A empresa precisa incorporar a ideia de que a redução das desigualdades sociais é, antes de qualquer coisa, tarefa da administração da atividade empresarial. A empresa deve gerar renda e riqueza para proprietários (acionistas) e não-proprietários. Precisa ter

149 POZZETTI.Valmir. Os Alimentos Transgênicos e o Direito Fundamental à Alimentação Saudável. Conpedi Baltimore.2006.p.13 150OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Uma nova racionalidade administrativa empresarial. In: GEVAERD, Jair & TONIN, Marta Marília. Direito empresarial & cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2006, p. 123.

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comprometimento efetivo com a redução do desemprego e com a eliminação dos efeitos nocivos para a sociedade, provocados pela alocação de recursos e pelas crises do processo de acumulação de capital.151

Ao função social está ligada umbilicalmente ao desenvolvimento sustentável,

as questões ambientais estão entrelaçadas às questões de desenvolvimento humano,

não há como separar os objetivos econômicos dos sociais, a diretriz número 04 da

Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano realizado em Estocolmo, em

1972 já fixou as bases do que se chamaria de desenvolvimento sustentável, com

destaque SACHS:

[...]Nos países em desenvolvimento, os problemas ambientais são causados, na maioria, pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas continuam vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários a uma existência humana decente, sem alimentação e vestuário adequados, abrigo e educação, saúde e saneamento. Por conseguinte, tais países devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, cônscios de suas prioridades e tendo em mente a premência de proteger e melhorar o meio ambiente. Com idêntico objetivo, os países industrializados, onde os problemas ambientais estão geralmente ligados à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico, devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento.152

A visão sociológica de Sachs153, que prefere chamar o desenvolvimento

sustentável de “ecodesenvolvimento”, a questão da sustentabilidade é dividida em 5

dimensões distintas e interligadas, sem possibilidade de haver qualquer dissociação

que não prejudique a noção mais ampla, ele assim divide:

Em primeiro lugar a sustentabilidade social que visa, sobretudo, maior equidade

na distribuição de renda e bens, de modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida

dos ricos e pobres; a sustentabilidade econômica que deverá ser medida em termos

macrossociais não apenas através dos indicadores macroeconômicos; a

sustentabilidade ecológica que implica na utilização dos recursos naturais com o

mínimo de danos aos sistemas de sustentação da vida; a sustentabilidade espacial

151 OLIVEIRA. op cit.p.120 152 SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente.

São Paulo. Studio Nobel/Fundap.1993.p.11

153 SACHS.op cit.,p.11

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que se volta para uma reorganização melhor da configuração urbana/rural, bem como

da melhor alocação nos próprios espaços urbanos para abrigo das diversas

atividades – assentamentos, atividades econômicas, etc. e a sustentabilidade cultural,

ou seja, propiciar mudanças levando-se em conta o respeito à continuidade e à

diversidade cultural local.

A sustentabilidade é valor supremo que se desdobra no princípio constitucional

que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da

sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial,

socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e

eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido,

no presente e no futuro, o direito ao bem-estar.154

Mas a principal questão é viabilizar todos os aspectos do desenvolvimento, pois

o lucro ainda é a grande força propulsora das empresas, apesar da lei dizer que a

função social é preponderante encontramos um ambiente político pouco favorável

para efetivação deste princípio basilar.

A concretização das disposições constitucionais demanda certo grau de

ativismo judicial o qual não deve ser leviano tendo antes que respeitar critérios

norteadores capazes de compatibilizá-lo com as exigências democráticas, a

preocupação e o compromisso fundamental dos cientistas e aplicadores do direito

mais do que com opiniões herméticas e formulações sistemáticas hão de ser com o

resgate das incumpridas promessas emancipatórias trazidas no artigo terceiro da

CF/1988 de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o

desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as

desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos , sem preconceito de

origem, raça, sexo, cor , idade e quaisquer outras formas de discriminação.155

A empresa precisa encontrar guarida dentro do sistema para ir além do lucro

econômico, àqueles que primam pela função social devem ter vantagens em relação

as outras, deve haver fomento as práticas sustentáveis, pois o que se vê é o temor

154 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade - Direito ao Futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p.133-134

155 GARCIA. Ilton da Costa e AUGIMERI. Thadeu. Três dilemas do Estado Democrático de Direito

no constitucionalismo contemporâneo. Revista de Direito Constitucional e

Internacional.Ano.21.vol.83.abr-jun.2013.São Paulo. Revista dos Tribunais.p.25

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por multas sobre práticas contrárias à legislação, muitas vezes a manutenção de

ações ecológicas e sociais empresariais não gera benefícios econômico- financeiros

para a empresa e, mesmo assim, não são abandonados, pois podem servir para

atender à legislação ambiental.156

Costa 157 enumera os aspectos mais relevantes que transcendem o

desenvolvimento meramente econômico e que conferem à empresa o caráter de

socialmente responsável , são eles: 1 ) a satisfação das necessidades básicas da

população (educação, alimentação, saúde, lazer etc.);2) a solidariedade para com as

gerações futuras (preservar o meio ambiente de modo que elas tenham chance de

viver);3) a participação da população envolvida (todos devem se conscientizar da

necessidade de conservar o ambiente e fazer cada um a parte que lhe cabe para

tal);4) a preservação dos recursos naturais (água, oxigênio etc.);5) a elaboração de

um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas

(erradicação da miséria, do preconceito e do massacre de populações oprimidas,

como por exemplo os índios);6) a efetivação dos programas educativos.

Neste sentido, um outro ramo das Ciências Sociais, se faz presente para

auxiliar as atividades empresariais a se adequarem a esse processo: A Contabilidade

Ambiental que, através de sua técnica, tende a informar os efeitos que a incorporação de

políticas ambientais pode ocasionar no patrimônio das organizações.158

Albuquerque159 e xp l i ca que os negócios estão se voltando cada vez mais

para as questões ambientais e há cinco fatores que influenciam essa mudança de

postura, sendo: a necessidade de obediência às leis; a eficácia em custos; a opinião

pública; a pressão dos movimentos ambientalistas e ainda o pensamento a longo

prazo.

Dessa forma, as ações ambientais voltadas para um desenvolvimento

sustentável devem estar de acordo com a política ambiental estabelecida pela

empresa e pelo Estado. Sendo assim, devem-se levar em consideração, os valores

ou a cultura da empresa, assim como, o grupo de pessoas a que ela pertence. Uma

156 VELLANI, C. L. Contabilidade e Responsabilidade Social. Integrando desempenho econômico, social e ecológico. São Paulo: Atlas, 2011.p.48 157 COSTA, C. A. G. Contabilidade ambiental: mensuração, evidenciação e transparência. São Paulo:

Atlas, 2012.p.35.

158 POZZETTI, Valmir César. A Responsabilidade Empresarial na Construção do Desenvolvimento Sustentável. p.05 159 ALBUQUERQUE, J. L. Gestão Ambiental e responsabilidade social: conceitos, ferramentas e

aplicações. São Paulo: Atlas, 2009.p.32

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política de conscientização ambiental deve envolver todos os participantes do

processo, desde o funcionário da produção, quanto o administrativo, entre outros.

Os resultados satisfatórios devem caminhar lado a lado com a preocupação

ambiental, uma vez que este fator não pode mais ser deixado para segundo plano numa

empresa que queira manter-se viva no mercado, cada vez mais competitivo. Importante

destacar, ainda, que atualmente há um número cada vez maior de consumidores que

são atraídos por produtos ecologicamente corretos. Neste aspecto, as empresas

que cultivam, comprovadamente, uma política ambiental responsável, criam uma

imagem cada vez melhor perante seus consumidores.160

A empresa que prima pelo cumprimento de sua função social demonstra, “na

medida em que valoriza a sociedade e a implementação de suas garantias

constitucionais, cria também um espaço para a sua própria segurança tanto jurídica,

quanto financeira, uma vez que desempenhará suas funções no seio de uma

sociedade plena.”161

A dignidade da pessoa humana não é vista apenas como fundamento finalidade

da República, mas principalmente como o fim ao qual a atividade econômica deve

voltar-se, uma vez que se constitui como o núcleo essencial dos direitos daqueles por

meio dos quais e para os quais existe a economia, os seres humanos, garantindo a

igualdade entre os homens sem prejuízo dos direitos sociais, culturais e

econômicos.162

A função social da empresa é o motor que impulsiona a sociedade e edifica o

Estado Democrático e Social de Direito e seu objetivo final deve ser a proteção da

dignidade da pessoa humana.

“O Direito do Consumidor, assim como o Direito Ambiental, trata-se de direitos

fundamentais do homem e do Cidadão de quarta dimensão ou geração, ou seja, trata-

se daqueles direitos de caráter difuso”163.

A conscientização deve ultrapassar o ato pontual de consumo. Evidente que

deve a empresa possibilitar ao consumidor refletir conscientemente sobre uma

160 POZZETTI.op.cit..07 161 MOTTA, Ana Paula Pinheiro ; AQUINO, Rodolfo Anderson. Função Social da Empresa como Proteção à Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=91a448039265fc4a> acesso em 16/06/2016 162 POZZETTI, op.cit.09. 163 SÉLLOS. Viviane.C. K. e BEGA. Patricia. F. O agir ético na sociedade de consumo como desafio

à atividade empresarial. Revista Jurídica da Unicuritiba.v.03.n º 33.Curitiba.2013.p.463

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determinada contratação, pela via da informação precisa e clara. Contudo, deve-se ir

além. “Diante do conteúdo finalístico que se impõe às empresas, elas necessitam

atuar de forma a alterar a posição da sociedade frente ao consumo, proporcionando

aos cidadãos, indistintamente, educação para o consumo, de acordo com as

especificidades de sua atividade”164. É o caso, por exemplo, das empresas

alimentícias que utilizam matéria prima transgênica.

Dessa forma, a oferta de alimentos transgênicos sem que haja pesquisas

suficientes e detalhadas sobre os possíveis efeitos colaterais, viola os Direitos

Humanos no que diz respeito ao direito de ingestão de alimentos saudáveis e direito

à saúde, conforme Declaração dos Direitos Humanos e Constituição Federal

brasileira.165

4.5-O USO ADEQUADO DO SOLO E A AGRICULTURA ORGÂNICA

A Biotecnologia como já dito não veio para acabar com a fome mundial,

pois como constatado não cumpriu este papel, mas sim para monopolizar o mercado

econômico da agricultura. A exploração desse modo de produção levou a eliminar as

práticas agrícolas tradicionais, fundadas numa diversidade de cultivos e adaptadas às

estruturas ecológicas do trópico, para induzir práticas de monocultura destinadas a

satisfazer as demandas do mercado externo. “Estas práticas produziram, como

consequência, a erosão e a diminuição da produtividade natural de muitas terras,

afetando as condições de subsistência das populações rurais.”166

164 BERTONCINI. Mateus. E.S e OIKAWA. Mariana. M.C. O consumo consciente e a educação para

o consumo como função social da empresa. Revista Jurídica da Unicuritiba.v.04.n º

33.Curitiba.2013.p.316

165 POZZETTI. Valmir. Os Alimentos Transgênicos e o Direito Fundamental à Alimentação

Saudável. Conpedi Baltimore.2006.p.10 166 LEFF, Enrique. Ecologia, capital e cultura: a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.p.31

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A exploração predatória pelos países do Norte não irá estancar até que a

qualidade de vida seja abalada. É o caso da poluição dos rios, mares e do lençol

freático que atinge indiscriminadamente a todos.167

O agrotóxico que contamina o lençol freático contamina uma extensão

continental, como é o caso do nosso aquífero Guarani, que é a maior reserva de água

doce do mundo com 1,15 milhões de quilômetros quadrados.168

Este imenso manancial é um direito fundamental de todos e extrapola os

limites territoriais atingindo toda a América Latina.

Assim, se por um lado o direito fundamental à água se estende à humanidade,

por outro lado, o seu governo é indiscutivelmente prerrogativa da soberania do Estado.

Esta ambivalência é uma característica geralmente associada aos bens e aos

recursos comuns e aos interrogativos postos para a sua tutela e para a resolução dos

conflitos inerentes à preservação, à promoção e ao acesso concreto a estes bens e

recursos, seu uso e fruição efetivos.169

Este recurso precioso que está debaixo de nossos pés é uma fonte de vida

para toda a humanidade e que deve ser a todo custo preservado pois dele depende

nossa sobrevivência no planeta, pois “para a manutenção da vida humana no Planeta

Terra faz-se necessário um repensar sobre os tradicionais cânones que permearam a

relação travada entre o ser humano e o meio ambiente substituindo-se o

167 .KNOERR. Fernando. RIBAS. Juarez Teixeira Jr. O Fomento à Agricultura Orgânica Familiar e Ecológica como Promoção do Desenvolvimento Nacional Sustentável. Terra, Desenvolvimento e Trabalho: Direitos Humanos Fundamentais à Alimentação, à Educação e ao Trabalho Digno. BESTER.G.M e HILARIO, G.M.A (Org)2ª ed. Curitiba. Instituto Memória.2015.p.228 168 De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Ambiental e Agropecuária (Embrapa), a água ali

contida é de excelente qualidade e suficiente para abastecer a atual população brasileira por 2.500 anos. É a maior reserva de água doce subterrânea do mundo. Sua área se estende por 1,15 milhão de quilômetros quadrados, sendo a maior parte (71%) localizada sob território brasileiro. Em seguida vem a Argentina, com 19%. Paraguai tem 6% das águas do manancial e Uruguai, 4%. No Brasil, ele atinge os estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás.” Disponível em: <http://www6.rel-uita.org/agricultura/ambiente/agua/acuifero/15.htm > acesso em março de 2015. 169 MELO, Milena Petters e GATTO, Andrea. Água como bem comum no quadro da governança

democrática: Algumas reflexões críticas a partir das bases da economia ecológica e sobre a

necessidade de um novo direito público. Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 19 - n.

1 - jan-abr 2014.Issn Eletrônico 2175-0491.Disponível

em:http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/5544/2949 Acesso em: março de 2015.

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90

antropocentrismo por paradigmas que considerem a natureza como credora de

direitos.” 170

E neste mesmo diapasão nos ensina HANS JONAS em sua obra majestosa

sobre o PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: “age de tal maneira que os efeitos de tua

ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica”.

A agricultura orgânica e ecológica colabora com o equilíbrio ambiental além

de agregar diversos valores importantes a construção do Estado de Bem-Estar Social.

Cabe então ao Direito e ao Estado criar condições ao homem do campo para

que desenvolva sua atividade com lucratividade retirando o máximo de dignidade, pois

seu papel é de suma importância na saúde de todo o sistema.

No campo que está nosso maior potencial de desenvolvimento sustentável, sustenta SACHS:

“[...]No caso do Brasil, porém, a maior jazida de empregos e auto empregos se encontra no campo, num novo ciclo de desenvolvimento rural. O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, uma floresta tropical, que infelizmente o país massacra, mas que ainda se estende por milhões e milhões de hectares na Amazônia, reservas de terras agrícolas ainda não exploradas e pastos extensivos que podem ser convertidos em cultivos. Os recursos em água são (por ora) abundantes, fora do Polígono das Secas no Nordeste, os climas são variados e favoráveis à produção de biomassas diversificadas. Acrescente-se a isso uma pesquisa agronômica e biológica de categoria internacional. Estão reunidas as condições para avançar na direção de uma civilização moderna da biomassa, socialmente includente e ecologicamente viável. Há como garantir a prosperidade de milhões de agricultores familiares, contanto que se complete a reforma agrária que vem se arrastando, que se criem também inúmeros empregos rurais não agrícolas e que não se favoreça, ali onde as opções são possíveis, a grande agricultura fortemente mecanizada em detrimento da agricultura familiar. [...]” 171.

170MORAES, Germana de Oliveira, MARQUES JUNIOR, Willian Paiva. A construção do paradigma ecocêntrico do novo constitucionalismo democrático dos países da UNASUL.REVISTA E DIREITO BRASILEIRO. Ano 3, vol.5, FLORIANÓPOLIS: CONPEDI.2013 171SACHS, Ignacy. Barricadas de ontem, campos de futuro. Estud. av., 2010, vol.24, no.68, p.25-38. ISSN 0103-4014.Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100005&lng=pt&nrm=isso > Acesso em 21/11/2014

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A regulação da agricultura orgânica muito avançou no Brasil, destacamos172,

embora haja muito o que se regulamentar ainda173, o fato é que ela entrou no Direito

repleta de constitucionalidade, esperanças ao Estado de Bem-Estar, assim como a

172Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.831.htm> Acesso em 21/11/2014. Art. 1o Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente. § 1o A finalidade de um sistema de produção orgânico é: I – a oferta de produtos saudáveis isentos de contaminantes intencionais; II – a preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e are composição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados em que se insere o sistema de produção; III – incrementar a atividade biológica do solo; IV – promover um uso saudável do solo, da água e do ar, e reduzir ao mínimo todas as formas de contaminação desses elementos que possam resultar das práticas agrícolas; V – manter ou incrementar a fertilidade do solo em longo prazo; VI – a reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo o emprego de recursos não-renováveis; VII – basear-se em recursos renováveis e em sistemas agrícolas organizados localmente; VIII – incentivar a integração entre os diferentes segmentos da cadeia produtiva e de consumo de produtos orgânicos e a regionalização da produção e comércio desses produtos; IX – manipular os produtos agrícolas com base no uso de métodos de elaboração cuidadosos, com o propósito de manter a integridade orgânica e as qualidades vitais do produto em todas as etapas. § 2o O conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial abrange os denominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, permacultura e outros que atendam os princípios estabelecidos por esta Lei. Art. 2o Considera-se produto da agricultura orgânica ou produto orgânico, seja ele in natura ou processado, aquele obtido em sistema orgânico de produção agropecuário ou oriundo de processo extrativista sustentável e não prejudicial ao ecossistema local. Parágrafo único. Toda pessoa, física ou jurídica, responsável pela geração de produto definido no caput deste artigo é considerada como produtor para efeito desta Lei. 173“Embora francamente identificada com os ideais de sustentabilidade, a Lei 10.831, carecendo de necessária regulamentação, não estabelece com precisão os limites do que é permitido ou proibido. Termos como "sempre que possível”, “contaminantes intencionais", "reduzindo ao mínimo", "métodos cuidadosos" e "qualidades vitais" são por demais sujeitos a interpretações e possibilidades. Em decorrência dessa lacuna, a maioria das certificadoras tem suas próprias normas de certificação adaptadas das normas internacionais da IFOAM. Em alguns casos as adaptações e interpretações permitem a certificação, por exemplo, de uma monocultura, em propriedade sem área de reserva legal e ocupando parcela destinada legalmente a proteção de cursos de água. Em seu Artigo 3º a Lei 10.831 estabelece a necessidade de certificação dos produtos orgânicos comercializados, excetuando "No caso da comercialização direta aos consumidores, por parte dos agricultores familiares, inseridos em processos próprios de organização e controle social ", quando a certificação é facultativa. A possibilidade de isenção de certificação na comercialização direta é um avanço em relação à Instrução Normativa 007/99, e foi obtido por organizações que defendem a certificação participativa. A rastreabilidade do produto, no entanto, é exigida para qualquer forma de comercialização sendo normalmente vinculada à necessidade de embalagem e rotulagem, motivo de oneração do processo de comercialização.” MATOS FILHO, Altamiro Morais. Agricultura orgânica sob a perspectiva da sustentabilidade: uma análise da Região de Florianópolis – SC, Brasil. Florianópolis, 2004. pg.40-41. Dissertação de Mestrado − Universidade Federal de Santa Catarina. Programa De Pós-graduação em Engenharia Ambiental.

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nova redação da Lei de Licitações, porém contém termo ainda vagos que suscitam

dúvidas por parte do operador do direito.

E mais, uma política voltada para a sustentabilidade no seu sentido mais

amplo, permitirá o incremento das cooperativas o que poderá desafogar os grandes

centros e tornar mais viável a democracia econômica.

A cooperação é consequência da difusão do conhecimento econômico, pois

sem esta difusão o que não é o comportamento baseado no auto interesse, seja ele

individual ou grupal (daí a tendência à formação de cartéis). A concentração do poder

e do conhecimento econômico eliminaria a possibilidade de cooperação, por torná-la

desnecessária.174

No campo está nosso maior problema e nossa maior esperança, nos ensina

SACHS:

[...]Os camponeses são capazes de fazer serviços ambientais essenciais, de ser os guardiães das paisagens e os gerentes dos recursos de que depende nossa existência - solos, águas, florestas e, por extensão, climas. Evidentemente, será preciso incitá-los e até remunerá-los por essas funções, começando por garantir aos camponeses, que dele são privados, o acesso à terra e aos recursos naturais necessários para viverem. Na falta disso, esses prisioneiros de estruturas fundiárias desiguais terão de se apropriar de modo predatório do mínimo de recursos indispensáveis para sua sobrevivência, ou de emigrar para as favelas. 175

A agricultura orgânica é, sobretudo, uma mudança de valor, é a retomada da

saúde e da soberania perdida pelo massacre da globalização. É no campo que está

nosso futuro enquanto ser humano, é de lá que sai nosso alimento, nossa vitalidade,

o futuro de nossa sociedade.176

Existe a necessidade efetiva de criação de fluxos redistributivos e de diluição

de centro de poder econômico e introdução do princípio cooperativo nas relações

sociais, a par da mudança da forma de planejamento e atuação do Estado. Ora, para

tanto, não bastam medidas macroeconômicas. São necessárias mudanças valorativas

profundas. A substituição da preocupação econômica com os resultados, pela

174 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002.p.56 175 Op.cit. 176 KNOERR, Fernando. Op.cit.p.231

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preocupação jurídica com os valores, mesmo no campo econômico importa uma

mudança relevante.177

É importante frisar que o ordenamento jurídico já foi normatizado no sentido

de guiar as políticas públicas ao desenvolvimento sustentável, para compreender o

Estado Regulador, é necessário reconhecer a supremacia da ordem jurídica sobre a

atuação política.178

Nos ensina MARÇAL sobre o conceito e abrangência do Estado Regulador,

“é diretamente determinado pela concepção intervencionista do Estado de Bem-Estar.

Afirmar o monopólio do Direito pelo Estado é insuficiente para justificar e legitimar os

poderes estatais. Há fins a realizar, relacionados com a modificação da realidade

social.”

O Estado de Bem-Estar179 que é nosso modelo adotado pretende sobretudo

a supressão das desigualdades e a promoção da dignidade humana pela via do

desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Um dos objetivos mais importantes de qualquer projeto de futuro com

sustentabilidade é a busca constante pela melhoria das condições sociais das

populações mais fragilizadas socialmente. Isso porque os problemas sociais e

ambientais estão necessariamente interligados, e só será possível tutelar

adequadamente o meio ambiente com a melhora das condições gerais destas

populações.180

177 Op.cit.pg.57 178 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.p.16-17 179 “Tal como aqui é entendido, o Estado de Bem-Estar é um fenômeno histórico moderno; melhor dito, corresponde às modernas instituições da política social que acompanharam o processo de desenvolvimento e modernização capitalistas e em um sentido preciso. Sabidamente, as ondas de migração de grandes massas humanas do campo para a cidade tendem a introduzir, ou ser acompanhadas, por fortes desequilíbrios sociais, envolvendo muitas vezes a destruição das comunidades locais, de seus sistemas culturais e familiares. Mas trazem consigo, também, formas institucionais novas que, no longo prazo, evitam ou reduzem a anomia nas sociedades que se modernizam. Típicas da segunda metade do século passado, as instituições do moderno sistema de proteção social constituem, em países de desenvolvimento tardio, juntamente com o assalariamento, um dos principais "instrumentos" de compensação ou reequilíbrio, no sentido em que, mediante seus sistemas de seguridade social, educação e outros serviços sociais, viabilizam o trânsito e a incorporação social das massas rurais à vida urbana e à condição salarial. Tal processo, por parcial que tenha sido até, não foi distinto, em substância, na América Latina.” DRAIBE, Sônia M. e RIESCO. Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina. Um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias vol.13 no.27 Porto Alegre maio/ago. 2011. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222011000200009&lng=pt&nrm=iso> Acesso em março de 2015. 180SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 10.

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A tão esperada sustentabilidade é resultado da conjugação destes ideais, não

exclusivamente o desenvolvimento econômico; não há Estado de Bem-Estar com

degradação do solo, com alimentos cheios de venenos, com mananciais poluídos.

Uma boa nutrição, respeitando a tradição biológica de cada região é peça

vestibular da função social do Estado Providência, e deve ter prioridade em seu

fomento.

É necessário proteger o meio ambiente e os direitos das minorias, por

exemplo. A racionalidade econômica poderia induzir a práticas ecologicamente

reprováveis. Reconhece-se que o patrimônio do ser humano não se reduz aos bens

econômicos, mas abrange inúmeros bens materiais.181

Inegavelmente, um dos temas de grande controvérsia das ciências humanas

e especificamente da teoria do Direito contemporânea é conceber a natureza como

um sujeito de direitos. Trata-se de uma ruptura aos paradigmas tradicionais edificados

pela cultura ocidental, que projetou uma concepção antropocêntrica assentada na

assertiva de que a titularidade de direitos seria de exclusividade da pessoa humana,

dos indivíduos em si.182

Não se pode esquecer que a agricultura orgânica senão servir também como

alternativa contra a fome e melhoria social, tende a ser incorporada também às regras

de mercado atuais, ensina MORENO:

[...]A agricultura orgânica existe economicamente no capitalismo porque se valora ao colocar-se em relação ao modelo convencional. Ao afirmar no selo orgânico que está ‘livre’ do modelo de produção convencional, agroquímico, entendido como capitalista e em geral maléfico à saúde e ao meio-ambiente, os produtos orgânicos, ou seja, as mercadorias orgânicas, obtém com isso um preço diferenciado - e lucro. Em outras palavras, toda a agricultura praticada pela humanidade antes da invenção do modelo agroquímico no século XIX era por definição ‘orgânica’, mas essa denominação então não existia, nem faria sentido. Essa forma de referir a um conjunto de princípios e práticas que orientam em cada ecossistema e cultura a atividade agrícola só passa a existir e ser socialmente reconhecida e denominada como tal em relação a predominância de outro modelo, o agroquímico industrial, e a racionalidade econômica (e social) que o justifica. 183

181 SACHS. op.cit.,p.38 182 ACOSTA, Alberto. Los grandes câmbios requieren de esfuerzo saudaces. A manera de pró-

logo”. In: ACOSTA, Alberto y MARTíNEZ, Esperanza (Comps.) Derechos de la Naturaleza.El Futuro es Ahora. Quito: AbyaYala, 2009. p. 15 183 MORENO.Camila.Op.cit.p.139

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Como exemplo, a agricultura ‘orgânica’ que passa a existir e ser percebida

socialmente, e valorada enquanto tal, porque se coloca em relação ao contexto

capitalista. Ou seja, é o contexto efetivamente existente do capitalismo que justifica,

dá razão de ser, à agricultura orgânica, e logo, às mercadorias ‘orgânicas’. O nicho

de mercado que estas mercadorias buscam ocupar depende de um nicho

de racionalidade no sistema, consideradas no processo entrópico da fase atual do

capitalismo. Com isso gostaria de ilustrar a especulação sobre a viabilidade de ‘outros

mundos possíveis’ em convivência com o capitalismo, por exemplo, a

(em)possibilidade de compatibilizar agricultura camponesa e agronegócio.184

A agricultura orgânica é a maneira de produzir que dialoga com o sistema

capitalista e pode significar uma forma de desenvolvimento sustentável. A ideia de

tecnologia apropriada tem sua origem nas teorias dos reformadores hindus as

significavam uma condição ao sucesso da luta pela independência da Índia. Gandhi é

considerado o primeiro “tecnólogo apropriado”, pois foi precursor na

sistematização de propostas que, criticando a transferência de tecnologia a partir

dos países industrializados, defendiam o desenvolvimento tecnológico endógeno,

voltado à satisfação das necessidades das comunidades, termo tecnologia

apropriada nunca foi utilizado por Gandhi, mas seu conceito está claramente

presente na teoria social que desenvolveu, pois a ideia gandhiana de

desenvolvimento incluía explicitamente uma política científica e tecnológica, como

forma de garantir a autonomia da sociedade indiana frente ao Império Britânico.185

5- O RISCO CULTURAL

A agricultura tradicional familiar é base de conservação do padrão alimentar e

a saúde e o bem-estar psíquico dependem de uma alimentação saudável e adequada,

184 MORENO.Camila.Op.cit.p.139. 185 Vandana Shiva associa os conflitos relacionados às sementes àqueles enfrentados pela luta da

dependência na Índia: “a semente se tornou o local e o símbolo de liberdade na idade da manipulação e monopólio da diversidade. Ela desempenha o papel da roca de fiar de Gandhi nesse período de recolonização por meio do livre mercado. A roca tornou-se um importante símbolo de liberdade, pois era pequena e simples; ela manteve vivo um símbolo de resistência e criatividade mesmo nas menores cabanas e para as mais pobres famílias” SHIVA, V. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento.1. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.p.126

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que reproduza as práticas ancestrais e possam manter os vínculos culturais, tais

práticas estão no centro da construção da identidade e da cidadania.

5.1-O DIREITO À PRESERVAÇÃO DA TRADIÇÃO CULTURAL ALIMENTAR

A leitura do texto constitucional em relação ao meio ambiente e o patrimônio

cultural não podem ser objetos de tutela jurídica apartada, simplesmente porque, por

mera questão de sistematização legislativa, estabeleceram-se em capítulos apartados

as diretrizes atinentes à preservação do patrimônio cultural (art. 216) e do meio

ambiente (art. 225).

Se debruçarmos sobre a racionalidade do mandamento constitucional

observaremos que o legislador incumbiu ao Poder Público, com colaboração da

sociedade civil como um todo, o dever de preservá-los e defendê-los, fica claro que o

meio ambiente e o patrimônio cultural são temas complementares e inseparáveis.

O patrimônio cultural é uma garantia da sobrevivência social dos povos, porque

é produto e testemunho de sua vida, sem o qual não existe vida social organizada, a

preservação do legado cultural, neste artigo especificamente o patrimônio alimentar

deve ser compreendido como objetivo do Estado democrático de direito, desta forma

deve irradiar sobre todas as demais legislações infraconstitucionais por representar a

base de sobrevivência da população de agora e das gerações futuras. Nos ensina

MARES:

[...] Em conclusão, o bem cultural – histórico ou artístico - faz parte de uma nova categoria de bens, junto com os demais ambientais, que não se coloca em oposição aos conceitos de privado e público, nem altera a dicotomia, porque ao bem material que suporta a referência cultural ou importância ambiental – este sempre público ou privado -, se agrega um novo bem, imaterial, cujo titular não é o mesmo sujeito do bem material, mas toda a comunidade. Este novo bem que surge da soma dos dois, isto é, do material e do imaterial, ainda não batizado pelo Direito, vem sendo chamado de bem de interesse público, e tem uma titularidade difusa, e talvez outro nome lhe caiba melhor, como bem socioambiental, porque sempre tem de ter qualidade ambiental humanamente referenciada.186

186 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens Culturais e Proteção Jurídica. Porto Alegre: UE/Porto Alegre, 1997. p. 41

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Saber separar o que seja natural do cultural é tarefa árdua.“Por isso, para fins

protecionais, a noção de meio ambiente é muito ampla, abrangendo todos os bens

culturais de valor juridicamente protegido, incluindo o patrimônio histórico, artístico,

turístico, paisagístico, monumental, arqueológico, espeleológico, paleontológico além

das disciplinas urbanísticas contemporâneas.”187

Inafastável pois o direito à preservação do meio ambiente humano, sempre que

ele for meio para garantir a qualidade de vida humana ou a preservação da vida em

todas as suas formas. “Essa preservação é uma forma de exercitar o direito à

memória, do qual depende a nossa própria sobrevivência histórica. Aquilo que não

está guardado na memória não existiu.”188

Para que se concretize a construção da cidadania, da identidade nacional e da

soberania é preciso preservar os patrimônios da nossa cultura. O artigo 216 da

Constituição Federal189 assim expõe:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

O conceito de patrimônio cultural da Constituição Federal de 1988 está entre

os mais modernos e exemplares do mundo, ele é abrangente no sentido de respeitar

todas as tradições regionais e o aspecto racial fruto da miscigenação histórica.

187 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, Jurisprudência, legislação.pg.13. Belo Horizonte: Del Rey, 2006 188 REISEWITZ, Lúcia. Direito ambiental e patrimônio cultural: direito à preservação da memória, ação e identidade do povo brasileiro.pg.58. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. 189 Constituição Federal. Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao> acesso em 03/004/2016

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“Assim, basta para a inclusão do bem no patrimônio cultural a existência de

“nexo vinculante” com a “identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira”190.

Os instrumentos legais de proteção do patrimônio cultural estão previstos no §

1º do art. 216 da Constituição Federal ainda no tocante ao acautelamento do

patrimônio imaterial brasileiro, o Decreto n. 3.551/00191 instituiu o Registro de Bens

Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial,

visando à implementação de política específica de valorização dos bens culturais

intangíveis.

Como o patrimônio cultural engloba toda a herança cultural, as práticas de

agricultura sustentável, a conservação de sementes crioulas, por exemplo, por

representarem o meio de produção tradicional pertencem ao patrimônio cultural da

sociedade. Assim todo o processo relacionado à cultura alimentar deve entendido

como nosso “patrimônio alimentar”.

A Constituição deixou o tema relativo ao patrimônio cultural de forma ampla e

afinada com as transformações sociais. Essa tutela iniciará pela individualização do

bem cultural, para que ele possa ser exatamente localizado, e reconhecido

publicamente como bem cultural digno de ser preservado. Em relação aos nossos

hábitos alimentares , DOUGLAS comenta:

[...]Nossos hábitos alimentares fazem parte de um sistema cultural repleto de símbolos, significados e classificações, de modo que nenhum alimento está livre das associações culturais que a sociedade lhes atribui. O alimento está presente em todos os rituais sociais, reforçando comportamentos e enaltecendo tradições e memórias. Símbolos, significados, situações, comportamentos e imagens que envolvem a alimentação podem ser analisados como um sistema de comunicação, no sentido de que comunicam sobre a sociedade que se pretende analisar.192

190 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. Pg.383.São Paulo: Saraiva,2010. 191 Decreto lei nº 3551/2000.Disponível em < http://www4.planalto.gov.br/legislacao> acesso em 03/08/2015 192 DOUGLAS, M. Pureza e perigo. São Paulo: Editora Perspectiva; 1976.p.26

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Na visão sociológica de MENASCHE:

Uma visão mais ampla percebe ainda a cultura alimentar como constituída pelos hábitos alimentares em um domínio em que a tradição e a inovação têm a mesma importância, ou seja, a cultura alimentar não diz respeito apenas àquilo que tem raízes históricas, mas, principalmente, aos nossos hábitos cotidianos, que são compostos pelo que é tradicional e pelo que se constitui como novos hábitos. As escolhas modernas ou tradicionais, o comportamento relativo à comida liga-se diretamente ao sentido que conferimos a nós mesmos e à nossa identidade social. Desse modo, práticas alimentares revelam a cultura em que cada um está inserido, visto que comidas são associadas a povos em particular. Temos, por exemplo, o arroz e o feijão são traços de nossa identidade nacional, pois são consumidos diariamente, de norte a sul do país, por milhões de brasileiros. No plano regional, há alimentos que funcionam como demarcadores identitários regionais, ou seja, pratos que estão associados à sua região de origem: o churrasco gaúcho, o vatapá e o acarajé baianos, o pão-de-queijo mineiro.193

Há um ditado que diz que “toda substância nutritiva é alimento, mas nem todo

alimento é comida”, a afirmação nos remete ao aspecto cultural da alimentação e, por

conseguinte, àquilo que a transforma em comida. A transformação da comida em

alimento é o papel da cultura na alimentação.

A investigação dos principais antropólogos e sociólogos nacionais sobre o

sistema que envolve os hábitos alimentares, verificam que o sentido da alimentação

se estende além do aspecto econômico e traduzem a identidade e a marca da cultura,

da aprendizagem e da socialização, assim como são permeadas pelo simbolismo,

pelas crenças, pelas identidades sociais.

O manancial de classificações alimentares nos demonstra que cada sociedade

adota princípios ordenadores das formas de pensar os alimentos. A variação depende

intimamente da classe social, cultural e até mesmo religiosa, na seleção do que é ou

não comestível, toda cultura dispõe de um conjunto de categorias e de regras

alimentares, de prescrições e proibições relativas ao que deve ou não ser comido.

O foco antropológico descreve bem a influência das religiões nas chamadas

‘comidas sagradas’, traçando os elos de intimidade dos homens com as forças divinas,

193 MENASCHE, R e MACIEL, M. Alimentação e cultura, identidade e cidadania. Rev. Democ. Viva. Especial Segurança Alimentar nº16. Rio de Janeiro: Ibase; mai-jun. 2003. Pg. 3-7.

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como também entre os próprios homens vindo a caracterizar muitas comidas e pratos

regionais.

Comer sempre representou prazer e firmação de laços, expansão de

horizontes, não é à toa que o interesse pela gastronomia motive o deslocamento de

olhares antropológicos para as cozinhas, como elementos emblemáticos de

identidades grupais e regionais.

Também as alterações na comensalidade nos espaços urbanizados

metropolitanos, oriundos da nova tecnologia e publicidade, mas sobretudo pelas

redefinições do tempo e do espaço na sociedade contemporânea.

Ao lado de estudos dessa natureza, que devem fazer interlocução com a

nutrição, devemos encaixar o estudo do direito, pois as alterações nos modos e

costumes implicam outros olhares multidisciplinares, como as ‘doenças alimentares,

como a obesidade, bulimia, anorexia, cardiopatias.

Observa-se também que os estudos antropológicos, disciplinarmente

orientados, tendem a privilegiar a carga simbólica da alimentação, descurando-se

frequentemente da sua dimensão material.

A comida, nos ensina MACIEL, “não é apenas boa para comer, mas também

boa para pensar. Pensar em comida é pensar em simbolismo, pois ao comermos,

além de ingerirmos nutrientes que permitem a sobrevivência, ingerimos também

símbolos, ideias, imagens e sonhos que permitem uma vivência.”194

Ela acrescenta que “a alimentação responde não apenas à ordem biológica (à

nutrição), mas se impregna pela cultura e a sociedade, sendo que a sua compreensão

convoca um jogo complexo de fatores: desde os ecológicos, os históricos, culturais,

econômicos e sociais”, cujo equacionamento requer a conjugação dos distintos

olhares disciplinares.

“É uma tarefa muito complexa a de delimitar as identidades sociais/culturais

relacionadas à alimentação, pois diversos são os grupos e longo é o território, através

194 MACIEL, M. E. Introdução. Comida. Horizontes Antropológicos, 1996. pags.4-8.

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dos quais os grupos sociais marcam sua distinção, se reconhecem e se veem

reconhecidos e pelos quais constroem suas identidades.”195

Na alimentação humana, elementos da natureza e dos usos e costumes se

encontram, a necessidade vital se supre conjuntamente com a necessidade de

pertencimento social.

Como um fenômeno social complexo, a alimentação não se restringe a ser

uma resposta ao imperativo de sobrevivência tão somente, mas sim determinante de

maneiras e tradições que conferem sentido existencial ao ato de comer e cria uma

coesão social aos indivíduos na coletividade. Neste conceito MACIEL:

[...]A escolha do que será considerado “comida ” e do como, quando e por

que comer tal alimento, é relacionada com o arbitrário cultural e com uma classificação estabelecida culturalmente. A cultura não apenas indica o que é e o que não é comida, estabelecendo prescrições (o que deve ser ingerido e quando) e proibições (fortes interdições como os tabus), como estabelece distinções entre o que é considerado “bom” e o que é considerado “ruim”, “forte”, “fraco”, yin e yang, conforme classificações e hierarquias culturalmente definidas.196

A alimentação transcende a dimensão biológica e revela o modo de viver dos

homens, por ser um ato social e cultural faz com que sejam produzidos diversos

sistemas alimentares. Na constituição desses sistemas, intervêm fatores de ordem

ecológica, histórica, religiosa e econômica que implicam representações e imaginários

sociais envolvendo escolhas e classificações.

Pelo fato da alimentação humana estar impregnada pela cultura, é possível

pensar os sistemas alimentares como sistemas simbólicos em que códigos sociais

estão presentes atuando no estabelecimento de relações dos homens entre si e com

a natureza. Assim se estabelece uma distinção entre comida e alimento, em que

“comida não é apenas uma substância alimentar mas é também um modo, um estilo

195 MACEDO, C. C. A Reprodução da Desigualdade. São Paulo: Hucitec, 1979.pag.126 196 MACIEL, M. E. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 7, n. 16, dez 2001 pag. 149.

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e um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido,

como também aquele que o ingere”.197

Dize-me o que comes e te direi que religião pertences, como vive e aonde mora

e em qual grupo social te incluis.198 A leitura da cozinha é um diagnóstico

antropológico da sociedade. A análise das cozinhas, gostos e predominâncias

culturalmente estabelecidas possibilitam a afirmação da identidade social.

A cozinha de um grupo é muito mais do que um somatório de pratos

considerados típicos. É uma soma de influências históricas e sociológicas que

constituem algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas. Ela não pode

ser reduzida a um inventário, convertida em fórmulas ou combinações de elementos

cristalizados no tempo e no espaço. A composição da identidade social se monta

como um processo dinâmico que engloba uma coletividade e que sofre constantes

influências externas, o que a transforma continuamente.

A construção da identidade cultural alimentar de um povo sofre profundas

influências políticas, estudar as cozinhas deve-se, necessariamente, levar em

consideração o processo histórico-cultural, contextualizando e particularizando sua

existência.

A expansão europeia é um exemplo de influência histórica política na

alimentação da América, ao chegarem com suas caravelas trouxeram suas práticas

tradicionais, utensílios, temperos, que com o passar do tempo da colonização foram

se integrando com as práticas locais, se adaptando com as disposições naturais,

influenciaram os nativos e foram influenciados por eles, e este fenômeno ainda se

repete pela globalização do mercado e pelo prestígio outorgado pelos meios de

comunicação à determinadas culturas. Assim a cozinha do colonizador passa a ser

apropriada por certas camadas sociais que a utilizam como um meio de diferenciação

social e de manutenção de uma dada hierarquia.

O intercâmbio dos alimentos no período colonial, diríamos primeira grande fase

da globalização, tiveram com as grandes navegações um grande impulso. Como

exemplo, podemos citar o caso de produtos alimentares próprios ao continente

197 DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.pg.86

198 DAMATTA. op.cit.,p.87

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americano e antes desconhecidos dos europeus como o milho, a batata, a abóbora, o

inhame, a mandioca, os feijões etc., que foram introduzidos em outros continentes,

levando a transformações alimentares significativas em sistemas estabelecidos.

O Estados Unidos para aliviar seu excedente agrícola transferiu para os países

do Sul, sem que isto tenha trazido qualquer benefício a longo prazo pois, muitas das

culturas tradicionais foram negligenciadas ou substituídas e estes países passaram a

depender cada vez mais da importação de cereais, para além de as suas populações

se terem de reduzir a uma dieta menos variada e estranha em relação aos seus

hábitos alimentares ancestrais. A exportação agrícola para fazer face à dívida assumiu

proporções dramáticas nalguns países. No Brasil, por exemplo, a produção de feijão

preto, base da alimentação brasileira, foi negligenciada em favor da produção o de

soja. O aumento da produção de carne nos países da América Latina tão pouco

significou a melhoria da alimentação dos seus habitantes.199

Em relação ao nosso padrão alimentar, DAMATTA ensina:

[...]Focalizando o caso de nosso país, podemos citar sem qualquer dúvida que nosso prato unificador, aquele que representa o Brasil apesar das regionalidades, constituindo nossa comida básica de brasileiro é o feijão com arroz. Corriqueiro, comum, presente em todas as mesas, esse prato exprime a sociedade brasileira combinando o sólido com o líquido, o negro com o branco e resultando numa combinação que gera um prato de síntese, representativo de um estilo brasileiro de comer: uma culinária relacional que, por sua vez, expressa uma sociedade relacional. Comida do cotidiano, a combinação feijão-com-arroz transforma-se em um prato que possui um sentido unificador, sendo assim alçado a símbolo nacional: a feijoada.200

Esse prato não requer apenas mais alguns ingredientes, uma adição de

elementos à dupla feijão-com-arroz. Ele implica uma transformação, tendo virado

prato nacional, prato de ocasiões especiais, símbolo de uma identidade reivindicada.

Assim, se o feijão com arroz é o comum, do dia-a-dia, a feijoada é especial, podendo

199DAMATTA.Op.cit.pg. 294-295 200 DA MATTA, R. Sobre o simbolismo da comida no Brasil. Correio da Unesco, v.15, n. 7, 1987.p. 21-23.

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ser também apresentada em ocasiões fora do comum, como quando se convida um

estrangeiro à mesa, para mostrar um ‘pouco do país’.201

Em suma, como uma espécie de ‘carteira de identidade alimentar brasileira’.

Existem, em outros lugares, pratos semelhantes à feijoada brasileira. No entanto, a

diferença está ligada não tanto aos seus ingredientes e ao modo de preparo, mas ao

seu significado. O sociólogo Peter Fry, ao observar esse fenômeno, faz uma diferença

entre o prato no Brasil e nos EUA, onde é soul food, ligado a uma identidade étnica,

reivindicada pelo grupo afrodescendente, o que faz com que possa representar,

simbolicamente, este grupo inclusive em suas lutas sociais. A diferença é que, no

Brasil, a feijoada, criada na senzala, sofreu um processo de transformação para

ocupar esse lugar de destaque, unificador, símbolo de nacionalidade. Assim, foi

retirada do grupo original, passando a ser de todos. Esse fato indica um aspecto da

dinâmica da sociedade brasileira, na qual itens culturais criados por grupos dominados

são apropriados e ‘domesticados’, perdendo assim a capacidade de simbolizar o

grupo original. 202

A influência histórica também é determinante, como ensina ROSA:

[...]Além das práticas alimentares de representação comum, existem também as cozinhas regionais, que apresentam uma grande diversificação devido às condições históricas, culturais e de meio natural do país. Alguns pratos, em particular, sobressaem-se, ficando associados mais intimamente com suas regiões de origem e seus habitantes, tais como acarajé e vatapá em relação à Bahia, tapioca e baião-de-dois ao Ceará, arroz com pequi a Goiás, pão de queijo a Minas, tucupi e tacacá ao Norte e churrasco ao povo gaúcho. 203

A culinária baiana recebeu forte influência da cultura africana, da religião do

candomblé. A identidade do povo baiano está intimamente ligada à comidas com forte

presença de pimentas e azeite de dendê, como o acarajé, o abará, caruru, vatapá, o

bolinho de estudante, as cocadas variadas e o amendoim. O vatapá baiano representa

201 DAMATTA.Op.cit.pg. 294-295 202 FRY, P. Para Inglês Ver. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. p. 47-53.apud GARCIA; Rosa Wanda

Diez (orgs). Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005

203 ROSA, Wanda Diez (orgs). Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora

FIOCRUZ, 2005.p.64

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a contribuição das três raças formadoras da identidade nacional, a farinha de trigo dos

portugueses no pão, o azeite-de-dendê dos africanos e o amendoim com a castanha-

de-caju dos índios.204

Nossa identidade nacional alimentar é um elo de coesão para a afirmação da

cidadania, nossa marca registrada, ela reflete nosso passado histórico tem o poder de

incluir todas as raças formadoras da nossa cultura em uma simbologia única e

representativa, a cozinha baiana com sua forte presença afro de um lado, a do Norte,

principalmente dos estados do Pará e do Amazonas, como a mais indígena que mais

se relaciona com a floresta, os rios e mares.

O churrasco é o que melhor representa o sul do Brasil, a tradição alimentar

gaúcha, tão difundida que praticamente todo o território conhece e comunga. A

proliferação da cultura alimentar é um fator complexo que envolve desde a disposição

dos ingredientes da comida até o gosto conforme a tradição do local.

O gosto e o paladar apresentam muitas diferenças regionais e locais. A comida

do Sul, em especial a do Rio Grande do Sul e a de Santa Catarina, são percebidas

por pessoas do norte/nordeste do país como insossa pelo fato de contarem com pouca

pimenta. O inverso também é verdadeiro, ou seja, a comida do Norte-Nordeste é

sentida por pessoas do Sul como muito apimentada, o que impediria de sentir o sabor

da própria comida.

A comida serve para identificar, reconhecer, criar estigmas. Por exemplo, a

mistura rala de farinha com água – o chibé – era e ainda é um indicador de pobreza

no norte do país, servindo para indicar uma dada situação social, estigmatizando-a.

Nos últimos anos, em função de uma internacionalização acelerada e

significativa, outros fenômenos foram agregados a esse processo, vimos então

crescer a cada dia as comidas “fast-food”, fruto do crescente processo de globalização

da cultura e da imposição de costumes externos em nossa cultura.

Esta tendência de alastramento das cozinhas internacionais, é um fenômeno

social identificável em diversos países que adotam o capitalismo, e que representa

também modernidade e riqueza.

204 ROSA. op.cit.,p.67

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Esta migração de gostos e sabores não são totais como dito, pois se adaptam

aos ingredientes locais não sendo possível ser totalmente genuínas, mas se por um

lado enriquecem a experiência humana alimentar por outro também podem oferecer

riscos à identidade e a soberania nacional.

Este risco vem da produção da base alimentar, da agricultura propriamente, a

patente de sementes cria uma dependência tecnológica e econômicas dos países

ricos, do ponto de vista político é uma subserviência danosa que oblitera os ideais

democráticas consolidados pela nossa Constituição.

Do ponto de vista nutricional e antropológico simplesmente, alguns viram

nessas inovações uma ameaça às cozinhas tradicionais. No entanto, essas mudanças

não apenas não as extinguiram como também contribuíram, indiretamente, para a

recuperação de conhecimentos e práticas alimentares tradicionais em muitos lugares

como uma forma de afirmação identitária.

A construção de identidades sociais, em específico a alimentar não pode ser

vista como uma constante imutável, já dada, mas como algo que se transforma e que

pode assumir múltiplos sentidos. A alimentação, quando constituída como uma

cozinha organizada, toma-se um símbolo de uma identidade, atribuída e reivindicada,

por meio da qual os homens podem se orientar e se distinguir, formando uma base de

afirmação à cidadania. Mais do que hábitos e comportamentos alimentares, as

cozinhas implicam formas de perceber e expressar um determinado modo ou estilo

de vida que se manifesta a um determinado grupo. Assim, o que é colocado no prato

serve para nutrir o corpo, mas também sinaliza um pertencimento, nutre a alma

individual e coletiva e é um elo forte de afirmação e pertencimento, indispensável ao

reconhecimento social.

5.2-O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DA SAÚDE SOCIAL E O EQUILÍBRIO

BIOPSICOSOCIAL

A participação do ser humano nos eventos sociais em que vive sempre esteve

envolvido com a cultura alimentar, por exemplo uma festa da imigração italiana em

Curitiba, será por certo em Santa Felicidade, bairro típico e não há de faltar polenta e

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vinho, o custeio da festa não poderá optar por outros cardápios pois a questão cultural

é mais relevante e pretende fortalecer os laços sociais e da cidadania.

O direito à cidadania se perfaz pelo respeito às tradições e memória ancestrais,

consolidados em práticas de união de propósitos e de realizações das diversas

culturas e identidades regionais brasileiras.

A saúde depende de se respeitar os hábitos alimentares ancestrais, ensina

SANTOS, além disso:

[...]Atualmente, entre os pré-requisitos básicos para que uma população possa ser considerada saudável estão: paz; habitação adequada em tamanho por habitante, em condições adequadas de conforto térmico; educação pelo menos fundamental; alimentação saudável necessária para a reposição da força de trabalho; renda decorrente da inserção no mercado de trabalho, adequada para cobrir as necessidades básicas de alimentação, vestuário e lazer; ecossistema saudável preservado e não poluído; justiça social e equidade garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos.( grifo nosso)205

O conceito de segurança alimentar e nutricional, em especial a preocupação

com o respeito e a preservação da cultura alimentar de cada povo prevê que cada

país deve ter condições de assegurar sua alimentação, sem que lhe seja imposto um

padrão alimentar estranho às suas características e tradições. Essa concepção surge

como uma reivindicação feita por pensamentos éticos de pesquisadores e operadores

do direito que detectaram suas práticas alimentares ameaçadas pelos efeitos da

globalização. Entre os efeitos nocivos, destaca-se a perda da soberania desses

países em decidir o que produzir e comer que é a regra número um da dominação. Se

percebeu também uma tendência global à massificação do gosto alimentar orientada

pela propaganda audiovisual impactante que induzia os consumidores a produtos

industrializados sem valor cultural e nutritivo em detrimento dos produtos in natura.

No âmbito da segurança alimentar e nutricional, ressalta-se a relevância dos

estudos das estruturas alimentares para a compreensão dos riscos ligados à adoção

de práticas alimentares novas e distintas das tradicionais. Isso implica afirmar que a

205 SANTOS, J.L.F.; WESTPHAL, M.F. Práticas emergentes de um novo paradigma de saúde: o

papel da universidade. Estudos Avançados, v. 13, n. 5, p. 71-88, 1999.

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elaboração de políticas específicas deve considerar as características culturais dos

grupos beneficiados. O requisito da “adequação” da alimentação, basicamente

significa, que uma alimentação, além da sua função de nos manter vivos, “deve

colaborar para a construção de seres humanos saudáveis, conscientes de seus

direitos e deveres e de sua responsabilidade para com o meio ambiente e com a

qualidade de vida de seus descendentes”.206

A noção de Segurança Alimentar e Nutricional, portanto, inscreve-se no campo

do direito de todo cidadão e cidadã de estar seguro e segura em relação aos alimentos

e à alimentação nos aspectos da suficiência (proteção contra a fome e a desnutrição),

da qualidade (prevenção de males associados com a alimentação) e da adequação

(apropriação às circunstâncias sociais, ambientais e culturais).207

A promoção da SAN requer o exercício soberano de políticas relacionadas com

à alimentação que se sobreponham à lógica mercantil estrita e incorporem a

perspectiva do direito humano à alimentação. Deste modo, estabelece-se a conexão

entre um objetivo de ações e políticas públicas (SAN) e um princípio (soberania

alimentar) que o qualifica208.

A soberania alimentar portanto além de ser entendida como a garantia de

alimentos produzidos de forma sustentável e disponíveis em quantidade e qualidade

suficientes à população, deve também ser concebida como alimentos que preservem

a identidade e a cultura de cada povo, portanto não se liga o conceito simplesmente

à aspectos nutricionais e sanitários mas adentram em uma visão mais ética e

multidimensional que contempla o equilíbrio biológico, a preservação ambiental e o

fortalecimento da diversidade cultural.

A noção de cidadania sempre esteve associada à história dos direitos humanos

e melhor exemplo de seu exercício é a luta pelos direitos humanos. Defender a

liberdade, a autonomia e a soberania de um povo; é lutar pelas garantias dos direitos

individuais e coletivos.

Exercer a cidadania é sobretudo se deixar guiar pelo seu próprio comando,

próprio conjunto de valores e memórias, não se deixar domar pelo cabresto de

206 VALENTE, F. L. S. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.p.30. 207 MALUF, R. S. J. Segurança alimentar e nutricional. Petrópolis: Vozes, 2007.p.20 208 MALUF. op cit.,p. 22

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nenhuma ideologia alheia ou autoridade estranha que dite regras e ordene

comportamentos. O cidadão de fato e de direito é aquele com autoestima e

capacidade de se comunicar em grupo, exigir cumprimentos de obrigações da qual se

sente parte no contrato social coletivo, deve ter poder de dizer não quando lhe é

negado um direito, a politização do cidadão se dá pelo respeito de suas tradições e

anseios, este é o maior exemplo de exercício da cidadania.

Desta forma a função do Direito, dentro da lógica da construção de relações

sociais aptas ao convívio pacífico e racional, é o elemento que reequilibra as

desarmonias decorrentes do entrechoque de arbítrios, e faz com que o uso da lei

moral seja um uso da razão legisladora a favor da humanidade-como-fim, ou seja,

contrária a que o homem seja tornado instrumento ou meio para a realização de fins

pessoais ou egoísticos. Na expressão de seu imperativo: “Agora eu afirmo: o homem,

e em geral todo ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para

qualquer uso desta ou daquela vontade”209.

O mercado globalizante com suas pseudos-facilidades no tocante à

alimentação devem ser minuciosamente observados se agregam valor ao exercício

da cidadania ou a colocam em risco, este cuidado deve partir em primeiro lugar do

Estado que deve ser o primeiro a fiscalizar e punir práticas que tenham simplesmente

a intenção buscar o lucro e não afirmar a soberania alimentar que é um conceito

propulsor da cidadania.

Quando se debruça para analisar e discutir a temática da presença de

prescrições bioéticas no texto da Constituição Federal Brasileira de 1988, há que se

considerar o avanço jurídico-democrático perpetrado pela introdução deste texto no

ordenamento jurídico nacional. Isto porque, em grande parte, os conceitos que se

introduziram pelo legislador constituinte de 1988 causaram grandes revoluções nas

diversas áreas em que o Direito se projeta. Isto significa dizer que os âmbitos setoriais

do direito pátrio tiveram que se moldar e se adaptar às condições valorativas e

conceituais previstas com a promulgação da atual Constituição, que tem entre seus

princípios fundamentais, os objetivos e os fundamentos da República Federativa do

Brasil, que servem de rumo às interpretações.

209 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. São Paulo: Ediouro, 2000.p.78

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O desenvolvimento da ética e da cidadania dependem de se seguir os rumos

traçados pelo constituinte, as questões não são de interesse exclusivo das ciências

jurídicas, mas suas implicações constitucionais dialogam com diversas ciências.

Nesse entendimento, assevera SÉLLOS:

[...]Nosso propósito se justifica pelo fato de visarmos tecer análise do nível

de conscientização e comprometimento da população paranaense e em especial de suas classes gestora, empresária e acadêmica sobre a relevância jurídica da tutela dos bens que sustentam a vida, o bem-estar e a dignidade da espécie humana. Culturas rurais, assim como industriais e governamentais têm papel fundamental na preservação dos recursos naturais e seu uso consciente, partindo da vertente de que o desenvolvimento sustentável se coloca imperativamente como desafio comum a ser vencido, acompanhando a crescente complexidade das relações sociais, comerciais, econômicas e políticas, consistindo-se em ato de cidadania. 210

A ordem constitucional desde sua promulgação vem causando profunda

ruptura de valores, ela já foi apelidada de cidadã não sem motivo, mas sim porque

este texto representa uma formulação jurídica que abraça os anseios da sociedade e

se coloca a serviço da cidadania, como instrumento da mesma, no sentido da

realização dos fins sociais almejados pela sociedade brasileira.

O desenvolvimento da ética e da cidadania, que é possível pelo diálogo

interdisciplinar acadêmico poderá demonstrar pelo estudo histórico comparativo o

quão importante é a preservação da cultura alimentar de um povo.

A agricultura orgânica que se pratica de forma sustentável cria uma perenidade

no uso do solo e produz plantas com grande potencial nutritivo que é imediatamente

percebido como um alimento de alto teor nutritivo e, portanto, saudável.

O patrimônio cultural alimentar discute-se a possibilidade de resgatar e

incentivar o consumo de alimentos regionais e sua relação simbólico-cultural, ainda

que as fronteiras regionais estejam permeadas por valores que se modificam a cada

210 SÉLLOS. Viviane Coelho e KNOERR. Fernando Gustavo. A Sustentabilidade Ambiental e Energética no Paraná Agrícola: Uma Questão de Cidadania, Ética e Responsabilidade Social e Empresarial. (Sócio)logismo dos Povos do Sul-Clamores por Justiça. SOUZA LIMA.J.E e MACIEL.S(org.). Editora UFPR.Curitiba.2014.p.349

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dia, com as novas gerações influenciadas por diversos alimentos, destacados na

mídia.

A importância da preservação está intimamente ligada à coesão social que

determina o desenvolvimento dos sentidos da verdadeira cidadania, destacamos

SANTOS:

[...]O incentivo ao consumo de alimentos regionais permite o resgate de

aspectos fundamentais da relação entre o ser humano e o meio ambiente. A regionalidade, é um conceito que extrapola o espaço geográfico e revela os lócus entre teias de relações sociais, econômicas e culturais. Para ele, o mercado é o domínio em que os contextos se superpõem. Nesse sentido, as fronteiras regionais não são rígidas, enfraquecem a natureza dos Estados nacionais e as regiões internas. Essa porosidade de fronteiras é a globalização propriamente dita e os territórios se adaptam ao mercado capitalista.211

O alimento que se produz utilizando sementes puras, carregam em si toda

história antropológica de um povo, incorpora-se ao seu DNA mensagens de saúde e

autoestima, criam sensação de independência e autonomia, pois se sabe que a terra

estará lá, como os antepassados utilizavam, apta a produzir o sustento para a família

e garantir o suprimento básico para a realização das tarefas que a vida exige.

Os povos que se deixaram dominar e que admitiram a imposição de cultura

alimentar estranha hoje vivem na miséria e não conseguem reverter o mau uso que

fizeram do solo, pois a terra é um bem não renovável e seu mau uso acarreta

desertificação e salinização, imagem desoladora da vida.

A colonização cultural de novas práticas alimentares condicionadas a “uma

“ordem” mundial se traduz como uma tentativa de homogeneidade do gosto para

garantir lucro aos grandes empresários. Esse tipo de globalização – a exemplo da

“macdonaldização” – deve ser vista com cuidado e compromisso ético.”212

Se observarmos o rumo da história e as mazelas decorrentes do capitalismo

globalizante não permitiremos mais comer alimento inseguro, não nos contentaremos

211 SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.p.72 212 FISCHLER, C. A McDonaldização dos costumes. In: FLANDRIN, J. L.; MONTANARI, M. (Org.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

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com a maçante indústria alimentícia que impõe dietas e gostos estranhos a nossa

formação, mas para isso ser possível deve haver um diálogo com as ciências e uma

eterna e constante cobrança da sociedade civil para que se viabilize políticas agrárias

que sejam sustentáveis e respeitem o patrimônio cultural alimentar.

Diferentemente dos outros animais, “o ser humano confronta diversos fatores

culturais, sociais, econômicos, religiosos, psíquicos e históricos, para conceber sua

comida. Comer, elemento básico da vida humana, é uma atividade complexa. Não só

envolve processos bioquímicos naturais, como é um fenômeno cultural.”213

Do mesmo modo, suas razões não são estritamente econômicas. A comida e

o comer são, acima de tudo, fenômenos sociais e culturais e a nutrição, um assunto

fisiológico e de saúde. Para quem as unidades alimentares que rodeiam a alimentação

e que normalmente orientam o comportamento e as decisões dos consumidores – as

socioculturais – são muito mais sutis que as unidades, normalmente manejadas por

nutricionistas e economistas.214

A mudança nos hábitos tradicionais alimentares acarreta inúmeros prejuízos

sociais e de saúde, assinalou HELMAN que:

[...]O caráter excludente do sistema de produção predominante, apesar da abundância dos alimentos produzidos, gera impactos negativos em termos sociais, exclui os pequenos produtores e gera muito pouco emprego, fazendo com que haja maciça imigração para cidades grandes desequilibrando a sociedade e mitigando o ideal de cidadania. Vale lembrar que a herança da ocidentalização levou a promoção de farinha de trigo industrializada para o pão e o arroz polido e branco. Com o refinamento de cereais, houve perdas de fibras alimentares. Sem dúvidas, algumas enfermidades no Ocidente estão relacionadas a essas mudanças na alimentação.215

Depois da Segunda Guerra Mundial, a alimentação segura e adequada foi

erigida a um direito natural, ou melhor um direito humano fundamental. Foi o momento

histórico que mais se contribuiu para as pesquisas científicas sobre o perfil

213 TEUTEBERG, H. O nascimento da era de consumo moderna. In: FREEDMAN, P. A história do Sabor. São Paulo. São Paulo: Senac, 2009. p. 234-261. 214 BARTHES, R. Toward a psychosociology of contemporary food consumption; In Forster E, Forster RL (edi.) European Diet from Pre-Industrial to ModernTimes. Nova York: Harper & Rom; 1975, 47-59 215 HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

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epidemiológico de doenças advindas da alimentação, as doenças crônicas como as

enfermidades cardiovasculares, diversos tipos de câncer, diabetes, entre outras que

provocaram mudanças na nossa relação com a comida.

Esse novo perfil epidemiológico caracterizado por doenças crônicas

degenerativas associadas à alimentação, ao sedentarismo e a outros fatores impostos

pela vida urbana, que num primeiro momento predominou nos países desenvolvidos,

é considerado um problema de saúde pública também nos países pobres.

A biotecnologia permitiu um maior controle da produção de alimentos tendo em

vista o grande aumento populacional, mas o que não se sabe ainda quais serão as

consequências na vida humana, não há dados científicos suficientes que garantam o

uso, por exemplo dos alimentos transgênicos, porém o mercado é muito mais

agressivo e ocupa mais espaços políticos do que a própria legislação nacional sobre

o assunto, quando o ideal seria empregar o princípio da precaução uma vez que os

estudos são inconclusivos

Mesmo com a ciência conseguindo intervir em processos biológicos na

produção de alimentos, ainda necessitamos de uma alimentação que nos nutra além

do corpo, que nos dê substância sociológica, que nos remeta aos nossos

antepassados, pois nossa sobrevivência enquanto sociedade depende desta

reverência sistêmica.216

A conservação e a saúde começam na alimentação, já não é mais sem culpa

que nos sentamos à mesa para desfrutar da comida. Na medida em que a

alimentação, como prática que determina a nutrição biopsicossocial no mesmo ato

biológico de sobrevivência, passa a se integrar à lógica da medicalização, o universo

que a circunda será reorganizado segundo essa matriz.

A alimentação, bem como a atividade física, está entre os poucos e prováveis

focos de intervenção que o Estado pode promover por via de suas instituições de

saúde, visto que a poluição ambiental, o estresse da vida urbana, as condições de

trabalho e de vida estariam num outro plano de intervenção.

216 HELLINGER. Bert. Constelações Familiares- O Reconhecimento das Ordens do Amor. São Paulo.Cultrix.2004.p. 159

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Como esses fatores pouco têm a ver com a intervenção dirigida ao indivíduo,

pois pertencem à macroestrutura socioeconômica da organização da sociedade, são

colocados num plano abstrato pelo discurso científico que fundamenta as ações

técnicas profissionais. A ênfase passa a centrar-se nas recomendações de

responsabilidade do sujeito. “A alimentação é um desses focos de intervenção

adequados a serem objetos de intervenção no plano individual. Subjacente à

atribuição exógena da causalidade, está a responsabilização do sujeito para a eficácia

da intervenção.”217

A alimentação vai além de uma necessidade biológica, os alimentos se

compõem tanto de nutrientes como de significados, cumprem tanto uma função

biológica como social, são digeridos tanto por processos orgânicos como por

representações que vêm de fora, tendo sido geradas pelo entorno cultural. Todas as

celebrações tanto cíveis como religiosas, dentro ou fora da família, são feitas

conjuntamente com a alimentação, portanto ela carrega memórias e registros

imprescindíveis à saúde psicológica e social, a identidade é revelada pela escolha da

comida, pelas escolhas.

Os costumes alimentares locais e regionais, os adquiridos nas diferentes fases

da vida, os moldados por pressões sociais, as informações, a publicidade, as

experiências marcantes como a escassez alimentar, a alimentação na infância e no

adoecimento, as quais podem influenciar profundamente a relação com a comida,

estão contidos na estrutura das práticas e do comportamento alimentar e guardam a

experiência sociocultural arranjada e articulada na experiência pessoal.

A colaboração do estudo das práticas alimentares envolve as dimensões

socioculturais, cognitiva e afetiva, conformadas com a dimensão biológica e presentes

no desempenho das operações relacionadas à alimentação. A saúde do indivíduo

depende da harmonia destas práticas e a conservação e proteção cabe ao Estado

que deve por meio de seus poderes garantir que os alimentos adequados e

culturalmente tradicionais cheguem à mesa da população de forma ininterrupta.

217 GARCIA; Rosa Wanda Diez (orgs). Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.

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5.3-O DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO EM FOMENTAR E FISCALIZAR AS

ATIVIDADES AGRÍCOLAS SUSTENTÁVEIS

A cultura alimentar brasileira representa um legado cultural de muitos anos

desenvolvido através da troca e miscigenação de sabores de cada região do país,

uma característica que marca a todos os brasileiros o prazer de comer e beber bem.

Preservar e proteger essa cultura alimentar ante ao mercado globalizante é um meio

para o reconhecimento e fortalecimento das identidades diversas do nosso país.

Neste sentido é dever do Estado controlar e fiscalizar todos os processos

alimentares, participando ativamente de cada um de seus estágios, desde a produção,

que deve ser feita de forma sustentável até o plantio e à colheita, até chegar à mesa

com a garantia de que aquele alimento é seguro em todos os sentidos.

Não é uma faculdade do gestor público fomentar a prática sustentável de

agricultura, é um dever indelegável, é importante frisar que o ordenamento jurídico já

foi normatizado no sentido de guiar as políticas públicas ao desenvolvimento

sustentável, para compreender o Estado Regulador, é necessário reconhecer a

supremacia da ordem jurídica sobre a atuação política.218

Alguns alimentos já constam em livros de registro e são já considerados como

patrimônio cultural do Brasil. Foram registrados no Livro dos Saberes do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), considerados bens imateriais

relacionados com a cultura alimentar no Brasil, exemplo está no Sistema Agrícola

Tradicional do Rio Negro; o Modo artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do

Serro e das serras da Canastra e do Salitre; o Ofício das baianas do acarajé; e o Ofício

das paneleiras de Goiabeiras.

Nestes exemplos já temos um legado cultural protegido desde a forma da

produção até o produto final, verifica-se que o patrimônio alimentar vai desde as

técnicas de produção e elaboração, como também em valores, crenças, usos,

costumes e formas de consumo. A lei define que todos estes elementos, que formam

218 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.p.16-17

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parte da cultura alimentar, devem ser traduzidos em patrimônio e registrados, pois

integram a cultura e a história de um povo que representa uma parcela regional

inseparável da unidade nacional.

O Estado Socioambiental de Direito, como o atual paradigma de forma de

Estado, prioriza a preservação do meio ambiente equilibrado, o multiculturalismo, a

proteção e valorização da diversidade étnica e regional, preocupando-se com a sadia

qualidade de vida e bem-estar das presentes e futuras gerações, isto significa que

toda a sociedade deve participar ativamente na exigência de políticas que preservem

recurso ambientais e que produzam alimentos com sustentabilidade, pois sem esta

prerrogativa indeclinável as futuras gerações não gozarão da mesma garantia

alimentar, pois os recursos não se renovam em especial o uso da água e do solo que

com o passar do tempo tendem a desgastar a exaurir-se.

A bioética trata de se preservar uma cultura garantidora da vida sobretudo, o

enfoque da sustentabilidade nos prova que a forma em que se está lidando com os

recursos naturais, em especial com a produção de alimentos se não for

cuidadosamente observada comprometerá a relação entre os cidadãos e o Estado,

portanto fere frontalmente a tutela da soberania comprometendo desta forma a vida

das gerações futuras.

A dissociação da identidade cultural alimentar leva ao consumo de alimentos

pobres em nutrientes e alheios à estrutura funcional da população, isto gera inúmeros

prejuízos aos cofres públicos pois se agravam os problemas de saúde advindos de

uma alimentação pobre, oriunda de um modelo de produção agrícola em larga escala

com demasiado uso de agrotóxicos e insumos agrícolas, sementes transgênicas, tudo

voltado para garantia do lucro imediato de uma micro parcela da sociedade, uma

agricultura que é feita em cima de florestas derrubadas, cerrados e mananciais, que

não se sustenta e não encontra guarida constitucional.

Urgente, pois, que haja uma mobilização de toda a sociedade para que se

cobre uma atuação do Estado via políticas públicas, uma ética ambiental que leve em

conta escassez dos recursos naturais e que tenha na alimentação sua bandeira de

luta. Que se exija que a produção dos alimentos, seja fomentada por políticas públicas

de valorização da cultura alimentar e de realização da dimensão cultural da segurança

alimentar.

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Uma maneira eficaz de promover a alimentação segura que preserva a

identidade cultural é livrar de tributação quem produz de forma sustentável e elevar a

carga tributária aos que praticam a agricultura predatória. Pelo lado do consumo, deve

haver incentivos a permanência (ou retorno) de antigos hábitos alimentares e

incorporação de novos hábitos pelos diferentes segmentos da população,

combatendo a padronização alimentar por meio de uma Educação em Segurança

Alimentar e Nutricional que leve em consideração a importância da dimensão cultural

da mesma e da salvaguarda dessas referências culturais enquanto fator de identidade

de sociedades e catalisador de conquistas jurídicas e coletivas capazes de

desenvolver o núcleo sólido da cidadania.

A agricultura realizada em bases familiares aparece como uma possível

solução ao problema da insegurança alimentar e a preservação do patrimônio

imaterial, isto porque as atividades agroalimentares de pequena escala são, ao

mesmo tempo, grandes geradoras de ocupação e de renda, capazes de ofertar

alimentos de qualidade e com respeito ao meio ambiente, valorizando, assim, as

dimensões social, ambiental e cultural da produção agroalimentar.

Para a consecução deste modelo de agricultura, políticas de incentivo a

cooperativas de produtores rurais são imprescindíveis. Na agricultura familiar ainda

se conserva e se reproduz os horizontes da tradição cultural e histórica alimentar,

representando um modelo de produção de alimentos alternativo ao agronegócio,

favorecendo a criação de laços afetivos com a terra e a consequente permanência do

trabalhador e de sua família no campo, num espírito solidário e num ambiente cuja

tônica é a melhoria de vida coletiva.

Assim, há mais de 13 mil anos, agricultores, povos indígenas e povos e

comunidades tradicionais de todo o mundo vêm utilizando e manejando a

biodiversidade, cultivando e domesticando espécies vegetais e animais, criando

variedades e raças que não existiam antes na natureza, desenvolvendo, assim,

diversas tecnologias sociais, diversas formas de agriculturas e conhecimentos

associados ao livre uso da biodiversidade.219

219 PACKER, L. A. Biodiversidade como bem comum: direitos dos agricultores, agricultoras, povos e comunidades tradicionais. Curitiba: Terra de Direitos, 2012.

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Os agricultores familiares enquanto sujeitos detentores do conhecimento e das

práticas tradicionais associadas ao manejo das unidades produtivas, bem como a

produção e o processamento de alimentos, elementos constitutivos da cultura

alimentar como um todo, são um reduto da continuidade de um modo de fazer único,

que passa de geração em geração, preservando a identidade cultural local.

Este modus operandi de produção não pode ser perdido, deve haver a

participação direta e constante do Estado na fiscalização e no fomento à produção da

verdadeira comida. Um ponto importante, diz respeito à importância do registro de

referências culturais associadas às tradições alimentares enquanto instrumento legal

catalisador de processos de afirmação da identidade cultural, de regularização de

situações jurídicas e de reconhecimento formal da configuração coletiva destes

grupos, facilitando a organização, a emancipação e a consequente inserção destes

novos atores sociais nas disputas socioambientais que envolvem questões acerca do

desenvolvimento, sustentabilidade e crescimento econômico.220

6- O RISCO POLÍTICO

Na medida que as empresas de biotecnologia vão dominando porções cada

vez maiores do mercado e do uso do solo, ficamos com nossa soberania

completamente comprometida, nossos hábitos alimentares são alterados e ficamos

dependentes de remédios e insumos agrícolas para podermos exercer o direito à

vida.

6.1-A BIOTECNOLOGIA E A TUTELA DA SOBERANIA

220MANIGLIA. E ; WOLFF. A. Alimentação e Produção Culturalmente Sustentáveis: Conexões entre o Direito à Preservação do Patrimônio Cultural Imaterial e a Segurança Alimentar. Anais do V Seminário Nacional Sociologia & Política.Curitiba.2014.Disponível em < http://www.humanas.ufpr.br/portal/seminariosociologiapolitica/files/2014/08/24430_1397497664.pdf> Acesso em 07 de agosto 2015.

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A nova corrida do ouro é ditada pela biotecnologia com predominância absoluta

dos países do hemisfério Norte que são os pioneiros detentores desta tecnologia, é a

nova forma de dominação desenvolvida pelo modelo econômico capitalista, necessita

pois de controlar os meios de produção de alimentos e fármacos, a forma de exercer

a hegemonia é a busca pela matéria prima que é abundante nos países do hemisfério

Sul. Nas palavras de Rifkin:

[...]Os genes são o ‘ouro verde’ do século biotecnológico. As forças políticas e econômicas que controlam os recursos genéticos do planeta exercerão enorme poder sobre a futura economia mundial, da mesma forma que não era industrial o acesso aos combustíveis fósseis e metais valiosos, assim o domínio sobre eles, contribuiu para determinar controle sobre os mercados mundiais. Nos próximos anos, o patrimônio genético do planeta, em constante redução, vai se tornar uma fonte crescente de valor monetário. Empresas multinacionais e governos já exploram os continentes em busca do novo ‘ouro verde’, na esperança de localizar micróbios, plantas, animais e seres humanos com traços genéticos raros que possam ter potencial no mercado futuro. Uma vez localizados os traços desejados, as empresas de biotecnologia os modificam e procuram proteção das patentes para suas ‘suas’ novas invenções.221

Após a Segunda Guerra, o mundo enfrentou nova crise internacional marcada

pela crise do petróleo de 1973, o que gerou fenômenos de recessão e aumento do

desemprego, além da perda geral de competitividade internacional, provocando uma

crise global do Estado de Bem-Estar Social. Diante disso, as economias ocidentais

protagonizaram uma mudança do paradigma capital/trabalho para

informação/conhecimento, o que representou a transição para a economia global pós-

capitalista, na qual a concorrência passou a ser ainda mais acirrada, de forma a

permitir a expansão dos fluxos de capital, o deslocamento de unidades produtivas e a

derrubada de fronteiras geográficas, econômicas, políticas e culturais.222

221 RIFKIN, Jeremy. O Século da Biotecnologia: A Valorização e a Reconstrução do Mundo. São Paulo: Makron Books, 1999.p.39

222 PUCEIRO, Zuleta. O processo de globalização e a reforma do Estado. In: FARIA, José Eduardo

(org.). Direito e globalização econômica: Implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 105.

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Por falta de uma política pública que fomente a tecnologia de produção e

melhoramentos de sementes no Brasil, o país acaba em cultivar as sementes

produzidas com tecnologia estrangeira.

Desta forma, o Brasil revela-se hipossuficiente tecnologicamente por

apresentar um déficit tecnológico no segmento da economia aonde colhe seus

maiores frutos, sua fragilidade tecnológica faz com que seja mera extensão territorial

para plantio e testes de tecnologias, para em seguida vender a produção para os

mesmos dominadores que a revendem muitas vezes o grão industrializado em forma

de produtos. Neste sentido, os países em desenvolvimento dominam o comércio

agrícola, principalmente em produtos em estágio primários de processamento, sendo

os países desenvolvidos os que têm maior participação nos produtos de maior valor

agregado.223

Isso se explica a partir do momento em que o Brasil não possui atualmente

nenhum programa eficiente de pesquisa capaz de incluí-lo competitivamente no

disputado mercado tecnológico de sementes das grandes commodities: soja, milho e

algodão; de forma que, por não possuir capacidade tecnológica de produzir sementes

competitivas termina por tão somente plantar aquelas produzidas com tecnologia

criada por outros países para depois exportá-las enquanto matéria prima (grãos) e

muitas vezes importá-las após terem sido beneficiadas.224

As grandes empresas de Biotecnologia se prevaleceram diante nossas

fragilidades estruturais e dominaram o mercado por completo, destaca CARDINAL:

[...]Houve um rápido processo de oligopolização dos mercados de sementes de commodities agrícolas devido às estratégias de monopólio biotecnológico e de concentração econômica que marcam a trajetória das grandes empresas do setor sementeiro. Essas empresas passaram a operar na produção e comercialização de sementes de várias espécies de forma combinada com a produção e a comercialização de insumos agroquímicos. Sendo assim, um produto passou a ser insumo para outro, havendo uma integração funcional de atividades, através da qual as grandes empresas passaram a dominar as principais culturas cultivadas no Brasil (cadeias agroindustriais longas), gerando uma cadeia de demandas e de dependência técnico econômica que

223 BARRAL, Welber. Protecionismo agrícola e sistema multilateral do comércio. In: QUEIROZ,

João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos (Coord.). Direito no agronegócio. Belo

Horizonte: Fórum, 2011, p. 147. 224 FUCK, Marcos Paulo; BONACELLI, Maria Beatriz. Atuação da Embrapa nos mercados de soja e milho: Por que manter instituições públicas de pesquisa no Brasil? Informações Econômicas, SP, v.36, n.10, out. 2006, p. 9.

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possibilita ganhos combinados de escala e de capital em todos os estágios da cadeia produtiva.225

Como exemplo de um produto servindo de insumo para outro, pode-se citar o

uso de agrotóxico ou adubos aliados a semente.

No Brasil, as multinacionais compraram praticamente todas as companhias de

sementes de pequeno e médio porte. Hoje o domínio se estende desde à cadeia

alimentar até a produção de sementes, fertilizantes, pesticidas e até no transporte e

exportação desses produtos.

No setor de OGM da agricultura brasileira, a dominância das multinacionais de

biotecnologia é total. Como apontado pelo Repórter Brasil, as “Seis Grandes” Big Six”

– Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), DuPont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer

(Alemanha) e Dow (EUA) – foram responsáveis pela introdução de todos os OGMs

autorizados para cultivo comercial no Brasil. A única companhia brasileira do setor é

a empresa governamental Embrapa, que conduz pesquisas sobre OGMs.

Se o novo projeto de lei for aprovado, as sementes Terminator serão vendidas

exclusivamente por multinacionais. Monsanto, Syngenta e DuPont detêm patentes

sobre a tecnologia Terminator, embora todas elas tenham se comprometido a não

comercializá-la. O texto de compromisso mais recente da Monsanto, porém, não inclui

plantas não alimentícias.226

A proteção do meio ambiente é a linguagem internacional que podemos nos

valer para coibir o domínio do qual padecemos, o meio ambiente não é setorizado

mas sim está dentro do sistema da humanidade como um todo, não pode ser visto de

maneira setorizada, mas apenas de maneira global, através de uma visão holística,

desta forma é necessário rever o conceito de soberania para uma soberania mundial,

só assim poderemos ter voz para lidar com a forte pressão política que o mero

desenvolvimento econômico exerce.

225 SOUZA, Maurício Novaes. Degradação e recuperação ambiental e desenvolvimento sustentável. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal). (2004). Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2004, p. 54-60 apud CARDINAL, Lucas Pacheco.op.cit.p.81 226 MONGABAY.ORG. disponível em https://www.mongabay.com acesso em 29/04/2016

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Assim não se pode dispor do uso do solo senão de forma sustentável e com

respeito à biodiversidade, a proteção ao meio ambiente é um fator limitador da

soberania dos países e do crescimento econômico.

“Os direitos ambientais se definem em relação com as identidades étnicas que

se configuraram ao longo da história muito mais em sua relação com seu entorno

ecológico do que em relação com uma norma jurídica que corresponde à lógica do

mercado ou a uma razão de Estado”.227

Como forma de judicialização da política, o controle do Estado fica à mercê do

próprio Estado e não nas mãos da sociedade, o que torna insipiente nossa

democracia. Diante desta fragilidade, cabe somente ao Poder Judiciário atuar nas

garantias dos direitos fundamentais e das reivindicações sociais. “Ao absorver e

processar as demandas e insatisfações populares, este agigantamento do Poder

Judiciário tende a esvaziar a esfera da política, esfera imprescindível à ideia de

democracia.”228

6.2-A PERPETUAÇÃO DO MONOPÓLIO DAS PATENTES ALIMENTARES

As regras de mercado e de competitividade que o capitalismo atual impõe é o

grande paradigma que orienta as medidas e as estratégias cada vez menos éticas e

menos humanas. A velocidade com que ocorrem mudanças tecnológicas,

econômicas, políticas e sociais no mundo de hoje, altamente integrado pela

globalização, é cada dia maior.

Neste contexto, empresas que não inovam, não são capazes de acompanhar

o ritmo das mudanças e estão fadadas a saírem do mercado. Existir hoje em dia está

ligado a consumir e vender, assim as grandes multinacionais que hoje atuam no

mercado de sementes geneticamente modificadas (GMs), tiveram também que

227 MARÉS. Carlos Frederico. Direitos Invisíveis. In: OLIVEIRA, Francisco de. PAOLI, Maria Célia (Org.). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Nedic: Petropólis,

Vozes: Brasília, 1999.p.350 228 SOUZA-LIMA. José E.; CALDEIRA.Violeta. S.; GURSKI. Bruno. A Judicialização da Política na

Tutela do Direito ao Meio Ambiente. Revista Jurídica da Unicuritiba.v.01.n º 42.Curitiba.2016.p.436

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acompanhar o ritmo frenético imposto e investiram em inovações. Desde suas origens

nos setores agroquímico, farmacêutico e alimentício essas empresas têm adotado

estratégias tecnológicas, organizacionais e de comercialização e marketing

extremamente inovadoras e com forte apoio político, que as permitiram crescer,

conquistar novos mercados e neles se autoperpetuar.

No início da década de 70, a biotecnologia deu um grande salto com a

tecnologia do DNA recombinante, que são moléculas de DNA que possuem

fragmentos de DNA derivados de duas ou mais fontes, geralmente de espécies

diferentes, que permitiu modificar geneticamente qualquer organismo vivo.

Com esta inovação científica as empresas que já eram as maiores do mundo

na área química, em especial a Monsanto, passaram a perceber que poderiam

controlar o maior bem de consumo humano, a alimentação. A motivação da inovação

tecnológica na área das sementes se deu pela permanência destas empresas no

mercado competitivo, tão somente preocupadas com o ganho de riquezas e expansão

de mercados, o marketing utilizado foi a preocupação com a crescente aumento da

população e a consequente fome.

A posição do físico Capra, citado por Rodrigues:

[...]A verdade nua e crua é que a maioria das inovações na área de

biotecnologia alimentar foram motivadas pelo lucro e não pela necessidade.

A Monsanto, por exemplo, projetou uma soja transgênica que resiste

especificamente o herbicida Roundup, de sua própria fabricação, para

aumentar suas vendas deste último produto. Produziu, além disso, sementes

de algodão portadoras de um gene inseticida a fim de aumentar as vendas

de sementes. Tecnologias com estas aumentam a dependência dos

agricultores em relação ao produtos patenteados e protegidos por direitos de

propriedade intelectual, que lançam na ilegalidade as antiguíssimas práticas

agrícolas de reproduzir, armazenar e trocar sementes. Além disso, as

empresas de biotecnologias cobram “taxas de tecnologia” sobre o preço das

sementes, ou senão, forçam os agricultores a pagar preços abusivos por

pacotes de sementes e herbicida. Através de uma série de grandes fusões

e em virtude do controle rigoroso possibilitado pela tecnologia genética, o que

está acontecendo agora é uma concentração nunca antes vista da

propriedade e do controle sobre a produção de alimentos. As dez maiores

empresas agroquímicas controla 85% do mercado mundial; as cinco maiores

controlam praticamente todo o mercado de sementes geneticamente

modificadas. (...) O objetivo desses gigantes empresariais é criar um único

sistema agrícola mundial no qual eles possam controlar todos os estágios da

produção de alimentos e manipular tanto os estoques quanto ao preço da

comida. (....).

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Assim começou o promissor mercado das sementes geneticamente

modificadas, o grande início se deu quando as empresas produtoras de agroquímicos

se viram na iminência de perder o mercado de seus produtos empregados no controle

de pragas na agricultura, em função da extinção do prazo de proteção de suas

patentes. A tecnologia poderia ser facilmente copiada, a fórmula patenteada e por

força da lei perderia sua vigência o que fatalmente seria produzida por outra empresa,

assim a concorrência ganharia o mercado em pouco tempo.

Por esta razão, a solução estratégia das empresas dominantes no mercado de

sementes GMs caracterizou-se em modificar geneticamente sementes para que

pudessem apresentar tolerância a seus próprios herbicidas. Assim, as empresas

vendiam ao agricultor, uma venda casada do “kit - semente GMs tolerante ao herbicida

X + herbicida X”. Só assim o agricultor teria eficiência em seu plantio, ficava obrigado

a usar um herbicida especifico para cada tipo de semente.Com esta estratégia, foi

possível garantir às empresas o volume de vendas de seus principais agroquímicos.

Além da venda casada e das sementes modificadas, para efetivar a hegemonia

do mercado estas empresas adotaram uma estratégia além de tecnológica, elas

traçaram suas metas com uma marcha rumo a dominação global, uma das estratégias

foram as fusões, aquisições e alianças com empresas sementeiras e especializadas

em biotecnologia; com a diversificação das áreas de atuação; o estabelecimento de

contratos de transferência de tecnologia com Instituições públicas de agricultura;

como é o caso da EMBRAPA, e ainda o investimento pesado em marketing com a

construção e a manutenção de sua imagem perante a sociedade como empresas

que se preocupam com a ética e com a saúde humana.

A Monsanto foi a primeira empresa a entrar no novo mercado de sementes

GMs, seguindo esse mesmo comportamento estratégico e se tornando, em pouco

tempo, líder no setor. Por esta razão atraiu todas as críticas e manifestações

contrárias, ativismo de ambientalistas e cientistas.

Mas o desenvolvimento de sementes GMs com tolerância a herbicidas foi

apenas a primeira inovação em sementes, não parou por aí e surgiram novas

variedades de sementes GMs com características de interesse do agricultor e,

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principalmente, do consumidor pouco informado, pois promovem o cultivo de plantas

resistentes e que são ótimas para as gôndolas de mercados por serem vistosas.

Este avanço na produção de sementes se confirma pelos inúmeros depósitos

de patente dessas empresas para processos de modificação genética de sementes e

para as características nelas inseridas. A maneira de perpetuar a patente é refazer a

patente com uma nova característica modificada.

6.3-O PATENTEAMENTO DA VIDA-QUESTÕES ÉTICAS

Esta visão estreita ignora a dinâmica autogeradora e auto organizadora que é

a própria essência da vida e redefine os organismos vivos, ao contrário, como

máquinas podem ser controladas de fora, patenteadas e vendidas como recursos

industriais. A própria vida tornou-se a suprema mercadoria.No sentido antigo do

termo, um recurso natural, como todas as formas de vida, é algo intrinsecamente

dotado do poder de auto renovação. Essa compreensão profunda da vida é negada

pelas novas “empresas de ciência da vida”, que impedem a auto renovação da vida a

fim de transformar os recursos naturais em matérias-primas lucrativas. Elas fazem

isso combinando alterações genéticas (entre as quais as chamadas “tecnologias

terminais”) com pedidos de patentes, as quais violam antiquíssimas práticas agrícolas

que respeitam os ciclos da vida.229

Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato,

sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigma está baseado

em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda está

alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo

que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são

membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de

interdependências. Quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de

nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo.230

229 CAPRA. Fritof.2002.op.cit.p.209 230 CAPRA, Fritjof. 2001.op.cit.p.19

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Uma variedade transgênica jamais seria obtida no meio natural, ela depende

da intervenção científica e pouco se sabe das consequências futuras. Através deste

novo paradigma tecnológico, a natureza vem sendo alterada e reconstruída,

privatizada e mercantilizada de acordo com as necessidades do processo industrial,

imposto pelo ritmo e pela lógica do mercado mundial.

A biotecnologia nasceu com as mesmas empresas que criaram armas de

destruição em massa, sua ética sempre foi o lucro acima de qualquer outro valor, a

cada dia a expropriação da natureza ganha novos limites, justificáveis sempre pelo

ritmo do mercado, assim vemos a vida ser patenteada e transformada em um

processo industrial.

A FAO estima que durante o século XX foram perdidas 75% da diversidade

genética que integravam a biodiversidade agrícola, constituída por 12,000 anos de

trabalho humano sobre a natureza, desapareceram. O termo é erosão genética, por

ação humana, da expansão da agricultura industrial. A transgenia aplicada à

agricultura constitui um dispositivo material e discursivo da biotecnologia como

ideologia, opacionada na retórica científica, e uma inédita dimensão de poder do

capital no controle estrutural e efetivo das sementes, mas, também, em um nível até

agora impensável, de expansão da forma mercadoria com o domínio da lógica do

capital sobre a capacidade ontológica de reprodução da própria natureza, onde as

espécies estão submetidas daqui em diante à co-evolução com a indústria.231

231 MORENO, Camila. Op.cit.p.86

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7-CONCLUSÃO

A estratégia utilizada pelas empresas de biotecnologia para ganhar o mercado

de venda de sementes cria diversos impactos na soberania dos países por onde se

instaura.

A começar pela imposição do mercado, o monopólio da venda de sementes,

para se instalarem em um mercado como o nosso, maior área agricultável do planeta,

criaram um forte lobby político e econômico, compraram as pequenas e médias

produtoras de sementes e assim se alastraram em todo o território, criando uma

verdadeira servidão entre os agricultores.

Com este domínio em nossa forma de plantar, os pequenos agricultores foram

engolidos pelos grandes, grandes áreas de florestas e cerrado foram desmatados e

se transformaram em latifúndios de monoculturas, além do impacto ambiental

irreversível promoveu o êxodo do campo com o consequente inchaço das cidades.

A investigação conduziu ao entendimento de que a Biotecnologia sem as

devidas cautelas assecuratórias e sem o respeito ao desenvolvimento sustentável

oferece incalculável risco à soberania nacional.

Este controle da produção de nossa agricultura cria uma subserviência e afeta

frontalmente nossa soberania, pudemos também perceber que a identidade social

está intimamente ligada a soberania alimentar, o sentimento de pertencimento é a

chave para o desenvolvimento biopsicossocial, que é a forma de afirmação de nossa

cidadania.

A pesquisa demonstrou que a biotecnologia é uma forma de dominação do

mercado econômico que gera inúmeros prejuízos ao meio ambiente ecológico e social

que coloca em risco toda a humanidade. A vantagem econômica trazida não engloba

vantagem social e ecológica. Constatou-se que é necessário uma mobilização de toda

sociedade civil para encontrar formas de conservar a agricultura tradicional e fomentar

o desenvolvimento sustentável.

A efetividade das normas constitucionais à sustentabilidade e aos direitos

fundamentais devem ser fortalecidas pelo diálogo constante entre a sociedade civil,

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científica e os entes públicos, é preciso ter autossuficiência tecnológica,

desenvolvimento social, econômico e ambiental conjuntamente, do contrário

estaremos colocando em risco nossa soberania e nossas riquezas.

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