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Nº 27 – 2010 - ANO VCapa: Approaching the new planet. Por Seriykotik1970

E S P E C I A L B I O D I V E R S I D A D EConfira no resumo executivo do terceiro Panorama da Biodiversidade Globalo balanço do quadro ambiental atual e as medidas inadiáveis que precisamser tomadas para proteger a vida e o bem-estar das sociedades.Por Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica

Por que a “Diversidade Biológica” é importante?Como é avaliado o risco de extinção?Lista Vermelha: as espécies ameaçadasA Amazônia Legal e a redução do desmatamento

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Amazônia: a chuva é o desafioColocada em dúvida por negacionistas das mudanças climáticas, a declaração do IPCC sobre asuscetibilidade da Floresta Amazônica à redução de precipitação é correta, como avalia especialistado Instituto de Pesquisa da Amazônia. Por Daniel Nepstad

Água: cronologia de conflitos – 2ª. parte (1972 a 1999)A distribuição e a utilização não equitativa dos recursos vêm tingindo de sangue as águas que banhama História da Humanidade, como revela esta continuação da cronologia sobre os Conflitos da Água.Por The Pacific Institute

Fazendo a guerra em nome da “paz”A ONU debate a estrutura internacional capaz de evitar graves crimes contra a humanidade. Mas até queponto a R2P e a “intervenção humanitária” serão apenas álibis para Estados fortes agirem na defesa deseus próprios interesses? Por Noam Chomsky

Revolução verde – uma promessa fracassadaEm vez de solucionar a questão da fome no mundo, as duas revoluções verdes – dos anos 1960, comas monoculturas, e dos anos 1990, com os transgênicos – acabaram por criar o absurdo contingentede um bilhão de famintos da atualidade. Entrevista com Carlos Vicente

Semi-árido: um mar de açudesDurante 100 anos, a engenharia de represamento instalou no Semi-árido brasileiro o maior patrimôniohídrico de captação de chuvas do mundo: 20,3 bilhões de metros cúbicos de água, uma verdadeira“Aguabrás”, que precisa ser melhor aproveitada. Por Manoel Bomfim Ribeiro

Caatinga: bioma ameaçadoA extração da mata nativa para conversão em lenha e carvão vegetal já é responsável pela destruiçãode 53,62% da cobertura vegetal original deste bioma exclusivamente brasileiro. O processo dedesertificação atual pode ser precipitado pelos efeitos das mudanças climáticas. Por Silvia Pacheco

A “corrida do ouro” da energia renovávelOs países que saírem na frente desta “corrida do ouro” terão ganhos adicionais, não só energéticose ambientais, mas também econômicos e de competitividade internacional, além de contribuir paramitigar as emissões de carbono e salvar o planeta. Por José Eustáquio Diniz Alves

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E D I T O R I A L

A revista Cidadania & Meio Ambienteé uma publicação da Câmara de Cultura

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Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Colaboraram nesta edição

Carlos VicenteDaniel Nepstad

Diógenes Del BelHélio Carneiro

José Eustáquio Diniz AlvesManoel Bomfim Ribeiro

Noam ChomskySecretariado da Convenção sobre a

Diversidade BiológicaSilvia Pacheco

The IUCN Red List of Threatened SpeciesThe Pacific Institute

UNEP/GRID-Arendal Maps and Graphics

Caros Amigos,

Em 1971, o professor Jean Dorst lançava Antes que a Natureza Morra – oprimeiro best-seller mundial da estante ecológica. O livro denunciava a des-truição do meio ambiente, dava conta do genocídio perpetrado contra anatureza e alertava para a necessidade urgente de se reconsiderar os mo-delos de ocupação da Terra pelo predatório Homo sapiens.

No prefácio da obra, o Príncipe Bernhard, então presidente do WWF,apontava a raiz da questão: “...o homem degrada as terras devido ao mau tratamentodos solos, espalha pesticidas incontroladamente e envenena o planeta com detritos de umacivilização técnica, derramados de forma abusiva na atmosfera e nas águas. Os recursosmarinhos estão sendo pilhados por uma exploração excessiva; ....algumas das nossas ativi-dades parecem conter nelas próprias os germes da destruição da nossa espécie.”

Se durante milênios a extinção de espécies foi determinada pelo naturalprocesso de evolução biológica – estima-se que uma média de 2 a 4 famí-lias de animais se extinguem a cada milhão de anos de vida no planeta –,hoje o ritmo de desvitalizarão das espécies é atestado “mensalmente” pelaLista Vermelha da União Internacional pela Conservação da Natureza edos Recursos Naturais (ver pág. 13). Assim, meio século após o alerta doprofessor Dorst, o quadro do desastre ambiental não se alterou, aliás, pio-rou, como atesta o Panorama da Biodiversidade Global 3, publicado em maioúltimo pelo Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica, ecujo “Resumo Executivo” trazemos à sua reflexão nesta edição.

O Panorama retrata uma exigência inadiável: a proteção da diversidade davida e sua contribuição ao bem-estar das sociedades. Ban Ki-moon, atualSecretário-geral das Nações Unidas, resume com propriedade essa ur-gente prioridade: “A conservação da biodiversidade contribui de maneira decisivapara limitar a amplitude das mudanças climáticas e reduzir seus efeitos nefastos aotornar os ecossistemas – e, em consequência, as sociedades humanas – mais aptas aresistir. É portanto essencial que os problemas relacionados à biodiversidade e às mu-danças climáticas sejam tratados de modo coordenado e com igual prioridade. Temos deadotar uma nova perspectiva a fim de preservar a biodiversidade e garantir a saúde doplaneta, assim como um futuro duradouro para a humanidade.”

A convocação de Ban Ki-moon ganha respaldo na incitação de AhmedDjoghlaf, Secretário-geral-executivo da Convenção: “ ...temos a possibilidadede integrar a biodiversidade à tomada de decisões. Não deixemos escapar esta ocasião deagir – individual ou coletivamente – em benefício das gerações atuais e futuras, pois abiodiversidade é a vida; a biodiversidade é nossa vida.”

Helio CarneiroEditor

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O Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia, comemorado a 5 dejunho de 2010 – Ano Internacional da Biodiversidade –, fez soar com mui-to mais intensidade as sirenes de alerta para as vicissitudes que a humanida-de vem impondo à Terra. E o testemunho mais contundente dessa preocu-pação é o recém-publicado Panorama da Biodiversidade Global 3, peloSecretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica. Lastreado em maisde 500 artigos científicos revisados, a publicação clama por inadiáveis açõespara salvar a biodiversidade... sem a qual não sobreviveremos.

Embora o quadro seja de pesadelo, o acelerado empobrecimento do meioambiente e dos serviços ecossistemáticos não é inevitável ou irrefreável,como revela com precisão e objetividade aos tomadores de decisão e atodos nós o pacote de informações do Resumo Executivo, que ora publica-mos. Ao finalizar a leitura, você terá uma única certeza: não é mais admissívelcerrar os olhos às funestas consequências do atual deperecimento da vidano planeta. Confira e faça a sua parte.

por Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica

S.O.SBIODIVERSIDADE

Hall of Biodiversity -The American atural History Museum - Ryan Somma

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Ameta acordadapelos governos do mundo em

2002, “atingir até 2010uma redução significa-tiva da taxa atual deperda de biodiversida-de em níveis global, re-gional e nacional comouma contribuição paraa diminuição da pobre-za e para o benefício detoda a vida na Terra”não foi alcançada.

Existem múltiplas indicaçõesde contínuo declínio da bio-diversidade em todos os trêsdos seus principais compo-nentes – genes, espécies eecossistemas – incluindo:

■ Espécies que foram avalia-das como em risco de extinção estão, em média, aproximando-se da extin-ção. Anfíbios enfrentam o maior risco e espécies de corais estão se dete-riorando mais rapidamente no seu estado de conservação. Quase umquarto das espécies de plantas são consideradas ameaçadas de extinção.

■ A abundância de espécies de vertebrados, com base nas popu-lações avaliadas, caiu quase um terço, em média, entre 1970 e 2006,e continua em queda no mundo todo, com declínios especialmentegraves nas regiões tropicais e entre as espécies de água doce.

■ Habitats naturais em muitas partes do mundo continuam a dimi-nuir em extensão e integridade, embora tenha havido um progres-so significativo em retardar a taxa de perda de florestas tropicais emanguezais em algumas regiões. Zonas úmidas de água doce, ha-bitats de gelo marinho, pântanos salgados, recifes de coral, ban-cos de algas marinhas e bancos recifais de moluscos estão todosapresentando graves declínios.

■ Extensa fragmentação e degradação de florestas, rios e outrosecossistemas também levaram à perda da biodiversidade e de ser-viços ecossistêmicos.

■ A diversidade genética da agricultura e da pecuária continua adecrescer em sistemas manejados.

■ As cinco principais pressões que conduzem diretamente à perdade biodiversidade (mudança de habitat, sobrexploração, poluição,espécies exóticas invasoras e as mudanças climáticas) se mantêmconstantes ou estão se intensificando.

■ A pegada ecológica da humanidade excede a capacidade bioló-gica da Terra e tem aumentado desde que a meta de biodiversidadepara 2010 foi traçada.

A perda da biodiversidade é um problema em si mesmo. Abiodiversidade também sustenta o funcionamento de

ecossistemas que ofe-recem uma ampla gamade serviços para as so-ciedades humanas. Suaperda contínua, portan-to, tem grandes impli-cações para o atual efuturo bem-estar huma-no. O fornecimento de ali-mentos, fibras, medicamen-tos e água potável, a polini-zação das culturas, filtra-gem de poluentes, e a pro-teção contra desastres na-turais estão entre os servi-ços ecossistêmicos poten-cialmente ameaçados pelodeclínio e pelas mudançasna biodiversidade. Serviçosculturais, tais como os va-lores espirituais e religiosos,as oportunidades de conhe-cimento e educação, valo-

res recreativos e estéticos encontram-se também em declínio.

A existência da meta de biodiversidade para 2010 temcontribuído para estimular ações importantes para pre-servar a biodiversidade, como a criação de mais áreas protegi-das (tanto em terra quanto nas águas costeiras), a conservação dedeterminadas espécies e as iniciativas para combater algumas dascausas diretas da degradação dos ecossistemas, como a poluição eas invasões de espécies exóticas. Cerca de 170 países já têm estraté-gias nacionais de biodiversidade e planos de ação. Recursos finan-ceiros foram mobilizados em nível internacional e estão sendo feitosprogressos no desenvolvimento de mecanismos de pesquisa, acom-panhamento e avaliação científica da biodiversidade.

Muitas ações em prol da biodiversidade tiveram resul-tados significativos e mensuráveis em determinadas áre-as e entre espécies-alvo e ecossistemas. Isso sugereque, com recursos adequados e vontade política, exis-tem ferramentas para reduzir a perda da biodiversidadeem escalas mais amplas. Por exemplo, as recentes políticasgovernamentais para conter o desmatamento têm sido acompa-nhadas pela diminuição das taxas de perda florestal em algunspaíses tropicais. Medidas para controlar as espécies exóticas in-vasoras têm ajudado diversas espécies a se moverem para umacategoria de menor risco de extinção. Estima-se que pelo menos 31espécies de aves (de um total de 9.800) teriam sido extintas noséculo passado, na ausência de medidas de conservação.

No entanto, não há ações para implementar a Conven-ção sobre Diversidade Biológica em número suficientepara enfrentar as pressões sobre a biodiversidade namaioria dos lugares. Tem havido integração insuficien-te das questões de biodiversidade em políticas, estraté-gias e programas mais amplos, e, como consequência,as causas subjacentes da perda de biodiversidade nãotêm sido abordadas de forma significativa. Ações para pro-

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Endêmico da ilha de Bali, na Indonésia, o estorninho-de-bali (Leucopsar rothschil-di) figura na categoria das espécies em perigo crítico de extinção: em 1990, apopulação era estimada em 15 indivíduos. Os esforços de conservação e a reintro-dução de aves criadas em cativeiro elevaram a população para uma centena deindivíduos em 2008. Mesmo assim, a espécie corre o risco de desaparecer.

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Biodiversidade é a variação que existe não apenas entre as espécies de plantas, animais, microrganismos e outrasformas de vida no planeta – mas também dentro das próprias espécies, sob a forma de diversidade genética, e emnível dos ecossistemas, nos quais as espécies interagem umas com as outras e com o ambiente físico.

Esta diversidade é de vital importância para as pessoas, porque ela sustenta uma grande variedade de serviçosecossistêmicos, dos quais as sociedades humanas sempre dependeram, embora sua importância seja muitasvezes extremamente desvalorizada ou ignorada. Quando os elementos da biodiversidade se perdem, os ecossis-temas tornam-se menos resilientes e os seus serviços são ameaçados. Paisagens mais homogêneas e menosvariadas ou ambientes aquáticos são frequentemente mais vulneráveis a pressões externas repentinas, como asdoenças e os extremos climáticos.

POR QUE BIODIVERSIDADE É IMPORTANTE?

❚ Serviços Serviços Serviços Serviços Serviços regularegularegularegulareguladoresdoresdoresdoresdores – O sortimento de funções vitaisrealizadas pelos ecossistemas, que raramento recebem umvalor monetários nos mercados convencionais. Eles inclu-em a regulação climática via armazenamento de carbono econtrole da precipitação local, a remoção de poluentes pelafiltragem do ar e da água, e a proteção contra desastres,como deslizamentos de terra e tempestades costeiras.

❚ Serviço de suporteServiço de suporteServiço de suporteServiço de suporteServiço de suporte – Não oferecem benefícos diretosàs pessoas, mas são essenciais ao funcionamento dosecossistemas e, portanto, indiretamente responsáveis portodos os outros serviços. Os exemplos incluem: a forma-ção dos solos e os processos de crescimento das plantas.

OS SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS PODEM SER DIVIDIDOS EM QUATRO CATEGORIAS:

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❚ Serviços culturaisServiços culturaisServiços culturaisServiços culturaisServiços culturais – Não fornecem benefícios materiaisdiretos, mas contribuem para ampliar as necessidades eos desejos da sociedade e, consequentemente, a disposi-ção das pessoas a pagar pela conservação. Eles incluem ovalor espiritual liogado a determinados ecossistemas, taiscomo os bosques sagrados e a beleza das paisagens oudas formações litorâneas que atraem os turistas.

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❚ Serviços de provisãoServiços de provisãoServiços de provisãoServiços de provisãoServiços de provisão – São responsáveis pelo forneci-mento de bens que beneficiam diretamente as pessoas, emuitas vezes com um evidente valor monetário, como amadeira das florestas, as plantas medicinais e os peixesdos oceanos, rios ou lagos.

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835 hectares de floresta desaparecem a cada hora.Ou seja, o equivalente a 1.140 quadrículas do campo de futebol da imagem.

O MUNDO PERDE 20.000 HA DE FLORESTA POR DIA.

Fonte: Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz com assistência de Cecile Marin, Agnes Stienne, GuilioFrigieri, Riccardo Pravettoni, Laura Margueritte e Marion Lecoquierre. Publicado em Vital ForestGraphics, 2009. Link: http://maps.grida.no/go/graphic/the-world-is-losing-20000-ha-of-forest-a-day

mover a conservação e a utilização sustentável da biodiversidaderecebem uma pequena fração de financiamento, se comparadascom atividades que buscam promover a infra-estrutura e o desen-volvimento industrial. Além do mais, as considerações sobre bio-diversidade são frequentemente ignoradas quando tais empreen-dimentos são concebidos e as oportunidades para planejar deforma a minimizar desnecessários impactos negativos sobre a bio-diversidade são perdidas. As ações para combater as causas sub-jacentes de perda de biodiversidade, incluindo pressões demo-gráficas, econômicas, tecnológicas, sociopolíticas e culturais, demaneira significativa, também têm sido limitadas.

A maioria dos futuros cenários projeta altos índices contínuos deextinções e perda de habitats ao longo deste século, associadosao declínio de alguns serviços ecossistêmicos importantes para obem-estar humano. Por exemplo:

■ As florestas tropicais continuariam a ser desmatadas para favo-recer plantações e pastagens, e potencialmentepara a produção de biocombustíveis.

■ As mudanças climáticas, a introdução de espécies exóticas inva-soras, a poluição e a construção de barragens pressionariam aindamais a biodiversidade de água doce e os serviços que ela sustenta.

■ A sobrepesca continuaria a danificar os ecossistemas marinhose provocaria o colapso das populações de peixes, levando à insu-ficiência de pescados.

Mudanças na abundância ena distribuição de espéciespodem acarretar graves con-sequências para as socieda-des humanas. A distribuiçãogeográfica de espécies e ti-pos de vegetação é projeta-da para mudar radicalmentedevido às mudanças climáti-cas, com uma alteração decentenas a milhares de qui-lômetros em direção aos pó-los até o final do século 21. Amigração de espécies marinhaspara águas mais frias poderia tor-nar oceanos tropicais menos di-versos, enquanto que tanto as flo-restas boreais quanto as tempera-das enfrentariam mortalidade emgrande escala na extremidade sulda sua distribuição, com impactossobre a pesca, as extrações demadeira, oportunidades de lazer eoutros serviços.

Existe um alto risco de perda dra-mática de biodiversidade, acompa-nhada da degradação de uma gran-de extensão de serviços ecossis-têmicos, se os ecossistemas foremempurrados para além de certos li-

mites ou pontos de ruptura. As populações mais carentes teriamde enfrentar os primeiros e mais severos impactos de tais altera-ções, mas, em última análise, todas as sociedades e comunidadessofreriam. Os exemplos incluem:

■ A floresta amazônica, devido à interação de desmatamento, in-cêndios e alterações climáticas, poderia sofrer retração, com par-tes da floresta movendo-se para um perpétuo ciclo de incêndiosmais frequentes e secas intensas, transformando-se em uma vege-tação mais semelhante ao cerrado. Enquanto existem grandes in-certezas associadas a essas situações, sabe-se que a ocorrênciade tal retração é muito mais provável se o desmatamento for supe-rior a cerca de 20-30% (atualmente o índice está acima de 17% naAmazônia brasileira). Isso levaria à redução de precipitações regi-onais, comprometendo a produção agrícola. Haveria também im-pactos globais por meio do aumento das emissões de carbono eperda maciça de biodiversidade.

■ O acúmulo de fosfatos e nitratos de fertilizantes agrícolas eresíduos de esgotos pode alterar, por um longo período, os lagosde água doce e outros corpos de águas interiores, para um estadodominado por algas (eutrófico). Isso poderia levar à diminuição dadisponibilidade de peixes, com implicações para a segurança ali-mentar em muitos países em desenvolvimento. Também haveriaperda de oportunidades de lazer e lucro com o turismo e, em al-guns casos, riscos à saúde das pessoas e da pecuária, devido aocrescimento excessivo de algas tóxicas. Da mesma forma, os fenô-menos da eutrofização induzida por nitrogênio em ambientes cos-

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❚ As categorias da Lista Vermelha da União Internacional pela Conservação da Natureza e dosRecursos Naturais (sigla em inglês IUCN)(1) refletem a probabilidade de que uma espécie podeextinguir-se caso as condições atuais persistirem. A condição de risco das espécies é avaliadacom base em informações geradas a partir do trabalho de vários milhares de cientistas especiali-zados nas espécies espalhados pelo mundo.

❚ As avaliações seguem um rigoroso sistema que classifica as espécies em uma das oito seguintescategorias: extinta (EX) – extinta na natureza (EW) – crítica ou criticamente em perigo (CR) – emperigo (EN) – vulnerável (VU) – quase ameaçada (NT) – não ameaçada (LC) – deficiente em dados(ID). As espécies que figuram nas categorias criticamente em perigo de extinção, em perigo ouvulnerável são consideradas ameaçadas

❚ As espécies são classificadas nas categorias correspondentes a seus riscos de extinção com baseem critérios com limites quantitativos para o tamanho e estrutura da população, taxa de declínio dapopulação, área de ocorrência e estrutura, e risco de extinção, conforme determinado pela mode-lagem de viabilidade populacional.

❚ A partir de 2009, 47.677 espécies tinham sido avaliadas, e destas, 36% são consideradasameaçadas de extinção, enquanto que de 25.485 espécies em grupos completamente avalia-dos (mamíferos, aves, anfíbios, corais, caranguejos de água doce, cicadáceas e coníferas),21% são consideradas ameaçadas. De 12.055 espécies de plantas avaliadas, 70% estão amea-çadas. No entanto, grupos de plantas com risco proporcional maior de extinção estão super-representados nessa amostra.

Fonte: UICN

NOTA DO EDITOR C&MA :(1) União Internacional pela Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (sigla em inglês IUCN) – A listagem oficial e completa de todas as espécies categorizadasnas avaliações da IUCN pode ser encontrada em http://www.iucnredlist.org, bem como as ações atualmente em andamento para resgatar a biodiversidade comprometida.

Deficiente em dadosNão ameaçadaQuase ameaçadaVulnerávelEm perigoCriticamente em perigo

Espécies ameaçadas

Extinta ou Extinta na natureza

Proporção de todas as espécies avaliadas em diversas categorias de risco de extinção naLista Vermelha da IUCN, baseada em dados de 47.677 espécies. Mais de um terço (36%)das espécies avaliadas são consideradas como ameaçadas; ou seja, nas categoriasVulnerável (VU), Em perigo (EN) ou Criticamente em Perigo (CR).

PROPORÇÃO DE ESPÉCIES EM DIFERENTES CATEGORIAS DE AMEAÇA

COMO É AVALIADO O RISCO DE EXTINÇÃO?

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As florestas podem sofrer alterações por diversas maneiras. As áreas florestais podem ser reduzidas por desmatamento ou pordesastres naturais, o que pode torná-las incapazes de regeneração natural. Na vertente oposta, as florestas podem ganharmaior amplitude através do reflorestamento ou por expansão natural.

Fonte: MA 2005. Gráfico publicado em Vital Forest Graphics, 2009. Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz com assistência de Cecile Marin, Agnes Stienne, Guilio Frigieri,Riccardo Pravettoni, Laura Margueritte e Marion Lecoquierre. Link: http://maps.grida.no/go/graphic/changing-global-forest-cover

ALTERAÇÕES NA COBERTURA FLORESTAL PLANETÁRIA

Perda líquida de florestas

Ganho líquido de florestasDegradação por desertificaçãoCobertura florestal atual

teiros levam a mais zonas mortas por falta de oxigênio, com enor-mes prejuízos econômicos decorrentes da redução da produtivi-dade da pesca e da diminuição das receitas do turismo.

■ Os impactos combinados da acidificação dos oceanos, de tem-peraturas mais quentes do mar e de outras tensões causadas pe-los homens, tornam os sistemas de recifes de corais tropicais vul-neráveis a colapsos. Mais água ácida – provocada por altas con-centrações de dióxido de carbono na atmosfera – diminui a dispo-nibilidade dos íons carbonatos necessários à construção de es-queletos de coral. Além disso, os elevados níveis de nutrientesoriundos da poluição, a sobrepesca, a deposição de sedimentosprovenientes de desmatamento do interior e outras pressões, jun-tamente com os efeitos de branqueamento pela água mais quente,tornam os recifes cada vez mais dominados por algas, com perdacatastrófica de biodiversidade e do funcionamento dos ecossiste-mas, ameaçando a subsistência e a segurança alimentar de cente-nas de milhões de pessoas.

Há maiores oportunidades do que as reconhecidas an-teriormente para abordar a crise da biodiversidade, con-tribuindo simultaneamente para outros objetivos soci-ais. Por exemplo, as análises realizadas pelo presente Relatórioidentificaram possíveis situações onde a mudança climática é ate-nuada pela manutenção e mesmo pela expansão da atual extensãode florestas e outros ecossistemas naturais (evitando a perda adi-

cional de habitats oriunda do remanejamento generalizado de bio-combustíveis). Outras oportunidades incluem o “retorno ao natu-ral” de terras cultivadas abandonadas em algumas regiões, e arestauração de bacias hidrográficas e de outros ecossistemas dezonas úmidas para melhorar o abastecimento de água, o controlede inundações e a remoção de poluentes.

Políticas bem direcionadas, com enfoque nas áreas crí-ticas, espécies e serviços ecossistêmicos podem con-tribuir para evitar os impactos mais nocivos às pessoase sociedades. Evitar perdas adicionais de biodiversida-de induzidas pelo homem num futuro próximo será umgrande desafio. No entanto, em longo prazo, a perda debiodiversidade pode ser interrompida, e, em alguns as-pectos, revertida, se uma ação urgente, conjunta e efi-caz for iniciada imediatamente embasada por uma visãode longo prazo e de comum acordo. Essa ação de conserva-ção da biodiversidade e uso sustentável de seus componentescolherá ricas recompensas – por meio de melhor saúde, maior se-gurança alimentar, menos pobreza e maior capacidade de enfrentare de se adaptar às mudanças ambientais.

Dar maior prioridade para a biodiversidade é fundamen-tal para o sucesso do desenvolvimento e de medidaspara a redução da pobreza. Está claro que continuar com osmodelos “de negócios como de costume” (“business as usual”)

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Diariamente, o colapso da biodiversidade é repertoriado na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN. Somenteno mês de maio, mais 25 espécies de animais e vegetais ingressaram no corredor da morte. Não obstante as ações

emergenciais empreendidas por governos e entidades conservacionistas, a sobrevivência de muitas espécies estáem sursis. No futuro, muitas só existirão em imagens e naturalizadas em museus de História Natural.

LISTA VERMELHA: VÍTIMAS DE MAIO 2010

Fonte: A relação completa dos organismos ameaçados é encontrada em www.iucnredlist.org, um site que deve ser obrigatoriamente visitado por todos que desejam agir para salvar a natureza.Fotos: IUCN Red List of Threatened Species.

Serpente de Liga, Thamnophis gigasRED LIST: Vulnerável (VU)DISTRIBUIÇÃO: Vale Central da Califórnia,oeste dos EUA.AMEAÇA: Perda, degradação e fragmentaçãodo habitat + espécies predatoras invasoras+pesticidas.

Tubarão-peregrino, Cetorhinus maximusRED LIST: Vulnerável (VU)DISTRIBUIÇÃO: águas temperadas de todos osmares costeiros e oceanos.AMEAÇA: sobrepesca, pesca (barbatana),óleo para uso industrial, pele (couro).Desde 2002 no Apêndice II da CITES.

Sapo do Wyoming, Anaxyrus baxteriRED LIST: Extinta na natureza (EX)DISTRIBUIÇÃO: Pradarias alagadas, borda delagoas e lagos em Wyoming, EUA.AMEAÇA: Extinto em 1980. Fungos,predação, poluição, secas e aumento dasalinidade do lago Mortensen.

VU VU EX

Morcego de Madagascar, RousettusmadagascariensisRED LIST: Quase ameaçada (NT)DISTRIBUIÇÃO:: Endêmico da ilha.AMEAÇA: Caça (considerada danosa àfruticultura), desmatamento e destruiçãode cavernas (habitats).

Órix-cimitara, Oryx dammahRED LIST: Extinta na natureza (EX)Distribuição: Norte do Saara e SahelAMEAÇA: Extremos de mudanças climáticasque levaram à expansão do desertodo Saara, e também pela caçade subsistência e esportiva (troféu).

Abibe-sociável, Vanellus gregariusRED LIST: Criticamente em perigo (CR)DISTRIBUIÇÃO: Rússia, Cazaquistão, Israel,Síria, Eritréia, Índia, Paquistão, GolfoPérsico e Oman.AMEAÇA: Perda e/ou redução de pradariae caça no período das migrações.

NT EX CR

Karkloof Azul, Orachrysops ariadneRED LIST: Criticamente em perigo (CR).DISTRIBUIÇÃO: Bosques de índigo emKwaZulu-Natal, África do Sul.AMEAÇA: Monocultura madeireira (espéciesexóticas), queimadas, redução etransformação do habitat em pasto.

Águia Filipina, Pithecophaga jefferyiRED LIST: Criticamente em perigo (CR)DISTRIBUIÇÃO: Ilhas de Luzon, Samar, Leytee Mindanao.AMEAÇA: Destruição do habitat,desmatamento e caça. Populaçãoestimada em menos de 500 aves.

Abutre Real, Sarcogyps calvusRED LIST: Criticamente em perigo (CR)DISTRIBUIÇÃO: Subcontinente indiano e Ásiado sudoeste, Nepal, Butão, Laos.AMEAÇA: Envenenamento por consumo deaves tratadas com Diclofenac, que provocafalência renal e visceral.

CRCRCR

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❚ Dos governos que recentemente reportaram seus re-latórios nacionais ao secretariado da Convenção sobreDiversidade Biológica (CDB), 57% declararam ter umaquantidade de áreas protegidas igual ou superior a10% de suas áreas terrestres.

❚ Alguns países têm dado contribuição desproporcio-nal para o crescimento da rede mundial de áreasprotegidas: dos 700.000 km2 designados como áre-as protegidas desde 2003, quase três quartos se en-contram no Brasil, em grande parte como resultadodo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA -www.mma. gov.br/port/sca/arpa). O ARPA envolve

ÁREAS TERRESTRES PROTEGIDASuma parceria entre autoridades brasileiras federais eestaduais, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF),o governo alemão e o Fundo Global para o Meioambiente Mundial (GEF). Tem como objetivo consoli-dar os 500.000 km2 de áreas protegidas na Amazô-nia brasileira, num período de 10 anos, com custoestimado de US$390 milhões.

❚ Outros aumentos muito significativos ocorreram noCanadá, onde mais de 210.000 km2 foram adicio-nados à rede de áreas protegidas desde 2002, e emMadagascar, onde a superfície de áreas protegidaspassou de 17.000 para 47.000 km2 desde 2003.

comprometerá o futuro de todas as sociedades humanas, princi-palmente das mais pobres, que dependem diretamente da biodi-versidade para suprir uma proporção particularmente elevada desuas necessidades básicas. A perda de biodiversidade está fre-quentemente relacionada à perda da diversidade cultural, e tem umalto impacto negativo especialmente nas comunidades indígenas.

Os desafios relacionados com a perda de biodiversi-dade e alterações climáticas devem ser abordadospelos formuladores de políticas com igual prioridade,e em estreita coordenação, para que os impactos maisseveros de cada um sejam evitados. Reduzir a perda adi-cional de ecossistemas armazenadores de carbono, como flo-restas tropicais, pântanos salgados e turfeiras será um passofundamental para limitar o acúmulo de gases de efeito estufa naatmosfera. Ao mesmo tempo, a redução de outras pressões so-bre os ecossistemas pode aumentar a sua resiliência, torná-losmenos vulneráveis aos impactos das alterações climáticas jáinevitáveis, e permitir-lhes continuar a fornecer serviços que

sustentam o modo de vida das pessoas e ajudá-las a se adapta-rem às mudanças climáticas.

Uma melhor proteção da biodiversidade deve ser vistacomo um investimento prudente e rentável para evitarriscos para a comunidade global. As consequências de mu-danças abruptas em grande escala nos ecossistemas afetam a se-gurança humana de tal forma que é razoável minimizar o risco dedesencadeá-las – mesmo que não haja clareza sobre a probabilida-de exata de como elas ocorrerão. A degradação de ecossistemas, econsequente perda de serviços ecossistêmicos, tem sido identifi-cada como uma das principais causas de risco de desastres. Oinvestimento em ecossistemas resilientes e diversificados, capa-zes de resistir às múltiplas pressões a que são submetidos, podeser a mais valiosa apólice de seguro de valor já elaborada.

A incerteza científica em torno das conexões precisas en-tre a biodiversidade e o bem-estar humano, e o funciona-mento dos ecossistemas, não deve ser usada como uma

EXTENSÃO DAS ÁREASPROTEGIDAS NACIONAISAs áreas de superfície terrestre e dooceano designadas como áreas pro-tegidas têm aumentado desde 1970.Embora a extensão de áreas protegi-das terrestres seja ainda muito maiordo que as áreas marinhas protegi-das, estas últimas têm se expandidosignificativamente nos últimos anos,concentradas em águas costeiras.

Somente as áreas protegidas comum ano de estabelecimento reconhe-cido estão representadas neste grá-fico. Mais de 3,9 milhões km2 de ter-ra e 100.000 km2 de oceano são co-bertos por áreas protegidas, cujasdatas de criação não são conheci-das. Isso eleva a a cobertura totalde áreas protegidas para mais de21 milhões de km2.

Fonte: PNUMA-WCMC

Crescimento das áreas protegidas nacionais (1970-2008)Área protegida terrestre totalÁrea protegida terrestre com o ano de estabelecimento conhecidoÁrea protegida marinha totalÁrea protegida marinha com o ano de estabelecimento conhecido

Milhões de km²

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SITUAÇÃO DE AMEAÇA DE ESPÉCIES EM GRUPOSTAXONÔMICOS AVALIADOS COMPLETAMENTE

CR CRFoudia rubra Bruguiera-hainesii Acisoma panorpoides Nectophrynoides asperginis Epioblasma-capsaeformis

CR NT EX

O número e a proporção de espécies em diversas categorias de risco de extinção nessesgrupos taxonômicos que foram avaliados completamente, ou (para libélulas e répteis)estimados a partir de uma amostra aleatória de 1.500 espécies cada. Para corais, apenasespécies de água quente formadoras de recifes são incluídas na avaliação. Espéciesclassificadas como Vulneráveis, Em perigo ou Criticamente em perigo são consideradasameaçadas de extinção. (Fonte: UICN)

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Os dados de satélite mais recentes sugeremque o desmatamento anual da Amazônia Le-gal diminuiu sensivelmente, passando de umpico de mais de 27.000 km2 em 2003-2004,para pouco mais de 7.000 km2 em 2008-2009, uma diminuição de mais de 74%. Noentanto, as mesmas imagens de satélite reve-lam que uma área crescente da floresta vemsendo degradada. A taxa de desmatamentoem 2008-2009, a menor desde 1988 (iníciodo monitoramento por satélite), pode ter sidoinfluenciada pela recessão econômica, bemcomo por ações governamentais, do setor privado e das orga-nizações da sociedade civil para controlar o desmatamento. Masa média de 2006-2009 era de mais de 40% da média da déca-

A AMAZÔNIA BRASILEIRA E A REDUÇÃO DO DESMATAMENTOda anterior, indicando uma significativadesaceleração da situação. O desmatamentoacumulado da Amazônia brasileira é, no en-tanto, substancial, atingindo mais de 17% dacobertura florestal original, e mesmo o cumpri-mento do objetivo do Governo de uma redu-ção no desmatamento anual até 2020 (em re-lação à média de 1996-2005), elevaria a per-da acumulada de florestas para cerca de 20%.De acordo com um recente estudo coordena-do pelo Banco Mundial, 20% do desmatamen-to da Amazônia seriam suficientes para provo-

car uma significativa retração de florestas em algumas partes dobioma até 2025, quando se juntaria a outras pressões como asmudanças climáticas e incêndios florestais.

Luom

an

desculpa para a falta de ação. Ninguém pode prever com exati-dão o quão perto estamos dos pontos de ruptura dos ecossistemas,e qual é a pressão adicional necessária para ocasioná-los. Entretanto,o que se sabe a partir de exemplos do passado, é que uma vez que umecossistema tenha se alterado para um outro estado, pode ser difícilou impossível devolvê-lo às condições anteriores, nas quais as eco-nomias e os padrões de fixação foram construídos por gerações.

Uma ação eficaz para abordar a perda da biodiversidadedepende de enfocar as causas subjacentes ou as cau-sas indiretas desse declínio. Isto significará:

■ Eficiência muito maior no uso de terra, energia, água fresca emateriais para atender à crescente demanda.

■ Uso de incentivos de mercado, e fuga de subsídios perversospara minimizar o uso não sustentável de recursos e o desperdí-cio no consumo.

■ Planejamento estratégico na utilização da terra, águas interiorese recursos marinhos para reconciliar o desenvolvimento com aconservação da biodiversidade e a manutenção dos múltiplos ser-viços ecossistêmicos. Enquanto algumas ações podem acarretarcustos moderados ou compensações, os ganhos para a biodiver-sidade podem ser comparativamente maiores.

■ Garantir que os benefícios decorrentes do uso e do acesso aosrecursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, porexemplo, por meio do desenvolvimento de fármacos e cosméticos,sejam equitativamente repartidos com os países e as culturas dosquais eles são obtidos.

■ Comunicação, educação e sensibilização para garantir que, tan-to quanto possível, todos entendam o valor da biodiversidade eque medidas possam ser tomadas para protegê-la, inclusive pormeio de mudanças no consumo e no comportamento.

Os reais benefícios da biodiversidade e os custos de suaperda precisam ser refletidos dentro dos sistemas econô-micos e dos mercados. Os subsídios perversos e a falta de valormonetário associados aos serviços extremamente importantes pres-

tados pelos ecossistemas têm contribuído para a perda de biodiver-sidade. Por meio de regulamentação e de outras medidas, os merca-dos podem e devem ser aproveitados para criar incentivos parasalvaguardar e fortalecer, ao invés de esgotar, o nosso patrimônionatural. A reestruturação de economias e sistemas financeiros apósa recessão global oferece uma oportunidade para que essas mudan-ças sejam feitas. Ações antecipadas serão tanto mais eficazes quan-to menos onerosas do que sua falta ou atraso.

Ações urgentes são necessárias para reduzir as cau-sas diretas da perda de biodiversidade. A aplicação demelhores práticas na agricultura, no manejo florestal sustentávele na pesca sustentável deveria tornar-se prática comum, e abor-dagens que buscam otimizar vários serviços ecossistêmicos, aoinvés de maximizar somente um, deveriam ser promovidos. Emmuitos casos, múltiplos fatores estão combinados causando aperda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas. Algu-mas vezes, pode ser mais eficaz concentrar medidas urgentespara reduzir os fatores correspondentes às mudanças políticas.Isso irá reduzir as pressões sobre a biodiversidade e protegerseu valor para as sociedades humanas no curto e no médio pra-zo, enquanto as causas mais difíceis são abordadas ao longo deuma escala maior de tempo. Por exemplo, a resiliência dos recifesde coral – e sua capacidade de resistir e se adaptar ao branquea-mento dos corais e à acidificação do oceano – pode ser acentua-da por meio da redução da sobrepesca, da poluição de origemterrestre e danos físicos.

A ação direta para conservar a biodiversidade deve sercontinua, visando espécies e ecossistemas vulneráveisbem como aqueles culturalmente valorizados, combina-da com ações para salvaguardar os serviços ecossistê-micos mais importantes, particularmente aqueles de re-levância para os pobres. As atividades poderiam focar na con-servação de espécies ameaçadas de extinção, naquelas extraídaspara fins comerciais, ou espécies de importância cultural. Deveri-am também assegurar a proteção de grupos ecológicos funcionais– ou seja, grupos de espécies que realizam coletivamente papéisespeciais e essenciais dentro dos ecossistemas, como a poliniza-ção, o controle do número de herbívoros pelos predadores detopo de cadeia, ciclagem de nutrientes e formação dos solos.

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Panorama da Biodiversidade Global 3 – Texto do resumo executi-vo da terceira edição elaborada pela Convenção sobre Diversidade Bioló-gica (CDB) e lançada em maio de 2010. Os gráficos, quadros e fotos forampinçados no “Resumo executivo”, em outros capítulos do relatório, noUNEP/GRID-Arendal e The IUCN Red List of Threatened Species. Reco-mendamos a leitura da totalidade do relatório, que pode ser baixado emformato .pdf do site http://gbo3.cbd.int. A versão em português tambémestá disponível em www.mma.gov.br/portalbio. ©Secretariado da CDB

As barras sólidas representam a área real da porção brasileira da Amazônia desmatada a cada ano, entre 1990 e 2009(números à esquerda do eixo vertical), como observado a partir de imagens de satélite analisadas pelo Instituto Nacional dePesquisa Espacial (INPE). As barras mais claras representam a taxa média anual projetada necessária para cumprir a metado governo brasileiro de reduzir o desmatamento em 80% até 2020 (a partir da média entre 1996 e 2005). A linha sólidamostra o desmatamento total acumulado (números à direita do eixo vertical) como uma porcentagem da extensão originalestimada da Amazônia brasileira (4,1 milhões de km2).Fonte: Agência Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

DESMATAMENTO ANUAL E ACUMULADO DA AMAZÔNIA LEGAL

A restauração dos ecossistemas terrestres, de águas interi-ores e marinhos será cada vez mais necessária para restabe-lecer o funcionamento do ecossistema e a prestação de ser-viços valiosos. A análise econômica mostra que a restauração doecossistema apresenta boas taxas de rentabilidade econômica. No en-tanto, a biodiversidade e os serviços associados com ecossistemasrestaurados, geralmente permanecem abaixo dos níveis dos ecossiste-mas naturais. Isso reforça o argumento de que, onde for possível, evitara degradação por meio da conservação é preferível (e ainda com melhorcusto-benefício) do que fazer posterior restauração.

Melhores decisões para biodiversidade devem ser to-madas em todos os níveis e em todos os setores, parti-cularmente nos setores econômicos mais importantes, eo governo tem um papel-chave a desempenhar. Os pro-gramas nacionais ou a legislação podem ser cruciais na criação deum ambiente favorável ao apoio eficaz de iniciativas locais lidera-das pelas comunidades, autoridades locais ou empresas. Isso in-clui também capacitar os povos indígenas e comunidades locaispara que assumam a responsabilidade pela gestão da biodiversi-dade e a tomada de decisões; e desenvolver sistemas para asse-gurar que os benefícios resultantes do acesso aos recursos gené-ticos sejam igualmente repartidos.

Não podemos mais ver a perda contínua de biodiversi-dade, bem como suas mudanças, como uma questão se-parada das preocupações centrais da sociedade: com-bater a pobreza, melhorar a saúde, a prosperidade e asegurança de nossas populações, e lidar com as mudan-

ças climáticas. Cada um desses objetivos é prejudicado portendências atuais na situação de nossos ecossistemas, e cada umserá extremamente fortalecido se nós valorizarmos corretamente opapel da biodiversidade no suporte às prioridades compartilhadaspela comunidade internacional. Conseguir isso implicará em colo-car a biodiversidade na transversalidade da tomada de decisõesdo governo, do setor privado e de outras instituições, desde osníveis locais até os internacionais.

As medidas tomadas durante as duas próximas décadase a direção traçada no âmbito da Convenção sobre Di-versidade Biológica, determinarão se as condições am-bientais relativamente estáveis das quais a civilizaçãohumana tem dependido durante os últimos 10.000 anos,continuarão para além deste século. Se não formos ca-pazes de aproveitar essa oportunidade, muitos ecossis-temas do planeta se transformarão em novos ecossiste-mas, com novos arranjos sem precedentes, nos quais acapacidade de suprir as necessidades das gerações pre-sentes e futuras é extremamente incerta. ■

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a chuva é o desafiopor Daniel Nepstad

Colocada em dúvidapor negacionistas dasmudanças climáticas, adeclaração do IPCCsobre a suscetibilidadeda Floresta Amazônicaà redução de precipita-ção é correta.

O Painel Intergovernamental sobre Mu-danças Climáticas (IPCC) foi recente-

mente criticado pela mídia (i.e., o jornal in-glês Sunday Times, 31 de janeiro 2010) porapresentar, em sua quarta avaliação (AR4),informações imprecisas sobre a suscetibi-lidade das Florestas da Bacia Amazônia àredução de chuvas. A declaração que sus-citou críticas tem o seguinte teor:

”Até 40% das florestas amazônicas poderiamreagir drasticamente até mesmo a uma peque-na redução na precipitação; isto significa quea vegetação tropical, hidrologia e o sistemaclimático na América do Sul poderia se modifi-car muito rapidamente para um outro estadode equilíbrio, produzindo mudanças rápidasentre a situação atual e futura (Rowell andMoore, 2000)” (IPCC 2007, Magrin et al. 2007)

O relatório de revisão da Rowell and Moore,citada como base da afirmação do IPCC (queconsultou pesquisadores do IPAM e infor-mações disponíveis no website do IPAM),cita um artigo que publicamos na revista ci-entífica Nature, em 1999, como fonte para aseguinte declaração:

“Até 40% da Floresta brasileira é extrema-mente sensível a pequenas reduções naquantidade de chuvas. Na estação de secade 1998, por volta de 270.000 quilômetros

quadrados de floresta tornou-se vulnerá-vel ao fogo, devido ao completo empobre-cimento de água disponível e armazenadanos primeiros cinco metros de solo. Outraárea de 360.000 quilômetros quadrados defloresta tinha apenas 250mm de água dis-ponível no solo. [Nepstad et al. 1999]”(Rowell and Moore, 2000)

A declaração do IPCC sobre a Floresta Ama-zônica é correta, mas as citações listadas norelatório da Rowell and Moore deixaram defora algumas citações importantes.

Nosso artigo de 1999 (Nepstad et al. 1999)estima que 630.000 km2 de florestas foram gra-vemente afetadas pela seca em 1998, comoRowell and Moore tinha afirmado corretamen-te, mas essa área representa apenas 15% daárea total de Floresta da Amazônia brasileira.O relatório da Rowell and Moore não citou oartigo de 1994, também publicado na revistacientífica Nature, em que usamos critériosmenos conservadores para estimar que cer-ca da metade da Floresta Amazônia sofreuempobrecimento de grande parte da umida-de disponível no solo durante a seca sazonalou episódica (Nepstad et al. 1994). Após orelatório da Rowell and Moore lançado em2000 – e antes da publicação do IPCC AR4 –, novas evidências da extensão total da secana Amazônia foram disponibilizadas.

Daniel Nepstad – Especialista em floresta tro-pical, biólogo com PhD em Ecologia de Floresta,pesquisador do the Woods Hole Research Cen-ter (WHRC – www.whrc.org) e co-fundador epesquisador do Instituto de Pesquisa da Amazô-nia (IPAM). O texto “Declaração do IPCC sobrea Amazônia é correta” foi publicado em 2/2/2010,em www.ipam.org.br/mais/blogpost/id/54

Amazônia:

Em 2004, estimamos que metade da área defloresta da Bacia Amazônica tinha atingidonível inferior, ou estado muito próximo, aonível crítico de umidade no solo quando asárvores começaram a morrer em 1998. Estaestimativa incorporou novos dados de pre-cipitação e resultados de experimentos dereduções de precipitação na Floresta Ama-zônica que tínhamos realizado com finan-ciamento da National Science FoundationE.U. (Nepstad et al. 2004). Evidências decampo do limiar crítico da umidade do soloé apresentado por Nepstad et al. 2007.

Em suma, a declaração do IPCC sobre aAmazônia estava correta. O relatório ci-tado em apoio à declaração do IPCC(Rowell and Moore 2000) incorretamenteatribuiu o valor de 40% para o nosso tra-balho de 1999. Mas esse valor já haviasido publicado na revista Nature, e Rowelle Moore consultaram pesquisadores doIPAM antes de fechar o relatório. ■

NA

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Quando uma nação, um grupo étnico, uma cidade ou uma aldeia cobiça a posse ouo controle dos recursos hídricos de seus assemelhados é inevitável a eclosão de dispu-tas, conflitos e guerras. Nesse momento, os sistemas de abastecimento e as fontes deágua podem ganhar status de objetivo político, econômico-desenvolvimentista, instru-mento de coação e de chantagem, alvo militar estratégico e ameaça terrorista.

A distribuição e a utilização não equitativa dos recursos hídricos – por desvio de rios,construção de represas, bombeamento de lençóis freáticos, esgotamento de fontes deabastecimento, entre outras ações – vêm tingindo de sangue as águas que banham aHistória da Humanidade, como revela a cronologia sobre os Conflitos da Água – obrade envergadura cotejada pela equipe multidisciplinar dirigida pelo Dr. Peter H. Gleick,diretor do Water and Sustainability Program, do the Pacific Institute.

Esta segunda parte da publicação da cronologia cobre os bombardeios americanos arios e canais do Vietnã, em 1972 – na guerra que os EUA não venceram –, e vai até1999, com os atos de terrorismo perpetrados entre habitantes de três províncias chine-sas ao disputar os recursos hídricos de uma mesma fonte de bastecimento fluvial. Napróxima edição, a cronologia cobrirá os conflitos até os dias atuais.

por The Pacific Institute

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ÁGUACRONOLOGIA DE CONFLITOS

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DDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃODDDDDA T AA T AA T AA T AA T A PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTES

1972

1973

1974

1975

1975

1976

1977

A partirde 1978

1978 - 1984

1980s

1980 - 1988

1981

1981 - 1982

1982

1982

1982

1983

1983

Vietnã do Norte

Alemanha

Iraque, Síria

Iraque, Síria

Angola, África do Sul

Cidadãos egoverno chinês

EUA

Egito, Etiópia

Sudão

Moçambique, Rodesia,Zimbábue, África do Sul

Irã,Iraque

Irã, Iraque

Angola,Namibia

Estados Unidos

Israel, Líbano, Síria

Guatemala

Líbano

Israel

Alvo militar

Terrorismo

Alvo militar,Uso militar, Disputadesenvolvimentista

Uso militar, Disputadesenvolvimentista.

Objetivo militar,Alvo militar

Disputadesenvolvimentista

Terrorismo

Disputa desenvolvimentista,Instrumento político

Disputa desenvolvimentista,Alvo militar, Terrorismo

Alvo militar, Terrorismo

Uso militar

Alvo militar, Uso militar

Alvo militar, Uso militar

Terrorismo

Uso militar

Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Terrorismo

Sim

Não: Ameaça

Operações militares

Operações militares

Sim

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Sim

Não: Ameaça

Sim

Sim

Sim

Não

Os EUA bombardeiam diques no delta do rio Vermelho, e rios e canaisdurante campanha maciça de bombardeio.

Biólogo na Alemanha ameaça contaminar os sitemas de água com bacilosde antraz e toxina botulínica caso não recebesse US$$8,5 milhões.

O Iraque ameaça bombardear a represa al-Thawra, na Síria, e dispõetropas ao longo da fronteira sob a alegação de que a represa reduzira avazão do rio Eufrates para o Iraque.

Como as represas a montante ficam cheias durante um ano de baixavazão do Eufrates, os iraquianos alegam ser intolerável a baixa vazão quechega a seu território, exigindo a internvenção da Liga Árabe. Os síriosalegam estar recebendo menos da metade da vazão normal do rio econseguem que a Liga Árabe forme um comitê técnico para mediar oconflito. Em maio, a Síria fecha seu espaço aéreo para os vôos iraquianos,e ambos os países enviam tropas à fronteira mútua. A Arábia Sauditamedeia o conflito com sucesso.

Tropas sul-africanas adentram Angola para ocupar e defender o complexohidrelétrico de Ruacana, inclusive a represa Gové, no rio Kunene. Objetivo:tomar posse e defender os recursos hídricos do sudoeste da África e da Namíbia.

Em1976, um chefe da milícia local é morto em combate pelo represamentodo rio Zhang. Conflitos em torno das retiradas substanciais de água e asubsequente escassez hídrica no rio Zhang (chinês) já vinham piorando hádécadas. (Ver também as entradas 1970,1991, 1992, 1999.)

Um reservatório da Carolina do Norte é contaminado com materiais desconhecidosquando as válvulas de segurança foram removidas e as substâncias químicasvenenosas despejadas no reservatório.... Á água teve que ser drenada.

Longo período de tensão sobre o Nilo, especialmente o Nilo Azul, originárioda Etiópia. Proposta etíope de construir represas nas cabeceiras do NiloAzul leva o Egito a declarar repetidamente a vital importância da água.“A única questão que pode levar o Egito novamente à guerra é a água”(Anwar Sadat-1979). “A próxima guerra em nossa região será motivadapela água, não por políticas” (Boutrous Ghali-1988).

Sudão, 1978: manifestações em Juba contra a construção do canal deJonglei levou às mortes de dois estudantes. Após série de ataques ao localda construção, o projeto foi suspenso em 1984.

Destruição regular de cabos de alta tensão da represa Cahora Bassa na lutapela independência da região. A represa foi alvo do RENAMO.

O Irã desvia água para inundar posições de defesas iraquianas.

Durante a guerra Irã-Iraque, o Irã reivindica o bombardeio de umahidrelétrica no Curdistão, provocando apagão em grande parte do Iraque.

Infraestrutura hídrica, incluindo represas, e o oleoduto de Cunene-Cuvelai,foram alvo nos conflitos na Namíbia e em Angola, nos anos 1980.

A polícia de Los Angeles e o FBI prendem um homem prestes a envenenara rede de abastecimento de água da cidade com um agente biológico.

Israel corta a abastecimento de água de Beirute durante sítio.

177 civis são mortos ao se oporem à construção da represa de Chixoy, no Rio Negro.

Caminhão cisterna carregado de explosivo destrói aquartelamento militarnorte-americano, matando mais de 300 pessoas. O ataque foi atribuídoao Hezbollah, com o apoio do governo Iraniano.

O governo de Israel informa a descoberta de um complô por israelensesárabes para envenenar a água na Galiléia com “um pó não identificado”.

Columbia 2000a

Jenkins e Rubin, 1978;Kupperman e Trent,1979

Gleick, 1994

Gleick, 1993;Gleick, 1994;Wolf, 1997

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PARTE 2 PARTE 2 PARTE 2 PARTE 2 PARTE 2 de 1972 até 1999de 1972 até 1999de 1972 até 1999de 1972 até 1999de 1972 até 1999

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DDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃODDDDDA T AA T AA T AA T AA T A PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTES

Membros do culto religioso Rajneeshee contaminam com salmonela umacisterna em The Dalles, Oregon. O surto resultante vitimou mais de 750pessoas, quando em todo o condado ocorriam menos de cinco casos porano. O surto deveu-se à contaminação dos bufês de salada de restauran-tes e das bancas de verduras dos supermercados pelos terroristas.

Autoridades descobrem que o pequeno grupo de survivalismo The Covenant,the Sword, and the Arm of the Lord (CSA) estabelecido nas montanhasOzark, no Arkansas, adquirira um tambor com 30 galões de cianeto depotássio. A aparente intenção do grupo seria envenenar o sistema deabastecimento de água de Nova York, Chicago e Washington, D.C. Osmembros da CSA acreditavam que tais ataques apressariam o retorno doMessias para castigar os pecadores impenitentes. O objetivo parecia ser oassassinato em massa, em nome de uma missão divina, e não uma rei-vindicação política. A quantidade de veneno teria sido insuficiente paracontaminar a rede de abastecimento de água de até mesmo uma cidade.

O anúncio pela Coréia do Norte dos planos para a construção da represahidrelétrica Kumgansan, num tributário do rio, a montante de Seul,levantou na Coréia do Sul a suspeita de a represa poder ser usada comouma arma de destruição ecológica ou tática.

O golpe de estado desferido pelas forças armadas de Lesoto com o apoio daÁfrica do Sul levou ao imediato acordo sobre a repartição de águas, após30 anos de prévias negociações malsucedidas.

A África do Sul apóia o golpe de estado no Lesoto para defender o ANC, oantiapartheid e a água. O novo governo do Lesoto imediatamente assinouo tratado de águas do altiplano.

Forças militares de Cuba e Angola atacam a represa Calueque por terra e porar. A estrutura da represa sofreu dano considerável; a energia elérica paraa represa foi cortada. E os dutos de água para Owamboland destruídos.

Um conselho pró-apartheid corta o fornecimento de água ao distritomunicipal de Wesselton, seguindo-se o protesto dos 50 mil residentesnegros contra as precárias condições sanitárias e de vida.

A vazão do rio Eufrates é interrompido por um mês por conta do términoda construção da represa Ataturk, parte do Projeto da Grande Anatólia,Turquia. A Síria e o Iraque alegaram que a Turquia passara a ter umaarma de guerra. Em meados de 1990, o presidente turco Turgut Ozalameaça restringir a vazão de água para a Síria para forçá-la a retirar oapoio aos rebeldes curdos baseados no sul da Turquia.

Eclode a violência quando Karnataka rejeita uma Ordem Interina emitidapelo Cauvery Waters, tribunal montado pela Suprema Corte da Índia,entidade criada em 1990 para resolver duas décadas de disputa entreKarnataka e Tamil Nadu sobre os direitos de irrigação no rio Cauvery.

Durante a Guerra do Golfo, o Iraque destrói boa parte do sistema dedessalinização do Kuwait ao bater em retirada.

Carta anônima revela uma ameaça de contaminaão do sitema de abasteci-mento da cidade de Kelowna, Columbia Britânica, com “contaminantebiológico.” A motivação parecia ser a Guerra do Golfo. A segurança do sistemafoi aumentada e nenhum grupo foi identificado como autor da ameaça.

Nas Nações Unidas discute-se o uso da represa Ataturk, na Turquia, nalimitacão da vazão das águas do Eufrates para o Iraque.

A Coalização Aliada danifica – intencionalmente ou não – a rede de águae de esgoto da moderna Bagdá. “Foram destruídas quatro das seteprincipais estações bombeadoras, bem como 31 instalações municipais defornecimento água e de coleta de esgoto – 20 em Bagdá, resultando no

1984

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EUA

EUA

Coréia do Norte,Coréia do ]Sul

Lesoto, África do Sul

Lesoto, África do Sul

Angola, África do Sul,Cuba

África do Sul

Iraque, Síria, Turquia

Karnataka,Índia

Iraque, Kuwait, USA

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Iraque, Turquia,Nações Unidas

Iraque, Kuwait, USA

Terrorismo

Terrorismo

Uso militar

Disputa desenvolvimentista,Alvo militar

Alvo militar,Disputadesenvolvimentista

Objetivo militar,Alvo militar

Disputadesenvolvimentista

Disputa desenvolvimentista,Uso militar

Disputa desenvolvimentista

Alvo militar

Terrorismo

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Sim

Não

Não

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Sim

Sim

Não: Ameaça

Sim

Sim

Clark e Deininger,2000

Tucker, 2000

Gleick, 1993

Mohamed, 2001

American University2000b

Meissner, 2000

Gleick, 1993

Gleick, 1993;Gleick, 1995

Gleick, 1993; Butts,1997; AmericanUniversity 2000

Gleick, 1993

Purver, 1995

Gleick, 1993

Gleick, 1993;Arbuthon, 2000;Barrett 2003

Cidadania&MeioAmbiente 23

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DDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃODDDDDA T AA T AA T AA T AA T A PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTES

1991

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1993 - até hoje

1993

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1994/1998

despejo direto de esgoto no rio Tigre. As estações de tratamento de águaforam incapacitadas ao longo do Iraque” (Arbuthnot 2000). Nos primeirosoito meses de 1991, após a detruição da infraestrutura de água irquiana naGuerra do Golfo Persa, o New England Journal of Medicine informava quequase 47.000 crianças a mais haviam morrido no Iraque, cuja taxa demortalidade infantil dobrou para 92,7 por 1.000 nascimentos.

Em dezembro de 1991, as aldeias de Huanglongkou e Qianyu entram emluta mortal sobre a construção de nova obra de transposição de água. Osconflitos envolvendo o excessivo desvio de água e o subsequentedesabastecimento do rio Zhang já vinha piorando há décadas. (Vejatambém as entradas para 1970, 1976, 1992 e 1999).

Alegando preocupações ambientais, a Hungria cancela o tratado assinadoem 1977 com a Tchecoslováquia relativo à construção do projeto Gabcikovo/Nagymaros. De forma unilateral, a Eslováquia deu continuidade e finalizouo projeto, desviando por um canal o rio Danúbio para dentro da repúblicaeslocava. Seguiu-se maciço protesto público com movimentação de exército nafronteira; a questão foi levada à Corte Internacional de Justiça.

São relatadas concentrações letais de cianeto de potássio nos tanques deágua das instalações da Força Aérea turca em Istambul. O Partido dosTrabalhadores do Kurdistão (PKK) reivindicou o crédito.

O sítio sérvio a Saraievo, Bósnia e Herzegovina incluiu corte de fornecimentode energia elétrica e de abastecimento de água. O apagão desativou asduas principais estações de bombeamento da cidade, apesar de os líderesnacionalistas sérvios terem se comprometido junto às Nações Unidas a nãousarem o controle dos serviços essenciais de Sarajevo como arma. Sérvios daBósnia passaram a controlar os registros de fluxo de água dos poços queabasteciam mais de 80% de Saraievo; a redução do fluxo de água paraa cidade foi utilizado para dissuadir os bósnios.

Em agosto de 1992, bombas colocadas ao longo do canal de distribuição destroemparte do canal, causando inundação e perdas enconômicas. A violência continua nofinal dos anos 1990 com confrontos, ataques mortais e ataques a bomba.

Para acabar com a oposição a seu governo, diz-se que Saddam Husseinenvenenou e drenou as fontes de água dos muçulmanos xiitas, o Ma’dan. Ospântanos ao sul do Iraque foram alvo intencional. O Parlamento Europeu e aComissão de Direitos Humanos da ONU lamentaram o uso da água como arma.

Um relatório sugere que em uma reunião de grupos fundamentalistas, emTeerã, sob o patrocínio do Ministério de Relações Internacionais Iraniano,foram lançadas propostas para envenenar os sistemas de abastecimento deágua das principais metrópoles ocidentais “como resposta às ofensivasocidentais às organizações e estados islâmicos”.

A represa Peruca foi destruída intencionalmente durante a guerra.

É atribuída ao general moldavo Nikolay Matveyev a ameaça de contami-nação da rede de abastecimento de água do 14º exército russo, emTiraspol, Moldávia, com mercúrio.

O The Washington Post relata a invasão do sistema informático SCADA, quecontrola o sistema da represa Roosevelt, no Arizona, dando ao invasor ocontrole das volumosas comportas da represa. As cidades de Mesa, Tempe ePhoenix estão à jusante da represa. Não ocorreu nenhum dano. Este relatórioé incorreto. Um hacker invadiu os computadores das instalações do Salt RiverProject, na área de Phoenix. Só que tinha 27, não 12 anos, e o incidenteaconteceu em 1994, não em 1998. Mesmo tendo ameaçado áreas críticas, ohacker nunca poderia ter controlado qualquer represa. Concluíram os inves-tigadores que nenhuma vida ou propriedade estiveram sob ameaça.

Vilarejos chinesesdo Huanglongkoue Qianyu

Checoslováquia,Hungria

Turquia

Bósnia,Sérbios da Bórsnia

Vilarejos chineses

Iraque

Irã

Iugoslávia

Moldávia, Rússia

EUA

Disputa desenvolvimentista

Instrumento político,Disputa desenvolvimentista

Terrorismo

Uso militar

Disputa desenvolvimentista

Uso militar

Terrorismo

Alvo militar, Uso militar

Terrorismo

Ciberterrorismo

Sim

Operações militares

Sim

Sim

Sim

Não

Não

Sim

Não: Ameaça

Não

China Water ResourcesDaily, 2002;, ChinaWater Resources Daily,2002

Gleick, 1993

Chelyshev, 1992

Burns, 1992;Husarska, 1995

China WaterResources Daily, 2002

Gleick, 1993;American University2000c; NationalGeographic News,2001

Haeri, 1993

Gleick, 1993

Purver, 1995

Gellman, 2002;Lemos, 2002

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Cidadania&MeioAmbiente 25

DDDDDESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃOESCRIÇÃODDDDDA T AA T AA T AA T AA T A PPPPPARTESARTESARTESARTESARTES E E E E ENVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDASNVOLVIDAS OOOOORIGENSRIGENSRIGENSRIGENSRIGENS DO C C C C CONFLITOONFLITOONFLITOONFLITOONFLITO VVVVVIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIAIOLÊNCIA? FFFFFONTESONTESONTESONTESONTES

1995

1997

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1998

1998

1998 - 2000

1998 - 1999

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1999

1999

1999

1999

1999

1999

1999

Equador, Peru

Singapura,Malásia

Tajiquistão

Angola

RepúblicaDemocrática doCongo

Eritréia e Etiópia

Kosovo

Lusaka, Zâmbia

Iugoslávia

Bangladesh

Iugoslávia

Iugoslávia

Kosovo

África do Sul

Angola

Porto Rico, EUA

China

Uso militar,Instrumento político

Instrumento político

Terrorismo,Instrumento político

Uso militar,Instrumento político

Alvo militar, Terrorismo

Alvo militar

Terrorismo,Instrumento político

Terrorismo,Instrumento político

Alvo militar

Disputa desenvolvimentista,Instrumento político

Alvo militar

Instrumento político

Instrumento político

Terrorismo

Terrorismo,Instrumento político

Instrumento político

Disputa desenvolvimentista,Terrorismo

Sim

Não

Não: Ameaça

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Não

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Eclodem escaramuças armadas sobre o controle das cabeceiras do rio Cenepa.Para Wolf, trata-se principalmente de uma disputa de fronteira, quesimplesmente coincidiu com a disputa local por água .

A Malásia fornece metade da água de Cingapura. Em 1997, o país ameaçoucortar o abastecimento em represália às críticas de Cingapura à política malaia.

No dia 6 de novembro, um chefe de guerrilha ameaçou explodir uma represano canal de Kairakkhum caso suas exigências não fossem aceitas. Segundo aagência ITAR-Tass, o autor da ameaça foi o Cel. Makhmud Khudoberdyev.

Em setembro de 1998, eclodem combates entre a UNITA e as forçasgovernamentais angolanas para o controle da represa Gove, no rio Kunene.

Ocorreram ataques à represa Dam durante a tentativa de deposição dopresidente Kabila, com apagão elétrico da represa Ingá e corte de forneci-mento de água a Kinshasa.

Instalações de bombeamento e de canalização de água na cidade fronteiriça deAdi Quala são destruídas durante a guerra civil entre a Eritrea e a Etiópia.

As fontes/poços de água são contaminados por sérvios que neles despejamdespojos de albaneses de Kosovar. Outros reportam que as forças federaisiugoslavas enveneraram os poços com carcaças e materiais perigosos.

Uma explosão a bomba destruiu o principal aqueduto e cortou o abaste-cimento aos 3 milhões de habitantes de Lusaka.

Segundo Belgrado, aviões da OTAN miraram instalação hidrelétrica du-rante a campanha de Kosovo.

Durante as greves de protesto contra os cortes de energia e de água 50 pessoassão feridas. O protesto contra a deterioração dos serviços públicos, da lei e daordem foi liderado pelo antigo primeiro-ministro Begum Khaleda Zia.

A OTAN foca instalações e acaba com o abastecimento de água em Belgrado.A OTAN bombardeia pontes no Danúbio impedindo a navegação.

A Iugoslávia se recusa a retirar escombros de guerra do Danúbio (pontesdestruídas) a menos que receba ajuda financeira para a reconstrução; ospaíses europeus banhados pelo Danúbio temem inundações provocadaspelo gelo retido. Os diplomatas denunciam a chantagem ambiental.

Engenheiros sérvios fecham o sistema de fornecimento de água em Pristina,antes da ocupação pela OTAN.

Uma bomba de fabricação caseira é descoberta num reservatório deWallmansthal, perto de Pretória. Pensa-se que ela se destinava a sabotaro fornecimento de água aos fazendeiros.

100 corpos são achados em quatro poços de água potável no centro de Angola.

Após crônica escassez de água em cidades vizinhas, manifestantes bloque-iam a tomada de água da Roosevelt Roads Navy Base para se opor àpresença do exército americano e ao uso do rio Blanco pela marinha.

Conflitos resultantes do excessivo desvio de água e subsequente escassez hídrica dorio Zhang (China) se agravam por três décadas, fato que deságua num confrontoentre os camponeses das províncias de Hebei e Henan pelo limitado recurso hídrico.Armamento pesado, incluindo morteiros e bombas, são usados e cerca de 100camponeses morrem. Moradias e instalações de abastecimentos são danificadas everifica-se uma perda total equivalente a UD$1 milhão. Partes envolvidas: vila deHuanglongkou, município de Shexian, província de Hebei, vila de Gucheng ,cidade de Linzhou City e província de Henan. Embora as negociações parasolucionar a questão tenham avançado, novos projetos hídricos na região poderãoiniciar novas disputas. (Ver também as entradas 1970, 1976, 1991 e 1992.)

Samson e Charrier,1997; Wolf, 1997

Zachary, 1997

WRR, 1998

Meissner, 2001

Chenje, 2001;Human RightsWatch, 1998

ICRC, 2003

CNN, 1999;Hickman, 1999

FTGWR, 1999

Reuters, 1999a

Ahmed, 1999

Reuters, 1999b

Simons, 1999

Reuters, 1999c

Pretoria Dispatch,1999

International HeraldTribune, 1999

New York Times,1999

China WaterResources Daily,2002

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por Noam Chomsky

Aestrutura é chamada de “respon- sabilidade para proteger”, ou R2P, no

jargão da ONU. Uma versão limitada da R2P,adotada na Cúpula Mundial da ONU, em2005, reafirmou direitos e responsabilida-des aceitos pelos estados membros no pas-sado e, algumas vezes, por eles implemen-tados. Entretanto, as discussões sobre a R2Pou sobre sua prima, a “intervenção humani-tária”, são interrompidas regularmente pelo“chacoalhar de um esqueleto escondido noarmário”: a História.

Ao longo da História, uns poucos funda-mentos se adequam como uma luva às rela-ções internacionais. Um deles é a máxima deTucídides: “os fortes fazem o que querem,enquanto os fracos sofrem o que devem”.Outro princípio reza que, em termos práti-cos, sempre que se recorre à força nas rela-ções internacionais, ela é acompanhada deimponente retórica sobre a grave responsa-bilidade em se proteger as populações emsofrimento, com as justificativas fatuais paratanto. Nesse jogo, os poderosos podem“esquecer” as lições da História. Mas os“fracos”não tem essa opção.

Na ONU debate-se a es-trutura internacional capazde evitar a ocorrência decrimes contra a humanida-de. Mas até que ponto osEstados com poder de man-do não continuarão a invo-car a “responsabilidadepara proteger” ou a “inter-venção humanitária” ape-nas como álibis na defesade seus próprios interesses?

O “esqueleto chacoalhante” fez sua apari-ção há 60 anos, numa discussão pela CorteInternacional de Justiça (C.I.J) do inciden-te envolvendo a Grã-Bretanha e a Albânia,que ficou conhecido como Canal Corfu.

A corte determinou que “pode apenas con-siderar o direito suposto de intervençãocomo a manifestação de uma política deforça, tal como, no passado, deu origem àmaioria dos graves abusos e, como tal, nãopode, independente das falhas na organi-zação internacional, encontrar um lugar nodireito internacional (...); pela natureza dascoisas, (a intervenção) isto estaria reser-vado aos estados mais poderosos, fato quepode facilmente levar à distorção da admi-nistração da própria justiça”.

A mesma perspectiva permeou o primeiroencontro da Cúpula do Sul, com presençade 133 estados, em 2000. A declaração dacúpula, certamente em função do bombar-deio da Sérvia, rejeitou o assim chamado“direito de intervenção humanitária”, algosem base legal na Carta das Nações Uni-das ou nos princípios gerais do Direito In-

ternacional. O texto reafirma a Declaraçãodas Nações Unidas acerca das RelaçõesAmigáveis (1970). E tem sido reiterado des-de então, entre outros, no Encontro Mi-nisterial do Movimento Não-alinhado, naMalásia, em 2006, novamente representan-do as vítimas tradicionais na Ásia, África,América Latina e no mundo árabe.

A mesma conclusão foi ratificada em 2004pelo Painel de Alto Nível da ONU para Ame-aças, Desafios e Mudança. O painel con-cluiu que, na Carta da ONU, “o Artigo 51não precisa de extensão nem de restriçãoa seu escopo há muito ampliado”. O pai-nel acrescentou: “Para os impacientescom tal reação, a resposta deve ser que,em um mundo repleto de percepções deameaças em potencial, o risco para a or-dem global e para a norma de não inter-venção sobre a qual continua a se basearé simplesmente grande demais para a le-galidade da ação preventiva unilateral,em oposição a uma ação sancionada co-letivamente, ser aceita. Permitir que al-guém aja desta forma é dar permissão atodos” – o que é, naturalmente, impensável.

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Fazendo GUERRAem nome da “paz”

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Os fortes fazemo que querem

enquanto os fracossofrem o que devem.”

Noam Chomsky é professor emérito de lingüís-tica e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massa-chusetts, em Cambridge, Massachusetts, EUA.

A mesma posição padrão foi adotada pelaCúpula Mundial da ONU, em 2005. A Cú-pula também declarou a disposição de“agir coletivamente através do Conselhode Segurança, de acordo com a Carta,caso os meios pacíficos sejam inadequa-dos e as autoridades nacionais estejamobviamente falhando em proteger suaspopulações” contra crimes graves.

No máximo, a declaração enfatiza o textodo Artigo 42 sobre autorizar o Conselhode Segurança a recorrer à força. E a frasepreserva o “esqueleto no armário” – sepodemos considerar o Conselho de Segu-rança como um juiz neutro, não sujeito àmáxima de Tucídides. Esta hipótese, noentanto, é indefensável, já que o Conse-lho é controlado pelos seus cinco mem-bros permanentes, desiguais em autorida-de operacional. E uma indicação disso é orecorde de vetos – a forma mais extremade violação de uma Resolução do Conse-lho de Segurança. Nos últimos 25 anos,juntas, a China e a França vetaram 7 reso-luções; a Rússia, 6; o Reino Unido, 10; eos Estados Unidos, 45, incluindo até re-soluções apelando para os estados ob-servarem o direito internacional.

Uma forma de mitigar este efeito no consen-so da Cúpula Mundial seria eliminar o veto,segundo o desejo expresso da maioria dapopulação dos EUA. O que é encarado comouma heresia impensável, tanto quanto apli-car a R2P aos que precisam desesperada-mente de proteção, mas que não estão nalista de protegidos dos poderosos.

Têm ocorrido desvios a partir do caso darestrição do Canal Corfu e dos que o suce-deram. O Ato Constitutivo da União Afri-cana afirma “o direito de a União intervirem um Estado Membro... em caso de cir-cunstâncias graves”. O que difere da Cartada Organização dos Estados Americanos,que impede a intervenção “por qualquerrazão alegada nos assuntos internos ouexternos de qualquer outro estado”.

A razão para a diferença é clara. A Cartada OEA busca dissuadir a intervençãopor parte dos EUA. Mas após o desapa-recimento dos estados com regime deapartheid, a UA não encara um proble-ma parecido. Tenho conhecimento deapenas uma proposta de alto nível paraestender a R2P além do consenso dacúpula e da extensão da União Africana

(UA): o Relatório da Comissão Interna-cional sobre Intervenção e SoberaniaEstatal sobre a Responsabilidade deProteger (2001).

A comissão examina a situação na qual “oConselho de Segurança rejeita uma propos-ta ou falha em lidar com ela em um temporazoável”. Neste caso, o relatório autoriza“ação dentro da área de jurisdição por or-ganizações regionais ou sub-regionais su-jeitas a pedido de autorização subsequen-te pelo Conselho de Segurança”. Nesteponto, o “esqueleto” chacoalha de formabem barulhenta. Os poderosos determinamde forma unilateral a sua própria “área dejurisdição”. A OEA e a UA não podemfazer isto, mas a OTAN pode, e faz.

A OTAN determinou que a sua “área dejurisdição” se estende aos Bálcãs, Afega-nistão e além deles. Os direitos expansivosacordados pela Comissão Internacional es-tão, na prática, restritos apenas à OTAN,em violação aos princípios do Canal Corfu,e abrindo a porta para a R2P como umaarma de intervenção imperial sem limite.

A “responsabilidade de proteger” sem-pre foi seletiva. Assim, não se aplicou àssanções contra o Iraque impostas pelosEUA e Reino Unido e administradas peloConselho de Segurança, mas condena-das como “genocidas” pelos diploma-tas responsáveis das duas nações, querenunciaram em sinal de protesto. Tam-bém não há intenção, hoje, de aplicar aR2P ao povo de Gaza, uma “populaçãoprotegida” pela qual as Nações Unidassão responsáveis.

E nada sério se considera a respeito da piorcatástrofe na África, se não no mundo: o san-guinário conflito no leste do Congo. Lá, comoa BBC relatou, as multinacionais são maisuma vez acusadas de violarem uma resolu-ção da ONU contra o comércio ilícito de mi-nerais preciosos – financiando a violência.

A R2P muito menos é convocada a respon-der à fome generalizada nos países pobres.Há muitos anos, a UNICEF relatou que 16 milcrianças morrem a cada dia por falta de ali-mento, e muitas mais por doenças facilmenteevitáveis. Atualmente, os números são maisaltos. Somente no sul da África, a estatísticade mortes para Ruanda não é contabilizada acada 100 dias, mas todos os dias. Uma açãosob a égide da R2P seria bastante fácil, sehouvesse disposição para tanto.

Nestes e em muitos outros casos, a seletivi-dade se baseia segundo a máxima de Tucí-dides e às expectativas da Corte Internacio-nal de Justiça (C.I.J.) de há 60 anos. Mas asmáximas que em grande parte balizam as re-lações internacionais não são imutáveis e,de fato, se tornaram menos hostis ao longodos anos, como resultado do efeito civiliza-dor dos movimentos populares. Para tal re-forma progressiva, a R2P pode ser uma fer-ramenta tão valiosa quanto a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos tem sido.

Mesmo que certos Estados não respeitema Declaração Universal – e alguns a rejei-tem formalmente em grande parte (inclusi-ve o Estado mais poderoso do mundo) –,apesar de tudo ela serve como um ideal aoqual os ativistas podem recorrer na formade esforços educacionais e organizacio-nais, geralmente de forma efetiva. A dis-cussão da R2P pode ser parecida. Comcomprometimento suficiente, infelizmentenão-detectável ainda entre os poderosos,ela poderia ser, de fato, significativa. ■

Artigo publicado emThese Times, (3/8/2009). Para informa-ções complementares,visitar o site ICR2P(International Coalitionfor the Responsibilityto Protect (www.r e s p o n s i b i l i t y t oprotect.org).

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Tucídedes (471- 399 a.C)

Rwadan, Memorial do Genocidio

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uma promessa fracassadaEntrevista com Carlos Vicente

Em vez de solucio-nar a questão dafome no mundo, asduas revoluçõesverdes – dos anos1960, com as mo-noculturas, e dosanos 1990, com ostransgênicos – aca-baram por criar noplaneta o absurdocontingente de umbilhão de famintos.

IHU ON-LINE – COMO OS AGROTÓXICOS

TÊM MUDADO A VIDA NO CAMPO?Carlos Vicente – Atualmente, o uso inten-sivo de agrotóxicos está inserido em ummodelo de agricultura industrializada queinclui, além do uso de maquinaria pesada,a monocultura, a utilização de sementestransgênicas e a produção de commoditi-es. Nesse quadro, o trabalhador rural é cadavez menos importante, já que a tendência éreduzir de maneira significativa a utilizaçãode mão-de-obra. Por esse motivo, os traba-lhadores rurais são expulsos de suas ter-ras e vão engrossar as zonas de pobrezadas grandes cidades.

Os que ficam no campo se vêem perma-nentemente agredidos pelos riscos, queao lidarem com esses tóxicos ou ao se-rem contaminados em suas moradias pe-las fumigações aéreas maciças em mi-lhões de hectares no Cone Sul.

REVOLUÇÃO VERDE

Obviamente, quem está sendo dramaticamen-te afetado por essa “chuva de agrotóxicos”são os agricultores rurais, que tentam conti-nuar a produzir no estilo tradicional nas pro-ximidades dos “territórios do agronegócio”.Suas produções agrícolas, seus animais e suasaúde são profundamente afetados por essaagressão contínua. O mesmo ocorre com asfamílias que vivem na periferia das cidades,na proximidade das áreas onde asmonoculturas estão implantadas.

IHU ON-LINE – QUAIS AS ALTERNATIVAS AOS

AGROTÓXICOS?C. V. – Temos 10 mil anos de história daagricultura. Os agrotóxicos foram introdu-zidos nos últimos 60 anos como parte deum modelo agrícola que busca mercantili-zar nossa alimentação para engordar cor-porações. Atualmente, dispomos de conhe-cimentos, tecnologia e capacitação paraproduzir alimentos para toda a humanida-

de sem a utilização de agrotóxicos. É preci-so não esquecer que a promessa das duasrevoluções verdes – a dos anos 1960, comas monoculturas, e a dos anos 1990, comos transgênicos – de resolver o problemada fome no mundo foi o que nos levou aoplaneta que já superou, pela primeira vez,um bilhão de famintos.

IHU ON-LINE – A UTILIZAÇÃO DE

AGROQUÍMICOS CRESCEU EM TODO O MUN-DO. ESSA PERSPECTIVA TENDE A AUMENTAR?QUE AÇÕES SÃO NECESSÁRIAS PARA BLOQUE-AR A UTILIZAÇÃO DOS AGROTÓXICOS?C. V. – Enquanto o controle corporati-vo da agricultura e da produção de ali-mentos continuar aumentando em es-cala mundial, a utilização de agrotóxi-cos também continuará em expansão. Épor meio deles que as grandes corpo-rações obtêm uma parte importante deseus ganhos.

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Cidadania&MeioAmbiente 29

Esse processo pode ser revertido, e o se-gredo para isso é simples: desmantelar opoder que as corporações adquiriram pararecuperar o controle dos povos sobre aagricultura e a alimentação. Claro que en-quanto os governos continuarem reféns dopoder corporativo, ficará muito difícil ven-cer esse desafio.

Nesse sentido, a “soberania alimentar “exi-gida e proposta pela Via Campesina é a res-posta a qual aderiram centenas de movi-mentos sociais de todo o continente. Hoje,o grande desafio é fazer com que a sobera-nia alimentar mantenha seu poder trans-formador, sem ser esvaziada de conteúdopor seu uso num discurso que não impli-que em políticas explícitas de instrumen-talização.

IHU ON-LINE – HÁ DENÚNCIAS DE MORTES,ENFERMIDADES E ÊXODO RURAL NO PARAGUAI

DEVIDO À EXPANSÃO DO PLANTIO DE SOJA E OUSO DE AGROTÓXICOS. COMO PERCEBE ESSA

SITUAÇÃO? O QUE SE PODE ESPERAR DA AMÉ-RICA LATINA, MAIOR PRODUTOR DE GRÃOS?

C. V. – Tanto no Paraguai como na Argen-tina, na Bolívia, no Brasil e no Uruguai, ter-ritórios dominados pela monocultura dasoja – batizado pela Syngenta de Repúbli-ca Unida da Soja –, o drama representadopela monocultura é uma realidade esmaga-dora que já não pode ser ocultada. Por isso,a cada dia, mais vozes a denunciam e pre-gam resistência ao modelo monocultor.

IHU ON-LINE – CONSIDERANDO OS INCENTI-VOS À MONOCULTURA E AO USO INTENSIVO DE

AGROTÓXICOS, COMO VÊ O FUTURO DOS TRA-BALHADORES RURAIS EM NOSSO CONTINENTE?C. V. – A única perspectiva é o cresci-mento da resistência das organizaçõescampesinas e locais em denunciar a ques-tão para transformar essa realidade, demodo a desmantelar o agronegócio e opoder dos grandes proprietários fundiá-rios da região. Só assim se poderá recu-perar um tecido social e produtivo cen-trado no bem comum.

IHU ON-LINE – QUAIS OS MAIORES RISCOS PARA

AS POPULAÇÕES EXPOSTAS AOS AGROTÓXICOS?

C. V. – Os problemas de saúde agudos(doenças respiratórias, lesões na pele, in-fecções gastrointestinais etc.) e crônicosque, em muitos casos, só são detectadosapós anos de exposição. Os crescentescasos de câncer em todas as comunidadesrurais e nas periferias das cidades, as gra-videzes interrompidas e os nascimentos decrianças com má formação são a forma maisbrutal em que esse genocídio do agrone-gócio se expressa.

Há centenas de espaços em que as denún-cias das comunidades e das organizaçõesda sociedade civil se multiplicam. Emwww.biodiversidadla.org tentamos fazereco a todas essas lutas. ■

Carlos Vicente – Ecologista e articulista darevista on-line Biodiversidad e da ONG Interna-cional Grain. Artigo publicado pelo IHU On-line (13/07/2009) [IHU On-line é publicado peloInstituto Humanitas Unisinos – IHU, da Uni-versidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos,em São Leopoldo, RS] e www.ecodebate.com.br(15/7/2009).

A empresa Monsanto (NYSE: MON) é uma corporação biotecnológicaagrícola multinacional americana e líder mundial na produção doherbicida glifosato (N-(fosfonometil) glicina, C3H8NO5P), comer-cializado com o nome “Roundup”. Também é a maior produtora desementes geneticamente modificadas (OGM), detendo de 70-100% domercado mundial dessas sementes para várias culturas. 95% dos genesda soja e 80% do milho foram patenteadas pela empresa nos EUA(1)

Poster Retrofuturs, a graphic company

Agracetus, empresa de propriedade da Monsanto, produz exclusiva-mente sementes de soja “Roundup” para comercialização. Em marçode 2005, a Monsanto comprou a Seminis Inc., tornando-a a maiorempresa produtora de sementes convencionais do mundo. A empresaemprega 18.800 pessoas em todo o mundo, e em 2008 declarou fatu-ramento anual de U$11.365 bilhões.

Pelas sementes e hormônio de crescimento bovino OGM, por sua atuaçãocomercial agressiva e pela poderosa prática lobista, a Monsanto tornou-seemblema do controverso e problemático agronegócio e, por isso, alvoprioritário dos ativistas ambientais e dos movimentos antiglobalização –muito especialmente da Organic Consummers Association, que hospedaa campanha de informação “Millions Against Monsanto” (2).

Durante a COP-15, em Copenhagen, por oferecer falsas soluções demitigação para melhor beneficiar-se do desastre climático, a Monsantorecebeu o Angry Mermaid Award, troféu concedido à mais nefasta ecriminosa corporação anticlimática.

Mesmo quando os peritos em segurança alimentar concordam que amitigação e a adaptação às mudanças climáticas exigirão o retorno àagricultura orgânica, a Monsanto “se vende” nos EUA e junto aos líderesmundiais como uma empresa de “agricultura sustentável”, cuja missão éajudar os agricultores a sobreviver às mudanças climáticas via desenvolvi-mento de sementes OGM, que resistem à estiagem e às inundações.

MONSANTO: o pior inimigo da biodiversidade

FONTES E NOTAS:(1) Para informação detalhada sobre sementes OGM, ver http://rawstory.com/2009/12/ap-monsanto-dominating-seed-markets-... (2) http://www.organicconsumers.org/monlink.cfm(3) http://www.angrymermaid.org

É preciso desmantelar o poder que as corporações adquiriram para ospovos recuperarem o controle sobre a agricultura e a alimentação.”

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Semi-árido: um mar de açudespor Manoel Bomfim Ribeiro

Durante 100 anos, a enge-nharia de represamento ins-talou no Semi-árido brasilei-ro o maior patrimônio hídricode captação de chuvas domundo. Hoje, 22 mega-açu-des acumulam em suas baci-as 20,3 bilhões de metros cú-bicos de água, volume equi-valente a oito vezes e meia abaía da Guanabara. A im-plantação de um sistema de

Discute-se a transposição de águas dorio São Francisco para o Nordeste bra-

sileiro como a grande solução hídrica parao Semi-árido. A aridez desta região se ca-racteriza pela sua baixa pluviosidade comisoietas de 600 mm/ano. A seca se instalaquando o desvio padrão é negativo, cho-vendo 60, 40, ou apenas 30% das médiasanuais. Na grande seca de 1915, a mais tira-na de todas, embora curta, o desvio padrãochegou a 75%, isto é, só choveu naqueleano 25% da média (150 a 180 mm). Foi umhorror que mereceu o primeiro livro da escri-tora Rachel de Queiroz, “O Quinze”. Duran-te o período de inverno, as chuvas se con-centram por três meses em média e, geral-mente em maio, ocorre um brusco declíniopluviométrico. Isto é próprio dos climassemi-áridos sob latitudes equatoriais.

Não há seca absoluta, na acepção do ter-mo, com precipitação anual zero. No conti-nente americano só o deserto de Atacama,no Chile, tem zero de precipitação, porqueos ventos alísios carregados de umidadenão conseguem cruzar a cordilheira andinae, por sua vez, a evaporação no Pacífico é

incipiente naquela faixa fria da costa chile-na, não havendo, portanto, formação denuvens convectivas.

Todos os anos, impreterivelmente, chove noperíodo das quadras invernais, pouco oumuito, mas chove. Por vezes são chuvas tem-pestuosas, hibernais. O sertanejo costumadizer que as chuvas de um ano caem num sómês e as chuvas de um mês caem num só dia.

A AÇUDAGEM NA HISTÓRIA

Pesquisar técnicas para reter e acumular aságuas superficiais nas regiões áridas domundo foi, sempre, a grande luta do homempara suprir as suas necessidades hídricasnas longas travessias estivais. Assim pro-cederam os povos bíblicos do Oriente, osaborígines da Austrália, os tuaregues doKalahari, os pastores mongóis da Ásia, osafegãos com o sistema subterrâneo Karezde captação, os pigmeus do Saara e outrospovos da antiguidade.

Abriam-se poços, algibes e cacimbas, cons-truíam barreiros, açudes e outras técnicasusadas para a captação das águas de chu-

va. A luta desses povos foi sempre armaze-nar água sob qualquer modalidade, cativara água que cai do céu. Na Mesopotâmiaforam construídos muitos açudes entre osdois rios e mais de 300 km de canais deirrigação. Os povos daquela região sabiamtrabalhar a água. Os cartagineses foramexímios construtores de açudes. Na Aus-trália, construíram-se grandes implúvios aolongo das rodovias, em regiões áridas comoo deserto de Simpson. Os árabes levaramas técnicas de açudagem para as terrassemi-áridas da Ibéria. O Egito antigo foiinsuperável no trato dos recursos hídricos.Ramsés II construiu obras monumentais,diques de 1.200 km de extensão para im-prensar o Nilo contra a costa líbica, parairrigação por bacia. Construiu o lago Merispara controle das águas do rio, obra seme-lhante ao Sobradinho de hoje. Este lago foicomparado ao Labirinto de Teseu pela com-plexidade dos seus canais.

As técnicas contemporâneas de açudagemcomeçaram a surgir na Índia, nas regiõesde Madras e Bombaim, onde, além de umgrande programa de perfuração de poços,

adutoras nessa verdadeira AGUABRÁS levará água a todos os nordestinos e soaráo dobre de finados para a “indústria da seca”.

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Manoel Bomfim Ribeiro é engenheiro civil, ex-diretor regional do DNOCS, da CODEVASF,secretário executivo do CEEIVASF e consultorda SRH/MMA. Artigo socializado por JoãoSuassuna e publicado em www.ecodebate.com.br(28/3/2010).

aliou-se um robusto plano de construçãode açudes, que se multiplicaram aos milha-res. Técnicas modernas surgiram tambémna Inglaterra. Os EUA, por todo século 19,construíram uma grande rede de açudes naregião Oeste, de terras áridas e semi-ári-das, conhecida como as Grandes Planíci-es, onde as isoietas pluviométricas variamde 250 a 500 mm, nunca além. Colorado,Montana, Arizona, Nebraska e outros es-tados que ocupam quase metade do País,cerca de 40%. Construído no século 19 ehoje já bastante assoreado, o ElephantBute é um mega açude americano com 3bilhões de m³ acumulados.

No Brasil só temos 12% de terras semi-ári-das, sujeitas ao flagelo clímico, com chuvasde 500 mm/ano. O estado do Ceará, área de148.000 km², representando 15% do Polígo-no das Secas, tem pluviosidade acima de 700mm/ano, a maior da região. A média mais bai-xa está na Bahia, 480 mm/ano em 330.000 km²,representando 33% do referido Polígono.

OS AÇUDES DO NEFoi no século 20 que surgiram os primeirosaçudes no Nordeste brasileiro. O progra-ma de construção começou no advento daRepública, um pouco antes, quando a ter-rível seca de 1877/79 crestou todo o Semi-árido nordestino, degradando e desagre-gando os lares sertanejos. Partiram destagrande seca os programas de açudagem,que logo passaram a ser uma questão nu-clear para o Nordeste.

À medida que os açudes iam sendo cons-truídos nas calhas de riachos efêmeros eintermitentes, a sociedade sertaneja come-çava a crer na solução distributiva dessaságuas represadas.

As águas de chuva seguem três caminhosdistintos: evaporação, infiltração e escoa-mento. A evaporação no Semi-árido é avas-saladora, chegando a mais de 80%, no mo-mento da precipitação. A infiltração varia de10 a 15%. O escoamento é o de águas su-perficiais e fugidias, formadoras dos riachos.O coeficiente de escoamento (run-off) variade 10 a 20% das águas caídas, mas é baixís-simo o índice de armazenamento, geralmen-te, menos de 1% do volume afluente médioanual, por vezes, apenas 0,1%.

Apesar de índices tão baixos, os reserva-tórios acumulam grandes volumes de água,com milhões e bilhões de metros cúbicos,

como o Castanhão, um açude oceânico quepode ser visto da lua.

Os açudes são construções públicas fede-rais, estaduais, municipais, particulares e decooperação, somando, hoje, o fantásticonúmero de 70.000 reservatórios superficiais,tornando o Semi-árido, a região mais açuda-da do planeta. Não há região no globo, áridaou semi-árida, com tamanha capacidade deacumulação: um cubo de 37 bilhões de me-tros cúbicos, um terço do que o São Fran-cisco despeja anualmente no Atlântico.Numa distribuição geográfica equitativa dis-poríamos de um açude a cada 14 km² portoda a superfície do Polígono das Secas.

Os açudes se multiplicaram com métodosconstrutivos cada vez mais avançados.Vejamos alguns, acima de 100 milhões demetros cúbicos acumulados, verdadeirosmares interiores: Aires de Souza, CE (104milhões de m³), Saco II, PE (124 milhões),Cedro, CE (126), Pompeu Sobrinho, CE(143), Caxitoré, CE (202), Serrote, CE (250),Acauã, PB (250), Eng. Ávidos, PB (260),Gal. Sampaio, CE (320), Pentecostes, CE(400), Boqueirão, PB (420), Pedra Branca,CE (425), Serrinha, CE (500), Poço da Cruz,PE (504), Epitácio Pessoa, PB (536), Araras,CE (1,0 bilhão de m³), Coremas-Mãe d´água,PB (1,4 bilhão), Banabuiú, CE (1,7 bilhão),Açu, RN (2,4 bilhões), Orós, CE (2,5 bi-lhões), Castanhão, CE (6,7 bilhões). Só es-tes 22 mega-açudes construídos no Semi-árido acumulam nas suas bacias 20,3 bi-lhões de m³ de água, volume equivalente a8 vezes e meia a baía da Guanabara, a se-gunda maior baía do litoral brasileiro.

A ENGENHARIA DA AÇUDAGEM

Os açudes não secam, são reservatórios pluri-anuais, inter-anuais, projetados e construídos,com aprimoramento e rigor técnico, pelos en-genheiros do Brasil, sobretudo nordestinos,comparados aos melhores hidrólogos egípci-os. Cada projeto exige todos os dados clima-tológicos da bacia hidrográfica em questão,pluviometrias, fluviometria, vazões, run-off,quociente de evaporação, índice de armaze-namento, tudo é definido em projeto, inclusi-ve a ciclicidade das secas da região com todasua série histórica. São analisados e selecio-nados os materiais usados em cada obra. Étecnologia avançada de alto nível. Citemos,como exemplo, Pinhões, um açude de 15 mi-lhões de m³, considerado de pequeno porte,construído no riacho divisor dos municípiosJuazeiro e Curaçá – BA. Situa-se na regiãomais árida do Brasil, precipitação de 380 mm/ano e evaporação de 4.000 mm ao ano, quasea mesma evaporação do mar Vermelho, situa-do entre os desertos da Núbia e Arábico. Poisbem, este açude nunca secou, tendo, inclusi-ve, um pequeno sistema de irrigação. Milha-res de outros açudes podem ser citados.

Quase todos os grandes açudes de Nordes-te têm projetos de irrigação implantados, emuitos deles com geração de energia hidrelé-trica. São açudes que não podem secar e,realmente, não secam.

Construímos, durante 100 anos, com muitoorgulho nordestino, o maior patrimônio hí-drico do mundo na captação de chuvas,uma das grandes conquistas da humani-dade em terras áridas, uma verdadeiraAGUABRÁS, e, num determinado momen-to, joga-se tudo pela janela, não serve mais,vamos transpor o São Francisco, é melhor.

Senhores do nosso Brasil, políticos, go-vernantes, religiosos, administradores, pro-fissionais, executivos e toda a sociedade.A solução para o atendimento às comuni-dades sertanejas está na distribuição des-sa água. A infra-estrutura está pronta, bas-ta implantar um vigoroso sistema de adu-toras. Os nordestinos serão todos atendi-dos e assistiremos na AGUABRÁS o gran-de naufrágio da “indústria da seca”. ■

22 mega-açudesconstruídos no

semi-árido acumulamnas suas bacias

20,3 bilhões de m³de água, volume

equivalente a 8 vezese meia a baía

da Guanabara.”

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Caatinga: bioma ameaçadopor Silvia Pacheco

Poucos conhecem as riquezas ambientais deste bioma exclusivamente brasi-leiro que, além de ser a região “mais vulnerável” aos efeitos das mudançasclimáticas, corre sério perigo de desertificação devido à predação econômicade sua vegetação. 53,62% da cobertura original já desapareceram.

A caatinga é conhecida como cenáriode histórias do cangaço e dos heróis

do escritor Ariano Suassuna; e por ser aterra do xote, do xaxado e do baião. No pla-neta, não existe nenhum outro bioma comcaracterísticas semelhantes. A Amazôniaabrange áreas de países limítrofes ao Bra-sil e tem similaridade com outros biomassituados em regiões tropicais. O cerradotem características das savanas africanas.O Pantanal se estende por áreas do Para-guai e da Bolívia, onde recebe o nome deChaco. A caatinga, não. Existe apenas noNordeste brasileiro. Por isso, ela é únicano mundo com tais características.

Esse bioma incrustado no semi-árido estáagora ameaçado de extinção pelo crescen-te desmatamento de sua vegetação origi-

nal. A constatação foi feita no estudo reali-zado pelo Ministério do Meio Ambiente(MMA), em conjunto com o Instituto Bra-sileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais (Ibama), que monitorou entre 2002e 2008 todo o bioma.

Atualmente, a caatinga possui pouco mais dametade de sua cobertura vegetal original, porvolta de 53,62%. O monitoramento tambémrevelou que no período em que foi realizado oestudo o território devastado foi de 16.576km², o equivalente a 2% de toda a área. “Esseíndice é considerado alto, pois a região figuracomo a mais vulnerável aos efeitos das mu-danças climáticas, com forte tendência à de-sertificação”, aponta Mauro Pires, diretor doDepartamento de Políticas de Combate aoDesmatamento do MMA (DPCD).

Para combater a devastação do bioma doSemi-árido está sendo elaborado o planode ação interministerial para Prevenção eControle do Desmatamento na Caatinga(PPCaatinga). A proposta pretende integrare articular iniciativas dos diversos órgãosdos governos federal e estaduais para im-plementar ações como o combate e contro-le do desmatamento e o fomento a ativida-des sustentáveis. A PPCaatinga deve sairdo papel até o fim do semestre.

Entre as ações mais importantes, está o in-vestimento e o desenvolvimento do mane-jo florestal — conjunto de técnicas empre-gadas para colher cuidadosamente partedas árvores grandes, de tal maneira que asmenores, a serem colhidas futuramente,sejam protegidas. De acordo com os da-

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dos do estudo, a principal causa da des-truição da caatinga é a extração da matanativa para ser convertida em lenha e car-vão vegetal. O combustível é destinadoprincipalmente para alimentar os fornosdos pólos gesseiro e cerâmico do Nordes-te, e, também, para o setor siderúrgico deMinas Gerais e do Espírito Santo.

MANEJO FLORESTAL:ESPERANÇA DE CONSERVAÇÃO

Segundo Pires, já existem experiências bem-sucedidas no Semi-árido com o manejo flo-restal da caatinga realizado por ONGs, com-provando que essa solução pode ser boaalternativa para o desenvolvimento da re-gião e para a conservação do bioma. “Coma adoção do manejo, a produção de ma-deira pode ser contínua ao longo dosanos. Os benefícios econômicos do mane-jo florestal superam os custos”, explica.

A criação e a ampliação de unidades deconservação é outro ponto indicado comofator importante para a proteção do bioma.A caatinga tem apenas 7% de áreas prote-gidas, sendo que 2% são de proteção inte-gral e os outros 5% são de unidades deconservação de uso sustentável. “Quere-mos ampliar áreas que tenham atrativos doponto de vista do turismo, mas que tenhamtambém importância biológica”, informa odiretor do DPCD. Para Élcio Barros da Sil-va, coordenador do Comitê da Reserva daBiosfera da Caatinga de Pernambuco, a cri-ação de áreas de conservação trará um dosmelhores benefícios para o bioma. “A caa-tinga ainda é muito pouco estudada e seusrecursos pouco conhecidos. Sabemos queexistem, aproximadamente, 200 espéciesde plantas no bioma, algumas só presen-tes nessa região. Não conhecemos o po-tencial de toda essa flora. Por isso, a im-portância dessas unidades.”

Diferentemente da Amazônia e do cerrado,onde há grandes fazendas de monocultu-ra, na caatinga a agricultura familiar é mui-to mais intensa do que nos outros biomas.Por isso, o plano também visa apoiar omanejo e o desenvolvimento de melhorestécnicas de produção agrícola sem a des-truição da caatinga (1).

A DEVASTAÇÃO DA FLORA E DA FAUNA

A desertificação é com certeza uma dasmaiores preocupações dos poucos espe-cialistas que estudam a caatinga. A de-vastação da vegetação para abastecer o

Silvia Pacheco – Artigo originalmente publi-cado no jornal Correio Braziliense (5/5/2010) eno portal www.ecodebate.com.br

pólo gesseiro causa o empobrecimento dosolo, acarretando o problema. Além detransformar a região num deserto, o des-matamento traz como consequência a per-da de uma biodiversidade que mal é co-nhecida. “Algumas espécies só existemna caatinga. Se essa devastação continu-ar, talvez nem chegaremos a estudá-las,ou sequer conhecê-las”, alerta EdnilzaMaranhão, professora de zoologia e pes-quisadora da Universidade Federal Ruralde Pernambuco (UFRPE).

Mesmo em áreas protegidas, ocorre a extra-ção da madeira e, também, outro agravante:a caça. Segundo Maranhão, o Vale do Ca-timbau (PE) — área de proteção ambiental— sofre, além do desmate, com a presençade caçadores. “A caça é um problema cultu-ral incrustado tanto no povo carente quan-to nos mais abastados. Ela diminui drastica-mente a população de mamíferos e répteis.”A solução seria aumentar a fiscalização den-tro dessas áreas. “Nesse parque há apenas

uma pessoa para cuidar de toda a área”,lamenta a pesquisadora.

Para sanar o problema de fiscalização nocombate ao desmatamento, Pires informaque ações diretas e focadas, realizadas emconjunto com o Ibama e a Polícia Rodoviá-ria Federal, serão tomadas para diminuirdesde a produção de carvão ilegal até seutransporte. “Estamos levantando as regi-ões mais críticas para operar de forma efe-tiva a coibir toda essa ilegalidade.”

Depois das ações imediatas a serem adota-das na PPCaatinga, Mauro Pires informa queo MMA dará início a outro plano mais amplo,com ações estratégicas de médio e longo pra-zo. “Nesse sentido, será fomentado o conhe-cimento científico como forma de desenvol-vimento e conservação da região.” ■

Fonte: Monitoramento dos Biomas Brasileiros - Bioma Caatinga - MMA, março 2010

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Desmatamento do período 2002 a 2008Desmatamento ocorrido antes de 2002VegetaçãoCorpos d’água

DISTRIBUIÇÃO DO DESMATAMENTOEM 2008 NO BIOMA CAATINGA

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A ‘corrida do ouro’ da energia renovávelpor José Eustáquio Diniz Alves

Os países que saírem na frente desta “corridado ouro” terão ganhos adicionais, não só ener-géticos e ambientais, mas também econômicose de competitividade internacional, além decontribuir para salvar o planeta.

Achamada Terceira Revolução Indus-trial ou Revolução Pós-industrial ou

Revolução Científica e Tecnológica já co-meçou. Três marcos fundamentais são: 1)as Tecnologias de Informação e Comuni-cação (TIC); 2) A biotecnologia e o genoma;e 3) A nonotecnologia.

Contudo, não haverá revolução de fato sema mudança da matriz energética do mundo.A energia fóssil, além de ser poluidora egrande responsável pelo aquecimento glo-bal, é finita e tem os seus dias (ou décadas)contados por esgotamento das reservas.O pico da produção do petróleo e gás estáchegando ao seu limite máximo, enquantoa demanda por eletricidade deve continuara crescer na medida em que cresce a popu-lação mundial e os países emergentes as-sumem um papel cada vez mais ativo naprodução global.

O recente desastre provocado pela explosãode uma plataforma de petróleo da British Pe-troleum (BP), no dia 21 de abril de 2010, noGolfo do México, tem provocado prejuízosambientais incalculáveis, enquanto a man-cha de petróleo se espalha pelo oceano eatinge o litoral dos estados de Luisiana,Alabama, Flórida e Mississipi, nos EUA. Tal-vez este desastre sirva, também, de alerta paraa exploração do óleo do pré-sal brasileiro.

A Segunda Revolução Industrial foi mar-cada por uma economia do alto carbono eda alta poluição. Somente com a Revolu-ção Científica e Tecnológica será possívelsuperar a era da poluição do petróleo e ca-minhar para uma economia do baixo carbo-no. Assim, as novas necessidades da soci-edade pós-industrial, a subida do preço dopetróleo em 2008, os crescentes danos

RE F E R Ê N C I A S:Clean Energy 2030. Google’s Proposal for reducing U.S.dependence on fossil fuels. UNEP. Our Planet Magazine;Michael Northrop. The Clean Energy Gold Rush; BBC.Chinaultrapassa EUA como maior investidor em energia limpa

José Eustáquio Diniz Alves – Doutor emdemografia e professor titular do mestrado emEstudos Populacionais e Pesquisas Sociais daEscola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. Artigo publicado no portal Ecodebate em14/5/2010. E-mail: [email protected]

ambientais e o agravamento das mudan-ças climáticas desencadeiam uma “corridado ouro” pela energia renovável.

Segundo o projeto “Energia limpa 2030”da Google.org, o custo para adotar umamatriz energética verde nos EUA até 2030 éde cerca de US$ 3,86 trilhões. Para o restodo mundo, pode-se multiplicar este custopor pelo menos cinco vezes, ou seja, cercade US$ 20 trilhões. O que não é muito, con-siderando que o PIB mundial está, atual-mente, em torno de 60 trilhões de dólares.

Porém, os investimentos necessários paraincrementar a energia renovável do mundoterão um enorme efeito multiplicador sobre aseconomias nacionais, possibilitando a gera-ção de empregos verdes e a melhoria da qua-lidade de vida humana e ambiental. Os paísesque saírem na frente desta “corrida do ouro”terão ganhos adicionais, não só em termosambientais, mas também econômicos e em ter-mos de competitividade internacional.

Segundo o Programa de Meio Ambienteda ONU (Unep, na sigla em inglês), o in-vestimento mundial em energia renovável(chamado de “corrida do ouro verde”), au-mentou cerca de 60 por cento, em 2007. Oinvestimento em energia solar cresceu254%. O investimento em energia limpa, defontes como vento, sol e biocombustíveiscresceu no ano passado três vezes maisrápido do que o previsto pelo Unep. Poroutro lado, uma subida no preço do petró-leo, levará a um aumento nos investimen-tos em energia renovável e limpa.

Na corrida entre os países, em 2009 a Chinaultrapassou os Estados Unidos e se tornouo maior investidor em tecnologia de energias

renováveis, segundo a BBC. Os pesquisa-dores do instituto americano Pew calculamque a China investiu, em 2009, US$ 34 bi-lhões em energia limpa, quase o dobro doinvestimento realizado nos EUA. A Chinaestá não só investindo na mudança da suamatriz energética – que é uma das maispoluidoras do planeta – mas também criandouma indústria de equipamentos de energiaverde que vai transformar o país no maiorexportador do mundo nesta área e líder daRevolução Científica e Tecnológica.

O Brasil, graças aos investimentos em bio-combustíveis, ficou em quinto lugar na lis-ta entre os países do G20, tendo investidoaproximadamente R$ 13,2 bilhões, atrás deChina, EUA, Grã-Bretanha e Espanha. Po-rém, o Brasil tem problemas ecológicos comseu programa de biocombustíveis e teminvestido pouco quando se trata de ener-gia eólica e, principalmente, energia solarconcentrada e fotovoltaica.

O fato é que a “corrida do ouro” da energiarenovável já começou e o país que quiser ga-rantir qualidade de vida para sua população,respeitando o meio ambiente, terá participardesta maratona que pode garantir bem-estargeral e contribuir para salvar o Planeta. ■

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