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E D I T O R I A L

Academia Brasileira de CiênciasClay Dillow

Elisabeth RosenthalFlávio José Rocha da Silva

Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaJohn B. Carnett

Marcelo Tardelli RodriguesMaywa Montenegro e Terry Glavin

Osvaldo Ferreira ValenteRebecca Lindsey

Soc. Brasileira para o Progresso da CiênciaServicio de Noticias Ambientales

The Biomimicry Institute

Editada e impressa no Brasil.

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Colaboraram nesta edição

ISSN217-630X

033977217763007

Caros Amigos,

Já não precisa mais ser provado que o crescente aumento de demanda porrecursos naturais inevitavelmente provoca alterações ambientais de conse-quências impossíveis de se antecipar a médio e longo prazos. Não podemossequer determinar de que forma um dado ecossistema e seus serviços res-ponderão de forma particular a estresses localizados e globais. Sob tensão, ocomportamento futuro de qualquer serviço ecossistêmico é ambíguo, poistoda pressão em um ecossistema natural provoca alterações em outros, numefeito dominó impossível de sustar devido à ruptura do equilíbrio.

Cientes da ação nefasta que nosso atual modelo de desenvolvimento impõeà Terra – na verdade, a nós mesmos! –, já começamos a reagir como pro-vam a repercussão global das comemorações do Dia Mundial do MeioAmbiente, em 5 de junho, e a profusão de soluções eco-amigáveis de susten-tabilidade propostas pelas linhas de produção. Mas será o conjunto de açõesindividuais e coletivas suficiente para frear o atual ritmo de destruição am-biental? Será que todos os esforços não passam de uma montagem quetendo por álibi o “consumo responsável” se presta apenas a alimentar a insaciá-vel economia de mercado e a perpetuar a depleção dos recursos naturais?Existe luz no fim desse túnel?

O artigo de abertura desta edição descortina novos horizontes para a abor-dagem consequente da questão, hoje centrada exclusivamente na salvaguar-da ambiental, que escamoteia (ou não privilegia) a fundamental interaçãoentre etnosfera e biosfera, projetando o discurso conservacionista num becosem saída. Se quisermos mesmo estancar a extinção de línguas, culturas e patri-mônios biológicos devemos operar – como sinaliza a antropóloga e linguistaitaliana Luisa Maffi – no âmbito de uma “perspectiva biocultural”, a únicacapaz de integrar as três áreas em risco iminente. E também integrar nessaperspectiva a “ciência da resiliência” para compreendermos o valor da diversi-dade em uma estrutura de sistemas complexos.

A “Sexta Extinção” patrocinada pela humanidade e consubstanciada na “criseda biodiversidade” atinge hoje seu ponto crítico desde que, nos últimos duzen-tos anos, ampliamos as taxas de extinção de espécies em até 10.000 vezesmais do que as ocorridas ao longo da história do Planeta. O repensar daentidade Natureza exige que ela seja tratada não como objeto, mas sujeito.Confira no artigo sobre Biomimetismo como a biodiversidade já começa anos ensinar a produzir sem desperdício e de forma sustentável. Veja tam-bém nos artigos sobre a mercantilização dos bens naturais e dos serviçosecossistêmicos – sobretudo água e alimentos – a extensão da insânia promo-vida pelo capitalismo de mercado.

E no que tange nosso país, recomendo a leitura atenciosa dos artigos sobreo Patrimônio Ambiental da Amazônia Legal, o desmatamento de florestastropicais e o projeto do Novo Código Florestal.

Hélio CarneiroEditor

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Nº 33 – 2011 - ANO VICapa: Vista aérea da Amazônia por Neil Palmer/CIAT

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Biodiversidade cultural: em defesa da diferençaAo demonstrar a total interdependência entre o social (etnosfera) e o natural (biosfera),este artigo desmonta as ultrapassadas abordagens unilaterais e fundamenta as basesde um promissor paradigma conservacionista. Por Maywa Montenegro & Terry Glavin

Capitalismo verde: natureza, genes e saber indígenaA gestão do meio ambiente virou negócio com a mercantilização dos recursos naturais(genes, organismos, serviços ecossistêmicos e saberes ancestrais dos povos indígenas)em preciosos “ativos financeiros”. Por Servicio de Noticias Ambientales/FOBOMADE

Novo Código Florestal: guerra de números e interpretaçõesA proposta em discussão pode realmente levar o país a uma devastação florestalincontrolável?O novo projeto é mais ou tão prejudicial quanto o código defasado?Confira os argumentos de um especialista na questão. Por Osvaldo Ferreira Valente

Baleia à vista!Entre os meses de junho a novembro, as baleias jubarte chegam a Arraial do Cabo/RJe a Abrolhos (BA) para acasalamento e cria. Descubra tudo sobre a rota migratóriadesses encantadores cetáceos. Por Marcelo Tardelli Rodrigues

O patrimônio ambiental da Amazônia LegalRecém-lançado relatório reúne geoestatísticas sobre os recursos naturais da região,preciosos indicadores para o acompanhamento sistemático da utilização e doestado de conservação dos recursos florestais, minerais e aquíferos. Por IBGE

Mandioca: alimento ou combustível?A corrida mundial na produção de vegetais comestíveis agora desviados para a produçãode biocombustíveis vem elevando os preços dos alimentos básicos e agudizando a ameaçade fome em escala mundial. Por Elisabeth Rosenthal

Florestas tropicais: o desmatamentA ação predatória humana sobre o meio ambiente é especialmente dramático nas florestastropicais, com consequências catastróficas sobre a biodiversidade, o clima e a própriasociedade humana. Conheça a grave amplitude da questão. Por Rebecca Lindsey

Bimimetismo: aprendendo com a naturezaA ciência do Biomimetismo prova que “a natureza é a mãe de todas as invenções...e soluções”, e introduz uma nova era de desenvolvimento tecnológico baseada não noque podemos extrair do meio ambiente, mas no que podemos aprender e desenvolvera partir dele. Por The Biomimicry Institute, Clay Dillow e John B. Carnett

A desaprovação do texto do Código FlorestalO texto aprovado pela Câmara dos Deputados privilegiando o agronegócio emdetrimento da biodiversidade é desaprovado pela comunidade científica e por10 ex-ministros do Meio Ambiente. Por Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC)

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por Maywa Montenegro & Terry Glavin

BIODIVERSIDADE CULTURAL

À luz dos conceitos de resiliência e de diversidade biocultural, cientistas dediversas áreas constroem novos insights sobre o que se deve proteger esustentar neste momento em que línguas, culturas e espécies animais evegetais declinam em acelerado processo de extinção. Ao demonstrar a totalinterdependência entre o social (etnosfera) e o natural (biosfera), este artigodesmonta as ultrapassadas abordagens unilaterais e fundamenta as basesde um promissor paradigma conservacionista.

Em janeiro de 2008, na Catedral Ortodo-xa Russa de São Inocêncio, em Anchorage, Alasca, amigos e parentes se reuni-

ram para dar o último adeus a Marie Smith Jones,matriarca amada e respeitada na comunidade. Aos89 anos, ela foi o último orador fluente da línguaEyak. Em maio de 2007, uma cavalaria de Janja-weed – notória milícia sudanesa responsável pelogenocídio em curso dos povos da região de Darfur– invadiu a fronteira do vizinho Chade. Os milicia-nos estavam à cata de 1,5 tonelada de marfim con-fiscado, com valor estimado em US$1,5 milhão,trancada em um depósito no Parque NacionalZakouma. No mesmo período, uma misteriosa ondade desaparecimento de sapos que intrigava os her-petólogos disseminou-se pela região noroeste doPacífico dos EUA. Logo se descobriu que o Batra-chochytrium dendrobatidis, um fungo mortal nati-

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vo da África do Sul, encontrara uma via de disper-são através do comércio de coxas de rã exportadaspara as Américas Central e do Sul, Austrália e Esta-dos Unidos. No ano seguinte, eclodiriam em todo oHaiti insurreições provocadas pela fome, e respon-sáveis pela morte de pelo menos cinco pessoas. E àmedida que os preços dos alimentos subiram, vio-lência similar eclodiu no México, Bangladesh, Egito,Camarões, Costa do Marfim, Senegal e Etiópia.

Todos estes eventos aparentemente desconecta-dos são sintomas de uma epidemia global de mes-mice. Ela não tem parâmetros precisos, mas sem-pre que sua sombra se abate sobre um setor, deixaa paisagem monocromática, monocultural e ho-mogênea. Mesmo antes de termos sido capazesde inventariar a enorme diversidade atual – dosmicróbios não descritos às línguas não cataloga-

das – esta epidemia extingue uma língua humanaa cada duas semanas, destrói uma variedade do-méstica de cultura alimentar a cada seis horas edizima uma espécie a cada poucos minutos. Estaviolência não representa apenas uma estocadana estética ou nos valores éticos. Sua amplitudeé muito mais abrangente, pois à medida que cul-turas e línguas desaparecem, levam consigo vas-tos e arcaicos repertórios de conhecimento acu-mulado. E quando as espécies desaparecem, le-vam com elas não vão apenas valiosos recursosgenéticos, mas as vitais interações que permei-am as complexas cadeias ecológicas.

Há muito os especialistas reconhecem os perigosda extinção biológica e cultural. Mas só agora co-meçam a ver tais ameaças como diferentes facetasdo mesmo fenômeno, e começa, a identificar as

em defesa da diferença

DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE . 20115 de JUNHO

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diversas formas de interação entre sistemas sociaise naturais. Devido em parte à urgência que a mu-dança climática traz a todas as questões ambien-tais, dois movimentos progressistas, há décadasem incubação, finalmente se revelam à luz do dia.Coligando cientistas naturais e sociais de amplagama de disciplinas e arenas políticas, estas inicia-tivas agora trabalham para unir os pontos entreetnosfera e biosfera de uma forma que deixa paratrás antigas abordagens unilaterais para a questãoconservacionista. Os esforços para estancar a ex-tinção de línguas, culturas e patrimônios biológi-cos geram uma “perspectiva biocultural” que inte-gra os três setores. Os esforços para compreendero valor da diversidade em uma estrutura de siste-mas complexos têm amadurecido na “ciência daresiliência” (a capacidade concreta de retornar aoestado natural de excelência, superando uma situa-ção crítica). A partir de trajetórias paralelas, embo-ra com ênfases diversas, léxicos diferentes e con-juntos de especialistas sobrepostos, esses para-digmas emergentes criaram espaço para um novoenfrentamento de questões difíceis, tais como:º% Que tipos de diversidade devemos considerar, ecomo aferi-los em escalas local, regional e global?º% Pode a diversidade ser protegida das atuaispressões de crescimento econômico?º% Quanto de diversidade é suficiente proteger?

De um recente simpósio sobre diversidade bio-cultural em Nova York à primeira discussão glo-bal sobre resiliência, em Estocolmo, esses mo-vimentos florescem juntando biólogos, antropó-logos e cientistas que têm a contribuir na cons-trução de um novo cenário que objetiva apontarcomo, por que e o que sustentar.

A SEXTA EXTINÇÃOA crise da biodiversidade é chamada de “SextaExtinção”, pois evento desta magnitude só ocor-reu cinco vezes na história da vida na Terra. Aúltima deu-se no final do período Cretáceo, como desaparecimento dos dinossauros. Nos últimosduzentos anos, os seres humanos ampliaram astaxas de extinção de espécies em até 10.000 vezesmais do que as verificadas ao longo da história doplaneta. Tal fato corresponde a um cataclismoque causa na comunidade científica crescente pâ-nico e a crença de que os perigos da perda debiodiversidade estão lamentavelmente sendo su-bestimados pela maioria dos indivíduos fora daesfera científica. No entanto, mesmo os que com-preendem a gravidade da extinção não têm contri-buído como deveriam para sua contenção.

Em 16 de maio de 2008, a Sociedade Zoológicade Londres divulgou um relatório sugerindo quedesde o surgimento do movimento ambientalcontemporâneo, com a declaração do primeiroDia da Terra, em 1970, perto de um terço detodas as espécies selvagens do planeta desapa-receram. Os lingüistas também apresentaram es-tatísticas dramáticas: das cerca de 6.800 línguasfaladas no mundo, quase a metade, senão 90 porcento, segundo consenso de alguns grupos, de-verão desaparecer antes do final do século.

Nossa falha coletiva em reconhecer e impediressa perdição desenfreada da diversidade podeser em parte atribuída à espantosa rapidez comque ela avança. Desde 1900, a população huma-na quadruplicou, o uso da água aumentou novevezes, as emissões de dióxido de carbono em 17vezes, a captura de peixes marinhos 35 vezes e aprodução industrial 40 vezes. É essa pegadahumana expansionista – e o comércio global doqual é dependente – que unifica as histórias deMarie Smith Jones, os cavaleiros Janjaweed, odesaparecimento em massa de batráquios e osdistúrbios alimentares. Nunca antes na históriado planeta o fluxo transnacional de pessoas eprodutos, de mídia e informação, de produtosagricolas e commodities foi tão avassalador erápido. A expansão do comércio globalizado emescala global desestabiliza as culturas locais edizima as espécies animais e vegetais vulnerá-veis. Quando não é a literal extinção de uma lín-gua pela morte de seu último falante ou a disse-minação de um fungo invasivo devastador, é otráfico de mercadorias exóticas, como presas deelefante, que só tem a ganhar com a redução docontingente desses animais. Este universo cadavez mais calibrado pelo consumo, pela eficiên-cia e pela conveniência torna-se mais notório noatual agronegócio, que produz grande volume dealimentos, mas em contrapartida exige cada vezmaior uniformidade e padronização.

Só que graves falhas começam a surgir neste siste-ma. Em 2008, por exemplo, um potente conjuntode estiagens, inundações, preços elevados doscombustíveis e demanda mundial dos países emdesenvolvimento por carne bovina provocou odesabastecimento de muitos alimentos básicos,

com consequente aumento de seus preços. E aoinvestir na criação da próxima geração de plantasresistentes a rigores climáticos e capazes de ofe-recer maior rendimento, os cientistas e os agricul-tores se deparam com um patrimônio genéticoassustadoramente reduzido. Dirigindo-se à audi-ência na Cúpula Mundial da Alimentação, em maiode 2008, Alexander Müller, diretor-geral assis-tente da ONU para Alimentação e Agricultura,advertiu que a maior parte da oferta global dealimentos tinha diminuído para apenas uma deze-na de culturas e 14 espécies de animais. Segundoa FAO, três quartos das variedades criticamenteimportantes de culturas alimentares desaparece-ram no correr do século 20, e centenas de raças degado adaptadas a sítios específicos estão à beirade ter o mesmo destino. “A erosão da biodiversi-dade nos setores alimentação e agricultura com-promete severamente a segurança alimentar glo-bal”, sentenciou Müller.

ETNOSFERA-BIOSFERA:CONEXÃO INDIVISÍVELA conexão entre as extinções linguísticas, cultu-rais e biológicas é, no entanto, muito mais com-plexa do que seu fator indutor – a globalização.Uma vez em curso, as extinções também se con-vertem em agentes indutores, criando uma com-plexa rede de retroalimentação. O fato de estar-mos começando a compreender os meandrosdessas relações se deve em grande parte ao tra-balho da antropóloga e linguista italiana LuisaMaffi. Trinta anos atrás, recém-saída da Uni-versidade de Roma, Maffi realizava um trabalhode campo na Somália quando começou a perce-ber o elo entre linguagem e ecologia. Ao chegarà Universidade da Califórnia, em Berkeley, inicouseu doutorado em antropologia, tendo como focoa etnomedicina, que pesquisou em Chiapas,México, local onde teve uma confirmadora reve-lação.

Maffi relata que ao entrevistar indivíduos do povomaia Tzeltal, que faziam fila num posto de saúdeda aldeia de Tenejapa, conheceu um homem quedurante duas horas carregara nos braços sua filhade dois anos, com diarréia. O homem tinha ape-nas uma vaga lembrança da “erva perna gafanho-to”, remédio antidiarréico de grande eficácia naetnofarmacopéia Tzeltal. Por ter esquecido o nomeda planta em sua língua nativa, ele perdera quasetodo o conhecimento utilitário da erva ou, quemsabe, até mesmo ignorava sua existência.

Esta história atesta o pleno impacto das atuaistendências globais sobre as culturas tradicionais.Não são apenas as espécies biológicas ou os idi-omas que estão desaparecendo do mundo. O pla-neta também está perdendo conhecimentos úteise preciosos e saberes ancestrais. E se o mundoestá perdendo o conhecimento local, muito maisdeve estar indo pelo ralo abaixo.

Maffi começou a formar sua rede de conhecimen-to junto a lideranças indígenas e a especialistasem ciências naturais, sociais e em desenvolvimen-

Os esforços paraestancar a extinção de

línguas, culturas epatrimônios biológicos

geram uma ‘perspectivabiocultural’ que integra

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to, e, claro, linguistas. Em 1996, Maffi e paresorganizaram, em Berkeley, a seminal conferência“Endangered Knowledge, Endangered Environ-ments” (Conhecimento em Perigo, Meio ambien-te em Perigo) e, um ano mais tarde, fundouTerralingua (www.terralingua.org), organizaçãointernacional dedicada à pesquisa, educação e de-fesa da “linguística dos direitos humanos”. Gra-ças em grande parte a Maffi, o conceito “diversi-dade biocultural” passou a aparecer com maiorfreqüência no léxico de cientistas e acadêmicosenvolvidos com o fenômeno da extinção.

A perspectiva biocultural agora goza de grandevisibilidade na cena internacional. Em outubrode 2007, o relatório Global Outlook 4, do Pro-grama das Nações Unidas para o Meio ambien-te (PNUMA), reiterou o consenso científico deque, em última instância, os seres humanos sãoos responsáveis pela atual extinção global. Pelaprimeira vez, o PNUMA estabeleceu a conexãoexplícita entre o colapso da diversidade biológi-ca em curso e a rápida evolução reducionista dadiversidade cultural e lingüística em escala glo-bal: “A mudança social e econômica global estálevando à perda da biodiversidade e à deterio-ração dos modos de vida locais, promovendo aassimilação cultural e a homogeneização”, ob-servou o relatório. “As alterações culturais –perda dos valores culturais e espirituais, daslínguas, dos saberes e das práticas tradicio-nais – constituem vetores que podem causarcrescentes pressões sobre a biodiversidade...Em contrapartida, essas pressões acabam porimpactar o bem-estar humano”.

Um segundo marco importante – provavelmentede suma importäncia – surgiu no início de 2008,quando mais de 300 importantes pensadores dasáreas de conservação da natureza, lingüística, an-tropologia e biologia reuniram-se no Museu Ame-ricano de História Natural/AMNH (www.-amnh.org), em Nova York, para o simpósio “Sus-taining Cultural and Biological Diversity in aRapidly Changing World: Lessons for GlobalPolicy. (Sustentando as Diversidades Cultural eBiológica em um Cenário de Mudança: Liçõespara a Política Global). Co-organizado pelo Cen-tro de Conservação da Biodiversidade doAMNH, pelo Terralingua, de Maffi, e por maisum punhado de grupos, os participantes sinali-zaram a tentativa de se começar a corrigir o queidentificam como duas gritantes desvantagens:“o mútuo isolamento” entre as ciências naturaise sociais e o “limitado reconhecimento e rele-vância da imensa variedade de interações ho-mem-meio ambiente desenvolvidas por inúme-ras povos”. Durante quatro dias de apresenta-ções, painéis e sessões informais “ubuntu” (noespírito da ética africana de “humanidade para ossemelhantes”), o fórum destacou o interesse re-novado em campos transdisciplinares – etnolin-guística, etnozoologia, etnobotânica, etnobiolo-gia, etnoecologia –, que focam a documentação, adescrição e a compreensão de como os povospercebem, usam e gerenciam seus ambientes.

O simpósio terminou com uma declaração deprincípios: uma resolução formal a ser apresen-tada à União Internacional para a Conservaçãoda Natureza (UICN) em sua reunião de outubrode 2008, em Barcelona, Espanha. A resoluçãoinstava a IUCN – até então focada exclusiva-mente em aspectos não-humanos do conserva-cionismo – a integrar a diversidade cultural emsuas políticas e esforços programáticos conser-vacionistas. “Se tudo acontecer do jeito que in-tuímos, a mudança de paradigma será enor-me”, enfatiza Eleanor Sterling, diretora do Cen-tro para a Conservação da Biodiversidade. “Issosignificaria focar não apenas na biodiversida-de, mas em como os indivíduos tradicionalmen-te moldam o meio ambiente. Seria uma grandemudança na maneira de o mundo pensar o queestamos tentando preservar”.

Maffi concorda que a resolução de Barcelona,se aprovada, irá mudar radicalmente o modocomo a IUCN opera. Preciosa colaboradora daseção biodiversidade no relatório Global Out-look 2007, da UICN, Maffi parece ter atingidoseu objetivo. “Quando penso onde estávamoshá 12 anos, nada do que agora é falado eraabordado. Era difícil abrir uma brecha paratais discussões. Agora,no entanto, estamos che-gando à importante compreensão de que natu-reza e cultura são uma única entidade. Deixoude ser uma questão difusa para ocupar lugarde destaque nos foros internacionais.”.

Finalmentecompreendemos o que

é vital: natureza e culturaformam um todo

indivisível.

BIODIVERSIDADE,HOMOGENEIDADE E EXTINÇÃOUma coisa é reconhecer, no papel, que cultura enatureza, linguagem e paisagem estão intimamen-te associados e formam um todo indivisível. Masdiscernir de uma forma rigorosa o que são essasrelações é infinitamente mais desafiador. E é essetipo de pesquisa que Maffi e outros estão inves-tigando. Alguns padrões, entretanto, já surgiram– o mais notável deles vem a ser a sobreposiçãogeográfica: tudo indica que os epicentros da bi-odiversidade global tendem a situar-se exatamentenos mesmos epicentros de grande diversidadecultural, linguística e de cultura alimentar. Umdesses “hotspots de megadiversidade” localiza-se nas terras fronteiriças de Birmânia, Índia eChina, ou seja, nas florestas tropicais do Hima-laia Oriental. Em apenas um diminuto ponto daregião falam-se mais de 30 línguas tibeto-birmanesas; e nas terras de apenas três peque-nas aldeias situadas num mesmo distrito tribalcultivam-se mais de 150 variedades “domestica-das” de vegetais alimentícios.

Na verdade, se fosse possível a uma pessoa pai-rar sobre a Terra e, de alguma forma, detectar ariqueza biocultural, esse indivíduo veria em todosos continentes, exceto na Antártida, regiões ondenatureza e cultura parecem ter derramado todasas suas riquezas em gotas concentradas. O porquê dessa sobreposição ainda continua sendo umenigma a ser decifrado, já que as linhas de causa eefeito podem – o que frequentemente ocorre –sinalizar várias direções. É amplamente sabidoque a perda do habitat via desmatamento, porexemplo, pode resultar na morte de uma língua ena extinção em massa de espécies animais e vege-tais. Mas, às vezes, como no caso das florestas depinheiros do Canadá, a causalidade é inversa.

Durante a década de 1990, a espécie de besouroDendroctonus ponderosae (mountain pinebeetle) dizimou cerca de 7 milhões de hectaresde florestas da Columbia Britânica – uma áreaaproximadamente igual ao tamanho do estado deNova York. Mas a questão na verdade começoucom a varíola, que se alastrou por aquele interiorcanadense há 150 anos, dizimando as comunida-des tribais que por milhares de anos realizavamregulares queimadas de floresta a fim de regular aprodução de frutos silvestres e garantir a abun-dância de cervídeos. Quando esse sistema degestão chegou ao fim, o resultado foi uma paisa-gem de densas florestas e de pinheiros vetustos.A política governamental de supressão de incên-dios naturais somada a invernos menos frios tor-naram as florestas de pinheiro cada vez maissuscetíveis à infestação de insetos e a incêndiosde grandes proporções.

O fato de a Terra estar se tornando mais homogê-nea – menos uma colcha de retalhos e mais umconcentrado pasteurizado – se deve em parte àextinção das línguas regionais ou dos estilos devida – ambos únicos. Mas o maior fator a contri-buir para tanto é a invasão. Segundo o relatório

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DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE . 20115 de JUNHO

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Millennium Ecosystem Assessment, de 2005 (Ava-liação dos Ecossistemas do Milênio - www.-maweb.org), tão rapidamente quanto regionalmen-te espécies únicas desaparecem, os índices de in-trodução de espécies (na maioria das regiões domundo) superam as taxas atuais de extinção. Damesma forma, a propagação dos idiomas inglês,espanhol e chinês em todos os pontos do mundofacilmente supera a taxa de perda de línguas emescala global. Esta propagação de espécies oportu-nistas e de línguas prospera devido aos atuais con-dutos antrópicos de comércio e de comunicação.

A introdução de novos organismos ou de novaslínguas em uma comunidade quase sempre re-sulta em aumento da homogeneidade global. Seuefeito sobre a diversidade é, no entanto, maiscomplexa, levantando uma questão importantesobre o próprio conceito de diversidade: ele sótem significado como escala. Quando, por exem-plo, se introduz várias espécies de ervas dani-nhas numa estepe africana, aumenta-se a biodi-versidade local. A introdução do idioma inglêsnuma comunidade de múltiplos dialetos do Alas-ca, por exemplo, resulta no aumento da diversi-dade linguística local – o que, afinal, representaapenas acréscimo ao pool existente. Mas os gan-hos em diversidade local decorrentes da introdu-ção de novos elementos tendem a ser de curtaduração. Assim como as línguas muitas vezessão oprimidas por outras dominantes, as plan-tas, animais e micróbios invasores eventualmen-te podem impor-se e substituírem a vida nativa.E quando até mesmo uma gramínea nativa ou umdialeto indígena morrem em conseqüência des-sas introduções – como é quase sempre o caso –, a biodiversidade global sofre. Assim, ahomogeneidade, embora não seja sinônimo deextinção, reflete tanto a extinção ocorrida no pas-sado quantos as passíveis de ocorrer.

DA BIOFILIA À RESILIÊNCIAMas o que, em última instância, é o valor da diver-sidade? O que merece um colossal esforço de pre-servação? Segundo a freqüentemente citada “hipó-tese de biofilia” do biólogo E. O. Wilson, o serhumano tem atração inata para outros tipos decriaturas e o desejo de viver em um mundo deformas diversificadas e abundantes da vida. Pro-ponha a um grupo de pessoas questões sobre ovalor da diversidade. Algumas certamente se reve-larão “biófilas”, ao citar o valor intrínseco de ou-tras formas de vida e de saberes, e, portanto, odireito inerente à existência de cada uma delas.Outras adotarão abordagem mais utilitarista, invo-cando os serviços de seqüestro de carbono das flo-restas ou o papel das línguas locais como registrosda história humana. Outras ainda se verão dura-mente pressionadas a encontrar um valor qualquer.Mas em meio ao filosófico, ao pragmático e aoinexistente emerge um novo paradigma para des-crever a importância da diversidade. Para um pe-queno grupo de biólogos, ecólogos, físicos e eco-nomistas com visão de futuro que se reuniram noinício de 2008, em Estocolmo, a resposta é sim-ples: a questão central é a resiliência.

A Teoria da Resiliência – e o emergente campo daciência da resiliência a ela associado – institui apremissa básica de que os sistemas humanos e osnaturais estão fortemente conectados (sistemasintegrados). Os chamados sistemas “socio-eco-lógicos” são entendidos como entidades em cons-tante mutação e altamente imprevisíveis. E, con-trariamente à teoria ecológica padrão – que sus-tenta que a natureza responde às mudanças gra-duais em ritmo constante e correspondente –, aconcepção de “resiliência” sustenta que os siste-mas freqüentemente respondem a eventos esto-cásticos (como tempestades ou queimadas) commudanças dramáticas que, se levadas a estadostotalmente alterados, tornam difícil, senão impos-sível, sua recuperação. Numerosos estudos empastagens, recifes de corais, florestas, lagos e atémesmo em sistemas políticos evidenciam que essaafirmação é verdadeira. Um lago cristalino, porexemplo, parece pouco afetado pelo escoamentode fertilizantes até que o limiar crítico é ultrapas-sado, ponto em que a lagoa repentinamente setorna inviável. Um recife com dominância de es-trutura coralina rígida pode, no rescaldo de umfuracão, vir a ser dominado por algas. Uma naçãodemocrática atingida por seca, pestes ou quebrada bolsa pode cair no caos político.

Resiliência é, pois, a capacidade de um sistema –quer uma lagoa marinha ou um município – supor-tar o fluxo ambiental sem cair em um estado qualita-tivamente diferente do original. Ou seja, sem deixarde ser “resiliente”. E é justamente aí que a diversi-dade entra na questão. Quanto mais biológico e cul-turalmente diversificado um sistema, mais protegi-do ou “resiliente” ele é contra distúrbios ou deses-tabilizações. Vejamos, por exemplo, o caso do Mardo Caribe, onde uma grande variedade de peixesmantinha as algas em equilíbrio nos recifes de coral.

Devido à pesca predatória dos últimos anos, estesherbívoros progressivamente deram lugar aos ouri-ços do mar, que continuaram a manter em equilíbrioos níveis de algas. Mas, em 1983, um agente patogê-nico chegou àquelas águas e dizimou a população deouriços, fato que levou o recife de coral a ser domina-do por algas. Desta forma, a perda da diversidade viasobrepesca corroeu a “resiliência” do sistema, tor-nando-o vulnerável a um ataque ao qual provavel-mente teria resistido no passado.

Para Crawford “Buzz” Holling, reconhecido comopai da Teoria da Resiliência e diretor-fundador daResilience Alliance (www.resalliance.org) – rede in-ternacional de acadêmicos que trocam informaçõessobre a dinâmica dos sistemas sócio-ecológicos –,2008 marcou o claro amadurecimento do conceito“resiliência”. Na Resilience 2008 (http://resilience2008.org), a primeira reunião de cúpula dogrupo, realizada no recém-inaugurado Centro de Re-siliência da Universidade de Estocolmo, Hollingproferiu uma palestra para mais de 600 cientistas,políticos e artistas ali reunidos para quatro dias de“brainstorming”. Como ocorreu no simpósio doAmerican Museum of Natural History/AMNH(www.amnh.org) poucas semanas antes, o fococentrou-se em como passar da teoria à prática.

A partir do momento em que se começa a pensaratravés da lente resiliência, as implicações políti-cas são realmente enormes. A economia necessa-riamente se transforma em seu análogo sócio-ecológico – a “economia ecológica”. Assim, porexemplo, uma cidade que busca expandir suasfronteiras deve considerar não apenas os custos ebenefícios em termos humanos, mas também apli-car cálculo idêntico ao meio ambiente. Eficiênciaem detrimento da diversidade torna-se um anáte-ma – fato que leva uma empresa desejosa de semanter operacional a pensar duas vezes antes desubstituir cinco operários por uma máquina apa-rentemente mais inteligente. A redundância, não aaniquilação, é incentivada a partir da alegação deque quanto maior o número de genes e de memes(unidade de evolução cultural que pode de algu-ma forma autopropagar-se), maior a segurançapara a ocasião em que as condições de mudançasobrecarregarem o paradigma dominante. Nãoexiste um “equilíbrio sagrado” na natureza, dizHolling. “Essa é uma idéia muito perigosa.”

A ciência da Resiliência pode atolar em seu pró-prio léxico específico: uma nuvem de “capacida-des adaptativas”, “grupos funcionais” e “princí-pios de auto-organização”. Mas se deixarmos delado as fórmulas prontas, a essência se revela sim-ples. Paisagens homogêneas – quer linguísticas,culturais, biológicas ou genéticas – são frágeis epropensas a falhas. Evidências disso pontilham ahistória humana, como Jared Diamond tão meticu-losamente catalogou em seu livro Collapse (Co-lapso, traduzido em Portugal pela editora Gradi-va). Tanto faz que uma mudança climática devasteuma base agrícola reduzida, que a falta de imagina-ção cultural não saiba como lidar com o problemaou a devastadora combinação das duas hipóteses:

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dad

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O luxo daheterogeneidade

pode desaparecer.”“

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Maywa Montenegro é editora da Seed, especialis-ta em agricultura, biodiversidade e desenvolvimentosustentável. Terry Glavin é jornalista canadense, edi-tor e autor de Dead Reckoning: Confronting theCrisis in Pacific Fisheries, The Last Great Sea: AVoyage Through the Human and Natural History ofthe North Pacific Ocean, and The Sixth Extinction:Journeys Among the Lost and Left Behind. Glaviné igualmente professor adjunto no Departamentode Escrita Criativa na Universidade de British Co-lumbia, e mantém o blog Chronicles and Dissent(http://transmontanus.blogspot.com/). O artigoIn_Defense of Difference foi publicado em SeedMagazine (October 2008) e online http://seedmagazine.com (29/4/2011). Tradução de Cida-dania & Meio Ambiente.

as sociedades pouco resilientes para enfrentar asdemandas de uma mudança ambiental invariavel-mente desintegram-se. Esta concepção pode serresumida no dito: “O que não enverga, quebra”.

Pelas contas do eco-economista Robert Costanza,o valor de todos os serviços ecossistêmicos daTerra avulta a impressionantes US$33 trilhões.Quando este valor foi publicado na revista Nature,em 1997, repercutiu mundo afora – pela primeiravez, as pessoas perceberam o quanto a biosferaintacta contribui para a economia e, por outro lado,quais seriam as conseqüências de sua destruição.Desacelerar as extinções biológica e cultural – enti-dades que agora sabemos estar intimamente relaci-onadas – é a única resposta lógica para aquele tipode cálculo. E, ainda assim, ninguém parece ter emmente um valor quando se trata de atingir umameta. Quanto de diversidade – biológica, linguísti-ca ou social – é suficiente? A primeira dificuldade éinerente à própria pergunta: “Suficiente para quê?”Para ser resiliente a 75 por cento de alteraçõesambientais? A 90 por cento? Suficiente para abar-car quanto de valor estético, utilitário e científico?O segundo problema mais concreto e não menosdifícil de tratar é que ainda temos um registro ape-nas parcial da diversidade biológica e lingüísticaexistente no planeta.

Ao final do cruzeiro de dois anos a bordo doSorcerer II, o geneticista Craig Venter duplicouo número de genes conhecidos até agora pelaciência. Numa entrevista concedida ao retornar,Venter declarou: “Já identificamos até 40 milnovas espécies de bactérias em um único barrilde água do mar, sem contar os vírus, que po-dem chegar a 400 mil”. Wilson estima que ahumanidade tenha catalogado apenas de 1,5 a1,8 milhão de espécies de um total que os cien-tistas estimam entre 3,6 e 112 milhões. Enquan-to não houver dados confiáveis que documen-tem o número de línguas no mundo, a estimativamais plausível é que menos de 10 por centodelas estejam “bem documentadas”, o que sig-nifica possuírem gramática abrangente, estaremcodificadas em extensos dicionários e textos abun-dantes disponíveis em variados gêneros e meiosde comunicação. Os restantes 90 por cento são,em graus variados, subdocumentados, ou, paratodos os efeitos, sequer documentados.

Talvez o mais perto que já se tenha chegado aoobjetivo explícito de conservação da diversidade sejao “2010 Biodiversity Target”( http://www.cbd.int/2010-target/), iniciativa aprovada em 2002 pelos188 (hoje 191) países membros da Convenção daONU sobre Diversidade Biológica. Seu objetivo éambicioso: “atingir até 2010 uma redução signifi-cativa da taxa atual de perda de biodiversidade anível global, regional e nacional, a fim de reduzir apobreza e beneficiar toda a vida na Terra”. Mas,apesar dos progressos assinalados, incluindo a in-corporação dos Objetivos de Desenvolvimento doMilênio das Nações Unidas, de 2006, e do recentecompromisso reafirmado pelos líderes mundiais noFórum Mundial da Biodiversidade, 2008, realizada

em Bonn, pela ONU, é improvável que a meta sejaatingida até 2010 “sem esforços adicionais extraor-dinários”. Um objetivo menos nobres, embora tal-vez viável, centra-se no repertoriamento dos hots-pots biológicos mundiais. Junto com organizaçõescomo a Conservation International e o World Wil-dlife Fund, Wilson passou os últimos anos advo-gando pela proteção urgente de 25 porções de terra,que respondem por apenas 1,4 por cento da super-fície terrestre planetária, mas que abriga 44 por cen-to das espécies vegetais e mais de um terço de todasas espécies de aves, mamíferos, répteis e anfíbios.Ele estima que o custo desse projeto seria de cercade US$25 bilhões – ou 5 por cento do orçamento dedefesa dos EUA para 2008. Dada a clara sobreposi-ção geográfica entre os hotspots de biodiversidade ede línguas – e, sobretudo, pelo que Maffi e outrosestão identificando como a co-evolução da lingua-gem e da ecologia – US$25 bilhões seria para a Terra“um negócio da China”.

Os emergentes paradigmas de diversidade biocul-tural e ciência da resiliência não deixam de ter,contudo, seus detratores. Em artigo de 2005,Salikoko Mufwene, linguista e biólogo evolucio-nista da Universidade de Chicago, indagava se os“bioculturalistas” não estavam “simplesmente sen-do paternalistas ao não fazer um esforço paraentender o que leva os falantes de uma língua a elarenunciarem”. Ele argumenta ser perfeitamenteracional que indivíduos abdiquem de falar suas lín-guas nativas no cotidiano em função dos benefíciossociais e econômicos facultados pela nova língua, eque a “segregação etnolinguística” não é paliativopara as condições econômicas na base da perda dalíngua original. “O problema é que os defensoresdos direitos das línguas têm dado pouca atenção àrevolução vinculada por seus discursos”. TalvezMufwene tenha um pingo de razão. Afinal, maisde 96 por cento das línguas do mundo são faladaspor apenas quatro por cento. Se todas as línguasameaçadas do planeta desaparecessem amanhã,dificilmente alguém notaria. E quem realmente la-mentaria a perda de alguns milhões de micróbiosdesconhecidos? Podemos aceitar que alguma ex-tinção seja justificável em troca das muitas vanta-gens oferecidas pela sociedade globalizada – e que

para manter um mundo em crescente aquecimento,menor e mais densamente povoado teremos de daradeus ao luxo da heterogeneidade.

Esse argumento poderia ser ainda mais convin-cente se nossa trajetória atual não parecesse tãoprecária. Tudo que a civilização industrializadaatual produziu – de alimentos mais abundantese melhores medicamentos à comunicação quaseinstantânea – está assentado no que Jules Prettychama de “enganoso”. Em sessão na abertura dosimpósio do AMNH, Pretty, chefe do departa-mento de ciências biológicas na Universidade deEssex, Inglaterra, lançou à platéia: “Boa parteda literatura embute a suposição subjacente deque o mundo pode ser salvo dos problemas queenfrentamos – pobreza, falta de alimentos, ques-tões ambientais – se elevarmos os níveis de con-sumo mundial aos praticados na América doNorte e na Europa. Só que este tipo de conver-gência exigiria recursos de seis a oito planetasTerra” – adverte Pretty. “Como podemos pas-sar da convergência para a divergência, e emseguida para a diversidade?”

Com sua tendência em erguer barreiras teóricasimpermeáveis entre natureza e cultura, entre asfunções de seleção artificial e natural, o ambienta-lismo tradicional não foi capaz de acomodar umaperspectiva capaz de perceber os padrões maisamplos em vigor. A distinção que estabelece – comoo escritor Lewis Lapham recentemente colocou –“o que é ‘natural’ (o bom, o verdadeiro, o belo) eo que é ‘artificial’ (mau, produzido pelo homem,falso)” tem obscurecido a visão do inter-relaciona-mento profundo entre natureza e cultura. Quer ex-pressa como diversidade biocultural ou como sis-temas sócio-ecológicos distintos, a linguagem des-tes novos paradigmas reenquadra o próprio con-ceito de “meio ambiente”. Explícito em ambos ostermos está a compreensão nuclear de que se ocomportamento humano molda a natureza a cadasegundo, a natureza por sua vez molda o compor-tamento humano. Também explícito está o fato demitos, lendas, literatura, arte e ciência não seremmeros reflexos do meio ambiente filtrados pela per-cepção humana. Eles são, de fato, os únicos recur-sos de que dispomos para determinarmos o cami-nho que iremos trilhar. n

O valor de todosos serviços

ecossistêmicosda Terra avulta

a impressionantesUS$33 trilhões.

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por Servicio de Noticias Ambientales/FOBOMADE

A COP10 colocou em prática a surrada estratégia articulada pelasInstituições Financeiras Internacionais (IFIs) ao realizar os sonhosmais delirantes de corporações, banqueiros e fundos de investimen-to. Estruturado na lógica de que “só se conserva o que tem valor”,a Conferência de Nagoya convocou a “intensificação” de valor detodos os recursos naturais – inclusive a própria vida –, como umanova classe de “ativos financeiros” com valor pecuniário. Assim, aCOP10 transformou a “gestão do meio ambiente” em um “negó-cio”, e institucionalizou a mercantilização de todos os recursos na-turais, incluindo genes, organismos, serviços ecossistêmicos e sabe-res ancestrais dos povos indígenas – os ditos novos e preciososativos financeiros. Descubra os bastidores dessa investida do merca-do na apropriação da natureza.

“Capitalismo verde”:

natureza, genes e saber indígena

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A Décima Conferência das Partes da Con-venção sobre Diversidade Biológica

(COP 10), realizada no final de outubro de 2010,em Nagoya, Japão, introduziu uma “nova or-dem” econômica internacional que mercanti-lizará os recursos da biodiversidade – os der-radeiros bens comuns da humanidade.

O acordo assinado em Nagoya é “um passodecisivo nos esforços globais para a con-servação dos recursos genéticos, já que193 nações concordam em proteger 17 porcento das áreas terrestres e 10 por centodas áreas marinhas até 2020”, destacou osecretário-executivo da Convenção sobreDiversidade Biológica, Ahmed Djoghlaf.

Segundo Djoghalaf, este instrumento jurídi-co será lembrado como “um dos mais im-portantes na história da cooperação mul-tilateral e da ecologia, em particular” por-que transforma a riqueza natural em um “bemde capital” que principiará uma “nova or-dem econômica e ecológica internacional”.

Através do álibi da reversão da degrada-ção dos ecossistemas e da erosão genéti-ca, a COP10 santificou a surrada estratégiaarticulada pelas Instituições FinanceirasInternacionais (IFIs), tornando real os so-nhos mais delirantes de corporações, ban-queiros e fundos de investimento. [1] O se-cretário da CDB premiou o projeto “Busi-ness and Biodiversity” (B+B), lançado em2008 pela chanceler Angela Merkel e peloGoverno Federal da Alemanha, por contri-buir para a “salvação da biodiversidadeno Ano Internacional da Biodiversidade”.

A VITÓRIA DO “CAPITALISMO VERDE”Lucrar com os recursos naturais é sonho anti-go do capitalismo atualmente em crise. Há dé-cadas, o Acordo Geral sobre Comércio de Ser-viços (GATS) da Organização Mundial do Co-mércio (OMC) classifica todas as funções debiodiversidade genética e dos conhecimentostradicionais dos povos indígenas como “ser-viços ambientais” suscetíveis de valoração.[2]

Em 2001, o programa Millennium Ecosys-tem Assessment (MEA), da ONU, iniciou ocálculo do valor dos ecossistemas planetá-rios, e até 2005 identificou quatro tipos de“serviços ecossistêmicos” fornecidos porsolos, subsolos, depósitos de recursos na-turais e recursos marinhos. [3]

Em 2007, a iniciativa The Economics of Eco-systems and Biodiversity (TEEB – www.-

teebweb.org), patrocinada pelo Programadas Nações Unidas para o Meio Ambiente(PNUMA), começou a calcular o valor demercado das espécies, das moléculas e mui-to especialmente dos “serviços ambientais”fornecidos por florestas, zonas úmidas, pra-dos e recifes de coral. “Já que os ecossiste-mas prestam serviços essenciais ao bem-estar humano, por que não pagar poreles?”, lança Pavan Sukhdev, diretor doprograma TEEB e naquele momento tam-bém responsável pelos negócios internaci-onais de Serviços do Deutsche Bank.

Segundo o PNUMA, “o pagamento porserviços ambientais (por exemplo, a ma-nutenção de uma floresta para provimen-to de água ou o reflorestamento de áreasdegradadas para captura de CO2, entreoutras iniciativas) contribui para a cria-ção de empregos verdes e torna possíveldiversificar a renda da população rural”.

Em 2008, o PNUMA lançou o programa“Economia Verde” para incentivar o inves-timento em serviços ambientais derivadosda biodiversidade, uma “nova geração deativos” que supostamente iria estimular ocrescimento econômico, criar empregosdecentes e ajudar a reduzir a pobreza, aomesmo tempo que implementaria a susten-tabilidade ambiental da economia global. [4]

Desde então, o “Capitalismo Verde” inten-sificou sua ofensiva, ávido para transfor-mar a biodiversidade em dinheiro, até final-mente vencer a batalha decisiva na Con-venção das Nações Unidas sobre a Diver-sidade Biológica, realizada em finais de ou-tubro de 2010, no Japão.

Em Nagoya, o Banco Mundial propôs for-malmente tornar a gestão do ambiente na-tural um “negócio” e apresentou um proje-to-piloto para seis a 10 países, por um perí-odo de cinco anos, em parceria com Índia,Colômbia, PNUMA, ONGs de conservação,o Global Environment Fund, a União Inter-nacional para Conservação da Natureza(IUCN) e a Globe International. [5]

O Banco Mundial (BM) quer ensinar ospaíses a quantificar o valor dos ecossiste-mas e de seus serviços em termos de renta-bilidade e de valor patrimonial, e a incorpo-rar esses valores no planejamento e na for-mulação de políticas específicas conectan-do riqueza e crescimento econômico; e tam-bém desenvolver diretrizes para a aplica-ção prática de valoração dos ecossistemasaplicáveis em todo o mundo.

“A riqueza natural das nações deve serum bem de capital valorado junto comseus capitais financeiro, industrial ehumano. As contas nacionais devem re-fletir os serviços vitais do seqüestro decarbono oferecidos pelas florestas e osvalores da proteção costeira garantidapor recifes de coral e mangues”, decla-rou Robert B. Zoellick, Presidente do Ban-co Mundial,

“A contabilidade do capital natural devemobilizar os recursos adequados para per-mitir a conservação da diversidade bioló-gica e servir de trampolim para o desen-volvimento econômico”, ecoam GustavoFonseca, da GEF, e Julia Marton-Lefevre,Diretora-geral da União Internacional paraa Conservação da Natureza (IUCN).

O grupo TEEB também apresentou os re-sultados de suas pesquisas na COP10. Orelatório recomenda o inventário dos esto-ques físicos das reservas florestais e dosserviços ecossistêmicos; a criação de áre-as protegidas nacionais e regionais; e a atri-buição de valor aos serviços ecossistêmi-cos. Uma garantia de mais de 1,1 trilhão dedólares em “lucros extraordinários” às trans-nacionais, em 2050. [6]

A Conferência aprovou um plano estraté-gico com base no relatório “TEEB paraos negócios”, institucionalizou a mercan-tilização da biodiversidade e dos ecos-sistemas, e aprovou um protocolo que le-gitima a privatização de genes e dos co-nhecimentos indígenas.

Em 2050,os serviços

ecossistêmicosgarantirão

às transnacionaismais de 1,1 trilhãode dólares de lucros

extraordinários.”

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z Estima-se que os serviços ecos-sistêmicos costeiros sejam de25.000 bilhões de dólares/ano.Junto com os recifes de coral, elesfornecem 50% do pescado mun-dial, garantindo alimento paracerca de 3 bilhões de indivíduos e50% de proteína animal e mine-rais a 400 milhões de indivíduosnos países em desenvolvimento,informa o Pnuma.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO

DO “CAPITALISMO VERDE”A COP10, em Nagoya, acordou a “a fomenta-ção de um ambiente político que permita aparticipação do setor privado e a incorpo-ração da diversidade biológica em estraté-gias e processos de tomada de decisões em-presariais...”, e também “o incentivo à par-ticipação empresarial, na condição de inte-ressada direta, em qualquer futura revisão eimplementação de estratégias e de planosde ação sobre a biodiversidade”.

A COP10 instou o “incentivo da iniciativaBusiness and Biodiversity como forma deintegrar ainda mais o uso sustentável dabiodiversidade no setor privado”, deter-minando “uma série de opções para a inte-gração da biodiversidade nas práticas em-presariais...”.

O plano estratégico da COP10 reforça me-canismos e incentivos financeiros, como aPagamento por Serviços Ambientais (PSA),as compensações pela biodiversidade, ossistemas de certificação ecológica, e suge-re a aplicação mais ampla de outros meca-nismos a fim de mobilizar investimentosnovos e adicionais para a conservação e arestauração da biodiversidade.

A COP10 solicitou ao Secretário Executivoapoio ao programa de trabalho de explora-ção, avaliação e atribuição de valores, cus-tos e benefícios às áreas protegidas, levan-do-se em conta as características dos dife-rentes biomas e ecossistemas, com basenos resultados do estudo TEEB.

Neste sentido, a COP10 recomendou a imple-mentação acelerada dos mecanismos REDD-plus nos programas de mitigação e adaptaçãoàs alterações climáticas; e a integração ao mer-cado de carbono não apenas das florestas, masdos serviços ambientais, como a fotossíntese,a polinização, a prevenção da erosão do solo,entre outras “funções da natureza”.

Além disso, a Conferência de Nagoya apro-vou um Protocolo sobre o Acesso aos Recur-sos Genéticos e a Partilha Justa e Equitativados Benefícios Resultantes da sua Utilização (ABS, em inglês), que incluem o “materialgenético contido nas espécies” e “conhe-cimentos tradicionais” relacionados à bi-odiversidade”. Ele garante às empresasacesso a recursos genéticos e a conheci-mentos tradicionais “devalor econômico,científico ou social”, desde que os lucros

sejam compartilhados com a comunidade.Esses benefícios podem ser monetizados(através de taxas de acesso, por amostracoletada ou adquirido de outra forma; pa-gos na forma de adiantamentos, royalties,taxas de licenciamento, marketing, taxas es-peciais para fundos fiduciários ou para sa-lários) ou condições preferenciais mutua-mente acordadas como, por exemplo, finan-ciamento da investigação, “joint ventures”e “propriedade comum dos direitos de pro-priedade intelectual relevantes”.

A COP10 criou a Plataforma Intergovernamen-tal sobre Biodiversidade e Serviços Ambien-tais (IPBES, em inglês – http://ipbes.net), ór-gão composto por representantes de Estados,especialistas, empresários e financistas, oequivalente ao Painel Intergovernamental so-bre Mudanças Climáticas (IPCC). [7]

O IPBES monitorará a implementação daCDB até 2020, dando prioridade ao “in-teresse e capacidades do setor privado(...) sobre o uso sustentável da biodi-versidade e dos serviços como fonte defuturas operações comerciais e comocondição de novas possibilidades denegócios...”.

Os bancos e as empresas financeiras nãoescondem sua alegria, já que agora eles po-dem especular com territórios, áreas prote-gidas, reservas naturais e outros “sumidou-ros de CO2” privados. Abre-se, assim, umagrande oportunidade de negócios para abiodiversidade, celebra James Griffiths, doConselho Empresarial Mundial para o De-senvolvimento Sustentável (World Busi-ness Council for Sustainable Development– www.wbcsd.org/). n

O PREÇO DOS “SERVIÇOS” DA NATUREZA

z Também a polinização foi precificada: “Os insetos polinizadores provêem bi-lhões de dólares para a natureza. Para 2005, o valor econômico total da polini-zação por insetos foi estimado em 153 bilhões de euros – valor que representa9,5% da produção agrícola mundial destinada ao consumo humano em 2005.”

z O relatório TEEB calculou que as perdas econômicas provocadas pela degra-dação ambiental comam entre UD$2 e UD$4,5 bilhões/ano. Estima-se que uminvestimento anual de UD$45 bilhões em áreas protegidas poderia gerar UD$5trilhões/ano em serviços ecossistêmicos, incluindo o seqüestro de carbono, aproteção e melhoria dos recursos hídricos e a proteção contra inundações.

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Referências:[1] As Finanças no Assalto à Biosfera. Agnes Bertrand eFrançoise Degert, Libération, 29/06/2010.[2] Anexo 1B do Acordo de Marrocos. Cf. http://www.marianne2.fr/Le-complot-de-l-OMC-contre-les-services-publics_a123832.html[3] www.millenniumassessment.org/fr/History.aspx[4] The Green Economy Initiative, http://www.unep.org/greeneconomy/[5] O Banco Mundial apresenta programa que lista os ecos-sistemas como ativos, Stephanie Dearinghttp://translate.googleusercontent.com/...[6] Sugere considerar os princípios do “poluidor-pagador”e da “recuperação total dos custos” em novas orientaçõessobre incentivos e reforma tributária. Em alguns contextos,

pode-se aplicar o princípio de “beneficiário-pagador” emapoio a novos incentivos positivos, tais como pagamentospor serviços ambientais, incentivos fiscais e outras transfe-rências fiscais que visam incentivar os operadores do setorpúblico e privado à prestação de serviços ecossistêmicos. Cf.www.ecosystemmarketplace.com e www.teebweb.org

Servicio de Noticias Ambientales/ Foro Boli-viano sobre Medio Ambiente y Desarrollo(Sena-Fobomade) – O artigo Naturaleza, genesy saberes indígenas, los nuevos “activosfinancieros” del capitalismo verde foi publicadoem www.fobomade.org.bo ([email protected]) e em www.ecoportal.net (20/11/10). Tradução de Cidadania & Meio Ambiente.

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Novo Código Florestal:guerra de números e interpretações

por Osvaldo Ferreira Valente

A propsta em discussão pode realmente levar o país a umadevastação florestal incontrolável? O novo projeto é maisou tão prejudicial quanto o código defasado? Confira.

o

Nesse período de discussão do novoCódigo Florestal, temos convividocom um festival de números e de

interpretações dos seus significados. Umaverdadeira guerra entre ambientalistas, deum lado, e ruralistas, do outro, já que infe-lizmente tem sido assim entendida, quandonão deveria passar de divergências. E asdivergências são próprias da democracia.

Como a discussão enveredou, também, parao lado da paixão e da emoção, os númerosperderam os parâmetros reais e passaram aflutuar de acordo com os interesses e as ne-cessidades momentâneas de justificar posi-ções e/ou de defender trincheiras. E tudo aca-bou virando um grande novelo de dúvidas eincertezas, que a sociedade não conseguiuconscientemente desfiar. As tentativas de

entrar no jogo foram prejudicadas pelos pal-pites, boatos e informações desencontradas,tanto de um lado quanto do outro.

Feita esta introdução, vou desenvolver esteartigo usando dados do Serviço FlorestalBrasileiro (SFB), da estrutura do Ministériodo Meio Ambiente. O SFB publicou, em 2010,a obra intitulada “Florestas do Brasil”, com

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152 páginas, muito bem ilustrada e com ri-queza de informações sobre os nossos bio-mas e as florestas naturais neles existentes(disponível em www.florestal.gov.br). Resolvitrabalhar um pouco com as informações aliexistentes e compus um resumo para análise(veja quadro). São, portanto, informaçõesoficiais de um órgão público ligado ao prin-cipal agente ambiental brasileiro.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro flores-tal, especialista em hidrologia e manejo de pe-quenas bacias hidrográficas e professor titular,aposentado, da Universidade Federal de Viçosa(UFV); colaborador e articulista do EcoDebate.E-mail: [email protected]. Publica-do em www.ecodebate.com.br (31/5/2011)

O primeiro número que chama anossa atenção é a porcentagemde florestas naturais existentesno país. Se depois de tantosanos de destruição desenfreadao Brasil ainda tem 59,8% de seuterritório coberto por florestasnaturais, penso que continua-mos muito bem na foto mundial.Ou deveríamos ter 70%, 80%,transformando nosso país emsantuário natural da humanida-de? Se alguém acha que deve-mos ter mais do que temos, à luz dos núme-ros do SFB deve defender sua posição combase em tal realidade e não na suposição deque já destruímos tudo. Abrindo um parên-tese, e para não ficar em cima do muro, eunão acredito ser viável nenhuma propostaque venha a tornar intocável muito mais doque 50% do nosso território, numa compo-sição entre biomas, resguardando suas pe-culiaridades ambientais e suas necessida-des socioeconômicas. E os 50% só alcan-çáveis porque eu aceito que a Amazôniamerece um tratamento especial, com índicemaior de proteção.

Quando passamos a analisar as situaçõesdos biomas, vale lembrar, inicialmente, quepela parafernália da legislação atual, elesdeveriam ter as seguintes porcentagens deflorestas naturais, como reserva legal: 80%na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nosoutros quatro. Se imaginarmos, agora:1) que todas as propriedades rurais brasilei-ras passem, em pouco tempo e como tememos ambientalistas, a se enquadrarem, pordesmembramento, em pequenas (até quatromódulos fiscais), de acordo com a propostado novo Código e, por isso, possam consi-derar a soma de APPs com reservas legais; e2) que mesmo tendo tais possibilidades, elasestão proibidas, pelo novo texto aprovadona Câmara, de desmatar o que já existe.

Chegaremos, então, à conclusão que játemos garantidos os 59,8% atuais deflorestas naturais. Mas como muitas pe-

quenas propriedades, mesmo que resul-tantes de desmembramentos, ainda te-rão que recompor parte de suas faixasciliares e se adequarem, também, às exi-gências dos Biomas Cerrado e Pampa,que estão com percentuais menores doque os exigidos (Quadro 1), a tendên-cia, portanto, é de futuro aumento dasflorestas naturais.

Aí estão os números oficiais analisados sobos conceitos do antigo Código Florestal e donovo texto em andamento. Gostaria que pes-soas contrárias às reformas viessem analisarestes dados dentro de suas visões e diversasda minha. Estou pronto para uma discussãoem torno deles. As pessoas poderão até mes-mo contestar os dados apresentados, apon-tando os erros ao SFB. Há na mídia a reprodu-ção de dados muito diferentes, saídos não seide que fontes. Talvez procedentes de merasespeculações, do ouvir dizer etc.

Gostaria, finalmente, de deixar algumas dú-vidas referentes a afirmações que tenho vis-to em artigos, depoimentos, manifestos, no-tas técnicas e outras formas de manifesta-ção, sobre o seguinte:

1) Quanto à necessidade de recompor ape-nas 15 metros de área ciliar de cada lado decurso d’água de até 10 metros de largura (masse já houver 30 metros, eles terão que sermantidos). Não entendo, portanto, quandovejo muitas afirmações de que isso irá pro-vocar desmatamento, pois o que vejo é opossível aumento das áreas florestadas. Ouestou errado? Onde está o meu erro? Quaisas fontes que têm fornecido os números de22 e até de 70 milhões de hectares que serãodesmatados com a aplicação das novas re-gras propostas para as áreas ciliares?

2) Quanto à soma de APPS com reserva le-gal. O texto em andamento prescreve man-ter a situação atual consolidada, mas proí-

be cortar florestas já existentes, ou seja, seuma pequena propriedade, no Cerrado, aosomar o que tem protegido encontrar maisdo que 35%, mesmo assim estará proibidade cortar a floresta natural existente. Ou nãoé isso que está escrito lá? Onde tal princí-pio irá aumentar o desmatamento?

3) Se trabalharmos os dados do quadro ,de maneira a deixar a Amazôniacom 80% de área protegida e aMata Atlântica com 20%, corri-girmos o déficit do Cerrado e doPampa e conservarmos os va-lores para a Caatinga e o Panta-nal, teremos 487,9 milhões dehectares, representando 57,3%do nosso território. Se, além dis-so, optarmos por conservar osatuais 26,8% da Mata Atlânti-ca, chegaremos a 58,2% do ter-ritório brasileiro. Precisamos demais do que isso? Já não esta-

remos dando um ótimo exemplo para omundo? Quais as justificativas reais paraquerermos mais do que 58/59%, isentasde emoção ou de viés apenas ambiental?

3) Por fim, há uma imagem estrangeira, prin-cipalmente na Europa, resultante de infor-mações passadas por pessoas e organiza-ções brasileiras ou aqui radicadas, de queo país está tomado por plantações de euca-lipto. Aproveitando a publicação do SFB,ela traz, também, a informação de que asflorestas plantadas ocupam apenas 0,8%do território nacional. De onde vem, então,a falsa percepção levada ao estrangeiro?

Este artigo é uma tentativa de trazer a discus-são para os números reais, pois sinto que nãotem havido esse interesse. Temos ficado numcerto mundo virtual, exigindo (não propondo)a implantação de um modelo ambiental perfei-to, que é um sonho difícil de ser sonhado. Omundo real é o mundo do possível e a conser-vação ambiental tem outros apelos fora dasexigências legais, pois já existem muitas tecno-logias de uso racional disponíveis e um corpode profissionais competentes para novos de-senvolvimentos e inovações. n

ÁREA DO BIOMA

FLORESTAS NATURAIS DO BRASIL (por BIOMA)ÁREA DE FLORESTA NATURAL

Fonte: A partir de dados do Serviço Florestal Brasileiro – MMA

BIOMA

AmazônicoCerradoM AtlânticaCaatingaPampaPantanalTOTAL (país)

354,666,029,847,03,28,7

509,8

em cada Bioma

419204111851715851

milhões ha

84,6032,3526,8055,3018,8058,0059,8O

%(milhão ha)

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por Marcelo Tardelli Rodrigues

Entre os mesesde junho a no-vembro, as ba-le ias- jubar techegam a Arrai-al do Cabo/RJ ea Abrolhos (BA)para acasala-mento e cria.Descubra tudosobre a rota mi-gratória dessesencantadorescetáceos.

CONHEÇA A JUBARTE

As baleias-jubarte (Megaptera novaean-gliae) são cetáceos cosmopolitas, encontra-dos em todos os mares e oceanos do mun-do. Como a maioria das grandes baleias, asjubartes realizam grandes migrações anuaisde milhares de quilômetros, concentrando-se no verão em áreas de alimentação juntoaos pólos e, no inverno e na primavera, emáreas de reprodução e cria de filhotes emregiões tropicais. Acredita-se que durantetodo o período migratório a espécie não se

BALEIA À VISTA!alimente. Esse fato torna-se possível graçasà espessa e longa camada de gordura queessas baleias possuem sob a pele, e que vãoconsumindo – via absorção – ao longo detoda a extensa rota de migração que terão derealizar. Essa camada de gordura é adquiridadurante o verão, quando as jubartes perma-necem de dois a três meses na Antártida,alimentando-se basicamente de grandesquantidades de krill (pequenos crustáceos)e de pequenos peixes. Quando o invernochega, a espécie migra ao longo da costa

para águas tropicais e subtropicais, para re-produzir e criar seus filhotes.

BALEIAS-JUBARTE NA COSTA BRASILEIRA

Localizado a 66 km da cidade de Carave-las, no sul da Bahia, o Arquipélago deAbrolhos representa a principal área de re-produção e cria de baleias-jubarte no Oce-ano Atlântico Sul Ocidental. As cinco ilhasque formam o arquipélago funcionam comoum verdadeiro porto seguro para a espé-cie, oferecendo águas claras (em determi-

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O turismo de observação de baleias ou “whalewatching” é uma modalidade emcrescimento em diversas regiões do mundo, como conseqüência direta do fim dasatividades de caça aos cetáceos ao longo de suas áreas de ocorrência e do aumen-to gradual das populações de várias espécies. Fato que permite a um númerocrescente de observadores o contato com esses mamíferos fascinantes. A observa-ção de baleias começou na década de 1940, na costa oeste dos Estados Unidos e,hoje, gera muito mais recursos do que a atividade baleeira jamais produziu.

No Brasil, essa atividade vem se intensificando nos últimos anos nas áreas costei-ras da rota de migração, caso da região de Arraial do Cabo (RJ) e principalmenteno Arquipélago de Abrolhos, no sul da Bahia. A partir de Nova Viçosa, Alcobaçae Caravelas, a cada temporada de “visita dos cetáceos”, centenas de pessoasrumam a Abrolhos para ver de perto as baleias-jubarte.

No entanto, a aproximação direta e indevida de embarcações, bem como a alte-ração repentina da velocidade de cruzeiro ou do ritmo dos motores podem causargrave molestamento aos cetáceos que habitam num mundo essencialmente acús-tico e são altamente sensíveis ao som propagado na água. A perseguição dosanimais por embarcações de turismo e por curiosos também pode afetar a capa-cidade de reprodução das baleias. O dano causado pode resultar tanto no aban-dono gradual das áreas tradicionalmente utilizadas pelas espécies durante areprodução, como em risco direto à sobrevivência dos animais, que ao fugiremdo molestamento acabam consumindo a energia que precisariam economizarpara enfrentar a longa migração de milhares de quilômetros que as levarão devolta às áreas de alimentação junto aos pólos.

Além do ruído gerado pelo intenso tráfego de barcos de pesca, lazer, turismo enavios, a possibilidade de colisão com embarcações de médio e pequeno porte éoutro problema enfrentado pelas baleias-jubarte. Inúmeros são os casos relatados eregistrados de baleias feridas gravemente por embarcações. No caso dos filhotes, atémesmo as embarcações relativamente pequenas podem causar ferimentos graves ouaté mesmo a morte, como já documentado em Abrolhos. Apesar de as colisões nãoserem freqüentes na região, elas representam sério risco e também ameaça potencialà segurança das embarcações, que podem ser seriamente danificadas.

Por um lado o turismo de observação de baleias seja ferramenta de pesquisa e deconservação dos cetáceos em suas áreas de migração, alimentação, reprodução ecria de filhotes, vetor de educação ambiental para o público leigo e agregue valoreconômico à proteção das espécies. Em contrapartida, é de suma importância queesta atividade seja mantida sob constante monitoramento e rígida fiscalização paraevitar perturbações indevidas aos animais, ainda mais por ocorrer em áreas dereprodução. Em nosso país, essa modalidade de atividade turística é regulada peloInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),que estabelece normas e limites para a aproximação a baleias e golfinhos.

nadas épocas do ano a visibilidade daságuas pode chegar a incríveis 15m) e ra-sas, além de quentes, com temperaturasvariando entre 24ºC e 28ºC.

Todos os anos, um grande contingente debaleias-jubarte (aproximadamente 7,2 mil in-divíduos) chegam à costa brasileira, migran-do para o Arquipélago de Abrolhos entre osmeses de junho a novembro, onde permane-cem principalmente nos meses de setembro,outubro e novembro. É muito comum nesseperíodo observar diversificados comporta-mentos desses cetáceos – batidas de nada-deiras peitorais e caudal, saltos parciais etotais, além daqueles diretamente relaciona-dos à corte e à reprodução.

Durante a permanência da espécie em Abro-lhos, no período de acasalamento e de dis-putas, grandes grupos de baleias se reú-nem temporariamente na região. Nessa oca-sião, os machos – geralmente tranqüilos nasáreas de alimentação junto aos pólos – tor-nam-se extremamente agressivos. Afinal,para eles, o objetivo e meta principais des-ses encontros e eventos é a conquista defêmeas, e o conseqüente acasalamento.

ESTRELAS DO BEL CANTO

As jubartes também são conhecidas comobaleias cantoras, pois apresentam umacomplexa vocalização, ainda pouco compre-endida pela ciência. Tais sons constituemverdadeiras canções, compostas por diver-sos “fraseados” que se repetem durantehoras seguidas. Esse canto acontece ape-nas no período reprodutivo, e apenas osmachos o executam. Em diversas áreas dereprodução e cria dessas baleias ao redordo mundo, as pesquisas comprovaram queo canto da espécie sofre pequenas varia-ções em sua composição, fato somente per-cebido ano após ano de escuta. Nas áreasde reprodução e cria de filhotes, a cada in-verno as baleias aparentemente acrescen-tam uma “nova frase” ao seu canto. Ao cabode cinco ou seis anos, a seqüência do can-to produzido provavelmente estará inteira-mente modificada. Em várias partes do mun-do, diferentes grupos de jubartes apresen-tam canções específicas, e essa constituiuma das características que serve para iden-tificar as diferentes populações da espécie.

Pelo fato de migrarem próximas à costa, aespécie se tornou um dos cetáceos maismonitorados e estudados em todo o plane-ta. Seus peculiares modos de vida, compor-

TURISMO DE OBSERVAÇÃO DE BALEIAS

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FONTES:Baleias, botos e golfinhos – Guia de identificação para oBrasil. Bia Hetzel e Liliane Lodi, Editora Nova Fronteira,1993.www.baleiajubarte.org.brwww.baleiafranca.org.br

SUGESTÕES DE LEITURA:Atlântico Sul: Um Santuário de Baleias. Documento apre-sentado pelos Governos da Argentina, Brasil e África do Sulà 57ª Reunião Anual da Comissão Internacional da Baleia,em Ulsan, Coréia do Sul, em junho de 2005. José TrudaPalazzo (coordenação e texto), Recife, 2006.Brasil: Mar das Baleias. Márcia Engel, Milton Marcondes eEnrico Marcovaldi, Editora Bambu, 2007.

z A jubarte foi alvo da indústria baleeira, e suapopulação diminuiu cerca de 90% antes da mo-ratória de caça de cetáceos, em 1966. Desdeentão, os estoques da espécie se recuperaramparcialmente. A estimativa populacional atualde jubartes varia de 30.000 a 60.000 indivídu-os, cerca de um terço dos níveis pré-baleeiros.

Guide to Marine Mammals of the World. Brent S. Stewart,Phillip J. Clapham, James A. Powell e Randall R. Reeves,National Audubon Society, 2002.Whales, Dolphins and Other Marine Mammals of the World.Hadoram Shirihai e Brett Jarrett, Princeton Fields Guide, 2006.Whales, Dolphins and Porpoises. Mark Carwardine,Smithsonian Handbooks, 2002.

Marcelo Tardelli Rodrigues – Biólogo Mari-nho e fotógrafo de natureza e vida selvagem.Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa deCetáceos de Arraial do Cabo. E-mail:[email protected]

z A baleia jubarte(Megaptera nova-eangliae) – umadas maiores espé-cies da família Ba-laenopteridae –atinge 12 a 16metros de compri-mento e pesa cer-ca de 36.000kgna fase adulta,sendo característi-cas de seu corpoas barbatanas pei-torais grandes e acabeça nodosa.

z Encontrada emmares e oceanosao redor domundo, as jubar-te migram nor-malmente até25.000 quilôme-tros a cada anoentre as áreas dealimentação naságuas polares(verão) e águastropicais e sub-tropicais paraacasalamento ecria (inverno).

tamentos, hábitos alimentares e reproduti-vos pouco conhecidos intrigam e fascinamos pesquisadores, o que as torna uma espé-cie extremamente interessante e, ao mesmotempo, misteriosa. Atualmente, as principaisameaças enfrentadas pelas baleias-jubartesão: a poluição e a destruição do hábitat, acaptura acidental em redes de pesca, o au-mento do tráfego de embarcações (princi-palmente ao longo das áreas de migração) eoutras que ainda nem podemos comprovar.

ARRAIAL DO CABO NA ROTA MIGRATÓRIA

Localizada no Estado do Rio de Janeiro, Su-deste do Brasil, a região de Arraial do Caboapresenta condições favoráveis ao desen-volvimento de estudos com cetáceos e, con-sequentemente, com baleias-jubarte. Essa re-gião apresenta dois fatores relevantes:(a) sua singular projeção oceânica em rela-ção ao litoral, o que a torna um dos pontosda costa brasileira que mais se projeta emdireção ao mar, e(b) a presença do fenômeno da ressurgên-cia, que promove o afloramento ou subidadas águas frias profundas ricas em nutrien-tes – evento que principiando em outubropode se prorrogar até abril, com picos nosmeses de janeiro e fevereiro. Durante este

período, o vento nordeste predomina na re-gião permitindo que a temperatura atinjamédia de 16ºC à superfície.

Ocorre o inverso nos meses de inverno enos anteriores, quando a temperatura semantém em níveis mais altos, podendo che-gar acima dos 24ºC. Essas características in-fluenciam definitivamente no modo de vidados organismos marinhos locais, e prova-velmente no comportamento de muitas es-pécies migratórias de peixes, aves e mamífe-ros marinhos, como os cetáceos, que utili-zam a região como área de migração (gran-des baleias), área de movimentos estacio-nais (pequenos cetáceos), área de ocupa-

ção sazonal (em função da disponibilidadede presas) ou área de residência (sítio ondeesses animais realizam atividades relaciona-das à seu ciclo de vida).

Por tudo isso, torna-se indispensável e fun-damental estimular a pesquisa, a proteção e aconservação das baleias-jubarte ao longo desuas áreas de migração, alimentação, repro-dução e cria. Assim se conhecerá mais sobrea biologia, a ecologia, os hábitos alimentarese reprodutivos e os comportamentos dessescetáceos. Planos de ação também devem sercriados, estimulados e colocados em práticacom o objetivo de proteger esses visitantestão comuns em nossas águas. n

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SAIBA QUE...

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da Amazônia Legal

O patrimônio ambiental

Quando se trata da Amazônia Legal, o tema cobertura vegetal aparece como aprincipal preocupação. Mas o patrimônio ambiental dessa extensa parcela do terri-tório brasileiro vai além da floresta e outros tipos de vegetação. Inclui, por exemplo,um subsolo formado por rochas com alto potencial de armazenamento e transfe-rência de água potável e um solo com um estoque considerável de carbono, que, seliberado para a atmosfera, pode alterar o balanço dos gases de efeito estufa.

Essas e outras riquezas são reveladas em “Geoestatísticas de Recursos Naturaisda Amazônia Legal”, uma publicação que reúne informações sobre os recursosnaturais da região - vegetação e cobertura da terra, relevo, solos, rochas erecursos minerais -, muitas das quais podem se tornar indicadores úteis aoacompanhamento sistemático da utilização e do estado de conservação dessesrecursos. A seguir os principais destaques da publicação

AAmazônia Legal ocupa 5.016.136,3 km2,que correspondem a 59% do territóriobrasileiro. Nela vivem em torno de 24

milhões de pessoas, segundo o Censo 2010, dis-tribuídas em 775 municípios, nos estados doAcre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará,Rondônia, Roraima, Tocantins (98% da área doestado), Maranhão (79%) e Goiás (0,8%). Alémde conter 20% do bioma cerrado, a região abrigatodo o bioma Amazônia, o mais extenso dos bio-mas brasileiros, que corresponde a 1/3 das flores-tas tropicais úmidas do planeta, detém a mais ele-vada biodiversidade, o maior banco genético e 1/5da disponibilidade mundial de água potável.

AMAZÔNIA LEGAL CONCENTRA 45%DA ÁGUA SUBTERRÂNEA POTÁVEL DO PAÍS

Os conhecimentos sobre a distribuição e a frequên-cia com que minerais e rochas ocorrem na Ama-zônia Legal possibilitam avaliar, por exemplo, opotencial de produção de água subterrânea (po-tencial hídrico); combustíveis fósseis (petróleo, porexemplo); e da formação de concentrações de mi-nérios de valor econômico na região. Foram inves-tigados 14 indicadores sobre esse tema.

As rochas sedimentares, originadas a partir da al-teração, erosão, transporte e deposição de qual-quer outro tipo de rocha, compõem 66,8% da área

da Amazônia Legal. Elas propiciam a formação deaquíferos porosos, espécie de reservatórios sub-terrâneos, capazes de armazenar grandes volumesde água, em quantidade suficiente para ser utiliza-da como fonte de abastecimento. Estima-se que91% da água subterrânea do Brasil estariam emaquíferos porosos, dos quais 49,45% estariam naAmazônia Legal, ou seja, a região responde porcerca de 45% de toda a água subterrânea do país.

A participação dos aquíferos porosos em relaçãoà área emersa total (superfície, excluindo-se osrios) da Amazônia Legal é de 68,3%, e há trêsprincipais províncias, ou grandes áreas, de rochas

por Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE

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sedimentares: a do rio Ama-zonas, a do rio Parnaíba oudo Meio-Norte e a do Para-ná-Parecis, que, em conjuntocom as reservas de menorporte, abrigam um total de101.920 km3 de água doce.

As maiores áreas de aquífe-ros porosos encontram-se noAmazonas (1.344.201,7km2), em Mato Grosso(677.135,1 km2) e no Pará(513.818,9 km2). O Acre e oMaranhão têm os maioresíndices de participação, su-periores a 90%, reflexo de umsubsolo constituído quaseque unicamente por rochassedimentares. Roraima(33,8%) e Amapá (33,2%)apresentam os percentuaismais baixos, embora as exten-sões de aquíferos porosos emambos os estados tambémsejam bastante significativas.

Por ser formado predominan-temente por rochas sedimen-tares, o subsolo da Amazô-nia Legal também tem poten-cial para exploração de com-bustíveis fósseis, o que podeser confirmado pelos camposde petróleo e gás de Urucu,

ESTOQUE MÉDIO DE BIOMASSA E CARBONO TOTAIS POR FORMAÇÕES FLORESTAIS SEGUNDOUNIDADES DA FEDERAÇÃO DA AMAZÔNIA LEGAL

no Amazonas. Há boas perspectivas de acumula-ção dessas substâncias nas rochas sedimentaresdas bacias costeiras do Maranhão, Pará e Amapá,além de reservas de gás natural no município deCapinzal do Norte (MA).

Ainda nas áreas de rochas sedimentares, há tam-bém a possibilidade de serem encontradas jazi-das de calcário, utilizáveis tanto na agriculturacomo para o fabrico de cimento; sal-gema e gip-sita, fontes de gesso para a medicina e a constru-ção civil; e anidrita, fonte de sulfato e cálcio.Apesar de possuírem menor potencial metálico,minerais desse tipo e pedras preciosas podemser encontrados na região. Depósitos de ouro,cassiterita e diamante são comuns.

PARÁ TEM MAIS DA METADE DE ROCHAS QUE

PODEM FORMAR JAZIDAS DE METAIS NOBRES

Já as rochas ígneas (15,1% da área da Amazô-nia Legal), provenientes da consolidação domagma (massa rochosa do interior da terra emestado de fusão), e as metamórficas (16,1%),resultado de alterações sofridas por outros ti-pos de rochas em decorrência de mudanças nascondições físicas ou químicas (mudanças natemperatura e pressão, por exemplo), apresen-tam maior potencial mineral.

As rochas ígneas têm tendência à formação dejazidas de metais nobres, como o ouro, e de mine-rais industriais, como a cassiterita, e estão maisconcentradas na Amazônia Central, uma faixaquase contínua que se estende do sudeste do Paráao norte de Roraima e ao noroeste do Amazonas(ver mapa na página anterior). O Pará abriga51,9% das rochas ígneas da Amazônia Legal, emseguida, vem Mato Grosso, com 14,2%. O Acrepossui a menor extensão relativa deste tipo derocha, menos de 0,01% do território do estado.

Além de metais preciosos as rochas ígneas tam-bém apresentam potencial hídrico subterrâneo, coma ocorrência dos chamados aquíferos fraturados,que acumulam água em rachaduras nas rochas erepresentam uma reserva de 10.080km3 de águadoce no Brasil, dos quais se estima que pelo menos6.048 km3 (60%) estejam na Amazônia Legal.

As rochas metamórficas apresentam potencialcomo fonte de ouro primário. São propícias tam-bém à formação de jazidas minerais de uso in-dustrial, notadamente de ferro e manganês, e desulfetos de cobre, chumbo e zinco. São, ainda,fontes de material para construção civil, comobrita e rochas ornamentais. O Pará detém 37,3%da extensão desse tipo de rocha na Amazônia

Legal, enquanto Acre (umpercentual muito próximo dezero) e Maranhão (0,8%)apresentam proporçõespouco significativas.

CARBONO ARMAZENADO

NO SOLO É MAIOR

DO QUE NA ATMOSFERA

A informação dos cinco indi-cadores reunidos notema solo é valiosa para a com-preensão de temas relevantespara a Amazônia Legal, comoo desenvolvimento agrícola e apreservação de áreas de risco.No ecossistema terrestre, o soloé um compartimento chave noprocesso de redução da emis-são de gases do efeito estufa,pois possui grande estoque decarbono. O solo retém, no pri-meiro metro de profundidade,cerca de duas vezes o estoqueencontrado na atmosfera.

Estima-se que, no Brasil, 75%das emissões de CO2 sejamoriundas de mudanças no usoda terra, seja pela erosão e adecomposição da matéria or-gânica dos solos, seja pela con-versão de florestas e outrasformas de vegetação naturalpara o uso agropecuário. Daí

a importância dos estoques de carbono para o ba-lanço de gases de efeito estufa na atmosfera.

Em média, o solo da Amazônia Legal tem, no seuhorizonte superficial (profundidade máxima de50cm, com espessura média de 30 cm) um esto-que de carbono orgânico de 55,7 toneladas porhectare, sendo que essa concentração não é uni-forme e varia entre 0,1 e 208,7 toneladas por hec-tare, com predomínio da classe de 40 a 60 t/ha.

Ao considerar a profundidade de até um metrode solo, o valor médio do estoque de carbonoaumenta para 95,7 t/ha, podendo chegar ao má-ximo de 250,5 t/ha, com predomínio da classe de80 a 100 t/ha. O mapa a seguir localiza, na Ama-zônia Legal, as faixas de concentração de carbo-no em até um metro de profundidade do solo.

VEGETAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA EQUILÍBRIO

DE PROCESSOS EROSIVOS NA AMAZÔNIA LEGAL

O conhecimento do relevo é de grande impor-tância para a organização, o planejamento e agestão territoriais, já que ele exerce influênciasobre a distribuição da população e condiciona,em certa medida, as atividades econômicas e aestruturação da rede viária. Foram analisados cin-co indicadores sobre o tema.

O solo amazônico retém, no primeiro metrode profundidade, cerca de duas vezes o estoque

de CO2 encontrado na atmosfera”“

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Fonte: Texto da Comu-nicação Social doIBGE (01/6/2011) fo-cando os destaques dapublicação “Geoesta-tísticas de RecursosNaturais da AmazôniaLegal”, cuja íntegrapode ser consultada noendereço http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/d i a g n o s t i c o s _ -

QUANTIDADE DE ÁRVORES ELIMINADAS POR DESMATAMENTO POR FORMAÇÕES FLORES-TAIS SEGUNDO UNIDADES DA FEDERAÇÃO DA AMAZÔNIA LEGAL - 2002

Na Amazônia Legal, predo-mina um relevo colinoso,ou suavemente ondulado,em grande parte com densacobertura vegetal, cuja ma-nutenção é fundamentalpara o equilíbrio da atua-ção dos processos erosi-vos. A manutenção da ve-getação também tem papelimportante nas áreas sujei-tas a inundações, que cor-respondem a 12,4% do ter-ritório da Amazônia Legal,como as planícies fluviais,marinhas e lacustres (quemargeiam lagos).

As áreas de relevo mais aci-dentado, com classes de in-tensidade de dissecação“forte” (12,4% da área) e“muito forte” (11,0% daárea), estão mais concentra-das no extremo oeste daAmazônia Legal, nos esta-dos do Acre e do Amazo-nas, no oeste do Amapá, no-roeste do Pará e de Roraimae norte de Mato Grosso.São áreas de extrema fragili-dade ambiental, sobretudoconsiderando que sobre elasregistram-se avanços daação do homem ao longo deeixos rodoviários, derrubando a floresta e con-tribuindo para a aceleração dos processos ero-sivos, com prejuízo para as vias de acesso epara o escoamento da produção.

O total da área antropizada (com vegetação ori-ginal substituída por outro tipo de coberturadevido à ação do homem) na Amazônia Legalcorrespondia a 752.202 km² ou 15% da superfí-cie total, em 2002. Em números absolutos, osestados que possuem maiores áreas alteradaspelo homem são: Maranhão, com 139.239 km2,representando 53% de sua área; Mato Grosso,com 233.416 km2 ou 25,8% do total; e Pará,com 203.606 km2 ou 16,3% do total. Nos esta-dos do Amazonas, Amapá, Roraima e na porçãomais ocidental do Pará e do Acre, as ocupaçõessão mais rarefeitas e ocorrem por meio de viasde circulação como os rios ou estradas abertasem áreas de vegetação natural.

SALDO HISTÓRICO DO DESMATAMENTO: 2,6BILHÕES DE ÁRVORES ELIMINADAS ATÉ 2002Dividido em 16 indicadores, o tema vegetaçãoe cobertura da terra mostra, entre outros, osefeitos históricos da ação do homem na flores-ta e em outros tipos de vegetação da AmazôniaLegal. Cerca de quatro milhões de quilômetros

quadrados da Amazônia brasileira eram origi-nalmente recobertos por florestas e, até 2002,a área desmatada já era da ordem de 15,3% dototal da vegetação – percentual que já aumen-tou desde então. O processo de desmatamentoacentuou-se nas últimas quatro décadas, con-centrado nas bordas sul e leste da AmazôniaLegal (arco do desmatamento).

Até 2002, a região havia sofrido a eliminaçãode 2,6 bilhões de árvores, o que correspondiaa aproximadamente 13% do total de árvorescom diâmetro maior que 33 cm nas florestas.Em termos de volume, 4,7 bilhões de metroscúbicos de madeira foram eliminados pelo des-matamento nas formações florestais na Ama-zônia Legal até 2002.

O desmatamento foi responsável pela elimina-ção de aproximadamente 23 bilhões de tonela-das (12,7%) de biomassa, ou matéria orgânicade origem vegetal, e 6,6 bilhões de toneladas decarbono (12,7%) das formações florestais daAmazônia Legal até 2002. Estima-se que, na-quele ano, havia aproximadamente 157 bilhõesde toneladas de biomassa e 45 bilhões de tone-ladas de carbono remanescentes nas formaçõesflorestais da Amazônia Legal.

USO DA TERRA AFETAVA

15,3% DA VEGETAÇÃO DA

AMAZÔNIA LEGAL EM 2002Em 2002, o antropismo, oua mudança na cobertura daterra por interferência hu-mana, por meio de ativida-des de desmatamento equeimadas, atingia 15,3%da área de vegetação primá-ria da Amazônia Legal.

A pecuária se destaca comoo principal uso que altera acobertura da terra, repre-sentando 51,7% da vegeta-ção antropizada na Amazô-nia Legal, enquanto a vege-tação secundária (vegetaçãoque surge naturalmenteapós o abandono de áreasantes usadas pelo homem)corresponde a 32,1%, e aagricultura, a 15,2%.

Os estados do Maranhão,de Goiás, do Tocantins, deMato Grosso e de Rondô-nia tinham mais de 20% davegetação antropizada. Daparcela de território mara-nhense inclusa na Amazô-nia Legal, 54% da vegeta-ção primária apresentavaantropismo em 2002. Já o

Amazonas tinha o menor grau de antropismo:apenas 1,5% da vegetação alterada n

levantamentos/default.shtm. As estatísticasselecionadas são geradas a partir do Banco deDados e Informações Ambientais (BDIA), manti-do pelo IBGE, que reúne desde as informaçõeslevantadas pelo Projeto RADAMBRASIL, nasdécadas de 1970 e 1980, até dados mais recentes,datados de 2002. Os dados de vegetação e relevode toda Amazônia Legal, assim como parte dosdados relativos a solos e geologia, já estão aces-síveis na página do IBGE – ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/banco_dados_georeferenciado_recursos_naturais/.

4,7 bilhões de metros cúbicos de madeira forameliminados pelo desmatamento nas formações florestais

na Amazônia Legal até 2002.”“

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Mandioca ?

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AR A corrida mundial na produção de vege-

tais tradicionalmente cultivados para amesa e agora desviados para a produ-ção de biocombustíveis está gerando oaumento de preços dos alimentos bási-cos e intensificandoa ameaça de fome emescala mundial.

Oamido de mandioca tem sido umingrediente importante no fabricode quase tudo – do pudim de tapi-

oca ao sorvete, do papel à ração animal.Mas, ano passado, 98% da mandioca exporta-da pela Tailândia, o maior exportador mundialdesta raiz, foi para apenas um lugar – China – epara um único propósito: a produção de bio-combustível. Impulsionada por esta nova de-manda, as exportações tailandesas de mandio-ca quase quadruplicaram desde 2008, e o pre-ço da mandioca praticamente duplicou.

A cada ano, uma parcela cada vez maior deculturas alimentares no mundo – mandioca,milho, cana-de-açúcar e azeite de dendê –está sendo desviada para a produção de bi-ocombustíveis, à medida que os países de-senvolvidos aprovam leis que exigem maiorutilização de combustíveis não-fósseis, epotências emergentes, como a China, bus-cam novas fontes de energia para manterseus veículos e indústrias funcionando. E amandioca revela-se um novo protagonistano cenário dos biocombustíveis.

Só que, com os preços dos alimentos subin-do fortemente nos últimos meses, muitos es-pecialistas instam os países a reduzir a corri-da por combustível verde. Argumentam que acombinação das ambiciosas metas de utiliza-ção de biocombustíveis com as insuficientescolheitas de algumas culturas alimentaresbásicas estão contribuindo para a alta dospreços, a fome e a instabilidade política.

Este ano, a Organização das Nações Uni-das para Agricultura e Alimentação infor-mou que o índice de preços dos alimentosfoi o maior dos últimos 20 anos. Somentede outubro a janeiro, os preços subiram 15%,evento com potencialidade para “projetarum adicional de 44 milhões de indivíduosdos países de baixa e média renda na po-breza”, informa o Banco Mundial.

A elevação dos preços dos alimentos ge-rou tumultos ou contribuiu para a agitaçãopolítica em uma série de países pobres nosúltimos meses, incluindo Argélia, Egito eBangladesh, onde o óleo de dendê – com-ponente comum dos biocombustíveis –garante a nutrição essencial para uma po-pulação extremamente pobre. Durante osegundo semestre de 2010, o preço do mi-lho subiu fortemente – 73% nos EstadosUnidos –, aumento que Programa Mundialde Alimentos da ONU atribui, em parte, àmaior utilização do milho americano na pro-dução de bioetanol.

“O fato de a mandioca estar sendo usadapara a produção de biocombustível naChina, a canola na Europa e a cana-de-açúcar em outros países é fator decisivode mudança nas curvas de demanda”, in-forma Timothy Searchinger, pesquisador eestudioso do tema na Universidade de Prin-ceton. “Os biocombustíveis estão contri-buindo para o aumento dos preços e tor-nado os mercados mais competitivos”.

Nos Estados Unidos, o Congresso deter-minou que o uso de biocombustíveis devachegar a 36 bilhões de galões/ano até 2022.A União Europeia prevê que 10% do com-bustível para transporte deva provir de fon-tes renováveis, como biocombustíveis eenergia eólica até 2020. Países como China,Índia, Indonésia e Tailândia também adota-ram metas de biocombustíveis.

Muitos fatores ajudam a elevar o preço dealimentos, entre os quais as condições me-teorológicas adversas que dizimam as co-lheitas e a elevação do preço do petróleoque encarece o custo de transporte. No anopassado, por exemplo, condições meteoro-lógicas anormalmente graves destruíram ascolheitas de trigo na Rússia, na Austrália ena China, e uma praga de cochonilha redu-ziu a produção de mandioca da Tailândia.

Olivier Dubois, especialista em bioenergiada Organização para Agricultura e Alimen-tação, em Roma, afirma ser difícil quantifi-car a extensão em que os desvios de cultu-ras alimentares para o setor de biocombus-tível repercutiu nos preços dos alimentos.Segundo Dubois, “o problema é comple-xo, fato que torna difícil chegar a declara-ções radicais como os biocombustíveis sãobons ou ruins. Mas é certo que os biocom-bustíveis têm papel atuante nesse aumen-to. Mas de quanto? 20, 30 ou 40 por cen-to? Isso depende da modelagem usadapara analisar a questão.”

por Elisabeth Rosenthal

Alimento ou biocombustível

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Elisabeth Rosenthal – Jornalista do The NewYork Times, onde este artigo foi publicado como título Rush to Use Crops as Fuel Raises FoodPrices and Hunger Fears, em 6/4/2011.

Ninguém está sugerindo que os países ab-diquem dos biocombustíveis. Mas tantoDubois quanto especialistas do setor alimen-tar sugerem que se deveria rever e suspen-der as rígidas políticas de combustível esta-belecidas quando os estoques alimentaresestiverem baixos ou os preços demasiadoelevados. “A prioridade tem de ser o ali-mento. Os problemas ocorrem quando seestabelecem metas para biocombustíveissem considerar os preços de outras commo-dities”, lembra Hans Timmer, diretor do Gru-po de Perspectivas de Desenvolvimento doBanco Mundial, que também alerta para ofato de o recente aumento dos preços dopetróleo ser susceptível de provocar aumen-to de demanda por biocombustíveis.

Pode ser difícil prever como uma nova deman-da do setor de biocombustíveis afetará a ofertae o preço dos alimentos. Às vezes, como ocor-re com o milho ou a mandioca, a concorrênciadireta entre compradores eleva os preços doscomponentes dos biocombustíveis. Em outroscasos, a escassez e a inflação dos preços ocor-rem porque os agricultores que antes planta-vam culturas alimentares, como hortaliças, con-vertem suas plantações para culturas dirigidasà produção de combustível.

China aprendeu essa lição da maneira mais difí-cil há quase uma década ao decidir produzir bio-etanol a partir do milho. Acabou constatandoque o plano causou aguda escassez e aumentonos preços dos alimentos. Em 2007, o governoproibiu o uso de grãos para produzir biocom-bustível. Em seguida, os cientistas chineses aper-feiçoaram o processo de produção de combus-tível a partir da mandioca, raiz que ao renderbom retorno energético levou há vários anos àabertura da primeira destiladora comercial deetanol de mandioca. “Os chineses estão cor-rendo para a produção de etanol dessa basede forma muito agressiva. A mandioca pareceser a cultura da vez:”, diz Greg Harris, analistada Commodore Research and Consultancy, deNova York, que pesquisa o setor. Além de ampli-ar o cultivo da mandioca em seu próprio territó-rio, a China está comprando do Camboja e doLaos, assim como da Tailândia.

Embora constitua um dos pilares da dieta emmuitas regiões da África, a mandioca nãoocupa posto central na dieta asiática, embo-ra os chineses a tenham denominado “o guar-da-comida do subsolo”, porque sempre a elarecorreram em tempos de safras magras. As-sim, os chineses fundamentaram que o com-bustível feito a partir da mandioca não afeta-

ria diretamente os preços dos alimentos oucriaria escassez alimentar pelo menos em suacasa. A proporção de mandioca chinesa des-tinada à produção de etanol saltou de 10%em 2008 para 52% no ano passado.

No entanto, consideram-se prováveis osimpactos indiretos ou a longo prazo. Comoa mandioca tem sido utilizada para raçãoanimal, a nova demanda da indústria de bi-ocombustíveis pode afetar a disponibilida-de e o custo da carne suína. Nos países dosudeste asiático, onde a China paga gene-rosamente pela mandioca produzida, osagricultores podem ser tentados a adotaresse cultivo, em vez de, por exemplo, a pro-dução de outros legumes ou de arroz.

E se a China adotar a África como fonte demandioca, uma das principais culturas ali-mentares do continente africano poderá fi-car em perigo, embora os especialistas ob-servem que a exportação da mandioca podese tornar uma oportunidade de bons negó-cios. “A mandioca é uma cultura altamen-te rentável. Em contrapartida, como a ter-ra agrícola é limitada, quanto mais par-celas são destinadas à produção de com-bustível, menor a área dedicada à alimen-tação”, pondera Harris.

A demanda chinesa por mandioca pode tam-bém prejudicar a produção de biocombus-tíveis em países asiáticos mais pobres: nasFilipinas e no Camboja, os investidores fo-ram forçados a suspender a construção deusinas de bioetanol de mandioca porque otubérculo havia se tornado muito caro.

Segundo a Organização para a Alimentação eAgricultura, a nascente indústria tailandesa debiocombustível pode ter problemas em conse-guir mandioca produzida em seu território pornão ser capaz de competir com os preços ofe-recidos pelos compradores chineses.

Desenvolvimento de biocombustíveis nospaíses ricos já provou ter um poderoso efei-to sobre os preços e as culturas. Incentiva-do por subsídios aos biocombustíveis naci-onais, cerca de 40% do milho cultivado nosEUA vira combustível, fato que levou a co-tação do milho na Bolsa Mercantil de Chica-go subir 73% de junho a dezembro de 2010.

Esses aumentos de preços também provo-cam efeitos em cascata a longo prazo, afir-mam os especialistas em segurança alimen-tar. “Até que extensão o preço do milho emChicago influencia o preço do milho no Ru-anda? Acontece que existe uma correlaçãode fatores”, informa Marie Brill, analista sê-nior de políticas da ActionAid, agência in-ternacional contra a pobreza. O preço domilho em Ruanda subiu 19% no ano passa-do. “Para os americanos isso pode signifi-car alguns centavos a mais numa caixa decereal. Mas aumento dessa ordem tira omilho da mesa dos pobres.” Preço mais altode alimentos também significa que organiza-ções como o Programa Mundial de Alimen-tos comprará menos comida para alimentaros famintos do mundo.

Investidores europeus na área dos biocom-bustíveis estão comprando na África gran-des extensões do que denominam “terrasmarginais”, com o objetivo de cultivar plan-tas para biocombustíveis, particularmenteo arbusto conhecido como pinhão-manso(jatrofa). Os defensores do projeto dizemque a promoção da cultura da jatrofa paraprodução de biocombustíveis apresentapouco impacto sobre o abastecimento ali-mentar. Só que algumas dessas terras sãousadas por pobres para agricultura de sub-sistência ou coleta de alimentos, como no-zes selvagens. No parecer de Dubois, daOrganização para a Alimentação e Agricul-tura, “temos de banir a idéia de que a pro-dução de uma cultura energética não com-pete com a produção de alimentos. Essacompetição é inevitável.” n

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por Rebecca Lindsey

A ação predatória humana sobre o meio ambiente é especialmentedramático nas florestas tropicais, com consequências catastróficas sobrea biodiversidade, o clima e a própria sociedade humana.

O DESMATAMENTO

Apartir do equador, por toda a superfícieda Terra estende-se um largo cinturãode florestas tropicais de grande diversi-

dade e produtividade... em rápido desapareci-mento. Embora o desmatamento supra algumasnecessidades humanas, ele provoca profundasconsequências, por vezes devastadores, comoconflitos sociais, extinção de plantas e animais ealterações climáticas – desafios não apenas lo-cais, mas global.

IMPACTOS NA BIODIVERSIDADEAs florestas tropicais contêm mais espécies do quequalquer outro ecossistema, bem como uma maiorproporção de espécies endêmicas (exclusivas) daespécie. Como cada vez mais se desmata grandes

FLORESTAS TROPICAIS

áreas de florestas tropicais, espécies inteiras estãodesaparecendo, muitas delas desconhecidos.

Embora as florestas tropicais cubram apenassete por cento das terras secas da Terra, elasprovavelmente abrigam cerca da metade de to-das as espécies planetárias. Muitas delas sãotão especializadas em microhabitats no interiorda floresta que só podem ser encontradas emreduzidas áreas. Esta especialização torna-assupervulneráveis à extinção. Além das espéci-es perdidas quando uma área é totalmente des-matada, as plantas e os animais instalados nosfragmentos remanescentes também se tornamcrescentemente vulneráveis, por vezes até mes-mo fadados à extinção.

As franjas dos fragmentos secam e são varridospor ventos quentes; as árvores da floresta cadu-ca muitas vezes morrem de pé nessa margem. Asalterações em cascata que se abatem sobre árvo-res, plantas e insetos que sobrevivem nesses frag-mentos rapidamente reduzem a biodiversidadeflorestal restante. Alguns discordam do fato de aextinção de espécies pela ação humana ser umaquestão ética, mas há poucas dúvidas sobre osproblemas práticos colocados pela extinção.

O maior agente devastador são os mercadosmundiais consumidores de produtos da florestaque dependem de colheita sustentável: látex,cortiça, frutas, madeira, fibras, condimentos, óle-os, resinas naturais e medicamentos. Além dis-

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Vista aérea de desmatamento da floresta Amazônica nas cercanias de Manaus.

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so, a diversidade genética das florestas tropicaisconstitui sem sombra de dúvida o mais impor-tante patrimônio genético do planeta. Estão em-butidos nos genes de plantas, animais, fungos ebactérias – sequer ainda descobertos – promis-sores componentes para a cura de cânceres e deoutras doenças, além de elementos-chave paraaprimorar a produtividade e a qualidade nutrici-onal das culturas alimentares – fato crucial paragarantir a alimentação dos quase dez bilhões deindivíduos previstos para a Terra em 2050.

Enfim, no âmbito da diversidade genética planetária,o pool genético encerrado nas florestas tropicaisserá crucial para a “resiliência” de todas as formas devida da Terra, sobretudo em caso de eventos ambi-entais catastróficos imponderáveis, como impactosde meteoros ou vulcanismo extremo e contínuo.

IMPACTOS NO SOLOEmbora a cobertura vegetal das florestas tropi-cais seja luxuriante e de imensa produtividade,não deixa de ser surpreendente saber que os so-los destas florestas são muito finos e pobres emnutrientes. As rochas subjacentes à camada su-perficial dissolvem-se com facilidade sob a açãodas altas temperaturas tropicais e das chuvastorrenciais que, ao longo do tempo, carreiam elavam a maioria dos minerais no solo. Quase todoo conteúdo nutricional de uma floresta tropicalprovém das plantas vivas e da decomposiçãodos resíduos que elas depositam no solo.

IMPACTOS SOCIAISAs florestas tropicais são o lar de milhões depovos nativos (indígenas) que vivem da caça,da agricultura e da coleta de subsistência ou daextração de baixo impacto de produtos flores-tais, como borracha, nozes e sementes. O des-matamento em terras indígenas por madeirei-ros, colonos e refugiados acaba por provocarconflitos violentos. A preservação da florestatambém pode ser fator social decisivo. Os go-vernos nacionais e internacionais, as ONGs eas agências de ajuda humanitária enfrentam ques-tões para balizar:z o nível de presença humana (se imperiosa) écompatível com as metas de conservação em flo-restas tropicais;z o equilíbrio das necessidades dos povos indí-genas com a expansão das populações rurais e odesenvolvimento econômico nacional, ez se o estabelecimento e proteção de grandesáreas intocadas e desabitadas - mesmo que setenha de retirar os residentes correntes – deveser prioridade nos esforços de conservação emflorestas tropicais.

IMPACTOS NO CLIMA:CHUVA E TEMPERATURAAté trinta por cento da chuva que cai em florestastropicais é água que a floresta recicla para aatmosfera. A água evapora do solo e da vegetação,se condensa em nuvens, e volta a cair como chuvaem um ciclo de auto-rega perpétuo. Além de garantira manutenção das chuvas tropicais, a evaporação

esfria a superfície da Terra. Em muitos modelos desimulação do clima futuro, a substituição das flores-tas tropicais por pastagens e culturas agrícolas geraum clima mais seco e quente nos trópicos. Algunsmodelos também predizem que o desmatamentotropical pode alterar o padrão pluviométrico muitoalém dos trópicos, afetando China, norte do Méxicoe centro-sul dos Estados Unidos.

A maioria destas previsões climáticas sobre re-dução do padrão pluviométrico se baseia em umasubstituição uniforme e quase completa das flo-restas tropicais por pastagens e lavouras. Noentanto, o desmatamento, muitas vezes produ-to em uma colcha de retalhos – em clareiras quese ramificam por trilhas num padrão espinha depeixe, por exemplo, ou em ilhas de desmate nummar de floresta. Nestas escalas locais, o desma-tamento pode realmente aumentar a precipita-ção, criando “ilhas de calor” que ao acelerar aascensão e circulação do ar (convecção) levam aformação de nuvens e de chuva. Nuvens e chuvase concentram mais de clareiras.

Só não se sabe se persistirão as chuvas loca-lizadas em cada vez maiores parcelas de flo-resta derrubadas. As respostas podem vir aser dadas por modelos climáticos mais sofis-ticados que representem fielmente a evolu-ção dos retalhos da paisagem parcialmentedesmatada.

O CICLO DO CARBONOE O AQUECIMENTO GLOBALSomente na Amazônia, os cientistas estimam queas árvores contenham mais carbono do que 10anos de gases de efeito estufa produzidos pelohomem. Quando se desmatam as florestas, ge-ralmente com fogo, o carbono armazenado namadeira retorna à atmosfera, aumentando o efei-to estufa e o aquecimento global. Uma vez que afloresta é desmatada para instalação de lavouraou pastagem, os solos podem se tornar uma gran-de fonte de emissões de carbono, dependendode como os agricultores e pecuaristas controlamo uso da terra. Em lugares como a Indonésia, ossolos das florestas de planície pantanosa sãoricos em matéria orgânica em decomposição par-cial – a turfa. Durante a seca prolongada, comoocorre na vigência do El Niño, as florestas deturfa tornam-se inflamáveis, especialmente seforam degradadas pela exploração madeireira oupor queimada acidental. Ao queimar, liberamenormes quantidades de dióxido de carbono eoutros gases de efeito estufa.

Não se pode afirmar com certeza se as florestastropicais intactas são fonte de emanação ou sumi-douro de carbono. Certamente, os troncos das ár-vores constituem reservatório estável de carbono,que cresce à medida que as florestas envelhecem ouregeneram terras previamente desmatadas. Só queárvores, plantas e microrganismos no solo também

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Índios guaranis desalojados de suas terras em acampamento junto uma rodovia.

A exploração madeireira, a mineração e agriculturanas florestas tropicais muitas vezes acarretam o deslocamentode comunidades indígenas. Despossuídos de terra e de outrosrecursos, as culturas nativas muitas vezes se desintegram e seus

integrantes engrossam as hostes dos sem-terra.”

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respiram, liberando dióxido de carbono já que que-bram os carboidratos para obter energia. Na Ama-zônia, enormes volumes de dióxido de carbono sãoliberados da decomposição de folhas e de outrosmateriais orgânicos em rios e córregos que inun-dam a floresta durante a estação chuvosa. Florestastropicais intocadas podem ser quase neutras emtermos de carbono, mas o desmatamento e a degra-dação são atualmente fonte de emissão de carbonopara a atmosfera e têm o potencial de transformaros trópicos em uma fonte ainda maior nas próxi-mas décadas.

CAUSAS DIRETAS DO DESMATAMENTOA humanidade vem desmatando a Terra há mi-lhares de anos, principalmente para abrir espa-ço para o plantio e a pecuária. Embora as flores-tas tropicais estejam em sua maioria confinadasaos países em desenvolvimento, elas não satis-fazem apenas as necessidades locais ou nacio-nais. A globalização econômica fez com que asnecessidades e os desejos da população mundialtambém recaíssem sobre elas. Entre as causasdiretas do desmatamento figuram: expansão agrí-cola, extração de madeira (uso geral, combustí-vel e carvão) e expansão da infra-estrutura (cons-trução de estradas e urbanização). Raramenteexiste uma única causa direta para odesmatamento. Na maioria das vezes, váriosprocessos agem simultaneamente ou em seqüên-cia para causar o desmatamento.

A maior causa direta do desmatamento tropical éa conversão da floresta em lavouras e pastagens,principalmente na economia de subsistência (cul-tivo ou criação para atender as necessidadesdiárias). A conversão em terras agrícolas geralmen-te resulta de múltiplos fatores diretos. Por exem-plo, a construção de estradas em áreas remotaspara melhorar o transporte terrestre demercadorias. A abertura da estrada em si traz umaquantidade limitada de desmatamento. Mas asestradas também proporcionam a chegada huma-na a locais antes inacessíveis e, muitas vezes, semdono. Quase sempre a extração de madeira – querlegal como ilegal – segue a trilha de expansão daestrada (e em alguns casos, é a razão para a estra-da). Quando os madeireiros acabam de colher avaliosa madeira de uma área, eles mudam. As es-tradas e as áreas desmatadas se tornam ímã paraos colonos, agricultores e pecuaristas, que cortame queimam a floresta remanescente para o estabe-lecimento de terras agrícolas ou de pastagens,completando a cadeia de desmatamento que co-meça com a abertura de estradas. Em outros ca-sos, as florestas que foram degradadas pela ex-ploração madeireira se tornam propensas a incên-dios e, eventualmente, são desmatados por su-cessivos incêndios acidentais provocados por fa-zendas adjacentes ou pastagens.

Embora as atividades de subsistência nos trópi-cos tenham até hoje dominado o desmatamento

por motivação agrícola, as atividades em grandeescala do agronegócio agora desempenham pa-pel cada vez mais significativo nodesmatamento. Na Amazônia, a pecuária em es-cala industrial e a produção de soja para os mer-cados mundiais são cada vez mais importantescausas de desmatamento. Na Indonésia, a con-versão de floresta tropical em plantações co-merciais de palmeiras de dendê para biocombus-tível de exportação é uma das principais causasdo desmatamento em Bornéu e Sumatra.

CAUSAS SUBJACENTESEmbora a pobreza seja frequentemente citadacomo a causa subjacente do desmatamento tro-pical, vários estudos científicos indicam que essaexplicação é uma simplificação. A pobreza nãoleva os indivíduos a migrar para as margens dafloresta, para se dedicar a cortar, queimar e der-rubar a floresta para garantir a subsistência. Ra-ramente um fator isolado pode ter responsabili-dade exclusiva pelo desmatamento tropical.

As políticas estatais de incentivo ao desenvolvi-mento econômico, tais como projetos de expan-são rodoviária e ferroviária, são a causa de signifi-cativo desmatamento não intencional na Amazô-nia e na América Central. Os subsídios agrícolas eas reduções de impostos, bem como as conces-sões florestais, também têm incentivado o des-matamento. Fatores econômicos globais, comodívida externa, expansão da demando dos merca-dos globais por produtos florestais (madeira, ce-lulose) ou os preços baratos da terra, da mão-de-obra e do combustível pode incentivar o desmata-mento sobre o uso mais sustentável da terra.

Acesso à tecnologia pode aumentar ou diminuiro desmatamento. A disponibilidade de tecnolo-gias que possibilitam a agricultura em “escalaindustrial” pode estimular o desmatamento ace-lerado, enquanto a tecnologia ineficiente na in-dústria madeireira aumenta os danos colateraisno entorno das florestas, tornando mais prová-vel subseqüentes desmatamento. Fatores subja-centes são raramente isoladas. Ao invés disso,múltiplos fatores globais e locais exercem influ-ências sinérgicos sobre o desmatamento tropicalem diferentes localidades geográficas.

TAXAS DE DESMATAMENTO TROPICALVários grupos internacionais produzem esti-mativas de rotina sobre o desmatamento tropi-cal, sendo o mais notável a Organização para aAlimentação e a Agricultura (FAO) das NaçõesUnidas que, a cada cinco ou dez anos, desde ofinal dos anos 1940, tem realizado avaliaçõesdos recursos florestais mundiais. O relatórioda FAO é baseado em estatísticas fornecidaspelos próprios países, e como a capacidade deos países em avaliar com precisão seus recur-sos florestais varia segundo os recursos finan-ceiros, tecnológicos e institucionais, as estima-tivas para alguns países são provavelmentemais acuradas do que outras. Muitos países sevalem de imagens de satélite como base para

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O material orgânico e os nutrientes em uma floresta tropicalsão encontradas na própria vegetação, não no solo.

Esta barranca erodida num rio da Amazônia revela o solo infértiltípico de ambientes tropicais (cor de barro, e apenas umacobertura fina de solo fértil e detritos florestais (marrom)”

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Rebecca Lindsey – O texto original TropicalDeforestation foi publicado no boletim Earth Ob-servatory (http://earthobservatory.nasa.gov/).

suas avaliações, e também algumas equipes deinvestigação passaram a utilizar tal base paraavaliar o desmatamento das florestas tropicaismundiais na década de 1980 e 1990.

Alguns cientistas e ambientalistas argumentamque a FAO apresenta estimativa muito conser-vadora das taxas de desmatamento, já que consi-deram qualquer área superior a um hectare (0,01km2) com uma cobertura florestal mínima de10% como floresta. Esta definição generosa de“floresta” significa que uma porção significativade degradação pode ocorrer antes de a FAO clas-sificar uma área de desmatada. Por outro lado,alguns estudos baseados em satélite indicam queas taxas de desmatamento são mais baixas doque sugerem os relatórios da FAO. No relatóriode avaliação de florestas da FAO de 2005, a pró-pria organização revisou para baixo as taxas dedesmatamento para a década de 1990 relatadasem 2001. Apesar das revisões e discrepâncias, aavaliação da FAO é a métrica mais abrangente eamplamente utilizada na avaliação dos recursosflorestais globais.

Outra maneira de aferir o desmatamento é o por-centual de floresta apurado por um país ao lon-go do tempo. Por essa métrica, as ilhas Comores(norte de Madagascar) se saíram mal por teremdesmatado quase 60% de suas florestas entre1990 e 2005. Burundi, na África central, foi osegundo colocado, com desmate de 47% de suasreservas florestais. Os outros cinco países quemais desmataram foram: Togo, na África Oci-dental (44%), Honduras (37%) e Mauritânia(36%). Treze outros países tropicais ou insula-res desmataram 20% ou mais de suas florestasentre 1990-2005.

PRESERVAR AS FLORESTAS TROPICAISAs estratégias de preservação das florestas tro-picais podem ser colocadas em prática em es-cala local como internacional. Em escala local,os governos e as organizações não-governamen-tais operam junto às comunidades florestaispara incentivar atividades de baixo impacto agrí-cola, tais como agricultura à sombra, explora-ção sustentável de produtos florestais não-ma-deireiros (borracha, cortiça, sementes, plantasmedicinais). Parques e áreas protegidas, que atra-em turistas – ecoturismo – podem gerar opor-tunidades de emprego e educação para a popu-lação local, bem como criar ou estimular a eco-nomia do setor de serviços relacionados.

Em escala nacional, os países tropicais devemintegrar as pesquisas em andamento sobre osimpactos humanos nos ecossistemas tropicaisrelativos ao uso do solo e aos planos nacionaisde desenvolvimento econômico. Para as flores-tas tropicais sobreviverem, os governos devemdesenvolver cenários realistas de desmatamentofuturo, que levem em conta o que os cientistas jáinformam sobre as causas e conseqüências dodesmate, incluindo a derrubada não intencionalresultante da construção de estradas, incêndios

acidentais, corte seletivo e incentivos ao desen-volvimento econômico (como concessões paraexploração de madeira e subsídios agrícolas).

Vários pesquisadores estimulam a comunida-de conservacionista a re-examinar a crença deque parques intocados e vastas áreas protegi-das são o Santo Graal da conservação flores-tal. Em 2005, por exemplo, cientistas que sevalem de dados terrestres e de satélite paraesquadrinhar a Amazônia revelaram que mui-to menos desmatamento “irrestrito” ocorreunas últimas décadas nos territórios ocupadose geridos pelos povos indígenas do que emparques e outras áreas protegidas.

No ano anterior, os pesquisadores que estu-dam o comportamento das florestas tropicaisda Indonésia, muito afetadas pela ação antró-pica, documentaram um declínio de 56% dasflorestas tropicais em áreas protegidas de Bor-néu, entre 1985 e 2001. Eles concluíram que odesmatamento nas áreas protegidas resultou deuma combinação da exploração madeireira ile-gal com devastadores incêndios que se alastra-ram pelas florestas danificadas pela atividademadeireira durante a estiagem de 1997-1998provocada pelo El Niño.

Enquanto alguns argumentam que essas per-das poderiam ser evitadas no futuro através

de uma melhor aplicação das leis ambientais,também pode ser verdade que as reservas flo-restais habitadas sejam uma estratégia maisrealista para a preservação da maior parte dabiodiversidade em áreas maiores do que sepode conseguir em parques.

Finalmente, em escala nacional e internacional, acrescente valorização no mercado global de pro-dutos certificados, produzidos e coletados deforma sustentável (madeira, carne, café, soja)pode incentivar a adoção de práticas florestaisamigáveis (não predatórias), ajudando os gover-nos regionais e nacionais a criar e aplicar políti-cas de preservação.

A remuneração direta aos países tropicais pelosserviços ecossistemáticos oferecidos pela flo-resta tropical intacta – especialmente o armaze-namento de carbono na compensação das emis-sões de gases de efeito de estufa – pode vir a serimportante mecanismo internacional para man-ter as florestas tropicais, na medida que mais emais países comecem a enfrentar com seriedadeo problema do aquecimento global. n

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A floresta intacta tem cor verde escuro, enquanto as clareirasde desmatamento são marrom (solo varrido) ou verde claro(agricultura, pasto e floresta secundária). O padrão espinha-

de-peixe das pequenas clareiras ao longo de rodovias sinalizao início dos trajetos de novos desmates na Amazônia.”

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BIOMIMETISMOaprendendo com a Natureza

A ciência do Biomimetismo prova que “a natureza é a mãede todas as invenções... e soluções”, e introduz uma novaera de desenvolvimento tecnológico baseada não no quepodemos extrair do meio ambiente, mas no que podemosaprender e desenvolver a partir dele. Confira alguns exem-plos do que estamos aprendendo com a biodiversidade.

Nastrúcio e nanotecnologiaA superfície irregular microscópica cria bolsões de ar entre a água e a folha: a não aderênciaescoa as gotas e a sujeira. Pesquisas sobre este tipo de superfície vêm inspirando novos erevolucionários materiais, incluindo os tecidos à prova d’água.

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FOLHA: USINA DE ENERGIA NATURALComo exatamente transfor-mar luz solar e água em ener-gia utilizável? Se fosse pos-sível formular esta pergun-ta a um organismo vivo, se-ria para a folha. E para vercomo uma folha faz essa má-gica, basta procurar o labo-

ratório do Dr. Daniel Nocera, no MIT, onde foi criada a primeira folhaartificial – um dispositivo de silicone sintético para células de com-bustível que separa a água em oxigênio e hidrogênio apenas utilizan-do a luz solar, como faz uma folha na natureza. A folha de Nocera nãoé uma imitação perfeita da fotossíntese, já que seu fabrico exigemateriais como níquel e cobalto (extraídos da terra) e catalisadoresque estimulam reações que de outra forma não ocorreriam por contaprópria. Mas não deixa de ser um sinal da crescente mudança naforma como nós, seres humanos, passamos a resolver grandes pro-blemas: mimetizando a natureza em soluções elegantes em vez desujeitar o mundo natural às nossas vontades.

À luz da crise energética (e ambiental) global, a folha sintética deNocera é altamente promissora para gerar-se eletricidade a partir daágua e da luz solar, ambas abundantes. Ela poderá resolver uma sériede grandes problemas de forma “natural”, embora com o selo “feitopelo homem”. A resposta encontrada pela folha há milênios e agorapela Nocera pode desbloquear o mecanismo natural de produção deenergia de modo economicamente viável, contribuindo para soluci-onar problemas ambientais, humanitários e geopolíticos.

ALGA CORALINA: ARTICULAÇÕES FLEXÍVEISOs organismos que vivemnas zonas onde o mar en-contra a terra têm de ser mui-to resistentes par lidar como movimento de tensãoconstante das marés. Um

desses grupos de organismos são as algas coralinas (Calliarthroncheilosporioides Manza). Constituídas por segmentos calcifica-dos unidos por juntas não calcificadas (genícula), essas algas sãocomo cabos flexíveis independentes. As juntas flexíveis minimizama ruptura estrutural e permitem que as algas respondam de formaalinhada aos fluxos incessantes e variáveis das ondas. Essa estraté-gia anti-estresse está sendo estudada para criar materiais mais flexí-veis e resistentes à ação de ventos, colisões, ondas e outras forças.

CONSTRUÇÃO:CIDADES QUE FUNCIONAM COMO ECOSSISTEMAS

Imagine o que poderíamos aprender se assumísse-mos que todos os milhões de espécies de nosso pla-neta são “professores”, não meros recursos a se-rem utilizados, ignorados ou menosprezados! Esteé o paradigma do Biomimetismo, que ao apelar aonosso senso inerente de respeito e admiração paraa criatividade nos reformula em “aprendizes inteli-gentes” dos saberes e estratégias desenvolvidos portodas as formas da biodiversidade. Só assim deixa-mos de ser os arrogantes conquistadores da natu-reza para torná-la parceira numa coabitação não pre-datória do planeta.

Frente a tantas más notícias sobre o poder destrutivo de nossoshábitos, a Biomimetismo revela estarmos rodeados por um mundofabuloso de soluções tecnológicas. Ao focarmos e deciframos osmecanismos desenvolvidos pelos bilhões de seres vivos pode-mos reaprender a cultivar alimentos, produzir energia limpa, cons-truir casas, evitar desperdícios e atender a todas as nossas neces-sidades de forma a garantir a sustentabilidade do planeta, ao invésde depredá-lo e empobrecê-lo irremediavelmente. Soluções enge-nhosas e econômicas de perfeita adaptação e sobrevivência aomeio ambiente é um procedimento operacional básico para todasas formas de vida na Terra. Afinal, nenhum organismo bem-suce-dido desperdiça energia ou engendra estratégias que agridam ohabitat coletivo. A Terra exige que todas as espécies articulem suaprópria sobrevivência de forma útil para o planeta como um todo.As que não respeitam esse princípio são automaticamente elimi-nadas. Através de uma relação mais respeitosa com a natureza acada dia descobriremos que as soluções para um cotidiano melhorsão tão ilimitadas quanto à diversidade da própria vida. Da fabri-cação e estocagem de energia à construção de redes de relaciona-mento, a natureza vem criando soluções bilhões de anos antes dosurgimento da humanidade.

Com um histórico de 4,5 bilhões de anos de desenvolvimento, anatureza desenvolveu mecanismos inteligentes, que agora são de-cifrados e copiados pelo Biomimetismo para resolver grandes pro-blemas de nossa sociedade vitimada por um modelo de desenvol-vimento predatório e insustentável. “O Biomimetismo é uma en-genhosa maneira de enquadrar o processo de design às soluçõesjá formatadas pela natureza”, informa o Dr. John Warner, do WarnerBabcock Institute for Green Chemistry. “A natureza nos superaem suas diversidade e complexidade, e realiza seus `milagres` àtemperatura ambiente, a baixas pressões e na maior parte dotempo utilizando água como solvente”, lembra Warner.

Ao ajudar os humanos a compreender os mecanismos de umafolha (de um formigueiro, um carvalho de 1.200 anos ou uma colô-nia de bactérias), o Biomimetismo se apropria dos vários bilhõesde anos de complexidade e diversidade da natureza em prol dobem-estar humano. Esse é o objetivo: focar os problemas que en-frentamos e perguntar à natureza “como ela resolveria a ques-tão”. Descobre-se agora que a cada pergunta formulada, o meioambiente apresenta soluções que estão mudando para melhor omodo de repensar e reconstruir nossa civilização – da eficiênciaenergética à tecnologia da informação e à construção de cidades.

A natureza fornece um mode-lo para sistemas inteligentese eficientes que têm sido ne-gligenciados ou ignoradospelos que planejam as áreasurbanas. Agora, a observação

desses sistemas vem permitindo repensar cidades que não apenasocupem o meio ambiente, mas contribuam para sua sustentabilidade.

Imagine uma cidade em que a água servida sai mais limpa do queao chegar, outra que literalmente sequestra o dióxido de carbono

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Fontes: Clay Dillow (Six Ways Bio-Inspired Design is Reshaping theFuture e John B. Carnett (Materials: Rewriting the Story of Stuff ) -http://www.popsci.com/science). Para mais informações, aconselhamospesquisa no site do The Biomimicry Institute (http://www.biomimicryinstitute.org).

(CO2) em sua estrutura ou ainda aquela que amplia a biodiversida-de de uma região de alguma forma. Muito disso é possível, comorevela a planta piloto da Calera’s Moss Landing, empresa sediadana Califórnia, que inovou um processo de seqüestrar dióxido decarbono em concreto calcário.

Ao invés de aquecer o calcário para produzir concreto (e liberarmuito CO2), a Calera mistura a água do mar rica em minerais com asemissões de gases das usinas de energia num processo que leva ocálcio da água salgada a sequestrar o carbono das emissões paraformar o cimento. As emissões da usina são, portanto, seqüestra-das no concreto das cidades em construção.

ECONOMIA: MOVIMENTANDO OS RECURSOS COMOOS RECIFES DE CORAL

Muitos economistas afirmamser o livre mercado o mais efi-ciente mobilizador de recur-sos. Um biólogo que estudea distribuição das calorias pe-los recifes de coral ou oscomplexos ciclos de energia

dos ecossistemas da savana africana pode afirmar que o desperdícioé muito menos prevalente em sistemas naturais que maximizam quasetoda a energia. Pela simples observação das cadeias alimentares é fácilver que a complexidade nunca é responsável por ineficiência.

Para Tim McGee, biólogo sênior do Biomimicry Group, os siste-mas biológicos naturais podem nos ajudar a repensar e re-imaginaruma nova organização das redes econômicas e do mundo dosnegócios. “Acredito que esse novo modo de pensar pode ter umenorme e rápido impacto no cotidiano. Os exemplos de agencia-mento de recursos fornecidos pela natureza permitem descartarrecursos materiais e tempo de desenvolvimento. Pode-se imple-mentar os processos muito rapidamente.” Pura verdade: foi a ob-servação dos sistemas de comunicação entre formigas que possi-bilitou a criação das redes neurais dos sistemas informatizados.

SAÚDE: COMBATENDO BACTÉRIAS BIOMIMETICAMENTEA medicina e a biologia es-tão, por natureza, interliga-das: inúmeras pesquisasmédicas recriam os proces-sos naturais de regenera-ção orgânica de maneira ar-

tesanal, seja na forma de colas superadesivas para emendar ossosa proteínas que podem potencialmente tratar a cegueira.

No entanto, mais interessantes que os tratamentos de inspiração bioló-gica são os processos naturais que protegem certos organismos depatógenos. A Sharklet Technologies, com sede na Flórida, percebeuque a pele do tubarão possui textura única, que não permite a fixação ouentrada de bactérias e de outros organismos. Ao reproduzir este padrãoúnico em uma folha de adesivo sintético, a Sharklet criou uma superfícielivre de bactérias que pode ser usada em hospitais, restaurantes e ou-tros locais que devem ser mantidos livres de contaminação.

Outra vantagem do adesivo: como a técnica não elimina bactériasfica muito mais difícil para os microorganismos desenvolver resis-

tência à textura, contornando o problema encontrado, por exem-plo, pelos antibióticos. Afinal, a tecnologia da pele de tubarão foiincubada no oceano durante 400 milhões de anos, e até hoje asbactérias não descobriram como vencer tão perfeita barreira.

ENERGIA: A NATUREZA E SUA “REDE INTELIGENTE”A concepção de um meioprático e eficiente de apro-veitamento da fotossínteseé muito possivelmente oSanto Graal da pesquisaenergética, mas não a única

maneira como o biomimetismo tem o potencial de mudar o paradig-ma energético global. O Biomimetismo tem o potencial de unificar oglobo numa rede de energia barata e abundante via redes inteligen-tes de infraestrutura bioenergética.

Uma empresa está fazendo isso ao observar insetos como formigas eabelhas. A Regen Energy, com sede em Toronto, Canadá, há váriosanos estuda a “lógica do enxame” e desenvolvendo software baseadonos princípios de funcionamento de colônias de insetos, onde cadamódulo individual do sistema não necessita de uma ordem direta dolíder para agir, fato que otimiza o benefício para toda a rede. Ou seja, oprocesso pelo qual um grande número de entidades inteligentes pode,trabalhando em conjunto, sem uma direção central, produzir ação inte-ligente. Ao copiar o sistema de inteligência coletiva, a empresa já desen-volveu um módulode gestão para redes de energia de sistemas declimatização em edifícios, reduzindo o pico de demanda elétrica. E o LosAngeles Department of Water & Power implemetará o processo nogerenciamento do projeto de integração de sua rede inteligente, levan-do esta concepção a um dos setores de maior relevância nos EUA.

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO:IMITAÇÃO DAS REDES NATURAIS

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As formigas e as abelhas nãosão apenas redes de energia.Alguns dos primeiros suces-sos da Biomimética se tradu-ziram nos milhões de dólarespoupados ao se copiar a for-

ma de transmissão de informação das formigas na formatação do enviode pacotes de dados pela Web. Artifício também usado na otimizaçãode rotas para veículos e gerenciamento de fluxos.

Mas ainda há muito a aprender. Pesquisadores do Pacific North-west National Laboratory desenvolveram um sistema de seguran-ça de rede para computadores com base na “inteligência coleti-va” usada pelas formigas para defender suas colônias. E em 2007,inspirados no sistema de comunicação das abelhas, pesquisado-res construíram um sistema que permite otimizar o desempenhodas redes durante os períodos de alta demanda via servidoresociosos. Mas isso tudo é apenas uma ínfima parte da contribuiçãoque a biodiversidade trará à tecnologia da informação. n

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira deCiência (ABC) tendo em vista a decisão majoritária da Câmara dos Deputados sobre osubstitutivo do Código Florestal esclarecem que:

z Nunca houve convite oficial por parte do Parlamento Nacional para que a ABC e aSBPC, entidades representantes da comunidade científica brasileira, participassem dasdiscussões sobre o substitutivo do código florestal.

z A participação ocorreu em função de uma demanda da própria comunidade científicaque resultou na formação de um grupo de trabalho (GT) composto por cientistas dasdiferentes áreas abrangidas no código florestal. Os trabalhos foram iniciados no dia 07de julho de 2010, e resultaram na publicação do livro “O Código Florestal e a Ciência.Contribuições para o Diálogo”, que foi lançado em Brasília no dia 25 de março.

z Durante o período de trabalho, várias pessoas e entidades foram convidadas paradialogarem com o GT. Duas cartas foram produzidas e enviadas a todos congressistase presidenciáveis alertando da necessidade de mais tempo para estudos aprofundadossobre os vários aspectos tratados no código florestal e seu substitutivo.

z Reconhecem a importância do agronegócio na produção de alimentos e na balança comer-cial brasileira, bem como a necessidade de que o desenvolvimento e a ampliação do agrone-gócio ocorram sem prejuízos à preservação e conservação dos recursos ambientais do País.

z Entendem que a agricultura familiar, responsável por 38,8% do valor bruto da produ-ção agropecuária, representando 84,4% do número total dos estabelecimentos ruraisque ocupam 24,3% da área agriculturável do Brasil, deve ter um tratamento especial porparte da legislação ambiental. Tratamento semelhante deve ser conferido às áreas con-solidadas em ambientes urbanos e rurais que não provoquem degradação ambiental.

z Que o código florestal de 1965 (Lei 4771), apesar de construído com o aporte científicoda época, necessita de aprimoramentos à luz da ciência e tecnologia disponíveis na atua-lidade. Ao mesmo tempo entendem que o Projeto de Lei n0 1.876 aprovado na Câmarados Deputados também não resolve as necessidades de modificações na legislação anteri-or, pois o mesmo não contempla uma fundamentação científica e tecnológica.

z Que em função dos fatos expostos acima, a SBPC e ABC solicitaram mais dois anospara construção de um código florestal com base científica e tecnológica considerandoaspectos jurídicos não punitivos e com equidade econômica, social e ambiental.

Desta forma, a SBPC e a ABC consideram precipitada a decisão tomada na Câmara dosDeputados, pois não levou em consideração aspectos científicos e tecnológicos na cons-trução de um instrumento legal para o país considerando a sua variabilidade ambiental porbioma, interação entre paisagens urbanas e rurais que propiciem melhores condições devida para as populações com uma produção agrícola ambientalmente sustentável.

Esclarecem também que esta decisão não tem nenhum vínculo com movimentos ambien-talistas ou ruralistas, pois o mais importante é a sustentabilidade do País.

Reafirmam que estão dispostas a colaborar na construção de um código florestal/ambien-tal justo e que confiam que o Senado considere os aspectos científicos e tecnológicos naanálise do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados.

São Paulo, 25 de maio de 2011.

Helena B. Nader (Presidente da SBPC)Jabob Palis Júnior (Presidente da ABC)José A. Aleixo da Silva (Coordenador do GT)

NOTA DA SBCP E DA ABC SOBRE A DECISÃODA CÂMARA DOS DEPUTADOS

CÓDIGO FLORESTAL

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Em um gesto político sem precedentes na his-tória do Brasil, dez exx-ministros do Meio

Ambiente dos últimos 38 anos contestaram o tex-to do Novo Código Florestal, classificado comoretrocesso à política ambiental em implantaçãono País nas últimas quatro décadas. Carlos Minc(2008-2010), Marina Silva (2003-2008), JoséCarlos Carvalho (2002-2003), José Sarney Filho(1999-2002), Gustavo Krause (1995-1999), Hen-rique Brandão Cavalcanti (1994-1995), RubensRicupero (1993-1994), Fernando Coutinho Jorge(1992-1993), José Goldemberg (1992) e PauloNogueira Neto (1973-1985) assinaram uma cartaque foi entregue à presidente Dilma Rousseff eaos presidentes do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e da Câmara, Marco Maia (PT-RS).

“Estamos reunidos para acentuar a gravidadedo atentado que estão querendo promover”, afir-mou Rubens Ricupero, ressaltando ser ilusória aideia de que a mudança no Código Florestal tor-nará a agricultura mais competitiva: “A destrui-ção acelerada da Amazônia é a condenação doBrasil a uma situação de perda de competitivida-de, é um suicídio em nome do lucro imediato, éum retrocesso histórico. Vamos dar um pretextopara os países que querem usar argumento pro-tecionista contra o agronegócio brasileiro”.

Entre os pontos contestados no texto do relator,deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), figuram a anis-tia para quem desmatou ilegalmente, a permissãopara atividades em áreas de preservação perma-nentes e a retirada de poderes do Conselho Nacio-nal do Meio Ambiente (Conama). “A lei trata mui-to mais de uso da terra do que de florestas. Nãoestamos fazendo uma lei florestal no sentido deinstituir uma política nacional de florestas”, criti-cou José Carlos Carvalho, para quem o código sepreocupa mais com o desenvolvimento de ativida-des rurais. A ex-ministra Marina Silva afirmou terhavido aumento de 400% no desmatamento no Paísapenas com a expectativa de aprovação do novotexto, e pediu prazo para discussão do projeto, doqual deve participar a sociedade civil.

Fonte: Agência Estado

DEZ EX-MINISTROS CONTESTAMTEXTO DO CÓDIGO FLORESTAL

Em Brasília, os ex-ministros Rubens Ricupero ,José Sarney Filho, José Carlos Carvalho,Marina Silva e Carlos Minc (23/5/2011).

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