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A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

E D I T O R I A L

Caros amigos,

Segundo os cientistas que estudam a questão do aquecimento global,mais de 350 partes por milhão de CO

2 (dióxido de carbono)

em suspen-

são na atmosfera... é igual a desastre! Como já alcançamos 388 ppm (emjunho de 2009), não é de estranhar que Gaia venha sinalizando, emtodo o mundo, as mudanças que a transformarão num planeta inóspitoà vida que elaborou e sustenta. Descubra porque nos artigos 350 ppm: o

limite de segurança e Os impactos da elevação da temperatura.

Não obstante as catástrofes climáticas e ambientais balizarem de formairrefutável a degradação antrópica da Terra – como revela o artigo Aral:

o mar virou deserto –, o modelo de desenvolvimento subvencionado pelagovernança mundial persiste em alimentar a fornalha do apocalipse.

Em nosso país, o mais alarmante indício dessa irrefreável pulsãodestrutiva cristaliza-se na atual corrosão da legislação ambiental pa-trocinada pelo agronegócio e pelo Poder Legislativo (em âmbitosmunicipal, estadual e federal). É o caso, por exemplo, da medidaprovisória 458 votada pelo Senado, que entrega 67 milhões de hec-tares de terras a grileiros de terras públicas. Caso ela venha a sersancionada, sem vetos, pela Presidência da República, a Amazônia,a Mata Atlântica, o Cerrado e demais biomas experimentarão a len-ta agonia do empobrecimento até a extinção.

Em escala global, a insustentabilidade do atual modelo econômicoresponde por aberrações de cunho genocida. Descubra nos artigosAgenda Rockfeller: o controle dos alimentos e Influenza A: a epidemia do lucro-

os mecanismos urdidos pelas transnacionais para auferir lucro com ainsegurança alimentar – mais de 1 bilhão de indivíduos estão condena-dos à morte por inanição – e com a criação de pandemias, como a atualgripe suína, hipocritamente rebatizada de influenza A.

Esse acelerado processo de aniquilamento da Terra pode ser sustadovia reflexões geradoras de tecnologias e ações de sustentabilidade.Por que não substituir, como ocorre no Butão, o PIB pelo PFB (produ-

to da felicidade bruta)? Um novo paradigma se impõe à criminosa dita-dura do “mercado”. A prosperidade de uma nação – e do mundo –não pode mais ser aferida pela riqueza produzida para o usufruto depoucos, mas por uma economia geradora de felicidade e de bem-estarpara todos. Só assim salvaremos Gaia e nós mesmos da perdição.

Hélio CarneiroEditor

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Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Mariana Simõ[email protected]

Colaboraram nesta edição

Anais GinoriAndrew C. Revkin

Bill McKibbenCimi e EcoDebate

Clive Cookson e Seth MydansFiona Harvey

George MonbiotHenrique Cortez

Mario R. FernándezMark Lynas

Remaatlantico e NASAShelby Gonzalez e Bob Toovey

Silvia RibeiroUNEP/GRID-Arendal Maps and Graphics

Nº 20 – 2009

Capa: Fire and Ice, Global Warming. Ilustração de BL1961

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Biochar: o novo Graal?Os salvadores do mundo acabam de lançar a mais nova utopia: um plano para resolver milagrosamenteo problema da mudança climática com carvão vegetal (biochar). Por George Monbiot

Terra Livre 2009: por um novo Estatuto dos Povos IndígenasEntre 4 e 8 de maio, o 6º Acampamento Terra Livre (ATL) reuniu em Brasília representantes de 130 povosque aprovaram proposta de texto para o novo Estatuto dos Povos Indígenas. Por CIMI e portal EcoDebate

Influenza A: a epidemia do lucroO surto de gripe suína não é um fenômeno isolado, mas parte de uma crise maior, com raízes no sistemade criação industrial de animais dominado por empresas transnacionais. Por Silvia Ribeiro

Obesidade: doença ambiental?Os obesogênicos – compostos químicos dispersos no meio ambiente – são os grandes responsáveispelo aumento da síndrome metabólica nos últimos 20 anos. Por Shelby Gonzalez e Bob Toovey

Agenda Rockefeller: o controle dos alimentosUm complexo sistema de álibis e estratégias tornou a agricultura, em escala mundial, refém do podereconômico das corporações transnacionais da agroquímica e do agronegócio. Por Mario R. Fernández

Vandana Shiva: “A natureza nos salvará”Confira as reflexões da física, ecoativista representante do movimento “Um Outro Mundo é Possível” sobreo atual modelo suicida e excludente de produção alimentar insustentável. Por Anais Ginori

350 ppm: o limite de segurançaEntenda como e por que a meta-limite de emissões de CO

2 na atmosfera tem de ser estabilizada já.

A segurança climática – e a sobrevivência da Terra – dependem disso. Por Bill McKibben

Os impactos da elevação da temperaturaA catástrofe anunciada: cidades costeiras submersas, um terço do mundo desértico, polos sem gelo,água doce escassa, produção de alimentos em cheque, extinção em massa... Por Mark Lynas

Geoengenharia: nova promessa para salvar a TerraFicção científica? Nada disso. Os ambiciosos projetos que alteram os sistemas naturais de gerenciamentoclimático terrestre podem ser úteis para se mitigar o aquecimento global. Por Fiona Harvey

Adeus... PIB! É hora do PFBImplantada no Butão, a avaliação da prosperidade nacional via Produto da Felicidade Bruta pode serum novo modelo para solucionar a crise econômica e ambiental atual. Por Andrew C. Revkin

Aral: o mar virou desertoUm projeto de irrigação que desconsiderou o estudo do impacto ambiental no desvio das águasde dois rios asiáticos provocou consequências catastróficas sem precedentes. Por Remaatlantico e NASA

Nota pública contra o desmonte da política ambiental brasileiraRecentes medidas dos poderes Executivo e Legislativo indicam que a lógica do crescimento econômicoa qualquer custo pode tornar o país insustentável, tanto ambiental quanto economicamente.

Ruralista contra o meio ambienteCaso ocorra a “flexibilização” das leis ambientais, o Brasil ameaça transformar-se na neocolônia“Fazendona Brasil”, que abandona o futuro para tornar-se “celeiro do mundo”. Por Henrique Cortez

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Sempre que se ouve a palavra milagre, sabe-se que há problemas àvista. E, na maioria das vezes, os milagres resultam em decepçãoou desastre. Mesmo assim, os jornais nunca se cansam de promo-ver uma cura milagrosa, uma colheita milagrosa, combustíveis mi-lagrosos e milagrosos instrumentos financeiros. Temos a ilimitada

capacidade de desconsiderar as leis da Economia, da Biologia e da Termodinâ-mica quando encontrarmos uma solução simples para problemas complexos.Por isso, senhoras e senhores, deem as boas-vindas ao novo milagre. Trata-se deuma espécie de regime de baixo carbono para o planeta, que faz a Dieta do Dr. Atkinsparecer saudável: o biochar NE1 (carvão produzido pela pirólise da biomassa).

BIOMASSA: A SALVAÇÃO DA LAVOURA?

Não mais que de repente, a biomassa tornou-se a resposta universal aos pro-blemas de mudança climática e de geração de energia. Seus defensores reivin-dicam que o biochar (carvão vegetal) se tornará a fonte primária mundial paraaquecimento, geração de eletricidade, combustível veicular (etanol de celulo-se) e de aviação (bioquerosene). No entanto, poucas pessoas param parapensar como o planeta poderá suprir tais demandas, produzir alimentos e pre-servar a natureza selvagem. Agora, uma utilização ainda mais tresloucada damadeira está sendo promovida – inclusive no jornal Guardian(1). O novo “mi-lagre verde” ganha realidade de uma forma catastrófica: transformando a su-perfície do planeta numa carvoaria.

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por George Monbiot

Os salvadores do mundo acabam de lançar a mais recente

utopia: um plano para resolver milagrosamente o problema

da mudança climática com carvão vegetal (biochar).

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CARVÃO VEGETAL? NADA DISSO...A coisa mudou de nome: agora é biochar.A ideia salvadora vem a ser nada mais queo cozimento de lascas de madeira e de res-tos de colheitas para liberar seus compo-nentes voláteis (que podem ser usadoscomo combustível) e o resíduo desse pro-cesso – o biochar (carvão vegetal) – se-pultado... no solo! Segundo o pensamen-to mágico dos promotores da ideia, o novomilagre é capaz de estacionar o desarranjoclimático, substituir o gás e o petróleo,melhorar a fertilidade da terra, reduzir odesmatamento, criar empregos, prevenir asdoenças respiratórias e assegurar que,quando você deixar cair sua fatia de pão, olado amanteigado fique para cima. (Essaúltima hipótese é de minha lavra. Mas bastadar tempo aos “apóstolos do biochar” paraeles encamparem a ideia.)

Os defensores do biochar alegam que osindígenas da Amazônia criaram terra pretaao enterrar carvão ao longo de centenasde anos. E que tais terras pretas são maisférteis do que as terras circunvizinhas. Alémdisso, o carbono (CO

2) ficou onde o puse-

ram: enterrado no solo. Tudo o que preci-samos fazer é espalhar a boa nova pelosquadrantes da Terra, e os problemas domundo – excluindo o da fatia de pão commanteiga – serão resolvidos. O biochar ti-rará o carbono de circulação, reduzindosuas concentrações atmosféricas. Tambémelevará a rentabilidade das colheitas. E,caso seja produzido em fogões domésti-cos, reduzirá a fumaça nos lares e as pes-soas catarão menos combustível, reduzin-do assim o desmatamento(2).

OS ENGODOS DO BIOCHAREsta solução milagrosa tem mistificado atémesmo pessoas com capacidade de julga-mento, como James Lovelock(3), especia-lista em Sistemas de Circulação da Terra, oeminente climatologista Jim Hansen(4), oautor Chris Goodall e o paladino do climaTim Flannery(5).

Na mesa de negociações sobre clima pa-trocinada pela ONU, em Bonn, Alemanha,em maio último, vários representantes go-vernamentais exigiram que o biochar fos-se elegível para créditos de carbono atra-vés de financiamentos que estimulem acriação de uma indústria global debiochar(6). Resumindo, a proposta signifi-ca apenas isso: temos de destruir a biosfe-ra para salvá-la.

Em seu excelente livro Dez Tecnologiaspara Salvar o Planeta (Ten Technologiesto Save the Planet), Chris Goodall abando-na seu ceticismo habitual e propõe quetransformemos 200 milhões de hectares de“floresta, savana e terras agricultáveis” emplantações de biochar. Assim, aumentaría-mos o sequestro de carbono ao arrancar“áreas arborizadas de crescimento lento”(ou seja, floresta natural) para plantar “es-pécies de crescimento rápido”(7). Será queisso é mesmo ambientalismo?

Mas a saga do biochar está apenas começan-do. A Carbonscape, empresa que espera estarentre as primeiras a comercializar a técnica deprodução de biochar, já fala no plantio de 930milhões de hectares(8). Peter Read, conferen-cista especializado em energia, propõe novasplantações de biomassa com árvores e cana-de-açúcar cobrindo 1,4 bilhão ha(9).

A área cultivável do Reino Unido é de 5,7mha, ou 1/245 avos do total proposto porRead. A China tem 104m ha de plantações.Os EUA têm 174m ha. E o total no mundo éde 1,36 bilhões(10). Se tivéssemos que im-plementar o projeto de Read, teríamos desubstituir todas as culturas alimentaresmundiais com plantações de biomassa,causando escassez global imediata. Outeríamos de dobrar a área semeada do pla-neta e destroçar a maioria dos habitatsnaturais remanescentes. Read foi um dospromotores da primeira geração de biocom-bustíveis líquidos(11,12), ação que teve pa-pel relevante na elevação do preço dos ali-mentos em 2008, jogando milhões de indi-víduos na desnutrição. Será que essaspessoas não aprenderam nada?

Claro que os apóstolos do biochar afirmamque tudo pode ser compatibilizado. PeterRead diz que as novas plantações podemser criadas nas “terras ocupadas por quemnão está comprometido com atividadeseconômicas” (13). Assim ele se refere à ter-ra usada por quem se dedica à produçãode subsistência: fazendeiros, camponeses,caçadores, coletores e qualquer outra ca-tegoria não envolvida na produção de com-modities para o mercado de massa. Ou seja,gente pobre e desamparada cujos direitose títulos de propriedade podem ser des-considerados. Tanto Read quanto a Car-bonscape referem-se a tais sítios como“terras degradadas”. Antes, elas eram cha-madas de “não aproveitadas” ou “margi-nais”. A denominação “terra degradada” éo novo código para o habitat natural quese quer destruir.

Goodall é até mesmo mais ingênuo. Eleacredita que podemos manter a profusãode animais e de plantas nas florestas tropi-cais que ele espera destripar, plantando ummix de espécies vegetais de crescimentorápido em vez de monoculturas(14). Comomostrou Philip Fearnside, ecologista es-pecializado em Amazônia, um mix de cultu-ras “não muda substancialmente, do pon-to de vista da biodiversidade, o impactodas plantações em larga escala” (15).

Em seu livro Pulping the South, RicardoCarrere e Larry Lohmann revelam o queaconteceu até agora nos 100m ha de plan-tações industriais disseminadas ao redordo mundo.(16) Além de obstruir a biodiver-sidade, as plantações de árvores secam asnascentes de rios, provocam a erosão dosolo quando a terra é arada para semeadu-ra (o que significa perda de carbono se-questrado no solo), exaurem os nutrientese exigem tantos defensivos agrícolas que,em alguns lugares, o derrame de pestici-das acaba por envenenar manguezais e sí-tios de reprodução e de pesca.

No Brasil e na África do Sul, dezenas demilhares de pessoas foram desalojadas desuas terras, via de regra através de expedi-entes violentos, para o estabelecimento deplantações. Na Tailândia, o governo mili-tar que tomou o poder em 1991 planejouexpulsar cinco milhões de indivíduos desuas terras. Foram desapropriadas 40 milfamílias antes de a Junta ser derrubada.Em muitos casos, as plantações causamuma perda líquida de emprego. Além dis-

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Não basta enterrar

o biochar para

enriquecer o solo

e transformá-lo em

fértil terra preta.”

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REFERÊNCIAS:1. http://www.guardian.co.uk/environment/2009/mar/13/charcoal-carbon2. Chris Goodall, 2008. Ten Technologies to Save the Planet.GreenProfile, London.3. http://www.newscientist.com/article/mg20126921.500-one-last-chance-to-save-mankind.html?full=true4. James Hansen et all., 2008. Target Atmospheric CO2:Where Should Humanity Aim? http://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/0804/0804.1126.pdf5. http://www.beyondzeroemissions.org/2008/03/19/tim-flannery-australian-of-the-year-2007-talks-bio-char-why-we-need-to-move-into-the-renewable-age6. Trata-se da reunião AWG-LCA nas negociações do UNFCCC.7. Páginas 226-227.8. http://carbonscape.com/carbon-stories/9. Peter Read, 2008. Biosphere carbon stock management:addressing the threat of abrupt climate change in the nextfew decades: an editorial essay. Climatic Change.DOI 10.1007/s10584-007-9356-y10. www.nationmaster.com/graph/agr_ara_lan_hec-agriculture-arable-land-hectares11. Peter Read, 20th October 2004. Good news on climatechange. Abrupt Climate Change Strategy Workshop. PressRelease. www.accstrategy.org/goodnews.html12. Ver www.monbiot.com/archives/2004/11/23/feeding-cars-not-people/13. Peter Read, 2008, ibid.14. Página 228.15. Philip M. Fearnside, 1993 ‘Tropical Silvicultural Plantationsasa Means of Sequestering Atmospheric Carbon Dioxide’, ms.,Manaus. Quoted in Pulping the South (ver abaixo).16. Este livro está disponível online em www.wrm.org.uy/plantations/material/pulping.html17. Almuth Ernsting and Rachel Smolker, February 2009.Biochar for Climate Change Mitigation: Fact or Fiction?www.biofuelwatch.org.uk/docs/biocharbriefing.pdf

George Monbiot – Autor de best-sellers naárea ambiental. Mantém uma coluna semanalno jornal inglês Guardian, e é professor confe-rencista e visitante das universidades de Oxford(filosofia), Keele (política), Oxford Brookes(planejamento) e East London (ciência ambien-tal). É doutor honorário pelas universidadesde Essex, St. Andrews e Cardiff. Artigo origi-nalmente publicado em www.monbiot.com eno Guardian (24/03/2009).

NOTAS DO EDITOR:NE1 – Para mais informações sobre o biochar esuas repercussões comerciais, inclusive comfinanciamento de projetos e pesquisas,recomendamos visita ao site da InternationalBiochar Initiative (IBI) – www.biochar-international.org/home.html

NE2 – Entre 1957 e 1958, Mao Tsé-Tung inicioua política de desenvolvimento do “Grande Salto”,baseada na industrialização associada à coletivizaçãoagrária. O “Grande Salto” traduziu-se num desastreeconômico: mergulhou a China numa epidemia defome e vitimou milhões de chineses.

so, as condições de trabalho nessas áreassão brutais e em geral desembocam emescravidão por endividamento e exposiçãorepetida a pesticidas.

BIOCHAR E TERRA PRETA:A MESMA COISA?Como observam Almuth Ernsting e RachelSmolker, do Biofuelwatch – entidade queexige a moratória dos biocombustíveis(www.biofuelwatch.org.uk) –, muitas rei-vindicações a favor do biochar não têmsustentação(17). Em alguns casos, o car-vão dentro do solo melhora o crescimentoda planta; em outros, suprime esse efeito.O simples fato de sepultar carvão vegetalnão tem nenhuma relação com as comple-xas técnicas de agricultura dos indígenasamazônicos que criaram as terras pretas.Nem há qualquer garantia de que a maiorparte do carbono enterrado ficará presono solo. Em alguns casos, o carvão vege-tal estimula o crescimento bacteriano, le-vando ao aumento das emissões de car-bono a partir do solo. E, no tocante à redu-ção do desmatamento, um fogão que quei-

ma apenas parte do combustível tem maisprobabilidade de aumentar – e não dimi-nuir – a demanda por lenha. Há muitosoutros modos de eliminar a fumaça domés-tica que não a transformação das florestasmundiais em cinzas.

Os pontos analisados não significam quea ideia do biochar seja despossuída devirtudes; apenas que a concepção dobiochar encerra um excesso de perigosque foram “esquecidos” ou “negligenci-ados” por seus defensores. Também nãosignifica que não se deva produzir, empequena escala, carvão vegetal a partirde palha, aparas de madeira e de outrosmateriais que acabariam no lixo. Mas aconcepção de que o biochar é a soluçãouniversal a ser aplicada em grande escalaé tão enganosa quanto a desastrosa polí-tica do “Grande Salto”, empreendida pelofinado líder chinês Mao Tsé-TungNE2.Assim, agarramo-nos às palhas (e a ou-tras biomassas) em nossa desesperadavontade de acreditar que existe uma saídafácil para a situação atual. ■

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A idealização do biochar estimula a criação deestratégias de sistemas integrados de reciclagemecológica. Embora o processo de produção dobiochar em pequena escala possa trazersoluções interessantes, sabe-se que o simplesfato de sepultar carvão vegetal não temnenhuma relação com as complexas técnicasde agricultura dos indígenas amazônicos“inventores” da terra preta.

Agarramo-nos às biomassas em nosso

desesperado desejo de acreditar que existe uma

saída fácil para a situação atual. O biochar pode

ser uma solução catastrófica ao transformar

a superfície do planeta numa carvoaria.”

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Entre 4 e 8 de maio, o 6º Acampamento Terra Livre (ATL) reuniu

representantes de 130 povos na Esplanada dos Ministérios, em

Brasília. Os mais de mil indígenas presentes aprovaram proposta

de texto para o novo Estatuto dos Povos Indígenas.

Aaprovação do texto para o novoEstatuto era o objetivo principaldo ATL 2009. Após dias de deba-

tes, os indígenas aprovaram, com algumasalterações, a proposta elaborada pela Co-missão Nacional de Política Indigenista(CNPI), da qual participam indígenas, or-ganizações indigenistas e representantesde órgãos do Executivo. A CNPI sistemati-zou as discussões das 10 reuniões regio-nais ocorridas entre agosto e dezembro de2008 com indígenas de todo o país.

dos Povos Indígenas

AS REIVINDICAÇÕES INDÍGENASOs indígenas requerem profundas mudan-ças em relação ao Estatuto que está em vi-gor desde 1973. Eles desejam o fim da tutelapara que possam, por exemplo, estabelecercontratos de trabalho sem intermédio daUnião. Também propõem que o novo textoelimine termos ultrapassados como “silví-colas” ou “tribos”, que transmitem uma ideiade “estágio inferior de desenvolvimento”.Em relação à exploração mineral e de recur-sos hídricos, os indígenas reivindicam o

direito de veto quando os projetos afeta-rem as terras onde vivem.

A tramitação do Estatuto está parada há 15anos no Congresso Nacional. Para pressio-nar os parlamentares a retomarem o debatesobre o tema, os indígenas realizaram umaaudiência pública no Senado Federal, nodia 7 de maio. Alguns senadores e deputa-dos federais, na audiência ou durante visitaao acampamento, comprometeram-se aacompanhar os projetos em tramitação que

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Terra Livre 2009:por um novo Estatuto

por CIMI e portal EcoDebate

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POVOS INDÍGENAS:A VIOLÊNCIA CONTINUAO relatório Violência Contra os Povos Indígenas noBrasil – 2008, do Conselho Indigenista Missionário

(CIMI), revela uma chocante realidade.

Em 2008, o CIMI registrou 60 assassinatos de indígenas em todo o Brasil. Emcomparação com 2007, houve uma diminuição de 32 casos. Foram registrados:

❚ 42 assassinatos entre o povo Guarani Kaiowá (11 a menos do que em 2007);❚ 34 suicídios (6 a mais do que em 2008).

Isso significa que a soma das mortes violentas (76) permanece elevada.

Os Guarani Kaiowá são vítimas de racismo, desnutrição, atropelamentos, faltade assistência à saúde, trabalho escravo, entre outras formas de violência. Estasituação resulta de omissões do Estado e de ações governamentais e de parti-culares, no contexto de acirramento da disputa pela terra no Mato Grosso doSul. Segundo análise da antropóloga Lúcia Rangel, organizadora do relatório, oquadro que provoca a violência contra os Guarani Kaiowá permanece inalterado:“Nos últimos anos, o confinamento dos indígenas em exíguas parcelas de terratem se intensificado, por causa do avanço dos latifúndios”.

GUAJAJARA: EXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS E MORTES

Em 2008, depois dos Guarani Kaiowá, foi o povo Guajajara, no Maranhão, queenfrentou os piores índices de violência contra a pessoa. Foram registrados:

❚ 3 assassinatos;❚ 7 vítimas de tentativas de assassinato;❚ 6 ameaças de morte; e❚ 1 espancamento.

As agressões foram cometidas por não indígenas, que, em geral, vivem nascidades vizinhas às terras dos Guajajara. Os crimes ocorrem num contexto depreconceito e constantes ameaças.

A exploração ilegal de madeira dentro das terras indígenas também provoca aviolência contra os Guajajara. Além disso, a presença constante dos madeirei-ros e o desmatamento ameaçam a sobrevivência de pelo menos 60 pessoas dopovo Awá Guajá, que vivem sem contato com a sociedade no entorno.

CRIMINALIZAÇÃO

O relatório também destaca casos de criminalização dos povos indígenas e desuas lutas. Em outubro de 2008, por exemplo, no sul da Bahia, a Polícia Federalferiu mais de 20 pessoas e destruiu roças, escolas, carros e casas numa opera-ção de busca e apreensão do cacique Rosivaldo (conhecido por Babau), do povoTupinambá. Ele é processado por lutar por sua terra tradicional.

Em Pernambuco, quase 40 lideranças do povo Xukuru estão sendo acusadas deenvolvimento em diversos crimes. Em um único caso, 35 indígenas, incluindo ocacique, são réus num processo judicial que apresenta muitas falhas e é ques-tionado por grupos de direitos humanos.

CAOS NO ATENDIMENTO À SAÚDE

Em 2008, o CIMI registrou 68 mortes de indígenas (sendo 37 menores de 5anos) como consequência de desassistência à saúde, em todos os estados. Háregistros de diversas falhas, como carência de:

❚ médicos nas aldeias e nos postos de saúde;❚ medicamentos e transporte para doentes, gestantes e, inclusive, para as equipes médicas;❚ treinamento para equipes médicas e de pessoal qualificado;❚ instalações adequadas nos centros de atendimento, nos ambulatórios e nas Casas de Assistência à Saúde Indígena (CASAI).

Fonte: CIMI - Conselho Indigenista Missionário, Informe nº. 863O relatório completo pode ser lido em www.cimi.org.br

Artigo publicado em www.ecodebate.com.br(11/05/2009).

afetam os povos indígenas e a voltar a de-bater o Estatuto dos Povos Indígenas.

A audiência no Senado também repudiouas propostas de senadores e deputadosque ameaçam os direitos indígenas. Entreelas, destacam-se o projeto do senadorMozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e o dosdeputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) eAldo Rebelo (PCdoB-SP), que transferempara o Senado e o Congresso, respectiva-mente, a decisão sobre a demarcação deterras indígenas.

“Sabemos que muitos parlamentares têmposições anti-indígenas, mas temos umaperspectiva positiva em relação à discus-são do Estatuto. Quando voltarem a discu-tir o Estatuto, nós viremos a Brasília fazerpressão e chamar a atenção para garantirque o texto aprovado garanta nossos direi-tos”, avalia Sandro Tuxá, da Articulação dosPovos Indígenas do Nordeste, Minas Ge-rais e Espírito Santo (Apoinhe).

TERRA, SAÚDE E CRIMINALIZAÇÃO

Durante o Terra Livre 2009, os indígenas detodo o país também denunciaram as viola-ções aos seus direitos, principalmente à ter-ra e à assistência à saúde, como ficou re-gistrado no documento final do encontro.Povos de todas as regiões ainda lutam parademarcar suas terras ou retirar invasores deterras demarcadas. A situação dos GuaraniKaiowá, do Mato Grosso do Sul, foi desta-cada por diversos povos, que manifesta-ram apoio à luta dos Guarani.

Outro processo contra os indígenas lem-brado em diversas falas foi a criminaliza-ção das lideranças e das lutas dos povos,com destaque para a situação dos Xukuru(PE) e dos Cinta-Larga (RO).

O Terra Livre foi reafirmado como o princi-pal fórum dos povos indígenas do Brasil.O ministro Tarso Genro e o presidente daFundação Nacional do Índio (FUNAI),Márcio Meira, foram ao Acampamento, nodia 5 de maio, ouvir as demandas, críticase propostas dos povos indígenas.

“A presença do ministro da Justiça noAcampamento também legitima esse espa-ço que é nosso, organizado por nós”, ava-lia Sandro Tuxá. ■

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O MODELO DE CRIAÇÃO INTENSIVA:FONTE DE VÍRUSApesar da manipulação da informação porparte de autoridades e da indústria, não sepode ocultar que o atual vírus da gripesuína (agora assepticamente chamado deinfluenza A/H1N1) tem sua origem na pro-dução industrial de animais.

As autoridades conheciam a ameaça de pan-demia, porém não acataram as advertênciasdas instituições científicas e de organizaçõessociais para não interferirem nos interesseseconômicos da grande indústria alimentaragrícola e pecuária, e das transnacionais far-macêuticas e de biotecnologia que lucramcom as enfermidades.

Para isso, são úteis as respostas fragmentá-rias: medidas de emergência quando os mor-tos e enfermos não podem ser camuflados esolução da crise via tecnologia... controladapelas multinacionais. Se existem novos ví-rus, novas vacinas serão encontradas, pa-tenteadas e vendidas pelas empresas farma-cêuticas. No entanto, escamoteia-se o prin-cipal: ainda que seja encontrada uma vacinapara o vírus atual, a criação industrial de ani-mais continua sendo uma bomba relógio parao surgimento de novos vírus. Ou seja, ascausas do problema não são questionadas.

No México, as grandes empresas avícolas ede suinocultura têm proliferado nas águas (su-jas) do Tratado de Livre Comércio da Américado Norte. Um exemplo é a Granjas Carroll, emVeracruz, da Smithfield Foods, a maior empre-sa de criação de porcos e processamento deprodutos suínos do mundo, com filiais naAmérica do Norte, Europa e China.

Na sede da Smithfield Foods, em Perote,começou uma virulenta epidemia de enfer-midades respiratórias que afetou 60% dapopulação de Glória. Em várias oportuni-dades, a ocorrência foi noticiada pelo peri-ódico La Jornada, a partir das denúnciasdos habitantes locais. Aliás, a populaçãoafetada há anos trava dura luta contra acontaminação provocada pela empresa e,devido a suas denúncias, tem sofrido re-pressão das autoridades.

A Granjas Carroll declarou não ter responsa-bilidade pela atual epidemia, alegando que apopulação sofria de uma gripe “comum”. Porvia das dúvidas, não fizeram análises parasaber exatamente de que vírus se tratava.

No entanto, as conclusões do Painel PewCommission on Industrial Farm Animal Pro-duction (Comissão Painel Pew sobre Pro-dução Animal Industrial), publicado em 2008,afirmam que as condições de criação e deconfinamento da produção industrial – so-bretudo porcos – criam um ambiente perfei-to para a recombinação de vírus. O painelinclusive menciona o perigo da recombina-ção das gripes aviária e suína, e como essenovo “agente viral” pode chegar arecombinar-se em vírus que afetam e sãotransmitidos entre humanos.

O Painel Pew menciona que, por muitasvias, incluindo a contaminação das águas,os agentes virais podem chegar a localida-des longínquas sem aparente contato di-reto. Um exemplo disso é o surgimento dagripe aviária. (Ver o informe da GRAIN queilustra como a indústria avícola criou a gri-pe aviária em www.grain.org).

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As empresas

biotecnológicas

e farmacêuticas

que monopolizam

as vacinas e os antivirais

são as que mais lucram

com as epidemias.

O surto de Influenza A

(ex-gripe suína) não é um

fenômeno isolado, mas

parte de uma crise maior,

com raízes no sistema de

criação industrial de

animais dominado por

empresas transnacionais.

por Silvia Ribeiro

A epidemiaInfluenza A

do lucro

Fot

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Cidadania&MeioAmbiente 11

GOVERNOS E TRANSNACIONAIS:O EIXO DO MAL

No entanto, a reação das autoridades me-xicanas diante da crise atual foi tardia –esperaram os Estados Unidos anunciaremprimeiro o surgimento do novo vírus, per-dendo valiosos dias no combate à epide-mia –, além de ignorar as causas reais emais contundentes. Mais do que enviarcepas do vírus para sequenciamento ge-nômico a cientistas como Craig Venter, queenriqueceu com a privatização da pesqui-sa e de seus resultados (tal sequenciamen-to já fora objeto de investigação no Cen-tro de Prevenção de Doenças, em Atlanta,EUA), o que se precisa é entender que estefenômeno vai continuar se repetindo en-quanto continuarem a existir os criadou-ros dessas doenças.

E, na epidemia, são as transnacionais as quemais lucram: as empresas biotecnológicase farmacêuticas que monopolizam as vaci-nas e os antivirais. O governo mexicanoanunciou ter um milhão de doses de antíge-nos para atacar a nova cepa da gripe suína.Mas nunca informou a que custo.

Os únicos antivirais que ainda têm ação con-tra o novo vírus estão patenteados na maiorparte do mundo e são de propriedade dasgrandes empresas farmacêuticas: zanami-vir (Relenza, comercializado por GlaxoSmith-Kline) e seltamivir (Tamiflu, patenteado porGilead Sciences, licenciado exclusivamentepara a Roche). Glaxo e Roche são a segundae a quarta empresas farmacêuticas em escalaglobal. Para elas, as epidemias são as melho-res oportunidades de negócio.

Com a gripe aviária, as transnacionais far-macêuticas lucraram centenas de milhõesde dólares. Com o anúncio da nova epi-demia no México, as ações da Gilead su-biram 3%, as da Roche 4% e as da Glaxo6%. E isto é apenas o começo. Outra em-presa que está atrás desse grande negó-cio é a Baxter, que solicitou amostras donovo vírus e anunciou a criação de umavacina em 13 semanas.

Não precisamos enfrentar apenas a epide-mia do vírus, mas também a do lucro. Assim,em vez de atacarem as causas da epidemia,os que a produzem são premiados. ■

❚ O precursor mais próximo do vírus da influenza suína – agora em expansãopelo mundo – foi detectado em 1998 nos criatórios de porcos dos EUA. Eleprovinha da família de vírus H1N1, causador da gripe de 1918. Em 1998, aque-le vírus se recombinou com segmentos do vírus das gripes aviária e humana,além de outras cepas de gripe suína: uma recombinação tripla da qual não setinha registro. O fato alarmou os pesquisadores devido ao potencial mutagênicodo vírus e à possibilidade de sua conversão em gripe humana muito patogênica.

❚ Em 1999, esse vírus já estava presente em 20,5% dos porcos criados indus-trialmente em 23 estados dos EUA, segundo reportou naquele ano o Journalof Virology. Nos anos seguintes, vários autores e publicações científicas adver-tiram que esses vírus continuavam recombinando-se nos criatórios industriaisde suínos, locais onde circulavam muitas cepas diferentes. E que tais cepas sedisseminam com facilidade pelas vias de transporte nacionais e internacionaisde animais, e também através das pessoas em contato com os suínos. Tanto oshumanos quanto os animais podem ser portadores do vírus, mesmo semmanifestar a enfermidade. Paralelamente, as cepas de gripe humana tam-bém se recombinaram, da mesma forma que as da gripe aviária, produzindo,por exemplo, a “famosa” gripe aviária H5N1, também fruto das condiçõesindustriais de criação de aves.

❚ Por isso, os cientistas advertiram que a ameaça de criação de uma cepa de vírusque afetasse e se transmitisse entre seres humanos era iminente. Isso se confirmoucom a atual epidemia, e pode acontecer novamente, já que as causas continuamintactas. Os vírus da gripe recombinam-se facilmente. Porém, há condições quelevam à aceleração do processo, como a criação de resistência no organismo infectado,ou a infecção simultânea de um organismo por duas ou mais cepas distintas.

❚ Ambas as condições são cotidianas nas granjas industriais. Pela quantidadede animais e pelas condições locais do criadouro (atmosfera infecta e quente)sempre existem em circulação cepas distintas, que podem infectar um animalsimultaneamente. Por isso, os bichos recebem sucessivas doses de vacinas,que ao gerar resistência levam os vírus a sofrer mutação.

❚ O contato entre porcos, aves de criação e silvestres, insetos, micróbios ehumanos é permanente e inevitável dentro e a partir das granjas, circunstân-cia que promove a recombinação de cepas de diferentes espécies.

❚ O estressado contingente animal também recebe hormônios, antibióticos eé fumigado regularmente com inseticidas, o que debilita seu sistemaimunológico e provoca o aumento da aplicação de medicamentos. Tudo isso,junto a milhares de toneladas de esterco, vai para os tanques de fermentaçãodas granjas e acaba contaminamdo as águas e o ar. É o que ocorre nas Gran-jas Carroll (um dos focos de origem da epidemia no México) e em outrasinstalações de grandes criadores como Smithfield, Tyson Cargill e outros.

❚ A Organização Mundial da Saúde (OMS) conhece bem esse panorama. Porisso é uma vergonha que tenha mudado o nome de gripe suína (que tambémassola os humanos) para o neutro influenza A/H1N1, simplesmente paradesvincular as empresas de criação industrial de porcos do que realmente são:as causadoras da epidemia.

❚ Da mesma forma é absurdo o governo mexicano subsidiar os criadores industriaisde porcos, destinando milhares de pesos para a indústria ressarcir-se das perdaseconômicas devido à epidemia que ela mesma provocou. Sete empresas transna-cionais de criação de suínos – ou associadas a grandes criadores mexicanos, entreas quais a Granjas Carroll – detêm 35% da produção suína no México.

❚ Além de criar catástrofes de saúde e ambientais, esses oligopólios prejudi-cam seriamente os camponeses e os criadores de porcos e de frangos emescala não industrial. Nos criadouros desses últimos também pode haver ví-rus. Porém, é difícil que sejam encontradas várias cepas ao mesmo tempo. Emesmo que isso ocorra, nunca origina uma epidemia, porque além do núme-ro reduzido de animais, eles ficam confinados em espaços distintos.

Silvia Ribeiro – Pesquisadora do grupo ECT.Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada(30/04/2009). O texto do quadro foi editado apartir do artigo Premiando a las trasnacionalesde la epidemia, da mesma autora, publicado noLa Jornada (09/05/2009). Tradução e adapta-ção: Cidadania & Meio Ambiente.

UMA EPIDEMIA FABRICADA

DESDE 1998, O VIRUS H1N1 JÁ É MONITORADO

12

doença ambiental?

Pesquisas recentes apontam que os obe-sogênicos – compostos químicos dis-persos no meio ambiente – são os gran-des responsáveis pelo vertiginoso au-mento da síndrome metabólica nos úl-timos 20 anos. Descubra quem sãoesses vilões e como eles agem.

Asabedoria convencional nos dizque o crescimento exponencial daobesidade, bem como de suas

consequências na saúde (cujos primeirosestágios são agora enfeixados na classesíndrome metabólica) devem-se aos hábi-tos de vida atuais – com destaque para oalimento industrializado (junk food) e paraa inatividade física frente à TV. Isto equi-vale a dizer que, nas últimas décadas, es-tamos comendo demais e nos exercitandomuito pouco.

Embora a dieta pobre em nutrientes e a ina-tividade desempenhem papel inquestioná-vel no desenvolvimento da síndrome me-tabólica, esses dois fatores não justificamtotalmente a epidemia de obesidade queassola os EUA e os indivíduos de paísesindustrializados e em desenvolvimento. Asevidências clínicas e epidemiológicasimplicam cada vez mais outro vilão: assubstâncias químicas liberadas no meioambiente pela ação humana.

UMA EXPLICAÇÃO INSUFICIENTE

Alguns cientistas suspeitam que a combi-nação de fatores ambientais – entre eles, ogrupo de compostos químicos batizado deobesogênico – também é responsável pelaexplosão da síndrome metabólica e de seusestágios posteriores: diabetes, obesidade,doenças cardiovasculares e até mesmo adoença de Alzheimer.

“A despeito do que nos tem sido dito, ape-nas uma dieta não balanceada e a inativi-

dade física não são suficientes para ex-plicar a epidemia de obesidade”, ponde-ra Bruce Blumberg, professor de BiologiaCelular e do Desenvolvimento, e de Ciên-cias Farmacêuticas na Universidade daCalifórnia, em Irvine, e cunhador do termoobesogênico. Segundo a Collaborative onHealth and the Environment (www.healthandenvironment.org), estima-se que a sín-drome metabólica afete mais de um terçodos adultos norte-americanos, sendo 60%deles abaixo dos 65 anos, e que existamatualmente no planeta um contingente de300 milhões de obesos.

QUANDO O AMBIENTE COLIDE

COM A BIOLOGIA HUMANA

O epidemiologista dr. David Jacobs, pro-fessor de Saúde Pública na Universidadede Minnesota, define a síndrome metabó-lica como “uma constelação de anormali-dades metabólicas relacionadas (gorduracorporal, manutenção da gordura sanguí-nea, insulina, glicose)”. Os fatores ambi-entais suspeitos de contribuir para a sín-drome metabólica incluem:

❚ o sistema alimentar;❚ o sistema de transporte;❚ o ambiente das construções onde vivemos e trabalhamos;❚ a poluição do ar;❚ os obesogênicos e outros contaminantes ambientais; e❚ o estresse socioeconômico.

Tais agentes estressantes criam ligações nãonaturais, causando no organismo inflama-

ção e estresse oxidante, e induzindo ao de-sequilíbrio da insulina. Tais atalhos nãonaturais podem, por outro lado, induzir aodiabetes, à obesidade, à doença cardiovas-cular e aos lipídeos anormais (correlaciona-dos à demência e à doença de Alzheimer).

OS VILÕES QUÍMICOS

A epidemia de obesidade, conforme apon-ta o dr. Blumberg, está relacionada ao au-mento de compostos químicos industriais(plásticos, pesticidas, hormônios sintéti-cos, derivados de petróleo etc.) liberadospela ação humana no meio ambiente, a par-tir da Segunda Guerra Mundial.

Milhares de novos compostos químicosque não circulavam livremente no meioambiente natural foram colocados no mer-cado nos últimos 30 anos. E muitos deles– mesmo em quantidades ínfimas – aca-bam fixando-se no organismo humano,desequilibrando o maestro de nosso or-ganismo – o sistema endócrino (hormo-nal). Por isso, os pesquisadores da obe-sidade debruçam-se agora mais atenta-mente sobre os obesogênicos, elementosquímicos hoje tão comuns no meio ambi-ente e comprovadamente relacionados adisfunções no sistema reprodutor de hu-manos e de animais. Já foi constatado,por exemplo, que a exposição pré e pós-natal aos obesogênicos reprograma ometabolismo de animais a eles expostos,predispondo-os à obesidade na vidaadulta. O mesmo parece ocorrer com aespécie humana.

Obesidade:por Shelby Gonzalez e Bob Toovey

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■ Bisfenol A (BPA) – Encontrado em plásticos com códigos de reciclagem 3 e 7, essecomposto químico patogênico amplamente usado em embalagens de alimentos, norevestimento de recipientes de leite, em vedação de latas de conserva, em tubulaçãoplástica e até mesmo em seladores dentais, esse xenoestrogênio (estrogênio artificial)interrompe importantes efeitos do estrogênio no cérebro em desenvolvimento. O BPAaumenta o crescimento de células no câncer de mama e de algumas células no câncerde próstata. Outros possíveis riscos de longo prazo associados à exposição fetal ao BPAtêm sido discutidos na literatura científica. (Fonte: Endocrinology, 05/12/2005).

■ Organotinos – Compostos usados em fungicidas agrícolas, como estabilizadores deplásticos PVC usados para embalagem de bebidas e de alimentos, em sistemas dedepuração industrial de água e em têxteis, em fungicidas (para tratamento de madeira),em tinta biocida de embarcações (contamina peixes e frutos do mar).

■ Ftalatos – Compostos químicos utilizados como aditivo para deixar o plástico maismaleável. É tido como cancerígeno, podendo causar danos ao fígado, rins e pulmão,além de anormalidade no sistema reprodutivo. Além dos plásticos maleáveis, essescompostos são encontrados em produtos de cuidados pessoais, como esmalte de unhas,xampu, loções, perfumes.

Mesmo absorvidos em dosagens ínfimas, esses compostos se acumulam no organismoprovocando uma torrente de disfunções e doenças. Para proteger-se, siga essas regrasbásicas:

❚ Consuma produtos orgânicos que não são tratados com pesticidas.❚ Compre enlatados certificados como livres de BPA.❚ Beba água mineral envazada em vidro e nunca estoque na geladeira água potá- vel em recipientes plásticos.❚ Compre produtos de cuidados pessoais com ingredientes orgânicos.❚ Diga não aos plásticos.❚ O cheirinho de “carro novo” significa que seu novo bólido é uma “bomba de ftalatos”: areje-o para não contaminar seu organismo.

Fonte: Are Obesogens Making You Fat? - www.gamayanddako4life.com/2009/05/re-obesogens-making-you-fat.html - May 18, 2009.

OS OBESOGÊNICOS NA MIRA DA CIÊNCIA

Estudos recentes realizados em animais delaboratório levantam a possibilidade deque a exposição pré-natal aos obesogêni-co pode predispor o organismo do feto afuturo ganho ponderal. Esses compostosquímicos – reconhecidos desconectoresendócrinos (hormonais) – mimetizam es-truturalmente os hormônios endógenos(naturais, fabricados pelo organismo hu-mano) que regulam, por exemplo, o núme-ro de células adiposas no organismo; aquantidade de gordura que elas vão arma-zenar; o peso, via controle do apetite e dometabolismo; e o equilíbrio dos lipídeos.

Em abril de 2009, o estudo “Chronicexposure to the herbicide atrazine causesmitochondrial dysfunction and insulinresistance”, de Soo Lim et al., publicadono jornal PLoS One (www.plosone.org/a r t i c l e / i n f o : d o i / 1 0 . 1 3 7 1 / j o u r n a l .pone.0005186), descreveu as consequên-cias orgânicas e metabólicas da exposiçãocrônica de ratos a baixos níveis de atrazi-na, herbicida organoclorado comum. Apóscinco meses de exposição, as cobaias apre-sentaram redução da taxa basal metabóli-ca, aumento do peso corporal, aumento dagordura intra-abdominal e resistência au-mentada à insulina. Os efeitos intensifica-ram-se quando os ratos foram submetidosa uma dieta rica em gorduras.

Os cientistas concluíram que a exposiçãode longo prazo à atrazina poderia contri-buir para o desenvolvimento de resistên-cia insulínica e de diabetes em humanos,especialmente naqueles com dietas ricasem gordura. “A exposição à atrazina utili-zada no estudo situa-se dentro dos parâ-metros a que uma pessoa está frequente-mente exposta, especialmente em camposde cultivo de milho. E essa linha de pes-quisa está apenas engatinhando.”

POPS, DIABETES E SÍNDROME METABÓLICA

Quando o Center of Disease Control (CDC)dos EUA examinou o sangue de 2.016 adul-tos para detectar a presença de seis POPs(poluentes orgânicos persistentes) – comoparte dos estudos da National Health andNutrition Examination Surveys (NHANES,1999-2002) – ficou envidenciado que cadaum dos POPs analisados relacionava-se aoaumento de casos de diabetes. Indivíduoscom níveis de POPs máximos apresentavamrisco 38 vezes maior de desenvolver diabe-tes do que os indivíduos com níveis de POPsno patamar mínimo. Entre os não diabéticosdo estudo NHANES, os indivíduos porta-dores do pesticida organoclorado em nívelmáximo apresentavam risco cinco vezes mai-or de adquirir a síndrome metabólica.

Embora a maioria desses agentes poluen-tes organoclorados tenha sido banida nadécada de 70, eles ainda persistem em nos-sa alimentação. E também são encontra-dos em computadores, refrigeradores, re-tardantes de chama e depósitos de lixo.

COMO PREVENIR A SÍNDROME METABÓLICA

No que tange à prevenção, a redução dorisco para síndrome metabólica concentra-se, sobretudo, na adoção de uma nutriçãobalanceada, à base de alimentos frescos –produtos orgânicos – com pouca inges-tão de industrializados. Um bom exemplo aser seguido é a dieta do Mediterrâneo, por-que já se conhecem seus efeitos benéfi-cos na redução não apenas da síndromemetabólica, mas na obtenção do equilíbriohormonal e no controle dos agentes oxi-

dantes. Essa dieta compõe-se, principal-mente, de frutas e vegetais, grão integral,peixe, óleo de oliva e muito pouco alimentoprocessado ou carne vermelha. Para com-plementar o plano de prevenção é funda-mental que o indivíduo se exercite com re-gularidade e exile de sua cozinha os plásti-cos – especialmente os que vão ao micro-ondas e à geladeira. ■

Shelby Gonzalez – Escritora free-lance,especializada em ciências e meio ambiente([email protected]); Is plastic makingus fat?, por Bob Toovey, publicado em http://heal th.sizenet .com/showdoc.asp?id=1173;Chronic Exposure to the Herbicide AtrazineCauses Mitochondrial Dysfunction and InsulinResistance, de Soo Lim et al., publicado no jornalPLoS One.

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OBESOGÊNICOS

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SEGURANÇAALIM

ENTAR

por Mario R. Fernández

No complexo esquema

norte-americano

de dominação imperial,

as corporações

transnacionais

da agroquímica e do

agronegócio produzem

verdadeiros desastres

humanos e ambientais

em todos os pontos

do planeta, inclusive

nos Estados Unidos.

Este artigo ilustra

a construção da

estratégia de sujeição

da humanidade aos

interesses de poucos, via

sementes transgênicas

patenteadas. Confira

os álibis e estratégias

que tornaram

a agricultura refém

do poderio econômico

Agenda Rockefeller:

o Controle dos Ao findar a Segunda Guerra Mun-

dial, o imperialismo norte-america-no encontrou-se em posição van-

tajosa para incrementar a exploração doresto do mundo. Suas corporações petrolí-feras, industriais, financeiras, de mineraçãoe agroindustriais partiram em busca de ri-queza com tudo o que tinham à disposição,incluindo ciência, tecnologia, propagandaideológica, extorsão e poder militar. Dessaforma, consolidou-se o domínio econômi-co de uma pequena elite que proclamavaem alto e bom som o “século americano”.

Uma das atividades mais rentáveis apresen-tada como solução ao problema da fome nomundo foi a indústria do agronegócio. Noentanto, por trás do manto de benfeitor dahumanidade que contribui para o desenvol-vimento dos povos, o agronegócio escon-de atividades altamente sinistras e perigo-sas para a biodiversidade.

AS SEMENTES DA DESTRUIÇÃO

Em seu livro Seeds of Destruction – TheHidden Agenda of Genetic Manipulation(Global Research, Center for Research onGlobalization, Montreal, Canadá), E. WilliamEngdahlNE1 detalha a montagem (iniciada nosanos 30 do século 20) da estratégia de umaelite corporativa para controlar a segurançaalimentar do mundo, algo que afeta o pre-sente e o futuro da vida planetária numadimensão nunca antes imaginada.

Engdahl revela as importantes conexõesexistentes dentro da indústria de produçãode alimentos – atividade que se converteuem monopólio mundial e que é a segundaindústria mais rentável dos Estados Uni-dos... depois da farmacêutica. Esse grandenegócio americano começou num projetode enriquecimento e de poder cristalizadona Fundação Rockefeller, de Nova York. Umplano que envolveu vários centros científi-

14

Cidadania&MeioAmbiente 15

■ Entre os primeiros projetos filantrópicos da Fundação Rocke-feller figura o financiamento da American Eugenic Society. Aeugenia é uma pseudociência. O termo foi cunhado na Ingla-terra, em 1883, por Francis Galton, primo de Charles Darwin,que aplicou a teoria de Malthus aos reinos vegetal e animal,em conexão à obra de Darwin – A Origem das Espécies.

■ Nos anos 1920, os estudos de Galton serviram como ar-gumento ideológico para Rockefeller, Carnegie e outros ri-cos americanos utilizarem o conceito de “Darwinismo social”para justificar suas fortunas. Tal conceito era a prova inequí-voca de que eles, os ricos, representavam um subgrupo su-perior da espécie humana – aquele que, por essa razão,dominava outros seres humanos menos afortunados.

■ Vale lembrar que David Starr Jordan, presidente da prestigio-sa Stanford University (Califórnia), afirmava em seu livro Bloodof a Nation, em 1902, que a pobreza era resultado da herançagenética, tanto quanto o talento – e que a educação (ou asoportunidades) não tinha tanta influência como se pensava naconstrução de um ser humano bem sucedido ou fracassado.

cos de importantes universidades norte-americanas, como Princeton, Stanford, Har-vard, e que contou com o apoio do gover-no americano do período e de algumas desuas instituições mais importantes.

As corporações que produzem e comerci-alizam sementes, grãos e produtos quími-cos usados na semeadura são parte destecírculo que inclui não apenas empresáriosdo ramo agrícola e autoridades governa-mentais, como vários presidentes de paí-ses do Terceiro Mundo.

Em 1913, John D. Rockefeller, fundadorda Standard Oil, recebeu a orientação decriar uma fundação com seu nome paraescapar ao pagamento de impostos. As-sim, a Rockefeller Foundation foi criadatendo como álibi a suposta missão de“promover o bem-estar da humanidadepelo mundo.”

No entanto, um dosprimeiros focos daFundação foi encon-trar formas de reduzir oque catalogaram comoraças inferiores. Foicom este fim que aFundação Rockefellerpassou a fazer, em 1923,contribuições financei-ras ao Social ScienceResearch Council. Ob-

jetivo: patrocinar pesquisas destinadas a de-senvolver técnicas de controle da natalida-de a serem aplicadas de imediato para con-trolar a reprodução de indesejáveis. Em 1936,a Fundação criou e financiou o primeiro nú-cleo de investigação demográfica voltadapara o controle populacional na Universida-de de Princeton (ver quadro acima).

A RAÇA SUPERIOR

E A REVOLUÇÃO VERDE

Hoje, poucos sabem que a concepção deuma raça nórdica superior – pesadelo fan-tasioso da Alemanha nazista – tem suas ra-ízes nos Estados Unidos. Entre 1922 e 1926,a Fundação Rockefeller doou, através deseu escritório parisiense, verba para o estu-do da “eugenia” e ajudou a criar o KaiserWilhelm Institute para Psiquiatria, em Berlim(KWG), centro onde floresceu a concep-ção nazista de raça superior. Nos anos se-guintes, Ernst Rudin, o arquiteto do pro-

grama de “eugenia” de Adolf Hitler, criaria alei nazista de esterilização, explicada como“modelo americano” e adotada na Alema-nha, em 1933. Foi essa lei que condenou400 mil alemães bipolares e esquizofrênicosà esterilização. A lei também permitiu quemilhares de crianças alemãs com incapaci-dades diversas fossem simplesmente “eli-minadas”. A Fundação Rockefeller finan-ciou o instituto KWG durante o TerceiroReich e até o ano de 1939.

Engdahl explica como, após a SegundaGuerra Mundial, as elites dos EstadosUnidos se dispuseram a conquistar todasas áreas econômicas do mundo (a GrandeÁrea), que consistia na maior parte do pla-neta, excetuando os países na esfera daUnião Soviética. E uma das áreas econô-micas mais importantes era a da produçãode alimentos.

Nelson Rockefeller funda a IBEC (Inter-national Basic Economic Corporation),que logo se uniria à Cargill, outro gigan-te do ramo, para desenvolver híbridos apartir de variedades de sementes de mi-lho. Essas sementes foram cultivadas ini-cialmente no Brasil, que se converteu noterceiro produtor mundial do grão – de-pois dos EUA e da China. No Brasil co-meçou-se a misturar milho e soja para ra-ção animal, o que facilitou a proliferaçãoda soja geneticamente modificada, que

ROCKEFELLER

E O DARWINISMO SOCIAL

Cidadania&MeioAmbiente 15

Alimentos

“Quem controla

o petróleo,

controla as

nações.

Quem controla

os alimentos,

controla os

povos.”

Foto: IRRI Imagens

Henry Kissinger,

Prêmio Nobel da Paz, 1973

16

começou a ser colocada no mercado nofinal dos anos 90.

A chamada Revolução Verde foi um projetoRockefeller iniciado no México e expandi-do para toda a América Latina e Ásia, espe-cialmente a Índia, como estratégia para con-trolar a produção de alimentos fundamen-tais nos países-chave do Terceiro Mundo.Tudo em nome da eficiência do supostomercado da livre empresa e contra a tam-bém suposta ineficiência comunista.

Em 1960, a Fundação Rockefeller e a Fun-dação Ford criam o International Rice Re-search Institute em Los Baños, Filipinas,com o objetivo de controlar a produção dearroz. Em 1972, as mesmas fundações criamcentros de pesquisa em agricultura tropicalna Nigéria, com objetivo similar: o controleda produção de alimentos. Através da Re-volução Verde, as Fundações Rockefeller eFord trabalharam em parceria com a USAID(Agência Norte-americana para o Desenvol-vimento Internacional) e a CIA (AgênciaCentral de Inteligência dos EUA) em alvosespecíficos no mundo. E nesse pequenogrupo também se inclui o Banco Mundial,organismo de outorga de crédito a projetosde barragens e de sistemas de irrigação ne-cessários à expansão dos negócios daque-les conglomerados.

OS ROCKEFELLER

A família Rockefeller expandiu seus negó-cios petrolíferos e agrícolas nos países doTerceiro Mundo graças à Revolução Ver-de que promoveram. Também financiaramvários projetos pouco mencionados naUniversidade de Harvard – projetos queformariam a infraestrutura de produção dealimentos sob o controle central de umaspoucas corporações privadas. Seus cria-dores batizaram a atividade com o nomeagronegócio para diferenciá-la do tradi-cional cultivo sustentado realizado porcamponeses, ou seja, a milenar prática daagricultura. Daí a necessidade de se criar orótulo “agronegócio”.

Ninguém em seu juízo perfeito pode acei-tar que uma corporação declare-se propri-etária – com patentes – da agricultura e dadomesticação de plantas que estão conos-co há milênios. Em 1985, a Fundação Rocke-feller iniciou, em grande escala, um estudode engenharia genética de plantas para usocomercial. Para tanto, investiu centenas demilhões de dólares em centros de pesqui-

sa e “criou” plantas geneticamente modi-ficadas através da aplicação de novas téc-nicas de biologia molecular à flora alimen-tícia do planeta. O arroz foi à primeira plan-ta modificada – com duvidoso beneficia-mento para o arroz e enorme desvantagempara os consumidores conscientes.

No final dos anos 80, passou a existir todauma rede de pesquisadores treinados emvegetais geneticamente modificados (Ge-netic Modified Organisms, GMOs trans-gênicos). O projeto exigia um local seguropara ser implementado. O lugar escolhidofoi a Argentina, presidida por CarlosMenem, personagem fortemente vincula-do aos Rockefeller e ao banco da família, oChase Manhattan.

As terras agrícolas argentinas serviramde cobaia à chamada Segunda RevoluçãoVerde, que anexou a substância químicaglifosato à soja. A Argentina tornou-se,assim, o campo de provas experimentalde uma agricultura totalmente dependen-te de sementes transgênicas e de defen-sivos químicos fornecidos pela mesmaempresa – Monsanto.

Em 2004, já havia mais de 65 milhões dehectares de plantações de grãos genetica-mente modificados: 25% da terra cultivá-vel do planeta. A maior parte delas nosEUA, para aumentar a confiança do restodo mundo nos transgênicos e também por-que os governos norte-americanos que sesucederam eram completamente favoráveisao agronegócio. Hoje, a Argentina é o se-gundo país produtor de grãos transgêni-cos, com mais de 17 milhões de hectarescultivados. Em 2005, revogou-se a proibi-ção dos transgênicos no Brasil, no Cana-dá, na África do Sul e na China. Hoje, es-ses países mantêm um significativo pro-grama de grãos transgênicos.

A Europa resistiu. Mas a pressão corporati-va na Europa do Leste deu resultado: os ri-cos solos da Romênia, da Bulgária e daPolônia tornaram-se campo fértil para ostransgênicos, graças às frouxas regulamen-tações sobre o uso da terra. A Indonésia, asFilipinas, a Índia, a Colômbia, o Honduras e aEspanha hoje também cultivam transgênicos.

O caso da Argentina é notável porque úni-co. Nenhum país autossuficiente em alimen-tos, como é a Argentina, poderia ter aceita-do converter-se em país monocultor de soja

A estratégia

corporativa para

controlar a

segurança alimentar

do mundo afeta

o presente e o futuro

da vida planetária

numa dimensão

nunca antes

imaginada.”

16

Por trás do manto

de befeitor da

humanidade, o

agronegócio esconde

atividades altamente

perigosas para

a biodiversidade de

nosso planeta.”

Cidadania&MeioAmbiente 17

Mario R. Fernández – Articulista da pu-blicação Alternativa Latinoamericana,(www.alternativalatinoamericana.com) produ-zida no Canadá, onde o artigo foi publicado emmarço de 2009. Republicado na revista espa-nhola Fusión (04/05/2009). Tradução livre: Ci-dadania & Meio Ambiente.

para exportação em nome do progresso. AArgentina tornou-se peão dos Rockefeller,da Monsanto e da Cargill Inc. Em 1991, opaís serviu de laboratório secreto para ex-perimentos com grãos transgênicos, fatoque levou a administração Menem a criaruma Comissão de Controle Biotecnológi-co totalmente pseudocientífica, que se reu-nia em segredo e era formada por membrosoriundos diretamente das empresas Mon-santo, Syngenta, Dow AgroSciences e ou-tras corporações do agronegócio.

MONSANTO E CARGILL

A empresa Monsanto funciona como umnovo conquistador: vende a semente desoja resistente ao glifosato e o próprio gli-fosato. E, para tanto, a empresa não apenascobra uma licença tecnológica, como exigeque a semente comprada no ano anteriorvolte a pagar direitos de patente no anoseguinte. Assim, foi criada uma nova con-dição de servidão na agricultura.

Quando a Argentina se negou a pagar osdireitos de patente, a Monsanto exportousuas sementes ilegalmente para outros paí-ses (Brasil, Paraguai, Bolívia e Uruguai), con-taminando-os para, em seguida, acusá-losde usar a semente sem pagar pela patente.Em 2004, a Argentina aceitou finalmente pa-gar 1% dos grãos produzidos ao exportadorCargill – outro agressivo conquistador alia-do da Monsanto. A mais pura chantagem!

Engdahl também detalha como o imperia-lismo norte-americano impôs ao Iraque(além de destroçar o país com bombas) umaterapia de choque econômico, que inclui aimposição de um sistema agrícola domina-do pelo agronegócio de transgênicos. A iro-nia da cobrança de royalties por patentesde cereais no Iraque é absurda. Afinal, foiali, na Mesopotâmia, que há 8 mil anos sedomesticaram os grãos e onde floresceu arica variedade de sementes de trigo hojeconsumida por todos os habitantes do pla-neta... que não pagam royalty ao Iraque.

Muitas das sementes naturais do Iraque eramguardadas em um banco de sementes emAbuGhraib, a cidade das torturas. Este ban-co foi completamente destruído por bom-bardeios americanos, talvez intencionalmen-te. Felizmente, nada foi perdido: por purogolpe de sorte, o governo iraquiano enviaraas sementes para a Síria antes da invasãonorte-americana, onde estão hoje armazena-das e a salvo da destruição americana.

O agronegócio estadunidense converteu-se numa estratégia de dominação do mun-do através de um poder construído em maisde três décadas com a finalidade de des-truir qualquer barreira ao avanço de seusmonopólios. Assim, o agronegócio dá cabode regulamentos sanitários, de segurançaagrícola e usa a Organização Mundial doComércio (WTO-World Trade Org.) paracontrolar a agricultura mundial.

A prática do cultivo agrícola tem sido parteintegrante dos mercados locais e base daexistência humana. Monsanto, DuPont, DowChemical e outras gigantescas corporaçõesdos ramos da química e da agricultura vale-ram-se do poder político e militar americanopara controlar o cultivo de alimentos em ní-vel mundial via sementes patenteadas.

O projeto das sementes vai muito além einclui outros alimentos, como o leite, ossuínos e muito mais. Engdahl produziuum documento que ajuda a entender estaárea de dominação imperial – que se in-terliga a outras, como o controle das ter-ras ricas e das reservas de água, numaestratégia bem articulada pelos mais ri-cos do império. Quando vemos milionári-

os adquirirem monumentais extensões deterras férteis e de florestas no TerceiroMundo sob o álibi de proteger o ecossis-tema, não devemos nos enganar: o obje-tivo final é apenas estreitar o controle. Aatual crise pode gerar um espaço que pos-sibilitará aos povos erguer suas vozes emdefesa do inalienável direito ao cultivo eà distribuição dos alimentos e, assim, en-frentar as sanguessugas que só têm umaintenção: escravizar a humanidade. ■

NOTA DO EDITOR:NE1– Bill Engdahl é pesquisador, economis-ta e analista do New World Order e researchassociate do Centre for Research on Globali-zation. Ha 30 anos escreve e profere confe-rências sobre geopolítica, energia e economia.Seu mais recente livro – Seeds of Destruction– é best-seller internacional e leitura indis-pensável para a compreensão da situação geo-política atual.

Em 2004, já havia mais de 65 milhões de hectares

de plantações geneticamente modificados:

25% da terra cultivável do planeta.”

Atuando no Brasil desde 1965, a Cargill possui unidades industriais e escritórios em cercade 180 municípios, onde trabalham aproximadamente 23 mil funcionários. Para escoar asoja, a emrpesa conta com os terminais de Paranaguá (PR), Santos-Guarujá (SP), Santarém(PA - foto acima) e Porto Velho (RO). Foto: Sara y Tzunky

Cidadania&MeioAmbiente 17

20

Em seu novo livro – Ritorno alla

Terra (ainda sem tradução no Brasil)

– Vandana Shiva lança mais um

libelo contra os eco-imperialistas, as

multinacionais e os governos que

ignoraram as regras de Gaia para

obedecer à lógica do lucro.

Confira as reflexões da ecoativistaCR

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“A natureza nos salvará.”por Anais Ginori

Na Grã-Bretanha, durante a redação dosEnclosure Acts, Thomas Morus (1478–

1535) escreveu: “As ovelhas comem os ho-mens”. A terra até então cultivada para o ex-clusivo sustento alimentar desaparecia, pou-co a pouco, em favor de cultivos para produ-zir lã e matéria-prima destinada aos proprie-tários de terra e às fábricas de tecelagem.

“Hoje são as máquinas que comem oshomens. A terra está destinada à cons-trução de rodovias, estacionamentos oude outras infraestruturas. A extração doferro e da bauxita está destruindo osecossistemas, e as perfurações para ex-trair petróleo devoram a terra”,

afirma a cientista e ecoativista indiana Van-dana Shiva em seu novo livro Ritorno allaTerra (Retorno à terra - Editora Fazi, Italia).

Com sua visão objetiva, Shiva prega umadrástica redução dos combustíveis fósseisem prol das energias renováveis ou atémesmo das obtidas com o auxílio animal; eo término das monoculturas e dos trans-gênicos para que se volte a uma agricultu-ra biodiversificada, não intensiva e semfertilizantes químicos.

A famosa cientista indiana, que participajunto com Ralph Nader e Jeremy Rifkin doInternational Forum on Globalization, gos-taria que cada comunidade local voltassea ter autossuficiência alimentar, se possí-vel abolindo o “food-miles”, o percurso

e representante do movimento “Um Outro Mundo é Possível” sobre o

atual modelo suicida de agricultura insustentável.

dos alimentos até o prato do consumidor,fato que torna os agricultores dependen-tes das exportações e contribui para o au-mento das emissões de gás carbônico. Fren-te à aparente utopia das propostas, assimreage a cientista indiana:

“Muitos especialistas criticam-me e afir-mam que minhas perspectivas são irreaise reportam à era pré-industrial. No entan-to, a questão da urgência e segurança ali-mentar é de tal ordem que temos de consi-derar todas as soluções – especialmenteas mais criativas”, sentencia Shiva.

O preço do trigo aumentou 130% nos últi-mos dois anos; o do arroz duplicou. Em2008, pela primeira vez há muito tempo, ocor-reram 33 revoltas populares no mundo de-vido ao aumento dos custos da produçãode alimentos. E nações poderosas, como aChina, iniciaram a compra de terras cultivá-veis nos países do Terceiro Mundo paragarantir alimento às futuras gerações dechineses. Ao analisar o sistema atual deprodução de alimentos, o foco de Shiva éde claríssima objetividade:

“A terra tornou-se uma área-chave de con-flitos. Afinal, a terra é um recurso limitado;não pode ser estendido. Os terrenos férteisestão desaparecendo a uma velocidadenunca antes conhecida pela humanidade”.

Para Vandana Shiva, a crise dos subprime(hipotecas residenciais) e a recessão po-

dem ser a oportunidade para reinventarnossas economias:

“Desenvolvemos uma economia finan-ceira centenas de vezes superior aos va-lores dos bens e dos serviços reais pro-duzidos no mundo. Nunca antes as açõesde uma parte da humanidade ameaçarama existência de toda a raça humana”.

Apesar do quadro caótico e sombrio pa-trocinado pelo atual modelo de desenvol-vimento, Vandana Shiva tem um olhar oti-mista. Tranquiliza-a o fato de agora existi-rem hortas biológicas e um presidente quese professa “green” (verde, ecológico) naCasa Branca. “Mas é preciso estar atentoàs pseudo-soluções, que são apenas pali-ativas”. Contrária, por exemplo, aos bicom-bustíveis, “que roubam terras dos agricul-tores e não resolvem a crise climática”, essafísica indiana de 57 anos defende que épreciso “se libertar do ouro negro” e favo-recer a “transição do petróleo para a terra”.

“O aumento de catástrofes naturais ouo risco de epidemias como a gripe suí-na demonstram que o homem não podenegligenciar, como fez por dois sécu-los, a relação com a Mãe Natureza.Esquecemo-nos de ser cidadãos daTerra, e a crise climática é umaconsequência do nosso distanciamen-to do estilo de vida ecológico, justo esustentável”, arremata Shiva.

Foto:IpesInternacional

20

Cidadania&MeioAmbiente 21

Dura e peremptória, Vandana Shiva já entroumuitas vezes em conflito com a comunidadecientífica e o governo da Índia, onde vive eatua, como quando rejeitou a famosa Revolu-ção Verde, iniciada em 1966. Há 20 anos, acientista teve uma outra ideia: conservar assementes de muitas plantas que corriam o ris-co de desaparecer “para criar um futuro dife-rente do previsto pela indústria biotecnológi-ca”. Afinal, ao curso de sua evolução, a hu-manidade nutriu-se de cerca de 80 mil plantascomestíveis. Mais de três mil delas foram con-sumidas de forma constante, mas, agora, ahumanidade depende apenas de oito culti-vos (sobretudo milho, soja, arroz e trigo) paraproduzir 75% dos alimentos mundiais.

“Nos bancos de sementes, temos cul-turas como o milho, que podem supor-tar secas extremas; um tipo de arroz que

alcança mais de cinco metros de alturae que pode sobreviver às enchentes dabacia do Ganges, e um tipo que resisteà salinidade, e que foi distribuído de-pois do ciclone Orissa e do tsunami”.

A fazenda gerenciada por Shiva (na Índia,na fronteira com o Nepal e o Tibete) tornou-se um modelo de biodiversidade e de sus-tentabilidade econômica, mesmo que mui-tos especialistas duvidem ser possível apli-car tal modelo em grande escala.

“Na nossa cooperativa agrícola – relata Shi-va –, as culturas não têm doenças, a terra éresistente à seca, e o alimento produzido édelicioso. Os bois aram a terra e a fertilizam.Ao abolirmos os combustíveis fósseis danossa fazenda, descobrimos a verdadeiraenergia: a da micorriza [associação simbi-

ótica de fungos e raízes de plantas] e dasminhocas, das plantas e dos animais, to-dos alimentados pela energia do sol”.

Na fazenda, também há novas culturas.Navdanya significa, de fato, “novas se-mentes”, mas também “o novo dom”.

“Não importa quantas canções há noseu iPod, quantos automóveis na gara-gem ou quantos livros nas estantes. Oque resta da vida sem terra fértil?”– con-clui Vandana Shiva. ■

Anais Ginori – Artigo publicado no jornal LaRepubblica (12/05/2009). Tradução livre: Ci-dadania & Meio Ambiente. O livro Ritorno allaTerra (ainda sem tradução no Brasil) é um libe-lo contra os “eco-imperialistas: as multinacio-nais e os governos que ignoraram as regras deGaia para obedecer à lógica do lucro”.

PROJEÇÃO PARA A AGRICULTURA EM 2080

Fonte: Cline, W. R. 2007. Global Warming and Agriculture: Impact Estimates by Country. Washington D.C., USA: Peterson Institute.Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, UNEP/GRID-Arendal. http://maps.grida.no/go/graphic/projected-agriculture-in-2080-due-to-climate-change

Projeção para a agricultura em 2080 em função das mudançasclimáticas incorporando os efeitos da fertilização por carbono

Sem dados

EM FUNÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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■ Devido às mudanças climáticas antrópicas (provo-cadas pelo ser humano) nosso modo de vida teráde adaptar-se a um novo meio ambiente – em suagrande parte mais quente e mais seco. Mas mesmocom os dados ensaiados nas projeções climáticaspara o futuro, não sabemos como as sociedadesplanetárias vão reagir.

■ Este mapa apresenta uma perspectiva das mu-danças previstas para o setor agrícola devido ao

aumento da temperatura terrestre, das alteraçõesnos regimes pluviométricos e da pegada de carbo-no da massa vegetal.

■ Realizar projeções para o clima é uma coisa,mas fazer o mesmo para a agricultura exigedimensionamentos múltiplos e complexos, taiscomo eventos extremos, rotação e seleção deculturas, sementes e híbridos, irrigação, erosão,solos e muito mais.

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MU

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CLIM

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A cruzada pelo controle das

emissões de CO2 para mitigar

e frear o aquecimento global exige

que todos estejam sintonizados

com a meta de 350 ppm. Entenda

como e porque esse objetivo

tem de ser alcançado para não

precipitarmos uma catástrofe

humana e ambiental. A segurança

climática – e a sobrevivência

da Terra – dependem disso.

por Bill McKibben

Dezembro de 2007 pode ter sido omomento mais importante nasduas décadas de luta contra o

aquecimento global. Al Gore conquistou oPrêmio Nobel, em Estocolmo; os negocia-dores internacionais fizeram real progres-so no tratado sobre clima em Bali; e, emWashington, o Congresso acelerou os es-tudos para elevar os padrões de milhagemdos veículos automotores movidos a deri-vados de petróleo.

No entanto, o dado que pode ter sido maiscrucial para o desenvolvimento não foi no-ticiado. A boa nova foi dada num conclaveacadêmico em São Francisco, Califórnia.James Hansen, cientista da NASA, lançouum dado simples e direto para a questãoclimatológica planetária: 350 ppm (partespor milhão de gás carbônico na atmosfe-ra). Esse número faz parecer o que aconte-ceu em Washington e em Bali quase irrele-vante. Afinal, 350 ppm é o número que podedefinir nosso futuro.

O limite de segurançaO SIGNIFICADO DE 350 PPM

Vinte anos atrás, Hansen deu o pontapé ini-cial naquele número ao advertir o Congres-so americano de que o planeta estava emprocesso de aquecimento e que a causa doproblema era a humanidade. Na ocasião,podia-se apenas “supor” o quanto tal aque-cimento colocaria o mundo em real perigo. Jáque desde a revolução pré-industrial a con-centração de carbono (CO

2) na atmosfera era

de aproximadamente 275 ppm, os cientistase políticos se perguntaram o que aconteceriase aquele número dobrasse – 550 ppm soariao alerta vermelho. E, assim, políticos e eco-nomistas, fixados naquele número, passarama indagar se seria possível estacionar naquelenível. A resposta foi: a meta poderia ser al-cançada, mas não facilmente.

Entretanto, nos últimos cinco anos, cientis-tas começaram a se preocupar com o fatode o planeta reagir mais rapidamente do queo esperado ao relativamente pequeno au-mento de temperatura. O rápido degelo da

maioria dos sistemas glaciais, por exemplo,convenceu a muitos que 450 ppm consti-tuía uma meta mais prudente. E foi exata-mente o que a União Europeia e muitas or-ganizações ambientalistas passaram a pro-por nos últimos anos. Os modelos econô-micos deixam claro que esse objetivo aindapode ser alcançado, não obstante a redu-ção das chances de isto acontecer a cadanova usina termelétrica em operação.

Só que os dados continuaram a se agra-var. A percepção da fragilização do mantode gelo do oceano Ártico fora do padrãoidealizado e os dados colhidos na Groen-lândia, que sugerem estar a gigantescacapa de gelo deslizando para o oceano,tornam a meta de 450 ppm de CO

2 muito

alta. Ponderemos: se os atuais 383 ppm deCO

2 já transtornam enormemente a estabi-

lidade do planeta, o que isso significa?

Significa, diz Hansen, que fomos muito lon-ge: “A evidência indica que almejamos

350 ppm

Cidadania&MeioAmbiente 23

■ Nos últimos 400 mil anos, o clima da Terra mostrou-se instável, com mudan-ças de temperatura significativas – passando do clima quente à idade glacialem apenas poucas décadas.

■ Essas rápidas mudanças sugerem que o clima pode ser muito sensível ao equilíbrioenergético global por fatores internos e externos. Os dados do gráfico foram obtidosa partir da análise de amostras de gelo coletadas na calota de Vostok, Antártica.

Fonte: J.R. Petit, J. Jouzel. et. al. Climate and atmospheric history of the past 420 000 years from the Vostok ice core in Antarctica, Nature 399 (3June),pp 429-436, 1999. Figura em Vital Climate Change Graphics Update e Vital Climate Graphics. Cartógrafo/designer: Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal) – http://maps.grida.no/go/graphic/temperature-and-co2-concentration-in-the-atmosphere-over-the-past-400-000-years

TEMPERATURA E CONCENTRAÇÃO DE CO2

NA ATMOSFERA NOS ÚLTIMOS 400 MIL ANOSmuito alto, e que o limite máximo de segu-rança para o CO

2 atmosférico não passa

dos 350 ppm”. Hansen tem resmas de da-dos paleoclimáticos para apoiar suas ob-servações (à semelhança de outros cien-tistas que apresentaram relatórios na con-ferência da União Geofísica Americana, emSão Francisco, em dezembro de 2007). Aúltima vez que a Terra esquentou dois outrês graus centígrados – o insinuado pe-las 450 ppm – o nível do mar elevou-se emdezenas de metros, algo que abalaria asfundações dos empreendimentos huma-nos caso novamente ocorresse.

E já passamos dos 350 ppm. Isso significaque estamos condenados? Não totalmen-te. Não mais do que ouvir o médico infor-mar que nosso colesterol está muito alto, eque estamos condenados. Da mesma for-ma que seu organismo baixará o colesterolse você abandonar a dieta de frituras e gor-dura, também a Terra naturalmente se des-vencilhará a cada ano de uma porção deCO

2. Devemos apenas deixar de acrescen-

tar mais CO2 à atmosfera e, com o passar do

tempo, a concentração cairá, talvez rápidoo bastante para evitar os piores danos.

Claro que o objetivo de reduzir as emis-sões de carbono e de estacionar a con-

centração de CO2 em 350 ppm representa o

desafio político e econômico mais crucialque já enfrentamos: emagrecer nosso con-sumo de carvão, gás e petróleo. A diferen-ça entre 550 ppm e 350 ppm significa que o“emagrecimento” deve ocorrer agora e emtodas as latitudes. Não há mais como re-passar responsabilidades. As medidas su-aves alinhavadas em Bali – elas mesmasmuito distantes das tomadas na gestão dopresidente Bush – sequer chegam pertodo que realmente necessita ser feito. Han-sen pediu a proibição imediata de novasusinas termelétricas movidas a carvão mi-neral não adequadas à política de seques-tro de carbono; a aposentadoria dos ve-lhos geradores alimentados a carvão; e acriação de um imposto para emissão decarbono alto o bastante para se deixar oxisto betuminoso no chão. Para usar umaanalogia médica, não estamos falando detomar estatinas para diminuir a taxa de co-lesterol; estamos falando de enormes mu-danças em nosso cotidiano.

Talvez essa exigência seja enorme. Só os pro-blemas referentes à equidade global podemser demasiados: a China não vai parar dequeimar carvão a menos que lhe seja dadooutro modo de tirar sua população da pobre-za. A questão é que demoramos muito tempopara começar a tomar providências.

Mas, pelo menos, estamos mirando nonúmero certo: 350 ppm é o número queeu, você e todas as pessoas não podemmais esquecer. ■

Ano anterior ao presente (presente = 1950)

Concentração de CO2 , ppmv

Ano anterior ao presente (presente = 1950)

Mudança de temperature a partir do presente

Bill McKibben – Especialista em estudos ambi-entais do Middle-bury College e au-tor dos best-sellers Deep Eco-nomy e Bill Mc-Kibben Reader(coletânea de 44ensaios).

Site: www.billmckibben.com. Artigo publicadono jornal The Washington Post (28/12/2007).Tradução: Cidadania & Meio Ambiente.

Foto: Suburbanbloke

24

por Mark Lynas

Cidades costeiras

submersas, um terço

do mundo desértico,

polos sem gelo,

água doce escassa,

produção de

alimentos em

cheque, extinção em

massa... Este é o

futuro que o

atual modelo de

desenvolvimento

insustentável está

MENOS DE 2ºC

A cobertura de gelo do mar Ártico desapa-rece, deixando o urso-polar sem lar e alte-rando dramaticamente o equilíbrio energé-tico da Terra, em função da substituiçãodo gelo refletor da luz solar durante osmeses de verão pela superfície do mar, maisescura. Esta mudança é esperada para oano 2030 ou até mais cedo.

Os recifes de coral tropicais sofrem seve-ros e repetidos episódios de branqueamen-to devido ao aquecimento das águas oce-ânicas. Assim, a maioria dos corais é exter-minada e a biodiversidade marinha recebeum golpe de misericórdia.

As regiões subtropicais são varridas porsecas acompanhadas de ondas de calor e

Geleira Athabasca - Montanhas Rochosas, Canadá Foto:Maggiet

intensos incêndios espontâneos. As re-giões mais atingidas: o Mediterrâneo, osudoeste dos Estados Unidos, a Áfricasetentrional e a Austrália.

2ºC – 3ºC

As ondas de calor estivais, como as queassolaram a Europa em 2003 e que mata-ram 30 mil pessoas, tornam-se ocorrênci-as anuais. O calor extremo provoca dese-quilíbrios e leva a temperatura do sul daInglaterra aos 5ºC.

A Floresta Amazônica entra em seu “mo-mento de decisão”: o calor extremo e o bai-xo regime pluviométrico tornam a florestainviável – boa parte de sua superfície éconsumida por incêndios e o bioma origi-nal é substituído por deserto e savana.

A dissolução do CO2 torna os oceanos

cada vez mais ácidos, destruindo os reci-fes de coral restantes e dizimando muitasespécies de plâncton que constituem abase da cadeia alimentar marinha. A eleva-ção do nível do mar é agora inevitável econsequência do derretimento da capa degelo que cobria a Groenlândia.

3ºC – 4ºC

O derretimento das geleiras e da cobertura deneve nas cadeias montanhosas mínguam a va-zão de água doce para cidades e terras produ-tivas. As regiões mais afetadas são Califórnia,Peru, Paquistão e China. A produção mundialde alimentos entra em colapso quando os ce-leiros produtivos da Europa, da Ásia e dosEstados Unidos passam a sofrer secas e ascolheitas sucumbem às ondas de calor.

acelerando. O aumento da temperatura global – como

mostrado neste artigo – vai destroçar a vida na Terra.

Os impactos da elevação da temperatura

Cidadania&MeioAmbiente 25

■ Os oceanos sofrem variações em função do impacto das mudanças climáticas sobre as geleiras e ascamadas de gelo, que, além disso, contribuem para a flutuação do nível oceânico. Estudos baseados naobservação e na modelagem das geleiras e do permafrost (camadas congeladas de rocha e solo cobertaspor gelo ) indicam uma elevação média no nível do mar de 0,2 a 0,4 mm/ano, durante o século 20.

■ Desde a Última Glaciação Máxima, ocorrida há 20 mil anos, o nível do mar elevou-se acima de 120 mm emlocais distantes das atuais e antigas capas de gelo, como resultado da perda de massa dessas coberturas.

■ Ocorreu uma rápida elevação entre 10 mil e 6 mil anos atrás, numa taxa média de 1 mm/ano. A partirda análise de dados geológicos, o nível global médio oceânico pode ter-se elevado numa média de 0,5 mm/ano nos últimos 6 mil anos, e numa razão de 0,1 a 0,2 mm/ano, nos últimos 3 mil anos.

■ Para o próximo século, as projeções indicam uma elevação de 15 a 95 cm no nível global dos oceanos. Oque corresponde a uma elevação muito maior do que a ocorrida há 3 mil anos. Mesmo que as emissões degases de efeito estufa sejam estabilizadas, o nível oceânico continuará a elevar-se devido a fatores comoexpansão térmica e retração das geleiras.

Ocorre significativa alteração na Correntedo Golfo. As transformações promovidaspelo aquecimento global provocam o res-friamento da Europa e as mudanças oceâ-nicas alteram os padrões meteorológicos,provocando aumento no nível do mar aci-ma da média na costa oriental dos EstadosUnidos e do Reino Unido.

4ºC – 5ºC

Outro dado inquietante: vo-lumes maciços de metano –potente gás que contribuipara o efeito estufa – libe-rados pelo derretimento dacamada de gelo (perma-frost) siberiano aceleramainda mais o aquecimentoglobal. Locais antes povo-ados do sul da Europa, donorte da África, do OrienteMédio e das regiões sub-tropicais tornam-se inviá-veis à vida humana devidoao calor excessivo e à seca.Agora, o alvo das civiliza-ções são os polos, ondeainda persistem as tempe-raturas frescas o bastantepara garantir a agriculturae a chuva – embora cominundações severas. Todaa camada de gelo que co-bria os mares polares de-saparece. As geleiras dascadeias montanhosas –Alpes, Andes e Monta-nhas Rochosas – derreteme desaparecem.

5ºC – 6ºC

As temperaturas médiasglobais são agora maiselevadas do que há 50 milanos. Na região ártica, astemperaturas sobem mui-to mais do que a média –até 20ºC. Isso acena paraum Ártico livre de gelodurante todo o ano. Amaioria das regiões tropi-cais, subtropicais e daslatitudes médias abra-sam-se e tornam-se inabi-táveis. A elevação do ní-vel do mar agora é tão rá-pida que a maioria das ci-dades costeiras do plane-ta é abandonada.

A PARTIR DE 6ºC

Perigo de “aquecimento contínuo” motiva-do pela liberação de hidrato de metano pe-los oceanos. Será que a superfície da Terrapoderá tornar-se semelhante à de Vênus,completamente inabitável? A maior parte davida marinha deixou de existir. As áreas derefúgio humano agora estão totalmente con-finadas às regiões de altiplano e polares. A

população humana é drasticamente reduzi-da. É provável que 90% das espécies sejamextintas num processo que rivaliza com aspiores extinções em massa nos 4,5 bilhõesde anos de história da Terra. ■

ELEVAÇÃO DO NÍVEL DO MARPELO DERRETIMENTO DE GELEIRAS MONTANHOSAS E SUBPOLARES

Fontes: Church and Gregory 2001; Dyugerov, 2002, 2003; Ringot, 2003

Mark Lynas é o autor de Six Degrees: OurFuture on a Hotter Planet. Visite o site do autor:www.marklynas.org

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Um espelho gigante vaga lentamente pelo espaço entre a superfície da Terra e o Sol,

interceptando os raios solares antes de atingirem a Terra e refletindo-os para longe com

segurança. Ainda ficção científica, esse e outros projetos poderão ser o recurso último para

mitigar o aquecimento global que ameaça a sobrevivência de nosso planeta. Confira.

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Nova promessa para salvar a Terrapor Fiona Harvey

Se fosse tecnicamente possível, esse es-pelho refletor constituído por milhões

de chips de silício, ao custo de centenasde bilhões de dólares, se situaria em umponto do espaço onde as gravidades daTerra e do Sol se cancelam. Não obstanteo projeto ainda estar na prancheta, muitoscientistas afirmam que logo precisaremoscomeçar a construir espelhos espaciais,criar nuvens artificiais ou alterar a químicado oceano para impedir os piores efeitosdo aquecimento global.

A mudança climática está ocorrendo maisrapidamente do que o previsto, e os ris-cos estão crescendo diariamente. Muitoscientistas acreditam que alterar os siste-mas da Terra para ajudar a esfriar o plane-ta talvez seja, em breve, a única opção, jáque nosso apetite desenfreado por com-bustíveis fósseis supera nossas boas in-tenções em deter as emissões de CO

2.

“As chances de reduzir as emissões dosgases de efeito estufa de forma sufici-entemente rápida são agora muito bai-xas. Esta é uma ótima razão para procu-rar alternativas. Trata-se de uma políti-ca de segurança”, diz Stephen Salter,professor de engenharia da Universida-de de Edimburgo.

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A ciência que altera os sistemas natu-rais de autorregulação do planeta é cha-mada de Geoengenharia, uma área quejá foi marginal na pesquisa científica eque, devido à realidade do aquecimen-to global, passa a atrair seriamente aatenção dos cientistas e dos governos.Tanto que John Holdren, principal as-sessor científico do presidente dosEUA, Barack Obama, disse em públicohá poucas semanas:

“Os projetos de Geoengenharia devemser pensados… Não podemos nos dar oluxo de descartar qualquer abordagem.”

O foco sobre a Geoengenharia tem-se in-tensificado devido a uma série de estu-dos publicados na conceituada revistaNature. Os artigos concluíram que o pla-neta tem poucas chances de deter o au-mento de temperatura em 2ºC, nível reco-nhecido como o limite de segurança paraalém do qual a mudança climática torna-se irreversível e potencialmente catastró-fica. Tal nível de aquecimento pode levarao derretimento da camada de gelo per-manente (permafrost) da Sibéria, liberan-do quantidades enormes de metano ca-pazes de causar um aquecimento globalainda mais forte e rápido.

AS SOLUÇÕES ABORDADAS

A maior parte das sugestões de projetosde Geoengenharia para a mitigação damudança climática recai em três categori-as, a saber:

❚ As mais ambiciosas propõem o bloqueiodos raios solares por meios mecânicos –um espelho ou um anteparo como umguarda-sol, por exemplo, que seriam de-masiadamente caros, se exequíveis.

❚ Algumas das propostas mais promis-soras envolvem formas de aumentar acapacidade da Terra em refletir os raiossolares de volta para o espaço. Exem-plo: partículas de enxofre lançadas naestratosfera poderiam refletir luz sufici-ente para fazer uma diferença mensurá-vel. Só que há um problema: o enxofreprovoca chuva ácida. Os proponentesdesse método salientam que seria ne-cessário muito menos enxofre do que oque jorra das usinas de produção deenergia que utilizam combustível fóssil.Mas, ainda assim, não se pode deixar depensar nas consequências.

❚ Um método mais barato e menos contro-verso seria projetar navios para borrifarspray de água do mar na atmosfera. Isso

G E O E N G E N HAR I A

26

Cidadania&MeioAmbiente 27

Muitas propostas de salvar o planeta através da Geoengenhariasão extremamente caras e futuristas. Uma das ideias mais simples,

já testada em pequena escala, é estimularo crescimento de plâncton – algas e plantas microscópicas –

nos oceanos, aumentando a oferta de nutrientes.

criaria nuvens de minúsculas gotículas querefletiriam mais a luz. Como sempre, háaspectos negativos e positivos. StephenSalter, professor de Engineering Designda Universidade de Edimburgo, Escócia,diz que o projeto apresenta a seguintedesvantagem: além de refletirem a luz dosol, as nuvens “segurariam” o calor infra-vermelho na Terra. Entretanto, revela quea vantagem seria enorme: cada gotícularefletiria 20 bilhões de vezes a quantidadede energia usada para criá-la. Ele estimaque seria necessário uma frota de 500 na-vios, ao custo de 1 milhão de libras (cercade R$ 3 milhões) cada.

Um grupo de pesquisadores ensaia a re-moção do carbono da atmosfera via fertili-zação dos oceanos com ferro, de modo afavorecer o crescimento de plâncton paraabsorver carbono (ver quadro Fertilizaçãodos mares: um oceano de oportunidades).

Menos realistas são os enormes varredoresde ar – velas cobertas com substâncias quí-micas que reagem ao CO

2. Dois problemas

que não foram resolvidos neste método sãoo conhecimento da absorção química e aenorme quantidade de energia necessáriapara impulsionar vastos volumes de ar.

De qualquer modo, mesmo as mais enge-nhosas e eficazes soluções a serem viabi-lizadas pela Geoengenharia não prescindi-rão de profundos cortes nas emissões decarbono, como adverte o prof. Salter:

“Ninguém que pesquisa a Geoengenhariadefende a necessidade de redução dasemissões de CO

2. Julgamos tal providência

vital. As duas ações devem ser conjugadasao mesmo tempo ou os crescentes níveisde emissões anularão os benefícios oriun-dos dos projetos de modificação da Terra.”

Ao analisar os métodos e projetos propos-tos pela Geoengenharia, Tim Lenton, pro-fessor de Ciência do Sistema da Terra daUniversidade de East Anglia, alerta os ci-entistas para tomarem cuidado com “quais-quer alterações em um sistema que não secompreende plenamente”. E, como exem-plo, ele revela que um estudo sobre a as-persão de aerossol de enxofre na atmosfe-ra levaria ao ressecamento de regiões vul-neráveis, como o Sahel e a Índia. ■

Fiona Harvey – Correspondente de MeioAmbiente do periódico Financial Times. O ar-tigo original Changing the planet might helppreserve it foi publicado no FT (09/5/2009).Tradução: Cidadania &Meio Ambiente.

FERTILIZAÇÃO DOS MARESUM OCEANO DE OPORTUNIDADES

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■ Até hoje, uma dúzia de testes examinou os efeitos da fertilização do oceano com ferro.O último ocorre nesta primavera no hemisfério norte: o experimento LohaFex, patroci-nado por Índia e Alemanha. O navio de pesquisas Polarstern, com 48 cientistas a bordo,distribuiu 6 toneladas de ferro dissolvido por 300 km2 do oceano Polar Sul.

■ Os resultados mostram que a fertilização com ferro estimula um crescimento espeta-

cular das algas nas águas da camada superior. O que não está claro é se isso resulta nosequestro de CO

2 em longo prazo – o que exige o decaimento de proporção significativa

das algas nas profundezas do oceano, depois de mortas.

■ Várias empresas, como a americana Climos, esperam comercializar a fertilização dooceano com ferro, financiando a atividade com créditos de carbono. Apesar de estar emvigor uma moratória internacional para a fertilização oceânica comercial em grandeescala, devido ao temor de seu impacto nos ecossistemas locais, são permitidos experi-mentos científicos como o LohaFex.

■ Embora até agora o foco tenha sido a fertilização com ferro – a escassez de nutrientesde ferro é um fator que limita o crescimento das algas nos oceanos abertos –, tambémseria possível acrescentar os fertilizantes fósforo e nitrogênio.

■ Estudo realizado na Universidade de East Anglia, Inglaterra, e publicado em janeiroúltimo, chega à surpreendente conclusão de que a adição de compostos de fósforo(fosfatos) aos oceanos poderá, a longo prazo, contribuir muito mais para o sequestro decarbono do que a adição de ferro ou nitrogênio. Mesmo não fertilizando deliberadamen-te os oceanos com fósforo, as atividades humanas – principalmente as decorrentes dasatividades agrícolas – já aumentam a quantidade de carbono sequestrado pelos oceanos.

■ Uma última possibilidade é acrescentar triturado de rochas de calcário aos oceanos.Esta adição traria o duplo benefício de aumentar o crescimento das algas e contrabalan-

çar a crescente acidez dos oceanos, que muitos analistas consideram um dos maisperniciosos efeitos em longo prazo do aumento de CO

2 na atmosfera. O desafio é

encontrar uma maneira de fazê-lo de modo que não seja necessário uma quantidadeexorbitante de energia para extrair, triturar e transportar as rochas até o mar.

Fonte: Clive Cookson, Editor de Ciência do jornal londrino Financial Times. O artigooriginal Fertilising the seas opens up an ocean of opportunity for commerce foi publicadoem 09/05/2009. Tradução livre: Cidadania & Meio Ambiente.

Cidadania&MeioAmbiente 27

28

A avaliação da prosperidade

nacional via PFB – produto da

felicidade bruta – implementada

pelo reino do Butão, em 1975,

pode ser o novo modelo para

o mundo sair da crise econômica

e ambiental atual. Confira como

essa “utopia” pode dar certo.

O Butão, afirmou o rei, precisava garantir aprosperidade compartilhada por toda asociedade, meta lastreada na preservaçãodas tradições culturais, na proteção domeio ambiente e numa gestão governamen-tal responsável. A partir de então, o reipassou a instituir políticas voltadas à rea-lização da meta do PFB.

E o exemplo de Butão, sempre em curso,serve como catalisador para discussõesmais aprofundadas sobre o que é bem-estar nacional.

Em todo o mundo, um número crescente deeconomistas, cientistas sociais, líderes decorporações e burocratas procuram desen-volver medidas que não levem em contaapenas o fluxo de caixa, mas, também, o aces-so aos cuidados médicos, ao tempo livreem família, à conservação dos recursos na-turais e outros fatores não econômicos.

A meta vem a ser, segundo muitos protago-nistas envolvidos neste esforço, redefinir

uma acepção mais rica da palavra felicida-de, à semelhança da concepção intuída pe-los signatários da Declaração de Indepen-dência dos EUA quando nela incluíram “abusca de felicidade” como um direito inali-enável igual à liberdade e à própria vida.

Os fundadores da pátria, sentencia o ca-nadense John Ralston Saul, estudioso defilosofia política, definiram felicidade comoo equilíbrio entre os interesses do indiví-duo e da comunidade:

“A teoria da felicidade é expressão do bem-estar público, da satisfação dos indivídu-os. E isso não se reflete na concepção atu-al: deve-se sorrir apenas quando se está,por exemplo, numa Disneylândia.”

O filósofo é uma entre as 400 pessoas demais de uma dúzia de países que se reuni-ram na St. Francis Xavier University, naNova Escócia, para considerar novos mo-dos de definir e avaliar a prosperidade.Naquela reunião, a maioria dos participan-tes insistiram que o foco no comércio e no

Adeus... PIB!

por Andrew C. Revkin

É hora do PFB

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O que é felicidade? Nos Estados Unidose em muitos outros países industrializados,ela é, via de regra, equiparada ao dinheiro.

Os economistas medem a confiança do con-sumidor na suposição de que os dados re-sultantes revelem algo sobre o progresso eo bem-estar público. Por isso, o produto in-terno bruto (PIB) é habitualmente usado comoexpressão do bem-estar de uma nação. Maso pequeno reino do Butão, no Himalaia, temaplicado uma concepção diferente para me-dir a felicidade de seus cidadãos.

Em 1972, preocupado comos problemas que afligiamoutros países em desen-volvimento focados exclu-sivamente no crescimen-to econômico, o líder doButão, rei Jigme SingyeWangchuck (foto), deci-

diu tornar prioridade de sua nação não oPIB (produto interno bruto), mas o novoíndice PFB (produto da felicidade bruta).

Cidadania&MeioAmbiente 29

Não mais do que 700 mil pessoas habitam o Butão, reino espremido entre asduas mais populosas nações da Terra – Índia e China. A tarefa atual do país écontrolar e administrar as transformações inevitáveis em seu modo de vida.No Butão, o cigarro é proibido, a TV foi introduzida somente há 10 anos, asvestes e a arquitetura tradicionais são regidas por legislação.

Quando o Butão informou que tinha adotado o padrão PFB, o mundo desen-volvido, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional lançaram a per-gunta: “E como vocês medem o PFB?” Para responder a questão, os butanesesproduziram um intrincado modelo matemático do bem-estar com os já citadosquatro pilares, nove campos e 72 indicadores de felicidade.

No campo do bem-estar psicológico, por exemplo, os indicadores incluem asfrequências de oração e meditação, e os sentimentos de egoísmo, ciúme, cal-ma, compaixão, generosidade e frustração, além de pensamentos suicidas.

Na busca pela felicidade, os butaneses estão até partilhando o dia para saberquanto tempo uma pessoa passa junto à família, no ambiente de trabalho eassim por diante. Foram criadas inclusive fórmulas matemáticas para reduzir afelicidade aos seus menores componentes. A cada dois anos, esses indicado-res devem ser reavaliados em um questionário nacional.

Pela nova Constituição, adotada em 2008, as políticas governamentais – da agri-cultura ao transporte e ao comércio exterior – devem ser avaliadas não pelosbenefícios econômicos que podem oferecer, mas pela felicidade que produzem.

Embora à primeira vista o conceito de PFB possa parecer pura bizarrice, eleestá seduzindo o mundo ocidental. Afinal, sua essência prega a reconciliaçãodo ser humano consigo mesmo e com o meio ambiente – fato impossível noatual modelo econômico, que divorcia todos de tudo que não seja consumis-mo e aniquilação ambiental. Por isso, a nova “utopia” tem ecoado positiva-mente. Por que não pensar de forma diferente? Afinal, o modelo de desen-volvimento predatório e insustentável atual está fadado a conduzir-nos a umfatal labirinto sem saída. Já o utópico Butão pode ensinar o caminho parauma Shangri La!

Andrew C. Revkin – O artigo A NewMeasure of Well-Being From a Happy LittleKingdom foi publicado em 4/10/2005 no peri-ódico The Washington Post. Tradução livre:Cidadania & Meio Ambiente.

consumo que dominou o século 20 nãodeveria mais ser a norma no 21.

Entre os participantes, três dúzias eram derepresentantes do Butão – professores,monges, funcionários do governo e outros–, que vieram promover o que o país com asdimensões da Suíça aprendera sobre a cons-trução de uma sociedade contente e feliz.

Não obstante a renda doméstica no Butãoestar entre as mais baixas do mundo, a ex-pectativa de vida aumentou em 19 anos –de 1984 a 1998 –, saltando para os 66 anos.O país, que emendou sua constituição eaderiu ao regime de governo democrático,por iniciativa do próprio rei, estabeleceu quepelo menos 60% de suas terras preservem acobertura florestal original, limitou o fluxode turistas e exporta energia hidroelétricapara a Índia. Diz Lyonpo Jigmi Thinley, mi-nistro do Interior e ex-primeiro-ministro:

“Devemos pensar no bem-estar humanoem termos mais abrangentes. O bem-estarmaterial é apenas um componente, e ele nãoassegura estar-se em paz com seu ambien-te e em harmonia com o semelhante.”

Trata-se de um conceito fundamentado nadoutrina budista, e até uma década atrás amaioria dos economistas e estudiosos depolítica internacional teria taxado esse ide-ário de idealismo ingênuo.

Na verdade, o flerte passageiro dos EUAcom um conceito semelhante, consubstan-ciado no best-seller “Small Is Beautiful:Economics as if People Mattered”, de 1973,terminou abruptamente com a enorme econtínua bolha de crescimento econômi-co focada no estímulo ao consumo, queexplodiu em primeiro lugar nos países in-dustrializados e, depois, espraiou-se paraos países em desenvolvimento, como aChina. E que hoje deu no que deu!

Muitos estudiosos da questão afirmam, noentanto, que foi a explosão de consumo oque pode ter levado os cientistas sociais aperceber que o crescimento econômico nãoé sempre sinônimo de progresso. De qual-quer forma, o Butão antecipou-se, e sua ex-periência não pode ser mais ignorada. ■

ECONOMIA SÓ É VÁLIDA

QUANDO PRODUZ FELICIDADE

Fonte: Dados extraídos do artigo Recalculating Happiness in a Himalayan Kingdom,de Seth Mydans, International Herald Tribune (06/05/2009).Texto: Cidadania & Meio Ambiente.

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por Remaatlantico e NASA

Um projeto de irrigação soviético que desconsiderou o estudo do impactoambiental no desvio de águas de dois rios acabou provocando uma catástrofeambiental sem precedentes. Veja o que aconteceu com o Mar de Aral.

UM DESASTRE ANTRÓPICO

Há milhões de anos, o noroeste do Uzbe-quistão e o sul do Cazaquistão eram cober-tos por um volumoso mar interior. Quandoas águas retrocederam, deixaram uma largaplanície de terra altamente salina. Do arcai-co mar sobrou o Mar de Aral, o quarto mai-or corpo interior de água no mundo.

O Mar de Aral é um mar de água salgadainterior, sem saída. É alimentado por dois rios,o Amu Darya e Syr Darya. A água fresca des-tes dois rios garantia a alimentação e os ní-veis de salinidade em equilíbrio perfeito.

Nos idos de 1960, o governo central sovi-ético decidiu tornar a União Soviéticaautossuficiente em algodão e aumentar aprodução de arroz. O governo central en-tão decidiu que a água adicional necessá-ria ao projeto agrícola seria captada nosdois rios que alimentavam o Mar de Aral.

Assim, nos dois rios, foram construídasgrandes represas e um canal central com1.368 km, dotado de um sistema decanaletas de distribuição de longo alcan-ce. Quando o sistema de irrigação foi fina-lizado, milhões de hectares foram inunda-dos em ambos os lados do canal.

Nos 30 anos seguintes, o Mar de Aral sofreuum grave decréscimo em seu nível de água,sua costa retrocedeu e sua salinidade au-mentou. O ambiente marinho tornou-se hos-til à vida antes florescente, dizimando plan-tas e animais. Como a vida marinha morreu, aindústria de pesca sofreu grandemente.

O MAR DE ARAL ENCOLHE

A estratégia soviética foi estruturada naconstrução de represas nos dois rios e nacriação de reservatórios a partir dos quais40 mil km de canais levariam a água às áre-as de cultivo. Os campos floresceram, mas

com áreas tão vastas de monocultura, osagricultores foram obrigados a usar enor-mes quantidades de defensivos químicos.E devido à irrigação o sal foi bombeadopara a superfície do solo, onde foi-se acu-mulando. Quando a represa de Tahaitashfoi construída no rio Amu Darya, perto dacidade de Nukus, o rio deixou de ter águapara alimentar o Mar de Aral, centenas dequilômetros adiante. Para a surpresa doshabitantes de Muynak, o Mar de Aral co-meçou a encolher.

No princípio, pensou-se tratar de um even-to temporário. Assim, dragou-se um canalaté a costa que retrocedera para que os bar-cos pudessem continuar chegando ao mare ancorar nos molhes. O pior é que os eflu-entes alcançaram o mar com uma misturamortal de sal e pesticida oriundos das plan-tações de algodão. Os bancos pesqueirosdeclinaram e quando o canal atingiu 30 km

O mar virou deserto

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Cidadania&MeioAmbiente 31

O ENCOLHIMENTO DO MAR DE ARAL

■ O Mar de Aral não é de fato um mar. É um imensolago que nos últimos 30 anos minguou em mais de60%. As três imagens obtidas pelos satélites Landsatrevelam as dramáticas alterações sofridas pelo Mar deAral entre 1973 e 2000.

■ Até 1965, o Mar de Aral recebeu aproximadamente50 quilômetros cúbicos de água fresca por ano, antesde a vazão zerar no início dos anos 80.

Fonte: Imagem gentilmente cedida por USGS Eros Data Center(http://edc.usgs.gov/) a partir de dados coletados pela equipe ci-entífica Landsat (http://landsat.gsfc.nasa.gov/).

Artigo baseado em texto publicado emwww.remaatlantico.org e em dados cedidos pelaNASA (www.nasa.gov).

■ O Mar de Aral sustentou uma próspera indústria depesca comercial que empregava 60 mil pessoas até oinício dos anos 60. Por volta de 1977, o produto dapesca reduziu-se em 75%, e no início dos anos 80 aindústria pesqueira desapareceu.

de comprimento e o mar continuou enco-lhendo, os barcos foram abandonados, ja-zendo como grandes leviatãs nas areias queuma vez foram o fundo de águas piscosas.

O Mar de Aral foi uma riquíssima fonte depeixes. Os biólogos haviam identificado cer-ca de 20 espécies, inclusive esturjão e peixe-gato. Muynak, situada na extremidade domar, era uma cidade pesqueira, que tambématraía turistas às suas paisagens litorâneas.

Hoje, Muynak está encravada no deserto,distante mais de cem quilômetros do mar.Os únicos vestígios do outrora prósperocentro pesqueiro são as carcaças dos ve-lhos navios enferrujados e uma antiga ins-talação de processamento de peixe.

AS CONSEQUÊNCIAS

DO DESASTRE ECOLÓGICO

O mar encolheu em dois quintos de sua di-mensão original e, agora, de quarto maior lagointerior do mundo, passou a ser o décimo. Onível da água desceu 16 metros e o volumereduziu-se em 75%, uma perda equivalente àsoma total da água dos lagos Erie e Huron. Aconsequência ecológica foi desastrosa e, paraos habitantes da região, os problemas eco-nômicos, sociais e de saúde atingiram o limitedo catastrófico. Todas as 20 espécies de pei-

xes do Mar de Aral extinguiram-se, incapazesde sobreviver à lama tóxica e hipersalina.

Com frequência, as alterações ambientaisem uma dada região acarretam uma sériede graves consequências. Abaixo, as maisrelevantes perdas devido ao encolhimen-to do Mar de Aral:

❚ Como a água dos rios foi sifonada parao cultivo do algodão, a água do mar tor-nou-se muito mais salgada.❚ Como um enorme volume de água foidesviado dos rios, o nível do mar dimi-nuiu em mais de 60%.❚ As fontes de água potável também di-minuíram e foram contaminadas com pes-ticidas, agrotóxicos, bactérias e vírus.❚ As culturas de algodão e arroz fizeramuso de pesticidas altamente tóxicos e deoutras substâncias químicas prejudici-ais. Durante décadas, esses compostosquímicos depositaram-se no Mar de Aral.Hoje, quando o vento sopra sobre o queagora é o fundo do mar seco, essas subs-tâncias químicas tóxicas são espalhadaspela região.❚ Os lagos e mares tendem a moderar oclima. Ou seja, as terras próximas a umcorpo de água tendem a ficar mais mor-nas no inverno e mais frescas no verão

do que as terras situadas longe da água.Como o Mar de Aral perdeu água, o cli-ma tornou-se extremo.

Assim, um meio ambiente multisseculardesapareceu em poucas décadas. A vastaárea de solo oceânico agora exposto estáenvenenada pelos pesticidas. E o ventogera tempestades de pó carregadas de sale de substâncias tóxicas sobre centenas,senão milhares de quilômetros. A cada ano,estima-se que 75 milhões de toneladas depó tóxico e sais sejam pulverizados sobre aÁsia Central. Se o Mar de Aral secar com-pletamente (ver quadro), 15 bilhões de to-neladas de sal serão deixadas à flor do solo.

Em 2001, o Banco Mundial custeou a cons-trução do dique Kok-Aral, de 12,87 km deextensão, para separar o Aral Norte do Sul.Objetivo: salvar a porção norte menos po-luída. Desde a conclusão da obra, em 2005,o Mar de Aral Norte recomeçou a crescer.Consertos e atualizações na ineficiente redede canais da era soviética também ajudama rejuvenescer o Mar de Aral Norte. ■

Mar de Aral , Cazaquistão

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LEGISLAÇÃOAM

BIENTAL

As organizações da sociedade civil abaixo assinadas vêm apúblico manifestar, durante a Semana do Meio Ambiente,

sua extrema preocupação com os rumos da políticasocioambiental brasileira e afirmar, com pesar, que esta não

é uma ocasião para se comemorar. É, sim, um momentode repúdio à tentativa de desmonte do arcabouço legal

e administrativo de proteção ao meio ambiente arduamente

construído pela sociedade nas últimas décadas.

contra o desmonte Fo

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brasileiraambientalda política

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ção de veículos automotores. Fazia issosem qualquer exigência de melhora nospadrões de consumo de combustível ouapoio equivalente ao desenvolvimento dotransporte público, indo na contramão dahistória e contradizendo o anúncio feitomeses antes de que nosso país adotariaum plano nacional de redução de emis-sões de gases de efeito estufa.

Em fevereiro deste ano uma das medidasmais graves veio à tona: a MP 458 que, atítulo de regularizar as posses de peque-nos agricultores ocupantes de terras pú-blicas federais na Amazônia, abriu a possi-bilidade de se legalizar a situação de uma

Recentes medidas dos poderes Exe-cutivo e Legislativo, já aprovadasou em processo de aprovação, de-

monstram claramente que a lógica do cres-cimento econômico a qualquer custo vemsolapando o compromisso político de seconstruir um modelo de desenvolvimentosocialmente justo, ambientalmente adequa-do e economicamente sustentável.

Já em novembro de 2008 o Governo Fede-ral cedeu pela primeira vez à pressão dolobby da insustentabilidade ao modificaro decreto que exigia o cumprimento da le-gislação florestal (decreto 6514/08) me-nos de cinco meses após sua edição.

Nota pública

Pouco mais de um mês depois, revogou umalegislação da década de 1990 que protegiaas cavernas brasileiras para colocar em seulugar um decreto que põe em risco a maiorparte de nosso patrimônio espeleológico. Ajustificativa foi que a proteção das caver-nas, que são bens públicos, vinha impedin-do o desenvolvimento de atividades eco-nômicas como mineração e hidrelétricas.

Com a chegada da crise econômica mundi-al, ao mesmo tempo em que contingencia-va grande parte do já decadente orçamen-to do Ministério do Meio Ambiente (hojemenor do que 1% do orçamento federal), ogoverno baixava impostos para a produ-

Cidadania&MeioAmbiente 33

A S S I N A M

. Amigos da Terra / Amazônia Brasileira

. Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA. Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – APREMAVI. Conservação Internacional Brasil. Fundação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional – FASE. Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – FBOMS. Fórum das ONGs Ambientalistas do Distrito Federal e Entorno. Greenpeace. Grupo Ambiental da Bahia – GAMBA. Grupo Pau Campeche. Grupo de Trabalho Amazônico – GTA. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – IMAZON. Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM. Instituto Socioambiental – ISA. Instituto Terra Azul. Mater Natura. Movimento de Olho na Justiça – MOJUS. Rede de ONGs da Mata Atlântica. Sociedade Brasileira de Espeleologia – SBE. Via Campesina Brasil. WWF Brasil

Nota Pública enviada por Fernando BarretoJunior, Promotor de Justiça e Coordenadordo Centro de Apoio Operacional de Meio Am-biente, Urbanismo e Patrimônio Cultural doMinistério Público do Maranhão, colaboradore articulista do EcoDebate.Publicada no portal www.ecodebate.com.br (06/06/2009). Nota: Destaques em itálico e em negritopela editoria da Cidadania & Meio Ambiente.

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grande quantidade de grileiros, incentivan-do, assim, o assalto ao patrimônio público,a concentração fundiária e o avanço dodesmatamento ilegal. Ontem (03/06) a MP458 foi aprovada pelo Senado Federal.

Enquanto essa medida era discutida – epiorada – na Câmara dos Deputados, umaoutra MP (452) trouxe, de contrabando,uma regra que acaba com o licenciamentoambiental para ampliação ou revitalizaçãode rodovias, destruindo um dos principaisinstrumentos da política ambiental brasilei-ra e feita sob medida para se possibilitarabrir a BR 319 no coração da floresta ama-zônica, por motivos político-eleitorais. EssaMP caiu por decurso de prazo, mas a inten-ção por trás dela é a mesma que guia a cres-cente politização dos licenciamentos ambi-entais de grandes obras a cargo do Ibama,cuja diretoria reiteradamente vem desco-nhecendo os pareceres técnicos que reco-mendam a não concessão de licenças paradeterminados empreendimentos.

Diante desse clima de desmonte da legisla-ção ambiental, a bancada ruralista do Con-gresso Nacional, com o apoio explícito doMinistro da Agricultura, se animou a pro-por a revogação tácita do Código Flo-restal, pressionando pela diminuição dareserva legal na Amazônia e pela anistia atodas as ocupações ilegais em áreas de pre-servação permanente. Essa movimentaçãojá gerou o seu primeiro produto: a aprova-ção do chamado Código Ambiental de San-ta Catarina, que diminui a proteção às flo-restas que preservam os rios e encostas,justamente as que, se estivessem conser-vadas, poderiam ter evitado parte signifi-cativa da catástrofe ocorrida no Vale do Ita-jaí no final do ano passado.

A última medida aprovada nesse sentidofoi o decreto 6848, que, ao estipular umteto para a compensação ambiental de gran-des empreendimentos, contraria decisão doSupremo Tribunal Federal, que vincula opagamento ao grau dos impactos ambien-tais, e rasga um dos pontos principais daDeclaração do Rio sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, assinada pelo país em1992. A Declaração do Rio determina queaquele que causa a degradação deve serresponsável, integralmente, pelos custossociais dela derivados (princípio dopoluidor-pagador). Agora, independente-mente do prejuízo imposto à sociedade, oempreendedor não terá que desembolsar

quenos projetos sustentáveis não têm amesma facilidade e os bancos públicos nãoconseguem implementar sequer uma linhade crédito facilitada para recuperação am-biental em imóveis rurais.

Nesse dia 5 de junho, dia do meio ambien-te, convocamos todos os cidadãos brasi-leiros a refletirem sobre as opções que es-tão sendo tomadas por nossas autorida-des nesse momento, e para se manifesta-rem veementemente contra o retrocesso napolítica ambiental e a favor de um desen-volvimento justo e responsável.

Brasil, 05 de junho de 2009. ■

8mais do que 0,5% do valor da obra, o quedesincentiva a adoção de tecnologias maislimpas, porém mais caras.

Não fosse pouco, há um ano não são cria-das unidades de conservação, e várias pro-postas de criação, apesar de prontas e jus-tificadas na sua importância ecológicae social, se encontram paralisadas na CasaCivil por supostamente interferirem em fu-turas obras de infra-estrutura. É o caso dasRESEX Renascer (PA), Montanha-Mangabal (PA), do Baixo Rio Branco-Jauaperi (RR/AM), do Refúgio de Vida Sil-vestre do Rio Tibagi (PR) e do Refúgio deVida Silvestre do Rio Pelotas (SC/RS).

Diante de tudo isso, e de outras propostasem gestação, não podemos ficar calados,e muito menos comemorar. Esse conjuntode medidas, se não for revertido, jogarápor terra os tênues esforços dos últimosanos para tirar o país do caminho da in-sustentabilidade e da dilapidação dos re-cursos naturais em prol de um crescimen-to econômico ilusório e imediatista, quenão considera a necessidade de se manteras bases para que ele possa efetivamentegerar bem-estar e se perpetuar no tempo.

Queremos andar para frente, e não para trás.Há um conjunto de iniciativas importantesque poderiam efetivamente introduzir a va-riável ambiental em nosso modelo de de-senvolvimento, mas que não recebem a de-vida prioridade política, seja por parte doExecutivo ou do Legislativo federal.

Há anos aguarda votação pela Câmara dosDeputados o projeto do Fundo de Partici-pação dos Estados e do Distrito Federal(FPE) Verde, que premia financeiramente osestados que possuam unidades de conser-vação ou terras indígenas. Nessa mesmafila estão dezenas de outros projetos, como:

■ o que institui a possibilidade de in-centivo fiscal a projetos ambientais;■ o que cria o marco legal para as fontesde energia alternativa;■ o que cria um sistema de pagamentopor serviços ambientais;

dentre tantos que poderiam fazer a dife-rença, mas que ficam obscurecidos entreuma Comissão Parlamentar de Inquérito(CPI) e outra.

E enquanto o BNDES ainda tem em suacarteira preferencial os tradicionais proje-tos de grande impacto ambiental, os pe-

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O DESMANCHE

DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO

É indiscutível a pressão que a bancada ruralistafaz pela “flexibilização” do Código Florestal sobo argumento da necessidade de ampliação daprodução de alimentos. Ora, produzimos maisdo que o suficiente para consumir e exportarmilhões de toneladas, mesmo com um desperdí-cio médio de 50%. No Brasil e no mundo nãofaltam alimentos: as pessoas passam fome por-que não têm dinheiro para comprá-los.

Diante da paralisia do Ministério do MeioAmbiente (MMA) frente à questão, avança adiscussão das cinco alterações propostas pelabancada ruralista e endossadas pelo ministroda Agricultura, Reinhold Stephanes, a saber:

1 – Que as áreas de preservação permanente(APPs), como margens de rios e de nascentes, se-jam somadas no cálculo da reserva legal obrigatória,que varia de 20% a 80% do tamanho da proprieda-de, dependendo do bioma em que se encontra.2 – Permissão do uso de várzeas, topos de mor-ros e encostas em áreas já consolidadas por umaagricultura sustentável.3 – Uso da reserva legal de forma mista, de modo aviabilizar a cultura de árvores destinadas à explora-ção econômica, como o babaçu e o dendezeiro.4 – Permissão para fazer o reflorestamento dareserva legal obrigatória em outras áreas.5 – Anistia aos produtores que procuram o go-verno para regularizar alguma situação relacio-nada ao Código Florestal ocorrida no passado.

À primeira vista, tais propostas parecem sen-satas. Mas, revogada a legislação atual, a situa-ção equivaleria não apenas a regularizar as ile-galidades atuais, mas abrir a porteira para oavanço incontrolado da fronteira agropecuária.

O EXEMPLO DE SANTA CATARINA

Contudo, a “flexibilização” sugerida já não ésuficiente. Acaba de surgir uma proposta parapermitir que as assembleias legislativas assu-mam a atribuição da elaboração de leis ambien-tais, como ocorreu em Santa Catarina, com o

Caso a “flexibilização” das leis ambientais acabe ocorrendo,o país que conhecemos deixará de existir: será transformadona “Fazendona Brasil”, a neocolônia que preferiu abandonaro seu futuro para tornar-se o “celeiro do mundo”.

por Henrique Cortez

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projeto de lei 238/2008 votado e aprovado por31 dos 38 deputados presentes no plenário daAssembleia Legislativa, em abril último.

O território catarinense conta com 41% de matae 168 mil hectares de matas ciliares. O novoCódigo Ambiental votado diminui a área de pre-servação determinada pelo Código Florestal Bra-sileiro. Entre as principais mudanças figuram:

■ A redução da área de proteção das matasciliares, de 30 para 5 metros.■ No caso das nascentes fluviais, a área caide 50 para 10 metros.■ Remuneração (pelo poder público) dos agri-cultores que desenvolvam e executem proje-tos de preservação do meio ambiente.■ Gratuidade dos licenciamentos ambientaise fundo de compensação ambiental a ser cri-ado pelo governo.

Para o ambientalista e biólogo Juliano Albano,o projeto de lei 238/2008 foi aprovado semconteúdo ambiental. “É um desrespeito às leisfederais. Foi aprovado sem critério e de formairresponsável. As gerações futuras é que sofre-rão com o que foi decidido.” Segundo Albano, oCódigo é inconstitucional.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidenteda Confederação Nacional da Agricultura (CNA),conforme artigo publicado no Correio Braziliense(30/04/09), está patrocinando a apresentação deuma emenda constitucional transferindo do Con-gresso Nacional para as assembleias legislativas aatribuição de elaborar leis ambientais e definir otamanho das áreas de proteção permanente e reser-vas legais de cada propriedade rural. Ou seja, “de-pois da queda, o coice”. Incontáveis textos e artigospublicados na imprensa nacional alertaram para ofato de o Código Ambiental de Santa Catarina serum laboratório para uma experiência que seria re-produzida pelos demais Estados. Não se sabia quea proposta seria levada ao Congresso.

Quando da aprovação do Código Ambiental deSanta Catarina, o ministro Minc declarou quedeterminara ao Ibama desconsiderar a lei estadu-

al, e anunciou que iria recor-rer ao Supremo Tribunal Fe-deral (STF) contra as regrasaprovadas pela AssembleiaLegislativa de Santa Catari-na. No entanto, não fez nemuma coisa nem outra. Naverdade, foi o Ministério Pú-blico (MP) estadual quemprotocolou representação,solicitando Adin contra dis-positivos do Código Ambi-ental de Santa Catarina.

O discurso ambíguo do mi-nistro Minc é coerente coma posição do presidenteLuiz Inácio da Silva em eli-minar o que considera um

entrave ao desenvolvimentismo. Desde o iníciode seu primeiro mandato, os cuidados socioam-bientais e a legislação ambiental foram seguida-mente atacados pelos ministros da Agricultura,de Minas e Energia, pelos presidentes da Ele-trobrás, por grandes industriais e outros defen-sores do atual modelo de desenvolvimento.

A agenda desenvolvimentista continuará into-cada, quaisquer que sejam os danos sociais ouambientais do atual e equivocado modelo dedesenvolvimento. O Ministério do Meio Am-biente continuará no papel de objeto cênico,porque esta é a vontade expressa do governo.Podemos e devemos resistir ao avanço do “tra-tor” ruralista e de sua agenda ambientalmenteinsustentável. Não estamos sós, como demons-tra uma recente pesquisa Datafolha, na qual 94%dos entrevistados preferem a suspensão do des-matamento à maior produção agropecuária.

Precisamos, desde já, nos preparar para 2010, cons-truindo uma agenda de sustentabilidade e organi-zando nosso apoio aos candidatos que tenhamclara compreensão do desenvolvimento sustentá-vel como sendo socialmente justo, economicamen-te inclusivo e ambientalmente responsável.

Pouco ou nada poderá ser feito para garantirum futuro minimamente sustentável se paracada parlamentar comprometido com as causassociais e ambientais forem eleitos 30 represen-tantes dos ruralistas, dos agroquímicos, da gran-de indústria... Esta é a atual proporção e já co-nhecemos suas consequências.

Nesse ritmo, o país que conhecemos deixaráde existir, sendo transformado na “FazendonaBrasil”, a neocolônia que preferiu abandonar oseu futuro para tornar-se o “celeiro do mun-do”. Não podemos mais esperar. Precisamosagir e resistir desde já. ■

Henrique Cortez – Coordenador do portalEcoDebate.E-mail: [email protected]

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