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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social Curso de Animador Social/Assistente Familiar Área Científica - ECONOMIA * * * T E X T O D E A P O I O * * * Módulos 5 e 6: FAMÍLIAS E CONSUMO 1. Consumo, nível e estilo de vida das famílias 2. Análise do comportamento do consumidor 3. Análise e características do produto 4. A medida das variações dos preços 5. Defesa do consumidor 6. A influência da publicidade

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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social

Curso de Animador Social/Assistente Familiar

Área Científica - ECONOMIA

* * * T E X T O D E A P O I O * * *

Módulos 5 e 6: FAMÍLIAS E CONSUMO

1. Consumo, nível e estilo de vida das famílias 2. Análise do comportamento do consumidor 3. Análise e características do produto 4. A medida das variações dos preços

5. Defesa do consumidor6. A influência da publicidade

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ÍNDICE

1. Consumo, nível e estilo de vida das famílias1.1. O primado da família sobre o indivíduo1.2. Bens duráveis, indicadores de conforto e de nível de vida1.3. Padrões de consumo e estilos de vida:

A lei de EngelO perfil do consumidorA abordagem do estilo de vida

2. Análise do comportamento do consumidor2.1. Variáveis explicativas individuais - a contribuição da Psicologia

As necessidadesAs motivaçõesAs atitudesAs características permanentes dos indivíduos:

A personalidadeA imagem de si próprio

2.2. Variáveis explicativas sociológicas e psicossociológicasA influência do grupo sobre os seus membros:

Normas, estatutos e comportamentosGrupos de referência e grupos de paresOs líderes de opinião

As classes sociais:Classe social e modo de consumoConsumo ostensivo e standingClasse social e locais de compraA mobilidade social

As variáveis culturais2.3. Variáveis explicativas económicas

A abordagem económica clássicaMapas de preferência e de indiferençaA restrição orçamentalImpacto de uma variação no rendimentoImpacto de uma variação nos preços relativos

A medida da sensibilidade do consumidor aos preçosA elasticidade da procura em relação aos preçosFactores de sensibilidade aos preçosA relação qualidade-preçoA elasticidade-preço cruzada

A medida da sensibilidade do consumidor ao rendimentoA elasticidade da procura em relação ao rendimentoO caso dos bens inferiores

2.4. O processo de decisão de compraConceitos fundamentais:

Os objectivos do consumidor

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A procura e tratamento da informaçãoO risco e a implicaçãoA aprendizagem ou efeito da experiência

Modelização do processo de decisão do consumidor

3. Características do produto3.1. O conteúdo simbólico dos bens e serviços3.3. Componentes de um produto:

A marcaO design e a embalagem

3.4. O ciclo de vida dos produtos3.5. A inovação e o desenvolvimento de novos produtos

4. A medida do movimento dos preços4.1. Elementos de cálculo de variações4.2. A média aritmética ponderada4.3. O índice de preços no consumidor4.4. A taxa de inflação4.5. Operações a preços correntes e a preços constantes

5. A defesa do consumidor5.1. A necessidade de informação e de educação5.2. Os direitos do consumidor5.3. Organismos e instituições de defesa do consumidor em Portugal

6. A influência da publicidade6.1. Natureza e objectivos da publicidade6.2. O sector publicitário6.3. Estratégia da publicidade, objectivos e alvos6.4. Estratégias de criação e de avaliação de mensagens6.5. Estratégias de escolha dos media6.6. Exemplos práticos

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Em módulos anteriores estudamos a globalidade do processo económico num sistema em que omecanismo de preços e mercados livres assegura, de forma espontânea e respeitadora daliberdade individual, a afectação dos recursos escassos da colectividade, com vista à satisfaçãodas múltiplas necessidades, privadas e colectivas, dos seus membros. O presente módulo analisaem pormenor um dos pólos do processo económico - a função consumo - e o comportamentode um dos “actores” principais - a família, enquanto sujeito económico fundamental. Tratando-se de um fenómeno complexo da vida em sociedade, e não sendo a vertente económica umcompartimento estanque da vida social, vamos fazer uma análise multidisciplinar docomportamento humano no acto de consumo, apoiando a análise económica das diversasquestões com algumas contribuições de outras Ciências Humanas, nomeadamente da Psicologiae da Sociologia.

1. CONSUMO, NÍVEL E ESTILO DE VIDA DAS FAMÍLIAS

Na óptica da análise que nos interessa fazer neste módulo, podemos definir o consumo dizendoque ele consiste na apropriação final de bens e serviços, com vista à satisfação directa denecessidades individuais e colectivas. O consumo é, por isso, como já foi visto no móduloanterior, a fase terminal do processo económico. E é também, afinal de contas, a razão de serdos próprios mecanismos económicos: é através do consumo e em ordem a ele que se afectamos recursos disponíveis numa tentativa de satisfação das múltiplas necessidades sentidas em cadamomento pelos membros da colectividade. Não é de estranhar, por isso, que o consumoconstitua a maior parcela da chamada Despesa Nacional.

Uma parte do consumo (geralmente a maior parte) é exercida sobre bens e serviços produzidospor empresas estabelecidas dentro das fronteiras do país. O restante é exercido sobre bensimportados, isto é, produzidos no exterior. Por agora, este aspecto é irrelevante para a análiseque nos propomos fazer neste módulo. Convém, no entanto, ficar já com a ideia assente que oconsumo, tal como as outras parcelas da Despesa Nacional (Gastos do Estado e Investimento),tem uma componente importada, interferindo, por isso, podendo em cada momento ajudar ouprejudicar o equilíbrio das trocas entre um país e o estrangeiro.

E convem distinguir também desde já consumo privado de consumo público. Identificamosconsumo privado como aquele que é exercido por particulares (famílias e empresas). As famíliasconsomem bens e serviços finais, enquanto o consumo feito pelas empresas é exercido sobretudosobre matérias-primas e bens intermédios. Já o consumo público pode ser entendido comoenglobando todas as despesas em bens e serviços feitas pelo Estado (Administração Central,Administração Regional, Autarquias Locais e Segurança Social). Trataremos neste módulo, não

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do consumo público, mas do consumo privado e, dentro deste, apenas daquele que é exercidopelas famílias.

1.1. O PRIMADO DA FAMÍLIA SOBRE O INDIVÍDUO

Trata este módulo do comportamento da família enquanto unidade básica de consumo. Oconceito de família que usamos na nossa análise é diferente das muitas acepções com quenormalmente empregamos esta palavra. Na análise económica, família é sinónimo de agregadofamiliar: conjunto de pessoas que, independentemente do seu grau de parentesco, vivemdebaixo do memo tecto e tomam em conjunto decisões sobre a afectação de recursos àsatisfação das necessidades de todos e de cada um dos elementos que o constituem.

Tradicionalmente, os economistas consideram e tratam a família assim definida como unidadebásica de recepção de rendimentos, de decisão e de comportamento. Cada agregado familiar éconsiderado na nossa análise como uma unidade coerente de decisão, de tal forma que, no seucomportamento no mercado, procede como se fosse constituído por um único indivíduo.

A questão de saber qual é o processo de decisão no seio de cada família (entre osextremos da ditadura masculina ou paterna e da “democracia popular de massas”) não tem

merecido grande atenção por parte dos economistas. A única excepção notória é ado norte-americano John Kenneth Galbraith que, num dos seus estudos publicados maisrecentes 1 dedica um capítulo inteiro à “transformação das mulheres numa classecriptosservidora” nas economias de mercado do século XX. Mais recentemente (a partirdos anos 80), a questão do processo de decisão dentro da família ganhou novos motivos deinteresse com o desenvolvimento dos estudos de mercado. Voltaremos a este assunto umpouco mais adiante...

Esta preferência pela família, e não pelo indivíduo, enquanto sujeito fundamental na análise nãoobedece a qualquer princípio filosófico ou ético. É tão somente uma simples questão decoerência entre a teoria e a realidade que ela pretende explicar. É um facto evidente que ocasamento marca, para os membros da nova família, uma modificação profunda dos seuscomportamentos enquanto consumidores. A “instalação” do casal é ocasião de numerosascompras de bens duráveis e, com os filhos, surgem novos consumos, pelo simples facto de havermúltiplas novas necessidades a satisfazer. E, evidentemente, mudam também os próprios hábitose “técnicas” de gestão do orçamento: de uma gestão orientada para o interesse individual, passaa considerar-se, não apenas as necessidades de cada membro da família, mas também asnecessidades “colectivas” do agregado familiar como um todo.

1 Economics and the Public Purpose, Nova Iorque, 1974. Traduzido e publicado em português pelaPublicações Dom Quixote, em 1978, com o título Economia e Bem público.

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Mormente em estudos de mercado sobre bens de consumo final, é quase obrigatória aconsideração do ciclo de vida da família: pode ser muito útil estudar a variação da procura decertos produtos em função da fase em que a família se encontra no seu ciclo de vida. Para oefeito, são consideradas três variáveis, pelo menos: idade, casamento e número de filhos, demodo a determinar as situações mais características. A classificação seguinte constitui umexemplo:

1. Jovem celibatário (vivendo em casa própria, que não a dos pais)2. Casais jovens sem filhos3. Jovens pais 1

4. Casais de meia-idade com filhos5. Casais de meia-idade sem filhos6. Idoso, só

Independentemente da fase do ciclo de vida em que o agregado familar se encontra, o grandecentro de recepção de rendimentos e de decisão sobre a utilização desses rendimentos continuaa ser a família, e não cada um dos elementos que a constitui. Pelo menos, o principal rendimentodas pessoas que integram o agregado familiar é posto em comum. Do mesmo modo, tambémuma boa parte das despesas é comum, ou pelo menos coordenada de forma a satisfazer asnecessidades individuais e da própria família no seu conjunto. A família é também o principalcentro e motivo de decisão de afectar uma parcela do rendimento à poupança (alternativa aoconsumo).

Uma parte importante dos bens destinados a satisfazer as necessidades da família são mesmocomuns a todo o agregado familiar: uma única habitação, mobiliário, trem de cozinha eelectrodomésticos satisfazem todos os seus membros. É o que se passa, aliás, com ageneralidade dos bens duráveis: estando disponíveis para um elemento, ficam automaticamentedisponíveis para todo o agregado 2. Em relação aos bens de consumo corrente, mesmo quesejam utilizados individualmente por cada membro da família (vestuário, por exemplo), a decisãoda sua compra é normalmente equacionada em funçãodas necessidades de todos e das limitações impostas pelo, sempre escasso, rendimentodisponível familiar. Em Setembro, é natural que o Miguelito (mais novo) não tenha “direito” auma bicicleta nova e que a mãe tenha de adiar a compra de um vestido de cerimónia, porquedurante o mês vai ser necessário afectar uma fatia substancial do orçamento à aquisição de livrose material escolar para o João (filho mais velho).

1 Distingue-se, por vezes, os jovens pais com filhos menores de 6 anos dos jovens pais com filhos maioresde 6 anos. O motivo é óbvio: o agregado familiar dos primeiros pode ter ou não encargos com o infantário;o dos segundos tem encargos com educação, incluindo a longa lista de material escolar.

2 Daí todas as dificuldades e peripécias a que se assiste em caso de divórcio, mesmo não sendo de tipolitigioso. Depois da decisão sobre a tutela e sustento dos filhos menores, a repartição dos bens duráveispelos ex-cônjuges é tão difícil e morosa que, na grande maioria dos casos, nenhuma parte sai satisfeita...

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Também o processo de decisão de compra tem de ser analisado numa óptica da família comoum todo, e não de cada um dos seus membros. E isto apesar do estereótipo tradicional relativo àdivisão do poder no seio da família dar aos pais mais peso que aos filhos e ao marido mais que àesposa. Uma maneira de encarar o “domínio económico” do marido consiste em distinguir asdecisões importantes que serão da sua alçada das decisões secundárias que serão pelouro daesposa. Entre as decisões ditas importantes encontraremos todas as que têm uma incidênciaparticularmente significativa e durável sobre a situação futura da família (escolha da habitação,aquisição de automóvel e de outros bens duráveis, aplicações financeiras). Entre as decisõesditas secundárias, vamos encontrar o vasto conjunto de aquisições correntes de vestuário,alimentação e de produtos de higiene e limpeza necessários à família.

Esta concepção, parecendo redutora do papel (e do peso real) da mulher na vida económica,não o é: o marido toma decisões ditas importantes, na melhor das hipóteses, uma a duas vezespor ano; a esposa toma decisões ditas secundárias, mas tem autonomia de decisão todos osdias! Assim se explica a atenção quase exclusiva dada à dona de casa pelos produtores de bensde grande consumo (e pelas respectivas campanhas publicitárias). O seu “alvo” é quem decideno dia-a-dia as compras que a família faz. E quem parece ter esse poder de decisão é a esposa,não o marido! Para mais, à medida que o rendimento familiar aumenta, aumentam também ovolume e a diversidade do consumo e, por conseguinte, o número e complexidade das tarefas deadministração doméstica. Em termos práticos, considerando o seu impacto na vida económica,isso constitui, sem dúvida, um poder de decisão acrescido para a condição da mulher. Já emtermos de qualidade de vida humana, a conclusão pode ser bem diferente: o estatuto da mulher,se o considerarmos subalterno ou servil, torna-se tanto mais árduo quanto maior for o rendimentofamiliar 1.Acontece, por vezes, que mais depressa muda a realidade que se contrói uma teoriaefeicaz para a explicar. Vários inquéritos recentes têm demonstrado que as mulheres têm umapalavra importante a dizer nas compras importantes. E também que muitos maridosdesempenham um papel não negligenciável (mesmo mantendo-se discretos) nas comprasquotidianas.

Mais ainda: o casal pode não dispor da totalidade do poder de decisão. Se existirem filhos, estesexercem também influência (e mesmo autoridade) na decisão sobre certas compras, que serátanto maior quanto mais velhos forem: até aos 6 anos, uma criança veste qualquer peça que ospaís decidam; a partir dos 12, qualquer adolescente reivindica total autonomia de decisão sobrea matéria. Aparentemente, o estatuto da criança no seio da família, enquanto decisorpreponderante de certas compras é restrito a certos momentos ou épocas do ano (aniversário,fim-de-semana, período de férias, quadra natalícia). Na realidade, não o é assim tão pequeno, ea profusão de anúncios publicitários dirigidos ao alvo infantil é sintoma do poder de decisão decompra atribuído à criança. Estando em geral amplamente aberta e receptiva a influênciasexternas, a criança introduz na família novas ideias, novos comportamentos, incluindo novaspreferências de consumo, desde produtos alimentares a bens e serviços relacionados com olazer.

1 É a tese defendida por J. K. GALBRAITH, na obra já citada.

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Ao analisarmos a procura de bens e serviços exercida pelas crianças, necessitamos ter ematenção o facto de o comprador (a mãe ou o pai) e o utilizador final (a criança) não serem amesma pessoa. Esta dissociação entre comprador e utilizador é uma situação frequente em actosde consumo e radica, na maior parte dos casos, na existência de uma qualquer relação especialentre os dois.

1.2. BENS DURÁVEIS, INDICADORES DE CONFORTO E DE NÍVEL DE VIDA

Na análise da estrutura, evolução e tendências do consumo privado exercido pelas famílias éhabitual fazer-se a distinção - já estudada no módulo 1 - entre consumo corrente e consumo debens duráveis (ou duradouros). É uma distinção importante, já que os factores, motivações efeitos de um e de outro são radicalmente diferentes. Os primeiros são bens que se vão esgotando(diminuindo muitas vezes de tamanho) à medida que vão sendo consumidos ou fruídos, como é ocaso dos bens alimentares, dos combustíveis, ou de uma simples esferográfica. Já os bensduráveis permitem que a sua fruição ocorra em sucessivos períodos dilatados no tempo: nãodiminuem de tamanho de cada vez que são usados; apenas se vão desgastando muito lentamente-- é o que acontece com o mobiliário, os electrodomésticos, os automóveis.1 As principaiscaracterísticas dos bens duráveis (em confronto com os bens de consumo corrente) são asseguintes:

• Implicam, na maioria dos casos, um maior acervo de recursos na sua produção, sendo porisso mais caros, podendo ser vendidos por um preço equivalente a vários meses ou anos desalário médio. Por este motivo, a decisão sobre a sua aquisição é, em regra, cuidadosamenteequacionada pelo consumidor e planeada com antecedência.

• Sendo bens para durar, para ser utilizados durante muito tempo, a importância de diversascaracterísticas, desde as especificações técnicas do produto aos pormenores de ordemestética, são objecto de um estudo demorado por parte do consumidor, antes da tomada dedecisão final de o adquirir. Tratando-se de bens duráveis, ninguém compra “só paraexperimentar como é”, como acontece com os bens de consumo corrente.

• Implicam a utilização de poupança previamente constituída, uma vez que é frequente o preçodo bem ser superior ao rendimento familiar mensal. Caso não haja mobilização de poupança,a aquisição do bem implica endividamento, como sucede nas compras a crédito, em que opreço do bem é pago em sucessivas prestações periódicas ou diferidas no tempo.

1 Há um sub-grupo de bens duráveis com características muito especiais: o das obras de arte ou decolecção. O seu valor de uso (e o seu valor de troca ou de mercado), em vez de se deteriorar com o tempo,tem tendência a aumentar!

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Antigamente, a perseverança (“gão a grão...”) em constituir e cumprir um plano depoupança para a compra futura de um equipamento ou peça de mobiliário era vista comomodelo de virtude na gestão da economia doméstica. Hoje, aos muitos comerciantes quealiciam o consumidor com a possibilidade de venda a crédito (a pagar em x “suavesprestações”), vieram juntar-se os bancos, oferecendo crédito pessoal “fácil e imediato”, istoé, dispondo-se a emprestar ao consumidor os fundos necessários à compra de quaisquerbens duráveis. Ou seja, antigamente a pressão social, cultural e moral exaltava a virtudeda formiga poupadora; hoje “canta-se” mais o bem-estar da cigarra gastadora e endividada.Ou ainda, para empregar uma expressão conhecida de uma boa parte das famílias norte-americanas, “antes, eu trabalhava para mais tarde poder comprar os bens quenecessitava; agora, eu posso comprar já tudo quanto necessito e trabalho depois, não paraganhar o meu sustento, mas para pagar as minhas dívidas”.

• São bens de elevada elasticidade da procura, quer em relação ao preço, quer em relação aorendimento familiar: a procura de bens duradouros é muito sensível às variações dos preços edo rendimento. Por isso, pequenas variações nos preços ou no rendimento disponível familiarpodem desencadear grandes variações na procura dirigida a este tipo de bens.

A primeira tentação de uma família, após o processamento de um aumento salarialou de um aumento não previsto nos seus rendimentos, é equacionar as possibilidades decompra de um qualquer bem durável que ainda não tenha 1.

• São bens mais procurados por famílias de elevados rendimentos, que por famílias de fracosrecursos. É mínima a parcela de bens duráveis na estrutura de despesas de uma família derecursos modestos. à medida que aumenta o rendimento familiar, a “fatia” de despesa combens duráveis tende a aumentar de peso no orçamento da família. A razão é óbvia: os bensduráveis são sempre muito caros para uma família pobre.

• Muito frequentemente, são bens que podem constituir verdadeiros símbolos de prestígio, destatus social, ou mesmo meios de ostentação de um nível/estilo de vida. A aquisição decertos bens duráveis -- desde o mobiliário e decoração do lar ao automóvel - pode ser paraum indivíduo (ou para um agregado familiar) um meio de exprimir a sua posição social e de seapresentar aos outros, porque neles “projectam” a imagem que têm (ou que gostariam de ter)de si próprios.

O telemóvel, último “grito” da moda, parece conferir ao seu possuidor uma imagemde pessoa dinâmica, comunicativa, permanentemente contactável e disponível... É, por issonatural que o chato , burocrático e decepcionante gravador de chamadas tenha os diascontados... entre os consumidores que desejem dar aquela imagem de si próprios.

• Os bens duráveis são os mais sensíveis à inovação tecnológica e à diferenciação do produtoem vários tipos, características e gamas. Quando o mercado entra em saturação por o

1 Há algumas pequenas diferenças tendenciais entre o masculino e o feminino, quando o rendimentofamiliar aumenta: o homem elege quase sempre o bem durável (mobiliário, equipamento ou automóvel)como primeira prioridade do destino a dar ao rendimento acrescido; a mulher balança muitas vezes entre obem durável e o... vestuário (o seu, mas também o dos restantes membros da família).

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produto estar muito vulgarizado, a introdução da inovação tecnológica pode prolongar o ciclode vida do produto.

Nos anos 60, o aparelho receptor de rádio deixou de ser novidade para todos osestratos sociais e a procura baixou, até aparecer o auto-rádio (rádio para o automóvel) e,muito pouco mais tarde, já com leitor de cassetes incorporado. No domínio da reproduçãosonora Hi-Fi (de alta fidelidade), a chegada do disco compacto relançou um mercado emestagnação -- o dos discos de vinil e das cassetes-audio. Do mesmo modo, o televisor acores relançou o mercado de receptores a preto-e-branco (e é previsível que num futuromuito próximo, a HDTV, a televisão de alta definição, estimule de novo as compras dereceptores de TV).

O consumo de bens duradouros tende a crescer em paralelo com o desenvolvimento económicoe com a melhoria do nível de vida da população, na medida em que proporcionam conforto,comodidade, bem-estar aos seus possuidores ou utilizadores. A posse de bens duráveis é,portanto, indício ou mesmo indicador de um certo nível de vida. Não é de estranhar, por isso,que alguns dos melhores indicadores não-monetários do nível de vida digam exactamenterespeito à quantidade de certos bens duráveis que a população de uma dada região ou paíspossui em média: número de automóveis por mil habitantes, número de televisores por milhabitantes, número de máquinas de lavar por mil habitantes, etc.1 Este tipo de indicadores --chamados não-monetários, tem a vantagem de permitir comparações regionais e internacionais,sem o perigo de usar valores monetários distorcidos (falseados) por diferenças entre preçosrelativos e taxas de câmbio. E também de identificar e diferenciar, de uma forma rápida, regiõesdesenvolvidas e regiões atrasadas.

Em Portugal, o consumo de bens duráveis registou um crescimento “explosivo” a partir de 1986,em paralelo com o crescimento geral da economia e com a subida do poder real de compra dapopulação. O parque automóvel é, sem dúvida, um dos melhores exemplos da “febreconsumista” pós-1986 (apenas refreada entre 1991 e 1994). Mas podem ser dados muitosoutros exemplos de bens duráveis que hoje são possuídos por uma percentagem significativa delares portugueses: máquinas de lavar loiça, forno micro-ondas, videogravadores, aparelhagem dereprodução sonora de alta fidelidade e até mesmo o computador pessoal. A máquina de lavarroupa, por exemplo, é hoje considerada equipamento essencial2.

1 Há outros indicadores não-monetários do nível de vida, igualmente importantes, que não dizem respeito abens duráveis: nº de médicos por mil habitantes (ou nº de habitantes por médico), nº de camas de hospitalpor mil hab., nº de professores por mil hab., nº de exemplares de livros vendidos por mil hab., nº de bilhetesde teatro/cinema vendidos por mil hab., nº de jornais e outras publicações periódicas vendidas por milhab.. E, para uma medida ainda mais correcta -- mais qualitativa -- do nível de vida de uma população,deveríamos ter em consideração indicadores como sejam a dissolução de casamentos, a mortalidadeinfantil, o (in)sucesso escolar nos vários graus de ensino, os índices de desemprego, detoxicodependência, de sinistralidade no local de trabalho e na estrada... Afinal de contas, a qualidade devida não se afere apenas pelo acervo de bens materiais que se possui ou dispõe; necessita também doscuidados de saúde, da educação, da cultura. E também dos valores em que se acredita e pelos quais setrabalha e se vive o dia-a-dia.2 Antigamente, o tanque (para lavagem manual da roupa) era acessório obrigatório na habitação. Hoje, ésuposto “toda a gente” dispor de máquina de lavar roupa.

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O Instituto Nacional de Estatística desenvolve e actualiza anualmente inquéritos com vista aestimar a percentagem de lares portugueses equipados com os principais bens duráveis. Sãopublicados sob a designação de Indicadores de conforto e dão-nos informação pormenorizadasegundo as principais regiões do país, respeitante a quatro grandes categorias:

. condições do parque habitacional

. condições básicas da habitação

. bens duráveis que equipam o lar

. meios de transporte privado.

Os valores da tabela dos indicadores de conforto são percentuais: exprimem a percentagem delares (total no País ou região) que dispõem de certas condições ou equipamentos. Não lhe serádifícil, após uma leitura rápida (e sem ter de efectuar quaisquer cálculos), identificar quais asregiões mais rica e mais pobre do país. E de verificar que, em pelo menos uma região, há ainda,infelizmente, uma percentagem significativa de lares que não possuem instalações fixas debanho/duche, indicador que é considerado como revelador da existência ou não de condiçõesbásicas de habitabilidade e de conforto. Ficará surpreendido(a) ao verificar, por exemplo, queem todo o país, o televisor é um bem durável quase tão popular como o fogão ou o frigorífico. Etambém com a relativamente elevada percentagem de famílias açoreanas que dispõem de video-gravador e aparelhos de alta fidelidade. Ou de famílias algarvias e madeirenses que possuemmáquina fotográfica. Ou ainda da percentagem de lares alentejanos equipados com máquina decostura não-eléctrica (que é muito superior à verificada em qualquer outra região do país). Tenteencontrar explicações para estes fenómenos! 1.

1.3. PADRÕES DE CONSUMO E ESTILOS DE VIDA

Não há duas famílias que apliquem o seu rendimento exactamente da mesma maneira, a não serpor mera coincidência. No entanto, as estatísticas denunciam certas regularidades previsíveis (emtermos de média nacional ou regional) em relação ao modo como as famílias repartem as suasdespesas entre alimentação, vestuário, habitação, transportes, cultura, etc. Em todo o mundodesenvolvido têm-se feito muitos milhares de inquéritos sobre a forma como as pessoas gastam oseu rendimento, para estratos sociais e níveis de rendimento diferentes, e registam-secoincidências assinaláveis em relação aos padrões gerais e qualitativos de comportamento.

1 Observe -- mais um exemplo -- que é na região de Lisboa e Vale do Tejo que maior percentagem de famíliasdispõe de automóvel privado, mas que é no Norte (sobretudo no Grande Porto) que se encontra maiorpreferência por veículos de cilindrada (potência) superior, sintoma que permite suspeitar serem asdesigualdades sociais maiores no Norte que na região de Lisboa e Vale do Tejo.

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A lei de Engel

Em Portugal, o Instituto Nacional de Estatística faz periodicamente (de três em três anos) umInquérito às Receitas e Despesas Familiares a nível nacional. Trata-se de um inquérito poramostragem, com entrevista pessoal na residência do entrevistado (inquérito face a face). Oquestionário é estruturado de forma a ser rigoroso, factual e confidencial e os entrevistadoresdevidamente credenciados e treinados para obter a máxima colaboração das pessoas inquiridas.Os trabalhos de campo (realização das entrevistas no domicílio) são antecedidos de umacampanha de sensibilização nos principais meios de comunicação social. Além da informaçãosobre a distribuição do orçamento familiar pelos vários tipos de despesa (e da sua evolução notempo), este inquérito periódico tem a utilidade de fornecer os pesos ou poderações que entramno cálculo do índice de preços no consumidor 1. De momento, o que nos interessa é a suautilidade como revelador do padrão mediano de consumo da família portuguesa e também dealgumas disparidades entre regiões, bem reveladoras das desigualdades regionais em matéria derendimento, de hábitos quotidianos e até de cultura.

Observe o quadro da página seguinte. Os valores, expressos em percentagem, representam aparcela do orçamento familiar que, em cada região, é gasta nas diferentes classes de despesa. Éde notar desde já que, exceptuando os casos da Região de Lisboa e Vale do Tejo e da RegiãoAutónoma dos Açores, os gastos em bens alimentares representam uma “fatia” superior a 40 porcento do “bolo orçamental” da família mediana portuguesa. O mesmo indicador, na média dospaíses mais desenvolvidos da Europa ocidental fica-se por valores em torno dos 30 por cento.

Classes de Região Lisboa e despesa Norte V. Tejo Alentejo Algarve Açores

Alimentação 40,8 37,7 42,7 40,0 36,5Bebidas 4,1 1,7 1,7 2,0 1,8Vestuário 7,5 7,0 8,7 7,3 5,4Calçado 2,3 2,0 2,9 2,4 1,8Habitação 9,2 8,1 5,5 8,8 14,2Manutenção doméstica 10,8 10,8 13,4 9,9 13,4Saúde 2,6 3,1 3,1 3,6 3,3Transportes ecomunicações

13,4 18,0 12,5 14,5 14,6

Ensino, cultura edistracção

3,2 4,8 3,5 4,0 3,3

1 O índice de preços no consuimidor, tratado em capítulo mais adiante, mede a variação do nível geral dospreços (de todos os bens e serviços) num determinado período de tempo, constituindo a melhor estimativado que é habitual desinar-se de taxa de inflação.

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Tabaco 1,6 1,4 1,8 2,1 2,2Outros diversos 4,6 5,1 4,2 5,6 3,6

A observação deste indicador para vários países ao longo das últimas décadas mostra comgrande evidência aquilo que é conhecido na literatura económica por lei de Engel 1: apercentagem dos gastos com a alimentação no orçamento familiar tende a diminuir à medida queo rendimento familiar cresce. Este fenómeno é verificado tanto quanto se compara a evolução notempo de cada país, como quando, com referência ao mesmo período, se compara países ouregiões em diferentes estádios de desenvolvimento.

É importante não confundir “montante dispendido” com a alimentação com o “peso (ou fatiapercentual) que esse montante dispendido em alimentação representa no orçamento familiar”. Éevidente que uma família A (abastada) tem maior despesa com a alimentação que uma família B(pobre). No entanto, os gastos alimentares de B representam uma maior parcela do orçamentofamiliar, comparativamente a A. Os gráficos circulares da figura seguinte ajudam a esclarecerestes conceitos e a relação entre eles. A área dos círculos representa a dimensão do orçamento(rendimento mensal) familiar, enquanto os sectores circulares (“fatias” do “bolo” orçamental)exprimem o peso que os gastos alimentares têm nos orçamentos de dois agregados familiares A eB (hipoteticamente, com o mesmo número de pessoas). A família A tem um rendimentodisponível mensal de 500 contos e gasta por mês 80 contos em alimentação. Já a família B,aufere um modesto rendimento de 100, gastando 50 em alimentação. Repare que, enquanto afamília A dispende apenas 20 por cento (uma quinta parte) do seu orçamento em alimentação,para a família B, os gastos alimentares têm um peso de 50 por cento no rendimento mensal.

50%

50%Alimentação

Outros

Família B

20%

80%

Alimentação

Outros

Família A

1 O nome é devido a Ernest Engel, alemão, que “legou” aos estudiosos contribuições importantes nodomínio da estatística matemática. Viveu no sécº XIX.

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É evidente que as famílias pobres são forçadas a dispender a maior parte (ou mesmo atotalidade) do seu rendimento em bens de primeira necessidade: alimentação, habitação e, emmenor grau, vestuário. À medida que o rendimento familiar cresce, poderão, inicialmente, crescerde forma significativa alguns gastos alimentares por efeito de alguma melhoria na “dieta” diária(que passa a incluir alimentos mais substanciais e mais dispendiosos). Todavia, existem limitespara o quantitativo adicional que os consumidores estão dispostos a gastar quando o seurendimento se eleva. 1 A partir de dado ponto, a importância percentual da despesa emprodutos alimentares decresce à medida que o rendimento familiar aumenta, como nos diz a leide Engel. Na realidade, há até alimentos populares (baratos), como o pão corrente, a batata e assalsichas, cujo consumo mensal até mostra tendência para baixar quando, por motivo de aumentodo seu rendimento, as famílias os substituem por outros alimentos mais substanciais. Designam-sede bens inferiores todos aqueles cuja procura tende a baixar quando o rendimento doconsumidor aumenta.

Já o peso dos gastos com a habitação (renda ou amortização de empréstimo para compra dehabitação + despesas de manutenção doméstica), ultrapassados os escalões em que orendimento familiar é muito baixo, é tendencialmente estável, não variando de forma significativaà medida que o rendimento aumenta. Ou seja, estas despesas tendem a evoluir na mesmaproporção em que o rendimento varia. O mesmo acontece com os gastos em gás doméstico eelectricidade. Pelo contrário, as despesas com vestuário, transportes, comunicações, bensduráveis, cultura e distracção tendem a aumentar a um ritmo mais que proporcional ao dorendimento familiar disponível. Isto quer dizer que, aumentando o rendimento familiar, o pesopercentual destas rubricas da despesa no orçamento tende a aumentar.

Resta acrescentar que o consumo privado altera muitas vezes os mais simples hábitos de vida daspessoas, sobretudo em períodos de expnsão acelerada do poder de compra. A isto acresce que,uma vez adquirido o produto, o consumidor tende a assumir certos comportamentos numatentativa de justificar a compra feita, mesmo que tenha de alterar os seus hábitos de vida. Decerta forma, o consumo privado de bens não-essenciais (ou de quantidades supérfluas) pareceque se auto-justifica: adquire-se um bem pelo “prazer de comprar” (ou como terapia anti-depressiva!), inventando-se em seguida uma necessidade que justifique o acto de compra.

O perfil do consumidor

O crescimento rápido do consumo privado que se tem verificado em Portugal nos últimos anos,apesar de representar uma melhoria substancial da qualidade de vida e do bem-estar material dapopulação, não tem sido acompanhado de um ritmo idêntico de desenvolvimento cultural daspessoas. Não raro, o desajustamento entre o que se tem e o que se é acaba por resultar ridículoe não faltam cenas verdadeiramente grotescas, normalmente por efeito de imitação ou de simples 1 As dimensões e capacidade de processamento do estómago de uma pessoa pobre e de uma pessoa ricasão muito semelhantes...

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ostentação, de bens comprados sem saber muito bem como aproveitar convenientemente as suaspotencialidades.

Quando o poder aquisitivo da população aumenta a um ritmo mais rápido que o dacultura, não é de admirar a profusão de vivendas “estilo maison”, com as paredes

exteriores orradas de azulejo (não o azujejo tradicional bem português, mas ovulgar, com lugar mais apropriado, isso sim, na cozinha, ou nas instalações sanitárias...).Como não é de admirar a frequência com que o computador pessoal é usado como mero

brinquedo com jogos de tiro--ao-alvo e afins (vírus incluído nos programasexecutáveis “piratados” aos amigos), para entretenimento estéril dos mais novos de todasas idades. E que dizer do telemóvel, fiel companheiro, até mesmo em passeio familiar defim de semana? O desajustamento entre o poder de compra e a cultura (e os valores) podeser de tal ordem que é caso para dizer “dá Deus nozes a quem não tem dentes!”

Factor explicativo do padrão de consumo mediano que observamos no nosso país é o da faltade informação, quer nos cuidados a ter na aquisição de bens e serviços, quer sobre as entidadesjunto das quais pode ser apresentada reclamação. Recentemente, o Instituto Nacional de Defesado Consumidor, procurando identificar os “traços” essenciais das famílias, enquanto agenteseconómicos consumidores, distinguiu quatro grandes tipos:

O primeiro está radicado nos principais centros urbanos, com mais de 100 milhabitantes. Tem um grau de cultura mediano ou mesmo superior à média, alguns hábitos deleitura, nomeadamente de jornais ou outras publicações periódicas. Tem por isso um certopoder reivindicativo, é capaz de reclamar quando se sente lesado e de exigir informaçãoprévia antes de decidir um acto de compra.

O segundo engloba as pessoas que residem nas áreas suburbanas (ou na periferiadas grandes cidades). Pelo facto de se sentirem penalizados pela falta de condições de vida,tendem a ser pouco sensíveis ao apelo à qualidade e a qualquer tipo de reflexão ou análiseantes da decisão de compra. É talvez o grupo social mais afectado pela agressividade dastécnicas de promoção e de venda.

Um terceiro grupo abrange as pessoas que vivem no interior rural. É um gruposocial conhecido por tentar manter uma dieta alimentar mais equilibrada (ditada pelasabedoria tradicional), sendo menos permeável à agressividade dos novos produtos. Recusao consumismo porque prefere “bens de raiz” (bens imóveis) para que se possa dizer deleque “tem algo de seu” 1 .

Há um quarto grupo de pessoas, também residentes nas zonas rurais do interior, asque, contrariamente ao grupo anterior, têm um sentimento de inferioridade em relação aomodo de vida das zonas urbanas. É por isso um perfil de consumidor muito permeável à

aquisição de hábitos citadinos, à agressividade publicitária e aos efeitos de imitação.

A abordagem do estilo de vida 1 Ou ainda que “tem onde cair morto”, expressão muito comum em todo o interior norte do país.

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Há pelo menos uma empresa em Portugal (a Euroteste) que realiza com certa periodicidadeestudos sobre estilos de vida, a fim de chegar à definição de padrões de consumo. O métodoseguido procura definir tipos de consumidores com os quais poderíamos identificar cada um denós, através da observação e registo de comportamentos estereotipados. A abordagem não éexactamente a dos economistas, porquento se increve num tipo de análise socio-cultural. A suagrande vantagem é a da interdisciplinaridade. Propõe três grandes variáveis como sendo capazesde descrever o estilo de vida: as actividades, os valores pessoais e as opiniões.

As actividades dizem respeito a tudo quanto as pessoas fazem: o trabalho, aocupação dos tempos livres, a exposição aos diferentes meios de comunicação social e oshábitos de consumo.

Os valores pessoais compreendem o sistema de valores e das características depersonalidade que determinam as interacções entre o indivíduo e o ambiente que o rodeia.Isto inclui, quer aspectos psicológicos, como a personalidade, quer psicossociológicos, taiscomo a percepção feita por cada indivíduo acerca do modo como os diferentes papéissociais devem ser desempenhados: uma mulher para quem o papel de mãe de família e deesposa deve ser o objectivo prioritário de toda a sua atenção agirá de maneira diferente deoutra mulher que aposte prioritariamente na sua realização sócio-profissional e emestabelecer mais igualdade entre ela própria e o marido. As opiniões são asrepresentações que os indivíduos fazem do seu ambiente social em geral. Por exemplo, aconsciência ecológica poderá influenciar os hábitos de consumo, induzindo preferência porgasolinas sem chumbo, detergentes sem fosfatos, sprays sem CFC 1 , para não destruir acamada de ozono.

A definição do estilo de vida pode fazer-se a partir de um número impressionante decomponentes. Existem muitos meios de definir os estilos de vida (e as correntes socio-culturais)segundo o número e a definição das variáveis em questão, segundo o modo de agrupar essasmuitas variáveis num número mais reduzido de factores, que permitam resumir a informaçãorecolhida. Os estudos de estilo de vida partem de uma abordagem multidimensional, descrevendoos estilos de vida em cinco dimensões principais: critérios de identificação pessoal (idade, sexo,rendimento, profissão, nível de instrução), comportamentos, atitudes, motivações e aspirações esensações e emoções. Os resultados obtidos em Portugal pela Euroteste identificaram 16sociomentalidades (e outros tantos socioestilos), “distribuídos” num espaço cujascoordenadas podem ser dadas por dois eixos (ver figura): um eixo das ordenadas, comextremos no materialismo e no humanismo, e um eixo das abcissas, com os extremos“conservadorismo” e “dinamismo”.

1 CFC significa cloro-fluor-carbonetos.

MATERIALISMO(valores materiais)

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II I

III IV

No quadrante I, fortemente marcado por um sentimento de insegurança, a Euroteste definiu cincosociomentalidades:

. PrudentReformados, resignados, modestos, procurando segurança, com medo do declínio moral dasnações.

. DefensiveJovens habitantes de pequenas cidades. Procuram protecção e suporte nas suas estruturasfamiliares tradicionais.

. VigilanteAlgo frustrados, empregados não manuais dos meios urbanos (sector dos serviços). Poupampara promover a sua preservação ou identidade. Pretendem mais ordem e moral.

. OlvidadosReformados, donas de casa sentindo-se ameaçadas ou desamparadas pelo crescimentocomplexo da sociedade. Procuram protecção, pretendem mais estabilidade, mais pedagogiasocial e menos desordem.

. RomanticJovens casais trabalhadores, sentimentais, românticos. Pretendem e procuram conciliar progressoe tradição (e vida com segurança para as suas famílias). São optimistas e procuram elevar a suaqualidade de vida.

No quadrante II, marcado igualmente por um predomínio de mentalidade materialista, mas deatitude não-conservadora, encontramos estilos ambiciosos/sonhadores nos quatro gruposseguintes:

DINAMISMO CONSERVADORISMOO

HUMANISMO(valores humanos)

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. SquadraCasais jovens, dos meios suburbanos, algo tolerantes, procuram uma vida segura de desporto elazer. Para eles, a companhia de pequenos grupos reforça o sentimento de segurança.

. RockiesClasse trabalhadora jovem, sentindo-se excluída, frustrada por baixo nível de educação (ou peloinsucesso escolar). Procura melhorar a sua integração social reivindicando maior salário parapoder usufruir de maior consumo.

.DandiesJovens hedonistas, com rendimentos modestos e atentos à aparência exterior (daí o seu show-off). Pretendem mais dinheiro, na mira de um status mais atractivo.

. Business (tubarões)Ricos, gastadores, oriundos de famílias abastadas, procurando liderança numa sociedadecompetitiva. Ansiosos com os perigos do mundo: terrorismo, comunismo e SIDA.

No quadrante III, agora num “hemisfério” em que predominam valores humanistas, vamosencontrar dois tipos que podemos considerar contestatários e um que podemos apelidar de“militante”:

. ProtestJovens críticos, intelectuais, procurando a independência e autonomia pessoal e uma sociedaderevolucionária. Protestam de viva voz contra o extremismo, o fanatismo e o racismo.

. PionnerJovens, ultra-tolerantes, intelectuais, para quem procurar a justiça social é procurar o melhor paraa sociedade. Têm medo do poder do dinheiro e dos regimes políticos que se dizemconservadores.

. ScoutConservadores, tolerantes, de meia idade, procurando ordeiramente o progresso social: têmmedo de extremismos, de fanatismos e de crises económicas.

No quarto quadrante, encontramos quatro estilos conservadores, todos eles preocupados com omal-estar social:

. CitizenFazem questão de ser úteis. São verdadeiros organizadores da comunidade, procurando aliderança em actividades sociais e a qualidade de vida através de progresso científico controlado.

. Moralist

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Da classe alta ou média-alta, frequentemente crentes na religião, procurando uma futura paz paraas suas crianças. Receiam as crises económicas.

. GentryUltraconservadores, burgueses, procuram “lei e ordem” acima de tudo.

. StrictPuritanos, ultradepressivos, procurando meios para controlar uma sociedade que consideramenferma. Estão alarmados com o futuro e sentem-se desamparados. Procuram um líder que lhesmereça confiança.

A caracterização destes socioestilos foi feita a partir de 800 entrevistas pessoais (face a face),mediante questionário estruturado. Tem sido muito útil, quer no desenvolvimento de diversosestudos de mercado (para avaliar a receptividade que um novo produto ou uma nova embalagempoderá ter quando forem lançados no mercado), quer na análise de atitudes político-eleitorais,incluindo a elaboração de previsões/projecções de resultados. É particularmente interessante oestudo da evolução destes socioestilos no tempo e no espaço geográfico: a idade, o ambientepolítico-social e a região em que se vive condicionam muito o socioestilo a que se pertence.

2. ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

O estudo dos comportamentos de compra das famílias significa, antes de mais, fazer uma análisede todo o comportamento humano, uma vez que a procura de bens e serviços que as pessoasexercem tem como finalidade a satisfação de um conjunto de necessidades múltiplas, virtualmenteilimitadas, mas desigualmente intensas e importantes. As pessoas vivem, trabalham, descansam,viajam, divertem-se, lamentam-se, pensam, sentem, aceitam, recusam, são indiferentes,improvisam, planeiam, emocionam-se, riem, choram, ganham, perdem, ficam na mesma,comprometem-se, abandonam o grupo, constituem família ou vivem sozinhas. São razões maisque suficientes para uma abordagem multidisciplinar do comportamento do consumidor,aproveitando, de forma integrada, contribuições de várias Ciências Humanas, designadamente aPsicologia, a Sociologia e a Economia. É o que vamos fazer no segundo capítulo deste módulo.

2.1. VARIÁVEIS EXPLICATIVAS INDIVIDUAIS: A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA

A análise do comportamento de compra, considerando apenas variáveis explicativas individuaispode fazer-se segundo três abordagens complementares: ao nível da motivação, ao nível das

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atitudes e ao nível das características permanentes do indivíduo (personalidade, imagem de sipróprio e estilo de vida).

2.1.1. AS NECESSIDADES E AS MOTIVAÇÕES

Para agir no quotidiano, qualquer indivíduo tem de gastar uma certa energia (e recursos) numadirecção determinada. A causa dessa acção reside nas necessidades, carências (ou mesmosimples apetências) físicas e psíquicas. As necessidades são produtos do estado fisiológico doindivíduo, das suas interacções com objectos, actividades e pessoas e também da suaexperiência em satisfazer (ou não satisfazer) necessidades sentidas no passado. A intensidade daenergia (e dos recursos) dispendidos na tentativa de satisfação de uma necessidade depende daintensidade com que as carências são sentidas 1. Há, de facto, necessidades que, em cadamomento, se sobrepoem às outras pela sua intensidade. Daí o facto de elas poderem serhierarquizadas, segundo a sua intensidade ou grau de urgência. Vários investigadores tentaramdefinir e agrupar as principais necessidades do indivíduo e fazer uma lista hierarquizada. A deMaslow 2 é uma das mais conhecidas.

A hierarquia de necessidades segundo Maslow

Maslow distingue cinco grandes categorias de necessidades:

• as necessidades fisológicas: são as ligadas directamente à sobrevivência do indivíduo ou daespécie -- a fome, a sede, o repouso (incluindo o sono) e também com as necessidadessexuais. Vemos facilmente como os bens de consumo permitem satisfazer algumas destasnecessidades.

• a necessidade de segurança: trata-se da necessidade de estar protegido contra os diversosperigos que podem ameaçar a integridade física ou o simples bem-estar (estabilidade etranquilidade) dos indivíduos. Produtos tão diferentes como os cintos de segurança e airbagsdos automóveis, as portas com chapa de aço, os seguros ou a medicina preventiva podemresponder a este tipo de necessidades.

• a necessidade de pertença e de afecto: sendo um ser social, o ser humano temnecessidade de se sentir aceite, apaudido e amado pela família ou pelo grupo de pessoas comquem (con)vive ou com quem trabalha. Por vezes, o consumo de certos bens pode serentendido como meio directo de satisfazer estas necessidades (a compra de prendas, porexemplo, mas não só). Do mesmo modo, a inscrição num clube, numa associação ou numpartido político podem corresponder, entre outros motivos, a esta necessidade departicipação social.

1 Ainda se lembra da lei da utilidade marginal decrescente, estudada no módulo 1?

2 A. MASLOW, Motivations and Personality, Nova Iorque, Harper and Row, 1952.

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• a necessidade de estima (ou necessidade do ego): trata-se de obter estima e prestígio juntodos outros, mas também de auto-confiança e auto-estima. Além do desejo de ser aceite eestimado pelos outros, há também uma necessidade de ser estimado por si próprio. Orespeito que eu tenho por mim próprio passa muitas vezes pelo respeito que os outrosparecem ter por mim. Um bom exemplo (negativo) das condutas que esta necessidade podegerar é o snobismo, pelo qual o indivíduo procura impor a si próprio e aos outros umaimagem digna de estima e de prestígio. Um outro bom exemplo (desta vez, pela positiva) é apreocupação do indivíduo em desempenhar bem o seu papel social.

• a necessidade de auto-realização: trata-se de alcançar um padrão de perfeição naquilo quesentimos, fazemos e conseguimos com o nosso esforço. É, por assim dizer, o cume dasaspirações humanas.

Segundo Maslow, quanto mais elevada é uma necessidade menos importante é para asobrevivência. Daí que para que uma necessidade superior surja ou se manifeste, é preciso queas de ordem inferior estejam satisfeitas 1. Quanto mais elevada for uma necessidade mais tardeela se desenvolve no indivíduo. A satisfação das necessidades mais elevadas produz resultadossubjectivos, mas mais desejáveis e uma mais produnda e prolongada felicidade. Maslow centra asua atenção nas necessidades não satisfeitas: são elas que explicam o comportamento dosindivíduos e nelas reside o princípio dinâmico das acções humanas. Esta percepção/sensação decarência orientará o indivíduo em direcção a tudo o que o pode satisfazer.

Por isso, num país onde a alimentação é abundante, não se fará publicidade a umdado produto alimentar dizendo que ele acalma a fome, na medida em que a fome, quando ésentida, pode ser saciada por um vasto número de outros produtos igualmente disponíveis.Pelo contrário, poder-se-á apelar para a necessidade de segurança: a melhor maneira depromover laranjas (ou sumos de laranja) poderá ser a referência ao seu conteúdo emvitamina C, que tem boa reputação no universo cognitivo de toda a gente como substânciaprotectora da saúde.

Também a necessidade de pertença é muitas vezes “manipulada” pela propagandacomercial, sintoma de também ela poder influir no comportamento dos indivíduos enquantoconsumidores: a confecção de um bom prato (mesmo semi-preparado) apresentado comomeio eficaz de reforçar os laços afectivos de toda a família em torno de uma exímiacozinheira, esposa e mãe. E que dizer das cervejas, quase sempre publicitadas comopotenciadoras de uma melhor integração do indivíduo no seu círculo de amigos?

A necessidade de estima pode igualmente ser satisfeita por um simples produtoalimentar, se esse produto denotar o bom gosto daquele que o consome ou que o oferece.As bebidas alcoólicas, por exemplo, são sempre gabadas, quer por revelarem o bom gostode quem as escolheu, quer pela sua capacidade em simbolizar a amizade daqueles que asprovam juntos.

1 É uma afirmação discutível e que tem sido “negada” por muitos estudos de mercado, observandodirectamente o comportamento dos consumidores: registam-se muitos casos em que se manifestamnecessidades de ordem superior, sem que estejam completamente satisfeitas necessidades de ordeminferior. É um facto que as necessidades de estima e de pertença são relativamente mais vivas nos paísessubdesenvolvidos (onde muitas das necessidades fisiológicas estão longe de se considerar satisfeitas).

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Cada uma destas necessidades tem maior probabilidade de ser activa quanto menos estiversatisfeita e quanto mais as pessoas sentirem uma falta ou uma simples inquietude em relação a ela.Conhecer as necessidades insatisfeitas é, portanto, um meio precioso para compreender eexplicar as razões do comportamento humano e do acto de consumo em particular.

As motivações

O nosso comportamento social depende das estruturas do nosso universo congnitivo e dasmotivações. A motivação refere-se a uma tendência de comportamento que visa conseguir umobjectivo. Importa saber que que direcção a motivação impele o indivíduo e com quepersistência o faz. Todo o comportamento motivado parte da existência de uma necessidade queleva a comportamentos instrumentais que conduzem à aquisição de um objecto ou actividade.Essa aquisição leva à satisfação (ou gratificação) da necessidade e ao reforço doscomportamentos instrumentais. Quando se atinge a satisfação, a necessidade foi gratificada,reduzida. A necessidade traduz-se por um desequilíbrio ou deficit orgânico. Quando é“satisfatoriamente” reduzida, dá-se um reestabelecimento do equilíbrio. A motivação é algumtipo de força impulsionadora no indivíduo que pode ser de dois tipos:

. positivas, as que impelem a pessoa para determinados objectivos, actividadesou condições, e

. negativas, as que repelem a pessoa para longe desses objectos, actividades oucondições.

A necessidade consistirá então numa destas forças propulsoras que levam o indivíduo aaproximar-se ou a afastar-se de determinados objectos ou condições. Mas existem tambémnecessidades que, para serem satisfeitas, não implicam a aquisição de qualquer objecto.Chamam-se comportamentos intrinsecamente motivados aos que se motivam e reforçam a elespróprios: a necessidade de curiosidade e a necessidade de manipulação dos objectos.

Associação das motivações com os estímulos do ambiente

As motivações, desejos e necessidades de um indivíduo podem ser activos ou latentes. Oindivíduo nem sempre sente a tensão que poderá nascer de todas essas necessidadesinsatisfeitas, uma vez que as “esquece” por uns tempos, quando é possível. Estas tensões podemressurgir sob o efeito de processos psicológicos, como no caso da fome ou da sede, ou pelaacção de um estímulo externo que evoca a possibilidade de satisfazer uma necessidade latente eque a transforma em necessidade activa.

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O sinal ou estímulo que tem mais eficácia no acordar do desejo é o próprio objecto dessedesejo: a fome pode ser despertada pela visão de um alimento apetitoso. Contudo, o estímuloevocador pode ser apenas um símbolo ou referência susceptível de representar (ou de estarrelacionado) com o objecto do desejo: a fotografia de um prato confeccionado ou o simplesanúncio de um restaurante 1.

Conflitos entre diferentes motivações

Pode acontecer que as motivações de um indivíduo entrem em conflito. Isso pode conduzir àhesitação entre dois comportamentos, como na história do burro que morre por não saberdeterminar se tem mais fome que sede. Por vezes, a satisfação de uma motivação pode parecercontraditória com uma outra necessidade. Consideremos, por exemplo, o caso de uma pessoa aquem é proposto que faça um seguro de vida em favor dos membros do seu agregado familiar. Aafeição que ele tem pelos seus familiares e que se baseia, em parte, na necessidade de pertença,tende a fazê-lo aceitar e assinar o contrato de seguro. Mas, por outro lado, fazer um seguro devida é encarar a eventualidade do seu próprio desaparecimento deste mundo. Acontece que anecessidade de segurança pode ser tão forte que o indivíduo tenha tendência a eliminar do seupensamento tudo o que possa evocar a morte. E o que é facto é que, muitas vezes, isto chegapara dissuadir numerosas pessoas de contratar um seguro de vida, independentemente do seucusto. Desta forma, o indivíduo encontra-se frequentemente sob o efeito de motivaçõescontraditórias. O conjunto destas motivações contraditórias constituem um verdadeiro campo deforças cuja resultante determina o seu comportamento.

Um aspecto particular do conflito entre motivações advem do facto de os indivíduos, parasatisfazer as suas necessidades, se defrontarem permanentemente com recursos escassos, seja dedinheiro, de tempo ou de energia física. A preocupação da optimização desses recursos 2 estásempre presente, consciente ou não, no momento da decisão de compra, diz a análiseeconómica. No entanto, a observação de certos comportamentos dos consumidores mostra-nosque os mecanismos de decisão de compra na prática são muito mais complexos: que dizer doparadoxo do shopping center, onde a compra é tantas vezes motivada pelo prazer de gastar oseu tempo, o seu dinheito e os seus esforços?

A detecção e a medida das motivações

Conhecer as motivações de um indivíduo é identificar a sua natureza e medir a sua intensidade(persistência na acção). É uma tarefa difícil e para a qual têm sido propostos vários métodos:

1 Uma explicação deste tipo de associação entre um sinal e um desejo pode ser encontrada nas célebresexperiências de Pavlov sobre o reflexo condicionado: os objectos ou estímulos que estão presentesaquando da satisfação do desejo são susceptíveis de provocar as mesmas reacções no indivíduo que oobjecto do próprio desejo.

2 É altura de relembrar a formulação do problema económico fundamental estudada no módulo 1.

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observação directa do comportamento dos indivíduos, entrevista, métodos prospectivos, etc.Quando um indivíduo age, quando escolhe fazer ou não qualquer coisa, podemos ver na suaescolha um indício das suas motivações. Foi o que fizemos anteriormente ao observar e analisar arecusa de um indivíduo um fazer um seguro de vida. Mas uma tal análise arrisca-se, contudo, aser errada, pois os indivíduos podem executar os mesmos actos ou manter as mesmas condutas,sob a influência de motivações completamente diferentes. Por exemplo, uma pessoa pode irregularmente para o emprego de mota: a) porque não tem recursos para pagar um automóvel, b)porque prefere este meio de transporte, c) porque a moto lhe faz ganhar tempo, avançando entreas filas compactas dos “engarrafamentos”, ou ainda d) porque andar de moto lhe confere umaimagem pública nova, desportiva e dinâmica.

2.1.2. AS ATITUDES

Uma atitude pode ser definida como uma tendência ou predisposição do indivíduo para avaliarde uma certa maneira um objecto e reagir perante ele. A relação directa entre a motivação e ocomportamento, não se revelando suficientemente explicativa, deu origem à criação destavariável intermédia que testemunha a faculdade de os seres humanos organizarem as suasexperiências (e as suas motivações) em conjuntos mentais coerentes e estáveis. As atitudesgeradas no decurso da existência dos indivíduos constituem um conjunto mais ou menos coerentee unificado de crenças, de sentimentos e de predisposições para agir perante os objectos econdições que se encontram na vida quotidiana. As atitudes permitem que nos adaptemosrapidamente a diversas situações e simplificar a visão de um mundo muito complexo, através deestereotipos, crenças e hábitos que a atitude contem.

As componentes de uma atitude

Uma atitude compreende três tipos de elementos:

• crenças ou elementos cognitivos: são informações ou conhecimentos factuais a propósito dosobjectos, actividades ou condições consideradas, podendo corresponder à realidade, ou sererróneos ou imprecisos;

• sentimentos ou elementos afectivos: pode gostar-se ou não do objecto, ou de algumas dassuas características ou traços, ou de símbolos que ele representa (ou pode ainda observar-serum sentimento de indiferença);

• uma tendência para agir (elemento comportamental): é a predisposição para (re)agir dedeterminada maneira perante o objecto, actividade ou condição do meio ambiente.

Esta terceira componente, ou elemento comportamental, nem sempre está presente, ao contráriodas duas anteriores. Um indivíduo pode ter uma atitude racista, mas, na prática, não manifestar

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nenhum comportamento consequente. O mesmo problema se põe através das intenções decompra que estão longe de se traduzirem sempre por um comportamento de compra efectivo,mesmo que a atitude em relação ao produto seja favorável. 1

A dinâmica das atitudes

Por definição, a noção de atitude assenta na possibilidade de uma relação entre as componentescognitiva, afectiva e comportamental. O quadro na página seguinte aplica um modelo explicativoconhecido pela designação de modelo da hierarquia dos efeitos das atitudes à situação dedecisão de compra. Esta sequência hierárquica de efeitos (cognitivo-afectivo-comportamental)nem sempre se verifica. Na realidade, o facto de se estar num estádio não implica que se passenum futuro próximo automaticamente ao estádio seguinte. Por exemplo, sob a influência dapublicidade, um consumidor pode prestar atenção às características de um produto, sem que issose traduza na formação de sentimentos positivos ou negativos. No caso das compras impulsivas,parece que o consumidor salta a etapa 2 (do estado afectivo) e a avaliação e a preferênciafazem-se de uma forma quase instantânea e simultânea.

1 Quando a restrição orçamental é activa, isto é, quando os recursos são insuficientes para a concretizaçãoda compra, resta ao consumidor “ver as montras” e “comprar com os olhos”...

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A sequência-hierarquia dos efeitos na atitude de compra

1. Estádio COGNITIVO ATENÇÃO

Percepção dos atributos dos produtos Informações, crenças CONHECIMENTO

2. Estádio AFECTIVO AVALIAÇÃO

SentimentosPREFERÊNCIAS

3. Estádio COMPORTAMENTAL CONVICÇÃO

Intenção de agir COMPRA

Também por efeito da publicidade, em certas situações, o percurso habitual 1-2-3 tem umaordem algo invertida, passando a ser do tipo 1-3-2 (cognitivo-comportamental-afectivo). Estefenómeno pode ser explicado pela chamada teoria da implicação mínima: quando o produtonão tem grande interesse para o consumidor, este tende a não desenvolver quaisquer sentimentosa seu respeito. É o que acontece com um vastíssimo conjunto de bens de uso corrente, desde umcarro de linha branca de coser a um rolo de papel higiénico. Nestes casos, os especialistas demarketing e de publicidade, têm pelo menos três habituais “trunfos” na manga:

• as estratégias push: incita-se o consumidor a comprar através de uma campanha forte, dá-se-lhe a conhecer o produto, distribuindo amostras gratuitas e estimulando essa mesmadistribuição de amostras, para que seja o próprio consumidor a, de certa forma, promover oproduto junto de familiares, amigos ou vizinhos. A avaliação e a preferência virá apenas aposteriori, após uma experiência concreta do produto.

• as estratégias de reforço da implicação: a publicidade pode tentar enfatizar o interesse doproduto associando-o a outros universos (cognitivos ou afectivos) com maior interesse ouimplicação 1.

1 Por exemplo, a multinacional Scott Papers nunca tentou sequer explicar as características técnicas do seupapel higiénico, mas tocou na “corda” sentimental quando, nos spots promocionais para televisão, fezentrar em cena um cachorro que puxa um longo rolo de papel higiénico...

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• O uso do slogan ou da rima: é um método de comunicação por muitos consideradogrosseiro, mas que se tem revelado eficaz em promover produtos de fraca implicação.Consiste em instalar no universo cognitivo das pessoas a notoriedade de uma marca apenaspela sua simples repetição, usando a criatividade dos jogos de palavras 1.

Elemento comum a todos estes “truques” da publicidade é todos eles se baseiam na tentativa defazer o consumidor percorrer um esquema do tipo 1-3-2 (cognitivo-comportamental-afectivo).

Modificar uma atitude representa um “custo” para o indivíduo, que é tanto maior quanto estaatitude se dirige a um valor forte, a uma experiência significativa ou, de modo mais geral, a umproduto julgado importante e uma compra julgada onerosa ou arriscada. Segundo a importânciado contexto no qual elas se situam, é costume distinguir entre atitudes centrais, ligadas a valoresfundamentais em que o indivíduo acredita, e as atitudes periféricas, muito menos estáveis que asprimeiras. O consumidor é muito mais maleável e influenciável no que diz respeito às atitudesperiféricas. Mas a estabilidade das atitudes pode analisar-se também ao nível das suascomponentes: é geralmente mais fácil modificar as informações ou crenças que o consumidor tem(elemento cognitivo) que os seus sentimentos (elemento afectivo). E é mais fácil modificar ossentimentos que os comportamentos.

O equilíbrio psicológico de um indivíduo supõe não apenas uma estabilidade relativa das suasatitudes, mas também a sua coerência interna: quando uma pessoa toma consciência que háconhecimentos seus que, de alguma forma, estão em contradição um com o outro (situação dedissonância cognitiva), ela tende a eforçar-se por obter um melhor ajustamento entre essascognições, de forma a reduzir a contradição ou a dissonância. Este enunciado constitui o centroda teoria da dissonância cognitiva de Festinger 2. Ou seja, quando dois elementos deconhecimento contraditórios estão presentes na consciência de um indivíduo, resulta uma tensãoque pode traduzir-se por um estado de desconforto tal, que conduz a uma reacção por parte doconsumidor. Segundo Festinger, o consumidor terá tendência para minimizar o desvio entre asperformances esperadas e reais do produto, sobrevalorizando as suas características.

A dissonância cognitiva tem consequências múltiplas: sobrevalorização artificial dascaracterísticas de um produto, ou pelo contrário, depreciação sistemática, percepção selectivada informação sobre o produto e seus concorrentes, modificação das atitudes para reduzir adissonância ou, pelo contrário, o reforço da atitude pré-existente. E um dado é mais que certo: a

1 O trocadilho num anúncio recente ao Banco Totta & Açores é exemplo, por sinal muito curioso: “Bancomais banco não há!”. E a rima, repetida ano após ano até à exaustão, dando a informação que o Compal émesmo natural.

2 Leon FESTINGER, A theory of cognitive dissonance, Nova Iorque, Harper and Row, 1957.

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concretização (comportamento) da compra de um produto vai ter uma grande influência nasatitudes posteriores do indivíduo.

2.1.3. AS CARACTERÍSTICAS “PERMANENTES” DOS INDIVÍDUOS

Após o estudo das necessidades e das atitudes, a terceira abordagem da análise docomportamento do consumidor ao nível individual consiste na identificação de certascaracterísticas relativamente permanentes ou estáveis. As variáveis que revelam alguma eficáciaem explicar o comportamento do consumidor são a personalidade, a imagem de si próprio, oestilo de vida e a pertença a correntes socioculturais 1.

A personalidade

O conceito de personalidade é utilizado para designar o que diferencia os indivíduos na suaforma de reagir a uma mesma situação e de se adaptar ao meio ambiente (físico e social). Trata-se de um conjunto de traços mais ou menos permanentes, constantes ou estáveis (durante umdado período de tempo, é claro), englobando, não apenas as tendências e disposições maisdirectamente ligadas ao organismo (temperamento) e aspectos hereditários, mas também asdisposições e tendências do indivíduo que se desenvolveram com a sua experiência (com o seucontacto com a realidade de objectos, condições e pessoas, ao longo da sua vida passada). Porisso, podemos dizer, em duas palavras, que a personalidade é o conjunto de tendênciasconstantes que caracterizam o indivíduo nos seus comportamentos 2.

Podemos observar que certas pessoas são calmas, enquanto outras, “fervem empouca água” ou “têm os nervos à flor da pele” perante a mínima dificuldade oucontrariedade. E que, enquanto umas são tímidas ou inibidas, outras são audaciosas,movimentando-se “bem na sua pele” com um “à-vontade de fazer inveja”. Ou ainda que,enquanto umas são sempre hesitantes, outras revelam-se muito seguras de si próprias.Conhecer a personalidade de um indivíduo pode ser, portanto, um meio de explicar, oumesmo de prever, o seu comportamento.

A análise das características dos diversos tipos de personalidade conduziu os psicólogos aelaborar listas de traços de personalidade que, como as listas de tipos de necessidades, sãomuito numerosas. Foram feitos estudos para mostrar como estes traços de personalidade podem

1 As duas últimas “variáveis” já foram tratadas no capítulo 1, pelo que se fará agora apenas referência àpersonalidade e à importância da imagem que o indivíduo tem (ou gostaria de revelar) de si próprio.

2 A palavra personalidade deriva do latim persona, que quer dizer máscara (como as usadas na encenaçãoteatral de um personagem). E, de facto, a personalidade humana tem muito de máscara, na medida em que é,em grande parte, aquilo que mostramos aos outros (a nossa máscara social para “consumo” externo). Oque pressupõe que, por trás da máscara do personagem está aquilo que o actor realmente é. Não é, pois,sem razão que a Psicologia, ao estudar os traços de personalidade, faz a distinção entre traços desuperfície e traços de profundidade.

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estar ligados aos comportamentos de compra, permitindo mesmo predizê-los. Vamos dar doisexemplos: um baseado numa tentativa de tipologia das personalidades; o segundo, utilizando uminventário de traços de personalidade.

O estabelecimento de uma tipologia das personalidades consiste num esforço de classificaçãodos indivíduos em algumas categorias ou tipos. Karen Horney 1 propõe distinguir os indivíduosem função da sua atitude perante os outros. Ela classifica-os em três tipos:

• As pessoas que tendem a aproximar-se dos outros e a orientar-se de forma positiva emrelação a eles. São, muitas vezes, pessoas com necessidade de afecto, de companhia, mastambém de participação social e de aprovação social: querem que gostem delas, serapreciadas e sentir-se úteis. Procuram fazer-se aceitar pelos outros e evitar conflitos. São,algumas vezes, pessoas tendencialmente submissas.

• As pessoas que tendem a opor-se aos outros e a orientar-se de forma agressiva em relação aeles. Estes indivíduos são caracterizados pela procura do sucesso, a fim de serem admirados.Para chegar lá, apoiam-se na força (desconfiam dos sentimentos, que duvidam ser sinceros,pois consideram que o interesse pessoal é o único motor das acções humanas). Porconseguinte, são indivíduos que, procurando o seu interesse pessoal acima de tudo,necessitam de ter êxito, prestígio e de se salientar. Por isso se opõem aos outros, procurandoafastar a “concorrência”.

• As pessoas que tendem a afastar-se dos outros nunca se ligam demasiado a alguém, paramais tarde não virem a depender de quem quer que seja. Desejam, por isso, estabelecer ummáximo de distância emocional entre si e os outros, procurando não ser influenciadas e nãoser obrigadas ou comprometidas a nada. Buscam a independência, a auto-suficiência e aliberdade, apreciam a intelegência e a razão mais que os sentimentos.

Não faltam exemplos de resultados curiosos obtidos em estudos de mercado em matéria decorrelação entre tipo de personalidade e adesão a este ou àquele produto. É um dado adquiridoque a esmagadora maioria dos homens de tipo agressivo (atrás definido) preferem usar lâminade barbear e não máquina eléctrica de barbear, o que não acontece com o primeiro e terceirotipos. E também que os desodorizantes, talvez pelo efeito de serem publicitados comofacilitadores das relações interpessoais, conquistam maior adesão (e frequência de uso) junto deconsumidores do primeiro tipo (os que tendem a aproximar-se dos outros). Já o vestuário (e emmenor grau o calçado) pode ter estilo, corte e feitio para todos os tipos de personalidade. O tipode personalidade parece estar também correlacionado com a gama e com a cor (sobretudo comesta última) do automóvel que se adquire ou que, mesmo não se adquirindo, se prefere: éverdade que nem todos os proprietários de veículos de cor vermelha ou preta pertencem ao tipoagressivo atrás definido, mas uma elevadíssima percentagem de pessoas deste tipo revelapreferência por uma daquelas cores.

1 Citada por Joel B. COHEN, The role of Personality in consumer behavior, Prentice Hall, 1991.

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O segundo exemplo prometido refere-se a um inventário de traços de personalidade. É obtidoatravés de um questionário relativamente longo (pode ter dezenas de questões) que permitefornecer notas sobre as dimensões da personalidade dos indivíduos estudados. A lista que sesegue é um exemplo, entre muitos já usados em estudos de mercado:

• a actividade: qualidade daquele faz tudo muito depressa e está sempre a fazer qualquer coisa;

• a impulsividade: qualidade daquele que se decide rapidamente, pelo prazer de experimentar,sem se preocupar com o amanhã;

• o domínio: qualidade daquele que gosta de tomar iniciativas, organizar as actividades sociais,inovar, persuadir e que está pronto a assumir responsabilidades;

• a estabilidade: qualidade daquele que fica calmo mesmo em momentos de crise e que, emgeral, não se irrita facilmente;

• a sociabilidade: qualidade daquele que gosta de companhia e faz amigos facilmente;

• a reflexão: qualidade daquele que gosta de meditar e que tem um gosto especial pela teoria,pela Filosofia ou pela dissertação acerca de valores.

Diversos estudos de mercado tem mostrado que indivíduos cujas actividade, impulsividade esociabilidade sejam elevadas tendem a preferir certas gamas de produtos/serviços de qualidadesuperior ou “fora do comum”, como sejam automóveis descapotáveis, férias no estrangeiro,maior frequência de salas de cinema ou de plateias de teatro, que outros indivíduos com “notas”mais baixas naquelas características.

Há que ter bem presente, no entanto, que correlação estatística não é sinónimo de causalidade(relação de causa-efeito) e que, por isso, mesmo que se registe uma forte correlação estatísticaentre um conjunto de traços de personalidade e comportamento de compra, o valor operacionaldessa correlação estatística enquanto predictor do comportamento do consumidor é bastantelimitado. Os estudos de personalidade têm demasiados factores exógenos que podem intervir eque não são tomados em conta para que se possa encarar a personalidade do consumidor comoum verdadeiro conceito operatório e eficaz em explicar/prever o seu comportamento. Este factoconduziu ao estudo de outras características permanentes do indivíduo, como sejam a imagem desi próprio e o estilo de vida, estas, sim, revelando relações mais estreitas com o consumo.

A imagem de si próprio

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A aquisição de certos produtos pode ser para um indivíduo um meio de exprimir a sua posiçãosocial. Mas pode ser igualmente um meio de expressão e de comunicação da sua personalidadeem geral. Certos produtos, como o vestuário e bens duráveis (automóvel, mobiliário e decoraçãodo lar), para não falar dos cosméticos e do tipo de corte de cabelo e penteado, são para muitaspessoas um meio de se apresentar aos outros. Esta representação de si próprio realiza-se, porum lado, através da representação que a pessoa faz dela própria (imagem de si próprio), e poroutro, através da representação que essa pessoa tem dos objectos (imagem dos bens e serviços)que lhe são propostos para consumo.

Estas imagens dos produtos são constituídas em parte por elementos de informação sobre ascaracterísticas objectivas do produto (qualidade, aspectos técnicos, utilidade e acessibilidade-preço) e em parte por representações simbólicas associadas a esse produto. Podemos entãoverificar que o produto que acaba de ser comprado é muitas vezes aquele cuja imagem está maispróxima da imagem que o comprador tem (ou que gostaria de ter) de si próprio! Ou da imagemde si mesmo que o comprador pretende apresentar aos outros, em busca de aprovação social.

O exemplo do automobilista a este respeito é, sem dúvida, um dos mais característicos. Umindivíduo, pai de família, tenderá a comprar um automóvel de linhas sóbrias e clássicas,conferindo importância a algum conforto no habitáculo e a uma “boa” mala ou bagageira,enquanto que outro adulto, sendo solteiro (ou divorciado) preferirá identificar-se com um modelomais desportivo, mais jovem, menos espaçoso, mas mais potente e com melhores performancesmecânicas. Um jogo curioso para se fazer em momento de convívio descontraído é o de escutar,comparar e anotar a descrição que cada um dos presentes faz do automóvel que tem. Verificar-se-á que, em muitos casos, o indivíduo atribui à “máquina” as características que julga ter (ouque gostaria de ter) como pessoa. O exemplo, apesar de uma sociedade em mudança teralterado muita coisa, é válido maioritariamente para o masculino. Mas também há exemplosmaioritariamente para o feminino...

O mesmo fenómeno, igualmente característico da imagem de si próprio, pode ser observado nadescrição que a dona de casa anfitriã faz da sua habitação (e do respectivo recheio edecoração), quando proporciona a uma amiga visitante uma “visita guiada” pelas diversasdivisões da casa. Se observarmos atentamente o “filme”, mais do que a apresentar a casa, elaprocura apresentar-se a si própria! Muito mais que a comodidade e harmonia do jogo demaples, “rimando” com o padrão e cor do cortinado, o que se afirma é a imagem de uma exímiaacolhedora de visitas (e de uma decoradora de bom gosto). E até os armários (e os roupeirosincrustados na parede), na realidade, não teriam tanta arrumação como parecem ter, não fosse adona de casa uma pessoa tão arrumada e organizada... E a verdade é que, em termos práticos, aapresentação pessoal, através da habitação e do recheio que ela inclui, é muito mais eficaz emcaptar a atenção e a admiração da encantada visitante, que uma arrastada sessão devisionamento de vários albuns de recordações fotográficas...

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Moral da história: um bem ou serviço, em termos da sua maior ou menor adesão por parte dosconsumidores, define-se muito mais por tudo quanto lhe é exterior (as características, aspiraçõese ansiedades mais profundas de quem o compra), que pelas suas características intrínsecas outécnicas 1. Não é, pois, sem razão, que os economistas preferem tomar, como variávelexplicativa do consumo, não a utilidade efectiva, intrínseca ou técnica dos bens e serviços, mas autilidade presumida (que um consumidor lhe atribui). A segunda lição importante desta secção é aseguinte: conhecendo a percepção que a maioria de um público faz de um produto, podemosinferir, com grande probabilidade de acertar, que tipo de pessoas terão tendência a sereconhecer no produto. E esta possibilidade tem sido aproveitada até à exaustão pelos grandesespecialistas em promoção comercial, no sentido de tornar um produto agradável ou apetecível adeterminados grupos-alvo.

2. 2. AS VARIÁVEIS EXPLICATIVAS SOCIOLÓGICAS E PSICOSSOCIOLÓGICAS

O comportamento de compra de um consumidor não pode ser explicado unicamente a partir dassuas variáveis ou características pessoais: as necessidades, motivações, atitudes, traços depersonalidade e imagem de si próprio, tratadas na secção precedente. Cada consumidor vive eminteração com outras pessoas (a começar pelas que constituem o seu agregado familiar), pessoasque mantêm entre si certas formas de relação privilegiada ou interessada num fim comum,constituindo aquilo que a Sociologia chama um grupo. Estes grupos, desde os mais pequenos(de amigos, mesmo ocasionais) até às grandes organizações (a empresa ou instituição em que setrabalha, a Igreja em que se crê, o partido em que se milita) também determinam em grande parteo comportamento e as atitudes dos seus membros, incluindo aqueles que dizem respeito àafectação do rendimento pessoal ou familiar pelos vários bens de consumo.

2.2.1. A INFLUÊNCIA DO GRUPO SOBRE O COMPORTAMENTO DOS SEUS MEMBROS

Um grupo é constituído por diversas pessoas que, tendo (ou simplesmente sentindo)necessidades comuns, só podem satisfazê-las eficazmente se cooperarem de forma organizada.A relação de interdependência entre estas pessoas e a consciência que elas têm dessa relação é 1 Charles Revlon, o multinacional “patrão” dos cosméticos, adverte muitas vezes: “Na fábrica produzimoscosméticos; na loja vendemos esperança”. De facto, os produtos têm “vida” própria: a vida dosconsumidores que os utilizam na satisfação das suas múltiplas e insatisfeitas necessidades.

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que constitui e mantem o grupo. Para poder cooperar, é preciso que os membros do grupopartilhem as mesmas crenças, valores e normas, pois são estas que vão regular as suasinteracções, incluindo, por vezes, pequenos actos quotidianos. Todas as pessoas pertencem a umgrande número de grupos muito diferentes. Há grupos que o indivíduo pode escolher pertencerou não, ou tomar a iniciativa de criar (o dos amigos, por exemplo). E há grupos em que oindivíduo se insere por inerência ou por obrigação social (o dos vizinhos, incluindo a porteira, seexistir, mormente na assembleia de condóminos ou na comissão de moradores ou de inquilinos).

Normas, estatutos e comportamentos

O grupo exerce sobre os indivíduos uma pressão, a fim de que estes tenham comportamentos deacordo com as suas normas. Esta coerência realiza-se através de dois modos: por um lado, oindivíduo tende a associar-se com as pessoas das quais aprova o comportamento; por outro, seespera poder retirar da pertença ao grupo certas vantagens, deverá fazer-se aceite pelo grupo e,para isso, necessita adaptar o seu comportamento às normas do grupo.

Consideremos, por exemplo, um grupo de amigos que têm o hábito de passar osseus momentos de lazer ou de férias juntos. Uma pressão tenderá a exercer-se sobre oconjunto dos membros do grupo no sentido de terem o mesmo género de alojamento, deautomóvel e até mesmo de divertimentos ou simples brincadeiras.

Os grupos, para atingir os seus objectivos, fazem entre os seus membros uma certa divisão dotrabalho, distribuindo-lhes diferentes papéis. Mais tarde ou mais cedo, desenvolver-se-á umaestrutura hierárquica (ainda que informal) e, nessa estrutura, os membros do grupo passam ater, não apenas papéis diferentes, mas também estatutos diferentes. O prestígio e a suaaceitação social poderá depender, por exemplo:

. da sua aptidão em encarnar os comportamentos mais valorizados por este grupo;. das “provas dadas” em acções concretas de interesse para o grupo ou levadas

a cabo pelo grupo;. da antiguidade da sua integração no grupo 1;. da frequência ou assiduidade com que participa nass actividades do grupo.

Esta tendência dos membros do grupo em aderir e cumprir as suas normas é função directa doestatuto do indivíduo no grupo. Os que têm um estatuto mais fraco tendem a adaptar-se, pelomenos nos seus comportamentos públicos (visíveis) às normas do grupo. Contudo, nos seuscomportamentos privados, estarão prontos a desviar-se dessas normas e tanto mais quanto mais

1 Frequentes vezes, os recém-chegados (caloiros, na gíria académica) devem, para se fazer aceitar, serintroduzidos no grupo por uma espécie de padrinho e começar por seguir as decisões dos membros maisantigos do grupo. Por vezes, é-lhes também exigida a prestação de uma prova de teste ou de iniciação que,consoante os casos, pode ir do simples pagamento de uma “jóia de inscrição” à submissão a uma praxeacadémica à moda antiga... Noutros casos, o padrinho é de tal forma dominante ou influente no grupo quefaz com que os seus “afilhados” sejam dispensados de qualquer prova ou pagamento no momento doingresso no grupo.

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se sentirem frustrados por não serem melhor aceites (por o grupo não lhes ter atribu´´ido umestatuto superior). Os membros do grupo com um estatuto médio agem e pensam, tanto empúblico como em privado, em grande conformidade com o grupo do qual se sentem parteintegrante. Quanto aos membros com um estatuto mais elevado, têm em geral umcomportamento bem adaptado às normas do grupo e até o mostram em público muitofacilmente, mas estão prontos a transgredir as regras ou a modificá-las se conseguirmos mostrar-lhes as vantagens disso. Sentindo-se em segurança, eles não subordinam o seu comportamento auma norma imposta do exterior: são eles que, mais do que os outros, fazem, criam ou modificamas normas do grupo.

O estatuto não é o único elemento que condiciona a relativa independência dos membros dogrupo em relação às normas comuns: por exemplo, se um deles possui um conhecimentoaprofundado ou especializado num dado domínio de actividade, poderá não só resistir à opiniãocontrária do grupo, mas também levar o grupo a adoptar o seu ponto de vista, mesmo que tenhaum estatuto pouco elevado 1. Também o carácter público ou privado dos bens que se consomeme usam no quotidiano determina fortemente o grau de influência que o grupo exerce sobre cadaum dos seus membros. Assim, as compras de grande visibilidade (de bens que podem serexibidos publicamente), como a habitação, o automóvel, o mobiliário e, maior grau ainda, ovestuário serão fortemente influenciadas. A conformidade das compras entre o indivíduo e ogrupo serve, neste caso, de signo de pertença. O grupo pode constituir, por isso, um veículoessencial de difusão ou contágio de comportamentos, inclusive de compra.

É frequente ver nas paredes exteriores de prédios residenciais contíguos, aparelhosde ar condicionado exactamente da mesma marca e modelo (e montados pela mesmaempresa) em localização bem visível por quem passa na rua ou no passeio público. Entregrupos de vizinhos mais humildes e, para regalo do forasteiro ou do turista que por ali passa,também a profusão de vasinhos de flores, casa após casa, pintada ou caiada tem (ou quermostrar) de si próprio.

É evidente que o “contágio de compra” toca tendencialmente mais as zonas relativamenteconcentradas ou contíguas de habitação, e não a totalidade do bairro. E mostra uma das razõespor que faz sentido falar em “hábitos citadinos de consumo”.

Grupos de referência e grupos de pares

1 Há alguns anos atrás, numa Assembleia Geral de Condomínio, em que se discutia se nos deveríamos ounão opor à instalação dos estúdios de uma rádio local numa das lojas do prédio, foi num ápice queconvenci os meus meus vizinhos que estúdios de rádio são bem mais silenciosos (e higiénicos) que umcafé, restaurante ou mini-mercado. Minutos mais tarde, quando, no intuito de aproveitar a “onda” daminha aprovação social, lancei a proposta da electrificação dos portões das garagens colectivas, comsistema de controlo remoto, nada feito. Olharam todos para mim como quem pergunta “que entende umprofissional da comunicação acerca de portões automáticos?” Cinco anos mais tarde, no exercício dasfunções de administrador do condomínio, tomei a decisão de adjudicar a dita obra, sem parecer prévio dosmeus vizinhos (havia saldo na conta que bastasse para não pedir contribuição extraordinária...). Não sóninguém contestou o facto consumado, como devo ter elevado o meu estatuto, por proveitosa obra feita eprova dada na defesa dos interesses do subgrupo dos condóminos com lugar na garagem!

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Os grupos a que um indivíduo pertence não exercem todos a mesma influência. Além disso,certos grupos a que ele não pertence também podem determinar de modo muito importante oseu comportamento. Esta dupla constatação está na origem da noção de grupo de referência, ogrupo que, num dado momento, serve de referência na determinação das crenças, valores,atitudes e comportamentos de um indivíduo, quer este lhe pertença ou não.Os grupos dereferência positivos (aqueles cujos valores e comportamentos tendem a ser aprovados eimitados) distinguem-se dos grupos de referência negativos (aqueles cujos comportamentos evalores são rejeitados).

Por exemplo, para uma determinada pessoa snob, a “Quinta da Marinha” (conjuntode pessoas da classe alta com ligações aos meios empresariais, vivendo numa zonaurbanizada de luxo com aquela designação, na zona oeste do concelho de Cascais),continuamente objecto de notícia nas “colunas sociais”, poderá ser um grupo de referênciapositivo, uma vez que se trata de um grupo ao qual a pessoa snob gostaria de pertencer.

Pelo contrário, outros grupos cujas maneiras de estar, de agir e de comunicardenotam a sua origem humilde ou popular são para o snob grupos de referência negativos:tenderá a evitar a sua linguagem, os seus hábitos, o seu contacto, sentir-se-á mal nos seusbairros, nos cafés e restaurantes e lojas frequentadas por estes grupos.

Como acabamos de exemplificar, não é necessário pertencer a um grupo para o tomar comopólo de referência. Em particular os indivíduos em processo de mobilidade social ascendente (osque se encaminham para uma classe social superior) tendem a identificar-se (incluindo os seushábitos de consumo) com os grupos sociais aos quais desejam pertencer. Por esta razão, se umproduto é dirigido a uma determinada classe social-alvo, a sua promoção comercial deve ser feitacomo se ele fosse dirigido, não a essa classe, mas ao estrato social seguinte (ao qual o indivíduo-alvo gostaria de pertencer).

É também frequente que o comportamento de compra dos indivíduos seja fortementeinfluenciado pelos seus pares 1 ou semelhantes: as crianças, pelos seus colegas de infantário ou deescola, os trabalhadores (sobretudo os de escritórios e serviços), pelos seus companheiros detrabalho, as donas de casa, pelas suas vizinhas, os artistas, pelos seus companheiros de arte, osmédicos, engenheiros e advogados 2, pelos seus pares, sobretudo pelos mais distintos ou mais“bem sucedidos”.

Os líderes de opinião

1 A expressão “pares” em “grupos de pares” não é sinónimo de “múltiplos de dois”; tem o significacadoetimológico da sua origem latina: “pares” singifica “iguais” ou “semelhantes”.

2 Não é por acaso que estão associados, não em “vulgares associações para defesa dos seus interesses”,mas em Ordens Profissionais (Ordem dos Médicos, Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Advogados) que,além de ditarem normas deontológicas, “ditam”, ainda que involuntariamente, certos comportamentos, comreflexos no consumo e no estilo de vida dos seus filiados.

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Vimos como os comportamentos de compra são fortemente influenciados pelos grupos. Aanálise dos factos demonstra que o papel dos líderes de opinião pode ser preponderante, namedida em que são consumidores pioneiros e, mais tarde, verdadeiros prescritores de hábitosde consumo. Os líderes de opinião são indivíduos cujo estatuto é elevado nos respectivos grupossociais. Isto, como vimos anteriomente, torna-os permeáveis à ideia de modificar o seucomportamento, pois eles contribuem em grande parte para o estabelecimento das normas dogrupo a que pertencem. Será suficiente a um hábil técnico de vendas ou de marketing convencê-los do interesse de um novo produto ou de uma nova marca, para que eles o adoptem sem sepreocuparem com “o que dirão os outros”, pelo menos se essse produto ou essa marca tiveremsido concebidos de maneira a serem coerentes com os valores e atitudes que eles representam.

Sempre que duas ou mais pessoas se reunem, encontramos um lider. Com a formação de umgrupo, é qusse certo que alguns dos seus membros desempenharão um papel mais activo do queoutros, serão preferidos, serão ouvidos com mais respeito que outros, serão dominantes. Averificação prática deste facto marca o início da diferenciação no grupo entre “líderes” e“seguidores”. Dizer que o indivíduo vive no contexto de grupos sociais equivale a afirmar quevive também sob a influência de líderes.

Há um certo número de traços que podem caracterizar, separada ou conjuntamente, a posiçãode um líder num grupo: ele é de quem se gosta mais no grupo, é o que sabe mais sobre o maiornúmero de assuntos que interessam à vida do grupo e é também aquele a quem mais nosdirigimos no seio do grupo. Com efeito, o seu poder de líder baseia-se , quer na sua aptião empersonificar os valores que reúnem o grupo (símbolo, exemplo e representante externo dogrupo), quer na sua mestria (especialista), quer ainda na sua posição particular de árbitro,mediador e controlador de relações internas dentro do grupo. A isto acresce ser o líder tambémum planeador: tem uma influência decisiva sobre a escolha dos caminhos e meios pelos quais ogrupo tentará realizar os seus objectivos. Estes aspectos da liderança, podem encontrar-sereunidos na mesma pessoa, ou podem estar repartidos entre diversos membros do grupo.

Quando a coesão do grupo é muito forte, as escolhas de consumo do líder tendem a serigualmente as escolhas da maioria do grupo. Em particular, quanto mais o líder é fiel a umadeterminada marca, mais os outros membros do grupo a irão adoptar, tornando-se, por sua vez,fiéis a ela. Podendo a liderança ser baseada na competência, parece evidente que o líder podenão ser a mesma pessoa para todos os bens e serviços. Pode acontecer que para a escolha deum automóvel, por exemplo, a opinião de um membro do grupo com estatuto baixo sejaparticularmente influente, pois poderá fundamentar-se no exercício de uma actividade profissionalno ramo automóvel, ou numa competência técnica reconhecida por todos.

Noutros casos, o líder pode mesmo um elemento externo ao grupo! Basta que seja uma pessoamuito simplesmente “bem sucedida na vida”, particularmente no mundo da política, doespectáculo ou do desporto 1. O testemunho das suas “preferências” enquanto consumidor tende 1 Assim se justifica o aproveitamento de certos líderes “naturais” na promoção comercial de tantosprodutos: de Herman José (Mimosa, Sagres, Delta, Mitsubishi,...), de Rosa Mota (Mars, Vitalis), de Carlos

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a ser paradigma de hábitos de consumo, já que o consumidor vulgar, sendo admirador de umafigura pública “bem sucedida na vida”, tenderá a imitar os seus hábitos e até as suas expressõese modos de estar e de falar, na esperança de, através da imitação do “líder natural”, melhorar oseu próprio nível de vida, ou de obter maior aprovação social.

2.2.2. AS CLASSES SOCIAIS

É habitual denominar por classes sociais as grandes categorias nas quais se pode decompor umasociedade. A pertença a uma classe social tem sido definida dos modos mais diversos pelosinvestigadores sociais, podendo distinguir-se duas abordagens diferentes:

• a pertença de um indivíduo a uma classe social depende da sua posição real no processo deprodução e de aquisição de bens e serviços;

• essa pertença depende do modo como os membros de uma comunidade social se consideramuns aos outros.

No entanto, compreende-se que a medida empírica da classe social, definida deste modo, sejadifícil, ou mesmo impossível, de pôr em prática. Teremos de nos contentar em medir o grau depertença a uma classe social através de variáveis facilmente definíveis e mensuráveis, chamadasindicadores, como sejam os níveis de rendimento, de riqueza, de instrução, o local e tipo dehabitação, a profissão, a categoria profissional, alguns “traços” do seu estilo de vida e hábitos deconsumo. A pertença a uma classe social não está simplesmente ligada a nenhum destesindicadores (considerados individualmente ou mesmo no seu conjunto), nem sequer a uma origemsocial (a classe social não é exactamente “hereditária” ou herdável dos progenitores), mas a umconjunto complexo de elementos que determinam o estatuto e o lugar do indivíduo na hierarquiasocial. A terminologia habitualmente usada na Europa divide a população em classes A, B, C, De E, sendo A a classe de estatuto mais elevado e E a mais baixa. Em Portugal, mormente emestudos de mercado, utiliza-se uma classificação de A a D, de que é exemplo a utilizada pelaMarktest (ver quadro).

CLASSES SOCIAIS EM PORTUGAL

Cruz (BCP, Nova Rede), de Pedro Lamy (lubrificantes Galp), de Teresa Guilherme (Banco 7), de FernandoPessa (colecção de típicas contruções portuguesas em miniatura, vendida aos balcões do Fonsecas &Burnay)...

Classe social % da população

A (Alta) 6,4%

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Classe social e modo de consumo

Jean Baudrillard1 escreveu: “Nunca se consome o objecto em si (no seu valor de uso);manipulam-se sempre os objectos (no sentido mais alargado) como signos que nos diferenciem,seja por aplicação do nosso próprio grupo tomado como referência social, seja para nosdemarcar do nosso próprio grupo de referência a um grupo de estatuto superior”. Ou seja: osconsumidores tendem a utilizar os bens e serviços como símbolos ou signos que lhes permitemexprimir a sua posição e estatuto na sociedade. A diferenciação social em matéria de consumonão é puramente qualitativa. Baudrillard compara o consumo dos quadros superiores, dosmembros das profissões liberais e dos empresários com o consumo do resto da população.Enquanto que em certos tipos de produtos, como os alimentares, as diferenças verificadas nãosão muito importantes, o mesmo não se passa com a maior parte dos outros produtos, atravésdos quais se compreende muito melhor como o seu consumo se pode tornar um meio deexpressão de uma diferenciação social.

Por outro lado, convem não confundir classe social com nível de rendimento auferido. É possívelencontrar indivíduos que ganham muito mais ou muito menos que a média das pessoas quepertencem à mesma classe. Um jovem quadro superior, um advogado no início da sua carreiraou um professor ganham quase sempre menos que a média do rendimento auferido pelos da suaclasse social. Pelo contrário, um vendedor ou comerciante poderão ter rendimentos próximos (oumesmo superiores) aos de numerosos membros da classe superior, sem que lhe pertençam. Estasituação tem consequências importantes relativamente aos modos de consumo.

A pertença a uma dada classe social (e tanto mais quanto mais elevada for essa classe) exigecertas depesas de consumo (“noblesse oblige!”). Quando são feitas estas despesas, aqueles queganham mais do que a média dos membros da sua classe social podem fazer do seu rendimentodisponível um uso discricionário, escolhendo afectar uma parte desse rendimento a despesas que,na sua classe, não são consideradas estritamente necessárias. Pelo contrário, os membros menosricos de uma classe social tendem a concentrar as suas despesas em atributos essenciais à suaclasse: deverão assegurar, por exemplo, vestuário e habitação coerentes com o seu estatuto,

1 Jean BAUDRILLARD, La société de consommation, seus mythes, ses structures, SGPP, 1970, p. 101

B (Média-alta) 12,4%

C1 (Média-média) 18,0%

C2 (Média-baixa) 27,3%

D (Baixa) 35,8%

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fazendo por vezes sacrifícios em relação a outras despesas. Por isso, para explicar ou tentarprever as compras de uma pessoa, temos de considerar, não só a classe a que ela pertence, mastambém a sua posição relativa nessa classe em matéria de rendimentos.

Consumo ostensivo e standing

Designa-se por consuno ostensivo (ou ostentatório) aquele cuja finalidade é ademonstração/exibição pública da riqueza ou do estatuto social daquele que o faz.1 Dada afinalidade destas compras, compreende-se que estas incidam sobre bens que tenham uma grandevisibilidade (e que possam ser usados em público). Para estes produtos, a marca maisprestigiada, que é supostamente de melhor qualidade e a mais cara, será a preferida. Para osprodutos pouco visíveis (bens de uso caseiro ou de manutenção doméstica), a escolha deste tipode consumidor pode fazer-se com critérios muito diferentes, como sejam a economia e aqualidade de utilização do produto.

A noção de standing corresponde igualmente a uma ideia de hierarquia social expressa pelopoder de compra. Esta expressão é correntemente utilizada, por exemplo, no sector imobiliário,de que o Parque dos Príncipes em Lisboa é um exemplo. A verdade é que, para numerososconsumidores o standing corresponde, não tanto à qualidade da construção, nem mesmo aonúmero de metros quadrados (quase sempre caríssimos), mas sim à presença de “certosdetalhes que mudam tudo”: o mármore na entrada, a lareira “monumental”, as torneirasdouradas, a campainha-intercomunicador com video, a piscina ou o court de ténis emlogradouro anexo privativo dos condóminos, etc. Para aqueles que não podem ter standingatravés da habitação, o automóvel ou o vestuário poderão ser substitutos.

Classe social e locais de compra

Uma classe social é determinada simultaneamente pela disponibilidade de um certo rendimento epor uma certa maneira de se comportar (nomeadamente em público): a atitude, a compostura, alinguagem, o vestuário. De tal maneira que estas “particularidades” de comportamento são muitasvezes suficientes para pôr pouco à vontade os membros das classes mais populares e afastá-losdos estabelecimentos comerciais e locais públicos frequentados por certas pessoas de estatutoou de standing dito elevado. Se o receio do ridículo (de fazer figura de “ignorante” ou de“pelintra”) afugenta muitos clientes da atmosfera requintada das lojas de luxo, também oambiente dos armazéns populares e dos hipermercados pode ser “fatigante”, “maçador” e“desagradável” para os que gostam de ser recebidos e atendidos com um certo requinte. Destaforma, também os pontos de compra e venda contribuem para a diferenciação (e segregação)das classes sociais. 1 Assim, o Cadillac nos EUA ou o Volvo em Portugal são verdadeiros símbolos de sucesso e deascensão à classe superior.

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Apesar das diferenças de consumo entre as classes sociais, a sociedade de consumo permite, eaté favorece, a difusão progressiva dos produtos por todos os estratos sociais. Por isso, os quedesejam diferenciar-se dos seus concidadãos através do modo de consumo têm de estar emconstante inovação de modos e hábitos: ter rádio ou reprodução sonora de alta-fidelidade na salajá deixou de ser meio de diferenciação de estatuto social; pelo contrário, ter rádio na casa debanho (accionado automática e simultaneamente com o interruptor da luz), aí sim, encontramos amarca de exibir um standing elevado!

A mobilidade social

As classes sociais não são entidades definidas com uma precisão perfeita. A naturezamultidimensional deste conceito torna por vezes muito difícil a classificação dos indivíduos quepode, segundo certos indicadores (o rendimento por exemplo), aproximá-los de uma classe, eatravés de outros indicadores (educação e cultura) afastá-los. Este fenómeno da “incoerência”entre o nível de rendimento e o nível de cultura (e de valores), por vezes apelidado de “novo-riquismo” é muito frequente, até porque mais fácil e rapidamente aumenta o nível de rendimentoque o nível de educação e de cultura. Tem sido essa a evolução na Europa e Portugal nãoconstitui excepção.

A estas dificuldades de definição vem juntar-se os fenómenos de mobilidade social, através dosquais certas pessoas podem deixar a classe social dos seus pais para entrar numa nova classesocial. Esta mobilidade pode ser ascendente (passagem de uma classe inferior a uma classesuperior) ou descendente. A mobilidade ascendente é acompanhada frequentemente de umaidentificação muito forte com a classe de destino. Pelo contrário, as pessoas em mobilidadedescendente tendem a conservar elementos, valores e hábitos da sua classe de origem: assim seexplica que muitos “novos-pobres” tenham um consumo “acima dos meios que possuem”(situação de endividamento crónico, seja junto dos meios comerciais correntes, seja junto defamiliares, amigos e companheiros de trabalho -- ou de desemprego), porque têmcomportamentos (hábitos) de consumo próprios de uma classe, mas não auferem níveis derendimento “condizentes”.

2.2.3. AS VARIÁVEIS CULTURAIS

Os indivíduos não diferem somente através da classe social, mas também através da educação,da cultura e dos valores. Estes ditam verdadeiras normas e prescrevem/proibem determinadoscomportamentos como sendo as mais ajustadas ao bem individual e ao bem comum da

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sociedade. É através da linguagem, da educação e da socialização que os indivíduos, desde amais tenra idade, fazem a aprendizagem desta “herança social” que é a cultura.

A cultura não varia apenas de país para país, mas também segundo a região e a categoria social.A totalidade dos portugueses fala a mesma língua, a grande maioria fala a mesma linguagem. Mashá diferenças profundas no modo de a utilizar, quer se trate de pronúncia,de uso de palavras ou de construção de frases. As diferenças de linguagem entre a Antena 2 daRDP e a da Rádio Renascença (Onda Média) são ilustrativas1. Desde muito cedo aprendemos apensar, a sentir e a julgar com o auxílio de palavras: a linguagem torna possível a comunicação desentidos (denotativos e conotativos2) e a participação em experiências das pessoas, permitindo-nos formar grupos e sociedades duradouras, criando e transmitindo culturas singulares. O homemusa as palavras para controlar o seu comportamento e também o comportamento de outraspessoas: os instrumentos da fala e da escrita (mas também o de outras linguagens como a gestual,a corporal e até a artística) são, na sua maior parte, de natureza social, logo interactiva com osoutros indivíduos e grupos.3

Acontece que as palavras, na sua grande maioria, ou são símbolos de objectos (de bens eserviços), “substituindo-os” ou representando-os, evocando reacções que estão ligadas a bens eserviços, ou são atributos de objectos: é através de palavras que atribuimos aos bens e serviços asua utilidade na satisfação das nossas necessidades4. Por isso, a linguagem pode ser eficientepara mudar atitudes, despertar (reactivar) necessidades e emoções que estavam latentes e, comisso, motivar mudanças no comportamento. Sendo a linguagem o mais importante de todos osveículos de criação e transmissão de cultura e de valores, é forçoso tê-la em atenção quandoanalisamos o efeito de variáveis culturais no comportamento humano e, particular, no deconsumo.

As diferenças culturais determinam também diferenças na determinação do sentido das palavras eaté podem criar barreiras quase insuperáveis à comunicação: a palavra “banheiro”, por exemplo,é susceptível de criar algum embaraço na comunicação entre o português “central” e o portuguêsdo Brasil (apesar da “fobia” pelas novelas...). E o que é verdadeiro para a linguagem é-otambém para outros elementos da “herança cultural”. Se, fora dos grandes centros urbanos, éhabitual a profusão de festejos populares de Julho a Setembro, este facto é devido a um factocultural com o qual se deve contar: vários são os sectores (desde a indústria do papel aos grupos 1 Igualmente ilustrativas as diferenças de linguagem entre a TV2 e a SIC, claramente dirigidas a alvos sociale culturalmente muito distintos.

2 Actualize, se for caso disso, o domínio destes dois conceitos na Disciplina de Português...

3 Mesmo as primeiras palavras, fragmentárias e algo desconexas, articuladas pela criança que aprende afalar, comprovam a natureza interpessoal da fala.

4 Quando estudamos Gramática, as palavras tornam-se elas próprias verdadeiros objectos (e não símbolosou atributos de objectos), quer se trate de estudar a sua função sintáctica ou a sua morfologia. Um dosmotivos que talvez explique a aversão de muitos estudantes pela Gramática é exactamente a “coisificação”que a Gramática faz das palavras, tomando-as -- e relacionando-as -- como se objectos reais fossem.

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de animação musical de baile) que têm o seu período de ponta precisamente nos meses defestejos populares. De um modo geral, o desenvolvimento dos transportes, das telecomunicaçõese da mobilidade geográfica das pessoas tende a diminuir estas diferenças culturais, sem, noentanto, as eliminar.

Um sintoma claro de diminuição das diferenças culturais, relacionado com bens deconsumo corrente é a atitude da dona de casa portuguesa face à generalidade dos produtosde higiene doméstica. Se até há bem poucos anos, a grande necessidade-preocupação era“limpar” ou “branquear”, actualmente, os produtos de limpeza são adquiridos no intuito dedar guerra sem quartel a toda a espécie de micróbios, bactérias e germes, a exemplo

das donas-de-casa norte-americanas que, desde há algumas décadas, adquirem eusam estes produtos, em quantidades e frequência directamente proporcionais à suaaversão por seres vivos microscópicos, tidos por ameaça temível à saúde.

Outro sintoma de diminuição de diferenças culturais é a (re)descoberta nos meiosurbanos da música popular (por via de alguns agrupamentos musicais jovens, apostados emfazer emergir uma verdadeira “arqueologia” musical de temas e de poemas esquecidos) etambém da música clássica erudita (fruto da actividade e persistência de centenas degrupos corais, num país onde o solfejo com pauta musical tem milhões de analfabetos...).As editoras, as distribuidoras e os pontos de vendas discográficos atestam este fenómeno e,apesar de estes géneros musicais ainda não figurarem nos tops de vendas, a verdade é quea oferta discográfica em qualquer loja, mesmo no hipermercado, é hoje bem maisdiversificada que há alguns anos atrás.

2.3. VARIÁVEIS EXPLICATIVAS ECONÓMICAS

Tradicionalmente, a análise económica considera três variáveis como fundamentais paradescrever, explicar e prever o comportamento do consumidor:

• a utilidade (presumida ou esperada) dos bens e serviços;• o rendimento disponível familiar: total de rendimentos auferidos, mais as prestações sociais

recebidas, menos os impostos pagos;• os preços dos bens e serviços, ou, melhor ainda, os preços das diferentes alternativas de

aplicação do rendimento familiar (incluindo a alternativa da poupança1).

Na grande maioria dos casos, cada indivíduo autónomo e cada agregado familiar têm uma noçãomais ou menos exacta do que será o seu rendimento ao longo do período de tempo maispróximo (o mês ou o ano). Tem também alguma noção da utilidade esperada de certos bens eserviços, que necessita adquirir para satisfazer as suas necessidades. E dispõe também de

1 Por este motivo, a taxa de juro, como veremos em capítulo mais adiante, sendo a remuneração dapoupança, também pode influenciar o consumo. Por exemplo, um aumento da taxa de juro, ao incentivar apoupança e ao “encarecer” as compras a crédito, desincentiva o consumo.

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informação sobre os preços que deverá pagar pela aquisição desses bens e serviços. Oproblema económico fundamental, na óptica do consumidor, pode formular-se dizendo que:

tenta maximizar a utilidade ou satisfação que pode retirar das diferentes aplicações do seu rendimento (objectivo), tendo em conta (restrições ou condicionantes) a escassez desse rendimento e os preços dos diversos bens e serviços na aquisição ou fruição dos quais pode aplicar o seu rendimento.

Nem sempre a família é bem sucedida nesta tarefa de gestão que é o seu problema económicofundamental assim formulado. Este insucesso pode ser atribuído à falta de uma informaçãoprecisa (e/ou em tempo útil) sobre a variedade de bens e serviços disponíveis no mercado, quersobre as verdadeiras especificações e potencialidades dos vários produtos, quer mesmo emmatéria de preços e outros encargos que a compra e posterior utilização dos diversos tipos debens vai acarretar1. Mas o insucesso pode ser também devido a uma má formulação ao nível dosobjectivos: a “utilidade” ou “satisfação” que é suposto o consumidor maximizar é um conceitomuito ambíguo usado pelos economistas. E também uma variável dependente de um vastoconjunto de factores individuais e decorrentes da inserção dos indivíduos em grupos, comovimos nas secções anteriores.

2.3.1. A ABORDAGEM ECONÓMICA CLÁSSICA

Nesta fase do nosso estudo, é intuitivo que a satisfação que uma família retira do uso de um bemdepende da apetência ou necessidade (sentida) que se pretende satisfazer, por um lado, e dacapacidade reconhecida (real ou presumida) ao produto para satisfazer (ou reduzir) essanecessidade. Como vimos no módulo 1, os bens não têm em si mesmos uma utilidade própria: autilidade, enquanto atributo dos bens advem-lhes da maior ou menor satisfação retirada pelosutentes do seu uso ou consumo. Desta forma, do ponto de vista técnico-económico, um bem éútil se o comum das famílias, ou uma numerosa parte delas, lhe atribui a capacidade deproporcionar satisfação. Não admira, portanto, que a utilidade de um produto seja uma variávelsubjectiva: varia de pessoa para pessoa e de família para família. O mesmo bem pode terutilidades diferentes para duas pessoas, sem que haja aí algo de estranho ou de errado.

Matematicamente, a utilidade é uma grandeza ordinal, e não cardinal. Isto significa que ninguémserá capaz de dizer que um qualquer bem lhe porporciona utilidade ou satisfação de grau 10, 20

1 É incrível a dimensão das despesas futuras originadas, por exemplo, pela aquisição de um automóvel:seguros, revisão periódica, combustível, uma vasta gama de acessórios e “bugigangas”, sem falar dosgastos emergentes de novos hábitos de lazer que a mobilidade do transporte privado induz noconsumidor. Também a compra de um videogravador ou um computador se torna fonte de encargosadicionais no futuro, que o consumidor não vislumbra, muito menos prevê, no momento da compra. Ofenómeno é típico de bens de equipamento que sejam complementares de outros bens ou serviços.

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ou 170, já que a utilidade não é uma grandeza mensurável. No entanto, qualquer consumidor écapaz de comparar a satisfação proporcionada por uma água mineral com a satisfação que retirade uma Coca-cola e de dizer uma delas é preferível à outra, ou que as duas lhe são indiferentes.Ou seja: o consumidor pode ordenar (ou mesmo hierarquizar) as utilidades que atribui a diversosconjuntos de bens (diferentes utilizações do seu rendimento), de acordo com os seus gostos, amaior parte destes aprendidos pela experiência de contacto com objectos, pessoas e ideias ouvalores.

Sendo as necessidades humanas virtualmente ilimitadas, assume-se na teoria económica clássicado comportamento do consumidor o chamado axioma da não-saciedade : um orçamento(cabaz de bens) maior é sempre preferível a um cabaz de bens mais pequeno (um cabaz comcinco macãs e duas laranjas é sempre preferível a um outro que tenha as mesmas cinco macãs,mas apenas uma laranja). Deste axioma da não-saciedade podemos inferir que a utilidade que seretira do consumo de um bem é crescente com a quantidade consumida: quatro conjuntos desaia-e-blusa são mais úteis do que três e três mais úteis do que dois. Apesar disso, o nível desatisfação cresce menos que proporcionalmente ao aumento da dose: o acréscimo de utilidadetrazido por cada unidade adicional de um bem vai sendo cada vez mais pequeno à medida que aquantidade comprada do mesmo bem aumenta. É a nossa já bem conhecida lei da utilidademarginal decrescente1.

Este fenómeno da utilidade marginal decrescente permite compreender e explicarmuitas facetas do comportamento do consumidor. A utilidade (ou valor de uso) reconhecidaa um produto que se vê na montra ou no expositor depende, não apenas da aptidão que seconsidera que o bem tem na satisfação de uma ou mais necessidades, mas também daquantidade desse bem (ou de bens do mesmo tipo ou substitutos) que já se possuem: umquilograma de laranjas, mesmo que oferecido por um preço baixo e tentador, trará umacréscimo de utilidade muito baixo a quem já tenha um cesto cheio de laranjas em casa. Eexplica também, afinal de contas, a lei da procura: só a preço inferior se dispõe oconsumidor a adquirir uma maior quantidade do mesmo produto.

É altura de reintroduzir o conceito de custo de oportunidade 2. Ao adquirir e pagar um preçopor um bem, o sacrifício real suportado (e consentido) pelo consumidor não consiste tãosomente na alienação de moeda, mas na perda de oportunidade de, com a mesma quantidade demoeda, optar pelo melhor de entre os restantes bens alternativos. O sacrifício consiste narenúncia à oportunidade de obter uma satisfação com o consumo de outro bem ou serviçoconsiderado o mais útil de entre as restantes alternativas possíveis. Num sistema de trocamonetária (com intervenção de moeda nas transacções), o custo de oportunidade é traduzidomatematicamente pelo preço corrente.

Quantas “imperiais” bebe um operário metalúrgico na noite de sexta-feira com osamigos? Até saciar a sede (ou a necessidade de um momento de descontracção e deconvívio depois de uma semana de trabalho concentrado)? Até onde der o seu rendimento

1 Que tal uma revisão deste conceito, já devidamente tratado no módulo 1?

2 Também tratado no módulo 1.

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disponível no momento? A restrição orçamental é importante, mas nem sempre é chamadaa actuar e até é natural que seja irrelevante neste episódio da “roda” de cerveja, calma ealegremente prolongada, com os amigos. O mais certo é o “nosso” operário metalúrgicoconsumir sucessivas “imperiais” até ao ponto em que o acréscimo de satisfação (utilidademarginal) da última imperial é igual à desutilidade representada pelo preço (custo deoportunidade). Digamos que se ficou pelas três “imperiais”. Recusou beber uma quarta, nãoporque o dinheiro não chegasse, mas porque o acréscimo de satisfação trazido por umaquarta unidade, por ser mais pequeno, já não compensaria o sacrifício ou custo deoportunidade de outras aplicações alternativas do preço de uma “imperial”. E esse custo deoportunidade de uma hipotética quarta “imperial” pode muito bem ser a compra de umgelado para o filho durante a saída de fim-de-semana. Este último aspecto é

importantíssimo porque revela a existência de uma relação de substituição entrebens totalmente diferentes.

Os mapas de preferência e de indiferença

Suponha que, para a confecção de uma salada de frutas, destinada a um numeroso grupo deconvivas, falta adquirir laranjas e peras e que ao consumidor é proposto comprar uma de seiscestas possíveis (de A a F), de acordo com o quadro seguinte:

nº de nº deCesta laranjas peras ordenação

A 5 6 1B 6 5 1C 7 4 1

D 6 3 2E 3 6 2F 4 5 2

Qualquer das cestas A, B ou C é preferível a D, E ou F. A relação de ordem entre as cestas A,B e C é de indiferença e o mesmo se passa com a relação entre as cestas D, e e F. Podemosrepresentar estas relações no diagrama seguinte:

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0

1

2

3

4

5

6

7

8

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Laranjas

Peras

1

2

A

B

C

D

F

E

Unindo os pontos correspondentes às cestas A, B e C e fazendo o mesmo para as cestas D, E eF, obtemos duas linhas ou curvas, paralelas uma da outra, sendo uma mais afastada da origemdos eixos. A uma e outra vamos chamar curvas de indiferença. Uma curva de indiferença é olugar geométrico dos pontos (combinações de bens) que proporcionam o mesmo nível deutilidade total e que, por isso, em relação aos quais o consumidor é indiferente.

As curvas de indiferença traduzem uma propriedade muito importante: a substitutibilidade dosbens no consumo. Ou seja, no momento ou acto de decidir sobre o quê consumir, um produtopode ser substituído por outro, de tal maneira que o nível de utilidade ou satisfação sentido peloconsunidor permaneça o mesmo. Geometricamente, cabazes de bens situados na mesma curvade indiferença (A, B e C, por exemplo) são equivalentes, uma vez que o consumidor é indiferentena escolha entre eles. Ao contrário, cabazes de bens situados em curvas de indiferença diferentesnão proporcionam a mesma utilidade. Quanto mais afastada da origem dos eixos estiver umacurva de indiferença, maior é a utilidade atribuída ao cabaz de bens situado nessa curva.Obviamente, as curvas de indiferença não se podem cruzar ou interceptar. Voltando à questãoda subsitutibilidade dos bens no consumo, é altura de perguntar: quantas laranjas está a “nossa”dona de casa disposta a sacrificar em troca de uma pera? Ou, reciprocamente, quantas perasexige ela a mais se o cabaz tiver menos uma laranja? Observe na figura seguinte uma curva deindiferença entre dois bens X e Y.

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0

1

2

3

4

5

6

0 2 3 4

Y

X

A

B

C

O consumidor é indiferente entre os cabazes A (4 unidades de Y e 2 de X) , B (2 de Y e 3 deX) e C (1 de Y e 4 de X). Entre os cabazes A e B, o consunidor está disposto a sacrificar 2unidades de Y em troca de uma unidade adicional de X. Este sacrifício consentido é dado peloquociente:

(4 - 2) / (3 - 2) = 2

Este quociente mede o número de unidades de Y que o consunidor está disposto a renunciarpara obter uma unidade adicional de X, para permanecer com o mesmo nível de satisfação ouutilidade. A este quociente chama-se taxa marginal de substituição no consumo. Podemesmo definir-se a taxa marginal de substituição no consumo entre dois bens como sendo onúmero de unidades de um deles que o consumidor está disposto a sacrificar (a não ter) paraobter uma unidade adicional do outro1. Similarmente, do cabaz B para o C, a taxa marginal desubstituição é dada por:

(2 - 1) / (4 - 3) = 1

Ou seja, o consumidor já só está disposto a ceder uma unidade de Y em troca de uma unidadeadicional de X. Este exemplo mostra um fenómeno interessante no comportamento doconsumidor: à medida que um bem vai sendo substituído por outro, mantendo-se constante onível de satisfação, a taxa marginal de substituição diminui. Na preparação de uma salada defrutas, quem tem muitas laranjas e poucas peras, começa por estar disposto a ceder muitaslaranjas em troca de uma pera. À medida que vai cedendo laranjas em troca de peras, vaidiminuindo o número de laranjas que está disposto a trocar por cada pera adicional. É umcomportamento perfeitamente “lógico”: o preço (sacrifício) que se está disposto a pagar por umbem é tanto maior quanto a sua escassez; tanto mais baixo quanto maior o número de unidadesque deles já se dispõem.

1 Matematicamente, nos termos usuais em Geometria Analítica, esta taxa de substituição entre dois bens,em cada ponto da curva de indiferença, é dada pela inclinação (declive) de uma recta tangente à curvanesse ponto.

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É altura de introduzirmos a restrição orçamental, ou seja, de tomarmos em conta a escassez dorendimento do consumidor face às suas necessidades. Na realidade, ele organiza e decide assuas compras de modo a maximizar a sua utilidade, mas sujeito à restrição de não exceder umorçamento (rendimento familiar disponível) que é limitado. Cada consumidor ou família dispõe deum montante máximo que pode gastar em cada período de tempo. O problema do consumidor égastar esse montante de modo a obter a máxima satisfação.

A restrição orçamental

Suponha que uma família tem um rendimento mensal de 90, susceptível de ser aplicado em doisbens A (alimentação) e V (vestuário). O preço do quilograma de alimentação (Pa) é 10 e opreço de cada peça de vestuário (Pv) é 15. Se a família aplicar todo o seu rendimento nacompra de alimentação, pode comprar a quantidade de 9Kg (o que corresponde ao ponto Z nográfico seguinte). Se o aplicar todo em vestuário, o oseu orçamento só lhe permite comprar ummáximo de 6 unidades (ponto X). A linha recta que une estes dois pontos chama-se linha debalanço ou linha de restrição orçamental.

A linha de restrição orçamental mais não é que o lugar geométrico de todas as combinações deconsumo possíveis dos dois bens usando integralmente o rendimento disponível (isto é, gastandotudo quanto se recebe, não havendo poupança). Trata-se, por isso, de uma fronteira de despesaou de uma fronteira de possibilidades de consumo (sem endividamento). Ao triângulo delimitadopelos eixos do gráfico e pela recta de balançochama-se espaço orçamental ou conjunto de possibilidades de consumo. Qualquer pontodeste espaço, abaixo da linha de balanço significa que nem todo o rendimento é gasto (uma parteé devotada à poupança). Pelo contrário, qualquer ponto acima da linha de restrição orçamentalsó pode ser atingido utilizando poupança anteriormente constituída ou, na ausência desta, porrecurso ao endividamento.

A linha de restrição orçamental

0

1

2

3

4

5

6

7

8

0 3 6 9

X

Z

W

Y

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No ponto W do gráfico anterior, fazendo a multiplicação entre quantidades e preços, orendimento (90) é gasto em 4 peças de vestuário e 3kg de alimentação. Com efeito:

4 x 15 + 3 x 10 = 90

No ponto Y, tem-se, analogamente:

2 x 15 + 6 x 10 = 90

Se juntarmos no mesmo gráfico a recta de restrição orçamental e o mapa de curvas deindiferença desta família entre os bens A (alimentação) e V (vestuário), podemos determinar oponto de consumo óptimo: a combinação de quantidades de A e de V que maximiza a utilidadeou satisfação do consumidor, sujeita à restrição de a despesa total não exceder o rendimentodisponível. Sendo tanto maior a satisfação quanto mais afastada estiver da origem dos eixos umacurva de indiferença, é evidente que o ponto óptimo de consumo vai dar-se no ponto em que alinha de restrição orçamental for tangente à curva de indiferença o mais afastada possível daorigem dos eixos. No gráfico, este ótimo é o ponto W, em que a recta de restrição orçamental étangente à curva de indiferença II. A curva de indiferença III é inacessível ao consumidor1, porsituar-se fora do conjunto de possibilidades de consumo. A combinação de bens (6 kg dealimentos e 2 peças de vestuário) dada pelo ponto Y é possível de ser adquirida com orendimento de 90, mas proporciona um nível de satisfação inferior, dado adquirida com orendimento de 90, mas proporciona um nível de satisfação inferior, dado estar situada numacurva de indiferença (I) mais próxima da origem dos eixos. Apenas no ponto W se atinge umgrau de satisfação máxima.

O ponto óptimo de consumo

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0 3 6 9

I

II

III

W

Y

1 A mesnos que haja naquele mes recurso a poupança acumulada nos meses anteriores, ou, na falta desta,recurso ao endividamento.

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Matematicamente, o declive ou inclinação da linha de restrição orçamental é dado pelo quocienteentre Pv e Pa (preço relativo do vestuário e da alimentação). Vimos atrás que a inclinação deuma curva de indiferença num ponto é a taxa marginal de substituição de V por A nesse ponto(número de kg de alimentação que o consumidor está disposto a ceder em troca de uma peçaadicional de vestuário). Logo, o óptimo do consumidor é definido pela condição de a taxamarginal de substituição no consumo (determinada pelos gostos ou preferências do consumidor)seja igual ao quociente entre os preços dos dois bens (determinados pelo mercado).

A interpretação prática desta conclusão é imediata: a taxa marginal de substituição no consumomostra a quantidade de um bem que o consumidor está disposto (ou deseja mesmo) substituirpor outro. A razão ou quociente entre os preços dos dois bens, sendo o preço relativo de umbem em termos do outro, mostra a taxa a que o mercado lhe permite que troique um pelo outro.Esta teoria tem uma outra faceta importante: mostra que o consumidor não reage apenas aopreço de um bem (ou tipo de bens), mas também aos preços relativos dos vários bens (dosmais variados tipos) existentes no mercado.

Falta-nos analisar como reage o consumidor a variações:

. no seu rendimento disponível;

. no preço de um dos bens.

Impacto de uma variação no rendimento

Retomando o nosso diagrama, com curvas de indeferença e recta de restrição orçamental, éintuitivo que um aumento do rendimento familiar disponível se traduz por um deslocamentoparalelo da recta de restrição orçamental para fora (e para cima), aumentando, por conseguinte,a área ou conjunto de possibilidades de consumo. Ao invés, uma redução no rendimentodisponível familiar faz deslocar paralelamente a recta de restrição orçamental para baixo (parauma posição mais próxima da origem dos eixos).

Para a grande maioria dos bens, um acréscimo no rendimento familiar consuz a um aumento doseu consumo, caso se mantenham constantes os preços dos bens. E isto porque a ampliação doconjunto de possibilidades de consumo permite que o consumidor aceda a combinações de benssituadas numa curva de indiferença mais afastada da origem dos eixos (e que, por esse motivo,proporciona maior grau de satisfação). É o caso descrito no gráfico seguinte, ilustrando o efeitode um aumento do rendimento de 90 para 120. Se todo este rendimento for gasto em vestuário,podem agora ser adquiridas, não 6 mas 8 peças. E se for todo gasto em alimentação, aquantidade sobe para 12kg. A nova recta de restrição orçamental é paralela à inicial, mas maisafastada da origem. Permite o “acesso” do consumidor à curva de indiferença III, que

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proporciona um nível de satisfação mais elevado. O novo ponto óptimo é T, aumentando oconsumo dos dois bens.

Há, todavia, bens cujo consumo mostra tendência para diminuir quando aumenta o rendimentofamiliar. São chamados bens inferiores. É o caso de certos bens essenciais mais baratos (abatata ou o pão comum, por exemplo): se o rendimento familiar aumenta substancialmente, elestendem a ser substituídos (parcilamente) por outros mais caros, porventura de melhor qualidade1.

Impacto de uma variação no rendimento

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0 3 6 9 12

I

II

III

W

Y

T

Impacto de uma variação nos preços relativos

A variação dos preços dos bens também altera o ponto óptimo de equilíbrio do consumidor. Seos preços dos bens se alteram todos e na mesma proporção, isso equivale a uma variação norendimento real (poder de compra) disponível para consumo: se, por exemplo, os preços detodos os bens aumentarem para o dobro, mantendo-se constante o rendimento familiar, o cabazde bens que se pode comprar com o mesmo rendimento fica reduzido a metade. Logo, o efeitode uma variação de todos os preços, na mesma proporção, é equivalente ao de uma variação dorendimento. Ou seja, todos os preços variarem no mesmo sentido e na mesma proporção,mantendo-se constante o rendimento, não há qualquer mudança no preço relativo dos bens: sefor aumento dos preços, a recta de restrição orçamental desloca-se para baixo, fazendo diminuira área ou conjunto de possibilidades de consumo; se a variação dos preços for diminuição,

1 Como veremos mais adinate, a elasticidade da procura destes bens em relação ao rendimento é negativa.

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aumenta o conjunto de possibilidades de consumo e a recta de restrição orçamental desloca-separalelamente para cima.

E se só um dos preços variar? Imagine que, no mês seguinte a termos desenhado o gráficoanterior, o preço da alimentação aumenta de 10 para 15, mantendo-se constantes o rendimento eo preço do vestuário. Nestas condições, o aumento do preço relativo de um bem (alimentação)significa a diminuição do preço relativo do outro (vestuário)1. Observe o efeito no gráficoseguinte.

Impacto de uma variação no preço relativo

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0 12

T

8

S

Graficamente, o aumento do preço de um bem é representado por um movimento de rotação darecta de restrição orçamental no sentido da seta: em vez de 12Kg de alimentação, apenas 8kgpodem ser comprados com a totalidade do rendimento, agora que o novo preço da alimentaçãoé de 15. Repare que o novo ponto óptimo de consumo (S) está situado numa curva deindiferença inferior (proporcionando menor nível de satisfação), traduzindo uma perda de bem-estar como consequência do aumento do preço de um dos bens. Mas esta perda de nível desatisfação ou de bem-estar não é o único efeito. É natural que a quantidade consumida dealimentação (o bem cujo preço aumentou) diminua, podendo verificar-se um ligeiro aumento daquantidade consumida do outro bem (vestuário), uma vez que o seu preço relativo baixou.

A variação do preço relativo de um bem tem dois efeitos fundamentais no comportamento doconsumidor:

. um efeito-substituição 1 Já nos demos conta disso em exercícios práticos com razões de troca directa entre bens, no módulo 2.

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. um efeito-rendimento.

Expliquemos o primeiro. Aumentando o preço nominal de um produto, mantendo-se constantesos preços dos outros e o rendimento disponível, é natural que o consumidor se “defenda” doaumento do preço consumindo menos desse bem e adquirindo maior quantidade de outros bens,mesmo que não sejam substitutos perfeitos ou próximos. Há, por conseguinte, uma alteração nacomposição do cabaz de despesas do consumidor. É a esta tendência que se dá o nome deefeito-substituição.

E agora o segundo. O cabaz de compras, não só se altera na sua composição, como tambémtende a ser agora mais pequeno, uma vez que estamos a trabalhar sob a hipótese de orendimento familiar não ter variado entretanto. Após o aumento de preço de alguns produtos, seo rendimento disponível se mantiver constante, as quantidades máximas que se podem adquirirdiminuem: o mesmo rendimento já só dá para adquirir menores quantidades. É o chamadoefeito-rendimento.

Ou seja, os aumentos de preços (mesmo que apenas num tipo ou classe de produtos) tambémtêm um efeito equivalente ao de uma diminuição do rendimento. Na linguagem comum diz-se (ecom razão) que os agravamentos de preço, mantendo-se constante o rendimento disponívelnominal, significam uma “quebra no poder de compra”. Na linguagem técnico-económica, é usualdizer-se que os aumentos de preço provocam diminuição do rendimento disponível real. Quandofalamos em rendimento nominal referimo-nos ao rendimento medido em unidades monetárias emcurso ou circulação. Quando falamos em rendimento real referimo-nos precisamente ao poder decompra desse rendimento. Mutatis mutandis, a diminuição nos preços de alguns produtosproduz no consumidor um efeito de aumento do seu rendimento real: passa a poder comprar ummaior cabaz de bens com o mesmo rendimento.

Repare que a análise deste mesmo efeito-rendimento pode aplicar-se, não apenas àfamília ou ao consumidor individual, como também a um país, em relação às suas comprasde bens importados, com algum peso na estrutura da despesa nacional ou das contas com oestrangeiro. Se, por exemplo, diminuirem os preços do petróleo e de outras matérias-primasnos mercados internacionais, o efeito para os europeus (incluindo os portugueses) seráidêntico ao de um aumento do Rendimento Nacional em termos reais. E, com esseRendimento Nacional acrescido, é natural que os europeus aumentem as suas importações,tanto de petróleo, como de outros bens: o seu cabaz de compras externas tende aser maior.

2.3.2. A MEDIDA DA SENSIBILIDADE DO CONSUMIDOR AOS PREÇOS

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A quantidade procurada de um bem tende a reagir em função das variações do respectivo preço,já o sabemos de há muito. Após uma variação no preço de um bem, a sua procura reage muitoou pouco? A sensibilidade do consumidor às variações dos preços varia, naturalmente, deconsumidor para consumidor e sobretudo de produto para produto. O indicador usado para amedir é a elasticidade da procura em relação ao preço, que édada pela expressão:

∆Q / Q

∆P / P

sendo ∆Q a variação na quantidade procurada e ∆P a variação no preço (que originou avariação na quantidade procurada).

Dito de outro modo (mais prático), a elasticidade da procura de um bem é dada pela variaçãopercentual da procura provocada pela variação de 1% no preço desse produto. Se a lei daprocura se verificar, a elasticidade tem normalmente um valor negativo, já que, variando aquantidade procurada em sentido contrário ao do preço, os valores do numerador (∆Q/Q) e dodenominador (DP/P) na fracção acima têm sinais contrários. A elasticidade poderá ter um valornulo no caso de a procura de um bem ser totalmente insensível às variações do respectivo preço.Um bem diz-se ter procura elástica se, em valor absoluto (abstaindo do seu sinal negativo), aelasticidade for 1 ou maior que 1; diz-se que tem procura rígida (ou inelástica) se o valor daelasticidade é próximo de zero1.

Suponha que o preço de um bem aumenta 10 por cento. Se a quantidade procuradadiminui mais que 10%, a procura diz-se elástica; se diminui menos que proporcionalmente,isto é, menos que 10%, diz-se rígida ou inelástica.

Daqui pode retirar-se uma conclusão importante, se se lembrar que a despesa totalcom a aquisição de uma mercadoria é igual ao seu preço unitário multiplicado pelo númerode unidades adquiridas. Aumentando o preço 10%, qual o seu efeito na despesa total doconsumidor na aquisição desse produto?

. se a procura é elástica, a despesa total diminui;

. se a procura é rígida, a despesa total aumenta;

. se a elasticidade for igual a 1, a despesa total não varia.

Por um raciocínio análogo, concluiremos que em caso de diminuição do preço, adespesa total aumenta, diminui ou permanece constante, consoante a procura seja elástica,rígida ou de elasticidade igual à unidade.

Factores de sensibilidade aos preços

1 Seria proveitosa uma revisão desta matéria já introduzida no módulo 2.

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Trata-se de uma das matérias “práticas” mais estudadas em Economia, nomeadamente emestudos de mercado. Três factores básicos determinam a elasticidade da procura de um bem emrelação ao respectivo preço:

. o carácter essencial versus adiável (ou supérfluo) do bem a consumir,

. a existência (ou a disponibilidade) de bens substitutos próximos e

. a variedade de utilizações que o bem pode ter.

De um modo geral, bens cuja compra é inadiável ou bens essenciais a toda a população tendema revelar uma procura rígida (a menos que tenham vários substitutos próximos). O tabaco é umbom exemplo de produto com baixa elasticidade-preço (próxima de zero), dado o carácterinadiável da sua compra (pelos fumadores, como é óbvio). O mesmo se passa com oscombustíveis líquidos (apesar da possibilidade da sua substituição pelo uso do transportecolectivo).

Quanto mais e melhores forem os substitutos para um dado bem, maior tende a ser a suaelasticidade em relação ao preço: se o preço destes bens aumentar, a sua procura reage(diminuindo) de forma sensível, uma vez que o consumidor pode “defender-se” consumindo maisdos seus substitutos1. Ao contrário, bens com poucos ou nenhuns substitutos (água corrente, sal,tabaco) tem quase sempre elasticidades-preço muito baixas. Por motivo semelhante, quantomaior o número de possibilidades de utilização de um bem, maior tende a ser a sua elasticidade-preço: assim se compreende que uma mercadoria como a lã tenha uma elasticidade elevada,enquanto a manteiga, apesar de ter substituto próximo, tenha uma elasticidade mais baixa.

Saber se a procura de um bem é elástica ou inelástica em relação às variações do respectivopreço é um dado importantíssimo. Não apenas para a política governamental (nos casos em queo Estado intervem na fixação dos preços), como também para as próprias empresas, a quandoda decisão de aumentar ou baixar preços, ou de fazerem a análise do projecto de lançamento deum produto novo. É impossível às empresas obter uma boa previsão de quais vão ser as receitasdas vendas no futuro, em função de vários cenários alternativos de preços praticáveis, se nãosouberem de antemão as elasticidades-preço da procura dos bens que produzem e lançam nomercado. A análise económica do comportamento do consumidor, mormente com base nesteconceito de elasticidade-preço, mostra que nem sempre um empresário -- produtor oucomerciante -- consegue acrescer as suas receitas com o aumento dos preços de venda (comoacontece no caso dos bens de procura com elasticidade superior à unidade): a perda resultanteda diminuição da quantidade vendida é maior que o ganho obtido com o aumento dos preços devenda.

1 No longo prazo, todos os bens têm substitutos: o aumento continuado do seu preço (ou a persistênciada sua escassez) funcionam como um convite ou incentivo à inovação. Tenderá a desenvolver-se novasformas alternativas de satisfazer a mesma necessidade.

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Convem fazer uma distinção clara entre a elasticidade da procura de uma classe de produto e aelasticidade da procura de uma dada marca. Notámos anteriormente que a procura de sal temuma elasticidade quase nula (em razão da inexistência de substitutos). No entanto se a marcaVatel decidisse aumentar os seus preços de venda para o dobro, a sua quota de mercadodiminuiria fortemente, uma vez que os consumidores tenderiam a procurar mais sal de outrasmarcas. Para explorar perfeitamente a baixa elasticidade da procura de um produto é preciso,portanto, estar em situação de monopólio. Os governos de todos os regimes compreenderammuito bem este fenómeno, dado que os produtos de baixa elasticidade de procura sempreatrairam os monopólios estatais (o sal e o açúcar, antigamente; o tabaco hoje), através dos quaiso Estado pode aumentar as suas receitas a seu bel-proveito.

A análise do comportamento do consumidor medindo as elasticidades da procura dos diversosbens e serviços tem, contudo, as suas limitações. Desde logo porque, perante um aumento dopreço, o consumidor pode desenvolver uma sobre-reacção (reacção exagerada) caso acredite --ou receie -- que o preço vai continuar a subir no futuro: pode decidir comprar uma quantidademais elevada, a fim de armazenar o produto (açambarcamento). Com isto, além de falsear oscálculos da elasticidade (que conduzirão a valores superiores), provocará maiores pressõessobre a procura e, por conseguinte, pressão também no sentido do aumento futuro dos preços!

A segunda limitação tem a ver com a sensibilidade do próprio consumidor e com a “eficácia” dasua percepção das variações dos preços. Para que haja uma reacção significativa doconsumidor, é necessário que a variação do preço seja superior a um limite (ou limiar) desensibilidade que varia muito de consumidor para consumidor. Este fenómeno baseia-se na leigeral de Weber sobre a reacção de um indivíduo a um estímulo qualquer:

K = Ai / I

em que K é uma constante que varia segundo os sentidos humanos em questão, I é a intensidadedo estímulo (o preço) e Ai (limiar de sensibilidade) é a mais pequena variação de intensidade doestímulo que será notada e que poderá desencadear alguma reação por parte do consumidor.

A isto acresce o facto - comprovado em milhares de inquéritos! - de a generalidade dosconsumidores conhecerem mal os preços. O desconhecimento dos preços e a dificuldade que osconsumidores sentem para os apreender parecem ser comuns a todos os indivíduos: não existegrande diferença entre sexos, idades ou níveis de rendimento e até mesmo o nível de instruçãonão parece ser um factor decisivo. O conhecimento dos preços não é sequer facilitado pelosprodutores, nem mesmo pela maior parte dos distribuidores ou comerciantes. Bem pelocontrário, para “incomodar” a concorrência em matéria de preços, tentam encontrar todos osmeios possíveis para tornar difícil as comparações. Um deles consiste em apresentar e vender osprodutos em embalagens de diferentes dimensões, pesos ou capacidades1. Se estas dimensões

1 Por exemplo, para doces ou geleias, encontramos frascos de 330 gramas (Linea), de 400g (Casa Mateus),440g (Frami), 450g (Sumol), etc.

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fossem normalizadas, decerto facilitariam muito a percepção do preço e as respectivascomparações entre as diferentes marcas.

Suponha que uma marca A apresenta o seu produto em embalagens de 250g aopreço de 300 escudos, enquanto a marca B (do mesmo produto) propõe 400g ao preço de420 escudos. Aparentemente, a marca A é a mais acessível em termos de preço. Narealidade não é. Repare que o preço por quilograma é de 1200 escudos na marca A e deapenas 1050 na marca B. A esmagadora maioria dos consumidores não efectua estescálculos no momento da decisão da compra: muitos deles, ainda que quisessem, nem sequersaberiam resolver este “problema” elementar do terceiro ou quarto ano... do ensinoprimário...

A sensibilidade do consumidor aos preços é, por isso, dificultada por uma percepção deficientepor parte do consumidor. E depende dos factores mais diversos. Já vimos atrás que sãoinfluentes a existência de bens substitutos, o carácter essencial ou inadiável do bem em causa e avariedade de utilizações que o bem pode ter. Vejamos mais cinco, igualmente importantes:

. o montante da compra: somos tendencialmente muito mais sensíveis ao preçode uma compra importante e onerosa, mas a sensibilidade ao preço nem sempre éproporcional ao montante da compra. Por exemplo, é-se menos sensível ao preço de ummóvel de cozinha se este estiver incluído no preço global de uma habitação, do que se forcomprado de forma isolada. Quanto mais o preço global é importante, mais asensibilidade aos preços dos “pequenos componentes” é fraca1.

. a percepção do risco associado à decisão de compra: é difícil comparar osprodutos concorrentes e analisar as quantidades reais dos produtos? Será que há grandesdiferenças entre as várias marcas? Estamos numa situação em que o preço é fixo enão discutível (compra de um selo de correio ou de um contrato de fornecimento deelectricidade) ou será que o preço é altamente variável entre produtos com qualidadeidêntica e, por isso, negociável (compra de um carro de ocasião)? O consumidor sentealgum desconforto: cedeu demasiado cedo? Pagou caro? Não deveria ter “regateado”um pouco mais?

. o valor da imagem associada ao produto e ao seu preço: é o caso das comprasostensivas, dos produtos vendidos a “preços de prestígio” e também das compras paraoferecer a outrém.

. o pagamento comparticipado: a sensibilidade ao preço é mais fraca quando ocusto é suportado, total ou parcialmente, por outrém que não o consumidor-decisor dacompra (casos do quarto de hotel para um homem de negócios, da antena parabólicacomparticipada em partes iguais por todos os condóminos, da compra de medicamentoscomparticipados pela Segurança Social).

1 Este fenómeno é importantíssimo, por exemplo, na venda de automóveis, nos casos em que estes são“equipados de série” com certos acessórios ou características técnicas especiais.

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. preços “mágicos” e preços arredondados: chama-se “preço arredondado”àquele que termina por um ou mais zeros1. Noutros casos, muito frequentes, por sinal, oartigo é proposto por um preço inferior a um preço redondo em uma unidade (399escudos, por exemplo). Estes “preços mágicos” parecem ser muito atraentes para oconsumidor, por razões ainda não suficientemente explicadas.

A relação qualidade-preço

Uma experiência clássica em estudos de mercado consiste em encher dois caixotes com omesmo lote de laranjas e dar-lhe dois preços diferentes. O resultado é surpreendente edesconcertante: as laranjas mais caras são as que se vendem melhor! À primeira vista, a umpreço mais elevado parece estar associada a crença numa qualidade melhor. O fenómeno poderáter a sua explicação no simplismo (no mau sentido da palavra) e na ingenuidade da maioria dosconsumidores. O seu comportamento neste caso testemunha: a) a sua incapacidade em avaliar aqualidade dos produtos (mesmo de produtos básicos e simples como as laranjas) e b) uma certaconfiança nos produtores e distribuidores, vistos como praticando preços “justos” (justificadospelos diferentes custos de produção e de transporte e pela diferente qualidade dos produtosfinais). Em resumo: para a maioria dos consumidores, se um produto é mais caro é porque suaqualidade deve ser superior.

Quando a ignorância -- e a incerteza -- é grande em relação às várias marcas de um mesmo tipode produtos, o consumidor procura reduzi-la (ou ocultá-la perante as outras pessoas), atribuindoa melhor qualidade à marca que tem o preço mais elevado. Outras pesquisas confirmam quequanto mais a escolha entre as marcas de um mesmo produto é considerada arriscada e difícil,mais o papel do preço é importante e mais a suposta relação qualidade-preço tem importância nadecisão final do consumidor.

Estes resultados de pesquisa devem, contudo, ser usados com prudência: não devem sergeneralizados a todas as situações, pessoas e produtos. A verdade é que também há muitoscasos em que não chega ser o mais caro para ter a melhor imagem de qualidade. Mesmo que asuposta relação directa qualidade-preço tenha uma influência muito forte, existe um ponto,variável de pessoa para pessoa, para além do qual o consumidor não irá, porque está limitadopelo seu escasso rendimento pessoal ou familiar. É mais credível a chamada teoria do preço deaceitação que o situa entre os extremos das possibilidades de consumo do consumidor mediano(limite superior) e de um limite inferior caracterizado pela associação (que a maioria dosconsumidores faz) de uma qualidade medíocre a um preço muito baixo.

1 Daí o sucesso das “Lojas dos 300”, dos 200 e dos cartazes “Tudo a 500”.

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Por outro lado, a existência e a intensidade da suposta relação qualidade-preço depende tambémda coerência do preço fixado com a imagem de marca preexistente do produto e com a própriaimagem ou reputação do distribuidor ou do estabelecimento que o vende1. Se uma marca temuma imagem de preço baixo, um aumento de preço não será forçosamente associado a umamelhoria da qualidade, mesmo que a embalagem seja renovada. Pelo contrário, uma marca quese posicionou desde o seu início numa área de preço alto, com uma imagem de alta qualidade,pode explorar todos os recursos da relação qualidade-preço2. Estas formas de preço sãodesignadas por preço de prestígio. São tanto maios eficazes quanto mais se dirige a produtoscuja posse e utilização são ostensivos. Um preço muito elevado de um produto que está no topoda gama pode também servir para enaltecer a imagem do conjunto de produtos da marca.

A elasticidade-preço cruzada

A elasticidade-preço cruzada (da procura de um bem X em relação às variações no preço deoutro bem Y) é a variação relativa da quantidade procurada de X em resposta a uma variação nopreço de Y. Calcula-se fazendo:

∆X / X

∆Py / Py

sendo X a quantidade procurada do bem X (∆X a sua variação) e Py o preço do bem Y (∆Py arespectiva variação). É um indicador importante para confirmar e medir situações de substituiçãoe de complementaridade entre bens.

. a elasticidade-preço cruzada entre dois bens substituíveis é positiva: a procura de um bem varia no mesmo sentido do preço dos bens seus substitutos ou sucedâneos;

. a elasticidade-preço cruzada entre dois bens complementares é negativa: a procura de um bem varia em sentido contrário ao do preço dos bens seus complementares.

2.3.3. A MEDIDA DA SENSIBILIDADE DO CONSUMIDOR AO RENDIMENTO

No capítulo 1.3. já estudamos os vários tipos de reacção do consumidor a variações no seurendimento disponível para vários tipos de produtos (da alimentação aos bens duradouros). A

1 E até da simpatia e credibilidade do empregado, já muito nosso conhecido, que nos atende...

2 No mercado das máquinas de lavar louça, a marca Miele propõe os seus produtos aos preços mais carosdo mercado e faz disso o seu eixo publicitário. A persistência desta estratégia tem dado os seus frutos: amarca é, de facto, a mais apreciada pelo público, a começar por aquele cujos proventos diminutosinviabilizam a opção pela máquina mais cara.

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elasticidade da procura em relação ao rendimento é o indicador que mede a variação relativa daquantidade procurada de um bem em resposta às variações do rendimento familiar disponível.

Se a elasticidade-rendimento da procura de um bem é muito baixa (menor que 1) , isso significaque a quantidade procurada desse bem é pouco sensível a variações no rendimento disponível:as quantidades procuradas e consumidas permanecem quase as mesmas, independentemente dasvariações do rendimento. Este fenómeno sugere que o bem em questão seja mesmo “umanecessidade” para toda a gente. É o caso da generalidade dos bens alimentares básicos ouessenciais (exceptuando os alimentos de luxo e a alimentação consumida fora de casa).

Entre os bens alimentares há também grandes diferenças de elasticidade-rendimento, mesmo entre bens muito semelhantes ou próximos: ovos da categoria A eovos da categoria D, por exemplo. Podemos, inclusivamente, encontrar bensalimentares de luxo e, por isso, com elevadas elasticidades-rendimento, contrariando aregra geral: caviar, marisco, certas variedades de queijo, frutos sazonais fora da suaépoca de produção. Daí que “bem alimentar” não seja necessariamente sinónimo de “bemessencial” ou de “bem de primeira necessidade”.

Ainda assim, a regra geral é a da baixa elasticidade-rendimento na procura de bensalimentares. De tal forma que, como vimos no capítulo 1.3., a percentagem ou fatia dorendimento familiar gasto em alimentação pode ser um indicador seguro do nível económicode uma família ou mesmo de uma região ou país: quanto mais pobre for uma família oupaís, maior tende a ser a fatia do rendimento afecta à alimentação.

Ao contrário, uma elasticidade-rendimento superior a 1 indica que o produto em questão é umbem de luxo, não essencial ou supérfluo: a sua quantidade procurada é muito sensível àsvariações do rendimento. Em particular, se o rendimento disponível das famílias aumentar, porexemplo dez por cento, é natural que a quantidade procurada destes bens registe um aumentosuperior a 10% (aumento mais que proporcional na quantidade procurada). É o caso dovestuário, dos bens duradouros, dos bens e serviços relacionados com a distracção, a cultura e olazer e os produtos de beleza.

O caso dos bens inferiores

A elasticidade-rendimento da procura de bens alimentares é, na generalidade, baixa, inferior a 1,mas em alguns poucos casos ela é mesmo negativa. Isto significa que há bens cujo consumotende a diminuir quando o rendimento aumenta. A margarina, a farinha de trigo, a batata, assalsichas e o pão comum são exemplos de bens alimentares com elasticidade-rendimentonegativa. Dizem-se, por isso, bens inferiores.

Se aumentar o preço do pão comum (bem essencial de primeira necessidade),perante a quebra de rendimento disponível real que daí resulta, não é credível que asfamílias, sobretudo as de mais baixos recursos, substituam o produto agora mais caro (pão)por bolachas ou biscoitos. Sucederá exactamente o contrário: o corte nas despesas incidirá

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noutros bens e as famílias passam a consumir mais pão. Ou seja: passam a consumir maiorquantidade do produto que aumentou de preço, contrariando a nossa velha conhecida lei daprocura.

A existência de bens inferiores, relativamente baratos, mas de primeira necessidade, suscitaalguns problemas delicados de justiça social num sistema de economia de mercado.Especialmente as famílias de mais baixos rendimentos são duplamente penalizadas sempre que háum aumento do preço dos bens inferiores. Penalizadas a primeira vez, porque o aumento dopreço do pão, por exemplo, faz diminuir o seu rendimento real, implicando uma redução no“tamanho” do seu cabaz de compras. Penalizadas novamente, porque a natureza de um beminferior não permite a sua substituição por outro bem, forçando as famílias pobres a consumirmaior quantidade de um produto cujo preço aumentou... e menos de outros bens cujos preçospermaneceram constantes!

Se, por exemplo, aumentar o preço dos cereais no mercado nacional e internacional, que devefazer o Governo? Fixar limites máximos para o preço do pão (tabelamento de preços), evitandoque o preço do pão suba e que as famílias mais pobres sejam prejudicadas? Ou deixar que omecanismo espontâneo do aumento do preço transmita a informação que o bem se tornou maisescasso e que, por isso, não deve ser esbanjado? A resposta é difícil, mas só aparentemente.Repare que o problema de fundo nesta questão não é o agravamento do preço do pão, mas sima existência de pobreza, ou pelo menos, a existência de grandes desigualdades na distribuição dorendimento e da riqueza. A verdade é que o tabelamento de preços por via administrativa écomo a aspirina: apenas alivia a dor, sintoma da doença; não cura a doença propriamente ditaque causa a dor1. Nestas condições, será preferível que o Governo deixe subir livremente opreço (controlando, muito embora eventuais abusos oportunistas), mas, ao mesmo tempo,compensando as famílias de mais baixos recursos com um aumento do seu rendimentodisponível: aumentando os abonos de família, diversas prestações sociais pagas pela SegurançaSocial, ou ainda mediante uma alteração no sistema de impostos susceptível de beneficiarrelativamente mais as famílias de mais baixos rendimentos. Por outras palavras, a pobreza não seelimina baixando os preços; é necessário ampliar os rendimentos familiares. Ou criar ascondições para que o sistema económico possa “processar” maiores rendimentos a um maiornúmero de famílias.

2.4. O PROCESSO DE DECISÃO DE COMPRA

1 Em Portugal, entre 1975 e 1979, por causa da desordem económica (política e social também) e do abusodo recurso ao tabelamento dos preços de muitos produtos imposto pelo Governo, fazia-se fila compridapara comprar leite, azeite, óleo alimentar, bacalhau...

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Nas secções anteriores procuramos identificar as principais variáveis psicológicas, sociológicas eeconómicas determinantes no comportamento do consumidor. Do que se trata agora é de aclararos processos através dos quais cada indivíduo é levado à decisão entre comprar e não comprar.Estudaremos primeiro alguns conceitos fundamentais na análise de um processo de decisão.Veremos em seguida uma tentativa de construção de um modelo de decisão.

2.4.1. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Sendo a compra o resultado de um processo de decisão, é suposto que o indivíduo prossigaalguns objectivos. Para os atingir, ele tem de escolher entre diversos tipos de acções possíveis.Para fazer essa opção, tem necessidade de informação, a fim de poder avaliar as consequências(vantagens e desvantagens) das diferentes acções (meios) possíveis de realizar os objectivos.Acontece que cada indivíduo tem uma capacidade limitada de armazenagem (memória) e detratamento (raciocínio) da informação. E também só poderá avaliar as consequências das suasescolhas com um certo grau de incerteza ou de probabilidade. Por isso, em toda a decisão quetomamos há sempre um duplo risco:

. o de os resultados pretendidos não serem alcançados na sua totalidade e

. o de os meios (acções possíveis) não serem exactamente os mais adequados à realização dos objectivos inicialmente propostos.

Os economistas “acreditam” que o processo de decisão no comportamento da maioria dosconsumidores apresenta algumas semelhanças com a execução de um programa ou rotinainformática: admitem que a escolha do indivíduo se efectua através da aplicação de um“programa” que compara as vantagens e inconvenientes das diferentes opções que se lheoferecem. Frequentemente, estes “programas” de cálculo ou de decisão são aplicados, de facto,pelos consumidores de modo automático ou rotineiro, o que não nos deve supreender, já que oser humano é, de sua natureza e, por efeito de socialização e educação, um “animal de muitoshábitos”. E o hábito supõe que houve um processo de aprendizagem anterior que permite, nopresente e no futuro, reagir, tratar e escolher rapidamente (e sem esforço), de forma consequentecom as “lições” das experiências passadas, em situações idênticas: perante o mesmo estímulo,situação ou sentimento de necessidade, é natural que o indivíduo tenda a reproduzircomportamentos/decisões que o conduziram ao sucesso no passado, e a evitar ou rejeitarsoluções que, num passado recente ou mesmo longínquo, o conduziram ao fracasso ou àfrustração na satisfação de objectivos/necessidades.

Numa sociedade em mudança constante, o consumidor é frequentemente confrontado comproblemas dos quais não tem experiência (nem hábitos). Nestes casos, se a compra é de poucamonta (pouco onerosa) é possível que o consumidor se decida favoravelmente “só paraexperimentar como é”. Se a compra é mais onerosa, o consumidor deve gastar energia e tempo

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para elaborar um novo programa de decisão e o esforço dispendido é tanto mais importantequanto maior o risco incorrido. Descrevendo muito esquematicamente o processo de decisão,somos levados a considerar quatro conceitos fundamentais:

. os objectivos

. a procura e o tratamento da informação

. o risco e a implicação

. a aprendizagem.

Os objectivos

Na teoria microeconómica do comportamento do consumidor, estudada na secção anterior,assumimos que o consumidor procura a maximização da sua utilidade ou satisfação. Isto exigeque ele conheça perfeitamente todas as possibilidades de compra que se lhe oferecem e quesaiba calcular de forma correcta a satisfação que poderá retirar de cada uma das alternativas decompra. A observação empírica do comportamento (e dos próprios hábitos) dos consumidoresmostra que eles não têm sempre uma estratégica maximizadora, procurando, muitas vezes,atingir, tão somente, um nível de utilidade considerado “suficiente” ou “satisfatório”. E isto étanto mais verdade:

. quanto menor for a informação disponível sobre os bens e serviços que omercado lhe “oferece” como alternativas;

. quanto menor for a capacidade de processamento dessa informação(dependente do nível de instrução do consumidor, mas também da maior ou menorurgência em tomar uma decisão);

. quanto maior for o risco e o dispêndio de recursos escassos associados à compra.

Frequentemente, o consumidor não pode calcular as consequências exactas de todas as escolhaspossíveis. Além disso, a procura de informações e o seu tratamento consomem tempo e energia,o que faz com que ele termine o processo de decisão logo que encontre uma “solução aceitável”(não nessariamente uma solução maximizadora). Em muitos casos, o consumidor consideraaceitável ou satisfatória toda a decisão que o coloque numa situação melhor que a anterior. Onível de aspiração de um indivíduo depende muito da sua experiência passada de satisfação (ede frustração) na realização dos seus objectivos. Um consumidor que sobvrevalorize a satisfaçãoque pode atingir com os produtos que compra só aparentemente tem um comportamentomaximizador: mais tarde ou mais cedo, passará por algumas experiências mal sucedidas ouinfelizes e o resultado poderá ser ele baixar o nível de exigência ou de aspiração. Pelo contrário,se um indivíduo compra produtos que se revelam mais tarde superiores ao que esperava deinício, ele terá tendência para aumentar o seu nível de aspiração.

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Outro dado não menos importante a não esquecer é o carácter subjectivo dos objectivosformulados pelo consumidor. A avaliação da satisfação trazida por um dado produto nãodepende unicamente das características objectivas desse produto. Com efeito, a percepçãodessas características pelo indivíduo tem mais importância que as características intrínsecas(reais) do próprio produto! Além das suas características objectivas, os produtos têm umconteúdo simbólico muito influente no processo de compra. Como vimos atrás, o consumo é umdos meios que os indivíduos dispõem para se exprimir e até podem, através da escolha, quererafirmar o seu “bom gosto” ou a sua pertença a um dado grupo social.

A informação

A existência de informação (conhecimentos ou crenças) é indispensável a qualquer processo dedecisão. Não basta simplesmente sentir uma necessidade para despoletar uma acção de compra;é necessário ao consumidor conhecer alguns meios considerados aptos a satisfazer essanecessidade. Os elementos de informação mais importantes para o processo de decisão decompra dizem respeito:

. às características e imagem dos produtos;

. à imagem/reputação das respectivas marcas, de quem os produz, de quem ospublicita e de quem os vende;

. ao sucesso/fracasso de amigos, vizinhos e companheiros de trabalho queexperimentaram o produto.

Trataremos mais pormenorizadamente deste assunto em capítulo posterior dedicado àcomunicação e à publicidade, igualmente determinantes no comportamento dos consumidores.

O risco e a implicação

A maior parte das compras são decididas num contexto de incerteza, comportando por isso umou mais riscos. A realidade desse risco pode ser medida pelo desvio existente entre o nível deaspiração que se tem antes da compra (objectivo) e o nível de satisfação que se tem ou sentemais tarde após a compra (resultado). O risco é apercebido quando o consumidor prevê (ouquando teme) esse desvio e pode comportar tanto aspectos de ordem material comopsicológicos. O risco material corresponde, por exemplo, a um perigo físico (produtos parabebés, ou mesmo simples produtos de higiene ou de uso doméstico corrente) ou a um perigofinanceiro (compras muito dispendiosas como a habitação, o automóvel e outros bensduradouros). O risco psicológico é apercebido quando o consumidor teme, por exemplo, adesvalorização da sua imagem, quer face aos outros1, quer face a si próprio (consciência cívica,

1 É o caso do medo do ridículo no momento de decidir da compra de uma peça de vestuário, sobretudo semais audaciosa ou avant-garde: o receio que “me fique mal” ou que “me faça mais gorda do que já sou”,

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moral ou religiosa, por exemplo, mas também o “medo do fracasso” ou de perder auto-confiança).

Dando uma atenção mais exaustiva a esta questão, podemos classificar os riscos associados àcompra em cinco categorias:

. riscos sobre as performances esperadas de um produto ou de um serviço;

. riscos de uma imagem ou psicológicos;

. risco financeiro: “teremos dinheiro?”, “e o custo da manutenção periódica?”,“se esperarmos mais algum tempo, será que o preço baixa?” (compra de computador);

. risco físico: a certos produtos está associada uma possibilidade de perigosuficiente para evocar ou activar a necessidade de segurança;

. risco da perda de tempo, sobretudo quando se escolhe um mau produto.

Os consumidores, ao serem interrogados em estudos de mercado, tendem a sobrevalorizar orisco financeiro ligado a certas compras e a subestimar o risco psicológico e o risco físico.Contudo, os seus comportamentos práticos desmentem categoricamente as suas declarações: osriscos físicos e psicológicos são preponderantes, sobretudo entre as classes médias e superiores.Para minimizar o risco incorrido no acto de compra, o consumidor tem numerosas soluções:

. confiar na experiência passada;

. confiar em marcas com fama;

. confiar no comerciante ou fornecedor habitual;

. procurar mais informação, consultando fontes credíveis: especialistas ou líderesde opinião;

. “delegar” a responsabilidade da compra em alguém julgado sabedor ecompetente: o cônjude, familiar ou amigo;

. em casos extremos renunciar à compra, por o risco percebido ser demasiadogrande.

A atitude face ao risco é uma característica da personalidade dos indivíduos. Nem todos têm amesma confiança no seu próprio julgamento e nem todos estão igualmente prontos a afrontar adesaprovação (ou a ironia e o sarcasmo) do seu envolvimento social. Geralmente condidera-seque os primeiros compradores de um produto (aqueles que “dão o exemplo” da inovação noscomportamentos de compra e que permitem a modificação nos hábitos) são caracterizados pelofacto de aceitarem correr o risco de se enganarem ou de serem reprovados socialmente. Osoutros, tentados pelo sucesso da experiência destes “pioneiros”, decidir-se-ão aos poucos a que “me dê um ar demasiado escuro ou austero, pouco desportivo”, ou ainda “que me faça mais velha doque sou”... O fenómeno tem a mesma intensidade, quer se trate de escolher um simples fato de banho paraenvergar junto de uma multidão anónima na praia, ou de um vestido de cerimónia cobrindo “do pescoçoaos tornozelos”, para fazer elegante e boa figura entre pessoas bem conhecidas! Mais do que a escassezde recursos, é sobretudo o “medo do ridículo” que explica que as senhoras (e alguns homens, emboramenos...) “desarrumem” uma loja inteira, com várias idas ao camarim de provas inclusive, acabando porabandonar o estabelecimento sem concretizar uma única compra.

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imitar os seus comportamentos inovadores. Certo é que a pessoa que corre um risco maior não oinocrre sem ter em conta um ganho correspondente ao risco que incorre. Usando os termos dalinguagem económica: quemassume riscos elevados é porque espera rendibilidades elevadas; quem evita correr riscos emdemasia, contenta-se (não “maximizando”, portanto) com rendibilidades modestas, mas seguras,logo “satisfatórias”.

A atitude face ao risco é geralmente considerada como uma característica permanente dosindivíduos, marcando do mesmo modo os seus comportamentos. Contudo, os estudos demercado demonstram que a atitude face ao risco pode variar segundo os domínios da actividadepara um mesmo indivíduo, na medida em que depende da experiência e da competênciaadquirida pelos indivíduos. Por exemplo, uma pessoa que tenha tido um interesse marcado pelamecânica automóvel poderá ter adquirido um julgamento que considera seguro e o seucomportamento ser inovador, embora com uma aparência de risco. Ao mesmo tempo, estamesma pessoa poderá ter um comportamento hesitante relativamente à escolha da sua roupa,assunto em que confia mais no gosto das pessoas que mais de perto a rodeiam.

Outro aspecto ligado ao risco é a implicação ou envolvimento do consumidor. Quanto mais oconsumidor se apercebe do risco, mais o envolvimento é importante e decidivo no acto decomsumo. Há três principais factores desse envolvimento:

. o tipo de produto: a compra de uma casa, de um automóvel ou de um seguro de vida tem maior implicação que a compra de uma tenda de campismo, de uma bicicleta ou de umseguro de responsabilidade civil automóvel;

. o próprio consumidor: a compra de uma bicicleta envolve de forma diferente ocomprador adulto, um jovem pai que oferece ao miúdo de três anos a primeira bicicleta ou umadolescente, amador de ciclismo que prepara a sua primeira competição na modalidade;

. a experiência do consumidor: o envolvimento varia com o tempo e com o ciclo devida familiar: a compra de vestuário para criança, por exemplo, envolve muitíssimo mais a mãeque vai ter o seu primeiro filho que uma outra que vai ter o terceiro.

A aprendizagem ou efeito da experiência

Na última etapa do processo de decisão, o consumidor compara o resultado da sua compra econsumo com o efeito que esperava. Nesta fase, ele recebe da sua experiência um efeito deretorno (feed-back) positivo ou negativo, que reforça, positiva ou negativamente, ocomportamento-decisão assumido anteriormente. Isto quer dizer que o consumidor terátendência para se comportar no futuro de um modo que lhe permita obter sucesso. Quando umacompra repetida lhe dá muita satisfação, terá tendência a criar um hábito, pelo que o seuprocesso de decisão se reduz a uma equação simples: numa circunstância futura semelhante, a

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compra repete-se. E tenderá a ganhar ou reforçar a confiança em si próprio e na sua capacidadede julgamento ou de escolha. Se, pelo contrário, fica desiludido ou frustrado, este feed-backnegativo indica-lhe que o procedimento de decisão utilizado foi imperfeito. A sua confiança noseu julgamento terá tendência a diminuir e, de futuro, terá tendência a comportar-se de mododiferente quanto se encontrar em circunstâncias semelhantes.

Assim, no decurso da sua vida, o consumidor aprende a avaliar e a decidir, recebendo“recompensas” (reforço positivo) e “punições” (reforço negativo) resultantes das suas decisões(e das consequências práticas dessas decisões). Ou, em duas palavras, o indivíduo aprende aobter sucesso na satisfação das suas necessidades e na realização dos seus objectivos. Esteprocesso de aprendizagem pode ser descrito pelo diagrama seguinte.

As experiências vividas por um indivíduo podem traduzir-se por uma tendência para ageneralização ou para a discriminação. Na generalização, um indivíduo dá respostas idênticas aestímulos semelhantes (daí o sucesso de produtos tão diferentes, sob a mesma marca, caso umdeles tenha sido, inicialmente, muito bem sucedido entre os consumidores). A discriminação, pelocontrário, corresponde à faculdade que o indivíduo tem de responder de maneira diferente, istoé, selectiva e especificamente, aos estímulos que ocorrem em situações diferentes. A publicidade,como veremos adiante, procura quase sempre reforçar e utilizar o potencial de discriminação doindivíduo, provocando a discriminanação entre as marcas de produtos análogos.

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MODELO DE APRENDIZAGEM

Estímulo

RespostaNecessidade / Motivação

(comportamento)

COMPRA

Adopção efidelidade

à marca

Repetição da avaliação avaliaçãocompra no positiva negativa

futuro

Reforço(pode ser acentuado

pela publicidade

Nascimento o hábito desaparecedo hábito

não há depetiçãoda compra

diminui ou desaparecea fidelidade à marca

2.4.2. MODELIZAÇÃO DO PROCESSO DE DECISÃO DOCONSUMIDOR

Estamos em condições de estabelecer um modelo, necessariamente simples de representação doprocesso sequencial de decisão do consumidor:

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UM MODELO SIMPLIFICADO DO PROCESSO DE DECISÃO

soluções ReacçõesNecessidade alternativas COMPRA após a

possíveis compra

Os modelos são representações abstactas e ultra-simplificadas da realidade. É o caso deste.Tentemos desenvolvê-lo um pouco mais, integrando os fenómenos da percepção do risco e dosefeitos da aprendizagem (experiência passada).

MODELO MAIS DESENVOLVIDOintegrando de forma mais explícita os fenómenos da percepção, do risco,

da aprendizagem e da dissonância cognitiva

Revelação Definição Procura Avaliação dasda do de soluções

necessidade problema informação possíveis

Decisão COMPRA Avaliação Reacções

3. AS CARACTERÍSTICAS DO PRODUTO

Peter Drucker, presidente da Scandinavian Airlines 1 disse um dia “Antigamente, a SAS faziavoar os seus aviões; agora faz voar os seus clientes!” Esta afirmação não é uma mera tautologiade Monsieur La Palisse; antes testemunha uma verdadeira revolução na mentalidade que, cadavez mais, felizmente, orienta e dá forma à política das empresas bem sucedidas junto dos

1 Companhia de aviação comercial sueca, mais conhecida pela sua sigla SAS.

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consumidores. É que, na concepção tradicional dos empresários, a empresa é criada, organizadae desenvolvida à volta do produto. Ao repensarem a empresa como centro promotor dasatisfação de necessidades, isto é, não em função do produto, mas das necessidades/motivaçõesdo consumidor, os empresários tornaram-se bem mais realistas... e sobretudo mais “bemsucedidos” nos seus negócios.

O senhor Drucker explicou as razões desta nova “vocação” da empresa: “é o consumidor quedetermina o que é uma empresa; o que os responsáveis da empresa pensam produzir não é deprimeira importância, e não o é especialmente para o futuro. O que é decisivo é o que oconsumidor quer comprar e a sua própria concepção de valor que atribui ao produto. E issoindica a missão da empresa, a sua produção e o porquê da sua prosperidade.” E tem razão opresidente da companhia aérea: já no módulo 1 assumimos o problema económico fundamentalcomo sendo o da busca da eficiência na satisfação de necessidades; não simplesmente o dométodo mais expedito de fabricar bens ou de prover serviços. E isto significa que no estudo dacaracterização dos bens e serviços temos forçosamente de analisar em primeiro plano ascaracterísticas do próprio consumidor.

3.1. O CONTEÚDO SIMBÓLICO DOS BENS E SERVIÇOS

Importa analisar, não apenas as definições ou características técnicas (objectivas) dos produtos,como também as percepções que delas fazem ou têm os consumidores (e que sãoessencialmente subjectivas). Mas o problema colocado desta forma levanta algumas dificuldades:a percepção que o consumidor faz de um produto é complexa, variável de indivíduo paraindivíduo, dependendo do tipo de produto, das necessidades que o consumidor acredita que oproduto pode ou não satisfazer, do grau de envolvimento do próprio consumidor no acto dacompra. Tudo isto, por sua vez, dependente de uma multiplicidade de factores, como temosvindo a estudar nos capítulos anteriores.

Para os produtos muito simples, de fraco conteúdo simbólico ou afectivo, como o sal, a lâmpadaeléctrica, ou o simples lápis, as expectativas e aspirações dos consumidores não são muitodiferentes entre si. Quanto mais complexos são os produtos, mais a sua carga simbólica eafectiva é forte e mais as percepções são diferentes de um consumidor para outro (e mais tendema poder modificar-se com o tempo, para o mesmo indivíduo). Num simples receptor de TV, umconsumidor masculino poderá perceber em primeiro plano o número de canais que podesintonizar, enquanto a sua mulher poderá “ver” no aparelho um objecto adicional de “mobília”que deve, na sua estética e dimensões, não “destoar no conjunto do mobiliário da sala”. Háprodutos que aspiramos a ter porque “toda a gente os tem” (produtos de fraco conteúdosimbólico ou afectivo); e há outros que desejamos, não menos ardentemente, comprar, pelasimples razão de “só muito poucos o terem” (o que só acontece com bens de elevado conteúdosimbólico-afectivo).

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A percepção do produto também pode evoluir com a idade do indivíduo. Por exemplo, parauma criança, o cigarro é um símbolo de pertença ao mundo das “pessoas grandes”, dos adultos.Para um adolescente, fumar significa afirmação de si próprio, uma transgressão da interdição dospais, um procedimento quase “iniciático” na sua inserção em grupos (onde há um razoávelnúmero de fumadores). Só mais tarde, a mesma pessoa poderá ver no tabaco a ameaça de umperigo mortal (e no corte com o maldito vício uma forma de se assumir como “contestatária” emrelação à sociedade).

“Objectos inanimados, será que vocês têm uma alma?” Sim, ao que parece a “alma” que oconsumidor quer que lhe seja vendida a um preço compensador do sacrifício de uma parte dosseus escassos recursos. Não faltam casos em que estamos praticamente inconscientes darealidade tecnológica dos bens que usamos, e em que os nossos desejos de compra e asaquisições que concretizamos são fortemente determinados pelos símbolos que ligamos aosprodutos e às marcas. Conhece-se o simbolismo de objectos complexos como o automóvel.“Façam qualquer um falar do seu automóvel, ou sobre os seus carros sucessivos, e ficarão asaber muito depresa o que ele pensa da vida, da sua família e do seu país”1. E até de objectosmais simples, como o pneumático ideal para a condução sob chuva (ou para poupar X% decombustível por mês), símbolo de um consumidor que quer, simultaneamente, ser poupado e sercauteloso em matéria de segurança na estrada. Um relógio de bolso, muitíssimo mais queinstrumento de consulta da hora legal, é um símbolo de velha tradição familiar (ou de “casta”social) que se quer preservar. Também uns óculos de sol, bem “equilibrados” na região frontaldo cabelo, certamente que não protegem os olhos da claridade do sol estival, mas podem“funcionar” como símbolo de atitude desportiva e descontraída.

A importância do conteúdo simbólico estende-se, naturalmente, aos bens e serviços relacionadoscom o lazer e a cultura. Se fosse produzido e exibido há trinta anos, o filme Danças com Lobos,de Kevin Kostner (realizador e actor principal), estaria condenado ao fracasso, porque o índioera então uma raça em vias de extermínio, em nome do progresso económico material. Pelomesmo motivo que, há trinta anos, seria inviável e impensável Robin dos Bosques, príncipe dosladrões2 ter como amigo do peito um árabe maometano. Ainda não há muitos anos, todos osmiúdos gostavam de “brincar aos cow-boys”; hoje quase todos preferem “brincar aos índios”:enquanto o primeiro se tornou símbolo de “porco”, violento, prepotente, individualista e mal-educado, o índio é o símbolo do asseio, da vida comunitária, da simplicidade e da comunhãoecológica com a natureza3.

1 Roland BARTHES, La voiture, projection de l’ego; in Réalités nº 213.2 Do mesmo realizador.

3 O mesmo símbolo do equilíbrio ecológico (e também o do primado da família e da “razão de Estado”sobre o individualismo) vamos encontrar em O Rei Leão, filme para os mais pequenos. O filhote Simba éeducado pelo pai, não para ser um feroz predador das espécies indefesas, mas para respeitar o ciclo davida e o equilíbrio da cadeia alimentar no reino. Sinais dos tempos e imagem de marca da produtora WaltDisney Pictures.

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3.2. COMPONENTES DE UM PRODUTOUm produto (bem ou serviço), além das suas características físicas, é ele próprio um vector ousuporte de comunicação muito importante. Comunica através da sua forma, das suas cores,através das diversas mensagens impressas na embalagem, da sua disposição nos locais de venda.Comunica também através das suas performances, isto é, através das suas qualidades oudefeitos revelados a quando da sua utilização. E, é claro, através da sua marca1. De todos estes,digamos que a embalagem é a “cara” (por vezes bem “maquilhada”) do produto; a marca é oseu sinal particular mais distintivo.

3.2.1. A marca

Existem centenas de milhar de marcas que banalizam (e baralham) o universo cognitivo doconsumidor. Apenas algumas delas fazem parte do seu vocabulário corrente. Apesar disso, não éfácil definir o que constitui uma marca. A marca pode ser o nome da empresa produtora (ou daempresa distribuidora), o nome do proprietário da empresa produtora, uma denominaçãooriginal, ou a combinação dessa denominação com um nome de empresa ou de família (marca-caução). Digamos que ela pode ser:

• institucional: quando usa o nome da empresa (ou do grupo de empresas) que fabrica oproduto (ou o distribui): Marconi, Jerónimo Martins, Nestle, Iglo;

• marca-produto: uma denominação de marca por cada produto (ou por gama): Opel Tigra,Kit Kat, SG Lights, Intercidades, Portugal Directo, Canal 1.

Mas a imaginação em matéria de marcas não tem limites, dificultando o estabelecimento de umaclassificação das marcas. O quadro da página seguinte é uma tentativa de “arrumação”.

A marca-produto é, no sentido restrito, uma marca que designa um só produto, que o identificaclaramente e para o qual traz uma promessa de utilidade específica: por isso se diz que elaposiciona o produto no mercado.

1 É por vezes muito difícil estabelecer uma fronteira entre o “produto-objecto material” e o “produto-meiode comunicação”, sempre que as suas características técnicas sejam igualmente portadoras de uma oumais mensagens de elevado conteúdo simbólico ou afectivo. O automóvel é disso bom exemplo. O ruídodo motor evoca a potência da máquina, fazendo sentido falar da “música” de um Ferrari. Mas também osilêncio pode ser o conteúdo da mensagem de um Rolls Royce: “A 90 Km/h, o único barulho que se ouve éo do relógio eléctrico” (anúncio publicitário produzido pela Ogilvy).

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A marca-umbrella1 cobre produtos variados, por vezes muito diferentes, emprestando a todoseles uma certa garantia de imagem de qualidade ligada à marca. É o caso da Nivea, que temprodutos para diversos fins (creme amaciador, gel de duche, protector solar, etc). No planoeconómico-empresarial, a marca-umbrella tem muito interesse: permite concentrar osinvestimentos (nomeadamente em publicidade) e capitaliza o conhecimento e a experiência que oconsunmidor já tem sobre os produtos da marca.

A marca-caução encontra-se principalmente em grandes grupos. Serve, simultaneamente, paradar ao consumidor a garantia de uma imagem forte e reagrupar numerosas actividades à volta deuma marca institucional.

OS TIPOS DE MARCAS

Tipo Definição Exemplo

Tipos extremos:é a política da Lever Portuguesa: a

MARCA-PRODUTO Uma só marca por cada produto, a sua marca: Omo,produto (ou por gama) skip, Radion, Presto

Delta é uma marca de café e de açúcar.MARCA-UMBRELLA Uma só marca para É uma marca institucional, uma vez que

vários produtos é o nome da empresa produtora.

Tipos mistos:

MARCA DE FAMÍLIA A marca do produto inclui a Nes-café, Nes-quick, Nes-tummarca da família Bioplait

DUPLA MARCA uma marca de produto, mais Findus da Nestlemarca de caução

A expressão e as qualidades de uma marca

Existem diversas formas de exprimir uma marca, desde a mais simples (a sua denominação), àsua expressão gráfica (logotipo) ou sonora, passando pela aposição de um slogan repetido até àexaustão (“Compal é mesmo natural” ou “Coca-Cola: sensação de viver”). A melhor marca éaquela que mais facilita a comunicação e a identificação do produto:

. a que exprime o tipo de produto ou o ramo de actividade: Sumol, Vitasumo;

. a que evoca o produto e as suas promessas: Minipreço, Pagapouco;

1 Não se usa a tradução literal para português (“marca guarda-chuva”).

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. ser original e distinguir-se claramente da concorrência;

. ser fácil de pronunciar e de memorizar;

. deve ser curta, com duas sílabas de preferência: Kodak, Banzé, Omo, Olá.

3.2.2. O design e a embalagem

O design é uma técnica muito recente. Baseia-se no pressuposto simples que o consumidortende a rejeitar aquilo que é feio e a ser atraído pelo que é agradável à vista. Podemos distinguirtrês grandes tipos: o design do produto, da empresa e de “arquitectura”.

. o design do produto diz respeito à concepção técnica e formal do produto, à sua estética e àsua facilidade de utilização;

. o design da empresa corresponde a tudo quanto tem a ver com a sinalética da empresa(logotipos, desenho de marcas, etc);

. o design de arquitectura diz respeito à arquitectura de interiores dos pontos de venda ou deatendimento do público.

O design do produto comunica fazendo apelo a quatro registos principais: as cores, as formas,as palavras e os números. De entre estes, as cores têm um papel proeminente, enquanto que osnúmeros “enfermam” de algumas dificuldades de percepção1, como esquematiza a figuraseguinte:

A comunicação pelo design

Maior facilidade de percepção + 1. a CORe de compreensão

2. a FORMA e os VOLUMES

3. as PALAVRAS

Dificuldades de percepção

e de compreensão - 4. os NÚMEROS

1 Tanto maiores quanto menor for o grau de instrução do consumidor (ou quanto mais ele tiver sidopsicologicamente marcado no passado pelo insucesso escolar em Matemática...)

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Para um grande número de produtos, o design está embutido na embalagem. Da embalagemexige-se que:

. ajude a conservar, transportar e armazenar o produto;

. ajude a utilizar o produto (caso do “bico” em S do WC Pato);

. obedeça a normas legais: informe o consumidor sobre a quantidade, origem, marca ecomposição do produto, incluindo o seu modo de emprego e prazo de validade;. ser atractiva para o potencial cliente.

A propósito da característica atractiva da embalagem, resta dizer que e cor desempenha umpapel preponderante. As cores têm um sentido que varia de uma cultura para outra1. O quadroseguinte apresenta um “código” (muito sumário, mas elucidativo) dos sentidos das cores emPortugal, podendo ser também aplicado aos países europeus ocidentais (mormente aos daEuropa do Sul e/ou de religião predominantemente católica). Não faltam inquéritos e estudos demercado corroborando a tese de que o “jogo” de cores das embalagens é, em muitos casos, “agota de água” que faz o consumidor decidir-se pela aquisição de um produto. O quadro seguinteé bem elucidativo das múltiplas mensagens que as cores, sendo usadas criteriosa edeliberadamente, podem transmitir.

1 Por exemplo, o amarelo é a cor da nobreza no Japão, ao passo que em França é a cor dos traidores (ou dosmaridos enganados)!

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CÓDIGO DE CORES

Associações AssociaçõesCor positivas negativas

A paixão, o dinamismo, A violência, a guerra, o crime,VERMELHO o revolucionário, o sexo, o sangue,

a masculinidade o fogo, o Demónio

A energia, a actividade, Não tem associações negativas; LARANJA a generosidade, o convívio, pode, todavia, dar a ideia de

a ambição ingenuidade ou infantilidade

O Sol, o Verão, a luz, O amarelo, sendo baço, exprimeAMARELO a inteligência, a ciência, a acção, a cobardia, a traição,

a realeza, a prudência a dúvida

O vegetal, a Natureza, a Primavera, O verde, sendo azulado, é gelado,VERDE a vida, a esperança, a fertilidade, agressivo e violento.

a segurança, a satisfação, o repouso Sendo acinzentado, é doentio

A espiritualidade, a Fé, o Sobrenatural, Os valores introvertidos,AZUL a feminidade, a Justiça, a Razão, o secreto, a penumbra,

a seriedade, a tranquilidade, a higiene a timidez

A nobreza, a realeza, o poder, O inconsciente, o misterioso,VIOLETA a Paixão de Cristo, a opressão, a luta,

a Hierarquia da Igreja a superstição, a decadência

O luxo, a distinção, A morte, o desespero,PRETO o rigor, o sóbrio, o desconhecido,

a dimensão artística o medo da escuridão

A inocência, a pureza, O vazio, BRANCO a virgindade, a perfeição, o silêncio,

a Verdade, a Sabedoria o inatingível

3.3. O CICLO DE VIDA DOS PRODUTOS

Tal como fazemos ao analisar os diversos estádios de desenvolvimento e da vida de umindivíduo, também podemos perspectivar a “vida” de mercado de um produto comoatravessando diversas fases: a sua concepção-projecto (gestação), o seu lançamento no mercado(nascimento), a sua implantação junto dos consumidores (adolescência), a sua fase dematuridade com consumo generalizado à maioria dos estratos sociais (idade adulta) e o seudeclínio ou saturação (velhice). Os produtos, as mais das vezes, também “morrem”, deixando deser produzidos e desaparecendo do mercado (quem se lembra do “cubo mágico” de Rubik, oude ter comprado um disco de vinil de 33 rotações por minuto?). A figura seguinte mostra oformato normal da curva do ciclo de vida de um produto.

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O CICLO DE VIDA DOS PRODUTOS(situação em 1996)

VENDAS

MaturidadeDesenvolvimento

Declínio

Lançamento TEMPOCD audio; Automóvel;

CD interactivo; produtos Televisor;telemóvel; alimentares Telefone; Máquina de costura;

fotografia em dietéticos; Máqª de lavar roupa Disco de 33 r.p.m.disquete magnética Máqº de lavar Cinema

louça

A curva do ciclo de vida de um produto exprime, geralmente, a evolução das suas vendas (não ada evolução do lucro, cujo formato é ligeiramente diferente). A curva mais regular tem o formatode um sino, como no gráfico anterior. Nestes casos, é relativamente fácil construir modeloseconométricos de representação/previsão da procura que vão ter no futuro próximo. Produtoscomo o televisor, a aparelhagem de alta-fidelidade e o micro-ondas têm este tipo de“comportamento”. Há outros produtos (sal, açúcar, especiarias) cujo mercado tem uma grandelongevidade: a sua fase de maturidade é tão longa que faz pouco sentido aplicar-se-lhes a noçãode ciclo de vida. Podem encontrar-se também produtos que parecem “não ter idade”,caracterizados também por um longo período de maturidade: é o caso das colas (Coca-Cola ePepsi), um produto relativamente antigo num mercado -- o das bebidas sem álcool -- em que osgostos dos consumidores são muito “voláteis”1 . Há outros produtos que, contrariamente aosacima descritos, têm ciclos de vida muito curtos (embora, por vezes, muito marcantes): ficaramcélebres o twist , a lambada, o cubo mágico. Sucede o mesmo com produtos que aproveitam aimagem de um personagem de série televisiva (uma vez terminada a exibição da série, o produtoentra em declínio) e também com os chamados “produtos de moda” (as colecções sazonais daBenetton, por exemplo). E há produtos cujo mercado “ressuscita” após o declínio: o auto-rádio

1 Em matéria de serviços, os certificados de aforro são um produto financeiro muito antigo e maduro, masque, apesar disso, continua a ter uma procura muito elevada num sector em inovação constante.

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(com leitor de cassetes) “ressuscitou” o interesse pela escuta de emissões de rádio; ascolectâneas de velhos êxitos de John Lennon, de Elvis Presley e dos Beatles fizeram renascer aprocura por produtos que há muito tinham entrado em declínio e que se encontravam quasedesaparecidos.

3.4. A INOVAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS

O consumidor é, em geral bastante sensível à inovação, muito embora nem todos osconsumidores assumam o perfil de “pioneiros” (os primeiros a experimentar um produtocompletamente novo). Por isso, a inovação e o desenvolvimento de novos produtos é tão eficazem prolongar o ciclo de vida de alguns produtos cujo mercado entra em saturação ou emdeclínio. A novidade de um produto tem a ver, não apenas, como a sua nova diferenciaçãotecnológica, mas sobretudo com a percepção que desse novo produto têm (ou podem vir a ter)os consumidores quando confrontados com essa inovação: em rigor, um produto só égenuinamente novo quando altera comportamentos/hábitos dos consumidores.Deixamos a caracterização dos diversos tipos, motivações e riscos empresariais da inovaçãopara tratamento no módulo 81. Por agora, interessa-nos analisar as possíveis reacções dosconsumidores ao lançamento de novos produtos ou à inovação em produtos já existentes. Avariável fulcral nesta análise é o tempo que o consumidor demora a aderir ao novo produto (e adecidir-se por comprá-lo). É de admitir que este tempo de adesão à inovação tenha muito a vercom certas características especiais ou permanentes dos indivíduos (psicológicas, sociológicas eeconómicas). Everett Rogers2 agrupou os consumidores em cinco categorias, em função dotempo necessário para que eles adoptem um produto novo: os pioneiros, os adoptantes iniciais, amaioria inicial, a maioria tardia e os retardatários.

Os pioneiros ou inovadores:. têm um nível de rendimento superior;. são mais jovens e recebem mais informações do ambiente exterior;. pertencem a uma categoria socioprofissional elevada;. têm um nível de educação elevado;. têm uma maior mobilidade social;Os adoptantes iniciais:. são líderes de opinião e gostam de adoptar as novas ideias na hora certa;. pertencem a um estrato social elevado e têm um nível de instrução elevado.

Os consumidores da maioria inicial:. são prudentes e com propensão à poupança;. nunca fazem uma compra irreflectida ou de impulso;. apreciam as inovações, mas preferem sejam outros a experimentá-las primeiro.

1 Subordinado ao tema “A empresa e a função de produção”.2Everett ROGERS, Diffusion of Inovattions, The Free Press, Nova Iorque, 1962, p. 162.

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Os da maioria tardia:. são pouco receptivos à inovação;. procuram a segurança e evitam situações de risco;

. só se “convencem” pelo peso da opinião pública ou pelo conselho dos líderes de opinião.

Os retardatários:. estão agarrados à tradição e desconfiam de todas as mudanças.

O gráfico seguinte sugere uma distribuição normal dos consumidores segundo os cinco tipos ouperfis atrás descritos.

3%

12%

35% 35%

15%

RetardatáriosPioneiros Maioria inicial Maioria tardiaAdoptantes

iniciais

CLASSIFICAÇÃO DOS CONSUMIDORES EM FUNÇÃO DO TEMPO NECESSÁRIO À ADOPÇÃO DAS INOVAÇÕES

No gráfico anterior, os valores percentuais indicam o peso médio de cada perfil de consumidor.Na maioria dos casos, os consumidores de tipo inovador ou pioneiro não representam mais que3 por cento do mercado. Ainda assim, as empresas , no acto de lançamento de um novo produtoprocuram “atingir” sobretudo um alvo composto por consumidores dos tipos pioneiro e aceitanteinicial, pelo papel decisivo que estes consumidores-tipo podem desempenhar na difusão do novoproduto. Só numa segunda fase se procura convencer as maiorias inicial e tardia. Não admira,

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pois, que esta curva de distribuição dos consumidores pelos vários tipos ou perfis tenha umaconfiguração semelhante à que vimos anteriormente para o ciclo de vida do produto. É evidenteque os valores percentuais corrrespondentes ao peso de cada tipo-perfil de consumidor sãovalores “médios”, pelo que não se aplicam às inovações em todos os produtos. Como é evidentetambém a influência decisiva que o marketing e a publicidade podem ter nesta matéria, comoveremos no último capítulo deste módulo.

6. A MEDIDA DO MOVIMENTO DOS PREÇOS

Vimos anteriormente que um dos factores determinantes fundamentais da quantidade procuradade um bem ou serviço no mercado é o seu preço. E que num sistema de economia de mercadoos preços (sobretudo as suas variações) constituem verdadeiros sinais exteriores da maior oumenor escassesz de recursos e da maior ou menor facilidade em produzir um bem (lado daoferta) e do grau de apetência de um bem pelos consumidores (lado da procura). Também jásabemos que uma variação nos preços dos produtos, fazendo variar o poder aquisitivo dosconsumidores, tem um efeito semelhante ao de uma variação do rendimento disponível real. Porisso, variações nos preços dos bens e serviços são susceptíveis de aumentar ou diminuir o bem-estar social das famílias. E alteram também a repartição do rendimento real entre os diversosagentes económicos, suscitando por vezes problemas delicados de justiça social.

Os economistas chamam inflação ao fenómeno que consiste numa subida continuada dos preçosda generalidade dos bens, serviços e factores de produção. É um fenómeno que, mais do queparece à primeira vista, perturba fortemente os comportamentos, hábitos e decisões de todos osagentes económicos: das famílias, das empresas... e do próprio Estado! E perturba-os, namedida em que aumenta de forma significativa (e por vezes inesperada) o risco e a incerteza paratodos os agentes económicos.

Uma inflação elevada provoca uma redistribuição arbitrária e socialmente injusta do rendimento eda riqueza em termos reais: os grupos que têm rendimentos ficos em termos monetários são osmais duramente atingidos no seu poder de compra. Perdem igualmente com a inflação os gruposou famílias que detêm a sua riqueza sob formas cujo valor monetário não acompanha a inflação(moeda, depósitos à ordem, obrigações) e também os trabalhadores com mais fraco poder denegociação. A inflação favorece os devedores (e incita mesmo ao endividamento), penalizandoos credores, que vêem desvalorizar o valor real dos créditos que detêm sobre terceiros. Ainflação aumenta a ineficiência na afectação intertemporal de recursos, uma vez que provocaquebra de confiança na moeda, quer como meio de pagamento, quer, sobretudo, comoinstrumento de reserva de valor. Por isso, a inflação é desincentivadora da poupança,favorecendo as aplicações financeiras meramente especulativas e os projectos com um tempo degestação curto e com um período de recuperação do capital investido mais rápido. A todos estes

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males, a inflação no país, sendo superior à inflação nos países nossos principais parceiroscomerciais, tende a desequilibrar as contas externas, levando o consumidor nacional a preferirprodutos estrangeiros mais baratos (com o consequente aumento do desemprego, motivado pelaredução das “encomendas” a algumas actividades produtivas nacionais).

Apesar desta extensa lista de efeitos nefastos provocados pelas variações continuadas dospreços, a verdade é que a esmagadora maioria dos agentes económicos não sabe tomar em linhade conta estes efeitos nos seus comportamentos e decisões quotidianas. Encontramos, por isso,razões mais que suficientes para estudar com algum pormenor métodos de medida das variaçõesdos preços. É isso que vamos fazer neste capítulo.

6.1. CÁLCULO DE VARIAÇÕES

Suponha que o preço de um produto A aumenta de 500$ para 600$ e que o preço de um outroproduto B passa de 50$ para 75$. Aparentemente, o produto A foi o que mais encareceu (teveum aumento de preço de 100$, enquanto B apenas aumentou em 25$ por unidade). Narealidade, sucede exactamente o contrário. Repare que o aumento do preço de A em 100$representa uma quinta parte (20%) do preço antigo, enquanto que os 25$ de aumento do preçode B significam metade (50%) do respectivo preço antigo.Por isso, muito embora o preço de Atenha sofrido maior agravamento em termos absolutos (100$>25$), foi o preço de B queregistou maior agravamento em termos relativos (50%>20%).

A questão fica esclarecida com a introdução de dois conceitos fundamentais no cálculoeconómico: o da variação absoluta e o da variação relativa. Designando por P0 o preço antigoe por P1 o novo preço,

• a variação absoluta é ∆P = P1 - P0

P1 - P0• a variação relativa é ∆%P = × 100

P0

O cálculo das duas variações para o exemplo dado anteriormente pode sintetizar-se no quadroseguinte.

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Preço Preço Variação VariaçãoBens antigo novo absoluta relativa

A 500$ 600$ +100$ +20%B 50$ 75$ +25$ +50%

Se o preço registar uma diminuição, as variações absoluta e relativa terão um valor negativo. Porexemplo, se o preço de um bem C descer de 400$ para 360$, a variação absoluta é

360$ - 400$ = - 40$

e a variação relativa é

360$ - 400$ × 100 = - 10%

400$

Processamento de aumentos e de descontos

Para calcular o novo preço (P1) que resulta de aplicar um dado aumento percentual (∆) a umpreço antigo (P1), faz-se

P1 = P0 + P0 × ∆ = P0 × (1 + ∆)

Para calcular o novo preço (P1) que resulta da concessão de um desconto (∆) a um preço antigo(P0), faz-se

P1 = P0 + P0 × ∆ = P0 × (1 - ∆)

Exemplificando:para processar um aumento de dez por cento a um preço de 620$, tem-se:

P1 = 620$ × (1 + 0,1) = 682$

para processar um desconto de cinco por cento a uma quantia de 900$, o novo preço é:

P1 = 900$ × (1 - 0,05) = 855$ .

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6.2. MÉDIA ARITMÉTICA PONDERADA

Outra medida de estatística matemática que é necessária para uma medição correcta da variaçãodo nível geral dos preços é a média aritmética ponderada (ou pesada). Porquê? Repare que asdespesas nas várias classes de bens e serviços (alimentação, vestuário, transportes, cultura, etc)não têm o mesmo peso no orçamento. Por isso não podemos calcular a variação do nível geraldos preços na economia fazendo pura e simplesmente a média aritmética simples das variaçõesdos preços de todos os produtos. É preciso ponderar mais (atribuir maior peso), por exemplo,às despesas com a alimentação que às do ensino, cultura e distracção. Como se introduzem estasponderações? Vejamos um exemplo.

Certo aluno obteve nas duas provas de avaliação de um módulo as classificaçõesde 18 na primeira e de 10 na segunda. Se a nota final for a média aritmética simples, ametodologia de cálculo será a de somar as parcelas e dividir o resultado pelo número deparcelas que entraram no cômputo da média, ou seja:

(18 + 10) / 2 = 14 .

Suponha agora que, por razões várias e bem fundamentadas, o professor determinaque, no cômputo da nota final de módulo, a classificação da segunda prova tem um pesotriplo do da primeira (a primeira tem peso=1 e a segunda peso=3). Neste caso, devemsomar-se não as notas, mas os produtos de cada nota pelo respectivo peso. E dividir oresultado pela soma dos pesos, ou seja:

18 × 1 + 10 × 3 1 + 3

o que conduz a uma nota final de 12.

A média calculada acima diz-se ponderada (ou pesada). Querendo calcular a média aritméticade uma série de valores X1, X2, ... , Xn ponderada por pesos, respectivamente, p1, p2, ... ,pn , faz-se:

X1 × p1 + X2 × p2 + X3 × p3 + ... + Xn × pn p1 + p2 + p3 + ... + pn

O índice de preços no consumidor, que será visto em seguida, usa como ponderadores os pesosdos vários bens e serviços no orçamento das famílias portuguesas.

6.3. O ÍNDICE DE PREÇOS NO CONSUMIDOR

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A medida da inflação (variação do nível geral dos preços dos diversos bens e serviçosdisponíveis no mercado) é-nos dada por um número-índice chamado índice de preços noconsumidor. Este indicador exprime, não uma soma de variações de preços dos váriosprodutos, mas uma média ponderada das variações dos preços dos vários bens e serviços queintegram um cabaz de compras representativo do padrão de consumo da família. Nessa médiaponderada, os ponderadores utilizados no cálculo são os pesos de cada rubrica de despesa(alimentação, saúde, etc) no orçamento familiar (quota-parte ou percentagem do rendimentofamiliar gasto em cada rubrica da despesa).

O índice de preços no consumidor é, portanto, um indicador que permite seguir, ao longo dotempo, as variações dos preços de um conjunto de bens e serviços, conjunto esse (painel) que éconsiderado representativo da estrutura de consumo de agregados familiares geograficamentelocalizados. Por isso, nesse conjunto de produtos, que constitui o painel de consumo, estãorepresentadas todas as despesas das famílias, mesmo as que respeitam a bens e serviços nãoincluídos no painel. Em Portugal, este indicador é calculado mensalmente pelo Instituto Nacionalde Estatística (I.N.E.).

Na construção do índice, inquéritos às despesas familiares (de quatro em quatro anos) facultamos elementos necessários para a escolha dos produtos: através dos resultados destes inquéritos,fica a saber-se quais os bens e serviços que têm maior importância, isto é, maior peso noconsumo das famílias, sendo, por isso, considerados representativos. E fica também a saber-sequal a estrutura ou padrão de consumo das famílias, por áreas geográficas (regiões), ouclassificadas segundo certas características (dimensão, nível de rendimento, nível de instrução,etc). O índice de preços calculado pelo INE baseia-se no painel de consumo do tipo deagregado familiar mais frequente ou predominante. O passo seguinte, de periodicidade mensal, éa realização de inquéritos-sondagem junto de vários milhares de estabelecimentos comerciais,para obter a informação sobre os preços correntes dos diversos bens e serviços que integram opainel de consumo do índice de preços.

São múltiplas as razões da grande utilidade do cálculo e utilização prática do índice de preços noconsumidor (IPC). Aqui ficam algumas.

Utilização económica

. O IPC desempenha um papel importante na formulação da política de rendimentos e preços(concertação social incluída) e na avaliação da eficácia das medidas dela decorrentes;

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. permite medir a competitividade de um país, comparando o ritmo de crescimento dos preçosno país e no estrangeiro1;

. é utilizado na Contabilidade Nacional, tornando-se indispensável como deflaccionador2, istoé, permitindo o cálculo da variação do consumo das famílias em termos reais (em quantidade) enão em valor (inflaccionado pelos preços em ascensão).

Utilização social

. o IPC constitui um indicador-base na fundamentação da negociação colectiva entre sindicatose empregadores3;

. e também na formulação de medidas de política social em favor dos grupos maisdesfavorecidos da população4;

Utilização jurídica

. O IPC é usado frequentemente nos contratos públicos e privados (e em diversa legislação até),como cláusula de actualização periódica de montantes fixados nesses contratos.

Empregou-se em alguns parágrafos atrás a expressão “deflaccionador”. Convém esclarecerdesde já o seu significado. Na actividade estatística é mais fácil recolher dados sobre o valor dastransacções, do que acerca das quantidades transaccionadas5. Uma maneira prática de obteruma estimativa das quantidades transaccionadas é procurar saber qual foi a variação dos preçose, em seguida, decompor a variação do valor transaccionado em duas componentes: a que sedeve à variação nas quantidades e a que é descida à variação dos preços. O número-índicedeflaccionador mais não é que um divisor que permite saber exactamente qual é a variação dovalor que é explicada pela variação da quantidade6.

1 Um país perde competitividade se tiver uma inflação mais elevada que a dos outros países seus maioresparceiros comerciais.2 Ver desenvolvimento deste conceito na página seguinte.

3 Por exemplo, os sindicatos necessitam conhecer com rigor a medida da variação do nível geral dos preçosdurante um determinado período, a fim de reivindicar aumentos de salários e de outras formas deremuneração que, no mínimo, reponham o poder de compra deteriorado pela inflação.

4 O aumento das prestações sociais e das pensões de reforma a um ritmo superior ao da inflação é umamedida que, seguramente, aumenta a justiça social na economia de qualquer país.

5 ... quanto mais não seja porque a contabilidade das empresas se refere a valores (preços × quantidades) enão a quantidades.

6 Ver última secção deste capítulo sobre Operações a preços constantes.

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O IPC calculado em Portugal agrupa os diversos bens e serviços que compõem o cabaz decompras representativo do consumo das famílias em nove classes de despesa:

Alimentação e bebidasVestuário e calçadoRendas de habitação e conservação de interioresConforto da habitação1

SaúdeTransportes e comunicações2

Ensino, cultura e distracçãoTabaco e despesas do fumadorOutros bens e serviços3.

Sobre a interpretação do IPC, duas notas importantes:

. o IPC mede, não o nível de preços, mas a variação do nível de preços;

. mede a variação relativa; e não a variação absoluta do nível de preços.

Para o cálculo do índice, começamos por escolher um período-base (mês ou ano, geralmente oano), que é o ano que vai servir de termo de compração. Para cada bem ou serviço, o índice depreços no ano-base é igual a 100. E o índice geral de todos os preços no ano-base é tambémigual a 100. Como se calcula o índice em meses ou anos seguintes? Em primeiro lugar, é precisosaber, para cada um dos produtos do painel representativo, os preços no ano-base e no períodocorrente (actual). O índice simples para cada produto é dado por

(Pt / Po) × 100

sendo Pt o preço do produto no ano corrente (t) e Po o preço do mesmo produto no ano-base. Vejamos um exemplo esclarecedor.

Suponha que no ano-base o preço da batata era de 40$ e o da cebola era de 60$. Admita que,actualmente, os preços dos dois artigos são, respectivamente, de 48$ e de 66$. O índice depreços simples para a batata é de

(48 / 40) × 100 = 120

1 Despesas com fornecimentos de água, gás, electricidade e também com mobiliário, electrodomésticos,incluindo a reparação de bens duráveis.

2 Veículos, combustíveis, reparação e conservação de veículos, tarifas de transportes públicos, portagens,tarifas postais e dos serviços telefónicos.

3 Esta classe inclui, por exemplo, despesas em artigos de higiene e de cuidados pessoais, viagensturísticas, jogos e apostas e serviços diversos.

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e significa que a batata aumentou 20% ( = 120 - 100) entre o ano-base e o período corrente ouactual. Similarmente, o índice simples para a cebola é

(66 / 60) × 100 = 110

e interpreta-se o resultado dizendo que a cebola aumentou 10% (= 110 - 100) entre o ano-base e o período corrente. Repare que, quando dizemos que, relativamente a um dado ano-base,o índice de preços da batata é de 120 e o da cebola é 110, isso não significa que a batata estejamais cara que a cebola. Significa, sim, que o preço da batata cresceu a um ritmo superior ao dacebola. Ou seja: que a batata encareceu mais em termos relativos (20%) que a cebola (apenas10%).

Se ponderarmos o peso de cada bem ou serviço na estrutura de gastos familiares, o índice geralde preços no consumidor é uma soma de tantas parcelas quantos os produtos que compõem ocabaz representativo. Cada parcela é uma expressão do tipo

W × (Pt / Po)

em que W é o peso do produto na estrutura de gastos familiares no ano-base, Pt o preçocorrente e Po o preço do produto no ano-base.

A utilização prática deste índice de preços, por exemplo, para extrair conclusões sobre aevolução do custo de vida em termos de um ou mais produtos requer alguns “cuidados” denatureza matemática já estudados em secção anterior. Mais um pequeno exemplo elucidativo:suponha que o índice de preços de três tipos de produtos(pronto-a-vestir masculino, pronto-a-vestir feminino e pronto-a-vestir criança) apresentava emJunho de 95 e em Junho de 96 os valores do quadro seguinte:

Jun 95 Jun 96

p.v. masculino 250,2 280,4

p.v. feminino 295,8 320,0

p.v. criança 270,4 318,6

Para medir a variação percentual dos preços utilizando o índice teremos de fazer, para o p.v.masculino

( 280,4 - 250,2 ) / 250,2 = 0,121 = 12,1%

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para o p.v.feminino

( 320,0 - 295,8 ) / 295,8 = 0,082 = 8,2%

Analogamente, para o p.v. criança,

(318,6 - 270,4 ) / 270,4 = 0,178 = 17,8% ,donde se conclui que o agravamento dos preços foi de 12,1% no vestuário masculino, de 8,2%no feminino e de 17,8% no de criança. A metodologia usada neste exemplo consiste em calcularmuito simplesmente a variação percentual do índice entre dois períodos homólogos (mesmo mêsde anos diferentes) e pode ser usada quer para produtos isolados, quer para grupos ou classesde produtos, quer ainda para o índice geral de preços (de todo o cabaz de compras).

6.4. A TAXA DE INFLAÇÃO

A variação (relativa) do índice geral de preços (relativo à totalidade do cabaz representativo dasdespesas familiares) num qualquer período de doze meses dá-nos o indicador conhecido portaxa de inflação. Regra geral, a taxa de inflação é referida ao ano ou a um qualquer período dedoze meses consecutivos, mas também pode ser referida ao mês. Há duas principaismetodologias de cálculo da inflação a partir do índice geral de preços no consumidor:

. o da inflação homóloga e

. o da inflação média anual.

O método da variação homóloga consiste em comparar (calculando a respectiva variaçãorelativa) o índice de preços num dado mês com o índice de preços referido a idêntico(homólogo) mês do ano anterior:

Dizer que a inflação em 2001 é de 3 por cento em termos de variação homólogasignifica dizer que entre Dezembro de 2000 e Dezembro de 2001, o nível geral dos preços(medido pelo IPC) cresceu 3 por cento.

O método da variação média anual consiste em calcular a variação relativa ou percentual entreduas médias aritméticas simples: a média dos índices mensais num período de doze meses e amédia dos índices mensais no período de doze meses imediatamente anterior àquele.

Neste caso, a inflação em 2001 seria obtida comparando a média dos 12 índicesmensais de 2001 com a média dos 12 índices mensais de 2000.

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As duas metodologias de cálculo conduzem a resultados muito próximos, mas diferentes1.Matematicamente, a primeira das duas metodologias (a da variação homóloga) é mais “sensível”às variações dos preços, pelo que sinaliza mais rapida e fielmente qual a tendência no andamentodos preços a curto prazo (no último mês, por exemplo). Em contraste, o método da variaçãomédia anual constitui um melhor indicador de tendência de médio prazo e da forma como ospreços se comportaram ao longo de um ano ou de um período mais longo.

Se a tendência da inflação for de descida consecutiva há mais de um ano, mas derepente, no último mês, o nível geral dos preços acelerar, o método da variação homólogaacusará imediatamente essa subida, ao passo que o da variação média anual dará a ilusãoque a inflação continua a descer, não obstante continuar a ser o melhor indicador da formacomo os preços evoluiram ao longo dos últimos doze meses.

Há, pois, que ter algum cuidado na leitura, interpretação e utilização prática destes números-índices. Ao fazer, por exemplo, comparações anuais, devemos comparar variações calculadasusando a mesma metodologia.

6.5. OPERAÇÕES A PREÇOS CORRENTES E A PREÇOS CONSTANTES

Suponha que o valor das vendas de produtos de cortiça ao estrangeiro, de um ano para oseguinte, aumenta de 100 para 120 milhões de contos. Ou seja, as exportações de cortiça emvalor aumentaram 20 por cento. Isso não significa que tenhamos exportado uma quantidade 20%maior. É natural que uma parte da variação do valor seja devida ao aumento da quantidadeexportada, e que outra parte fique a dever-se ao aumento dos preços a que os produtos decortiça foram vendidos. Sendo o valor de uma transacção igual ao produto da quantidade pelopreço unitário médio, a variação relativa do valor é gual à soma das variações realativas daquantidade e do preço:

∆%V = ∆%Q + ∆%P

No exmplo em análise, suponha que, durante o mesmo período, o aumento médio dos preçosdos produtos de cortiça foi de 8 por cento. Se quisermos descontar o efeito deste aumento depreço ao valor de 120 milhões de contos, basta dividir 120 por 1,08 2. Efectuando a operação,obtemos o resultado de 111 milhões de contos. Isto quer dizer que o acréscimo (absoluto) de 20milhões nas receitas de exportação pode ser decomposto em:

1 Naturalmente, políticos, sindicalistas e dirigentes empresariais escolhem o indicador que melhor serve afundamentação das suas teses.

2 Repare que 1,08 = 1 + 0,08

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11 milhões de contos, resultantes do aumento da quantidade exportada, e

9 milhões de contos, resultantes do aumento dos preços médios de venda.

Se dissermos que as exportações de cortiça aumentaram de 100 para 120 milhões de contos,estamos a fazer uma análise evolutiva em termos nominais ou a preços correntes. Se, pelocontrário, quisermos focar a atenção apenas na variação da quantidade (expurgando da análise oefeito da subida dos preços), dizemos que as exportações aumentaram 11 por cento (de 100para 111 milhões) em termos reais ou a preços constantes. A expressão “preços constantes”significa que, caso os preços não aumentassem, a variação relativa das exportações seria apenasde 11% (e não de 20%). Ao valor de 1,08 utilizado atrás como divisor chama-se deflaccionador.

7. A DEFESA DO CONSUMIDOR

Teoricamente, num sistema de economia de livre concorrência e de mercado nenhum agenteeconómico (produtor, comerciante ou consumidor) tem, por si só, poder ou capacidade paradeterminar preços, quantidades transaccionadas, qualidades e/ou especificações técnicas deprodutos a seu bel-prazer ou contra a vontade da outra parte. É o confronto entre a oferta e aprocura que determina os preços e demais “atributos” dos bens produzidos e a forma como sãotransaccionados. Na realidade, as coisas não se passam assim. Quando compradores evendedores se encontram para negociar no mercado, mesmo sendo um mercado livre econcorrencial, o confronto entre a oferta e a procura nem senpre cumpre a sua função natural deoptimização da afectação de recursos à satisfação ordenada das necessidades, uma vez que aspartes em questão -- o cidadão consumidor e a empresa vendedora -- não têm o mesmo podernegocial. O confronto é, muitas vezes, desigual e, por via de regra, é o consumidor que está emposição desfavorecida.

Esta posição débil do consumidor individual é quase paradoxal, uma vez que, em princípio, ele éinteiramente livre de comprar ou não e de escolher o tipo, marca e gama de bem ou serviço queadquire. Os teóricos mais entusiastas do sistema de economia de mercado até fazem “profissãode fé” na “soberania do consumidor”, procurando demonstrar que é a procura exercida pelosconsumidores que determina o quê, o quanto e o como produzir. Na prática nem sempre oconsumidor é inteiramente soberano nesta matéria. E, não raramente, é mesmo “escravo”. Estaposição relativamente frágil do consumidor resulta, na maior parte dos casos:

. da sua falta de informação e de educação e

. da situação de comprar sozinho.

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A fragilidade do consumidor em relação à oferta de bens e serviços, mesmo em mercadosconcorrenciais, tende a ser agravada actualmente pela dinâmica própria da sociedade deconsumo. Produz-se para vender e para obter daí rendimento ou lucro; e não exactamente parasatisfazer necessidades. Do lado da procura, o “prazer de comprar” impôs-se quase como um“desporto” universal, pressionado o consumidor a adquirir muitas coisas que, narealidade, aténem precisa, ou mesmo desconhecendo a sua verdadeira utilidade. Estes fenómenos resultam, emgrande parte, de um desenvolvimento mais rápido das técnicas de propaganda comercial e demarketing que o desenvolvimento cultural da maioria da população.

7.1. A NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO

O atraso educativo e cultural funciona sempre em desfavor do agente consumidor. Só por meroacaso se pode fazer uma escolha racional e acertada num contexto de ignorância ou de falta deelementos de informação básica. Não é por acaso que os elementos cognitivos sãoimprescindíveis a uma fase do processo de decisão de compra estudado anteriormente. Oproblema é que também a informação é um bem que necessita ser avaliado em termos de saberse é ou não apta a satisfazer necessidades. Só a educação e a cultura podem dar ao consumidoruma base estruturada que lhe permita avaliar e “filtrar” de forma eficiente as muitas informaçõessobre os mais diversos produtos com que ele é diariamente “bombardeado”.

Já lá vai o tempo em que íamos ao merceeiro, o consultávamos sobre a qualidadedo produto e, na maior parte dos casos, ele até sabia responder em conformidade com odesejo real do cliente conhecido de longa data. Hoje, no supermercado como na boutique, aspessoas que trabalham na área de atendimento, muitas vezes, não fazem a mais pequenaideia das características do que estão a vender, nem conhecem sequer a proveniência (localde fabrico) do produto...

É hoje vulgar gastar-se mais tempo a fazer compras. O acto de comprar échamado a ser praticado como se de um passeio ou momento de lazer se tratasse. Mesmoas superfícies comerciais de média dimensão “preparam” um certo trajecto agradável que oconsumidor é convidado a cumprir, evitando a todo o custo que ele vá direito ao quepretende, de facto, adquirir1.

No caso dos hipermercados, o consumidor mediano que pretenda adquirir bensconsiderados essenciais é obrigado a atravessar todo ou quase todo o espaço de

expositores, uma vez que os produtos alimentares e de higiene doméstica estãoestrategicamente colocados nas zonas mais distantes da entrada, por vezes em camposopostos às caixas de pagamento, obrigando o consumidor a passar pelos “brindes”, pelas

1 No Kit Market, por exemplo, há mesmo um “circuito” obrigatório (com dois sentidos) que é necessáriopercorrer até à caixa de pagamento e saída do estabelecimento.

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promoções, pelas “novidades”, por toda uma série de produtos que, ao entrar para oestabelecimento, o consumidor não pensava comprar ou mesmo encontrar1. Junto à caixade pagamento, em posição de destaque, estão também “brindes de última hora” -- revistas,chocolates, pastilhas e outros produtos susceptíveis de “entreter a fila de espera”,nomeadamente se o consumidor se faz acompanhar por crianças.

A sociedade de consumo de massa, que só é possível em sociedades em que uma partesignificativa da população tenha um poder de compra razoável, acabou por suscitar novosproblemas sociais, alguns com implicações muito sérias nos hábitos de vida e na própriaestabilidade familiar. É o caso da tendência para o endividamento permanente.

Nos Estados Unidos, por exemplo, este fenómeno tem sido observado e estudadohá muitos anos: pelo menos 6% dos consumidores são envididados “crónicos” (e destes 3em cada 4 são mulheres!). São pessoas que, por via das muitas facilidades de créditoao consumo (compras a crédito pagas posteriormente em sucessivas prestaçõesperiódicas), vivem permanentemente acima das suas possibilidades económicas. Muitasdelas encaram a ida às compras como medicamento anti-depressivo para resolverproblemas não-económicos. A acumulação de muitas compras a crédito faz com quemuitos chefes de família passem a trabalhar, não para auferir rendimentos, mas para pagardívidas. É frequente nessas situações o salário dos próximos dois, três ou mais anos estarpermamentemente comprometido pela necessidade de saldar dívidas passadas decorrentesdo crédito ao consumo.

Actualmente, a acção concreta de defesa do consumidor não se limita a identificar e punir asvárias situações de ilegalidade/imoralidade de quem fabrica gato por lebre. A tendência é parase dar primazia à informação e educação do consumidor. Porque só um consumidor educado eesclarecido pode ser exigente na defesa dos seus direitos e pugnar pelo cumprimento da leivigente. É o caso da obrigatoriedade de prestação de informações sobre as característicastécnicas de produtos nas próprias embalagens ou da explicação de certas cláusulas em contratosde fornecimento de bens e serviços (caso do glossário explicativo dos principais conceitos daactividade seguradora que, obrigatoriamente, acompanha a apólice e os recibos de prémios deseguros a pagamento).

7.2. OS DIREITOS DO CONSUMIDOR

1 Mesmo a música de fundo nos altifalantes não é deixada ao acaso. Nas horas de ponta, em que ohipermercado é densa “floresta” de gente, requer-se música ritmada e muito viva. Nas “horas de vazio”,uma sucessão de temas musicais mais calmos, com ritmo mais lento (e sem instrumentos de percussão)podem aliciar os poucos consumidores presentes a aumentar o seu tempo de permanência no recinto (e aaumentar a frequência do seu contacto visual e manual com a abundância dos produtos expostos).

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Sistematiza-se nesta secção os direitos do consumidor decorrentesda legislação (muito variada edispersa, por sinal) em vigor no nosso país.

. Direito à protecção da saude e segurança

Os bens e serviços, quando usados em condições normais ou previsíveis, não devem pôr emrisco a saúde e a vida do consumidor. O consumidor pode e deve exigir o cumprimento dasregras de higiente, de sanidade e de segurança, informação básica sobre os produtos escrita emportuguês, embalagens seguras, em bom estado de apresentação ou conservação e com rótulosexplícitos sobre a natureza, quantidade, marca, origem e fabricante do produto, incluindoinstruções de utilização ou manuseamento, normas de segurança (substâncias tóxicas, corrosivasou perigosas) e prazo de validade.

Tratando-se de substâncias tóxicas, corrosivas ou perigosas (incluindo algunsprodutos de higiene doméstica corrente), é ainda obrigatório o aviso para “manter fora doalcance das crianças”, bem como a indicação do destino mais apropriado a dar àsembalagens vazias.

Tratando-se de medicamentos, o seu fornecimento obedece a regras muitoespecíficas, que vão desde o controlo dos processos de fabrico por entidades oficiais, àproibição de venda de certos medicamentos em receita médica.

As mais diversas inscrições nas embalagens de tabaco, advertindo para os perigospara a saúde que podem advir do seu uso, e a interdição total da publicidade ao produtoconstituem outro exemplo de defesa do consumidor na legislação portuguesa (por sinal umadas mais anti-tabagistas da Europa).

. Direito à protecção dos interesses económicos

Adquirir produtos ou a prestação de serviços significa fazer contratos (contratos de compra evenda, de prestação de serviço, etc) deles resultando direitos e obrigações para todas as partesenvolvidas. O consumidor tem direito a discutir todas as condições ou cláusulas dos contratosque assina (pelo seu punho ou por mero assentimento verbal) ou a que dá tacitamente o seuconsentimento, incluindo os respectivos preços. Tem também o direito a exigir bens e serviços dequalidade, a assistência técnica após-venda e um recibo de todas as importâncias pagas.

A respeito do recibo, não esquecer que este deve conter a identificação exacta e onúmero de pessoa colectiva (número de contribuinte fiscal) da entidade vendedora, a

discriminação dos bens e serviços adquiridos e os respectivos preços pagos,incluindo a indicação da taxa de IVA aplicada. O recibo deve ainda ser numerado, conter adata em que se realizou o pagamento e ser assinado validado por carimbo (mecânicosimples ou automático).

. Direito à reparação de prejuízos

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Se depois da aquisição ou da reparação de um produto surgirem problemas por o produto serdefeituoso, ou o serviço ter sido prestado em condições deficientes, o consumidor pode exigir:

- a reparação dos produtos defeituosos, ou a substituição destes quando não seja possível areparação;- a devolução das importâncias pagas;- a indemnização pelos danos ou prejuízos sofridos.

Em estabelecimentos de alguns ramos comerciais, como é o caso de hotéis, restaurantes, cafés esimilares, é obrigatória a existência de um livro de reclamações. Este livro é verificado e lido comalguma regularidade por diversas autoridades públicas como a Direcção Geral da InspecçãoEconómica.

. Direito à formação e informação

O consumidor deve ter sempre presente que para escolher bem é imprescindível conhecer emanter-se informado, pelo que deve pode e deve exigir informações completas acerca doproduto ou do serviço antes de firmar o acto de compra. Tem ainda direito a exigir publicidade erotulagem verdadeira e leal, bem como a exposição visível e clara dos preços.

Quem compra deve poder previamente comparar os diferentes preços livrementepraticados pelos diferentes estabelecimentos. Pode e deve ler cuidadosamente rótulos,etiquetas e instruções de uso dos produtos. Em caso de dúvida pode exigir esclarecimentojunto da entidade vendedora.

. Direito à representação e à consulta

A lei portuguesa reconhece aos consumidores o direito de participarem na definição dos seusdireitos e interesses. Isso significa que os consumidores podem organizar-se em associaçõeslocais, regionais e nacionais. Em Portugal, este poder encontra-se subaproveitado -- ageneralidade dos cidadãos não tem grandes tradições associativas.

Mais ainda: o consumidor tem o direito a ser tratado com um mínimo de deferência: aoapresentar-se junto a um balcão ou zona de atendimento, ele não está a mendigar esmola nem apedir a dádiva de qualquer favor; manifesta-se interessado em pagar um preço em troca de umbem ou da prestação de um serviço. Se as condições de deferência ou de cordialidadeconsideradas mínimas não são preenchidas pelo atendedor ou pelo estabelecimento, a atitudemais correcta do consumidor é a de procurar outro local de compra alternativo. Tem, por fim, odireito a viver num mundo saudável e, por isso, deve exigir produtos (incluindo as embalagens)cujo fabrico e utilização sejam o menos nocivos possível para o meio ambiente. É muito provável

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que a legislação continue a ser alterada no sentido de incluir um conjunto cada vez mais vasto denormas de protecção ao meio ambiente.

7.3. ORGANISMOS E INSTITUIÇÕES

São várias as instituições e organismos existentes no nosso país a quem podem ser apresentadasreclamações por ofensas aos direitos do consumidor. Umas são de natureza oficial ougovernamental; outras de carácter público associativo. Sem a pretensão de uma lista ecaracterização exaustivas, aqui se indicam algumas.

Procuradoria Geral da República

Aceita reclamações sobre delitos anti-económicos relacionados com a saúde e meio ambiente.Em cada Comarca existe um Delegado do Procurador da República. A capacidade de resoluçãode conflitos desta entidade é muito limitada. Ainda que tutelando os interesses colectivos dosconsumidores em acções civis, regra geral, a Procuradoria pouco mais faz que encaminhar oassunto para o magistrado do Ministério Público respectivo ou para o organismo competente.

Provedoria da República

Aceita apenas reclamações contra a Administração Pública. Não tem poderes de decisão;apenas emite recomendações não vinculativas às entidades envolvidas.

Direcção Geral da Concorrência e Preços

Aceita reclamações e tem capacidade para instruir autos preparatórios de acções judiciais emmatéria de violação das regras da concorrência, nomeadamente práticas concertadas, recusa devenda, etc.

Direcção Geral de Inspecção Económica

Exerce acção fiscalizadora por iniciativa própria ou na sequência de reclamações versandoaspectos relacionados com a higiene e sanidade na confecção, distribuição e venda ao público deprodutos alimentares. Tem delegações em todas as capitais de distrito e tem competência parafazer a instrução preparatória de acções judiciais.

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Instituto da Qualidade Alimentar

Possui laboratórios de análise bem apetrechados com a missão de controlar a qualidade dosector alimentar do país. Não tem capacidade para a resolução de conflitos (nem sequer paraservir de mediador); apenas remete as conclusões das suas análises para outras entidades.

Instituto Nacional de Defesa do Consumidor

Aceita reclamações de consumo, nomeadamente as respeitantes à compra de bens defeituosos eà prestação de serviços em condições deficientes. Funciona apenas em Lisboa (não possui umaúnica delegação regional!). A sua capacidade de actuação e de resolução de conflitos limita-se àprestação de informações sobre o conteúdo da legislação aplicável e a uma tentativa deconciliação entre as partes.

Comissões de Coordenação Regional

Recebem queixas relativas a ordenamento do território, delitos contra o meio ambiente, incluindopoluição sonora.

Contros de Informação Autárquica ao Consumidor

Aceitam reclamações de consumo na generalidade. A sua missão é a de informar e a de tentaruma conciliação entre as partes. Os casos mais difíceis são remetidos para o Instituto Nacionalde Defesa do Consumidor.

Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo

Trata-se de um tribunal arbitral destinado a resolver conflitos de consumo de valor inferior a 500contos (causas de pequeno montante). Procura resolver os conflitos, primeiro por mediação econciliação; apenas se necessário por julgamento arbitral.

Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO)

Aceita reclamações de consumo em geral respeitantes tanto a bens como à prestação deserviços. Informa e tenta uma conciliação entre as partes. Promove periodicamente testes de tipolaboratorial a vários produtos, publicando as respectivas conclusões junto dos seus sócios ousubscritores. Recentemente, estendeu a sua acção ao âmbito dos “produtos financeiros”.Grangeou algum prestígio junto da opinião pública e poder reivindicativo junto das instânciasgovernamentais.

Automóvel Clube de Portugal

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Atende reclamações sobre stands e oficinas do ramo automóvel e também sobre o estado dasestradas, sinalização e conduta (ou falta dela) dos agentes da autoridade. Tem desenvolvido umaintensa actividade formativa e informativa relacionada com o sector. A capacidade de resoluçãode conflitos é limitada, mas dialoga e tenta uma conciliação entre as partes. É necessário sersócio.

8. A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE

Em matéria de defesa dos direitos do consumidor deu-se um salto qualitativo importante nosanos 80 em termos de legislação, ao serem tipificados os casos de publicidade enganosa, isto é,aquela que veicula informações objectivamente falsas, inverídicas, susceptíveis de prejudicargravemente o interesse dos consumidores. De todas as formas de comunicação com origem nasempresas, a publicidade é a mais estudada e para a qual foram desenvolvidos mais métodos etécnicas, no intuito de alterar os gostos e preferências dos consumidores. E também aquela emque a intuição e o talento criativo dos que a concebem é mais preponderante. Talvez por issomesmo ela fascina e irrita ao mesmo tempo. A publicidade é muito mais que uma forma decomunicação. Como veremos adiante, é todo um sector económico relativamente poderoso, comos seus especialistas (as agências de publicidade) e que conta com a colaboração de sociedadesde produção e de prestadores de serviços de todos os géneros1. É um investimento obrigatóriopara muitas empresas e uma fonte de receita que se tornou de todo indispensável a todos osmedia (meios de comunicação social: imprensa, rádio, televisão), com excepção do cinema.

Apesar de constituir um sector económico poderoso, a verdade é que a actividade publicitáriaem nada cerceia a liberdade individual, nem interfere no normal funcionamento dos mecanismosdo mercado livre: apenas procura alimentar ou alterar gostos e preferências dos consumidoresque, em última análise, permanecem inteiramente livres de se dispor a pagar ou não os preçosafixados pelos vários bens e serviços disponíveis no mercado e de concretizar ou não asrespectivas transacções. E permanecem livres também de se deixar “influenciar” ou não pelasimples audição ou visionamento da mensagem publicitária...

A publicidade não é uma informação desinteressada e o seu conteúdo informativoé, muitas vezes, bastante pobre. Perante a “aggressividade” publicitária, o consumidoresclarecido não pode ser totalmente condescendente e crédulo, mas também não temrazões para assumir uma reacção de rejeição total. É preciso ter presente que, naesmagadora maioria dos casos, o anúncio publicitário não mente; apenas esxagera. E,acima de tudo, oculta muitos pormenores essenciais ou relevantes à informação completa

1 Com efeitos significativos na criação de novos empregos.

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do consumidor. Mesmo “falando” verdade, ainda que com algum exagero, a mensagem publicitária nunca “conta” a verdade toda sobre o produto em questão.

Mesmo quando o seu objecto é a promoção das características de um dadoproduto, a informação é escolhida, por vezes mesmo truncada, sempre parcial. É precisojulgar a publicidade pelo que ela é realmente. O seu objectivo não é tanto informar, masfazer gostar e “sonhar”, dando aos produtos e às marcas o interesse que realmente não têmou não merecem.

8.1. NATUREZA E OBJECTIVOS DA PUBLICIDADE

A publicidade, nasua essência, mais do que prestar informação ao consumidor, tem em vista apropaganda comercial de um bem ou serviço. Os seus elementos informativos resumem-se aalguns dos seguintes tópicos:

. dar a conhecer que um bem ou serviço está disponível no mercado;

. dar a conhecer a sua utilidade principal (para que serve);

. identificar a marca;

. identificar a embalagem.

É evidente que o objectivo fundamental da publicidade, em última análise, é a promoção públicado lançamento de um novo produto (ou de uma nova gama ou variante de um produto jáexistente) ou ainda o aumento do volume de vendas de um produto já anteriormente lançado nomercado. O efeito esperado ou desejado da mensagem publicitária é influenciar os gostos oupreferências do consumidor num sentido favorável ao bem ou serviço objecto da propaganda.

Em relação a outros meios de comunicação usados pelas empresas, a publicidade tem, pelomenos, cinco características essenciais:

• permite alcançar muitos públicos. As suas audiências contam-se em milhares ou milhões1;

• o acesso aos media é caro, mas o custo por contacto2 é barato. A publicidade é a “arma”dos grandes anunciantes sobre os mercados de grande consumo;

1 Por exemplo, a publicidade ao Marlboro no circuito de um grande prémio de Fórmula 1 pode ser vista pormais de 700 milhões de indivíduos dos cinco continentes!

2 Este conceito de custo por contacto será esclarecido um pouco mais adiante.

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• a publicidade funciona segundo o princípio da repetição: multiplicação dos contactos econtinuidadeersistência das campanhas;

• a publicidade oeferece uma mensagem simples, forte e única1. É a mesma mensagem paratodos os públicos, enquanto que outras formas de comunicação comercial, como osvendedores, as relações públicas ou o marketing directo, transmitem mensagens diferentes,melhor adaptadas aos diferentes públicos-alvo, por vezes até interactivas;

• a publicidade é uma mensagem cujo conteúdo é perfeitamente controlado pelo anunciante: osmedia, que vendem a audiência, obrigam-se a não modificar as mensagens publicitárias. Asúnicas “interferências” (ou ruídos na comunicação) dependem do contecto editorial e,sobretudo, da proximidade de outras mensagens da concorrência. Esta garantia de integridadeaté ao contacto com o alvo é um trunfo importante da publicidade relativamente aos outrosmeios de comunicação da empresa.

Falamos de publicidade para designar tipos de comunicação que podem ser muito diferentes:publicidade nos meios de comunicação social, publicidade exterior ou outdoor (em painéis,cartazes, caixas de fósforos, pacotes de açúcar) publicidade directa (na caixa do correio ouapensa ao limpa para-brisas do automóvel), publicidade no local de venda, publicidadeinstitucional ou publicidade de empresa... São tantas as formas distintas, que podemos agrupá-lasem duas categorias, segundo a natureza dos suportes ou segundo o conteúdo das mensagens:

os tipos de publicidade segundo a natureza dos suportes:

• a publicidade é, no seu sentido lato, a publicidade nos media: imprensa, rádio, televisão,cinema, publicidade exterior;

• a publicidade directa pode assumir diversas variantes, entre as quais a publicidade comcupão-resposta (direct response advertising) e a publicidade directa “endereçada” atravésde direct mail (correio) ou telemarketing (telefone);

• a publicidade no local de venda faz parte de um conjunto mais vasto de formas decomunicação, que vão desde o simples cartaz à animação e a outras formas de comunicaçãonos locais de venda.

os tipos de publicidade segundo o objecto da mensagem

• a publicidade-produto (ou marca) é a forma mais comum: visa dar a conhecer a existência eas características de um produto ou marca, promover uma imagem e incitar à compra;

1 “One sight, one sound, one sell” (uma única imagem, um único som, uma única proposta de venda para omundo inteiro) foi a directiva dada em 1964 por Paul Austin, presidente da Coca-Cola Company. Oresultado está à vista... em todo o mundo!

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• a publicidade institucional ou de empresa: promove a imagem da empresa e faz parte de umapanóplia de ferramentas que comporta o patrocínio, o mecenato cultural, etc.

8.2. O SECTOR PUBLICITÁRIO

Entre os anunciantes, que são as empresas compradoras de publicidade, e os suportes, quevendem as suas audiências, existem numerosos colaboradores e intermediários, cujas principaisfunções se organizam em torno de três fases: o conselho para a concepção das campanhas, arealização das camapnhas publicitárias propriamente ditas e a venda do espaço. O diagrama dapágina seguinte sintetiza os principais intervenientes neste processo.

• os anunciantes

Em Portugal, os investimentos em publicidade são muito concentrados: são quase sempre asmesmas empresas que encontramos nos primeiros lugares1. Todos os grandes anunciantespossuem marcas que são quase sempre multinacionais. Mas também os bancos e as companhiasde seguros se têm tornado grandes anunciantes.

1 A Lever Portuguesa, a Fiat Portuguesa, a Renault Portuguesa, a Nestle, a Mocar.

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O sector publicitário

ANUNCIANTES

AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE

Concepção e realizaçãodas campanhas

CENTRAIS DE COMPRA

Vendem o espaço directamente

aos anunciantes ou por PRODUTORESintermédio de uma agência de

publicidade Especialistas (fotógrafos,desenhadores, gráficos)que trabalham por conta

das agências ou directamente para os

anunciantes paraproduzirem as suas

campanhas.

SUPORTES

Vendem as suasaudiências

• as agências de publicidade

Têm cinco funções principais:

. realizar conselho estratégico: propõem aos anunciantes estratégias de comunicação;

. conceber as mensagens publicitárias;

. propor planos de inserção nos media: escolha dos suportes e dos calendários de inserçãodos anúncios;. comprar o espaço nos media;. produzir as campanhas de publicidade: realização material de mensagens (fotografia, som,encenação, impressão, etc), encomenda de serviços e controlo da execução.Uma agência de publicidade pode ter ao seu serviço dzenas de profissionais criativos que,muitas vezes, funcionam em equipa: o visualizador ocupa-se das imagens e o copy (redactor) tema seu cargo as palavras, textos ou slogans. São estes criativos que transformam simples sideiasem mensagens atractivas e apelativas.

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Como o mercado publicitário português é ainda reduzido (segundo os padrões internacionais), asprinicpais empresas têm sido compradas por grandes agências multinacionais (ou têm-seassociado em redes internacionais de agências independentes)1. O fim dos anos 80 foi marcadopela criação de grandes grupos empresariais de comunicação, a partir, não apenas docrescimento interno das grandes empresas, mas também da compra de agências nacionais pelosgrandes grupos multinacionais.

8.3. ESTRATÉGIA DA PUBLICIDADE, OBJECTIVOS E ALVOS

A publicidade tem necessidade de ter uma certa duração para ser eficaz2. As grandes campanhassão aquelas que se fazem durante muito tempo, sobre um mesmo posicionamento ou ideia, e coma mesma agência de publicidade. Para assegurar a coerência das diversas acções no tempo e emmercados variados, para orientar o trabalho dos criativos, para julgar a posteriori os resultadosdas campanhas, é preciso desenvolver uma verdadeira estratégia de comunicação publicitária,geralmente elaborada pela agência que a executa, de acordo com certas especificações dadaspela empresa anunciante. A estratégia publicitária faz parte da estratégia de marketing daempresa anunciante. Observe o diagrama seguinte.

No seu briefing à agência de publicidade, a empresa que deseja anunciar a sua marca ouproduto costuma fornecer uma verdadeira estratégia de marketing de acordo com os objectivosque pretende. Só assim, os profissionais criativos da agência poderão dar um “corpo” eexpressão atractivos e apelativos à mensagem que a empresa anunciante deseja de factotransmitir ao seu público-alvo (clientela real ou potencial). Cada elemento dessa estratégia demarketing é depois “traduzido” em termos de estratégia de publicidade. O quadro seguintemostra essa correspondência estreita.

Há, essencialmente, três grandes tipos de objectivos em vista na mensagem publicitária:

• fazer saber (ou dar a conhecer) -- objectivo cognitivo;• fazer gostar -- objectivo afectivo;• fazer agir -- objectivo comportamental.

1 As maiores agências de capital exclusivamente português são a Cinevoz e a Markimage.

2 “Reputação é repetição”, dizem os especialistas deste sector.

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Estratégia de publicidade

a sequência das escolhas e das acções

Estratégia de marketing

Objectivos publicitários

Escolha dos grupos-alvo

Estratégia de criação Escolha dos mediada mensagem (suportes) e do calendário(copy strategy) das inserções de anúncios

Plano da campanha

Realização da campanha

Controlo da execuçãoe dos resultados

Em comunicação e publicidade, chama-se alvo ao conjunto de pessoas a que, preferencialmente,a mensagem deve ser dirigida. Os alvos podem ser:

. quantitativos: são assim chamados os alvos descritos em termos socio- económicos(exemplo: donas de casa, da classe média);

. qualitativos: são os alvos descritos segundo as motivações e as características doscompradores/consumidores reais ou potenciais;

. finais: o alvo final é o comprador;

. intermédios: são os líderes de opinião e os prescritores.

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Estratégia de marketing e estratégia de publicidade

Níveis Definições

OBJECTIVOS Marketing . Conquistar uma quota de mercado. Obter um certo volume de vendas

Publicidade . Fazer conhecer: um acontecimento, um produto ou as suas características. Fazer gostar: por exemplo, fazer evoluir uma imagem. Fazer agir: por exemplo, devolver um cupão, fazer comprar

ALVOS Marketing . Os alvos são o conjunto das pessoas susceptíveis de comprar: - os clientes actuais (há que fidelizá-los); - clientes novos (há que conquistá-los)

Publicidade . Os alvos publicitários são o conjunto de pessoas com as quais é necessário comunicar: clientes actuais, potenciais e pessoas influenciadoras de outras

POSICIONAMENTO Marketing . O posicionamento-marketing é o lugar que o anunciante quer dar ao produto no mercado (princípio de identificação) e contra uma concorrência com uma imagem específica (princípio da diferenciação).

Publicidade . O conteúdo e tipo de emnsagem publicitária e a própria escolha dos media - suporte devem estar de acordo com o posicionamento-marketing: um produto que se pretende diferenciar pelo prestígio só deve ser anunciado em suportes prestigiados.

Quanto à estratégia de criação da mensagem publicitária propriamente dita, há diversas questõesque podem ser “respondidas” de forma diferente, consoante o objectivo em causa. Apontam-seem seguida alguns exemplos:

. o chamado eixo publicitário deverá apoiar-se:

- nos valores ou vantagens da utilização do produto (utilidade), nas suascaracterísticas, nas suas origens, ou

- nos valores da imagem do produto, de ordem psicológica ou sociológica?

. o “discurso” deverá ser:

- na óptica do consumidor: o conteúdo da mensagem faz referência àsnecessidades e desejos do consumidor; ou

- na óptica do produtor: o conteúdo da mensagem apoia-se na imagem daempresa produtora, na história da marca, da sua antiguidade e do seu prestígio.

. qual deverá ser o tom da comunicação: emotivo, racional, demonstrativo, espectacular,humorístico...?

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8.4. ESTRATÉGIAS DE CRIAÇÃO E DE AVALIAÇÃO DE MENSAGENS

Na relação entre uma empresa anunciante e uma agência de publicidade, podemos ditinguir trêsfases cruciais do processo:

. o briefing do anunciante à agência, através do qual a empresa explicita qual a estratégia demarketing que quer ver “traduzida” em mensagem publicitária;

. a copy strategy: é o “caderno de encargos” para os profissionais criativos e a plataforma quevai orientar a sua reflexão, a sua criatividade e o seu trabalho;

. a avaliação pela empresa anunciante dos diversos projectos de mensagem: é um momentocrítico de decisão que pode pôr em marcha o conjunto de operações da campanha, ou fazercom que tudo volte ao princípio.

Destas três fases, a mais interessante (enquanto técnica de comunicação e de persuasão) é acopy strategy, que podemos traduzir por plano de trabalho criativo. Como todos os planos,também este obriga a trabalhar segundo uma ordem lógica e um método: obriga a queanunciantes e criativos cheguem a um consenso acerca de uma estratégia antes de passarem àcriação, e não o oposto, que consiste em procurar ideias e depois redigir uma estratégia para asjustificar. A copy strategy serve também, a posteriori, para avaliar os diversos projectos demensagem, verificando a sua conformidade com a estratégia inicialmente traçada. Não admiraque ela seja elaborada de forma a poder durar muito tempo, podendo servir de guia orientadorpara várias campanhas. E o mais curioso é que, na prática, este plano de trabalho criativocostuma ser apresentado sob a forma de uma única página, em que se responde muitosinteticamente a seis perguntas fundamentais:

. qual o “facto principal” a ser propagandeado?

. qual o objectivo de comunicação a ser privilegiado?

. qual o grupo-alvo a atingir preferencialmente? Há grupos intermédios?

. qual deve ser o benefício (promessa) para o consumidor?

. sobre que suportes se deve apoiar a mensagem publicitária?

. qual deverá ser o tom da mensagem?

Este plano de trabalho criativo, sendo correctamente elaborado, é muito objectivo e preciso:indica o que a mensagem deve comunicar (conteúdo) e não a forma concreta e artística que amesma deve ou não ter. O que não significa que não possa suscitar ideias novas para umacomunicação eficaz. O exemplo da página seguinte é o de um plano de trabalho criativo que temservido para várias campanhas consecutivas de uma marca bem conhecida e que continua aliderar um mercado fortemente concorrencial: a Nesquick. Repare como é simultaneamenteconciso e preciso.

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Um plano de trabalho criativo

Definições Exemplo Nesquick

1. Facto O produto, a marca, a evolução da Nesquick é a marca lider no mercado de principal procura. A envolvente externa e os achocolatados em pó. Este mercado

produtos concorrentes está a ser atacado por produtos que, com igual posicionamento, concorrem directamente com os achocolatados: iogurtes e cereais de pequeno-almoço

2. Objectivo da Entre fazer saber, fazer gostar e fazer O objectivo é do tipo "eu gosto de ti", publicidade agir, não se deve multiplicar os fazendo com que o consumidor adira

objectivos; é necessário realismo e completamente à marca, considerando-a simplicidade, para uma maior como a sua marca eficácia

3. Alvo Grupo populacional Crianças dos 4 aos 12 anos

4. Benefício para A "promessa" ou benefício para o Para as mães, Nesquick é a certeza de o consumidor consunidor deve ser única, motivante que os seus filhos beberão leite. Para as

e diferente das utilizadas pela crianças, faz com que beber leite seja concorrência irresistível, porque tem um paladar

óptimo e é divertido

5. Suportes Elementos de "confirmação" da Mensagem inserida no ambiente das promessa crianças

6. Tom O tom da mensagem pode exprimir a Divertido, entusiástico, em consonância "personalidade" da marca com a personalidade do Quick, que é

activo, rápido, divertido e irresistível

7. Outras Necessidade de mostrar a versão do instruções Nesquick em pó e pronto-a-beber

A avaliação das mensagens

É igualmente interessante saber com que critérios são avaliados os vários projectos de mensagemque uma agência de publicidade propõe à empresa que pretende anunciar os seus produtos. Estaavaliação compete, como é óvio à empresa anunciante e consiste numa tarefa de importânciacrucial em que poderão estar em jogo vultosas despesas com a campanha publicitária. Nestaavaliação, há algumas precauções importantes a tomar:

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. É preciso julgar a ideia (existe uma ideia criativa?); e não o grau de concretização damensagem1;

. É preciso julgar a campanha que pode advir do projecto estudado; não apenas uma mensagemem si mesma;

. É preciso julgar as propostas criativas; e não quem as apresenta;

. É preciso estar aberto às ideias dos outros; e não procurar nos outros a confirmação dasnossas ideias.

Existem inúmeras grelhas de critérios de avaliação. Os critérios mais usados são três:

. o da conformidade estratégica: a mensagem criativa segue a direcção preconizada pelo plano detrabalho criativo?

. as qualidades de comunicação:- o valor da atenção: a mensagem será ouvida/vista?- a compreensão: é facilmente entendível pelo alvo?- a adesão esperada aos argumentos usados: os argumentos convencem?- a atribuição da mensagem à marca- o incitamento à compra (elemento comportamental)

. os aspectos técnicos e financeiros da realização da mensagem: a mensagem será fácil de“produzir” (questões técnicas, custo, rapidez, etc).

8.5. ESTRATÉGIAS DE ESCOLHA DOS MEDIA

A maior parte da comunicação publicitária utiliza como veículo-suporte os mass media (meiosde comunicação social). Para os profissionais do sector publicitário, um media tem duas funçõesessenciais: contactar um alvo e valorizar uma mensagem. Daí o cuidado com que escolhem osmedia a utilizar e o calendário das inserções dos anúncios. Até porque o acesso (compra deespaço) nos meios de comunicação social é bastante caro. Vejamos alguns conceitos essenciais.

O poder comunicativo de um meio de comunicação social para fins comerciais ou publicitáriosresulta do volume da sua audiência1. A audiência é o número de leitores (imprensa), de auditores

1 É necessário ao avaliador contrariar a sua tendência natural para ser impressionado mais favoravelmentepelo projecto formalmente melhor apresentado.

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(rádio) ou de espectadores (televisão) num dado momento ou intervalo de tempo. No caso daimprensa, a difusão é o número de exemplares realmente vendidos (igual à tiragem menos osexemplares não-vendidos ou sobras). A taxa de circulação é o número médio de leitores porcada exemplar difundido. Logo, a audiência de um jornal ou publicação será igual ao produto dadifusão pela taxa de circulação. Assim se explica que a audiência de um jornal ou publicação sejanormalmente superior à sua tiragem (número de ezxemplares impressos). Em rádio e televisão, aaudiência (num dado minuto do tempo) é definida como o número de pessoas que, durante esseminuto, ouviram/viram a programação durante, pelo menos 15 segundos consecutivos. Com oauxílio de aparelhos (audímetros) instalados numa amostra representativa de lares, é possívelmedir audiências de períodos horários e de programas, bem como estimar tempos médios deaudição (rádio) ou visionamento (televisão) de programas.

Chama-se cobertura ao número (ou percentagem) de pessoas pertencentes ao alvo que podemser alcançadas (contactadas) pelo menos uma vez pelo plano de publicidade. A afinidade medea proximidade entre a audiência de um media e um alvo (a afinidade será máxima -- de 100% --se as duas populações se corresponderem mutuamente). A repetição média ou frequência é onúmero médio de contactos por pessoa do alvo exposto à campanha publicitária.

Do ponto de vista de quem faz (e paga) uma campanha comercial dos seus produtos, apublicidade é tratada como se fosse um verdadeiro investimento: a análise da dua rendibilidadeconsiste na comparação entre os custos da campanha de promoção e as receitas adicionais doaumento esperado do volume de vendas. Mas pode acontecer também que o aumento esperadona procura (se a mensagem publicitária for eficaz em alterar os gostos de um grande número deconsumidores-alvo) permita ao empresário vender a preços superiores, havendo, portanto, umefeito-preço sobre as receitas de venda, a somar ao efeito do aumento da quantidade vendida.

O indicador fundamental do cálculo económico dos custos de uma camapnha promocional é ocusto por contacto2, que é o custo da camapnha por cada consumidor-alvo que a mensagempublicitária consegue atingir. Matematicamente, o custo por contacto é dado pelo quociente entreos custos totais da campanha (custo de elaboração do anúncio mais o custo do espaço da suainserção em cartazes, imprensa, rádio ou televisão) e o número de consumidores contactadospelo anúncio.

Uma campanha publicitária em televisão com um custo global de 30 mil contos éaparentemente muito cara. Se a cobertura prevista for de 6 milhões de espectadores, ocusto por contacto é apenas de cinco escudos por consumidor potencial! Se a cobertura

for penas de 2 milhões de espectadores (por o anúncio ser inserido em períodoshorários de menor audiência), o custo por contacto sobe para 15 escudos.

1 A televisão é, de todos, o media mais poderoso: em Portugal, está presente em 95% dos lares (dados doI.N.E. referentes a 1995) e é vista diariamente por 75% da população maior de 4 anos (dados daAGB/Marktest referentes ao primeiro trimestre de 1996).2 Em alternativa, o custo por mil contactos, ou seja o custo da campanha promocional, por cada milconsumidores-alvo que a mensagem consegue atingir.

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8.5. EXEMPLOS PRÁTICOS

Enquanto fenómeno de comunicação, o aspecto mais interessante da mensagem publicitáriareside na intuição e no “talento” criativo (e por vezes mesmo artístico) usados como técnica depersuasão para alterar comportamentos, incorporando muitos desenvolvimentos recentes detodas as ciências do comportamento humano. Esquematiza-se, em seguida, alguns exemplos das“linhas de força” mais frequentemente usadas.

. máximo relativo

O bem ou serviço publicitado é apresentado como sendo o melhor de todos os seus similaresexistentes no mercado. Melhor em um ou vários aspectos: preços, qualidade, aspecto estético,etc.

. unicidade/diferenciação

A mensagem pode ir (e as mais das vezes vai) mais além: o produto em questão é o melhor porser único: o único que proporciona certos resultados ou utilidades. Assim se diferencia umproduto em relação aos conocrrentes no mesmo mercado.

. novidade

A promoção de um bem ou serviço só “funciona” eficazmente se incluir pelo menos um elementode novidade. A novidade pode ser uma nova marca, uma nova gama, uma nova embalagem, umanova técnica de fabrico, um novo preço.

. utilidade múltipla

Consiste em tentar inculcar a ideia segundo a qual o bem ou serviço em questão tem váriasutilidades, podendo, por issso, satisfazer várias necessidades diferentes em simultâneo1, ou aindaque da sua utilização resultam , além da utilidade principal, efeitos externos positivos.

. fundamentação científica

Quando a mensagem publicitária pretende fazer crer que o produto foi concebido e testado apósum longo período de investigação científica e tecnológica.

1 É o caso dos produtos apresentados como sendo do tipo “2 em 1”.

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. fundamentação histórico-institucional

A mensagem publicitária faz apoiar o produto promovido na experiência histórica de sucesso,notoriedade ou prestígio de outras marcas produzidas e vendidas pela mesma empresa,apresentada como uma empresa com muitos anos de experiência na satisfação das necessidadesdos consumidores.

. apoio de testemunhas

Consiste em apresentar o testemunho de vários consumidores que corroboram e reforçam asafirmações contidas na mensagem publicitária sobre as aptidões do produto1. As testemunhaspodem ser numerosas (sendo “pacatos” e comuns consumidores) ou qualificadas (testemunhassusceptíveis de ser líderes de opinião):

- testemunho de pessoa mais velha (a ideia-força é a sabedoria e experiência dos maisvelhos);

- testemunho de uma apreciada figura pública do espectáculo ou do desporto(argumento de autoridade de quem conquistou notoriedade pública);

- testemunho ou aval de uma instituição (o produto é recomendado por uma ou maisinstituições conhecidas e prestigiadas).

. efeitos externos positivos

A grande maioria dos anúncios publicitários evoca elementos de ordem afectiva, emocional ouestética. É dito que da utilização regular do produto, além da satisfação de uma necessidadeprincipal, também resultam:

- felicidade- realização profissional- harmonia familiar- segurança e tranquilidade- beleza na apresentação pessoal- melhoria no relacionamento com os outros- prestígio e status social- a preservação do meio ambiente.

E há muitas outras técnicas, mais “refinadas” ainda e também muito experimentadas. Vamosanalisar quatro exemplos.

1 É o caso, por exemplo, da célebre “prova de sabor Planta”.

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O primeiro é o do “segredo” da “ditadura” da publicidade sobre as crianças e adolescentes. Sãoos casos conhecidíssimos das tartarugas Ninja, dos Schtrumpfs, dos Simpsons, Caça-fantasmas,Rei Leão e outros “heróis” de série de animação televisiva e/ou da banda desenhada. Estassimpáticas figuras servem de anúncio a outros artigos em lojas de brinquedos, de doces, devestuário, material escolar, etc, levando as crianças a exigir aos pais produtos cuja utilização faztambém anúncio a esses personagens. Nos bastidores desta técnica de promoção comercialmuito em voga, que pretende fazer passar uma mensagem por todos os meios ao seu alcance(brinquedos, camisas, t-shirts, sacolas, canetas, cardenos, chupa-chupas) está um mercadoexpansivo de obtenção de licenças para uso de imagens: as empresas pagam à televisão, àsprodutoras cinematográficas e/ou de banda desenhada o direito de usar uma imagem oupersonagem do filme nos seus produtos. Esta fórmula serve os interesses de ambas as partes: ofilme ou série de desenhos animados é publicitado pelos muitos produtos que usam a sua imagemde marca e, por sua vez, esses mesmos artigos são procurados pelo sucesso que a série deanimação conseguiu. O resultado é os consumidores mais novos, além de induzidos a comprar (aexigir aos pais) produtos que não precisam, acabam por ser, gratuitamente, suportespublicitários.

Outra técnica de publicidade cada vez mais frequente é aquela que associa informaçõesverdadeiras, de conteúdo científico, cultural ou cívico aos produtos que pretende promover. Sãoos conhecidos casos de uma produtora de leite e de uma marca de cerveja não-alcoólica,centrando a mensagem no facto da ingestão de tal bebida não ser obstáculo a uma conduçãoautomóvel segura e de acordo com as regras legais. Ou ainda de uma produtora de artigos dehigiene pessoal que faz distribuir nas escolas ums livrinhos descrevendo minuciosamente oprocesso de constituição da dentição humana (ainda melhor e mais ilustrado que o compêndio deBiologia), versando depois vários conselhos práticos sobre a higiene dentária e, finalmente,apresentando o melhor produto para a limpeza dos teus dentes: antes do deitar e depois decomer, não esquecer!

Uma terceira técnica de promoção comercial que, não obstante estar já experimentada até àexaustão, continua a recolher os seus frutos comerciais, consiste em instrumentalizar o prazerlúdico do consumidor. O truque está em candidatar o consumidor a um sensacional concurso ousorteio (desde que ele faça um certo volume de compras), no qual poderá ganhar um ou váriosvaliosos prémios.

Uma variante ainda mais “maquiavélica” desta técnica de promoção está a serusada pelo sector imobiliário, nomeadamente na compra de apartamentos de férias ou doschamados direitos de utilização periódica (regime de time-sharing). Consiste em “varrer”telefonicamente algumas centenas ou mesmo milhares de consumidores residentes numadeterminada área que se sabe terem um poder de compra acima da média, comunicando acada um que foi escolhido por sorteio, que ganhou um prémio, o qual pode ser levantado emdado local, a partir de dada hora. No local assim combinado, o consumidor é apanhadodesprevenido por uma entrevista pessoal durante a qual lhe é apresentado um apartamento-

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maravilha para passar férias, a um preço e condições de pagamento verdadeiramentetentadoras...

Outras empresas preferem utilizar o correio (direct mail) para promover os seusprodutos, candidatando também os potenciais consumidores a um não menos sensacionalsorteio. É internacionalmente conhecida a prática das Selecções do Reader’s Digest, porexemplo. Também algumas companhias de seguros estão a utilizar processo idêntico.Frequentemente, os ficheiros de base de dados de clientes de grandes empresas são

vendidos a outras com o propósito de lhes facultar um mailing junto de umaclientela já seleccionada.

Método mais sério e socialmente mais útil de promoção de imagem comercial é o mecenatocultural1. Consiste no apoio financeiro de uma empresa ou associação de empresas a umaentidade promotora de uma actividade de índole cultural, cinetífica ou de utilidade pública(escolas, institutos de investigação, museus, simples iniciativas culturais, desportivas, etc), emtroca de uma simples divulgação pública do apoio concedido pela empresa. As importâncias emcausa são dedutíveis como custos do exercício para efeitos de tributação do rendimento dasempresas. Trata-se de uma forma interessante de fazer participar as empresas nos encargosinerentes ao desenvolvimento cultural da região ou do país: ganha com isso a colectividade comoum todo. Do ponto de vista da empresa, o mecenato cultural, além da utilidade publicitária que éa referência pública do seu nome, confere-lhe também uma certa imagem de prestígio junto dasociedade.

1 De Mecenas, político romano (morreu no ano 8 a.C.), conselheiro do imperador Augusto. Ficou célebrepor proteger e patrocinar a actividade artística, mormente a literatura. Apoiou materialmente figuras comoHorácio, Virgílio, Propércio, Vário, Messala, Corvino, entre outros.