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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social Monsenhor Alves Brás Curso de Animador Social/Assistente Familiar Área Científica - ECONOMIA * * * T E X T O D E A P O I O * * * Módulo 4: MOEDA E MERCADO FINANCEIRO 1. Conceito e funções da moeda 2. Breve História da moeda 3. Sistemas monetários 4. O sistema financeiro

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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social Monsenhor Alves Brás

Curso de Animador Social/Assistente Familiar

Área Científica - ECONOMIA

* * * T E X T O D E A P O I O * * *

Módulo 4: MOEDA E MERCADO FINANCEIRO

1. Conceito e funções da moeda 2. Breve História da moeda 3. Sistemas monetários 4. O sistema financeiro

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A par da utilização maciça de bens de capital, da especialização, da divisão do trabalho e de umadensa matriz de trocas entre pessoas, entidades e países, o processo económico caracteriza-setambém pela utilização generalizada da moeda, vulgarmente conhecida pela expressão "dinheiro".A moeda é, sem dúvida, uma das maiores invenções do género humano. E desempenha um papelcada vez mais importante na vida económica, suscitando problemas complicados e controversos,mormente quando se trata de indagar das suas relações com o comportamento dos chamadosfluxos reais. A consideração da realidade monetária levanta três grandes tipos de questões:

. o que é a moeda e quais as suas funções?

. será a moeda susceptível de disseminar e amplificar desequilíbrios e crises económicas,ao nível da produção, dos preços, do emprego, da distribuição do rendimento?

. quais os efeitos dos diversos modos de funcionamento das instituições financeiras e daspossíveis medidas de política monetária?

1. CONCEITO E FUNÇÕES DA MOEDA

O que é a moeda? O que é o dinheiro? Experimente responder agora mesmo a esta pergunta. Ou,melhor ainda, faça-a a um grupo de amigos? Provavelmente, dir-lhe-ão que é uma perguntacompletamente desprovida de utilidade. É que, para o comum das pessoas a moeda e osfenómenos monetários são tão naturais e banais como a chuva ou como o ar que se repira.Insista. "Moeda é aquilo que eu gostava de ter muito mais, e não tenho!" Desta vez, a resposta foipronta e ficou a saber, pelo menos, duas coisas: 1) que é um bem escasso e 2) que a equaçãoEstímulo-->Resposta estudada em Psicologia assenta como uma luva na relação entre o homem eo dinheiro: fossem os humanos criaturas com orelhas de cão e logo as arrebitariam logo que sefala do assunto...

Até a linguagem, da mais popular à mais erudita, atesta esta atracção (fatal?) entre o homem e odinheiro, tantas e variadas são as expressões usadas para apelidar uma qualquer quantidade demoeda que se tem, que se recebe, que se paga ou que se deve:

Abono, adiafa, alfinete, arame, bagaço, bago, bagulho, bala, bodo, brasas, broça, cabedal, cacau,caliça, carcanhol, caroçame, caroço, cascalho, chapa, cifra, cifrões, chelpa, cheta, coalho, cobre,conta, coroas, cosco, coscorrinho, cumquibus, denário, depósito, dinheirão, dinheiro, dolorosa,economia, factura, gadé, gimbo, gorgeta, grana, guines, guita, importância, jabaculê, jibungo,liquidez, maçaroca, maquia, massa, massagame, matambira, mealha, meia, mesada, mensalidade,metal, milho, miúdo, moeda, numerário, numo, oirama, ordenado, papel, pataca, pataco, patacão,

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pecúlio, pecúnia, pila, pilim, pinga, quantia, roço, salário, semanada, soca, soma, tesouro, trocado,troco, vencimento, vintém... Vil metal!1

E o mais curioso é a moeda ter uma natureza meramente instrumental na vida económica. Aposse de moeda, só por si, não satisfaz directamente nenhuma das necessidades humanas: nãocomemos o dinheiro, nem nos vestimos com ele. E também não usamos notas e moedas comomatéria-prima para as máquinas das nossas fábricas ou como semente para as nossas terras decultivo. A satisfação directa das necessidades humanas do foro económico é atributo exclusivodos bens e serviços, como se sabe. O dinheiro é, pois, um meio e não um fim. E é pela suafinalidade que se define e que revela a sua utilidade.

Na tentativa de definir "moeda" ou "dinheiro" deparamo-nos de imediato com um obstáculo: amoeda não é objecto ou coisa, como papel, metal ou ouro, uma vez que ao longo da Históriaassumiu, e ainda hoje pode assumir, vários suportes materiais (metal, papel, registo contabilísticoou magnético). E por isso, a definição não pode ser feita em termos de substância material. Amoeda tem uma natureza funcional e não material. Ou, como sintetizou um dos autoresconsultados para a elaboração do presente texto, money is not what it is, but what it does.2 Nãopodemos, portanto, definir "moeda" (e compreender e analisar os fenómenos monetários) tentandodizer o que ela é, mas investigando as suas funções na vida económica.

E um fenómeno igualmente curioso na Análise Económica é este: muito frequentemente, a formamais expedita de compreender algo é começar por imaginar o seu oposto. E o oposto de umaeconomia monetária (com moeda) é uma economia de troca directa. Numa economia de trocadirecta, existe mercado (sujeito às leis da oferta e da procura, já estudadas), mas os bens sãotrocados directamente uns pelos outros, sem a intervenção da moeda. Ao imaginarmos ummercado assim, facilmente nos daremos conta dos seus muitos inconvenientes e limitações. Erapidamente nos vamos aperceber dos vários e -importantes papéis desempenhados pela moedanas sociedades modernas. Façamos então uma viagem ao passado...

1.1. ECONOMIA DE TROCA DIRECTA

Um indivíduo vivendo e trabalhando em completo isolamento não precisa de dinheiro. Não tendocom quem trocar bens e serviços, não necessita de moeda. Mesmo se um pequeno grupo deindivíduos vivesse isolado dos outros, a moeda ser-lhe-ia de pouca utilidade, pois as pessoaspodiam trocar directa e mais facilmente bens e serviços. De facto, há muitos milhares de anos, osnossos antepassados não tinham necessidade de adquirir tantas coisas como nós. E, enquanto asua sobrevivência dependia exclusivamente daquilo que recolhiam da natureza, as suasnecessidades de troca eram reduzidas.

1 Com a ajuda do Dicionário Multimédia Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, 1995.

2 DUDLEY LUCKETT, Money and Banking , Harper and Row, 1980.

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Mas a partir do momento em que no interior dos grupos se começou a produzir certos objectosque, embora necessários, não eram estritamente indispensáveis à sobrevivência, houvenecessidade de encontrar uma forma de troca entre aqueles que produziam esses objectos eaqueles que continuavam a dedicar-se à produção de bens alimentares (divisão do trabalho eespecialização). O mesmo acontecia nas relações entre grupos ou tribos diferentes, quando unsdispunham de bens que outros desejavam adquirir, porque nem os homens consideradosisoladamente, nem os grupos em que estavam organizados, se bastavam a si próprios. O únicoprocesso de resolver o problema era trocar os bens e serviços por outros bens ou serviços. A esteprocesso de troca chama-se troca directa.

Aparentemente simples, esta forma primitiva de efectuar as trocas levantava muitas dificuldades.Sobretudo com o alargamento e comunicabilidade dos grupos humanos e com o inerentedesenvolvimento do seu grau de especialização.Em primeiro lugar, porque se tornava necessárioavaliar os bens que se queriam trocar, pois o bem que se oferecia devia ter um valor aproximadoao do bem que se desejava adquirir. Faltava uma unidade comum de medida do valor dos bens eserviços, não necessariamente definida em termos da quantidade de um único deles, masestabelecida em relação a todos eles, havendo tantas listas de relações de troca (ou razões detroca) quantos os produtos e serviços existentes no mercado. Trocava-se uma cabra por 6coelhos, um coelho por duas galinhas, etc., surgindo naturais dificuldades quando algum dosanimais era magro, doente ou coxo...

A segunda desvantagem de uma economia de troca directa é a possível falta decomplementaridade de intenções: se eu tiver um burro para trocar por ovelhas, tenho de encontraruma pessoa que deseje o burro e que, simultaneamente, esteja disposta a entregar-me ovelhas emtroca. Com a agravante de não podermos, por vezes, alterar certos termos da transacção. Se opreço relativo dos dois animais vigente na comunidade for estabelecido em termos de um burrovaler três ovelhas, teremos um problema insolúvel se o meu parceiro de troca tiver apenas duas --é que não posso dar-lhe pelas duas ovelhas dois terços do meu burro! E tal como o burro, ageneralidade dos bens e serviços não são divisíveis, isto é, não podem dividir-se em fracções semperda do seu valor (duas metades de um cavalo não valem o mesmo que um cavalo).

Terceiro inconveniente da troca directa: a falta de uma unidade satisfatória para se firmaremcontratos relativos a salários, rendas e juros, envolvendo pagamentos futuros. Numa economia detroca directa, estes pagamentos em dívida eram feitos entregando bens e serviços específicos,com inúmeros inconvenientes, entre os quais o da falta de rigor no valor que se entrega. Se eudever uma vaca a um vizinho, ficarei beneficiado (e ele prejudicado) se regularizar a dívidaentregando-lhe um animal magro; sucederá o oposto se a vaca entregue estiver para dar à luzumas vitelinhas...

A quarta desvantagem do sistema de troca directa decorre das duas primeiras: a inexistência deum meio de reserva de poder de compra generalizado (acumulação de poupança), para poder serusado mais tarde quando necessário. Obviamente, numa economia de troca directa só é possívelconstituir reservas de valor, conservando bens específicos (ou créditos sobre bens específicos),com o inconveniente de estes poderem deteriorar-se ou valorizar-se, a armazenagem desses benspoder ser dispendiosa e ser difícil ao seu detentor dispor rapidamente deles sem prejuizo.

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É verdade que uma manada ou rebanho se reproduz ao longo do tempo, à semelhança dodinheiro em depósito vencendo juro. Mas o gado, como reserva de valor, também está sujeito adesvalorização, por efeito de doença, do apetite de outros animais predadores, ou dasimples cobiça de outros homens... Não é, de facto, um meio seguro e eficaz de acumular poupança.

Houve, pois, necessidade de encontrar instrumentos que desempenhassem um papel deintermediário, sempre que as pessoas quisessem proceder entre si à troca de bens e serviços.Esses instrumentos deveriam ter certos requisitos ou qualidades que oferecessem às pessoasconfiança, para serem bem aceites por todos os membros de determinada comunidade:

. ser facilmente transmissíveis e transportáveis;

. serem bens escassos e de pronta aceitação por todos os membros da comunidade ou região;

. com um valor facial facilmente definível e identificável (um valor objectivo e não subjectivo);

. serem bens facilmente divisíveis (podendo o respectivo valor ser expresso em múltiplose submúltiplos da unidade básica de conta);

. serem susceptíveis de conservação duradoura -- pouco ou nada deterioráveis com o tempo;

. difíceis de falsificar;

. com um valor unitário elevado relativamente ao seu peso e volume;

. serem bens cuja circulação como moeda seja instituída e tornada obrigatória por umaautoridade legal.

As exigências acabadas de expor constituem ainda hoje requisitos obrigatórios para que umamoeda funcione eficazmente no processo económico. Vejamos então quais são as funçõesprincipais da moeda.

1.2. FUNÇÕES DA MOEDA

A moeda serve a sua finalidade básica de meio de circulação e instrumento mediador da troca,desempenhando quatro funções específicas: unidade de valor ou de conta, intermediário geral dastrocas, reserva de valor e padrão de pagamentos diferidos.

Unidade de valor ou de conta

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A moeda desempenha a função de unidade (padrão) de valor, o que significa que é em termos daunidade monetária que é medido o valor de todos os bens e serviços, sendo o "preço" o número deunidades monetárias pelo qual cada bem ou serviço pode ser trocado.

E o facto de a moeda ser um denominador comum de valores faz com que ela seja também umaunidade de conta ou de cálculo: ao fazermos a inventariação dos vários bens existentes numarmazém de uma empresa, ou ao calcularmos o Produto Nacional Português, não podemos "somarbatatas com feijões", mas, na posse de uma unidade de conta -- a moeda -- podemos somar ovalor das batatas ao valor dos feijões. Ou seja, a conversão do valor dos bens em moeda (valor detroca dos bens) permite ter parcelas homogéneas, expressas na mesma unidade, logopossibilitando o cálculo do valor do conjunto.

É forçoso notar desde já que a moeda, enquando unidade de medida do valor das coisas, não é tão perfeita quanto outras unidades de medida bem nossas conhecidas. Ao

contrário do metro, do litro ou do quilograma, que são, por definição, invariáveis, a unidademonetária é susceptível de variar de valor ao longo do tempo. Daí a importância que políticos eeconomistas atribuem a políticas económicas capazes de assegurar uma certa estabilidade relativado valor da moeda nacional.

Intermediário geral nas trocas

Esta função da moeda, que se identifica com a de "instrumento de troca", "meio de pagamento" e"meio de circulação", é desempenhada por qualquer "coisa" aceite por todos os membros de umacomunidade ou território. A troco de moeda, os sujeitos económicos estão dispostos a ceder bensou a prestar serviços na convicção de que, com ela, poderão adquirir, quando e onde quiserem, osbens ou serviços que desejarem. Esta "convicção" na moeda como meio de troca pode serfundamentada na lei (a autoridade sobre o território impõe o curso legal da moeda), na força deusos e costumes arreigados no grupo social de que os ditos sujeitos fazem parte, ou na simplesconfiança.

Ao acto de venda de bens ou serviços contra moeda, não tem de seguir-se, imediata enecessariamente, um acto de compra de outros bens ou serviços com o dinheiro recebido.Aparentemente, a moeda complica o processo de troca desdobrando-o em duas operações. Narealidade, ela simplifica-o, permitindo separar as duas operações no espaço e no tempo: vendo oburro hoje em troca de moeda. Amanhã ou depois, posso utilizar a moeda recebida para comprarovelhas noutro lugar. Num sistema de troca directa, a compra e a venda estão fundidas numamesma operação. A troca monetária autonomizou-as em duas operações distintas. E isto teveuma importante consequência imediata: a procura global de bens e serviços deixou de sernecessariamente igual à oferta global, ou seja, num sistema de troca monetária, podem registar-seexcessos de oferta ou excessos de procura.

Mais ainda: a introdução da moeda veio ampliar o conjunto de operações de troca na economia.Com efeito, num sistema económico com moeda, além de transacções em que a prestação e acontraprestação são simultâneas (em que o pagamento é feito contra a entrega imediata damercadoria), há também transacções de contrapartida não-imediata:

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. prestação actual de bens/serviços --> contraprestação futura de bens/serviços(empréstimos em espécie);

. prestação actual de bens/serviços --> contraprestação monetária futura (venda contrapagamento monetário diferido);

. prestação monetária actual --> contraprestação futura de bens/serviços (pagamentomonetário antecipado de bens ou serviços a fornecer);

. prestação monetária actual --> contraprestação monetária futura (empréstimo dedinheiro).

Reserva de valor

A moeda é um meio cómodo de reserva de valor ou de riqueza. O seu possuidor detem um poderde compra generalizado que pode utilizar quando quiser. Ou seja, podemos vender bens (oureceber salários) hoje e guardar o dinheiro até termos necessidade dele. É, pois, uma reserva devalor, uma vez que permite a sua utilização em consumo futuro. Na realidade, contudo, a moedanão é o único instrumento de reserva de valor. Esta função pode ser desempenhada por qualqueractivo com valor (por exemplo, por quaisquer bens valiosos que não se deteriorem com o tempo).

É de notar desde já que o facto de os sujeitos económicos poderem repartir os seushaveres entre moeda e outros activos -- e interconvertê-los de tempos a tempos -- é susceptível deoriginar ou agravar flutuações nos fluxos de despesas das famílias, nos preços e na actividadeeconómica em geral.

Se a generalidade dos agentes económicos de um país preferir conservar a sua riqueza soba forma monetária, em detrimento de outros activos (terrenos, edificações, fábricas, etc), então amoeda funcionará mais como reserva de valor e menos como meio de pagamento. Nestascondições, diminuirá a chamada velocidade de circulação da moeda, podendo diminuir também, emconsequência, a procura global de bens e serviços e, por essa via, fazer diminuir também orendimento nacional, o emprego e, obviamente, os preços. Se, pelo contrário, a preferênciageneralizada dos sujeitos económicos for no sentido de conservar a sua riqueza sob a forma deactivos não-monetários, a actividade económica (incluindo o rendimento e o emprego) deveráexpandir-se.

É evidente que, para que a moeda seja um meio satisfatório e eficiente de reserva de valor, eladeve ser estável ao longo do tempo. Se os preços forem estáveis, sabe-se exactamente o poder decompra de bens e serviços reservado (posto de parte como poupança) com a acumulação de umadada soma em dinheiro. Se, pelo contrário, os preços sofrerem grandes oscilações, o dinheiropreviamente acumulado não comprará a mesma quantidade de bens e serviços. Sobretudo osperíodos inflaccionistas (de subida continuada do nível geral dos preços na economia) reduzem autilidade da moeda como reserva de valor.

Padrão de pagamentos diferidos

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Em derivação das suas funções primárias de unidade de valor e de meio de pagamento, a moedatorna-se também a unidade em termos da qual são expressos os pagamentos futuros (dívidas). E éatravés dela que se compara o valor de prestações separadas no tempo.

Mas a moeda só será padrão satisfatório de pagamentos diferidos se mantiver um poder decompra constante ao longo do tempo. Se a moeda se valorizar, ficarão prejudicados os grupos quetêm de pagar quantias fixas, ganhando os credores dessas quantias. No caso de desvalorização damoeda sucederá o oposto: a vantagem pertencerá ao devedor e daí que em períodosinflaccionistas haja, regra geral, vantagem em contrair dívidas e em protelar o mais possível ospagamentos em dívida. E pode mesmo dizer-se que as variações no valor da moeda constituem ofenómeno que mais perturba os agentes económicos -- a sua contabilidade e as suas decisões.

1.3. CARACTERÍSTICAS DA MOEDA

Sem pretender estabelecer um conceito rigoroso e definitivo sobre o que é a moeda, podemosassentar no seguinte:

O dinheiro é um bem económico, por ser relativamente escasso, funcionalmenteútil e determinante nas decisões dos agentes económicos. É um bem instrumental que secaracteriza pela sua aceitabilidade, trocabilidade e disponibilidade. Por isso, a moeda dá aoseu possuidor um direito de saque sobre a produção global de bens e serviços realizada noterritório em que ela circula e é aceite.

Este direito de saque é indeterminado no tempo, no espaço, no objecto e napessoa. Ou seja, a posse de moeda dá-me o poder/direito de adquirir os bens e serviçosque eu quiser, a quem quiser, onde e quando eu quiser. E a atracção do homem pelodinheiro explica-se, em grande parte, precisamente por este poder/direito de saqueque a posse de moeda faculta ao seu detentor (actual ou potencial).

Por conseguinte, são três as características essenciais da moeda:

1. Aceitabilidade

O dinheiro goza de aceitabilidade geral nas suas diversas formas, ou por motivo de confiança, combase num uso ou costume (hábitos arreigados na colectividade) ou por obrigação legalmenteexpressa -- um dos elementos constitutivos da autoridade de um Estado soberano e independenteé o de cunhar a sua própria moeda e o de impor o seu curso legal (circulação) dentro dasfronteiras de um território. E é esta aceitabilidade que fundamenta o uso do dinheiro como meio depagamento, como instrumento de liquidação de dívidas (com poder liberatório, se usarmos aterminologia dos juristas).

De notar que, muitas vezes e apesar de disposições legais taxativas impondo o curso de legal de uma moeda, se verifica que há agentes económicos que recusam a utilização de uma ou mais formas monetárias, por terem perdido confiança nelas, por não crerem que

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elas sejam bom dinheiro (caso da relutância ou recusa de alguns comerciantes em aceitar o chequecomo forma de pagamento, por exemplo). Isto mostra algo do muito de subjectivo que há narealidade monetária.

2. Trocabilidade

Trata-se da qualidade intrínseca de um instrumento geral de troca. A moeda é aceite em troca porqualquer outro bem ou serviço.

3. Disponibilidade

Se a posse de moeda confere um direito de saque sobre a produção global do país ou território emque as formas por ela tomadas são aceites (quando não também sobre a produção de outrospaíses ou territórios, se estiver assegurada a convertibilidade entre as várias moedas), então ovalor funcional da moeda assenta na sua disponibilidade. É esta disponibilidade que faculta aosagentes económicos usufruir das quatro funções da moeda descritas na secção anterior.

Os economistas costumam empregar a expressão "liquidez" para designar a situação de um agenteeconómico que dispõe de uma dada quantidade de moeda. "Liquidez" significa, portanto, acapacidade que um agente económico tem de efectuar pagamentos a muito curto prazo, porquedispõe de moeda (ou de outros activos rápida e facilmente convertíveis em dinheiro).

Liquidez não é sinónimo de "riqueza" -- um indivíduo pobre, dispondo de toda a sua escassariqueza sob a forma de notas e moedas, tem maior liquidez que outro indivíduo rico em bensimóveis (terrenos, edificações) mas, de momento, sem moeda. E, se a riqueza material só seacumula e edifica com trabalho, a liquidez paga-se, isto é, pode ser comprada tão simplesmente.Pode comprar-se liquidez vendendo bens a troco de moeda. Ou pode, pura e simplesmente, pedir-se emprestado -- obtenção de liquidez a troco da promessa de restituição da quantia emprestadanum futuro próximo, acrescida do pagamento de um preço, o preço da liquidez, que se chama taxade juro.

Sendo objecto de compra e venda, a moeda é objecto de oferta e de procura no mercado(chamemos-lhe mercado monetário ou mercado financeiro). E o preço que se forma nestemercado é a taxa de juro. É o preço-custo que o possuidor de moeda (prestamista) atribui à perdade liquidez quando a empresta a outra pessoa (lado da oferta); e é também o custo-preço que outente da moeda (o tomador do empréstimo) está disposto a pagar para utilizar a liquidez daquelaquantidade de moeda (lado da procura). A taxa de juro não é, exactamente, o preço da moeda,mas o preço da liquidez, isto é, o preço da disponibilidade e uso da moeda.

A taxa de juro pode ser encarada numa outra perspectiva: é o custo de oportunidade suportado num acto de consumo, como veremos no módulo 4. Ao usar uma dada quantidade de moeda para adquirir um bem, eu estou a renunciar ao proveito (juro) que obteria se, poupando, vendesse a minha liquidez a outra pessoa ou instituição (um banco, por exemplo).

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Adiante estudaremos pormenorizadamente o comportamento da procura e da oferta de moeda nomercado. Falta-nos, por agora, definir um outro conceito importante.

1.4. DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO CRÉDITO

O crédito invadiu completamente a vida económica moderna, constituindo um recursoperfeitamente generalizado. Por isso se diz, com propriedade, que a economia moderna é "umaeconomia de crédito". E a verdade é que já não pode viver sem ele. Toda a operação de créditoenvolve a troca de uma prestação actual (empréstimo) pela promessa de uma contraprestaçãofutura (restituição). Para o devedor (ou mutuário, na terminologia jurídica), o crédito significa, noimediato, liquidez e, a prazo, a obrigação e responsabilidade de a restituir (normalmente acrescidade um preço-juro). Para o credor ou prestamista (ou mutuante, na terminologia jurídica), o créditoé um activo representanto um direito a essa prestação futura. É, por conseguinte, uma trocadiferida.

Na operação de crédito intervém como factor primordial o tempo. A introdução de um intervalo detempo entre as duas operações (a do empréstimo e a da sua restituição) pressupõe a confiança.Em terceiro lugar, o crédito costuma ter carácter oneroso, visto que o valor da contraprestaçãofutura ser geralmente superior ao da prestação actual (a diferença entre as duas é o juro).

Sobre a confiança como elemento constitutivo do crédito (em sentido financeiro), atente-se na semelhança de significado com o "crédito" (no sentido da linguagem vulgar): narelação do banco com o seu cliente, como na relação pessoal vulgar, "pessoa digna decrédito" é sinónimo de pessoa em quem se deposita confiança, que assume e cumprepontualmente as suas responsabilidades, obrigações e compromissos.

Quando a confiança não é total, é vulgar o prestamista exigir o pagamento de umpreço-juro mais elevado pela cedência onerosa de liquidez (para compensar o maior riscode o devedor não efectuar pontualmente a contraprestação futura devida). A esteacréscimo da taxa de juro superior ao normal, chama-se prémio de risco ou spread.Noutras vezes, o prestamista empresta sob garantia (penhor ou hipoteca) de bens reais --se o devedor não restituir a quantia emprestada, será a contraprestação feita com essesbens.

O crédito é hoje um factor de capital importância na criação da moeda. Por outro lado, facilitauma utilização melhor e mais completa das poupanças disponibilizadas, sobretudo, pelas famílias(estas afluem às instituições bancárias e retornam ao circuito económico "real" multiplicadas pelavia do crédito), influindo na produção (directamente, pela via do investimento, ou indirectamenteatravés do consumo), estimulando a formação do aforro e permitindo ao mesmo tempo umagrande economia de meios monetários em circulação (notas e moeda divisionária).

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Registe-se também que um crescimento imoderado do crédito bancário pode ser fonte importante de desequilíbrios monetários de elevadas proporções e incidências no sector produtivo da economia. A criação de excessos de procura (e a consequente pressão

inflaccionista) é exemplo dos efeitos nefastos de um crescimento excessivo do crédito.

Resta ficar desde já bem assente que o crédito não é moeda.Vejamos um exemplo: quando umainstituição bancária nos concede um empréstimo de 10 mil contos para compra de casa, a primeiracoisa que o banco faz é creditar a nossa conta de depósito à ordem com aquele montante. Noslivros contabilísticos do banco, ficará registado um aumento de 10 mil contos nos seus activos(crédito concedido) e também um aumento das suas responsabilidades (passivo) no mesmomontante, já que na contabilidade bancária, os depósitos dos clientes, podendo ser exigidos aqualquer momento, figuram no passivo do balanço. É óbvio que não podemos contabilizar as duascoisas (o empréstimo e o depósito) em simultâneo como moeda. Se o fizéssemos, estaríamos acontabilizar a mesma coisa duas vezes! Por isso, o depósito é considerado moeda (uma vez que orespectivo montante pode ser usado como meio de pagamento), enquanto o empréstimo é definidoe contabilizado como crédito.

Por conseguinte, crédito é uma coisa; moeda é outra. Os dois são analiticamente econtabilisticamente distintos. Ainda assim, crédito e moeda estão intimamente relacionados, sendoo crédito a base de uma boa parte dos meios de pagamento que dispomos.

2. BREVE HISTÓRIA DA MOEDA

Já sabemos que a moeda é apresentada por oposição à troca directa, como uma invençãofundamental que permitiu um grande desenvolvimento das trocas, o que equivale a considerar,como primeira função da moeda a de meio de pagamento, aceite por todos em razão das suasqualidades especiais (mercadoria privilegiada), como contrapartida da entrega de bens ou daprestação de serviços (função de intermediário das transacções) e de liquidação de dívidas. Esta éa posição atribuída a Aristóteles, primeiro economista analítico que terá descrito as funções damoeda. Esse bem (mercadoria privilegiada) seria, por outro lado, unidade de valor, mas tal função,segundo Aristóteles, apresenta-se como secundária. Na verdade, a lógica e a Históriademonstraram exactamente o contrário: a moeda não terá sido, antes de mais, instrumento detroca, mas sim um bem expressão dos valores de troca de todos os outros. Ou seja, a moeda foimero intrumento de cálculo económico ligado à troca, antes de ser o bem intermediário das trocas.

2.1. A MOEDA PRIMITIVA (MOEDA-MERCADORIA)

Encontra-se a expressão de uma moeda de conta nos mais antigos testemunhos da civilizaçãosuméria (4º milénio a.C.). Com a maior divisão do trabalho e a consequente maior diversidade de

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produtos, a troca directa era cada vez mais difícil, pelo que já os habitantes da Suméria recorriamao sistema da troca indirecta, trocando os bens com outros bens intermediários com os quais, pornova troca, obtinham os bens desejados. Foi este o sistema seguido nas economias da Antiguidade,como a Mesopotâmia e o Egipto, fortemente dependentes da cultura dos cereais.

A ideia de escolher um termo geral de comparação de valores para simplificação das tábuas derelações de troca resultou precisamente das maiores dificuldades inerentes ao regime de trocaindirecta. Tomaram-se para termos de comparação de valores os bens de uso mais geral e devaloração mais fácil: os cereais nos povos agricultores, o boi, o carneiro ou o cavalo nos povospastores, as peles entre os caçadores, o peixe seco e as conchas de moluscos entre ospescadores. Criou-se desta forma a primeira função monetária (unidade de cálculo de valor ou deconta), passando as tábuas de troca a referir-se a esse termo comum.

No templo vermelho de Ourouk, na Mesopotâmia, foram encontradas numerosas tábuasde contabilidade, em placas de argila, com caracteres pictográficos (mais tarde cuneiformes)representando uma espiga de cevada e uma expressão provável de um volume ou quantidade.Tratava-se de verdadeiros recibos ou reconhecimentos de dívidas, expressos na unidade de contada época: a medida de cevada. Em Roma, a cabeça de boi ("pecus", donde o termo actual"pecuniário") funcionou como unidade de conta. O boi era um bem escasso, por ser objecto desacrifícios aos deuses. Também o sal terá sido usado com a mesma função e mais tarde até comomeio de pagamento (a palavra "salário", vinda do latim salarium, tem a sua origem no sal-meio depagamento).

Só mais tarde sugiu a utilização da moeda-mercadoria como meio de pagamento, geralmente umbem material escolhido entre todos, por oferecer maiores facilidades de conservação, detransporte e de divisão, por estar ao alcance do respectivo grupo social e possuir valor de uso paraos seus membros. Funcionaram assim como moeda-mercadoria bens de consumo (animais,cereais, chá, sal, escravos...), bens de adorno (conchas, jóias, colares, tecidos, etc) e, finalmenteos metais, primeiro o ferro e o cobre, mais tarde a prata e o ouro.

A preferência pelos metais acabou por generalizar-se, dado o seu valor subjectivo, inerente à suarelativa raridade e difícil depreciação e dadas as suas qualidades objectivas de constância,homogeneidade e divisibilidade. E a moeda-metal começa por ser utilizada sob a forma deutensílios (moeda-utensílio) -- tripeças, discos, machados, caldeiras. A pesagem de lingotes demetais (moeda pesada) para liquidação de contratos de compra e venda também foi recursoadoptado por diversas civilizações, nomeadamente na Babilónia, na China, na Grécia e em Roma(neste último caso, com a curiosa figura do portador da balança que, em representação do Estado,atestava a legalidade do acto, o peso do metal e a extinção da dívida). Decompondo os lingotesem fracções, cedo apareceram os discos. O inconveniente dos discos era a possibilidade defraude, pelaintrodução no seu interior de substâncias ou matérias diferentes do metal. Esse risco desapareceucom a aposição de um cunho ou marca atestando ou garantindo a boa qualidade do metal (moedacunhada) e, portanto, da moeda. Este cunho ostenta, normalmente, a efígie, figura ou silhueta dorepresentante de quem a emitia, em regra o Estado).

O siginificado (e a história) da expressão "cunhar moeda" também já ficou explicado...

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2.2. A MOEDA METÁLICA

Foi Gyges, rei de Sardes, capital da Lídia, onde havia em abundância jazidas de ouro e prataassociadas ("electron") que inventou a moeda, ao mandar substituir os lingotes de peso e formavariáveis por fragmentos metálicos de forma mais ou menos circular, com uma marca garantindooficialmente o seu valor. Chamaram-lhes "estateras" e, durante muitos anos, tiveram curso(circulação) em todo o Próximo-Oriente. Outros reis de Sardes cunharam depois o ouro e a prata,fazendo a primeira experiência de bimetalismo (circulação em simultâneo de moedas de duas ligasmetálicas diferentes).

A difusão da moeda foi, no entanto, lenta, coexistindo as duas formas de economia: a natural(troca directa e indirecta) e a monetária. Em meados do séc. VI a.C., só as grandes cidades daÁsia Menor e da Grécia possuíam "casa da moeda". Atenas foi a primeira cidade grega cujasinstituições instituíram a economia monetária. O óbulo de ferro funcionava como moedadivisionária e a dracma de prata como unidade monetária de poder liberatório ilimitado, dado o seubom toque e a garantia do seu peso que, aliás, também lhe conferiram durante muito tempo acategoria de moeda de pagamentos internacionais na bacia do Mediterrâneo. Sucedeu, no entanto,que o ouro, à medida que era cunhado, desaparecia da circulação, sendo entesourado nos templose nos erários régios. Foi com as conquistas de Alexandre da Macedónia que mais se disseminou ouso da moeda metálica, enquanto os tesouros do Médio Oriente se espalharam pelo mundo grego.O êxito do "alexandrino" de ouro quase relegou a dracma de prata para a categoria de moeda detroco, registando-se grande afluxo de moeda nova em circulação.

Em Roma, foi só no séc. VI a.C., com Sérvio Túlio, que foi cunhada a primeira moeda: o ás decobre. Só três séculos depois se adopta o padrão dos gregos (a prata), cunhando o denário,passando depois ao ouro. A depreciação da moeda foi contínua e por vezes intensa, emconsequência da drenagem de metais preciosos para os mercados orientais, como forma depagamento de produtos exóticos, genuinamente sumptuários. E, muito mais do que na Grécia, orecurso à quebra de moeda (diminuição do peso e alteração do título) foi prática corrente emRoma, desacreditando publicamente a moeda. Este facto terá ajudado, sem dúvida, à queda doImpério Romano do Ocidente...

Em 476, Rómulo Augusto, último imperador romano do ocidente, é deposto por Odoacro, chefedos Hérulos. Dois séculos depois (711), a já muito espartilhada velha ordem económica do antigoImpério Romano é quebrada pelos árabes que, depois de se assenhorearem do Mediterrâneo,ocuparam quase toda a Península Ibérica. As moedas de ouro desapareceram praticamente dacirculação. Separado do Oriente, cercado pelos árabes a sul, o Ocidente fecha-se sobre si mesmoe, dada a escassez de metais, verifica-se um acentuado regresso à economia natural de trocadirecta e aos pagamentos em espécie.

Verificava-se mesmo a dissociação entre a unidade de conta (o termo geral de comparação de valores) e a moeda de pagamento (o instrumento de troca). Os preços eram expressos

em unidades puramente abstractas (apelidadas de "livre", "pound", "mark", "florin", "gulden",

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consoante as regiões), enquanto os pagamentos se efectuavam em inúmeras moedas locaisnão-metálicas -- panos, cabedais, especiarias.

Entretanto, nas transacções internacionais, a falta de metais amoedados é compensada pelodesenvolvimento do crédito. Mas a multiplicidade de soberanos na Europa Medieval provocou amultiplicidade de moedas, sobretudo depois de S. Luís de França (séc. XIII), altura em querecomeçam a circular moedas de ouro e prata. Depois foi o incremento das feiras nos principaisburgos. A estas feiras afluíam moedas de todas as proveniências para efectuar os pagamentos, oque determinou o aparecimento dos cambistas. Estes cambistas armavam banca nas feiras (daí aorigem das expressões "banco", "banqueiro" e "bancarrota"): pesavam, avaliavam e cambiavammoedas de todas as origens, convertendo-as na "moeda especial de feira". E até procediam aliquidações por transferência e por compensação. Assim se possibilitou a expansão das trocasentre mercadores de diferentes regiões e países (então associados corporativamente em "hansas"ou "guildas") num regime de, como tecnicamente se diz hoje, verdadeiro "clearing multilateral".

Mas a Idade Média também conheceu diversas crises monetárias. A quebra de moeda erafrequente. Consistia na diminuição do peso e da quantidade do metal usado na confecção dasmoedas, o que permitia aos soberanos adquirir maiores quantidades de bens e serviços, a troco domesmo peso de ouro ou de prata. Portugal não foi excepção, para desagrado e revolta do povo. Aperturbação era de tal ordem que os procuradores às Cortes preferiam negociar com o rei olançamento de um novo imposto desde que, em contrapartida, o rei se comprometesse a nãoquebrar a moeda durante um certo número de anos. É evidente que a actividade dos cambistas,"banqueiros de feira" veio alterar muito este estado de coisas -- eram eles que avaliavam overdadeiro valor intrínseco de cada moeda.

2.3. GÉNESE DO BANCO EMISSOR E DA MOEDA-PAPEL

Com os descobrimentos marítimos, mais se acentuou o afluxo de ouro e prata à Europa, com duasconsequências: uma intensa e continuada alta dos preços (desvalorização monetária) e umaaceleração da actividade comercial. O incremento da banca é permanente e, a partir do séc. XVI,a par do crédito privado, começa a desenvolver-se o crédito público, surgindo verdadeiros bancospúblicos que prepararam o caminho para a instituição de bancos emissores. Na sequência dediversas crises financeiras nalgumas praças europeias, Amsterdão torna-se, em meados do séc.XVII, o primeiro mercado monetário e o principal centro financeiro a Europa, com a criação doBanco de Amsterdão em 1609. Recebia em depósito apenas espécies metálicas (moedas elingotes). Nos seus livros de contabilidade, creditava os depositantes pelo contravalor em boamoeda real, com o título e o peso legal das espécies recebidas e, mais tarde, numa moeda deconta, o florim-banco, análoga à moeda de conta das feiras medievais. Seguiu-se a criação debancos idênticos na Alemanha (Hamburgo e Nuremberga), Veneza e Estocolmo.

De notar que já os banqueiros das feiras medievais passavam recibos aos depositantes. Aospoucos foi-se aperfeiçoando essa prática, tornando esses recibos (nominativos) transmissíveis por

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endosso. Se é certo que esses recibos não eram exactamente notas de banco (havia um mercadode recibos, cujo curso se estabelecia por vezes abaixo do montante nominal; o fraccionamento empapéis de igual montante não existia e a cobertura era inteiramente metálica), não há dúvida queprecederam de perto e contribuiram para vulgarizar uma nova forma de moeda: a moeda de papel.

O Banco de Estocolmo foi o primeiro a converter os certificados de depósito de espéciesmetálicas em verdadeiros títulos de crédito ao portador, com poder liberatório, isto é, em "dinheirode contado" convertível pelo portador em moeda metálica, dispensando o banco da obrigação deconservar nos seus cofres a totalidade das espécies metálicas depositadas pelos seus clientes. Éque se verificou que nem todos os depositantes se apresentavam ao mesmo tempo a exigir areconversão dos seus certificados de depósito em metal. Tais levantamentos tinham até uma certaregularidade. Era evidente a tentação de emitir certificados de depósito ao portador de montantesuperior ao valor das espécies metálicas entregues pelos depositantes. E foi isso mesmo queaconteceu. Estes bilhetes ao portador circularam como moeda em todo o reino e eram aceites empagamento de qualquer mercadoria.

Na Inglaterra do séc. XVII, era costume o depósito de metais preciosos e moedas metálicas nascasas dos industriais de ourivesaria -- os chamados goldsmiths, que, de há muito, faziamoperações de câmbio manual. Também entregavam certificados aos depositantes e depressativeram a ideia de os fraccionar em certificados de igual montante (as goldsmith notes) que, embreve, circulam de mão em mão, como forma de realizar pagamentos, mais facil e comodamenteque dinheiro de contado. Em 1694, foi criado o Banco de Inglaterra, verdadeiro banco emissor denotas representativas. Ficaram célebres as suas running cash notes, que eram bilhetes aoportador, negociáveis, com um valor fixo equivalente a um peso determinado de metal precioso.

As guerras sucessivas entre as maiores potências europeias e as inerentes crises económicas efinanceiras, retardaram o aparecimento de bancos de emissão nos respectivos países. Em França,foi John Law, filho de um banqueiro escocês, o primeiro a criar um banco privado (1716), com umprivilégio de emissão de bilhetes reembolsáveis à vista e ao portador, com o seu valor nominalfixado em moeda de conta (écu). Estes bilhetes foram rapidamente aceites como forma de moedade pagamento em quaisquer transacções. Mas, dois anos depois, o Estado nacionalizou o banco ereinou a indisciplina monetária: os bilhetes passaram a ser reembolsáveis em espécies metálicas derelação variável com a unidade de conta (sujeitas, portanto, a depreciação), as emissões debilhetes tornaram-se excessivas e os portadores de bilhetes, até então confiantes, apresentaram-sea exigir a sua conversão em metal precioso, o que obrigou o rei a decretar o curso forçado dasnotas, logo seguido da falência do banco e de todo o sistema que Law concebera.As ideias deJohn Law sobre a moeda de papel inspiraram todos os fundadores de novos bancos de emissão.Mas em França, a experiência de Law deixou marcas de desconfiança do público nas notas debanco (era assim, e ainda é, que os franceses lhes chamam). Só em 1980 foi criado o Banco deFrança, emitindo notas com curso legal, cobertas pelo seu encaixe metálico (metais preciosos emoeda metálica entregue pelos depositantes) e pela sua carteira comercial.

2.4. FORMAS DE NOTA:

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REPRESENTATIVA, FIDUCIÁRIA INCONVERTÍVEL

Os bancos emissores foram constituídos para evitar as desordens e a insegurança provocadaspela multiplicidade de moedas, de peso e título diversos, em circulação simultânea nos respectivospaíses e regiões. Só mais tarde se definiu o seu papel próprio de assegurar a manutenção daestabilidade externa e interna da unidade monetária nacional em relação à prata e ao ouro. E sómais tarde também os bancos emissores ganharam o estatuto de bancos centrais, com o privilégioexclusivo da emissão de notas, a função de caixa de reserva de meios de pagamento sobre oexterior e a de prestamista de última instância do Estado e dos bancos comerciais secundários.

A forma primitiva e mais modesta da nota de banco foi a nota representativa de moeda metálica(os certificados ou recibos de depósito de espécies metálicas), que oferecia a vantageminteressante da facilidade de transporte e de circulação, sem envolver problemas de confiança.Tratava-se de moeda representativa, uma vez que o certificado de papel era representativo deuma dada quantidade (e valor) de metal precioso depositado no banco que o emitiu. Ou seja, amoeda representativa de papel está totalmente coberta por em encaixe metálico.

A segunda forma de moeda de papel foi a nota convertível (moeda fiduciária). Logo que osbanqueiros se deram conta que, em condições normais, os depositantes das espécies metálicasnão acorriam ao banco todos ao mesmo tempo para levantar os seus depósitos, começaram aemitir notas representando uma quantidade (e valor) superior ao do metal depositado e que lhesservia de garantia. Esta atitude foi considerada favorável à boa marcha geral da economia e dosnegócios, mas exigia regras de contenção e de prudência. Os hábitos levaram a fixar comosuficientemente prudente a chamada "regra do terço" na proporção entre o encaixe metálico e aemissão de papel-moeda: pelo menos uma terça parte das notas emitidas estavam cobertas porencaixe metálico (correspondiam a metal precioso conservado nos cofres do banco).

É evidente que a moeda fiduciária , não sendo moeda representativa, assenta na confiança dosseus possuidores em relação aos bancos de emissão (a expressão "fiduciária" vem do latimfiducia que significa exactamente "confiança"). É preciso notar que, durante os primeiros tempos,a nota fiduciária convertível não era considerada verdadeira moeda, mas apenas "promessa demoeda". Mas, a partir do momento em que a aceitação dessa promessa se generalizou, as notasfiduciárias acabaram por desempenhar o papel de verdadeira moeda, tando mais que o Estado lhesvinha dar a sua garantia, conferindo-lhes por decreto o poder de extinção de dívidas, a qualidadede meios oficiais, instantâneos e obrigatórios, de liquidação (pagamento) de transacções reais oufinanceiras. Houve, porém, ocasiões em que se verificou a impossibilidade de conversão da notaem metal precioso (e durante muito tempo, o metal precioso continuou a ser considerado averdadeira moeda). Daí a terceira forma de nota -- a moeda de papel inconvertível. As notas queactualmente circulam como meio de pagamento são inconvertíveis, pois já não há notasrepresentativas nem fiduciárias.

A nota de banco actual, nota inconvertível, é a nota para a qual o Estado declara ainconvertibilidade em espécies metálicas (ninguém pode exigir ao Banco de Portugal a conversãode notas em ouro), determinando o seu curso (circulação) legal imposto por lei. A passagem damoeda convertível, fiduciária, à moeda inconvertível, de curso forçado, é um momentofundamental e decisivo na evolução histórica monetária: é o momento em que um documento de

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papel, que até então estava sempre ligado a uma substância (encaixe em metal precioso), dela sedesliga, por imposição do poder estatal, envolvendo a transformação do próprio conceito demoeda.

Há, por conseguinte, um processo histórico de sucessiva desmaterialização da moeda: da moeda-mercadoria útil na satisfação de necessidades (cerais, sal, animais) à moeda metálica (de ouro eprata) e, mais tarde, a um simples pedaço de papel representativo de algo puramente abstracto edesligado de qualquer coisa ou substância. Mas o processo de desmaterialização da moeda nãofica por aqui...

2.5. A MOEDA ESCRITURAL

A passagem da nota à moeda escritural, criada em larga escala na actualidade contemporânea,processou-se de forma idêntica à passagem das espécies metálicas para as notas. Da mesmaforma que o depósito de espécies metálicas conduziu à emissão de notas (recibos ou certificadosde depósito), também agora o depósito dessas notas levou à movimentação das respectivas contaspor processos meramente escriturais ou contabilísticos, inclusive electrónicos, justificando-se aqualificação de moeda informática ou electrónica. Ou seja, a moeda passa a ser um simples saldode conta bancária inscrito nos livros de contabilidade ou num registo magnético do computador deum banco! As vantagens são evidentes: além da comodidade e da rapidez, esta forma de moedanão tem problemas de conservação, de divisibilidade ou de transporte.

De notar a tendência, uma vez mais, para a desmaterialização da moeda. Da nota depapel, passa-se a um simples registo magnético, que é algo que não pode ver-se a olho nu, nem

manipular-se com as mãos.

As instituições que se dedicaram ao comércio de moeda escritural começaram por chamar-sebancos de depósitos, designação que ainda hoje subsiste, embora seja mais corrente a designaçãode bancos comerciais. A circulação dos depósitos faz-se pelo simples registo contabilístico detransferências de conta para conta e de banco para banco, donde as designações francesa demonnaie scripturale e inglesa de deposit currency (moeda de depósito): é a escrituração dosmovimentos de circulação entre contas de depósitos que desempenha o papel de moeda; e é pelodepósito e pelas relações entre depósitos que se dá o fluxo monetário, isto é a circulação destetipo de moeda.

É evidente que subsistem ainda as notas de papel e até a moeda metálica divisionária. Servemunicamente como moeda de troco e, regra geral, para transacções de pequeno montante.Normalmente, a maior parte dos pagamentos na vida económica, sobretudo a partir de certomontante, faz-se através de transferência entre contas bancárias, seja por meio de cheque,seja por simples ordem de transferência. E convem ter bem presente que o cheque não constituimoeda, mas tão somente uma ordem de pagamento e título executivo de dívida. Também ocartão de débito (do tipo Multibanco) não é moeda. Moeda é, tão somente, o registo contabilísticodo saldo da conta que pode ser movimentada com o dito cartão.

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Quanto às formas que a moeda escritural pode assumir, a evolução histórica repete-se uma vezmais: existe moeda escritural representativa e moeda escritural fiduciária (à semelhança do que sepassou com as notas há dois séculos atrás!). A moeda escritural representativa é aquela que nãopõe em jogo valores superiores ao depósito previamente efectuado no banco, não envolvendo,portanto, amplificação monetária.

Sucede que, uma vez mais, os depositantes não procedem todos a operações de levantamento aomesmo tempo, o que permite aos bancos movimentar valores superiores aos dos depósitosefectivamente feitos pelos seus clientes! A partir do momento em que os bancos concedem aosclientes créditos de depósito, inscrevendo nas suas contas uma dada soma, sem que os mesmostenham depositado previamente notas ou outras formas monetárias, temos uma nova forma demoeda. Neste caso, não é uma dada soma de notas que cria o depósito, mas sim o crédito (aconfiança), de que é exemplo mais simples a concessão de um empréstimo bancário -- o bancocredita a conta do cliente pelo montante do empréstimo, como se ele tivesse feito um depósitodessa quantia! Há lugar, portanto, ao nascimento de uma emissão de moeda escritural amplificada,em relação à moeda previamente depositada -- temos assim a chamada moeda escrituralfiduciária.

E se a moeda escritural representativa não oferece problemas de maior, visto que não faz mais doque reproduzir de outra forma algo que já existe (um depósito de notas, moeda divisonária ouresultado de transferências conta a conta), a moeda escritural fiduciária, ao aumentar os meios depagamento para valores superiores aos efectivamente depositados, apresenta os seus perigos.

Daí que os bancos comerciais sejam obrigados a conservar sob a forma de reservas obrigatórias uma parcela dos seus depósitos, além, naturalmente, de uma cuidada análise do risco envolvido em cada operação de crédito.

Refira-se que, na actualidade, o volume de moeda escritural atinge em muitos países dez a quinzevezes mais o valor das notas que lhe estão na base, o que mostra bem a supremacia adquirida pelamoeda escritural no conjunto dos meios de pagamento e a importância que assumiram asinstituições criadoras de tal moeda -- o sistema bancário. A evolução formal do dinheiro,mostrando-nos uma desmaterialização progressiva dos instrumentos monetários, foi acompanhadade uma complexida funcional crescente da moeda, servindo hoje, por exemplo, de meio definanciamento público e privado e como instrumento de política económica e financeiraimportante. E é possível que a evolução futura da moeda em relação às condições actuais venha arevelar novas funções derivadas ainda não pressentidas. Além desta desmaterialização da moeda,assistiu-se também uma total desvinculação ao ouro e aos metais preciosos. O ouro étransaccionado no mercado internacional e nacional tal como qualquer outra mercadoria, pelo queo seu preço é formado pelo livre jogo entre a oferta e a procura. Mas o mercado do ouro é aindamuito influenciado pelos muitos agentes aforradores que o consideram como reserva de valorprivilegiada.

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3. SISTEMAS MONETÁRIOS

A noção de sistema -- complexo coerente de estruturas ligadas por relações mais ou menosestáveis no tempo e no espaço -- estende-se também ao domínio monetário. Quando se fala desistemas monetários metálicos ou dos sistemas fiduciários tem-se presente um conjunto coerente,racional e perfeitamente organizado de estruturas do qual decorrem os mecanismos monetários.Note-se, no entanto, que, aquando da concretização dos sistemas na prática, a coerência perfeitadeixa de existir. Como se viu no capítulo anterior, a moeda metálica, na sua evolução histórica,antecedeu a moeda de papel. Seguindo a mesma ordenação cronológica, começaremos pordescrever os vários tipos de organização da moeda metálica e a seguir os sistemas fiduciários,nomeadamente no que se refere aos sistemas fiduciários, nomeadamente no que se refere aostipos de convertibilidade e de emissão.

3.1. SISTEMAS METÁLICOS

Foram três os tipos de organização da moeda metálica: padrões paralelos, bimetalismo emonometalismo de padrão-ouro.

. Sistema de padrões paralelos

As principais características deste sistema, que vigorou na maioria dos países europeus até aoinício do séc. XIX, são as seguintes:

- a circulação simultânea de moedas cunhadas em vários metais ou ligas, tais como obronze, a prata e o ouro;

- diversidade de entidades com possibilidade de cunhar moeda, resultante dafragmaentação política e administrativa existente na época;

- ausência de relação de valor rígida entre as moedas em circulação: cada moeda tinhaum valor comercial variável, não havendo apenas uma única unidade monetária queservisse de padrão de valores, pois todos os metais utilizados podiam desempenhar essafunção.

Em geral, a relação adoptada entre as várias moedas em circulação era aquelaque o mercado deixava transparecer. Face a esta ausência de relação rígida entre as

diferentes moedas, os preços dos vários bens transaccionados diferiam consoantea unidade monetária em que eram expressos ou trocados.

- distinção entre a moeda-unidade de conta e a moeda-meio de pagamento, emconsequência da multiplicidade de moedas em circulação.

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- possibilidade de as autoridades monetárias procederem à quebra de moeda,diminuindo a quantidade de metal correspondente à moeda de conta, sempre que oTesouro Público estava em dificuldades.

Esta operação também era designada por "aumento de circulação monetária",uma vez que o Tesouro, com uma massa idêntica de metal, cunhava mais moedas.

Por conseguinte, neste sistema de padrões paralelos, a moeda desempenhava mal as suasfunções, apresentando-se o sistema desprovido de um requisito fundamental: o da homogeneidade.

. Sistema bimetálico

Conforme se depreende do próprio nome, neste sistema circulavam concomitantemente apenasmoedas de dois metais (geralmente a prata e o ouro), que gozavam das seguintespropriedades:

- poder liberatório ilimitado, intimamente relacionado com a aceitabilidade das moedas;

- cunhagem livre, na medida em que qualquer detentor de lingotes de metal podiatransformá-lo em moeda de igual valor, dirigindo-se à "Casa da Moeda" da época;

- relação legal entre o valor dos dois metais: é o Estado que fixa o valor de troca legalentre o ouro e a prata.

Quando da instituição desse sistema, esta relação legal entre o valor dos metais baseava-se novalor comercial destes, havendo, portanto, coincidência entre a relação comercial e a legal. Com odecorrer do tempo, o valor comercial entre os dois metais conhecia algumas alterações mais oumenos sensíveis, enquanto o valor legal permanecia estável. Esta divergência entre as duasrelações originou o aparecimento das chamadas "boa" e "má" moeda, sendo a "boa" moeda aquelacujo valor comercial é superior ao valor legal, e vice--versa para a "má" moeda.

Este problema foi analisado em 1558 por Sir Thomas Gresham, que chamou a atenção (e explicouas causas) de um fenómeno curioso: mais tarde ou mais cedo, o valor oficial do ouro estavasubvalorizado, enquanto o valor legal da prata se mostrava sobrevalorizado. Em consequência, asmoedas de ouro (boa moeda) tendiam a ser entesouradas e a desaparecer da circulação. Greshamsintetizou o fenómeno numa afirmação que ficou célebre (e conhecida precisamente por lei deGresham):

"Bad money drives out good"

... que o mesmo é dizer que quando numa economia circulam simultaneamente duas moedasdiferentes, a "má moeda" tende a expulsar a "boa moeda" da circulação. Há três bons motivospara este desaparecimento da circulação da "boa moeda" (a de ouro):

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- a moeda de ouro é a mais utilizada nos pagamentos ao exterior e as transacções compaíses estrangeiros que assentam na relação comercial (entre prata e ouro) e não narelação legal;

- A moeda "boa" serve preferencialmente de instrumento de reserva de valores, sendo porisso entesourada;

- é também aplicada em operações especulativas, quer a nível interno, quer a nívelinternacional.

O mecanismo da lei de Gresham mostra que, nestas circunstâncias, o sistema bimetálico, emboramais aperfeiçoado que o sistema dos padrões paralelos, engendrava a sua própria destruição, namedida em que um dos metais tendia a desaparecer da circulação. O receio de que a utilização deum único metal nas moedas (e qualquer dos metais preciosos são escassos) pudesse comprometero desenvolvimento económico geral fez com que este sistema se mantivesse durante váriosdecénios na generalidade dos países europeus, não obstante as limitações atrás explicadas.

. sistema monometálico (padrão-ouro)

A partir do momento em que começou a circular moeda fiduciária, desapareceu o receio daescassez do metal precioso, tendo sido adoptado na grande maioria dos países modernos (finais doséc. XIX) o sistema monometálico. Trata-se de um sistema em que apenas moedas de um metal,geralmente o ouro, podem ser livremente cunhadas e gozam de poder liberatório ilimitado. Temos,portanto, um monometalismo assente no ouro, vulgarmente conhecido por padrão-ouro. Na suaforma mais pura, o padrão-ouro é um sistema em que um ou mais países definem a sua unidademonetária em termos de ouro. Por exemplo, em 1900, quando os Estados Unidos adoptaramoficialmente este sistema, o dólar (unidade monetária) foi avaliado (razão de troca legal) em 25,8gramas de ouro fino. Isto significa que o ouro-moeda podia ser convertido em ouro-mercadoria evice-versa. A primeira vantagem deste sistema era a de dar aos cidadãos uma total confiança nasua moeda legal.

Por outro lado, como quase todos os países adoptaram o padrão-ouro, definindo as suas unidadesmonetárias em termos de uma dada quantidade de ouro, este metal precioso tornou-se umdenominador comum nas transacções financeiras internacionais: podendo converter dólares emouro segundo uma relação de troca fixa e, seguidamente, converter ouro em libras esterlinassegundo outra razão de troca fixada legalmente, não é necessário efectuar quaisquer cálculosadicionais para saber qual a razão de troca entre o dólar e a libra; a taxa de câmbio entre as duasmoedas ficava automaticamente determinada. Assim sendo, as taxas de câmbio entre as unidadesmonetárias de todos os países aderentes ao padrão-ouro eram fixas (daí a designação de "câmbiosfixos"), ou seja, não flutuavam ao longo do tempo, como hoje sucede.

A maior vantagem de todas deste sistema de padrão-ouro é a sua estabilidade e a sensação desegurança (confiança no futuro) que ele inspirou a homens de negócios e até mesmo ao maishumilde cidadão. Mas, como vamos ver já em seguida, também não é isento de desvantagens ouinconvenientes. Suponha que um país tem um problema de desequilíbrio na sua balança comercial:está a comprar maior quantidade e valor de bens e serviços ao exterior (importações) do que a

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que lhe vende (exportações). Há, por conseguinte, um excesso de despesa sobre a receita nasoperações com o estrangeiro e este excesso (deficit comercial) tem de ser pago com ouro. Logo,temos saída de ouro do país. É claro que quase todos os países, por medida de precaução, tendema manter reservas em ouro, para acautelar déficits futuros. No entanto, se o desequilíbrio dabalança comercial se mantiver durante muito tempo, isso poderia conduzir a um total esgotamentodo ouro detido por um país.

Por isso, numa situação de deficit comercial crónico, um país que quisesse permanecer no sistemade padrão-ouro só tinha uma via de saída: a de deflaccionar a sua economia, que é como quemdiz, baixar os seus preços internos (para que os produtos nacionais sejam mais baratos que osestrangeiros, e daí possam encorajar as exportações e travar o andamento das importações). Ditodesta forma, as coisas parecem fáceis. Na realidade, a cura era -- e continua a ser -- maisdolorosa que a própria doença. O deflaccionar de uma economia significa, na prática, muito maisdo que simplesmente baixar os preços internos dos bens e serviços (relativamente aos preços dosmesmos bens e serviços praticados nos países estrangeiros). Significa também a falência deempresas, o desemprego, a baixa dos salários reais e de outros rendimentos, contenção da procurae instabilidade laboral.

3.2. SISTEMAS FIDUCIÁRIOS E TIPOS DE CONVERTIBILIDADE

O sistema de padrão-ouro evoluíu ao longo da História, quanto aos tipos de convertibilidade,passando de padrão-espécies-ouro (gold species standard) ao padrão-barra-ouro (gold bullionstandard) e, finalmente, ao padrão-divisas-ouro (gold exchange standard). Analisemossumariamente esta evolução.

. Padrão-espécies-ouro

Neste sistema, a unidade monetária era definida por um determinado peso de ouro,comprometendo-se o banco emissor a assegurar a convertibilidade da moeda de papel (notas) e acomprar, à paridade legal, todo o ouro que lhe fosse oferecido. Circulavam, portanto, moedas deouro, notas de banco convertíveis em moedas de ouro, além de moeda divisionária (moeda detrocos). Nas transacções internacionais, não havia qualquer entrave à circulação do ouro, sendoos saldos das balanças de pagamentos liquidados em termos deste metal. As moedas dos váriospaíses trocavam-se entre si consoante os respectivos pesos em ouro, variando as taxas de câmbiomuito pouco, apenas dentro dos limites dos chamados "gold points" (pontos de saída e entrada deouro, em resultado, por exemplo, de desequilíbrios comerciais entre exportações e importações,geradores, por sua vez, de excessos de oferta ou de procura de divisas). O ouro desempenhava,pois, simultaneamente o papel de moeda interna e internacional, servindo de instrumentoprivilegiado de entesouramento e de padrão de valores. E foi este o sistema predominante até1914 (Primeira Grande Guerra Mundial).

. Padrão-barra-ouro

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Neste sistema, com vista a reduzir a utilização do metal precioso, as notas de banco não podemser convertidas em moedas de ouro, mas apenas em barras de ouro, o que condiciona a conversãoà posse de um elevado montante de notas. Por exemplo, na França de 1928, eram necessários 200mil francos para obter uma barra de ouro pesando 12 quilogramas. Daí que, em oposição aopadrão-espécies-ouro, caracterizadamente individualista, este novo sistema tenha sido apelidado de"aristocrático" ou "colectivo", porque só os possuidores de avultadas somas (ou um gruponumeroso de pequenos detentores associados) tinham acesso à convertibilidade das notas debanco em ouro. Dado que as barras de ouro não eram instrumentos cómodos de liquidação dastransacções correntes, havia assim mais uma razão efectiva para a economia de ouro. De facto, oouro deixava de ser utilizado internamente como meio de pagamento, passando apenas a ser usadonos pagamentos ao estrangeiro e como instrumento de reserva de valor.

. Padrão-divisas-ouro

Após a Primeira Grande Guerra, os países desenvolvidos reuniram-se em 1922 na Conferência deGénova, tendo adoptado uma resolução que consagrava o princípio da economia no uso do ouro,através da manutenção de reservas sob a forma de saldos no estrangeiro. Foi como aplicaçãodesta disposição que o regime, conhecido pela designação anglo-saxónica de gold exchangestandard, substituíu o velho padrão-ouro. A razão de ser da citada conferência advém do factode, em 1920, os países que tinham mantido o curso forçado das notas de banco (semconvertibilidade) durante a Grande Guerra pretenderem voltar à convertibilidade e de haver oconsenso de que o stock de ouro disponível no mundo desenvolvido não era suficiente para pôr emprática a desejada reconstrução e revitalização das suas economias depauperadas pela Guerra.Para que tal solução fosse possível era necessário uma de duas coisas: ou o aumento do valormonetário do stock de ouro existente, ou uma modificação das práticas respeitantes àconvertibilidade monetária. E foi a segunda a solução adoptada.

A moeda interna de cada país é agora convertível numa divisa estrangeira que, por sua vez, éconvertível em ouro, de acordo com uma relação de troca determinada e legalmente estabelecida.Passou, portanto, a existir uma relação ainda mais indirecta entre a nota de banco e o ouro.Entretanto, o ouro deixou de todo de circular como moeda dentro da cada país. Trata-se de umaconvertibilidade internacional de segundo grau, uma vez que o banco emissor de um país tem deassegurar a convertibilidade da moeda fiduciária nacional numa divisa estrangeira convertível emouro. A moeda estrangeira convertível usada como padrão é designada de "moeda-chave" (keycurrency) e utilizada como instrumento privilegiado de reserva; o país emissor da moeda-chave éo país-planeta e os outros países que a adoptam como padrão são os países satélites.

Não há dúvida que o recurso a este sistema permitiu uma economia sensível na utilização do ouro,embora, em contrapartida, tenha levantado alguns problemas:

- o mesmo stock de ouro servia de referência a duas ou mais coberturas de emissãomonetária, contando-se nas reservas o metal que o constituía e as divisas queeram a sua representação. Podia assim originar-se uma multiplicação abusiva dasdisponibilidades monetárias, a qual, eventualmente, arrastava consigo uma situaçãoinflaccionista, caso a produção não acompanhasse esta expansão;

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- vulnerabilidade das moedas dos países satélites, estreitamente dependentes dasvicissitudes da moeda de reserva. Assim, se o país-planeta abandonasse o padrão-ouro, ficavam desligadas do ouro as moedas dos países-satélites, como aconteceu em1931, quando a Inglaterra aboliu a convertibilidade e decretou o curso forçado da libra;

- instabilidade da própria moeda de reserva, na medida em que os países-satélites, aoaperceberem-se dos avultados montantes das reservas acumuladas em divisas do país-planeta, exigiam essa conversão, temendo que a sua convertibilidade em ouro não fosseassegurada. Esta instabilidade foi particularmente sentida nos anos 20.

Não obstante as peripécias por que passou, foi este o sistema vigente até 1971, data em que oPresidente Richard Nixon declarou o dólar inconvertível em ouro, no meio de uma grave crisemonetária internacional e de um enorme défice na balança de pagamentos dos Estados Unidos.

3.3. TIPOS DE EMISSÃO EM SISTEMAS FIDUCIÁRIOS

Qualquer que seja o sistema de padrão-ouro adoptado, põe-se sempre a questão de saber se aemissão de moeda fiduciária deve ser livre ou regulamentada, isto é, se os bancos emissoresdevem poder emitir livremente o montante de notas que julgarem necessário, ou se o limite deemissão monetária deve ser definido por lei. Esta questão tem sido objecto de polémica, desde oséc. XIX, nomeadamente por parte de economistas ingleses, distinguindo-se duas teses extremas:

. a da escola monetária (currency school), segundo a qual a circulação fiduciária deviaser regulamentada pelo Estado, a fim de evitar a inflação duradoura. Em consequência, osadeptos desta escola defendiam que a moeda fiduciária devia assentar totalmente nareserva-ouro, sendo, portanto, moeda representativa. Se fossem emitidas notas adescoberto (de valor global superior ao do stock de ouro existente), gerava-se umaumento da massa monetária em circulação sem contrapartida real, podendo vir aprovocar um processo inflaccionista.

. a da escola bancária (banking school), partidária da livre emissão, pois que, segundoela, o volume das notas em circulação não dependia da voltade dos bancos emissores, masdas operações que realizavam. Não havia, portanto, que recear um excesso de moeda,pois, caso tal se viesse a verificar, registar-se-ia uma elevação do nível dos preços e,consequentemente, uma quebra do poder de compra da moeda fiduciária, podendo originara corrida dos seus detentores ao banco emissor no sentido de convertê-la em ouro.Efectivamente, os bancos emitiam moeda ao descontar títulos comerciais e assim era omontante das transacções que determinava o volume da emissão monetária... Que écomo quem diz "não é a moeda que comanda a economia, mas a economia que dirige amoeda".

Nenhum dos sistemas puros acima descritos teve concretização prática: a realidade acbou por seruma simbiose de ambos. Uma breve retrospectiva analítica dos vários sistemas de emissãoadoptados nos séculos XIX e XX permite identificar três tipos de emissão:

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- cobertura integral de emissão:

Toda a nota emitida pelo banco devia ter assegurada a sua cobertura, a qual podia ser compostade valores ou títulos de rendimento, ou de valores mobiliários e de moeda metálica (coberturamista). Neste último caso, a cobertura consistia no conjunto dos valores mobiliários e no encaixemetálico, não obstante ser apenas este último que assegurava a conversão. Este sistema, que seaproxima mais da tese da escola monetária, foi adoptado pela grande maioria dos países no séc.XX.

- máximo legal ou plafond de emissão

Estabelecia um máximo de emissão monetária que não podia ser excedido. Dado que na fixaçãodeste plafond se atendia mais a considerações de ordem política do que económica, este limiteestava por vezes fixado em valores demasiado baixos, de tal forma que podia comprometer oregular desenvolvimento do país. Obviamente, este sistema só podia vigorar em períodos de lentaexpansão, como acontece no séc. XIX.

- cobertura proporcional

Neste caso, o banco emissor era obrigado, por lei, a garantir com ouro determinada percentagemde moeda fiduciária em circulação. Ou seja, a reserva metálica representava uma percentagem dovolume de circulação monetária, pelo que as quantidades podiam variar em valor absoluto sem quea relação legal se alterasse. De facto, a circulação monetária podia alterar-se desde que aproporção entre a emissão e as reservas de caixa permanecesse estável. Dada a sua flexibilidade,o princípio da cobertura proporcional (que de início se admitia fosse de um terço) foi o que acaboupor prevalecer.

4. O SISTEMA FINANCEIRO

A moeda é um activo detido pelos agentes económicos -- famílias, empresas e Estado -- quetraduz um poder de saque sobre o Produto Social criado no espaço económico onde essa moedatem aceitação generalizada. Nesta perspectiva, estão em predomínio as funções de meio depagamento e de unidade de conta, mas a moeda também é tomada como um activo de aplicaçãoalternativa, desempenhando também a função de reserva de valor. Desta forma, famílias,empresas e Estado constituem-se em utilizadores da moeda (lado da procura), por contraposição aoutros agentes económicos (as chamadas instituições monetárias), que são criadoras de activosmonetários (lado da oferta). A moeda criada pelas instituições monetárias representa para essasinstituições uma responsabilidade assumida perante os outros agentes económicos. Por usa vez, amoeda representa para as famílias, empresas e Estado um conjunto de disponibilidades ou activosem carteira.

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4.1. SECTORIZAÇÃO DA ECONOMIA

Para melhor compreensão do sistema institucional em que a moeda funciona, convém seccionar aeconomia em três grandes sectores distintos, consoante a intervenção de cada um no processo decriação e utilização da moeda:

. sector financeiro . sector não-financeiro . sector exterior

O sector financeiro é aquele que dá lugar à criação de moeda e à intermediação financeira,recolhendo poupanças (moeda já criada) e aplicando-as em investimento. O sector não-financeiroé aquele que utiliza os activos monetários criados pelo anterior. O sector exterior é o conjunto deagentes económicos residentes no estrangeiro e que, como agentes económicos residentes noestrangeiro e que, como veremos, pode utilizar a moeda nacional ou destruí-la.

O sector financeiro integra:

. o subsector monetário, compreendendo a autoridade monetária (Banco Central) e asoutras instituições monetárias (adiante designadas abreviadamente por OIM), compostaspor bancos comerciais e instituições especiais de crédito que também recolhemdepósitos e criam moeda;

. o subsector não-monetário, composto por instituições financeiras não-monetárias(IFNM), isto é, entidades que, não recebendo depósitos, actuam, porém, no domínio dofinanciamento com base em recursos próprios ou obtidos por aplicações de capitais erecolha de poupanças (não sob a forma de depósitos).

O sector não-financeiro compreende:

. o subsector público, que abrange a Administração Central (Estado, Fundos Autónomos eServiços Autónomos), a Administração Local (Autarquias Locais) e a Segurança Social;

. O subsector produtivo, composto pelas empresas públicas e privadas (agricultura,indústria, comércio e serviços não-financeiros);

. o subsector particular, constituído pelas famílias.

O sector exterior envolve todas as entidades não residentes que desenvolvem relações de trocacom os agentes económicos residentes em território nacional. Os agentes residentes podem terpara com o estrangeiro disponibilidades sobre o exterior (moeda estrangeira e outros meios depagamento expressos em moeda estrangeira). E podem ter também passivos a liquidar em favordo estrangeiro (créditos sobre o espaço nacional expressos em moeda estrangeira, ou outras

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responsabilidades nossas, mesmo se expressas em escudos, em favor dos outros espaçoseconómicos).

A principal razão da divisão da economia nestes três sectores é a sua diferente intervenção noâmbito da moeda. De um lado, há um sector financeiro que desempenha um papel preponderantepela sua qualidade de criador de moeda; de outro, o sector não-financeiro, que se coloca naposição de simples utilizador de moeda. Desta forma, estão apresentados os principais actores nomercado monetário e financeiro: de um lado os que procuram moeda e de outro os que aoferecem.

4.2. NATUREZA, FUNÇÕES E INSTITUIÇÕES DOSISTEMA FINANCEIRO

O sistema financeiro é constituído, maioritariamente, por instituições a que nos habituamos achamar bancos. A primeira função económica dos bancos é a de receber depósitos à ordem epagar os cheques que sobre eles sejam emitidos pelos seus clientes. Uma segunda e importantefunção dos chamados bancos comerciais é a de emprestar dinheiro às famílias, às empresas, aoEstado , ou até mesmo ao exterior. Ou seja, a actividade principal dos bancos consubstancia-seem canalizar poupanças dos agentes económicos com excesso de liquidez para os agenteseconómicos com falta de fundos. Desta forma, os bancos obtêm recursos que lhes acarretamcustos (o juro pago aos depositantes, por exemplo) e fazem aplicações das quais obtêm proveitos(por exemplo, o juro cobrado nos empréstimos que concedem). No entanto, a actividade actual dosbancos e a gama de serviços que prestam é hoje muito mais diversificada (e até mais rentável!)que a actividade tradicional de receber depósitos e conceder empréstimos.

Os bancos desempenham variadíssimas outras funções em regime de concorrência com outrasinstituições financeiras não-bancárias. Por exemplo, recebem também depósitos a prazo (oudepósitos de poupança), que proporcionam juros superiores aos dos depósitos à ordem. Emitemordens de pagamento diversas e cheques de viagem (traveller cheques). Mesmo quandoconcedem crédito a particulares e empresas, os bancos estão a fazer concorrência às sociedadesfinanceiras, que poem fundos de maneio à disposição das empresas. Ao comprarem obrigações,acções e outros títulos estão a fazer concorrência às companhias de seguros e aos outrosinvestidores. Ao gerirem negócios por conta de terceiros, os bancos invadem o campo de acçãoespecífico dos consultores financeiros, das sociedades de gestão de patrimónios e de outrosgestores de negócios.

Os bancos são, por definição legal, as únicas instituições habilitadas a oferecer moeda escritural,isto é, depósitos à ordem mobilizáveis por meio de cheques susceptíveis de ser usados como meio

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de pagamento e de troca -- é aqui que reside a função primacial dos bancos. Em quase todos ospaíses de economia de mercado, podemos encontrar cinco tipos de bancos:

. Banco Central . Bancos comerciais . Bancos de investimento . Bancos especializados . Bancos cooperativos ou montepios.

O primeiro (Banco Central) é a autoridade monetária, com poderes de regulação e supervisãosobre todo o sistema bancário. Os outros quatro tipos de bancos integram o que é costumechamar-se "Outras Instituições Monetárias" (OIM). Vejamos em pormenor a natureza e funçõesde cada um destes tipos de bancos.

Banco Central

No nosso país, é o Banco de Portugal. Desempenha cinco funções principais:

. Emite moeda fiduciária : as vulgares "notas de banco" que usamos nos pagamentos. Aassinatura do Governador do Banco de Portugal sobre as notas garante ao possuidordestas (portador) um direito de saque (poder aquisitivo) no montante expresso no textoda nota (500, mil, cinco mil, dez mil escudos). E os agentes económicos confiam queassim é e aceitam aquelas notas em troca do seu trabalho, da prestação de serviços ou decapital financeiro, ou em troca dos seus activos;

. Banco dos outros bancos: o Banco central não aceita como seus clientes famílias ouempresas; os seus clientes são os outros bancos: fornece-lhes crédito quando elesprecisam, através do desconto de títulos (fixando para isso uma taxa de juro especialchamada taxa de redesconto) e também lhes vende títulos quando os bancos têmexcesso de liquidez (na gíria bancária, diz-se neste caso que o Banco central está aenxugar a liquidez excedentária dos bancos). Em ambos os casos, o Banco centraldesempenha o papel de banco de último recurso (lender of last resort) do conjunto dosistema bancário;

. Autoridade monetária : o Banco Central tem poderes delegados pelo Governo, além depoderes definidos pela lei e dos que estão definidos nos seus estatutos. Poderes paraintervir em diversas matérias: taxas de juro, taxas de reservas obrigatórias dos bancos,montantes e regimes de crédito. Trata-se de um poder essencialmente regulador de todo osistema bancário, com o objectivo de coadjuvar o Governo na orientação da políticamonetária e de garantir a segurança do sistema bancário em geral e dos depósitos emparticular.

. Regulador dos pagamentos internacionais: o Banco Central é a entidade que administraas chamadas reservas externas -- reservas do país em meios de pagamento sobre oexterior, constituídas por ouro e moeda estrangeira com aceitabilidade internacional(essencialmente, dólares, ienes, marcos e francos suíços)-- que garantem acapacidade de o país pagar os seus eventuais deficits ao exterior, resultantes de

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transacções de bens, serviços ou de capitais. Ao Banco Central incumbe também a tarefade executar a política cambial definida pelo Governo;

. Banqueiro do Estado: como contrapartida do privilégio da emissão de moeda, o BancoCentral presta determinados serviços ao Estado, além de lhe pagar uma renda ou dadapercentagem sobre os seus lucros (no nosso país, o Banco de Portugal tem o estatuto deempresa pública). Entre os serviços específicos que prestam ao Estado, o mais importanteé o de servir de instituição aceitadora e colocadora das emissões de títulos de dívidapública (Obrigações do Tesouro, por exemplo, que são uma forma de o Estado pedirdinheiro emprestado aos cidadãos). Além disso, o Banco Central faculta ao Estado amanutenção de uma dívida flutuante, permitindo ao Estado fazer face a eventuaisdesfasamentos temporais entre receitas e despesas.

Outras Instituições Monetárias

Não criam moeda fiduciária (não emitem notas), mas apenas moeda escritural.

. Bancos comerciais: são instituições privadas ou públicas, com fins lucrativos, queaceitam depósitos e concedem empréstimos, podendo participar no capital de outrasempresas. Os juros (passivos) que pagam aos seus depositantes são inferiores aos juros(activos) que recebem pelos empréstimos que concedem. Podem prestar também váriosoutros serviços: transferências bancárias, gestão de carteiras de títulos, gestão depatrimónios, pagamento de serviços, emissão de títulos e até mediação de seguros;

. Bancos de investimento: são instituições públicas ou privadas, com fins lucrativos, queaceitam depósitos (em regra, apenas depósitos a prazo) e concedem créditos,especialmente a médio e longo prazo. Frequentemente, estes bancos têm ligaçõesespeciais com as autoridades económicas para a orientação da política de investimentos(exº: concessão de linhas de crédito). Distinguem-se dos bancos comerciais por fazeremoperações financeiras de prazo mais longo;

. Bancos especializados: distinguem-se dos dois tipos precedentes por seremespecializados em operações com um determinado sector produtivo: há bancosespecializados na agricultura, outros no comércio externo. Por vezes estes bancos têmalgum tipo de privilégio junto do Banco central. É um tipo de banco pouco frequente, jáque há tendência para a proliferação de "bancos universais" (que fazem todas asoperações, incluindo a prestação de muitos serviços);

. Bancos cooperativos ou montepios: muitos tiveram a sua origem na iniciativa deassociações religiosas ou cívicas e também de cooperativas. Geralmente, não têm finslucrativos, mas realizam lucros que auto-investem. Em países como a Holanda e Israelsão instituições poderosas no conjunto do sistema financeiro.

Os bancos formam entre si a chamada Câmara de compensação, que mais não é que um"encontro de contas correntes" entre todos os bancos. Do que se trata é de efectuar asnecessárias transferências quando, por exemplo, um cliente do banco A deposita na sua conta umcheque sobre uma conta do banco B. Em Portugal (como também noutros países europeus) sãotambém os principais accionistas da SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços) que administra e

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assegura o funcionamento de uma rede de caixas de pagamentos/levantamentos automáticosmediante a utilização do conhecido cartão magnético "Multibanco".

Nos últimos anos, e em consequência da situação de recessão que a economia portuguesa tematravessado, os desequilíbrios no lado real da economia têm-se propagado ao sector financeiro,com a agravante de muitas das medidas correctivas de política económica usarem com frequênciaa manipulação de instrumentos e mecanismos monetários. Daí os bancos terem constituído entresi dois mercados muito especiais: o mercado monetário interbancário e o mercado interbancário detítulos.

O mercado monetário interbancário foi criado com a finalidade de proporcionar uma maior fluideze redistribuição dos recursos em poder do sistema bancário, permitindo que os bancos com faltade liquidez pontual ali possam adquirir os fundos necessários ao seu equilíbrio de tesouraria, e queos bancos com excesso de liquidez disponham de uma forma alternativa de aplicação de "dinheiroa mais". As taxas de juro praticadas neste mercado resultam do livre jogo entre a oferta e aprocura de fundos por parte dos bancos. Podem também participar nas sessões diárias destemercado as sociedades financeiras. Neste jogo, O Banco de Portugal é, sobretudo, umespectador.

O mercado interbancário de títulos constitui uma outra alternativa de aplicação de excessos deliquidez e nele são transaccionados títulos de dívida pública (Obrigações e Bilhetes do Tesouro).As propostas de aquisição são feitas pelos bancos ao Banco de Portugal, sempre com acordo derecompra daqueles títulos pelo Banco central. Actualmente, os bancos, além de poderemtransaccionar estes títulos entre si, podem também colocá-los (vendê-los) junto do público.

Outras instituições financeiras não-monetárias

A par dos bancos há outras instituições financeiras, ditas "não-monetárias" porque não recebemdepósitos nem criam moeda fiduciária nem escritural. As mais importantes são, sem dúvida ascompanhias de seguros, sobretudo pelo volume de recursos financeiros que movimentam, peloelevado número de clientes e pela profusão de novos produtos financeiros (alternativas deaplicação de poupanças) que oferecem no mercado, ao público em geral. Pode mesmo dizer-seque as companhias de seguros invadiram áreas específicas da actividade bancária, já que os tãofalados Planos de Poupança-Reforma (PPR), os complementos de reforma e outros produtosfinanceiros, geralmente associados a seguros de vida, mais do que seguros, são verdadeirasformas de aplicação de poupanças para os particulares e um importantíssimo meio de captação derecursos por parte das seguradoras. Sendo a função primordial das seguradoras a de cobrir riscos,é natural a constituição de elevados montantes de reservas e de provisões (que até têm um pesoconsiderável no seu balanço). Como é óbvio, dinheiro parado não só não rende como também sepode deteriorar por via da inflação. Por isso as seguradoras aplicam as suas provisões e reservasem títulos (acções, obrigações, títulos de participação, unidades de participação em fundos deinvestimento mobiliário e imobiliário), constituindo um dos principais tomadores de títulos nomercado de capitais (de que trataremos mais adiante).

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Outro tipo de instituições financeiras não-monetárias é composto por sociedades dedesenvolvimento regional e por sociedades de investimento. Captam recursos recorrendo aocrédito bancário e, mais recentemente em Portugal, emitindo títulos através dos quais obtemdisponibilidades líquidas. Papel importante é também o das sociedades de locação financeira (ousociedades de leasing) que se dedicam ao aluguer de certos equipamentos às empresas (e aprofissionais livres) em regime de longa duração. Captam recursos junto da banca e do mercadode capitais e, em certas condições, permitem financiar investimentos a custos mais baixos (emmuitos casos, sai menos oneroso ao empresário pagar aluguer mensal de alguns equipamentos doque comprá-los endividando-se junto da banca).

De criação mais recente em Portugal são as sociedades de capital de risco, inspiradas emsociedades americanas de características semelhantes (as venture companies). O objectivofundamental destas sociedades consiste no apoio e na promoção do investimento em empresas ouprojectos, através da participação no capital social das empresas a apoiar, da titularidade deacções convertíveis em capital e de prestações suplementares de capital. Captam recursosrecorrendo a instituições financeiras nacionais e internacionais e à emissão de obrigações. Podemter um papel importante no estudo de viabilidade técnico-económica de projectos de investimentoe racionalização das empresas participadas, analisando e propondo soluções e condições para orespectivo financiamento. E podem ser um meio eficaz de acesso ao mercado de capitais porparte de pequenas e médias empresas.

De criação recente em Portugal, mas assumindo uma importância crescente no mercadofinanceiro, são os fundos de investimento mobiliário, os fundos de investimento imobiliário e osfundos de pensões. Na constituição de um fundo de investimento entram dois tipos de instituição:

. a sociedade gestora do fundo . o(s) banco(s) depositário(s).

O seu funcionamento é extremamente simples e consiste na captação de fundos através da venda,pelos bancos depositários, de certificados representativos de unidades de participação no fundo.Os recursos assim reunidos destinanm-se à constituição de uma carteira de valores mobiliários,carteira essa gerida pela sociedade gestora do fundo. O património do fundo pode ser constituídopor acções, obrigações, bilhetes do Tesouro, títulos de participação, direitos de subscrição,depósitos bancários, numerários (em moeda nacional ou estrangeira) e aplicações nos mercadosmonetário interbancário e interbancário de títulos. Por razões ligadas à necessidade de garantir asegurança dos aforradores, são estabelecidas regras para a constituição do seu património, asquais procuram diluir o risco através da diversificação da carteira e dos limites à concentração deaplicações.

A sociedade gestora é, para efeitos de enquadramento legal, qualificada como instituiçãoparabancária e compete-lhe, para além da gestão do património do fundo, o cálculo do valor diárioda unidade de participação no fundo. Os fundos de investimento mobiliário, através da gestãoprofissionalizada de uma carteira diversificada de valores mobiliários, são uma alternativa bastanteatraente para a aplicação de poupanças de agentes económicos que não podem ou não querem

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estar diariamente a par do mercado, e que desejam uma rentabilidade compensadora, com baixorisco eliquidez imediata.

Os fundos de investimento imobiliário têm um funcionamento semelhante ao dos fundosmobiliários, mas a sua carteira integra principalmente bens imóveis, incluindo a participação emsociedades com acções cotadas em bolsa e cujo objecto seja exclusivamente a compra, venda eexploração de imóveis.

Os fundos de pensões são também de criação recente em Portugal, mas com grande expressãoem países estrangeiros, nomeadamente no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde gozam detratamento fiscal privilegiado (incentivos e benefícios de natureza fiscal). Constituem umverdadeiro mecanismo de Segurança Social de iniciativa privada e destinam-se a assegurar aosseus participantes uma prestação pecuniária em situações de reforma, velhice ou invalidez. Ainiciativa pode partir de grupos de pessoas singulares ou colectivas (empresas, sindicatos, etc). Aautorização da constituição destes fundos, bem como a sua posterior supervisão compete aoInstituto de Seguros de Portugal. O património dos fundos de pensões, adquirido com base nascotizações periódicas dos beneficiários, pode integrar obrigações, acções cotadas em Bolsa,obrigações de caixa, depósitos bancários e certificados de empréstimos do fundo (concedidos aosseus beneficiários). Além da sua importantíssima função social, os fundos de pensõesrepresentam um instrumento alternativo de aplicação de poupanças e, tendo em conta os valoresque podem integrar o seu património, constituem também um meio de dinamizaçãodo mercadofinanceiro.

A eficiência no funcionamento das instituições financeiras não-monetárias de que acabamos defazer uma listagem depende em muito do bom funcionamento do mercado de títulos (ou mercadode capitais), caso contrário, elas ficam numa dependência muito forte da banca. Vale a pena umareferência mais alargada ao mercado de capitais.

4.3. O MERCADO DE CAPITAIS

No mercado de títulos (ou mercado de capitais) são transaccionados títulos, também chamadosvalores mobiliários. Estes títulos têm um determinado valor facial (valor impresso na face),proporcionam ao seu detentor um determinado rendimento certo ou incerto, num período definidoou indeterminado. Os mais importantes são:

. as acções: representam uma parcela do capital de uma empresa, conforme consta dobalanço desta, e vencem um dividendo (resultante da divisão dos lucros distribuídosentre os accionistas) variável (incerto, já que os lucros da empresa podem ter altos ebaixos)enquanto a empresa permanecer em actividade;

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. as obrigações: representam para o seu possuidor um crédito sobre a empresa que asemitiu (quem compra obrigações de uma empresa está a emprestar-lhe dinheiro, sendo asobrigações títulos representativos desse empréstimo). As obrigações vencem umrendimento (juro) fixo ou indexado durante um determinado período, findo o qual sãoremidas (é devolvido o seu valor facial);

. os títulos de dívida pública: são obrigações emitidas pelo Estado, análogas às obrigaçõesemitidas pelas empresas, com a diferença de poderem ser perpétuas. Há títulos de dívidapública destinados especialmente ao grande público (e frequentemente, o rendimento queproporcionam beneficia de incentivos fiscais) e há outros mais ou menos reservados atomadores especiais ou instituições financeiras.

As acções são, portanto, títulos de rendimento variável; as obrigações e os títulos da dívidapública são, regra geral, títulos de rendimento fixo. Analisaremos estes diferentes títulos empormenor mais adiante.

O mercado de valores mobiliários divide-se em mercado primário e mercado secundário. Oprimeiro é o segmento do mercado onde se realiza a primeira transacção dos valores mobiliários eque engloba dois momentos distintos: a emissão e a subscrição. A emissão de valores mobiliáriosconsiste no lançamento de títulos novos que se destinam a ser adquiridos por outros agenteseconómicos. A subscrição consiste na aquisição ou candidatura à aquisição de títulos novos epode ser particular (reservada a alguns subscritores) ou pública.

Os títulos, após a sua emissão e subscrição (primeira transacção), podem ser objecto de novastransacções. Esta possibilidade confere aos valores em causa um grau de liquidez apreciável queos torna atractivos para o aforrador. Este segmento do mercado de títulos onde sãotransaccionados os valores mobiliários anteriormente emitidos toma o nome de mercadosecundário. Grande parte das operações sobre valores mobiliários realizam-se nas Bolsas deValores, mas também podem ter lugar "fora de bolsa", em regra junto de instituiçõesespecializadas. Em qualquer dos casos, o mercado está sujeito a regras bem definidas e àfiscalização por parte das autoridades económicas, com o objectivo de tornar transparente o seufuncionamento e garantir, por um lado, a defesa dos interesses dos agentes económicos neleintervenientes, e por outro, evitar que o mesmo se transforme em instrumento de desestabilizaçãoeconómica e deixe de cumprir a função importante que lhe está cometida na captação depoupanças e no financiamento geral da actividade económica.

Vantagens do mercado bolsista

As transacções efectuadas em Bolsa revestem-se de vantagens apreciáveis para os agenteseconómicos. O aforrador vê neste mercado uma forma de, com informação suficiente posta à suadisposição, poder tomar em cada momento as decisões mais conveneientes aos seus interesses,beneficiando da formação de um preço com base na oferta e na procura de valores mobiliários e,por isso, com maiores probabilidades de esse preço reflectir o valor real dos títulos. Além disso, oscuidados e as restrições legais impostas na admissão de valores à cotação (autorização a uma

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sociedade para ter os títulos por si emitidos cotados em Bolsa) garantem que a solidez dessestítulos assenta na boa situação económica e financeira da sociedade emitente.

As entidades emitentes (sobretudo as empresas) têm no mercado secundário um factorextremamente importante de garantia de êxito das suas emissões, pela possibilidade da futuramovimentação dos valores subscritos e pela informação disponível nas Bolsas. Beneficiam, alémdisso, de importantes incentivos fiscais. O país e a economia em geral têm nas Bolsas de Valoresum instrumento eficaz de análise da situação económica, revelador ("barómetro") das tendências edo clima de optimismo/pessimismo dos vários agentes económicos, propiciando melhor informaçãosobre as oportunidades de negócios e, sobretudo, uma maior mobilidade de poupanças e adiversificação dos instrumentos de política económica.

Em Portugal, existe notícia de que as primeiras Bolsas remontam ao reinado de D. Dinis, se bem que,tal como aconteceu com outros países, os Descobrimentos e o florescimento do comérciointernacional (a partir do séc. XV) tenham sido o grande motor de desenvolvimento destasinstituições comerciais. Com o Marquês de Pombal e o desenvolvimento do Mercantilismo, surgemas Bolsas de Comércio e, mais tarde, em finais do séc. XIX, surgem as Bolsas de Valores do Porto ede Lisboa, com as características das actuais.

Se bem que ainda hoje continuem a funcionar em muitas partes do mundo as Bolsas deMercadorias (onde se transaccionam contratos de compra e venda a prazo de diversos bens eserviços), sucessoras das antigas Bolsas de Comércio, a verdade é que estas foram rapidamenteultrapassadas em popularidade, importância e dinamismo pelas Bolsas de Valores -- locais detransacção, não de mercadorias, mas de valores mobiliários (títulos).

Sobre o funcionamento prático de uma Bolsa de Valores, resta dizer que, na maioria das Bolsasdos diferentes países (incluindo Portugal), apesar das sessões diárias de bolsa serem públicas, astransacções de títulos não são feitas directamente vendedor a comprador, mas por meio deintermediários ou representantes chamados corretores (deve escrever-se -- e pronunciar-se --corretor, com a vogal "e" fechada; e não corrector, com a vogal aberta). São os corretores querecebem e executam as ordens de compra/venda dos seus clientes.

4.3.1. Acções

Os títulos representativos das acções devem obrigatoriamente conter o nome da empresaemitente, a localização da sua séde social, o montante do capital social e respectiva forma derealização, o valor nominal (facial) de cada acção, o número de acções que o título representa eos respectivos números e a assinatura de um ou mais administradores ou directores da empresaemitente. A posse de acções confere ao accionista um vasto conjunto de direitos protegidos porlei:

- o direito de votar na Assembleia Geral;

- o direito ao dividendo (quota-parte nos resultados anuais da empresa), caso esta registe lucros e decida distribuí-los;

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- o direito à restituição da quota-parte que lhe couber no património da sociedade, em caso de liquidação da mesma, e após esta ter solvido todos os sos seus compromissos (dívidas);

- o direito de preferência em futuras emissões de acções;

- o direito de atribuição de novas acções (acções gratuitas), quando o aumento de capital se faz através de incorporação de reservas;

- o direito de alienar (vender ou doar) as acções que possuir.

As acções podem ser nominativas quando no título consta o nome do accionista e cujatransmissão entre vivos obriga a averbamento (registo) no livro de acções da sociedade emitente).Dizem-se ao portador quando o nome do possuidor não consta e a sua transmissão pode ser feitapor simples entrega.

Embora a acção possua sempre um valor nominal (que corresponde à quota-parte do capital socialda empresa) que se encontra inscrito no próprio título, ela pode assumir ao longo da sua vidaoutros valores, nomeadamente no caso de estar admitida à cotação nas Bolsas de Valores. Ovalor de emissão ou preço de emissão é o valor fixado para colocação (venda ou subscrição) dasacções junto de antigos ou novos accionistas. A fixação deste valor tem a ver com factoresvariados, entre os quais a imagem da empresa junto dos investidores, a situação económico-financeira específica da empresa e do mercado financeiro nesse momento. Assim, a empresadeverá fixar um preço tal que leve os agentes económicos a adquirir as suas acções. É óbvio quequanto melhor for a imagem pública da empresa, quer em termos de resultados (lucros) registadosnos últimos anos, quer em termos de perspectivas futuras, mais elevado poderá ser esse preço. Ovalor de emissão é geralmente superior ao valor nominal e a diferença entre os dois valorestraduz-se num proveito para a empresa emitente e chama-se prémio de emissão.

Chama-se valor contabilístico de uma acção àquele que se obtem dividindo o património líquido daempresa (situação líquida = Activo menos Passivo) pelo número de acções emitidas. Constitui umindicador importante de análise, sobretudo se for tida em conta a depreciação da moeda e aexistência de reservas ocultas.

Valor de cotação ou simplesmente cotação é o preço pelo qual a acção é transaccionada nasBolsas de Valores. A formação deste preço resulta directamente do livre jogo entre a oferta e aprocura no mercado secundário. A flutuação da oferta e da procura pode ser explicada, quer pormotivos "reais" que dizem respeito ao valor contabilístico da acção e ao dividendo esperado, querpor razões meramente especulativas baseadas em espectativas futuras.

Como qualquer outra aplicação financeira, a posse de acções gera rendimento ao seu titular oupossuidor. Este rendimento gerado (ou esperado) pode -- e deve -- ser determinante na tomada dedecisão entre comprar esta ou aquela acção (ou na decisão sobre uma carteira de títulos). Osindicadores mais importantes para calcular a rentabilidade das acções são os seguintes:

. Taxa de rentabilidade: obtem-se pelo quociente entre o dividendo líquido e a últimacotação conhecida.

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. Price earnings ratio (PER): quociente entre a cotação e o Benefício líquido por acção.

O Benefício líquido por acção obtem-se somando o dividendo, as reservasconstituídas no exercício e o saldo para o exercício seguinte menos o saldotransitado de exercícios anteriores.

. Taxa de rendimento do capital: quociente entre o dividendo e o valor nominal da acção.

. Taxa de valorização: quociente (cotação - preço de compra) / cotação

4.3.2. Obrigações

Por seu turno, uma obrigação é, basicamente, um título de crédito representativo de uma fracçãode um empréstimo concedido à empresa que a emitiu. Este empréstimo é reembolsável e éremunerado com um juro periódico. Esta forma de as empresas se financiarem representa umaalternativa importante ao crédito bancário (e ao aumento do capital social através da emissão denovas acções). O obrigacionista (portador de obrigações) é, deste modo, um credor da empresaemitente, enquanto o accionista é sócio (co-proprietário) da mesma e participa nos seusresultados.

A obrigação confere ao seu titular direitos específicos, entre os quais:

- o direito a ser reembolsado, em data geralmente pré-fixada;

- direito a receber um juro periódico, segundo uma taxa em condições pré-estabelecidas;

- direito preferencial no seu reembolso do seu crédito, no caso de falência ou liquidação daempresa;

- direito a ser informado da situação da empresa;

- direito a alienar as obrigações de que for possuidor.

As obrigações são geralmente representadas por títulos de uma ou mais obrigações, títulos essesque compreendem os cupões -- rectângulos de papel que funcionam como recibo de pagamentoperiódico dos juros respectivos e que no acto da liquidação destes são separados do título. Aclassificação das obrigações pode ser feita segundo a titularidade, a qualidade do emitente, opreço de emissão e reembolso e a forma específica de amortização e reembolso.

Quanto à titularidade, as obrigações (à semelhança das acções) podem ser nominativas, se o seupossuidor é identificado, através de inscrição em livro apropriado da sociedade emitente, ou aoportador, se o seu possuidor não é identificado, fazendo-se, neste caso, a transmissão por simplesentrega. Quanto à qualidade do seu emitente, elas podem ser obrigações públicas (ou de dívida

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pública) se forem emitidas pelo Estado ou por Institutos Públicos; ou obrigações privadas, seforem emitidas por empresas públicas ou privadas (ambas sociedades de direito privado).

Quanto ao preço de emissão, as obrigações dizem-se:

. acima do par, se o preço de emissão é superior ao preço nominal; . ao par, quando o preço de emissão é igual ao valor nominal; . abaixo do par, quando o preço de emissão é inferior ao valor nominal.

Tal como na emissão, também o reembolso pode ser ao par, acima ou abaixo do par. Quanto àforma do reembolso, o mesmo pode ter lugar em data fixa (pré-estabelecida aquando da emissão),ou por sorteio, dentro de um período também pré-estabelecido e com sorteios periódicos. Oreembolso pode ainda processar-se por anuidades, amortizando-se em cada ano uma parcela dotítulo até à completa extinção da dívida.

As características gerais atrás referidas e que se aplicam à generalidade das obrigações,caracterizam simultaneamente um certo tipo de obrigações a que poderemos chamar obrigaçõesde tipo clássico às quais está inerente:

. a emissão e reembolso ao par, . o rendimento com base numa taxa de juro fixa para toda a vida do empréstimo, . a distribuição periódica de rendimento (juro).

Contudo, a existência de uma taxa de inflação relativamente elevada nos últimos anos, e aconsequente instabilidade do mercado financeiro (com grandes flutuações nas taxas de juro) estãona bse do aparecimento de novas modalidades de contracção de empréstimos obrigacionistas que,por um lado, protegem o devedor (entidade emitente), permitindo-lhe ajustar a taxa de juro àscondições do mercado e o prazo das operações às características de financiamento. Por outrolado, protegem os interesses do investidor e diminuem o seu risco face à incerteza da evoluçãofutura das taxas de juro.

A evolução e modernização da actividade bancária, a deslocação do seu centro de actividadespara o sector dos serviços (e a conquista pelos bancos de novas áreas de actuação porventuramais rentáveis), foram um contributo importante para o aparecimento de novos instrumentosfinanceiros, tentando cada instituição apresentar produtos mais perfeitos que a concorrência, emtermos de segurança, risco e liquidez. Neste campo, a imaginação da engenharia financeira nãotem limites e as obrigações específicas a que vamos fazer referência sumária tanto podemmanter-se por muitos anos, como desaparecer para dar lugar a outras, porventura mais adpatadasao seu tempo, às condições do mercado financeiro e, em particular às necessidades e preferênciasdos agentes económicos que intervêm no mercado. Temos assim as...

. Obrigações indexadas

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Vimos que as obrigações do tipo clássico estão associadas à noção de título de dívida derendimento (juro) fixo e garantido para toda a vida do empréstimo. Contudo, esta garantia só éplausível em condições estáveis do mercado. Face a oscilações importantes das taxas de juro, odevedor (entidade emitente) e o credor (obrigacionista) assumem um risco mais elevado, que tantopode beneficiar um agente ou o outro. A indexação da taxa de juro do empréstimo a um indicadorde referência constitui, pois, um mecanismo automático de ajustamento periódico dessa taxa dejuro e de minimização do risco da operação em termos de rentabilidade (para o obrigacionista) eem termos de custos (para a entidade emitente).

Diversos indicadores de referência têm sido utilizados no nosso país: a taxa de juro dosdepósitos a prazo a 180 dias, a taxa básica de desconto do Banco de Portugal, uma taxade referência fixada por aviso do Ministério das Finanças. O indicador de referência idealdeve ser o reflexo o mais fiel possível das condições do mercado e deve estar isento de"manipulações" frequentes que lhe retirem credibilidade.

As obrigações indexadas, apesar da eventual alteração da taxa de juro, distinguem-se dasobrigações com taxa revisível, em relação às quais o emitente se reserva o direito de proceder àrevisão da taxa. Não é o caso das obrigações indexadas, pois que nelas o mecanismo deajustamento é automático e independente da vontade da sociedade emitente.

. Obrigações convertíveis em acções

Em Portugal, só podem emitir este tipo de obrigações as sociedades anónimas que reúnam duascondições: 1) estarem constituídas há, pelo menos, dois anos, e com os respectivos balançosaprovados e 2) terem as suas acções cotadas numa das Bolsas de Valores nacionais (Lisboa ePorto). De acordo com as condições estipuladas para a emissão, o obrigacionista terá neste caso,como em qualquer outro, o direito ao recebimento dos juros periódicos das suas obrigações e --neste ponto reside a originalidade -- na altura do reembolso, pode optar por não ser reembolsado,convertendo o valor das obrigações que possui em acções da mesma sociedade, tornando-seaccionista, portanto.

. Obrigações de Caixa

As obrigações de caixa são, como qualquer outra obrigação, títulos de dívida, nominativas ou aoportador, que conferem ao seu possuidor o direito a serem reembolsados e ao recebimento dejuros, a uma taxa previamente estipulada. A diferença é que este tipo de obrigações só pode seremitido por instituições especiais de crédito, bancos de investimento e sociedades de investimento.A emissão, que pode ser feita de forma contínua, confere à empresa emitente a faculdade deregular a emissão de acordo com as suas necessidades de fundos, apenas tendo de respeitar oslimites que a lei impõe, relacionados com os capitais próprios e com um nível máximo deendividamento da sociedade emitente. O prazo de reembolso é fixo, não podendo nunca serinferior a dois anos. Porém, mediante pré-aviso de, pelos menos, 30 dias, é possível a suaamortização, decorridos que sejam pelo menos doze meses, mediante uma redução da taxa de

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juro. O curto período de vida destes títulos e ainda a faculdade de o seu reembolso ser antecipadoe a possibilidade de serem admitidas à cotação nas Bolsas de Valores, conferem-lhes um elevadograu de liquidez em relação a títulos da mesma natureza.

. Obrigações participantes

São assim designadas as obrigações que, para além de conferirem ao seu titular o direito aremuneração com base numa taxa de juro, lhe conferem ainda o direito a um juro suplementar oua um prémio de reembolso dependente dos lucros realizados pela sociedade emitente. Uminstrumento financeiro parecido com este é o dos títulos de participação (de que trataremosadiante): a diferença é que enquanto os títulos de participação só podem ser emitidos porempresas públicas ou maioritariamente participadas pelo Estado, as obrigações participantespodem ser emitidas por todas as empresas que, de acrodo com a lei comercial, podem emitirobrigações.

. Obrigações com juro e prazo de reembolso variáveis

A emissão de obrigações com juros e prazos de reembolso variáveis e dependentes dos lucros daempresa só é admitida em condições excepcionais e nos casos em que as empresas emitentes nãopossam garantir aos obrigacionistas uma remuneração fixa e um prazo de reembolso pré-fixado.Dadas as características de que se revestem, a hipótese de os empréstimos virem a ser tomadospelo Estado e pelos principais credores destas empresas (no âmbito, por exemplo, do seusaneamento financeiro), trata-se de um instrumento financeiro excepcional e casuístico quepretende responder a uma situação conjuntural caracterizada pela estagnação do mercado decapitais e pela situação economicamente difícil de muitas empresas.

. Obrigações de cupão zero

A especificidade deste tipo de títulos de dívida reside no facto de não pagarem jurosperiodicamente (ausência de cupão). Os rendimentos são capitalizados nas datas estipuladas epagos, juntamente com o reembolso, no termo da vida do título. É o caso das "Obrigações doTesouro - capitalização automática" lançadas em Portugal em finais dos anos 80. A contagem dejuros é anual e estes são adicionados ao capital no início de cada período, seguindo, portanto, umprocesso de capitalização composta.

4.3.3. Outros valores mobiliários

. Bilhetes do Tesouro

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Os Bilhetes do Tesouro (BT) são uma nova classe de títulos de dívida pública de curto prazo, comcaracterísticas específicas que os diferenciam dos títulos até hoje emitidos pelo Estado, em termosde funcionamento do mercado, liquidez e rendimento. São emitidos pelos prazos de 91, 182 e 364dias, com valor nominal fixado pelo Banco de Portugal que os coloca também no mercadoprimário, sem emissão física dos títulos. As instituições de crédito (e outras autorizadas peloBanco de Portugal a operar no mercado primário) podem adquirir estes BT junto do Banco dePortugal. Os juros correspondentes são deduzidos ao valor nominal dos bilhetes (método dochamado "desconto por dentro), fazendo-se o reembolso ao valor nominal no termos do prazo.

As instituições financeiras autorizadas a operar com BT podem, por sua vez, colocá-los junto dasempresas e particulares, emitindo para o efeito certificados nominativos representativos dosmesmos. Em qualquer transacção destes bilhetes feita no mercado primário ou no secundário,pode ser acordada a recompra dos títulos antes do fim do seu prazo de vencimento, ou ainda a suasubstituição automática, no termo do prazo de vendimento, por outros bilhetes de prazo idêntico e àtaxa de juro média do mercado no dia do vencimento.

Esta forma de funcionamento do mercado de BT entre as instituições financeiras e os agenteseconómicos não-financeiros, aliada à segurança, liquidez e rendimento deste instrumentofinanceiro, apresenta vantagens apreciáveis, quer para o Estado, quer para os bancos, quer paraas empresas e particulares. Para além das vantagens óbvias para os particulares que não desejamassumir riscos e preferem um rendimento certo e periódico, as aplicações em BT proporcionamàs empresas uma remuneração dos excessos temporários de tesouraria, nomeadamente atravésde acordos de recompra adaptados às necessidades de meios líquidos.

Um lote apreciável de vantagens inerentes a este instrumento financeiro reverte a favor do Estadoe da economia em geral, em termos de planeamento do financiamento do deficit orçamental: se odeficit das contas públicas for financiado através da emissão de moeda "primária" são inevitáveispressões ascendentes sobre os preços dos bens e serviços, logo sobre a inflação. Ora ofinanciamento do deficit do Orçamento do Estado pelo recurso, pelo menos em grande parte, àemissão de BT (que podem ser colocados junto do público em condições atraentes deremuneração, liquidez e comodidade), constitui um estímulo acrescido à poupança, um factor decombate à inflação e um instrumento eficaz de controlo de algumas variáveis monetárias.

. Títulos de participação

Em Portugal, só estão autorizadas a emitir títulos de participação (TP) as empresas públicas e associedades anónimas maioritariamente participadas pelo Estado. Os TP constituem uminstrumento financeiro híbrido, com características que o situam entre as obrigações de tipoclássico e as acções. Os TP aproximam-se das obrigações porque:

- garantem um rendimento mínimo fixo, com base numa taxa de juro estipulada aquandoda sua emissão e incidente sobre uma percentagem (entre os 60 e os 80%) do seu valornominal;

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- podem ser amortizados, embora nunca antes de decorridos dez anos sobre a suaemissão;

- o valor da emissão pode ser superior ao capital e reservas da sociedade emitente, deacordo com o último balanço aprovado;

- os TP são abrangidos pelo regime fiscal aplicado às obrigações.

Têm características semelhantes às das acções porque:

- possuem também, na determinação da sua remuneração, uma componente variávelsemelhante a um dividendo, incidente sobre uma percentagem (entre 20 e 40% doseu valor nominal) e calculada com base num indicador de actividade ou de resultados daempresa emitente;

- comportam um grau de risco semelhante ao de uma acção, uma vez que, em caso deliquidação da sociedade que os emite, o reembolso destes títulos só terá lugar após oreembolso dos restantes credores;

- os participantes (detentores de títulos de participação emitidos por uma empresa) têm odireito de tomar conhecimento dos documentos contabilísticos da empresa, de formaidêntica ao que é facultado aos accionistas;

- os participantes têm o direito de se reunir em assembleia para defesa dos seus interessese de nomear um revisor oficial de contas, com competência para, entre outras, fiscalizar edar parecer sobre a determinação da componente variável da remuneração.

Tendo em conta estas características, os TP são um instrumento de grande versatilidade comvantagens apreciáveis, quer para a empresa emitente, quer para o aforrador. Para a empresaemitente:

- são um meio alternativo de captar fundos, para vários efeitos equiparados a capitaispróprios, a longo prazo;

- fazem depender parte da remuneração desses fundos assim obtidos, da actividade ouresultados da empresa, possibilitando assim uma maior flexibilidade e adequação dosencargos aos resultados.

Para o aforrador, as principais vantagens dos TP são:

- a garantia de um rendimento fixo, com base numa taxa de juro geralmente indexada aum indicador de referência;

- uma valorização constante do título para além do rendimento distribuído;

- a opção de os encarar e manter como uma fonte de renda perpétua, ou de os negociarem Bolsa;

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- o aforrador tem os seus interesses protegidos por lei.

. Unidades de participação em fundos de investimento

A participação num fundo de investimento materializa-se na aquisição de certificadosrepresentativos de unidades de participação. A unidade de participação não tem valor nominal,sendo representada por certificados de uma ou várias unidades. O seu valor é o resultado dadivisão do património do fundo em partes iguais e é calculado diariamente pela sociedade gestorado fundo e publicitado pelos balcões dos bancos depositários, de forma a facultar aos aforradoresparticipantes o conhecimento actualizado desse valor. Teoricamente, dada a diversidade de activosque podem integrar a carteira de valores do fundo, a unidade de participação tem o seu valor avariar todos os dias. E a evolução positiva desse valor (no sentido da subida) será tanto maisrápida quanto melhor for a gestão do património do fundo e da respectiva valorização.

Os pedidos de subscrição de unidades de participação são feitos aos balcões dos bancosdepositários, bem como a entrega dos certificados representativos, caso o participante não optepelo depósito dos mesmos. O preço de emissão será calculado adicionando ao "valor do dia" umacomissão que se destina a remunerar o banco depositário e a sociedade gestora. Embora nãoesteja prevista a transacção de certificados representativos de unidades de participação nasBolsas de Valores, estes certificados gozam de liquidez quase imediata: o participante podesolicitar junto dos bancos depositários do fundo o resgate dos certificados que desejar verreembolsados. Neste caso, o valor do reembolso será o "valor do dia" deduzido de uma "comissãode resgate".

Da valorização registada pela unidade de participação, uma parte pode ser distribuídaperiodicamente aos participantes. Esta periodicidade de distribuição de rendimentos é fixada pelasociedade gestora no regulamento de gestão do fundo que o participante se compromete a aceitarno acto da subscrição. É evidente que o "valor do dia" da unidade de participação sofrerá umaquebra no dia em que se iniciar a distribuição de rendimentos, quebra essa igual à parcela davalorização que é distribuída sob a forma de rendimento.

Os participantes em fundos de investimento (mobiliários e imobiliários) são aforradores indirectosno mercado de capitais que, em lugar de adquirir acções, obrigações e outros títulos, confiaram agestão das suas poupanças à sociedade gestora do fundo e pela qual pagam uma comissão. Paraalém do direito à quota-parte nos lucros do fundo, são proprietários da parcela correspondente àsua participação e é-lhes conferido o direito à informação sobre o valor diário da unidade departicipação, sobre a composição do património do fundo e, juntamente com as contas do fundo, asociedade gestora deve facultar-lhes um conjunto de informações complementares sobre aactividade do mesmo nos três últimos anos.

. Certificados de Aforro

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São títulos do Estado, nominativos, assentados apenas a pessoas singulares maiores de 15 anos.Podem ser subscritos na Junta de Crédito Público (entidade emitente), nalgumas estações dosCorreios e nos balcões bancários. O seu reembolso, total ou parcial, só pode ter lugar 90 dias apósa sua emissão. Vencem juros contados trimestralmente a uma taxa equivalente à taxa dereferência para obrigações, deduzida de 2,25% e aumentada de 0,25% por cada ano além doprimeiro e até ao quinto ano (o que significa um bónus máximo de 2%). Estes juros beneficiam deisenção total de impostos -- é a grande vantagem, aliada à ausência de risco.

. Papel Comercial

É constituído por títulos de curto prazo, negociáveis, emitidos por empresas e destinados a fazerface a necessidades temporárias de tesouraria. Noutros países (não ainda em Portugal) verificou-se uma adesão generalizada das empresas a esta forma de financiamento, cujas principaisvantagens são a rapidez na obtenção de fundos (poucos dias), o curto prazo por que podem seremitidos, o baixo custo da operação (as empresas podem prescindir da intervenção dos bancos), acontinuidade da emissão de acordo com as necessidades da empresa, o ajustamento rápido dataxa de juro oferecida (que a empresa emitente está disposta a pagar) e a diversificação decredores. Para o aforrador, também esta aplicação apresenta algumas vantagens, nomeadamenteas que dizem respeito à negociabilidade dos títulos e à liquidez que os mesmos oferecem, podendo,na generalidade, ser resgatados à vista. A principal desvantagem deriva da necessidade de oaforrador se munir de uma informação correcta e completa sobre a situação económica efinanceira da empresa emitente.

4.3.4. O valor dos títulos

O valor real de um título não deve ser confundido com o seu valor facial, uma vez que o que contapara efeito de transacção (subscrição, compra, venda ou resgate) é a sua cotação no momento emque a transacção tem lugar. Mas o valor real dos títulos (a avaliação que o aforrador deve fazerdeles) deve tomar em conta outros factores que vão desde o risco envolvido (espectativas quantoao futuro) à comparação da remuneração esperada do título com a remuneração oferecida poroutros activos financeiros. Segue-se uma lista de indicadores-conselho a ter em conta na decisãode subscrever ou adquirir título:

. Remuneração esperada para o título com determinado valor facial;

. Valorização futura esperada dos activos cuja proriedade é expressa pelo título;

. Remuneração esperada de outros activos financeiros alternativos (custo deoportunidade);

. Alternativas disponíveis de aplicação de fundos, incluindo a existência ou não deincentivos ou benefícios fiscais aplicáveis;

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. Liquidez, isto é, a capacidade de resgate dos títulos ou da sua transformação noutrostítulos -- se o aforrador tem uma grande preferência pela liquidez, o facto de ser fácilencontrar um próximo comprador valoriza o título;

. Garantia de solvabilidade da entidade que emite o título (uma empresa grande ou muitoconhecida não é necessariamente aquela que maior garantia dá de satisfazerpontualmente todos os seus compromissos e responsabilidades);

. Resultados (lucros) da sociedade emitente do título nos últimos três anos e outrosindicadores de análise financeira;

. Montante de reservas relativamente ao montante do capital social (no caso de seremacções), porque logo que se faça um aumento de capital por incorporação dereservas, o valor do capital representado pela acção sobe (portanto, tem importância, nãosó o dividendo, como também o lucro não distribuído);

. A área ou ramo de actividade da empresa emitente: acções de empresas que laboramem sectores de "altas tecnologias" tendem a ser mais cotadas e a valorizar-se mais numfuturo próximo;

. A confiança nos gestores da sociedade emitente;

. Regime legal aplicável ao título e direitos especiais que o título pode conferir ou não aoseu possuidor;

. Clima geral na economia: sentimentos/expectativas de optimismo ou pessimismo dos agentes económicos quanto ao futuro, situação de estabilidade/instabilidade

política e social, fase de crise ou de expansão económica a nível interno ou internacional,etc.

5. A OFERTA DE MOEDA

O objectivo desta secção é responder à pergunta "de onde vem a moeda?" e esclarecer quem ecomo a fabrica e a põe à disposição dos agentes económicos. Ou, para usar terminologia já nossaconhecida, "como se processa a oferta de moeda no mercado monetário?" O senso comum ouvulgar diz, não raro, que o banco central, enquanto autoridade monetária, fabrica a moeda quequer. E não falta quem acuse os governos de instruir os respectivos bancos centrais de imprimirnotas sem qualquer controlo. Outros ainda, num excesso de prudência, pensam que o bancocentral só pode emitir moeda se houver reservas de ouro ou de divisas (moeda estrangeira) nosseus cofres. A verdade não está nem numa coisa nem noutra.

Actualmente, as reservas do banco central, compostas por ouro e divisas (correntemente aceitesnos pagamentos internacionais, nomeadamente dólares dos EUA, marcos alemães e ienes

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japoneses), destinam-se apenas a cobrir as obrigações das transacções internacionais e aformarem uma espécie de reservas de importação, para prover a situações de quebra na produçãointerna e nas exportações (deficit comercial). As reservas em ouro e meios de pagamento sobre oexterior não determinam em absoluto a emissão interna de moeda, constituindo tão somenteapenas uma entre outras fontes de emissão.

Convem ter presente desde já que a limitação da oferta de moeda constitui uma condiçãonecessária da manutenção do valor da moeda e da sua aceitação generalizada. Se o volume demoeda fosse tão grande que se tornasse praticamente um bem livre (não escasso), os agenteseconómicos teriam à sua disposição tanta moeda que todos os preços, salários e outrosrendimentos subiriam ilimitadamente, gerando uma total insegurança e incerteza. É por isso que ospoderes relativos à moeda, ao crédito e à actividade bancária não são concedidos na sua totalidadea entidades privadas, sendo exercidos, mediante um controlo e supervisão mais ou menosapertados, pelos governos.

5.1. GRANDEZAS MONETÁRIAS

Os activos monetários podem assumir diversas formas. A distinção essencial que importa fazerdesde já é entre:

. activos monetários imediatamente disponíveis, isto é, que podem servir de meio imediatode pagamento (máxima liquidez), destinando-se, portanto, à liquidação das transacçõesefectuadas entre os agentes económicos, e

. activos monetários não imediatamente disponíveis, isto é, com um grau de liquidez maisreduzido, detidos pelos agentes económicos, não como meio de pagamento, mas comoforma de aplicação de poupanças (função reserva de valor).

Chama-se circulação monetária (adiante designada abreviadamente por C) ao conjunto de notas emoedas emitidas pelo banco central e que se encontram na posse dos agentes económicosutilizadores (sector não-monetário da economia). Por conseguinte, a circulação monetária (C)inclui toda a moeda que não se encontra nos bancos. A parte das notas e moedas retidas nosbancos (sector monetário) faz parte das chamadas reservas de caixa do sistema bancário,estando, portando fora da circulação. Do mesmo modo não fazem parte de C as notas e moedasna posse do banco central já fabricadas, mas ainda não emitidas (na prática, o banco central só asemite quando as lança em circulação).

Na família dos meios de pagamento surgem em seguida os depósitos à ordem (DO)movimentados por meio de cheque, ordem de transferência ou cartão magnético. São verdadeirosactivos monetários e meios de pagamento imediatamente realizáveis, se bem que não tão líquidoscomo as notas e moedas. É mais precisamente o saldo das contas bancárias em cada momentoque constitui meio de pagamento (moeda), e não os cheques emitidos sobre essas contas. De

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modo igual, também o cartão de débito automático (tipo Multibanco) não constitui moeda, já que overdadeiro meio de pagamento é o saldo da conta que o mesmo cartão permite movimentar.

O saldo de uma conta bancária à ordem (ou equiparada) pode e deve ser considerado moeda, jáque a sua movimentação serve de meio imediato de pagamento: podemos pagar bens e serviçoscom cheque emitido e sacado sobre o saldo do depósito, ou por transferência bancária. O cheque,a transferência bancária ou a movimentação por via automática (multibanco) têm inúmerasvantagens sobre a utilização das notas e moedas: o pagamento da soma exacta que é devida(eliminação do problema da falta de "trocos"), maior segurança (contra roubo), maior facilidade detransporte da moeda (o cheque é mais facilmente enviável por correio; numa transferência oumovimentação por cartão magnético, o que se passa é, pura e simplesmente, um diálogo via linhatelefónica entre computadores dos bancos envolvidos na operação).

Não se incluem na grandeza monetária DO os depósitos do sector público administrativo (Estado,Administração Regional e Local e Segurança Social), uma vez que o sector público não secompara aos restantes detentores de moeda do sector não-monetário. O sector público tem,efectivamente, o poder de criar moeda quando exerce a sua política financeira ou orçamental. Oque se costuma fazer ao abordar as grandezas monetárias é considerar o crédito ao sector públicodeduzido pelos depósitos que o mesmo sector público mantem no banco central, enunciando-seassim o conceito de crédito líquido ao sector público.

Se somarmos dos valores correspondentes às notas e moedas em circulação (C) com o dosdepósitos à ordem, chegamos ao conceito de moeda em sentido restrito e que designaremos porM1. Ou seja:

M1 = C + DO

A moeda em sentido restrito (M1) é, pois, constituída por notas de papel, moeda metálica e moedaescritural, servindo a função de meio imediato de pagamento. Além deste montante de moeda emsentido restrito, há outros tipos de moeda, geralmente designados por quase-moeda: os depósitos aprazo e de poupança em bancos comerciais, sociedades bancárias de poupança ou caixas decrédito agrícola mútuo. Embora não seja autorizada a emissão de cheques sobre depósitos a prazoou de poupança, é geralmente possível dispor deles num curto espaço de tempo, mediante um pré-aviso ao banco (e, por vezes, com algum custo adicional - redução nos juros). Este tipo dedepósitos (adiante designados abreviadamente por DP), por poderem ser mobilizadosantecipadamente (antes do termo do prazo do depósito), também constitui um meio de pagamento,embora não tão imediato que os meios de pagamento incluídos em M1.

Ao conjunto de M1 e de DP dá-se o nome de massa monetária e representa-se, abreviadamente,por M2. Ou seja:

M2 = M1 + DP = C + DO + DP

Alguns economistas consideram deverem ser incluídas em M2, por serem também formas deriqueza líquida quase-moeda, os títulos da dívida pública (obrigações do Estado) detidos pelos

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particulares e empresas do sector não-monetário. Como se sabe do capítulo anterior, estes títulos,sendo negociáveis, podem ser vendidos em bolsa ou no mercado livre (embora a um preço nãoestável e não previsível com grande antecedência), possuindo, portanto, uma certa liquidez. Omesmo se poderia dizer das unidades de participação em fundos de investimento, cuja liquidez seconsegue por via da possibilidade de resgate destas unidades de participação a qualquer momento.

No entanto, a realidade é que não é possível a uma família pagar as suas despesas mensais comtítulos de dívida pública (ou unidades de participação em fundos de investimento) e por isso,muitos economistas hesitam em incluir estas formas de riqueza no conceito de moeda. Todavia, ofacto de alguem dispor de tais activos, fácil e rapidamente transformáveis em numerário (deelevada liquidez), significa que os hábitos normais de despesa dessa família são provavelmenteafectados de um modo semelhante ao que seriam se ela possuísse um depósito bancário maior emlugar dos títulos de dívida pública.

Com ou sem títulos de dívida pública, a massa monetária M2 é uma variável-stock (é convenienterelembrar a diferença entre fluxo e stock) de grande importância, na medida em que o seucrescimento ou a modificação da sua composição traduz alterações da liquidez da economia emgeral e da liquidez do sector monetário e da sua capacidade como prestamista (capacidade deconcessão de crédito). Decompondo M2 nas suas três componentes, tem-se:

M2 = C + DO + DP

Dois rácios (quocientes) têm grande importância na análise da situação monetária:

C / M1 ou C / DO que traduzem o peso da circulação monetária no volume demoeda;

C / M2 ou C / (DO+DP) que se designa por coeficiente de preferência por moedalegal.

Repare-se que quanto mais elevados forem estes indicadores, maior é o desejo dos particulares eempresas deterem a sua riqueza sob a forma líquida (em meios imediatos de pagamento) e, porisso, maior fuga de moeda se dá no sector monetário. E isso significa uma verdadeira "sangria"nas possibilidades de concessão de crédito pelos bancos, obrigando-os a recorrer à chamada fonteprimária -- o redesconto de títulos junto do banco central.