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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social Curso de Animador Social/Assistente Familiar Área Científica - ECONOMIA * * * T E X T O D E A P O I O * * * Módulo 1: OBJECTO DA ECONOMIA . Problema económico fundamental . Escassez de recursos . Necessidades . Bens . Utilidade . Custos

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Escola Profissional de Agentes de Serviço e Apoio Social

Curso de Animador Social/Assistente Familiar

Área Científica - ECONOMIA

* * * T E X T O D E A P O I O * * *

Módulo 1: OBJECTO DA ECONOMIA

. Problema económico fundamental

. Escassez de recursos

. Necessidades

. Bens

. Utilidade

. Custos

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1. OBJECTO DA CIÊNCIA ECONÓMICA

Origem etimológica: a palavra "economia" deriva do grego

oikos (casa) + nomos (conhecimento)

Etimologicamente, a Economia é todo o conhecimento organizado que permite o governo ou aadministração da actividade caseira. Note bem que na sociedade primitiva, como aliás na GréciaAntiga, as unidades de produção eram familiares: era no âmbito da casa de família que se produziapraticamente todos os bens e serviços necessários à subsistência do agregado familiar, havendo,quando muito, algumas trocas com a vizinhança. Eram raríssimas as trocas de produtos oriendos delongas distâncias.

Sabemos que na sociedade contemporânea, por via da especialização, da divisão do trabalho e datroca, o circuito PRODUÇÃO-DISTRIBUIÇÃO-CONSUMO ultrapassa em muito a primitivaestrutura familiar. Ao longo da História da Humanidade, o processo económico, inicialmente deestrutura e âmbito familiar, foi-se desfamiliarizando aos poucos, para se socializar, revelandoactualmente uma estrutura claramente social muito mais complexa. E é assim que, actualmente, aolado das famílias, surgem, pelo menos três outros grandes actores principais na cena económica: asempresas, o Estado e o exterior (o estrangeiro). Adiante estudaremos a complexa teia de relações entreos agentes económicos (produtores, comerciantes, consumidores, autoridades, estrangeiro) típica dassociedades contemporâneas.

Também não repugna utilizar na definição do objecto da Ciência Económica a palavra "economizar",no sentido mais corrente do termo. E assim Economia será a Ciência que estuda as formas deeconomizar, isto é, de poupar, ou ainda, de não desperdiçar. Que é como quem diz: procurar obter amesma (ou até maior) satisfação de necessidades (proveito) com o mínimo dispêndio possível derecursos (esforço e custo). Ficaremos com uma definição cientificamente mais correcta do objecto daCiência Económica no capítulo 2, na abordagem do chamado problema económico fundamentaltípico. Por agora, duas ideias fundamentais apenas:

1. trata a Economia de gerir, da forma mais proveitosa possível, um confrontopermanente entre recursos escassos (mas polivalentes) e necessidades humanasmúltiplas (mas desigualmente importantes, logo hierarquizáveis).

2. O objectivo essencial da Economia (e da actividade dos economistas e gestores)é, em última análise, o de estudar e promover as formas mais capazes desatisfazer as múltiplas necessidades humanas.

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1.1. UTILIDADE DO ESTUDO DA ECONOMIA

Para que serve estudar Economia? Que utilidade tem? Há, pelo menos, três boas razões para uminteresse crescente por esta ciência do comportamento humano:

§ satisfazer a procura do "saber sempre mais" que sempre caracterizou o espíritohumano. Saber mais nunca é de mais, nem ocupa lugar - diz-se.

§ desejo de se inserir (e de intervir) na vida social de uma forma mais esclarecida e eficaz.

Repare que o seu agregado familiar, o seu patrão ou mesmo o dirigente da associação a que pertence nãose contentam com "boas intenções"; eles querem de si resultados práticos. Precisamente porque umaintervenção eficaz (que ultrapassa a boa intenção) exige em primeiro lugar um conhecimento rigoroso esistemático da realidade em que se pretende intervir. Esse conhecimento rigoroso vai possibilitar umacerta capacidade de previsão das consequências/resultados de uma ou mais atitudes, decisões ou políticasque se adoptem no "ataque" a um problema.

Por falar em intervenção na vida social, repare:

. nas muitas necessidades humanas ainda por satisfazer, mesmo nas sociedades ditas desenvolvidas;

. nas muitas pessoas que nelas existem em situação de carência, tantas vezes extrema.

§ investimento em capital humano

A aquisição de conhecimentos novos valoriza o próprio e valoriza a sociedade. O "aprendiz" torna-semais ágil, mais apetrechado no encontrar de soluções para os problemas reais que se lhe deparam. As"ofertas de emprego" publicadas nos jornais mencionam quase sempre a exigência de habitações literáriasmínimas (ou de alguma experiência profissional). Ao longo deste curso estudaremos motivos vários daimportância de uma mão-de-obra esclarecida e culta para as empresas e para a sociedade.

Além disso, há que ter também em conta certas características peculiares do conhecimento científico:

§ não se compra no hipermercado; adquire-se por esforço pessoal,§ tem um tempo de gestação longo, progressivo,§ tem um ritmo pessoal e presencial,§ tem uma protecção natural anti-roubo: podem roubar-lhe o seu automóvel, mas nunca os seus

conhecimentos (alguma vez se deu conta disto?)

1.2. A ECONOMIA NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

O ser humano não vive isolado, mas em grupo. E pertence, normalmente, a vários grupos: a umEstado, Nação ou Povo e também a sociedades ditas "menores" como sejam sindicatos, partidos,clubes desportivos, colectividades diversas. A Economia é precisamente uma das Ciências docomportamento humano em sociedade, como a Psicologia Social, a Sociologia, a AntropologiaCultural, a Ciência Política, a Demografia, o Direito, a Geografia Humana, a Linguística.E estuda aforma como conjuntos de pessoas interdependentes desenvolvem e organizam actividades tendentes à

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satisfação ordenada das suas necessidades pessoais e colectivas. A satisfação das necessidadeshumanas é a finalidade última de todas as instituições e actividades económicas.

Isto não quer dizer que a Economia seja um compartimento isolado e estanque da vida social; pelocontrário, todas as dimensões da vida humana, mesmo as que nada têm a ver com a produção e atroca, têm algum substracto económico que mais ou menos de perto as condiciona. Por outro lado, emrigor, também não há problemas estritamente económicos. Todas as Ciências Humanas (há quemprefira a designação de "Ciências Sociais") são chamadas a dar o seu contributo na explicação docomportamento humano em sociedade. Por isso a Sociologia diz que "todo o fenómeno social é umfenómeno social total".

Repare no exemplo da inflação. Temos salários mais ou menos indexados à inflação por instrumentode regulamentação colectiva (problema jurídico), ministros a querer gerar "expectativas anti-inflaccionistas" (Psicologia Social), preços a evoluir de forma muito diferente no Continente e nasRegiões Autónomas (Geografia Humana), expressões como "custo de vida", "dinheiro no saco ecompras no bolso" e "cada vez mais mês no fim do ordenado" (Linguística) e o combate à inflaçãocomo tema obrigatório de uma campanha eleitoral (Ciência Política)...

Enquanto ramo do conhecimento científico, a Economia também tem leis. Não são leis em sentidojurídico-legal, mas sim relações de causa-efeito entre dois ou mais fenómenos. Tem, por exemplo, achamada lei da procura...

...que é um bom exemplo de uma relação relação de causa-efeito entre dois fenómenos:

Causa: aumento do preço Efeito: diminuição da quantidade procurada.

Atente na diferença fundamental entre as leis das Ciências Humanas e as leis das Ciências Naturais edas Ciências Exactas. Nas Ciências da Natureza, as leis obedecem a um certo determinismo e asrelações de causa-efeito podem ser estabelecidas e usadas com muito rigor:

As leis das Ciências Humanas não são tão exactas como esta, pela simples razão do comportamentohumano não estar sujeito ao determinismo ou ao fatalismo. Na realidade, o ser humano não é umrobot telecomandado à mercê de leis que lhe são estranhas. É antes um ser que, individualmente e/ouem grupo procura ser autor (co-autor) do seu destino. Por isso, em Economia, as relações de causa-efeito que vamos estudar são probabilísticas, ou seja, têm uma certa probabilidade de ocorrência. Porisso, pode (e deve) reescrever a lei da procura enunciada há pouco:

A quantidade procurada de um bem tende a variar em sentido inverso ao do seupreço.

Em qualquer ponto da Terra e em qualquer momento do tempo, um objecto lançado ao sólo do alto deuma torre percorre sempre uma distância dada pela fórmula

H = Vo.T + 1/2.G.T²

em que Vo é a velocidade inicial, T o tempo gasto no percurso e G a aceleração da gravidade.

A quantidade procurada de um bem varia em sentido inverso ao do seu preço.

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1.3. RELAÇÃO ENTRE A ECONOMIA E A ÉTICA

O conceito de valor está presente em toda a Análise Económica. Convem desde já não confundir valoreconómico com valor moral. A Economia não entra necessariamente em conflito com a Ética, nem osvalores da Economia se incompatibilizam por natureza com os valores morais. São domínios quedevem andar a par, mas ainda assim são domínios perfeitamente distintos. A Ética faz juízos de valor;a Ciência juízos de realidade. A Ética parte do pressuposto que as pessoas devem pautar o seucomportamento por valores morais; à Economia basta a presunção que as escolhas humanas sejamracionais...

A consulta regular à bruxa ou à cartomante pode ter um valor económico considerável para alguns.Simplesmente porque acreditam na utilidade de tal consuslta, dispendem na obtenção desse serviçouma parcela do seu rendimento. Já do ponto de vista ético, não passa de uma burla de mau gosto. Ousimplesmente de falta de elementar bom senso...

A Religião, a Moral, a Filosofia (e a Medicina) dizem aos homens o que eles devem ou não apetecer,desejar ou consumir. A Economia limita-se a tomar eses desejos como um dado e a averiguar se existeou não coerência ou compatibilidade entre a utilização de meios e os resultados pretendidos. O que nãoquer dizer que a Economia não prossiga também um conjunto de valores éticos como sejam prover oser humano dos bens indispensáveis à dignidade humana, a sua distribuição correcta pelos elementosda sociedade, o bem-estar social, incluindo o aperfeiçoamento geral do próprio ser humano. É, pois,perfeitamente possível que a Economia sirva valores ou interesses superiores, numa palavra, épossível a Economia com Ética.

2. O PROBLEMA ECONÓMICO FUNDAMENTAL1

Individualmente ou associados em grupos ou instituições, todos os agentes económicos se comportamsegundo objectivos que, em última análise, consistem na satisfação de várias necessidades. Oproblema fundamental do sujeito económico (ou agente económico) é o de obter a maior satisfaçãodessas necessidades pelo emprego adequado dos meios (recursos) que dispõe.

Satisfazer necessidades (alimentação, vestuário, habitação, etc) exige o emprego de bens (bensmateriais e também serviços). Estes bens não são gratuitos nem dádivas da natureza; são produzidos a

1 Segue-se de muito perto um conceito desenvolvido pelo economista inglês LIONNEL ROBBINS em"Essay of the Nature and Significance of Economic Science" (1932).

Considera-se sujeito económico (ou agente económico) toda a pessoa, grupo ouinstituição com autonomia para fixar os seus próprios objectivos e decidir sobre autilização dos recursos capazes de atingi-los.

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partir de recursos naturais extraídos, transformados e combinados com o trabalho (esforço econhecimentos tecnológicos) do homem. Ou seja, em esquema:

RECURSOS →→ BENS →→ SATISFAÇÃO DE NECESSIDADES

Acontece que os recursos:

• são escassos: quantitativa e/ou qualitativamente insuficientes para produzir bens capazes de satisfazer todas as necessidades;

• são polivalentes: susceptíveis de usos alternativos, ou seja, podem servir para obter outros bens que satisfaçam necessidades diferentes.

No outro extremo da equação, as necessidades:

• são múltiplas e de diferentes tipos e referentes a muitos desejos e apetências;

• são desigualmente importantes ou valoradas e, por isso, hierarquizáveis em função da importânciaou da urgência;

• são virtualmente ilimitadas (satisfeita a necessidade do frigorífico, "inventa-se" a necessidade daarca congeladora).

Uma outra versão do problema económico fundamental formula-o através de uma pergunta tripartida:

O quê produzir? →→ que bens e em que quantidades?

como produzir? →→ utilizando que combinação de factores, que tecnologia, que organização do processo produtivo?

para quem produzir? →→ em que medida os vários agentes económicos vão receber fatias maiores ou menores do "bolo" social assim produzido e ver satisfeitas as suas necessidades?

Esta versão em nada se incompatibiliza com a formulação que vimos atrás e tem o mérito de explicitarmelhor algumas das principais fases do chamado processo económico: a PRODUÇÃO e aDISTRIBUIÇÃO DOS BENS. Vale a pena analisar "à lupa" cinco conceitos importantes à volta doproblema económico fundamental:

. o problema da escassez de recursos . as necessidades . os bens . a utilidade . o custo

O problema económico fundamental consiste, então, em organizar a aplicação derecursos escassos e polivalentes de modo a satisfazer o melhor possível um conjuntode necessidades múltiplas, desigualmente importantes e virtualmente ilimitadas.Ou, de uma forma mais sucinta, optimizar a afectação de recursos para maximizar asatisfação de necessidades.

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2.1. A LEI DA ESCASSEZ

A dona de casa não seria uma heroína se não fosse a escassez de recursos (financeiros, de tempo e atéde paciência) para prover à satisfação das muitas necessidades do agregado familiar. Nem o debate doOrçamento do Estado um momento politica e economicamente tão importante se os recursos públicosnão fossem também... escassos. Todos se queixam do mesmo - os recursos são sempre insuficientespara satisfazer o conjunto de necessidades sentidas no momento. Na raiz de todos os problemaseconómicos fundamentais está, portanto, a escassez de recursos. Não podemos ter de tudo quanto nosapetece e, podendo, nunca é nas quantidades, especificações qualitativas ou na altura em que maisdesejamos.

E a escassez obriga à escolha. Uma escolha daquilo que, no momento, consideramos ser maisimportante, mais urgente ou mais proveitoso na satisfação das nossas necessidades. Só assim estamosem presença de uma escolha racional, inteligente. O problema é o da escolha ter custos. De facto,escolher significa não apenas dizer sim a algo, mas também renunciar a outras coisas. Numa escolhapautada por critérios racionais, renunciamos às coisas ou projectos que avaliamos como sendo menosimportantes, menos urgentes, mais dispendiosas, menos proveitosas ou de proveito esperado maisincerto no futuro (em que seja maior o risco de os resultados alcançados ficarem muito aquém dospretendidos). Nesta renúncia a outras coisas consiste o custo económico da escolha, como veremospormenorizadamente no capítulo 2.5.

A propósito da escassez, vale a pena esclarecer o verdadeiro significado das palavras economizar epoupar. A escassez incentiva o agente económico racional a poupar, a economizar. Economizar nãosignifica necessariamente renunciar à satisfação de necessidades, abdicando pura e simplesmente dobem ou serviço julgado apto a satisfazer uma necessidade, mas sim procurar atingir resultadosidênticos com o emprego de menor quantidade de recursos (ou empregando recursos alternativosmenos dispendiosos ou mais abundantes).

Para que um automobilista economize combustível não é estritamente necessário que deixe deutilizar o veículo. Basta que verifique periodicamente o estado e a pressão dos pneus, os níveis doóleo e do líquido de arrefecimento do motor, evite acelerações e travagens bruscas e conduza com amudança engatada mais alta possível.

2.2. AS NECESSIDADES

O conceito económico de necessidade é pragmático, empírico e totalmente abstraído de quaisquerconotações ou valores de ordem ética, filosófica ou cultural:

Necessidade humana relevante para a análise económica é todo e qualquer estado decarência, simples apetência ou de insatisfação que move o indivíduo (ou o gruposocial) a procurar obter coisas (ou a prestação de serviços) que julga capazes deprencher esse vazio ou a fazer cessar esse estado de insatisfação.

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De novo uma chamada de atenção para a relação entre a Economia e a Ética: interessa à Economiatodas as apetências que movem o ser humano e que contribuem para modelar o seu comportamento.Ou seja, se a necessidade pesa no comportamento humano, ela é economicamente relevante. Mesmoque moral ou filosoficamente condenável ou discutível.

Mais exactamente, uma necessidade económica supõe:

• um estado de carência ou apetência,• o conhecimento dos meios julgados capazes de fazer cessar essa insatisfação,• o desejo e a possibilidade efectivas por parte do sujeito de obter esse meio (produzindo-o ouadquirindo-o),• o dispêndio de recursos escassos,• a renúncia a outras satisfações alternativas.

Atente nos dois exemplos seguintes:

A respiração não é uma necessidade economicamente relevante (em condições normais, o ar não éum bem escasso).

Um Mercedes SL 500 (preço em Dezembro de 2002: 195 mil euros) não é uma necessidadeeconomicamente relevante para a esmagadora maioria dos portugueses, porque não têm recursoscapazes de satisfazer essa apetência. É um bem totalmente fora do alcance as suas possibilidades.

Sobre as características das necessidades, vimos no capítulo anterior que elas são:

1 - múltiplas ou diversas e essa multiplicidade tende constantemente a aumentar com o progresso doconhecimento, da tecnologia, dos meios de transporte e de comunicações;

Quando o transporte era feito a pé ou em veículos de tracção animal não havia a necessidade deandar de automóvel ou de avião. O progresso tecnológico acaba por cavar ainda mais o fosso entrerecursos e necessidades.

2 - virtualmente ilimitadas: a insaciabilidade das necessidades globais do homem é um factoantropológico e um facto cultural: o homem é um ser permanentemente insatisfeito com aquilo quetem.

O processo do "aparecimento" de necessidades (mesmo que sejam simples apetências) érelativamente complexo. Sabemos que, em consequência da aprendizagem e da vida em grupossociais, o ser humano, desde muito tenra idade, aprende a necessitar de coisas (e também daprestação de cuidados e serviços). Podemos chamar necessidades aprendidas às que são adquiridaspor socialização e aculturação. Por isso, as necessidades do indivíduo não são apenas produtos do seuestado fisiológico, mas também das suas interacções com objectos e pessoas que a vida em sociedadeproporciona.

As necessidades humanas relevantes para a análise económica (as que interferem na afectação derecursos que indivíduos e grupos fazem) reflectem não raras vezes as experiências específicas deaprendizagem de indivíduos e grupos, entendendo por aprendizagem não apenas o “armazenamento”de cognições (conhecimentos), mas também o de percepções/sensações de tipo emocional ou afectivoe sobretudo o “saber” de experiências passadas de satisfação e de frustração: o gestor empresarialaprende a necessitar de mobilizar as combinações de recursos que o conduziram ao sucesso(satisfação) no passado, e a evitar estratégias que anteriormente o levaram ao fracasso ouinsatisfação.

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Na cena económica, mormente no aparecimento de necessidades do consumidor jogam factores quevão desde o contacto pessoal com objectos expostos (hipermercado) até efeitos de imitação (e há bensde consumo que são verdadeiros sinais exteriores de riqueza ou de estatuto social elevado). Podemosmesmo afirmar que o conjunto das necessidades humanas economicamente relevantes é constituídonão apenas pelas apetências efectivas que já se manifestam nopresente, mas também pelas apetênciasou necessidades que o indivíduo ou grupo há-de inventar num futuro próximo.

3 - desigualmente importantes (ou desigualmente urgentes), logo hierarquizáveis.

O comportamento de indivíduos e grupos (incluindo o de afectar recursos) é determinado por umvasto conjunto de necessidades; e nunca por uma só. Acontece, porém, que há necessidades que sesobrepõem às outras pela sua intensidade.

Esta última característica significa que podemos graduar as necessidades consoante a sua ordem deurgência. Essa ordenação varia naturalmente de pessoa para pessoa, de acordo com os seus gostos oupreferências. É uma hierarquia subjectiva, portanto. Em Portugal, fazendo a média (já que não háunanimidade), a hierarquia das necessidades económicas não anda longe da que se segue.

SegurançaAlimentaçãoVestuário/calçadoHabitaçãoTransportes e comunicaçõesBens duradouros (mobiliário, electrodomésticos, automóvel)Higiene e SaúdeEnsinoCultura e distracção

Repare na necessidade de segurança colocada no topo, mesmo acima da Alimentação (que aquirepresenta o vasto conjunto das necessidades fisiológicas). Um indivíduo com fome é perigoso. Seameaçado na sua integridade física por outra pessoa ou por cataclismo natural (pânico) não só éperigoso, como totalmente imprevisível. A este fenómeno natural no ser humano acresce o facto de agravidade e os efeitos de uma multidão em pânico serem muito superiores à soma dos efeitos do pânicode cada pessoa: a inserção em grupos tende a ampliar (para o bem ou para o mal) os comportamentose atitudes individuais.

O alarme (hipoteticamente falso) de que há incêndio numa sala de cinema com corredores estreitos euma única saída será suficiente para um afluxo de dezenas de feridos ao hospital. Feridos não noincêndio, mas espezinhados pelo pânico uns dos outros.

A satisfação da necessidade de segurança está (ou deveria estar) presente em muitas situações donosso quotidiano, não apenas em termos de Defesa Nacional ou de manutenção das forças da ordem(polícia), como também integradas na exigência de defesa do consumidor: saídas de emergência bemsinalizadas e de fácil acesso em edifícios e recintos de grande aglomeração de pessoas, rotulagemcorrecta de medicamentos perigosos e de produtos de limpeza tóxicos ou corrosivos, indicação bemvisível na embalagem da idade da criança mais apropriada ao brinquedo, etc.

Voltando à nossa lista hierarquizada de necessidades, os quatro primeiros grupos correspondem àschamadas necessidades básicas e de uma maneira geral a forma como estão ordenadas (da segurança àhabitação) é universal. A partir daí é que se fazem sentir as diferenças pessoa a pessoa, grupo agrupo, dependendo de uma multiplicidade de factores, inclusive de ordem cultural. Esta hierarquia ouordenação de necessidades parece aplicar-se actualmente à família mediana portuguesa: foi obtidaatravés do Inquérito às Receitas e Despesas Familiares feito anualmente pelo Instituto Nacional de

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Estatística. Trata-se, obviamente, de uma estrutura dos gastos de consumo (necessidades satisfeitas) enão de um elenco rigoroso e hierarquizado das necessidades efectivas (satisfeitas e não-satisfeitas).

2.2.1. having needs e becoming needs

Na seccção anterior, definimos necessidade humana relevante para a análise económica como sendotodo e qualquer estado de carência ou de simples apetência que motiva o indivíduo ou o grupo social aprocurar obter coisas (ou a prestação de serviços) que julga capazes de fazer cessar tal estado decarência ou de insatisfação. A partir desta definição, facilmente nos vêm à ideia os múltiplos meios deque a sociedade humana dispõe (ou não dispõe, na quantidade e qualidade que mais desejaria) para sealimentar, vestir, alojar, transportar, educar e divertir. Uns são bens materiais (o pão, a casa dehabitação, o automóvel); outros são bens imateriais ou serviços (a aula de Economia, o tratamento nodentista, o programa de televisão).

É uma definição que, parecendo vaga e abrangente de todo o comportamento humano, é, bem pelocontrário, demasiado sumária e restritiva daquilo que, na realidade, move indivíduos e grupos adesenvolver e assumir comportamentos de afectação de recursos. E por isso, até os bens e serviços quenos serviram de exemplo no parágrafo anterior respeitam apenas àquilo que podemos chamarnecessidades do ter (having neeeds). Acontece que, individualmente ou em grupo organizado, os sereshumanos têm também necessidades de outro tipo: as necessidades do ser (becoming needs),igualmente susceptíveis de motivar comportamentos económicos:

Necessitamos de ser estimados, apreciados, aplaudidos, absolvidos dos nossos erros e omissões;precisamos de atenção, de afecto, de amor e de amizade; temos aspirações de realização pessoal esocio-profissional; necessitamos sentir que somos úteis, de participar em grupos organizados e de nosrevermos nas necessidades e objectivos desses grupos.

Temos, pois, necessidades que não se limitam a, tão somente, ter mais... A Psicologia2 fala-nos denecessidades sociais (de afecto, de associação, de participação), de necessidades do ego (de estima,auto-confiança, de prestígio e status) e de necessidades de auto-realização e, apesar de as hierarquizar“abaixo” das necessidades fisiológicas e de segurança, demonstra que é da sua satisfação que resultamresultados mais desejados pelo indivíduo e uma mais profunda e prolongada felicidade, pelo que asconsidera necessidades de nível superior.

E é também a Psicologia que nos adverte para a existência de necessidades que, para serem satisfeitas,podem não implicar a aquisição ou a posse de qualquer objecto. É o caso dos chamadoscomportamentos intrinsecamente motivados (os que se motivam e reforçam a si próprios), de que sãoexemplos:

• a necessidade de curiosidade,• a necessidade de manipulação de objectos (não implicando a posse),• o impulso de contacto-conforto.

Repare como o hipermercado está pensado e disposto de forma a satisfazer as duas primeirasnecessidades expostas acima. Contrariamente ao comércio tradicional, que aposta na simpatia e noatendimento personalizado como forma de induzir o cliente a inventar necessidades que não tinha

2 É de recordar a conhecida pirâmide de necessidades definida por Abraam Maslow.

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(mas que levanta duas barreiras físicas à curiosidade e à manipulação de objectos - a do balcão e a doatendedor), o hipermercado permite que o consumidor passeie, veja, mexa (e remexa!...). Certamentepor isso, e não apenas pelo preço mais baixo, é tão bem sucedido em convencer o cliente a carregaraté casa um cabaz de compras muito maior (e mais dispendioso) que o que constava da lista dascompras programadas para fazer...

2.2.2. Necessidades privadas e necessidades colectivas

Até agora temos tratado apenas das necessidades privadas, isto é, na perspectiva do sujeito individual.Há, porém, outras necessidades colectivas ou de grupo, não redutíveis às necessidades individuais dosseus membros, mas que também implicam a utilização de recursos escassos para as satisfazer,suscitando, portanto, problemas económicos idênticos aos que decorrem das necessidades individuais.A todas as necessidades que derivam da existência de sociedades organizadas e politicamenteautónomas (e que não se manifestariam se o homem vivesse isolado) chamamos necessidadescolectivas.

São exemplos de necessidades colectivas a feitura das leis, a manutenção da ordem pública, aadministração da justiça, a defesa da existência e da autonomia do agregado nacional, arepresentação diplomática. A satisfação de necessidades deste tipo é função e atributo do Estado,uma vez que implicam o uso do seu poder soberano e inclui o exercício dos três poderes clássicos: olegislativo, o executivo e o judicial.

Um segundo grupo de necessidades colectivas é ditado pelas consequências do fenómeno daurbanização (concentração da população em centros urbanos). É o caso dos transportes públicos, doabastecimento de água e electricidade, da rede de saneamento básico e dos serviços de limpeza eremoção de lixos dos espaços públicos. A prestação destes serviços (e a satisfação dascorrespondentes necessidades) tanto pode ser feita por entidades públicas regionais ou locais (CâmarasMunicipais) como por empresas ou entidades privadas.

Um terceiro grupo de necessidades colectivas decorre da evolução das ideias e das exigências emrelação ao que deve ser a intervenção do Estado na vida colectiva. São as necessidades de aumento donível de vida e do bem-estar da população, da justiça social, da defesa e dignificação da vida e dapessoa humana, da educação, do acesso à saúde, da assistência em condições especiais de carência(velhice, invalidez, desemprego), da defesa do meio ambiente, da preservação do património históricoe cultural.

A consciência da realidade social revela - e as estatísticas confirmam - que na generalidade dos paísesmais ricos persistem graves problemas humanos por resolver: criminalidade, droga, violência sobvárias formas, elevada taxa de suicícios, degradação da qualidade do meio ambiente. Muitosinvestigadores chegaram mesmo à conclusão que a frequência de tais problemas aumenta à medida queos países crescem economicamente, considerando-os mesmo como problemas típicos das sociedadesditas desenvolvidas.

Outros investigadores, nomeadamente economistas, ampliam o conceito de crescimentodesequilibrado, para designar a evolução de um país que, embora tenha feito crescer a sua riquezamaterial no seu todo, manteve ou agravou desigualdades sociais e regionais e descuidou a preservaçãode equilíbrios biológicos e ecológicos (incluindo os que têm a ver com a cultura e os valores)

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absolutamente imprescindíveis à própria sobrevivência colectiva no futuro. O crescimento económicodesequilibrado será, portanto, o causador de muitas das chagas nas sociedades ditas desenvolvidas.

Será apenas uma questão de desequilíbrio? Pode a economia satisfazer as becoming needs, ou tãosomente as having needs? Uma “demasiada” satisfação (ou excitação) das necessidades do ter nãoprejudicará a satisfação das necessidades do ser?

A questão não é meramente académica; antes a consciência - e a exigência - de melhor qualidade devida. Na vida real, por exemplo, alguns empresários, gestores e sindicatos já se deram conta disso. Acolectividade enriquece na medida em que o aparelho produtivo é um instrumento de realizaçãohumana, individual e colectiva. E as empresas cumprirão melhor esse papel se os seus trabalhadoresforem mais activos, criativos, motivados. E isso pode ser realidade, na medida em que ostrabalhadores puderem participar com maior autonomia e sentido de responsabilidade na tomada dedecisões sobre o processo produtivo, administrativo e comercial. Mas, para que tal seja possível eeficaz, será imprescindível elevar os seus níveis de instrução, de formação profissional e de cultura devalores humanos e sociais. Não apenas aumentar os salaários e outras prestações pecuniárias. Averdade já demonstrada é que, a partir de um nível médio de rendimento, os trabalhadores não queremsomente ganhar mais, porque começam a valorizar cada vez mais a sua realização profissional. Comoseres humanos, preferem melhor trabalho a mais salário.

Afinal de contas, o aumento da produção nacional por habitante (produtividade média) não geranecessariamente - muito menos garante - o aumento da “felicidade nacional por habitante”.

2.3. OS BENS

O conceito de bem económico é muito simples. Os bens são todo o tipo de meios, coisas ouactividades (prestação de serviços) que julgamos capazes de atenuar ou fazer cessar situações decarência ou de simples apetência. Ou, mais resumidamente, são meios, coisas ou actividades quepresumimos serem capazes de satisfazer necessidades.

Exemplo: uma ferradura atrás da porta é um bem económico, na medida em que o sujeitoatribua ao dito objecto a utilidade de afastar maus olhados e outras coisas quejandas, e porisso, esteja disposto a dispender recursos escassos na sua obtenção. Para um agenteeconómico que não atribua ao dito objecto tais poderes, poder-se-á considerar a ferraduracomo um bem económico apenas se lhe for creditada alguma utilidade...decorativa.

Sistematizando, os requisitos para que um meio ou coisa seja um bem económico são os seguintes:

• utilidade (real ou simplesmente presumida) para satisfazer uma carência ou apetência do sujeito;

O que define um bem económico não é a sua aptidão real (utilidade real ou efectiva)para satisfazer uma carência, mas sim a que o sujeito económico lhe atribui (utilidadepresumida).

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• escassez (em confronto com as necessidades);

• acessibilidade (se a jazida de petróleo está a uma produndidade demasiado grande para ser exploradade forma minimamente rentável, não podemos contar com esse precioso líquido para satisfazernecessidades, pelo que não é, em rigor, um bem económico).

2.3.1. Classificação dos bens

* bens materiais / serviços

Os bens materiais são coisas ou objectos com realidade material (da esferográfica ao avião). Podemosvê-los, apalpá-los, sentir-lhes o peso (e a sujeição à atrás citada lei da queda livre dos graves).

Os serviços (bens imateriais) são actividades humanas cuja realidade, na maior parte dos casos, seesgota no momento em que acabam de ser prestados. É o caso dos serviços de transporte, de umespectáculo, de uma aula, de um programa de televisão.

Na maior parte dos casos, é natural, ou pelo menos desejável, que os efeitos da fruição da utilidadedo serviço não se esgotem no momento em que acaba de ser prestado, continuando a produzir novosefeitos durante muito tempo como por exemplo a lição de Economia (ou de Inglês)...

Na realidade económica há complementaridade absoluta entre bens materiais e serviços: não é possívelproduzir e usofruir de um bem, sem obter em conjunto a prestação de alguns serviços (o do transporte,o da venda, por exemplo). Também muito dificilmente se poderá prestar hoje um serviço sem autilização de vários bens materiais.

* matérias-primas / bens intermédios / bens de consumo final

As matérias primas são bens tal qual são extraídos da natureza, quando ainda não sofreram qualquertransformação indispensável à sua posterior utilização na satisfação de necessidades.

Pense na lã obtida logo após a tosquia do animal.

Bens intermédios são os que já sofreram alguma transformação, mas precisam ainda de outras até serpossível a sua utilização final. São bens utilizados na produção de outros bens, mais ou menos a meiodo ciclo de transformação.

Pense no fio de lã (tingido ou não).

Bens de consumo final são os aptos a ser utilizados directamente na satisfação de necessidades.

Finalmente, a camisola de lã. Este, sim, satisfaz directa e imediatamente uma necessidade humana.

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* subprodutos

São produtos secundários ou desperdícios que se obtêm inevitavelmente no processo produtivo. É ocaso da serradura (serração de madeiras), do brometo de prata (laboratórios fotográficos ecinematográficos), do negro-de-fumo (indústria petroquímica), etc. São bens de valor inferior aodaqueles que são a razão principal do processo produtivo, mas o seu aproveitamento cuidadoso podegerar vantagens ou proveitos económicos consideráveis na economia de produção do bem principal. Oaproveitamento de desperdícios (sobretudo industriais, mas também os domésticos), além de permitiruma poupança de recursos - sempre escassos -, pode justificar-se também como forma de protecçãodo meio ambiente. De uma civilização “produtora de lixo”, felizmente, está a surgir a “economia dareciclagem”.

* bens públicos / bens privados

A grande maioria dos bens são privados, isto é, produzidos por empresas particulares (privadas) evendidos livremente no mercado a quem os procura, a quem esteja disposto sacrificar uma parte doseu rendimento pagando por eles um preço. No caso de um bem privado, é sempre possível identificaro seu consumidor e facturar-lhe esse um preço directamente proporcional ao número de unidadesadquiridas ou consumidas.

Os bens públicos são aqueles que obedecem a três requisitos, que acabam por ser as suascaracterísticas específicas:

1. provisão pelo Estado ou entidades públicas (autarquias locais, por exemplo);

2. indivisibilidade: a procura e consumo destes bens é colectiva e, por isso, não individualizável: nãoé possível medir a quantidade consumida por cada pessoa, nem exigir a cada uma um preçoproporcional à quantidade consumida (nem sequer cobrar um preço apenas a quem consome,quanto mais na medida em que cada um consome);

3. impossibilidade de exclusão: não podem ser fornecidos a alguns membros da colectividade semficarem à disposição de todos, ou seja, uma vez fornecido a alguns consumidores, não é possívelexcluir os restantes de beneficiar dele também.

O conceito de bens públicos está intimamamente ligado à satisfação de necessidades públicas (emsentido estrito) a que fizemos referência no capítulo anterior. São exemplos de bens públicos a feituradas leis, a administração da justiça, a representação diplomática. E também a iluminação pública, alimpeza de espaços públicos. Três exemplos particulares ajudam a compreender melhor a diferençaentre um bem público e um bem privado, no sentido técnico-económico do termo:

. Um museu com entrada gratuita é um bem público; se exige o pagamento de um bilhete ao visitanteé um bem privado - a simples exigência de um preço funciona como mecanismo identificador dequem consome e permite excluir da visita ao museu todo o consumidor que não esteja disposto apagar voluntariamente o preço do bilhete.

. Uma estrada ou auto-estrada sem portagem é um bem público: circula não se sabe quem, as vezes eas distâncias que quiser e estando aberta ao tráfego para uns, está forçosamente aberta para todos; asimples instalação de portagem transforma a via (dita "pública" em sentido corrente) em bemprivado - a portagem afasta da auto-estrada todos quantos não estiverem dispostos a pagar orespectivo preço.

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. Numa auto-estrada com portagem (bem privado), os seus custos de construção e manutenção sãosuportados pelos seus utentes; se a portagem for abolida (bem público), pagam-na os cidadãoscontribuintes de todo o país, independentemente de serem ou não utentes da auto-estrada.

A produção ou provisão de bens públicos também obriga ao dispêndio de recursos escassos, tal comoa produção de bens privados. Não sendo identificáveis os consumidores efectivos, nem as quantidadesconsumidas por cada um, há que financiar (cobrir os custos) da sua provisão através de um processoespecial, que não a regra geral do mecanismo de mercado. O processo especial é imputar-se a cadamembro da comunidade uma parcela dos custos de produção (provisão), obrigando-o a pagá-la sob aforma de impostos.

Note bem: transportes colectivos urbanos, abastecimento de água ou de electricidade, refinação depetróleos, correios e telecomunicações não são bens públicos (em sentido estrito técnico-económico),ainda que o Estado ou Autarquias Locais sejam titulares das empresas que prestam esses serviços.Por outras palavras, o estatuto de "empresa pública" não significa que a mesma se dedique àprodução de bens públicos. A existência de maior ou menor número de empresas públicas, asnacionalizações e as (re)privatizações derivam muito mais de opções de ordem política e social quede verdadeiros motivos económicos.

* bens semi-públicos

É o caso da Educação, da vacinação e dos serviços ligados à saúde em geral. Tecnicamente, são bensprivados. Sucede que, por razões de defesa e promoção da vida e da pessoa humana, se tornouconsensual nas sociedades modernas que, caso fosse exigido a todos um preço de mercado, as pessoasde mais baixos rendimentos ficariam excluídas do acesso a este tipo de bens. Por esse motivo, sãobens fortemente subsidiados (sobretudo a vacinação e a saúde), ou seja, a maior parte dos custos dasua produção é financiada sob a forma de impostos.

* bens substituíveis

Dois bens dizem-se substituíveis quando a utilidade de um deles pode ser obtida em maior ou menorgrau pela utilização do outro. Ao bem que quase substitui o outro chama-se sucedâneo.

A margarina é um sucedâneo da manteiga. Outros exemplos de bens substituíveis (ou substitutospróximos): batata e arroz, azeite e óleo alimentar, isqueiro e fósforos, petróleo e carvão (naprodução de energia), Saab 900 turbo e Opel Corsa...

A relação e o grau de substituição entre bens tem um interesse económico evidente: a quantidadeprocurada de um bem reage de uma forma bem determinada às variações dos preços dos seussubstitutos próximos:

Se a batata subir muito de preço, as donas de casa tendem a procurar muito mais o arroz ou asmassas alimentícias.

Se o preço do petróleo subir muito, a EDP deixará de queimar fuelóleo nas suas centrais térmicas,aumentando a procura de carvão.

Regra: a quantidade procurada de um bem varia no mesmo sentido do preço dos bens que (quase) o substituem.

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* bens complementares

Só utilizados (consumidos) em conjunto podem satisfazer uma necessidade. Por isso, para se fruir autilidade de um deles é estritamente necessário poder dispor do outro.

Os exemplos possíveis são muitos, desde a realidade caseira à actividade industrial: lápis e borracha,quadro escolar e giz, tabaco e fósforos, automóvel e combustível líquido, computador e disquetes,turbina e gerador...

A relação de complementaridade entre bens (ou entre serviços, ou ainda entre bens e serviços) é muitasvezes esquecida na elaboração de projectos: constituirá um desperdício equipar o refeitório de uminfantário com mesas para 60 crianças, adquirindo apenas 40 cadeiras; ou pretender pôr a funcionaruma nova unidade de ortopedia num hospital, sem dispor de equipamento de raios X.

O aumento do preço do lápis fazendo diminuir a quantidade procurada de lápis, repercute-se domesmo modo na procura de borracha apaga-lápis, que acaba por diminuir também.

* bens consumíveis / duradouros

São bens consumíveis ou de consumo corrente aqueles cujo uso implica a sua destruição mais oumenos rápida.

A água "destrói-se" (não poderá ser usada segunda vez) no momento em que é bebida, o lápis vai"desaparecendo" à medida que vai sendo usado na escrita.

Ao contrário, os bens duradouros duram mesmo mais tempo - podem ser usados muitas vezes, semque isso implique o seu encurtamento ou destruição.

A máquina de escrever é um bem duradouro; a respectiva fita é um bem consumível.

Do ponto de vista económico, a aquisição de bens consumíveis contabiliza-se como "consumo",enquanto a de bens duradouros está muitas vezes ligada a "investimento" (pelas empresas). Ao níveldoméstico, isto é, das famílias, são bens duradouros, além do automóvel, a casa de habitação, omobiliário e os electrodomésticos. Por implicarem uma maior acervo de recursos na sua produção, sãomais caros que os bens de consumo corrente, pelo que a decisão sobre a sua compra é planeada comantecedência pelo consumidor. A sua aquisição é feita por um preço que pode ser múltiplo dorendimento familiar mensal, pelo que implica, quase sempre, a existência e mobilização de umapoupança prévia, ou em alternativa o endividamento (compra a prestações ou a crédito ou ainda acompra com dinheiro emprestado por outrém que não o vendedor).

Regra: a quantidade procurada de um bem varia em sentido inverso ao dos preços dos seus complementares.

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Sendo bens duráveis, isso significa que vão ser utilizados durante um período de tempo relativamentelongo. Por isso, desde as especificações técnicas (tratando-se de aparelhos) até pormenores de ordemestética (cortinados, tapetes ou mobíliário), são objecto de um estudo prévio demorado e cuidadosopor parte do consumidor, antes da tomada de decisão de os adquirir.

Tratando-se de bens duradouros, ninguém compra só “para experimentar como é”, como sucede commuitos bens de consumo corrente.

O consumo de bens duradouros tende a aumentar em paralelo com o desenvolvimento económico ecom a melhoria do padrão e qualidade de vida da população. Alguns deles são verdadeiros símbolos destatus social.

2.4. A UTILIDADE

Trata-se de um conceito fundamental na Análise Económica. Enquanto principal atributo dos bens, autilidade é o factor que, em confronto com o custo, mais determina o comportamento humano emrelação aos bens -- se os vai adquirir, alienar ou trocar por outros. E no entanto, é um conceitoeconómico muito pragmático e simples: A utilidade é a capacidade ou aptidão que um sujeitoeconómico atribui a um objecto (bem) ou actividade (serviço) para satisfazer uma ou maisnecessidades. No seu significado técnico-económico, a utilidade é subjectiva - tanto pode ser a aptidãoefectiva como a simplesmente presumida do bem para satisfazer uma ou mais necessidades.

Qualquer empresa de marketing e publicidade domina perfeitamente este conceito: na propaganda oupromoção comercial de um produto, procura levar o consumidor a presumir que o mesmo éefectivamente apto a satisfazer uma ou mais necessidades (ou que o produto é do tipo "2 em 1", ouseja, que tem duas utilidades...).

Casos de dupla, tripla utilidade (real ou presumida não interessa, desde que molde o comportamentodo consumidor na direcção desejada) são, por exemplo, o prato congelado que não apenas satisfaz anecessidade alimentar, mas também reforça os laços de afecto à volta da cozinheira esposa e mãe, ouainda o automóvel que, além da utilidade que se espera dele, satisfaz também as necessidades deconforto, segurança, volumetria de carga, estética de conjunto, prazer de conduzir e... de símbolo deprestígio ou de status social.

Há muitas formas experimentadas de persuadir o consumidor a atribuir utilidade a um bem ou serviço(de provocar, inclusivamente, uma mudança de atitude de sentido favorável), utilizadas napropaganda comercial (publicidade). Estudaremos algumas dessas técnicas no Módulo 5.

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A lei da utilidade marginal decrescente

Um fenómeno psicológico normalíssimo no nosso quotidiano permite compreender, explicar e prevermuitos dos comportamentos do sujeito económico enquanto consumidor, e não só. Repare que àmedida que tentamos saciar uma necessidade (sede, por exemplo) mediante a utilização de sucessivasunidades de um bem (copo com água), o acréscimo de satisfação trazido por cada uma das sucessivasunidades não é o mesmo - vai diminuindo à medida que a necessidade ou apetetência vai sendoreduzida (saciada).

O gráfico seguinte ilustra precisamente o precesso da redução da sede, através da tomada desucessivos copos de água. O primeiro copo de água é o mais apetecido (o mais útil) de todos,proporcionando um grau de satisfação 30. O segundo já só acrescenta 15 valores ao processo desatisfação. O quarto já nada acrescenta (a sede foi saciada com o terceiro copo de água). O quintocopo, em vez de acrescentar utilidade (satisfação), até representa um incómodo (satisfação negativa),ou seja um decréscimo de utilidade no processo de satisfação da necessidade.

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No gráfico anterior, conforme a legenda, enquanto as barras verticais representam a utilidade total ouacumulada dos sucessivos copos de água (utilidade de um, de dois, de três copos de água...), a curvarepresenta a utilidade marginal, isto é, o acréscimo de utilidade trazido por cada um dos sucessivoscopos (o acréscimo de satisfação trazido pelo primeiro, pelo segundo, etc). A este acréscimo deutilidade (ou acréscimo de satisfação) trazido por cada unidade adicional do bem que se usa chama-seutilidade marginal. A utilidade marginal é decrescente. Ou seja, a utilidade de cada uma dassucessivas unidades de um bem destinadas à satisfação de uma certa necessidade decresce à medidaque o seu número vai aumentando. E isto porque à medida que a necessidade vai sendo reduzida, elavai-se tornando cada vez menos urgente. Daí que sejam cada vez menos valorizadas unidadesadicionais do mesmo bem usado na sua satisfação.

Isto significa que, do ponto de vista do consumidor, a utilidade esperada de uma peça de vestuário namontra do estabelecimento não tem só a ver com a utilidade específica inerente a uma peça de

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vestuário, mas depende também do número de peças do mesmo tipo que o consumidor já possui ouusofrui.

Assim se explica a reacção diametralmente oposta das sempre amigas Senhora Maria e Dona Rosaperante o mesmo vestido: a primeira, talvez por ter mais “conjuntos” que vestidos no guarda-roupa,até o “acha em conta”; a segunda, talvez por já não ter espaço para guardar mais um sem oamarrotar, rejeita-o liminarmente com um “é feio e caro ainda por cima!”.

A promoção de um produto (e a adesão do consumidor) no hipermercado seguindo a técnica do tipo"Leve 3 pague 2!" fundamenta-se precisamente na lei da utilidade marginal decrescente. Num dadomomento, só a primeira unidade do champô ou do sabonete têm utilidade máxima (só precisamos deuma de cada vez para a higiene diária). A segunda "pode fazer jeito" (evita uma nova ida às comprastão cedo...) e a terceira já é mesmo supérflua - só será comprada pela generalidade dos consumidoresse for “de graça”. Obviamente que “três unidades pelo preço de duas” é o mesmo que uma redução de33,3% (um terço) no preço. Simplesmente, o consumidor reage mais depressa e melhor ao estímulo deuma oferta (“de graça”) do que a um desconto no preço.

A mesma lei e o mesmo raciocício têm aplicações várias na vida das empresas (e dos própriosparticulares), na medida em que o armazenamento de produtos obriga a custos adicionais que setraduzem, afinal de contas, em acréscimos negativos de utilidade à medida que as unidades sucessivasvão esgotando a capacidade normal do armazém. Assim se explica a viabilidade económica daliquidação acelerada de existências, popularmente conhecida por saldos. A isto acresce que oarmazenamento de um ou mais produtos representa uma imobilização de utilidade ou de meiosfinanceiros (e valor rigorosamente parado não se reproduz, não rende, isto é, não gera novosrendimentos). Para muitas empresas, é crucial que haja mesmo uma boa rotação das existências emarmazém, ou seja, é desejável que a mercadoria permaneça o menos possível em armazém, enquantoaguarda ser vendida. Daí que "vender 3 pelo preço de 2", do ponto de vista do comerciante, ainda quenão seja a melhor forma de maximizar as receitas, é em muitos casos a forma mais expedita e rápidade minimizar custos.

O fenómeno subjacente à lei da utilidade marginal decrescente tem aplicação também nas FinançasPúblicas, seja do lado das despesas ou das receitas (impostos), sempre que se pretenda avaliar os seusefeitos sobre a equidade (justiça social).A este respeito, repare que todo e qualquer imposto que cobraa mesma quantia a todos os contribuintes a ele sujeitos, apesar de aparentemente justo (pagam todos"o mesmo"), não é. Na realidade, pagando todos a mesma quantia, não pagam todos o mesmo, porqueo esforço (carga fiscal) será maior no caso dos contribuintes de rendimentos mais baixos: para estes oesforço será considerável, uma vez que o pagamento da colecta do imposto poderá obrigá-los arenunciar a alguns bens e serviços essenciais; para outros a colecta poderá ser mesmo uma ninharia.Diz-se, neste caso, que o imposto é regressivo.

O mesmo raciocício que revela o contraste real entre quem é colectado naquilo que lhe faz falta e ocontribuinte que paga do que lhe sobeja pode aplicar-se à avaliação correcta da generosidade dodonativo (em função do sacrifício efectivo de quem o presta). A este respeito, um reparo curioso: alição contida no episódio evangélico do óbulo da viúva (Lucas 21,1-4) é indiscutivelmente umaverdade cientificamente comprovada!

Na análise económica, o termo marginal não é sinónimo de “fora-da-lei”.Significa acréscimo ou incremento de uma unidade.

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De defeito idêntico, embora atenuado, sofrem os chamados impostos proporcionais, mediante os quaistodos os contribuintes sujeitos pagam, não a mesma quantia, mas a mesma taxa percentual, qualquerque seja o seu nível de rendimento. Matematicamente, a quantia paga é directamente proporcional aonível de rendimento sobre o qual incide o imposto. Por isso se diz “proporcional”.

É evidente que dez por cento de um rendimento mensal de 600 totalizam 60, enquanto que umrendimento mensal de 60, sujeito à mesma taxa, é colectado em apenas 6. No entanto, não é difícildescortinar quanto o sacrifício efectivo para pagar o imposto vai ser muito maior no segundo caso: ébem mais difícil viver com um orçamento líquido de 54 contos, que com um de 540...

Por este motivo a tributação do rendimento das pessoas singulares, na maior parte dos países, é feitasegundo um esquema progressivo: quanto maior é o rendimento sujeito a imposto, maior é a taxa deimposto que se lhe aplica no cálculo da quantia a pagar. Diz-se, neste caso, que o imposto éprogressivo. É o que sucede com o IRS em Portugal.

Ao montante total de rendimento sujeito a imposto chama-se base de tributação ou rendimentocolectável. Ao rendimento colectável podem ser feitos alguns abatimentos (de despesas com a saúde eeducação, por exemplo). À quantia que se paga para efeito de imposto chama-se colecta. Designandopor Y o rendimento colectável, por A o total dos abatimentos e por t a taxa de imposto, a quantia apagar (T) é dada por:

T = t × (Y - A)

Com base na mesma lei da utilidade marginal decrescente, é possível demonstrar que uma maiorequidade na distribuição do rendimento e da riqueza aumenta seguramente o bem-estar social dacolectividade vista como um todo, seja a transferência de uns para outros feita na base da contribuiçãovoluntária (caridade), seja pela via institucional - e coerciva - da tributação e subsidiação diferenciadados cidadãos (redistribuição do rendimento operada pelo Estado).

Basta ter em atenção o seguinte: num donativo de dinheiro do rico ao pobre, sendo o sacrifício doprimeiro mais pequeno que o proveito do segundo, a soma das utilidades do dinheiro dos doisaumenta após a transferência - aumenta a utilidade total do dinheiro na economia! É verdade: autilidade social dos bens aumenta consideravelmente quando eles se distribuem mais equitativamentepelos membros da colectividade. Isto sem contabilizar o proveito espiritual sentido por quem gosta deminorar a pobreza do seu próximo...

2.5. OS CUSTOS

A palavra "custo" é usada na linguagem corrente e na terminologia da Ciência Económica parasignificar muita coisa:

• custo de vida: resultante da inflação • custo de aquisição: preço a que foi adquirido certo produto • custo CIF (cost+insurance+freight): custo + seguro + frete (no caso de bens importados) • "custo" como sinónimo de "preço" • custo de produção.

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Regra geral, os custos aparecem quantificados e expressos em unidades monetárias, isto é, expressosna moeda de algum país ou espaço económico-monetário (em escudos, dólares ou ienes, por exemplo).Há, no entanto, certo tipo de custos não mensuráveis em termos monetários, embora sensíveis doponto de vista humano, como veremos mais adiante. Há, no entanto, um denominador comum a todo otipo de custos e que transcende a conotação ou expressão monetária que associamos à palavra "custo"na linguagem corrente. A noção fundamental de custo relaciona-se directamente com a equação doproblema económico fundamental: o custo é uma consequência directa da escassez, da polivalência derecursos e das escolhas a que um sujeito económico é forçado a fazer.

Escolher significa não apenas dizer sim a algo, mas também renunciar a outras coisas, já oaprendemos atrás. O custo económico de uma escolha é precisamente o valor daquilo a que temos derenunciar quando escolhemos produzir ou adquirir determinado bem e a escassez de recursos nosobriga a fazer uma opção em alternativa. Custo é, portanto, o resultado desejável (utilidade) a quetemos de renunciar quando escolhemos assumir determinado comportamento ou atitude. Por isso sediz que o custo económico é um custo de oportunidade ou de alternativa.

É uma noção - afinal de contas - tão válida para o raciocínio científico da Economia como, de resto,para as mais variadas situações da vida real, mesmo aquelas em que a vertente económica não é - ounão parece ser - a predominante. Vejamos alguns exemplos concretos da acepção económica geral dapalavra custo.

Quando o Senhor Silva decide aplicar o seu pé-de-meia de 140 contos na compra de um bomvideogravador, é realmente muito pouco dizer que o mesmo lhe custou 140 mil escudos. Sendoescassos os seus proventos, aquela maravilha da sociedade de consumo custou-lhe de facto (emtermos reais) cada um dos bens (e respectivas utilidades) que ele poderia ter comprado com osmesmos 140 contos. Custou-lhe porque teve de renunciar a eles para poder adquirir o ditovideogravador.

Por razões óbvias de ordem política e eleitoral, o Senhor Ministro foca a atenção do seu discurso nosbenefícios e vantagens da nova auto-estrada construída por decisão do seu ministério, "esquecendo-se" de referir quantos hospitais, escolas ou centros de recuperação de deficientes poderia terconstruído (ou apoiado) com a mesma quantia...

Quando o Senhor José, proprietário de uma unidade de produção agro-pecuária, decide especializar-se na produção de leite, ele incorre imediatamente num custo de oportunidade ou de alternativa: oproveito ou lucro a que ele renuncia pelo não emprego das vaquinhas (recursos) na produção decarne.

Do ponto de vista do produtor - e da própria colectividade - o custo de uma actividade produtiva édado pela renúncia a toda a espécie de proveitos e utilidades que deriva do não-emprego dos recursosprodutivos noutras actividades ou produções alternativas. A acepção económica de "custo", aoidentificá-lo com a renúncia ao proveito das alternativas rejeitadas na decisão de como afectar osrecursos à satisfação de necessidades, faz lembrar o princípio fundamental da Metrologia (ramo daFísica): Medir uma grandeza é compará-la com outra da mesma espécie.

* custos monetários / não-monetários

Custos monetários são todos aqueles que têm uma expressão pecuniária imediata e directa, isto é, quepodem medir-se com um referencial-moeda (em escudos, dólares, ienes, etc).

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Custos não-monetários são de difícil (ou mesmo impossível) expressão monetária, mas ainda assim,tão reais e efectivos que pesam no bem-estar individual e social. São custos humanos, normalmenteassociados à fadiga, ao stress, à perda inútil de tempo ao sofrimento, ou mesmo à própria vidahumana. A grande maioria dos custos não-monetários são custos externos (ou efeitos externosindesejáveis), classificação que veremos já a seguir.

* custos privados / custos sociais

Designamos por custo privado de um determinado bem ou actividade produtiva a renúncia a proveitosalternativos a que é forçado o agente directo -- o sujeito que consome ou bem ou que desenvolve umaactividade produtiva.

Custos sociais ou colectivos são as renúncias a que essa actividade ou bem obrigam a colectividadecomo um todo. E não faltam bens ou actividades que além dos custos sobre o seu agente privado, têmefeitos externos (ou externalidades) indesejáveis (desde simples incômodos a custos monetáriosefectivos) sobre outros membros da colectividade.

Cada novo automóvel que entra em circulação tem um custo privado para o seu proprietário,dado pelo preço de aquisição acrescido do valor actual de toda a espécie de encargos gerais com asua manutenção (combustível, revisão mecânica periódica, seguros, etc). Mas representa tambémuma lista - muito longa - de custos não-monetários e sociais (para a colectividade):

. aumento do congestionamento do tráfego: aumentam os tempos médios de deslocação e o stressda vida urbana;

. dificuldades acrescidas de estacionamento (e a necessidade de aplicar recursos escassos naconstrução de parques);

. aumento da sinistralidade (probabilidade de acidentes): custo de vidas humanas (mortos), desofrimento (feridos), de ocupação de camas de hospital e resultantes de danos materiais (incluindo osprejuízos para as companhias de seguros);

. aumento da poluição sonora (ruído) e do ar;

. necessidade de multiplicar sinais de trânsito e de instalar semáforos;

. maior necessidade de intervenção de agentes da autoridade, seja para regular o tráfego, agora maisintenso, seja para fiscalizar o cumprimento da lei por um número, agora acrescido, deautomobilistas;

. aumento do consumo (e da importação) de combustível, com reflexos negativos na balançacomercial;

. maior desgaste da rede viária, com os consequentes encargos acrescidos para prover à suaconservação.

Exemplos de bens ou actividades com efeito externo negativo (custo social) a que a "consciênciacívica" contemporânea é particularmente sensível, obrigando o Estado a intervir, são também o tabaco(custo social do uso do tabaco sobre os não-fumadores) e a poluição das águas e do ar originada porresíduos industriais, pesticidas e herbicidas agrícolas e até por produtos domésticos de utilizaçãocorrente. E também a poluição sonora, sobretudo a provocada pelo tráfego de veículos e pelalaboração de máquinas, mormente durante a noite (ou durante o decorrer de uma aula...).

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A consideração deste tipo de custos não-privados e a sua contabilização (ou, pelo menos a suaenumeração exaustiva) são hoje requisitos obrigatórios da chamada Análise de Projectos,nomeadamente na candidatura de projectos a incentivos fiscais ou a co-financiamento pelo Estado e/ouUnião Europeia. O requisito do estudo prévio do impacto ambiental da construção de infraestruturas éum bom exemplo recente da importância de uma contabilização dos custos sociais.

A intervenção do Estado no sentido de disciplinar actividades produtivas potencialmente poluidoras ede moderar o consumo de bens susceptível de provocar efeitos externos negativos assume actualmentediversas formas:

• subsídios para investimento em equipamentos ou dispositivos anti-poluição;

• interdição de áreas ou regiões à instalação de certas indústrias ou outras actividadesprodutivas (instituição de áreas de paisagem protegida, por exemplo);

• penalizações aos agentes poluidores do meio ambiente;

• impostos sobre certos bens (tabaco e bebidas alcoólicas de graduação superior) como formade desincentivar o seu consumo.

O fenómeno da urbanização, com o aumento consequente da densidade populacional, torna os efeitosexternos negativos (custos sociais) muito mais sensíveis e numa progressão geométrica: se duplicaremem simultâneo o número de fábricas poluidoras e o número de habitantes na Península de Setúbal,teremos o dobro dos agentes poluidores a prejudicar o dobro dos habitantes (ou seja, os custos sociaisnão aumentam para o dobro, mas para o quádruplo!). Podemos dizer que é impossível viver emsociedade sem causar, de algum modo, efeitos externos negativos sobre terceiros.

Casos há em que os efeitos externos ou externalidades não são negativos (custos), mas positivos(representam e são sentidos como benefícios). Falamos então em benefíciossociais por contraposição a benefícios privados.

O Senhor Costa e o Senhor Armando têm quintas contíguas. O Costa cultiva primorosamente umpomar de macieiras. O Armando é um fervoroso "devoto" das suas abelhas e das suas colmeias.Estão "condenados" a dar-se bem entre si. É que as abelhas do Armando fabricam um mel "celestial"a partir da polinização das flores das macieiras do Costa, que, por sua vez, dão frutos maissuculentos, tal é o zelo e a frequência com que as abelhas do Armando as visitam. A actividadeprodutiva de cada um produz efeitos externos positivos (benefícios) sobre a actividade do vizinho.

Também o automóvel, atrás tratado como grande gerador de sérios efeitos externos negativos, étambém fonte de uma extensa lista de benefícios sociais. Muito mais que a produção de vinho, aindústria automóvel, pelos seus múltiplos efeitos de arrastamento sobre outras actividades produtivas,pode “dar emprego a um milhão de portugueses”, se pensarmos nas muitas indústrias (metalurgia,plásticos, têxteis, electrónica, vidro, borracha, madeira...) que fabricam os seus muitos componentese acessórios, nos stands que os vendem, nas oficinas que os reparam, nas estações de serviço que osatestam de combustível... para não falar nas Conservatórias que os registam como propriedade dealguém, nas Escolas que dão instrução aos candidatos a condutores, nas diversas corporações deautoridades que zelam pela segurança e fluidez do tráfego, nas empresas que fabricam ou constroemum tão vasto conjunto de infraestruturas necessárias à utilização do automóvel...

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Na vida real, há muitos outros exemplos de benefícios externos ou sociais, cuja consideração econtabilização se revela, por vezes, muito importante na tomada de decisões, em matéria de gestão deempresas e instituições e em matéria de política económica geral do governo. Eis os mais importantes:

• Vacinação:

o indivíduo com as vacinas em dia recolhe em proveito próprio o benefício privado da imunidade etambém representa um benefício social para a colectividade, que vê diminuída a facilidade depropagação de doenças contagiosas.

• Educação:

São inúmeros os benefícios privados que o estudante obtem da aquisição de conhecimentos maisvastos. Mas o estudante aplicado é também um benefício para a colectividade: entre duas pessoas comos mesmos temperamento, "feitio", idade, sexo e princípios morais, é natural preferirmos o trabalho damais instruída... O eleitorado ignorante obedece e condescende cegamente; o eleitor culto está emmelhor posição para escolher os melhores (ou os menos maus). Sobretudo as empresas necessitamcada vez mais de uma mão-de-obra mais instruída e culta - só dessa forma se poderá aumentar aquantidade e qualidade do trabalho realizado por cada um, sem acréscimo de custos, ou mesmo comdiminuição dos custos de produção.

Um reparo: “instrução” não é sinónimo de “educação” e, por isso, a Escola deve combinar recursos econjugar esforços no sentido de educar os seus utentes, e não apenas de os instruir. A umcomputador ou a uma máquina de processamento programável damos instrução ou comando. A umser humano requer-se seja dada educação. Vale a pena reflectir um pouco sobre isto...

• Formação profissional:

O que acima se disse sobre a formação académica, vale também para a formação profissionalespecífica: o sistema económico recolhe benefícios sociais importantíssimos de uma mão-de-obra cultae destra - aumento da produtividade, diminuição dos custos de produção, reforço da competitividadeexterna dos bens produzidos, possibilidade de aumentos salariais sem gerar tensões inflacionistas, etc.

• Construção de infraestruturas públicas:

A sua construção origina quase sempre efeitos sociais benéficos para as actividades produtivas dasregiões servidas. Há muitas actividades produtivas cuja rentabilidade depende crucialmente daexistência de infraestruturas de transportes e comunicações. Boas vias de comunicação tambémreduzem a distância real entre regiões centrais e regiões periféricas, entre centros de produção ecentros de consumo, contribuindo para baixar os preços nos locais de consumo e nas regiõesperiféricas.