Saiba+ - Edição Junho de 2015

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Desde 2006 Faculdade de Jornalismo - PUC-Campinas 08 de junho de 2015 Pesquisa mostra que tratamento da água é ineficaz Estudo desenvolvido na Unicamp indica que procedimentos são capazes de retirar os contaminantes previstos na legislação, mas o pesquisador Igor Pescara identificou hormônios, como o testosterona e o progesterona, em amostras nas torneiras na cidade. Já pensou em ficar 24h sem celular e sem internet? Pág. 06 Pág. 11 Foto: Bettina Pedroso Pág. 04 Número de pessoas que vivem na rua em Campinas diminuiu 12% em 2015 Elizabeth Carvalho “fecha a boca” para engordar conta bancária: almoçar fora os cinco dias úteis da semana consome cerca de 75% do salário mínimo Casa do Sol, onde viveu a escritora, receberá investimentos de R$ 800 mil O Saiba+ entrevistou uma defensora pública e um promotor. Veja a opinião deles Almoço em Campinas é o mais caro do Estado Foto: Divulgação MAIORIDADE PENAL MORADORES DE RUA HILDA HILST Pág. 10 Pág. 12

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Page 1: Saiba+ - Edição Junho de 2015

Desde 2006 Faculdade de Jornalismo - PUC-Campinas 08 de junho de 2015

Pesquisa mostra que tratamento da água é ineficaz

Estudo desenvolvido na Unicamp indica que procedimentos são capazes de retirar os contaminantes previstos na legislação, mas o pesquisador Igor Pescara identificou hormônios, como o testosterona e

o progesterona, em amostras nas torneiras na cidade.

Já pensou em ficar 24h sem celular e

sem internet? Pág. 06

Pág. 11

Foto: Bettina Pedroso

Pág. 04

Número de pessoas que vivem na rua

em Campinas diminuiu 12%

em 2015

Elizabeth Carvalho “fecha a boca” para engordar conta bancária: almoçar fora os cinco dias úteis da semana consome cerca de 75% do salário mínimo

Casa do Sol, onde viveu a

escritora, receberá investimentos de R$ 800 mil

O Saiba+ entrevistou uma defensora pública e um

promotor. Veja a opinião deles

Almoço em Campinas é o mais caro do Estado

Foto: Divulgação

MAIORIDADE PENAL

MORADORES DE RUA

HILDAHILST

Pág. 10Pág. 12

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AmAndA JAnuzzi

BettinA Pedroso

editores

RÁPIDAS CARTA AO LEITOR

Expediente:Jornal laboratório produzido por alunos da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas. Centro de Comu-nicação e Linguagem (CLC): Diretor: Rogério Bazi; Diretora-Adjunta: Cláudia de Cillo; Diretor da Facul-dade: Lindolfo Alexandre de Souza. Tiragem: 2 mil. Impressão: Gráfica e Editora Z

Professor responsável: Fabiano Ormaneze(Mtb 48.375). Edição e Edição de Capa: Amanda Januzzi e Bettina PedrosoDiagramação: Camila Yano e Juliana Scheridon

Gabrielle Mazzetti

CRÔNICA

Afinal, Brasil para quem?GABrielle mAzzetti

O que realmente vale uma vida hoje em dia? A cada folha de jornal que me pego lendo diariamente, so-mente notícias ruins, pági-nas estampadas de desgra-ças, o verdadeiro “espreme que sai sangue’’.

Era quarta-feira, acordei pela manhã como de costu-me e preparava o meu café: o de sempre, leite quente com torradas. Sento na cama e ligo a TV para ver as notí-cias, gosto dos jornais mati-nais. Enquanto vou ao micro-ondas para retirar o leite e acrescentar o Nescau, escuto a manchete: “Ciclista morre após facadas no RJ’’.

Quem dera se apenas o meu café fosse rotina nessa manhã. Na minha profissão, ultimamente, o que mais te-mos feito é noticiar desgra-ças. Todos os dias é dia de Datena. Não julgo o jornalis-mo, não atribuo a ele 100% de culpa porque o país não colabora com os editores. Mas, voltando ao Nescau... Separava a colher para me-xer o leite e ouvia a jornalis-ta, em tom de tristeza, lamen-tar a morte do médico Jaime Gold, de 57 anos, cardiolo-gista, esfaqueado enquanto pedalava na Lagoa.

Volto à cama. A primeira frase do dia, o primeiro ser humano a se comunicar co-migo após horas de sono, me presenteia com uma des-graça. Quanta tristeza. Uma carteira, uma bicicleta, uma história... O que realmente vale uma vida?

Jaime não reagiu, mas os assaltantes meteram a faca

ali mesmo, em meio à pista, em meio aos pedestres. Jai-me deixa uma família dilace-rada e eu deixo meu café de lado, pois as lágrimas toma-ram meu rosto naquela quar-ta-feira fria, tão fria quanto a capacidade do ser humano.

Infelizmente, Jaime não é o único a ter um assassina-to brutal. Ele teve destaque porque se tratava de um médico, com carreira con-solidada, estava num bairro nobre. Um conhecido che-gou a citar que, na época em que morava na cidade maravilhosa, em 2012, isso já era fato e precisou al-guém de nome morrer para haver mobilização.

Chego à sala de aula um pouco atrasada. Em meio aos pensamentos, perdi a hora, o café e a esperança. Olho meus colegas em um exercício, na angústia dos meus pensamentos, queria discutir assuntos diários, jornalismo, a violência, maioridade penal, a vida, sair da bolha. E, em meio a mais e mais reflexões, lem-bro de uma frase de Gabriel, O Pensador: “A criminali-dade toma conta da cidade’’.

A polícia que deveria pro-teger é a que mais mata. O governo que deveria levar educação e qualidade de vida é o que mais rouba e es-trangula. Cadê o Amarildo? Cadê os velhos índios? Cadê o respeito, o amor, a paz e a união desse povo? Volto para casa em um puro vazio. Pala-vras repetidas, perguntas que jamais serão respondidas... Onde foi parar o meu Brasil?

Há três anos, nós, turma 43 de Jornalismo da PUC-Campinas, estávamos fi-nalizando as atividades do primeiro semestre da tão sonhada faculdade. Hoje, encerramos nossa última atividade antes do proje-to experimental. Carrega-remos conosco todos os aprendizados, erros e acer-tos pelos quais passamos durante o curso e, princi-palmente, guardaremos es-sas atividades como boas recordações e bagagem.

Nesta nossa última co-laboração com o Saiba+, trazemos um conteúdo que aborda especialmente o tema: água. Você sabe de onde vem a água que você toma? E o tratamento que é dado a ela nas estações? Es-sas e outras perguntas serão

respondidas em um espe-cial sobre esse líquido.

Contamos também um pouco sobre Hilda Hilst e os investimentos da Fun-dação Itaú na revitalização da Casa do Sol, onde a es-critora viveu boa parte de sua vida. Montarão em seu quarto um grande acervo!

Mostramos ainda a situ-ação dos moradores de rua de Campinas, que diminu-íram em número, porém ainda não encontram vagas em abrigos. Como é im-portante lembrar que essas pessoas precisam de ajuda, um de nossos repórteres acompanhou a trajetória de seu agasalho doado à cam-panha integrada entre mu-nicípios.

Confira tudo isso e muito mais nas próximas páginas.

2 08 de junho de 2015OpiniãoFo

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gaçã

o

Exposição fica até o dia 02 de agosto, no Shopping Iguatemi

Vereador propõe bilhete único infantil

O transporte público em Campinas continua em discussão. Foi protocolado no dia 05 de maio, pelo vereador Carlão (PT), o projeto de lei que institui o bilhete único infantil,

para usuários do sistema de transporte de três a seis anos. O objetivo é reduzir os acidentes já que, muitas delas, para entrarem nos coletivos pulam a catraca ou são le-vados no colo. As crianças já são isentas do pagamento.

Campinas Decor completa 20 anos

A principal mostra de arquitetura, decoração e paisagismo do interior de São Paulo, com-pleta 20 anos e abre as portas do dia 14 de maio até 02 de agosto. Com um período re-

corde de exposição ao público, o evento terá como cená-rio a recém-inaugurada expansão do Shopping Iguatemi Campinas e transportará para um espaço do empreendi-mento uma residência de 52 ambientes projetados por renomados profissionais do setor da região. Horários: de terça a sábado, das 14h às 22h; domingos, das 14h às 20h (bilheteria fecha sempre uma hora antes do término da visitação); Ingressos: R$ 35,00 (inteira) e R$ 17,50 (estudantes e idosos); crianças de até 12 anos não pagam. Telefone para informações: (19) 3255-7744.

Comédia em cartaz no Amil

Está aberta, até 07.06, no Sesc Campinas, a exposição Como (...) coisas que não exis-tem..., com obras itinerantes expostas na 31ª

Bienal de São Paulo. Com curadoria de Charles Esche, Galit Eilat, Nuria Enguita Mayo, Pablo Lafuente e Oren Sagiv, a exposição apresenta um recorte de 15 projetos que estiveram em exposição na Bienal. A mostra ocorre de terça a sexta das 8h30 às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 18h, no Galpão Multiuso do Sesc que fica na Rua Dom José I, 270/333 - Bonfim - Campi-nas - SP . A entrada para o evento é de graça.

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Jardim Planalto de Viracopos é a região com mais ocorrências; penalidade chega a R$ 1,4 milJulio Joly

Lei do Pancadão resulta em 151 multas308 de junho de 2015 Cidades

Em janeiro deste ano, o prefeito Jonas Donizette

(PSB) regulamentou a lei de número 14.862, mais conhe-cida como “Lei do Panca-dão”, que proíbe o excesso de volume de som em au-tomóveis. A lei, criada para preservar o sossego público, prevê multa de 500 Unidades Fiscais de Campinas (Ufics) – cerca de R$1.400,00 – e tem o valor dobrado em caso de reincidência. A partir da segunda reincidência, o va-lor da multa é quadruplica-do, chegando a R$ 5.600,00.

Desde quando a lei entrou em vigor, em fevereiro, até o mês de maio já foram apli-cadas 151 multas, segundo a Secretaria de Cooperação nos Assuntos de Segurança Pública da Prefeitura. Per-tencente à região do Ouro Verde, o bairro Jardim Pla-nalto de Viracopos é local com maior incidência, com um total de 16 autuações até o momento. Outras regiões com registro de ocorrências foram o Taquaral, o Campo Grande, o Parque Oziel e o Centro.

Além da multa, quem desrespeita a lei com o veí-culo estacionado terá o carro apreendido e o proprietário arcará com eventuais despe-sas relacionadas à remoção e estadia do automóvel no pá-tio municipal. Para aqueles que cometem a infração com o veículo em movimento são aplicadas as normas do Có-digo de Trânsito Brasileiro (CTB). Até então, os postos de gasolina eram os princi-pais pontos de parada de car-ros com música alta. Esses estabelecimentos seguem as normas determinadas para esse tipo de área.

Para o torneiro mecâni-co Rodrigo Costa, a “Lei do Pancadão” é rigorosa demais. “Sempre vai exis-tir gente que utiliza inade-quadamente o aparelho de som, mas de 45 a 60 deci-béis é quase o mesmo que duas pessoas conversando na rua. Sem falar que o som original do veículo já chega a isso.” Ele ainda participa de um abaixo-assinado para regulamentação do som automotivo. “A proposta é mostrar que é um lazer e não uma marginalidade. A gente gosta de escutar uma músi-

Infográfico: Julio Joly

ca, jogar conversa fora, mas estão criminalizando por causa de alguns indivíduos que não sabem respeitar.”

Para a aposentada Maria de Lourdes, moradora da Vila Esmeralda, a lei chegou em boa hora. “Depois que começou, diminuiu bastan-te, mas antes era um inferno. Nos finais de semana minha casa chegava a vibrar com o

barulho do som.”

FiscalizaçãoAs autuações são feitas du-rante o patrulhamento ou por meio de denúncias rea-lizadas pelo número 156 da prefeitura, ou pelo 153 da Guarda Municipal. Desde fevereiro, já houve uma re-dução no número de multas. No primeiro mês de funcio-

namento da lei, foram apli-cados um terço do total de autuações.

De acordo com a Secre-taria de Cooperação nos As-suntos de Segurança Públi-ca, também existem outras formas de fiscalização que são operações conjuntas re-alizadas com outros órgãos como Polícias Militar e Ci-vil, Empresa Municipal de

Desenvolvimento de Cam-pinas (Emdec), Serviços Técnicos Gerais (Setec), Secretaria Municipal de Ur-banismo (Semurb), Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e a Vara da Infância e Juventude. Es-sas operações são feitas em pontos específicos da cida-de, onde há maior concen-tração de pessoas.

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4 08 de junho de 2015Especial

Você já parou para pensar a qualidade da

água que bebe? Uma pes-quisa concluída em abril desse ano no Instituto de Química Ambiental da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), constatou que os métodos de tratamento utilizados no sistema de saneamento básico brasileiro não são eficientes para remover contaminantes que não aparecem na legislação, os chamados emergentes.

O resultado está na tese de doutorado de Igor Car-doso Pescara (leia entre-vista na página ao lado), com a orientação do pro-fessor Wilson Jardim. “Os contaminantes emergentes são compostos que recen-temente foram detecta-dos no ambiente, pouco se sabe sobre suas rotas e seus efeitos nos seres vivos”, afirma o autor da pesquisa. De acordo com ele, os hormônios testos-terona e progesterona são exemplos de contaminan-tes emergentes. Apesar das várias opções de con-sumo – torneira, galões, garrafas e purificadores -, a pesquisa de Pescara de-monstrou que uma água “completamente livre de contaminantes é imprová-vel de se encontrar”.

Sabendo disso, você está preocupado com a água que consome? O lí-quido analisado na pes-

Betina Mantoan Raíssa Zogbi

Água: muito além dos contaminantesPesquisa mostra que, além do que está na legislação, água pode ter outras substâncias prejudiciais

quisa foi coletado em cinco estações das conces-sionárias de água e esgo-to de Campinas (Sanasa) e São José do Rio Preto (Semae). É essa água que chega às torneiras.

Segundo a professora do Instituto de Biologia da Unicamp Regina Mau-ra Bueno Franco, no pro-cesso de tratamento con-vencional da água, ocorre a remoção de partículas suspensas que conferem turbidez e de organismos patogênicos, como as bactérias. “Os vírus e os protozoários de veicula-ção hídrica, muitos deles causadores de diarreia no ser humano, são mais re-sistentes à cloração que as bactérias e podem chegar à água final, se houver fa-lhas no processo”, explica a professora.

Novos processos de tratamentos vêm sendo discutidos para melhorar a qualidade dessa água, já que os purificadores e filtros instalados nas ca-sas não a tratam, apenas reduzem a quantidade de cloro e retêm partículas e micro-organismos menos resistentes. “Não há in-formações sobre o índice de remoção de patógenos, por exemplo, que o produ-to alcança”, diz Regina.

GalõesApesar de conter uma sé-rie de recomendações para se manter a qualidade, o

uso dos galões de água mineral é visto como boa alternativa para o con-sumo seguro. Segundo a professora Regina, as pes-soas acreditam que a água mineral é mais segura do ponto de vista microbio-lógico. Em uma distribui-dora no distrito de Sousas, por exemplo, a venda su-biu no último ano, em mé-dia, de 60 para 100 galões por dia, de acordo com a proprietária Roseane Fon-seca.

O problema é que, tan-to as distribuidoras quanto os próprios consumido-res, nem sempre seguem o processo adequado de armazenamento e distri-buição. “Até na nossa casa devemos ter cuidado em

relação ao local em que dispomos o galão de água, já que a incidência de luz solar pode gerar a prolife-ração de algas e micro-or-ganismos”, afirma Regina.

O baixo capital de in-vestimento contribui para a abertura de pequenas distribuidoras nos bairros, o que pode comprometer a qualidade da água engar-rafada. A professora aler-ta que “os distribuidores, muitas vezes, não garan-tem condições adequadas de higiene e proteção con-tra insetos ou roedores. É frequente o armazenamen-to de galões no chão, so-bre papelões e pallets, sem qualquer isolamento”.

Os galões têm prazo de validade de três anos após

a data de fabricação. Já a água deve ser consumida entre 10 e 15 dias depois de aberto. Enquanto esti-ver lacrado, o líquido para ser ingerido em até três meses.

InmetroO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) di-vulgou em 2005 uma aná-lise de 19 purificadores que funcionam por gravi-dade e por pressão. Deles, apenas dois apresentaram o desempenho desejado, no caso, a eliminação de bactérias. Além disso, foi constatado que dez dessas marcas continham infor-mações enganosas ao con-sumidor.

Infográfico: Raíssa Z

ogbi

Galões de água parecem ser a opção mais indicada para garantir a qualidade, mas há normas a seguir para que o líquido não seja contaminado

Foto: Raíssa Z

ogbi

Page 5: Saiba+ - Edição Junho de 2015

08 de junho de 2015

Em entrevista ao Saiba +, o químico Igor Cardoso Pescara falou da con-

clusão da sua tese de douto-rado, que diz que os métodos de tratamento utilizados no sistema de saneamento bá-sico brasileiro são eficientes para remover contaminan-tes clássicos, mas não para remover os contaminantes emergentes, ou seja, aqueles que ainda não aparecem na legislação. O trabalho foi de-senvolvido no Laboratório de Química Ambiental da Uni-

508 de junho de 2015 Especial

Contaminantes clássicos são aqueles sobre os quais já se tem informações, tanto sobre seu comportamento no ambiente quanto sobre os efeitos que podem causar à saúde humana e à vida selvagem, podendo então ser legislados. Já os conta-minantes emergentes são compostos que recentemente fo-ram detectados no ambiente, pouco se sabe sobre suas rotas e seus efeitos nos seres vivos, além de não serem contem-plados pela legislação. Eu avaliei 16 contaminantes emer-gentes, mas nenhum contaminante clássico. Os resultados que eu obtive apontam que os tratamentos convencionais de água e esgoto podem remover parcialmente os contaminan-tes que monitorei.

Quando um composto apresenta algum efeito nocivo à vida selvagem ou à saúde humana, é necessário que seja esta-belecido um valor limite de concentração desse composto, para assegurar a manutenção da vida. Após o estabeleci-mento de uma dosagem segura do composto, elabora-se um instrumento legal (lei, decreto, portaria, etc.). Para águas su-perficiais, por exemplo, existe a resolução nº 357 de 2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que define os valores máximos permitidos de uma série de compostos, para cada classe de água superficial de acordo com o seu uso. Para água de abastecimento, existe a portaria nº 2914 de 2011 do ministério da saúde. Esta legislação deve ser res-peitada pelas concessionárias de água.

versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), sob a orien-tação do professor Dr. Wilson Jardim, em parceria com as concessionárias de água e esgoto de Campinas (Sana-sa) e São José do Rio Preto (SeMAE). Para o município de Campinas, foram selecio-nadas uma estação de trata-mento de água (ETA) e quatro estações de tratamento de esgoto (ETE). Já em São José do Rio Preto, foram coletadas amostras nas únicas estações de tratamento do município.

Em sua pesquisa, foi constatado que o sistema de saneamento básico brasileiro é capaz de re-mover os contaminantes clássicos, mas não os emergentes. O que são contaminantes clássi-cos e emergentes?

O que significa ser contaminante legislado?

Os contaminantes emergentes podem cau-sar danos à saúde? Quais?

Sim. Mas primeiro é necessário entender que o termo “con-taminantes emergentes” abrange inúmeras classes de com-postos. Com exceção da cafeína, todos os compostos com que trabalhei são classificados como interferentes endócri-nos. Isso significa que eles podem ser reconhecidos como hormônios naturais pelos receptores celulares ou até mes-mo bloquear esses receptores. Logo, o funcionamento do sistema hormonal é prejudicado. Em peixes, por exemplo, podem provocar a feminilização dos machos. Em seres hu-manos, contribuir para o desenvolvimento de câncer de ová-rio, mama, próstata, redução da quantidade de espermato-zoides, antecipação da menarca, entre outros problemas relacionados com o ciclo hormonal.

Essa água em que foram encontrados os con-taminantes está disponível à população? Ela chega à torneira, aos galões ou garrafas?

Sim. A água coletada para a pesquisa, no final do tratamen-to, é aquela enviada para a rede de abastecimento de água, consequentemente chegando às torneiras. Outro ponto im-portante é que, devido às baixas concentrações dos compos-tos nas amostras, não se observa um efeito agudo, sendo a maior preocupação a exposição crônica (baixas concentra-ções dos contaminantes por longos períodos).

Em sua opinião, qual a água mais segura para a população ingerir?

Existem pessoas que possuem sistemas complexos instala-dos em suas residências para tratar a água fornecida pelas concessionárias de água, na tentativa de minimizar cada vez mais o problema. Outro aspecto a ser considerado é a própria rede doméstica, pois a responsabilidade da con-cessionária de água é garantir a qualidade até o hidrôme-tro. Até o presente momento não se chegou a um consen-so sobre os limites seguros para os compostos avaliados. Precisamos pressionar o governo para que sejam estabe-lecidos valores mais restritivos para os contaminantes na

Igor Pescara defendeu

doutorado na Unicamp

Até o armazena-mento e o transporte da água podem

Foto: Raíssa Z

ogbi

Page 6: Saiba+ - Edição Junho de 2015

6 Tecnologia

“Tenho celular, logo existo”Repórter conta como descobriu pertencer ao grupo diagnosticado com “nomofobia”

Gabriela Gimenes

E lá estava eu, dei-tada debaixo das cobertas, abra-

çando o travesseiro com a sensação de que não existia mais. Meus olhos estavam inchados devido à crise de choro durante o dia e ouvia a televisão ligada no “Al-tas Horas”, mas não absor-via nenhuma informação. De repente, a campainha tocou e, em um pulo só, me levantei da cama. Abri a porta e lá estava ele, o verdadeiro amor da minha vida: meu celular!

Você provavelmente não entendeu o primei-ro parágrafo deste texto,

mas já vou explicar. No dia 10 de maio, no fim do domingo, estava como de costume assistindo ao “Fantástico” quando uma reportagem chamou mi-nha atenção. O assunto era “Nomofobia”, que sig-nifica “no mobile fobia”, ou seja, a fobia ou sensa-ção de angústia que surge quando se está impossi-bilitado de comunicação pelo celular. Brinquei com meus amigos no grupo do Whatsaap que eu tinha esse medo. Mesmo não acreditando muito, alguns riram, outros se identifica-ram e muitos concordaram comigo, mas o assunto

acabou por aí.Na segunda-feira,

estava sem pauta na aula de Jornalismo Aplicado e, então, o professor Fabiano Ormaneze me lem-

brou dessa nova fobia descoberta... Propôs que

eu ficasse um dia inteiro sem meu celular e escre-

vesse so-bre a expe-

riência. To p e i . F i c o u d e c i d i -

do que a experiência

seria no sába-do seguinte, 16 de maio.

Q u a n d o o dia foi se aproximan-do, uma an-gústia tomou conta de mim: como poderia ir para a festa e deixar para

trás o snapchat, aplicativo usado

para enviar fotos? Como iria combi-

nar os detalhes com as minhas amigas? E, principalmente, como poderia ficar o dia todo sem falar com aquele novo pa-quera que não estaria na festa? Desisti, esse

realmente não seria um dia propício para me desconectar.

Passei a semana seguinte inteira afirmando para

mim mesma que não po-deria ficar sem o celular por conta do trabalho, en-tão o desafio teria que ser no próximo fim de sema-na, sábado, 23 de maio. Na sexta-feira, antes de sair para uma festa, por volta das 23h, passei na minha vizinha e expliquei o desafio, entregando a ela meu “bebê” e pedindo que só me devolvesse a zero hora do dia seguinte.

Cheguei à festa e pen-sei em mandar um snap com as amigas, mas não pude... Então, foquei meus pensamentos em aproveitar a balada. Entre um copo de vodka e uma dança, passava por minha cabeça se alguém estava tentando falar comigo, ou melhor, se o fulano estaria... “Não, não está. Foca na banda, aprovei-ta a festa, Gabriela”, eu falava para mim mesma. Era o que eu repetia na minha cabeça e precisei repetir muitas e muitas vezes, além de atormentar as pessoas querendo saber que horas eram, já que, sem meu celular, nem essa informação eu tinha.

Alguém me avisou que era hora de ir embo-ra. Cheguei em casa tão cansada que só pensava em dormir. Quando abri os olhos, o sol entrava pe-las frestas da janela e já iluminava toda a kitnet, devia ser quase tarde. Pas-sei a mão por debaixo do travesseiro e não o encon-trei. Por alguns segundos, ainda sonolenta, o deses-pero tomou conta de mim, até que lembrei que ele estava com a vizinha.

Decidi levantar, liguei a televisão em que pas-sava o “Globo Esporte” e, então, decidi que era hora de preparar o almo-ço. Pensei em ligar para minha mãe e contar as no-vidades da festa: voltei à cama para procurar o ce-lular até que, novamente, caiu a ficha de que não estava comigo. Não con-segui entender qual era o problema da minha me-mória.

Depois do almoço, voltei para a cama e foi aí que tudo ficou mais difí-

cil. Quando percebi, esta-va no meio de uma crise de choro sem um motivo aparente, só um vazio enorme tomava conta de mim, como se eu estives-se sozinha nesse mundo. Desisti, sai pela porta e toquei a campainha da kitnet ao lado: precisava voltar à vida, mas nin-guém atendeu a porta.

Voltei, ainda aos pran-tos, para minha casa e decidi tomar um banho e voltar a dormir. Entre o banho e finalmente con-seguir cair no sono, fiquei imaginando tudo que po-deria estar acontecendo no mundo conectado. Minhas amigas poderiam ter conseguido nome na lista daquela balada, mas jamais conseguiriam me avisar, ou, com certeza, aquele moço bonito da festa queria me ver.

Dormi e, por incrível que pareça, não tive ne-nhum sonho com meu celular, pelo menos tive paz nessa parte do dia. Quando acordei, já pas-sava a novela das sete e, então, decidi que devia jantar. Comi e voltei para cama, mas ainda tinha muito tempo para que eu pudesse voltar ao mundo. Decidi organizar algumas coisas. Comecei pelo meu

armário e, no meio da arrumação, achei cartas de amigos de quando me mudei para Campinas, há três anos. Onde está o ce-lular quando precisamos dele? Precisava mostrar para as pessoas que ain-da guardava com carinho tudo aquilo. Separei para fotografar quando eu esti-vesse novamente viva.

Voltei para frente da TV, assisti ao “JN”, “Ba-bilônia” e queria morrer quando começou “Zorra”. Preferi ficar quietinha de baixo das cobertas pen-sando na vida em estado de espera até que a cam-painha tocasse. Finalmen-te, tocou. Mal falei com a minha vizinha, muito menos a agradeci pelo favor, afinal que maldito favor, só tomei o telefo-ne da mão dela e voltei para dentro da kit. Liguei o celular e esperei ansio-samente tudo se conectar. Quando ele começou a vibrar indicando que as notificações começaram a chegar pude voltar a sor-rir. Sim, ficou comprova-do: igualaos personagens da reportagem do “Fan-tástico”, eu também tenho Nomofobia. Podem me entrevistar na próxima! Já que todo mundo quer sa-ber: ele tinha me ligado.

08 de junho de 2015

Gabriela Gimenes ficou 24 horas

sem celular: fobia

Infográfico: Gabriela G

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Page 7: Saiba+ - Edição Junho de 2015

08 de junho de 2015

Tática do Exército chega às academias Crossfit promete resultados rápidos com exercícios de alto impacto, mas exige cuidados

Juliana Araujo

Nada de alteres de cinco ou dez quilos, muito

menos de sessões de dez fle-xões, seguidas de alguns se-gundos de descanso. Numa aula de crossfit, também não tem espaço para esteira ou bicicleta. Para quem tem fôlego, uma forma de treina-mento típica do Exército tem sido procurada por quem busca rápidos resultados. O número de academias espe-cializadas ou que oferecem o serviço em Campinas já ultrapassa 20 unidades.

Nas aulas, o que tem lu-gar mesmo são saltos por cima de caixas, agachamen-tos com pesos, correr e pu-lar. O auxiliar-geral Phelipe Costa, de 23 anos, procu-

rava por algo que pudesse melhorar o condicionamen-to físico, flexibilidade, agi-lidade e coordenação, tudo de uma vez e com resulta-dos rápidos. “Em uma aula temos o aquecimento, que foca bastante o aeróbio, se-guido de uma série de for-ça, levantamento de peso, agachamento, supino e ou-tros exercícios”, explica. Costa faz crossfit há cinco meses e, sem nunca ter tido qualquer lesão, acredita que tudo depende do instrutor responsável. “Todo tipo de exercício feito sem instru-ção de um profissional se torna perigoso. Você tem que ir de acordo com a sua resistência, respeitar o seu limite e o descanso. Assim,

o tempo vai passando e sua intensidade vai aumentan-do sem risco”.

O fisioterapeuta Ricardo Carneiro alerta que, por ser uma prática bastante exte-nuante, pode levar à fadiga e há risco de traumas. “A carga de treinamento é mui-to excessiva e a pessoa não tem controle tão adequado dessa carga como na muscu-lação. Quem pratica expõe o corpo a um risco maior de lesão”, afirma.

Estudo publicado em 2013, no Journal of Strength and Conditioning Research, mostra que mostra que entre 132 adeptos da modalidade – com 70,5% dos entrevista-dos homens e 29,5% mulhe-res, de idade média entre 19

e 57 anos – 73,5% sofreram algum tipo de lesão, sete precisaram de algum tipo de cirurgia e as lesões mais comuns entre os praticantes são de ombro e coluna.

Carneiro explica que toda lesão tem dois fatores de risco. “O primeiro está no corpo da pessoa: é a for-ça, a flexibilidade, a articu-lação mais resistente, mais elástica ou não. O segundo se refere à intensidade, ao tipo de exercício, ao tempo de recuperação do corpo entre uma pausa e outra, ao ambiente onde a modalida-de é praticada, à temperatu-ra. A lesão aparece da soma desses dois fatores.” Apesar dos riscos e alto

impacto que a atividade

gera, as mulheres também passaram a se interessar. A estudante Mona Caroli-na pratica o crossfit há oito meses com o objetivo de alcançar resultados melho-res do que musculação. “No primeiro mês eu já notei di-ferença tanto no condiciona-mento, quanto no corpo”. O ortopedista Ronaldo

Lopes Cançado afirma que o crossfit não é unanimidade. “Temos correntes distin-tas que são a favor ou con-tra da realização do treino, mas não existe consenso. O que ocorre, de fato, é que a modalidade trabalha em al-tíssima intensidade e exige o máximo do corpo para alcançar uma resposta mais objetiva”, diz.

Câmbio faz crescer viagens pelo BrasilSem poder de compra no Exterior, férias de julho, para muita gente, terá destinos nacionais

Fernanda Flores

Com a desacele-ração da econo-mia, inflação e,

principalmente, a alta do dólar, mudaram os planos dos brasileiros que preten-diam viajar para o Exterior, diferente do que aconteceu em 2014, quando os preços das viagens para Miami ou a Argentina, dois dos desti-nos mais procurados, esta-vam convidativos. A queda no número de turistas que viajam para fora do país foi de 13%, segundo o Minis-tério do Turismo.

Os vendedores senti-ram ainda mais essa que-da. “Pacotes para o Exte-rior diminuíram cerca de 30%”, afirma Sônia Maria Braga Rocha, proprietária de uma agência de turismo. Segundo Sônia, os feriados e as férias escolares já es-tão movimentando o turis-mo pelo Brasil.

A estudante Luisa Puc-ci, que ano passado fez planos para conhecer os Estados Unidos, mudou seu roteiro para o Sul do País. “Se eu fosse para Or-lando, meus gastos seriam triplicados”, diz.

Em relação aos preços dos pacotes, não houve aumento significativo. No entanto, viajar para o Exte-

rior tem ficado muito caro em razão dos custos com compras e com alimenta-ção. Por mais que os preços de produtos como eletrô-nicos, roupas e perfumes, sejam mais baratos por lá, eles perdem a vantagem quando triplicado pelo alto preço da moeda. Há quem diga que os destinos bra-sileiros não se equivalem aos estrangeiros. Era o que pensava Maurício Toledo, advogado que tem o sonho de conhecer um cassino e, para isso, escolheu viajar

para Las Vegas. No entan-to, desistiu assim que viu o valor da viagem. A solu-ção apareceu quando um amigo sugeriu que Toledo fizesse um cruzeiro. “As-sim eu vou poder conhecer um cassino e economizar dinheiro para as apostas”, afirma.

Os cruzeiros são uma ótima alternativa para os viajantes que não abrem mão de umas comprinhas, apostas ou de viajar. Os pacotes para passeios des-se tipo geralmente são “All

inclusive”, ou seja, tem tudo incluso, como aco-modações, alimentação e lazer, o que deixa o pas-seio bem mais barato, de acordo com Sônia. Outra vantagem é de que cassi-nos e “free shops” podem funcionar nos navios. Mes-mo que seja preciso usar o dólar para desfrutá-los, o valor ainda compensa.“Planejar é fundamental”, é o conselho do agente de viagens Douglas Pe-reira para as pessoas que não dispensam a viagem

para o Exterior. Para que a viagem saia do papel, é preciso planejar com, pelo menos, um ano e meio de antecedência. Esse tem-po pode ser usado para parcelar a viagem e poder aproveitar o melhor mo-mento para se comprarem dólares. Outra dica para quem quer economizar ainda mais nos passeios são os sites de turismo ou de compras coletivas, que fazem promoções inacre-ditáveis com preços muito abaixo da média.

7LazerInfográfico: Fernanda Flores

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8 de junho de 2015Mercado editorial

Livros de colorir aquecem vendasLivrarias e papelarias lucram com lápis de cor e exemplares; só em abril foram 230 mil cópias

Rafaela Piai

Livrarias e pape-larias estão ten-do um ano mais

colorido graças aos livros de pintar, febre nos últimos meses. Acostumadas a ter picos de vendas entre de-zembro e janeiro – período da compra do material es-colar – neste ano, esse tipo de comércio enfrentou um primeiro semestre com óti-

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mos resultados. Livros com imagens de florestas, jardins e mandalas venderam cerca de 230 mil exemplares só no mês de abril, segundo a Pu-blishnews, publicação vol-tada ao mercado editorial. A mesma instituição informa que, só na terceira semana de maio, as vendas chega-ram a 100 mil exemplares. Cada um é comercializado

por, em média, R$ 24,90. Para se ter uma ideia do

sucesso, a PublishNews di-vulga semanalmente os 20 títulos mais vendidos pelas grandes livrarias brasileiras. Os títulos “Jardim Secreto” e “Floresta Encantada”, os dois mais vendidos entre os livros de colorir, ambos pu-blicados pela Editora Sex-tante, venderam, em abril, respectivamente, 122 mil e 109 mil. Enquanto isso, os outros 18 mais vendi-dos, juntos, contabilizaram 149 mil. Em seis meses, só o “Jardim Secreto” vendeu mais 750 mil cópias no Bra-sil.

Para as papelarias, o grande negócio do semestre está sendo o comércio de lápis de cor. Todos os anos, enquanto os pais se ajeitam para voltar à rotina de levar os filhos às escolas, as li-vrarias já estão prontas para o pico anual de vendas de dezembro a janeiro. Neste ano, porém, os livros de co-lorir levaram essas lojas a um novo ápice com direito à falta de estoque e vendas cinco vezes maiores. “Está tendo uma procura bastante grande, principalmente da caixa com 48 cores. Antes,

vendíamos apenas quando começavam as aulas, agora já tive que repor o meu esto-que umas três vezes. Quan-to mais diferentes os lápis, como os fluorescentes ou metálicos, maior a procura”, relata João Augusto Santos, proprietário de papelaria.

Vale lembrar que os lápis de 48 cores chegam a custar até quatro vezes mais do que os de 12. Mesmo com a crise econômica, as vendas maio-res devem fechar essa conta e ajudar esses comércios a pintarem de azul o balanço financeiro de 2015.

Vendidos como uma “ar-teterapia”, de fácil acesso e execução, os livros de colo-rir viraram mania nas redes sociais, se esgotando em di-versas livrarias. “A procura por esses livros está enorme. Nós fazemos pilhas com essas obras de manhã, bem cedo, e, na hora do almoço, já está pela metade. No co-meço da tarde, arrumamos tudo novamente, e, no fim do dia, praticamente todos os exemplares estão ven-didos”, conta Joyce Leite, vendedora de uma livraria de Campinas.

A podóloga Marisa Orte-lani diz ser apaixonada por

livraria, e desde que viu a publicação, ficou “louca” para comprar. Ela então ga-nhou o livro de presente no Dia das Mães e, na primeira vez que começou a colorir, adormeceu em cima do li-vro. “Eles relaxam mesmo”.

Para a psicóloga Maria Ângela Nogueira, esses li-vros libertam a capacidade criativa, já que, em geral, a pessoa acaba perdendo o contato com seu lado artís-tico. Além disso, “eles têm essa capacidade de relaxar as pessoas, proporcionando um desligamento do mundo ao seu redor, para que elas fiquem focadas apenas na-quilo”, completa.

Quem aderiu à moda tem opinião semelhante: “Os li-vros de colorir são uma óti-ma opção de relaxamento e, principalmente, de con-centração. Tenho uma vida agitada e muitos déficits de atenção, porque tento fazer mil coisas ao mesmo tempo. Com o livro, tenho um foco, um objetivo, que é terminar a pintura do desenho, colo-car o máximo de detalhes. E, assim, treino minha capaci-dade de concentração”, diz a gerente de banco Viviane Franchi.

Número de e-books cresce 350%Oferta de títulos disponíveis aumentou lucro do setor de R$ 3,8 mi para R$ 12,7 mi no último ano

Juliana Araujo

Os livros digi-tais, chamados e-books, ga-nham espaço

aos poucos. Mesmo que as vendas ainda não sejam su-ficientes para cobrir o inves-timento, o crescimento do setor é eminente. De acordo com a pesquisa de Produção e Venda do Setor Editorial, feita pela Fundação Institu-to de Pesquisas Econômi-cas (Fipe), o faturamento do mercado editorial com os e-books saltou de R$ 3,8 mi-lhões em 2012 para R$ 12,7 milhões em 2013. Os núme-ros são uma estimativa feita a partir de dados fornecidos por 217 editoras, que repre-sentam 72% do mercado. Já segundo pesquisa da Câmara Brasileira do Livro (CBL), as opções digitais cresceram 350% o último ano.

Um dos sócios funda-dor da Kolekto, empresa de produção de e-books, Carlos Vicente, acredita que uma expansão signi-ficativa dos livros digi-tais só ocorrerá quando as editoras entenderem que o modelo de negócio digital é diferente do impresso. Ele cita segmentos que já passaram por essa transfor-mação, como as empresas de passagens aéreas e de turismo. “O setor automo-tivo hoje passa por essa fase, agora com o cliente indo menos à loja. O de televisão enfrenta a mesma coisa, com a popularização das plataformas de conteú-do on demand, como Ne-tflix. O de livros ainda não, mas este dia vai chegar. A venda do livro digital deve ser pensada sempre em um

modelo de venda de causas longas”, afirma Vicente.

Com mais de 400 mil tí-tulos em sua loja, Messias Antônio Coelho é proprietá-rio de uma livraria no centro de São Paulo há 53 anos. O empresário, que não se sen-te intimidado pelas tecnolo-gias, acredita que o mercado de e-books ainda está longe de se estabelecer como prin-cipal modelo. “Grande parte da paixão de ler está no ato de procurar o livro pela es-tante, ter a sensação das fo-lhas nos dedos e poder sentir o peso das palavras em suas mãos”, conta.

No Brasil, já estão dis-poníveis plataformas online da Amazon, Apple, Google e Kobo, que possuem seus próprios leitores digitais (e-readers), acompanhados de um grande catálogo de

obras. As empresas foram responsáveis pela venda de mais de 30 mil e-books no ano passado. A Apple, com sua iBookStore, encabeça as vendas no País: são 18 mil títulos, contra 15,8 mil da Amazon.

Uma das reclamações das empresas do segmento é o sistema tributário bra-sileiro, que recebe a culpa pelos atrasos nos lançamen-tos locais. Livros são isentos de impostos no Brasil e até agora os e-books têm sido tratados da mesma forma, porém, quando se trata de e-readers, há os impostos de importação, que podem che-gar a 60%.

Apesar da grande quan-tidade de pessoas conecta-das atualmente, nem todos estão dispostos para fazer a troca do livro impresso

pelo virtual. É o caso do estudante Lucas Macedo, 23 anos. “Com o livro de papel, a gente pode fazer anotações, rabiscar, ir e voltar de uma folha pra ou-tra muito mais facilmente. Sem contar que parece que a vista cansa quando você pega um livro didático para ler no computador”. Já a enfermeira Josiane Garcia, 29 anos, foi in-fluenciada pela comodida-de. “Se eu estou no metrô, ônibus, em casa, não pre-ciso carregar peso para ler meus livros”. Ela reconhe-ce também desvantagens: “Já paguei R$40 em um livro, era praticamente o preço dele na livraria nor-mal, não sei como o forma-to digital pode ter um custo tão grande quanto um livro convencional”.

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Marisa Ortolani : entre um cliente e outro, usa o tempo para pintar

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798 de junho de 2015 Cotidiano

Campinas tem almoço mais caro de SPPesquisa da Assert mostra que refeição na cidade custa, em média, R$ 28,73; na Capital, R$ 29,57

Bettina Pedroso

Campinas lidera o ranking entre as cidades do Esta-

do de São Paulo mais caras para se fazer uma refeição fora de casa. Atualmente, segundo a Associação das Empresas de Refeição e Alimentação – Convênio para o Trabalhador (As-sert), são gastos, em mé-dia, R$ 28,73 no almoço (com prato principal, bebi-da não alcoólica, sobreme-sa e café). No ano passado, esse valor era de R$ 35,33. Mesmo com a redução de 18%, comer fora em Cam-pinas custa, em média, mais R$ 0,84 por dia do que na capital.

O economista Vinicius Ferrari, professor da Pon-tifícia Universidade Cató-lica de Campinas (PUC-Campinas), explica que a formação de preços depen-de das condições que afe-tam a demanda, quantidade de um bem que os consu-midores desejam comprar, e a oferta, ou seja, número de produto disponível. “A questão é que, em Campi-nas, as pessoas possuem um poder aquisitivo ele-

vado e estão passando por uma mudança de hábito de consumo que é comer em restaurantes. Em São Pau-lo, essa prática já se conso-lidou faz tempo. Com isso, há perspectiva de demanda e gera choques que tendem a elevar os preços.”

A pesquisa da Assert tem abrangência nacional. Os entrevistadores percor-reram 51 municípios, sen-do 21 capitais, distribuídos pelas cinco regiões. Ao todo, levantaram mais de 6 mil preços de pratos pagos pelo trabalhador, de segun-da a sexta-feira, em estabe-lecimentos que trabalham com vale ou tíquete-refei-ção nos sistemas comer-cial, self-service, executi-vo e à la carte. A coleta de dados aconteceu no perío-do de 25 de novembro a 18 de dezembro de 2014.

Campineiros gastam comendo fora, em média, R$574,60 por mês, quase 75% do salário mínimo. O economista Josmar Cappa diz que há possibilidades para compensar a alta da inflação dos preços ali-mentícios, procurando res-

taurantes populares para se alimentar. Um exemplo é o Bom Prato, subsidiado pelo Estado de São Paulo.

Para fugir do alto preço e administrar o orçamento apertado, a estudante Ca-mila Traunmuller, de 22 anos, recebe o vale-refeição de R$ 240,00, o que repre-senta R$12,00 por dia para almoçar. Assim, ela diz que precisa buscar alternativas

para conseguir adminis-trar o dinheiro até o final do mês. “Quando comecei a estagiar, comia só fast-food. Depois de um tempo, meu colesterol aumentou e tive que adquirir hábitos mais saudáveis. Então, pas-sei a frequentar restauran-tes por quilo. Como salada, grelhado e um arrozinho. Levo sempre uma garrafa com suco ou água de casa.

Sobremesa, nunca!”Rafael Ferreira, de 26

anos, trabalha em uma em-presa de produtos médicos e recebe apenas o vale-ali-mentação, no valor de R$ 100,00. Para não compro-meter muito seu salário, o engenheiro químico leva marmita da sua casa ou combina com os colegas de trabalho para fazerem um almoço coletivo.

Apesar de, desde 2013, ser proi-bida a atividade

de ambulantes em canteiros e praças públicas, por uma resolução criada pelo Ser-viços Técnicos Gerais (Se-tec), uma rápida passagem por esses locais comprova que a legislação não é cum-prida e, muitas vezes, pode oferecer até riscos à saúde.

Segundo o diretor téc-nico operacional da Setec, Alexandre do Valle, essa resolução teve que ser cria-da já que as praças estavam perdendo a característica de encontro familiar, mas, mesmo com a nova reso-lução, segundo Valle, 37% de todos os ambulantes de Campinas ainda estão irre-gulares. Nesses casos, são retirados pelos fiscais. Para recuperar os materiais, é preciso pagar 20% do valor apreendido. Em reincidên-

cia, a mercadoria é doada a entidades.

Maria Rosilda Soares, ou a “tia do espetinho”, como é conhecida, próximo ao terminal de ônibus do Shopping Parque D. Pedro, acredita que as retiradas-são injustas. No ponto há 8 anos, ela acha que está na hora de a Prefeitura dar um local para os ambulantes e camelôs, já que, só no úl-timo mês de maio, ela teve seus materiais apreendidos cinco vezes. Segundo ela, “a Prefeitura precisa dar um ponto para nós. Nosso tra-balho é honesto, além daqui ser muito perigoso e não ter nenhuma segurança”.

Outra questão em jogo é a saúde. A fiscalização fica por conta da Setec, em par-ceria com o Departamento de Vigilância Sanitária de Campinas (Devisa), para que seja feita uma inspeção

da qualidade do alimento que está sendo vendido.

Patrícia Moriconi, mé-dica veterinária com espe-cialização em dinâmica da segurança-higiênica e tec-nológica dos alimentos do Devisa, diz que, em caso de má preparação e conserva-ção, é possível que a pessoa tenha infecções ou intoxi-cações alimentares, causan-do vômitos, diarreia, dores abdominais e febre. Mesmo sendo sintomas passagei-ros, podem existir micror-ganismos que causem qua-dros mais graves.

Nikolas Capucci, estu-dante de Design de Games, já passou por isso. "Eu já passei mal várias vezes, mas dependendo muito da situação eu tenho que re-correr a eles, se estou com pressa e fome. Mas não gosto”. Já Rui Alves, por-teiro, diz “sou cismado com

esses alimentos de rua. Eu prefiro preparar o que eu vou comer. E ainda a falta de cuidado com as luvas e dinheiro, não me arrisco".

Patrícia explica que o ideal seria que houvesse apenas uma pessoa para re-

ceber o dinheiro. Caso não tenha, deve ser feita a hi-gienização das mãos após o manuseio do dinheiro. Nos casos de denúncia de falta de higiene, a Setec e a De-visa também fazem a retira-da do ambulante.

Lei para venda de alimentos é desrespeitadaDe acordo com Setec, cerca de 37% dos ambulantes da cidade devem estar irregulares

Flávia Coelho

Foto: Flávia Coelho

Foto: Betiina Pedroso

Alexandre Fernandes em restaurante de Campinas: preço 18% menor que em 2014

Ambulante vende espetinhos próximo ao ponto de ônibus do D. Pedro

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10 8 de junho de 2015Voluntariado

O caminho da solidariedadeReportagem do Saiba+ acompanha trajetória de agasalho da doação à entrega para novo donoGustavo Lorón

Ele é cinza, ta-manho M, 55% algodão e 45%

poliéster. A Campanha do Agasalho de 2015, que uniu pela primeira vez as cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), foi um convite para esse agasalho deixar o canto do armário.

O primeiro passo foi dei-xá-lo em um dos 120 postos de doação espalhados pela cidade, especificamente numa caixa colocada no Parque D. Pedro Shopping. Quando esses locais ficam cheios de roupas, sapatos e cobertores, são levados para um galpão, no Jardim Leonor, na região Sul. Lá, o agente operacional João Henrique Ferreira é o res-ponsável pela triagem.

No galpão da Prefeitura, há muitas caixas empilha-das. “Está assim porque é muita coisa. Não dá tempo de arrumar”, explica Ferrei-ra. Em 2014, foram arreca-dadas 15,7 toneladas de pe-ças de vestuário, conforme o site da Prefeitura de Campi-

nas. A expectativa deste ano é que a campanha, iniciada no dia 09 de maio, atinja montantes maiores, já que agrega outras 18 cidades.

Roupas sujas e rasgadas são descartadas. Ferreira separa as infantis, femini-nas e masculinas em cai-xas separadas. As doações para o público masculino são menos frequentes. Ele palpita: “Mulher consome mais. Homem não. Usa até o fim, até rasgar.”

As roupas selecionadas são encaminhadas para or-ganizações não governa-mentais (ONGs). O agasa-lho cinza deixado na caixa do D. Pedro já teve destino: foi para o Centro POP, no Centro de Campinas. A ins-tituição recebe cerca de 90 pessoas em situação de rua por dia e, além de repassar as doações, oferece banho e comida.

O agasalho foi guarda-do na rouparia. Enquanto esperava por alguém, os atendidos pela ONG se ajeitaram nas cadeiras e

inclinaram para o televi-sor na hora da previsão do tempo. Provavelmente, foi a preocupação com as tem-peraturas mínimas.

Um senhor inquieto cir-culava pelo local. Ia e vinha com pressa nos pés. Seu nome, Amauri Carneiro da

Silva, era o primeiro da lista para ser atendido pelo assistente social.

Após uma consulta, fi-cou resolvido que o aga-salho cinza seria oferecido a ele. Silva, nascido em Araçatuba há 57 anos, en-trou sem jeito dentro da

rouparia. Poucas palavras. Apenas esperou a doação e agradeceu ao posar timida-mente para câmera. Apres-sou-se para guardar seu agasalho junto aos outros pertences e logo desapare-ceu. O Inverno não permite muito papo.

O agente social Marcos Pereira entrega casaco a Amauri Carneiro da Silva

O número de mora-dores de rua em Campinas dimi-

nuiu 12,3% neste ano em relação a 2014 passando de 642 para 563. Desse total, 85% são homens e 15% mu-lheres, de acordo com a Pre-feitura. Para atender a esse contingente, a cidade tem apenas 220 vagas em sete pontos de acolhimento.

De acordo com Leonardo Duart Bastos, psicólogo e coordenador do abrigo An-tônio Fernando dos Santos, que atende parte dessa po-

Abrigos atendem só metade dos sem-teto Campinas tem 563 moradores de rua, mas apenas 220 vagas em entidades assistenciais

Jaíce Crispulação, esse número pode variar, principalmente, pelo fato de que a última conta-gem foi feita em dia de chu-va. A reportagem do Saiba+ entrou em contato com a Se-cretaria de Assistência So-cial da cidade para ter acesso ao relatório e a metodologia empregada para a contagem, mas não obteve retorno.

Os pontos de acolhimento funcionam 24 horas por dia e se dividem em três tipos: as casas de passagem, que ofe-recem um abrigo mais curto, de três a seis meses; os que

podem se estender até um ano; e as repúblicas, que ofe-recem mais independência, com até um ano de estada. A coordenadora do programa de proteção social especial para a população de rua e idosos Cátia Rose Gonçalves diz que “a maioria das pesso-as que vai para os abrigos é abordada por assistentes so-ciais nas ruas”. Esses abrigos, de acordo com Duart Bastos, buscam “oferecer um espaço protegido que potencialize a construção de um novo pro-jeto de vida fora das ruas”.

Carlos Roberto Rodri-gues, de 50 anos, o Carlão, órfão desde os 5 anos de idade, está na rua há mais de 25 anos e na cadeira de rodas desde 1985, depois de ter levado um tiro. Ele mora em uma casa que foi fechada pela Prefeitura e sobrevive da sua aposentadoria. De acordo com Cátia Rose, entre os lo-cais que atendem moradores de rua, existe uma residência inclusiva, também transitó-ria, para quem possui alguma

deficiência física, que tem capacidade para dez pesso-as.

Carlão diz que a assistên-cia social é falha, pois “eles falam que existem apenas 500 e poucos moradores de rua na cidade. Eles tão lou-cos? Existe muito mais!”. Todos os ambientes, contam com 18 a 20 funcionários, entre psicólogo, faxineira, cozinheira e assistentes so-ciais. Segundo Duart Bastos, na maioria dos casos, essas pessoas começam a traba-lhar, “tanto é que durante o dia, poucos ficam por lá”. Além disso, depois que saem conseguem constituir famí-lia, ou até mesmo voltam a morar com os parentes.

VoluntariadoO déficit em abrigos faz com que muita gente ainda passe as noites pelas ruas, principalmente, no Centro. Para auxiliá-las e garantir o mínimo de condições, vo-luntários se mobilizam para levar comida e cobertores.

Um desses projetos é o Tive Fome, que reúne pessoas que vão às ruas para distribuir pães toda sexta-feira, a partir das 21h30. Além disso, re-colhe doações para entregar a famílias carentes durante a semana.

David Soares é o criador do projeto. Ele convidou al-guns amigos e decidiram que, semanalmente, estariam nas ruas para ajudar. Hoje, 60 pessoas já fazem parte do grupo. Os pães e o leite com achocolatado entregues aos moradores de rua vêm de do-ações ou, então, os próprios integrantes do grupo rateiam os custos.

Numa das sextas-feiras de voluntariado, o grupo de Soares cruzou, no Centro da cidade, com Jacson Souza, de 16 anos, e seus amigos. De bicicleta, os adolescentes doavam agasalhos e coberto-res. Para poder ajudar, ele or-ganiza campanhas na escola, no trabalho e no bairro Nova América, região Sul de Cam-pinas, em que ele mora.

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Foto: Gustavo L

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Para Carlos Rodrigues, a “assistência social é falha”

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118 de junho de 2015 Cultura

No ano em que c o m p l e t a r i a 85 anos, Hilda

Hilst terá seu acervo reorga-nizado na Casa do Sol, onde a poeta, ficcionista, cronista e dramaturga viveu a maior parte de sua vida, no Parque Xangrilá, em Campinas. Com verba de R$ 800 mil, cedida pelo Banco Itaú, o legado escrito e fotográfico da escritora será catalogado e arquivado em espaço com as condições ideais de pre-servação.

O acervo vai ser dispo-nibilizado online e gratui-tamente em um site “ga-mificado”, com interface interativa. Além da bibliote-ca, cartas, manuscritos, fo-tos, vídeos e áudios estarão disponíveis. As visitas serão gratuitas.

A casa da escritora, que morreu em 2004, foi um lo-cal de efervescência cultural

Hilda Hilst terá acervo reorganizadoSe estivesse viva, a autora completaria 85 anos; centro cultural receberá R$ 800 mil

Victoria Monti

e dedicado à criação artísti-ca desde que foi construída, em 1965. Por lá, passaram grandes nomes da literatu-ra brasileira, como o escri-tor Caio Fernando Abreu (1948-1996).

Vermelha e retangular, a casa, com amplo quintal, foi transformada na sede do Instituto Hilda Hilst em 2015. Desde então, é coor-denado por uma equipe li-derada por Daniel Fuentes, produtor cultural presidente do Instituto, e sua mãe, a ar-tista plástica Olga Bilenky. Os dois herdaram a casa e lutam pela sua preservação.

Os 800 metros quadra-dos de área construída re-presentam cerca de 10% da área total da propriedade, que é cercada por um jar-dim farto, a figueira mística e dez cachorros, que transi-tam livremente entre caixas de papelão, o portão, pol-

tronas de couro espalhadas ao redor do pátio central e o banco de madeira da co-zinha.

Atualmente, a equipe do instituto trabalha na organi-zação de todas as peças de Hilda que estavam na ex-posição “Ocupação Hilda Hilst” no Itaú Cultural, em São Paulo, entre fevereiro e abril deste ano. O objetivo é unificar e catalogar livros, textos, fotos e cartas da au-tora.

A artista plástica Olga Bilenky, amiga de Hilda e moradora da casa desde 1976, realça a importância de reunir o legado da autora: “Os livros da Hilda são tão importantes porque neles você encontra a gênese da obra dela. Todos estão grifa-dos, tem anotações, pensa-mentos dela. É uma maneira de manter ela viva.”

Parte do acervo está na

Biblioteca da Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp).Entretanto, muitos li-vros estão espalhados Brasil afora, como afirma Fuentes: “A Hilda era uma pessoa muito acolhedora e que gostava de dar presentes. Então, tem muitos amigos dela que tem um acervo ri-quíssimo em termos de qua-lidade, mas não em quanti-dade. O que nós queremos fazer não é recolher esses

livros e trazer pra cá, mas sim catalogá-los e, quem sabe, digitalizar. Assim, os pesquisadores da Hilda po-dem localizar facilmente as obras”.

Com as obras finaliza-das, a Casa do Sol voltará a receber vivências artísticas a partir de julho. Dentre os planos, o Instituto planeja retomar as apresentações de teatro e realizar festas e shows no jardim.

Nasceu em Jaú, São Paulo, no dia 21 de Abril de 1930. Em 1948, entrou para a Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), formando-se em 1952. Em 1966, mudou-se para a Casa do Sol, onde morreu em feverei-

Hilda Hilst

ro de 2004. Participou, a partir de 1982, do Programa do Artista Residente, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).Seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Ale-xandre Eulálio, Instituto de Estudos de

linguagem, IEL, UNICAMP, em 1995, estando aberto a pesquisadores do mundo inteiro.Alguns de seus textos foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Em março de 1997, seus textos “Com os meus olhos de cão” e “A obscena senhora D” foram publi-cados pela Ed. Gallimard, tradução de Mary-vonne Lapouge, que também traduziu “Gran-de Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.

LIVROSNos últimos dois anos, a venda de livros da

autora aumentou em 200%, de acordo com Fuentes. “Antes mal dava para pagar a con-ta de luz, hoje já é um dinheiro que ajuda em outras despesas da casa”. O produtor acre-dita que o público jovem se identifica com a escrita de Hilda. De acordo com ele, a autora teria antecipado uma leitura não linear. Fuen-tes afirma que mais obras da autora serão lan-çadas. “Por baixo, com quantidade de coisas que tem aqui, vamos conseguir publicar mais uns dois livros”.

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12 08 de junho de 2015Entrevista

Luana Freire

Redução da maioridade: a favor ou contra?Defensora pública e promotor defendem seus pontos de vista

Como você vê a redução da maioridade penal para 16 anos?

Eu sou contra. Tirar a pessoa da liberdade não contribui para a inserção social e sim para sua marginalização. A privação da li-berdade é um paradigma equivo-cado. Essa situação não melhora a diminuição da criminalidade, pelo contrário, só aumenta. É importante dizer que o que o adolescente cumpre não é pena e que esse problema é muito mais social do que real.

A reincidência em presídios é muito maior que na Fundação Casa. Reduzir a maioridade pe-nal não incentiva os adolescen-tes a cada vez mais se profissio-nalizar no crime?

Sim. Os índices de reincidência dos menores ainda são menores do que os adultos, isso é mui-to importante ressaltar. Colocar esses jovens nas penitenciárias significa aumentar os índices de reincidência. Se os índices já estão ruins, com a redução da maioridade só vai piorar e não curar. A gente tem que marte-lar muito nesse dado. Sem dú-vida nenhuma, a violência com os jovens também vai acontecer e continuar crescendo com eles nas penitenciárias. A redução da maioridade penal é vista por boa parte dos brasi-leiros e da classe política como uma das soluções para a violên-cia. A senhora concorda? O que é a redução da maioridade penal? É a política do espetácu-

lo, é isso que os políticos fazem atualmente, é falta de seriedade, não tem outro jeito de caracteri-zar ou explicar isso. A gente tem usado o Direito Penal no nosso País como uma desculpa, verda-deira escusa, justificativa para o não desenvolvimento das polí-ticas públicas e não desenvolvi-mento da segurança. Você en-frenta o problema da segurança com política pública, fortaleci-mento da polícia, mais inteligên-cia nas investigações, controle das fronteiras para que não en-trem drogas. Enfim, uma série de políticas, não estou só falando da educação.

Um dos problemas nas peni-tenciárias do estado é a super-lotação. Esses presídios estão preparados para receber os me-nores?

Lógico que não, os presídios e Centros de Detenções Provisó-rios (CDPs) estão extremamen-te lotados. A cada dia que pas-sa, as prisões se tornam mais sistemáticas, mantendo o país como a 4º maior população car-cerária no mundo. “Não é ne-cessário prender mais, porém, prender melhor, prender os grandes” para a gente começar a mexer nos nós da segurança pública do País. A gente só tem prendido pé de chinelo que não muda nada o número de tráfico, não muda em nada o número de tráfico de armas, o número de homicídios, latrocínios e rou-bos. A gente só está prendendo aquela pessoa que não está afe-tando a sociedade em termos de insegurança.

Como você vê a redução da maioridade penal para 16 anos?

Sou favorável, não como forma milagrosa para a solução da crimi-nalidade no Brasil. A solução para a criminalidade somente pode ser dada por meio de um conjun-to de medidas e investimentos nas políticas públicas primárias (saúde, educação, saneamento básico, instrumentos urbanísti-cos de cidadania, etc). Defendo a redução por uma questão de absoluta justiça. O adolescente hoje tem plena consciência de que está praticando crime, mas, ciente de sua impunidade, não se preocupa com as consequências. Se pode matar, roubar, estuprar, praticar roubos e latrocínios, por que não pode responder por seus atos? Por que 16 anos? As nossas estatísticas indicam que o ado-lescente ingressa na criminalida-de violenta a partir dessa idade. Antes disso, os atos infracionais são, como regra, praticados sem violência à pessoa. A reincidência em presídios é muito maior que na Fundação Casa. Reduzir a maioridade pe-nal, não incentiva os adolescen-tes a cada vez mais se profissio-nalizar no crime?

Não há no Brasil nenhuma pes-quisa séria sobre a reincidência na área dos adolescentes. Os núme-ros da Fundação Casa são menti-rosos, por uma simples razão: o adolescente entra aos 16 ou 17 anos e sai de lá já como maior. Se ele reincidir, não entrará nas estatísticas da Fundação, mas como primário na área criminal.

Um levantamento que fizemos, sem qualquer caráter científico, com um grupo muito pequeno, mostrou que, dos jovens de 18 a 20 anos, presos pela primeira vez na área criminal comum, mais de 80% tiveram alguma passagem pelo sistema da justiça da infân-cia e da juventude. Isso nos dá um indicativo de que a reincidên-cia é muito maior. A chance de se profissionalizar no crime é muito maior quando o cidadão ingressa no sistema prisional ou na Funda-ção Casa e sai de lá em seis me-ses. Quando ingressa no sistema carcerário e fica uns 10 anos, não se profissionaliza. Quanto maior a pena, menor é o índice de rein-cidência.

A redução da maioridade penal é vista como prioridade para se-gurança pública e vista por boa parte dos brasileiros e da classe política como uma das soluções para a violência no país. O se-nhor concorda?

Não, mas é efetivamente uma contribuição. Os adolescentes têm consciência do ato e da fal-ta de punição e isso os encoraja a praticar os crimes. Só para se ter uma ideia, recebia adolescentes que me perguntavam em qual vara o processo deles estava. Por quê? Simples: eles já sabiam até os posicionamentos dos juízes das varas da infância e juventu-de. O adolescente sabendo que a responsabilidade deles será do Código Penal e que poderá pegar 12 anos de cadeia e não apenas uns nove meses de internação, certamente, pensará melhor an-tes de tirar a vida de alguém.

A defensora pública Juliana Belloque, que atua no tribunal do júri e in-tegra o Núcleo Especializado de Situação Carcerária, acredita que a

redução, ao contrário do que pensam os defensores, só contribuiria para a marginalidade no Brasil.

O promotor Thales Cezar de Oliveira, da 2ª Vara da Infância e da Juven-tude, de São Paulo defende a redução da maioridade penal. Para ele,

o adolescente tem plena consciência de que está praticando um crime, mas a impunidade não o faz se preocupar com as consequências.

Fotos:Divulgação