Revista SescTV - Janeiro de 2014

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Janeiro/2014 - edição 82 sesctv.org.br MÚSICA JORGE MAUTNER CONVIDA GILBERTO GIL ARTES VISUAIS O POP NO GRAFITE E NAS GRAVURAS DE ALEX VALLAURI INSTRUMENTAL O MAR COMO INSPIRAÇÃO NA OBRA DE DORI CAYMMI

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Entrevista o jornalista, professor universitário e pesquisador Claudio Júlio Tognolli

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Janeiro/2014 - edição 82sesctv.org.br

MúsicaJorge Mautner convida gilberto gil

artes visuaiso pop no grafite e nas

gravuras de alex vallauri

instruMentalo Mar coMo inspiração na obra de dori cayMMi

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sesctv.org.br/sesctv @sesctv /sesctv

Simulacrum Praecipitii – A Visão do Abismo

o cotidiano dos dependentes de crack

direção: Humberto Bassaneli

25/1, às 20h

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CAPA: Musical Jorge Mautner convida Gilberto Gil. Foto: Marco Antônio

destaques da prograMação 4

entrevista - Claudio Júlio Tognolli 8

artigo - Heloisa Buarque de Almeida 10

Existe uma generosidade inerente à arte; um doar-se, mostrar-se e colocar-se à disposição. Ao criar, o artista propõe sua interpretação sobre o mundo, elaborando, nas mais diversas linguagens, suas experiências de vida e suas expectativas, paixões e angústias. Estabelece, assim, com seu público um diálogo e uma busca por interlocutores. Em algumas ocasiões, esse exercício permanente resulta em parcerias. Assim aconteceu com os músicos Jorge Mautner e Gilberto Gil, cujo primeiro encontro, na década de 1960, não ocorreu em solo brasileiro, mas na Inglaterra, onde ambos viviam exilados. A identificação inicial tornou-se empatia e daí parceria e amizade, compartilhada em visões de mundo e em gratidão mútua.

A celebração, no palco, desta amizade que já soma mais de quatro décadas é mostrada no musical Jorge Mautner convida Gilberto Gil, que o SescTV exibe neste mês. Gravado no Sesc Pompeia, o show é a consagração desse encontro de talentos, num momento em que eles relembram sua trajetória e falam sobre a condição humana, a vida e a morte.

A música também sempre esteve na rotina de Dori Caymmi, que neste mês apresenta versões instrumentais de composições suas e de seu pai, Dorival Caymmi, no Instrumental Sesc Brasil. Nas Artes Visuais, destaque para a obra do gravurista e grafiteiro Alex Vallauri, cuja trajetória é contada em dois episódios inéditos.

A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com o jornalista e professor Claudio Júlio Tognolli, que fala sobre mídia e tecnologia. O artigo da antropóloga Heloisa Buarque de Almeida aborda a TV e as relações sociais. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc São Paulo

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Jorge Mautner convida gilberto gilDia 1º/1, às 22hReapresentações: dia 4/1, às 19h; 5/1, às 24h

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Desde os tempos de exílio

Foi em Londres, durante o período de exílio imposto pelo regime militar brasileiro, que aconteceu o primeiro encontro entre os músicos Jorge Mautner e Gilberto Gil. “Havia uma comunidade brasileira quase toda ela formada por autoexilados, alguns exilados formalmente, como eu e o Caetano; eram artistas, intelectuais, gente de cinema, de teatro, de música. Portanto, uma comunidade muito espiritualizada nesse sentido, vivendo sob a égide das linguagens múl-tiplas, das expressividades variadas. E Mautner com essa verve, essa origem, esse campo de compreensão da existência, caiu como um anjo do céu ali naquele ambiente, e logo conquistou a todos nós”, lembra Gil.

A identificação foi imediata. “O que ele trazia de novo eram as vivências nova-iorquinas, os diálogos interessantíssimos que ele havia estabelecido com intelectuais de vanguarda nos Estados Unidos, com militantes do movimento negro”, recorda Gil. Dentre as conversas e trocas musicais, eles sonhavam com o dia em que poderiam retornar ao País. “Planejávamos sempre voltar ao Brasil com a redemocratização, que de fato aconteceu”, conta Mautner. “Minha carreira devo a Gil e a Caetano, totalmente. Meus irmãos, amigos e aliados todo esse tempo.” Para Gil, além das referências no campo da música, ficaram também os exercícios filosóficos e o aprendizado resultante do interesse de Mautner pela História do mundo, pela contribuição das antigas civilizações e por seu inte-resse em compreender o Brasil. “Mautner se torna um grande mensageiro, pregador, professor. Porque o interesse dele não vem de especulações individu-ais, de devaneios particulares, vem de um profundo

conhecimento da História da humanidade. Nasce daí uma amizade que dura para sempre”, afirma Gil.

Jorge Mautner e Gilberto Gil se encontraram no palco do Sesc Pompeia, em abril de 2013, para um show em que relembram a trajetória de Mautner, gravado pelo SescTV, com direção de Daniel Pereira. No programa, criações de Mautner como Manjar de Reis; Sapo Cururu; Morre-se Assim; e Babá de Babá. O programa traz ainda entrevista com os parceiros, em que falam sobre essa amizade, sobre múltiplas refe-rências culturais – Jorge Mautner também é autor de livros como Deus da Chuva e da Morte e Partido do Kaos – e também sobre a então recente morte do músico Nelson Jacobina, que trabalhou com Mautner por vinte anos, e da mãe de Gil, dona Claudina, aos 99 anos. No palco, acompanham Mautner e Gil: Glad Azevedo, no violão; Bem Gil, na guitarra; Rafael Rocha, na bateria; Bruno Dilullo e Marcelo Cardoso, ambos no baixo.

música

MuSical

prograMa Mostra o encontro, no palco, de Jorge Mautner coM o aMigo gilberto gil

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dori cayMMi apresenta versões instruMentais para coMposições suas e taMbéM de dorival cayMMi e ary barroso

O som do marFO

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Ensaios, arranjos, acordes, a rotina de shows, o violão ocupando espaço de destaque na casa. A música é onipresente na vida de Dori Caymmi: sua mãe, Stella Maris, era cantora de rádio nos anos de 1940; seu pai, Dorival Caymmi, deixou um legado para a música bra-sileira. Seus irmãos, Nana e Danilo, também seguiram o caminho da música. Foi do pai que Dori herdou o fascínio pelo mar. E também o encanto, o medo, o respeito. E a inspiração. “Quando era criança, soube de um menino que morreu afogado. Fiquei pensando que podia ser eu, aquilo me chocou muito. Daí comecei a prestar atenção nas músicas do meu pai e fiquei com essa paixão do mar através dele”, conta.

Cantor, compositor e instrumentista, Dori estudou piano, violão e teoria musical desde criança. Dentre seus mestres está o maestro e multi-instrumentista Moacir Santos. “Moacir era meu professor e foi o primeiro a me mostrar trabalhos, falar de música, de metafísica, ficava sonhando. Era um poeta fantástico, um músico incrível”

Dori também busca na literatura referências para seu trabalho. Integra sua lista de escritores favoritos Jorge Amado, Guimarães Rosa, Mário Palmério. “Essa coisa do Guimarães, esse mato, esse Brasil. Eu vivo um pouco desse encantamento”, diz. Esse universo tipi-camente brasileiro dá o tom de suas composições. “A gente faz música para as coisas bonitas que o Brasil

tem e que deixou no peito da gente, cravado”, afirma o letrista Paulo César Pinheiro, parceiro de Dori Caymmi. “É o caminho do mar, do rio e do mato. É o que ele gosta”, diz Pinheiro.

Além de compor, Dori Caymmi também já fez arranjos para músicos como Tom Jobim, Edu Lobo, Chico Buarque, Nara Leão, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Desde os anos de 1980, vive em Los Angeles, nos EUA, trabalhando ao lado de músicos como o flautista Teco Cardoso. “Há vinte anos a gente faz coisas juntos”, afirma.

Neste mês, o SescTV exibe show inédito com Dori Caymmi na série Instrumental Sesc Brasil. Ele apre-senta versões instrumentais de composições próprias, como Obsession; Jogo de Cintura; Migration; e Chutando Lata; e releituras de canções como Você já foi à Bahia?, de Dorival Caymmi; e Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Dori Caymmi é acompanhado de Itamar Assiere, nos teclados; Jefferson Lescowich, no contrabaixo; Jurim Moreira, na bateria; e Teco Cardoso, nos sopros. Antes da exibição do show, o canal apresenta uma entrevista com Dori Caymmi e seus parceiros Teco Cardoso e Paulo César Pinheiro, na série Passagem de Som. Os dois programas têm direção artística de Max Alvim.

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inSTRuMenTal SeSc BRaSil

Domingos, 21h30 Joana queirozDia 5/1 dori caymmiDia 12/1

trio cerradoDia 19/1

louise WoolleyDia 26/1

Assista também aos bastidores dos shows na série Passagem de Som, domingos, 21h

instrumental

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Rescaldos do vício

as drogas são teMa de dois docuMentários inéditos: Ela Sonhou quE Eu Morri E SiMulacruM PraEciPitii – a ViSão do abiSMo

docuMentário

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ela sonhou que eu MorriDireção: Matias Mariani e Maíra BühlelDia 18/1, às 22h simulacrum praecipitii – a visão do abismoDireção: Humberto BassaneliDia 25/1, às 20h

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Documentário

Lucas, Fernando, Júnior, Talita, Gláucia, Gerson. Eles já não se apresentam usando seus sobrenomes, tampouco enxergam perspectivas de futuro. Vivem apenas no presente e pouco falam sobre suas histó-rias. Emprego, casa, família, filhos, tudo foi consumido, triturado, queimado e fumado, no vício do qual não conseguem escapar. “Minha família desistiu de mim”, relata uma paulistana moradora da região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo. É lá que ela e tantos outros passam dia e noite, intercalando momentos de alienação, provocada pelos efeitos da droga, e outros de lucidez, desilusão e busca de meios para continuar sustentando o próprio vício. “Às vezes que a gente vai usar o crack e que falta a cinza, falta o cigarro e o fogo, eu penso: é Deus que não quer que a gente use. Mas o santo diabo está sempre lá do nosso lado, tentando”, conta outra usuária.

Interessado em retratar o tema e, de certa forma, em encontrar os vestígios de humanidade nos semblantes dessas pessoas, o fotógrafo italiano Alessio Ortu percor-reu os labirintos da Cracolândia paulista. Pedindo per-missão – concedida, muitas vezes, em troca de “cinco contos” – ele registrou os rostos e mãos devastados e ouviu relatos sobre a desoladora e solitária experiên-cia de viver naquelas condições. O trabalho de Alessio foi acompanhado pelo cineasta Humberto Bassaneli e está no curta-metragem documental Simulacrum Pra-ecipitii – A Visão do Abismo, que o SescTV exibe neste mês. Realizado em preto e branco, o filme acompanha os passos do registro fotográfico e revela, em olhares, silêncios e por meio de depoimentos, as histórias de quem convive com as drogas.

Substâncias ilegais que mudam a vida de quem as usa e também de quem se envolve no processo de dis-tribuição e venda desses entorpecentes. O Brasil não escapa da rota desse tráfico internacional, levando às prisões brasileiras pessoas de diferentes nacionalidades, como mostra o documentário Ela Sonhou que eu Morri. Os diretores Matias Mariani e Maíra Bühlel foram até esses presídios e entrevistaram alguns desses envolvi-dos, provenientes de países como Espanha, Hungria e Eslováquia. Uma desilusão amorosa, a falta de perspec-tivas profissionais, a busca pelo dinheiro fácil e até certa dose de ingenuidade levaram essas pessoas ao comércio ilegal de drogas e, dali, para as prisões. “Como é a vida na prisão? Difícil. Tudo isso é só, no fundo, a espera da liberdade”, afirma um dos personagens. “Essa prisão a maioria de nós trouxe consigo. Eu sempre tive prisões dentro de mim”. De sua dura realidade, eles tiram a lição e repetem para si: “Faça tudo certo no começo para não dar tudo errado no final”.

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Precursor do pop latino

Um artista de vanguarda, que dispensava as telas e as tintas, utilizando matéria-prima não conven-cional, e que buscava na arte popular as referências para suas criações. Em sua trajetória, experimentou a xilogravura, a litografia, a gravura em metal, a fo-tografia, mas se destacou especialmente no grafite. “Alex Vallauri foi contra a corrente. No momento em que era muito mais fácil ser abstrato, geométrico, concreto ou conceitual, ele não deixou de ser figu-rativo, e numa época em que a arte figurativa estava desacreditada. Foi essa teimosia de não largar a figura que o transformou num dos melhores artistas brasi-leiros do século 20”, afirma o curador José Spinelli.

Alex Vallauri é considerado um dos precursores da arte urbana de rua no Brasil. Nasceu na Etiópia, cresceu na Argentina e, na adolescência, na década de 1960, mudou-se com a família para o Brasil, instalando-se na cidade de Santos. Lá, ele vai para o cais buscar ins-piração e retrata estivadores, prostitutas, travestis e empregados do porto. Após se formar em Comunica-ção Visual, pela Fundação Armando Álvares Penteado,

Vallauri passa a viver em São Paulo e a expor suas gravuras em galerias. “Quando ele percebeu o alcance restrito de suas obras, nos museus e galerias, passou a trabalhar com o grafite de rua. Ele queria levar sua arte a um número maior de pessoas”, conta Spinelli.

Assim, pouco a pouco, ele passou a transfor-mar o cenário urbano paulistano, nos bairros da Lapa, Perdizes, Pinheiros, Barra Funda, Liberdade e na rua Augusta. Dentre seus trabalhos nessa fase estão o desenho de uma bota feminina preta, as luvas e a criação da personagem Rainha do Frango Assado. “Ela aparece na arte de rua primeiro, com seu corpo exuberante e suas roupas arrojadas”, explica Spinelli. Na explicação do próprio artista, “a Rainha do Frango Assado é uma corpulen-ta mulher suburbana, que mora no Glicério e está com os amigos querendo fazer um piquenique”.

Na década de 1980, Vallauri passou uma tempora-da em Nova York, levando alguns de seus desenhos e também criando outros, como o grafite de um aparelho de telefone. Ele morre em 1987. A obra e a trajetória de Alex Vallauri são tema de dois episó-dios inéditos da série Artes Visuais, nos dias 15/1 e 22/1, às 21h30. Os programas fazem uma retrospec-tiva de seu trabalho a partir da exposição realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo. O curador José Spinelli mostra as diferentes fases da carreira do artista, que ele considera um precursor do pop latino--americano. Artes Visuais tem direção de Cacá Vicalvi.

artes Visuais

aRTeS ViSuaiS

casa daros – parte 2Quartas-feiras, 21h30Dia 1/1

caduDia 8/1

alex vallauri – parte 1Dia 15/1

alex vallauri – parte 2Dia 22/1

antonio ManuelDia 29/1

dois episódios inéditos apresentaM a traJetória de alex vallauri, artista que se destacou na gravura e no grafite

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entreVista

A mídia na era pós-internet

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“no caMpo da televisão, a única saída é trocar a pauta linear

pela circular, perMitindo que as pessoas tenhaM Mais controle sobre quando quereM assistir

seus prograMas”

claudio Júlio tognolli é jornalista, professor

universitário e pesquisador, com mestrado e doutorado

em Ciências da Comunicação, pela Escola de Comunicações

e Artes da Universidade de São Paulo. Trabalhou como

repórter em jornais e revistas, com atuação no jornalismo

investigativo. É autor de diversos livros, dentre os quais a

biografia do cantor Lobão, em parceria com o músico.

Como a internet mudou a comunicação da chamada mídia tradicional?Muitas pessoas têm falado que o jornalismo está em crise, mas não é verdade. O pesquisador Rosental Calmon Alves, em julho de 2005, afirmou que vivemos a era do eucentrismo, o que ele chamou de I-centric Journalism. O que isto significa? Que as pessoas estão deixando de ter na grande mídia o porta-voz da narrativa do mundo, porque elas próprias estão assumindo essa narrativa. Elas têm acesso à informação e à tecnologia para exercer esse papel. E não ocorre apenas na mídia. Você vai a uma exposição de arte, como as Bienais, e interage com as obras. Um DJ, por exemplo, não compõe músicas, mas agencia novas formas, sem precisar ser formado em música para isso. O público é convida-do a editar a arte, a música e o jornalismo. O mundo eucêntrico é aquele em que cada um escolhe, edita e compartilha seu próprio conteúdo.

Você acredita que os processos de comunicação hoje estão mais democráticos?Sim. Saímos da era da mídia de massas para a era de massa de mídias. Hoje, as pessoas são protago-nistas do mundo. Mas há uma diferença entre elas e os jornalistas, porque elas não vão em busca da informação, mas editam e compartilham o que está acessível a elas. Divido este processo de mudança do comportamento da mídia tradicional em relação ao seu público em três etapas: num primeiro momento, ocorrido há uns oito anos, os veículos tradicionais, ao disponibilizarem seu conteúdo na internet, disseram ao público: “venham editar a nossa página”; era o recurso chamado RSS, real simple syndication; no segundo momento, a mídia convidou: “por favor, curtam, comentem e compar-tilhem”, disponibilizando links para as redes sociais; agora, eles dizem para seu público: “venham fazer”. E daí surge o jornalismo colaborativo, a figura do telespectador/ouvinte/leitor-repórter. São maneiras de abrir espaço para a participação do público no processo comunicativo.

Certa ocasião, você afirmou que “estamos vivendo uma revolução maior do que a francesa”, porque o público está assumindo a narrativa. Estamos passando, de fato, por uma fase de empoderamen-to do processo de comunicação?

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Estamos, porque democratizamos a narrativa sobre o mundo. O leitor/espectador é convidado a ser agente ativo. Por outro lado, temos visto crescer a interferência de grupos com interesses específicos nesse processo participativo aparentemente de-mocrático, que introduzem, de forma maquiada, demandas particulares, criando uma cauda longa ao pé da matéria que gera uma falsa opinião pública. A ética, a transparência e a imparcialidade que sempre foram exigidas do jornalista precisam agora ser cobradas também do público que faz uso dessas ferramentas. Todos devem assumir essa mesma res-ponsabilidade. Se a Revolução Francesa decapitou o rei, a revolução da internet está provocando novas formas de diálogo entre os grandes barões da mídia e seu espectador.

A chegada da tecnologia digital na televisão sempre esteve associada à intensificação da interatividade com o telespectador, mas isso ainda não se tornou uma realidade efetivamente. Estamos distantes dessa realidade?A primeira mudança que tenho percebido é a presença da figura do repórter-cidadão nos te-lejornais. Pessoas comuns interferindo na pauta, enviando imagens, denúncias, reclamações que são aproveitadas pelas emissoras. Também há um processo mais participativo na colaboração do te-lespectador em matérias do tipo: “vamos montar um mapa de carros abandonados na cidade”. Mas acredito que as TVs nunca vão querer abrir mão de seu monopólio da imagem. Os canais acabam criando outras plataformas de mídia para realizar essa interação, como convidar o telespectador a visitar o site para participar de um chat ao final do programa. Então, acredito que esta participação do espectador sempre estará num campo secundário.

A internet e a comunicação em rede mudaram o comportamento do telespectador?Mudaram, porque as pessoas não querem mais ser editadas, querem editar. Elas assistem à TV como, onde e, principalmente, quando querem. Parte dessa mudança de comportamento se deve ao recurso de gravar a programação; um pai pode assistir a um programa infantil, com seu filho, às onze e meia da noite. É o mundo eucêntrico: eu faço como e quando quero.

Hoje, o conteúdo televisivo está se desconectan-do do monitor de TV, isto é, o telespectador pode assistir à programação no celular, no tablet e no computador. Que tipo de mudanças isto pode trazer?

Já temos visto uma mudança de comportamen-to gerada pela necessidade de estar conectado. Estamos numa era em que não importa o que se fala ou o que se consome, mas se você está conectado. Isso gera angústias. O agora virou o ápice do tempo: não importa mais planejar o futuro ou relembrar o passado, apenas viver o momento presente. Friedri-ch Nietzsche já falava sobre essa angústia do agora. Vejo pessoas que recebem salário mínimo, mas têm três celulares. O que vale é estar conectado, em tempo real. No campo da televisão, a única saída é trocar a pauta linear pela circular, permitindo que as pessoas tenham mais controle sobre quando querem assistir seus programas.

O Brasil registra quase 18 milhões de assinantes de TV paga, mas pesquisas apontam a prevalên-cia maior de audiência nos canais abertos, mesmo entre os assinantes. Por que isso ocorre?Acredito que isto acontece porque, no fundo, as pessoas estão mais interessadas em sua realidade local. Na TV paga, ainda é predominante uma pro-gramação importada, carregada de um código de comportamento distante do cotidiano do telespec-tador. Ao contrário do que se acreditava, a globa-lização não universalizou interesses generalizados, mas intensificou os interesses locais. Não apenas na TV, mas na mídia de uma forma geral, como no jor-nalismo de bairro, por exemplo. Também vejo a seg-mentação como uma saída; se as pessoas querem editar o mundo, elas irão atrás dos assuntos especí-ficos que interessam a elas.

“a globalização não universalizou interesses

generalizados, Mas intensificou os interesses locais. não apenas

na tv, Mas na Mídia de uMa forMa geral”

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artigo

Pesquisar mídia sempre nos leva a refletir sobre qual seu real poder. O que pode a televisão? O quanto ela mudou o Brasil? – são perguntas que sempre se faz no caso brasileiro.

Sim, é possível afirmar que a mídia tem relação com mudanças sociais e de comportamento, mas isso não quer dizer que ela é todo-poderosa apenas. Por um lado, é preciso lembrar o contexto social e cultural dos espectadores, que individualmente, na sua intera-ção com a TV, podem se encantar, mas também fazer críticas ou discordar do seu conteúdo. Tudo depende do contexto social e cultural em que ele ou ela vive, suas informações anteriores. Por isso, é mais difícil achar a “resistência” ou a reflexão distanciada nas crianças, que por vezes ainda não têm informação suficiente para entender e criticar a forma como são afeitos certos programas, ou os anúncios excessivos em meio aos programas infantis.

Assim, é preciso lembrar que a mídia tem um poder de persuasão e de criar novos comportamentos. Não fosse assim, não teríamos tantos anúncios na TV. No caso brasileiro, a TV aberta (e também a TV paga) precisa dos anunciantes para se sustentar. O que uma TV vende é exatamente seus espectadores, sob a forma de números do Ibope. Nesse sentido, como no Brasil privilegiou-se um modelo de TV comercial (uma empresa privada, por oposição à TV pública), essa te-levisão baseou-se em uma estrutura comercial que é sustentada por anunciantes.

Quando acompanhamos a presença da TV no Brasil, percebemos como desde os anos 1970 ela foi uma força que impulsionou o consumo, levando para todos os cantos do país um estilo de vida urbano e consu-mista. A TV influencia a sociedade naquilo que é mais repetitivo e exibido de modo constante ao longo do tempo – as pessoas não mudam seu comportamento ou sua visão de mundo por causa de algo a que as-sistiram uma só vez. Elas ganham desejos de comprar muitos produtos porque são tantos os anúncios, e sua presença é constante e cotidiana. No entanto, não é só o desejo de comprar criado pelos anúncios, a TV in-centiva o consumo também pela forma como mostra a vida urbana, repleta de bens, modas, produtos indus-trializados. Basta ver uma telenovela.

E na questão de gênero, o quanto a TV (e a mídia em geral) sexualiza e expõe os corpos femininos? Será que ela contribui para a violência contra a mulher? A publi-cidade opera na lógica do desejo, desejo que também vem associado à sexualidade. Anúncios expõem sim corpos femininos como objetos. Mais do que isso, os programas e os anúncios influenciam as nossas cate-gorias de gênero, afetam e transformam nossa visão sobre aquilo que julgamos apropriados a homens e mulheres. Se olharmos os programas de TV de mais audiência (como as novelas, programas de auditório, futebol, telejornais, entre outros) veremos que formas e categorias masculinas e femininas são promovidas pela TV. Mulheres seminuas e sensuais que dançam nos programas de auditório (desde o Chacrinha) e são usadas em muitos anúncios (como os de cerveja), promovendo uma sexualização dos corpos femini-nos, convivem com anúncios e novelas que mostram o tipo feminino da mãe moderna que trabalha fora. Se observamos como os anúncios de produtos de limpeza, eletrodomésticos, alimentos semiprontos são dirigidos às mulheres, vemos que se reforça um ideal de mulher que trabalha fora, tem que dar conta de toda a família, e nunca se questiona a divisão sexual do trabalho doméstico. Não é à toa, portanto, que o ideal de feminilidade no Brasil é a super mulher: que trabalha fora, mas dá conta da casa (limpa, cozinha, passa a roupa), cuida dos filhos, trabalha fora, e ainda por cima tem que ser linda, sexy e sensual para o seu marido! Tipo ideal inatingível que sobrecarrega as mulheres que trabalham (fora ou dentro de casa) com todas as tarefas da casa e dos filhos, e ainda demanda que ela seja linda, magra, elegante e sensual. Esse é um tipo promovido pela mídia, muito repetitivo há algumas décadas e que se tornou um ideal cultural, um padrão de feminidade. Aqui sim, vê-se o poder que a mídia tem.

Ainda que sejamos bombardeados com essa mesmice, é possível refletir, e questionar esses modelos. É possível não levar tão a sério o padrão de beleza – magro, jovem, brancos de cabelos lisos – e ter um olhar crítico sobre a mídia.

Heloisa Buarque de Almeida é antropóloga e professora da Uni-

versidade de São Paulo.

Qual o poder da mídia? Publicidade e gênero

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último Bloco

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas.A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

Todas as segundas-feiras, às 21h, o SescTV exibe curtas-metragens do gênero de ficção, na série Faixa Curtas, com curadoria de Luís Carlos Soares. Neste mês, o canal exibe quatro episódios inéditos: Negócio da China / Na pista do Apito, dia 6/1; A Infância de Margo / Lavanderia Shermer, dia 13/1; Outros / Rua do Amendoim, dia 20/1; e Ana Beatriz / Inquérito Policial Nº 0521/09, dia 27/1. Confira a classificação indicativa no site.

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Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques

da programação.

curtas histórias

para sintonizar o sesctv: anápolis, Net 28; aracaju, Net 26; araguari, Imagem Telecom 111; belém, Net 30; belo horizonte, Oi TV 28; brasília, Net 3 (Digital); campo grande, JET 29; cuiabá, JET 92; curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); fortaleza, Net 3; goiânia, Net 30; João pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92; natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; porto velho, Viacabo 7; recife, TV Cidade 27; rio de Janeiro, Net 137 (Digital); são luís, TVN 29; uberlândia, Imagem Telecom 111. no brasil todo, NET 137; Oi TV 29. Assista também em sesctv.org.br. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

Direção executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini

coordenação de Programação: Juliano de Souza coordenação de comunicação: Marimar Chimenes Gil Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi

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sescsp.org.br

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coordenação Geral: Ivan Giannini

Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio MagalhãesRedação: Adriana Reis

editoração: Rosa Thaina Santos e Marcos Vinicius MoreiraRevisão: Marcelo Almada

Conhecidos internacionalmente por seu talento e virtuosismo no violão, os irmãos Sérgio e Odair, que formam o Duo Assad, são destaque da programação deste mês do SescTV, na série Movimento Violão. Os músicos, que já receberam dois prêmios Grammy, apresentam um repertório em que mesclam composições eruditas e populares. O programa traz entrevista com os músicos e também com Paulo Martelli, violonista e diretor musical da série, que se refere à dupla como “sinônimo de perfeição” e “patrimônio universal nascido no Brasil”. Dia 22/1, às 20h. Ainda neste mês: Fábio Zanon, dia 7/1; Eduardo Isaac, dia 14/1; e Quarteto Abayomi, dia 28/1.

violão eM Múltiplos sons

Seis meses antes da chegada da luz elétrica num vilarejo do sertão pernambucano, localizado a 340 quilômetros de Recife, as diretoras Andrea Ferraz e Carol Vergolino visitaram famílias do Sítio São Francisco e colheram histórias sobre a vida naquela região, reunidas no documentário Alumia, que o SescTV exibe no dia 27/1, às 20h. Nos depoimentos, os moradores falam sobre felicidade, dinheiro, natureza, amor e fé.

eM volta do cavalete enquanto a luz não veM

A vida e a obra do artista plástico Mário Gruber são tema do curta-metragem documental Em Volta do Cavalete. Dirigido por Lessandro Sócrates, o filme traça um perfil do pintor, gravurista e muralista, que ficou conhecido por seus personagens urbanos fantásticos e por suas obras associadas ao realismo social. Gruber foi aluno do desenhista curitibano Napoleon Potyguara Lazzarotto, o Poty, e trabalhou ao lado de Di Cavalcanti. Morreu em São Paulo, em 2011. No programa, Gruber relembra sua infância, seus primeiros trabalhos, inspirado pela figura carnavalesca do Pierrot, e fala sobre suas referências em outros campos da arte, como o cinema e os filmes de Federico Fellini. Dia 30/1, às 21h.

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musical

Dom Salvador & Abolição

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