Revista SescTV - Marco de 2012

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1 março/2012 - edição 60 sesctv.org.br CAMINHOS CRIANçAS, JOVENS E ADULTOS A CAMINHO DA ESCOLA O IDIOTA O PROCESSO DE CRIAçãO DO ESPETÁCULO TEATRAL Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques da programação. COLEçÕES A FESTA DO DIVINO DE SãO LUIS DO PARAITINGA FOTO: DIVULGAÇÃO

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Na entrevista, a fotógrafa e cineasta Heloísa Passos fala sobre a série Caminhos. No artigo, uma versão do texto "Um Imenso Lápis Vermelho", da educadora Fanny Abramovich.

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março/2012 - edição 60sesctv.org.br

caminhoscrianças, jovens e adultos a caminho

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com os destaques da programação.

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artes visuaisErika Verzutti

18 de abrilàs 21h30

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Obra: Jaspera as a young girl

Obra: Starfruit,2009

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destaques da programação 4

entrevista - Heloisa Passos 8

artigo - Fanny Abramovich 10

A ação educativa permanente está nos alicerces do SESC. Os programas da instituição buscam a formação integral do cidadão nos aspectos de inclusão, interação e valorização de cada um. Assim, promover o encontro, ampliar o repertório cultural e abrir espaço para a diversidade – seja de linguagens, de propostas ou de conceitos – estão inseridos neste contexto.

O SESCTV assume esses princípios, traduzindo para o audiovisual a pluralidade, tanto na linguagem quanto na abordagem dos mais diversos temas. O canal prioriza a diversidade por meio de parcerias com produtoras independentes, agregando propostas, olhares e narrativas – como no caso da série Caminhos, que o canal exibe a partir deste mês, aos domingos, sempre às 19h.

A pluralidade também está presente com os olhares regionais da série Coleções, que neste mês exibe episódios sobre festas populares, dentre as quais A Festa do Divino de São Luiz de Paraitinga, no interior paulista. A faixa CurtaDoc, que reúne documentários de curta-metragem, apresenta, por três diferentes diretores, um retrato sobre a juventude brasileira atual, no episódio Diferentes e Iguais.

Outro destaque da programação deste mês é o documentário inédito O Idiota, Ensaios no Abismo, que registra o processo de criação do espetáculo teatral O Idiota, Uma Novela Teatral, baseado na obra do escritor russo Dostoiévski. Foram realizados oito ensaios em diversas unidades do Sesc em São Paulo, envolvendo a plateia no processo criativo.

A Revista do SESCTV deste mês traz entrevista com a produtora, fotógrafa e cineasta Heloisa Passos, diretora geral da série Caminhos. No artigo, a escritora e educadora Fanny Abramovich relembra os professores que marcaram sua vida.

Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do SeSc São Paulo

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Caminhos

Passos trilhados

sesctv estreia série com treze episódios sobre crianças, jovens e adultos a caminho da escola

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Como são os caminhos percorridos por crianças, jovens e adultos brasileiros em direção à escola? Não apenas o trajeto físico, modificado pelas diversas geografias que compõem um País de extensão continental, mas também a caminhada que envolve a tomada de decisões, o esforço da superação, a adaptação a uma nova condição que é apresentada, a abdicação. Observar e registrar o Brasil pela ótica daqueles que buscam a transformação de sua vida por meio da educação era um desejo antigo da produtora, fotógrafa e cineasta Heloisa Passos. A partir de um filme que realizou, chamado Caminho da Escola – Paraná, ela começou a amadurecer o projeto de viajar pelo Brasil para colher histórias e imagens de brasileiros a caminho da escola. “Num primeiro momento, imaginamos que seria uma série sobre pessoas que percorrem longos trajetos. Mas, já na fase de pesquisa, percebemos que não seria esse o foco principal. Não se trata de registrar a longa distância, mas os caminhos de cada um”, explica Heloisa.

O resultado dessa imersão é a série Caminhos, uma coprodução do SESCTV com a Maquina Filmes, que estreia neste mês. Com 13 episódios em formato de documentário, a série viaja por diversas regiões do Brasil para mostrar a travessia de crianças, jovens e adultos em sua rotina da casa para a escola, seja para um curso regular, seja para estudar dança ou música, seja para praticar capoeira. Esse trajeto, de distância variável, é cumprido a pé, a cavalo, de carro, ônibus, trem, barco ou moto. Em linguagem poética, a série apresenta essas histórias essencialmente por meio de imagens, sem recorrer à entrevista da personagem

para a câmera. “A série conta a história observando”, afirma Heloisa. Os relatos estão em primeira pessoa, reforçando a opção da diretora para uma narrativa menos invasiva e mais contemplativa. A direção dos episódios é de Heloisa Passos, Marília Rocha e Katia Lund. A série foi realizada por meio da Lei de Incentivo da Ancine. (Leia entrevista com heloisa Passos na página 8).

Direção geral: Heloisa Passos. Domingos, 19h

serra de Fechados (mg)Direção: Marília Rocha. Dia 18/03

o cisne e o tigre (sp) Direção: Heloisa Passos. Dia 25/03

só, eu vou e volto (pa)Direção: Heloisa Passos. Dia 1/04

além da Fronteira (ms)Direção: Heloisa Passos. Dia 8/04

o espelho de téo (rj)Direção: Heloisa Passos. Dia 15/04

entre as maras e o mar (ce)Direção: Marília Rocha. Dia 22/04

o contador de histórias (ba)Direção: Heloisa Passos. Dia 29/04

entre lá e cá (pr) Direção: Heloisa Passos. Dia 6/05

assim que subir a maré (ap)Direção: Marília Rocha. Dia 13/05

trilhos e grãos (sp)Direção Katia Lund. Dia 20/05

a casa da nonna (rs)Direção: Marília Rocha. Dia 27/05

pelo canavial (pe) Direção: Heloisa Passos. Dia 3/06

memória e leite (ac) Direção: Heloisa Passos. Dia 10/06

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CoLEÇÕEs

elementos religiosos e proFanos conFiguram a Festa do divino, em são luiz do paraitinga

Festa da fé

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A cor vermelha enfeita a cidade do interior paulista São Luiz do Paraitinga nas proximidades da celebração do Pentecostes, entre os meses de maio e junho. É nesse período que a população se mobiliza para realizar a Festa do Divino, uma comemoração que dura dez dias e que reúne alguns dos elementos mais representativos da cultura popular local. O sincretismo dá o tom dos festejos, com simbolismos que mesclam o religioso e o profano. A origem da festa remete à fundação de São Luiz do Paraitinga, em 1769. “Esse é o momento de ofi cialização do controle português sobre a capitania de São Paulo”, explica o historiador João Rafael Cursino.

Localizada nas proximidades da Serra do Mar, São Luiz tornou-se parada obrigatória para os comerciantes que vinham do porto de Ubatuba, e confi gurou-se como um importante entreposto comercial. A ocupação ibérica levou para o município algumas tradições, como o catolicismo e a celebração da Festa do Divino. “Essa festa surgiu na Europa, nos séculos 15 e 16, e tinha duas funções: a religiosa e a social, de distribuição de alimentos. Acabou absorvendo, assim, uma tradição pagã. As comunidades faziam grandes celebrações para pedir uma boa colheita”, explica Cursino.

Curiosamente, as características essenciais da festa foram mantidas até os dias de hoje. Os preparativos para a Festa do Divino começam no ano anterior, quando um morador, eleito o festeiro, fi ca responsável por carregar de casa em casa a bandeira vermelha que simboliza os festejos, e arrecadar prendas para as celebrações do ano seguinte. “O festeiro é o administrador, porque quem faz a festa é o povo”, diz

o brincante Pedro Moradei. Ao receberem o festeiro, os anfi triões entregam também fotos, fi tas coloridas e preces, que vão sendo incorporadas à bandeira.

O primeiro dia ofi cial da festa é marcado pelo início da novena, seguida por uma celebração na igreja de São Luiz de Tolosa, padroeiro da cidade. Nas ruas, a população celebra com congadas, cavalhadas, moçambiques – herança da presença dos negros – e com o desfi le dos bonecões João Paulino e dona Maria Angu (foto). O ponto alto é o almoço, que conta com o tradicional “afogado”, preparado com carne de boi e servido gratuitamente à população. “A cultura popular é a grande riqueza de São Luiz de Paraitinga. A Festa do Divino dá um panorama da cultura da cidade”, acrescenta Cursino. “Comemoramos a vida e comemoramos com festa. É o casamento do festivo e do religioso”, resume o artesão Benito Campos.

O SESCTV exibe neste mês episódio inédito da série Coleções sobre o Festival Folclórico do Divino de São Luiz do Paraitinga, no dia 08/03, às 21h30. Direção de Belisario Franca.

coLeÇÕeSQuintas, 21h30

patrimônios da humanidade: complexo de Áreas protegidas do pantanalDia 1/03

Festivais: Festival Folclórico do divino de são luiz do paraitingaDia 8/03

Festivais: encontro cultural de laranjeirasDia 15/03

Festivais: Festival Folclórico parintinsDia 22/03

arquitetos: lúcio costaDia 29/03

Retratos da juventudeCURTaDoC

Traçar um retrato da juventude atual não é uma tarefa simples. São múltiplas as faces do jovem brasileiro e não há um consenso nem mesmo sobre a faixa etária que determina essa fase da vida. “A juventude não é uma idade e sim uma estética da vida cotidiana”, acredita a escritora argentina Beatriz Sarlo. Diversidade é, portanto, a palavra que melhor defi niria os anseios, os desejos e o jeito de interpretar o mundo da juventude.

Uma das características atribuídas ao jovem contemporâneo, especialmente nos grandes centros urbanos, é a facilidade de lidar com as novas tecnologias e com o universo digital. “Sem generalizar, acho que graças ao barateamento do equipamento da cultura audiovisual está muito mais fácil essa moçada ter acesso à cultura digital, às ofi cinas de vídeo”, afi rma o escritor Ricardo Soares. No entanto, nem sempre esse acesso resulta em produtos criativos e com temáticas mais pluralistas. “O que me incomoda um pouco é que, com tanta facilidade, muitas vezes o conteúdo audiovisual é um pouco frustrante”, diz Soares. Na opinião dele, isso acontece porque os temas desses vídeos giram em torno do próprio autor. “As coisas fi cam muito reducionistas, fala-se muito do próprio umbigo. Não se faz uma interação com o universo em volta”, aponta.

O SESCTV exibe, neste mês, o episódio inédito Diferentes e Iguais, da série CurtaDoc, com três curtas-metragens sobre juventude. É pó, é pedra, é o vício no meio do caminho (2010) foi realizado numa ofi cina de vídeo popular em um centro de internação de adolescentes e infratores de Goiânia, e traz depoimentos de meninos em recuperação pelo uso de drogas. Você tem identidade? (2007, direção de

episódio inédito apresenta, em trÊs curtas-metragens, diFerentes perFis do jovem contemporÂneo

curtadoc

Marcelo Reis) intercala entrevistas com uma jovem de classe média e um garoto morador de uma favela de Belo Horizonte. Eles apresentam sua opinião sobre a família, a cidade onde vivem e o que pensam do futuro, demonstrando mais semelhanças e afi nidades do que se poderia supor. Se pá... (2007, direção do Coletivo Gore Filmes) acompanha uma festa na casa de um adolescente de classe média alta paulistana. À beira da piscina, ao som do rock, esses jovens revelam suas fragilidades, na busca de construir uma identidade.

Ainda neste mês, o SESCTV exibe os episódios Além da Fotografi a, dia 06/03; Dois Poetas, dia 13/03; e Em Família, dia 20/03. CurtaDoc tem direção de Kátia Klock.

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Terças, 21h

além da Fotografi aDia 06/03

dois poetasDia 13/03

em FamíliaDia 20/03

diferentes e iguaisDia 27/03

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o idiota, ensaios no abismoDireção: Danilo ConcilioDia 25/03, às 22h

documentÁrio

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DoCUmEnTÁRio

Arte do encontro

o idiota, ensaios no abismo, acompanha processo de criação do espetÁculo teatral baseado na obra de dostoiévsKi

“Somos todos fi lhos de Dostoiévski” – assim resume a diretora de teatro Cibele Forjaz. Em 2009, Cibele e um grupo de atores da Mundana Companhia iniciaram a montagem do espetáculo O Idiota, Uma Novela Teatral, baseada na obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski. O grupo decidiu envolver o público no processo de criação da adaptação do romance, de 700 páginas. “Esse processo foi muito particular. A adaptação previa a divisão do romance em oito capítulos. Decidiu-se então fazer cada capítulo numa unidade distinta do SESC, apresentando o processo de trabalho e de construção da encenação”, explica a diretora de produção, Marlene Salgado.

No total, a trupe realizou oito ensaios abertos nas unidades do SESC, e a partir dessa experiência construiu o espetáculo, que estreou em janeiro de 2010 no SESC Pompeia. “Depois de ter passado por oito unidades e de ter preparado oito capítulos, tínhamos cerca de sete horas de material, que foram divididas em três partes; daí a opção por apresentá-las em três dias distintos”, explica Marlene. “A possibilidade de criar junto do público é uma ferramenta do teatro que a gente não deve ignorar de jeito nenhum. É a arte do encontro, que precisa de pessoas”, afi rma o ator Luís Mármora, que interpretou o General Ívolguin e Tôtski.

Para Cibele Forjaz, a densidade da obra de Dostoiévski pressupõe esse contato com o leitor ou o espectador. “O fruidor, o leitor ou a plateia é quem chega a alguma conclusão vendo as miríades do universo em relação, em oposição, em contraste, em

luta”, diz. “No fi m do século 19 e começo do século 20, Dostoiévski inaugurou a polifania. Cada pessoa é um abismo. A gente fi ca tonto de olhar para dentro dele. E as personagens de Dostoiévski são assim”, explica. Foi esse o olhar da diretora na transposição do romance para os palcos. “O que a peça faz é colocar uma série de mundos em choque. Isso é muito bom para o teatro, porque cada personagem tem sua individualidade e fala por si mesma. É por isso que Dostoiévski é tão adaptado para teatro e cinema”, acredita.

O SESCTV exibe, neste mês, o documentário O Idiota, Ensaios no Abismo, realizado pelo SESC São Paulo, com direção de Danilo Concilio, que acompanha o processo de criação da peça e traz entrevistas com a diretora e com os atores.

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EnTREVisTa

Caminhos para a transformação

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“caminhos é uma série que acredita na imagem e no brasileiro. ela olha o

brasileiro com dignidade”

No que consiste a série Caminhos e como o projeto surgiu? Caminhos é uma descoberta de brasileiros anônimos, desconhecidos, que buscam aprender, que vão para a aula de violino, de capoeira, de balé clássico, para a escola formal. É a relação dessas pessoas com sua vida. Todas têm algo em comum: caminham para aprender. Caminhos é o olhar sobre um Brasil digno, em transformação. O projeto surgiu no Paraná, onde nasci, a partir de um fi lme que eu dirigi chamado Caminho da Escola - Paraná, e com o qual descobri uma comunidade que vive da plantação de banana. Era um universo de pessoas morando muito perto da capital, praticamente isoladas e cheias de difi culdades para ter contato com outras realidades, e que sonhavam ter acesso à escola depois da quarta série. Essa experiência nos levou a pensar num projeto maior, que foi longamente lapidado na busca, que eu faço, de olhar o Brasil e a nós mesmos, no processo de aprender a ouvir melhor e de aprender com o outro através do documentário. É uma história de aprendizagens, tanto para quem fez como para quem quis participar sendo personagem.E como esse projeto será apresentado ao telespectador? Caminhos é uma série de treze episódios com histórias fi lmadas no Norte, Sul, Leste e Oeste do Brasil. É resultado de uma longa e extensa

Heloisa Passos é fotógrafa, produtora e cineasta. Cursou

Agronomia e Sociologia e descobriu sua vocação para o

audiovisual a partir de experiências com fotografi a para

curtas-metragens e para o mercado publicitário. Assina a

direção de fotografi a dos longas-metragens com os quais

ganhou prêmios no Festival do Rio de 2009: Viajo porque

preciso volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo

Gomes, e O amor segundo B. Schianberg. É a diretora

geral da série Caminhos, com 13 episódios, em exibição a

partir deste mês no SESCTV.

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pesquisa. A gente começou este projeto pensando em Caminhos como longos percursos; no entanto, no processo da pesquisa, descobrimos que não era apenas isso, são pessoas que vão de bicicleta, de carro, de ônibus, a pé, de barco, para aprender. Isso eles têm em comum. O caminho ser ou não ser longo não era o mais importante, a partir de certo momento da pesquisa. A gente tinha de conseguir pessoas que queriam mostrar sua vida. A gente tinha de casar o caminho físico com o momento que aquela pessoa estava vivendo. É um casamento do caminho estrada com o caminho daquela vida. A gente descobriu que estava lidando com questões muito humanas, com afeto, com a sociedade brasileira, com a questão rural, com a família. E isso tudo era tão importante quanto o caminho. Caminhos não é on the road, é on the movie. Caminhos sugere ser uma série para discutir Educação. Mas, na realidade, o foco está nas pessoas. Houve um amadurecimento da proposta original? Amadurecimento sempre existe no processo de trabalho, porque fazer fi lmes é um processo de amadurecimento – e é por isso que eu gosto tanto deste trabalho. Em cada episódio da série, a gente ia descobrindo como se aproximar das pessoas, como se relacionar com elas. Em poucos dias a gente consegue contar uma história com uma câmera e uma equipe de três, quatro pessoas. A questão da Educação sempre esteve presente, porque estamos falando de crianças, jovens e adultos que estão indo estudar. Mas a sala de aula não era o nosso foco. Assistimos ao fi lme Être Avoir, que nos inspirou muito, mas que fi cava na sala de aula; só que ele nos trouxe uma proposta de abordagem do tema. No fi lme Caminho da Escola - Paraná a gente ainda usava muito o recurso da entrevista. Ao pensar na série, estruturamos o formato de 13 histórias de 26 minutos e enfrentamos o desafi o de não usar a entrevista e a fala diretamente para a câmera. Escolhemos um lugar, uma família e uma ou duas pessoas, no máximo. Em alguns lugares, dormíamos praticamente na casa do lado, porque eram comunidades. Confi amos muito nisso: a série conta a história observando.Como se deu a escolha das personagens, dos temas e dos lugares retratados na série? Houve um trabalho de pesquisa? Quando se defi niu a série, num primeiro momento foi feito um mapeamento: Norte, Sul, Leste, Oeste. Mapeava-se geografi camente e havia uma equipe de pesquisa com base na produtora e, depois que a gente via os caminhos que nos interessavam naquela região, ia um pesquisador local para conversar e gravar com esses pretendentes. Esse material chegava para escolhermos. Outro critério usado era este: se no Nordeste a gente ia fi lmar praia, então em outros

locais adentrava-se o interior. Filmamos na região dos canaviais; fomos para uma região de quilombo; para a fronteira do Brasil com a Bolívia; para o Sul de ocupação italiana. Enfi m, foi um processo longo, que levou cerca de dois anos para ser concluído.Quais as motivações para optar por uma linguagem mais poética e contemplativa na narrativa dos episódios? Caminhos é uma série que acredita na imagem e no brasileiro. Ela olha o brasileiro com dignidade. Precisamos de várias viagens para poder ver o Brasil em transformação. Caminhos, para mim, é uma grande descoberta; e espero que assim seja também para o telespectador. É uma experiência de vida. Caminhos é uma série política, cinematográfi ca e humana, porque lidamos com família, com afeto, com a sociedade brasileira, com o interior e o litoral, com os imigrantes, sempre no olhar humano das relações. É olhar o outro. Caminhos são vários trechos percorridos na tentativa de dar um passo adiante. Acho importante dizer que eu fi z a direção geral de Caminhos e dirigi oito episódios da série, mas convidei outras duas diretoras, que foram muito importantes: a Marília Rocha, que fez quatro episódios, e a Katia Lund, que fez o episódio de São Paulo. A partir do que viu e ouviu nas viagens por diferentes realidades do País, o que pode compreender sobre os brasileiros? Esses brasileiros que a gente pesquisou e fi lmou têm muita esperança, acreditam muito no seu próprio passo e que a vida pode ser melhor. Eles sonham – e isso é fundamental para todos nós. Eu não vejo diferença nenhuma entre eles e nós. Porque o que interessa mesmo é continuar sonhando. Como eles acreditam que podem transformar sua vida tendo contato com outra realidade, aprendendo a escrever! O que mais me emocionou foi ver quanto nós somos todos iguais: o que a gente quer é poder sonhar. Então, é um privilégio fazer o que eu faço, poder ir a vários cantos do Brasil e constatar que somos todos iguais. A gente é ser humano que não quer só a responsabilidade de plantar a mandioca, de fazer o queijo. Também é um fazer nada, é vida lazer. Esse sentimento afl orou muito na série. E o desejo de a pessoa querer mostrar sua vida eu respeito muito naquele que decide dar ok para ser fi lmado. Decidem ser fi lmados porque têm orgulho da vida deles. Eles têm uma história para contar.

“o que mais me emocionou Foi ver quanto nós somos todos

iguais: o que a gente quer é poder sonhar”

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aRTiGo

Um imEnso LÁPis VERmELhoPensei em escrever sobre o meu professor inesquecível. Acarinho a ideia. Embalo, detono. Estouro de fl ashes, imagens incompletas. Misturança de traços, vozes, séries e matérias. Taquicardia. Relaxo. Foco. Lembrei e me revi em várias fases da minha vida escolar. Sorrisos e espantos alternados! Lembrava do nome, do jeitão, da cara das professoras do pré e do primário. Do ginásio, foi aos trancos e barrancos. Muitos professores. Do colegial e cursinho, só – forçando muito a memória – consegui redesenhar algunszinhos. A escola, decididamente, já não era o eixo da minha vida. Da faculdade de Pedagogia na USP recordo de todos. Não com nome e sobrenome, mas com o que tinham de marcante (empáfi a, megalomania, reacionarismo) e que pouco me marcaram. Como escolher o professor inesquecível? O abridor de caminhos? O sádico cobrante de rendimento? O folclórico? Aquele por quem me apaixonei para sempre aos 13 anos? Elejo Dona Linda. Assim, sem sobrenome. Ela foi minha professora no terceiro ano primário. Fui sua aluna no Colégio Batista Brasileiro, onde fi z o semi-internato. Lá, maravilhada com os belos bosques, o enorme galpão pra jogar queimada, a bela escadaria da frente, a biblioteca recheada de livros, as inúmeras saletas com piano, os cultos protestantes e seus hinos glorifi cadores. Eu, menina judia, passeava por esse mundo durante todo o dia. Absolutamente fascinada! Na classe mista, meninos e meninas impecavelmente uniformizados viviam experiências pedagógicas marcantes com Dona Linda.Pra mim, ela era uma mulher enorme, de tamanho descomunal, gordíssima, quase uma giganta. Não sei se era bonita ou feia para os padrões da época. Guardo a imagem dum rosto severo e de cabelos enrolados num coque. Roupa neutra, sem originalidade. Tão uniformizada quanto nós. Que idade teria? Pra mim, era velha. Talvez fosse uma garota recém-formada. Brava, sem sorrisos, incapaz dum gesto carinhoso ou dum afago especial. Durona, mal-humorada, seca, são os primeiros adjetivos que me ocorrem. Não me vem nenhuma imagem cálida, chamante. Dona Linda enfatizava o aprendizado da dedo-duragem. Quando saía da classe, escolhia um dos alunos para ir ao quadro-negro, onde deveria marcar com todas as letras os nomes de qualquer colega que piscasse ou se mexesse. E anotar quantas vezes estes atos atentatórios eram cometidos, contabilizando risquinhos. O bom estudante merecia controlar toda a classe, trair os amigos e até colocar os desafetos em dia. Ela possuía uma fé inabalável no processo de limpar a boca. Literalmente. Ouvindo um palavrão ou algo considerado por ela como impronunciável, imediatamente se munia de água e sabão para que o agressor mudasse seu repertório verbal e retirasse tal vocábulo de sua boca. Se não fosse sufi ciente, adicionava à água líquidos ou temperos de gosto intolerável. Daí em diante, silêncio ou gagueira. O instrumento de trabalho favorito de Dona Linda era um imenso lápis vermelho. Ele era o todo-poderoso, que sublinhava erros do ditado ou cópia, anunciava

desacertos nas respostas dos questionários, riscava soluções de problemas de aritmética, exigia repetição infi nita de equívocos cometidos até a resposta única e certa ser incorporada. Vez ou outra, elogiava, mas sem muito entusiasmo ou eloquência. Terrorífi co! Passados tantos anos, ainda sinto calafrios com a lembrança desse lápis inclemente. Versado em apontar para exercícios extras durante o recreio, o dobro de lição de casa, fi car sozinho na imensa escola até terminar TUDO, copiar vinte vezes a grafi a correta de cada palavra escrita de modo errado e outras alternativas lúdicas, divertidas e estimulantes para qualquer criança. Solidariedade e espontaneidade não faziam parte do repertório pedagógico de Dona Linda.Lembro mal das informações escolares que recebi de Dona Linda. Tudo decorado. Afl uentes de cada margem do rio Amazonas, paradas em cada cidade de todas as linhas ferroviárias do Estado de São Paulo, datas de momentos históricos ditos relevantes. E as sabatinas? Provocadoras de insônia precoce, de tensão muscular. Com ela, vivi a rigidez, a dureza, a cobrança permanente. E o medo! Estilo militar à risca. Dona Linda me deixou a marca da déspota — não — esclarecida. Daquelas que têm e detêm o poder, pelo poder. Não como demonstração de experiência, de clareza, de levar a classe a efetivar uma proposta. Nada disso.Voltei ao colégio alguns anos depois, para concluir o Normal (Magistério). Qual não foi o meu espanto quando, numa manhã, dei de cara com uma mulher pequena, nem magra nem gorda, nem velha nem jovem, que me cumprimentou sorridente. Era Dona Linda destituída do tamanho-do-medo. Foi aí que compreendi o que signifi ca a proporção afetiva para a criança: os objetos, as pessoas, os lugares têm o tamanho da sua importância e signifi cado interno, e nunca a sua dimensão real, concreta, exata, objetiva.Quando comecei a dar aulas para crianças, busquei vários caminhos. Quis momentos divertidos, cheios de surpresas, momentos organizados, concentrados, produtivos, vivências, experimentações, sentimentos de gostosuras e importâncias. Encantamento e crescimento. Quis ter um relacionamento aberto, poroso, ser respeitada. Não sabia como, mas logo intuí que não seria — jamais — pelas vias, atalhos e pontes de Dona Linda. Com ela aprendi, claramente, como não queria ser. Nem remotamente. Pra nenhum aluno. Foi meu modelo, meu paradigma. Funcionou. Fui cúmplice e não carrasca de meus alunos. E como é bom encontrar aqueles que foram meus alunos quando pequenos, me olhando com olhos piscando como crianças, baita sorriso aberto, dizendo: “Oi, Fannyzinha.” Suspiro aliviada. Na maior contenteza! Nunca fui dona... Consegui não ser Dona Linda.

Fanny Abramovich é educadora e escritora. Versão reduzida do conto originalmente publicado na antologia Meu Professor Inesquecível - Ed. Gente- SP- 1997, devidamente autorizado pela autora e organizadora.

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No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, o SESCTV exibe musicais com grandes intérpretes da música brasileira e internacional. Dentre os destaques, os shows de Bebel Gilberto, no dia 08/03; e de Fernanda Takai, no dia 11/03. E dentre as atrações internacionais, o espetáculo da franco-israelita Yael Naim, no dia 07/03, e uma homenagem à argentina Mercedes Sosa, no espetáculo Uirapuru Latino-americano, dia 10/03. Sempre às 20h. Confi ra a classifi cação indicativa no site.

As intervenções em espaços públicos promovidas pelo coletivo BijaRi estão em episódio inédito da série Artes Visuais. Formado em 1997 por dez estudantes de Arquitetura de São Paulo, o grupo dialoga com o espaço urbano, numa postura provocativa a partir dos confl itos da cidade. Em uma de suas ações, o grupo transformou caçambas de lixo e carros abandonados em jardins móveis. “Nós somos arquitetos da nossa vida. A gente pode pensar a cidade a partir do cidadão. A cidade não é passiva: pode ser transformada e melhorada para a gente”, acreditam. Dia 21/03, às 21h30.

o SeScTV é credenciado pelo Ministério da cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográfi cas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo.

Uma análise da obra de grandes escritores do Brasil e do exterior a partir do olhar de outros autores consagrados. Esta é a proposta da série Tertúlia – Encontros de Literatura. Neste mês, o SESCTV exibe os episódios Miguel de Cervantes, por Sérgio Molina, dia 05/03, às 21h; e As Mil e Uma Noites, por Mamede Mustafá Jarouche, dia 12/03, às 21h.

arte na cidade

retratos da literatura mundial

A 17ª edição do Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC – Videobrasil realizado, entre setembro de 2011 e janeiro deste ano, incorporou a televisão, pela primeira vez, como uma de suas plataformas de ação. O SESCTV reapresenta neste mês o Videobrasil na TV, com curadoria e direção geral de Solange Farkas. Diálogos em Construção, dia 05/03; Panoramas do Sul: Ateliê Aberto, dia 12/03; Panoramas do Sul: Natureza e Cultura, dia 19/03; e Panoramas do Sul: Paisagens Políticas, dia 26/03. Às 23h. Confi ra a classifi cação indicativa no site.

sesc videobrasil na tv

março musical

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José Mojica Marins

na nova temporada do Sala de Cinema

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