Revista SescTV - Março de 2014

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Março/2014 - edição 84 sesctv.org.br ARTES VISUAIS UMA SÍNTESE DO ACERVO DO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MÚSICA A PALAVRA NA OBRA MUSICAL DE ARNALDO ANTUNES E LUIZ MELODIA CURTA-METRAGEM EXPERIMENTAÇÃO E POESIA NA PRODUÇÃO ATUAL

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Na edição de março, a mistura da poesia e da música nos trabalhos de Tom Zé e Arnaldo Antunes e uma entrevista com o cineasta Wllyssys Wolfgang.

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Março/2014 - edição 84sesctv.org.br

ARTES VISUAISUma síntese do acervo do mUseU de arte contemporânea da Universidade de são paUlo

MÚSICAa palavra na obra mUsical de arnaldo antUnes e lUiz melodia

CURTA-METRAGEMexperimentação e poesia na prodUção atUal

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CAPA: Curta-metragem Ser Tão Avoador, de Wllyssys Wolfgang. Foto: Roberio Brasileiro

destaques da prograMação 4

entrevista - Wllyssys Wolfgang 8

artigo - Claudia da Natividade 10

Importantes nomes do cinema brasileiro contemporâneo lançaram seus primeiros trabalhos em produções de curta-metragem. Fazendo uso de talento e criatividade, os diretores potencializam o alcance desse gênero do audiovisual para além das questões facilitadoras de sua realização – como o menor aporte de recursos financeiros – apropriando-se do curta-metragem como espaço de experimentação de linguagem. O resultado pode ser conferido a cada ano, no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, realização da Associação Cultural Kinoforum, do qual o SescTV participa com uma premiação a projetos estreantes.

O canal exibe, neste mês, os filmes Ser Tão Avoador, de Wllyssys Wolfgang, e Blurry Eyes, de Daniel Semanas, premiados na edição de 2013 do Festival e que têm, em comum, a inovação e certa a poesia no desenvolvimento das narrativas.

A programação musical do canal destaca o encontro inédito de Arnaldo Antunes e Luiz Melodia. O programa traz trechos do show gravado no Sesc Vila Mariana, na capital paulista, e também entrevista com os músicos, que falam sobre a importância da poesia em suas composições. A faixa Instrumental apresenta o espetáculo Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, cujo trabalho é resultado da mistura dos ritmos africanos com os instrumentos de sopro, numa inspiração trazida do candomblé. A série Artes Visuais convida para uma visita ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. No episódio, o curador Tadeu Chiarelli mostra a exposição O Agora, o Antes, realizada no ano passado, com uma síntese do acervo do museu.

A revista do sesctv deste mês entrevista o cineasta Wllyssys Wolfgang, que fala sobre os bastidores da realização do filme Ser Tão Avoador. O artigo da roteirista e produtora Claudia da Natividade aborda o curta-metragem como espaço de experimentação. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc São Paulo

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sesctv.org.br/aovivo

Assista a programação do SescTV em

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Poesia sonora

A força e a sonoridade das palavras, que se combinam gerando poesia, potencializada pela melodia e ritmo, num conjunto com status de canção. Assim nasce o trabalho de Arnaldo Antunes e Luiz Melodia, dois compositores brasileiros, cantores-poetas cuja traje-tória musical é marcada por criações de letras con-tundentes. As mensagens presentes em suas obras retratam desde situações corriqueiras até eloquentes histórias de amor. Pela primeira vez, em 2013, eles di-vidiram o palco, num repertório em que mostram suas músicas, em arranjos inéditos. Neste mês, o SescTV exibe esse encontro musical no programa Com a Palavra, Arnaldo Antunes & Luiz Melodia, gravado no Sesc Vila Mariana, na capital paulista.

Apesar de se apresentarem juntos pela primeira vez, ambos revelam uma antiga admiração pelo trabalho do outro. “Eu assisti a um show do Luiz no colégio Equipe, quando estudava lá ainda, nos anos

1970, mas a gente não chegou a se conhecer. Já era fã dele”, afirma Arnaldo. “Somos fãs um do outro. O Arnaldo é isso que vocês conhecem: um letrista de mão cheia, poeta fantástico. Uma clarividência que satisfaz”, confirma Melodia. “As pessoas pensavam: como vai ser esses dois juntos? Aquela incógnita. A gente chega e brinca. Tem dois craques muito à vontade aqui. E trata-se de música”, completa.

Em comum, os dois músicos revelam o interesse por diferentes estilos musicais. “Canto e componho todos os gêneros. O que acontecer na minha vida da música vai ser bem-vindo. Desde o xaxado, o xote, o baião, o samba, o reggae, o funk”, diz Melodia. Essa multi-plicidade chama a atenção de Arnaldo, cujo início de carreira foi intensamente marcado pelo rock, à frente dos Titãs. “Luiz faz essa ponte do rock n’ roll com o samba, ele cruza essas tradições no trabalho dele, algo que outras gerações foram incorporando, a ideia da mistura, sem se ater a uma coisa só”, diz.

A Jovem Guarda é outra influência partilhada por eles. “Vivi a Jovem Guarda de corpo e alma. Tinha inúmeros discos: Golden Boys, Jerry Adriani, Wan-derléa, enfim. Desde moleque já gostava de Roberto Carlos. No Rio, o Erasmo Carlos era meu vizinho e me influenciou muito, é um dos meus ídolos”, revela Melodia. No repertório do show, músicas como: Congênito; Fadas; Feras que Virão; e Pra Aquietar, de Melodia; e Não Vou me Adaptar; Cabimento; e Invejoso, de Arnaldo Antunes. Acompanham os músicos: Chico Salem (voz e violão); Charles Costa (violão nylon); Betão Aguiar (baixo e guitarra); Renato Piau (violão); e Alessandro Cardozo (cavaquinho). Direção para TV: Daniela Cucchiarelli.

música

MúSica

show reúne pela priMeira vez arnaldo antunes e luiz Melodia, Músicos que baseiaM seu trabalho na poesia

episódio inédito apresenta a exposição O AgOrA, O Antes, realizada pelo Mac-usp

O tempo da obra

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O ano de 2013 marcou o cinquentenário do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Desde 2012, o Museu, com acervo de mais de 800 obras, ganhou um novo endereço: o prédio projetado por Oscar Niemeyer, antes ocupado pelo Detran, localizado em frente ao Parque do Ibirapue-ra, e cujas reformas de adaptação do espaço estão em andamento. Para celebrar seus 50 anos, o Museu realizou a exposição O Agora, o Antes, com curadoria de Tadeu Chiarelli, mostrando parte do acervo e da história do local. “A ideia era fazer uma exposição que fosse uma celebração e que apresentasse para o público uma síntese possível da coleção, ou seja, daquilo que ele vai ver quando o Museu estiver total-mente tomado pelas obras”, afirma Chiarelli.

Diante de um acervo composto por obras da segunda metade do século 19 até os dias de hoje, de artistas nacionais e internacionais, Chiarelli propôs uma organização das peças não cronológica, promo-vendo a mistura entre o antigo e o novo. “Essa relação do público com as obras de vários períodos era algo que interessava chamar a atenção”, explica. Dentre os destaques do acervo estão a escultura Graça II, de Victor Brecheret (1940); as telas A Negra, de Tarsila do Amaral (1923) e Fachadas de Igrejas, de Alfredo Volpi (1953); e o único autorretrato reconhecido do pintor Amadeo Modigliani (1919). Dentre as obras de artistas contemporâneos está o Autorretrato com Modernos Latino-americanos e Europeus, de Albano Afonso (2005/10).

Segundo Chiarelli, a intenção era estabelecer um diálogo atemporal da arte exposta com o visitante. “Seria muito fácil fazer uma exposição do tipo: ‘As obras-primas do MAC-USP’. Seria apoteótica, mas per-deríamos a oportunidade de problematizar o acervo e as questões que estão presentes nas obras”, explica. “Então, a ideia foi aproveitar essas características de armazenar objetos artísticos de várias épocas e jogar a questão para o futuro”, diz.

O SescTV exibe, neste mês, o episódio inédito O Agora, o Antes: Uma Síntese do Acervo do MAC-USP, na série Artes Visuais. O programa visita a exposição comemorativa na companhia do curador, que fala sobre seus critérios e suas escolhas na realização desse trabalho, a começar pelo nome dado ao evento. “Esse título O Agora, o Antes, foi justamente para chamar a atenção para essa questão temporal. Por mais antigas que as obras sejam, sua relação com elas é sempre no agora. Quando se está diante dela, a única coisa que você sabe é que, por mais antiga que seja, ela irá so-breviver a você”. Direção de Cacá Vicalvi.

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artes Visuais

com a palavra, arnaldo antunes & luiz MelodiaDia 12/3, 22h

aRteS ViSuaiS

Quartas-feiras, às 21h30 bruno dunleyDia 5/3 paulo brusckyDia 12/3

o agora, o antes: uma síntese do acervo do Mac-uspDia 19/3

arnaldo pappalardoDia 26/3

sesctv exibe filMes preMiados na últiMa edição do festival internacional de curtas-Metragens de são paulo

Para inovar e experimentar

eSPecial cuRtaS

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Prêmio Aquisição SescTV - 24º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo ser tão avoador Direção: Wllyssys WolfgangDia 20/3, às 21h

blurry eyes Direção: Daniel SemanasDia 27/3, às 21h

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esPeciaL curtas

Como contar uma história original, tendo o audio-visual como ferramenta? Novos diretores têm se em-penhado em responder a essa pergunta lançando mão do experimentalismo, de uma abordagem poética e de criatividade na construção das narrativas. O resul-tado desse esforço pode ser conferido nos inúmeros festivais de cinema realizados no País, sendo ainda hoje a porta de entrada desses jovens cineastas e um espaço de descoberta e de inovação de linguagem. A exemplo do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que, em 2013 chegou a sua 24ª edição, consolidando-se como uma referência para o mercado cinematográfico. O SescTV participa anualmente do festival com um prêmio a cineastas estreantes, em duas categorias: KinoÓikos – Formação do Olhar e Melhor Filme de Diretor Estreante. Neste mês, o canal exibe os dois filmes premiados na última edição do evento.

Ser Tão Avoador, direção de Wllyssys Wolfgang, tem a caatinga, no Nordeste brasileiro, como cenário. O curta-metragem apresenta a sina de Mariinha, menina sertaneja que, após a morte da mãe, sofre os maus tratos e a violência sexual do padrasto, enquanto sonha com outros caminhos possíveis. O filme foi realizado no povoado de Lagoa do Alegre, em Casa Nova (Bahia) e é resultado de um projeto que incluiu oficinas para seleção de moradores para participar do elenco e da produção. “Queríamos realizar um trabalho social, e não só filmar”, afirma o diretor Wllyssys Wolfgang. “Como o povoado vive sem energia elétrica e água encanada, tem muita gente que sequer possui aparelhos de televi-são. Era o cenário perfeito para podermos filmar e levar mais informações sobre como funciona o cinema”, diz. No elenco, Manuela Markes, Lara Gomes, Zé Reis, Pedro Lacerda, Bruno Emannuel e Nilda Rodrigues.

Uma desilusão amorosa e a consequente perda parcial da visão são o ponto de partida de Blurry Eyes, direção de Daniel Semanas. Narrado em japonês, em primeira pessoa, o filme conta a história de um rapaz que, após romper com a namorada, passa a enxergar o mundo desfocado. Nessa nova condição, ele é levado a buscar outros ângulos para compre-ender o que se passa a sua volta, missão para a qual ele contará com a ajuda de um novo amor. Como recursos, o diretor opta por uma câmera subjetiva e pelo uso de elementos da cultura pop japonesa, como a estética do anime na caracterização das persona-gens femininas. O elenco conta com Daniel Semanas, Fernanda Garcia, Sérgio Lombardi e Fernanda Garcia.

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O sopro dos batuques

É dos tambores da cultura ancestral africana que Lutieres Leite tira a inspiração para seu trabalho musical. Entender a complexidade dos ritmos, mistu-rá-los a outras referências e traduzir o som percussivo para os instrumentos de sopro compõem a base de sua pesquisa há mais de 30 anos, tendo como ponto de partida a cultura do candomblé. No início desse processo, ele queria entender a base de formação da música no Brasil. “Notei que a música instrumen-tal brasileira só era calcada em dois grandes polos: o samba e seus derivados e o baião e seus ritmos vizinhos”, afirma. Lutieres começou uma pesquisa de sintetização da música, em busca de sua parte primor-dial. “O DNA do samba, que eu gosto de estudar, é o sistema de claves. Clave é a menor porção rítmica em torno da qual a música gira”, explica. Depois de identificar e de transcrever essas partículas para a linguagem musical, Lutieres se propôs um desafio ainda maior: transpor o que era ritmo para o som dos instrumentos de sopro. “A grande questão é promover a transmissão dos desenhos com fideli-dade para os instrumentos de sopro e de base. A isso chamo de UPB: Universo Percussivo Baiano”.

Para colocar em prática esse trabalho, Lutieres criou, em 2006, a Orkestra Rumpilezz, formada por cinco percussionistas e 14 músicos de sopro. “A Rumpilezz é um projeto de pensar a música afro--baiana brasileira, é um cartão de visita da Orkestra.

Não foi criada para entretenimento nem para ser uma opção de trabalho, mas para provar uma coisa que eu já venho defendendo, que é o nível de complexidade da música percussiva. Resolvi compor para a Orkestra para impactar mesmo”, diz.

O trabalho chamou a atenção de outros músicos, como o cantor e compositor Ed Motta, que desco-briu a pesquisa de Lutieres navegando na internet. “Foi um divisor de águas, a mesma sensação que tive quando escutei a música do Moacir Santos”, conta Ed Motta. “O que ele faz é a simbiose da música afro com a informação do jazz, da música clássica, da música de cinema. Do que eu acompanho de música instrumen-tal, o que há de mais eloquente e de mais musical hoje é o Lutieres Leite e a Orkestra Rumpilezz”, acredita.

O SescTV exibe, neste mês, espetáculo inédito de Lutieres Leite & Orkestra Rumpilezz na série Instrumental Sesc Brasil. Antes, em Passagem de Som, o canal apresenta entrevista com o compo-sitor e também o registro da visita que ele fez ao pianista André Mehmari. Juntos, Lutieres e Mehmari promovem o encontro do cravo, instrumento da música barroca, com o som percussivo dos tambores, num laboratório musical que rompe as barreiras de tempo e de estilo. Direção artística: Max Alvim.

PaSSageM De SoM e inStRuMental SeSc BRaSil

Domingos, às 21h e 21h30

Marcio bahia Dia 2/3

letieres leite & orkestra rumpilezzDia 9/3

Marcelo MonteiroDia 16/3

guinga e quinteto villa-lobosDia 23/3

the Mullet Monster MafiaDia 30/3

lutieres leite & orkestra ruMpilezz buscaM na Música percussiva a Matéria-priMa para suas coMposições

instrumentaL

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Retratos do sertão

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wllyssys wolfgang é cineasta. Graduado em jornalismo,

já realizou filmes de ficção e documentários. É de sua

autoria – criação e direção – o curta-metragem Ser Tão

Avoador, vencedor do Prêmio SescTV, categoria KinoÓikos

– Formação do Olhar, na edição de 2013 do Festival

Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que o

canal exibe neste mês (leia mais na página 6).

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Como começou sua relação com o cinema?Eu sempre fui ligado em comunicação, televisão e cinema. E o meu interesse pelo audiovisual parte do pressuposto que essa é a linguagem mais acessível que existe. Através de um filme, vídeo ou curta, é possível comunicar uma mensagem. Por isso, trabalhar com esse suporte me dá muito prazer. Juntar o que tenho de conhecimento com o jornalismo, o que a faculdade de comunicação me deu, com as ferramentas de in-vestigação e apuração, tem sido muito útil. Já produzi pelo menos seis curtas - cinco documentários e uma ficção. Minha ligação com o jornalismo e, consequen-temente, com a linguagem documental, história oral e entrevistas é muito forte. Porém, como é de praxe, os produtos de ficção tendem a fazer mais sucesso ou capturar a atenção com mais intensidade, por isso, dos 16 prêmios e indicações que recebi em festivais e mostras, pelo menos seis foram para o anime [stop motion] A Saga de Um Corno, uma adaptação do cordel para o cinema. Gosto de me aventurar e provar coisas novas.

Como você avalia a atual produção cinematográfica

no País? As produções estão aumentando, melhorando e se segmentando também. Quanto mais produções e produtores, melhor, pois o mercado se movimenta e estimula mais realizações. Esse é o fluxo que deve ser

compreendido. A diversidade, liberdade e escolhas devem ser respeitadas dentro disso.

Como surgiu a ideia do filme Ser Tão Avoador?Ainda há uma esfera social abaixo de tudo que vemos e que vivemos. É nessa anágua social que acontecem os crimes, as opressões, subjugações e muitas violências. Uma delas é contra as mulheres. E Ser Tão Avoador traz na história de Mariinha um pouco disso. Por vezes, ela se desprende da realidade para tentar suportar as agruras da vida dela e encontra no desejo de voar o subterfúgio para sobreviver. Além do mais, mostra quão animalescas podem ser estas relações, num lugar tão a esmo. Em outras palavras, ela é mais próxima e tem melhor convívio com os animais e a natureza do que com o próprio padrasto. Não queríamos chocar - até evitamos explicitar cenas de violência - mas quería-mos bater nesta tecla de que ainda há situações assim. O fato de ter ido a uma comunidade tão remota nos permitiu estar mais pertinho de cenários onde histó-rias de Mariinhas acontecem. A protagonista do filme vive a aridez de sentimentos, em um tempo de seca que de fato existe e que não precisamos produzir. E por isso a escolha do local. O acesso é tão difícil e fica tão longe, que na estrada de chão chegamos a trincar o pára-brisa de dois carros, furar o tanque do motor de um e capotar outro.

Quais os desafios para realizar as filmagens num povoado do sertão baiano? Gosto de ir além do improvável. E as dificuldades de realização de Ser Tão Avoador destacam isso. Durante um mês, nós nos dedicamos a preparar o pessoal; mais duas semanas para gravar e dois meses para finalizar e fazer a pré-estreia. Juntando tudo, foram cerca de oito meses. Poderíamos ter feito em menos, mas faltava água, alimentos e a irradiação solar era extrema, então dávamos umas pausas. No fim, foram quase cem pessoas que preparamos. Eles fizeram dois documen-tários sobre a comunidade, filmando, entrevistado. Foi, acima de tudo, divertido. Até hoje eles me ligam do único orelhão - a luz solar - que há no povoado.

O projeto do filme incluiu um envolvimento mais intenso com a população local. Como foi esse processo?O povoado não tem energia elétrica nem água encanada. Muitas pessoas não têm sequer uma tele-visão. Logo, muitas também nunca tinham assistido a um filme, quiçá participado de alguma produção. Então, prepará-los para atuar e contribuir na produção foi um desafio pessoal e um compromisso que eu queria com aquela comunidade. O resultado foi surpreendente. A primeira exibição fiz questão que fosse lá. Como não tinha energia nem estrutura pra exibir, movemos uma logística enorme. No dia,

a notícia da exibição do filme já tinha transposto os limites de sertão baiano e chegava ao Piauí. Pessoas chegavam montados em cavalos, jumentos, motos, paus-de -arara, ônibus, a pé, depois de andarem muitos quilômetros. A exibição foi em praça pública e reuniu, para minha surpresa, mais de 500 pessoas. Foi o maior prêmio que eu poderia ter recebido.

Na sua opinião, tem crescido o interesse do espectador

pelo curta-metragem?Tem aumentado o número de pessoas interessadas em curtas e, por isso também, tem crescido o número de produções como esta. Quando fazemos, queremos que as pessoas vejam. Seria como lançar um livro e não publicar. Por isso são tão importantes estes espaços de veiculação de curtas. Só assim muitas pessoas terão acesso a realidades como a de Ser Tão Avoador, que não é totalmente fictícia. Já não há mais espaço para preconceitos. Quem gosta de longas, vai assistir aos longas; quem prefere curtas, agora tem possibilidades de ver.

Em que medida a internet contribui com os filmes de

curta-metragem?A internet tem sido outro canal para o estímulo a pro-duções curtas. Antes, precisava-se de uma estrutura enorme. Hoje, não necessariamente. Pode-se fazer qualquer coisa e disponibilizar lá. Quem gostar, assiste. Quem quiser, vai atrás e encontra. O importante é ter a variedade e possibilidade de gêneros, tamanhos, tipos etc. A internet permite isso.

De que forma a televisão pode ampliar o acesso do

público aos novos cineastas?A televisão consegue chegar, entrar na casa das pessoas e falar com todas elas. É uma linguagem e um veículo universal. Ela entrega da maneira mais prática o conteúdo. Espaços que veiculam curtas-metragens permitem que as pessoas tenham acesso, se interes-sem, queiram mais e, automaticamente, fomentem a produção. É extremamente importante esse ciclo. Só assim nascerão novos cineastas, produções, conceitos, mercados, e oportunidades.

“no dia da exibição, pessoas chegavaM Montados eM cavalos, juMentos, Motos, paus-de-arara, ônibus, a pé, depois de andareM

Muitos quilôMetros”

“o fato de ter ido a uMa coMunidade tão reMota nos perMitiu estar Mais pertinho

de cenários onde histórias de Mariinhas aconteceM”

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Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas.A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

A região Nordeste concentra praticamente cem por cento da produção de caju no Brasil, especialmente os Estados de Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Fruta valorizada por seu valor nutritivo, por seu sabor adocicado e pela castanha, o caju só passou a significar geração de renda na década de 1990, com a criação de assentamentos e cooperativas de agricultores para trabalhar no ciclo do caju. É o que mostra o episódio inédito Ciclos da Terra: Caju, que o SescTV exibe no dia 20/3, às 21h30, na série Coleções. Com enfoque na valorização da cultura regional brasileira, a série tem direção geral de Belisario Franca. Neste mês, também serão apresentados: Cidades Históricas: Pirenópolis, dia 6/3; Cidades Históricas: Natal, dia 13/3; e Ciclos da Terra: Rosas, dia 27/3.

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da programação.

sustento pelo caju

Direção executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini

coordenação de Programação: Juliano de Souza coordenação de comunicação: Marimar Chimenes Gil Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi

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SeRViÇo Social Do coMÉRcio – SeScAdministração Regional no Estado de São Paulo

Presidente: Abram SzajmanDiretor Regional: Danilo Santos de Miranda

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A revista SescTv é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a

vender anúncios.coordenação geral: Ivan Giannini

Supervisão gráfica e editorial: Hélcio MagalhãesRedação: Adriana Reis

editoração: Rosa Thaina SantosRevisão: Marcelo Almada

O SescTV apresenta, neste mês, um panorama dos trabalhos do Balé da Cidade de São Paulo, com a exibição de espetáculos da companhia, na série Dança Contemporânea. A programação começa com Quase Ela + Wii Previsto, no dia 14/3, às 21h . Na semana seguinte, é a vez de Nos Outros / Cidade Incerta, dia 21/3 . Direção para TV de Antônio Carlos Rebesco.

panoraMa balé da cidade de sp

A atual produção cinematográfica brasileira tem sido marcada pelo crescimento do chamado gênero dos documentários musicais, filmes que resgatam histórias de personalidades do universo da música, intercalando depoimentos, imagens de arquivo e cenas de shows. O tema é debatido no episódio Documentários Musicais, da série Contraplano, no dia 21/3, às 22h. No programa, o filósofo Celso Favaretto e o poeta Geraldo Carneiro analisam quatro filmes: Simonal – Ninguém Sabe o Duro que Eu Dei; O Homem que Engarrafava Nuvens; Raul – o Início, o Fim e o Meio; e A Música Segundo Tom Jobim. Direção de Luiz R. Cabral.

o resgate do palhaço

Música no cineMa

Um HQ de Laerte Coutinho inspira o curta-metragem A Noite dos Palhaços Mudos (12 anos), com direção de Juliano Luccas, que o SescTV exibe no dia 3/3, às 21h, na série Faixa Curtas. No filme, um palhaço é sequestrado por um grupo de empresários com objetivo de exterminar todos os palhaços. Uma operação de resgate é organizada por dois palhaços mudos, que usam, para isso, técnicas de humor. Com Domingos Montagner e Fernando Sampaio no elenco, o filme recebeu prêmios em festivais em Cusco (Peru) e San Juan (Argentina), entre outros. Na sequência, a série apresenta o curta A Espera, de Ernesto Solis, com Matheus Nachtergaele no elenco. Ainda neste mês, serão exibidos: A Lata / Até Logo Mamãe, dia 10/3 ; O Apito / Campeonato de Pescaria / O Muro, dia 17/3 ; Alô Teteia / Tzubra Tzuma, dia 24/3 ; e Almas em Chamas / Rasgue Minha Roupa, dia 31/3 .

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artigo

Antes de entrar propriamente no tema deste artigo,

“O curta-metragem como espaço de experimentação

de linguagem”, é importante entendermos o que é o

objeto desta análise. O curta-metragem é, para todos

os efeitos, um filme, uma forma breve de expressão

audiovisual, com início, fim, unidade temática e com

uma altíssima coerência e coesão interna. Essa primeira

definição afasta imediatamente o conceito muitas

vezes difuso de que o curta-metragem seria uma parte

menor de um longa-metragem ou de que seria uma

preparação, um primeiro experimento narrativo para

um filme de maior duração.

Uma segunda maneira de entender o curta-metra-

gem em sua natureza é sua duração. O curta-metra-

gem tem uma duração diferente daquela comumen-

te utilizada em um filme de mercado ou que poderia

potencialmente ser distribuído através de estruturas

comerciais convencionais, como as salas de cinema. O

curta-metragem costuma ter uma duração de apro-

ximadamente 15 minutos. Contudo, considerando o

standard internacional para esse tipo de produção,

não é errado afirmar que são considerados curtas-me-

tragens filmes de até trinta minutos de duração.

A percepção temporal do curta-metragem unida à

consciência dos realizadores de que a difusão dessa

forma breve de expressão se dará por meios não con-

vencionais, são as principais características de diferen-

ciação e de autonomia dessa forma de expressão. Em

outras palavras, não sendo o curta-metragem, desde

sua essência, um filme realizado para o mercado tradi-

cional de distribuição, abrindo-se, nesse modo de ex-

pressão, um espaço potencial para a entrada do novo,

do próprio, da experimentação, do ousado em relação

às formas mais tradicionais de narração e de lingua-

gem já estabelecidas e testadas nos longas-metragens

e no cinema comercial.

Essa experimentação acontece no curta-metragem

desde o momento de escritura do roteiro, que se di-

ferencia muito daquela normalmente utilizada nos

filmes longos, onde muitas vezes os momentos des-

critivos da estória são bastante acentuados e onde as

sub-tramas constituem parte integrante da narrativa.

No curta-metragem, diferentemente, precisa-se buscar

a concisão e a síntese narrativa, muitas vezes criando

momentos ininterruptos de tensão para contar com

objetividade e simplicidade a estória do filme. Por essa

necessidade de abordagem direta, tanto os roteiris-

tas quanto os diretores e, inclusive, os montadores de

curtas-metragens podem se apropriar de novos concei-

tos, de novos modos de expressão artística, podem por

vezes explorar novas tecnologias e, com isso, ousar.

Outra característica de grande parte dos curtas-me-

tragens – e que acaba sendo um interessante modo de

experimentação – são os próprios limites produtivos da

obra. O curta-metragem é, em muitos casos, realizado

com recursos muito mais modestos daqueles de uma

produção mais longa, e com algum potencial de dis-

tribuição em mercados tradicionais. Essa característica

pode contribuir para que se encontrem alternativas

de execução da obra fora do padrão convencional, o

que muitas vezes pode até mesmo inovar e criar novos

estilos narrativos e de linguagem.

Finalmente, vale lembrar que o curta-metragem é

em muitas situações uma janela de possibilidade de

entrada de novos talentos e de novos profissionais

para o mercado audiovisual. Com isso, não quero

afirmar que o curta-metragem se resume a um rito

de passagem, a uma escola ou aprendizado para um

modo mais profissional ou mercadológico de produção

audiovisual. De fato, aquilo que importa quando per-

cebemos o curta como laboratório de formação de

novos realizadores é que, em sua maioria, estes novos

realizadores são jovens, imbuídos de uma liberdade

que se expressa nas telas, e que muitos destes jovens

são talentosos e permanecem ainda com o frescor e a

audácia suficientes para ousar, propor, subverter, des-

construir e muitas vezes inovar modelos estabelecidos.

Claudia da Natividade é roteirista e produtora de Cinema. Com

formação em Ciências Humanas, foi produtora executiva e ro-

teirista de Estômago, dirigido por Marcos Jorge, e do premiado

documentário O Ateliê de Luzia – Arte Rupestre no Brasil.

Curta-metragem e a experimentação da linguagem

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dança contemporâneasextas-feiras, às 21h

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