o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS...

15
PRIMEIRA PESSOA o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS ~ PSICOSSOMAT COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas de diversas áreas fazem uma avaliação crítica sobre esta questão tão atual. Suplemento da RAE Edith Seligmann Silva é Médica Psicoterapeuta e Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da Administração da EAESP/FGV. O conhecimento científico e a ex- periência clínica fundamenta- ram o desenvolvimento de mo- dalidades de psicoterapia e fisioterapia que têm aliviado o sofrimento humano e RAE Light 41

Transcript of o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS...

Page 1: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

o QUE ELES PENSAMSOBRE PROBLEMAS

~

PSICOSSOMAT COSNO TRABAL O

Existem soluções para problemas psicossomáticos notrabalho? Especialistas de diversas áreas fazem uma

avaliação crítica sobre esta questão tão atual.

Suplemento da RAE

Edith Seligmann Silvaé Médica Psicoterapeuta e ProfessoraAdjunta do Departamento deFundamentos Sociais e Jurídicos daAdministração da EAESP/FGV.

O conhecimento científico e a ex-periência clínica fundamenta-ram o desenvolvimento de mo-

dalidades de psicoterapia e fisioterapiaque têm aliviado o sofrimento humano e

RAE Light 41

Page 2: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

contribuído para a cura de muitas doen-ças. Uma outra forma é a que tem sidochamada de "terapias para os normais",

. sobre as quais cita o sociólogo RobertCastel, em seu livro A gestão dos riscos:"O recurso a uma tecnologia psicológi-ca não tem por único objetivo reparar(curar), nem mesmo manter a saúde(prevenir), mas também servir para ex-plorar, aprofundar, trazer um acréscimoque não se contentaria em calafetar umdisfuncionamento". Certamente as for-mas de ação psicológica adotadas nosambientes de trabalho precisariam seranalisadas dentro de uma perspectivaem que suas variedades e a complexi-vidade de suas determinantes pudes-sem ser contempladas. O que, eviden-temente, é impossível no limite destenosso parecer.

Por melhores que sejam, tecnica-mente, certas intervenções, ou formasde ação psicológica, nem sempre serãocapazes de neutralizar a poderosa "li-nha de montagem" da ansiedade e dossentimentos de insegurança gerados,simultaneamente, na vida social exter-na ao local de trabalho e no cotidianodas empresas onde dominam os novosparadigmas organizacionais.

Vamos mencionar alguns aspectosque nos parecem essenciais nessesmecanismos de produção da tensãodentro da modernidade, do modo comoela está sendo configurada no Brasil.

1. A imprevisibilidade Comecemospor tratar do aspecto da imprevisibilida-de. A capacidade humana de lidar comeste aspecto é limitada. E é tanto maislimitada quando trata da imprevisibilida-de que se refere ao que é mais essen-cial: a sobrevivência. Isso diz respeitotanto aos indivíduos quanto às coletivi-dades. Quando as empresas não conse-guem prever os rumos da economia edo mercado ou quando a insegurança étransmitida por meio de suas políticas depessoal, no plano individual, o que cadaum sente é a incerteza quanto à sua pró-pria perspectiva de desenvolvimentopessoal, profissional, de carreira e até depermanência no emprego. Para os maishumildes, não se trata apenas de sobre-vivência na função, mas de sobrevivên-cia de fato de cada um deles e da famí-

42 RAE Light

lia, a médio ou a longo prazo.2. A construção da identidade. Um

outro aspecto a considerar são as exi-gências que apresentam impacto sobrea identidade, aqui considerada em ter-mos do modo pelo qual o indivíduo for-ma sua imagem, reconhece seu própriopapel social e constrói seu projeto devida. Vale salientar que nisto estão in-cluídas a auto-estima e a confiança emsi próprio. O trabalho sempre foi uma di-mensão importante nessa construçãohumana de identidade. Formulamos,então, uma questão muito presente nonosso tempo, já colocada por filósofos,sociólogos, economistas e pensadoresda Administração, e que é também ob-jeto de preocupação de muitos psicólo-gos: de que modo os imperativos de ex-celência (maximização da qualidade to-tal) estão atingindo a identidade profis-sional e pessoal? Esta mesma questãotambém tem sido levantada para inda-gar quais as repercussões das exigên-cias de polivalência no trabalho.

Falemos primeiro da excelência. Asindagações que aqui se fazem são asseguintes: que sentimentos de temor- ou mesmo de pânico - são mobili-zados diante do receio de fracassar?Será que todos suportam - mantendoseu equilíbrio psíquico e psicossomáti-co - o desafio categórico de ser exce-lente ou de cair na situação de "funcio-nário descartável"?

Essas questões têm sido evidenciadascomo muito reais e angustiantes. Váriosespecialistas, especialmente na França ena Alemanha, identificam-nas como fon-tes de um novo tipo de estresse, o estres-se da excelência, quetambém foi chama-do neurose de excelência.

Em segundo lugar, poderíamos lem-brar as exigências de polivalência notrabalho, que podem ferir fundo aquelesque possuem projetos de desenvolvi-mento pessoal e profissional, nos quaisa especialização aparece como grandeexpectativa. Por outro lado, existemtambém estudos de sociologia do traba-lho que mostram como a polivalência,em certas empresas, significa um pre-paro limitado aos interesses do "merca-do de trabalho interno à própria organi-zação". Isto é, o indivíduo pode estar

Maio/Junho de 1995

Page 3: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

pronto para assumir bem diferentes fun-ções, do modo como são detalhadas es-pecificamente no interior de determina-da organização ou empresa. Isto criariaum forte sentimento de dependênciaem relação à empresa, ao mesmo tem-po que geraria enorme insegurançaante o fantasma do desemprego.

Existiriam ainda outros aspectos quecolocam limites aos potenciais benefí-

Haruo Okawaraé Médico e Diretor da ClínicaKinsey, em São Paulo. Em qualquer empresa é possível

identificar indivíduos que, aparen-temente sem se cansar, devotam-

se de maneira compulsiva ao trabalho,considerando sua carreira uma grandefonte de satisfações. Inspirado nessaspessoas, o escritor norte-americanoWayne Oates cunhou, em 1968, o termoworkaholíc - indivíduo viciado em tra-balho, tal como o alcoólatra, em álcool.Para essas pessoas, a ociosidade é umdesperdício, um tempo durante o qualnada está sendo produzido. Já o trabalhoé a razão e o fim de tudo. Não se permi-tindo férias ou diversões, elas se dedi-cam compulsivamente à profissão, per-seguindo metas cada vez mais ambi-ciosas. Privadas do trabalho, ainda quepor poucos dias, podem apresentar sin-tomas de dependência iguais aos de umtoxicômano em relação à droga.

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁTICOS

cios advindos de boas terapias. Valerecordar isto para que se possa pensarna vantagem que haverá em termos desaúde e, portanto, também de qualidadede vida na empresa, se, além de inves-timento em assistência médica, psicoló-gica e fisioterápica, houver também pen-samento voltado para a adequação desituações de trabalho aos limites e às ne-cessidades da natureza humana.

Mesmo que mantenham seu ritmo ha-bituai de trabalho, alguns executivostornam-se vulneráveis aos efeitos doestresse. Em suas fases iniciais, a ten-são emocional experimentada por umexecutivo pode ser até agradável ouestimulante, sobretudo se resultou deum triunfo nos negócios ou de uma pro-moção na carreira. Mas é desagradávelquando se prolonga em demasia ouquando é causada por perdas financei-ras desastrosas ou por uma demissãoinesperada. Quando as reservas deenergia se esgotam - porque o indiví-duo ultrapassou os limites que lhe per-mitiam suportar a tensão emocional -o organismo não se reequilibra espon-taneamente, passando a manifestarperturbações físicas e psicológicas.Podem se desenvolver doenças psicos-somáticas - como úlcera péptica ecolite - ou distúrbios decorrentes daqueda de defesas imunológicas -como aftas, gripes e surtos de herpes.

De início, os sintomas de estresse de-senvolvem-se de forma lenta e aparen-temente contraditória. Assim, quando atensão ainda é leve, o indivíduo sentegrande disposição para o trabalho euma percepção excepcionalmenteaguçada, de maneira que até desejamanter-se nesse estado. Mas, na ver-dade, esses sinais indicam que suasreservas de energia já estão sendoconsumidas. À medida que o estressese prolonga, surgem sintomas comogradativo cansaço físico, transtornosgastrointestinais, dores muscu lares,perturbações do sono, irritabilidade, di-

RAE Light 43

Page 4: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

ficuldade de concentração e sentimen-tos pessimistas. Outra área geralmenteprejudicada é a sexual, caracterizadatanto por um aumento da atividade se-xual como, mais provavelmente, poruma diminuição da libido. Excesso detrabalho e dedicação exagerada a umacarreira não diminuem necessariamen-te o desejo sexual e nem causam impo-tência, mas a fadiga, a ansiedade e ten-são resultantes do apego excessivo aoserviço e à profissão podem afetar a li-bido e a capacidade eretiva.

Quando o estresse atinge níveis mui-to elevados, os sintomas podem ser fa-diga extrema, dificuldade para realizartarefas simples, desinteresse por assun-tos sociais e familiares, lapsos de memó-ria, problemas de visão, episódios detontura, sensações de medo e chorosimotivados. Nos estágios finais, os sin-tomas muitas vezes são dramáticos:sensação de pânico, respiração ofegan-te, tremores, calafrios, transpiração ex-cessiva, batidas pesadas no coração eprostração.

O que leva uma pessoa a atirar-se tãocompulsivamente ao trabalho? O execu-tivo sob tensão excessiva deve ter emmente que esse estado resulta, muitasvezes, da frustração de desejos profun-dos, dos quais geralmente não tem cons-ciência. Dentre as motivações psicológi-cas mais comuns no workaholicinclui-sea necessidade de outras pessoas o per-ceberem e aprovarem tudo o que faz.Além disso, é também comum que te-nha uma auto-imagem precária, o que oleva a se comportar como se fosse sem-pre indispensável no que faz. É esseesforço para se tornar "alguém" que odistingue de outros que executam fun-ções semelhantes.

Há também o executivo que consomesuas reservas de energia empenhando-se incessantemente em ser útil e neces-sário, ou seja, preocupando-se maiscom problemas alheios do que com osseus. Ocorre que, ao fazer tudo pelosoutros, descuidando-se das suas pró-prias necessidades, ele está habituan-do aqueles que o rodeiam a dependercada vez mais dele. É o que se chama"a-ajuda-que-atrapalha", uma genero-sidade questionável, que só contribui

44 RAE Light

para alimentar defeitos alheios.Algumas medidas simples de auto-

ajuda podem contribuir para aliviar aansiedade de pequena intensidade e,em conjunto com outras providências,combater o estresse. O objetivo é fazercom que o executivo adote, para consi-go próprio, uma atitude mental menosexigente mas, ao mesmo tempo, maisconfiante, segura e confortável. Porexemplo, nas situações de ajuda a ter-ceiros, terem-se presentes diretrizescomo a de somente fazê-lo se solicita-do (claro que isto não se aplica em ca-sos de socorro urgente, como aciden-tes); limitar a ajuda a uma só ocasião;evitar assumir responsabilidades porterceiros quando sua ajuda é requerida;não esperar retribuição pelo seu gesto.

No intuito de combater o estresse, oexecutivo pode aplicar, por conta pró-pria, outras medidas simples, como:

• bloquear problemas temporaria-mente. O executivo pode dizer parasi: "Não quero examinar esse proble-ma agora; voltarei a pensar nele quan-do me sentir mais disposto";

• estabelecer horário flexível. O exe-cutivo pode mudar o seu horário, demaneira a trabalhar no escritório mui-to cedo, pela manhã, ou até tarde danoite, quando poderá se concentrarem tarefas difíceis sem ser interrom-pido;

• escrever memorandos para si mes-mo. Em situações de intenso estresse,o executivo pode escrever um memo-rando enérgico, enumerando os moti-vos que o perturbam, nomeando aspessoas e as políticas erradas de seudepartamento (não é necessário ler ouenviar o memorando para alguém,pois o objetivo é apenas pôr para foraseus sentimentos aqressivos):

• atacar um problema de cada vez.Se várias pessoas ou problemas esti-verem causando tensão será menosdesgastante enfrentar cada um delespor vez;

• desenvolver outras atividades. Umadas melhores maneiras de aliviar oestresse é reservar tempo para ativi-dade diferente da rotina de trabalho,como colecionar selos, tocar um ins-

Maio/Junho de 1995

Page 5: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

trumento musical ou realizar trabalhomanual.

Além dessas estratégias, o combateao estresse deve incluir medidas rela-cionadas à saúde, como exercícios fí-sicos, alimentação e sono. Assim, todoexecutivo deve reservar em sua agen-da um período de 40 a 60 minutos di-ários para exercícios aeróbicos (comaprovação de seu médico), como nata-ção ou caminhadas vigorosas. Essesexercícios não só o afastam das ativi-dades que provocam tensão emocio-nai como fortalecem o seu sistemacardiovascular. No tocante à alimenta-ção, é útil lembrar que uma dieta equi-librada, orientada por médico, é impor-tante para manter o nível de energianecessário para a reposição da energia

Lígia Cortezé Atriz e Proprietária doTeatro-Escola Casa do Teatro. Muitas vezes, trabalhando como

atriz ou professora de teatro,tenho escutado o comentário:

"Prefiro muito mais fazer teatro do queir ao teatro". A princípio pode parecerantagônico, mas se investigarmos umpouco entenderemos perfeitamente asrazões que a frase contém.

Assistir a um espetáculo com bons ato-res e direção segura certamente nos dáum imenso prazer. Sentimo-nos identi-

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁTICOS

espoliada. Por fim, o executivo deveconsiderar que uma quantidade sufici-ente de sono (em geral, de sete a novehoras) é essencial para se recuperarda estafa física e mental a que fica dia-riamente submetido. A insônia é, comfreqüência, sintoma e efeito da ansie-dade provocada pelo estresse. Se elapersistir, um médico poderá prescreversedativos.

Não há uma linha divisória entre a ten-são passível de controle pelo executivo(sozinho ou conversando com um ami-go) e a tensão que deve ser tratada pormédico. Até porque os sintomas maissignificativos somente podem ser senti-dos pelo próprio indivíduo. Se o execu-tivo puder reconhecê-los, será possivel-mente o melhor juiz para determinar sedeve ou não procurar ajuda profissional.

ficados e pertencentes a uma mesma ci-dadania. Mas é possível que isto não secompare ao prazer de estarmos atuan-do, experimentando novas situações,expressando novas idéias através docorpo, voz e emoções. O autoconheci-mento que o teatro traz pode ser extre-mamente rico e renovador tanto para oindivíduo quanto para a comunidade.Como conseqüência, esse crescimentointerno propicia ao participante mani-festar e reproduzir o seu progresso nosdiversos ambientes de sua relação (tra-balho, núcleo social, familiar etc.).

É preciso apenas distinguir o aluno quefaz teatro daquele que procura uma es-cola para se tornar um ator profissional.Os objetivos são diferentes, o que nãoindica necessariamente que os resulta-dos serão diferentes. Porém, procuroaqui apenas tratar do aluno que quer seexpressar através do teatro, fazer comque essa experiência seja levada parasua vida pessoal e profissional.

Alguns pontos são fundamentais parase entenderem os aspectos positivosque a atividade teatral proporciona.

Os exercícios dramáticos são consti-

RAE Light 45

Page 6: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

tuídos tanto de raciocínio lógico como deatividades corporais. O aluno pensa atu-ando e atua pensando. Ludicamente,esses exercícios fazem com que o alu-no se reconheça em seus limites e, por-tanto, possa trabalhar sobre si própriopara diminuir as suas limitações e am-pliar as suas potencialidades. O partici-pante passa a se autoconhecer e ir embusca de um caminho onde possa serautêntico e pleno como indivíduo.

A arte dramática é uma das ativida-des artísticas em que não se cria nemse trabalha sozinho. Ao contrário, divi-de-se e compartilha-se a criação comoutros indivíduos. Por isso, os jogosdramáticos propostos em aula têmsempre regras e ordens hierárquicasbastante definidas. Somente a partirdisso é possível criar e atuar dramatica-mente. Conforma-se, então, um ambi-ente de interatividade, de união e decoletivismo, em que todos estão volta-dos para um mesmo objetivo. Amplia-se, portanto, a capacidade de observa-ção e entendimento do ser humano,convergindo com o outro, com quem serelaciona e interage.

Outro ponto importante é o aumentodo potencial criativo que, todos sabe-mos, é inerente ao ser humano. Não éprivilégio de alguns, mas é um dom quetodos temos e que precisamos desen-volver. Em ambientes cujo cotidiano éextremamente programado e previsí-vel, pode-se amortecer a capacidadecriativa.

O trabalho diário, principalmente oexercício de funções administrativas,lida com o compromisso do acerto e, poroutro lado, com a tensão e a possibilida-de do erro. O acúmulo de responsabili-dades e o medo de errar podem, então,gerar bloqueios internos, reduzindo, noindivíduo, a capacidade de expressãoespontânea. Como a empresa esperaprontidão na execução das tarefas e noatendimento das necessidades exigidaspela função, o indivíduo bloqueia suasdúvidas e, até mesmo, possíveis suges-tões quanto ao sistema de organizaçãointerna. A empresa espera do profissio-nal a perfeição. O indivíduo sobrecarre-ga-se para responder da melhor formapossível às solicitações.

46 RAE Líght

Se, paralelamente ao exercício deuma profissão estressante, o indivíduo"perdesse" tempo com ele próprio -por exemplo, fazendo teatro -, encon-traria novas possibilidades de se expor,de se colocar e de expressar suas idéias.Como em teatro o indivíduo trabalhaseus sentimentos de dentro para fora, éa partir deste autoconhecimento que eleencontra a harmonia pessoal no exercí-cio de seus afazeres diários.

Em teatro não existe o conceito docerto e errado e, sim, a promoção deações espontâneas e autênticas, queresultam em situações inovadoras einéditas. Poder exercitar-se dramatica-mente libera o indivíduo para novasdescobertas e possibilidades de partici-pação. Como fazer teatro, além de di-vertido e prazeiroso, é um aprendizadopara a vida, com certeza o indivíduopode transpor com maior segurança,para o seu dia-a-dia e principalmentepara o trabalho, as suas idéias, relacio-nando-se e executando tarefas commais tranqüilidade, sem tanta tensão.

A vivência teatral é eficaz porque éatuante, transformadora. Quem a pra-tica desenvolve condições de recriarsituações preestabelecidas, gerandonovos conceitos e novas práticas. As-sim como o artista se alimenta e se ins-pira dos acontecimentos, imagens eobservações do círculo exterior, para,então, elaborar, recriar e desenvolver asua arte para a comunidade, este tam-bém é um ato natural do participante doexercício teatral.É por isso que acredito no teatro como

agente terapêutico. Certamente o teatronão substitui uma terapia. Mas, em mui-tos casos, quando orientado por um bomprofissional, torna-se extremamente es-timulante para o crescimento de quem opratica.

O teatro é, sem dúvida, instrumentopotente e eficaz, que deveria ser pratica-do em empresas, universidades e esco-las. Com sua capacidade renovadora eintegradora, promove o crescimentopessoal e, conseqüentemente, o cresci-mento coletivo, podendo gerar uma so-ciedade mais humana, participativa edemocrática.

Maio/Junho de 1995

Page 7: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

Ladislau R. U. Glausiouzé Psiquiatra e Professor Assistente da EscolaPaulista de Medicina. Uma doença mental tem sintomas

mentais: fobias, obsessões, de-pendência de drogas ou pessoas,

medos, inibições, loucuras sob a formade alucinações e/ou delírios, atos impul-sivos, tristeza, depressão, excitaçãomental, perversões sexuais, transtornosdo desenvolvimento, autismo etc.

Uma doença psicossomática não temsintomas mentais, mas sintomas físicostípicos das doenças da medicina, e re-cebe os diagnósticos comuns de: asma,alergia, colites diversas, hipertensão ar-terial, artrite, gastrite, úlcera duodenal,cefaléias, dores diversas, psoríase,vitiligo. Essas doenças respondem bemaos tratamentos convencionais, e suascomplicações clínicas exigem interven-ções médicas sofisticadas e por vezesaté colocam em risco a vida do pacien-te. Pertencem claramente ao domínioda medicina.

Entretanto, associadas aos casos depessoas propensas a acidentes, de pes-soas que com freqüência contraem in-fecções banais por diminuição da resis-tência geral, ou às "neuroses de desti-no", ou seja, de pessoas que parecemsó ter azar na vida, constituem um cam-po de interesse para psiquiatras, psica-nalistas, médicos, epidemiologistas,sobretudo pela hipótese fascinante deserem doenças psíquicas sem compro-metimento psíquico sob a forma de sin-tomas mentais. Dito de outra forma,seriam doenças mentais nas quais opaciente está tão dissociado da sua

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁ-TlCOS

vida emocional que a "doença" signifi-ca algo que o atinge a partir do mundoexterior, e não lhe parece, em hipótesealguma, relacionada à sua biografia, àsua vida emocional ou às circunstân-cias momentâneas.

Na concepção clássica, psicologizante,da psicuiatrta psicodinâmica, as doençasmentais são concebidas como "solução"de conflitos psíquicos inconscientes. Assoluções variam desde as mais regres-sivas, como as psicoses, até as maispróximas da normalidade, como as neu-roses, ocupando o espaço intermediárioas dependências, perversões sexuais,depressões, hipocondria. A "normalida-de", se é que existe, seria uma soluçãoideal que permitiria ao "ser humano nor-mal" o pleno desfrute das suas capacida-des pessoais, bem como a experiênciacriativa das dificuldades próprias do exis-tir (luto, abandonos, separação, morte,doença, pobreza, fracassos pessoais eamorosos).

A doença psicossomática seria entãouma solução particular e especial des-ses conflitos psíquicos inconscientes.Particular no sentido de que a "solução"dos conflitos psíquicos inconscientesque a doença psicossomática represen-ta exclui a própria vida mental do paci-ente, ou seja, o aliena de si mesmo demodo radical.

Ele torna-se um ser humano "semmente". Basta conversar atentamentecom um asmático crônico ou com umartrítico igualmente crônico para expe-rienciar esse fenômeno, tão empobre-cedor quanto impressionante.

Vem daí a freqüente comparação en-tre psicossomática e alienação mentaldeterminada pela psicose. Em ambas ascircunstâncias, há um empobrecimentomental severo: na psicose a alienaçãoocorre em relação ao mundo social; nadoença psicossomática se dá pelo empo-brecimento de conteúdos e a correspon-dente monotonia.

Qual a relação disso com o trabalho?A complexidade das relações entre tra-balho e doença, especialmente entretrabalho e doença mental, impede umadiscussão pormenorizada nesse âmbi-to. Indicaremos alguns poucos pontos.

No que se refere à causalidade: os

RAE Lighf 47

Page 8: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

conflitos ligados ao cenário onde ocorrreo trabalho apenas e tão-somenteacentuam os conflitos psíquicos que apessoa já vivia, ainda que sem consci-ência. Por exemplo: situações de riva-lidade, inveja, ciúme, ligadas à ascen-são ou decadência profissional. A "solu-ção" desses conflitos através da doençapsicossomática, por exemplo a psoríase,além de assinalar a lesão emocional for-temente deslocada (dor de cotovelo),obriga a pessoa a desinteressar-se do tra-balho e a concentrar-se no tratamento(pomadas, ungüentos, dietas, irradia-ções), alienando-a do trabalho (situaçãoconflitiva) e de si mesma (negação dainveja, raiva, ciúme).

No que se refere ao tratamento, aquestão do afastamento do trabalhopara fins de tratamento de doença en-contra amparo seja na cultura seja naprática da autoridade previdenciária.Entretanto, considerando o aspecto de

Latife Vázigié Psicóloga e Professora LivreDocente do Departamento Psiquiátricoe Psicologia Médica da Escola Paulistade Medicina. Se tomássemos a perspectiva clí-

nica, poderíamos iniciarfazendouma distinção psicopatológica

entre as diferentes manifestações ouexpressões somáticas, como as quei-xas somáticas, os funcionamentos hipo-

48 RAE Light

alienação implicado em toda doençamental e na doença psicossomática emparticular, o afastamento do trabalhopara fins de tratamento acaba sendo oinstrumento material da alienação quea doença psicossomática já tem em simesma. Ou seja, o afastamento é umaantiterapêutica.

Certamente não é a psicoterapia amelhor terapia. São pacientes cuja "solu-ção" exclui a vida mental e, por issomesmo, bastante resistentes e esqui-vos em relação a tratamentos psicoló-gicos e psicoterápicos. No momento, amelhor terapia, além do tratamento mé-dico dos sintomas, parece ser mesmo otrabalho, a atividade profissional, nosentido de evitar a alienação, especial-mente a alienação que se estabeleceatravés da "medicalização" da pessoa ea sua conseqüente transformação emdoente crônica.

condríacos, as dores crônicas, as doen-ças psicossomáticas e os sintomasconversivos. Trataríamos cada umadelas com sua organização específicade personalidade e com abordagensterapêuticas também específicas.

Entretanto, parece-nos que essa não éa melhor proposta para esta nossa con-tribuição. Talvez uma reversão do enfo-que seja mais proveitosa. Isto é, o queleva o trabalho, ou melhor, as relaçõesdo trabalho a provocarem, nas pessoas,reações emocionais que acabam porprejudicar, porque são desgastantes. Osestados psicológicos de tensão, ansieda-de, angústia, medo e nervosismo aca-bam por se expressar no corpo, dentreoutras formas, por palpitações, tonturas,dores de cabeça, gastrites, dores mus-culares e da coluna, hipertensão etc.Poderíamos pensar na irritação emocio-nai e em seu correlato, a irritação damucosa do estômago ou gastrite, porexemplo.

Maio/Junho de 1995

Page 9: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

Na realidade, seriam necessários osdesgastes emocionais em situações detrabalho? Nestas situações, o que osfazem tão presentes atualmente? Emnossos dias, há uma exacerbação daidéia de competitividade, como estímu-lo à produção e ao desempenho. Idéiaque acaba, na maioria das vezes, porlevar à rivalidade e à prática de eliminaro rival, ou seja, algo de ordem agressi-va porque destrutiva. Agressividade éimportante para a sobrevivência, sabe-mos bem disso. O problema é quandoela se transforma em reação destrutiva(ou o que Freud denominou de instintode morte, diferente da agressividadeenquanto proteção, que seria a expres-são do instinto de vida).

Portanto, a idéia de competitividadecomo fonte de produção acaba sendoilusória e, para aqueles que detêm opoder nas relações de trabalho, dá mar-gem ao exercício das tendências maisdestrutivas. É esse o ponto que pode-mos assinalar: o uso do espaço de traba-lho como aquele reservado para o exer-cício pessoal do poder, por parte daque-les que assumem posições de direção.

Se observarmos com mais cuidado adinâmica das relações de trabalho, ve-remos que aquelas em que prevalecematritos e intrigas, levando à fragmenta-ção do conjunto em pequenos grupos(nos moldes do tão antigo dístico "divi-dir para governar"), são as que têm, emposições de direção, pessoas com estilode personalidade específico, que camu-flam na ação e nas particularidades daação tendências destrutivas. São pes-soas que transpõem - e impõem -para o palco das relações de trabalhosuas características pessoais.

O que leva a esse estado de coisas éo fato de ser, na atualidade, a ação ex-tremamente valorizada, fazendo comque se confundam presteza e velocida-de, eficiência e rapidez. A qualidade,assim, perde para a quantidade. Não háespaço para a reflexão. Privilegia-se oagir em detrimento do pensar. Os psica-nalistas americanos chamam isso deatuação ou acting-out, os psicanalistasfranceses o chamam de passagem doato às reações de tipo imediato, quenão passam pelo processo psicológico

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁ TlCOS

de elaboração. Essa ação não é resul-tado da reflexão, os processos intelec-tuais ou cognitivos não orientam o agir.Há, na verdade, uma impossibilidadedo pensar, de se fazer uso de processosintelectuais mais sofisticados.

Esse cenário acaba sendo extrema-mente propício para o exercício das járeferidas tendências destrutivas, poisestá formado o equívoco, na confusãodas noções de dinamismo e combativi-dade, de iniciativa e ação impulsiva,imediata. A noção de tempo reduz-seao momento presente; dificilmente en-tra em jogo a idéia de futuro. É a preva-lência das ações motoras sobre as açõespensantes, com comprometimento danoção de espaço e tempo.

A relação desse cenário com a situa-ção de trabalho está no fato de que estaúltima acaba sendo o local da descargada ação e dos demais aspectos daspersonalidades de todos os envolvidos.Na maioria das vezes, estes acabampor servir a outros interesses, transfor-mam-se em "pontas de lança" e sãomanipuladas por outras instâncias dahierarquia. Assim, desfaz-se, nessaspessoas, uma nova ilusão: a de quedeteriam um poder real.

Como conseqüência desse estado decoisas, temos um clima de grande ten-são nas relações de trabalho. Às vezescarregadas de confrontos e intrigas,essas relações causam mal-estar e ex-cessivo desgaste nas equipes, fazendoresultar as já mencionadas repercus-sões emocionais, o que é extremamen-te prejudicial não só às pessoas, mastambém ao próprio trabalho. É sabidoque um clima de cooperação e colabo-ração é o melhor e mais produtivo, mas,para tanto,' são necessárias pessoascom maior desenvolvimento emocio-nai, ou seja, com personalidades maisamadurecidas, sem medo de usar seusrecursos afetivos construtivos. Que nãose sintam inseguras nas posições dechefia, não se sintam ameaçadas porcolegas e respectivas capacidades enem tenham necessidade de lançarmão das estratégias e subterfúgios daintriga, da rivalidade, enfim, dos mo-mentos geradores de tensão e ameaça.

Acreditamos ser esse o melhor instru-

RAE Light 49

Page 10: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

menta terapêutico para a manutençãodo bom clima nas situações de trabalho:escolher pessoas com qualidades hu-manas afetivas e intelectuais consisten-tes, construtivas e amadurecidas. Estaé uma proposição que pode parecermuito ideal ou utópica, mas será quenão podemos aspirar por algo melhorem nossas vidas? Trabalho é importan-te para todos nós, não somente comofonte de subsistência material mas tam-

Samir Wady Rahmeé Clínico Geral da MedicinaAntroposófica. NoS últimos tempos, muito se

tem falado e escrito sobre qua-lidade de vida e recursos hu-

manos, buscando-se aproveitar ao má-ximo as capacidades individuais do ho-mem. Gostaria de tratar desse assun-to partindo do conhecimento estrita-mente humano, ou seja, considerando,como base, a constituição humana emsuas "especialidades". Assim, ao per-guntarmos sobre o que conduz a umaboa ou má qualidade de vida, entende-remos que a resposta depende do usoque fazemos dessa constituição.

O homem é um ser "trimembrado", ouseja, possui um sistema neurossensorial(cabeça), um sistema rítmico (pulmão-

50 RAE Light

bém psicológica. Existem pesquisassobre a chamada experiência ideal ouótima nas várias situações de vida, nasquais os autores descrevem vivênciasque, alcançadas em situações de traba-lho, são extremamente gratificantes. Otrabalho deve ser também uma fonte deprazer, não do prazer sádico ou maso-quista, mas o de simplesmente se viven-ciar trocas produtivas e criativas comcolegas de equipe.

coração-tronco) e um sistema metabóli-co-motor (aqui se consideram os mem-bros superiores e inferiores e todos osórgãos localizados abaixo do diafragma).Numa observação atenta, conclui-seque na cabeça os ossos são exterioriza-dos e a "massa mole" está por eles pro-tegida, enquanto que, nos membros-por exemplo, na perna -, os músculos(massa mole) estão por fora e os ossos,interiorizados, ou seja, protegidos pelosmúsculos. Note-se que no sistema rít-mico acontece um meio termo, ondeossos e músculos se intercalam, po-dendo, dessa forma, manter uma elas-ticidade. Pode-se também concluir quenossa temperatura é diferente nos pólosdo organismo, sendo mais quente nometabolismo, mais fria na cabeça e as-sim por diante.

O mundo externo chega até nós atra-vés de órgãos localizados na região su-perior do corpo - visão, audição, pa-ladar e olfato -, mas são os nossosmembros que nos levam de encontroao mundo. Temos mais uma vez nomeio, uma intermediação entre o per-cebido, O elaborado e o executado. Vai-se formando, assim, a imagem dessa sá-bia divisão em três no homem, na qualtemos uma "maior propensão ao pensar'na cabeça, uma "maior propensão aosentir" no tronco e uma "maior propen-são ao agir' nos membros. É claro quetudo interage, e pensamos, sentimos e

Maio/Junho de 1995

Page 11: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

agimos através de todo o nosso ser.Analisemos de uma outra forma: o ser

humano dá forma ao seu conhecimento,atitudes etc. através do seu pensar, masatua no mundo através do movimentode seus membros. Temos aí uma pola-ridade entre forma e movimento. Nomeio, uma vez mais encontramos algoque é intermediário, o ritmo, que se ma-nifesta na fisiologia do coração (sístole ediástole) e dos pulmões (inspiração eexpiração).

Voltemos à qualidade de vida. Esta sóvai acontecer quando a interação entreos três âmbitos estiver em equilíbrio, oque, se bem observarmos, não é o quepropicia a nossa época. Hoje, a estimu-lação via neurossensorial é excessiva,levando os seres a tornarem-se cheiosde "forma", ou seja, em termos médicos,com grande tendência a doenças de ca-ráter esclerotizante (frias). Tem-se umexemplo claro disso quando se dirige umcarro, situação em que há superestimu-lação dos sentidos e atuação mínimados membros, ou quando se assiste àtelevisão por períodos prolongados.

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁ TICOS

o que fazer? Qualquer atividade hu-mana que almeje ser algo produtivo etambém saudável deve aprender a tra-balhar as três áreas do ser. Uma grandeempresa deveria ter, além das áreas deprodução, outras, que estimulassemmovimentos (esportes etc.) e atividadesartísticas (teatro, música, pintura etc.). Etambém, se possível, uma pequenaárea destinada a atividades meditativas(capela etc.). Aqueles que conseguemter outra forma de expressão - por meioda arte, do esporte etc. - certamente,independentemente da idade, tornam-seaptos a atuar de maneira criativa não sóno trabalho mas também na sociedadecomo um todo.

Aos poucos a sociedade vem intuindoesta realidade, de que o homem temmúltiplas capacidades a serem harmo-nicamente desenvolvidas. Exemplodessa intuição é o novo prédio do minis-tério da Economia da França, cujo arqui-teto preocupou-se em destinar, para usodos funcionários, um andar inteiro paraa construção de uma piscina olímpica.

Helládio Francisco Capisanoé Presidente do Instituto dePsicossomática de São Paulo e MembroFundador da Associação Brasileira dePsicanálise.

O homem é, per si, um processopsicossomático. Seu corpo fun-de-se com o psíquico. Não é

possfvel admitir, na observação da figu-ra de uma pessoa sentada em uma ca-deira, a afirmação de que lá está o seucorpo e, em outro assento, afastado, oseu psiquismo!

RAE Light 51

Page 12: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

Por comodismo didático, efetuamosseparações artificiais; a observação dohomem como um todo é extremamentedifícil. O corpo - palpável, concreto eobjetivo - e o psiquismo - abstrato,invisível e subjetivo - são fundidos ecomandados pela mente. Existem duasrealidades: a material e a psíquica, cujosatributos, aliados, são representados namente tanto no mundo consciente comono mundo inconsciente.

Manter o próprio mundo interno (afe-tos, idéias, pensamentos etc.) em equi-líbrio com o outro, externo (outras pes-soas, coisas diversas, natureza etc.) épretensão de toda pessoa. Mas na vidaexiste o sentimento de "incompletude":sempre falta alguma coisa. Como con-seqüência, o equilíbrio tão desejado éidealizado, não existe. Estamos emcontínua luta por essa harmonia, Talpertinácia é rompida por ilusões e desi-lusões, construções e destruições, amore ódio, anabolismo e catabolismo, re-sultando em um "equilíbrio sempre ins-tável". Com isso, pode perigosamentese desorganizar a atmosfera no matri-mônio, na família, na escola, na socie-dade e no trabalho.

O trabalho nas empresas, entre osseus diretores, sócios, funcionários dediferentes categorias, entre aqueles quemandam e aqueles que obedecem, évivido em meio a duas correntes. Uma,de ordem material, com pessoas ocu-pando posições e funções muito diver-sas, mas com um objetivo definido, pal-pável, concreto e insofismável. Outra,psíquica, fundida à primeira, com fluxointerminável de afetos, idéias, sensa-ções, fantasias, sentimentos de amor,ódio, inveja, medo, culpa, ressentimen-to, remorsos etc. Não existe grupo hu-mano que escape dessas vicissitudes.

Como conseqüência, surgem conflitosentre pessoas. Comumente há váriassituações de oposição dentro de cadaum, que não se entendem também nasrelações com os outros, criando-se umestado conflitivo. Esse fenômeno anta-gônico resulta de dois aspectos habituaisda vida: de um lado, impulsos, neces-sidades e desejos, e, de outro, exigên-cias impeditivas éticas, morais, religio-sas, sociais, culturais etc. Quando tais

52 RAE Light

conflitos não são resolvidos, o indivíduofica impedido de continuar o seu proje-to de vida, abrindo caminho para umasolução inadequada: doença.

Com a doença, surgem sintomas quedestroem, em seu nascedouro, as ne-cessidades instintivas, mas diminuem oestado conflitivo. Todavia, conflitosnão-resolvidos se incrustam no corpo,caracterizando doenças conhecidascomo psicossomáticas, cuja gênesepode ser iniciada entre dois diretores oudois funcionários de uma empresa: umdesses fala, perguntando, e o outro si-lencia, permanece mudo, não respon-de. Seria de se supor que o calado nãosuporta o que ouviu. O seu afeto estilha-çou-se. A cena psíquica, em sua men-te, não foi tolerada. O conteúdo mentaldas palavras proferidas foi rechaçado e,por conversão, transmitido para o corpo.O que era da mente é "contrabandeado"para o corpo. Surgem sintomas físicos,dentro dos quais ficam "albergados" ossentimentos. (Esclareça-se que a pes-soa calada teve um curto-circuito no seuaparelho mental e o seu psiquismo, pelosilêncio, foi levado ao túmulo.)

Tais acontecimentos podem aparecernas formas de enxaqueca, artrite reumá-tica, gastrite, urticária, asma-brônquica,úlcera gastroduodenal, enfim, de qual-quer outra doença. Aos nossos olhos, aparte somática aflora com exuberância;a parte psíquica profunda não é observa-da porque se reprime.

Ao longo de um processo terapêutico- que demanda tempo -, cabe aoespecialista, ouvidas as associações li-vres de seu paciente, ligar os equivalen-tes do fenômeno somático com os equi-valentes do fenômeno psíquico, para,assim, obter o desaparecimento dossintomas clínicos.

Revisão clínica e psiquiatria são indis-pensáveis ao paciente, antes de procu-rar métodos terapêuticos de investiga-ção do mundo inconsciente, que é ondese encontra o verdadeiro psíquico. Osmétodos possíveis são a psicanálise, apsicoterapia de inspiração e base ana-lítica e a psicoterapia analítica de grupo.Os dois primeiros são bipessoais (paci-ente e analista ou psicoterapêutico ana-lítico); o terceiro envolve o especialista

Maio/Junho de 1995

Page 13: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

com seis, oito ou dez pacientes em umgrupo.

Causaria espanto observar entre com-ponentes de um mesmo grupo, numaempresa, o convívio - como pacientes- entre o próprio dono, chefes, subche-fes, subalternos, operários etc., com re-latos de conflitos pessoais, familiares,sociais e do próprio trabalho. Sucedeque o profissional habilitado considerarátodas as comunicações verbais dos inte-grantes do grupo somente no ambientedo tratamento e jamais fora dele. Detudo o que for falado, apenas serão con-siderados os significados inconscientesdo grupo para com o profissional, no"aqui-agora-conosco", sem qualquer in-terferência do que acontece fora doambiente terapêutico.

Preservam-se, respeitam-se a ética, amoral e o sigilo de cada um dentro dogrupo, sem qualquer intervenção deapoio, sugestão, persuasão etc. no tra-balho, no matrimônio, na família, na so-ciedade etc. Interessam exclusivamen-te os aspectos e significados inconscien-tes do grupo. O que se desenvolve nelenão se mistura com o que acontece fora

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁTICOS

e vice-versa, embora cada integrantepossa falar o que bem entender. Só aexperiência grupal permitirá a compre-ensão de todos os fenômenos.

A finalidade dos procedimentos tera-pêuticos é permitir, ao homem que tra-balha, ficar livre desses sintomas, sercapaz de amar alguém que não a si pró-prio, ter boa capacidade profissional eter recursos para tomar decisões de for-ma não tão apressada nem exagerada-mente demorada.

Essa boa capacidade de adaptação àvida propicia ao trabalhador, além deeficiência, disciplina, respeito e autono-mia, também a percepção do que acon-tece consigo e com seus companheiros.Se se torna importante a sua existência,descobre que a existência dos outros épreciosa.

Essa maturação é obtida somentecom a assessoria de profissionais gra-duados e capacitados, independentes,autônomos participantes de clínicasprivadas, sem a ingerência de quemquer que seja. É o privatus peivus dopensar próprio, característica específi-ca do homem.

Silvia Morbach Portelaé Membro Analista da SociedadeBrasileira de Psicologia Analítica.

Quando falamos em psicos-somática, coloca-se imediata-mente uma questão crucial

para a medicina, psicologia e profissõesde ajuda em geral: a necessidade de en-carar o ser humano como um todo, pois aprática de "ajuda" deve atender a pessoana sua totalidade biopsicossocial, e não

RAE Light 53

Page 14: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

PRIMEIRA PESSOA

apenas uma de suas partes.A pesquisa científica na área da psi-

cossomática já mostrou suficientemen-te que os sentimentos ou emoções, sejamedo, tristeza, raiva, alegria ou dor, seexpressam simultaneamente no corpo,por alterações no sistema neurovegeta-tivo e músculo-esquelético, com modifi-cações das funções motoras, secretorase de irrigação.

As pesquisas mostram também que oesforço de adaptação a situações deestresse, que envolvem emoções inten-sas, pressões ou situações de conflito,se persistirem por um longo tempo, po-derão acarretar, além das alteraçõesdas funções fisiológicas normais, lesõesorgânicas, portanto, doença.

Sabe-se que o ser humano tem enor-me capacidade de adaptação a situa-ções, mesmo as mais desfavoráveis,mas sabe-se também que isso nuncaocorre impunemente.

Podemos aqui usar, por analogia, osignificado de estresse como é usadona física: "uma estrutura estressada éuma estrutura afetada por forte pressãofísica" (English language dictionary -Collins Cobuild, 1990), o que vale dizer,em termos psicológicos, que uma pres-são forte ou um esforço intenso e pro-longado podem afetar ou deformar a"estrutura" de uma pessoa.

A sociedade em que vivemos é alta-mente patriarcal e competitiva, temcomo valores maiores a organização, acompetência e a produtividade, e ex-clui, do grande ao pequeno, todos aque-les que não se enquadram nesses valo-res. Para muitas pessoas, isso significaque as necessidades mais propriamen-te humanas - como amor, afeto, solida-riedade, respeito pelos limites próprios edos outros, além de lazer e prazer -encontram pouco ou nenhum espaçopara serem criativamente vividas. Umpadrão de adaptação psiquicossocialque desconsidere as necessidades afe-tivas básicas e relacionais de uma pes-soa pode ser considerado um sério fa-tor de deformação, pois a pressão socio-cultural para esse tipo de adaptação im-plica um esforço contínuo e uma sériede repressões emocionais.

Quando falamos de pressões socio-

54 RAE Light

culturais, incluímos não só as pressõesexistenciais mais imediatas, como a ne-cessidade de manter a qualquer custo aimagem de um bom desempenho e efi-ciência na sociedade ou empresa, paragarantir o prestígio, a promoção ou oemprego. Incluímos também a pressãointerna exercida pelos valores professa-dos pelos nossos pais (muitas vezes osnossos próprios, posto que são da mes-ma cultura), que introjetamos desde ainfância e que são responsáveis pelaforma como lidamos com nossas ne-cessidades mais básicas, intrínsecas ànossa natureza humana e à nossa indi-vidualidade essencial, respeitando-asou traindo-as de modo mais ou menosconsciente, através de repressões maisou menos neuróticas, ao longo de nos-sas vidas.

Como já dissemos, esse estresse con-tínuo ou deformação de nossas estrutu-ras ou sistemas pelo constante esforçoadaptativo ocorre concomitantementeno nível psíquico e no somático, porque,onde aparece um, o equivalente estaráimediatamente presente, mesmo quan-do não percebido ou aceito consciente-mente. Nesse sentido, não existem do-enças psicossomáticas; todas as doen-ças e/ou sintomas são psicossomáticos.

A compreensão da natureza sômato-psíquica dos fenômenos humanos é tra-duzida de maneira muito fértil e criativapela linguagem popular, através do usodas funções fisiológicas para expressarestados emocionais que freqüentemen-te correspondem a alterações dessasfunções, e existe um absoluto consensoem relação a seus significados. Expres-sões como "não consigo engolir essesapo", "tive que enfiar essa história goelaabaixo", "esta situação me dá dor debarriga", ou ainda ''fulano me dá urticá-ria" ou "azia", falam de sentimentos dedesagrado, nojo, mal-estar, invasão delimites, medo ou raiva.

No entanto, apesar da evidência cole-tivamente expressa, isentamo-nos deestabelecer qualquer ligação entre osnossos sintomas somáticos e estadoscrônicos de estresse ou conflito. Issoocorre à medida que não nos é permi-tido, ou não nos permitimos, expressarsentimentos, ou, então, não nos aceita-

Maio/Junho de 1995

Page 15: o QUE ELES PENSAM PROBLEMAS - rae.fgv.br€¦ · o QUE ELES PENSAM SOBRE PROBLEMAS PSICOSSOMAT~ COS NO TRABAL O Existem soluções para problemas psicossomáticos no trabalho? Especialistas

mos portadores de conteúdos psicológi-cos ou sentimentos que nos pareçamsocial ou pessoalmente negativos, des-trutivos ou altamente depreciativos donosso valor moral ou pessoal.

Imaginamos poder esconder de nósmesmos e dos outros a existência desentimentos de ódio, raiva, inveja, vin-gança, e muitas vezes de amor e afeto,dos quais nos envergonharíamos. Lan-çamos mão, de modo automático e in-consciente, de mecanismos de repres-são e disfarces, e, no entanto, não nosdamos conta de que o corpo está "nosexpressando" de várias maneiras.

Ocorre que freqüentemente encara-mos o corpo como aquela parte nossacom a qual temos pouca ou nenhumarelação pessoal, e nos esforçamos poracreditar que os distúrbios fisiológicos eadoecimentos acontecem de modo ab-solutamente aleatório. Portanto, nuncaseríamos responsáveis pela nossa saú-de e, muito menos, pelos nossos sinto-mas e doenças.

Isso aparece na perplexidade que cer-tos pacientes expressam diante da "re-pentina" perfuração de uma velha úlce-ra, após anos de gastrite, sem se daremconta da relação de seus sintomas gás-tricos com sentimentos de desagrado,raiva contida, nojo etc. Outros se espan-tam diante de um enfarte ou acidentevascular cerebral, após muito tempo dehipertensão e de andarem com o "cora-ção aos pulos", "no maior sufoco", ex-plodindo de raiva", "com a cabeça es-tourando" e vivendo "sob pressão", por-que não houve espaço para expressarsua agressividade, tensão, conflitos,medos e ansiedades.

Embora não oficialmente considera-dos como doenças, podemos tambémentender os acidentes de trânsito, detrabalho e outros como uma forma drás-tica de expressão de situações-limite.Colocar a questão dos distúrbios e do-enças como uma forma de "dizer' atra-vés do corpo algo que não pode ser dito,compreendido, elaborado (por pressões

Suplemento da RAE

PROBLEMAS PSICOSSOMÁTICOS

internas e externas) parece-nos umaquestão a ser seriamente consideradanão só no ponto de vista de cada indiví-duo (em suas análises ou psicoterapias),mas também do ponto de vista coletivo,pelas pessoas responsáveis nas empre-sas ou instituições.

Tanto a instituição como um todo ouuma repartição ou um setor podem"adoecer', quando se constelam situa-ções emocionalmente tensas e ansióge-nas, tanto nas relações interpessoais(horizontais ou verticais) como no pró-prio trabalho. Torna-se então necessárioque se criem condições para que, sob aorientação de um profissional habilitado,as pessoas possam falar, partilhar, ouvire serem ouvidas, elaborar e criar novasformas de relacionamento, menos ten-sas, mais criativas e menos geradorasde distúrbios ou doenças.

A queda, mesmo que isolada, de inte-resse, empenho e produtividade indicaque de algum modo se atingiu o limiarde tolerância e de capacidade de adap-tação às exigências e condições de vidapessoal ou de trabalho entre os inte-grantes ou funcionários de uma organi-zação, da mesma forma que o "adoe-cer" de um órgão de uma pessoa podeestar denunciando a falta de equilfbrioe harmonia do todo.

A psicologia dispõe hoje de técnicasindividuais e grupais de diagnóstico eintervenção para criar formas de reduzire aliviar tensões (tanto individuais quan-to aquelas atuantes em uma empresa),tais como psicoterapias e análises indi-viduais e, principalmente, técnicas gru-pais de mobilização e autoconhecimen-to, dinâmicas de grupo, grupos operati-vos dirigidos para determinados temas,ou ainda técnicas de supervisão institu-cional que visam à compreensão, elabo-ração e transformação das relações di-nâmicas, biopsicossociais, dos profissio-nais de todos os níveis com suas em-presas e seu trabalho, propiciando-lhescondições mais humanas, mais éticas,mais criativas e mais saudáveis. •

RAE Light 55