O ENFERMEIRO NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA: … · programa, situando médicos, enfermeiros,...

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O ENFERMEIRO NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA: PERCEPÇÕES, POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO, FRONTEIRAS PROFISSIONAIS E ESPAÇOS DE NEGOCIAÇÃO. RELATÓRIO FINAL FORTALEZA- CEARÁ 2007

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  • O ENFERMEIRO NO PROGRAMA SADE DA FAMLIA:

    PERCEPES, POSSIBILIDADES DE ATUAO, FRONTEIRAS PROFISSIONAIS E ESPAOS DE

    NEGOCIAO.

    RELATRIO FINAL

    FORTALEZA- CEAR 2007

    http://www.ufc.br/

  • O ENFERMEIRO NO PROGRAMA SADE DA FAMLIA:

    PERCEPES, POSSIBILIDADES DE ATUAO, FRONTEIRAS

    PROFISSIONAIS E ESPAOS DE NEGOCIAO

    COORDENAO INSTITUCIONAL Observatrio de Recursos Humanos em Sade

    Estao CETREDE / UFC / UECE

    EQUIPE DE ELABORAO Regianne Leila Rolim Medeiros (Coordenadora)

    Ana Mattos Brito de Almeida Andrade

    Ana Ftima Carvalho Fernandes

    Ndia Maria Giro Saraiva de Almeida

    Maria das Graas Guerra Lessa

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................................. 4

    2 OBJETIVOS ...................................................................................................................... 9

    2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................. 9

    2.2 Objetivos Especficos................................................................................................... 9

    3 METODOLOGIA............................................................................................................ 10

    3.1 Tipo de Estudo........................................................................................................... 10

    3.2 Local e Perodo .......................................................................................................... 11

    3.3 Perfil dos Municpios ................................................................................................ 12 3.3.1 Fortaleza................................................................................................................ 12

    3.3.2 Aracati................................................................................................................... 12

    3.3.3 Pedra Branca ......................................................................................................... 13

    3.3.4 Itatira..................................................................................................................... 13

    3.4 Anlise dos Dados...................................................................................................... 14

    3.5 Aspectos ticos e tambm Legais da Pesquisa ....................................................... 15

    4. DISCUSSO DE RESULTADOS................................................................................. 16

    4.1 Conhecimento e competncias do enfermeiro no PSF ........................................... 16 4.1.1 Conhecimento do Enfermeiro sobre o PSF........................................................... 16

    4.1.2 Competncias do Enfermeiro no PSF................................................................... 18

    4.2. O trabalho no PSF.................................................................................................... 23 4.2.1 Funes Desempenhas.......................................................................................... 23

    4.2.2 Organizao e Planejamento da Equipe de Sade ................................................ 28

    4.3 Dificuldades encontradas para a realizao do trabalho no Programa Sade da Famlia.............................................................................................................................. 31

    4.3.1 Dificuldades Estruturais........................................................................................ 32

    4.3.1 Relao Enfermeiros e Sistema de Sade............................................................. 35

    4.5 Relao com os usurios e mudanas no comportamento da comunidade.......... 50

    4.5 Perspectivas e possibilidades de atuao................................................................. 57

    5. CONSIDERAES FINAIS......................................................................................... 64

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 66

  • 1 INTRODUO

    Desde o incio da dcada de 1980, intensificando-se principalmente na dcada de 1990,

    reformas nos diversos setores dos servios pblicos, incluindo o setor de sade, tem sido

    objeto de discusses e debates. Respondendo a problemas macroeconmicos (recesso,

    dvida externa, desemprego etc.), muitos pases lanam vrias polticas, objetivando reduzir

    os gastos e melhorar a eficcia e a eficincia do setor de sade na distribuio dos servios

    (SEEDHOUSE, 1995; WEIL, 1990). Em muitos pases em desenvolvimento as reformas no

    setor de sade tm sido acompanhadas por objetivos mais amplos como, por exemplo,

    desenvolvimento social e reestruturao poltica, estando ligadas a questes que envolvem

    democratizao, participao popular, maior responsabilidade por parte das instituies

    prestadoras de servios e igualdade social (ATKINSON, 1995; SMITH 1985; WOLMAN,

    1990).

    Nessa perspectiva, duas medidas so fundamentais para atingir reforma econmica e

    desenvolvimento social: descentralizao e participao popular. A descentralizao dos

    servios pblicos, com a transferncia de responsabilidades para o nvel local, vista como

    um meio de melhorar o planejamento e a implementao de programas nacionais,

    incorporando definitivamente a populao no processo de desenvolvimento (COLLINS,

    1996). A participao popular no planejamento e gerenciamento dos servios vista como

    um meio de garantir distribuio mais justa e eficiente dos recursos, alm do pleno

    exerccio da cidadania (ESCOREL, 1998; GERSCHMAN, 1995).

    No Brasil, dois outros fatores so tambm essenciais na reestruturao do setor.

    Primeiro, o conceito de sade/doena foi ampliado, passando-se a buscar as caractersticas

    socio-culturais de causao das doenas. Assim, o carter poltico da sade passou a ser

    abordado, sendo o meio social entendido como um dos principais determinantes da sade

    da populao (GERSCHMAN, 1995: 42). A declarao de Alma-Ata, assinada em 1978,

    enfocou a idia de sade para todos e prioridade para a ateno primria em sade,

    reforando a necessidade de maiores investimentos na sade preventiva.

    Essa mudana de orientao relativamente s polticas de sade, com nfase na sade

    preventiva, no acesso universal e igualitrio, na interveno direta da populao e no meio

    social como determinante da sade/doena, tem como conseqncia a necessidade de

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    criao e implementao de programas e aes que focalizem e priorizem a ateno bsica

    de sade.

    A partir do final da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990, com a criao do

    Sistema nico de Sade SUS, foram encaminhadas novas diretrizes para a reorganizao

    do sistema de sade no Brasil. A formulao do SUS, regulamentado pela Constituio de

    1998 e por leis complementares no campo da sade, tem como pressupostos bsicos os

    princpios da universalizao da integralidade, da descentralizao e a participao popular.

    Considerando a realidade apresentada, o Ministrio da Sade, em 1994, instituiu um novo

    modelo de ateno sade da populao que busca a reorientao do modelo tradicional

    vigente, o qual est centrado na estratgia do Programa de Sade da Famlia.

    O objetivo do Programa Sade da Famlia reorganizar a prtica de ateno sade

    substituindo o modelo tradicional que trata do indivduo de forma isolada de seu contexto

    familiar e centrado apenas na cura de doenas. Cada Equipe de Sade da Famlia

    composta por um mdico generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e um

    nmero limitado de agentes comunitrios de sade (dependendo do tamanho da rea de

    abrangncia do PSF). O Ministrio da Sade recomenda que cada equipe acompanhe no

    mximo 600 e 1.000 famlias, no ultrapassando o limite mximo de 4.500 pessoas. As

    equipes do PSF centram-se nas Unidades de Sade da Famlia e devem realizar assistncia

    integral, contnua e de qualidade, atuando na prpria unidade ou nos domiclios e em locais

    comunitrios.

    As equipes organizam-se ao redor da famlia, vista em seu contexto fsico e social,

    trabalhando para conhecer a realidade da populao e da possibilidade de intervenes que

    vo alm das prticas curativas (MS. Programa Sade da Famlia, 2001). Assim, as equipes

    passam a desenvolver aes intersetoriais, como educao, saneamento, meio ambiente

    etc., buscando a promoo da sade e da qualidade de vida da populao sob sua

    responsabilidade. O Programa Sade da Famlia trabalha tambm para promover a

    participao popular no enfrentamento e solues dos problemas, no desenvolvimento de

    aes individuais e coletivas e na definio de prioridades de sade, voltando-se para a

    promoo do bem-estar e para a valorizao da comunidade local onde atua.

    Conseqentemente, baseado nesse novo modelo, os profissionais de sade,

    principalmente mdicos e enfermeiros, estenderam sua atuao e influncia, deixando de

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    ser profissionais plantonistas de hospitais que no conhecem a realidade das localidades

    onde esto estabelecidos. Outro importante aspecto em relao ao Programa Sade da

    Famlia que ele traz a interdisciplinaridade e o trabalho multiprofissional para o centro do

    programa, situando mdicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes de sade

    como parceiros na resoluo dos problemas de sade.

    Dentro dessa equipe multiprofissional, o Ministrio da Sade, no documento Sade da

    Famlia: uma estratgia para a reorientao do modelo assistencial (BRASIL, 1998),

    define as atribuies tcnicas de cada um dos profissionais envolvidos no Programa Sade

    da Famlia (mdico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente de sade).

    Como destacam Almeida e Mishima (2001), contudo a definio de atividades pelo

    Ministrio da Sade no garantia de trabalho interdisciplinar e de co-responsabilidade

    entre os diversos profissionais na prtica cotidiana.

    ... um rol de atividades e funes, buscando definir um perfil mnimo para atuao,

    no suficiente para um trabalho de sade compartilhado, humanizado, com

    responsabilizao e vnculo com a comunidade, reconhecendo a sade como direito

    de cidadania (ALMEIDA E MISHIMA, 2001, p. 151).

    Campos (1997) faz uma distino entre o que chamam de ncleo de competncia e de

    responsabilidade e campo de competncia e de responsabilidade. Ncleo de competncia

    o conjunto de saberes e responsabilidades especficos a cada profisso, em que cada

    profissional tem seu ncleo especfico de atuao. Campo de atuao constitui os saberes e

    responsabilidades comuns a vrios profissionais (CAMPOS, 1997). Assim, dentro no PSF,

    os profissionais de variadas categorias, em seu ncleo de atuao, tm responsabilidades

    prprias referentes sua formao, mas, ao mesmo tempo, dentro de um campo

    competncia, tm responsabilidades comuns como, como por exemplo, conhecimento sobre

    as diretrizes que norteiam o PSF.

    Como apontam Almeida e Mishima (2001), no entanto, dadas as caractersticas do PSF,

    a definio de ncleo de competncias no consegue dar conta da complexidade das

    relaes e aes de sade promovidas pelo PSF, pois, no dia-a-dia das atividades, as

    barreiras se tornam mais atenuadas.

    O ncleo de competncia de cada profissional, isoladamente, no d conta da

    complexidade do atendimento das necessidades de sade, portanto, necessrio

  • 7

    flexibilidade nos limites das competncias para proporcionar uma ao integral (p.

    152).

    Nessa perspectiva, um ponto fundamental expresso diz respeito a como, no cotidiano de

    trabalho do PSF, so estabelecidos espaos de negociao entre as diversas fronteiras das

    diferentes categorias profissionais. Isso se torna especialmente importante no que se refere

    s relaes estabelecidas entre mdicos e enfermeiros, as duas profisses que, dentro de

    uma hierarquia, estabelecem maior poder de barganha e deciso.

    A literatura especializada h muito tempo trata sobre questes relativas ao papel do

    mdico como central e hegemnico na equipe de sade, papel esse que produz

    hierarquizao e desigualdades sociais entre as diversas profisses (DUPUIS, 2000,

    POLDER e JOCHEMSEN, 2000, SACCHINI e ANTICO, 2000). No PSF, no entanto, dada

    a flexibilidade ou complexidade das relaes e do abrandamento das fronteiras

    profissionais, como visto h pouco, essas relaes hierrquicas podem assumir carter

    diferenciado. Isso importante, principalmente para o enfermeiro, que, na prtica, assume

    uma gama de funes diferentes daquelas oficialmente estabelecidas (MEDEIROS, 2002).

    Assim, estudos sobre o trabalho de enfermagem no PSF se fazem necessrios para que se

    possa compreender as dificuldades enfrentadas por esses agentes e ajudar na consecuo de

    uma ao interativa dos diversos trabalhadores do sistema de sade e entre esses e os

    usurios.

    O presente estudo teve como objetivo o Programa Sade da Famlia, partindo da

    perspectiva multiprofissional, proclamada pelo Ministrio da Sade, de que os profissionais

    de enfermagem constroem sua identidade e negociam espaos. Quais as formas de atuao

    do enfermeiro no PSF? Como ele percebe sua atividade e as possibilidades do

    desenvolvimento de aes?

    Cada categoria profissional tem cultura prpria, formada com base em processos

    educacionais e sociais diferentes e que estar sempre presente nas relaes que estabelecem

    entre si quando se encontram no momento do atendimento, traduzindo-se cotidianamente

    nas aes e posicionamentos de cada grupo em relao aos servios de sade (OLIVEIRA,

    2002). Assim, reconhecido o fato de que a perspectiva de cada grupo fator que

    influencia no funcionamento dos servios no nvel local (ATKINSON, at al, 2000).

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    Portanto, ao investigar a percepo do enfermeiro em relao ao PSF, procurou-se entender

    como essa percepo influencia na tomada de decises no que se refere organizao dos

    servios. Buscou investigar, tambm a abrangncia das aes desenvolvidas pelo

    profissional enfermeiro no Programa Sade da Famlia, tendo em vista que este assume

    atividades que no necessariamente so de seu ncleo de competncias. Outro aspecto

    investigado foi a possibilidade da existncia de conflitos entre o enfermeiro e o profissional

    mdico da mesma equipe. Alm disso, entendendo a satisfao das necessidades e

    demandas de sade do usurio como preceito mximo do sistema de sade, procura

    apreender tambm como o enfermeiro entende sua relao com o usurio do sistema de

    sade.

    O Estado do Cear se torna um cenrio ideal para o desenvolvimento da pesquisa, pois,

    desde o incio da dcada de 1990, o Estado se transforma em um dos principais lderes na

    implementao dos preceitos da reforma de sade, tomando como base principalmente o

    suporte ao processo de planejamento no nvel local e Ateno Primria de Sade com

    nfase no PSF como estratgia de ao. Apesar disso, ainda so poucos os estudos que

    tratam das relaes entre as diferentes profisses que compem o Programa Sade da

    Famlia.

    Essa pesquisa, ao contribuir para melhor entendimento da atuao do enfermeiro,

    procura fornecer subsdios para melhor organizao e funcionamento do PSF no plano local

    e tambm para o processo de formao e capacitao dos profissionais de sade.

    O relatrio est dividido em quatro partes. Na primeira, logo aps esta Introduo

    (Captulo 1), exibem-se os objetivos da pesquisa (Captulo 2); em seguida, discutem-se os

    procedimentos metodolgicos na elaborao e desenvolvimento do trabalho (Captulo 3).

    Na terceira parte (Captulo 4), so apresentados os resultados da pesquisa. Por ltimo,

    trazem-se algumas consideraes finais em relao aos resultados da pesquisa.

  • 2 OBJETIVOS

    2.1 Objetivo Geral Investigar como os enfermeiros percebem sua atuao, conquistam a identidade

    profissional e seus espaos de negociao no Programa Sade da Famlia, desde a

    perspectiva multiprofissional proclamada pelo Ministrio da Sade.

    2.2 Objetivos Especficos Investigar as funes (previstas e praticadas) e formas de atuao do enfermeiro no

    PSF;

    investigar como o enfermeiro percebe sua atividade e as possibilidades do

    desenvolvimento de aes;

    entender como essa percepo influencia na tomada de decises no que se refere

    organizao dos servios;

    investigar em que medida a abrangncia de aes no Programa Sade da Famlia

    contribui para a precarizao do trabalho do enfermeiro;

    investigar como, no cotidiano de trabalho do PSF, so estabelecidos espaos de

    negociao entre as diversas fronteiras das diferentes categorias profissionais; e

    investigar como o enfermeiro entende sua relao com o usurio do sistema de sade.

  • 3 METODOLOGIA

    3.1 Tipo de Estudo

    O desenho da pesquisa baseia-se em uma abordagem qualitativa prpria das cincias

    sociais. De acordo com Minayo e Sanches, a abordagem qualitativa se afirma no campo da

    subjetividade e do simbolismo. Sendo assim, a compreenso das relaes e atividades

    humanas com os significados que as animam radicalmente diferente do agrupamento dos

    fenmenos sob conceitos e/ou categorias genricas dadas pelas observaes e

    experimentaes e pela descoberta de leis que ordenariam o social (MINAYO e

    SANCHES, 1993: 244). Para os autores, a abordagem qualitativa realiza uma aproximao

    fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos so da mesma

    natureza: ela se volve com empatia aos motivos, s intenes, aos projetos dos agentes, por

    meios dos quais as aes, estruturas e relaes tornam-se significativas.

    A coleta de dados foi feita com base na realizao de entrevistas semi-estruturadas com

    os enfermeiros selecionados. Um roteiro foi estabelecido para orientar as entrevistas. Esses

    continham tpicos que guiaram o entrevistador nos objetivos da pesquisa. Isso no

    significou, porm, rigidez durante essa etapa e no relacionamento

    entrevistador/entrevistado, uma vez que o entrevistador tinha a liberdade de organizar os

    tpicos ou questes de acordo com as necessidades e condies reais impostas pela

    entrevista e as respostas dos entrevistados. Por meio das entrevistas, os enfermeiros

    puderam falar de si mesmos, de suas experincias, do trabalho desenvolvido e de suas

    expectativas de vida e em relao profisso. As entrevistas possibilitam reflexes sobre os

    motivos que orientam as aes dos enfermeiros e tambm elaborar uma compreenso das

    representaes e significados expressos nas narrativas desses profissionais.

    Nesse contexto, a nfase dada aos processos, aos significados apresentados pelos

    sujeitos. As interpretaes dos fatos expressam a experincia social vivida por pessoas que

    se relacionam, e vo alm do que estabelecido e padronizado, influindo na constituio da

    prpria histria.

  • 11

    3.2 Local e Perodo

    Para a seleo das reas pesquisadas, entendeu-se que a escolha das reas no

    necessariamente interferiria nos resultados da pesquisa, uma vez que ela teve como objetivo

    investigar o grupo de profissionais de enfermagem e o desenvolvimento de suas atividades

    no PSF, bem como suas relaes com outras categorias de profissionais e os usurios.

    Assim, foi tomado aleatoriamente um municpio de pequeno porte (menos de 30.000

    habitantes) e dois municpios de mdio porte (com populao aproximada de 50.000

    habitantes) da macrorregio de Fortaleza, Estado do Cear, representando as diferentes

    regies, a saber: Itatira (pequeno porte) e Pedra Branca (interior) e Aracati (litoral). A

    Secretaria de Sade do Cear SESA divide o Estado em trs macrorregies de sade:

    Fortaleza, Sobral e Cariri, dentro das quais esto distribudas 21 clulas regionais de sade

    (CERES), 1 que convergem para os plos tercirios de Fortaleza, Sobral e Cariri. Alm

    desses municpios, Fortaleza, capital do Estado, tambm foi selecionada para a pesquisa.

    Aqui, foram escolhidas duas secretarias executivas regionais: Secretaria Executiva

    Regional VI e Secretaria Executiva Regional IV2.

    No total, foram realizadas 30 entrevistas, sendo 12 enfermeiros em Fortaleza, 6

    enfermeiros em Aracati, 6 entrevistas em Pedra Branca e 6 entrevistas em Itatira. Em Pedra

    Branca e Itatira foram entrevistados todos os enfermeiros das equipes do Programa Sade

    da Famlia. Procurou-se entrevistar enfermeiros que tinham no mnimo um ano de trabalho

    com o Programa Sade da Famlia. Isso se faz necessrio porque, com maior experincia,

    os enfermeiros podem dar conta da profundidade das relaes cotidianas de trabalho.

    Os dados foram coletados no perodo de janeiro a maio de 2007, utilizando-se

    como instrumento a entrevista semi-estruturada, que tem aprovao de Lakatos e Marconi

    (2001:197), pois o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situao em

    qualquer direo que considere adequada. uma forma de poder explorar mais amplamente

    1 De acordo com a Secretaria de Sade do Estado do Cear - SESA, so espaos territoriais compostos por um conjunto de municpios com forte sentimento de integrao e interdependncia, com vontade poltica para pactuarem na busca de solues para problemas comuns, na rea da sade (Fonte: www. http://www.saude.ce.gov.br/internet/). 2 Em Fortaleza existem as secretarias executivas regionais ou SERs, que em nmero de seis fazem obras de manuteno no espao pblico. As SERs so formadas individualmente por bairros circunvizinhos que apresentam semelhanas em termos de necessidades e problemas. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Administra%C3%A7%C3%A3o_p%C3%BAblica_de_Fortaleza)

  • 12

    uma questo. As entrevistas foram gravadas e textualmente transcritas para a anlise

    narrativa do contedo.

    3.3 Perfil dos Municpios

    3.3.1 Fortaleza

    Localizada na regio metropolitana de Fortaleza, a cidade a capital do Estado do

    Cear. A populao total, de acordo com o Censo Demogrfico do IBGE realizado no ano

    de 2000, de 2.141.402, residindo toda ela na zona urbana. O ndice de Desenvolvimento

    Humano Municipal (IDM-M) de 0,786 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil,

    2000). Entre os anos de 1991 a 2000, o IDH-M de Fortaleza cresceu 9,62%, passando de

    0,717 em 1991 para 0,786 em 2000. A dimenso que mais contribuiu para este crescimento

    foi a Educao, com 48,8%, seguida pela Longevidade, com 29, 8% e pela Renda, com

    21,5%. Segundo a classificao do PNUD, o Municpio est entre as regies consideradas

    de mdio desenvolvimento humano, j que possui o IDH entre 0,5 e 0,8 (Atlas do

    Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000). De acordo com dados da Secretaria de Sade

    do Estado do Cear (SESA), Fortaleza conta com uma equipe de 1326 agentes comunitrios

    de sade, e uma cobertura de 38,26% de PSF, de acordo com dados da Secretaria de Sade

    Municipal para 2007.

    3.3.2 Aracati

    Aracati est localizado no vale do Jaguaribe, na Microrregio do Litoral de

    Aracati, distante 127,1 km de Fortaleza. A populao total residente, de acordo com o

    Censo Demogrfico do IBGE realizado no ano de 2000, de 61.187, sendo que 39.179

    habitantes residem na zona urbana enquanto que 22.008 habitam a zona rural. O ndice de

    Desenvolvimento Humano Municipal (IDM-M) de 0,672 (Atlas do Desenvolvimento

    Humano no Brasil, 2000). Entre os anos de 1991 a 2000, o IDH-M de Aracati cresceu

    19,79%, passando de 0,561 em 1991 para 0,672 em 2000. A dimenso que mais contribuiu

    para este crescimento foi a Educao com 49,1%, seguida pela Longevidade, com 35,8% e

    pela Renda, com 15,1 %. Segundo a classificao do PNUD, o Municpio est entre as

    regies consideradas de mdio desenvolvimento humano, j que possui o IDH entre 0,5 e

  • 13

    0,8 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000). De acordo com dados da

    Secretaria de Sade do Estado do Cear (SESA), Aracati conta com uma equipe de 114

    agentes comunitrios de sade e cobertura de PSF de 49, 94%, de acordo com dados da

    Secretaria de Sade do Estado do Cear para 2007.

    3.3.3 Pedra Branca

    Localizado nos Sertes Cearenses, na Microrregio do Serto de Senador Pompeu,

    o Municpio de Pedra Branca dista 232,7 km de Fortaleza. A populao total residente, de

    acordo com o Censo Demogrfico do IBGE realizado no ano de 2000, de 40.742, sendo

    que 17.347 habitantes residem na zona urbana, enquanto 23.395 habitam a zona rural. O

    ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDM-M) de 0,605 (Atlas do

    Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000). Entre os anos de 1991 a 2000, o IDH-M de

    Pedra Branca cresceu 33,55%, passando de 0,453 em 1991 para 0,605 em 2000. A

    dimenso que mais contribuiu para este crescimento foi a Educao, com 48,1%, seguida

    pela Longevidade, com 31,4% e pela Renda, com 20,4%. Segundo a classificao do

    PNUD, o Municpio est entre as regies consideradas de mdio desenvolvimento humano,

    j que possui o IDH entre 0,5 e 0,8 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000).

    De acordo com dados da Secretaria de Sade do Estado do Cear (SESA), Pedra Branca

    conta com uma equipe de 99 agentes comunitrios de sade e rea de 89,69% coberta com

    PSF de acordo com dados da Secretaria de Sade do Estado do Cear para 2007.

    3.3.4 Itatira

    Localizado na regio norte do Cear, na microrregio de Canind, o Municpio de

    Itatira dista 149,8 km de Fortaleza. A populao total residente, de acordo com o Censo

    Demogrfico do IBGE realizado no ano de 2000, de 15541 habitantes, sendo que 6030

    residem na zona urbana enquanto 9511 habitam a zona rural. O ndice de Desenvolvimento

    Humano Municipal (IDM-M) de 0,569 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil,

    2000). Entre os anos de 1991 e 2000, o IDH-M de Itatira cresceu 27,29%, passando de

    0,447 em 1991 para 0,569 em 2000. A dimenso que mais contribuiu para este crescimento

    foi a Educao, com 51,1%, seguida pela Longevidade, com 36,9% e pela Renda, com

    12,0%. Segundo a classificao do PNUD, o Municpio est entre as regies consideradas

  • 14

    de mdio desenvolvimento humano, j que possui o IDH entre 0,5 e 0,8 (Atlas do

    Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000). De acordo com dados da Secretaria de Sade

    do Estado do Cear (SESA), Itatira conta com uma equipe de 35 agentes comunitrios de

    sade e 100% de cobertura de PSF de acordo com dados da Secretaria de Sade do Estado

    do Cear para 2007.

    3.4 Anlise dos Dados

    A anlise dos dados foi realizada em duas fases: a primeira, durante as entrevistas

    (coleta de dados), foi importante porque ajudou na reviso, avaliao e orientao das

    subseqentes entrevistas. Este momento de troca de experincia e dilogo entre

    entrevistador e narrador, pois esta uma relao no hierarquizada de pessoas com

    trajetrias e experincias diferenciadas, realizando uma pesquisa que comporta um

    encontro entre pessoas, o que significa experincia transformadora. Um processo mais

    sistemtico de anlises teve incio aps a realizao das entrevistas. Nessa etapa os dados

    produzidos e o texto das narrativas foram codificados, agrupados em conceitos iniciais e em

    categorias prticas surgidas das prprias entrevistas e baseadas nos objetivos da pesquisa.

    Dessa forma foi possvel delinear as propriedades e dimenses dessas categorias, sua

    significao e sentido.

    Para a anlise dos discursos, foram reunidas algumas categorias, definidas em

    relao ao enfermeiro e sua atuao no Programa Sade da Famlia. Essas categorias esto

    assim agrupadas,

    a) Conhecimento e Competncias do Enfermeiro no PSF (Conhecimento do

    Enfermeiro sobre o PSF, Competncias do Enfermeiro no PSF).

    b) O Trabalho no PSF (funes desempenhadas, organizao e planejamento

    da equipe de sade).

    c) Dificuldades Encontradas para a Realizao do Trabalho no PSF

    (dificuldades estruturais, relao enfermeiros e sistema de sade, relao

    mdico/enfermeiro no PSF, relao com a estrutura de poder local, vnculo profissional).

    d) Relao com os Usurios e Mudana de Comportamento

    e) Perspectivas e Possibilidades de Atuao Nesta anlise, verificou-se que, em alguns momentos, quando ligados a assuntos

  • 15

    especficos, como, por exemplo, a relao com os outros profissionais de sade, havia uma

    diferena entre os profissionais que atuam nos PSFs de Fortaleza e que trabalham nos PSFs

    dos municpios do interior e litoral do Estado do Cear ( exceo de Fortaleza). Assim,

    quando necessrio, essas diferenas sero destacadas na apresentao e discusso dos

    resultados. Para garantir a confidencialidade dos agentes pesquisados, cada entrevistado

    estar identificado por um nmero, o mesmo ocorrendo com os municpios, exceo essa

    feita a Fortaleza, em alguns casos, quando indispensvel destacar a diferena entre a

    Capital do Estado e os demais municpios.

    3.5 Aspectos ticos e tambm Legais da Pesquisa

    Em outubro de 1996, o Conselho Nacional de Sade, com base nas atribuies

    conferidas pelas Leis ns 8.080 e 8.142, aprovou a Resoluo 196, que contm as diretrizes

    e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. A Resoluo 196

    fundamenta-se nos principais documentos internacionais dos quais emanaram declaraes e

    diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos. No item III desta Resoluo, foi

    definido que em pesquisas envolvendo seres humanos devem ser atendidas exigncias

    ticas e cientficas fundamentais, o que implica consentimento livre e esclarecido dos

    indivduos-alvo. O consentimento livre e esclarecido significa que os indivduos ou grupos,

    por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuncia participao na

    pesquisa. A Resoluo 196 determina ainda que toda pesquisa envolvendo seres humanos

    dever ser submetida apreciao de um Comit de tica em Pesquisa (CEP).

    A pesquisa foi aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa da Escola de Sade

    Pblica do Cear.

    Todos os entrevistados foram orientados acerca dos objetivos da busca e assinaram

    um termo de consentimento livre e esclarecido antes do incio da entrevista. As identidades

    dos entrevistados sero protegidas e as falas estaro identificadas por uma numerao.

    Assim, pois, esta pesquisa incorpora os referenciais bsicos da Biotica tambm

    configurados na citada Resoluo correspondentes a autonomia, no-maleficincia,

    beneficncia e justia.

  • 4. DISCUSSO DE RESULTADOS

    4.1 Conhecimento e competncias do enfermeiro no PSF

    4.1.1 Conhecimento do Enfermeiro sobre o PSF

    O Programa de Sade da famlia (PSF), como j discutido na introduo, uma

    estratgia de governo que busca a reorganizao da produo de cuidados de sade, tendo

    como objetivo reorientar a prtica assistencial em direo a uma assistncia sade

    centrada na famlia, esta entendida e percebida desde partir de seu ambiente fsico e social.

    Assim, a questo inicial que se expressou para o enfermeiro foi exatamente saber a

    compreenso e a representao que estes tm em relao ao PSF. Isso importante porque

    so essas representaes que orientam as aes dos profissionais no desenvolvimento de

    suas atividades. Portanto, comparado e diante do que o Ministrio da Sade preconiza, os

    enfermeiros reconhecem o programa como estratgia de governo que veio para dar

    suporte prtica assistencial, como est citado no documento oficial criado pelo Ministrio

    da Sade.

    Uma estratgia muito boa de facilitar o acesso do usurio ao servio de sade. (Enfermeira 3, Municpio 1). uma estratgia, que foi implantada pelo governo, e eu acho que ele foi assim feliz com essa implantao, a gente viu que ele trouxe uma resposta grande pra gente, principalmente no que diz respeito aos indicadores, evitando a mortalidade infantil, aumentou o ndice de aleitamento materno. (Enfermeira 2, Municpio 1) Uma estratgia que disponibiliza pra populao um acesso maior aos servios de sade. (Enfermeira 5, Municpio 1) Ele uma estratgia como a gente chama, um modo de trabalho diferenciado que trabalha com essa historia do vnculo que eu acho fundamental, a empatia, o vnculo, a responsabilidade, o compromisso, voc tem que ter perfil de profissional de PSF. (Enfermeira 4, Municpio 1)

    Os enfermeiros foram conscientes nos seus discursos que a promoo da sade um

    novo modelo de prtica que vai depender de transformaes bastante radicais no modo de

    pensar e fazer sade.

    O PSF tecnicamente to lindo, to rico. A meu v, uma estratgia, de promoo e preveno basicamente. O que deveria ser a nossa meta, digamos assim, de trabalho. Promover e prevenir. (Enfermeira 5, Municpio 2)

  • 17

    O PSF, eu acho assim: o centro a famlia, no s a doena, mas a sade, como que ele vive naquele local socialmente, bio-psico-social n, e tambm a questo de como ele poderia se auto cuidar, como ele exercer o seu papel como cidado, e tambm claro fazer preveno e promoo em sade, principalmente as reas da LOAS. (Enfermeiro 1, Municpio 1)

    A estratgia do PSF est estruturada na lgica de ateno bsica sade, ensejando

    novas prticas setoriais e afirmando a indissociabilidade entre os trabalhos clnicos e a

    promoo da sade (BRASIL, 2000). Essa viso pode ser vista no discurso dos

    enfermeiros.

    Eu acho que basicamente a questo preventiva. Por exemplo: o que a gente cumpre os programas que so sete aes bsicas, dentro do PSF. Que so: a sade da mulher, a sade da criana, tuberculose, hansenase, hipertenso, diabetes, a questo da sade bucal que com odontologia. (Enfermeira 1, Municpio 2) Atua na ateno bsica e que aquele problema no vire uma coisa mais sria. E tambm a parte preventiva. Parte educativa que a gente trabalha muito, parte de vacina, voc trabalha, o conhecimento da populao facilita um pouco mais o trabalho da gente. (Enfermeira 3, Municpio 3)

    Como estratgia, o PSF incorpora e reafirma os princpios bsicos do SUS como

    universalizao, descentralizao, integralidade e participao da comunidade, e se alicera

    sobre trs grandes pilares - a famlia, o territrio e a responsabilidade - alm de ser

    respaldado pelo trabalho em equipe. Observa-se que o discurso do SUS foi incorporado

    pelo enfermeiro, como se pode observar nas seguintes falas:

    O PSF, eu acho assim: o centro a famlia, no s a doena, mas a sade, como que ele vive naquele local, bio-psico-social n, e tambm a questo de como ele poderia se auto-cuidar, como ele exercer o seu papel de cidado, e tambm claro fazer preveno e promoo em sade claro. (Enfermeira 2, Municpio 1) um programa que a gente acompanha as famlias de perto. A gente tem a oportunidade de conhecer as pessoas e intervir e evitar e ao mesmo tempo eles precisam de um atendimento hospitalar que uma parte mais preventiva. Cria um vnculo com a famlia, conhece os problemas reais e tenta resolver. (Enfermeira 5, Municpio 1)

    Assim, como se percebe, para os enfermeiros, o acompanhamento das famlias um

    servio primordial para o xito do cuidado da sade das famlias e uma das principais

    estratgias do PSF. Portanto, em todos os municpios, os profissionais de enfermagem

    situaram as estratgias preconizadas pelo Governo, o que mostra o enfermeiro ciente das

  • 18

    suas funes e se percebendo como elemento fundamental no desenvolvimento das

    atividades do PSF.

    E exatamente por serem conscientes dessas aes e dos objetivos do PSF, que os

    enfermeiros enfatizaram que, infelizmente, na prtica, muitas vezes no conseguem

    desenvolver suas aes como deveriam, como se nota perceber nos tpicos 4.2 e 4.3.

    Assim, no surpresa afirmarem que teoricamente seria uma estratgia eficiente no

    cuidado da sade da populao, mas que a realidade do trabalho cotidiano mostra uma

    situao diferente.

    uma estratgia que poderia funcionar melhor. Eu acho uma boa estratgia. No papel eu acho que resolveria muito, a gente lendo as diretrizes. Ele maravilhoso, mas que na prtica no. No funciona to bem como no papel. (Enfermeira 4, Municpio 2) uma estratgia linda. Se realmente acontecesse como manda as diretrizes do PSF. Todas as normas operacionais que o PSF se baseia. Onde ele foi construdo e tudo, mas infelizmente muitas coisas s existem no papel. A realidade outra, a gente v que realmente falta muita coisa, voc fica muito limitado pelas condies scio econmica da populao que voc assiste. Voc vai orientar uma dieta: mas doutora eu no tenho nem o que comer, como que voc ta me mandando comer frutas? (Enfermeira 5, Municpio 2) O PSF voc trabalhar a promoo, voc evitar a ocorrncia dos agravos. Aqui a gente fica dando o tempo inteiro remdio pra parasitose, a voc v que na casa pessoa que no tem gua encanada. A criana vem, ela no tem higiene. Ento do que adianta. (Enfermeira 4, Municpio 2)

    4.1.2 Competncias do Enfermeiro no PSF

    O trabalho do enfermeiro no PSF se constitui principalmente no monitoramento das

    condies de sade, como ncleo da ateno de enfermagem, seja no atendimento

    individual ou no atendimento grupal; no levantamento individual e monitoramento de

    problemas de sade (seja no enfoque de risco ou de vulnerabilidade), sendo que estes

    devero estar articulados interveno nos agravos de ordem patolgica (e, portanto

    pautados no saber da clnica); e ainda, como destaca Peduzzi (2000), no exerccio de uma

    prtica de enfermagem comunicativa, no sentido dialgico, buscando a ampliao da

    autonomia dos sujeitos.

    Segundo o documento Poltica Nacional de Ateno Bsica, editado em 2006 pelo

    Ministrio da Sade (BRASIL 2006), so as seguintes as atribuies mnimas do

  • 19

    profissional enfermeiro, cabendo ao gestor municipal ou do Distrito Federal ampli-las, de

    acordo com as especificidades locais:

    I - realizar assistncia integral (promoo e proteo da sade, preveno de agravos, diagnstico, tratamento, reabilitao e manuteno da sade) aos indivduos e famlias na USF e, quando indicado ou necessrio, no domiclio e/ou nos demais espaos comunitrios (escolas, associaes etc), em todas as fases do desenvolvimento humano: infncia, adolescncia, idade adulta e terceira idade; II - conforme protocolos ou outras normativas tcnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposies legais da profisso, realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicaes; III - planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as aes desenvolvidas pelos ACS; IV - supervisionar, coordenar e realizar atividades de educao permanente dos ACS e da equipe de enfermagem; V - contribuir e participar das atividades de Educao Permanente do Auxiliar de Enfermagem, ACD e THD; e VI - participar do gerenciamento dos insumos necessrios para o adequado funcionamento da USF. (BRASIL, 2006).

    O profissional de enfermagem demonstrou ter conhecimento das atividades que

    deveriam ser de sua competncia no Programa Sade da Famlia, ou, para usar a definio

    de Campos (1997), demonstrou ter conhecimento das atividades estabelecidas pelo seu

    ncleo de competncias. A seguir, mostra-se, como nas falas os enfermeiros exprimem as

    atividades que realizam dentro das suas competncias.

    A consulta de enfermagem

    A consulta de enfermagem uma prtica que foi criada para sistematizao da

    assistncia de enfermagem, oferecendo suporte ao enfermeiro na deteco precoce de

    algumas doenas. Como se nota pelos trechos seguintes, extrados das entrevistas,

    identifica-se o fato de que, dentro do PSF, o profissional de enfermagem entende bem os

    seus limites e a sua prtica de atuao. Como ser demonstrando no tpico 4.3, no entanto,

    muitas vezes, no trabalho cotidiano, a linha que divide os limites dessa atuao no ser to

    clara e definida.

    Acompanhamento da puericultura, de beb at a um ano de idade, a sala de vacina que tem que estar supervisionando, saber se auxiliar de enfermagem est fazendo direitinho. Acompanhamento de pr-natal, em nvel de seis. At que a gestante esteja bem. Se o pr-natal dela de auto-risco a gente no pode estar fazendo. Planejamento familiar, a partir da segundo consulta, a primeira vez do mdico. A realizao de exames de preveno, acompanhamento de hipertenso e diabetes, aqueles que j tem o medicamento especifico, que a gente faz a consulta. A partir

  • 20

    da segunda consulta que ele j tem aquele medicamento que toma, mas pra trocar s com os mdicos. Visita domiciliar, a parte educativa, educao e sade, palestras nas escolas, no prprio posto, e s. (Enfermeira 2, Municpio 3) Ns fazemos atendimentos das gestantes, todos os programas. Gestantes. Crianas, planejamento familiar, preveno do cncer mamrio e de tero, diabetes, hipertenso, tuberculose e hansenase, vigilncia sanitria. Vigilncia sanitria assim, se tem uma pessoa doente, voc tem de fazer de tudo pra ela ficar ali, e proteger as pessoas que esto ao redor. o enfermeiro tem que ficar direto nisso ai, ele tem que notificar qualquer problema que tenha naquele lugar, as vacinas se a pessoa faltar, ele tem que correr atrs daquelas pessoas porque tem que ser 100%. Ai voc vai conversar, que a gente chama de educao e sade, que tambm do enfermeiro. Pra voc v. O mdico s fica fazendo consulta. (Enfermeira 1, Municpio 3) Educao e sade, eu vejo ela como se ela ficasse dentro da consulta. Porque dentro da consulta que eu te falei que eu oriento, com tratamento, que ele tambm deve fazer caminhada, dieta, tudo educao e sade. Fica, que no deveria ser assim. Deveriam existir grupos. Que existem grupos. Palestras que voc faz na sala de espera. (Enfermeiro 4, Municpio 3) Consultas de enfermagem n! Dentro dos programas, a a gente atende os programas de sade da mulher, que pega a parte de pr-natal a preveno, t! O pr-natal de gestantes sem risco, atendimento a criana, o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, o acompanhamento do hipertenso e do diabtico, hansenase e tuberculose tambm, todos esses programas a gente atende. S no pode diagnosticar, mas d continuidade gente pode. (Enfermeira 5, Municpio 1)

    A visita domiciliar

    A visita domiciliar constitui uma das importantes atividades do Programa Sade da

    Famlia, sendo uma das prticas que mais subsidia a assistncia e a ateno integral

    comunidade. Em todos os municpios pesquisados, a visita domiciliar foi apontada como

    fazendo parte da rotina de trabalho da equipe.

    Visita domiciliar, um paciente acamado, onde precisa uma passagem de sonda nasogstrica, ou uretral, onde uma funo privativa do enfermeiro. Auxiliar no faz. Que so pacientes de risco. Vacina no que auxiliar faz, tem muitas assistncias que o auxiliar j faz, agora paciente de risco, todas devem ser o enfermeiro. Todo procedimento, que existe na nossa lei, todos aqueles que os auxiliares no pode desenvolver, como: consulta de enfermagem, ele no pode desenvolver, s o profissional enfermeiro. (Enfermeira 4, Municpio 2)

    A gente faz a visita domiciliar junto com o mdico. pra ser junto com o dentista, mas aqui o dentista no tem como ir. Ai vai o mdico, vai a enfermeira, vai a auxiliar de enfermagem, o agente de sade, pra ir a equipe toda, na realidade. (Enfermeira 10, Municpio 1)

  • 21

    Promoo da sade

    Hoje, o atual modelo de sade busca a promoo e a preveno de sade com nfase

    no trabalho interdisciplinar e intersetorial, com acento nos princpios do Sistema nico de

    Sade - SUS. Os enfermeiros incorporam na sua prtica aes de assistncia e promoo da

    sade e desenvolvem um trabalho especifico dentro das equipes onde atuam. Do nfase na

    sua fala promoo da sade e preveno:

    Aqui ns trabalhamos desde a promoo at a reabilitao se for necessrio. Mas a gente pretende que o nosso maior nmero de aes seja exatamente na parte de promoo, e preveno de doenas. (Enfermeira 8, Municpio 1) Trabalha mesmo a promoo, sade, educao e sade, preveno de doenas. Somos responsveis por cada ncleo. Ns estamos trabalhando com o ciclo de vida, ns somos responsveis por ncleo de criana e adolescente, ncleo sade do idoso, ncleo sade da mulher, e a gente faz diversas atividades. (Enfermeira 10, Municpio 1)

    Gerente de unidade

    De acordo com Lazzarotto (2001), o enfermeiro gerente de unidade faz treinamento

    e controle da equipe e atividades consideradas como gerenciais. Como gerente da

    assistncia de enfermagem no PSF, o enfermeiro deve ser o gerador de conhecimento,

    mediante o desenvolvimento de competncias, introduzindo inovaes equipe, definindo

    responsabilidades. Na fala dos enfermeiros, percebe-se que eles realizam atividades

    similares a essas identificadas por Lazzarotto.

    Gerente da unidade, que todos os papis, todas as coisas passam por mim. Ento, coordenadora das agentes de sade, supervisora e coordenadora das agentes de sade na rea. Elas tm uma coordenadora geral, mas eu como na unidade e como na rea eu sou coordenadora delas e supervisora. Tambm supervisora das aes de enfermagem do nvel mdio, e ainda pr-natal, preveno, acompanhamento de criana, parte de todo o tcnico, o tcnico todinho da unidade supervisionado, a questo da superviso comigo. E as funes de enfermeira e atendimento ambulatorial que atende pr-natal, que atende gestantes, que atende criana no acompanhamento, que v adulto ou encaminha, ou que v outras coisas que eu possa estar fazendo. (Enfermeira 6, Municpio 2) Ele faz a superviso dos agentes comunitrios de sade, ele tambm tem que est reciclando esse pessoal, supervisando os auxiliares da equipe com aperfeioamento quando tem curso, a consulta de enfermagem, alm de dar um suporte pro mdico. (Enfermeira 7, Municpio 1) Ela vai desde o planejamento em sade, planejamento em equipes das atividades que vo ser desenvolvidas para promoo, preveno, tratamento, recuperao e reabilitao daquela populao que est inscrita dentro do teu territrio, at a

  • 22

    prpria assistncia de enfermagem, consulta de enfermagem, que se convencionou falar tudo de programa. (Enfermeira 8, Municpio 1) Pra gerenciar, mas o enfermeiro no gerenciamento da equipe, ele trabalha, por exemplo: ele trabalha desde a capacitao do agente de sade, gerenciamento da educao desses agentes at o planejamento. Ento esse gerenciamento ta mais ligado ao planejamento das atividades em equipe. (Enfermeira 8, Municpio 1)

    O desenvolvimento de programas

    Com estes discursos, observa-se que os enfermeiros acreditam que o bom

    desenvolvimento dos programas de fundamental importncia para a realizao das

    atividades no PSF.

    trabalhar com os programas preconizados pelo o Ministrio, atravs da consulta de enfermagem. Que so programas de tuberculose, hansenase, controle de hipertenso e diabetes, o acompanhamento, crescimento e desenvolvimento infantil, a imunizao, preveno de cncer do colo uterino na mulher, pr-natal, planejamento familiar, a visita domiciliar que a gente faz aquele paciente que esto acamados, as puerperas que so as mulheres que tiveram nen recentemente, a criana faltosa a vacina a gente tambm faz a busca ativa pra ela vir vacinar e a educao e sade com as palestra educativas, os grupos de hipertensos que aqui a gente no tem implantado. (Enfermeira 3, Municpio 1) Eu consigo desenvolver todas, dento das que o ministrio preconiza que dentro daquelas sete que tuberculose, hansenase, ateno ao adulto, a criana, eu consigo desenvolver todas. Claro que tem uma que a gente gosta mais e outras que voc, at porque assim, tem coisas que a gente no v tanto. Que a gente sabe que tem e s vezes no aparece tanto. Hansenase, e tuberculose, mas so coisas que a gente sempre ta abrindo o livrinho preto pra gente ta anotando os possveis que possam aparecer, mas no vou dizer que uma parte que eu goste muito de trabalhar com tuberculoso ou com hanseniano. No por preconceito no. (Enfermeira 6, Municpio 2)

    As atividades desenvolvidas pelo enfermeiro esto bem delimitadas e dentro das

    funes preconizadas pelo Governo, o que mostra um certo preparo do enfermeiro para

    trabalhar no Programa.

  • 23

    4.2. O trabalho no PSF

    4.2.1 Funes Desempenhas

    No tpico anterior, foi possvel perceber que o enfermeiro atuante no Programa Sade

    da Famlia tem amplo conhecimento sobre os objetivos do PSF e as atividades de

    competncia do profissional de enfermagem. Assim, o objetivo aqui compreender como,

    na prtica, ocorre o desenvolvimento dessas atividades, ou seja, se o enfermeiro no trabalho

    cotidiano nas equipes de sade desempenha aes de acordo o determinado ou em acordo

    com os princpios da estratgia de Sade da Famlia.

    Ermel e Fracolli (2006), em um estudo realizado em Marlia, So Paulo, relatam que

    as aes desenvolvidas pelas enfermeiras estavam concentradas no trabalho de assistncia,

    voltada para os indivduos ou grupo de indivduos com determinada patologia, alm de

    aes de gerncia, tais como superviso e treinamento de auxiliares de enfermagem e

    agentes comunitrios de sade, e tambm previso e proviso de material, elaborao de

    relatrios e boletins mensais. Nos municpios investigados, pode-se constatar que tambm

    as atividades no diferem daqueles retratadas por esses autores.

    Verifica-se que as enfermeiras exercem funes variadas, tais como coordenadora da

    equipe, supervisora, gerente da unidade, e em cada uma dessas funes realizam diversas

    atividades, como atendimento clnico, vigilncia epidemiolgica e Educao em Sade, o

    que lhes permite ocupar posies estratgicas no processo de tomada de deciso, assim

    como na formulao e implementao das polticas no nvel local.

    Aqui eu atendo os programas, fao visita domiciliar com a equipe, atendo dois turnos por semana na preveno, na superviso das auxiliares, conversando, tirando algumas dvidas, checando se as coisas esto sendo feitas de acordo com as ordens tcnicas, investigando caso novo, investigando bito menor de um ano, bito em mulher de idade frtil. (Enfermeira 2, Municpio 1) O pessoal diz que o PSF faz de tudo. Ento essa responsabilidade sanitria do PSF que nenhum lugar tem, hospital no tem. Responsabilidade que a gente tem e eu me identifico com isso e gosto. (Enfermeiro 1, Municpio 1) A responsabilidade maior de um PSF, de uma equipe a enfermeira. a enfermeira que coordena a unidade de sade. Ento, no s assistncia no. desde a lmpada que queima, o papel higinico que est faltando, a visita de um paciente idoso. desde

  • 24

    a estrutura ao funcionamento. tudo. Todos tm suas atribuies. A enfermeira tem as atribuies privativas que s ela faz. Os mdicos tm as privativas e as auxiliares tm as privativas. Mas a enfermeira, ela ta ciente de todas as privativas e coordenando todas as funes. responsabilidade dela. (Enfermeira 4, Municpio 2)

    Quanto funo gerencial, Passos e Ciosak (2006) compreendem que a ao

    gerencial determinante do processo de organizao de servios de sade e fundamental na

    efetivao de polticas sociais, em especial as de sade. Os escassos recursos

    organizacionais e materiais, entretanto, contribuem para transformar o trabalho gerencial

    em atividades de controle e execuo de tarefas, conforme identificado nas falas.

    Primeiro a gerncia da unidade do enfermeiro. Toda gerncia, a parte fsica, se der algum problema voc que tem que resolver, solicitao de material, at mesmo a freqncia dos profissionais que trabalham aqui, dos funcionrios, acompanhar os agentes de sade. (Enfermeira 1, Municpio 2) A gente d conta da luz que queima ao pr-natal. tudo, a organizao do posto, gerenciamento, administrao, fica tudo com a gente, papelada. Notificao de doente fica tudo comigo. O pr-natal, sade da criana, hipertensos, diabticos, se tiver tuberculose e hansenase, preveno do cncer, cncer de mama que a gente faz tambm, sade do idoso que a gente acaba acompanhando. (Enfermeira 2, Municpio 2) Tem a questo das outras coisas. Papelada comigo. Tudo que papel comigo, avaliao no final do ms da produo sou eu que fao, controle de vacina, notificaes, receiturio que falta, eu que tenho que pegar porque o mdico no vai pegar. Eu digo pra ele quando o senhor precisar, o senhor vai l e pega. Mas ele no vai, tem que ser a bab da enfermeira. Deveriam fazer um estudo pra saber qual o problema das enfermeiras que tem mania de me. No sei qual o nosso problema. (Enfermeira 2, Municpio 2) Gerente da equipe que vive com prestao de contas dos mapas, reunies sistemticas com os agentes comunitrios de sade, atendimento ao pr-natal, preveno de cncer do colo de tero, consultas aos hipertensos e diabticos, atendimento de puericultura. (Enfermeira 7, Municpio 1)

    As visitas domiciliares, como visto no tpico anterior, so consideradas uma das

    atividades mais importantes realizadas pelos enfermeiros, pois permitem estreitar os laos

    com a comunidade e conhecer com profundidade a realidade social das famlias.

    As visitas domiciliares... porque uma das reas bem especificas do Programa Sade da Famlia. Os acamados tm direito. O profissional vai at a casa da pessoa. V o problema da pessoa. Eu acho algo to diferente e muito importante a visita domiciliar. Porque l na casa da pessoa, eu vejo como a casa, como ele se comporta na casa, como a relao familiar, qual a funo dele dentro da famlia, como a higiene da casa, tudo isso importante. Como ele est tomando o

  • 25

    remdio, onde guardado o remdio. A visita domiciliar estreita mais a relao. (Enfermeiro 1, Municpio 1)

    Estudo de Baduy e Cordony Jnior (1996), realizado em Londrina, Paran, mostrou

    que para os enfermeiros trabalhar no domiclio permitiu o desenvolvimento do vnculo

    com os usurios e, consequentemente, uma aproximao a modos diferentes de viver, fator

    que estava sempre validando ou no as aes realizadas. Esta forma de conhecer a

    comunidade representa um desafio, isto , a busca de outras formas de apreenso, outros

    meios de abordagem, buscando captar aspectos novos que ampliem a compreenso a

    respeito do usurio. No entanto, Ermel e Fracolli (2006), realizando a observao de um

    grupo de enfermeiras do PSF de Marilia, durante a visita domiciliar, identificaram o fato de

    que o objeto de interveno o indivduo doente e, embora as enfermeiras afirmassem que

    a visita domiciliar era para a famlia, o foco estava no indivduo, pois, durante a visita, a

    enfermeira no buscava identificar a dinmica familiar nem discutia as mudanas na vida

    da famlia diante do problema de sade de um de seus membros, tornando evidente o

    distanciamento entre o discurso e a prtica. A propsito das diversas aes desenvolvidas

    pelos profissionais, no contexto do PSF, Oliveira e Gusmo (2007) argumentam: o que se

    v, muitas vezes, so profissionais acreditando estar cuidado da famlia mesmo quando seu

    processo de trabalho no se diferencia daquele adotado na assistncia ao indivduo. Em

    sendo assim, considera-se que a assistncia ao indivduo que tem familiares que est

    acontecendo, e no a assistncia famlia, enquanto unidade. E, no entanto, existe diferena

    entre cuidar de um indivduo que pertence a uma famlia e cuidar da famlia propriamente

    dita, quando a assistncia tem caractersticas prprias e desenvolvida a partir do universo

    das relaes familiares.

    Essa situao pode ser vista como se repetindo nos municpios pesquisados, onde se

    pde notar que as visitas domiciliares, embora referidas como atividade voltadas para a

    famlia, so realizadas, na maioria das vezes, quando o paciente necessita de procedimentos

    especiais.

    Algumas vezes, a enfermeira se v forada a ir alm de suas competncias ou do

    que o seu exerccio profissional permite, seja por ausncia do profissional mdico, seja por

    sentir necessidade de assumir as tarefas de outros membros da equipe ou mesmo pela

    prpria demanda da comunidade.

  • 26

    Existe no interior uma questo muito forte chamada prescrio, ento assim, se voc no tiver sensatez e no se policiar, voc acaba fazendo o que os outros esto lhe manipulando, por exemplo: como no interior tinha grande rotatividade de mdicos ento o secretrio de sade que tambm era mdico, se chegasse um paciente com tal sintoma, ele queria que a gente prescrevesse a vontade. Mas eu sempre me policiei, sempre soube dos meus limites. (Enfermeira 9, Municpio 1.) Eu no sei mais se eu sou enfermeira, mdica, auxiliar de enfermagem. Eu acho que estou pra descobrir qual foi o meu diploma. Eu s sei que eu sou enfermeira porque na minha casa tem um diploma de enfermagem, mas muitas vezes eu me pego fazendo papel de mdico. A prescrever alguma medicao que no pode, que no sejam aquelas que o prprio ministrio da sade j designou que todos os enfermeiros pudessem prescrever que esto dentro dos programas. Ento a gente acaba prescrevendo uma medicao que a gente no pode, a gente acaba prescrevendo uma medicao s vezes at injetvel. Pra gente no ver o paciente agonizando na nossa frente. Ento esse o papel de mdico que a gente faz. A gente acaba fazendo curativo, acaba fazendo uma puno venosa, tendo que fazer no lugar da auxiliar de enfermagem porque ela no est preparada pra aquilo. Acaba fazendo o papel de assistente social que s vezes no municpio no tem, acaba fazendo o papel de psicloga pra conversar com as famlias que esto tendo problemas. s vezes o paciente vem no posto no pra pegar remdio, ele vem pra conversar com voc. Ele est passando por algum problema e ele quer conversar. E ento a gente acaba sendo psiclogo, psiquiatra tambm porque tem uns doidos que vem pro posto tambm. Ento a gente no sabe mais nem qual a funo da gente. Os programas a gente acaba fazendo sem muita estimativa do que a gente t fazendo, sem poder se inteirar do que a gente t fazendo. S faz mais pra vir a verba do municpio. Mas como enfermeiro o que a gente menos faz ser enfermeiro dentro do Programa Sade da Famlia. (Enfermeira 4, Municpio 3)

    Essa questo, que na verdade leva a um excesso das atividades na prtica

    desempenhadas pelo enfermeiro, apontada como das grandes dificuldades encontradas

    para o desenvolvimento de aes no PSF. Apesar disso, como se ver no Tpico 4.3,

    garante ao mesmo tempo um maior status junto populao para o profissional de

    enfermagem.

    Por essas entrevistas tambm se percebe como na prtica sucede o desenvolvimento

    do trabalho em equipe, considerado elemento fundamental no PSF. O trabalho em equipe

    constitui a base da proposta da estratgia sade da famlia, sendo uma forma eficiente de

    estruturao, organizao e aproveitamento das habilidades humanas; no entanto para que

    seja viabilizada, imprescindvel, como j destacam Arajo e Rocha (2007), que haja

    relao interativa dos profissionais, mediada pela troca de conhecimentos e articulao de

    um campo de produo de cuidados comuns. Para Almeida e Mishima (2001), se essa

    integrao no ocorrer, corre-se o risco de repetir o modelo de ateno desumanizado,

  • 27

    fragmentado, centrado na recuperao biolgica individual e com rgida diviso de

    trabalho e desigual valorao social dos diversos trabalhos. Nesse sentido, Arajo e

    Rocha (2007) argumentam: o estabelecimento de uma relao dialgica no interior

    das unidades de sade pode contribuir para superao de relaes hierarquizadas, em

    que os profissionais raramente conhecem as potencialidades dos outros, reproduzindo,

    dessa forma, a diviso social de trabalho e estabelecendo relaes de mando e

    autoridade. Pelas entrevistas, nota-se, no entanto, que essa relao dialgica ainda

    insuficiente, em especial quando considerado o profissional mdico, fazendo com que,

    dentro da perspectiva do trabalho multiprofissional, apenas ocorra uma diviso de

    tarefas, seguindo a hierarquizao tradicional de poder do profissional mdico, como se

    ver tambm na sesso 4.3.

    Dessa forma, a discusso de Campos (1997) sobre campo de competncia e de

    responsabilidades e de ncleo de competncia e de responsabilidade - por ncleo entende-

    se o conjunto de saberes e responsabilidades especficos a cada profissional enquanto por

    campo entende-se os saberes e responsabilidades comuns ou confluentes a vrios

    profissionais ou especialidades -, torna-se importante dentro da estrutura do Sade da

    Famlia. Assim, para o desenvolvimento do trabalho em equipe, torna-se necessrio

    redefinir, no cotidiano das unidades bsicas de sade da famlia, as responsabilidades e as

    competncias dos profissionais.

    Apesar de alguns elementos considerados negativos, no entanto, as experincias no

    PSF so havidas como gratificantes, importantes para o crescimento pessoal e profissional:

    A gente trabalhava com muitas microreas o acesso muito difcil eu j passei por pouca e boas, mas um aprendizado. Foi muito bom pra mim. Eu passei 4 anos em um municpio foi extremamente rico, eu cresci muito como pessoa e como profissional, foi mais um passo em termo de aprendizado pra mim. Foi uma experincia muito rica. Enfermeira 2, Municpio 1) Eu trabalhei oito meses em hospital, mas nunca foi a rea que eu gostava, eu sempre gostei mesmo de trabalhar com sade pblica. Surgiu uma oportunidade, uma vaga, no interior a quase 300 km daqui de Fortaleza, eu fui assumir essa vaga. Eu no sabia nada sobre o PSF. Eu s sabia que trabalhava com famlia e que tinha a ver com sade pblica, mas assim o que eu ia fazer, eu no sabia de nada. Eu fui aprendendo com a experincia mesmo de trabalho. (Enfermeira 3, Municpio 1) Muito boa! Assim, um aprendizado muito grande, n? A gente vai verdinha ainda, porque a faculdade, na realidade ela d diretrizes, n? Pra voc, na prtica mesmo que a gente pega, v a coisa como ela realmente acontece. E a o primeiro

  • 28

    municpio que eu trabalhei foi como uma escola, muito bom mesmo! (Enfermeira 5, Municpio 1) Eu acho que no interior a gente tem uma experincia de vida muito grande. Que a gente consegue realmente delimitar e assumir. E principalmente quando voc passa um longo perodo. Porque voc sabe quem realmente hipertenso, quem que d trabalho, quem aquela mulher que quase todo ano tem pr-natal... a gente acaba conhecendo de verdade as nossas famlias e a nossa clientela. Que aqui em Fortaleza est tendo dificuldade de fazer. (Enfermeira 7, Municpio 1)

    4.2.2 Organizao e Planejamento da Equipe de Sade Identifica-se o fato de que no Municpio de Fortaleza, os enfermeiros planejam as

    atividades em conjunto com os outros profissionais utilizando uma estratgia chamada

    Roda de gesto e com base nas prioridades identificadas, porm adaptam-se de acordo

    com as necessidades. No entanto, percebe-se que, para os outros municpios, a elaborao

    do cronograma de atendimento compreendida como se fosse o planejamento.

    A gente tem aqui a roda de gesto. Que mais uma reunio que acontece toda sexta-feira tarde, onde a gente discute problemas da unidade, problemas das equipes, e a gente faz o planejamento das aes. Recentemente a gente fez o plano de ao contra a dengue implantados pelas equipes. Ento essas sextas-feiras que ocorre semanalmente, elas ficam destinadas pra isso, pra planejamento e pra discusso. (Enfermeira 3, Municpio 1)

    A gente faz por programa, de atendimento. A so feitas os cronogramas. O usurio chega aqui e faz consulta com o mdico, enfermeiro, e encaminha pra o dentista. A gente fez isso tudo direitinho. (Enfermeira 2, Municpio 2) Fazendo um cronograma principalmente. A gente tem, cada dia da semana um tipo de atendimento. No dia de hipertenso, que na segunda, se chegar uma criana que na quarta, mas se chegou com febre, diarria, eu atendo. A gente faz um cronograma, mas bem malevel por conta do profissional mdico, consulta mdica. (Enfermeira 4, Municpio 2) A gente tem um calendrio, esse meu calendrio faz tempo que ta ai. E ai cada dia da semana eu tenho uma coisa pra fazer. No dia de segunda eu fao preveno, na tera hipertenso, na quarta eu fao pr-natal, na quinta j tem pr-natal de novo, planejamento a tarde, cada programa tem o seu dia, ou a tarde ou o dia todo. E ai a demanda livre, quando a gente ta com o mdico no que ele assume, mas quando est sozinho, primeiro os programas e fica a demanda livre por ltimo. (Enfermeira 1, Municpio 3) A gente se organiza atravs de cronograma. Nosso atendimento da equipe l mdico e enfermeiro. Tem um cronograma l feito na parede do mdico, da enfermeira e do dentista. Cada dia tem sua data estabelecida, mas termina a gente

  • 29

    no fazendo s o programa daquele dia.. Mas todo dia foge, nunca voc atende s o programa, no tem como, a no ser se voc for muito rigorosa, rgida. No vou atender e pronto. A a comunidade sai insatisfeita e termina criando problema. Ento pra no criar problema a gente termina fazendo essas aberturas. (Enfermeira 4, Municpio 4)

    consenso o fato de que os profissionais da ateno bsica devam ser capazes de

    planejar, organizar, desenvolver e avaliar aes que respondam s necessidades da

    comunidade e de articular os diversos setores envolvidos na promoo da sade

    (OLIVEIRA e MARCON, 2007), no entanto, na pesquisa, percebe-se que o planejamento

    variou de equipe a equipe, pois algumas usavam os dados obtidos para planejar as aes e

    outras no, conforme pode ser visto nas falas.

    Por enquanto ainda no usa esses prprios dados do SIAB porque ta organizando a sala de situao. Porque a sim, quando tiver a sala de situao e os agentes de sade, tem como trabalhar em cima dos dados. (Enfermeira 6, Municpio 1) Os indicadores de campo eu no utilizo pra fazer o planejamento do calendrio no. O que utilizo como eu te disse: vai ter uma campanha a a gente ta incluindo. Tem um grupo de hipertensos que tal dia, a gente ta incluindo algumas coisas em relao aos indicadores que precisam ser trabalhados. Tem um grupo de gestante que a gente tem fixo que a ltima segunda-feira de cada ms que a gente ta trabalhando os indicadores em relao s gestantes. Mas pra fazer o cronograma eu no utilizo os indicadores. Eu utilizo assim alguma coisa de um grupo fechado. Como a gente trabalha muito aleitamento materno porque o nosso tem um indicador baixo. (Enfermeira 6, Municpio 4) Todo primeiro dia de cada ms, a gente se rene, avalia os dados, conversa sobre certos dados, a gestante ou o programa do pr-natal, o programa do sulfato ferroso, o programa do hipertenso e vai avaliando cada um. O que est pendente? O que falta? E a gente vai ver o que falta e o que merece ser melhorado naquele ms. No ms passado foi ruim pra isso ento, vamos melhorar nesse ms. A gente tem uma reunio e conversa sobre o assunto. (Enfermeira 2, Municpio 3)

    Para Cotta et al (2006), o trabalho dos profissionais das equipes de sade da famlia

    mantm as caractersticas da compartimentalizao, sem um planejamento coletivo que

    adapte as atividades s necessidades da populao na rea de abrangncia.

    A Poltica Nacional de Ateno Bsica (BRASIL, 2006) define como caractersticas

    do processo de trabalho da Sade da Famlia a promoo e estmulo participao da

    comunidade no controle social, no planejamento, na execuo e na avaliao das aes.

    Percebe-se que essa prtica no acontece no cotidiano de trabalho das equipes, embora

  • 30

    alguns profissionais considerem importante a participao da comunidade no momento de

    planejar as aes,

    Hoje o planejamento est sendo s da equipe. Em mdio prazo, na minha cabea tem que ter a comunidade. A comunidade que tem que decidir. s vezes eu pergunto pra gestante. Eu tenho um dia de pr-natal de manh e outro a tarde ai eu pergunto: pra voc melhor como? melhor de manh ou a tarde? Ai ela pode a tarde porque de manh tem os meninos que vo pro colgio. J outra no, prefere de manh. Mas eu acho que o planejamento tem que ser junto com a famlia, mas pra isso, a gente tem que ta puxando pra ter esse vnculo pra ta conversando com ela. (Enfermeira 12, Municpio 1)

    relevante salientar que alguns profissionais tm conscincia de que no fazem

    planejamento, mas trabalham para resolver problemas. Um estudo realizado por Friedrich e

    Pierantoni (2006), em Juiz de Fora, evidenciou que a demanda espontnea do usurio se

    mostrou indutora das atividades realizadas pela equipe. Para os autores, as aes

    preestabelecidas do PSF (ateno ao diabtico, hipertenso, pr-natal,entre outras) acabam

    por inibir outras aes da estratgia, como o levantamento de problemas de sade prprios

    da localidade, pelos usurios e pelos trabalhadores.

    O que eu acho que a secretria no tem uma programao, um cronograma. No cumpre realmente um cronograma. Na verdade essa. A gente ta num momento que parece que s trabalha pra apagar incndio, s pra resolver problema. Porque falta tempo pra planejar. Ento no sobra tempo. falta de organizao que j vem de anos. aquela historia que eu te falei, j vem de anos. Entra sai, entra sai, entra sai, deixa de ir cuidar, o outro pega a secretaria com um monte de dvida e no consegue arrumar a casa pra recomear a trabalhar. Difcil planejar numa situao em que nada funciona, todos esto com os salrios atrasados trs meses. (Enfermeira 1, Municpio 2.) O nico planejamento de horrio. Porque o certo seria a gente fazer uma reunio e dizer cada coisa que a gente quer fazer. Que deveria todo mundo se reunir e falar pra gente fazer um mapa e a gente no faz porque a gente no tem tempo pra isso tambm. (Enfermeira 3, Municpio 3.)

    Em alguns municpios nem todos os profissionais participam das reunies havendo

    queixas sobre a ausncia dos outros profissionais de sade e do gestor:

    Tem uma reunio que feita com a coordenadora, mas geral. s vezes ficam s os enfermeiros, alguns dentistas, agora pra reunir os mdicos isso um pouco difcil no nem todos que s vezes gostam. E gestor s s vezes quando tem alguma coisa mais sria, um problema maior. besteira, no gostam, acham que no precisam, no do importncia. E seria importante a presena deles porque dava pra eles terem noo de como que esto as coisas, como que ta os indicadores, quais so os problemas que a gente precisa trabalhar mais. conhecer um pouco mais a realidade que a gente ta trabalhando hoje em dia. (Enfermeira 1, Municpio 3.)

  • 31

    Geralmente h reunies mensais. Quando existe reunies so mensais. S que na maioria das vezes s quem participa das reunies so os enfermeiros. A papelada do PSF fica todinha a cargo do enfermeiro e o mdico no participa. Todos os meses ns temos a consolidao dos agentes de sade com os enfermeiros. Faz um ano que eu estou aqui. Mdico e dentistas nunca participaram de uma reunio, pelo contrrio tem agente de sade minha que no conhece o meu dentista. Porque eles no participam das reunies. No quer saber se, vamos supor, se a populao est gostando do trabalho dele, se na rea existe muitos desdentado, no quer saber nada, s quer saber se ele est atendendo no consultrio dele e acabou. A papelada fica toda a cargo do enfermeiro, o enfermeiro faz o planejamento. O que ele fizer est feito porque os outros dois profissionais do PSF no participam. (Enfermeira 4, Municpio 3)

    H relatos de que no fazem reunies de planejamento, mas cumprem metas

    definidas pela secretaria de sade.

    No. Existe reunio na secretaria de sade com os PSF. Existem metas a serem alcanadas. ... muito dicotomizado, no tem aquela coisa mesmo de voc sentar com todos os funcionrios, seja o auxiliar de servios gerais ou de nvel superior e a gente colocar o que est acontecendo e v o que pode fazer. J no outro que eu trabalhava, eu tinha reunio que geralmente o mdico no participava porque tinham outras coisas pra fazer. O calendrio j existia antes deu... essas datas assim dia disso, dia daquilo j existia. Ento pra no modificar a rotina do que eles j estavam adaptados, eu s me encaixei e a gente deixou flexvel em relao a alguma coisa que acontea. Campanhas ou alguma coisa assim. (Enfermeira 6, Municpio 4)

    4.3 Dificuldades encontradas para a realizao do trabalho no Programa Sade da Famlia

    O trabalho nas unidades de sade que tm por base a estratgia do Programa Sade da

    Famlia constitui desafio para o enfermeiro, que se v cotidianamente tendo que lidar com

    uma srie de problemas e dificuldades que dificultam o pleno desenvolvimento de suas

    atividades e, conseqentemente, do Programa. Essas dificuldades podem ser divididas

    como de natureza estrutural, ou seja, aquelas que dizem respeito s condies materiais das

    unidades de sade e de trabalho, e aquelas ligadas s relaes estabelecidas entre o

    enfermeiro e o sistema de sade, mais especificamente os outros profissionais que

    compem a equipe de PSF, os enfermeiros e a administrao local, aqui incluindo tanto os

    secretrios como vereadores e prefeitos.

  • 32

    4.3.1 Dificuldades Estruturais

    Iniciando com as dificuldades estruturais, pode-se perceber que, nos municpios do

    Estado, essas dificuldades se referem principalmente prpria estrutura fsica das unidades

    de sade, algumas dos quais no oferecem condies adequadas para atendimento, faltam

    medicamentos, faltam materiais, como, por exemplo, bloco de receiturio para prescrio, e

    a questo do transporte. Alm disso, as pssimas condies das estradas em algumas reas

    das zonas rurais so apontadas como empecilho para a realizao das visitas, e em muitos

    lugares, durante a estao chuvosa, somente carros com trao conseguem fazer o percurso,

    mas estes no esto disponveis para todas as equipes.

    A rea que a gente atua uma rea muita boa muita acolhedora, mas tem os seus pontos negativos. uma rea de difcil acesso, tem reas que a gente s consegue ir a p. Outras reas no passa nem moto. Agora sexta-feira prxima vou ter que fazer a vacinao na campanha do idoso numa rea super difcil s vai com carro tracionado, ento j outra questo de dificuldade em questo da vacinao dos idosos que nesse perodo eu tenho que ir domiclio por domiclio porque so poucos os que vo procurar principalmente essa rea que difcil, longe, ento eu tenho que me dirigir at l e ir domiclio por domiclio subindo ladeira, subindo em jumentinho e andando a p e assim. E a dificuldade eu acho que em relao a isso o acesso que difcil e a territorializao que muito mal distribuda, foi muito mal feita. (Enfermeira 5, Municpio 4)

    Outro ponto a ser considerado de natureza estrutural a questo da territorializao.

    Praticamente os enfermeiros, em todos os municpios, foram unnimes em apontar o grande

    nmero de famlias pela quais cada PSF responsvel, ou seja, a grande extenso do

    territrio de atuao, como possvel de se perceber tambm na ltima fala reproduzida.

    Para eles, esse um fator que prejudica a qualidade do atendimento e o processo de

    promoo da sade, uma vez que ficam sobrecarregados com tantas famlias, como j visto.

    exatamente nessas dificuldades, porm, que se v uma das caractersticas do trabalho

    do enfermeiro, que talvez possa contribuir para explicar por que, mesmo em meio a certas

    condies adversas, o PSF atinge sucesso e melhora as condies de sade da populao,

    ou seja, a improvisao e o fato de extrapolarem os limites de sua atuao. Este fato

    tambm sensvel em relao ao campo de atividades do mdico e do enfermeiro, como se

    ver no tpico 4.3.1. No tpico 3.2, j se viu tambm como o enfermeiro assume todas as

    responsabilidades pelo gerenciamento e funcionamento do programa. O depoimento de

    uma enfermeira de Aracati ilustra bem essa situao.

  • 33

    Entrevistador: E quando no tem o material esterilizado o que voc faz? Entrevistado: Eu fico doida aqui. Fulana, vai ali no centro de sade e fale com minha amiga Fulana de Tal. Mando um bilhetinho, colega, atenciosamente solicito... Ai as colegas me mandam um material emprestado. Ningum nega. Jeitinho de brasileiro. E o enfermeiro impressionante, parece que foi formado mesmo pra trabalhar com improvisao. incrvel! Improvisa e leva adiante. (Enfermeira 1, Municpio 2)

    Em outro trecho, uma enfermeira de Pedra Branca acentua que investe seu dinheiro na

    busca de melhorar as atividades desenvolvidas nas unidades de sade.

    Eu quero resolver as coisas da unidade mesmo. Tem muitas vezes que eu tiro dinheiro do meu bolso pra colocar l dentro porque eu gosto das coisas funcionando. Numa campanha dessas de ter uma festinha pros meus idosos. Na campanha de vacina das crianas, ter bombons pra ta distribuindo, ter um pozinho, ter um cachorro quente. (Enfermeira 5, Municpio 4)

    Em Fortaleza, em relao estrutura fsica das unidades, no muito diferente dos

    demais municpios, os principais problemas destacados foram em relao falta de salas ou

    inadequao das salas em uso para a realizao de atendimento, falta de medicamentos e

    falta de transporte para a realizao das visitas domiciliares. Transporte em Fortaleza

    tambm se torna importante em virtude da grande extenso da rea atendida por equipe,

    como foi destacado pela maioria dos enfermeiros.

    O que a gente discute mesmo a questo de estrutura. Que a estrutura fsica da unidade no boa, no acho legal, desconfortante. desconfortante pro paciente e desconfortante pra mim, muito quente, esse ventilador ele ta aqui por que eu trouxe de casa. Se no tivesses eu tava aqui pingando suor, morrendo de calor. Quando eu cheguei aqui eu disse: No agento, trabalhar nessa sala, eu no agento. Mas ai quando eu escuto algumas colegas dizerem assim: Olha, tu ta no cu, porque voc tem pelo menos uma sala pra ta atendendo, onde eu to, no tem nada. No tem sala, eu fico vagando pelos os corredores. Eu no posso reclamar do meu ventilador. (Enfermeiro 10, Municpio 1)

    O ideal caso tivesse uma ocorrncia que a gente precisa ir, tivesse um carro, mas no tem. E ele vem dois dias na semana, ento a gente, tudo que a gente tem que fazer, visita domiciliar, as vezes um atestado de bito, uma investigao epidemiolgica... ta tendo surto de dengue em tal rea a eu preciso de um carro pra ir l, pra fazer um bloqueio, pra atuar n, orientar. E o carro s vem quarta de manh e quinta a tarde, e a o que que a gente faz? (Enfermeiro 9, Municpio 1).

    Em relao falta de material, assinalam:

    As vezes falta material de curativo, quebra a mquina de esterilizar, a gente no faz nem um curativo, porque no tem material esterilizado. Exame de preveno, as vezes os espectros descartveis no vem. Agora no, ultimamente ta vindo, mas

  • 34

    acontece de faltar o tubinho, falta tudo, pra exame de sangue, porque aqui tambm um posto de coleta, ento assim, existem grandes barreiras n, pra que a gente possa atuar sem deixar a desejar. (Enfermeiro 9, Municpio 1)

    Alm disso, Fortaleza tem tambm um diferencial negativo em relao s reas do resto

    do Estado, ou seja, a questo da violncia e da necessidade de atendimento em reas

    consideradas de risco criminal.

    Aqui, aqui, e aqui por incrvel que parea, tem reas que tem prdios muito bonitos e tem uma rua antes de voc entrar dentro que tem uma grande favela que no d pra ver por que ela ta por dentro. Ta dentro assim do meio de um quarteiro. Voc entra assim no bequinho, ali s um bequinho, quando voc olha assim, um aglomerado de casas. Aqui na Parangaba tem reas de risco 1, que a gente chama, que esgoto a cu aberto, que no tem banheiro. A gente corre bastante risco andando nesses locais. Carro, aqui no posto ele s vem dia de quarta-feira de manh e quinta-feira de tarde. (Enfermeiro 9, Municpio 1)

    Outro problema, tambm diferente do resto do Estado, a questo do menor ndice de

    cobertura dos agentes de sade na capital, ou a falta de capacitao desses Agentes, que

    apontado como fator que prejudica um melhor atendimento e o andamento das atividades

    do enfermeiro.

    Eu acho que tem questo de compromisso. Que pra voc querer fazer algo voc tem que ter compromisso e a vontade de fazer e como tambm a capacitao. Tem que ter uma capacitao dos profissionais. A maior dificuldade que hoje eu vejo no Programa Sade da Famlia de Fortaleza que muito diferente do Programa da Sade que eu atuava no interior que os nossos agentes de sade, eles no so capacitados, eles so os nossos olhos na comunidade e so olhos que voc v que ta precisando de lentes e no tem lentes. No tem. Quando eu trabalhava h 4 anos atrs na Sade da Famlia no interior, eu tinha agentes de sade com capacitao em Sade da Famlia, com curso de capacitao de 1 ano e aqui muitas vezes eu digo: voc tm que saber disso! Que s vezes eu reclamava: Voc est precisando de mais capacitao. (Enfermeira 8, Municpio 1) No caso da minha equipe, que eu s tenho dois agentes de sade, tenho um na rea que uma rea grande e descoberta, que no tem agente. Ento se aparecer aqui algum com alguma queixa dessa rea. Eu j sei que l no tem agente, l no tem como o agente passar porque no tem. E desses dois eu tenho um muito compromissado, compromissado at demais. Tudo que eu pedir ele faz. Ele visita todo mundo, ele pesa todas as crianas, todos da rea dele, ele conhece. E tem outro que mais relapso como que eu sei que ele mais relapso? Eu pergunto: Fulano de tal passou na sua casa esse ms? Faz uns trs meses que ele no passa l. (Enfermeiro 3, Municpio 1)

  • 35

    Assim, como j visto, a sobrecarga de trabalho, atrelada s dificuldades

    fsicas/estruturais, ao grande nmero de famlias atendidas, e s relaes com o sistema de

    sade, como se v a seguir, dificulta o trabalho do enfermeiro no PSF.

    4.3.1 Relao Enfermeiros e Sistema de Sade

    Trabalhar-se- aqui, nas relaes entre os enfermeiros e o sistema de sade, mais

    precisamente com os outros profissionais, principalmente aquelas dificuldades com as quais

    os enfermeiros se deparam quando lidam com elementos que no necessariamente dizem

    respeito estrutura material ou fsica, mas que tambm comprometem a organizao dos

    servios e da assistncia prestada. Essas relaes com os outros profissionais, em especial,

    os mdicos, como vamos perceber, influenciam tambm nas relaes com a administrao

    municipal ou as secretarias municipais de sade, ou o que se est chamando de estrutura de

    poder local.

    a) Relao Enfermeiro/Mdico no PSF

    Da perspectiva multiprofissional, o PSF aproxima em uma intensidade maior, se

    comparado com o trabalho realizado nos hospitais, os profissionais mdicos e enfermeiros.

    No PSF, diferente do hospital, apesar de cada profisso manter competncias especficas,

    existe ainda uma srie de responsabilidades que so de obrigaes comuns aos

    profissionais. Aqui, o conceito de ncleo de competncia e de responsabilidade e campo de

    competncia e de responsabilidade (CAMPOS, 1997) pode ser mais bem entendido. Como

    visto, ncleo de competncia o conjunto de saberes e responsabilidades especficos a cada

    profisso, e cada profissional tem seu ncleo especfico de atuao. Campo de competncia

    so os saberes e responsabilidades comuns a vrios profissionais. Assim, dentro no PSF, os

    profissionais de categorias diferentes, em seu ncleo de atuao, tm responsabilidades

    prprias referentes sua formao, mas, ao mesmo tempo, dentro de um campo de

    competncia, tm responsabilidades comuns, como, por exemplo, conhecimento sobre as

    diretrizes que norteiam o PSF e atuao na promoo da sade. Portanto, teoricamente, a

    atuao no PSF pressupe uma troca maior de conhecimento entre esses profissionais

    mdicos e enfermeiros, aproximando duas categorias que historicamente so marcadas

    pelas relaes de poder e hierarquizao do profissional mdico.

  • 36

    Em um estudo sobre trabalho em equipe na sade, Almeida e Mishima (2001) j

    apontam para a necessidade de reviso do papel do mdico como central e hegemnico na

    equipe de sade, pois, de acordo com os autores, isso pode levar a valoraes hierrquicas e

    desigualdades sociais entre o trabalho dos profissionais em sade. Afirmam que somente

    com essa discusso sobre a centralidade do mdico, a sade da famlia poder ir alm de

    uma tarefa tcnica hierarquizado para um trabalho com maior interao social e integrao

    da equipe. Para eles, se isso no ocorrer, pode-se repetir o modelo fragmentado e centrado

    na Biologia, com a desvalorizao dos diversos profissionais. Assim, um importante

    questionamento dessa pesquisa consistiu em procurar desvendar como na prtica sucedem

    essa interao e a realizao do trabalho em equipe.

    Nos diversos municpios, principalmente (como veremos a seguir, Fortaleza apresenta

    algumas especificidades), um dos fatores que se observou diz respeito exatamente

    hierarquizao das profisses ou ao poder exercido pelo mdico.

    Mais uma vez, diferente do relacionamento ocorrente nos hospitais, onde os mdicos

    ocupam as principais funes diretoras e os cargos administrativos e de coordenao, no

    PSF, as funes de coordenao encontram-se em todos os municpios pesquisados, a cargo

    dos enfermeiros, e, apesar de no haver dados para o restante do Estado do Cear, essa

    parece ser a realidade em praticamente todos os municpios. As funes do enfermeiro

    como coordenador foram descritas no Tpico 4.1.2.

    A posio de coordenador do PSF, que garante o gerenciamento dos recursos humanos

    nas unidades de sade, deixa de fora, no entanto, o profissional mdico. Em relao a estes,

    os coordenadores no tm nenhum controle, e aqui no se est referindo s atividades

    especficas do mdico, mas quelas que deveriam ser realizadas em conjunto, que dizem

    respeito ao campo de competncias, como visto h pouco.

    O mdico que eu to, ele faz o seguinte: o antigo fazia, mas talvez por ele ser muito velho, parece que ele tem 39 anos de profisso, ele se cansou. Ento ele no gosta de ficar, por exemplo: uma gestante, eu mando uma gestante pra ele, ele pega olha, mas no mede a barriga da mulher, ele no ouve o batimento da criana, ele olha pra mulher e l fala, fala, fala, s vezes escreve e s vezes no, e tchau. O planejamento familiar, ele vai logo dizendo isso ai no meu. s vezes ele s fala assim: voc tem que tomar o remdio assim, e assim, e assim. E tchau e boa noite. Ele no conscientiza aquela pessoa. (Enfermeiro 3, Municpio 3) Mas a questo de hbito que difcil mudar nele. Horrios, os nossos horrios 7:30 s 11:30 e de 13:30 a 17:00. Ele s funciona depois de 8:30. Ele no chega antes disso. Ontem ele chegou cedo no sei como. Ele chegou 14:10. Foi incrvel, porque nunca acontece. Pode

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    falar com a coordenao, com a secretaria de sade, no muda, ele s funciona depois de 8:30, acha que o certo e vai continuar assim pro resto da vida. J me estressei, j conversei, no muda. Ento, resolvo, que o meu horrio a partir de 8:30 que a gente vai pro interior e eu dependo dele. A gente no ta junto? E assim, tem algumas coisas que ele no muda. (Enfermeira, 2, Municpio 2). Assim aconteceu do mdico ter planto em determinado lugar ai no querer vir trabalhar dois dias na semana. Eu tenho planto em tal lugar. Porque quer somar mais dinheiro. S que ele tem que dar aquelas quarenta horas. Faltar e ter aquele compromisso que j surgiu. J surgiu do mdico desmerecer o agente de sade, at j teve mdico que tentou me desmerecer. Mas eu mostrei o meu conhecimento cientifico e a relao j se tornou um pouco melhor. J teve momentos dessa forma. Mas j teve momentos de eu trabalhar com mdicos que eu gostei muito. Que ele trabalhou junto comigo embora ele achava que a estratgia sade da famlia no fosse tanto o que eu acho. Que eu acho que uma soluo tem vrias outras solues. E ele um profissional bom. Tem esse tipo tambm. Tem aquela pessoa que porque doutor entre aspas, aquele que pode chegar mai